NÚCLEO CULTURAL DA HORTA

núcleo CULTUR LV 2015 da horta Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Edição / Publisher Núcleo Cultural da Horta

Editor / Editor Ricardo Manuel Madruga da Costa

Editora-Adjunta / Assistant Editor Magda Costa Carvalho

Conselho Editorial / Editorial Committee Jorge Costa Pereira José Damião Rodrigues Ricardo Serrão Santos Susana Goulart Costa Urbano Bettencourt Vamberto de Freitas

Assessoria Científica / Scientific Adviser Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo

Endereço postal / Mailing address Apartado 179 9900-909 HORTA e-mail do editor / editor's e-mail [email protected] [email protected]

Capa / Cover design Vítor Marques

Concepção gráfica / Design PUBLITO – Estúdio de Artes Gráficas, Lda. BRAGA - Portugal

Tiragem / Circulation 350 exemplares / 350 copies

Depósito legal / Catalog publishing data 128988/98

ISSN 1646-0022

A edição online dos números anteriores encontra-se acessível em http://www.nch.pt Online edition of previous numbers can be accessed via http://www.nch.pt Conteúdos Contents

Editorial / Editorial por Magda Costa Carvalho...... 9

DIREITOS HUMANOS: ATUALIDADE E PERSPECTIVAS HUMAN RIGHTS: SOME PERSPECTIVES

Nota introdutória ao dossier “Direitos Humanos: atualidade e perspetivas” Introductory remarks to the topic “Human Rights: some perspectives” por Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo...... 13

Entre universalismo e relativismo: para uma ética intercultural Between universality and relativism: towards an intercultural ethics por Acílio da Silva Estanqueiro Rocha...... 23

From culturalization of human rights to the right to culture Da culturalização dos direitos humanos ao direito à cultura por Anita Budziszewska...... 43

A (in)cultura dos direitos humanos The (non)culture of Human Rights por António Teixeira Fernandes...... 55

Direitos humanos e direitos das crianças Human rights and children’s rights por Armando Leandro...... 73

Direitos humanos e integração europeia Human rights and European integration por Carlos E. Pacheco Amaral...... 85 O trabalho da UMAR nos Açores. Percurso feminista dos direitos das mulheres e a igualdade The intervention of UMAR in the Azores. Feminist perspective of women’s rights and equality por Clarisse Canha...... 93

O modo como a AMI trabalhou, trabalha e pretende continuar a trabalhar em prol dos Direitos Humanos The way AMI worked, works, and intends to continue to work in the promotion of Human Rights por Fernando Nobre...... 111

O Provedor de Justiça: da sindicância da má administração à defesa dos Direitos Humanos The Ombudsman: from the supervision of maladministration to the defense of human rights por Miguel Menezes Coelho...... 119

Da informação à autorregulação: prevenção da violência nas relações íntimas From information to self-regulation: prevention of violence in intimate relations por Sandra Furtado...... 137

Direitos humanos em tempo de crise. Três teses sobre uma tarefa inacabável Human rights in critical times. Three perspectives on a never ending task por Viriato Soromenho-Marques...... 147

O direito de resistência como direito humano fundamental The right to resist as a fundamental human right por Vladimir Safatle...... 155

VÁRIA CONTRIBUTED PAPERS

A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920 The emigration of Corvo Island. 1800-1920 por Hélio Nuno Santos Soares...... 167 Relevância das exportações de vinho do Pico na economia dos Açores nas duas primeiras décadas do século XIX Relevance of the exports of Pico wine in the economy of the Azores in the first two decades of the nineteenth century por Ricardo Manuel Madruga da Costa...... 207

MEMÓRIA MEMORY

Travels in the Azores in the mid-1890s. Reports to the «Inter-Ocean» Viajando nos Açores a meados dos anos 90 do século XIX. Reportagens para o jornal Inter-Ocean por Fannie B. Ward (edited by George Monteiro)...... 265

REVISTA DE LIVROS BOOK REVIEWS

(2014) Carlos Manuel Gomes Lobão, Uma Cidade Portuária – a Horta entre 1880-1926. Sociedade e Cultura com a Política em Fundo. 2 Volumes, Horta, Ed. do Autor. por José Miguel Sardica...... 373

(2014) Envelhecer e Conviver (coord. Teresa Medeiros, Carlos Ribeiro, Berta Pimentel Miúdo e Adolfo Fialho). Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. por Avelino de Freitas de Meneses...... 379

(2014) Rui Bettencourt, Políticas para a empregabilidade. Lisboa, Actual Editora. por Álvaro Borralho...... 385

(2014) Alfredo Mesquita, A América do Norte. Lisboa, Tinta-da-China; FLAD. por Álvaro Borralho...... 391

(2014) Inventário do Património Imóvel dos Açores – Angra do Heroísmo. Terceira. Angra do Heroísmo, Ed. Direcção Regional da Cultura; Instituto Açoriano de Cultura. por Isabel Soares Albergaria...... 397 (2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia), Os vencedores do medo. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia), O primeiro dia de aulas. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. por Catarina Figueiredo Cardoso...... 405

(2014) Álamo Oliveira, Marta de Jesus – A Verdadeira. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. por Urbano Bettencourt...... 407

(2014) Adrien Bosc, Constellation. Paris, Éditions Stock. por Urbano Bettencourt...... 411

(2014) Duarte Chaves, Os Terceiros e os seus Santos de Vestir: Os últimos guar- diões do património franciscano na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores. Ribeira Grande, Câmara Municipal. por João Paulo Constância...... 415

PANORAMA EDITORIAL EM 2014 2014 PUBLISHED BOOKS OVERVIEW...... 419

BOLETIM DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA

Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926) e as ciências do mar nos Açores Riding on the crest of a wave. Afonso Chaves (1857-1926) and marine sciences in the Azores por Conceição Tavares ...... 427

EQUIPA EDITORIAL EDITORIAL TEAM...... 447

LISTA DE AUTORES INDEX OF AUTHORS...... 453

Notas Editoriais Editorial Notes...... 461 Editorial Editorial

O Millennia2015 foi lançado pela marcado importantes momentos da ONG Destree Institute em 2007, con- história contemporânea, umas vezes sistindo num projeto alargado de in- conseguida com maior sucesso, ou- vestigação e pesquisa sobre a relevân- tras ainda a aguardar oportunidade. cia das mulheres como força motriz Conforme mostram os indicadores da Humanidade. Conta com o alto do Millennia2015, muito há ainda patrocínio da UNESCO e tem acolhi- a fazer para que o conceito de “ser do diversos parceiros internacionais. humano” seja entendido na riqueza A iniciativa destaca o papel decisivo multifacetada dos vários grupos que que as mulheres devem desempenhar o constituem, sejam de homens ou de nas sociedades contemporâneas, en- mulheres. E quão importante seria quanto importantes agentes de desen- que o Mundo acordasse para a rele- volvimento futuro e construtoras de vância da diversidade enquanto fator alternativas decisivas para os desa- diferenciador de uma vida qualitati- fios globais hoje enfrentados pelo ser vamente mais completa! O cumpri- humano. mento desse desiderato será um passo Infelizmente, as mulheres represen- seguro na direção de uma sociedade tam apenas um dos grupos humanos verdadeiramente humana, porque que, por motivos diversos, têm enca- mais autêntica. rado séria exclusão social e cuja igual- É precisamente neste âmbito que se dade de oportunidades e de acesso a inscreve o presente número do Bole- bens se encontra comprometida. São tim do Núcleo Cultural da Horta. Sem grupos cuja narrativa milenar se tem pretendermos restringir a reflexão à constituído em torno de direitos sufo- estrita problemática dos direitos das cados e de prerrogativas nem sempre mulheres, foi entendimento da nossa reconhecidas. Equipa Editorial que o Millennia2015 Todavia, a luta pelo reconhecimento seria um excelente mote para pensar- dos direitos dos seres humanos em mos um conceito-mãe hoje largamen- situação de maior vulnerabilidade tem te reconhecido e alvo de importantes 10 Boletim do Núcleo Cultural da Horta estudos um pouco por todo o mundo: como com a forma como é o mesmo os Direitos Humanos. encarado e consubstanciado institu- Com a maestria de uma Assessora cionalmente. Científica a quem manifestamos um No tocante aos conteúdos que com- profundo agradecimento pela perti- põem as outras rubricas da Revista, nência e rigor com que organizou o são estudos de relevância para a com- caderno principal deste número, a preensão de aspetos da vida açoriana, Doutora Berta Pimentel Miúdo, Pro- que desde há séculos marcam a nossa fessora Auxiliar no Departamento de identidade social e cultural enquanto História, Filosofia e Ciências Sociais Região: seja o fenómeno da emi- da Universidade dos Açores, temos a gração a partir da realidade da mais grata honra de apresentar um exce- pequena ilha do Arquipélago, seja o lente volume em torno da temática impacto da produção e exportação “Direitos Humanos: atualidade e vinícola no Pico ou as narrativas de perspetivas”. viagens nos Açores. Com contributos nacionais e inter- Fechamos com a Revista de Livros, nacionais de muito abalizadas penas, em que mantemos atualizada a publi- o Boletim marca assim o seu lugar cação de estudos que têm os Açores nos estudos em torno de tão impor- como pano de fundo. tante temática filosófico-política. Tal Mais uma vez, este é um alinha- como aconteceu nos números ante- mento que muito orgulhosos nos riores, procuramos enquadrar o tema deixa, já que estamos certos de cola- no contexto do nosso Arquipélago, no borar no cumprimento dos objetivos entanto o dossier extrapola essa abor- estatutários que norteiam o Núcleo dagem. Os Direitos Humanos são Cultural da Horta, pela promoção apresentados transversalmente, en- de uma publicação que oferece, não quanto categoria filosófica e marco apenas aos Açorianos, mas a qual- político, de acordo com um enten- quer cidadão do mundo, o reconheci- dimento universal do conceito, bem mento da sua humana identidade.

Magda Costa Carvalho Direitos Humanos: atualidade e perspectivas

Human Rights: some perspectives

Nota introdutória ao dossier “Direitos Humanos: atualidade e perspectivas”

Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo Universidade dos Açores

Os direitos humanos estão na ordem do dia. Esta afirmação retrata bem os nossos tempos, independentemente de datas concretas e de agendas de trabalho específicas. Tal acontece normalmente pelas piores razões, pois as sistemá- ticas violações dos direitos humanos que invadem as esferas públicas, através dos meios de comunicação e das redes sociais, são de tal forma acutilantes que geram descrédito e ceticismo, abafando a importância da lei estabelecida e a eficácia da ação de múltiplos agentes em prol dos direitos humanos. O que é crime parece a norma, o que é desvio parece a regra. Importa e torna-se urgente inverter esta situação. Por isso mesmo, nunca é demais sublinhar a grandeza do projeto que os direitos humanos procuram pôr em prática, pro- jeto que inclui a crítica e a denúncia de violações, mas que pretende sobretudo a edificação de sistemas de direito eficazes e assentes em valores. Afirmar que os direitos humanos estão na ordem do dia revela um teor formal, próprio de contextos de discussão institucionalmente organizados, que deve, no entanto, ser entendido em sentido lato, ou seja os direitos humanos a todos interessam e, na devida conta e medida, a todos responsabilizam. Não são, pois, matéria exclusiva de discussão para assembleias-gerais, ou conselhos, de organizações internacionais e de conferências diplomáticas, pelo contrário, os direitos humanos são, e devem ser, o lema da ação de agentes governamentais e não-governamentais, nos âmbitos internacional, nacional, regional e local, bem como o imperativo do nosso agir responsável. Reescrevendo as palavras iniciais: os direitos humanos devem ser a preocupação dos nossos dias. A perene atualidade dos direitos humanos decorre também da sua importância na contemporaneidade, de tal forma que um reconhecido filósofo contempo- râneo, Norberto Bobbio, alcunhou os nossos tempos como a era dos direitos. Os direitos humanos são importantes, lê-se com frequência nos inúmeros trabalhos que refletem sobre o tema, aduzindo‑se uma pluralidade de argu- mentos e de perspetivas para esclarecer e dimensionar essa verdade. Não 14 Boletim do Núcleo Cultural da Horta obstante, todas essas razões convergem para a razão última dos direitos humanos: a dignidade humana, a dignidade da pessoa. O conceito de dignidade é a pedra angular dos direitos humanos. Desde 1948, com a adoção e proclamação, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), da famosa e matricial Declaração Universal dos Direitos Humanos, a dignidade humana tem lugar central nos documentos e discursos sobre a matéria. São consabidas as palavras que fazem do “reco- nhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis” o alicerce de um mundo melhor, fundado na tríade composta por liberdade, justiça e paz, bem como a contun- dência com que no Artigo 1.º do mesmo documento se estipula que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”1. Como se depreende, a definição do conceito é preterida em favor da uma subentendida compreensão do mesmo, de timbre universalista, como expressão da natu- reza humana, natureza esta que exige respeito. Nos Pactos Internacionais adotados em 1966 pela mesma organização, nos respetivos preâmbulos, é repetida a ideia de dignidade como expressão da essência do ser humano, porém acrescentando-se que os referidos direitos, iguais e inalienáveis, “decorrem da dignidade inerente à pessoa humana”2, o que faz da dignidade, igualmente, uma força motriz geradora de direitos. Em tempos mais recentes, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, entrada em vigor em 2009, após a assinatura do Tratado de Lisboa, consagra a “Dignidade” como Título I. Sem definir o conceito, afirma‑se no Artigo 1.º que “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida”3. A aparente redundância da formulação jurídica não deixa de ser interessante, pois ao criar um ‘espaço sagrado’ cria também linhas de defesa horizontais e verticais desse reduto essencial, mas também não deixa de ser preocupante, precisamente porque vinca as dificuldades do seu reconheci- mento e confirma a suspeita da sua vulnerabilidade. A Carta dos Direitos

1 Declaração Universal dos Direitos Humanos, in http://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/III- PAG3_1_3.htm (consultado a 15 de dezembro de 2014). 2 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, in http://direitoshumanos.gddc.pt/ 3_1/IIIPAG3_1_6.htm (consultado a 15 de dezembro de 2014). 3 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, in http://www.europarl.europa.eu/ aboutparliament/pt/20150201PVL00015/Direitos-humanos (consultado a 15 de dezembro de 2014). Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 15

Fundamentais da União Europeia é, neste aspeto, um documento importante e original por razões de ordem formal e substantiva, pois não só destaca a dignidade do ser humano na sua primeira parte, o que deve ser interpretado como fundamento do restante articulado, como também associa à dignidade um núcleo de direitos substantivos, que inclui o direito à vida, o direito à integridade física e mental, a proibição da tortura e dos tratos ou penas desu- manos ou degradantes, bem como a proibição da escravidão e do trabalho forçado. A inclusão do conceito de dignidade humana nos documentos legais contem- porâneos tem espicaçado a reflexão sobre as metamorfoses semânticas do conceito, bem como sobre o seu sentido último. Na sua origem etimológica, do latim dignitas, dignidade refere-se a um estatuto social de diferença, especial- mente elevado e com conotação positiva de mérito, que exige o respeito dos outros. Este estatuto vai esbater-se nos seus contornos exteriores deixando-se impregnar pela moralidade, graças, por exemplo, à lei natural cristã, que Pico della Mirandola superiormente ilustra no seu Discurso sobre a Dignidade Humana, também graças ao trabalho dos teóricos do jusnaturalismo moderno quando concebem a junção das ideias de igualdade e de dignidade. A conceção moral universalista de dignidade atinge o seu ponto culminante na tese kantiana do reino dos fins, no qual o homem como fim em si mesmo tem um valor absoluto. Num ensaio recente, publicado em 2012, com o sugestivo título The Concept of Human Dignity and the Realistic Utopia of Human Rights, Habermas regressa ao tema e enfatiza a conexão conceptual entre dignidade e direitos humanos, referindo-se à dignidade humana como o “portal” através do qual “a igualitária e universalista substância da moralidade é importada para o direito”4. A dignidade humana é, também, entendida como a “arti- culação conceptual que liga a moralidade do respeito igual para todos com a lei positiva”5. Ainda neste texto, Habermas compara a dignidade humana a um sismógrafo, sensível aos perigos e abalos da ordem legal e política. É uma imagem interessante, especialmente para nós Açorianos que, morando em ilhas de sismicidade feitas, bem sabemos a importância dos instrumentos de

4 Jürgen Habermas, “The Concept of Human Dignity and the Realistic Utopia of Human Rights”, in Corradetti, Claudio (Ed.), Philosophical Dimensions of Human Rights. Some Con- temporary Views, Dordrecht / Heidelberg / London / New York, Springer, 2012, p. 68. 5 Ibidem. 16 Boletim do Núcleo Cultural da Horta aviso e dos mecanismos de proteção. Assim, uma “síntese improvável”6 entre moralidade e direito encontra na dignidade humana e nos direitos humanos o terreno fértil, qual força explosiva, para o cultivo do ideal de uma sociedade justa. Para Habermas, a feição moral de universalização exige a feição legal de individualização para que a dignidade humana possa significar e realizar, jurídica e politicamente, o “valor único de cada pessoa”7. A razão última dos direitos humanos exige, pois, a exploração de veios pro- blemáticos para a sua plena compreensão. Estes veios são de ordem teórica, prática e crítica, consoante seja privilegiada a reflexão sobre os fundamentos e a natureza dos direitos humanos, seja analisada a ação de agentes governa- mentais e não-governamentais ou seja avaliado o projeto humano em causa, respetivamente. Ressalve-se que estes filões de problemas estão necessaria- mente interligados, mas não se justapõem. Em termos académicos, os direitos humanos são matéria controversa, com- plexa e necessariamente interdisciplinar, cativando a reflexão de filósofos, politólogos, sociólogos, economistas, juristas, etc. Para além desta abran- gência teórica, os direitos humanos revelam igualmente uma dimensão prática incontestável, comummente veiculada no ativismo, que movimenta milhares de pessoas em prol de múltiplas causas. Os direitos humanos são apelativos, na teoria e na prática, não obstante a crítica e a enormidade do desafio que enfrentam. Veja-se, por exemplo, o que acontece com os fenómenos da fome e da pobreza, extrema ou não, que em vez de serem erradicadas persistem teimosamente em expandir-se, seja a propósito da famigerada crise, seja a propósito da deflagração de mais um violento conflito armado. Ou ainda o flagelo da nova escravidão, resultante do tráfico de seres humanos para fins sexuais e laborais, apresentado em numerosos relatórios como um dos negó- cios criminosos mais lucrativos dos nossos tempos, concorrencial mesmo como o narcotráfico e a venda ilegal de armamentos. Pobreza e nova escra- vidão são apenas dois, e graves, atentados contemporâneos contra o logos dos direitos humanos. O ano de 1948 é simbólico e decisivo para os direitos humanos, porém não corresponde à génese deste projeto. A viagem de descoberta das origens dos direitos humanos encontra, no contexto ocidental, as suas raízes mais profun- das no pensamento filosófico da antiguidade, na moral cristã e também na

6 Ibidem, p. 69. 7 Ibidem, p. 72. Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 17 tradição reivindicativa de limitação do poder régio, que tem na Magna Carta, de 1215, um importante episódio. Aristóteles, por exemplo, tem sido frequen- temente convocado para uma compreensão mais profunda do significado con- temporâneo dos direitos humanos, seja pela sua conceção de sabedoria prática, phronesis, seja pela função da endoxa na argumentação dialética, que aponta para um contexto de opiniões partilhadas, ou partilháveis, por todos, pela maioria, ou por aqueles com competência para tal8. O interesse de uma viagem deste calibre, não isenta do perigo de generalizações erróneas e de compara- ções equívocas, é grande, mas ultrapassa largamente os nossos propósitos. A maioria dos especialistas aponta a modernidade, concretamente o século xviii, como o momento de emergência da marcha revolucionária e reivin- dicativa dos direitos humanos. Surge então a chamada primeira geração de direitos, centrada no conceito matricial de liberdade, no seu desdobramento plural, e fundada num contexto teórico jusnaturalista, liberal e contratualista. Sem esquecer o recorte de individualismo, pois os direitos reivindicados são direitos subjetivos, de natureza civil e política. A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia9, de junho de 1776, bem como a parte preambular da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a que se junta em finais da década de oitenta do mesmo século a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão10, aclamada no calor do processo revolucionário francês, são documentos onde estão plasmadas essas reivindicações de direi- tos, surgidas em contextos de crise e de novas experiências de cidadania. Aliás, a senda dos direitos humanos é balizada pela luta, quer física quer por ideais. No combate de ideias é de realçar a importância das correntes socialistas do século xix para a reivindicação de direitos económicos, sociais e culturais, que constituem a chamada segunda geração de direitos, onde estão incluídos os direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança social e a um nível de vida suficiente para cada pessoa e para as suas famílias. Relativamente a este último direito, a formulação jurídica nos documentos contemporâneos

8 Cf., por exemplo, Enrico Berti, “Philosophy and Human Rights”, Ontology Studies 11, 2011, pp. 21-27. 9 The Virginia Declaration of Rights, in http://www.archives.gov/exhibits/charters/virgi nia_ declaration_of_rights.html (consultado a 26 de março de 2015). 10 Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, in http://www.legifrance.gouv.fr/Droit- francais/Constitution/Declaration-des-Droits-de-l-Homme-et-du-Citoyen-de- 1789 (consul- tado a 26 de março de 2015). 18 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

é perigosamente evasiva. Não obstante a referência às condições mínimas que devem ser garantidas: habitação alimentação, roupa e, mais recentemente, água e saneamento, dá-se, no entanto, aos Estados, sujeitos passivos sobre os quais impende a obrigação de garantir tais condições, margem de mano- bra para protelar a sua implementação, pois é de uma progressividade que se trata. Embora não seja o único fator, assim se justifica que, não progressiva mas exponencialmente, aumente o número de pessoas pobres no mundo e que a justiça distributiva não passe de uma expressão escrita ou dita algures. Retomando o combate de ideias entre liberalismo e socialismo, as reivindi- cações centradas no indivíduo, na sua liberdade para “poder fazer tudo desde que não prejudique o outro”, conforme artigo 4.º da famosa e já referida Decla- ração francesa, sendo os limites da sua ação ditados pela lei, vão ganhar espessura no contexto social, substantivando-se a igualdade em termos econó- micos e sociais na sua correlação com a dignidade. O conceito matricial da segunda geração de direitos é, pois, o de igualdade, não apenas igualdade perante a lei, mas igualdade de oportunidades, tão aclamada quanto esque- cida nos nossos dias. Antero de Quental sublinha esta dimensão, no seu texto “O Pensamento Social”, em palavras que dispensam comentário: “[O Socia- lismo] Consiste na reivindicação do direito pleno de ser homem para todos os homens: um direito efetivo que se exprima por instituições e factos, não por estéreis declarações legais: o direito de ser homem, completamente e para todos; e instituições sociais que a todos deem iguais condições para realizar esse direito”11. A ideia de igualdade encontra eco em todos os documentos contemporâneos de direitos humanos, quer na dimensão formal e universalista de proclamação de direitos iguais para todos os seres humanos, quer na dimensão substantiva negativa de identificação e denúncia de fatores potenciadores de discrimi- nação. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos a listagem é longa e aberta, elencando-se explicitamente no seu Artigo 2.º: “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nasci- mento”, a que se acrescenta a possibilidade de “qualquer outra situação”. Na também citada Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 21.º, a listagem de 1948 é recuperada nos seguintes termos: “É proi-

11 Antero de Quental, Política, Obras Completas, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1994, p. 149. Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 19 bida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nasci- mento, deficiência, idade ou orientação sexual”. Como se pode constatar, não se trata apenas de uma atualização, na qual a referência a raça deveria ter sido eliminada, mas de um novo enquadramento de luta que, por um lado, destaca a discriminação de género, colocando o sexo em primeiro lugar em detrimento da raça e da cor da pele, como acontecia em 1948, e, por outro lado, identifica explicitamente novos e preocupantes fatores de discriminação: pertença a uma minoria nacional, características genéticas, deficiência, idade e orientação sexual. A importância desta explicitação não decorre obviamente do simples aumento quantitativo dos fatores discriminatórios, pois alguns deles já existiam embora omitidos, mas da novidade, isto é do surgimento de novas formas de discriminação, logo de violação dos direitos humanos. De sublinhar que embora se trate de um documento referente a um sistema regional de proteção dos direitos humanos, o sistema europeu, o seu conteúdo reflete preocupações universais. A título de exemplo, a discriminação em função da idade tornou-se viral, como é usual referir-se nas redes sociais, e contaminou gerações de pessoas. Veja-se o caso do direito ao trabalho. A crise atual projetou para o desem- prego milhares de pessoas que, por um lado, são consideradas demasiado jovens para usufruírem de medidas protetoras da segurança social e, por outro lado, são demasiado velhas para conseguirem novos empregos. Também a questão das pessoas idosas, cujo número aumentou em proporção direta com as violações dos seus direitos humanos. O flagelo dos abusos e da violência contra as pessoas idosas, seja em termos físicos, psicológicos ou sociais, é de tal magnitude que a ONU, através do Conselho de Direitos Humanos, consi- derou prioritário introduzir um novo procedimento especial, em 2014, con- cretamente a figura de um perito independente, cargo assumido por Rosa Kornfeld-Matte, cujo mandato tem por objetivo principal avaliar a implemen- tação do que está estabelecido nos documentos internacionais relativamente à proteção dos direitos humanos das pessoas idosas, propiciando a discussão sobre a adoção de novos instrumentos jurídicos12. A linguagem dos direitos

12 Informação disponível in http://www.ohchr.org/EN/Issues/OlderPersons/IE/Pages/IEOlder Persons.aspx (consultado a 20 de dezembro de 2014). 20 Boletim do Núcleo Cultural da Horta humanos é, pois, uma linguagem viva, que procura traduzir em palavras os perigos registados pelo sismógrafo da dignidade humana. A este propósito, importa referir que Portugal assumiu recentemente fun- ções como membro eleito do Conselho de Direitos Humanos, para o triénio 2015-2017, o que segundo o comunicado oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros representa uma oportunidade única para a projeção do país na cena internacional e para a participação ativa na tomada de decisões rele- vantes em matéria de direitos humanos. No mesmo comunicado é anunciado que as “violações e os abusos dos direitos humanos cometidos em zonas de conflito armado, especialmente os que são perpetrados contra os grupos humanos mais vulneráveis”, e a punição dos respetivos prevaricadores, serão a prioridade da intervenção portuguesa. Mas também é referido que Portugal pretende apresentar iniciativas em prol do “direito à educação, dos direitos económicos, sociais e culturais”, não descurando o compromisso na “elimi- nação da violência contra as mulheres” e na “proteção dos direitos humanos das pessoas e grupos mais vulneráveis”13. Entre a palavra oficial e a ação política costuma cavar-se um fosso de esquecimento. Confiemos que não seja este o caso. Repegando na ideia de que a linguagem dos direitos humanos é uma lingua- gem viva, importa não esquecer as novas gerações de direitos que surgiram na segunda metade do século passado: a terceira, integrando os direitos ditos de solidariedade, que pretendem proteger as gerações humanas presentes e vin- douras, onde se inserem os direitos à paz, ao desenvolvimento, ao ambiente e ao património comum da humanidade; a quarta, surgida na reta final do século passado, tem por objeto preservar a dignidade humana de violações decorrentes da introdução e do desenvolvimento das novas tecnologias, seja ao nível da medicina e das ciências da vida, seja ao nível da informática. No primeiro campo incluem-se as preocupações a que a bioética procura dar resposta. No segundo campo retoma-se a proclamação do direito à privaci- dade, agora no seio da complexa teia da era digital. Há, portanto, um dinamismo interno de emergência de direitos humanos que se revela na sequência geracional, num processo eivado de controvérsias, bem como um dinamismo externo de positivação, com a adoção de novos instru- mentos legais e a implementação de novos mecanismos de proteção. Porém,

13 Disponível in http://www.Portugal.gov.pt/media/2283722/20141231-cdh-portugal-comunicado.pdf (consultado a 31 de dezembro de 2014). Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 21 tudo isto é muito mais do que um simples somatório de parcelas indepen- dentes entre si, pois a dignidade humana fundamenta a interdependência e a indivisibilidade de todas as categorias de direitos humanos. A compartimen- tação dos direitos serve apenas os intuitos dos prevaricadores, muitos deles abusando do direito à palavra em tribunas de larga influência mundial. Os direitos humanos são definidos pela ONU como um conjunto de garantias universais que protegem indivíduos e grupos contra as ações ou omissões dos governos que atentam contra a dignidade humana. É uma perspetiva de teor marcadamente funcional e político que sublinha a universalidade, a inalie- nabilidade e a interdependência dos direitos humanos. Muitos pensadores contemporâneos, entre os quais Charles Beitz, têm sublinhado a importância de uma abordagem prática dos direitos humanos, denunciando o enviesamento, perigosamente cético, de algumas teses estritamente morais. Considera Beitz que os direitos humanos são e devem ser essencialmente uma prática, ou seja “um conjunto de normas de regulação do comportamento dos Estados, a que se associa um conjunto de modos e de estratégias de ação justificados pela vio- lação das normas”14 e envolvendo múltiplos agentes. Apesar da radicalidade desta conceção, não deixa de ser interessante olhar para os direitos humanos como uma prática justificativa de uma ação de amplitude cosmopolítica. O começo do novo milénio ficou marcado pela violência da ameaça terro- rista que, em larga medida, abafou outros importantes desenvolvimentos em matéria de articulação entre paz, segurança e direitos humanos, como foi o caso da discussão em torno dos conceitos de intervenção e soberania, desen- cadeada pelo repto de Kofi Annan, então Secretário-Geral da ONU, e que levou à criação de uma comissão especializada (International Commission on Intervention and State Sovereignity – ICISS). Dos trabalhos desta comissão, expressos num relatório publicado em dezembro de 2001, ressalta a expressão que deve pautar uma nova atitude da comunidade internacional perante crimes de genocídio, de promoção da guerra, de limpeza étnica, no fundo crimes de lesa-humanidade: responsabilidade de proteger (nas siglas em língua inglesa RtoP ou R2P). Em 2005, no relatório In Larger Freedom: Towards Develop- ment, Security and Human Rights for All 15, Kofi Annan assume definitiva-

14 Charles Beitz, The Idea of Human Rights, Oxford, Oxford Univ. Press, 2013, p. 8. 15 In Larger Freedom: Towards Development, Security and Human Rights for All, in http:// www. ohchr.org/Documents/Publica tions/A.59.2005.Add.3.pdf (consultado a 20 de dezem- bro de 2014). 22 Boletim do Núcleo Cultural da Horta mente a importância desta matéria, que identifica soberania com responsabi- lidade de proteger as populações e que impõe à comunidade internacional a responsabilidade de coadjuvar nessa importante missão os Estados que não o consigam fazer sozinhos e, especialmente, impõe à comunidade internacional a obrigação de intervir, inclusive recorrendo ao uso da força, decretado pelo Conselho de Segurança da mesma organização, no caso de um Estado falhar na R2P ou ser ele próprio o prevaricador. Ascendem à quinzena os projetos implementados no contexto da R2P nos últimos dez anos, apresentando-se esta sigla como o embrião de uma nova ordem mundial, sem entraves nem fronteiras quando o que está em causa é a proteção de pessoas e de popula- ções inocentes16. Obviamente que ainda há muito para fazer. O dossier temático, agora apresentado, “Direitos Humanos: atualidade e perspetivas”, pretende ser um contributo, plural e crítico, para a reflexão sobre as temáticas dos direitos humanos. Nasceu de um desafio institu- cional, na senda do programa da ONU para a eliminação da violência contra as mulheres, e desenvolveu‑se abarcando outros horizontes e problemas. Não foi possível esgotar assuntos, mormente devido à complexidade e abran- gência do tema, mas procurou-se ilustrar a ação de instituições nacionais, de organizações não-governamentais, também a intervenção de profissionais que lidam diariamente com a violência doméstica e com os graves problemas em torno dos direitos das crianças, sem esquecer a reflexão que é desenvol- vida nas academias portuguesas e internacionais sobre esta matéria. Trata-se, pois, de uma pluralidade de leituras sobre a atualidade dos direitos humanos, expostas num entrelaçado de perspetivas.

A todos os autores, que pronta e generosamente acolheram o convite, o nosso agradecimento. Bem hajam!

16 Informação disponível in http://responsibili tytoprotect.org/ (consultado a 20 de dezembro de 2014). Entre universalismo e relativismo: para uma ética intercultural

Acílio da Silva Estanqueiro Rocha

Rocha, A. (2015), Entre universalismo e relativismo: para uma ética intercul- tural. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 23-42.

Sumário: O escopo é reflectir sobre a compatibilização entre as diversidades culturais dos povos e princípios universais próprios dos direitos humanos. Com vista a esse fim, discutem-se, por um lado, temas nucleares entre ética e multiculturalismo, por outro, alguns dos debates mais estrénuos entre os que percorrem uma via universalista e os que adoptam perspectivas comu- nitaristas (das mais moderadas às mais radicais), isto é, entre os que sustêm a justiça como um bem verdadeiramente universalizável e os que se fixam nos bens singulares das formas de vida diversas; neste percurso são dilucidados ainda os conceitos de cultura, identidade, cidadania, representação, e as dualidades de igualdade e diferença e de universalismo e relativismo. Se é verdade que a igualdade não está oposta à diferença mas à desigualdade e a diferença não se opõe à igualdade mas à homogeneização massiva que tende a reproduzir o mesmo, releva então a via que busca o estabelecimento de princípios mínimos a partir dos quais é possível uma concepção de direitos humanos básicos, de carácter universal, sem subestimar as peculiaridades culturais de diferentes povos que não se fecham nas suas especificidades, desde que ambos inscritos no horizonte de uma ética intercultural. Em suma, trata-se do problema dos direitos humanos e o multiculturalismo.

Rocha, A. (2015), Between universality and relativism: towards an intercul- tural ethics. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 23-42.

Summary: Our aim is to reflect about the compatibility between the cultural diversity of peoples and universal principles proper to human rights. With this in mind, we discuss, on the one hand, fundamental themes of ethics and multiculturalism, and, on the other hand, some of the more strenuous debates between those who follow a universalist line and those adopting communitarian perspectives (from the more moderate to the more radical), that is, between those who sustain justice as a truly universalizable good and those attached to the singular goods of diverse forms of life; along the way, we further explore the concepts of culture, iden- tity, citizenship, representation, and the dualities of equality and difference, of universalism and relativism. 24 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Understanding that equality is not opposed to difference, but to inequality, and that difference is not opposed to equality, but to mass homogeneity that tends to reproduce itself, opens the way to the search for a way of establishing minimal principles upon which it becomes possible to anchor a conception of basic human rights, of a universal character, without underestimating the cultural peculiarities of different peoples who do not enclose themselves in their specifici- ties – inasmuch as they are both inscribed within the horizon of an intercultural ethics. In short, this article deals with the problem of human rights and multiculturalism.

Acílio da Silva Estanqueiro Rocha – Universidade do Minho.

Palavras-chave: Direitos humanos, multiculturalismo, universalismo, relativismo, comuni- tarismo.

Key-words: Human rights, multiculturalism, universalism, relativism, communitarianism.

Como sabemos, a multiculturalidade de grupos. Mas não se discutirá aqui floresce em cada dia que passa; por a multiculturalidade; ela é um facto; um lado, assistimos à aceleração da discutir-se-á, sim, os fundamentos globalização, ao declínio das ideo- éticos de algumas das posições multi- logias, à erosão dos Estados-nações culturalistas. soberanos e homogéneos; por outro, emergem as identidades comunitá- Assim, o escopo desta reflexão sobre rias, étnicas, culturais e religiosas. um tema que assedia as sociedades Os quadros tradicionais de referên- há mais de três décadas, é conjugar cia desfizeram-se e a realidade social as diversidades culturais adoptando alterou-se desmesuradamente: as so- uma perspectiva que torne possível ciedades outrora homogéneas trans- a aceitação de princípios tendencial- formaram-se profundamente com o mente universais; ou, por outras pa- concurso de populações oriundas da lavras, trata-se dos direitos humanos imigração. Todavia, confundir multi- e o multiculturalismo. Apesar dos culturalidade com multiculturalismo debates polémicos e das controvérsias é um erro, que, à custa de ser repetido, por vezes muito acesas, o núcleo do parece passar desapercebido. Certa- problema ético, hoje, desenvolve-se mente, o multiculturalismo decorre por entre a alternativa de uma justiça da multiculturalidade: a sua emergên- como um bem verdadeiramente uni- cia tem a ver com a tomada de cons- versalizável e dos bens singulares e ciência de que as sociedades são cons- formas de vida diversas que não têm tituídas por uma enorme diversidade que ser universalmente partilháveis. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 25

1. ética e multiculturalismo

1.1. justiça e a diversidade cultural a) Individualidade frente à comuni- podem sofrer quaisquer compromis- dade? sos; ele justifica esta primazia ba- seando-a na prioridade do justo rela- Muito antes da passagem de século, tivamente ao bom, do eu por relação o multiculturalismo torna-se um ele- com os seus fins. Para os comunitaris- mento sensível dos debates éticos e tas, tal prioridade atribuída aos direi- políticos, contando com defensores tos individuais é exagerada, pois ela e adversários. Foi sobretudo do outro exerce-se em prejuízo de outras virtu- lado do Atlântico que o multicultu- des da comunidade moral e política. ralismo suscitou o debate filosófico A estas críticas, Rawls responde que mais amplo e aprofundado. Com efei- a justiça tal como a concebe diz res- to, durante umas duas décadas, as rela- peito à estrutura base da sociedade, ções entre princípios democráticos isto é, às instituições sociais, econó- e reivindicações das minorias foram micas e políticas fundamentais. São objecto de uma vasta contenda inte- os conflitos que existem a este nível lectual, tendo como protagonistas os que constituem as circunstâncias da “liberais” e os “comunitaristas”. Tal justiça e que reclamam a prioridade controvérsia surge da reformulação da justiça. Além disso, tal prioridade da teoria liberal feita por John Rawls, da justiça não exclui as outras virtudes: em 1971, e da crítica que Michael “Não devemos, evidentemente, supor Sandel suscitou em 1982. Seguiu-se que, na vida quotidiana, as pessoas nunca fazem sacrifícios substanciais um debate tão aceso quão difícil, em pelos outros, já que, movidas pelos razão da heterogeneidade de razões laços de afeição e de sentimento, propostas pelos dois campos e da tal ocorre com frequência. Mas tais recusa de uns e de outros em reconhe- acções não são exigidas, em nome cerem-se nesta ou naquela posição; da justiça, pela estrutura básica da além disso, a clareza do debate é ainda sociedade”1. obscurecida pelo facto de que as posi- ções de uns e de outros têm evoluído 1 ao longo dos tempos. John Rawls, A Theory of Justice, Oxford/ New York/Toronto, Oxford University Press, Na obra Uma Teoria da Justiça, Ra- 1971, p. 178; Id., Uma Teoria da Justiça, wls defende o indivíduo face à comu- trad. de Carlos P. Correia, Lisboa, Presença, ni-dade: os direitos do indivíduo não 1993, p. 208. 26 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Em suma, para os liberais, só o indiví- Sandel, a filosofia rawlsiana conduz duo é o titular legítimo de direitos e o a uma concepção de sujeito inade- Estado deve ser neutro relativamente quada para a vida em comunidade, às diferentes concepções comunitá- já que uma sociedade estruturada rias de “vida boa” que o constituem; segundo os princípios da justiça seria ao invés, para os comunitaristas, a muito menos neutra entre concepções comunidade é a principal fonte de concorrentes de bem do que poderia identidade pessoal e o Estado deve parecer à primeira vista; a primazia reconhecer-lhes direitos específicos, da autonomia individual, que funda- de modo que possam sobreviver e menta a pretensão liberal de neutra- constituir a base do respeito do indi- lidade, só pode ser justificada com a víduo por si próprio e da sua auto- adopção de uma certa concepção de ‑estima. Assim sendo, as primei- pessoa, que, ademais, acarreta conse- ras políticas multiculturalistas eram quências muito pouco neutrais, que o objecto da crítica dos liberais e de liberalismo quer admitir: se a autono- defesa dos comunitaristas. mia pressuposta deve assegurar que a Assim, o livro de Michael Sandel, liberdade de um cidadão não interfira O Liberalismo e os Limites da Justiça, nos direitos dos outros cidadãos de é uma das obras-chave que inaugurou exercerem a mesma liberdade, a limi- o debate entre liberais e comunita- tação da autonomia de um só pode ser ristas2. Ao criticar a apresentação de limitada pela necessidade de proteger que Rawls faz do “eu” individual, a autonomia de todos; deste modo, atomístico e desencarnado, Sandel uma concepção de bem subjacente a afirma que o “eu” rawlsiano está valores e projectos comunitários está descomprometido da sua ambiência, posta de lado por tal concepção de das circunstâncias históricas e cul- sujeito liberal. turais nas quais o indivíduo evolui, recusando assim uma concepção da b) Têm as culturas igual dignidade? vida humana predominantemente sob a autonomia individual. Segundo Para o filósofo canadiano Charles Taylor, um dos pensadores comunita- ristas mais influentes, importa pressu- 2 Michael Sandel, Liberalism and the Limits por a igualdade dos valores culturais: of Justice, Cambridge, Cambridge Univer- “Mas a outra exigência que estamos sity Press, 1982. Id., O Liberalismo e os Limites da Justiça, trad. de Carlos E. Pa- agora a examinar é que todos reco- checo Amaral, Lisboa, Fundação Calouste nheçam o valor igual das diferentes Gulbenkian, 2005. culturas; que as deixemos não só so- Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 27 breviver, mas reconheçamos também temperamentos tão diversos, durante o seu mérito”; isso significa presumir um longo período de tempo – que, “que todas as culturas humanas que por outras palavras, articularam o animaram sociedades inteiras, duran- seu sentido do bem, do sagrado, do te períodos por vezes consideráveis, admirável –, possuem, é quase certo, têm algo de importante a dizer aos algo que merece a nossa admiração e seres humanos. (…) O que tem de respeito, mesmo que isso seja acom- acontecer é aquilo a que Gadamer cha- panhado de muitas outras coisas que mou de uma «fusão de horizontes»”3. abominamos e rejeitamos. Talvez o Esta hipótese de partida, segundo a possamos exprimir de outro modo: qual o estudo de qualquer outra cul- seria uma suprema arrogância, afas- tura deve ser abordado de modo a tar, a priori, esta possibilidade”4. Tal produzir essa empatia prevista em presunção de igualdade de valores Verdade e Método, mostra que o mul- das culturas denota também um típico ticulturalismo sustentado por Taylor influxo de Herder, que se manifesta quer atribuir à diversidade cultural o nesta arreigada aderência de igual- que lhe é devido. dade valorativa. Mas quais são os fundamentos desta É interessante constatar que a insis- presunção de igualdade de valor das tência sobre a pertença à comunidade culturas reivindicada por Taylor, para política liga Taylor, e vários outros quem, ademais, a adopção de um comunitaristas, a um certo neo‑aris- modelo cultural interpretativo leva a totelismo. Na verdade, Aristóteles recair no artificialismo? Seguindo o definiu o homem como um “animal seu pensamento, esta presunção de político”5, donde decorre que não igualdade resulta em parte de uma pode afirmar-se a sua identidade inte- indução: “(...) poder-se-ia afirmar que lectual e moral fora de uma comuni- é razoável supor que as culturas que dade. É, aliás, por isso, que afirma: forneceram um horizonte de signi- “É evidente que a cidade é, por natu- ficação para um grande número de reza, anterior ao indivíduo, porque se seres humanos, com caracteres e um indivíduo separado não é auto-

3 Charles Taylor, “The Politics of Recogni- reconhecimento, trad. port. de Marta Mach- tion”, in Amy Gutmann (ed.), Multicultur- ado, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 84, 87. alism: examining the politics of recogni- 4 Ib., pp. 72-73; trad., p. 93. tion, Princepton (New Jersey), Princepton 5 Aristóteles, Política, 1253a 1-5, edição University Press, 1994, pp. 64, 66. Id., Mul- bilingue, trad. António C. Amaral e Carlos ticulturalismo: examinando a política do C. Gomes, Lisboa, Veja, (1988), pp. 52-53. 28 Boletim do Núcleo Cultural da Horta suficiente, permanecerá em relação à resumir-se: determinamos o que é cidade, como as partes em relação ao justo a partir do que é bom, ou o in- todo. Quem for incapaz de se associar verso? Rawls, fiel à tradição liberal, ou que não sente essa necessidade por chega à conclusão que não são os causa da sua auto-suficiência, não faz bens utilitaristas que determinam o parte de qualquer cidade, e será um justo mas que é o justo que determina bicho ou um deus”6. Também Aristó- os limites do que pode considerar-se teles definiu a cidade – a comunidade como bem; quer dizer, o justo é prio- política –, como uma comunidade de ritário por relação ao bem. tipo superior, pois “os homens não No entanto, como nota Charles se associaram apenas para viver mas Taylor, isso acabaria por questionar sobretudo para a vida boa”7. Taylor, se afinal não se reconhece uma ordem ou Sandel, ou Walzer, não devem ser hierárquica entre as diferentes coisas percebidos como comunitaristas anti- que se têm por boas; pois, cada qual liberais. Eles permanecem muito li- reconhece que há diversas categorias gados aos princípios do liberalismo; de bens (o mais digno, o mais válido, todavia, eles criticam o liberalismo o moral e o não moral, o fim, e os que dá primazia aos direitos privados meios, etc.). Para os utilitaristas, uma e negligencia o bem comum; tal crí- vez que a possibilidade de um bem tica realça ainda que a liberdade tem superior é excluída, o único processo necessidade de uma cidadania activa racional consiste em agregar os e participativa e, portanto, duma diversos tipos de bem empiricamente comunidade onde esta se realize ple- dados. Para Kant, ao contrário, é o namente. motivo – agir moralmente – que é decisivo. Para os liberais modernos, c) Entre o justo e o bem, que preva- não é nem o conteúdo, nem o motivo, lência? mas o processo que é determinante; a questão essencial é: seguiu-se o pro- Rawls pôde refutar o utilitarismo, cesso estabelecido previamente para criticando a concepção utilitarista de a justiça? Assim, Rawls declara que a bem, que visa a satisfação dos dese- sua teoria é a de uma justiça proces- jos e das preferências. A questão pode sual pura8.

6 Ib., 1253a 25-30 (pp. 54-55). Walzer, Kymlicka», Politiques et Sociétés, 7 Ib., 1280a 30-35 (pp. 216-217). Cf. Jean- 16 (2) 1997, p. 36, note 16, p. 42, note 33. Luc Gignac, «Sur le multiculturalisme et la 8 Leia-se John Rawls, A Theory of Justice, politique de la différence identitaire: Taylor, § 14, pp. 85-86; trad., § 14, pp. 86-87. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 29

Na base desta escolha em favor de justiça deve ser definida independen- uma via processual está, segundo os temente das práticas particulares de comunitaristas, uma certa compreen- qualquer sociedade”, conforme afir- são da vida humana e da razão, isto é, mou Dworkin, objectando a Walzer. uma doutrina antropológica e, conse- Deste modo, uma teoria da justiça não quentemente, uma concepção parti- deve depender de factos contingentes, cular de bem: “Seria incoerente de- históricos ou culturais e permite uma fender uma teoria do justo negando posição crítica relativamente à socie- que ela tenha um fundamento numa dade. Mas, dizem os comunitaristas, teoria do bem”9. Assim, Taylor afir- não é possível, nem desejável, fazer ma que nenhuma teoria ética, dando inteiramente abstracção dos elemen- precedência ao justo, poderia desen- tos históricos, culturais e tradicionais; volver-se verdadeiramente sem pres- tentar fazê-lo é novamente cometer o supor o bem: “qualquer teoria que dê erro de Platão: “As teorias éticas que primazia ao justo sobre o bem assenta partem da liberdade moderna foram na realidade numa noção de bem, no naturalmente “platónicas” no sentido sentido em que a) é preciso articular de “revisionistas”. A própria ideia da esta concepção do bem para expli- liberdade moderna implicou a capaci- citar as motivações da teoria e em que dade de abstrair-se de todas as nossas b) seria incoerente sustentar uma teo- práticas colectivas e das instituições ria do justo negando que ela tenha um que as mantêm e de as pôr em ques- fundamento numa teoria do bem”10. tão”11. Eis, então, de certo modo, o Se a posição deontológica de Rawls antigo debate de Aristóteles contra contrasta com a via teleológica – o Platão, também de Hegel contra justo deve derivar-se independen- Kant, que é hoje o dos comunitaristas temente do bem –, “uma teoria da contra os liberais.

1.2. No campo das interrogações a) Que identidade? Em diálogo com, carácter intrinsecamente dialógico da por vezes em luta contra… identidade humana. Ele recorda que o pensamento humano se constitui Taylor quer ainda superar o monolo- não no isolamento e na introspecção gismo liberal, confrontando-o com o transcendental, como parece deixar

9 Charles Taylor, “Le juste et le bien”, Revue 10 Ib. de Métaphysique et de Morale, 93 (1), jan- 11 Cf. ib., pp. 43-45. vier-mars 1988, p. 41. 30 Boletim do Núcleo Cultural da Horta crer a posição monológica, mas a das diferenças, afinal uma perspec- partir dos outros e pelo diálogo: tiva homogeneizante. Taylor critica, “Esperamos certamente desenvolver pois, a versão legalista do libera- as nossas próprias opiniões, concep- lismo, que é incapaz de ter em conta ções, posições em relação às coisas, a legitimidade dos projectos morais e num considerável grau, através de dos grupos. uma reflexão solitária. Mas não é assim que as coisas funcionam com b) Que cidadania? “Cidadania mul- os problemas importantes, como a ticultural” definição da nossa identidade. Defi- nimo-la sempre em diálogo com, por Por seu turno, Will Kymlicka pro- vezes em luta contra, as coisas que os cura legitimar uma política de cida- nossos “outros dadores de sentido” dania multicultural baseada na ética querem ver em nós. Mesmo depois liberal: com esse escopo, ele insere a de deixarmos para trás alguns desses sua argumentação no quadro do para- “outros” – os nossos pais, por exem- digma liberal dos direitos e conecta plo –, e de eles desaparecerem das o reconhecimento de uma cidadania nossas vidas, a conversação com eles multicultural com o reconhecimento continua no interior de nós mesmos de direitos colectivos. Assim, partindo para o resto das nossas vidas”12. Ora, de um ponto de vista liberal, mas o pensamento liberal subestima a im- acrescentando alguns aspectos mais portância do outro e do diálogo na comunitários, reclama-se de um en- constituição da identidade moral. foque multiculturalista, sustentando Além disso, a moral liberal limita aquilo a que poderia chamar-se uma a intervenção do Estado: está aí a “teoria liberal dos direitos multicultu- principal crítica que Taylor dirige ao rais”, que o notabilizou por entre os liberalismo: baseando-se numa con- fautores do multiculturalismo. cepção atomizante do sujeito, o libe- Tal como nas posições de inspiração ralismo é incapaz de compreender as comunitária, Kymlicka considera necessidades colectivas e identitárias a pertença cultural como um bem das comunidades. É também sobre fundamental que a teoria liberal não esta base filosófica que Taylor critica pode ignorar. Se os comunitaristas tal posição de não reconhecimento adoptam uma grelha de leitura holís- tica, Kymlicka segue a lógica do 12 Charles Taylor, “The Politics of Recogni- individualismo democrático. Então, tion”, op. cit., pp. 32-33; trad., p. 53. Cf. tam- a concepção moral comunitária faz bém Jean-Luc Gignac, op. cit., pp. 39-41. repousar a constituição da identidade Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 31 moral do sujeito na pertença a uma sários à autonomia e identidade pes- comunidade, a concepção liberal fá‑lo soal; b) a preservação da diversidade na autonomia do sujeito. Segundo cultural e das pertenças culturais Kymlicka, se os liberais dificilmente pode exigir que se garantam direitos reconhecem a existência dos direitos específicos a grupos culturais minori- colectivos, não é porque subestimem tários. Ora, os direitos multiculturais a importância da cultura na constitui- são aqueles direitos (individuais ou ção da identidade, mas porque atri- colectivos) cuja função é proteger o buem um estatuto ontológico dife- contexto de escolha dos cidadãos que rente aos indivíduos e às comunidades. pertencem a culturas minoritárias. No Para os liberais, as culturas não exis- caso que aqui nos interessa, o das mi- tem em si e somente se revestem da norias sem base territorial, Kymlicka importância que lhes for atribuída preconiza aquilo que designa por pelos indivíduos. “Durante muito tem- “direitos poliétnicos”; assim, por po, propus que os pensadores liberais exemplo, entre outros, há o direito deveriam sentir-se interessados pela ao contacto com a administração pú- questão da viabilidade das culturas blica na língua materna, à educação societais. Por um lado, estas contri- bilingue, a um currículo que reconhe- buem para assegurar a autonomia ça a contribuição cultural dos grupos das pessoas e, por outro, as gentes imigrantes, a assentos permanentes sentem-se profundamente ligadas à na assembleia legislativa ou em insti- sua própria cultura”13. Então, o libe- tuições governamentais, ao gozo de ralismo deve ter também em devida feriados religiosos próprios, isenção conta a pertença cultural como um de códigos de indumentária obrigató- bem essencial. rios em instituições ou locais públicos. Kymlicka julga que um Estado liberal Além disso, Kymlicka apresenta uma pode e deve mesmo, sob certas con- outra precisão conceptual susceptível dições, proteger as culturas minoritá- de resolver o conflito teórico liberal rias. Para o mostrar, a sua argumen- entre os direitos colectivos e os di- tação faz-se em dois tempos: a) a di- reitos individuais; distinguindo entre versidade cultural e a pertença a uma “protecções externas” e “restrições cultura são bens fundamentais neces- internas”, afirma: “As protecções externas (external protections) visam garantir que as pessoas são capazes de 13 Will Kymlicka, Multicultural Citizenship, Oxford, Oxford University Press, 1995, manter o seu estilo de vida se assim os p. 94. Cf. também Jean-Luc Gignac, op. cit., escolherem, e não são impedidas de pp. 46-47. o fazer por decisões tomadas por 32 Boletim do Núcleo Cultural da Horta pessoas exteriores à comunidade. As contra a vontade dos nubentes, não restrições internas (internal restric- seriam considerados direitos poliétni- tions) visam forçar as pessoas a man- cos legítimos, na medida em que ter o seu estilo tradicional de vida, configuram restrições internas e não mesmo que elas não queiram esco- protecções externas. Há uma preo- lhê-lo de forma voluntária, porque há cupação bem patente em Kymlicka outro estilo de vida que lhes parece em não sacrificar os princípios de mais atractivo”14. Os direitos colecti- autonomia e de liberdade individual vos tornam-se aceitáveis do ponto de que os liberais apregoam, pretenden- vista da ética liberal somente se eles do, ao invés, conjugá-los com valores permitem a uma comunidade defen- comunitários. der-se contra a hegemonia de uma cultura dominante (protecções exter- c) Que representação? nas); contudo, eles não podem ser As “cinco faces da opressão” invocados para suprimir a expressão dos dissidentes no interior da comu- Por sua vez, Iris Marion Young alarga nidade (restrições internas). Assim, o critério de identificação dos grupos por exemplo, direitos que consagras- com a necessidade do seu reconhe- sem a possibilidade de excisão femi- cimento, ao defender, que, além das nina, ou a possibilidade do casamento minorias nacionais e culturais, exis-

14 Will Kymlicka, Multicultural Citizenship, reivindicar a autonomia de governo quando op. cit., p. 204, n. 11. elas compõem a maioria num território e É a partir de uma argumentação em favor formam uma comunidade histórica. Os imi- dos direitos colectivos que Kymlicka legi- grantes distinguem-se dos nacionais no tima uma cidadania multicultural diferen- plano dos direitos colectivos na medida em cial. Além disso, distingue entre dois tipos que eles imigraram de um modo «individual de direitos multiculturais: 1) os direitos das e voluntário». Eles não poderão reivindicar, minorias nacionais, e 2) os direitos das mi- por exemplo, o direito de se governarem norias étnicas. No plano dos direitos, faz, porque não ocupam um território de modo pois, uma distinção útil entre minorias étni- maioritário; mas Kymlicka reconhece-lhes cas e minorias nacionais. Para este filósofo, direitos poliétnicos: ele pensa que a socie- “é evidente que os grupos de imigrantes não dade de acolhimento deve ser hospitaleira podem reivindicar os mesmos direitos que para com novos chegados a fim de facilitar as minorias nacionais” (Will Kymlicka, «Le a sua integração, reconhecendo-lhes certos libéralisme et la politisation de la culture», direitos distintos. Estes direitos poliétnicos in Michel Seymour, Une Nation peut-elle são direitos a uma representação política se donner la Constitution de son Choix?, equitativa, medidas de discriminação posi- Montréal, Bellarmin, 1995, p. 108. Segundo tiva, financiamento pelo Estado de activi- Kymlicka, as minorias nacionais podem dades particulares, etc. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 33 tem também grupos transversais (as pós-estruturalismo e de correntes do mulheres, os velhos, os trabalhadores, pós-modernismo (Theodor Adorno, os deficientes, grupos que se defi- Jacques Derrida, Michel Foucault, nem em termos de opções sexuais), Julia Kristeva, Luce Irigaray, Jean- frequentemente vítimas de alguma ‑François Lyotard, e outros), afir- forma de opressão – o termo mais mando que a opressão e a dominação apropriado para designar a injustiça devem ser os problemas urgentes a social. “O apelo por justiça está analisar numa nova conceptualiza- sempre situado em práticas sociais ção da justiça, já que “(…) o ideal da e políticas completas que precedem imparcialidade, a pedra angular da e excedem o filósofo. O esforço tra- maioria das teorias morais e teorias dicional para transcender a finitude da justiça, nega a diferença. O ideal em direcção a uma teoria universal da imparcialidade sugere que todas abarca apenas construções finitas que as situações morais devem ser trata- escapam da aparência de contingên- das de acordo com as mesmas regras. cia, normalmente ao tomarem o dado Com a pretensão de fornecer um como necessário”15. Com efeito, a ponto de vista que todos os sujeitos opressão verifica-se muitas vezes de podem adoptar, nega a diferença entre modo subtil, sofrida por vários gru- os sujeitos. Postulando um ponto de pos, no nosso quotidiano. vista unificado e universal dá origem A professora da Universidade de a uma dicotomia entre razão e senti- Chicago, na sua crítica às teorias mento. Geralmente expresso em con- liberais, considera que o principal trafactuais, o ideal da imparcialidade problema da justiça não é o distribu- denota uma impossibilidade. Além tivo (riqueza, acesso a bens e a ser- disso, serve pelo menos duas funções viços, etc.), mas o da “opressão e da ideológicas. Primeiro, pretensões de dominação institucionalizada”, o que imparcialidade sustentam o imperia- envolve logo os campos do “poder de lismo cultural ao permitirem que as decisão e dos procedimentos”, que experiências particulares e as perspec- podem assumir múltiplas formas, tivas de grupos privilegiados sejam incluindo a maneira negativa como exibidas como universais. Segundo, a determinados grupos são represen- convicção que burocratas e peritos tados. Percorrendo uma via onde podem exercer o seu poder de decisão se sente os influxos de variantes do de uma forma imparcial, acaba por legitimar a hierarquia autoritária”16. 15 Iris Marion Young, Justice and the Politics of Assim, a autora demarca-se do con- Difference, Princepton, Princepton Univer- sity Press, 1990, p. 5. 16 Ib., p. 10. 34 Boletim do Núcleo Cultural da Horta ceito de justiça de pendor universa- possível adoptar um ponto de vista lista, típico da modernidade, e das moral não situado, e se um ponto de suas ideias de imparcialidade e de vista está situado, então não pode bem comum, ser universal, não pode distanciar-se Neste enfoque, o ideal da imparciali- e entender todos os pontos de vista. dade é criticado como ocultando um É impossível raciocinar acerca de “imperialismo cultural” que serve os questões de moral substantiva sem interesses de um determinado grupo, entender a sua substância, a qual legitimando a sua autoridade. Daí que pressupõe sempre algum contexto consagre o segundo capítulo – “Cinco social e histórico particular; e não há faces da opressão”17 –, às modulações motivos para formular juízos morais da “opressão” – “conceito estrutural” e resolver dilemas morais a menos que resulta das estruturas sociais e que nos importe o resultado, a menos das formas de decisão instituídas nas que tenhamos um interesse particular sociedades capitalistas, donde deriva e apaixonado no resultado”18. Segun- o funcionamento “opressivo” dessas do Young essa opressão é gerada pelo estruturas, cuja análise se torna im- princípio liberal do universalismo pressiva nessas “cinco faces da opres- abstracto que trata todos os indiví- são” – a exploração, a marginaliza- duos da mesma forma e os avalia ção, a perda de poder, o imperialismo segundo o critério da “normalidade”; cultural e a violência. este critério corresponde às caracte- Neste contexto, se “particularidades rísticas do grupo dominante e, con- de contexto e afiliação não podem sequentemente, é incapaz de garantir nem devem ser removidas da argu- a igualdade entre indivíduos que pos- mentação moral”, “o ideal da impar- suem diferentes identidades e dife- cialidade é uma ficção idealista. É im- rentes modos de vida.

2. Entre universalismo e relativismo a) “As gentes sentem-se profundamente a de Kymlicka (e perspectivas mais ligadas à sua própria cultura” comunitaristas como as de Taylor, etc.) é o de uma deficiente ideia de Um dos problemas que se tem levan- cultura. Esta é central nos argumen- tado em relação a perspectivas como tos multiculturalistas mas é também um dos seus pontos mais fracos. Con- 17 Ib., “Five faces of oppression” (Chapter 2), p. 39 ss. 18 Ib., pp. 97 e 104. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 35 forme Kymlicka afirmou, e já citá- académica do Erasmus, entre os mos, “durante muito tempo, propus jovens na União Europeia, é um que os pensadores liberais deveriam eloquente exemplo disso mesmo, sentir-se interessados pela questão da cujo alcance está longe de se aperce- viabilidade das culturas societais”; ber nitidamente, dados os profundos segundo ele, “as gentes sentem-se reflexos na convivência multicultural profundamente ligadas à sua própria dos cidadãos da União. Hoje, há cul- cultura”19. turas internamente heterogéneas e Se Kymlicka considera – como vimos externamente imbricadas; verdadei- – a pertença de indivíduos a uma ramente, não se pode falar de cultura cultura específica como um “bem so- no singular. cial primário” (no sentido de Rawls), acessível a todos em condições de b) “A cultura não é o problema e a igualdade, não é consentâneo com as cultura não é a solução” suas premissas, já que isso pressu- poria que um indivíduo teria laços Para Brian Barry, na senda rawlsiana, primordiais com a sua cultura, e não pelos liames entre justiça e impar- com outras culturas: essa seria uma cialidade, cidadania e politização visão fragmentária de cultura, con- da cultura não se conjugam entre si. cebendo-as como culturas paralelas A outorga de direitos multiculturais umas às outras, o que não se compa- a grupos específicos ou a membros gina com a miscigenação cultural individuais desses grupos em nome cada vez mais patente na sociedade da cultura, precisamente com o objec- hodierna – culturas caldeadas entre si. tivo de acomodar os conflitos religio- A própria cosmovisão dos sujeitos é sos, é contrária ao modelo unitário de cada vez mais plural, seja por influxo cidadania. Já o próprio liberalismo de uma globalização massiva e célere, surgiu como uma resposta aos confli- pelo influxo nas experiências indi- tos gerados pelo “multiculturalismo” viduais de múltiplos contextos, im- das sociedades europeias dos séculos pregnados pelas leituras e viagens, xvi e xvii, com vista a uma política pela emigração e pelas conversações, equitativa, sob instituições comuns, enfim, pelos media; a experiência entre os seguidores do catolicismo e original, e cada vez mais extensa, dos do protestantismo. intercâmbios a nível da experiência Segundo Barry o conceito de multi- culturalismo assumiu dois usos dis- 19 Will Kymlicka, Multicultural Citizenship, tintos: pode ter um uso descritivo ou Oxford, Oxford University Press, 1995, p. 94. um uso normativo. Ele pode ser uti- 36 Boletim do Núcleo Cultural da Horta lizado descritivamente para designar Nesta sequência, o que importa, ‘pluralismo’ (ou seja, sociedades que como via mais equitativa para supe- incluem uma quantidade variada de rar os conflitos que decorrem do mul- comportamentos e de culturas dife- ticulturalismo, é a afirmação pública rentes), como pode ter um uso nor- de princípios como a liberdade de mativo para designar uma política expressão e de consciência, a liber- específica de intervenção nas socie- dade de associação, a igualdade cívi- dades pluralistas; neste caso, trata‑se ca, a não-discriminação, garantias de de reclamar o poder do Estado a oportunidades iguais21. Tal significa, intervir em defesa de formas culturais para os liberais, que, postos esses ameaçadas. Segundo Barry, Kymlicka princípios em prática com uma confi- confunde os usos descritivos e nor- guração institucional básica da socie- mativos do multiculturalismo; ao per- dade, é possível acolher socialmente ceber que a maioria das sociedades as minorias religiosas e culturais, contemporâneas são pluralistas (e são com os seus costumes diferentes e mesmo), ele argumenta como se isso sem prejudicar os respectivos valores per se fosse um argumento suficiente partilhados no quadro da identidade para a defesa do multiculturalismo em de um grupo ou comunidade. Segun- sentido normativo. Os problemas do Barry, “o problema inescapável é multiculturais resultariam não de o de que as culturas têm um conteúdo diferentes comunidades terem uma proposicional. É um aspecto inevi- cultura distinta, mas em estarem tável de qualquer cultura o de incluir prejudicadas no prosseguimento de necessariamente ideias no sentido de objectivos gerais, no que concerne que algumas crenças são verdadeiras à educação, à saúde, à renda20, cuja e outras são falsas, algumas coisas 22 solução se deve buscar no quadro de são certas e outras erradas” . Assim, uma justiça distributiva. O que é criti- se é um imperativo a tolerância entre cável, segundo Barry, é a adopção culturas, já não é viável o seu reco- de uma posição normativa e um pro- nhecimento igual no sentido multi- grama político no que ao multicultu- culturalista. ralismo diz respeito. Aliás, podem implementar-se polí- ticas equitativas para minorias – tais como a “acção afirmativa” ou a 20 Cf. Brian Barry, Culture and Equality: an “admissão diferenciada”, praticadas egalitarian critique of multiculturalism, Cambridge-Mass., Harvard University Press, 21 Cf. ib., p. 122. 2001, p. 306. 22 Ib., p. 270. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 37 nos Estados Unidos –, para lutar con- que é equivocado atribuir à referência tra discriminações, por exemplo, no cultural o constitutivo desses grupos aceso às universidades, mediante um – negros, mulheres, idosos, homos- tratamento diferenciado com mem- sexuais, minorias étnicas e nacionais. bros de certos grupos, mas visando Se, por exemplo, a integração no os indivíduos e não os grupos23; em- grupo das mulheres está mais na fisio- bora se acabe por beneficiar o grupo logia, será a idade aquilo que caracte- a que pertencem os indivíduos assim riza alguém como membro do grupo beneficiados, não é à comunidade dos idosos, como o que define um enquanto tal que são atribuídas tais indivíduo como pertencendo ao grupo prerrogativas. Não se trata da políti- dos homossexuais será a sua orienta- ca de “reconhecimento” reclamada ção sexual (aliás, para muitos homos- por Taylor, mas de medidas que estão sexuais, nem sequer é essa orienta- na base de oportunidades iguais para ção o elemento organizador de suas alcançar a velha igualdade entre os in- formas de vida). Deste modo, não é divíduos, preconizada pelos liberais. uma cultura particular o núcleo iden- Aliás, para Barry, importa também tificador da identidade de um grupo a protecção de membros individuais ou comunidade, devendo atender-se contra a opressão do próprio grupo. mais às formas de discriminação que A posição de que “a cultura não é o originam situações de injustiça e que problema” deriva dessa outra questão, devem ser combatidas. segundo a qual um grupo se define Daí que, para Barry, “a cultura não é como “um colectivo de pessoas dife- o problema e a cultura não é a solu- renciado de um outro grupo por for- ção”26. Esta posição pode ilustrar-se mas culturais práticas ou pela forma com um “teste de cidadania”, nos ter- de vida”24. Ora, para Barry, um dos mos seguintes: será que o direito x, nós górdios de equívocos do multi- reivindicado em nome da diferença culturalismo, e das suas soluções, é cultural, vai contra interesses funda- a derivação das diferenças de grupos mentais dos cidadãos de um Estado pelos rasgos culturais por estes parti- democrático? Ou será que esse direito lhados”25. Barry retorquiria a Young não afecta interesses fundamentais

23 Ib., p. 113. Cardoso Rosas, “Multiculturalismo e anti- 24 Iris Marion Young, op. cit., p. 43. multiculturalismo: perspectivas sobre a cida- 25 Brian Barry, op. cit., p. 305. dania diferenciada de minorias sem base 26 “Culture is not the problem and culture is territorial”, Actas do II Congresso da Asso- not the solution”, ib., p. 317. No que se ciação Portuguesa de Ciência Política, Lis- segue, na interpretação de Barry, cf. João boa Editorial Bizâncio, 2006, pp. 708-709. 38 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dos cidadãos? No primeiro caso, o usar o capacete, ou até por não pode- direito x não deve ser outorgado e a rem usar os seus punhais ou espadas legislação que o consagra – se exis- em público (devido à proibição geral tir – deve ser revogada; no segundo do uso de armas brancas). Da mesma caso, o direito pode ser outorgado e forma, comunidades judaicas ou mu- é a legislação que coarcta esse direito çulmanas em Itália podem reclamar a – nos casos em que exista – que deve isenção das normas gerais do abate de ser revogada. animais de modo a poderem garantir Note-se que as mesmas leis e polí- que os animais são sangrados vivos ticas não têm de ter o mesmo impacto (para serem kosher, ou hallal). Ora, para todos os indivíduos afectados para Barry, devemos perguntar: será e não há nisso nada de errado. Uma que as isenções requeridas vão contra determinada legislação não trata todos interesses fundamentais dos cidadãos por igual mas equitativamente, com de um Estado democrático? A partir consequências diferentes para os indi- daqui, temos o dilema: se a lei é sufi- víduos afectados: é possível que uma cientemente defensável à luz desses determinada disposição legal afecte interesses, então as isenções não de uma forma decisiva os interesses devem ser concedidas; se, por outro de A e proteja apenas os interesses de lado, não o é, então a razão acon- B; mas isso é inevitável; a lei, por selha, não ao estabelecimento da exemplo, deve proteger os interesses isenção, mas antes à revogação da lei das crianças em não serem moles- e das obrigações que ela consagra. tadas e deve penalizar os interesses Deste modo, segue-se que é do inte- dos pedófilos em molestar crianças. resse da comunidade que o abate de Ora, as isenções reclamadas por animais siga regras estabelecidas de comunidades imigrantes específicas higiene e controlo sanitário, e, por – geralmente em função de práticas isso, não há lugar a isenção das regras religiosas – devem ser consideradas gerais; do mesmo modo, a não isen- à luz do princípio da equidade. Com ção no caso do turbante ou no caso frequência, os pedidos de isenção de do punhal ritual tem a ver com princí- obrigações válidas para todos assen- pios fundamentais relacionados com tam na reclamação de que existe desi- a segurança das pessoas e a segurança gualdade e não falta de equidade; as- rodoviária; se os princípios em causa sim, os Sikhs na Grã-Bretanha podem não forem fundamentais, a isenção reclamar discriminação pelo facto de deve ser concedida a todos, mediante não poderem usar o turbante, porque, a revogação da proibição em causa. como motociclistas, são obrigados a Já no caso da criança Sikh, no Reino Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 39

Unido, que é impedida de frequentar relações que os unem”29. A solução uma escola privada por usar o turban- proposta por Lévi-Strauss consiste te (que não permite usar o uniforme em mostrar que a capacidade para da escola), o uso do turbante não realizar progressos culturais não parece contrário aos fins próprios da deriva de uma superioridade de tal educação; por isso, essa regra proi- ou tal sociedade comparada com as bitiva é discriminatória e deve ser outras, mas antes da aptidão de cada revogada. Como Barry observa, é um para estabelecer trocas mútuas frequente a oscilação entre um uso com os outros. descritivo e um uso normativo de O olhar distanciado – um dos seus “multiculturalismo”27, recaindo-se no títulos30 – ilustra bem a posição do uso normativo. antropólogo: ele observa sociedades afastadas da sua, depois em retorno c) “O olhar distanciado” vê a sua de um ponto de vista distan- ciado. “Quando se quer estudar os O conhecimento dos outros não é homens, é preciso olhar perto de si; simplesmente uma via possível para mas para estudar o homem, é preciso o conhecimento de si: é a única: “ne- aprender a dirigir para longe o olhar; nhuma civilização – escreve Lévi- para descobrir as propriedades, é pre- ‑Strauss – pode pensar-se a si mesma, ciso primeiramente observar as dife- se não dispuser de algumas outras renças”31. Lévi-Strauss, herdeiro con- que lhe sirvam de termo de compa- temporâneo de Rousseau, oferece‑nos ração”28. Não é por demais enfatizar a possibilidade de alargar e aprofun- o alcance deste princípio. Lévi‑Strauss dar o nosso conhecimento e a nossa formulou-o de maneira clara na sua compreensão dos homens e de nós célebre conferência de 1952, em mesmos. Importa reter esta lição: Raça e História: “(…) a diversidade relativizar o etnocentrismo, esta posi- das culturas não deve convidar-nos ção pela qual uma cultura, uma classe para uma observação fragmentária ou um grupo, qualquer que ele seja, ou fragmentada. Ela é menos função tem a tendência para identificar com do isolamento dos grupos que das

30 Claude Lévi-Strauss, Le Regard Éloigné, 27 Ib., p. 22. Paris, Plon, 1983. 28 Claude Lévi-Strauss, Anthropologie Struc- 31 Jean-Jacques Rousseau, Essai sur l’origine turale Deux, Paris, Plon, 1973, pp. 319-320. des langues, cap. VIII, apud Claude Lévi- 29 Claude Lévi-Strauss, Race et Histoire [1952] ‑Strauss, Anthropologie Structurale Deux, Paris, Éditions Gonthier/Unesco, 1961, p. 17. op. cit., p. 47. 40 Boletim do Núcleo Cultural da Horta o seu próprio código a essência elementos universais. Isto é, elemen- humana em geral; desde então, o fim tos que fazem aparecer para aqueles da antropologia é inquirir o universal- que os estudam algo que não é mente humano, mesmo nos represen- somente étnico, mas que fala da exis- tantes da humanidade mais afastados tência humana em geral; e porque de nós. elas compreendem certas formas de Não é a separação das culturas ou racionalidade, as culturas são em o seu isolamento que constitui uma parte universalizáveis, com a condi- sociedade multicultural; é a sua comu- ção que não as interpretemos à luz de nicação: “A tolerância não é uma um fanatismo da diferença. Por exem- posição contemplativa, que dispense plo, quem poderia afirmar que as as indulgências ao que foi ou ao que é. quadras de Omar Kayyam não falam É uma atitude dinâmica, que consiste ao homem sensível do Ocidente como em prever, em compreender e em o “spleen” (poema) de Baudelaire, ou promover o que quer ser. A diversi- ainda que A arte da guerra de Sun dade das culturas humanas está atrás Tzu não diz aos europeus nada de de nós, à nossa volta e diante de nós. profundo sobre a psicologia da con- A única exigência que podemos fazer flitualidade? valer a seu respeito (criadora para Segundo Alain Touraine, “o direito à cada indivíduo dos deveres corres- diferença, isolado de qualquer refle- pondentes) é que ela se realiza sob xão sobre a comunicação intercul- formas em que cada uma seja uma tural, conduz a um relativismo cultu- contribuição para a maior generosi- ral carregado de conflitos insolúveis. dade das outras”32. (…) O pluralismo cultural repousa Mas, sem qualquer dúvida, podería- não na diferença mas no diálogo de mos ir mais longe, e propor uma tese culturas que reconhecem, para além que seria até um veneno prolongado das suas diferenças, que cada uma para os extremistas culturais. Há em contribui para a experiência humana, cada cultura particular, quando os seus e que cada cultura é um esforço de conteúdos não são “absolutizados”, universalização de uma experiência particular”33. A condenação dos fal- sos multiculturalismos, orientados 32 Claude Lévi-Strauss, Race et Histoire [1952], somente para a construção de um op. cit., p. 85. Cf. Wiktor Stoczkowski, «Controverse sur la diversité humaine», Sciences Humaines, hors série spécial nº 8 33 Alain Touraine, “Faux et vrais problèmes”, [“Comprendre Claude Lévi-Strauss”], no- Une société fragmentée?, Paris, La Décou- vembre-décembre 2008, p. 50. verte , 1997, p. 311. Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 41 espaço político culturalmente homo- um lado, salta aos olhos uma certa afi- géneo, deve conduzir a reconhecer‑se nidade entre a teoria de Habermas e que o pluralismo cultural é hoje o a perspectiva universalista dos direi- objectivo principal que cabe ao espí- tos individuais adoptada por Barry, rito democrático34. Todas estas pre- não é menos verdade, por outro lado, missas delineiam um imenso desafio que o modelo habermasiano de demo- para as democracias, e não é certo cracia deliberativa opõe-se à persis- que aquilo que se designa de “multi- tência de um liberalismo insensível culturalismo” esteja à altura da pro- às diferenças culturais35. Por isso blemática. Somente a democracia mesmo o tema do multiculturalismo permite fazer respeitar ao mesmo ocupou a atenção de Habermas, logo tempo a diversidade das culturas e o que irrompeu na cena do debate universalismo dos direitos fundamen- ético-político. tais; mas, a este propósito, é preciso Uma teoria da justiça não pode de- não confundir o ponto de vista cul- pender de factos contingentes, histó- tural com o ponto de vista moral: a ricos ou culturais; ele deve possibi- confusão entre diversidade cultural e litar uma posição crítica da política e enriquecimento moral imuniza toda da sociedade. Todos os seres humanos a cultura da crítica moral. nascem e vivem livres e iguais em direitos e este juízo deve aplicar-se d) Para uma “ética procedimental de a todas as sociedades; obviamente, reciprocidade” as políticas multiculturalistas perdem muito do seu impacto se elas não O debate entre o culturalismo liberal estão estreitamente articuladas com de Kymlicka e o liberalismo iguali- programas de luta contra as desigual- tário de Barry ajuda a esclarecer os dades sociais e económicas. contornos da discussão e permite A nossa posição parte do pressuposto enquadrar com mais propriedade a antropológico das “necessidades hu- posição de Jürgen Habermas. Se, por manas básicas”36 onde se funda uma

34 Ib. p. 319. 36 Cf. Ernst Gellner, Culture, Identity, and 35 A este propósito, e sobre Habermas, ver o Politics, Cambridge, Cambridge University nosso estudo mais desenvolvido: Acílio da Press, 1987, p. 29 ss. O autor caracteriza aí, Silva Estanqueiro Rocha, “Democracia deli- uma sociedade moderna, como requerendo berativa”, in João Cardoso Rosas (org.), os seguintes requisitos: alfabetização, mobi- Manual de Filosofia Política, 2.ª ed. revista lidade social e igualdade formal (não e aumentada, Coimbra, Almedina, pp. 137- obstante, uma “desigualdade fluída”). ‑182. 42 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

“ética procedimental de reciproci- de outra janela. A paisagem humana dade”, na senda habermasiana, que vista através de uma janela é, simul- torne possível a tolerância num con- taneamente, semelhante e diferente texto pluricultural, tendo como refe- da que se vê da outra. Sendo assim, rente regulador um universalismo deveríamos estilhaçar as janelas e tendencial. Ante o perigo de uma transformar os diversos portais numa reificação das identidades, é urgente única abertura, com o consequente considerar o imperativo ético-político risco de colapso estrutural, ou deve- que reclama uma ética intercultural. ríamos antes alargar tanto quanto Como testemunho desta consciência possível as vistas, e sobretudo, tornar multicultural, fica a metáfora do hindu as pessoas cientes de que existe, e Raimondo Pannikar: “Os direitos deve existir, uma pluralidade de jane- humanos são uma janela através da las? Juntar-se a esta última evolução qual uma cultura determinada con- é optar por um são pluralismo”37. cebe uma ordem humana justa para os seus indivíduos, mas os que vivem 37 naquela cultura não vêem a janela; Raimondo Panikkar, “La notion des droits de l’homme est-elle un concept occidental?”, para isso, precisam da ajuda de outra Diogène (Unesco), Paris, nº 120, octobre- cultura, que, por sua vez, vê através décembre 1982, p. 90. From culturalization of human rights to the right to culture

Anita Budziszewska

Budziszewska, A., From culturalization of human rights to the right to culture. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 43-54.

Summary: The notion of culturalization of human rights is a fairly new issue, arising from the changes in the area of application and understanding of international law as well as from the signs of growing sensitivity to the sphere of culture, but also the need to take into account the broad cultural context. As a result of these changes, international organizations, courts and institutions pay more attention to the role of culture in human rights. Based on this, we can observe the emergence of the concept of the right to culture as one of the fundamental human rights. The process is facilitated by civilizational, social and structural changes. The legal sanctioning of the right to culture is prevented by a complex mosaic of diverse interpretations of the notion of culture and the rights derived from it. The form of the ‘right to culture’ and the chance for its implementation can only be constituted by progressing evolution of human rights and will depend on the direction taken in revision of the catalogue of these rights.

Budziszewska, A., Da culturalização dos direitos humanos ao direito à cul- tura. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 43-54.

Sumário: A noção de culturalização dos direitos humanos é um tema relativamente recente, suscitado pelas alterações na área de aplicação e interpretação do Direito Internacional, assim como pela crescente sensibilidade relativamente à área da cultura, e, também, pela necessidade de ter em conta o contexto cultural mais abrangente. Como resultado destas alterações, as orga- nizações internacionais, os tribunais e as instituições têm em maior atenção o papel da cultura nos direitos humanos. Com base nestes pressupostos, podemos testemunhar o surgimento de um conceito novo de direito à cultura como um dos direitos humanos fundamentais. Este processo é facilitado pelas mudanças civilizacionais, sociais e estruturais. O sancionamento legal do direito à cultura é dificultado, todavia, por um complexo mosaico de interpretações da noção de cultura e dos direitos dela derivados. O articulado do ‘direito à cultura’ e a hipó- tese da sua implementação só podem ser concretizados pela progressiva evolução dos direitos humanos e dependerá da orientação a ser dada na revisão do elenco destes direitos.

Anita Budziszewska – University of Warsaw. Institute of International Relations.

Key-words: culturalization, international law, right to culture, international courts, human rights.

Palavras-chave: Culturalização, Direito Internacional, Direito à Cultura, Tribunais Interna- cionais, Direitos Humanos. 44 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

The article has been inspired by the their evolution. It describes the notion publication by Federico Lenzerini of culture as the driving force behind titled The Culturalization of Human changes, through incorporation of Rights Law1, which discusses the cultural aspect into international law. evolution of human rights as a result The theses presented in the publica- of extensive inclusion of the role of tion fit well within the context of the culture in international law in the ongoing debate on the reformulation sphere of human rights. of the role and perception of inter- The publication is an attempt to national law2, whose traditional no answer the question about the nature longer meets the needs of contempo- of human rights and the direction of rary societies.

1. The influence of culture on the evolution of human rights

The relationship between culture and and the functioning of different legal human rights already has a long cultures next to each other. Cultural tradition and commonly functions rights therefore have to be subject to as ‘cultural rights’, included in the the same determinants, although it is package of second-generation human self-evident that culture and human rights. This qualification, however, rights are interdependent, interrelated is not clear and sufficient. We have and that they affect each other4. But to remember that the very notion of this interdependence is not perma- culture is broad, heterogeneous and nent and final. There are two reasons multidimensional3, and additionally for this: First, human rights are a complicated by cultural diversity 4 See e.g.: Y. Donders, “Do Cultural Diversity and Human Rights Make a Good Match?”, 1 Federico Lenzerini, The Culturalization of International Social Science Journal 2010, Human Rights Law, Oxford, 2014. Vol. 61, Issue 199, p. 15; D. Ayton-Shenker, 2 See: M. Koskenniemi, From Apology to “The Challenge of Human Rights and the Utopia, Finnish Lawyers’ Publishing Com- International Protection of Cultural Diver- pany 1989; and A. Paulus, “International sity: Some Theoretical and Practical Con- Law After Postmodernism: Towards Re- siderations”, International Journal of newal or Decline of International Law?”, Minority and Group Rights, Vol. 14, 2007, Leiden Journal of International Law 2001, p. 231; R. D. Schwartz, Human Rights in an vol. 14, no. 4. Evolving World Culture; and A. A. An-Na’im, 3 A. Kroeber and C. Kluckhon gathered 196 “Problems of Universal Cultural Legiti- different definitions of culture. See: Cul- macy for Human Rights”, in: An-Na’im and ture. A Critical Review of Concepts and Deng (eds.), Human Rights in Africa: Definitions, Cambridge, 1952. Cross-Cultural Perspectives, 1990, p. 331. Anita Budziszewska 45 fairly new issue, and therefore have human rights may not be passed over a rather experimental status so far5; in the discussion on the future shape only the future will reveal and shape of the latter9. So where is the evo- their actual nature. Second, we need lution of human rights heading? In to remember that the notion of cul- the opinion of Lanzerini, the current ture is also subject to constant evolu- reinterpretation of the application of tion, transformation and adjustment human rights standards is the conse- to social changes. Consequently, the quence of the idea of cultural plural- approach to the function played by ism. Therefore, when writing about culture in human rights is changing the culturalization of human rights as well, and so does its impact on the (although without defining it), he evolution of these rights6. This ele- brings to our attention the process of ment is so important that some even evolution of human rights, in which believe that culture plays a central they change from a traditional uni- role, is the driving force7 stimulating versal idea to a multiculturalist idea, the evolution of human rights8. There- which makes it necessary to interpret fore, the growing role of cultural these rights in line with the needs of determinants in international law and specific societies and individuals10.

5 H. J. Steiner, “The Youth of Rights”, 9 See: S. Borelli and F. Lenzerini (eds.), Cul- Harvard Law Review, Vol. 104, 1991, tural Heritage, Cultural Rights, Cultural p. 917. Diversity. New Developments in Interna- 6 See: A. Pollis and P. Schwab, “Human tional Law, 2012. Rights: A Western Construct with Limited 10 See: F. Lenzerini, The Culturalization of…, Applicability”, in: Pollis and Schwab (eds.), op. cit, p. 10. In his opinion, the analysis of Human Rights. Cultural and Ideological human rights should start from the level of Perspective; and A. Bleden Fields and rights of individuals. He quotes the Ameri- W.‑D. Narr, “Human Rights as a Holistic can Anthropological Association’s ‘State- Concept”, Human Rights Quarterly, Vol. 14, ment of Human Rights’ – see: American 1992. Anthropological Association, J. Steward 7 F. Lenzerini, Culturalization of…, op. cit., and H. G. Barnett, “Statement of Human p. 145. Rights (1947) and Commentaries”, in: M. 8 Cf.: J. Symonides, “Cultural Rights: A Ne- Goodale (ed.), Human Rights: An Anthro- glected Category of Human Rights”, Inter- pological Reader, Wiley-Blackwell, 2009, national Social Science Journal (1998), p. 23. The document was produced even 595; J. Symonides, “Cultural Rights”, in: before the adoption of the UDHR (1948) J. Symonides (ed.), Human Rights. Concept and stresses that an individual develops his and Standards, 2000; F. Francioni and M. personality through culture because he is Scheinin (eds.), Cultural Human Rights, a member of a certain social group, which 2008. sanctions a specific lifestyle shapes the 46 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

2. departure from the western concept of human rights Lenzerini argues that human rights stressing that the Western concept of should not be equated with Western human rights is not adequate to the standards because despite the devel- reality of the multicultural world (the opment of universal human rights, ‘non-Western’ countries), the authors different regions still have different refer to two categories of factors: ‘the visions of their form and content11 as cultural patterns and the developmen- well as an individual culture-deter- tal goals of new states including the mined need to interpret and imple- ideological framework within which ment them12. A simple reflection on they were formulated’16. Further- this phenomenon can also be found in more, Pollis and Schwab point out yet the work of K. L. Zaunbrecher, who another aspect of these rights, namely highlighted the various approaches to the correlations between individual the evaluation of the same standards13, rights and group rights, which often and R. D. Schwarz, who also stressed are in opposition. As an example of the special ways in which different such ‘conflicts’, they quote, among cultures perceive and interpret human others, Article 17 of the Universal rights14. It seems, therefore, that the Declaration of Human Rights, which Western vision of human rights stan- holds that everyone (individual right) dards does not correspond with the has the right to own property17. While needs of multicultural regions. This this right is properly understood in phenomenon is discussed by A. Pollis the West, it is in stark contrast with and P. Schwab (Human Rights: cultures and traditions of other societ- A Western Construct with Limited ies, for example, the Gojami-Amhara Applicability), among others15. While 14 See: R. D. Schwarz, “Human Rights in…”, behaviour of the individual and with which in: An-Na’im and Deng (eds.), ibidem. the individual’s fate is inextricably linked. 15 Amanda Pollis and Peter Schwab, “Human 11 Ibidem, p. 213. Rights: A Western Construct with Limited 12 Ibidem, p. 213. Applicability”, in: Amanda Pollis and Peter 13 ‘What may be regarded as a human rights Schwab (eds.), Human Rights. Cultural and violation in one culture may properly be Ideological Perspective, Westport: Preager, considered acceptable practice in another’, 1979, p. 1. in: K. L. Zaunbacher, “When Culture Hurts: 16 Ibidem, p. 8. Dispelling the Myth of Cultural Justifica- 17 The Universal Declaration of Human tion for Gender-Based Human Rights Vio- Rights, available at: http://www.un.org/en/ lations”, Houston Journal of International documents/udhr/ (accessed on: 17 February Law, Vol. 679, 2011, p. 688. 2015). Anita Budziszewska 47 of Ethiopia, where ‘there is no “right” the implementation of the Western to individual ownership of land’18 standards and the role attributed to Socio-economic factors should also human rights for example in African be considered important, as combined countries, which contend with other with culture they lead to the failure kinds of problems19. of the universal human rights and

3. Culturalization of human rights in practice – judgements of international courts

The awareness of the role of culture Political Rights21. A review of the in human rights is reflected in the Committee’s judgements in this judgements of international institu- respect shows a tendency towards the tions, courts and advisory bodies, protection of cultural rights (defined which see the need to take cultural by tradition and custom) of indig- determinants into account. enous peoples constituting a minor- The Human Rights Committee high- ity in the area they inhabit. A similar lights this trend20, giving a broad direction has also been chosen by interpretation to Article 27 of the the Committee on Economic, Social International Covenant on Civil and and Cultural Rights22, as well as by

18 A. Pollis and Schwab, ibidem, p. 9. Communication No. 549/1993, 29 July 19 Ibidem, p. 12. See also: Grażyna 1997, UN Doc. CCPR/C//60/D/549/ 1993/ Michałowska, Problemy praw człowieka w Rev.1, 29 December 1997; Leonod Raihman Afryce (Human Rights Problems in Africa), v. Latvia, Communication No. 1621/2007, Warszawa, 2008. 28 October 2010, UN Doc. CCPR/ 20 Ibidem, p. 147. C/100/D/1621/2007, 30 November 2010. 21 See also: Sandra Lovelace v. Canada, Com- 22 See: General Comment No. 12: The Right munication No. 42/1977, 6 June 1983; Ivan to Adequate Food (Art. 11 of the Covenant), Kitok v. Sweden, Communication No. 197/ 12 May 1999, E/C.12/1999/5, General 1985, 27 July 1988; Lubikon Lake Band Comment No. 13: The Right to Education v. Canada, Communication No. 167/1984; (Art. 13 of the Covenant), 8 December Ilmari Lansman et al. v. Finland, Com- 1999, E/C.12/1999/10, General Comment munication No. 671/1995, 22 November No. 15: The Right to Water (Arts. 11 and 12 1996, UN doc. CCPR/C/58/D/671/1995, of the Covenant), 20 January 2003, E/C.12/ 22 November 1996; Apirana Mahuika et 2002/11, General Comment No. 14: The al. v. New Zealand, Communication No. Right to the Highest Attainable Standard of 547/1993, 27 October 2000, UN Doc. Health (Art. 12 of the Covenant), 11 August CCPR/C/70/D/547/1993, 15 October 2000; 2000, E/C.12/2000/4. Francis Hopu and Tepoaitu Bessert v. France 48 Boletim do Núcleo Cultural da Horta regional institutions such as the Inter- European Court of Human Rights on American Commission on Human culture as expressed in its judgements Rights and the African Commission is much more restrained than the posi- on Human and Peoples’ Rights. tion of the Human Rights Committee Because of the considerable ethnical or the regional instruments, even diversity in the region the judgements though culture is an important area of the two commissions concern the of European policy26. In Lenzerini’s protection of and respect for indige- opinion, this restraint could be the nous peoples23, invoking their specific result of anxiety about giving culture traditions and histories24. the fundamental and determining role The protection of cultural rights and because this would open the door to culture in the European system of countless claims, including applica- human rights, in turn, concerns pri- tions for recognition of group rights27. marily the protection of the rights The second reason could be the social of minorities25. The position of the and political problems with which

23 See also: Grażyna Michałowska, Status No. 276/2003, Centre for Minority Rights ludności tubylczej w Afryce w świetle mię- Development (Kenya) and Minority Rights dzynarodowych stosunków ochrony praw Group International on behalf of Endorois człowieka (Status of Indigenous Peoples in Welfare Council v. Kenya, AHRLR (2009) Africa in the Light of International Standards 75. Judgements of the Inter-American Com- of Human Rights Protection), in: E. Haliżak, mission on Human Rights, see cases: Marry R. Kuźniar, G. Michałowska, J. Symonides, and Carry Dann, case 11.140 v. United R. Zięba, Stosunki Międzynarodowe w xxi States (Report No. 99/99, 27 December wieku (International Relations in the 21st 1999); Maya Indigenous Communities of Century), SCHOLAR, Warszawa, 2006; and the Toledo District, case 12.053 v. Belize, Hanna Schreiber, “Międzynarodowa ochro- Report No. 40/04 of 12 October 2004; na kultury i dziedzictwa kulturowego ludów Mayagna (Sumo) Awas Tingni Community tubylczych” (“International Protection of v. Nicaragua, Judgment of 31 August 2001, the Culture and Cultural Heritage of Indige- Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), No. 79 (2001). nous Peoples”), Stosunki Międzynarodowe- 25 F. Lenzerini, Culturalization of…, op. cit., International Relations, Vol. 35, 2007, p. 193. pp. 141-160. 26 See: Grażyna Michałowska, “Miejsce kul- 24 Judgements of the African Commission tury w polityce Unii Europejskiej” (“The on Human and Peoples’ Rights, including: Place of Culture in the Policies of the Communication No. 150/96, Constitutional European Union”), in: Integracja europej- Rights Project and Civil Liberties Organisa- ska. Instytucje. Polityka. Prawo (European tion v. Nigeria, 1999, AHRLR (2000) 235; Integration. Institutions. Policies. Law), Communication No. 279/03, Sudan Human G. Michałowska (ed.), Warszawa, 2003, Rights Organisation and another v. Sudan, pp. 307-325. 2009 AHRLR (2009) 153; Communication 27 Ibidem, p. 203. Anita Budziszewska 49 a considerable number of European can be, therefore, how states attempt states are struggling28, all the more to keep a tight rein on their multi- because cultural diversity in Europe cultural societies in order to prevent is a source of antagonisms rather than potential conflicts30. profits29. Marginalization of culture

4. From culturalization of human rights to the ‘right to culture’

The notion of culturalization of hu- accordance with the rules of the cul- man rights, which concerns the broad tural group they belong to as well context of recognizing the importance as to practice the culture (language, of cultural elements and developing customs, lifestyle) they identify human rights standards on the basis themselves with. The state’s role is to of cultural determinants, can pro- ensure the freedom of expressing this vide the foundation for the emerging culture and to make it possible for concept of the ‘right to culture’. So many cultures to coexist. Second, the far, the right to culture itself is not right to culture that is the common anchored in law, but there is a broad denominator and collective name for, array of various declarations, conven- among others, the traditional cultural tions and recommendations that speak rights from the package of second- of culture, cultural rights, participa- generation rights (e.g., the right to tion in the cultural life, and broadly participate in the cultural life of the understood rights from which cultural community, the right to free research, rights are derived. the right to share in civilizational The right to culture can concern at advancement, the right to free re- least two areas and can be understood search, education, research, etc.) and, in at least two ways. First, the right consequently, imposing an obliga- to culture as the right of individuals tion on states to allow individuals to to freely practice family and tribal benefit from cultural property and customs and traditions and live in ensure the survival of this property

28 Ibidem. zbrojnych. 60-lecie konwencji haskiej i 29 Ibidem, p. 204. 15-lecie II Protokołu (Protection of Cul- 30 Ibidem. See also: Hanna Schreiber, Anita tural Heritage During Armed Conflicts. Budziszewska, “W stronę prawa do kultury” 60th Anniversary of the Hague Convention (“Towards the Right to Culture”), in: E. and 15th anniversary of the 2nd Protocol), Mikos-Skuza, K. Sałaciński (eds.), Ochrona WCEO, Warszawa, 2014. dziedzictwa kultury w czasie konfliktów 50 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(care for material and non-material tural and natural heritage, creative, property, subsidizing cultural under- literary and artistic activity, etc., takings, establishing and maintaining which have the greatest chance to be museums and culture centres, cultural realized in developed countries. An education, etc., as well as broadly element of such understanding of the understood access to these goods)31. right to culture can be found in, for The ‘right to culture’ in the first example, the Polish initiative of the meaning is ‘scattered’ among many National Centre for Culture and the conventions and declarations and city of Wrocław aimed at enshrining often is considered equal to group the ‘right to culture’ in the European rights of national and ethnic minori- Convention for the Protection of ties, indigenous peoples, or the right Human Rights and Fundamental to self-determination. This concept is Freedoms32 and the Charter of Fun- mainly characteristic of multiethnic damental Rights of the European and multicultural states (South Amer- Union33. So far, the Polish project has ica, Asia, Africa). In this interpreta- been a stimulus for a discussion on tion of the term, the ‘right to culture’ the issue of ensuring access to high refers to groups for whom their culture, participation in cultural and distinctive cultural identity remains artistic life, which – according to the an integral part of their way of life. representatives of the National Centre The second interpretation of the right for Culture and the city of Wrocław to culture is associated with issues – should be confirmed in law34. such as cultural life, access to culture, Unfortunately, under this interpreta- cultural education, protection of cul- tion, ensuring access to culture has an

31 See: Hanna Schreiber, Anita Budziszewska, Centre and the city of Wrocław to enshrine “W stronę prawa do kultury…; and Bożena the ‘right to culture’ in a Protocol to the Gierat-Bieroń, Prawo do kultury. Nowy Convention for the Protection of Human obszar aspiracji obywatelskich” (“The Right Rights and Fundamental Freedoms, avail- to Culture. A New Area of Civic Aspira- able at: http://dzieje.pl/kultura-i-sztuka/pol tions”), Kultura współczesna, No. 3, 2014, ska-chce-zapisania-w-europejskiej-kon- pp. 194-195. wencji-praw-czlowieka-prawa-do-kultury 32 Cf.: Polska chce zapisania w Europejskiej (accessed on: 13 December 2015). Konwencji Praw Człowieka prawa do kul- 33 See: Debate on the right to culture in the tury (Poland Wants the Right to Culture Centennial Hall, see: http://www.wroclaw. Enshrined in the European Convention pl/debata-o-prawie-do-kultury-w-hali-stu on Human Rights) – an interview with the lecia (available at: 13 February 2013). Director of the National Centre for Culture, 34 See: http://wroclaw2016.pl/prawo-do-kultu Krzysztof Dudek, on the proposal of the ry/ (accessed on: 17 February 2015). Anita Budziszewska 51 economic aspect as well, which raises ing for states and with which citizens questions about the activity of asso- of the signatory states may file indi- ciations, culture institutions, local vidual complaints. governments for which paid access The debate on the ‘right to culture’ to cultural achievements is one of is not at all groundless, however, as the ways of operation. Furthermore, shown by numerous court judgements there is the crucial issue of copyright and opinions of commissions work- and distribution of cultural works. ing in the area of human rights. The The notion of enshrining the ‘right to significant role of culture is also under- culture’ as the right of access to high lined in the judgments of the Court culture in the European Convention of Human Rights. The Court is aware for the Protection of Human Rights of the need to take into consideration and Fundamental Freedoms is also and respect cultural differences as the justified35 because this would make basis for the peaceful coexistence of the right to culture a fundamental groups representing different cultures right and would trigger the relevant and of the significant role played by procedures aimed at guaranteeing intercultural dialogue36. The judge- these rights by the signatory states; ments of the European Court of we need to remember that the appli- Human Rights37 confirm such rights cation of these rights is controlled as: the right of access to culture38, by the European Court of Human the rights to artistic expression39, the Rights, whose judgements are bind-

Tarzibachi v. Sweden (No. 23883/06, 16 35 Ibidem, Polska chce zapisania w Europej- December 2008), Jankovskis v. Lithuania skiej Konwencji Praw Człowieka prawa do (No. 21575/08), ENEA v. Italy [GC] (No. kultury… 74912/01, § 106, 17 September 2009), 36 See: Aspects of Intercultural Dialogue Boulois v. Luxembourg (No. 37575/04, § 64, in the European Court of Human Rights’ 14 December 2010). case-law – report of the European Court of 39 See: case Müller and Others v. Switzerland Human Rights of 2007. (24 May 1988, Series A No. 133), Otto- 37 See: Cultural rights in the case-law of the Preminger-Institut v. Austria (20 September European Court of Human Rights, Council 1994, Series A No. 295-A), Karataş v. Turkey of Europe / European Court of Human case ([GC], No. 23168/94, ECHR 1999-IV), Rights, January 2011, available at: http:// Alınak v. Turkey (No. 40287/98, 29 March www.echr.coe.int/Documents/Research_re 2005), Judgment in Vereinigung Bildender port_cultural_rights_ENG.pdf (accessed on: Künstler v. Austria (No. 68354/01, 25 13 February 2015). January 2007), Lindon, Otchakovsky- 38 See: case Akdaş v. Turkey (No. 41056/04, Laurens and July v. France ([GC], Nos. 16 February 2010), Khurshid Mustafa and 21279/02 and 36448/02, ECHR 2007-IV). 52 Boletim do Núcleo Cultural da Horta right to cultural identity40, linguistic was published in Social research: rights41, the right to the protection An International Quarterly 80(2) in of cultural and natural heritage)42, 2004 and where the right to culture is the right to academic freedom43, and understood as a group right and while the right to seek historical truth)44. it is ‘problematic’, it is also necessary However, so far there has been no in the functioning of the state45 – and right to culture per se. the related article by Chaim Gans, Two noteworthy articles that should Individuals’ Interest in the Preser- be mentioned in this context are vation of their Culture, “Law and Liberalism and the right to Culture by Ethics of Human Rights. Multicul- A. Margalit and M. Halbertal – which turalism and the Anti-discrimination

40 See: Chapman v. the United Kingdom 42 See: Beyeler v. Italy ([GC], No. 33202/96, ([GC], No. 27238/95, ECHR 2001-I), ECHR 2000-I), Debelianovi v. Bulgaria (Muñoz Díaz v. Spain, No. 49151/07, 8 (No. 61951/00, 29 March 2007), Kozacıoğlu December 2009), Ciubotaru v. Moldova v. Turkey [GC], No. 2334/03, 19 February (No. 27138/04, 27 April 2010), Sejdić and 2009), Hamer v. Belgium, No. 21861/03, Finci v. Bosnia and Herzegovina [GC], Nos. ECHR 2007-V, Turgut and Others v. Turkey, 27996/06 and 34836/06, § 43, 22 December No. 1411/03, § 90, 8 July 2008; Depalle v. 2009), Sinan Işık v. Turkey (No. 21924/05, France [GC], No. 34044/02, § 81, 29 March 2 February 2010), Cyprus v. Turkey [GC], 2010); Hingitaq 53 and Others v. Denmark No. 25781/94, §§ 241-247, ECHR 2001- (dec.), No. 18584/04, ECHR 2006-I). IV, Cha’are Shalom Ve Tsedek v. France 43 See: Sorguç v. Turkey, No. 17089/03, § 35, [GC], No. 27417/95, ECHR 2000-VII, 23 June 2009), Cox v. Turkey (No. 2933/ 03, Dogru v. France, No. 27058/05, § 72, 4 De- 20 May 2010), Lombardi Vallauri v. Italy cember 2008, Ahmet Arslan and Others v. (No. 39128/05, 20 October 2010). Turkey, No. 41135/98, 23 February 2010), 44 See: Chauvy and Others v. France, No. Sidiropoulos and Others v. Greece (10 July 64915/01, § 69, ECHR 2004-VI), Monnat 1998, Reports of Judgments and Decisions v. Switzerland, No. 73604/01, § 64, ECHR 1998-IV. 2006-X); Lehideux and Isorni v. France, 23 41 See: Senger v. Germany (dec.), No. 32524/ September 1998; Garaudy v. France (dec.), 05, 3 February 2009), Baybaşın v. the Neth- No. 65831/01, ECHR; Orban and Others erlands (dec.), No. 13600/02, 6 October v. France, No. 20985/05, 15 January 2009); 2005), Ulusoy and Others v. Turkey (Dink v. Turkey, Nos. 2668/07 and others, (No. 34797/03, 3 May 2007), İrfan Temel 14 September 2010); Kenedi v. Hungary and Others v. Turkey (No. 36458/02, 3 (No. 31475/05, § 43, 26 May 2009). March 2009), Catan and Others v. Moldova 45 A. Margalit and M. Halbertal, Liberalism and Russia (Nos. 43770/04, 9 June 2009, and the right to Culture, Social Research: Podkolzina v. Latvia (No. 46726/99, ECHR An International Quarterly, 80 (2), 2004, 2002-II), Birk Levy v. France (dec.), pp. 449-472. No. 39426/06, 21 September 2010). Anita Budziszewska 53

Principle”46. It should also be noted the right to culture will rather take the that the right to culture that Margalit, form of the right to retain their cul- Halbertal and Gans write about con- tural ties and identities, the freedom cerns culture understood as lifestyle, to practice the customs and traditions ethno-linguistic background as well cultivated for centuries. as traditions and customs, passed on The division of the right to culture for generations. into only two concepts is, of course, As we can see, the ‘right to culture’ a considerable simplification, and we is a vague, imprecise and very broad should remember that each of them expression. Its understanding and contains different elements and com- interpretation depends on the cultural ponents. One of these is the aforemen- specificity of the given state and the tioned Polish initiative, understood perception of the role culture plays as the right of access to high culture. in the society, the country’s level of For a broader analysis of the nature development and ethnic diversity. It of the right to culture we would need seems that the right to culture under- to review all the documents and inter- stood as an aspect of high culture can national agreements that concern cul- be realized in highly developed coun- ture, and then list all the elements and tries, in which culture and cultural life components of the right to culture. are important enough for the country An important place in this mosaic of to be forced to create conditions con- diverse legal documents is occupied ducive to its development. On the by the judgements of the European other hand, there are less developed, Court of Human Rights due to the multicultural countries often struggl- role the Court plays in the European ing with problems of existential im- system of human rights protection. portance (water shortage, extreme The fact that countries are clearly poverty, internal conflicts, including wary of accepting the status of cul- ones caused by cultural differences) ture as the fundamental right shows located in regions such as Africa, that culture is in fact underestimated Asia, South America, or the Middle among human rights. It seems that East. For these societies and regions countries are not yet ready to guaran- tee this right or are afraid of possible consequences and overinterpretation 46 Chaim Gans, “Individuals’ Interest in the because it is unclear how to broadly Preservation of Their Culture”, Law and Ethics of Human Rights. Multiculturalism interpret the right to culture, when and the Anti-discrimination Principle, Vol. 1, ‘the concepts of broadly understood Issue I, 2007. cultural rights, protection of cultural 54 Boletim do Núcleo Cultural da Horta property and protection of national and at the same time their object: heritage are inextricably interwoven, culture itself’47. creating a vast array of legal stan- dards with the common aim of pro- 47 See: H. Schreiber, A. Budziszewska, tecting the source of these standards W stronę prawa do kultury, op. cit. A (in)cultura dos direitos humanos

António Teixeira Fernandes

Fernandes, A., A (In)cultura dos direitos humanos, Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 55-72.

Sumário: Numa cultura dos direitos humanos, é naturalmente o homem o ponto central de referência. Tudo depende da maneira como ele é concebido. A filosofia dos direitos humanos, nos séculos xvii e xviii, tendeu e privilegiar mais a elaboração de um regime político do que a emancipação humana das inúmeras servidões em que o passado o havia enleado. Por toda a parte, a liberdade continua ainda hoje a ser limitada, a igualdade negada, encerrado como está o homem na “jaula de ferro” de uma burocracia que o sufoca e impede a sua plena realização. Nesta sociedade do consumo, em que o capital fabrica os produtos e as pessoas para os consumir, o homem acaba, ele mesmo, por ser descartável, coisa de usar e deitar fora, tão fáceis são as próprias ruturas humanas tidas como mais sólidas. O homem deixou de ser um mistério, com toda a dignidade que isso contém. O desenvolvimento de uma cultura dos direitos humanos tem como objetivo promover a dignificação da pessoa, como ser de relação. O homem, como excesso de si mesmo, para além de ver estendidos os limites da sua exis- tência, necessita de um contexto em que possa respirar a liberdade na partilha de bens em igualdade de condições existenciais.

Fernandes, A., The (non)culture of Human Rights, Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 55-72.

Summary: In a human rights culture, the human being is naturally the central reference point. Everything depends on how he/she is conceived. The philosophy of the human rights, in the 17th and 18th centuries, privileged the elaboration of a political regime, rather than the human emancipation from the countless forms of servitude that haunted the mankind in the past. Even today, freedom continues to be restricted everywhere, equality is denied, because the human being is jailed in an “iron cage” of a suffocating bureaucracy that does not allow his/her total fulfillment. In this consumer society, where the capital manufactures products and the people to consume them, the human being ends up being disposable, something that can be used and thrown away, and even the human bonds regarded as the most solid are easily broken. The human being is no longer a mystery, with all the dignity that this contains. The development of a human rights culture has the purpose of promoting the dignity of the person, as a relational being. The human being, as someone that exceeds himself/herself, not only needs to extend the limits of his/her existence, but also a context where he/she can breathe freedom by sharing goods in equal existential conditions. 56 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

António Teixeira Fernandes – Universidade do Porto.

Palavras-chave: dignidade humana, direitos humanos, homem mistério, homem problema, intimidade e transparência, domínios de negação dos direitos.

Key-words: human dignity, human rights, human mystery, human problem, intimacy and transparency, domains of denials of rights.

A consideração dos direitos huma- antropologia científica. nos implica também, nas sociedades O homem tornou-se o que é pela hodiernas, a abordagem das virtua- consciência de si e do mundo, des- lidades da cidadania e da própria cobrindo em simultâneo, mediante a qualidade da democracia. Se a demo- razão, a contingência desse mesmo cracia se afirma e se desenvolve mundo, através da qual despertou na sociedade dos indivíduos, será igualmente a ideia de um ser superior natural que se comece por questionar que o cerca e transcende. Para Max a centralidade da pessoa humana na Scheler, esta “esfera de um Ser abso- vida social. luto” será “tão constitutiva da essên- 1. A conceção da pessoa humana cia do homem como a que ele tem de tende a inscrever-se hoje numa si mesmo e do mundo”. Daí conclui matriz cultural extremamente com- que “a consciência do mundo, a cons- plexa. Max Scheler pensa que, no ciência de si mesmo e a consciência entendimento que o indivíduo civi- de Deus formam uma unidade estru- lizado europeu tem do homem, se tural indissociável”2. A sua ancora- confrontam “três sistemas de ideias gem será dupla, no mundo e além do absolutamente inconciliáveis”. São mundo. eles o universo intelectual da tradi- 2. Uma tal visão confere à noção de ção judaico-cristã, a visão da Anti- homem uma configuração de uni- guidade grega como ser dotado de dade, assim concebida pela filoso- “razão”, logos e phronesis, e o con- fia medieval. Uno na sua natureza, tributo da ciência com incidência na manifesta-se numa multiplicidade de evolução1. Essas correntes origina- expressões. A cultura do Renasci- riam uma antropologia teológica, mento procurou dissociar o que o uma antropologia filosófica e uma pensamento anterior havia harmoni-

1 Max Scheler, La Situation de l’Homme dans 2 Max Scheler, La Situation de l’Homme dans le Monde, Paris, Aubier, 1951, pp. 19 e 20. le Monde, pp. 111, 112 e 113. António Teixeira Fernandes 57 zado. R. Descartes, e já antes Platão, Karl-Otto Apel entende que “a situa- está na base de uma profunda divi- ção do homem hoje é um problema são no homem que se tem mantido ético para o homem”, interrogando-- durante toda a modernidade. A sua ‑se, todavia, se isso não aconteceu conceção mecanicista da natureza em todos os tempos. Daí resultará humana introduziu nela uma divisão “a necessidade de uma ética da res- e uma conflitualidade que se vem ponsabilidade solidária tendo uma conservando de forma mais ou menos força de obrigação intersubjetiva e radical. empenhando toda a humanidade Na aceção unitária do homem, ele quanto às consequências que podem aparece essencialmente como um gerar as sociedades e os conflitos mistério. A sua conversão em má- humanos”4. O problema reside na quina faz dele, ao contrário, um ausência de uma conceção unitária problema. Face ao antagonismo das do homem, unitária em termos de ideias e das óticas a ele aplicadas, natureza, extensiva depois às mais Max Scheler aparece como um dos diferentes culturas na riqueza da sua primeiros filósofos contemporâneos a diversidade. reconhecê-lo, afirmando que “nunca 3. Converter o homem em problema na história tal como a conhecemos, pode constituir um procedimento foi o homem como hoje um problema conducente a uma tomada de cons- para si mesmo”. O aparecimento de ciência a respeito de situações clamo- uma antropologia científica, de uma rosas que reclamem soluções inadiá- antropologia filosófica e de uma veis. No quotidiano, a existência antropologia teológica, indiferentes processa-se no inter-relacionamento umas às outras, impede que se tenha social em que a transparência do hu- acerca dele “uma ideia que tenha mano coexiste com a sua ocultação. unidade”3. Esse é o labirinto em que O existencialismo, como se exprime se encontra o pensamento do homem em Gabriel Marcel, tem vindo a quando centrado sobre si mesmo. salientar a unidade indissociável do Ernst Cassirer abordou ulteriormente homem – “je suis mon corps” – valo- esta problemática. rizando a sua dimensão espiritua- Face à complexidade de que se reveste lista e defendendo a conceção de um o mundo na contemporaneidade, “corpo-sujeito” como característica de um ser ligado ao seu corpo. O mis- 3 Max Scheler, La Situation de l’Homme dans le Monde, pp. 17 e 20; Ernst Cassirer, Essai 4 Karl-Otto Apel, Discussion et Responsabi- sur l’Homme, Paris, Minuit, 1975. lité, Paris, Cerf, 1996, pp. 15 e 134. 58 Boletim do Núcleo Cultural da Horta tério que rodeia cada um tem a ver dade civil é o domínio da fragmen- com o facto de se estar empenhado tação, com reflexos no interior do em comum no mundo pela simples homem. A perda de sentido espiritual razão de se existir e coexistir. A pes- do homem faz com que se difunda soa é uma relação, e a liberdade é con- uma mentalidade acompanhada de cebida como “uma conquista sempre práticas de hedonismo, centradas no precária”, pois “a partir do momento cuidado do corpo. Além disso, haverá em que a insignificância do indivíduo que contar com uma multiplicidade é proclamada, a via está aberta a de aceções em razão da pluralidade todas as tiranias, em particular, às de culturas. Em função dessa diver- que se exercem hoje sob a capa de um sidade, se podem diferenciar, mesmo vocabulário democrático”. O teólogo no interior de uma mesma comuni- holandês E. Schillebeeckx, recupe- dade nacional, as formas como se rando a perspetiva bíblica da alma entende e se trata o homem. como maneira humana de ser cor- Procurando superar o dualismo carte- poral, defende igualmente a unidade siano, agora no campo da literatura, do homem, sustentando que o corpo Virgílio Ferreira, adotando uma visão é humano na participação do mundo claramente existencialista, procura espiritual da alma, e esta é humana promover “o homem à consciência na comunhão com a corporalidade. de si, da sua dignidade”, que é a de O homem é espírito na corporali- “um corpo que pode dizer ‘eu’”. Num dade, e daí a necessidade de uma corpo em que se é, todo o milagre permanente afirmação da dignidade acontece, porque “tudo se cumpre humana. O problema estará em cons- num corpo. Aí moramos, aí somos”. truir e defender a dignidade humana Exaltando o homem na sua unidade, num mundo em vias de tecnicização e o escritor sublinha a sua dignidade de de isolamento solipsista das pessoas. espírito, sustentando que “o espírito Charles Taylor pensa que “o perigo trespassa tudo o que somos”. Em seu não reside tanto num controle despó- entender, “a consciência é projeção tico como na fragmentação, isto é, na de si e o corpo a possibilidade dessa inaptidão cada vez maior das pessoas projeção: um corpo é a realização de em formar um projeto comum e em um espírito”. Toda a grandeza e toda coloca-lo em execução”5. A socie- a dignidade do homem se medem

5 Gabriel Marcel, La Dignité Humaine, Paris, Paris, Cep, 1967, pp. 266-289; Charles Aubier, 1964, pp. 68, 69, 117, 176, 183 e Taylor, Le Malaise de la Modernité, Paris, 197; E. Schillebeeckx, Le Monde et l’Église, Cerf, 1994, p. 118. António Teixeira Fernandes 59 pelo espírito ou pela sua capacidade pessoa aparece como um absoluto, de consciencialização. É o homem porque “neste mundo tudo é meio que impõe a ordem ao mundo e, menos o homem”, sendo “na imagi- por isso, “a vida está cheia do mila- nação individual que está o melhor da gre vertiginoso”. É particularmente dignidade humana”. As pessoas com sublinhada a “exigência feroz da quem se cruza no quotidiano do seu nossa pobre miséria que não desiste tempo, no entanto, “estavam todas de ser divina pelo que nos deuses muito bem vestidas de quem precisa sonhamos de absoluta segurança”. salvar-se”. Nenhuma vida seria para Compreende-se assim que a grande copiar. Almada Negreiros abre-se, obsessão do homem seja a de “dar plena e continuamente, ao mistério um sentido à vida” e que esta vida seja da vida, descobrindo nele um destino “fascinante no seu milagre de ser”. para se salvar. E uma vez que “a única O homem vive e pensa na “era da alegria é a vida”, “ela não é um cal- pergunta, não da resposta”. A sacra- vário senão por ir errada”6. A alegria lidade estará no que se suspeita de de viver consistiria na comunhão no mistério nos homens e nas coisas. mistério do homem, em projeto de Nesse sagrado, encontra o homem o realização, sendo o homem que se excesso de si, sendo ele mesmo o seu cumpre um ser ao mesmo tempo pes- excesso. Na vida e na sua realização, soal e universal. Kafka será o exis- se esgota toda a energia humana, e “o tencialista que vive a experiência da melhor da vida é o seu impossível”, alienação judaica, o existencialismo porque “a verdadeira vida está sem- do banimento. A sua principal obses- pre onde não a temos”. Afirma, em são é a da condição de estrangeiro, Carta ao Futuro, que “o mistério e com permissão de estadia precária na o seu alarme são o tecido de tudo”. existência e no ser. A humanização Aliás, já algum tempo antes, Almada total do homem operar-se-á, ao con- Negreiros advertia para o facto de trário, na realização plena da pessoa que não vivem realmente o seu tempo no universal. os que não se espantam de existir. Ele mesmo se sentia como um “homem que vive neste século espantado de 6 Virgílio Ferreira e Almada Negreiros, in existir”, tendo-se como “aquele que António Teixeira Fernandes, Para uma se espanta da própria personalidade”. Sociologia da Cultura, Porto, Campo das Letras, 1999, pp. 159-183 e 221-249, onde O que caracteriza a vida, também aparecem citadas as diferentes obras de para ele, será a procura e não o ambos os autores. Virgílio Ferreira, Carta encontro. Na sociedade humana, a ao Futuro, Lisboa, Bertrand, 1985, p. 25. 60 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Os filósofos existencialistas viram exclusões, advoga-se a universali- na convivência humana uma moda- dade, mas procedendo desse modo, lidade do ser. Martin Heidegger tende-se a anular as particularidades. chama-lhe o mitsein – o être avec dos Uma tal relação dialética não encon- existencialistas franceses. De modo tra em si formas de saída. Grande semelhante, Hannah Arendt, partin- teórico da modernidade e filósofo do do pensamento de Santo Agos- anti-iluminista, Charles Taylor, aban- tinho, sustenta que a cidade terrestre donando a atitude de desmascara- é uma comunidade determinada por mento à maneira de Michel Foucault, um estar com e por um estar para assume a questão como pesquisa da outrem, não sendo uma mera coe- relação com a realidade que trans- xistência, sendo a violência sempre cende o homem como sujeito7. Em incapaz de estruturar tanto o poder A Secular Age, o filósofo canadiano como as relações de convivência acaba por apresentar os grandes pro- social. A antropologia parece querer blemas do nosso tempo, na esteira de seguir esta mesma via. O estar com Hegel, isto é, como aquele que inter- exprime uma relação mais mental e preta a sua época a partir de um ponto espiritual do que física. Os lugares de vista privilegiado. A sua perspe- de pertença não são necessariamente tiva é a de que, em cada tempo, cada territórios de enraizamento. O espaço um é chamado a viver a vida voltado em que se situam as pessoas pode ser para o transcendente. Nesse sentido, sobretudo um espaço de emoções, apresenta uma história espiritual do de sentimentos e de afetos, não coin- Ocidente desde 1500. Em oposição cidindo a rede de relações sociais à genealogia neo-nietzschiana, pro- com o lugar de domicílio. Pessoas cede a uma genealogia ascendente, distintas no espaço podem formar considerando o homem como solici- um mesmo estar com. Para Martin tado por algo que está no além do Heidegger, “a nostalgia é a dor que aqui e agora, em que as pessoas se nos causa a proximidade do distante”. encontram confrontadas com formas Mas sucede, de modo paradoxal, que distintas de vida espiritual, e com o estar com não pode tornar-se uni- diferentes formas de plenitude. A sua versal sem perder o seu valor próprio, repousando ele mesmo sobre exclu- 7 sões. Depara-se aqui com uma ques- Charles Taylor, A Secular Age, Harvard University Press, 2007. Confira-se ainda tão bastante insolúvel na convivência de Charles Taylor, Sources of the Self. The humana, envolvida ela mesma numa Making of Modern Identity, Cambridge, relação dialética. Para resolver as MA, Harvard University Press, 1989. António Teixeira Fernandes 61 posição não deixa de se aproximar, coisas mais profundas têm mesmo de certo modo, da de Max Scheler um ódio à imagem e ao símile”. Os acima referida. rituais de cortesia operam normal- 4. Na natureza humana, se tem mente como mecanismos de mútua apoiado a visão da sua dignidade. proteção. Na transparência, se dilui o O conceito, já esboçado na Antigui- mistério e, quando se dá essa diluição, dade e formulado claramente por apenas restam, quase sempre, vazios I. Kant, recebe uma consagração que se repelem mutuamente. Para jurídica após a II Guerra Mundial, que as pessoas se sintam atraídas, entrando desde então no ordena- é necessário que mantenham o en- mento jurídico dos países democrá- canto recíproco. O desrespeito pelos ticos. Importa considerar tal digni- direitos humanos na relação conjugal dade como expressa, desde logo, nas resulta frequentemente da destruição relações de reciprocidade social onde do que cada um contém de mistério os direitos humanos são reconheci- e encanto. Segundo Georg Simmel, dos ou negados. à volta de cada pessoa, existe “uma 4.1. O caminho seguido, na presente esfera ideal de dimensões variáveis” análise, será o que vai das relações que “não se pode penetrar sem des- sociais de proximidade e afetividade truir o valor da personalidade que às relações de cidadania e de cosmo- reside em todo o indivíduo”. A sua politização. violação afeta o seu centro mais ín- Nas sociedades contemporâneas, a timo e profundo. Consequentemente, família aparece como um dos espa- “só podem ‘dar-se’ por inteiro aque- ços onde se vêm cometendo os mais las pessoas que não ‘podem’ dar-se clamorosos atentados aos direitos por inteiro porque a riqueza da sua humanos. Uma tal être avec nem alma consiste numa renovação cons- sempre salvaguarda o que há de mais tante, de modo que, depois de cada profundo na vida humana, levando entrega, lhes nascem novos tesouros, Richard Sennett a falar inclusive das porque têm um património espiritual “tiranias da intimidade”. O misté- latente inesgotável e não podem reve- rio humano exige algumas reservas, lá-lo ou oferecê-lo de uma só vez”. muita discrição e não menos respeito. Acrescenta que “muitos matrimónios Desde logo, nem o homem nem a perecem por esta falta de discrição sociedade podem ser transparentes. mútua, no sentido do tomar como do F. Nietzsche sustenta que “tudo o dar; caem num hábito banal e sem que é profundo gosta da máscara; as encanto, em uma como que evidência 62 Boletim do Núcleo Cultural da Horta que já não deixa lugar a surpresas”8. na família é, em muitos casos, a con- A transparência total, para além de sequência da reprodução de condutas impossível, seria mesmo perigosa, conservadas pela memória coletiva e pondo em causa a liberdade humana. convertidas em hábitos e padrões de Não se pode ser livre e existir em tal conduta conjugal, em outros casos, transparência, porque, sendo tudo pode resultar de uma recusa de uma visível, seria ela destruidora do mais tal relação acionada pela identidade interior do homem e do seu mistério. feminina que se afirma ao mesmo A violência na vivência conjugal tempo que se mantém a identidade atinge, desde logo, a parte mais fraca estatutária do homem, com a conse- da relação, de ordinário, a mulher, quente tendência para a dominação. mas nem sempre podendo ser tam- A redefinição da identidade feminina bém o homem. Na contextualização esbarra frequentemente com a resis- social da violência doméstica, haverá tência levantada pela identidade mas- que atender, em especial, a alguns culina que se conserva. A pessoa do fatores. Vivendo-se hoje em socieda- outro pode ser facilmente reificada e des de indivíduos, o individualismo instrumentalizada, deixado o amor possessivo tende a prevalecer sobre de ser uma dádiva e uma partilha. Os o individualismo ético. A emergência projetos pessoais, no seu movimento daquele individualismo conduz à individualístico, entram em trajetó- busca da realização pessoal e à con- ria divergente. Em resultado dessa centração na subjetividade, debili- e de outras mudanças, Ulrich Beck é tando a capacidade de ouvir e de levado a afirmar que “a família – o suportar os outros. Tal situação faz lugar e o refúgio da comunidade, da despertar a vontade de autonomia e o proximidade, da intimidade e do ca- aumento da liberdade. As pessoas são rinho precisamente na inospitalidade permanentemente colocadas perante da modernidade – se converte num múltiplas solicitações. E é não só a monstro”9. No agregado familiar, em família que se torna incerta, mas a crise, ocorre grande parte da violên- própria sociedade. Acresce ainda que cia sobre os seres humanos mais fra- se tem vindo a assistir a um aumento gilizados, como é o caso das mulhe- da reflexividade social. Se a violência res, tornando-se objeto de agressão

8 Frederico Nietzsche, Para Além do Bem e 9 Ulrich Beck, “Teoria de la Modernización do Mal, Lisboa, Guimarães Editores, 1982, reflexiva”, in Las Consecuencias perversas p. 50; Georg Simmel, Sociologia, 1, Madrid, de la Modernidad, Barcelona, Anthropos, Alianza Editorial, 1986, pp. 369-378. 1996, p. 225. António Teixeira Fernandes 63 e de maus-tratos, apresentando, de este autor, existe todavia, desde o ordinário, uma dimensão passional. seio materno, um processo de socia- 4.2. Mas não menos fragilizados se lização dos indivíduos, uma “sociali- encontram as crianças e os idosos. zação por antecipação”, tornando esse As crianças são desde logo atingidas potencial já aí participante dos direi- quando são mantidas fora do projeto tos humanos dos pais, posicionando- de realização pessoal dos cônjuges, ‑se assim contra o eugenismo liberal. privando-as da própria possibilidade Também Ronald Dworkin sustenta de nascerem. Não são apenas as que “é suficientemente importante taxas de natalidade que vêm, por todo que qualquer vida humana, uma vez o lado, descendo, são sobretudo vidas iniciada, possa vingar e não se extin- que foram geradas que são impedidas guir, que o potencial dessa vida se de conhecerem a luz do mundo. Na realize, e que não se desperdice”10. Coreia do Sul, há um cemitério de A muitos seres humanos, uma vez fetos com cruzes brancas perten- gerados, é negado o que se considera centes aos que “não nasceram”. Se o direito natural de nascer, constituí- cada vida que surge é sempre uma do em fundamental direito humano. esperança que se abre, fazer nascer Uma vez inseridas na rede de rela- outras pessoas é povoar de esperança ções sociais, as crianças tornam-se a sociedade. A recusa da vida é desu- sujeitos de direitos num Estado de mana quando alimentada por egoís- direito democrático. Os seres huma- mos. Liquidando-se aquelas esperan- nos têm direito a serem respeitados ças, hipoteca-se claramente o futuro como pessoas, seres de relação, com da sociedade. a dignidade que resulta da sua própria Existe uma diferença e uma seme- lhança entre um embrião e um re- natureza. Se as crianças são a parte cém-nascido. Um embrião, no enten- mais frágil da família, deve concitar- der de Francis Fukuyama, “é detentor ‑se nelas uma maior afetividade. O que do potencial para se tornar um ser se verifica é que sobre elas se faz humano completo”, diferindo do sentir a maior violência no lar, sem recém-nascido “apenas no grau de realização do seu potencial natural”. 10 Francis Fukuyama, O Nosso Futuro Pós-- J. Habermas sublinha igualmente ‑Humano, Lisboa, Quetzal, 2002, p. 267; essa potencialidade, reconhecendo Jürgen Habermas, L’Avenir de la Nature Humaine, Paris, Gallimard, 2003; Ronald embora que somente os seres huma- Dworkin, Sovereign Virtue: The Theory and nos existentes no relacionamento Pratice of Equality, Cambridge, MA, Har- social são sujeitos de direitos. Para vard University Press, 2000, p. 448. 64 Boletim do Núcleo Cultural da Horta esquecer a violação e o abuso sexual passam frequentemente a ter a sensa- de menores, a forma mais execrável ção de serem lançados em depósitos, de violação dos seus direitos funda- onde ficam privados do exercício da mentais. A vida agitada das socie- cidadania e dos consequentes direi- dades vem revelando a incapacidade tos fundamentais. O número cres- de se cultivar o amor e a ternura em cente dos que vivem sozinhos não relação aos mais carenciados. E não será menos preocupante, uma vez se pense que os maus-tratos em rela- enterrados numa profunda solidão. ção às crianças, em termos de violên- Se a sociedade que nega espaço de cia física e moral ou de abandono, se vida à criança atenta contra o seu dão apenas em camadas inferiores da futuro, a que expulsa os idosos do sociedade. Nas camadas superiores, seu meio ou abandona os doentes além de se rodearem de maior subti- nos hospitais carece de humanidade. leza, apenas não conhecem a publi- Estes encontram-se também carentes cidade dos meios populares. As crian- de afetividade, mas é necessário que, ças necessitam de ser rodeadas de em primeiro lugar, se cumpram as afeto para que as suas personali- exigências da justiça, assegurando-- dades se desenvolvam em equilíbrio ‑se-lhes os direitos fundamentais. e em confiança. A violência exercida A uma política da “piedade” ou da sobre as crianças é particularmente “compaixão” se deve decididamente reprovável dada a sua situação de opor uma política da justiça. São cha- dependência e em razão das marcas mados constantemente a reinventar que poderão ficar para toda a sua a sua vida, sentindo que não são vida futura. objeto do olhar indiferente, conver- A violência que atinge a vida domés- tendo um destino em projeto e adqui- tica não deixa de lado sequer a pes- rindo a consciência de que não per- soa dos idosos, dos deficientes e dos deram sentido nem para si nem para doentes. Numa sociedade que presta os outros. culto à juventude e desenvolve a cul- As sociedades, que têm vindo a mos- tura do corpo, abandona os corpos trar uma crescente sensibilidade em debilitados. Frequentemente maltra- relação à dignidade humana e aos tados, são ainda relegados para as seus direitos, apresentam igualmente margens da sociedade, abandonados um défice enorme no que concerne à sua sorte ou empurrados contra a o respeito que é devido à pessoa de sua vontade para lares, por vezes, cada um. A violência na família sem as condições e os cuidados indis- aparece mais visível, porque a famí- pensáveis à dignidade humana. Eles lia também se tornou incerta, numa António Teixeira Fernandes 65 sociedade que se vem mostrando mediante a genética. Mas Francis ela mesma mais incerta. O futuro da Fukuyama entende que “não temos humanidade e do respeito pelos direi- de nos considerar escravos de qual- tos humanos depende, na sua medida quer progresso tecnológico inevitá- própria, da forma como as sociedades vel, quando essa tecnologia não está forem modelando a personalidade ao serviço da humanidade. A verda- das pessoas no ambiente familiar. Aí deira liberdade está no direito que se encontra uma das grandes amea- assiste às comunidades políticas de ças ao futuro dos direitos humanos. criar instituições que protejam os Não existem, na verdade, atentados valores que lhes são mais caros e é aos direitos humanos, em especial essa liberdade que temos de exercer neste domínio, que não tragam igno- no que respeita à revolução tecnoló- mínia para todos. gica dos nossos tempos”11. O homem 4.3. Alguns fatores ameaçam, em não pode ser um ser programado por particular, a dignidade humana, supri- outrem. O carácter único da pessoa mindo ou limitando a liberdade, tida torna revoltante a produção de cópias por I. Kant como o direito humano conformes a um original, qualquer mais essencial. que seja o processo utilizado. A diver- Um dos atentados aos direitos hu- sidade é uma maneira de garantir o manos consiste na vontade de pro- possível, sendo também uma espécie gramação da vida das pessoas, me- de seguro do futuro. A tecnologia diante a engenharia genética. Mas a deve estar ao serviço da humanidade liberdade de escolha dos filhos com e não da sua escravidão. Haverá pois as características que se pretendem, que distinguir entre os avanços tecno- quer por parte dos pais quer por lógicos que são benéficos para o parte sobretudo dos Estados, cons- desenvolvimento humano, libertando titui uma área de conflitualidade os homens de seculares opressões, e com a dignidade humana e com os os que constituem uma ameaça para direitos humanos. Uma tal escolha, a sua dignidade e liberdade. A atual para além da negação da liberdade era da eugenia corre o risco de arrastar fundamental do ser humano de não consigo a modernização da barbárie ser programado com alteração da sua e uma certa banalização do mal. A ge- constituição biológica, pode conduzir nética intervém diretamente na subje- a um mundo desumanizado. A tecno- logia possui a capacidade de revolu- cionar o mundo, inclusive de transfor- 11 Francis Fukuyama, O Nosso Futuro Pós-- mar a constituição da vida humana, ‑Humano, p. 326. 66 Boletim do Núcleo Cultural da Horta tividade humana, desenhando a base car para debelar o mal. Isso seria material de vidas futuras. cometer um enorme atentado contra Uma outra situação perversa tem a os direitos fundamentais do homem. ver com a conversão das sociedades 4.4. O homem vive, cada vez mais, em autêntico Big Brother. Quase não numa civilização de altos riscos e no existem hoje, na vida social, espaços meio de uma natureza desvirtuada. de privacidade. As pessoas são cons- Nesta selva, o “progresso” aparece tantemente vigiadas, com gravação rodeado de enormes perigos. A catás- de imagem e de som, no seu deam- trofe de Chernobil e as ameaças que bular nas movimentadas ruas das se lhe seguiram tornam presente o cidades e no interior dos estabeleci- contínuo risco de contaminação mentos, como lojas, cafés e restau- atómica. A dinâmica do capitalismo rantes. Tornou-se possível seguir, ao conduz a catástrofes ecológicas. pormenor, os passos de cada um. A “consciência verde” vem chamando Quem vigia controla, e quem controla a atenção para a radiação nuclear, os destrói a liberdade do outro. As socie- lixos radioativos, a desflorestação, o dades disciplinares, analisadas por desenvolvimento da genética agrícola Michel Foucault, que funcionavam e a criação de alimentos transgénicos, por encarceramento, são substituídas as emissões de dióxido de carbono, os por sociedades de controlo contínuo e buracos de ozono e o efeito de estufa, de comunicação instantânea. o aquecimento global, a poluição quí- Vai crescendo igualmente entre mica e as chuvas ácidas. A “irrespon- alguns segmentos da população o sabilidade como sistema”, de que fala medo de que esse controlo possa ir Ulrich Beck, faz com que os desafios mais longe, instalando-se chips no da era nuclear, química e genética corpo dos indivíduos. Uma vaga de sejam ilimitáveis espacial, temporal roubos de crianças em Inglaterra e ou socialmente. em países da Europa continental des- Destruindo-se o meio ambiente do pertou a vontade, tempos atrás, em homem, em causa se põem as condi- algumas populações, de que se pro- ções da vida humana. Uma consciên- cedesse desse modo em relação aos cia ecológica envolve, cada vez mais, filhos. As autoridades não seguiram os direitos humanos. A consideração tal via na resolução do problema. do homem como ser moral conduz à A incivilidade e a criminalidade, em reivindicação dos direitos civis, polí- desespero de causa, podem despertar ticos, sociais e culturais. Mas porque de novo esse desejo no seio das popu- ele é igualmente um ser vivo, isso lações, levando à tentação de os apli- impõe a proteção do meio natural. António Teixeira Fernandes 67

A natureza deve ser protegida pelo da natureza, natureza socializada, homem assim como contra o homem exprime a necessidade do homem que a polui. O direito a um meio am- oprimido por um mundo artificial a biente saudável é também um direito encontrar um lugar de refúgio. A de- do meio ambiente sobre o homem fesa do ecossistema e da biodiversi- assumido por este. Os direitos huma- dade torna-se uma dimensão da vida nos podem ser fundados na natureza humana, envolvendo direitos huma- como ser moral, mas ainda como ser nos. Não quer dizer que a natureza vivo, na medida em que a qualidade seja um sujeito de direitos. O homem de vida e o meio natural aparecem assume-os como seus, na medida da como necessidades humanas, sendo sua indispensabilidade a uma exis- desde sempre a fonte das suas especu- tência digna e com qualidade. lações e das suas emoções estéticas, Além dos direitos humanos, em sen- além da sua existência. Sendo o ho- tido próprio, há ainda, de facto, os mem um ser que “habita como poeta”, direitos dos animais (nascidos da na expressão de Hölderlin, Gaston experiência estética e afetiva com Bachelard, considerando as “imagens eles) que oferecem uma sociabilidade do espaço feliz”, como a casa, afirma fora do mundo social. A moral ecoló- que “ele concentra ser nos limites que gica (como revolta contra a sociedade protegem”. Dado que “todo o espaço industrial do inerte) busca um compa- verdadeiramente habitado transporta nheirismo com o vivente. Este resulta a essência da noção de casa”, esta, da ameaça de catástrofes que põem mais do que a paisagem, é “um estado em causa a sobrevivência biológica de alma”. Martin Heidegger apre- do homem, fazendo despertar a ética senta a habitação como “sendo o ser da responsabilidade com carácter de do homem”, como o “traço funda- moral universal. Expressões da moral mental da condição humana”. Se, do sentimento, as solidariedades com para Protágoras, o homem é a medida os seres vivos e a natureza, não de todas as coisas, Martin Heidegger entrando embora no âmbito estrito da entende que ele é “aquele ente que racionalidade dos direitos humanos, dá a medida e estende a bitola a todo vêm assumindo esse mesmo estatuto. o ente”12. O sentimento romântico A deslocação da razão para o indiví- duo faz com que a subjetividade surja 12 Gaston Bachelard, La Poétique de l’Espace, Paris, PUF, 1981, pp. 17, 19, 24 e 77; Martin 193; Martin Heidegger, Caminhos de Flo- Heidegger, Essais et Conférences, Paris, resta, Lisboa, Fundação Calouste Gulben- Gallimard, 1980, pp. 125, 174, 175, 176 e kian, 2002, p. 117. 68 Boletim do Núcleo Cultural da Horta como uma característica da cultura, ção entre liberdades e capacidades e o modelo do indivíduo democrático produz situações de vulnerabilidade. produza a metamorfose da domi- A expansão da força vinculante dos nação, mudança que acompanha as direitos civis para os direitos sociais sociedades de hoje. continua sempre como um processo 4.5. Nem sequer os diversos direitos inacabado, como esfera em perma- que compõem mais de perto a cida- nente desenvolvimento. Os direitos dania moderna vêm sendo garantidos civis, esses são compatíveis com as de igual forma pelos Estados. Os di- desigualdades sociais. O trabalho ga- reitos civis, os primeiros a ser reco- rantido para todos deveria formar um nhecidos, adquiriram no pensamento pacto social contra a pobreza. Ulrich liberal, um carácter meramente for- Beck interroga-se: “quanta pobreza mal, dada a conflitualidade entre pode suportar a democracia?”13. a lógica dos direitos da pessoa e a A questão não estará na medida dessa lógica dos direitos de propriedade. quantidade suportável. O rosto da Os direitos civis e sociais fundam‑se, democracia é desfigurado pela exis- por sua vez, em princípios e bases tência tanto de milhões de pobres diferentes, podendo existir entre eles como de meia dúzia ou de um só. tensão, sendo entre si por vezes Tem-se vindo a praticar a caridade em antagónicos. Se os direitos civis e relação aos pobres, mas não se fazem políticos foram consolidados pelo valer os direitos do homem pobre em liberalismo e pelo reformismo, os relação à sociedade. A beneficência direitos sociais afirmaram-se no pública é um dever de justiça. Onde Estado-providência, como extensão existem homens sem subsistência, há dos direitos políticos. Estes consis- uma violação dos direitos humanos. tem em liberdades, aqueles tradu- Verifica-se que os ricos vêm crescer zem-se em poderes. Os sociais apre- a sua riqueza, enquanto a pobreza e sentam-se como mais vulneráveis a miséria se acentuam nas camadas especialmente em épocas de crise mais baixas da população. Bertrand económico-financeira. Se os direitos Russel afirma que “já lá vai o tempo civis são direitos contra o Estado, os em que uma pequena minoria pode- direitos sociais são reivindicações ria viver feliz à custa da miséria das de benefícios que devem ser satisfei- grandes massas. Já ninguém se sujeita tos pelo poder político. Os direitos a uma situação dessas, e temos de sociais vêm sendo reduzidos recen- temente, atingindo os direitos capa- 13 Ulrich Beck, Qué es la Globalización?, citantes dos cidadãos. A falta de rela- Barcelona, Paidós, 1998, p. 209. António Teixeira Fernandes 69 aprender a aceitar a ideia de que o é depois utilizado para diferenciar os nosso vizinho também tem direito a membros de uma comunidade polí- ser feliz, se nós próprios queremos tica e para avaliar os direitos de que ser felizes (…). Às vezes tenho visões podem usufruir. O Estado moderno de um mundo de seres humanos feli- fez desenvolver uma nova cidadania, zes, cheios de vivacidade, inteligen- mas encerra-a em fronteiras físicas e tes, onde não há opressores nem opri- ideológicas. À cidadania formal, além midos (…) Esse mundo pode existir, disso, não corresponde sempre uma se os homens quiserem”14. Quando cidadania substantiva. As socieda- tende a prevalecer a sociedade do des democráticas, pluriculturais, con- consumo generalizado, o flagelo da frontam-se ainda com problemas rela- fome é um crime contra a humani- cionados com os direitos culturais. dade. Os desperdícios, neste tipo de Charles Taylor, em Multiculturalism, sociedade, seriam bastantes para a salienta a importância do reconhe- saciar em toda a parte. A perda do cimento e da identidade, na medida trabalho arrasta consigo uma perda em que a democracia inaugura uma de dignidade. A democracia tem que política de reconhecimento iguali- erradicar as formas de pobreza e de tário. A proteção destes direitos exige exclusão, permitindo que cada um a eliminação de toda a discriminação possa viver com dignidade na sufi- cultural e religiosa, com a cedência ciência de bens. A própria corrupção do ethos ao demos. A liberdade que vem campeando é um atentado desenvolve-se na multiplicidade de aos direitos humanos. pequenas pertenças e solidariedades, Os direitos, em princípio universais, que impedem o indivíduo de ser não se aplicam, na prática, a todos os absorvido pela sociedade. Pela auto- membros de uma mesma sociedade. nomia reclamada da política, procura- A busca de uma ética universal es- ‑se não raro abusar do uso hipócrita barra, no mundo moderno, desde da legalidade para cobrir ou encobrir logo, com algumas aporias. A ideia a exploração económica e social. de validade intersubjetiva é condi- 5. A cultura dos direitos humanos cionada pela ciência e sobretudo pelo não se encontra igualmente difun- cientismo, que exige uma objetivi- dida em todo o espaço social. Pro- dade isenta de toda a norma ou de curou-se mostrar algumas das áreas todo o valor. O conceito de cidadania onde eles, na atualidade, tendem a ser crescentemente denegados. A sua 14 Bertrand Russel, A Minha Concepção do extensão na vida social reconfigura Mundo, Porto, Brasília Editora, 1970, p. 179. as modalidades de vivência da cida- 70 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dania e define a qualidade democrá- défice de conhecimento dos direitos tica. A cidadania, hoje proclamada, humanos. E porque o homem é um nem sempre está de harmonia com a ser de relação, há projetos de vida garantia dos direitos humanos. que somente podem ser efetivados na Os direitos humanos correspondem interação social. O indivíduo torna-se ao conceito moderno de direitos humano na universalidade da cida- subjetivos reclamáveis, protegidos dania. É-se humano na cidade, sendo quando se tornam direitos positivos, aí que o homem se torna sujeito de consagrados no ordenamento jurí- direitos subjetivos, ao participar no dico de cada Estado. Nesta base, se que J. Habermas chama o mundo tem distinguido entre direitos huma- vivido intersubjetivamente partilhado. nos e direitos de cidadania. Os pri- A autonomia moral da pessoa tem meiros são direitos naturais com de ser elevada ao estatuto de bem pretensão à universalidade, enquanto supremo. Para I. Kant, a “autonomia os segundos resultam da pertença a é pois o fundamento da dignidade da uma concreta comunidade política. natureza humana e de toda a natu- Os direitos humanos adquirem o seu reza racional”15. O nexo interno entre carácter imperativo mediante a cida- a dignidade humana e os direitos dania. humanos constitui a força capaz de Por todo o lado, o Estado vem dei- produzir uma ordem jurídica mais xando de ser programado e posto ao justa. A linguagem dos direitos hu- serviço dos cidadãos, tornando me- manos tornou-se o único meio parti- nos atendíveis os direitos subjetivos lhado e inteligível para se falar sobre dos indivíduos. Os direitos humanos os supremos bens humanos. consagram a efetiva participação das É certo que nem todos os meios pessoas na formação e no exercício sociais e nem todas as culturas são do poder político. A cidadania deve igualmente sensíveis a tais direitos, assegurar tanto a autonomia cívica tudo dependendo da pluralidade dos como a autonomia privada dos indi- contextos sociais e dos reportórios de víduos. A perceção que se tem da hábitos. O fundamento dos direitos sociedade portuguesa é, no entanto, a humanos na natureza humana será de que tende a predominar uma con- bastante frágil, devido ao seu carácter ceção passiva da cidadania, pouco relativo, em razão dos tempos, dos voltada para a reivindicação dos lugares e dos regimes políticos, po- direitos e para o cumprimento dos deveres. A ausência de uma cultura 15 I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos da cidadania ativa torna patente um Costumes, Lisboa, Edições 70, 1992, p. 79. António Teixeira Fernandes 71 dendo, nesses casos, ser indispen- próprio homem que está em causa, sável promover a garantia de tais mais como mistério do que como direitos para assegurar a dignidade problema. À volta do mistério, se daquela natureza. A cultura destes desenvolve a ideia do indivíduo autó- direitos não se encontra sequer sufi- nomo e responsável. A responsabili- cientemente disseminada na mentali- dade pessoal é central na conceção dade geral europeia. Haverá que ven- humanista da vida, mas o conceito de cer depois inércias, sendo o homem responsabilidade encontra-se já con- essencialmente, como o definem tido no do direito. Se o homem é uma Dostoïevski e Schopenhauer, um ser contínua construção, será de esperar que se habitua a tudo. A cultura dos que, à medida desse crescimento, se direitos humanos esbarra com essas afirmem novos direitos. Só que na inércias. Liberdades e direitos estão situação atual, que Ulrich Beck ainda sujeitos ao poder discricionário chama “irresponsabilidade organi- da política. O enfraquecimento das li- zada”, deverá estar-se bem atento aos berdades fundamentais entra mesmo atentados aos direitos reconhecidos em contradição com a ideia de uma como àqueles que despertaram nos Europa como espaço de cultura e diversos meios sociais. de liberdade. Uma democracia deli- Os direitos estabelecidos são conti- berativa implica uma comunidade nuamente ameaçados e os direitos de cidadãos ativos que participam emergentes são sufocados no seu na definição e na realização do bem desenvolvimento. A retração finan- comum. Mas a sociedade encontra- ceira e a imigração dificultam a ex- se também em contínua mudança, tensão do seu exercício, e os direitos em simultâneo com uma crescente emergentes não encontram espaço humanização do homem. Porque a de expressão. Mas, “onde quer que o inquietude é uma atitude perante a perigo cresça, cresce também o que vida e a realidade pessoal de cada salva” diz Hölderlin. A proximidade um, os direitos humanos não podem do perigo conduz mais claramente ser definidos uma vez por todas. para o que o supera, aumentando a O homem é um composto de finito reflexividade pessoal e social. Tal é e de infinito, de necessidade e de o apelo do homem que aspira à sua liberdade. Sem a salvaguarda do mis- plena realização. Os direitos huma- tério do homem e da vida, não serão nos devem evoluir no sentido de um possíveis nem a emergência de novos padrão universal, ultrapassando o direitos humanos nem a proteção dos âmbito da cidadania ligada à nacio- já consolidados na vida social. É o nalidade. O recuo do Estado social, 72 Boletim do Núcleo Cultural da Horta com o recuo dos direitos sociais, e no seu exercício pleno, já que a exi- a difícil integração dos estrangeiros gência de respeito pelos direitos hu- têm contribuído para avivar o debate manos encontra hoje mais audiência, sobre os direitos humanos dos cida- sinal de um fortalecimento da cons- dãos. Que a ocasião sirva para criar ciência humana e de compaixão de uma verdadeira cultura da cidadania, uns pelos outros. Direitos humanos e direitos das crianças 1

Armando Leandro

Leandro, A. (2015), Direitos humanos e direitos das crianças. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 73-83.

Sumário: Os direitos humanos são entendidos como fonte, fundamento e inspiração essen- ciais a conceções e intervenções de qualidade no quadro de uma sociedade democrática, sendo que os direitos das crianças surgem como um dos domínios mais paradigmáticos do potencial impacte significativo daqueles direitos. O reconhecimento ético, cultural, científico, social e jurídico dos direitos das crianças é uma aquisição civilizacional decisiva, cuja concretização envolve a ação de múltiplos agentes sociais e de atores específicos. Trata-se de um caminho de renovado humanismo capaz de fazer valer o direito à esperança.

Leandro, A. (2015), Human rights and children’s rights. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 73-83.

Summary: Human rights are understood as the source, foundation and essential inspiration to conceptions and interventions with quality in the context of a democratic society, and the rights of children emerge as one of the most characteristic areas of potential significant impact of those rights. The ethical, cultural, scientific, social and legal recognition of children’s rights is a critical civilizational acquisition, whose implementation involves the action of multiple social actors and specific actors. This is the path of a renewed humanism able to enforce the right to hope.

Armando Leandro – Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça.

Palvras-chave: direitos humanos, direitos das crianças, comunidade local, dignidade, esperança.

Key-words: human rights, children’s rights, local community, dignity, hope.

1 No termo «criança» incluímos, conforme o art. 1.º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, todo o ser humano com menos de 18 anos, abrangendo assim também os usual- mente designados como jovens. 74 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1. É com imenso gosto e sentimento que nos cabe viver – uma democra- de privilégio que correspondo ao cia que, além de representativa, seja honroso convite, que muito agradeço, participativa e cognitiva, e tenha pro- para colaborar com o admirado fundas raízes éticas e humanistas. Núcleo Cultural da Horta, escrevendo E julgo que assim é porque são um singelo texto para o seu presti- características dos Direitos humanos, giado Boletim. nomeadamente: Entre as várias determinantes deste sentimento, saliento: o muito apreço – Têm como fundamento essencial a pelas pessoas que dirigiram o convite indiscutível e inviolável dignidade ou estiveram na origem da formu- de toda a pessoa; lação amável e generosa do desafio; – São seus atributos a universalida- o afeto e a admiração que tenho pelas de, a indivisibilidade e a interde- maravilhosas «Ilhas de Bruma» e pendência e correlação de todos suas extraordinárias Gentes; o tema esses Direitos Humanos; escolhido pelo Núcleo para o seu – A sua interiorização é a melhor Boletim e a qualidade da vertente cul- via para a assunção dos correspon- tural e cívica com que o perspetiva. dentes deveres e responsabilidades, ancorados num autêntico sentido 2. Ao falarmos de Direitos Humanos, do Outro; incluímos não só a sua dimensão – Têm um caráter não estático mas jusnaturalista-universalista, mas tam- dinâmico e de progressiva afirma- bém a sua acepção de Direitos Fun- ção e descoberta, pelo contínuo estí- damentais, que são os Direitos mulo da interiorização dos Direitos Humanos jurídico-institucionalmente Humanos a atuações visando a sua garantidos. efetiva concretização nas reais situa- Penso ser positivo abordarmos as ções humanas, diversificadas e questões cruciais da nossa época com frequentes novas cambiantes; – que tanto interpelam e podem rea- – Implicam a obrigatoriedade da ga- lizar ou afetar as pessoas – à luz dos rantia às pessoas do seu gozo em Direitos Humanos, no seu enqua- pleno, sem discriminações. dramento atual, por me parecer que esses Direitos são fonte, fundamento Vou centrar-me preferencialmente nos e inspiração essenciais a conceções e direitos das crianças como Direitos a intervenções de qualidade no quadro Humanos porque se me afigura um de uma democracia à altura das vir- dos domínios mais paradigmáticos do tualidades e dificuldades deste tempo potencial impacte significativo da con- Armando Leandro 75 ceção, dos fundamentos e do reco- ção da ONU sobre os Direitos das nhecimento atuais destes Direitos na Crianças de 1989 – tornada direito promoção da qualidade da vida indi- interno após a sua ratificação pelos vidual, familiar e coletiva. Estados, tal como sucede com os Hoje, constitui efetivamente aquisi- três posteriores importantes Protoco- ção segura, fundamentada na ciência, los Facultativos 2 – corporizou uma numa perspetiva transdisciplinar, e aquisição civilizacional relevantíssi- na experiência, de que a qualidade da ma, a nível mundial. infância, radicada na concreta efeti- Essa aquisição – antecipada ou desen- vação dos seus Direitos Humanos, é volvida em instrumentos jurídicos, fortíssimo pressuposto da qualidade uns nacionais ao nível da Constituição humana; e que esta é, por sua vez, e da legislação comum, e outros inter- essencial ao desenvolvimento de qua- nacionais, nomeadamente no âmbito lidade em qualquer dos seus níveis, do Conselho da Europa e da União nomeadamente ético, cultural, cívico, Europeia – deriva do reconhecimento científico, politico, comunitário, am- dos direitos da criança como Direitos biental e económico. Daí que se re- Humanos, não só nos âmbitos ético, vista de interesse público dominante cultural, científico e social mas tam- tudo o que respeita ao reconhecimen- bém já no domínio jurídico, ao nível to, à interiorização e à concretização internacional e nacional. dos Direitos Humanos de todas as Este inovador reconhecimento im- crianças, na consideração do princípio do superior interesse de cada uma. plicou a mais-valia do Direito numa Terei como especial referência o sis- sociedade democrática, pela sua impe- tema português de promoção e pro- ratividade relativamente ao próprio teção dos direitos da criança. 2 Protocolos facultativos à CDC relativos: 3. Depois das valiosas Declarações à participação de crianças em conflitos dos Direitos Humanos da Criança armados, aprovado em 25 de maio de 2000 e com início da entrada vigor na ordem pela Sociedade das Nações, em 1924, jurídica portuguesa em 16 de junho de 2003; e da ONU, em 1959, e das disposi- à venda de crianças, prostituição infantil e ções, relativas à infância, da Declara- pornografia infantil, também com aquelas ção Universal dos Direitos Humanos, datas de aprovação e entrada em vigor na de 1948, e dos Pactos Internacionais ordem jurídica portuguesa; à instituição de um procedimento de comunicação, apro- relativos aos Direitos Civis e Políticos vado em 28 de fevereiro de 2012 e início da e aos Direitos Económicos, Sociais e vigência na ordem jurídica portuguesa em Culturais, ambos de 1966, a Conven- 14 de abril de 2013. 76 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Estado, à sociedade e aos cidadãos, comunicação, no sentido defendido e pelo seu dever e apetência para por Habermas, a ética da responsabi- incorporar na Lei e fazer valer na sua lidade contemporânea, a ética de ser- aplicação os valores e os princípios viço, que suplante a lógica unilateral que essa sociedade escolhe para uma do poder, as éticas da transdisciplina- vida justa, progressiva e tanto quanto ridade e da interinstitucionalidade, e a possível feliz. ética do cuidado com o Outro, nomea- A partir de então, tornou-se inequí- damente o mais frágil e vulnerável. voco o reconhecimento, também já Também, coerentemente, poderá con- no domínio jurídico, de que a criança, tribuir para a densificação e concreti- ser humano completo, embora em de- zação de exigentes deontologias. senvolvimento, é, indiscutivelmente, um Sujeito autónomo de Direito, 4. O Sistema Português de Promoção titular de direitos iguais, do ponto de e Proteção dos Direitos da Criança, vista do seu gozo (embora ainda não concebido em adequada harmonia do seu completo exercício), aos de com a referida aquisição civilizacional qualquer outro cidadão; e de outros do reconhecimento da criança como direitos próprios derivados das carac- Sujeito de Direito, caracteriza-se por terísticas e necessidades específicas específicos valores, princípios, mis- do seu desenvolvimento. são e visão, determinantes de conse- A esse reconhecimento ao nível do quentes políticas, estratégias, respon- Direito parece-nos aliar-se o implí- sabilidades e ações. cito reforço das componentes éticas do fundamento dos Direitos Humanos 4.1. Os valores são os Direitos Hu- em geral e especificamente da criança. manos da criança, de que, no contexto, Desde logo, fundando-se esses direi- destacamos apenas, entre vários: tos na inquestionável e reconhecida dignidade de toda a pessoa, poderá – O direito ao seu desenvolvimento talvez reclamar-se e promover-se a integral, do ponto de vista físico, psi- interiorização de uma ética mínima cológico, afetivo, espiritual, ético, comum, acolhida por todos os que se cultural, educacional e social, tendo reclamam do humanismo e da demo- em vista a aquisição de um apro- cracia. priado sentido crítico e a corres- Simultaneamente, pode constituir va- pondente capacidade de atuação, lioso estímulo para a interiorização e que lhe proporcione a sua autono- aperfeiçoamento de outras relevantes mia positiva e realizadora, ao nível éticas, entre elas a ética da discussão/ pessoal, familiar e comunitário; Armando Leandro 77

– O direito a uma família onde seja – O direito à educação/instrução/ integrado, amado, protegido, respei- habilitação profissional, no sen- tado e promovido como filho; de tido de uma educação para todos preferência a família biológica, se e para cada um, no respeito pelas ao sangue corresponder o amor e o diferenças; direito este que, no cir- sentido, a capacidade e a responsa- cunstancialismo do nosso tempo, é bilidade parental; quando assim não fundamental à prevenção/reparação suceda e não seja recuperável em de um verdadeiro estado potencial tempo razoavelmente útil, apesar de pobreza, quando considerada na de todos os esforços (que são dever sua multidimensionalidade; irrenunciável da família, do Estado, – O direito à palavra e à partici- da sociedade e das comunidades), pação, em grau correspondente ao esse seu direito fundamental pode seu estádio de desenvolvimento, e deve, sempre que possível, ser relativamente a todos os assuntos realizado no seio de uma família e decisões que lhe digam respeito; adotiva, já que a experiência e a direito que merece, compreensi- investigação demonstram que o velmente, inovador realce na Con- amor parental e filial e a capaci- venção da ONU sobre os Direitos dade e responsabilidade parentais da Criança, tão importante é na são bastantes para construir uma construção da identidade da criança autêntica relação de parentalidade como Sujeito que é do seu destino; e filiação; – O direito à interiorização de va- – O direito a uma parentalidade lores, regras, limites e sentido positiva, de preferência no seio da do Outro; e o direito à educação família biológica ou adotiva; quan- para a tolerância, para a paz, do não viável, é indispensável pro- para o civismo e para a solidarie- curar a sua realização recorrendo a dade; direitos, é bom acentuar, de instrumentos jurídicos que, corres- que são titulares as crianças e não pondendo a uma realidade afetiva e os adultos; a estes – nomeadamente social, melhor possam concretizar aos familiares, mas também à esse direito com a maior segurança escola e às demais instituições pú- e durabilidade. Destaca-se a van- blicas e particulares, à sociedade tagem do apadrinhamento civil, e aos cidadãos em geral – cabe o mas importa não descurar outras dever de contribuir para a sua con- possibilidades, nomeadamente uma cretização, nunca de forma violenta tutela afetiva, efetiva, individual, ou desrespeitadora de outros Direi- próxima e competente; tos Humanos da criança, antes pelo 78 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

exemplo e de forma dialógica, tivos da decisão relativamente à respeitadora, justa, proporcionada, criança, à luz do seu concreto supe- amorosa, empática e pedagógica, rior interesse, e se decida conside- sem deixar de ser claramente firme. rando prioritariamente os direitos da criança concreta, avaliados se- 4.2. Os princípios de intervenção e gundo esse superior interesse, ainda decisão têm hoje também consagra- que no quadro de uma apreciação ção jurídica, destacando-se o princí- razoável (que não afete o profundo pio do primado do superior interesse sentido daquela prioridade) da plu- de cada criança, que constitui, simul- ralidade dos interesses legítimos taneamente: presentes no caso concreto.

– um direito substantivo da criança; É de realçar que o respeito por todas – um princípio fundamental de inter- estas dimensões do conceito de supe- pretação, com o significado de que, rior interesse da criança, e a sua quando uma disposição legal com- efetiva concretização na vida real, porta vários sentidos hermenêutica- implicam contínuos, diversificados, mente admissíveis, deve prevalecer difíceis mas estimulantes, desafios o sentido que melhor garanta a efe- a variados níveis, nomeadamente da tividade do superior interesse da ética, da cultura cívica, do direito, criança; das diferentes ciências, investigações – um princípio e uma correspondente e técnicas convocadas, da política, regra de procedimento, segundo os de todos os sistemas legais e opera- quais, quando estamos face à neces- cionais, numa postura de permanente idade de uma decisão (nomeada- comunicabilidade democrática. Sem- mente judicial ou administrativa) pre a partir de quatro dos paradigmas que possa afetar uma criança espe- fundamentais que são ínsitos ao siste- cífica ou um grupo identificado ma: o paradigma dos Direitos Huma- de crianças, é imperioso que, pela nos, o da complexidade, o da trans- observância de rigorosos procedi- disciplinaridade e o da cooperação. mentos de avaliação, julgamento Assim o exige a «nova cultura da e decisão, conformes aos direitos criança», de que o sentido do supe- substantivos e processuais de todos rior interesse é elemento fulcral e que os intervenientes, nomeadamente os pode talvez entender-se como sím- da criança, se avaliem cuidadosa- bolo de um direito da criança síntese mente os impactos positivos e nega- dos demais – o direito à esperança. Armando Leandro 79

4.3. A missão do Sistema de Promo- ciando, com a indispensável solida- ção e Proteção consiste em contri- riedade e apoio dos adultos, o seu buir para a efetiva concretização dos direito a um presente feliz e a pro- Direitos Humanos de todas e cada jetar-se positivamente num futuro uma das crianças. justo e realizado. Para o que é vital o exercício dos seus direitos à pa- 4.4. A visão do Sistema integra a lavra e à participação, em todos os perspetiva, concretamente projetada, domínios da sua vida; direitos que a monitorizada e a avaliar, das exi- família, as diversas instituições e o gências e esperanças na efetivação, cidadão têm a obrigação de estimu- sem descontinuidades, dos direitos. lar e respeitar, criando também as É como que uma utopia motivadora, melhores condições, recomendadas respaldada na realidade em evolução pela cultura, pela ciência, pela e na firme crença da capacidade de técnica e pela experiência, para mudança, que ainda não se vê mas que esse exercício seja efetivado que se acredita e se quer, denodada- em circunstâncias adequadas a cada mente, tornar possível. criança e a cada situação, na perspe- tiva do seu superior interesse; 5. Como Agentes da concretização – A comunidade local, entre nós dos Direitos Humanos da Criança, o corporizada no Município, com a Sistema atual indica, naturalmente, sua atual legitimidade democrática o Estado, a Família, a Sociedade em e correspondente responsabilidade, geral e o Cidadão, mas fá-lo em ter- mas associando outros agentes, mos inovadores das responsabilida- numa perspetiva de «governação des, em consonância com a atual con- integrada» e de uma intervenção sagração da criança como Sujeito de que conjugue a hierarquia tradicio- Direito. E acrescenta enfaticamente, nal com uma assumida predomi- em sintonia também com o sentido e nante heterarquia, indispensável no as consequências da aquisição civili- condicionalismo atual de grande zacional que essa consagração signi- complexidade e de mutação, «nas fica, dois outros atores específicos, sociedades policêntricas dos nossos a criança e a comunidade local: dias», no sentido que lhe atribui o fi- – A criança, sujeito autónomo de Di- lósofo espanhol Daniel Innerarity 3, reitos Humanos, co-autora e co-res- ponsável, em função do seu progres- 3 Cf. o seu ensaio A transformação da polí- sivo desenvolvimento, da constru- tica, publicado pela editora Teorema, desig- ção do seu próprio destino, viven- nadamente a pp. 181 e ss. 80 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

em que sobrelevam a multiplicida- dade local no cumprimento da irre- de, a variedade, a heterogeneidade, cusável responsabilidade dessa comu- a diversificação dos sistemas sociais nidade pelas suas crianças. e a diferenciação funcional das Têm atribuições de natureza pre- esferas culturais. ventiva, com o objetivo de, com a colaboração do Município e das vá- Entre esses agentes, destacam-se, rias instituições da comunidade, con- no que respeita à promoção e prote- tribuir para o radicar de uma ainda ção dos direitos da criança, as várias inexistente generalizada «cultura de Entidades de primeira linha com prevenção», através de incentivo e competência em matéria de infância apoio a planos sistémicos plurianuais e juventude e, de forma inovadora e de prevenção universal, seletiva ou culturalmente muito significativa, as indicada, devidamente monitorizados Comissões de Proteção de Crianças e avaliados, de preferência com a e Jovens (CPCJ). colaboração de universidades; planos Estas Comissões são instituições não esses fundados numa intencionali- judiciárias dotadas de autonomia dade preventiva constante e baseados funcional, que visam promover os em prévio diagnóstico aprofundado da direitos das crianças e prevenir e realidade familiar e infanto-juvenil reparar a sua violação, podendo, como local, com a determinação das proble- os Tribunais, aplicar, com imparcia- máticas, dos respetivos fatores de lidade e independência, medidas de risco e de proteção, dos projetos exis- promoção e proteção (exceto as rela- tentes ou a implementar para dimi- tivas à confiança para efeitos de nuir os de risco e fortalecer os de pro- adoção), desde que os pais, represen- teção, e a inventariação dos recursos, gerais e especializados, disponíveis tantes legais ou quem tenha a guarda 4 de facto, consintam na intervenção e ou a criar . Têm, naturalmente, atribuições de a criança com mais de 12 anos a ela reparação de situações de perigo, não se oponha. Sem prejuízo da sua a exercer segundo o princípio, legal- autonomia, as CPCJ beneficiam do mente estatuído, da subsidiariedade, acompanhamento e fiscalização do Ministério Público e do apoio, acom- panhamento e avaliação da Comissão 4 Mais de uma centena de CPCJ aderiram já Nacional de Proteção das Crianças e ao projeto sistémico «Tecer a Prevenção», que tem as características aludidas no texto Jovens em Risco (CNPCJR). supra, proposto, em 2010, pela Comissão São expressão profundamente demo- Nacional de Proteção das Crianças e Jovens crática da representação da comuni- em Risco, como Projeto-piloto. Armando Leandro 81 ou seja, do primado da intervenção me parece não contraditório com a mais informal, por envolver menores realidade actual da globalização. riscos de estigmatização e suscitar Pelo contrário, segundo se me afi- mais facilmente sinergias comunitá- gura, o localismo pode contribuir po- rias de proximidade. Conforme esse tenciar os efeitos benéficos da globa- princípio, a intervenção reparadora lização e diminuir os seus riscos, na estrutura-se em «pirâmide», por medida em que é fator muito impor- ordem crescente de formalidade. Na tante da construção de uma identi- base situam-se as Entidades com dade forte e segura de cada comuni- competência em matéria de infância dade. Num mundo globalizado, essa e juventude, no segundo as identidade, ao nível ético, cultural e CPCJ e no topo o Tribunal, só po- social, é fundamental para que, como dendo verificar-se a intervenção mais as circunstâncias desse mundo exigem formal quando for impossível, inade- ou aconselham e é do interesse de quada ou insuficiente a intervenção cada comunidade local, esta se pro- menos formal na lógica da referida ponha e afoite, com a segurança que «pirâmide». aquela identidade facilita, a consti- tuir-se e a agir não como comuni- 5.1. A conceção da comunidade local dade fechada ou autista, mas aberta como agente específico do Sistema ao mundo e ao diferente, apostando, tem na base, em nossa opinião, o com espírito crítico, de inovação e princípio do localismo, que se cone- solidariedade, nas amplas possibi- xiona com o princípio da subsidia- lidades de interacções positivas e riedade e que tem como pressuposto mutuamente enriquecedoras que o as virtualidades de uma identidade novo circunstancialismo propicia. forte de cada comunidade, baseada, Nesta perspectiva, a comunidade ter- simultaneamente, em raízes que vêm ritorial local pode valorizar-se rela- do passado, constitutivas de uma cionando-se, quando adequado, tam- «memória» positiva agregadora, e bém no âmbito da promoção e prote- novos ideais, objectivos e projectos ção dos Direitos Humanos da criança, que permitam fundamentar a con- com outras comunidades territoriais, fiança na construção de um presente nomeadamente no domínio da inter- e de um futuro de maior progresso e municipalidade, ou ao nível regional, justiça, e estimular a correspondente nacional, ou mesmo internacional, e partilha de esforços, dificuldades e estabelecendo ligações a comunida- esperanças. des relacionais que as circunstâncias Localismo que, assim percecionado, concretas aconselhem. 82 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

6. Ao aproveitar o privilégio desta que procure um renovado humanis- colaboração com o Núcleo Cultural mo, assim negando a inevitabilidade da Horta para, de forma breve, acen- do «desencantamento do mundo», tuar alguns aspetos, parcelares mas da «era do vazio», da «melancolia significativos, do Sistema português democrática», de um «progresso sem de Promoção e Proteção dos Direitos Sujeito» no quadro do circunstancia- Humanos da Criança, move-me o pro- lismo atual de sociedade excessiva- pósito de tentar facilitar o forte enri- mente competitiva e de risco. quecimento que estou certo resultaria Renovado humanismo que, apostan- de uma reflexão crítica por esse pres- do na prevalência dos afetos – de tigiado Núcleo, segundo a lúcida pers- que são expressões atualmente muito petiva cultural que o orienta, sobre fortes o amor à criança, que é hoje o sistema destinado à concretização um direito dela, e o amor na família dos Direitos Humanos da Criança. fundada em reais raízes afetivas – Nos caminhos da procura da radica- transporte do plano pessoal e familiar ção de uma nova «cultura da criança», para o coletivo, também público, um à luz do seu atual reconhecimento sentido de vida de liberdade/respon- como Sujeito autónomo de Direito, sabilidade/confiança que, a par da é essencial o alargamento e o apro- construção de melhores presentes fundamento dessa reflexão, na ótica para as atuais crianças e mais pro- da necessidade de uma permanente gressivos futuros das novas gerações comunicabilidade entre a ciência e a que vão seguir‑nos, se estenda à firme investigação, as políticas, a atividade determinação de solidariedade para a legislativa, os sistemas organizativos inclusão de todos os nossos concida- e operativos e a ação concreta. dãos, em especial os mais vulnerá- Ouso manifestar a esperança de que veis, para que assim todos se tornem este entrecruzar de reflexão/ação/ava- verdadeiramente «nossos próximos». liação e o convívio e a solidariedade, Renovado humanismo que, investin- também afetivos, que pressupõe, do nas formas universais de intersub- ajude a criar a convicção comum de jetividade – a partir da verdade, da que este difícil mas belo projeto, que justiça, da beleza e do amor – possa nos pode unir, de contribuirmos todos levar a que cada pessoa se singula- para a concretização dos Direitos rize, humanize e se enriqueça a si e à Humanos da criança – como é vital ao comunidade. nosso desenvolvimento de qualidade Será assim provavelmente possível aos vários níveis – pode inserir‑se que, conforme implícito no pensa- significativamente num movimento mento luminoso de Paul Ricœur, Armando Leandro 83 alcancemos mais facilmente a supe- porfiadamente a justiça, numa pers- ração da aparente dicotomia entre petiva humanizante da sua concilia- «a prosa da justiça» e «a poética do ção com o amor, fonte da imprescin- amor», procurando, na atuação con- dível superabundância da «economia creta em relação a cada pessoa, da dádiva». nomeadamente a cada criança, tentar

Direitos humanos e integração Europeia

Carlos E. Pacheco Amaral

Amaral, C. (2015), Direitos humanos e integração Europeia. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 85-92.

Sumário: O texto explora a ideia de direitos humanos e os papéis que são convocados a desempenhar no quadro do processo de construção europeia – em concreto, em alternativa ao modelo moderno, utilitarista, de organização social e política –, argumentando que a inte- gração europeia não começou pela economia, mas pelo direito, mais especificamente, pelos direitos humanos no quadro do Conselho da Europa. Paralelamente, e em particular no con- texto atual, argumenta-se que é nos direitos humanos, e não na economia, ou nas finanças, ou na lógica de alianças flutuantes do século xix e da primeira metade do século xx, que a Europa poderá encontrar instrumentos capazes de lhe permitir, por um lado, superar a crise interna de que enferma e, por outro, reencontrar o seu lugar no quadro do sistema internacional.

Amaral, C. (2015), Human rights and European integration. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 85-92.

Summary: The text explores the idea of Human Rights and the roles they are called upon to fulfill in the process of European construction – in concrete, as alternative to the modern, utilitarian, model of social and political organization – arguing that European integration did not begin with the economy, but with rights, specifically, with Human Rights in the frame- work of the Council of Europe. In parallel, and particularly in the context of the present crisis, we argue that it is from Human Rights, not from economics, finance or the xix century logic of fluctuating alliances that Europe will be able to draw instruments that may allow her both to overcome its internal crisis and to find its proper place in the international system.

Carlos E. Pacheco Amaral – Cátedra Jean Monnet. Universidade dos Açores.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Integração, União Europeia, Conselho da Europa, Estado.

Key-words: Human Rights, Integration, European Union, Council of Europe, State.

Tornou-se um lugar-comum situar -gração das economias dos Estados a origem do processo de construção europeus. Por força do esforço exi- europeia na economia, isto é, na inte- gido pelas duas guerras mundiais do 86 Boletim do Núcleo Cultural da Horta século xx aos Estados – tanto aos Ora, um e outro encontram-se de- vencidos como aos vencedores –, as sencaminhados. Não há registo do economias europeias teriam conheci- segundo, e o primeiro é manifesta- do uma devastação de tal magnitude mente falso. que se tornava impossível recuperá- Quem, em rigor, atender à verdade ‑las uma a uma. Desta forma que a dos factos, rapidamente verificará integração económica da Europa se ter sido no direito, mais precisamente apresentaria como a única via de reso- nos direitos humanos, que o processo lução até mesmo da fome que amea- de construção europeia encontrou çava abater-se sobre o Velho Conti- a sua raiz matricial. Deste modo, a nente devido à escassez de produção primeira manifestação de unidade na agrícola. O Plano Marshall e o pressu- Europa não foi a Comunidade Econó- posto integracionista em que assenta mica Europeia, nem sequer a Comu- são outras tantas demonstrações de nidade Europeia do Carvão e do Aço, tal leitura. E, de facto, enquanto que, que a antecedeu, mas a Comunidade Europeia dos Direitos Humanos que historicamente, a Ideia de Europa, viria a emergir no seio do Conselho isto é, de uma Europa unida, se situou da Europa, de Maio de 1949, através de forma paradigmática no domínio da Convenção Europeia que adoptou do espírito e constitui campo fértil de no ano seguinte e que o viria a reflexão das humanidades, em geral, enformar de forma paradigmática o processo de integração europeia tem desde então. vindo a constituir quase que reserva A integração, tal como a mudança de economistas e juristas – em parti- política, em geral, pode alicerçar-se cular nos dias que correm, marcados numa pluralidade de manifestações, pelo império dos mercados e da racio- como, por exemplo, o interesse das nalidade económica. partes ou os valores que as enfor- Este lugar-comum viria a dar lugar mam. Porém, a sua concretização a outro, como corolário: o desabafo, decorre sempre da necessidade, ou, comummente atribuído a Jean Mon- pelo menos, de um certo sentimento net, o grande pai fundador do pro- de insatisfação, de uma aspiração a cesso de construção europeia, já no mais e melhor. Assim também ao nível fim da sua vida, de que, caso pudesse do processo de integração europeia. recomeçar, assentaria a integração Organizada a partir do princípio de europeia, não na economia, como soberania, a Europa do século xix e supostamente havia feito, mas na da primeira metade do século xx era cultura. composta por Estados que se afir- Carlos E. Pacheco Amaral 87 mavam como independentes precisa- mesmas razões que dantes constituía mente na medida em que cada um era crime. Por outro lado, a nível externo, livre de, em cada momento, adoptar, um país será livre na exacta medida para os seus cidadãos e para o seu em que for capaz de selecionar as nor- território, o corpo de direito que bem mas de direito internacional às quais entendesse. Na verdade, as teorias se declara vinculado. Por exemplo, modernas de contrato social quando a Convenção Europeia dos Direitos recorrem à ideia, antiga e medieval, Humanos que havia sido assinada de direito natural, negam-na. Tanto em 1950, apenas em 1978 entrou em assim que, desde Thomas Hobbes até vigor em Portugal. Assim se verificou John Rawls, o único corpo de direito na medida em que o nosso país só que obriga uma comunidade política em 1976 deliberou subscrever aquele soberana, estatal, é aquele com o qual importante pacto trazendo-o, por essa essa comunidade política se compro- via, para o corpo de direito interno mete. por que Portugal livremente se rege A modernidade não tem lugar para e se define. Até lá, entre 1950 e 1978, qualquer outro corpo de direito para portanto, os Direitos Humanos pre- além daquele que cada Estado decide vistos na Convenção Europeia e a adoptar. Em sentido estrito, até o jurisdição do Tribunal de Estrasburgo próprio direito internacional – isto é, nela previsto eram lei e vinculavam o corpo de direito por que se regem uma série de países europeus (todos as relações que os Estados decidem aqueles que a haviam assinado e rati- travar uns com os outros – vincula ficado), não o nosso. apenas aqueles Estados que dele se No dealbar da modernidade, John reclamam e que escolhem vincular- Locke havia proposto que aquilo ‑se-lhe. Deste modo, dizer-se de um que verdadeiramente caracteriza um Estado que é independente equivale a Estado, demarcando-o dos demais, é sublinhar dois aspectos. Por um lado, o corpo de direito – interno e inter- a nível interno, que ele é livre de pro- nacional – que adopta, seja de forma duzir para si e para os seus o corpo voluntária, como, no caso do nosso de direito que bem entender – e de o país, por exemplo, se verificou com alterar conforme bem entender. No a assinatura da Convenção Europeia nosso país, por exemplo, o aborto en- dos Direitos Humanos, ou do Tratado contra-se descriminalizado porque, de Adesão às então Comunidades na sequência de um referendo popu- Europeias, seja mediante coerção, ou lar, a Assembleia da República assim ameaça dela, como, continuando a o legislou. Do mesmo modo e pelas recorrer a exemplos portugueses, se 88 Boletim do Núcleo Cultural da Horta assistiu aquando do ultimato inglês, ausência de direito, ele é também, ou quando, por ocasião da guerra e pelas mesmas razões, susceptível israelo-árabe, a utilização da base das de vir a ser regulamentado por um Lajes por forças norte-americanas corpo de direito privativo: o direito para reabastecimento de Israel terá internacional que as partes, os Esta- sido autorizada depois de os aviões dos soberanos, em cada momento, e terem descolado das respectivas bases de forma mais ou menos livre, deli- aéreas na costa leste dos Estados berarem legislar. Unidos. Por outras palavras, o princípio de Neste quadro geral proposto pela soberania não reconhece na terra modernidade, os Estados soberanos qualquer outro legislador para além apresentam-se como uma espécie de dos órgãos próprios de cada Estado. ilhas de direito, cada uma responsá- E, em última análise, dizer-se de um vel apenas perante ela mesma. É desta Estado que ele é independente mais forma que as teorias de contrato não é do que reconhecer-lhe o privi- social exigem, como ponto de partida, légio de legislar para si, para os seus a desvinculação de toda e qualquer cidadãos, para o seu território e para norma que se situe para além da von- os recursos que nele se vierem a en- tade de cada Estado. Acrescendo que, contrar, em cada momento, o corpo enquanto ilhas de direito, os Estados de direito que entender. emergem num mar oceano que apre- Por serem independentes é que os senta duas grandes características. vários Estados atribuem aos seus Por um lado, a ausência de direito, o cidadãos os direitos de cidadania que que permite que cada Estado emirja entendem – ou de que são capazes. e se apresente como soberano, isto é, E, pelos princípios fundamentais cor- como detentor de todas as prerroga- relativos, de igualdade soberana e de tivas do divino, incluindo a omni- não ingerência nos assuntos que são presença e a infalibilidade e, que, internos aos Estados, o direito de por isso, mesmo, a sua vontade não cada Estado apenas a esse Estado diz conheça quaisquer limitações. Tanto respeito. assim que, no grande mar oceano das À modernidade falta uma concepção Relações Internacionais, o interesse de humanidade, de igualdade polí- nacional de cada Estado é a única tica, de todos os seres humanos. Por medida do valor moral do seu com- força do princípio de soberania, ela portamento. Porém, ao mesmo tempo apenas tem lugar para um planeta que, num momento inicial, o siste- organizado em Estados independen- ma internacional se caracteriza pela tes e, portanto, para cidadãos deste Carlos E. Pacheco Amaral 89 ou daquele Estado. Paralelamente, os cação do nosso interesse nacional – indivíduos que integram um corpo e presumimos que os demais fazem de concidadãos apresentam-se como exactamente o mesmo, lidando con- iguais, na medida em que todos são nosco apenas na medida em que tal sujeitos de um mesmo corpo de di- se lhes afigura útil para a gratifica- reito livremente produzido pelo res- ção dos seus respectivos interesses. pectivo Estado. E, correlativamente, No limite, estes “outros”, quando nós perante um corpo de cidadãos, todos com eles nos relacionarmos, deterão os demais seres humanos são estran- os direitos que em cada momento o geiros, isto é, sujeitos dos corpos de nosso Estado entender por bem atri- direito diferentes, produzidos pelos buir-lhes. Num dos limites, poderá respectivos Estados. atribuir-lhes todos ou quase todos os Em vez, portanto, de um mundo inte- direitos que reserva aos seus cida- grado, aquilo que a modernidade nos dãos; no extremo oposto poderá ne- propõe é uma visão do planeta terra gar-lhes quaisquer direitos e, neles, esquartejado numa pluralidade de ver pouco mais do que objectos. Estados soberanos. Acresce que a E, entre estes dois polos, enquanto soberania de cada Estado se traduz entidades soberanas, cada Estado é de forma paradigmática na capaci- livre de se situar onde entender! dade de imprimir aos seus cidadãos Em vez, portanto, de uma ideia de os direitos que bem entender – sem direitos humanos, isto é, da ideia de que isso constitua, de modo algum, que cada um e todos nós somos sujei- matéria do interesse de outros Esta- tos de um corpo de direitos inerentes dos. Assim, em vez de uma ideia, à nossa personalidade, dignidade e política, unitária de humanidade, a condição humana – independente- modernidade propõe-nos uma visão mente da sua condição de cidadão estritamente dualista nos termos da deste ou daquele Estado –, aquilo que qual o mundo se encontra dividido a modernidade nos disponibiliza é a em duas partes: os cidadãos de um visão de um planeta coabitado por Estado, nós, os portugueses, por uma pluralidade de corpos de direito exemplo, sujeitos do direito desse que se diferenciarão muito simples- Estado, e os estrangeiros. Estes últi- mente em função da vontade sobe- mos, são sujeitos de outros Estados, rana do Estado que livremente forjou igualmente soberanos, com os quais cada um deles. nós, os portugueses, nos relaciona- Ora, foi este modelo de organização mos de forma estritamente utilitária social e política que se esboroou com tendo em vista unicamente a gratifi- as duas guerras mundiais do séc. xx. 90 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Acresce que este modelo não só se qualquer corpo de direito positivo. tornou inviável como, levado aos De tal modo que, no final do con- seus extremos, apresentou facetas flito, o Tribunal de Nuremberga de desumanidade que chocaram a constituído para julgar os crimes de própria consciência da pluralidade guerra se viu na necessidade de se dos europeus e exigiram a sua substi- socorrer da noção de crimes contra tuição – única garantia de que os a humanidade para condenar todo extremos de desumanidade em que um rol de atrocidades que, de outro desembocou em momento algum se modo, dificilmente poderia conhecer pudessem repetir. uma rotulação adequada à luz do O holocausto terá sido o rosto mais quadro formal da modernidade, ou visível e mais chocante do extremo de então culminar no absurdo de invo- desumanidade permitido pelo quadro cação do direito nazi. moderno de soberania. Naquela que A crise humanitária em que a Europa será uma das páginas mais negras da de Estados soberanos viria a desem- história comum do género humano, a bocar na sequência das duas guerras escravatura relega incontáveis seres mundiais do século xx exigiu a recu- humanos para a condição de objetos, peração de um ideal pré-moderno de de bens transacionáveis. E o racismo consagração de um corpo de direito continua a atirar seres humanos para superior àquele legislado livremente além do limiar de humanidade. Uma por cada Estado: o ideal clássico de vez desmascarado em toda a sua bru- direitos humanos – pelo menos à talidade, o extermínio de cerca de escala europeia. Correlativamente, seis milhões de judeus constituiu a para os albergar, tornou-se neces- exigência mais eloquente da crise que sário forjar uma comunidade política por meados do século xx se abateu nova, superior aos Estados e capaz sobre o modelo moderno de Estado de os julgar. Se, conforme argumenta soberano e da exigência de suprana- John Locke, uma comunidade polí- cionalismo: no caso concreto, de um tica se define pelo corpo de direito que corpo de direito comum e superior a a enforma, então os direitos humanos todos os Estados, independentemente constituirão o núcleo primacial do da sua condição de soberania – os di- processo de construção europeia. reitos humanos – e, bem assim, de um A risco, portanto, de se amputar de mecanismo capaz de assegurar a res- uma das suas dimensões essenciais, pectiva implementação vinculativa. ou, pior, de perder o norte, importa Retenha-se que uma boa parte da que a União Europeia tenha presente desumanidade perpetrada não violou que não é na economia, nas finanças, Carlos E. Pacheco Amaral 91 ou num qualquer princípio utilita- hobbesiano de gratificação de apeti- rista ou mercantil, em geral, que ra- tes e de afastamento de aversões, dica a sua primeira razão de ser, mas convirá manter bem presente que é precisamente nos direitos humanos. este lastro de direitos humanos que O Conselho da Europa permanece, imprime ao processo de construção é certo, longe de corresponder às europeia o cunho político que o en- aspirações federalistas de Robert forma. Fora do quadro conceptual de Schuman, de Denis de Rougemont, uma comunidade política que, parti- e de tantos quantos nele perspecti- lhando um corpo de direito comum, vavam o embrião de uma Europa perspectiva portugueses, gregos, fin- federal. Porém, o compromisso que landeses e alemãs como iguais, como assume, desde a sua fundação, com cidadãos europeus sujeitos de um os direitos humanos e com valores mesmo corpo de direitos e de deve- tão fundamentais da nossa matriz res, à Europa pouco mais poderá civilizacional como a democracia, a estar reservado do que o quadro de autonomia e a subsidiariedade fazem equilíbrio de poder a que o século xix dele, não o parceiro menor do pro- e a primeira metade do século xx nos cesso de integração do continente, habituaram. Um quadro de alianças mas o baluarte desse mesmo processo. flutuantes que conduziu de forma E não deixa de ser curioso que, en- inexorável a duas guerras mundiais, quanto o Conselho da Europa alicer- uma a seguir à outra. Duas guerras çou a integração do continente nos que, convém ter presente, se traduzi- direitos humanos, ao nível da União ram na devastação da própria Europa Europeia apenas em 2000 se assis- que, debilitada, exangue, se viu à tiria à proclamação da respectiva mercê das duas superpotências que Carta de Direitos Fundamentais que, emergiram, uma à sua direita e a só nove anos mais tarde, com o Tra- outra à sua esquerda: os Estados tado de Lisboa, viria a integrar o Unidos e a então União Soviética. corpo de direito primário europeu. Nos dias de hoje, os Estados euro- Em particular num momento como peus estão manifestamente robuste- o que atravessamos, marcado pelo cidos, quando os comparamos com a regresso do utilitarismo e dos egoís- circunstância em que se encontravam mos nacionais – se não mesmo regio- no encerramento da guerra. Isolada- nais, locais e, em última instância, mente, perspectivados em si mesmos, individuais, de raiz manifestamente não deixam, por isso, de roçar a irre- solipsista –, pelo império dos merca- levância à escala internacional, em dos e pela lógica racional do cálculo particular no quadro em que, quer as 92 Boletim do Núcleo Cultural da Horta grandes potências, quer os Estados gração através de pequenos passos, que aspiram a uma tal dignidade, se uns a seguir a outros, sem permitir encontram profundamente empenha- a amputação, seja de qualquer uma dos num conflito pelo poder à escala das suas partes territoriais, seja da internacional. O sistema internacio- sua dimensão humana mais nobre. nal decorrente das duas guerras mun- A alternativa, à Europa do direito diais do século xx está a esboroar-se comum, dos direitos humanos, em de forma acelerada e as grandes vez dos direitos que cada nação euro- potências à escala planetária perfi- peia deliberar adoptar e for capaz de lam-se, apresentando cada uma os financiar, a única alternativa visível, seus instrumentos de poder com vista é a recaída na Europa de coligações à obtenção do melhor posicionamento utilitárias, estruturalmente instáveis, possível. porque necessariamente flutuantes e E, à Europa e às suas velhas nações, que, a cada momento, podem desem- que lugar restará? O futuro da Europa bocar em conflito armado de con- decorrerá directamente da sua capa- sequências de todo impossíveis de cidade de se manter unida e de impri- prever. mir continuidade à política de inte- O trabalho da UMAR nos Açores. Percurso feminista dos direitos das mulheres e a igualdade

Clarisse Canha

Canha, C. (2015), O trabalho da UMAR nos Açores. Percurso feminista dos direitos das mulheres e a igualdade. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 93-110.

Sumário: A associação ‘UMAR’ nasce em Lisboa nos movimentos pós 25 de Abril e surge nos Açores na década seguinte. Da atividade pontual nos anos 80, evolui e afirma-se numa atividade regular. Na evolução da UMAR nos Açores, identificam-se diferentes etapas e linhas de trabalho: debate público sobre os direitos das mulheres, formação-ação, combate à violência doméstica e de género, promoção da mulher no trabalho, ação nas multidiscrimi- nações, e ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. Com base em trabalho local em diferentes ilhas, desenvolve ação de âmbito regional, nacional e mundial. Articula atividades e projetos com organizações de outras áreas de intervenção, integrando trabalho em rede e parcerias ativas. A UMAR nos Açores tem tido papel determinante no ativismo feminista, na promoção da igualdade e luta contra as discriminações, com impato nos direitos humanos das mulheres e nos desafios neste campo de ontem e hoje.

Canha, C. (2015), The intervention of UMAR in the Azores. Feminist perspective of women’s rights and equality. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 93-110.

Summary: The association ‘UMAR’ was born in Lisbon as part of the pro-democracy move- ments of April 25th, and appears in the Azores in the next decade. One-off activities in the 80s evolved towards more regular activity. In the progress of UMAR in the Azores, different stages and lines of work can be identified: public debate on women’s rights, action-training, promotion of women at work, action on multiple discriminations and activism to end violence against women. Based on local work on different islands, regional, national and global level actions have been developed. Activities and projects with organizations in other areas of inter- vention have also been articulated, integrating networking and active partnerships. UMAR in the Azores has had a leading role in feminist activism, in promoting equality and combating discrimination, with impact on women’s human rights and on the past and present challenges in this field. 94 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Clarisse Canha – UMAR - Açores.

Palavras-chave: Direitos das mulheres; igualdade; violência de género; discriminações múl- tiplas; feminismo.

Key-words: Women’s rights; Equality; gender violence; multiple discriminations; feminism.

As barreiras da emancipação e o combate à violência doméstica e de género nos Açores. Abrir portas do lado de fora. Abrir portas do lado de dentro.

1. introdução

Correspondendo ao convite para a como as perspetivas e desafios que apresentação de um texto sobre o se colocam no aprofundamento do trabalho da UMAR em prol dos direi- trabalho feminista e da promoção da tos das mulheres e da igualdade de igualdade, integrando a igualdade género deu-se início à escrita de um de género. conjunto de ideias e relatos, a partir Torna-se pois oportuna a escrita deste da experiência, observação, reflexão e artigo e o enquadramento que nos é memória, das últimas décadas, sobre proposto em: “Direitos Humanos: o percurso desta associação na ação atualidade e perspetivas” – o papel feminista nos Açores, o ativismo, o da sociedade civil na promoção dos trabalho em rede e parcerias no campo direitos humanos”. dos direitos das mulheres e da igual- No início do século passado, Virgínia dade e na luta contra as discrimina- Woolf, escrevia: “e pensei em como ções nomeadamente as discrimina- é desagradável ser trancada do lado ções de género. de fora; e pensei em como talvez seja A redacção deste artigo surge numa pior ser trancada do lado de dentro”. ocasião em que nos dedicamos de Na segunda metade do mesmo sécu- forma especial a um projeto sobre a lo, na emergência dos movimentos história da UMAR nos Açores, onde sociais do pós 25 de Abril de 74, a se procura captar a evolução da asso- UMAR nasceu, em Lisboa, em 1976, ciação e as diferentes etapas no cami- e na década seguinte (no decorrer nho da emancipação das mulheres, dos anos 80) lançou a atividade nos identificar pontos de referência do Açores e, já no início dos anos 90, foi trabalho de ontem e de hoje, assim constituída uma delegação regional Clarisse Canha 95 açoriana. Em 1997, reconhecendo-se 2008, numa associação de âmbito ser a violência doméstica e de género regional. uma das barreiras à emancipação da Considerando a situação das mulheres mulheres e à igualdade, criou-se o em Portugal antes e depois do 25 de SOS Mulher, pensando nas mulheres Abril, destaca-se a importância desta que trancadas do lado de dentro de associação no campo dos direitos das sua casa, da sua família, da sua re- mulheres como direitos humanos, lação amorosa, sofriam violência de contribuindo de forma determinante género. para vencer barreiras da emancipação Entrando no século xxi, a UMAR feminina e abrir portas do lado de prosseguiu e prossegue uma ampla fora, e, abrir portas do lado de den- ação de cariz feminista no país, in- tro, projetando e ampliando as portas cluindo nos Açores, onde a delegação que Abril abriu, como disse Ary dos regional se veio a transformar, em Santos.

2. UMAR nos Açores – atividades e desenvolvimento organizativo Percurso e evolução da UMAR nos um trabalho constante, continuado e Açores abrangente. A organização da UMAR cria-se e desenvolve-se nos Açores, Do trabalho pontual ao trabalho a partir da realização de iniciativas continuado. Do nacional ao regional locais, pontuais (em 80), e de projetos nacionais da UMAR (nacional) que Conforme atrás referido, a UMAR, se estendem aos Açores (anos 90), nascida em Lisboa, em 1976, sendo implementando atividades dos proje- uma associação de âmbito nacional, tos na região, numa promoção e apro- desenvolveu e desenvolve trabalho em ximação do nacional ao regional. diferentes regiões do país, incluindo a Madeira e os Açores. Evolução e desenvolvimento orga- No caso dos Açores, a associação tem nizativo da UMAR nos Açores vindo a desenvolver trabalho ao longo dos anos, tendo iniciado a atividade O percurso da UMAR nos Açores no decorrer da década de 80, com tem sido marcado, a nível organiza- base no ativismo e no voluntariado. tivo, pelos seguintes aspetos: primei- Nos anos 80, foi a vez de trabalho ramente dá-se a realização de ativi- pontual, principalmente na Terceira e dades pontuais por iniciativa de asso- em São Miguel. Já nos primeiros anos ciadas nos Açores. De seguida reali- da década de 90, inicia-se a prática de zam-se atividades e projetos da 96 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

UMAR idealizados a nível nacional, Associação feminista fortalece-se que englobavam a região como es- na formação-ação, no trabalho lo- paço de implementação e desenvol- cal e diário vimento desses projetos, eventos ou A UMAR, associação de cariz femi- atividades, com base, repetimos, no nista, dedicou-se, desde o início, a ativismo e no voluntariado. Após ter iniciado a atividade pontual um trabalho de aproximação local/ nos Açores, na década de 80, foi cons- regional. Uma das mais valias da sua tituída, no início de 90, uma Delega- atividade, nos Açores, tem a ver com ção Regional da UMAR englobando a garantia de um trabalho continuado, trabalho local/regional, a partir de nú- através de linhas de trabalho, projetos cleos/delegações em diferentes ilhas, e estruturas, com base no ativismo, nomeadamente, São Miguel, Santa voluntariado e equipas profissionais. Maria1, Terceira e Faial. Aprofunda- A nossa aproximação à vida e aos ‑se o trabalho da UMAR na região problemas vividos pelas mulheres, com a constituição de núcleos locais e nomeadamente no campo da violên- de equipas profissionais, mantendo-se cia doméstica e de género, mostrou, o ativismo e voluntariado. Destaca-se então, a necessidade de um trabalho o importante trabalho local desenvol- diário, com profissionais, assim como vido em cada uma das ilhas, a cargo a necessidade de trabalho em rede e dos respetivos núcleos e delegações, parcerias. com projeção local e regional. A nossa aproximação às realidades Finalmente e no que respeita à evo- e à ação mostrou também a necessi- lução organizativa, destaca-se a alte- dade de prosseguir a formação-acção ração estatutária, em 2008, ano em desenvolvendo formação específica, que a estrutura regional da UMAR em áreas de intervenção como na – União de Mulheres, Alternativa e violência doméstica e de género. Resposta, nos Açores, passou de Dele- De fato, no início dos anos 90 foi a gação Regional a Associação, de âm- vez de criar raízes, condições de tra- bito regional: UMAR-Açores Asso- balho e funcionamento da associação ciação para a Igualdade e Direitos das nos Açores, numa evolução organiza- Mulheres. tiva que se tornou incontornável, não só mas sobretudo na área da violência 1 Durante alguns anos a UMAR manteve tra- doméstica sobre as mulheres,com a balho regular de acção e apoio às mulheres em Santa Maria, com base em ativismo e linha de trabalho que a UMAR viria voluntariado. a lançar em meados desta década. Clarisse Canha 97

Se desde o início, a UMAR aposta Articulação de ação em diferentes na formação de mulheres, com vista áreas e linhas de trabalho à conquista da sua autonomia, capa- citação e poder pessoal e social, en- Impacto associativo e na sociedade tretanto, foi também a vez de lançar açoriana e aprofundar sensibilização e forma- ção-ação acerca dos direitos das mu- O percurso e a evolução da UMAR lheres, da igualdade de género e da nos Açores, ao longo dos anos, cara- intervenção em áreas como a violên- teriza-se pela articulação de ativida- cia doméstica sobre as mulheres. des em diferentes áreas e temas e pelo desenvolvimento de linhas de traba- Ação e organização regional com lho na ação e organização. Aqui des- atividade local/regional, nacional e taca-se a importância e a diversidade mundial das atividades locais promovidas em cada uma das delegações/núcleos de Trabalho em rede, parcerias e par- ilha, marcando um trabalho de proxi- ticipação em organismos de tipo mimidade com grande impacto local institucional e regional. A dinâmica associativa tem, pois, Sendo o seu âmbito geográfico de marcado a evolução da própria asso- ação e organização regional, a UMAR ciação, acompanhando e produzindo nos Açores tem vindo no entanto a impacto na sociedade açoriana no- desenvolver trabalho e participação meadamente na promoção dos direi- em iniciativas e organizações de âm- tos das mulheres, da igualdade e dos bito nacional e mundial. feminismos na Região. Por outro lado, a associação aposta na realização de trabalho em rede e de Desenvolvimento da ação e novos parcerias na Região, destacando-se desafios a organização de ações em conjunto com várias organizações, nomeada- No decorrer deste percurso identi- mente associações da área da igual- ficam-se linhas de ação marcantes dade e desenvolvimento local. centradas em áreas específicas dos Destaca-se a participação e integra- direitos das mulheres e da igualdade. ção da UMAR-Açores, como asso- Nos primeiros anos da atividade nos ciação/ONG da área da igualdade de Açores, isto é, nas décadas de 80 e género, em organismos de tipo insti- 90 destacam-se, a celebração do Dia tucional na região. Internacional da Mulher, como data 98 Boletim do Núcleo Cultural da Horta simbólica na emancipação feminina, linhas de trabalho como As mulheres a Formação-ação em distintos cam- na Pesca, O género e as multidiscri- pos e temas, e o lançamento do minações, Nas Asas da Igualdade e, movimento de combate à violência a partir de 2009, Ativismo pelo fim doméstica e de género. Nas décadas da violência contra as mulheres, na seguintes, prosseguem-se estas linhas campanha anual de âmbito mundial de trabalho anteriormente referidas, “16 dias de ativismo pelo fim da vio- e emergem outros projetos e linhas lência contra as mulheres.” de ação. O percurso da UMAR nos Açores A partir dos anos 2000, dá-se início tem sido, pois, marcado por uma ação ao envolvimento em ações de âmbito continuada, inserindo ações de âm- nacional e mundial. É o caso da parti- bito nacional e mundial, desenvol- cipação ativa na Marcha Mundial das vendo linhas de trabalho que perdu- Mulheres (MMM) assim como outras ram ao longo dos anos, com o apro- organizações e projetos de âmbito fundamento e novos desafios da ação. europeu e mundial. Estas linhas de ação que denomina- A associação promove e colabora mos linhas de trabalho, marcam o em projetos com vista à afirmação início de “etapas” associativas e pros- da Mulher no Trabalho2. Desenvolve seguem ao longo dos anos e seguintes investigação-ação, projetos e novas etapas.

3. Etapas de um percurso

Linhas de trabalho e novos desa- Primeira etapa fios marcam etapas no percurso da UMAR nos Açores2 O Dia Internacional da Mulher nos Ao longo dos anos vão-se colocando Açores. Direitos das mulheres em novos desafios e exigências de inter- debate venção, mantêm-se linhas de trabalho anteriores e emergem novas linhas A primeira etapa do trabalho da de ação, constituindo-se diferentes UMAR nos Açores começa na déca- etapas no percurso da associação nos da de 80, com atividades pontuais, Açores. nomeadamente com a celebração do Dia Internacional da Mulher, lan- 2 A Mulher no Trabalho. As Mulheres nos çando o alerta para a situação e os Açores e nas Comunidades, Coletânea direitos das mulheres e o debate de coordenada por Rosa Neves Simas. diferentes temas no campo feminino Clarisse Canha 99 na Região3. Começa assim um traba- Abrem-se horizontes e incidências lho de aproximação ao local na região, geográficas, do nacional ao local... o que sempre tem vindo a caraterizar esta associação de cariz feminista, Após os anos 80, entrando no início com “Comunicados, conferências de da década de 90, desenvolvem-se imprensa, ações pontuais, iniciativas atividades nos Açores, integradas em conjuntas, foi a dominância da ação atividade e projetos de âmbito nacio- nos Açores na década de oitenta. Fer- nal, tais como o Projeto GINFORME, mentava uma forte necessidade de projeto de informação e formação às assentar trabalho e acção continuada mulheres e o estudo sobre a situação nos Açores”4. das mulheres que estão em casa. Ainda nesta década surgem outras importantes ações a assinalar o Dia Segunda etapa Internacional da Mulher nos Açores, Formação-ação. A valorização das como as promovidas por sindicatos mulheres em São Miguel, onde a UMAR e ati- vistas se envolvem5. A segunda etapa, de 1992 a 1996. Essa constância em afirmar o 8 de Lançam-se e realizam-se eventos, de- Março como o Dia da Mulher, foi bate público, assim como sensibiliza- importante e impulsionador para que ção e formação-ação, dando enfase à hoje seja um dado adquirido e assu- reflexão e ativismo tão necessário na mido tanto por entidades da socieda- denúncia e consciência das discrimi- de civil, como órgãos do poder regio- nações e dos direitos das mulheres. nal e autárquico, com reflexos na Em 1993 o encontro organizado pela opinião pública e publicações locais. UMAR, sobre “As Mulheres e o Desenvolvimento Regional”6, contou

3 Março de 1981, conferência de imprensa na ilha Terceira. O jornal Açoriano Oriental 1987. Em 1989, “O conselho local da (A.O.) refere: “A situação da mulher aço- UMAR com sede em Ponta Delgada faz riana apreciada, em Conferência de Im- lembrar os movimentos e as lutas que a prensa, pela UMAR”. 1983, comunicado da nível mundial as mulheres têm desenca- UMAR, distribuído em Angra do Heroísmo, deado em pequenos e grandes processos” – denuncia situações da discriminação de mu- 8 Março 1989, jornal A.O. lheres no trabalho. 6 Outubro 1993: As Mulheres e o desenvolvi- 4 História da UMAR nos Açores. mento regional, auditório da Câmara Muni- 5 Destaca-se a conferência de Fátima Sequeira cipal de Ponta Delgada. Trabalhos apresen- Dias sobre “O papel da mulher ao longo tados: Manuela Tavares, Fátima Sequeira da história”, Ponta Delgada, 7 de Março de Dias, Padre Silvino Cabral e Clarisse Canha. 100 Boletim do Núcleo Cultural da Horta com a presença de dezenas de parti- formativo integrando parcerias com cipantes, constituindo um dos primei- outras associações e entidades, com ros eventos de debate público sobre o vista à realização de estágios das for- tema das mulheres, nos Açores. mandas, numa perspetiva de trabalho Nesta época a celebração do Dia da de projetos e integração profissional. Mulher como marco histórico na Outro tema e preocupação emergente caminhada pela emancipação da mu- então foi a problemática da violência lher, passa a ser uma atividade regu- doméstica sobre as mulheres. lar da associação7, numa prática que prossegue até hoje. Terceira etapa

Temas e práticas emergentes O Combate à violência doméstica e de género. Projeto SOS Mulher Inserido nas atividades da UMAR nos Açores começam a emergir temas, Barreiras da emancipação feminina como a mulher e o trabalho, que são A violência doméstica e de género uma preocupação marcante na vida da associação, a partir dos anos noven- A terceira etapa, de 1997 a 2001, ta, onde se destaca, a realização do começa com o lançamento do pro- curso de formação “Dinamizadoras jeto SOS Mulher para “Combater as sócio culturais e ambientais”, decor- causas da violência doméstica sobre rido entre 1994 e 1995. Realizado as mulheres e apoiar as mulheres em Ponta Delgada, esta formação de vítimas”. longa duração, dirigida a mulheres No decorrer da nossa experiência, desempregadas, significou um impor- fomos constatando que a violência tante esforço e desafio da UMAR nos doméstica sobre as mulheres era um Açores, a qual, com reduzidos meios grave problema na Região e cons- apostou na implementação desta ação tituía uma das barreiras para a sua com diferentes módulos incluindo emancipação. Esta noção que nos questões como o ambiente, desenvol- chegava a partir dos testemunhos vimento pessoal e social, igualdade e de mulheres acerca das suas vidas de direitos das mulheres. Numa lógica violência, levou-nos à necessidade de formação-ação, este foi um projeto de construir e implementar um pro- jeto de intervenção e prevenção nesta 7 Temas do Dia Internacional da Mulher: área. 1994 Problemas da Mulher na Atualidade; Como atrás se refere, foi em 1997 1995 A Mulher, o Trabalho e a Família. que a UMAR nos Açores criou o SOS Clarisse Canha 101

Mulher, pensando nas mulheres que Em 2007, aquando do 2.º Referendo, trancadas do lado de dentro de sua a UMAR assumiu na região igual pa- casa, da sua família, da sua relação pel na defesa do sim. amorosa, sofriam violência de género. Criaram-se centros de atendimento8, Evolução na sociedade açoriana. linha telefónica de ajuda SOS Mu- Interesse e diversidade no dia inter- lher, assim como se desenvolveu nacional da mulher formação, sensibilização e denúncia Relativamente ao tema dos direitos acerca da violência doméstica sobre das mulheres, e da celebração do as mulheres. Dia Internacional da Mulher, nota-se Destaca-se então o início da prática que a partir de 1997 várias entida- do trabalho em rede e a aposta na for- des assinalam esta data, o que revela mação de pessoal técnico, na área da uma evolução na sociedade açoriana problemática da violência doméstica quanto às mulheres e ao seu Dia Inter- sobre as mulheres. nacional. 1997, foi o Ano europeu contra o racismo e a xenofobia, pelo Direitos sexuais e reprodutivos que “Discriminações – Xenofobia. A UMAR envolve-se desde sempre Racismo” foi o tema do Dia Interna- em outra importante causa do movi- cional da Mulher, no encontro orga- mento feminista, que tem a ver com nizado pela UMAR em Ponta Delga- os direitos sexuais e reprodutivos, da. No ano seguinte, 1998, a UMAR incluindo o aborto. Nos Açores pro- debate o “Planeamento Familiar”. moveu-se importante debate e ação A finalizar a década, no ano 1999: no movimento pela despenalização “Uma abordagem à obra de Maria do aborto, e manifestou-se apoio ativo Lamas” é o tema de Março. Chegadas a favor do Sim à despenalização, ao ano 2000, foi a vez de celebrar o aquando do 1.º Referendo. Neste con- Dia da Mulher, integrado na Marcha texto, foram editadas duas publica- Mundial das Mulheres. ções: Ecos do Movimento Sim pela Tolerância na Imprensa Local e Ini- Novos horizontes de trabalho femi- ciativas Públicas: Os Direitos Sexuais nista e Reprodutivos Uma Perspetiva Aço- Esta etapa, a terceira do percurso riana. associativo, vai até 20019, come-

8 Lançamento do Projeto SOS Mulher – inau- 9 Destaca-se, em factos e datas históricas, ini- guração do serviço, em Ponta Delgada, a 11 ciativas na área do género, na Universidade de Dezembro 1997. dos Açores. 102 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

çando, em 97, com o lançamento do na promoção do desenvolvimento e movimento de combate à violência dos direitos humanos. doméstica sobre as mulheres, passa pela ação de âmbito nacional no mo- Mudança de Maré vimento pela despenalização do abor- Inclusão da perspetiva de género e to. Passa também pela Marcha Mun- aproximação às comunidades dial das Mulheres que sob o lema do combate à pobreza e à violência so- De 2002 a 2005 destaca-se a partici- bre as mulheres acontece com a sua pação da UMAR-Açores na Parceria 1.ª Ação mundial, em 2000, abre para no projeto EQUAL projeto Mudança este século novos campos de trabalho de Maré, projeto de parceria de desen- volvimento, criado e gerido por asso- feminista nesta rede internacional à 10 qual a UMAR, a nível nacional e a ciações da pesca , juntando associa- ções de outras áreas, a nível local e nível regional, adere desde a primeira transnacional, proporcionando inter- hora. Assume-se assim maior contato câmbio de experiências, incluindo a e articulação com o movimento femi- perspetiva de género. Desta parceria nista global, abrindo os horizontes do de desenvolvimento resultaram im- regional ao mundial, passando pelo portantes produtos dos quais, aqui se nacional. destaca a valorização das mulheres na pesca, da igualdade e do setor11. Nas Quarta etapa atividades a cargo da UMAR tem Afirmar a mulher no trabalho grande relevo a atividade de inser- ção profissional e a formação-ação Formação e investigação-ação levada a cabo nas comunidades pisca- 12 A quarta etapa, de 2002 a 2006, foi tórias , que garantiu um trabalho de altura de tornar visível a invisibilida- grande aproximação às comunidades de das mulheres em diferentes áreas, e às mulheres do setor, dando relevo particularmente no mundo do traba- à noção do importante papel das mu- lho, de desenvolver projetos de inves- lheres na pesca, pouco valorizado e tigação ação e de parcerias de desen- volvimento em projetos. 10 AMA e Porto de Abrigo, entidades gestoras A experiência do trabalho em rede e do Mudança de Maré. 11 das parcerias na realização de ativida- “Inclusão Percursos para a Igualdade”, edi- ção da UMAR Açores. des e projetos indica que estas podem 12 Cursos de formação para as mulheres: em constituir importantes eixos no que Rabo de Peixe, São Miguel e em São Ma- respeita ao papel da sociedade civil teus, Terceira. Clarisse Canha 103 até invisível! Neste contexto coloca- É também nesta etapa que se reforça ram-se novos desafios como a inves- a prática da investigação-ação no per- tigação-ação que a associação veio a curso da UMAR nos Açores. Com desenvolver. incidência no mundo do trabalho, emprego e a conciliação da vida A humanidade tem duas asas profissional, pessoal e social, foram desenvolvidos três trabalhos com Formação e investigação-ação base em diferentes ilhas, numa pers- a nível local e regional petiva local e regional. Em 2002, destaca-se a realização de Em 2006 foi realizado em Angra do encontros formativos em São Miguel Heroísmo, um estudo sobre a “A con- e em Santa Maria sobre “Igualdade e ciliação da família e da vida profissio- Feminismos”, e ainda no Verão deste nal”, no qual se procura comprrender ano uma digressão do grupo Gera- como é que os casais profissional- ção Viva levou a vários localidades e mente ativos distribuíam o seu tempo instituições dança de intervenção e a numa semana normal de trabalho15. mensagem de que a Humanidade tem “As mulheres na agricultura” foi o duas Asas13.14 tema do estudo realizado em Santa Da formação-ação, no decorrer destes Maria, também em 2006, num tra- anos, destaca-se a formação e sensibi- balho coordenado pelo núcleo de lização sobre a Igualdade de Género ilha dando particular atenção àquelas e a Violência doméstica sobre as mu- mulheres que fora do mercado formal lheres, com a realização de sessões de trabalho laboram na agricultura. dirigidas a grupos, sobretudo jovens Laboram dentro do núcleo familiar, em contexto escolar, constituindo uma sem título, sem remuneração15. Ficou prática que se tem vindo a desenvol- o desafio de aprofundamento nesta ver e aprofundar até hoje, e que conta área relativamente a alguns indica- também, com o crescente envolvi- dores já lançados e às realidades nas mento de professoras/es dos estabele- outras ilhas da região. cimentos de ensino.

13 Nas Asas da Igualdade foi o nome de pro- Comunidades. Volume V Coletânea coorde- jeto da UMAR Açores, desenvolvido em nada por Rosa Neves Simas. 2007 – Ano Europeu da Igualdade. 15 “Empresárias Invisíveis. As mulheres na 14 “A conciliação da família e da vida profis- agricultura”, artigo de Maria Joseph Sem- sional (...)” Agostinho Leão Pinheiro Soció- pere em A Mulher e o trabalho nos Açores logo UMAR-Açores Delegação da Terceira. e nas Comunidades, Volume VI, Coletânea Ver A Mulher e o trabalho nos Açores e nas coordenada por Rosa Neves Simas. 104 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Por último destaca-se, nesta etapa, e Políticas para a Igualdade – CIPA; um terceiro estudo promovido pela e no Faial a Casa de Abrigo, com UMAR-Açores – “Mulheres na Pesca impacto a nível local e projeção em nos Açores”. Com início em 2006, outras zonas, com relevo para a ilha foi um estudo de âmbito regional que Pico17. se veio a desenvolver e concluir nos Finalmente, em 2006, ano em que a anos seguintes. UMAR celebrou 30 anos18, destaca- ‑se o Congresso Regional da UMAR “Das problemáticas e desafios à realizado na Terceira sob o lema: criação de uma nova imagem da “Das problemáticas e desafios à cria- Mulher” ção de uma nova imagem da Mulher”. Congresso Regional da UMAR Aprofundava-se, então, a atividade Açores na Terceira1617 iniciada nos anos 80 e amadurecia o apelo organizativo e a emergência A importância e o impacto da ação da de novas condições de agilização do UMAR nos Açores decorre e incide trabalho da UMAR nos Açores. também no aspeto organizativo da associação, no trabalho e intercâmbio Quinta etapa em diferentes ilhas, onde se tem apos- tado na diversidade e criatividade O género e as discriminações multi- local, em paralelo com a intervenção plas “Nas Asas da Igualdade” em áreas comuns como a violência Parceria e debate participativo em doméstica e de género. Através de diferentes áreas da sociedade serviços de apoio e de prevenção, comuns a todas, também se identi- A quinta etapa, 2007 e 2008, dois ficam algumas particularidades: Em anos numa fase especial e de transi- São Miguel a gestão da Linha tele- ção organizativa. Em 2007, ano euro- fónica de ajuda SOS Mulher, em peu da igualdade, a UMAR desenvol- Santa Maria o Pontos de Igualdade; veu um projeto especial e marcante na Terceira o Centro de Informação na vida da associação – Nas Asas da Igualdade18. “Composto por eventos 16 Referir ligação especial Faial-Pico onde se destacou “As amarras da Solidão” projeto 18 “Nas Asas da Igualdade. O género e as de estágio Lubélia Silveira, durante 6 meses, multidiscriminações As mulheres em dife- na ilha do Pico. rentes áreas da sociedade” Apresentação no 17 “Foi tempo de nascer um coletivo há 30 VI Congresso Internacional A Vez e a Voz da anos”, texto carta para o aniversário da Mulher em Portugal e na Diáspora Tempos UMAR. e Percursos, UAc, 2013. Clarisse Canha 105 com uma temática cada mês que, ao pesca, iniciado anteriormente e foi longo do ano, fomenta o desenvolvi- realizado ainda um estudo sobre mento de mentalidades e políticas de O género nas empresas, em parceria Igualdade levando os/as participantes com a empresa Norma Açores. a desenvolver propostas concretas O projeto de investigação-ação As para a Igualdade”, foi um projecto mulheres na pesca nos Açores tinha que assumiu e mantém significado também como objetivo a criação de na UMAR-Açores. Simboliza o apro- uma rede de mulheres na pesca cujo fundamento qualitativo. Projecto para resultado representou um importante todas as pessoas, abordou temas rela- passo na valorização e visibilidade tivos às mulheres em diferentes áreas das mulheres do setor. Neste contexto, da sociedade, envolveu instituições, destaca-se também o incentivo à par- associações e pessoas das mais varia- ticipação das mulheres nas organi- das áreas, numa dinâmica transversal zações e associações do setor assim e participativa. Apostou-se no asso- como o empenho na criação de asso- ciativismo, na parceria e na compo- ciativismo feminismo, como é o caso nente pedagógica de debate e partici- da Ilhas em Rede Associação de pativa. Mulheres na Pesca nos Açores20. No ano de 2008, declarado pela União Ações de rua marcam movimentos Europeia “O Ano Europeu do Diá- logo Intercultural” surge o projecto As ações de rua constituem um tipo Migração, Interculturalidades e Gé- de atividades em que a UMAR tem nero. Foi também a vez de A Mulher apostado nos Açores, com a envol- e o Trabalho: Edição e lançamento vência local das delegações de ilha, da Coletânea coordenada por Rosa sobretudo a partir dos anos 200019, Neves Simas: A Mulher e o Trabalho realizando ações, em São Miguel, – nas Comunidades e nos Açores, e Terceira e Faial, reforçando movi- de garantir a participação dos Açores mentos contra a violência sobre as no Congresso Feminista, em Lisboa. mulheres e pela igualdade. Finalmente, neste mesmo ano, 2008, No campo dos estudos de género assume-se uma nova pagina associa- prosseguiram-se projectos de inves- tiva, em termos estatutários: a UMAR tigação-ação como As mulheres na

20 A Rede de Mulheres na Pesca no Açores, 19 2007: Marcha contra a violência doméstica, veio a se legalizar em Julho de 2008, como na Ribeira Grande e na Horta. Marcha pela associação: Ilhas em Rede Associação de Igualdade em Ponta Delgada. Mulheres na Pesca nos Açores. 106 Boletim do Núcleo Cultural da Horta nos Açores, de Delegação Regional balho anteriores e ao lançar novas passa a ser Associação denominada iniciativas de âmbito local/regional, UMAR-Açores Associação para a nacional e mundial. Igualdade e Direitos das Mulheres. Dinâmica associativa e intenso tra- Sexta etapa balho diário e de proximidade Ativismo pelo fim da violência con- O trabalho diário e de proximidade da tra as mulheres UMAR-Açores, desenvolvido a nível regional e local, prossegue a linha de Consolida-se trabalho local/regio- trabalho na área da violência domés- nal, parcerias e ações a nivel nacio- tica e de género, seja no atendimento, nal e mundial acolhimento, e acompanhamento das A sexta etapa, iniciada em 2009 diz mulheres, com vista à promoção da respeito aos anos mais recentes, em sua autonomia, seja nos alertas à opi- que se consolida o trabalho local/ não pública seja na formação-ação. regional, particularmente na área da Evidenciam-se os programas formati- violência doméstica e de género, na vos desenvolvidos anualmente, a nível formação-ação, assim como na área de cada ilha, articulando e poten- da afirmação das mulheres e dos seus ciando meios, equipas e voluntariado, direitos em diferentes campos. numa aposta e esforço desdobrado Comparativamente com as anterio- para corresponder às necessidades de res cinco épocas o distanciamento no sensibilização particularmente nas tempo é menor. Esse fato não nos im- escolas na prevenção, sensibilização pede de ter uma visão global e com- e formação dirigido a grupos jovens, provar a riqueza do trabalho, durante e público em geral. estes anos. Limitamo-nos por uma questão de es- Na área da afirmação da Mulher no paço a evidenciar apenas alguns pon- Trabalho, prossegue-se ação na valo- tos do trabalho da UMAR-Açores, o rização das mulheres na pesca. que aliás também acontece nos capí- tulos anteriores. Manifesto Feminista 2009 e os con- Nesta etapa, marcada por uma grande tributos dos Açores dinâmica associativa e de parcerias O Manifesto Feminista 2009, inicia- associativas, a atividade da UMAR tiva de âmbito nacional, promovida nos Açores fica em destaque ao pros- pela UMAR, apresenta medidas em seguir e aprofundar, linhas de tra- 10 áreas fundamentais, envolvendo Clarisse Canha 107 a participação e contributos de várias UMAR-Açores, na organização dos associações “Num momento tão im- 16 dias nos Açores, tem evoluído no portante como o das eleições legisla- sentido do trabalho em parceria que tivas, a UMAR decidiu realizar audi- garanta a realização anual da cam- ções públicas em várias regiões do panha com uma diversidade de ações país junto de diversos sectores de e temáticas, com vista a alertar e sen- mulheres, de associações, de movi- sibilizar para o problema da violência mentos sociais, de jovens, para pro- sobre as mulheres no Mundo, no País curar ouvir as vozes de quem tem e nos Açores, unindo o significado algo a dizer, a reivindicar, a integrar de duas datas: o Dia Internacional da numa agenda feminista que se pre- Eliminação da Violência Contra as tende ampla e em permanente reela- Mulheres (25 de Novembro) e o Dia boração. Correspondendo a este movi- Mundial dos Direitos Humanos (dia mento a UMAR-Açores, em conjunto 10 de Dezembro). com varias associações locais adere O programa anual da campanha e comparticipa com contributos ao 16 dias, organizado na região pela manifesto UMAR-Açores, tem contado com a adesão crescente de parcerias, nomea- 16 Dias de Activismo contra a damente associações da área da igual- Violência de Género dade e do desenvolvimento local. Iniciativa de âmbito mundial decorre em Portugal incluindo Açores Ações de rua e debates na Marcha Mundial das Mulheres 16 Dias de Activismo contra a Vio- lência de Género, campanha anual, A Marcha Mundial das Mulheres que tem início em 2009. Esta é uma realiza a sua 3.ª Ação Internacional, das ações de âmbito mundial21 em em 2010, é outra das ações de âm- que a UMAR e a UMAR-Açores, se bito mundial a registar nesta época. envolvem. Esta campanha decorre de A UMAR-Açores adere à Marcha, Novembro a Dezembro, com o obje- que neste ano, (2010) marcou o tivo de promover o debate e de denun- centenário do Dia Internacional das ciar as várias formas de violência con- Mulheres, a solidariedade interna- tra as mulheres no mundo. O papel da cional entre as mulheres, enfatizando seu papel protagonista na solução de 21 Iniciativa lançada, em 1991, pelo Centro de conflitos armados e na reconstrução Liderança Global de Mulheres (Center for das relações sociais em suas comuni- Women’s Global Leadership – CWGL). dades, em busca da paz. Esta 3.ª Ação 108 Boletim do Núcleo Cultural da Horta baseou-se em 4 pontos: Bem comum bateu o impacto da crise na vida das e Serviços Públicos, Paz e desmilita- mulheres, contando-se com uma par- rização, Autonomia económica e Vio- ceria ativa de associações locais23. lência contra as mulheres. As ativi- A crise financeira do sistema capita- dades da UMAR-Açores, decorreram lista está na ordem do dia, como está especialmente em Março, com impor- na ordem do dia o movimento femi- tantes ações de rua e conferencias em nista e a rede da Marcha Mundial das parceria no âmbito da Marcha. Mulheres, que prepara para 2015 a Em 2012, novamente, a Marcha de- sua 4.ª Ação.

4. conclusões sobre o trabalho da UMAR-Açores nos direitos das mulheres a) A UMAR nos Açores tem traba- as discriminações de classe, no traba- lhado em prol de vários direitos das lho, origem cultural, na religião, na mulheres pobreza, na deficiência, nos direitos lgbt, etc., no sentido da integração Começando por abordar direitos das da perspetiva de género e da interce- mulheres em geral, passou posterior- ção do feminismo com outras áreas e mente a uma abordagem e interven- movimentos da igualdade. ção mais específica, desenvolvendo trabalho em vários direitos, como: b) A evolução e aprofundamento direito e acesso ao trabalho, afirma- do trabalho nos direitos das mulhe- ção das mulheres na sociedade e na res na área da violência doméstica família, direitos na área da violên- e de género cia doméstica e de género, direitos sexuais e reprodutivos incluindo o A ação na área da violência domés- aborto, na formação e ensino, valori- tica e de género, nos Açores, onde a zação e visibilidade do papel das mu- associação foi pioneira, constitui um lheres no trabalho, particularmente dos trabalhos mais longos da UMAR- em alguns setores profissionais, no ‑Açores na defesa dos direitos das combate ao assédio sexual, na orien- mulheres e em que a evolução e o tação sexual, e por último nas multi- aprofundamento tem estado forte- 22 discriminações. mente presente. No vasto campo das multidiscrimi- Desde o início, é lançado um alerta nações, o trabalho da UMAR-Açores de denúncia pública acerca da vio- na defesa dos direitos das mulheres, tem procurado incidir em áreas como 22 AIPA, AJC, Norte Crescente. Clarisse Canha 109 lência doméstica sobre as mulheres, lho da UMAR-Açores, a realização como um atentado aos direitos das de ações de formação e sensibilização mulheres e à sua dignidade humana, sobre a violência doméstica e a pro- requerendo intervenção e respostas. moção da igualdade de género, numa De seguida, o lançamento de pres- atividade constante e envolvente com tação de serviços, em diferentes ilhas, grupos, particularmente jovens, o que coloca o trabalho a um outro nível, contribui grandemente para o reco- com estruturas de ação diária e maior nhecimento dos direitos das mulheres proximidade às mulheres na defesa como direitos humanos. e afirmação dos seus direitos e auto- nomia. c) Evolução organizativa, temas A evolução carateriza-se, não só prioritários e ação em âmbitos geo- por prestar serviços de atendimento, gráficos e parcerias com impacto acolhimento, e acompanhamento das no trabalho da UMAR-Açores mulheres com vista à sua autonomi- zação, mas também desenvolver ação Considerando a evolução organiza- na defesa e reivindicação de direitos, tiva da UMAR nos Açores, como com respostas institucionais e legais, acima se refere, nomeadamente do desenvolver formação-ação e apostar nacional para o regional, e conside- no trabalho em rede e parcerias. rando o desenvolvimento de temas Reconhecendo-se a existência de prioritários (comuns no campo femi- causas mais gerais, reconhecendo que nista e ação com envolvimento nos a violência doméstica sobre as mu- âmbitos geográficos nacional e mun- lheres tem raízes nas discriminações dial), assim como o importante tra- de género que marcam a sociedade balho de parcerias que se foi acen- patriarcal, a associação evolui neste tuando, surge a reflexão acerca da im- trabalho, alargando para o campo do portância e influência destes aspetos ativismo mais global pelo fim da vio- no trabalho da associação e o impacto lência contra as mulheres, articulan- na sociedade açoriana. do linhas de trabalho que emergem na Uma primeira questão tem a ver com ação e parcerias. a caminhada associativa, do nacio- Na defesa dos direitos humanos das nal ao regional. Em que medida tem mulheres, evidencia-se hoje para esta prática a ver com a forma de tra- além da prestação de serviços, denún- balhar os direitos humanos das mu- cia e alertas ao público em geral, um lheres, numa região como a nossa, importante trabalho de prevenção. beneficiando o trabalho, pela maior Hoje, podemos evidenciar no traba- proximidade e compreensão, das reali- 110 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dades locais. Uma segunda questão das mulheres, a mudança de cons- tem a ver com a abertura de horizon- ciência social e mentalidades e da tes, a inclusão de temas prioritários opinião pública em geral, na região. comuns, o conhecimento e partilha Igualmente se destaca a ação no que o envolvimento no nacional e campo dos direitos sexuais e reprodu- mundial, para além do regional, e o tivos, nomeadamente no aborto, pela trabalho em parcerias proporciona. implicação e adesão da associação Parece-nos de concluir que estas ao sim, e o empenho nos movimen- questões se refletem no reforço e tos pela despenalização do aborto em maior desenvolvimento do trabalho Portugal, nomeadamente nos dois não só em termos teóricos mas tam- Referendos (1998 e 2007). bém práticos, através do conheci- A valorização das mulheres na socie- mento, assim como do intercâmbio de dade, no trabalho e nas profissões, experiências e realidades, idênticas e são outros campos de direitos das diferenciadas, na defesa dos direitos mulheres onde se considera ter das mulheres e da igualdade. havido maior impato do trabalho da UMAR-Açores. d) Impacto do trabalho da UMAR- Finalmente, e quanto aos desafios ‑Açores nos direitos das mulheres e atuais na continuação e aprofun- os desafios na atualidade damento dos direitos das mulheres Sobre o impacto do trabalho da na erradicação das violências e da UMAR-Açores nos direitos humanos promoção da igualdade, podemos das mulheres, destaca-se o impacto evidenciar alguns desafios de ação na área da violência doméstica e de hoje, tais como os direitos no campo género, onde se pode considerar o LGBT, sem descurar os direitos trabalho da associação determinante sociais e laborais que estão a ser para as alterações que hoje se consta- postos em causa, tendo como justifi- tam nesta área, nomeadamente o au- cação a crise, com particular impacto mento do grau de autonomia por parte na vida das mulheres. O modo como a AMI trabalhou, trabalha e pretende continuar a trabalhar em prol dos Direitos Humanos

Fernando Nobre

Nobre, F. (2015), O modo como a AMI trabalhou, trabalha e pretende conti- nuar a trabalhar em prol dos Direitos Humanos. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 111-117.

Sumário: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948, foi decisiva para o reconhecimento do Ser Humano enquanto Património da Humanidade, sendo justo reconhecer uma evolução positiva da consciencialização coletiva abrangendo os direitos cívicos, sociais, económicos, políticos e culturais. Porém, a luta pela defesa dos Direitos Humanos conhecerá sempre avanços e recuos. Ao refletir sobre a temática dos Direitos Humanos, a AMI pretende ir ao âmago da sua visão, da sua missão, dos seus valores e, sobretudo, da sua ação. No dia 5 de dezembro de 2014, a AMI comemorou o seu 30.º aniversário. Foram 30 anos de luta contra a intolerância e contra a indiferença, 30 anos a acreditar num futuro diferente e melhor, 30 anos a cooperar pela construção de um mundo mais justo, 30 anos de perseverança, 30 anos de sonhos, 30 anos de projetos, 30 anos de concretizações, 30 anos dedicados à causa dos Direitos Humanos.

Nobre, F. (2015), The way AMI worked, works, and intends to continue to work in the promotion of Human Rights. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 111-117.

Summary: The Universal Declaration of Human Rights, adopted in 1948, was decisive for the recognition of the human being as World Heritage, being fair to acknowledge a positive evolution of collective awareness covering the civil, social, economic, political and cultural rights. But the struggle for the defense of human rights will always know advances and retreats. By reflecting on the theme of Human Rights, AMI intends to go to the core of its vision, its mission, its values and, above all, of its action. On December 5th 2014, AMI celebrated its 30th anniversary. 30 years of struggle against intolerance and against indifference, 30 years believing in a different and better future, 30 years cooperating to build a more just world, 30 years of perseverance, 30 years of dreams, 30 years of projects, 30 years of achievements, 30 years dedicated to the cause of human rights.

Prof. Doutor Fernando Nobre – Fundador e Presidente da Fundação AMI.

Palavras-chave: Direitos Humanos, AMI, Mundo, Portugal, Sociedade Civil.

Key-words: Human Rights, AMI, World, Portugal, Civil Society. 112 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

É inegável que os 30 artigos da Decla- 30 anos de perseverança, 30 anos de ração Universal dos Direitos do sonhos, 30 anos de projetos, 30 anos Homem, hoje Direitos Humanos, de concretizações, 30 anos dedicados adotada em Paris a 10 de dezembro à causa dos Direitos Humanos. Não de 1948, constituíram um marco deci- só à sua proclamação mas, acima de sivo na tomada de consciência cole- tudo, à sua efetivação, quer na ver- tiva sobre a importância insubstituível tente internacional, quer na vertente do Ser Humano enquanto Património nacional. da Humanidade. Em 30 anos de existência, a AMI O que já era implícito tornou-se explí- diversificou a sua atuação, impulsio- cito, gravado na pedra quais 10 man- nada por uma participação cada vez damentos de Moisés. Essa declaração mais ativa, adaptando-se à evolução constitui um aperfeiçoamento da já da sociedade e procurando uma atua- notável e inaugural “Déclaration des ção coerente e harmoniosa, passan- Droits de l’Homme et du Citoyen”, do a intervir nas vertentes nacional com os seus 17 artigos, decretados e internacional e nas áreas da saúde, pela Assembleia Nacional Francesa e social, ambiental e de alertar cons- aceite pelo ainda Rei Luís XVI, em ciências. agosto de 1789. Tem pois havido uma evolução posi- A missão humanitária internacional tiva da consciencialização coletiva da AMI traduz-se em 2 tipos de abrangendo os direitos cívicos, sociais, intervenções: missões de emergência económicos, políticos e culturais. e missões de desenvolvimento com Uma questão de partida fundamental equipas expatriadas ou em parceria para a AMI é que refletir sobre a com organizações locais. temática dos Direitos Humanos no passado, no presente e nos tempos A sua primeira missão remonta a vindouros é ir ao âmago da sua visão, 1987 em Lugadjole, na Guiné-Bissau, da sua missão, dos seus valores e, próximo da fronteira com a Guiné- sobretudo, da sua ação. ‑Conakri, que é ainda nos dias que No dia 5 de dezembro de 2014, a correm, uma das regiões mais desfa- AMI comemorou o seu 30.º aniver- vorecidas do país, tanto no campo sário. Foram 30 anos de luta contra a socioeconómico como no que diz res- intolerância e contra a indiferença, 30 peito ao acesso aos serviços de saúde. anos a acreditar num futuro diferente e melhor, 30 anos a cooperar pela Três anos volvidos, em setembro de construção de um mundo mais justo, 1990, na iminência da Guerra do Fernando Nobre 113

Golfo, a AMI realizou a sua primeira AMI ajudou a minorar o sofrimento missão em contexto de guerra, com o dos deslocados e enviou 7 camiões apoio aos refugiados na Jordânia. TIR e 1 avião com roupa e alimentos, num total de 216 toneladas. No ano de 1991, na Roménia, com uma missão de emergência, a AMI Tendo já tido intervenção em todos os prestou assistência a mais de 150 países de língua oficial Portuguesa, crianças, no orfanato de Bilteni, vota- um dos mais significativos marcos na das à miséria e ao abandono no pe- história das missões internacionais ríodo pós-Ceausescu, numa tentativa da AMI ocorreu em Timor-Lorosae. concreta de restaurar a dignidade A AMI foi a primeira Organização daquelas crianças. Não-Governamental do mundo a en- trar no território com ajuda humani- Um dos mais terríveis e dramáticos tária no dia 22 de setembro de 1999, acontecimentos do século xx (1994) após a violência ocorrida com os resul- foi a guerra civil que opôs as etnias tados do referendo (decorrente do Tutsi e Hutu no Ruanda. Num campo violento processo de independência). de refugiados sem as mínimas condi- ções de higiene e segurança, invadi- Ainda no continente Asiático, desde dos pela fome, pela sede e pela exaus- 26 de dezembro de 2004 que a AMI tão, os 6 voluntários da AMI, junto está presente no Sri Lanka. Nesse com outras equipas humanitárias, dia, um sismo seguido de tsunami atenderam entre 5 a 7 mil doentes por teve um impacto devastador, provo- dia. O mesmo número de pessoas que cando milhares de mortos, desapare- morria diariamente de cólera, disen- cidos, deslocados e sem abrigo, além teria, meningite, paludismo… da completa destruição de infraestru- turas. Respondendo ao pedido de Na passagem do século xx para o xxi, auxílio internacional, formulado pelo em abril de 1999, o irromper do con- governo do Sri Lanka, a AMI orga- flito armado no Kosovo, entre sérvios nizou uma missão de emergência que e albaneses, e a posterior intervenção chegou a este país, três dias depois. da NATO provocou uma deslocação Os planos iniciais eram de perma- de milhares de refugiados para os necer seis meses, mas as necessida- países vizinhos, nomeadamente a des extremas no terreno e o extraor- Macedónia, com consequências hu- dinário contributo da sociedade civil manitárias de extrema gravidade. Portuguesa permitiu que a AMI esti- Presente desde a primeira hora, a vesse até hoje no terreno com proje- 114 Boletim do Núcleo Cultural da Horta tos de reconstrução e apoio social, um abertura do primeiro Centro Porta deles em parceria com uma comuni- Amiga. Num momento tão desafian- dade luso-descendente, a comuni- te e árduo como o que se experiencia dade Burgher. atualmente, com o número de pedi- dos de ajuda à AMI a aumentar de Em 2010, a AMI interveio na emer- ano para ano, o trabalho em Portugal gência após o tremendo sismo ocor- torna-se mais importante e necessário rido no Haiti. Começou por prestar do que nunca. cuidados de saúde em 2 hospitais da Vive-se um período da História, capital Port-au-Prince e colaborou em Portugal e um pouco por toda a com a equipa da Proteção Civil Por- Europa, em que a sustentabilidade tuguesa no planeamento e edificação da Política Social é uma preocupa- do campo de deslocados de Parc ção e uma trágica incerteza, num Colofé. Para além do Parc Colofé, a tempo de charneira entre um presente AMI assumiu, através de uma parce- turbulento e um futuro incerto. ria celebrada com a OIM – Organi- Das políticas de austeridade adotadas zação Internacional para as Migra- desde 2008, tem resultado um au- ções –, a responsabilidade de coorde- mento da desigualdade. Assiste-se a nação de outros dois campos de des- um retrocesso das Políticas Sociais, locados internos: Henfrasa e Palais de com a diminuição dos montantes l’Art. Atualmente, a AMI apoia três concedidos e a alteração dos critérios ONG locais que trabalham na área da de abrangência. Regista-se o agrava- saúde e prevenção de catástrofes, em mento da situação dos que já eram prol do desenvolvimento sustentável considerados pobres e a existência de do país. novos: empobrecimento de pessoas que tradicionalmente não eram pobres Estes são apenas alguns exemplos da (profissionais da área da educação, atuação da AMI no mundo em prol de arquitetura, etc.) um futuro melhor, mas é de notar que A perda de habitação própria, ante- a efetivação dos Direitos Humanos câmara da condição de “sem-abrigo”, por parte da AMI é uma realidade não é uma consequência direta da nova só além-fronteiras, como também no pobreza. Muitos destes pobres cami- nosso país. nham para a pobreza estrutural: quando alguém cai nas malhas da Em 1994, dez anos após a sua funda- pobreza e dificilmente de lá sai. Para ção, a AMI passou a intervir em terri- além da privação de recursos mate- tório nacional na área social, com a riais, verifica-se a perda de estatuto Fernando Nobre 115 social, quebra de auto-estima, proble- dade que se vinha a sentir, e como mas de saúde mental, etc. complemento dos serviços disponí- No sentido de proporcionar respos- veis nos Centros Porta Amiga, os 2 tas perante este contexto concreto e Abrigos Noturnos integram pessoas preocupante, a AMI disponibiliza 15 do sexo masculino que necessitam Equipamentos e Respostas Sociais em de apoio em termos de alojamento, Portugal, que se dividem em 9 Cen- estando a viver na situação de sem‑ tros Porta Amiga (Lisboa – Olaias -abrigo. Aos homens recebidos nos e Chelas, Porto, Almada, Cascais, Abrigos é garantido alojamento, ali- Funchal, Coimbra, Vila Nova de mentação, higiene da roupa e pessoal, Gaia e Ilha Terceira); 2 Equipas de apoio social e psicológico, confiden- Rua (Lisboa e Porto e Vila Nova de cialidade e uma morada para corres- Gaia); 2 abrigos noturnos (Lisboa e pondência. Porto); 1 serviço de apoio domici- A rede social da AMI que, repita-se, liário (Lisboa); e 1 Residência Social procura trabalhar de forma articulada (Ilha de São Miguel). e holística, dispõe ainda do serviço de Apoio Domiciliário. Essencialmente Os Centros Porta Amiga prestam dirigido ao combate à exclusão social, um conjunto alargado de serviços tem os idosos como beneficiários aos seus beneficiários como refeitó- maioritários, desde a alimentação aos rio; balneário; vestuário; lavandaria; afetos. O envelhecimento associado distribuição de géneros alimentares; à doença mental é um dos maiores apoio social; apoio psicológico; apoio desafios com que as sociedades con- médico/enfermagem e distribuição de temporâneas se confrontam. Quer por medicamentos; apoio jurídico; clube falta de apoio institucional ao nível de emprego. hospitalar, quer por dificuldade no As Equipas de Rua, por seu turno, acompanhamento destas situações ao têm como metas principais melhorar nível da medicação. Acrescem ainda a qualidade de vida dos sem-abrigo situações de habitação degradada, promovendo respostas integradas de empobrecimento generalizado, isola- várias áreas às dificuldades que en- mento e solidão. frentam; complementar a intervenção realizada pelos Centros Porta Amiga; Menção especial para a Residência prestar apoio psicossocial contínuo, Social, na Região Autónoma dos de forma a evitar regressões e preve- Açores. Este projeto destina-se a resi- nir futuras formas de exclusão social. dentes de outras ilhas que, por moti- Procurando colmatar uma necessi- -vos de saúde, tenham necessidade 116 Boletim do Núcleo Cultural da Horta de se deslocar aos serviços de saúde cursos ético, jurídico, político e das existentes na Ilha de São Miguel, de- relações internacionais. Mas também signadamente ao Hospital de Ponta não deixa de ser uma realidade que Delgada, para consultas, exames a cada dia amplia-se o abismo entre complementares de diagnóstico e/ou os princípios morais orientadores da tratamentos, e que por se encontra- vida humana – ilustrados pelos Direi- rem em situação de pobreza, maior tos Humanos – e a praxis política. vulnerabilidade e/ou exclusão social A evolução do Mundo tem vindo, necessitam de um mais aprofundado aliás, a questionar fortemente esses apoio e acompanhamento psicosso- Direitos, postos em causa mesmo por cial durante o período de tempo em países ditos democráticos. A Guerra que estarão fora do seu local de resi- do Iraque, o processo de independên- dência. cia do Kosovo e suas consequências diretas (Ossétia do Sul, Abcásia, etc.), A rede social que a AMI criou, em são exemplos de repetidas violações parceria com diversos organismos do Direito Internacional, da Carta das estatais, empresariais e da Economia Nações Unidas e das Convenções de Social, constitui-se como um apoio Genebra. Casos paradigmáticos em aos mais vulneráveis, contribuindo que o direito da força sobrepôs-se à igualmente de modo ativo para a Força do Direito. reinserção social. Procura dar-se uma Isto a acrescer a múltiplos conflitos resposta integrada, holística, que que continuam a pulsar um pouco por combata a pobreza, a miséria, o de- todo o globo: Afeganistão; Burun- semprego (a existência de um posto di; Camboja; Chéchénia; Colômbia; de trabalho é fundamental porque o Costa do Marfim; Darfur; Etiópia; trabalho é, para a maioria dos cida- Iraque; Libéria; Mali; Quénia; Pa- dãos, a única fonte de proveniência lestina; R.D. Congo; Ruanda; Serra de recursos), a fome e a exclusão, e Leoa; Síria; Somália; Ucrânia. promova a dignidade humana. Para além disso, e como consequên- cia direta das grandes guerras, com os É verdade que ao longo das últimas cerca de 50 milhares de refugiados e seis décadas, especialmente após a deslocados no mundo, o movimento promulgação da DUDH e da sua cres- migratário vai tomar uma amplitude cente subscrição pelos Estados sobe- nunca antes vista. ranos, a noção de direitos humanos e Ao longo de mais de 30 anos de per- a exigência de respeito pelos mesmos curso humanitário antes e depois de alcançaram um relevo ímpar nos dis- criar a AMI, sempre defendi acerri- Fernando Nobre 117 mamente o papel fulcral da Socie- a maior densidade populacional do dade Civil em várias áreas, nomea- mundo, fique com grande parte do damente na dos Direitos Humanos. seu território debaixo de água. Ainda que muitas vezes à revelia No âmbito da intervenção ambiental, dos governos, a ação persistente da a AMI leva a cabo há quase duas Sociedade Civil a nível local, regio- décadas, vários projetos como reci- nal, nacional ou global constitui-se clagem de radiografias; reciclagem como pilar insubstituível de qualquer de consumíveis informáticos; reci- sociedade humana. Paralelamente, é clagem de óleos alimentares usados; um fator essencial de equilíbrio num ou o projeto Ecoética com o objetivo mundo instável dominado por uma de dar resposta às necessidades de finança insaciável, atualmente desa- conservação da natureza e de orde- creditada, e um poder político fraco e namento do território nacional, finan- demissionário. ciando, ainda, projetos de cariz am- É imperativo que temas como a biental implementados por organi- Democracia Participativa como com- zações locais em vários países do plemento saudável e indispensável à mundo. Democracia Representativa, o debate Ao longo destes 30 anos, e no âmbi- inter-religioso, o combate contra a to das suas duas áreas de intervenção pedofilia, as crianças soldado, o trá- (nacional e internacional), a AMI fico de órgãos ou de mulheres, ou a procurou, sempre, alertar consciên- defesa ambiental, venham a ser inte- cias, ciente de que a participação da grados numa reformulação da DUDH sociedade civil é fundamental para de 1948. promover a mudança de atitudes e comportamentos e pugnar pela defesa No que diz respeito ao ambiente, dos Direitos Humanos. por exemplo, é de destacar que, dos Todavia, estamos bem cientes que 12 novos Objetivos propostos para a a luta pela defesa dos Direitos Agenda Pós-2015 da ONU, 3 se rela- Humanos conhecerá sempre avanços cionam com a questão das alterações e recuos. Fluxos e refluxos da Histó- climáticas. O acentuado agravamen- ria continuam ativos no século xxi e to das condições climáticas levará a ninguém pode dormir tranquilo sobre que muitos povos se transformem em esses direitos universais que pensá- refugiados climáticos como é o caso vamos adquiridos. É imperioso deixar do Bangladesh (onde a AMI também claro que somos corresponsáveis para intervém). No período de duas ou três o bem e para o mal, sobre tudo o que décadas, prevê-se que este país, com à espécie humana diz respeito.

O Provedor de Justiça: da sindicância da má administração à defesa dos Direitos Humanos

Miguel Menezes Coelho

Coelho, M. (2015), O Provedor de Justiça: da sindicância da má adminis- tração à defesa dos Direitos Humanos. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 119-136.

Sumário: O Ombudsman configurou, logo no seu surgimento, na Suécia, há mais de 200 anos, uma instituição ambivalente, por ter surgido como um instrumento do poder real, mas que o limitava. Em Portugal, o Provedor de Justiça começou por visar primacialmente a justiça e a legalidade da atuação da Administração Pública, mas foi-se transfigurando, com especial ênfase a partir das inspeções a estabelecimentos prisionais, mas também com a defesa dos direitos das crianças e dos jovens, dos idosos e das pessoas com deficiência e, desde sempre, com as funções no sistema de fiscalização da constitucionalidade. Ao longo do tempo, foi-se consolidando, pois, a dimensão do Provedor de Justiça como promotor e defensor dos Direitos Humanos. Hoje, essa caraterística é também institucional, uma vez que o Ombudsman portu- guês agrega as qualidades de Provedor de Justiça, de Instituição Nacional de Direitos Humanos e de Mecanismo Nacional de Prevenção.

Coelho, M. (2015), The Ombudsman: from the supervision of maladministra- tion to the defense of human rights. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 119-136.

Summary: Upon its creation, in Sweden, more than 200 years ago, the Ombudsman was an ambivalent institution, having emerged as an instrument of Royal power, but being construed as limiting this same power. In Portugal, the Ombudsman began by targeting primarily the justice and legality of the actions of the public administration, but underwent modifications from the moment when inspections to prisons were made and the institution focused on the rights of children, elderly and people with disabilities. Since then, the Ombudsman is increas- ingly a human rights promoter and protector. Today, the Provedor de Justiça encompasses the qualities of Portuguese Ombudsman, National Human Rights Institution and National Preven- tion Mechanism. Miguel Menezes Coelho – Coordenador da Provedoria de Justiça. Palavras-chave: Direitos Humanos, Provedor de Justiça, Prevenção. Key-words: Human Rights, Ombudsman, Prevention. 120 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1. a génese

A palavra Ombudsman resultará da No entanto, nove anos mais tarde, adaptação do termo umbodhsmadhr, em 1709, o Czar Pedro derrotou-o originário das línguas nórdicas ante- sem complacência nas margens riores ao século xiv, e representa um do Vorskla, perto de Pultava, uma comissário ou um procurador. derrota que deu à aura do anterior A instituição nasceu na Suécia, quan- herói uma tonalidade trágica – e do a Constituição de 1809 separou acabou por estar na origem do os poderes legislativo e executivo e primeiro Ombudsman do mundo. consagrou a designação de um emis- Após a derrota, Carlos rumou a sário habilitado a receber queixas dos Bender, na atual República da cidadãos contra a Administração, tor- Moldova (...). Assim, a Suécia, que nando-se personnagio della legenda na época era um poderoso estado nordica1. europeu, foi governada a partir O relato da sua emergência histórica desta região até ao outono de 1714, é feito por Frank Orton, antigo Pro- quando Carlos finalmente resolveu vedor Sueco contra a Discriminação voltar para o seu reino (...).2 Étnica2, nos seguintes termos: Um ano antes, em outubro de 1713 (...), Carlos assinara um decreto «No ano de 1697 e com a idade de instituindo o Ombudsman Real. quinze anos, Carlos XII tornou-- A tarefa deste era garantir que os ‑se rei da Suécia. Três anos mais juízes, os oficiais militares e os ser- tarde, no Outono de 1700, obteve vidores do Estado suecos respei- uma vitória marcante sobre o Czar tavam as leis do país e as regras Pedro, em Narva, na atual fron- estabelecidas. Tendo estado fora teira entre a Estônia e a Rússia, da Suécia desde que partira, havia apesar de comandar um exército treze anos, para a campanha mili- alegadamente dez vezes inferior ao tar contra a Rússia, o rei viu-se na russo. A vitória fez de Carlos XII necessidade de ter alguém fiscali- um herói no seu tempo e o tema zando, em seu nome, o estado das de famosa biografia de Voltaire. coisas do seu país».

1 Como afirma João Caupers, citando Gio- 2 Frank Orton, The Birth of the Ombuds- vanni Napione, L’ombudsman. Il control- man, Sarajevo, 15 junho de 2001, e Varnitsa, lore della pubblica amministrazione, Milão, 29 de junho de 2001, europeandcis.undp. 1969, p. 255. org/.../ OMBUDS_HISTORY.doc. Miguel Menezes Coelho 121

Demorou mais de cem anos até que dos portugueses a figura do Ombu- a instituição passasse as fronteiras do dsman, por ocasião do II Congresso seu país de origem: primeiro para a Republicano de Aveiro, que decorreu Finlândia, por ocasião da sua inde- em Aveiro, de 15 a 17 de maio de pendência, em 1919, e, depois, para a 1969. Posteriormente, no I Congres- Dinamarca, em 1953, e em 1962 para so Nacional dos Advogados, que a Noruega. Neste mesmo ano, deu-se a se realizou entre os dias 16 e 19 de saída da Escandinávia para o resto do novembro de 1972, apresentou uma Mundo, através da Nova Zelândia. comunicação sobre o assunto. A Assembleia Parlamentar do Con- Em 1971, José Magalhães Godinho selho da Europa, de 22 de janeiro de defendeu a criação de um conselho 1975 – tendo presente que as formas nacional de defesa dos direitos, com usuais de controlo judiciário não per- funções semelhantes às do Ombuds- mitem sempre reagir com a rapidez e man. Competir-lhe-ia, designadamen- eficácia bastantes a todos os aspetos te, promover, para além de diligên- e a todos os desvios da administra- cias junto do Governo e organismos ção moderna. E considerando que o públicos, inquéritos, investigações e Ombudsman, o comissário parlamen- estudos acerca da eficácia das normas tar ou o médiateur desempenham asseguradoras dos direitos e liberda- uma dupla função de importância des fundamentais da pessoa humana, primordial de proteger os particulares inscritos na Constituição e na Decla- contra os abusos das Administrações ração Universal dos Direitos do Públicas e de, mais genericamente, Homem. contribuir para o aperfeiçoamento das No já referido I Congresso Nacional Administrações –, recomendou ao dos Advogados, de 1972, Vasco da Comité de Ministros que convidasse Gama Fernandes apresentou uma os Governos dos Estados-Membros comunicação defendendo a criação que ainda não haviam adotado aque- do Ombudsman, com o propósito de la instituição ao estudo da possi- prevenir e de promover a defesa dos bilidade de designar, tanto a nível direitos, em geral, e das liberdades nacional como a nível regional e ou públicas, em particular. local, pessoas que assumam funções Ainda na mesma ocasião, Mário correspondentes às dos Ombudsman Raposo foi relator do IV tema e comissários parlamentares então («O advogado perante o processo existentes. civil») no qual defendia que o Terá sido Vital Moreira quem, pela pri- Ombudsman assegura a cada cidadão meira vez, trouxe ao conhecimento a certeza de poder viver em condições 122 Boletim do Núcleo Cultural da Horta de liberdade e de segurança, na medi- de má administração e com poder da em que, com total independência, para averiguar, criticar e tornar pú- censura e controla os erros, excessos blica a atuação administrativa, sem a e abusos dos poderes constituídos. poder modificar. Em 1973, no III Congresso da Oposi- Posteriormente, e por iniciativa do ção Democrática, Vasco da Gama Ministro da Justiça, Salgado Zenha, Fernandes reiterou a ideia da criação foi elaborado o Plano de Ação do de um organismo oficial destinado a Ministério da Justiça, que viria a ser ser o veículo das reclamações cívicas aprovado em Conselho de Ministros, contra erros, arbítrios ou negligências a 20 de setembro de 1974, do qual praticados pela Administração ou constava, no plano legislativo, o pelos municípios, devendo ser diri- desígnio de instituir o Ombudsman, gido por individualidades nomeadas visando assegurar a justiça e a lega- pelo Parlamento, com o poder de lidade da Administração através de inspecionar, abrir inquéritos, receber meios informais. reclamações orais ou escritas e dar- A Procuradoria-Geral da República ‑lhes o destino conveniente, pelas foi encarregada de efetuar um estudo vias dos tribunais ou das repartições sobre o assunto, que concretizou competentes. elencando as opções tomadas pelos Após a Revolução de 25 de abril legisladores dos vários países e apon- de 1974, o Decreto-Lei n.º 261/74, tando as características que a institui- de 18 de junho, previu a criação de ção devia revestir em Portugal. Com comissões de reforma judiciária, com base naquele estudo, foi elaborado a finalidade de elaborar e sistematizar um anteprojeto de diploma legal. as críticas ao regime judiciário então O Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de vigente e de sugerir as reformas jul- abril, criou o cargo de Provedor de Jus- gadas adequadas à democratização tiça, visando fundamentalmente asse- e eficácia da justiça; a Comissão de gurar a justiça e a legalidade da admi- Reforma Judiciária do Supremo Tri- nistração pública através de meios bunal de Justiça (cujo vogal era Mário informais, investigando as queixas Raposo) elaborou um relatório geral dos cidadãos contra a mesma admi- sobre todos os trabalhos e propôs a nistração e procurando para elas as criação, na ordem jurídica portu- soluções adequadas (artigo 1.º, n.º 1). guesa, do Provedor de Justiça, com A instituição Provedor de Justiça foi competência para o recebimento de prevista nos projetos de Constituição queixas de particulares, visando uma apresentados por três dos partidos injustiça ou um ato de corrupção ou representados na Assembleia Consti- Miguel Menezes Coelho 123 tuinte, a saber: Centro Democrático dãos contra atos ilegais ou injustos Social (CDS), Partido Socialista (PS) da Administração e propor à Câmara e Partido Popular Democrático (PPD). e ao Governo as providências ade- O projeto do CDS designava-o «de- quadas. fensor do cidadão» e qualificava‑o A discussão na especialidade iniciou- como órgão independente e impar- ‑se na sessão da Assembleia Consti- cial incumbido de receber, apreciar tuinte, de 22 de agosto de 1975, tendo e decidir as reclamações ou queixas terminado na sessão do dia 26 do apresentadas pelos cidadãos contra mesmo mês, com a aprovação do quaisquer ações ou omissões da artigo com alterações (propostas de Administração Pública arguida de emenda do Grupo Parlamentar do injustiça, imoralidade ou ilegalidade CDS), depois do que apresentaram grosseira. declarações de voto os Deputados O projeto do PS previa a existência Lopes de Almeida (PCP), Luís Cata- de dois provedores de Justiça, um rino (MDP/CDE), Mário Mesquita para o sector da Administração a (PS), Costa Andrade (PPD) e Freitas cargo do Governo e outro para as do Amaral (CDS). forças armadas, tendo um e outro por A Constituição da República Portu- função receber as queixas dos cida- guesa, aprovada na sessão plenária da dãos relativamente à Administração e Assembleia Constituinte, de 2 de abril aos Poderes Públicos e de, depois de de 1976, consagrou o Provedor de as apreciarem, apresentarem as reco- Justiça, nos seguintes termos: os cida- mendações para as reparar e prevenir dãos podem apresentar queixas por de futuro, sem poder decisório. ações ou omissões dos Poderes Pú- Já o projeto do PPD previa que junto blicos ao Provedor de Justiça, que as da Câmara dos Deputados funcio- apreciará sem poder decisório, diri- nasse o comissário parlamentar dos gindo aos órgãos competentes as reco- interesses dos cidadãos, ao qual com- mendações necessárias para prevenir petiria indagar das queixas dos cida- e reparar injustiças (artigo 24.º, n.º 1).

2. as principais características da atuação do Provedor de Justiça

O atual Estatuto do Provedor de Jus- pela Lei n.º 17/2013, de 18 de feve- tiça foi aprovado pela Lei n.º 9/91, de reiro3. 9 de abril, entretanto alterada pela Lei n.º 30/96, de 14 de agosto, pela Lei 3 Pode ser consultado em http://www.prove- n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, e dor-jus.pt/?idc=20&idi=15378. 124 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O artigo 5.º do Estatuto regula a deputados presentes, desde que supe- designação do Provedor de Justiça rior à maioria absoluta dos deputados pela Assembleia da República, que em efetividade de funções. deve recair em cidadão que, gozando Nos termos do artigo 258.º do Regi- de comprovada reputação de inte- mento, se nenhum dos candidatos gridade e independência, preencha obtiver esse número de votos, pro- igualmente os requisitos de elegibili- cede-se a segundo sufrágio, ao qual dade para a Assembleia da República. concorrem apenas os dois candidatos Mas o procedimento vem igualmente mais votados cuja candidatura não previsto no Regimento da Assembleia tenha sido retirada. da República4, na secção III relativa E, caso não se alcance a eleição de à designação de titulares de cargos nenhum dos candidatos, o processo é exteriores à Assembleia. reaberto, no prazo máximo de 15 dias Inicia-se com a apresentação de can- (artigo 260.º do Regimento). didaturas (artigo 256.º do Regimento), Concluído o processo com sucesso, que devem ser subscritas por um a posse é tomada, naturalmente, mínimo de 10 e um máximo de 20 perante o Presidente da Assembleia Deputados, perante o Presidente da da República. Assembleia, até 30 dias antes da data São cinco as principais características da eleição, acompanhadas do curri- do Provedor de Justiça, conforme as culum vitae do candidato e da decla- elenca João Caupers5: ração de aceitação de candidatura. – A independência; Durante o período que decorre entre – A imparcialidade; a apresentação das candidaturas e a – A acessibilidade; data das eleições, a Assembleia, atra- – A falta de vinculatividade 6; e vés da comissão parlamentar compe- – A especialização em administra- tente, procede à audição de cada um ção pública. dos candidatos. A votação deverá alcançar uma maio- Vejamos cada uma com mais atenção. ria qualificada, de dois terços dos A independência resulta tanto das características pessoais do escolhido

4 Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, publicado no Diário da Repú- 5 O Cidadão, o Provedor de Justiça e as blica, n.º 159, 1.ª série, de 20 de agosto de Entidades Administrativas Independentes, 2007, e retificado pela Declaração de Reti- Lisboa, 2002, p. 85, ss. ficação n.º 96-A/2007, publicada no Diário 6 Como se verá adiante, João Caupers fala, da República, n.º 202, 1.ª série, 1.º suple- verdadeiramente, em falta de poder de mento, de 19 de outubro de 2007. decisão. Miguel Menezes Coelho 125 quanto do procedimento de designa- Tal interpretação foi publicamente ção, que visa colocá-lo ao abrigo da assumida pelo próprio Provedor de interferência dos órgãos administra- Justiça José de Faria Costa, logo nos tivos ou executivos visados pela sua primeiros tempos do seu mandato, e atividade. traduz não só uma efetiva abertura Pode falar-se de imparcialidade com institucional às diferentes solicita- referência ao estatuto de equidistân- ções dos cidadãos, como também cia7 relativamente aos vários interes- – e essencialmente – o anúncio de ses, uma vez que é totalmente inde- um amplo direito de queixa fundado pendente nos contextos de conflito muito mais na injustiça do que na em que se move. ilegalidade.8 A acessibilidade significa que podem Se, historicamente, o Ombudsman recorrer ao Provedor de Justiça todos configurou um plus relativamente ao aqueles que pretendam suscitar ques- tradicional controlo jurisdicional dos tões relativas ao desempenho das poderes públicos, como é unanime- entidades compreendidas no âmbito mente reconhecido, este comprometi- de atuação. É esse o sentido do artigo mento com a vertente justiça – a qual, 3.º do Estatuto, epigrafado «direito de por natureza, não pode deixar de ir queixa»: todos os cidadãos, pessoas além da mera legalidade – e a cir- singulares ou coletivas, podem apre- cunstância de ter sido expressa e sole- sentar queixas por ações ou omissões nemente afirmado por um Provedor dos poderes públicos. de Justiça no exercício do seu cargo, Significa, também, que podem fazê-lo traduz a verdadeira essência da aces- sem especiais requisitos de forma. sibilidade como característica distin- Mas, mais relevante ainda do que tiva do órgão do Estado. a mera acessibilidade formal – por O mesmo artigo 3.º esclarece, se certo importante, até porque ligada dúvidas houvesse, que o Provedor de à desnecessidade de constituição de Justiça aprecia as queixas sem poder advogado –, é a «disponibilidade decisório, dirigindo aos órgãos com- institucional para “ouvir” e “sentir” petentes as recomendações necessá- as queixas ou as suas antecâmaras, rias para prevenir e reparar injustiças. as “lamentações” dos seus conci- Caupers, como aliás muitos outros dadãos»8. autores, afirma que «a característica

7 João Caupers, O Cidadão, o Provedor de 8 José de Faria Costa, “Razões de uma Justiça e as Entidades Administrativas Inde- razão II”, Diário de Notícias, 7 de outubro pendentes, Lisboa, 2002, p. 85, ss. de 2013, p. 47. 126 Boletim do Núcleo Cultural da Horta do Ombudsman que porventura me- Provedor de Justiça são dirigidas ao lhor reflete a sua natureza é a falta órgão competente para corrigir o ato de poderes de decisão»9, ou seja, a ou a situação irregulares, que dispõe circunstância de não ter capacidade de 60 dias, a contar da sua receção, jurídica para alterar ou revogar deci- para comunicar a posição que quanto sões administrativas. a ela assume. Parece mais adequado, contudo, falar No fim da instrução do procedimen- em ausência de vinculatividade, em to, o não acatamento da recomenda- vez de falta de poder de decisão. É que, ção tem sempre de ser fundamentada, na verdade, o Provedor de Justiça motivação que se torna desnecessária toma decisões e transmite-as às enti- em caso de concordância. E, caso as dades visadas; o que não pode é recomendações não sejam atendidas impor as soluções que considera mais pelos órgãos executivos das autar- acertadas, limitando-se portanto a su- quias locais, o Provedor pode dirigir- gerir ou aconselhar um desfecho pos- ‑se às respetivas assembleias deli- sível. Como sintetizou José Menéres berativas e, sempre que a Administra- Pimentel, «ao Provedor assiste o po- ção não atuar de acordo com as suas der de influenciar o comportamento recomendações, o Provedor pode dos restantes poderes públicos, não dirigir-se à Assembleia da República, pela razão da autoridade, não por expondo os motivos da sua tomada qualquer privilégio de execução pré- de posição. via, mas pela autoridade da razão, Qual o motivo que explica que seja pelo privilégio do distanciamento em conferida especial credibilidade às relação aos diversos interesses públi- recomendações que o Provedor de cos que movem a actuação dos outros Justiça dirige à Administração? A res- órgãos e serviços do Poder»10. posta, pelo menos parcialmente, foi É esta competência, de formular dada pelo Conselho Consultivo da recomendações, que verdadeiramente Procuradoria-Geral da República11, constitui o principal traço carateri- ao discorrer sobre a relevância da zador do Ombudsman. existência de uma recomendação do O procedimento inerente a tal com- Provedor, concluindo que, apesar de petência vem descrito no artigo 38.º não terem força vinculativa para a do Estatuto: as recomendações do

11 Parecer n.º 41/87, do Conselho Consultivo 9 Idem, ibidem. da Procuradoria-Geral da República, de 29 10 Dicionário Jurídico da Administração de julho de 1987 (Diário da República, 2.ª Pública, Volume VI, 1994, p. 658. série, n.º 292, de 21 de dezembro de 1987). Miguel Menezes Coelho 127

Administração, num Estado de direi- documentos que as acompanhem, aos to democrático espera-se que ela seja grupos parlamentares para os fins que ponderada devidamente. estes entendam convenientes, e tam- O Conselho Consultivo lembrou que, bém que são publicadas no Diário da por vezes, o Provedor de Justiça reco- Assembleia. menda a revisão de uma situação, por Para além da obrigação de fundamen- meios não contenciosos, com base tar a discordância com as sugestões não só em razões jurídicas, mas tam- do Provedor, o Estatuto impõe ainda bém em motivos de equidade, pelo aos órgãos e agentes dos serviços da que o acatamento da recomendação administração pública central, regio- exige que a Administração procure, nal e local, das Forças Armadas, dos para além do «legal», o «certo e o institutos públicos, das empresas justo», numa representação onde, públicas ou de capitais maioritaria- apesar de tudo, não deixará de inter- mente públicos ou concessionárias de -vir o seu critério subjetivo: a sua serviços públicos ou de exploração consciência jurídica e axiológica. Em de bens do domínio público, das enti- suma, concluiu que as recomendações dades administrativas independentes, do Provedor de Justiça, ainda que não das associações públicas, designada- vinculativas, devem ser ponderadas mente das ordens profissionais, das devidamente pela Administração, entidades privadas que exercem po- que, no respeito por elas, as situações deres públicos ou que prestem ser- controvertidas devem ser examinadas viços de interesse geral, a obrigação não só numa perspetiva de legalidade, de prestar todos os esclarecimentos mas também de equidade, ensaiando- e informações que lhes sejam solici- ‑se, se for caso disso, soluções não tados pelo Provedor de Justiça. contenciosas. E se, apesar de tudo, Em suma, a debilidade que poderia o diferendo se mantiver, justifica-se advir da ausência de vinculatividade que se aguarde uma atuação em ter- vem acompanhada de uma especial mos de justiça concreta, para a qual se autoridade procedimental, consubs- encontram vocacionados os tribunais. tanciada na circunstância de ser devi- Uma vez que o Provedor de Justiça da ao Provedor de Justiça a prestação pode dirigir recomendações legis- de informações, a disponibilização de lativas à Assembleia da República, documentos e processos para exame; 12 o respetivo Regimento prevê que de o Provedor de Justiça poder fixar, elas devem ser remetidas, com os por escrito, prazo não inferior a 10 dias para satisfação de pedido que 12 Artigo 241.º formule com nota de urgência e de o 128 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Provedor de Justiça poder determinar seja por serem desenvolvidas por a presença na Provedoria de Justiça, entidades públicas, seja por serem ou noutro qualquer local que indicar reguladas por normas de direito e que as circunstâncias justifiquem, público, seja, ainda, porque, de de qualquer trabalhador ou represen- qualquer outra forma, têm a ver tante das entidades visadas, mediante com a prossecução de interesses requisição à entidade hierarquica- públicos, entendidos estes como mente competente, ou de qualquer os que respeitam à satisfação de titular de órgão sujeito ao seu contro- necessidades colectivas»14. lo, a fim de lhe ser prestada a coope- ração devida, sob pena de o Prove- Mas, ainda que os poderes de inspe- dor suscitar ao superior hierárquico ção e fiscalização do Provedor de Jus- competente a instauração de proce- tiça visem fundamentalmente a ativi- dimento disciplinar ou ao Ministério dade administrativa do Estado, dois Público a instauração do competente aspetos merecem particular atenção. processo-crime por desobediência e a Por um lado, a extensão do conceito realização de inspeções. de poderes públicos, de que tanto a O que fica exposto sobre a ausência Constituição como o Estatuto fazem de vinculatividade permite compreen- uso. Compreende, desde logo, o der a expressão «magistratura de Estado, mas também os chamados influência»13 aplicada ao Provedor entes públicos menores, territoriais de Justiça. ou corporativos. E também as autori- A última característica é a especiali- dades administrativas independentes. zação na Administração Pública, o E mesmo os órgãos de soberania são que significa que o Ombudsman de- também poderes públicos incluídos senvolve a sua atividade no universo no âmbito de atuação do Provedor de público, controlando os poderes pú- Justiça, ainda que apenas na vertente blicos. própria do exercício das respetivas João Caupers sintetiza esta caracte- funções administrativas, deixando rística: totalmente de fora as funções polí- tica, legislativa e jurisdicional. «(...) é compreensível a ideia de Como explica Freitas do Amaral, que a instituição somente faz senti- do relativamente a actividades que «se é verdade que todos os órgãos tenham uma conotação pública – administrativos desempenham a

13 João Caupers, ibidem. 14 João Caupers, ibidem. Miguel Menezes Coelho 129

função administrativa, não o é me- de intervenção do Provedor de Justiça nos que esta – a função adminis- nesta área foram definidos de forma trativa – é também desempenhada, dualista, ao mesmo tempo orgânica e ainda que em plano secundário, material: de um lado, não incluindo os pelo Presidente da República, pelo órgãos de soberania e as assembleias Parlamento e pelos Tribunais: há, e governos regionais, com exceção com efeito, actos materialmente da respetiva atividade administrativa; administrativos praticados pelo do outro lado, fixando um procedi- Presidente, ou pelos serviços da mento próprio relativamente às quei- Presidência, pela Mesa do Parla- xas sobre a atividade judicial.16 mento, ou pelo seu Conselho de De facto, o n.º 3 do artigo 22.º do Administração e respectivos servi- Estatuto dispõe que «as queixas rela- ços, e ainda pelos juízes e funcio- tivas à atividade judicial que, pela nários de justiça»15. sua natureza, não estejam fora do âmbito da atividade do Provedor de Por outro lado, coloca-se ainda a Justiça serão tratadas através do questão de saber se a atuação do Pro- Conselho Superior da Magistratura, vedor pode incidir sobre a atividade do Conselho Superior do Ministério discricionária das entidades públicas, Público ou do Conselho Superior dos quer sobre a discricionariedade admi- Tribunais Administrativos e Fiscais, nistrativa quer sobre a técnica. conforme os casos». A resposta é afirmativa, uma vez que o O que daqui resulta é tanto que a fun- limite se situa, não na discricionarie- ção jurisdicional está totalmente fora dade, mas «no controlo do mérito da do âmbito da atividade do Provedor actuação dos poderes públicos, salvo de Justiça, quanto que sobre os pro- em casos de “erro manifesto” (erreur cessos a correr termos nos tribunais a manifeste), ou de “total desrazoabi- intervenção está limitada aos aspetos lidade” (pure unreasonableness)»16. administrativos e ao eventual atraso Não obstante o que fica dito, justifica judicial. ainda maior atenção a questão dos tri- Questão diferente, mas ligada ainda bunais, na medida em que os poderes à atividade judicial, é a da possibili-

15 Diogo Freitas do Amaral, Ombudsman 16 Diogo Freitas do Amaral, Limites jurí- – Novas competências, Novas funções. VII dicos, políticos e éticos da actuação do Congresso Anual da Federação Ibero-ame- Ombudsman, AA.VV., Democracia e Direi- ricana de Ombudsman, AA.VV, Lisboa, tos Humanos no Século xxi, Lisboa, Prove- Provedor de Justiça, 2002, p. 230. doria de Justiça, 2000. 130 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dade de ser apresentada queixa sobre cunho é impressivo e de há muito uma situação que, em simultâneo, tempo. esteja a ser apreciada em tribunal, Recordem-se, a título de exemplo, sendo pacífico que o Provedor não as intervenções ao nível do sistema poderá aceitar apreciá-la – mas não prisional, que começaram em 1993, por razão de litispendência, ou para visando verificar em que medida a evitar a inútil e prejudicial duplicação administração penitenciária cumpria de processos, ou a eventual contra- os objetivos fixados na Constituição dição das decisões ou por causa do e na Lei, designadamente, se aqueles princípio non bis in idem; diferente- propiciavam o fim primacial da exe- mente do que afirma Diogo Freitas cução das penas, que é o da reinser- do Amaral17, o que releva é o respeito ção social das pessoas sujeitas a me- pelo princípio da independência dos didas privativas de liberdade. tribunais e o dever de acatamento das Mas também as intervenções em decisões por eles proferidas. matéria de direitos das crianças e dos Existe, concomitantemente, uma com- jovens, dos idosos e das pessoas com ponente de direitos humanos na ativi- deficiência, para além das funções dade dos Ombudsman, mesmo que que lhe foram atribuídas no sistema ela seja por vezes menos percetível de fiscalização da constitucionalidade pela generalidade dos cidadãos. e que fazem dele um «órgão de Quanto ao Provedor de Justiça, tal garantia da Constituição»18.

3. a expansão do modelo do Provedor de Justiça 1718 19 Apesar de surgir «num contexto espe- der a sua influência além fronteiras. cífico de transição democrática»19, De início, marcando decisivamente primeiro com a consagração legal e, a figura do Defensor del Pueblo que, depois, com a constitucionalização, o em 1978, surge na Constituição espa- Provedor de Justiça português teve a nhola. É o que atesta Alvaro Gil Ro- virtualidade histórica de lograr esten- bles, autor do projeto de lei orgânica que regula o Defensor del Pueblo, ao recordar que «a Lei Portuguesa foi 17 Ombudsman – Novas competências..., op. cit., p. 231. 18 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons- 19 Catarina Sampaio Ventura, Direitos tituição da República Portuguesa Anotada, Humanos e Ombudsman – Paradigma de 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, um Instituição Secular, Lisboa: Provedor de 1993, p. 171, § II. Justiça, 2007, p. 45. Miguel Menezes Coelho 131 um elemento de trabalho fundamen- encontram-se institucionalizados, no tal, porque constituiu uma mudança que ao Ombudsman concerne, na Fe- significativa na evolução que existira deração Ibero-Americana de Ombu- da Instituição do ombudsman, desde dsman (FIO), cujos Estatutos foram a sua origem, até ao ano de 1982 adoptados na cidade de Cartagena em que se iniciou a experiência espa- das Índias (Colômbia),em 5 de Agos- nhola»20. to de 1995»21. Relativamente aos países latino-ame- Mais direta, todavia, foi a exporta- ricanos, a marca do modelo português ção do modelo luso para os países de de Ombudsman terá operado, ainda língua oficial portuguesa, designada- que apenas mediatamente por via do mente em África e em Timor. Defensor del Pueblo espanhol, mas Este processo culminou com a cria- traduziu-se, de forma impressiva, no ção, no âmbito da Comunidade de posicionamento jurídico e político Países de Língua Oficial Portuguesa, dentro dos direitos fundamentais. de Rede de Provedores de Justiça, Aliás, como destaca Catarina Sam- Comissões Nacionais e Direitos Hu- paio Ventura «os laços privilegiados manos e demais Instituições Nacio- que ligam os países ibero-americanos nais de Direitos Humanos.

4. o Provedor de Justiça instituição nacional de Direitos Humanos 20 No domínio dos Direitos Humanos, em Paris, entre os dias 7 e 9 de outu- estão internacionalmente definidos bro de 1991.21 padrões mínimos de referência que Foram posteriormente adotados pela devem ser respeitados por todas as Comissão dos Direitos Humanos das instituições nacionais que visem a Nações Unidas, através da Resolução sua defesa, numa ótica de plena inde- 54/1992, e, em 1993, a Assembleia pendência e eficácia. São conhecidos Geral das Nações Unidas reafirmou- como Princípios de Paris, uma vez ‑os na Resolução n.º 48/134, de 20 de que foram elaborados na primeira dezembro. No mesmo ano, foi criado reunião internacional das instituições o Comité Internacional de Coorde- nacionais de promoção e proteção nação das Instituições Nacionais para dos direitos humanos, que teve lugar a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos (ICC), cuja principal mis-

20 Alvaro Gil Robles, El defensor del pueblo, Madrid: Editorial Civitas, 1979, pp. 149-164. 21 Idem, p. 72, nota 148. 132 Boletim do Núcleo Cultural da Horta são é apreciar a conformidade das práticas nacionais com os instrumen- organizações àqueles Princípios, me- tos internacionais de que o Estado diante um processo de acreditação e seja parte e a sua efetiva aplicação, re-acreditação de que pode resultar ou para encorajar a ratificação ou uma das três classificações: A (plena- adesão àqueles instrumentos; e con- mente conforme), B (alguns aspetos tribuir para os relatórios que os Esta- não conformes) e C (não conforme). dos devam apresentar aos organismos Os Princípios de Paris definem as e comités das Nações Unidas e às atribuições e competências, a compo- instituições regionais; cooperar com sição e os métodos de funcionamento as Nações Unidas e com qualquer das instituições nacionais de direitos outra organização do sistema das humanos. Nações Unidas, com as instituições Neste contexto, as instituições nacio- regionais e nacionais de outros países; nais devem ter por atribuições a pro- prestar assistência na elaboração de moção e proteção dos direitos huma- programas de ensino e investigação nos e um mandato tão amplo quanto no domínio dos direitos humanos e participar na respetiva execução nas possível, claramente consagrado em escolas, universidades e círculos pro- texto constitucional ou legislativo. fissionais e, finalmente, divulgar os Além disso, as instituições nacionais direitos humanos e os esforços para devem ter, entre outras, a competên- combater a discriminação em todas cia para apresentar ao governo, ao as suas formas. parlamento e a qualquer outra enti- A composição das instituições nacio- dade recomendações sobre matérias nais e a designação dos seus membros relativas à promoção e proteção dos deverão ter por base procedimentos direitos humanos, designadamente que prevejam as garantias necessárias quanto ao respeito dos princípios fun- para a representação pluralista das damentais de direitos humanos pelas entidades da sociedade civil que par- disposições legais ou administrativas, ticipam na promoção e proteção dos quanto à violação de direitos huma- direitos humanos, como organizações nos, quanto à elaboração de relatórios não-governamentais, representantes sobre a situação nacional relativa aos de correntes de pensamento filosó- direitos humanos e sobre situações ficas ou religiosas, de membros de de violação de direitos humanos em universidades e peritos qualificados, qualquer parte do país. de parlamentares e de colaboradores E devem também ter competência de departamentos governamentais. para promover e garantir a harmoni- Adiante-se que as instituições nacio- zação da legislação, regulamentos e nais de direitos humanos devem dis- Miguel Menezes Coelho 133 por de uma infraestrutura adequada mesmo direito de participação em ao bom desempenho das suas ativida- algumas instâncias, maxime no Con- des, e em particular de fundos sufi- selho de Direitos Humanos, apresen- cientes, como forma de garantir a sua tando documentos próprios, assistindo independência face ao governo. a reuniões e intervindo nas mesmas. Em termos funcionais, os Princípios Tenha-se presente, além do mais, que de Paris também definem os métodos o conceito de Instituição Nacional de de funcionamento das instituições Direitos Humanos designa, em regra, nacionais, visando salvaguardar, no- dois tipos de instituições de promo- meadamente, a autonomia e indepen- ção e proteção dos direitos humanos: dência de atuação, o acesso irrestrito as Comissões de Direitos Humanos e aos órgãos de comunicação social e os Ombudsman. o relacionamento com organizações O Ombudsman português – Provedor não-governamentais que se dedicam de Justiça – detém, desde 1999, a à proteção e promoção dos direitos qualidade de Instituição Nacional de humanos. Direitos Humanos portuguesa, acre- Mas compreendem ainda outras re- ditada com estatuto A. gras sobre o recebimento e exame E, nessa qualidade, tem assento na de queixas e petições, podendo as Comissão Nacional para os Direitos instituições nacionais procurar ações Humanos, entidade de natureza go- conciliatórias, prestar informações vernamental que funciona na depen- aos requerentes relativamente aos dência do Ministério dos Negócios seus direitos, transmitir e formular Estrangeiros e visa uma melhor recomendações às autoridades com- coordenação interministerial tanto no petentes. que se refere à preparação da posição Finalmente, as Instituições Nacionais de Portugal nos organismos interna- de Direitos Humanos acreditadas com cionais em matéria de direitos huma- estatuto A são parceiros em matéria de nos, como no que respeita ao cum- Direitos Humanos, designadamente primento das obrigações assumidas no quadro das Nações Unidas, tendo nessa matéria.

5. o Provedor de Justiça mecanismo nacional de prevenção da tortura

A Convenção contra a Tortura e Assembleia Geral das Nações Unidas, Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, de 10 de dezembro de 1984. Entrou Desumanos ou Degradantes foi em vigor na ordem internacional em adotada pela resolução n.º 39/46, da 26 de junho de 1987 e na ordem jurí- 134 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dica portuguesa em 11 de março de ção, assim como instaurar inquéritos, 1989. em caso de suspeita de violação Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da grave ou sistemática das disposições Convenção, constitui tortura da Convenção. Pelo Protocolo Facultativo à Conven- «qualquer acto por meio do qual ção contra a Tortura, adotado pela uma dor ou sofrimentos agudos, Assembleia Geral das Nações Unidas, físicos ou mentais, são intencio- a 18 de Dezembro de 2002, e em nalmente causados a uma pessoa vigor a nível internacional desde 22 com os fins de, nomeadamente, de Junho de 2006, foi estabelecido obter dela ou de uma terceira pes- um mecanismo internacional de visita soa informações ou confissões, a a estabelecimentos de detenção sob a punir por um acto que ela ou uma jurisdição dos Estados Partes, desig- terceira pessoa cometeu ou se nado por Subcomité para a Prevenção suspeita que tenha cometido, inti- da Tortura. midar ou pressionar essa ou uma Este Subcomité pode visitar locais de terceira pessoa, ou por qualquer detenção sem autorização prévia dos outro motivo baseado numa forma Estados Partes e dirigir a estes reco- de discriminação, desde que essa mendações com vista à prevenção da dor ou esses sofrimentos sejam ocorrência da tortura e outras penas infligidos por um agente público ou tratamentos cruéis, desumanos ou ou qualquer outra pessoa agindo a degradantes. título oficial, a sua instigação ou A par desde sistema de visitas por um com o seu consentimento expresso organismo internacional de peritos, ou tácito». o Protocolo exige também a designa- A Convenção prevê ainda a forma- ção de um mecanismo nacional inde- ção do Comité contra a Tortura, com- pendente de inspeção aos locais de posto por dez peritos, que examina detenção. relatórios apresentados pelos Esta- Em Portugal, estas funções foram dos Partes, dando conta das medidas cometidas ao Provedor de Justiça22 adotadas para cumprir as obrigações que, para a boa execução da nova impostas pela Convenção, formula missão que lhe foi confiada, criou comentários gerais interpretativos uma estrutura de apoio composta por destas obrigações, e pode ainda, caso dois órgãos, o Conselho Consultivo e os Estados Partes o reconheçam, exa- minar queixas individuais e interesta- 22 Ver Resolução do Conselho de Ministros, duais de alegada violação da Conven- n.º 33/2013, de 20 de maio de 2013. Miguel Menezes Coelho 135 a Comissão de Coordenação. Foram Direitos, Liberdades e Garantias, dos igualmente instituídos o Núcleo de Conselhos Superiores da Magistratu- Visitadores e o Apoio Administrativo. ra e do Ministério Público, bem como As competências do mecanismo na- das Ordens dos Advogados, dos Mé- cional de visita são complementares dicos e dos Psicólogos Portugueses. das funções do Comité contra a Tor- À Comissão de Coordenação cabe tura. executar o plano de atividades, ela- O Conselho Consultivo é um órgão borado e aprovado pelo Mecanismo colegial de consulta e acompanha- Nacional de Prevenção, bem como mento, aberto à pluralidade social assegurar a concretização das visi- e de saberes, designadamente inte- tas aos locais de detenção através do grando individualidades de elevados Núcleo de Visitadores. e reconhecidos estatutos ético e cívico O Núcleo de Visitadores é constituído e representantes da Comissão Parla- pelos colaboradores do Provedor de mentar de Assuntos Constitucionais, Justiça designados para o efeito.

6. conclusões

O Ombudsman configurou, logo no que se configurou, desde sempre, seu surgimento, na Suécia, há mais como um órgão de defesa e promo- de 200 anos, uma instituição ambi- ção dos direitos e de outras situações valente. jurídicas subjetivas dos cidadãos Surgiu como um instrumento do que, num primeiro momento, e como poder real, mas que, enquanto tal e resulta claro do n.º 1 do artigo 1.º do paradoxalmente, o limitava. Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de abril, Dois séculos depois, em Portugal, visou a justiça e a legalidade da atua- o Provedor de Justiça é «um órgão ção da Administração Pública através constitucional de garantia dos direi- da investigação, por meios informais, tos, liberdades e garantias enunciados das queixas dos cidadãos e da procura no Título II da Parte I da Constituição de soluções adequadas. e dos direitos a eles análogos»23, eleito pela Assembleia da República, A especial natureza do Provedor resulta das suas particularidades, destacando-se a independência, a im- 23 Augusto Silva Dias e Francisco Agui- parcialidade, a acessibilidade, a espe- lar, O Provedor de Justiça e o Processo Penal, O Provedor de Justiça – Novos Estu- cialização em administração pública dos, Lisboa, 2008, p. 12. e a falta de vinculatividade das suas 136 Boletim do Núcleo Cultural da Horta posições. Todavia, como assinalou de inspeção muito vasta, abrangendo o antigo Provedor Henrique Nasci- a totalidade dos 51 estabelecimentos mento Rodrigues, mesmo não sendo prisionais civis então existentes em de cumprimento obrigatório as suas Portugal. posições, «a lei abre [ao Ombudsman] Mas igualmente as intervenções na um caminho vasto para que possa defesa dos direitos das crianças e dos procurar evidenciar a justiça e a lega- jovens, dos idosos e das pessoas com lidade das posições que defende. (...) deficiência e, desde sempre, também Aqui radica (...) uma sua marca con- as funções que lhe foram atribuídas génita. Aqui repousa a sua ‘autoric- no sistema de fiscalização da consti- tas’, esse indelével fio que demarca a tucionalidade situaram o Provedor de sua autoridade moral que a distingue Justiça muito para além da mera fis- 24 de outros órgãos do Estado» . calização da Administração. O que escasseia em poder, tem o Ao longo dos anos, foi-se consoli- Provedor de Justiça em autoridade. dando a dimensão de promoção e E ainda que a ação do Provedor de proteção dos Direitos Humanos, agre- Justiça se desenvolva fundamental- gando hoje o Ombudsman português mente no quadro da atividade admi- as qualidades de Provedor de Justiça, nistrativa do Estado, ao longo dos de Instituição Nacional de Direitos anos, a sua atuação foi-se transfigu- Humanos e de Mecanismo Nacional rando, com especial ênfase a partir de Prevenção. de 1993, quando começaram as ins- Neste ano de 2015, durante o qual se peções a estabelecimentos prisionais – transformação que culminou, em celebram 40 anos de caminho percor- 1996, com a realização de uma ação rido desde a sua fundação, o Provedor de Justiça é também uma instituição com futuro, com um futuro promissor 24 Henrique Nascimento Rodrigues, II Coló- quio Luso-Brasileiro de Ouvidores Públicos na batalha – sempre penosa, sempre /Provedor de Justiça, Lisboa, 30 de maio inacabada, mas também sempre ven- de 2005, p. 22. turosa – pelos Direitos Humanos. Da informação à autorregulação: prevenção da violência nas relações íntimas

Sandra Furtado

Furtado, S. (2015), Da informação à autorregulação: prevenção da violência nas relações íntimas. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 137-146.

Sumário: Uma viagem de duas décadas sobre a intervenção com vítimas de violência domés- tica nos Açores, e em particular em São Miguel, é o que nos propomos apresentar. Divulgar informação sobre este tema não se tem revelado suficiente para o minimizar. É necessário pensar de forma diferente para que se produzam mudanças nos comportamentos de quem conceptualmente condena a violência, mas, na prática, tem dificuldades no que à autorregu- lação respeita. Como fazemos prevenção da violência doméstica nos Açores? Quais os desafios que nos coloca a sociedade atual? De que forma poderemos melhorar as respostas nesta área? São questões para as quais queremos aqui suscitar reflexão.

Furtado, S. (2015), From information to self-regulation: prevention of vio- lence in intimate relations. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 137-146.

Summary: A journey of two decades on the intervention with victims of domestic violence in the Azores, and in particular in Sao Miguel, is the proposal that follows. Disseminate informa- tion on this subject is not enough to combat it. Now is the time to think differently to produce changes in the behavior of those who conceptually condemn the violence, but, in practice, have difficulties at the level of self-regulation. How do we make prevention of domestic violence in the Azores? What are the challenges that we face in today’s society? How can we improve the responses in this area? These are questions that require some reflection.

Sandra Furtado – Centro de Apoio à Mulher de Ponta Delgada.

Palavras-chave: violência doméstica; direitos humanos; autorregulação.

Key-words: domestic violence; human rights; self-regulation.

Advertência: À reflexão que propo- de base católica, com um percurso nho neste texto estão associados pre- muito ligado ao desenvolvimento lo- conceitos. Ideias com as quais convi- cal, à atividade de formação profissio- vo, e que resultam da minha formação nal, à promoção da saúde mental, ao 138 Boletim do Núcleo Cultural da Horta teatro, e ao combate à violência do- mente designado Centro Comunitário méstica, um pouco por todo o arqui- de Apoio à Mulher). Não me sendo pélago, em particular, no trabalho possível livrar dos preconceitos, mais desenvolvido no Centro de Apoio à vale assinalá-los. Mulher de Ponta Delgada (inicial-

Direitos humanos e violência doméstica

Alguns dos momentos importantes das de prevenção e combate a este na identificação da problemática da fenómeno). Outro exemplo pode ser violência doméstica ocorrem na cena encontrado na 4.ª Conferência Mun- internacional, ao longo da 2.ª metade dial sobre as Mulheres, que decorreu do século xx, e sobretudo associados na China, em 1995, onde é elaborada aos direitos das mulheres. a Plataforma de Ação de Pequim, Pela mão das Nações Unidas, da cujo tema central é a violência exer- Carta das Nações Unidas, acedeu-se cida sobre mulheres e crianças. à Declaração Universal dos Direitos Uma parte significativa da legislação Humanos e proporcionou-se ainda produzida em Portugal, no domí- a realização da Convenção sobre a nio da proteção e apoio a vítimas de Eliminação de Todas as Formas de violência doméstica, provém mais Discriminação contra as Mulheres, da pressão internacional resultante em 1979, onde estas formas de atua- das várias recomendações que os ção são proibidas, bem como a publi- documentos supramencionados moti- cação das resoluções que se seguiram varam, do que um movimento social (Resolução 40/36, sobre violência significativo que interpela o seu go- doméstica, em 1986, e Resolução 45/ verno a legislar sobre um problema 114, em 1990, que exorta os Estados que pretende ver solucionado. membros à implementação de medi-

Intervenção com vítimas de violência nos Açores Das mulheres açorianas abrangidas tuguês, o rácio era de 38%, o que pelo Inquérito Violência de Género – revela uma maior prevalência desta Região Autónoma dos Açores, 53,3% problemática nos Açores, legitiman- mencionaram já ter sido alvo de algu- do a importância da prevenção e do ma forma de violência (Lisboa: 2009). combate a este flagelo social. Num estudo similar, do mesmo autor, A intervenção e o apoio a vítimas realizado em 2007 no continente por- de violência doméstica nos Açores Sandra Furtado 139 inicia-se em meados da década de 90 então existentes no que ao acolhi- do século xx. Como património des- mento respeita. sa intervenção inicial, permaneceram Assegurados sobretudo por institui- até à atualidade a Linha telefónica ções de cariz religioso, os serviços de SOS Mulher, gerida pela UMAR, e acolhimento existentes em São Mi- uma das primeiras casas abrigo portu- guel, até meados da década de 90 do guesas gerida pelo Centro de Apoio século passado, eram procurados por à Mulher de Ponta Delgada (então mulheres com problemáticas diversi- valência do Centro Paroquial de Bem ficadas, entre as quais as auto desig- Estar de São José). nadas de “mulheres abandonadas”, As metodologias utilizadas no traba- cuja intervenção, numa perspetiva lho desenvolvido com as utentes em assistencialista,procurava, em última casa abrigo beberam de experiências instância, e sempre que possível, o de diferentes países. A influência regresso à coabitação com o agressor germânica operacionalizou-se através e a reconciliação conjugal. Volvidas da fundadora do Centro de Apoio à duas décadas, a situação alterou-se. O surgimento de várias estruturas de Mulher de Ponta Delgada, Dӧrte Gra- acolhimento, em particular nas ilhas díssimo. A cultura irlandesa reflete-se de São Miguel, Terceira e Faial, algu- nos resultados das experiências parti- mas delas especializadas na área da lhadas no trabalho de campo do es- violência doméstica, poderão ter con- tudo sobre intervenção com mulheres tribuído, de forma significativa, para a acolhidas em casas abrigo, em Cork transformação da perceção da comu- e em Ponta Delgada (Furtado: 1998). nidade sobre estas respostas sociais. Um grupo de trabalho luso-ameri- A expressões como “casas das mu- cano, constituído por representantes lheres da vida”, “casas das mulheres de entidades ligadas à justiça (Minis- abandonadas”, instituições onde as tério Público, Tribunal, PSP, Reinser- mulheres são “fechadas” – cada vez ção Social, e seus congéneres norte menos testemunhadas nos dias de americanos) e instituições de apoio a hoje – estão associados os propósitos vítimas, permitiu a partilha de expe- do acolhimento, bem como as proble- riências sobre a temática da violência máticas que supostamente lhes subja- doméstica e uma análise comparativa ziam. No passado, a saída de casa entre os diferentes enquadramentos de uma mulher estaria facilmente, legais em ambos os países. associada a práticas de prostituição Este fluxo de diferentes perspetivas ou ao facto de não ser merecedora favoreceu uma intervenção inova- do respeito ou compaixão familiar, dora e marcante face às ofertas até logo, culpada da situação que origi- 140 Boletim do Núcleo Cultural da Horta nou a rutura. A expressão “fechadas” sos, na conceção de programas de remete ainda para um local onde as formação para técnicos/as que inter- mulheres são encarceradas e despidas vêm no processo de ajuda às vítimas da sua liberdade e individualidade. do crime de violência doméstica, e na Quer pelos relatos que tenho testemu- reabilitação de agressores, como é o nhado em contexto de atendimentos a caso do programa CONTIGO, hoje vítimas de violência, quer nas ações replicado noutras comarcas do país. de sensibilização realizadas junto da O trabalho realizado de forma con- comunidade, torna-se evidente que certada, e em rede, permite garantir a estas ideias parecem perder peso, intervenção às vítimas que solicitem principalmente quando é verbalizada apoio, quer a porta de entrada seja a a incompreensão pela manutenção da PSP, os serviços sociais, os serviços relação abusiva, atendendo à oferta de saúde, ou serviços de atendimento de diferentes respostas sociais (com ou qualquer outra. Este modus ope- toda a culpabilização de quem está randi comporta também uma atuação a ser alvo de violência que esta tese que proporciona o acesso – muito em- comporta). bora de uma percentagem pouco sig- Na primeira década do século xxi, nificativa de vítimas (12% procuram concretiza-se o aparecimento de dife- apoio de instituições – Lisboa: 2009), rentes serviços vocacionados para o à informação e ao acompanhamento atendimento às vítimas de violência técnico especializado. Importa referir doméstica, todos eles implementa- dos por Organizações Não Governa- que este procedimento só é acionado mentais (ONG), quer por iniciativa quando por manifestada e expressa própria ou do Governo Regional dos vontade da vítima. Justo é salientar Açores, através de Pólos Locais de que este trabalho não está a ser desen- Combate e Prevenção da Violência volvido ao mesmo ritmo em todo o Doméstica. Estes serviços incluem arquipélago, nem os recursos huma- centros de atendimento, linhas tele- nos e logísticos se assemelham entre fónicas de informação e encaminha- ilhas. mento, centros de acolhimento e casas No entanto, em todos os exemplos há abrigo. um denominador comum. A diferença Pioneiros em boas práticas, muito fez-se através das sinergias criadas a para além das nossas ilhas, os Açores partir do trabalho em rede. marcaram a diferença na interven- Não passando de perceções relacio- ção a nível do acolhimento, na forma nadas com a minha prática profis- como as diferentes entidades se arti- sional, e não me sendo possível con- culam para melhor gestão dos recur- firmar ou estabelecer relações diretas, Sandra Furtado 141 assisti a algumas transformações na de notícias relacionadas com os cri- sociedade açoriana que incluem um mes em contexto doméstico, onde são aumento da procura de ajuda por parte exemplos o homicídio conjugal, ou das vítimas e uma menor tolerância detenções relacionadas com o crime face a comportamentos abusivos na de violência doméstica; intimidade. Que incubadoras poderão e) o surgimento da figura do crime ter favorecido estas transformações? de violência doméstica, bem como Possíveis respostas para o aumento o facto de se ter tornado um crime da visibilidade deste fenómeno, bem público. como a condenação pública, poderão estar relacionados com: Mas, novos desafios se colocam às a) a divulgação de informação de entidades que trabalham com vítimas apoio a vítimas, em particular através de violência doméstica. de serviços de ação social, forças Estão os atuais serviços preparados policiais e serviços de saúde; para apoiar vítimas com reduzida b) o facto de, nas últimas duas déca- autonomia, com psicopatologia, do das, terem surgido várias organiza- sexo masculino, pessoas Lésbicas, ções não governamentais vocaciona- Gays, Bissexuais e Transgénero, ou das para a intervenção especializada situações em que ambos os membros nesta área ou organizações que pas- do casal denunciam a situação de vio- saram a incluir, nos seus serviços, o lência doméstica à Polícia de Segu- atendimento ou acolhimento deste rança Pública? público alvo; Um longo caminho se avizinha para c) a criação de dois Planos Regionais criarmos respostas sociais adequadas vocacionados para a área da violência às características de quem solicita doméstica e de género; ajuda, assim como para desconstruir- d) a divulgação através dos meios mos os mitos que reproduzem a pro- de comunicação social de situações blemática da violência doméstica.

Responsabilidade da sociedade civil

De que forma a sociedade civil con- legitimação da violência como forma tribui para a reprodução ou combate à de resolução dos problemas. violência doméstica? Reprodução intergeracional da vio- Algumas frases verbalizadas por víti- lência – “Eu também apanhei em mas ou por pessoas a quem se destina- criança e só me fez bem” ou “Eu vi o ram ações de sensibilização ilustram meu pai bater na minha mãe. Pensava exemplos de ideias que promovem a que era assim…”. 142 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Influência da religião – “Perdoar é – “Eles eram um casal fantástico. difícil, mas aproxima-nos mais de Ninguém imaginaria que ela ia sair Deus”, “Reza para que Deus te dê de casa”, “Ele é tão boa pessoa! Será paciência para aguentar”, “A igreja que foi ela que deixou de gostar dele não aceita o divórcio” ou “É dado à e tem outro?” ou “Ela não conseguiu mulher obedecer”. aguentar o casamento”. Postura dos pais/sogros vs postura Álcool e outras drogas – O abuso de da irmã(o)/amiga(o) – Excetuando substâncias psicotrópicas é frequen- as situações em que a nupcialidade temente apontado como causa direta ocorre em contexto de rutura com a da violência, ao invés de um fator de família de origem, a postura da mãe risco – “Se ele fizer um tratamento, assemelha-se à da sogra nos “conse- eu volto para casa, porque ele não me lhos” frequentemente dados em situa- vai bater mais” ou “Quando ele não ção de crise no casal, promovendo a está com álcool, ele é tão bom. Não reconciliação, apelando à capacidade faz mal a ninguém”. de adaptação da vítima à maneira de Externalização da responsabilidade ser do/a agressor/a. Quanto à posição de quem maltrata – “Eu passei-me, da irmã/o amiga/o, é orientada para a porque o meu patrão chagou-me a pa- rutura da relação, denegrindo a ima- ciência e cheguei a casa e passei-me”, gem do/a agressor/a, bem como cul- “Ele bateu, mas também dá-se um pabilizando a vítima pelo facto de desconto… estava bêbado”, “Eu já te se manter na relação abusiva. Quem sofre de violência conjugal não se tinha dito que não queria que falasses identifica com nenhuma destas pers- com ele. Já sabias que ias levar se o petivas opostas. Não proporcionan- fizesses”, “Desde que a nossa vizinha do à vítima qualquer alternativa, o pôs olho gordo na nossa família, que mais provável que é se mantenha na nunca mais pararam os problemas relação. nesta casa” ou “A culpa das nossas Crítica social – Se tivermos em con- discussões é da tua mãe que não para sideração que a violência doméstica de se meter na nossa vida”. é frequentemente ocultada, quem Estas ideias relatadas quotidianamen- observa de fora (principalmente os te, normalizam a violência, tornam-na familiares mais diretos) dificilmente um mal necessário, desresponsabili- compreendem a tentativa de rutura zam quem maltrata, excluem social- da relação violenta. É frequente o re- mente e culpabilizam as vítimas. ceio das vítimas relativo às possíveis A sociedade portuguesa tem pago explicações imaginadas pelos fami- caro pela violência exercida sobre liares para uma abrupta saída de casa mulheres. Sandra Furtado 143

Caro, porque traz consequências o estudo identifica a propensão ao emocionais para a vítima e para os absentismo como uma das conse- que com ela se relacionam… caro, quências diretas da violência, por porque tem custos sociais e econó- exemplo, nas mulheres vítimas estu- micos. Sobre este assunto, foi reali- dantes (cerca de 72%), e para as que zada uma investigação circunscrita ao são mães de estudantes, o absentismo continente português (Lisboa et al.: é mais elevado por parte dos/as filhos/ 2003). Na componente das relações as e revelam menor gosto pela escola. de proximidade, o estudo revela que, Tal como a sociedade civil teve um para cerca de metade das vítimas, há importante papel na reprodução de uma relação direta entre a violência e situações de violência doméstica, os efeitos negativos junto da família e pode agora a mesma sociedade, mais amigos (47,3%). Destaca, ainda, o im- informada e eventualmente mais pacto que a violência tem na desarti- consciente dos efeitos e dos custos culação com as redes sociais de apoio que deste flagelo, contribuir de for- da vítima e a maior probabilidade ma significativa para o seu combate desta poder vir a ter filhos/as doentes e prevenção. (50% a mais do que as mulheres não Mas será que uma sociedade mais vítimas). As mulheres que foram alvo informada e mais consciente é menos de algum tipo de violência têm duas abusiva? Um estudo desenvolvido vezes mais dificuldades em arranjar por Matos et al., em 2006, na área emprego e estão mais vulneráveis ao da violência nas relações de namoro despedimento. Na área da saúde, o sugere algumas respostas em senti- estudo mostra que, 21% das vítimas do contrário. Pode ser mais claro o que necessitaram de se deslocar aos que é ou não aceitável. No entanto, hospitais, fizeram-no na sequência de os mesmos jovens que condenam a situações de violência doméstica. As violência, estão nela envolvidos como mulheres que se reconhecem como vítimas ou agressores. Entre a verba- vítimas, padecem mais de doenças, lização da condenação dos comporta- identificam mais sintomas de ansie- mentos e atitudes abusivas e a capa- dade e, a probabilidade de nunca se cidade de evitá-la, afigura-se‑nos terem sentido felizes, é 6 vezes supe- existir um significativo fosso. rior à das que não o são. Uma mulher Parece reunir consenso a tese de que vítima apresenta uma probabilidade todos os caminhos que pretendam 9 vezes superior de atentar contra a conduzir a uma sociedade mais justa sua vida, quando comparada com as e igualitária, nas áreas da violência inquiridas que não experienciaram doméstica e de género, incluem a vitimação. No âmbito da educação, prevenção. Parecem não restar dúvi- 144 Boletim do Núcleo Cultural da Horta das sobre a urgência desta incum- sivo durante o último ano e 21% bência. A informação é sem dúvida reconheceram já ter adoptado este importante, mas manifestamente insu- tipo de condutas em relação aos seus ficiente. parceiros. À semelhança de outros O trabalho desenvolvido nos últimos estudos internacionais (ex.: Kaura, 20 anos nos Açores, no âmbito da Allen, 2004), predominam os actos prevenção, tem sobretudo dependido que comummente se designam de da criatividade de técnicos/as, que, ‘formas menores’ de violência: insul- com poucos recursos, tentam espa- tar, difamar ou fazer afirmações lhar pequenas sementes promotoras graves para humilhar ou ferir, gritar de igualdade, deixando, no entanto, ou ameaçar com intenção de meter ao abandono os terrenos semeados. medo, partir ou danificar objectos Umas sementes sobrevivem, prova- intencionalmente ou dar uma bofe- velmente a maioria não, atendendo tada. (…) No que se refere às dife- a que não há uma continuidade para renças de género, não se encontram o propósito a que se destinam, sendo diferenças significativas, embora no disso exemplo, as ações de sensibi- que diz respeito a pequenos actos de lização. Mesmo que se pretendesse violência as mulheres admitissem avaliar o impacto do trabalho já de- uma maior taxa de agressão (Matos, senvolvido, seria tarefa árdua, por ca- Caridade, Silva e Machado, 2006)” recer de instrumentos adequados que (Matos e Machado: 2011). permitissem, na devida altura, avaliar alterações no domínio das atitudes e Estes são dados reveladores da pre- dos comportamentos. Esta informa- mência da prevenção primária, em ção seria uma enorme mais-valia para particular em faixas etárias anteriores nortear as presentes e futuras inter- ao início das relações amorosas. venções a realizar em meio escolar. As ações de sensibilização, em con- Facto é que a violência nas relações texto de sala de aula, devem conti- íntimas tem início mesmo antes da nuar a ter lugar, sobretudo quando coabitação, e sem diferenças signifi- ocorrem a pedido dos estabeleci- cativas entre sexos, como nos reve- mentos de ensino – atendendo a que lam os dados de uma equipa da Uni- é considerável a probabilidade de o versidade do Minho. tema ser explorado para além do pe- ríodo reservado à ação. No entanto, “(…) um estudo pioneiro (Machado, a implementação de um programa de Matos e Moreira, 2003) revelou que prevenção da violência doméstica, na 15,5% dos jovens referiram ter sido comunidade educativa, enfrenta mui- vítima de, pelo menos, um acto abu- tos obstáculos. Trabalhar num con- Sandra Furtado 145 texto que não dispõe de um espaço/ violência doméstica (a dos homens tempo para receber ações de sensi- e a das mulheres), o auto-dano, a gra- bilização de forma massificada, em videz na adolescência, a homofobia, cada sala de aula, para combater cada o racismo, o abuso sexual, entre problema de forma individual, como muitos outros. são exemplos as ações de sensibili- A prevenção destas problemáticas zação sobre as doenças sexualmente pode ser realizada através de uma transmissíveis, a toxicodependência, matriz comum: o desenvolvimento o bullying, a violência no namoro, a da inteligência emocional.

Inteligência emocional e prevenção

O século xx permitiu-nos conhecer samos ou o que fazemos; conhecer as a regulação pelo medo, pelo auto- suas forças e fraquezas; estar aberto ritarismo, quer pelas leis punitivas, a outras opiniões ou ideias; dizer o quer pela régua de madeira do/a que pensa; tomar decisões de forma Sr./ª Professor/a, pela mão rígida do firme; gerir bem os sentimentos im- “chefe de família”, pela ameaça de pulsivos e as emoções deprimentes; despedimento do patrão, pelo olhar sob pressão, manter-se positivo e intimidatório do regedor, ou pelas pensar com clareza; agir com ética e penitências do confessionário. Mas de forma responsável; criar relações também permitiu o início de uma de confiança, com base na autenti- nova viagem – a democracia. O que cidade; admitir os próprios erros e nos oferece ela? O que têm nas mãos confrontar os dos outros; cumprir os hoje os/as educadores/as, os líderes compromissos; adaptar-se a ambien- locais, os/as empregadores/as, os pais tes diferentes ou em permanente mu- e as mães? A promoção de uma cida- dança; gerar novas ideias ou aderir a dania emocionalmente inteligente, perspetivas inovadoras; ter vontade que inclua o desenvolvimento da de triunfar; exceder o que lhe é exigi- autorregulação, afigura-se como um do; funcionar com base no otimismo bom instrumento de combate, não e não no medo do insucesso; encarar só à violência nas relações íntimas, os reveses, não como uma falha pes- mas de um modo geral às problemá- soal, mas como fruto das circunstân- ticas que advêm das dificuldades de cias; ser empático; ter capacidade de cada um de nós em conhecer e saber influenciar o outro; liderar; colaborar falar das suas emoções; reconhecer e cooperar; ser catalisador de mudan- como as emoções afetam o que pen- ças, entre muitas outras competências 146 Boletim do Núcleo Cultural da Horta identificadas por Daniel Goleman cessita de um intervenção inovadora, (Goleman: 1998). que tenha a capacidade de se aliar a Seguindo a proposta de Gottman outras problemáticas sociais, dando (1999), se na interação com as crian- menos espaço às ações de sensibiliza- ças e jovens tivermos maior cons- ção por gavetas/temas, independente- ciência das suas emoções; formos ca- mente de os/as técnicos/as continua- pazes de reconhecer a emoção como rem a participar com intervenções da uma oportunidade para a intimidade sua área de especialidade, como forma e a aprendizagem; escutarmos com complementar de atuação. empatia e validarmos os sentimentos Um empreendimento próximo das da criança ou jovem; os ajudarmos a pessoas, de forma continuada, com classificar verbalmente as emoções e articulação a outras problemáticas estabelecermos limites, ao mesmo sociais, com avaliação anterior, du- tempo que se ajuda a criança ou jo- rante e após a aplicação do trabalho, vem a resolver o problema, aí estamos que permita a avaliação do impacto a desenvolvê-los emocionalmente. da ação e com ligação estreita às insti- A Região Autónoma dos Açores tem tuições de investigação, criaria me- produzido excelentes exemplos de lhores condições para percebermos empreendedorismo social. A área da como fazemos prevenção e que resul- prevenção da violência doméstica ne- tados obtemos.

Bibliografia

Furtado, Sandra, 1998, Ingratas Formas de ma dos Açores, in http://www.azores.gov. Vida: Auto-retrato das mulheres vítimas pt/NR/rdonlyres/308EA750-718D-4514- de violência doméstica, tese de licencia- B98C-BFC9CDD9D50C/508435/Relato tura em sociologia, Coimbra. rioFinal_Vol_I.pdf.

Goleman, Daniel, 1998, Trabalhar com Inte- Matos, Marlene e Andreia Machado, 2011, ligência Emocional, Lisboa, Temas e Violência Doméstica: Intervenção em Debates. Grupo com Mulheres Vítimas. Manual para Profissionais, CIG. Gottman, John e Joan DeClaire, 1999 (1997), A Inteligência Emocional na Educação, Matos, Marlene, Carla Machado, Sónia Cari- Lisboa, Pergaminho. dade e Maria João Silva, 2006, “Prevenção da violência nas relações de namoro: inter- Lisboa, Manuel (coord.) et al., 2003, Os Cus- venção com jovens em contexto escolar”, tos Sociais e Económicos da Violência in Psicologia: Teoria e Prática 8(1): 55-75, contra as Mulheres, CIDM. consultada em http://editorarevistas.mack Lisboa, Manuel (coord.) et al., 2009, Inqué- enzie.br/index.php/ptp/article/viewFile/ rito Violência de Género – Região Autóno- 1018/735. Direitos Humanos em tempo de crise. Três teses sobre uma tarefa inacabável

Viriato Soromenho-Marques

Soromenho-Marques, V. (2015), Direitos Humanos em tempo de crise. Três teses sobre uma tarefa inacabável. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 147-153.

Sumário: Os direitos humanos nunca se encontram nem suficientemente fundamentados, nem completamente protegidos contra o risco de erosão histórica que os pode empurrar para o esquecimento. Ligados à aurora da modernidade, os direitos humanos estão agora entro- sados na encruzilhada da “modernidade reflexiva” (para usar a expressão cunhada por Ulrich Beck). Neste ensaio são adiantadas três propostas acerca dos desafios cruciais que a huma- nidade actualmente enfrenta e sobre o papel crucial que uma concepção alargada de direitos humanos deve desempenhar para uma resposta a esses desafios que possa saldar-se por um desfecho positivo.

Soromenho-Marques, V. (2015), Human rights in critical times. Three perspectives on a never ending task. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 147-153.

Summary: Human rights are never neither fully grounded nor sufficiently protected from historical erosion and the risk of falling back into oblivion. Linked to the dawn of modernity, human rights are now entangled in the crossroads of “reflexive modernity” (to use Ulrich Beck’s wording). In this paper three proposals are made about the crucial challenges that humankind is facing and the key role that a wider understanding of human rights plays in a positive response that may provide for a positive outcome to these challenges.

Viriato Soromenho-Marques – Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Palavras-chave: Direitos humanos, categorias de direitos humanos, justiça intergeracional, sustentabilidade ambiental.

Key-words: Human rights; categories of human rights; intergeneracional justice; environmental sustainability. 148 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O que se poderá ainda dizer sobre os aquele que confere aos parlamentos direitos humanos numa altura em que nacionais eleitos pelos povos o poder as leis do mundo político se inclinam exclusivo de fazer as leis. Como com- cada vez mais para o peso das coisas preender o processo, absolutamente que têm um preço de mercado, e cada antidemocrático, de “aprovação” do vez menos para aquilo que tem valor e Tratado Orçamental (entrou em vigor é fonte de valor, fora da estrita esfera em 2013), que foi imposto aos povos das transacções? Nas relações inter- da União Europeia, violando não só o nacionais, longe vai o tempo da diplo- Tratado de Lisboa, mas usurpando as macia exigente, em que os progressos competências orçamentais dos parla- em matéria de direitos humanos cons- mentos? Propomos ao leitor, justa- tituíam uma linha da frente da diplo- mente nesta hora de crise e perigo macia europeia ou norte-americana. para os direitos humanos, ao que nos Hoje, a lógica da vantagem econó- acompanhe numa breve viagem onde mica pura e dura, a urgência no acesso procuramos recuperar apenas o que a bens naturais estratégicos cada vez permanece essencial, a saber, a natu- mais escassos, parece substituir todas reza inacabada e inacabável da funda- as outras considerações. A recente en- mentação e consolidação dos direitos trada de uma sangrenta ditadura afri- humanos, tanto a uma escala domés- cana para a CPLP reproduz, à nossa tica e constitucional, como, por maio- modesta escala, este voraz niilismo ria de razão, no âmbito do sempre im- activo que esmaga a própria memória perfeito direito internacional público. dos direitos humanos. E que dizer da Esse âmbito essencial torna-se parti- orgulhosa Europa, onde, na voragem cularmente visível através da consi- da erroneamente denominada “crise deração das três teses que de seguida das dívidas soberanas”, se espezi- se enunciam. nharam princípios sagrados como

1.ª tese: os Direitos Humanos são a expressão política da cons- ciência crítica de si da modernidade

A preocupação com os direitos huma- países não começou em 10 de Dezem- nos, não apenas com a sua enuncia- bro de 1948, com a Declaração Uni- ção formal, mas com o esforço para versal das Nações Unidas no domínio a sua integração no corpo do direito dos Direitos Humanos. As Nações positivo, nomeadamente, no âmbito Unidas tiveram o mérito de retomar do direito constitucional dos diversos o fio de um novelo que havia ficado Viriato Soromenho-Marques 149 enrodilhado por mais de um século humanidade que até ao final do e meio. século xviii fizeram ouvir a sua voz A identificação de uma esfera de di- na Europa e nas Américas. reitos humanos pessoais é património Uma palavra de destaque deve ser da cultura europeia. Essa identifi- dada à Escola Ibérica da Paz, a esse cação é contemporânea do grande punhado de intelectuais e missio- esforço e da larguíssima constelação nários dominicanos, franciscanos e conceptual que designamos como a jesuítas que, com o risco da sua pró- época e o movimento da Moderni- pria vida, defenderam os direitos dade. humanos, incluindo o direito à pro- Será sem dúvida uma das mais com- priedade e à organização política dos plexas ironias da história do pensa- povos das Américas. Do seu magis- mento verificarmos que a fonte ma- tério nas Universidades de Portugal tricial dos direitos humanos abrigou e de Espanha, bem como também no seu interior a gestação do conceito nos institutos universitários do Novo moderno de Estado, precisamente Mundo, surgiu uma vasta obra que essa nova entidade, também ela filha está actualmente a ser recuperada da Modernidade, que seria, ao mesmo (traduzida do latim para português e tempo, tanto a condição do gozo castelhano), e que é fundamental para efectivo como o maior inimigo do perceber que foi na Península Ibérica, respeito desses direitos. e não na Europa do Norte, que foram Maquiavel, La Boétie, Jean Bodin, lançadas as raízes dos direitos huma- Althusius, entre outros, são pensa- nos, tanto na perspectiva constitucio- dores, simultaneamente, do Estado nal, como na perspectiva do direito moderno, mas também do cidadão internacional público moderno, com os seus direitos e de- O século xviii terminou assinalado veres deduzidos numa lógica secular por dois acontecimentos que modifi- e racionalista. cariam completamente as expectati- Lutero, Calvino, Bartolomeu de las vas, até aí optimistas e expansionistas Casas, Francisco de Vitoria, entre dos direitos humanos: outros, são pensadores da categoria de pessoa, em sentido metafísico e • A Revolução Americana de 1776 teológico, e nessa medida autores que traiu o alcance emancipatório fundamentais para a compreensão e libertador da sua Declaração fun- do pendor universalista e abstracto do dadora com os sucessivos compro- direito natural, essa bandeira comum missos que fizeram conviver, até das muitas escolas dos direitos da à Guerra Civil (1861-1865), a retó- 150 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

rica da liberdade com o flagelo e a pulos, que se traduziu na suavização degradação da escravatura de base das Leis das Índias, mesmo no final racial. do reinado do Imperador Carlos V. • A Revolução Francesa de 1789, que Na Conferência de Berlim, em 1884- gorou as esperanças internaciona- ‑1885, pelo contrário, o destino dos listas por ela suscitadas, primeiro povos africanos ficou traçado sem dó pelo fanatismo do Terror, e depois nem piedade, abrindo o caminho para pela meticulosa aventura imperial ignóbeis genocídios, como aquele napoleónica. que foi praticado pelo Rei dos Belgas sobre os povos da bacia do Congo, Quando os vencedores de Napoleão I durante décadas a fio. se reuniram em Viena, no ano de A própria noção de um direito natu- 1815, a ideia de Direitos Humanos ral não escrito, mas superior fonte estava associada a essa dupla desilu- inspiradora da renovação de todas as são. A fraternidade do género huma- leis escritas, foi catalogada no arqui- no que ela supunha tombou no mais vo das ideias pouco sérias. O posi- profundo descrédito. À esquerda e tivismo e o historicismo jurídicos à direita os estandartes desfraldados tornaram-se imperativos. O direito eram outras. A fraternidade já não coincidia, agora, com as aspirações era internacional. O altar da Pátria, nacionais. Ao ponto da loucura e do da Língua, do Império e da Tradição pesadelo. Um dos exercícios inte- (real ou mitologicamente urdida), lectuais mais horríveis, ainda hoje, é falavam mais forte do que os direitos a leitura dos diplomas jurídicos que da humanidade. As revoluções já não o zeloso espírito germânico não se se faziam, para regenerar o género coibiu de elaborar para dar cobertura humano, mas para impor uma dita- em letra de lei às visões dantescas de dura de classe. Hitler e do nacional-socialismo. Por outro lado, para o mundo colo- Sem Hitler não teria existido, por- nizado pelos Europeus do século xix ventura, a Declaração Universal dos não houve direito a uma réplica Direitos do Homem das Nações Uni- das Juntas de Valladolid (1550-51), das. Foi a sua visão do mundo, onde magnas reuniões de sábios e conse- a Humanidade nem como conceito lheiros régios e imperiais, em que os zoológico existia, o pesadelo de ope- direitos individuais e colectivos dos reta bufa, mas sangrenta, de arianos e povos ocupados pelos espanhóis tive- sub-humanos, de senhores e escravos, ram direito a uma entusiástica defesa, de bestas de carga e de super-homens, por parte de Las Casas e seus discí- de mulheres-parideiras e guerreiros Viriato Soromenho-Marques 151 louros, de campos de extermínio e Os direitos humanos não eram irre- jovens alegremente desfilando em versíveis. O consenso que os tinha tra- cenários primaveris, foi esse Carna- zido para a ribalta no final do século val trágico que comoveu a comunida- xviii era frágil e tinha-se quebrado. de internacional, despertando-a para A Declaração das Nações Unidas não o facto de que os direitos humanos, se limitava a ser uma reposição. Era, como conceito-reitor da vida política, antes, um recomeço. Um convite a estavam adormecidos há cento e cin- que fossem procurados e encontrados quenta anos. fundamentos mais sólidos.

2.ª tese: os Direitos Humanos carecem de uma garantia sempre renovada Tornou-se comum, entre filósofos, ju- Ao longo do século seguinte teria ristas e sociólogos classificar os direi- sido consolidado um segundo estrato tos humanos em estratos históricos. de direitos humanos fundamentais. A causa principal para tal ficou a de- Desta vez de âmbito político. O direi- ver-se à obra de Thomas Humphrey to à participação e organização polí- Marshall, Citizenship and Social ticas, o direito de voto, a exigência do Class and Other Essays, que em fim da discriminação fiscal, censitá- 1950, se atreveu a universalizar o ria, etária e sexual do direito a eleger que, e grande medida, era apenas a e ser eleito. Sob este ângulo, o século experiência inglesa, mas com inegá- dezanove foi caracterizado pela con- solidação das democracias represen- vel repercussão e sucesso. tativas e dos partidos políticos, bem Teríamos um primeiro estrato, consti- como pelos primeiros sucessos do tuído pelos direitos civis, que foram movimento operário. o objectivo central das lutas refor- Finalmente, o século xx teria assis- madoras e revolucionárias do final tido à consagração de um terceiro do século xviii: liberdade de crença estrato de direitos humanos, ligado e pensamento, direito a um igual tra- à esfera económica e social. Tratar- tamento perante a lei (contrariando ‑se-ia da consagração do Welfare a fragmentação e estratificação do State contemporâneo. A garantia de direito estamental do antigo regime), direitos sociais no trabalho e na apo- direito à integridade do corpo (habeas sentação. A assistência na doença, corpus), e à defesa da propriedade enfim, toda a panóplia de predicados contra o arbítrio do Estado e dos que integram os actuais sistemas de particulares, etc. segurança social. 152 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O contexto britânico da obra de ficada de que existe uma correspon- Marshall é particularmente visível dência entre o grau de antiguidade no neste terceiro estrato. Com efeito, o reconhecimento dos direitos e o grau Estado social britânico, com as suas de segurança na garantia dos mesmos. três leis fundamentais, tinha sido Num mundo, numa Europa, e num consagrado na legislação trabalhista país onde um cidadão pode ser agre- de 5 de Julho de 1948. Valerá a pena dido sem motivo justificativo numa recordar que um análogo triângulo esquadra de polícia, ou em que zonas normativo (envolvendo assistência do território constituem zonas inter- na saúde, nos acidentes de trabalho, ditas em que nem as forças da ordem na velhice e invalidez) tinha sido podem circular sem risco físico, em promulgado, de modo absolutamente que se assinam contratos de trabalho pioneiro, na Alemanha do Chanceler e de demissão, em simultâneo, para se Bismarck, na década de 1880, mos- ter acesso em condições deploráveis trando bem a fragilidade hermenêu- ao direito ao trabalho, em que os tica do esquema de Marshall. Contu- sistemas de segurança social amea- do, ele continua ser usado e, hoje, há çam bancarrota a médio prazo, de- mesmo autores que falam num quarto baixo da ditadura de uma austeri- estrato de direitos, que contempla- dade irracional, deixando uma sombra riam desde os direitos dos animais e de inquietação nas camadas sociais da Natureza (ou do ambiente, numa em plena idade activa e contributiva. acepção mais vasta e rigorosa), até à Num mundo de progressiva inse- renovada afirmação dos direitos dessa gurança, importa recordar que cada maioria esquecida que são as mulhe- cidadão tem de ser um militante e res, bem como o despertar das velhas um soldado dos e pelos seus direitos e novas minorias, dos homossexuais e fundamentais. Eles, seja qual for a transsexuais aos doentes de SIDA. sua geração ou estrato, jamais estarão Esta interpretação histórico-recons- garantidos sem o compromisso indi- trutiva por estratos ou gerações tem, vidual e colectivo pela sua intransi- contudo, o inconveniente de criar nos gente e simultânea defesa. cidadãos a crença totalmente injusti-

3.ª tese: os Direitos Humanos encontram no respeito do ambiente e da natureza a sua condição de sustentabilidade futura

O pior inimigo dos direitos humanos concepção estreita e antropocentrista no século xxi é constituído por uma de humanismo. Viriato Soromenho-Marques 153

A principal ameaça que impende hoje A conjugação de tudo isto na crise tanto sobre a Humanidade como sobre global do ambiente atingiu uma nova os direitos individuais de cada cida- zona de clarificação quando se tornou dão resulta do inaudito e incontrolado sensível e inegável, aquilo que du- poder tecnocientífico acumulado. rante décadas aparecia como mera É um poder que escapa ao controlo hipótese científica: a existência de democrático, encontrando-se nas mãos um processo de alterações climáticas de uma minoria ambiciosa, dissemi- em curso, que constitui a maior nada pelas sete partidas geográficas, ameaça ao futuro da civilização económicas e ideológicas do mundo. humana, tanto na perspectiva dos O humanismo grosseiro (no fundo um direitos individuais como no ângulo pseudo-humanismo) é geralmente a temporal da justiça entre gerações. sua marca distintiva comum. Em No século xxi, que começo de forma nome do papel central do Homem, tão aziaga e violenta para os direitos estes fundamentalistas do “huma- humanos, para estes sobreviverem nismo integral” devastam os recur- ao risco de uma nova era das trevas sos naturais, derrubam e queimam as sociedades politicamente organi- as florestas, arrasam os habitats de zadas terão de caracterizar-se pelo milhares e milhares de espécies que respeito profundo pela sustentabi- connosco compartilham esta delicada lidade ecológica e ambiental do habitação planetária, contaminam a Planeta, porque só essa sustentabili- água e o ar, envenenam as cadeias dade poderá garantir a base vital em alimentares, deixam atrás de si a que repousam os direitos das ge- marca do deserto e da devastação. rações futuras. O mesmo significa É esta mesma criminosa ideologia, garantir as condições indispensáveis falsamente antropocentrista, que cria de paz e segurança para que também megalópoles em que ninguém pode os vindouros possam prosseguir a viver com decência, que arrasta mi- marcha, tantas vezes terrível, mas lhões e milhões de crianças para a igualmente fascinante, da continuação escravidão de um trabalho precoce, inventiva da viagem história da nossa ou para a mendicidade, as dependên- espécie neste magnífico orbe de Água cias e a mendicidade, promovendo a e Terra que é a nossa única casa em ruptura das comunidades e dos seus todo o Universo. valores.

O direito de resistência como Direito Humano fundamental

Vladimir Safatle

Safatle, V. (2015), O direito de resistência como Direito Humano funda- mental. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 155-165.

Sumário: Trata-se de discutir o direito de resistência como direito humano fundamental, isto a fim de pensar as consequências de tal centralidade para a compreensão da política em sua dimensão anti-institucional. Através de uma gênese do direito de resistência, o artigo insiste na necessidade de não limita-lo à enunciação de princípios liberais ligados às liberdades indivi- duais. Por fim, procura-se discutir a importância da dissociação entre direito e justiça para um conceito substantivo de democracia real.

Safatle, V. (2015), The right of resistance as a fundamental Human Right. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 155-163.

Summary: The aim of this article is to discuss the right of resistance as a major human right and to think the consequences of this proposition for a comprehension of politics in its anti-institutional dimension. Through the genesis of the right of resistance, this article defend that we can’t reduce it thinking that it simply describe liberal principles linked to individual freedom. At the end, I try to discuss the importance to dissociate right and justice for a substan- tial concept of real democracy.

Vladimir Safatle – Universidade de São Paulo.

Palvras-chave: direito de resistência, direitos humanos, justiça, democracia real.

Key-words: right of resistance, human rights, justice, real democracy.

A tentativa de orientar o campo das rios casos, a tentativa de elevar certo lutas sociais a partir da definição de conceito de “humanidade” a solo não um horizonte de direitos humanos problemático a orientar a ação social. inalienáveis foi, muitas vezes, vista Esta “humanidade” tem, no entanto, com desconfiança. Por trás de tal lugar geográfico definido, assim como enunciação, encontrávamos, em vá- visão política clara que justifica uma 156 Boletim do Núcleo Cultural da Horta compreensão seletiva de direitos de tiça, colocar-se em linha de confronto ingerência. Ela sempre se constitui em relação ao ordenamento jurídico. através de exclusões a respeito do que Um direito que não se configura ape- deve ser compreendido como aquém nas em momentos nos quais o Estado do humano. Mas há de se lembrar ganha mais claramente a forma de que, no interior do conjunto do que tirania e de outras configurações de entendemos por direitos humanos, “estado ilegal”, mas direito ao qual há ao menos um direito que sempre podemos recorrer em todas as situa- colocou problemas mais complexos ções nas quais demandas de justiça por parecer ser capaz de imunizar‑se não estão contempladas pelo Estado contra limitações contextualistas. Tal- atual do direito, nas quais tais de- vez seja a ele que devamos nos voltar mandas são, de certa forma, ainda se quisermos recolocar em outras impronunciáveis, impossíveis de se- bases o problema de uma orientação rem escutadas pela institucionalidade das lutas políticas que assuma para si atualmente posta. Neste sentido, o alguma forma de perspectiva univer- uso extensivo do direito de resistên- salista. Pois tal direito nos fornece a cia demonstra como, longe de ser figura de uma universalidade que não um fator de instabilidade jurídica das é normativa por ser pretensamente sociedades democráticas, a dimensão enunciável a partir de determinações anti-institucional da experiência polí- positivas que fundam um quadro jurí- tica é um elemento constitutivo de dico-coercitivo. Na verdade, ele nos democracias reais. Pois a democracia fornecerá uma universalidade confli- é o único regime que reconhece a tual, isto no sentido de uma univer- existência de uma “violência política” salidade que inscreve no interior da própria à enunciação da urgência de vida social o caráter constitutivo do exigências de justiça e da consciência conflito. da vulnerabilidade diante da lei. Vio- Trata-se aqui, então, de discutir a lência que pode depor normas, desti- centralidade do que nossa tradição tuir instituições e nos levar a rever entende por “direito de resistência”, procedimentos de funcionamento do ou seja, o direito de, em nome da jus- poder instituído.

Genealogia da resistência

A fim de discutir este ponto de ma- ao direito de resistência em nossas neira mais adequada, gostaria de lem- sociedades ocidentais. No que diz brar de uma certa genealogia própria respeito ao ocidente, é bem provável Vladimir Safatle 157 que a consciência relativa a tal direito Esta abertura do pensamento refor- nasça da reforma protestante com mado ao problema da resistência a noção de que os valores maiores alcançará o pensamento político. presentes na vida social podem ser Entre calvinistas mais radicais, como objeto de problematização e crítica, George Buchanan, o direito de resis- o que exige a institucionalização da tência não é mais completamente liberdade. Já em Calvino encontra- compreendido como um gesto teoló- mos uma afirmação como: “Os go- gico de defesa da supremacia da lei vernantes de um povo devem envidar divina sobre a lei civil. Ao justificar todo esforço a fim de que a liberdade a deposição da rainha católica Maria do povo, do qual são responsáveis, Stuart, em 1567, Buchanan serve-se não desvaneça de modo algum em basicamente de argumentos políticos suas mãos. Mais do que isso: quando ligados a quebra do pacto entre o dela descuidarem, ou a enfraquece- povo e o rei. Sendo o povo aquele rem, devem ser considerados traido- que institui o rei, ele guarda para si o res da pátria”1. É fato que Calvino direito de a ele se contrapor quando evita generalizar tal consideração sob o rei governa apenas em causa própria. a forma de um direito geral de resis- Já John Milton chegará a utilizar a tência. No entanto, a noção calvinista definição do tirano como aquele que expõe claramente a articulação entre ignora “a lei e o bem comum” a fim institucionalização da liberdade e crí- de justificar o direito de resistência3. tica do poder incapaz de garantir tal Dirá Milton: “a lei de natureza auto- institucionalização que será radicali- riza qualquer homem a se defender, zada por setores do pensamento refor- mesmo do próprio rei”4. Notemos mado, como John Ponet, John Knox ainda que será apenas com Locke e, principalmente, Thomas Münzer que o direito de resistência será com sua defesa de que “toda pro- enquadrado como peça importante da priedade deve ser comum” (Omnia defesa liberal do primado político do sunt communia)2. A partir deles, o indivíduo. direito de resistência aparece como Dentro da tradição francesa, a dis- fundamento da vida social. cussão sobre o direito de resistência

3 Milton, John, “A tenência de reis e magis- 1 Calvino, João, A instituição da religião trados”, in: Dzelzainis, Martin (org.) e cristã, São Paulo: Unesp, 2009, p. 882. John Milton, Escritos Políticos, São Paulo: 2 Müntzer, Thomas, Sermon to the princes, Martins Fontes, 2005, p. 4. Londres: Verso, 2010, p. 96. 4 Idem, p. 63. 158 Boletim do Núcleo Cultural da Horta ganha impulso decisivo com os opressão contra cada membro quan- hugeonotes após o massacre da Noite do o corpo social é oprimido de São Bartolomeu. Ela será radica- – Artigo 35: Quando o governo viola lizada pela tradição revolucionária os direitos do povo, a insurreição francesa, que não deixará de ser in- é, para o povo e para cada parte do fluenciada pelos hugeonotes. Assim, povo, o mais sagrado dos direitos e encontraremos, o artigo II da Decla- o mais indispensável dos deveres. ração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, onde Ainda hoje, encontramos, no artigo 20, se lê: “O objetivo de toda associação parágrafo 4 da Constituição alemã, a política é a conservação dos direitos enunciação clara do “direito à resis- naturais e imprescritíveis do homem. tência” (Recht zum Widerstand). Da Tais direitos são: a liberdade, a segu- mesma forma, tal enunciação está pre- rança, a propriedade e a resistência à sente em várias constituições de esta- opressão”. O preâmbulo da Consti- dos norte-americanos (New Hamp- tuição Francesa de 1958 ainda reco- shire, Kentucky, Tennesse, Carolina nhece seu vínculo a tais princípios. do Norte, entre outros). A Declaração dos Direitos do Homem Eis um dado interessante: a primeira e do Cidadão, de 1793, escrita sob declaração dos direitos humanos influência jacobina, apresenta, como colocava o direito à resistência como direitos naturais e imprescritíveis: a um dos seus quatro fundamentos. Já a liberdade, a igualdade, a segurança e declaração feita pelas Nações Unidas a propriedade. No entanto, seus três em 1948 evita enunciar diretamente últimos artigos (33, 34 e 35) tratam tal direito, escolhendo uma formu- claramente do direito à resistência. lação tangencial em seu preâmbulo; Depois de afirmar, no artigo 27: “que Nele, lemos: “Considerando essen- todo indivíduo que usurpe a sobera- cial que os direitos humanos sejam nia seja assassinado imediatamente protegidos pelo Estado de Direito, pelos homens livres”, a Declaração para que o homem não seja compe- dirá: lido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão...”. Ou – Artigo 33. A resistência à opressão seja, algo como: para que o direito é consequência dos outros direitos de resistência não seja um fato con- do homem vém respeitar os seguintes direitos – Artigo 34: Há opressão contra o positivos. Esta enunciação tangencial corpo social quando apenas um expõe o mal-estar da política contem- de seus membros é oprimido. Há porânea em relação à assunção clara Vladimir Safatle 159 do caráter de exceção da soberania Antes de analisar a natureza de tal popular. violação política da lei, lembremos Tal caráter de exceção fica claro ao ainda que não devemos compreen- lembrarmos que, se aquele que usur- der a ideia fundamental do direito pa a soberania dos homens livres à resistência simplesmente como o deve ser punido, é porque tal sobe- núcleo de defesa contra a dissolução rania deve ser conservada como atri- dos conjuntos liberais de valores buto direto do povo em qualquer de (direito à propriedade, afirmação do suas formas de expressão. Com isto, individualismo possessivo, direito da a Revolução Francesa abre uma das inviolabilidade de minha privacidade questões fundamentais para o pensa- etc.). Esta estratégia liberal é equivo- mento político moderno, a saber, cada pois parte do princípio de que como dar forma institucional para o não temos conflito a respeito do que poder instituinte próprio à soberania “liberdade” significa. Se aceitarmos que “liberdade” não é um ponto de popular. Pois enquanto soberano, tal consenso social, mas a expressão poder está na situação de exceção de mesma de um dissenso semântico a se colocar ao mesmo tempo dentro respeito do que devemos entender por e fora do ordenamento jurídico. Ele valores que julgamos partilhar, então está dentro por, em condições nor- deveremos compreender de outra for- mais, a ele se submeter. Ele está fora ma o sentido do direito de resistência. porque, como todo poder soberano, Na verdade, gostaria de insistir que, pode suspender o ordenamento jurí- no interior do direito de resistência, dico a partir de sua vontade, ou seja, a encontramos a idéia fundamental de partir da consciência da inadequação que o bloqueio da soberania popular entre a vontade popular e a configu- deve ser respondido pela demonstra- ração jurídica atual. Esta suspensão, ção soberana da força. Que a demo- que não implica destruição do nomos, cracia deva, através deste problema, é feita através de uma certa “violação confrontar-se com aquilo que Giorgio política da lei”. Neste sentido, definir Agamben chama de “o problema do o direito de resistência como direito significado jurídico de uma esfera de humano fundamental é reconhecer ação em si extrajurídica”, ou ainda, a essencialidade da dimensão anti- com a “existência de uma esfera da ‑institucional da política, assim como ação humana que escapa totalmente reconhecer que o sujeito é aquele que ao direito”5, que ela deva se con- guarda para si uma força que não se aliena sob a forma jurídica dos direi- 5 Agamben, Giorgio, Estado de exceção, São tos positivos da pessoa. Paulo: Boitempo, p. 24. 160 Boletim do Núcleo Cultural da Horta frontar com uma esfera extrajurídica, mos diante de um “estado ilegal”, o mas nem por isto ilegal, eis algo problema da dissociação entre justiça claro. Pois devemos insistir aqui que, e direito se coloca. mesmo em situações onde não esta-

Uma sociedade que tem medo da política Muitos gostam de dizer que, no inte- mento jurídico pode falar em nome rior da democracia, toda forma de do povo. Ao contrário, o ordenamento violação contra o Estado de direito jurídico de uma sociedade democrá- e inaceitável. Mas e se, longe ser de tica reconhece sua própria fragili- um aparato monolítico, o direito em dade, sua incapacidade de ser a expo- sociedades democráticas for uma sição plena e permanente da sobe- construção heteróclita, onde leis de rania popular. várias matizes convivem formando Por estas razões, a democracia admi- um conjunto profundamente instável te o caráter “desconstrutivel” do di- e inseguro? Não seriam certas “viola- reito, e ela o admite através do reco- ções” do Estado de direito condições nhecimento daquilo que poderíamos para que exigências mais amplas de chamar de legalidade da “violação justiça se façam sentir? Foi pensando política”. Pacifistas que sentam na em situações desta natureza que frente de bases militares a fim de im- Derrida afirmava ser o direito objeto pedir que armamentos sejam deslo- possível de uma desconstrução que visa expor as superestruturas que: cados (afrontando assim a liberdade “ocultam e refletem, ao mesmo tem- de circulação), sindicalistas que “se- po, os interesse econômicos e polí- questram” patrões a fim de impedir ticos das forças dominantes da socie- um contínuo processo de espoliação dade”6. Quem pode dizer em sã cons- econômica, ecologistas que seguem ciência que tais forças não agiram e navios cheios de lixo radioativo a fim agem para criar, reformar e suspen- de impedir que ele seja despejado no der o direito? Quem pode dizer em mar, trabalhadores que fazem pique- sã consciência que o embate social tes em frente a fábricas para criar de forças na determinação do direito situações que lhes permitam negociar termina necessariamente da maneira com mais força exigências de melho- mais justa? Por isto, nenhum ordena- ria de condições de trabalho, cidadãos que protegem imigrantes sem-papéis,

6 Derrida, Força de lei, São Paulo: Martins ocupações de prédios públicos feitas Fontes, 2007. em nome de novas formas de atua- Vladimir Safatle 161

ção estatal, trabalhadores sem-terra como a exigência de universalização que invadem fazendas improdutivas, de direitos positivos já assegurados a Antígona que enterra seu irmão: em setores da população. Neste sentido, todos estes casos o Estado de direito é ela seria impulsionada pela centrali- quebrado em nome de um embate em dade de princípios de igualdade. No torno da justiça. No entanto, é graças entanto, podemos complexificar tal a ações como estas que direitos são visão insistindo nas relações entre ampliados, que a noção de liberdade injustiça e sentimento de sofrimento ganha novas matizes. Sem elas, certa- social, ou seja, sofrimento cuja estru- mente nossa situação de exclusão tura causal aparece aos sujeitos como social seria significativamente pior. vinculada aos regimes de ordenamen- Nestes momentos, encontramos o to social. Nem sempre a experiência ponto de excesso da democracia em de sofrimento social está vinculada relação ao direito. à consciência da exclusão relativa a Uma sociedade que tem medo destes direitos positivos. Muitas vezes, ela momentos, que não é mais capaz de pode expressar a inquietude de um compreendê-los, é uma sociedade que processo de modificação de formas de procura reduzir a política a um mero vida que ainda não alcançou a enun- acordo referente às leis que atual- ciação de direitos. Parte de nossos mente temos e aos modos que atual- sofrimentos sociais são expressões de mente temos para mudá-las (como formas de vida em transformação. se a forma atual da estrutura política De toda forma, notemos como a sus- fosse a melhor possível). No fundo, pensão da lei em nome do sofrimento esta é uma sociedade que tem medo social e do bloqueio de reconheci- da política e que gostaria de substituir mento é qualitativamente distinta da a política pela polícia. Pois a violação suspensão da lei feita por práticas política nada tem a ver com a tenta- totalitárias. Pois a suspensão política tiva de destruição física ou simbólica é maneira de dizer que o direito se do outro, do opositor, como vemos na enfraquece quando não é mais capaz violência estatal contra setores des- de reconhecer suas próprias limita- contentes da população ou em golpes ções. E isto é feito a partir de uma de estado. Antes, ela é a força da outra espécie de “direito” (as aspas urgência de exigências de justiça. são de rigor) cujo fundamento, como É claro que se faz necessário com- dizia Claude Lefort, “não tem figu- preender melhor o que devemos cha- ra”, é marcado por um “excesso face mar aqui de “justiça”. Pois podería- a toda formulação efetivada”, o que mos definir “justiça”, neste contexto, significa que sua formulação contém 162 Boletim do Núcleo Cultural da Horta a exigência de sua reformulação. É só Um exemplo tragicamente interes- assumindo este excesso que a demo- sante aqui foi dado pela Suíça ao cracia pode existir. aprovar por plebiscito uma lei que Este ponto de excesso em relação ao proibia a construção de minaretes em ordenamento jurídico só conhece um mesquitas muçulmanas. Segundo os limite: o limite de sua auto-dissolu- helvéticos, tais minaretes represen- ção. E uma das maneiras da sobera- tavam o desejo expansionista e beli- nia popular se dissolver é através da cista do islã. Cartazes associando estigmatização de partes da própria minaretes a mísseis foram espalhados população. Por exemplo, a noção de pelos alpes. Com isso, a Suiça que- plebiscito tira sua legitimidade da brava a idéia de que todas as religiões idéia de que a soberania popular se e todos os crentes devem ter o mesmo manifesta como totalidade. Ou seja, a tipo de tratamento pelo Estado (e, se totalidade da sociedade, que se orga- for para falar em belicismo religioso, niza de maneira igualitária, exprime nenhuma religião passa no teste). sua vontade. Mas leis discriminató- Inaugurava-se assim uma lógica da rias contra grupos religiosos, raciais, soberania popular que se volta contra nacionais ou sexuais quebram a no- sua base, ou seja, contra a representa- ção de totalidade igualitária da vida ção igualitária da sociedade. Quando social, inaugurando uma lógica de tal representação desaparece, a sobe- massacre de minorias pela maioria. rania popular vira apenas uma máqui- Por isso tais leis nunca poderiam ser na de destruição social. objeto de um plebiscito.

A plasticidade da democracia

Feita esta ressalva, devemos insistir funcionaram mal. Do ponto de vista que a efetivação do direito de resis- institucional, a democracia tem uma tência pode, inclusive, nos levar a plasticidade natural. Ela depende, modificações profundas, não apenas e isto é totalmente diferente, de um das instituições, mas do processo poder instituinte soberano e sempre decisório e de partilha do poder. Con- presente. Ou seja, ela depende de um trariamente ao que dizia Tocqueville, aprofundamento da transferência do a democracia não exige instituições poder para instâncias de decisão po- fortes. Pois a democracia não exige pular que podem e devem ser convo- um poder instituído forte e não deve cadas de maneira contínua. Estamos depender de instituições que sempre muito acostumados com a idéia de Vladimir Safatle 163 que a democracia realiza-se natural- com a invisibilidade de uma múltipli- mente como democracia parlamentar. cidade de sujeitos políticos possíveis. No entanto, isto é falso. Neste sentido, o verdadeiro desafio O poder instituinte pressuposto pelo democrático consiste em institucio- direito de resistência só é expressão nalizar tal poder instituinte, criando de instabilidade para aquelas pers- uma dinâmica imanente de partici- pectivas que compreendem a vida pação popular. Tal dinâmica é desa- política como organizada, necessaria- creditada pelo pensamento conser- mente, sob as formas da representa- vador pois ele procura vender a idéia ção. No entanto, deveríamos lembrar inacreditável de que o aumento da como no interior da competição re- participação popular seria um risco gulada pela representação própria às à democracia. Como se as formas democracias liberais, a eclosão elei- atuais de representação fossem tudo toral do poder instituinte é sempre o que podemos esperar da vida demo- mediada pelo peso institucional-eco- crática. Contra esta política que tenta nômico das forças sociais que orga- nos resignar às imperfeições da nossa nizam as condições de representação democracia parlamentar, devemos dos atores políticos. Forças que se dizer que a criatividade política em dispõem em silêncio. E o controle direção à realização da democracia das condições de representação é, ao apenas começou. Há muito ainda por mesmo tempo, o controle da cena do vir. Como dizia Derrida, eis a razão político. Há uma zona de sombra em pela qual só podemos falar em demo- todo campo de representação, com- cracia por vir, e nunca em democra- posta pelo peso de atores que traba- cia como algo que se confunde com a lham no controle da definição do que configuração atual do nosso Estado de é representável. A crença tão presente Direito. Contra os arautos do Estado ainda hoje de que, fora da represen- Democrático de Direito que procuram tação política com seus mecanismos nos resignar às imperfeições atuais de sufrágio, só haverá o caos, acaba da democracia parlamentar, devemos por naturalizar o fato das condições afirmar os direitos de uma democra- de possibilidade da representação cia por vir que só poderá ser alcan- imporem um modo de presença na çada se assumirmos a realidade da cena política, um modo de constitui- soberania popular. ção dos “atores políticos” que se paga

Vária

Contributed papers

A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920

Hélio Nuno Santos Soares

Soares, H. (2015), A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 167-205.

Sumário: Neste trabalho estudamos o fenómeno da emigração dos corvinos, especialmente para os EUA, durante o século xix e as primeiras duas décadas do século xx. A emigração dos corvinos permite-nos conhecer, a partir da documentação oficial, esta realidade que pertence à história de Portugal e dos Açores na qual os corvinos se inserem. Os motivos tinham que ver com as crises frumentárias, que se sucediam com alguma frequência, levando a fomes e doenças que afetavam as populações de mais parcos recursos. A emigração surgia como fuga a estas situações. Contudo, é impossível conhecer muita da informação devido à emigração clandestina.

Soares, H. (2015), The emigration of Corvo Island. 1800-1920. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 167-205.

Summary: In this work we study the phenomenon of emigration from Crow Island, especially to the United States during the nineteenth century and the first two decades of the twentieth century. Emigration from Crow Island allows us to know, from the official documentation, this reality that belongs to the history of Portugal and the Azores in which the inhabitants of Crow Island fall in. The reasons had to do with the famine crises that followed with some frequency, leading to wide spread hunger and diseases that affect the populations of more scarce resources. Emigration appeared as an escape from these situations. However, it is impossible to know much of the information due to illegal immigration.

Hélio Nuno Santos Soares – [email protected].

Palavras-chave: ilha do Corvo, emigração, emigração ilegal, baleação, baleeiras.

Key-words: Corvo island, emigration, illegal emigration, whaling, whalers.

Introdução

No âmbito do Seminário – Projeto Ano da Licenciatura em História na em História – ministrado pelo Doutor Universidade dos Açores, foi-me pro- Carlos Rilley da Motta Faria, no 3.º posto pelo docente estudar a emigra- 168 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ção corvina no século xix e princípio oceano, para utilizar uma expressão do século xx. O tema suscitou-me das Atas Camarárias. grande interesse, dadas as particula- Neste trabalho pretende-se estudar o ridades com que se reveste aplicadas fenómeno da emigração dos corvinos ao movimento demográfico da mais para os EUA, durante o século xix e as pequena ilha dos Açores. primeiras duas décadas do século xx. A emigração é um fenómeno de todos Para uma melhor compreensão do os tempos. Portugal foi, nos últimos fenómeno, faremos o seu enquadra- 500 anos, um país de emigrantes, com mento, relacionando-o em seguida vagas sucessivas, organizadas pela com a baleação americana nos Açores. Coroa ou por iniciativa particular. A relação das baleeiras com a comu- A ilha do Corvo, situada no extremo nidade corvina também será abor- da Europa, foi um local de cruza- dada e, finalmente, os locais onde os mento de rotas ao longo dos tempos. corvinos se instalaram no mundo que Estas rotas permitiram o contato dos apresentam algumas das caracterís- corvinos com o mundo. No dealbar ticas da emigração dos corvinos. do século xix, a baleação americana Este trabalho baseia a sua reflexão estava em franco progresso. Foram nos documentos oficiais, nomeada- as baleeiras americanas que propor- mente os Livros de Registo de Passa- cionaram aos corvinos a fuga daquele portes do Governo Civil da Horta e “torrão” de terra plantado no meio do Atas da Câmara Municipal do Corvo.

1. Emigração Atlântica – enquadramento O estudo da emigração é um fenó- sem esquecer que nos últimos dois a meno que se reveste de muitas carac- três anos teve um recrudescimento. terísticas, sejam da ordem das moti- Joel Serrão definiu o emigrante como vações, sejam da ordem das áreas «aquele que resolveu abandonar o geográficas em que se efetua a deslo- País por motivos pessoais, livremente cação de pessoas. Este fenómeno tem concebidos, independentemente de despertado interesse em diversos solicitações oficiais e, até, muitas investigadores de diferentes áreas vezes em oposição a estas»1. científicas. A emigração portuguesa ao longo dos séculos foi algo que 1 Serrão, Joel, “Conspecto histórico da emigração portuguesa”, in Análise Social. caracterizou a história nacional e Lisboa, Instituto Superior de Ciências Eco- continua a caracterizar, apesar da sua nómicas e Financeiras, Ano 8, n.º 32, 1970, redução nos últimos trinta anos, mas p. 598. Hélio Nuno Santos Soares 169

Os Açores foram ao longo dos tempos ideia do contributo açoriano para o terra de chegadas e de partidas. A pró- Brasil colonial2. Recorde-se que mui- pria colonização do arquipélago foi, tos destes homens, pelo tempo de essencialmente, obra de migrantes prestação do serviço militar, superior que do reino se deslocaram às ilhas a dois anos, acabaram por se estabe- atlânticas na procura de uma nova lecer no Brasil, por isso não se veri- vida, bem como de alguns povoado- ficou um grande movimento -de re res estrangeiros. O êxito no modelo torno. Esta saída de pessoas no vigor de colonização do arquipélago e dos da idade condicionava naturalmente restantes arquipélagos atlânticos foi as estruturas demográficas, tendo re- de tal forma que o modelo acabou por flexos a curto e médio prazo na pró- ser adotado, mais tarde, na organi- pria evolução populacional, influindo zação do Brasil. necessariamente no comportamento Mas, desde cedo, ainda no século xvi, da natalidade e da nupcialidade das deparamos com indivíduos das ilhas ilhas. Por outro lado influenciava o açorianas nas mais variadas partes do número de braços disponíveis para Império. A centralidade dos Açores o trabalho agrícola. nas rotas marítimas a isso favoreceu No século xviii a Coroa continuou a certamente. apoiar e a promover a saída de casais Se no século xvi o fluxo emigratório dos Açores para o Brasil, fenómeno era residual, tornou-se mais frequente que se intensificou em meados de se- no século seguinte, direcionado para tecentos. Os motivos oficiais eram a o Brasil. Foi sobretudo para o Pará saturação demográfica e consequente e Maranhão que, ao longo do século desemprego, dado que não havia terra xvii, foram encaminhadas as gentes para todos. O certo é que as crises fru- dos Açores. Constituíam essencial- mentárias sucediam-se com alguma mente os chamados “casais das frequência, sucedendo-se fomes e ilhas”. Esta foi a designação adotada doenças que afetavam as populações pela coroa para caracterizar os emi- de mais parcos recursos. A emigração grantes/colonos ilhéus. A este grupo surgia como fuga a estas situações. podemos acrescentar alguns recruta- A emigração de setecentos foi um mentos militares efetuados nos Aço- movimento controlado pela Coroa, res para defender partes do Brasil. 2 Por exemplo, entre 1637 e 1645, Madeira, Artur Boavida, “Emigração”, in Enciclopédia Açoriana, Direção Regional assistiu-se à saída de mais de 2.600 da Cultura. . 170 Boletim do Núcleo Cultural da Horta que regulamentou a saída dos ilhéus jogavam o seu destino em opções e que disciplinou a sua fixação em próprias»4. A expressão do autor vai território brasileiro, sobretudo nas ao encontro da definição apresen- regiões de Santa Catarina e do Rio tada por Joel Serrão. No fundo esta Grande do Sul3. característica estará sempre presente No século xix, a emigração açoriana na emigração daqui em diante. Uma para o Brasil continuou a ser incen- outra característica também apresen- tivada pela Coroa, neste período já tada pelo autor foi a saída de indi- instalada na colónia. O objetivo era víduos isolados, de ambos os sexos, encaminhar os colonos para o povoa- solteiros, casados e viúvos. A atração mento de novas regiões. Esta política pelo Brasil devia-se à procura de me- foi interrompida pela instabilidade lhores condições de vida. Esta melho- que se viveu após a revolução de ria era procurada neste país, porque 1820 e pelaindependência do Brasil o mesmo estava num processo de em 1822. desenvolvimento económico, preci- Após a guerra civil de 1832/34, com sando de mão-de-obra para as planta- a consequente reforma e divisão ções de café e para as obras públicas. administrativa do reino, em que os Entre 1880 e 1888, por exemplo, esse governadores civis passaram a deter país absorveu cerca de 85% da emi- a capacidade de controlo da emigra- gração portuguesa5. O ciclo do Brasil, ção nas suas jurisdições, coube-lhes a como classifica Sacuntala Miranda, possibilidade de concessão de passa- teve maior expressão na emigração portes. É uma nova fase da emigra- açoriana a partir de 1870, prolon- ção portuguesa para o Brasil à qual gando-se até finais do séculoxix 6. os açorianos não estão alheios. Artur Se olharmos para o Inquérito Parla- Madeira caracteriza esta nova fase do mentar de 18737, ficamos com a im- seguinte modo: «De uma emigração pressão de que não havia motivos direcionada passou-se para uma emi- para emigrar em Portugal. Para o gração “livre”, em que os indivíduos seu relator, Barros Cunha, não havia

3 Ibidem. 6 Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu- 4 Ibidem. Os moldes da emigração promo- guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa, vida pelo Coroa serão, com as devidas dife- Edições Salamandra, 1999, p. 47. renças, retomados com o Estado Novo, em 7 Serrão, Joel, “Conspecto histórico da pleno século xx, para as colónias de África, emigração portuguesa”, in Análise Social. mas essa comparação não é objeto do nosso Lisboa, Instituto Superior de Ciências Eco- estudo. nómicas e Financeiras, Ano 8, n.º 32, 1970, 5 Ibidem. p. 610. Hélio Nuno Santos Soares 171 miséria nem falta de trabalho, dado sua passagem»9. Não era escravatura, que havia falta de mão-de-obra na mas, dadas as condições de trabalho agricultura. Por estes motivos, para o e as restrições a que estavam sujeitos relator, a única razão para motivar a os emigrantes, aproximava-se da emigração é a ambição de enriqueci- escravatura, por este motivo se desig- mento rápido. Joel Serrão classifica a nava de “escravatura branca”. A prá- explicação de simplista, indo buscar a tica do engajamento também existiu resposta à emigração a autores como nos Açores. Alexandre Herculano e Orlando Uma particularidade da emigração Ribeiro, para os quais os reduzidos açoriana oitocentista, nítida sobre- salários, a ausência de investimento tudo no último quartel do século, é a na agricultura, a existência de uma viragem para outros destinos que não indústria reduzida e a pressão demo- o brasileiro, nomeadamente o Hawai, gráfica exercida sobre a terra eram na altura designava-se o arquipélago os motivos mais que suficientes para por ilhas Sandwich, e Estados Unidos. incentivar a emigração portuguesa8. Desde os finais do século xix e ao Uma questão muito polémica durante longo do século xx, a emigração o segundo quartel do século xix foi açoriana direcionou-se quase sempre a prática do engajamento de colonos para os Estados Unidos. É o ciclo dos para o Brasil, fenómeno que a opi- Estados Unidos, no dizer de Sacuntala nião pública portuguesa designaria de Miranda10. Esta mudança de destino “escravatura branca”. Segundo Artur abrangeu primeiramente o grupo cen- Madeira, «o engajamento consistia tral e ocidental e só posteriormente o na assinatura de um contrato com o grupo oriental11. Ricardo Madruga da capitão do navio pelo qual, em troca Costa defende que esta emigração é da passagem, o colono teria de tra- de caráter individual, de cariz clan- balhar na nova terra entre 3 e 5 anos destino, e motivada pela presença da para pagar a soma despendida com a frota baleeira americana12.

8 Ibidem, pp. 610 e 611. 11 Rocha, Gilberta Pavão Nunes, “A emigra- 9 Madeira, Artur Boavida, “Emigração”, in ção na sociedade açoriana: os EUA como Enciclopédia Açoriana, Direção Regional destino”, in Galiza e Açores – A rota da da Cultura. . ção Luso-Americana, 2002, p. 38. 10 Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu- 12 Costa, Ricardo Madruga da, “A emigração guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa, do Faial para os Estados Unidos da América Edições Salamandra, 1999, p. 47. no século xix”, in Galiza e Açores – A rota 172 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Os motivos da emigração podem ser gurança16; fuga ao isolamento e ao diversos. Para Sacuntala de Miranda serviço militar17.Tudo isto numa este fenómeno está ligado a traços ânsia de procura de melhores con- estruturais das zonas de origem da dições de vida, a que se aliava uma emigração, as quais têm que ver relativa facilidade de transportes para com13 a elevada densidade popula- os países de destino. cional, imobilidade do sistema de Importa realçar que a emigração aço- propriedade fundiária, depressão en- riana deteve um cariz legal e outro démica da agricultura, existência de clandestino. Os estudos existentes redes tradicionais de engajamento e referem-se, sobretudo, à emigração de transporte de emigrantes e liga- legal, porque a ilegal é difícil de con- ções de parentesco ou amizade com tabilizar. A fuga ao serviço militar núcleos de emigrantes estabelecidos obrigatório era uma das mais fortes no país recetor. motivações da emigração de man- A mesma autora realça que ao compa- cebos, antes de irem ao sorteio ou rarem-se as estatísticas oficiais entre mesmo antes do recenseamento. os distritos insulares e os continen- Este fator influenciou a emigração de tais se denota uma taxa de emigração menores, maioritariamente de forma mais elevada nas ilhas. E comparando clandestina. Assim, era frequente en- os três distritos insulares o que mais contrar jovens «nos rochedos negros se destaca é o de Ponta Delgada, com das ilhas dos Açores, apenas aguar- uma média de 24 imigrantes por cada davam um sinal para se lançar à 1000 habitantes14. A autora apresenta conquista do oceano»18. O serviço diversas razões para a elevada taxa de militar era olhado como uma tragédia emigração nas ilhas: a situação geo- que se abatia sobre o jovem, em parti- gráfica das ilhas, em que a América cular, e sobre a família, em geral, a exerce uma atração sobre as mesmas quem eram retirados, um após outro, como pólo de desenvolvimento15; os filhos e o seu contributo para o fuga às intempéries, às variações cli- respetivo sustento. Aos jovens recru- máticas e à consequente fome e inse- tas estava-lhes destinada a saída da ilha e uma longa estadia em parte

da América. Pena, Alberto; Mesquita, Mário e Vicente Paula (Coord.). Lisboa, 14 Ibidem, p. 35. Fundação Luso-Americana, 2002, p. 66. 15 Ibidem, p. 36. 13 Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu- 16 Ibidem. guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa, 17 Ibidem. Edições Salamandra, 1999, pp. 13-14. 18 Ibidem, p. 51. Hélio Nuno Santos Soares 173 incerta num quartel frio, com gente ção para os Estados Unidos da Amé- estranha, e sujeito a uma alimentação rica. Os primeiros emigrantes açoria- de má qualidade, muito diferente da nos a instalarem-se nos Estados Uni- gastronomia insular e do aconchego dos da América remontam à década familiar. Para combater a emigração de vinte do século xix, maioritaria- clandestina foi exigido às autoridades mente embarcados nas baleeiras ame- locais uma vigilância mais rigorosa. ricanas, propriedade das companhias No ciclo do Brasil, os navios que da costa leste e mais tarde da Cali- faziam o transporte de emigrantes fórnia19. Eram maioritariamente ho- legais e clandestinos transportavam mens provenientes das ilhas do Faial outra carga até aos Açores, nomea- e Pico que se instalaram e trouxeram damente contrabando, para depois as famílias. Foram eles que, eventual- levarem os novos passageiros. No mente, incentivaram a emigração de caso dos emigrantes para a América, familiares de forma gradual. Na Cali- no decurso do século xix, as baleeiras fórnia, um outro núcleo chegou à americanas foram o meio de trans- procura do ouro, instalando-se, poste- porte escolhido, principalmente para riormente, como proprietários agrí- quem embarcava nas ilhas dos grupos colas. Segundo Maria Baganha, estes central e ocidental. Somente em finais dois núcleos de emigração de finais de oitocentos os grandes paquetes do século xix, foram impulsionados transatlânticos começaram a realizar pela preocupação económica, pela viagens regulares e possuindo grande necessidade de reunião de famílias capacidade de transporte. Estes pa- separadas, pelo desejo de estender quetes tinham duplo objetivo: trans- os benefícios da emigração à restante portar emigrantes para os países ame- família, pelo o anseio de regressar à ricanos em desenvolvimento e trazer terra natal e de possuir um pedaço para a Europa produtos agrícolas de terra seu na mesma20. Todas estas diversos produzidos nesses países. razões favoreceram o aumento da Como já dito anteriormente, o nosso deslocação de pessoas entre os Açores estudo debruçar-se-á sobre a emigra- e a América.

19 Ibidem, p. 90. Cf. Costa, Ricardo Madruga Alberto; Mesquita, Mário e Vicente Paula da, “A emigração do Faial para os Estados (Coord.). Lisboa, Fundação Luso-Ameri- Unidos da América no século XIX”, in cana, 2002, p. 66. Galiza e Açores – A rota da América. Pena, 20 Ibidem, p. 92. 174 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

2. a baleação americana nos Açores

A baleação americana teve um grande campanhas de 3 e 4 anos. No ano de desenvolvimento no século xviii, o 1768, cerca de 70 navios baleeiros, que permitiu aos baleeiros america- armando cerca de 200 botes, frequen- nos aventurarem-se em viagens cada taram os mares dos Açores e os seus vez mais longínquas. Nestas viagens portos22, o que é revelador da impor- de longa distância chegaram aos tância da baleação americana nas Açores. Os primeiros contatos destes ilhas em pleno século xviii. navios de caça à baleia com as popu- O número de navios baleeiros nos lações açorianas ocorreram, sensi- Açores em cada Verão foi aumen- velmente, em 176521. As capturas de tando. Vejamos o caso da ilha das cachalotes eram tão produtivas nesta Flores, que em 1811, dos 37 navios região, a que os baleeiros da Nova entrados nos seus portos, 9 eram em- Inglaterra chamavam Western Islands barcações baleeiras americanas pro- Grounds, que continuaram a frequen- venientes de Nuntucket23. Francisco tar o arquipélago cada vez em maior Gomes comprova-nos a presença de número. Com pequenas embarcações navios baleeiros nas Flores em 1806 enfrentavam o mar e os enormes e 1807, dando conta de transações cetáceos. Posteriormente começaram efetuadas para o seu abastecimento24. a utilizar os brigues, escunas e barcas Francisco Medeiros, ao citar Marce- de três mastros e 350 a 450 toneladas, lino de Lima, informa-nos que no ano ou mais, com cerca de 40 tripulantes, de 1866, dos 327 navios entrados no transportando 4 a 6 botes baleeiros e Faial, 104 eram navios baleeiros25. possuindo instalações a bordo para Com a frequência das baleeiras em derreter o toucinho em grandes cal- tão grande número no mar dos Açores deiros. Eram autênticas fábricas flu- é natural que se procurassem tripu- tuantes. As áreas de pesca foram lações nestas ilhas, principalmente sucessivamente alargando, passando a partir da década de vinte. A caça à de viagens de algumas semanas a baleia atingiu o seu apogeu, por parte da frota americana, entre o final da

21 Medeiros, Francisco, “Baleação Ameri- cana”, in Enciclopédia Açoriana, Direção 24 Gomes, Francisco, A Ilha das Flores: da Regional da Cultura, 2000. . Municipal das Lajes das Flores, 1997, 22 Ibidem. p. 207, e documentos n.º 111. 23 Ibidem. 25 Ibidem. Hélio Nuno Santos Soares 175 guerra de 1812 e a guerra de seces- escalas ao porto da Horta, que no são americana (1860-1865), foi a ano de 1841 atingem a cifra de 180 chamada “época de ouro”, em que o navios baleeiros27. Verificamos que porto de New Bedford ocupou uma a presença de baleeiras no mar dos posição importante. Açores foi aumentando gradualmente A aguada ou refresco era uma prá- ao longo dos anos. tica necessária a qualquer navio que O arranque da emigração açoriana passasse semanas no mar sem avistar para os Estados Unidos da América terra. Assim, a aquisição de água e de está intimamente associada à balea- produtos frescos fazia-se com norma- ção americana, bem como à sua pre- lidade ao avistar-se as primeiras ilhas sença no mar dos Açores28. Estas em- açorianas, Flores e Corvo26. Aqui barcações necessitavam de tripulan- forneciam-se os produtos agrícolas tes, o que, num período de expansão necessários à alimentação. Eventual- como aquele que a indústria baleeira mente alguma reparação mais urgen- americana estava a viver, requeria te. A importância desta escala foi reco- uma maior procura. Os navios par- nhecida com a criação de uma agência tiam dos portos americanos com as consular americana em Santa Cruz tripulações incompletas, com a inten- das Flores. A cidade da Horta com a ção de as completarem nas ilhas29. sua baía tornou-se o porto de abrigo Para os açorianos a frequência nas por excelência. A abertura do posto costas das ilhas de tão grande nú- consular em 1806, sendo o seu côn- mero de navios era algo estimulante. sul o americano John Bass Dabney. Ricardo Madruga da Costa tece o O seu filho, Charles William Dabney, seguinte comentário acerca dos aço- sucedeu-lhe no cargo em 1826, rapi- rianos que se aventuraram a embarcar damente adotou uma política de nas baleeiras: apoio à logística da frota baleeira, criando uma firma que fornecia todo Haverá que enaltecer a fortaleza de espírito desta gente de forte têmpera, devolvendo tipo de bens e serviços a par de uma ao baleeiro açoriano em particular, que hospitalidade reconhecida. Este apoio fez desse embarque aventuroso a bordo de foi reconhecido pelas frequências de

sidade Nova de Lisboa/Universidade dos 26 Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha Açores; Observatório do Mar dos Açores; do Faial na Logística da Frota Baleeira Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012, p. 75. Americana no “século Dabney”. Horta, 27 Ibidem, p. 62. Centro de História de Além Mar, Faculdade 28 Ibidem, p. 28. de Ciências Sociais e Humanas da Univer- 29 Ibidem, p. 124. 176 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

centenas de navios passaporte para alcan- duas décadas, a Coroa exigia, siste- çar o seu sustento e esperança de desafogo, maticamente, levas de recrutas aço- dignidade do seu carácter e da sua coragem rianos para o Brasil, estipulando o física e moral30. número a enviar31. Por exemplo no Quem embarcava nas baleeiras ame- ano de 1809 solicitava-se um contin- ricanas? É a pergunta que podemos gente de 3.000 recrutas. Estes núme- formular. A resposta é simples, eram ros, certamente não eram satisfeitos, maioritariamente jovens. Porque em- como o autor bem explica. É notório barcavam? É a segunda pergunta. o embaraço das autoridades em satis- Estes jovens viviam num ambiente fazer as exigências da Coroa. Todavia, saturado pela exploração agrária, em o autor avança com uma estimativa que cada palmo de terra era disputado imprecisa de contributo dos Açores por uma densidade populacional rela- face aos pedidos da Coroa, em que tivamente alta, assim os recursos eram estima uma mobilização na ordem escassos. Consumiam as suas forças dos 4.000 a 5.000 jovens. Esta situa- no amanho da terra, das vinhas, no ção tornou-se dramática, porque os pastoreio dos animais. Gente de fé, jovens partiam na incerteza do re- dado que era a única esperança a que gresso, que era o mais provável! se podiam agarrar, conformada, numa Separavam-se famílias, privavam-se simplicidade iletrada, em que o único de braços para a agricultura, comér- objetivo era sobreviver e colocar cio e ofícios. Temos assim um efeito comida diariamente na mesa para desagregador de famílias e comuni- toda a família, mesmo que esta fosse dades inteiras. O recrutamento abran- igual à do dia anterior e do dia se- daria durante o restante século, mas guinte. A tudo isto se acrescia a carga manter-se-iam a memória deste pe- fiscal a que estavam sujeitos, em que ríodo e o horror ao serviço militar. a estrutura fundiária das ilhas era Os fatores económico e militar foram, diversa, mas, na generalidade, a provavelmente, os que mais influen- maioria da população não detinha ciaram a saída de jovens das ilhas. nem o chão do casebre onde habitava. Entrar numa baleeira era um ato de O recrutamento militar era outro fla- desespero e coragem. Desespero pela gelo que vai marcar todo o século xix situação que se vivia nas ilhas; cora- e início do século xx. Nas primeiras gem porque se atiravam os jovens

30 Ibidem. -Geral (1800-1820). Horta, Núcleo Cultural 31 Costa, Ricardo Manuel Madruga da, Os da Horta/Câmara Municipal da Horta, 2005, Açores em finais do regime da Capitania- pp. 199-203. Hélio Nuno Santos Soares 177 para um futuro incerto. Uma capa- no seu trabalho. O normal do paga- cidade de sacrifício de abandonar a mento aos tripulantes era acordado família que, apesar das dificuldades, entre o armador, o comandante e ofi- detinha a proteção familiar e da sua ciais, nomeadamente a percentagem comunidade natal. O jovem lançava- do produto da campanha, em que ‑se num mar imenso cheio de perigos, cada um recebia de acordo com a sua em campanhas que duravam 3 e 4 categoria a bordo, a chamada lay, o anos, em locais distintos e longínquos, que se designa por soldada32. desde a Terra Nova ao Pacífico, onde Recordemos que muitas destas parti- a morte espreitava a qualquer mo- das eram feitas clandestinamente, “de mento, no seio de um grupo estranho salto”, ou seja às escondidas das auto- que falava uma língua desconhecida. ridades locais, prática que mereceu As condições a bordo eram extrema- muitos reparos e medidas repressivas mente rigorosas, trabalho, alojamen- por parte das autoridades. Porque to, alimentação e disciplina. É conhe- somente havia duas formas de sair cida a violência que os capitães das para o estrangeiro: uma era seguir os baleiras exerciam sobre os tripulan- trâmites legais e adquirir passaporte; tes. O que também levava à deserção a outra era obter um conjunto de quando aportavam a um qualquer várias cumplicidades, embarcando de porto. O preço da passagem podia ser forma clandestina nas baleeiras e pos- o ficar ao serviço durante uma cam- teriormente nos navios que transpor- panha. Esta podia durar no máximo tavam passageiros, nomeadamente 4 anos. Se assim ocorria, podemos para os Estados Unidos da América. dizer que o tripulante era explorado

3. os corvinos e as Baleeiras Como tivemos oportunidade de de- de viagem a partir dos portos da costa monstrar no ponto anterior, a balea- leste dos Estados Unidos da América. ção americana foi muito ativa no Mas também podemos observar que mar dos Açores. As ilhas das Flores eram a última paragem depois de e Corvo eram o primeiro contato saírem dos Açores rumo aos portos estabelecido após algumas semanas de Ciências Sociais e Humanas da Univer- 32 Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha sidade Nova de Lisboa/Universidade dos do Faial na Logística da Frota Baleeira Açores; Observatório do Mar dos Açores; Americana no “século Dabney”. Horta, Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012, Centro de História de Além Mar, Faculdade p. 107. 178 Boletim do Núcleo Cultural da Horta americanos, já com os porões cheios. ilha das Flores, levando as diferentes Fazendo com que estas duas ilhas sociedades constituídas a criarem fossem regularmente visitadas por postos baleeiros em diferentes lo- estes navios no início e no fim de cais, um dos quais no Corvo, o qual cada campanha. As transações efetua- já existia em 186435. Não sabemos das serviam para completar a pouca quando foi adquirido o primeiro bote riqueza gerada nas ilhas. A venda ou baleeiro para o Corvo, todavia já em troca de produtos eram uma necessi- 1874, foi noticiado que as lanchas do dade. As baleeiras também ficaram Corvo apanharam uma baleia, e que famosas por favorecerem o contra- no final desse ano foram às Flores bando de tabaco33. Se temos notícia fornecer-se de caldeiras36. Segundo a de o praticarem nas ilhas do grupo imprensa da época, no ano de 1878, central, certamente também o fariam foi criada na ilha uma sociedade ba- nestas duas ilhas. O que aumentava leeira, que tinha por objetivo reverter os motivos dos contatos com as popu- uma das soldadas, em partes iguais, a lações, predominantemente em locais favor da Igreja Matriz do Corvo e do mais recônditos. Hospital das Flores37. No período de A atividade desenvolvida pelas ba- 1903-1905 a frota baleeira do Corvo leeiras americanas e a sua conse- era constituída por seis botes: duas quente rentabilidade não passou de Joaquim Augusto Bicho Flores, despercebida às gentes da mais pe- natural da ilha das Flores, duas de quena ilha. Seguindo as informações António José da Rocha e duas de Joa- de Francisco Gomes, a vizinha ilha quim Pedro Lopes38. No ano de 1918, das Flores deteve os primeiros botes a firma Maurício António Fraga & baleeiros em 1856, importados dos C.ª Lda. adquiriu três botes baleiros Estados Unidos da América, sendo no Corvo, os quais fizeram viagem arpoada pelos mesmos a primeira ba- para o porto das Lajes a 24 de Julho leia quatro anos depois34.Esta indús- do mesmo ano39. Podemos depreen- tria entrou em franco crescimento na der que os corvinos desde meados do

33 Ibidem, p. 121 e ss. 37 Ibidem. 34 Gomes, Francisco, A Ilha das Flores: da 38 Ibidem, p. 663. redescoberta à actualidade (subsídios para 39 Ibidem, p. 664. Cf. Bragaglia, Pierluigui, a sua História). Lajes das Flores, Câmara “Maurício António Fraga & C.ª Lda”, in Municipal das Lajes das Flores, 1997, Enciclopédia Açoriana, Direção Regional p. 652. da Cultura. . Hélio Nuno Santos Soares 179 século xix se dedicaram a esta ativi- existiu uma agênciaconsular ameri- dade a partir da sua ilha, mesmo sem cana em Santa Cruz das Flores, na infraestruturas que possibilitassem o dependência da representação con- devido apoio. sular americana na Horta. Uma des- Os corvinos não foram exceção à locação à vizinha ilha das Flores tor- regra na odisseia da emigração clan- nava-se mais acessível aos corvinos. destina na frota baleeira América Durante o século xix a população da de oitocentos e início do século xx. ilha continuou a aumentar. Em 1842 Seguir os trâmites legais era algo difí- a ilha contava com 800 habitantes e cil. Para o fazerem tinham de se des- 190 fogos e em 1871 atinge o máximo locar às capitais de Distrito, sendo a da população da sua história, com mais próxima a cidade da Horta, capi- 887 habitantes41. Apesar da estrutura tal do Distrito do mesmo nome à qual agrária da ilha se ter alterado total- pertencia a ilha do Corvo. As ligações mente com o liberalismo, a ilha sofria não eram regulares. Uma deslocação uma exploração intensiva para satis- à Horta implicava uma permanência fazer as necessidades alimentares da incerta nesta cidade, que podia levar sua população. A pressão sobre um semanas ou meses, conforme as cir- território de 17 km2 é enorme, de cunstâncias. Portanto estas dificulda- modo a produzir o necessário à sobre- des eram dissuasivas do cumprimen- vivência dos seus habitantes. A agrura to da via legal. Todavia em data ante- dos corvinos é expressa na represen- rior a 1891, o administrador do Con- tação da Câmara do Corvo ao Rei celho de Santa Cruz das Flores, na D. Carlos, em 1903, sobre os trans- qualidade de representante do poder portes marítimos: central, nomeado pelo governador Os corvinos, Senhor! Não tem a mínima civil, tinha competência de emitir culpa de ser pequeníssimo o humilde pe- passaportes40. Neste período também nhasco que habitam no meio da amplidão

40 Vieira, Luís Filipe Nóia Gomes, Concelho 27 de Julho de 1901. Podendo-se especular de Santa Cruz das Flores (1890-1920) – a existência de um livro por década obte- Entre a estagnação e o progresso. Ponta remos o início desta competência do Admi- Delgada, Universidade dos Açores, Edição nistrador do Concelho de Santa Cruz na fac-similada, 2012, p. 134. O primeiro livro década de setenta de oitocentos. de registo de emissão de passaportes pela 41 Saramago, João, “Breve notícia histórica administração do Concelho de Santa Cruz sobre a ilha do Corvo”, in Vila Nova do das Flores encontra-se desaparecido, so- Corvo – inventário do Património imóvel mente existe em arquivo o livro n.º 3, com dos Açores. Angra do Heroísmo, Direção início em 1 de Julho de 1891 e termino em Regional da Cultura, 2001, p. 15. 180 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dos mares; e muito menos ainda lhes pode ‑nos o trabalho árduo necessário à ser imputada a sua diminuta importância sobrevivência na ilha: «são os corvi- comercial, que está, em relação com o nos um povo laborioso, quase só numero de habitantes deste pequeno cabe- 44 ço que muitas vezes, como no anno pró- entregue aos próprios recursos» . ximo findo, não produz o suficiente para O contato com as baleeiras america- a parca alimentação de seus infelizes nas permitia as transações e também habitantes; o que os obriga a imigrar e a o quebrar da monotonia da vida da procurar regiões mais férteis e mais hospi- ilha. Se recordamos a importância taleiras42. dada ao “dia de S. Vapor” no decurso O isolamento da ilha era notório, com do século xx, certamente veremos a a ausência de transportes regulares, e importância atribuída às chegadas os que havia tornavam-se verdadei- dos navios baleeiros ao Corvo no ramente desconfortáveis43. Somente século xix, já que eram uma porta de a necessidade ou verdadeira curiosi- comunicação com o exterior. Também dade se impunham a um espírito mais neste campo os irmãos Bullar são aventureiro. Os diferentes visitantes nossas testemunhas: «de vez em da ilha, que registaram as suas im- quando aportam ao Corvo navios pressões, dão-nos um imaginário de baleeiros americanos para se abaste- 45 ilha isolada e pobre. O motivo fun- cerem» . Comunicar com os baleei- damental para este isolamento dentro ros não devia ser fácil, devido à lín- do próprio arquipélago foi a ausência gua, mas o contato sistemático com as de comunicações regulares. Por outro tripulações e a emigração nas mesmas lado, a ilha estava fora das rotas favoreceu a aprendizagem da língua comerciais da época. Perdeu a sua inglesa. Continuando a servirmo-nos importância geoestratégica do Antigo do relato dos irmãos Bullar, ficamos a Regime. saber que o padre João Inácio Lopes Os irmãos Bullar visitaram a ilha do sabia «algumas palavras de inglês»46. Corvo em Abril de 1839. Confirmam- Para um homem que, provavelmente, pouco viajou e passou a vida nesta 42 Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 19/4/1902 a 29/5/1905, fl. 35, sessão de 27/6/1903. 44 Bullar, Josefh e Henry, Um Inverno nos 43 Cf. Soares, Hélio Nuno Santos, O Corvo Açores e um verão no Vale das Furnas. Tra- e os transportes marítimos – 1832 a 1984. dução do Inglês por João Hicckling Anglin. Trabalho realizado para a disciplina de 2.ª edição, Ponta Delgada, Instituto Cultural História das Revoluções, ministrada pelo de Ponta Delgada, 1986, p. 251. Doutor Carlos Rilley Faria, Licenciatura em 45 Ibidem. História, no ano letivo de 2012/13. 46 Ibidem, p. 256. Hélio Nuno Santos Soares 181 pequena ilha, somente a necessidade nos contatos comerciais com as tripu- de comunicar com pessoas que fala- lações, mas seriam contatos pontuais vam inglês o obrigava a aprender essa que permitiam um contato rápido e língua. Mas como o velho padre não elementar; a segunda, e mais plau- falava fluentemente chamou «dois sível, é a probabilidade de estes dois homens idóneos, que conheciam mais indivíduos terem embarcado numa alguma coisa da nossa língua, para baleeira americana, realizado uma que combinássemos com estes os pre- campanha, eventualmente terem de- parativos para uma subida à monta- sembarcado e permanecido em terri- nha na manhã seguinte»47. Interessa tório americano. Na nossa opinião aqui tentar encontrar explicação para será esta hipótese a mais viável, com- que estes dois indivíduos soubessem provando que desde cedo os corvinos falar inglês. Duas hipóteses se nos embarcavam nos navios baleeiros afiguram, a primeira, na qual os indi- americanos com destino aos Estados víduos realizaram a aprendizagem Unidos da América.

Nome Idade Ano Destino Declarante José48 12 1869 Reino estrangeiro Joaquim Coelho Rodrigues António49 13 1869 Reino estrangeiro Joaquim José Rodrigues Manoel50 12 1869 Reino estrangeiro Manoel José Pimentel João51 12 1870 Reino estrangeiro Manoel Coelho das Pedras José52 11 1870 Reino estrangeiro António de Fraga Patrão Manoel53 8 1870 Reino estrangeiro António Coelho Aujolla Guilherme54 12 1872 Estados Unidos da América Joaquim José Rodrigues Manoel55 12 1875 ? Maria de Jesus Abreu Manuel56 11 1879 ? Manoel José d’AvellarJeronimo

Fonte: Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo (1868-1880).

47 Ibidem. 52 Ibidem, fl. 20, sessão camarária de 15/10/ 48 Livro de Atas da Câmara Municipal do 1870. Corvo de 9/6/1868 a 5/2/1880, fl. 9v, sessão 53 Ibidem, fl. 21, sessão camarária de 20/10/ camarária de 4/9/1869. 1870. 49 Ibidem, fl. 10v e ss. sessão camarária de 54 Ibidem, fl. 26, sessão camarária de 12/9/ 11/9/1869. 1870. 50 Ibidem, fl. 14, sessão camarária de 16/10/ 55 Ibidem, fl. 34v, sessão camarária de 5/12/ 1869. 1875. 51 Ibidem, fl. 19, sessão camarária de 11/10/ 56 Ibidem, fl. 54v, sessão camarária de 7/12/ 1870. 1879. 182 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Outro dos aspetos que incentivava à Estrangeiros Estados Unidos da Amé- emigração, como já referimos, era o rica tendo apenas treze anos de recrutamento militar. O qual estimu- idade»57. Esta informação demonstra lava a emigração de muitos jovens. a ignorância sobre o sistema político O pavor ao recrutamento tornou-se americano, mas precisa o destino. tão elevado que os pais preferiam Recorrendo aos livros de registo de embarcar os filhos numa baleeira ou passaportes do Governo Civil da noutro navio que passasse rumo à Horta, contatamos que, por esta via, América, do que a sujeitar os filhos a saíram quatro jovens corvinos me- este drama. As idades com que estas nores. Dois com 16 anos, respetiva- crianças são embarcadas a um futuro mente em 1900 e 1920, um com 13 incerto não deixa de ser impressio- anos em 1917, e um com 9 anos no nante. O quadro que se apresenta na ano de 1911. Pela listagem de passa- página anterior, tendo como fonte as geiros (cf. Anexo I) aferimos que na Atas da Câmara Municipal do Corvo, mesma viagem seguiram outros cor- dá-nos uma ideia desta realidade no vinos, logo não foram abandonados à século xix. sua sorte, como os do século xix. Em A média de idades das crianças que 1905, uma representação conjunta de embarcavam é de 11,5 anos de idade. diversas Câmaras dos Açores foi diri- Seis dos embarques ocorreram nos gida à Câmara dos Senhores Depu- anos de 1869 e 1870, respetivamente, tados a pedir alterações na legislação três em cada ano. Nos restantes três sobre o recrutamento e sobre a emi- anos, simplesmente embarcou uma gração, atendendo a um pedido da criança. Verifica-se o embarque de Câmara de Velas e Calheta da ilha uma criança de 8 anos, o que é verda- de S. Jorge. Nesta representação a deiramente extraordinário é como os Câmara do Corvo exorta a modifi- pais tinham a coragem de incentivar cação das leis sobre a emigração e o a uma viagem destas. Quanto ao des- recrutamento militar. tino, verifica-se que seis embarcam para Reino estrangeiro, o que se torna Ora é enegável que a emigração Açoreana algo imprecisa a informação. Contudo, é excessiva, e é igualmente inegável que, a julgar pelas correntes emigratórias apezar de todos os meios até agora em- pregados para a reprimir, ella recrudesse e deste período poderíamos aviltar que augmenta cada vez mais. (…) cada pedra se trata do Brasil. Por outro lado, no das nossas costas é um caes d’embarque a caso de Guilherme, em 1872, temos a seguinte informação: «embarcou no 57 Ibidem, fl. 26, sessão camarária de 12/9/ dia does do corente mês para Reinos 1870. Hélio Nuno Santos Soares 183

facilitar esta emigração (…). Inútil toda a se tornar num ponto para depois desapa- repressão de emigração, torna igualmente recer, quase com certeza que, sem que errisorio o vigor das leis militares, despo- ninguém o visse, terá começado a chorar. voa estas ilhas, e prepara-nos num futuro Deve ter sentido o desamparo que outros talvez não muito remoto a anexação do já também sentiram ao deixar de repente archipellago, á bandeira estrelada; facto de serem crianças e se tornarem homens, que dificilmente se poderá evitar: quando levando só, como um amuleto contra o todos ou quazi todos os habitantes d’estas mal, a bênção dos pais59. ilhas forem súbditos dos Estados Unidos da América (…). Vem rogar-lhes se sirvam As atas simplesmente nos falam das 58 modificar a legislação actual (cf. Anexo crianças embarcadas, que eram decla- III). radas na Câmara de modo a que o O pavor ao recrutamento era uma seu nome fosse retirado da lista de realidade, mas do ponto de vista da recenseamento militar. Os mesmos maturidade um jovem entre os 18 e os documentos são omissos, de forma 25 anos conseguia enfrentar melhor direta, quanto à partida de jovens uma situação de separação e afasta- clandestinamente. Mas a expressão mento do que uma criança entre os 8 e «cada pedra das nossas costas é um caes d’embarque a facilitar esta emi- os 13 anos. Ser privado do aconchego 60 familiar numa idade tão precoce é gração» é elucidativa desta realidade. traumatizante, como bem sabemos. Em 1911, após a mudança de regime, Vázquez de Acuna a este respeito faz o trauma do recrutamento continua, a seguinte descrição a respeito da par- por esse motivo a Câmara do Corvo tida do corvino Carlos Nascimento: solicita ao Ministro da Guerra para que tome medidas de modo a evitar Desde aquele cone vulcânico, achatado no a emigração: decurso de milénios, zarpara Carlos rumo a New Bedford. Uma pena surda invadia‑o, Afastado do convívio social e reduzido chorando para dentro na despedida dos exclusivamente ao amanho de suas terras seus que supunha, sem se enganar, que e culturas de suas searas; teem uma repug- nunca mais voltaria a ver. E, enquanto o nância, diremos melhor, teem um horror vento inchava as velas e a sua ilha se ia tal ao serviço militar, que, apesar da alegria afastando cada vez mais no horizonte, até com que receberam a noticia da Implan- tação da República e da confiança com 58 Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v Manuel Gomes dos Santos, s/l, DRC, 2004, e ss., sessão de 29/4/1905. p. 40. 59 Postigo, Váquez de Acuna Marquês Garcia 60 Livro de Atas da Câmara Municipal do del, O Corvino Carlos G. Nascimento. Trad. Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v por Manuel del Pino Morgádez e Vítor e ss., sessão de 29/4/1905. 184 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

que d’Esta esperamos benefícios que até Na biografia de Carlos George Nasci- hoje lhes teem negado os governantes mento é-nos relatado o testemunho transactos, quasi desfalhecem ao imaginar de uma odisseia familiar, que a famí- que seus filhos terão de ir aguardar em um quartel militar, o toque do clarim para lia viveu na emigração de oitocentos marchar ás horrorosas inventualidades de numa clara relação com a baleação64. uma guerra61 (cf. Anexo IV). Carlos G. Nascimento nasceu em 1885 na ilha do Corvo, sendo o mais Partiam rumo a um destino desconhe- novo de onze irmãos. Filho de Carlos cido, com a obrigação de pagar a pas- Lourenço George e Maria de Jesus sagem servindo numa campanha ba- Nascimento. O pai era pescador e leeira de vários anos. Uma verdadeira baleeiro, ausentando-se por longas exploração a que estavam sujeitos por temporadas, por vezes por longos parte dos capitães e armadores. anos. O avô George Jousef Lourenço Foi a bordo destes navios que os já fora baleeiro algures nas décadas corvinos, segundo a tradição oral, de vinte e trinta do mesmo século65. aprenderam a fazer as famosas barre- O irmão mais velho partiu numa ba- tas do Corvo, transmitindo a técnica 62 leeira para New Bedford, dedicando- no regresso à ilha . Para Francisco ‑se à caça da baleia, o mesmo acon- Medeiros, estes emigrantes que se- teceu com outro irmão que apanhou guiam a bordo das baleeiras«foram a boleia numa baleeira, mas não se guarda avançada de muitos outros emi- dedicou a este ofício, indo instalar‑se grantes que se lhes seguiram»63. São eles em S. Francisco, onde montou um que ao desembarcarem num porto estabelecimento hoteleiro, seguindo dos Estados Unidos da América, do as pisadas de uns tios paternos. Foi Brasil ou do Chile prepararam a ida seguido pelos demais irmãos. O irmão de familiares no futuro. O caso que Francisco foi estudar para o Semi- seguir apresentamos transmite-nos essa ideia. 63 Medeiros, Francisco, “Baleação Ameri- 61 Livro de Atas da Câmara Municipal do cana”, in Enciclopédia Açoriana, Direção Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912, fl. 10v Regional da Cultura, 2000. . Da tosquia das ovelhas às coberturas de 64 Postigo, Váquez de Acuna Marquês Garcia cabeça na ilha do Corvo – Açores. Univer- del, O Corvino Carlos G. Nascimento. Trad. sidade dos Açores, Trabalho elaborado para por Manuel del Pino Morgádez e Vítor a disciplina de Antropologia Cultural dos Manuel Gomes dos Santos, s/l, DRC, 2004, Açores, ministrada pelo Doutor Rui Mar- pp. 11 a 19. tins, ano letivo de 2012/13. 65 Ibidem, p. 28. Hélio Nuno Santos Soares 185 nário de Angra, seguindo para New rumo a um novo destino, numa clara Bedford onde o pai tinha amigos, diferença entre as duas primeiras, em tornando-se pároco da comunidade que emigravam para regressar à ilha, portuguesa66. Juan do Nascimento, deixando mulher e filhos atrás. A ter- tio materno de Carlos George Nasci- ceira geração emigrou para não mais mento, também embarcou numa ba- regressar à ilha. Verificamos a impor- leeira e seguiu para o Chile, insta- tância dos laços familiares que foram lando-se na cidade de Santiago, tor- mantidos, permitindo o apoio aos nando-se livreiro. Carlos George do que ficaram e desejaram partir com Nascimento imigrou para o Chile, o intuito de se estabelecerem no país chamado pelo tio materno e autori- recetor. Outro caso é o filho de João zado pelo pai, que tinha boa imagem Lourenço Innocencio, este informou do país, seguiu para o destino sul- a Câmara do Corvo, para efeitos de ‑americano, em 190567. Embarcou recrutamento, que o seu filho Manuel, numa baleeira cujo piloto era amigo de 13 anos, tinha partido para Cali- do pai rumo a New Bedford, onde o fórnia na companhia do tio António irmão Francisco, sacerdote, o aguar- Lourenço Brizida72. dava68, atravessou o país rumo a Outro dos aspetos que sobressaem S. Francisco de comboio69. Nesta nesta odisseia familiar é a utilidade cidade encontrou os irmãos mais ve- dos contatos e amizades estabelecidos lhos e outros parentes, permanecendo pela geração precedente, neste caso cerca de dois meses com eles, para o pai de Carlos George Nascimento, depois embarcar rumo ao Chile em que lhe permitiu ir à boleia numa meados de Novembro70. Também baleeira sem ter de pagar a passagem. temos a notícia de um tal de José Fraga Não esqueçamos que nesta época a que tinha um armazém de revenda navegação transatlântica a vapor já na cidade de Concepción, no Chile, fazia viagens regulares, mesmo assim que é apresentado como exemplo de a opção foi enviar o filho com os sucesso71. O testemunho apresentado velhos amigos e conhecidos. relata-nos três gerações de emigran- A presença de baleeiras não estava tes da mesma família, que sentiram a isenta de perigos. As intempéries necessidade de melhorar a sua condi- eram frequentes, mesmo nos meses ção partindo nas baleeiras americanas 70 Ibidem, p. 58-59. 66 Ibidem, p. 18. 71 Ibidem, p. 32. 67 Ibidem, pp. 34 e 39. 72 Livro de Atas da Câmara Municipal do 68 Ibidem, p. 39. Corvo de 16/10/1898 a 4/8/1900, fl. 19, 69 Ibidem, p. 51. sessão de 13/5/1899. 186 Boletim do Núcleo Cultural da Horta de verão. Nas ilhas não existiam por- na época de caça à baleia, baleeira tos abrigados, havia baías e ancora- Charles & Therry naufragou nas douros, mas que estavam dependentes costas do Corvo, conseguindo a tripu- dos quadrantes do vento para deter- lação salvar-se73. Os naufrágios nas minar se os navios podiam abrigar‑se imediações do Corvo eram uma fonte nelas. O navegar à vista de terra de madeira e bens, numa ilha que também acartava riscos. Em 1845, carecia de vegetação.

4. os destinos dos Corvinos na América

Ao perscrutarmos alguns dos docu- referência ao ano e cidade onde o pai mentos oficiais, como os livros de se naturalizou cidadão americano. No registo de passaportes, com os respe- Anexo II coloca-se a referida lista- tivos processos, e as atas da Câmara gem e analisamos o gráfico da página do Corvo reparamos que o destino seguinte. final nem sempre é apresentado, parti- cularmente a cidade de destino, para A emigração de corvinos teve como não falarmos no grosso da emigração destino principal os EUA, embora, clandestina que nem é mencionada. como já referimos tenha tido outros Mas ao consultarmos o Livro de atas destinos. No que se refere aos EUA, da Câmara Municipal do Corvo de no período em que se compreende a 7/3/1908 a 22/10/1910, deparamo- informação disponibilizada, que tem nos com uma informação curiosa, como balizas 1865 e 1903, salva- que temos de agradecer ao secretário guardando-se que são meras referên- da Câmara da época por a ter incluí- cias, com uma margem de erro muito do, os chamados pedidos de desnatu- grande, porque estes dados são uma ralização portuguesa solicitados para amostra. muitos jovens corvinos, cujos pais Verificamos que 61% dos corvinos detinham cidadania americana. Assim, efetuou a sua naturalização americana a obtenção de naturalização ameri- no Estado da Califórnia, com parti- cana obtinha-se pelo facto de uns dos cular incidência na cidade de S. Fran- pais ser cidadão americano. O refe- cisco. Embora haja processos tratados rido secretário da Câmara incluiu a de Ciências Sociais e Humanas da Univer- 73 Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha sidade Nova de Lisboa/Universidade dos do Faial na Logística da Frota Baleeira Açores; Observatório do Mar dos Açores; Americana no “Século Dabney”. Horta, Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012, Centro de História de Além Mar, Faculdade p. 127. Hélio Nuno Santos Soares 187

Naturalizações de Corvinos realizadas nos EUA sem referência 7. Rhode Island 16.

Massachusetts 16. Califórnia 61.

Fonte: Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 7/3/1908 a 22/10/1910. nos condados de Merced, Stanislaus, ocupações profissionais foram a ba- Northern District, San Mateo e Con- leação e outros serviços. tra Costa. Todos nas imediações de Não deixa de ser digno de nota a S. Francisco, embora Merced já seja atração que o oeste dos EUA exerceu no interior do Estado da Califórnia e sobre os corvinos emigrados de oito- numa zona predominantemente rural. centos. Chegar do Corvo a S. Fran- O que nos leva a pensar que a comu- cisco levava meses num barco à vela, nidade portuguesa teve, neste local, sem esquecer que em caso de campa- ocupações de carácter agrícola. Para nha de baleação, a duração do percur- as cidades do litoral, a ocupação ini- so ficava em anos. Também podemos cial foi, certamente, na caça à baleia alvitrar a possibilidade de os corvinos e na pesca. Numa fase posterior as se deslocarem até aos portos da costa ocupações diversificaram-se. Os pro- leste e fazerem a aventura de atraves- cessos de naturalização realizados no sar o país de costa a costa. Em finais Estado de Rhode Island e Massachu- do século xix, os Estados Unidos pos- setts correspondem a 32%, estando suíam uma rede de caminhos-de-ferro cada qual com 16%. As cidades onde que ligavam o país da costa leste à os processos foram tratados foram costa oeste. Provavelmente, os corvi- Boston e Providence, capitais dos nos, à imagem de Carlos George Nas- referidos Estados. Mais uma vez as cimento no ano de 1905, utilizaram 188 Boletim do Núcleo Cultural da Horta este meio de transporte para alcan- com um sistema de leis e um governo çarem os seus objetivos finais, onde próprio, levando à admissão da Cali- se queriam fixar. A Corrida do ouro fórnia como Estado norte-americano na Califórnia (1848-1855) começou em 1850. Esta prosperidade manteve- em 24 de janeiro de 1848, quando foi ‑se, e a Califórnia como o expoente encontrado ouro em Sutter’s Mill. do “sonho americano”. A emigração A cidade de S. Francisco transfor- é sempre motivada por uma dimen- mou-se de um diminuto lugar, cons- são individual e coletiva, aqui vemos truído em torno da missão francis- o coletivo a influenciar a decisão e a cana, numa cidade próspera, com atração dos corvinos pela Califórnia, estradas, igrejas, escolas e outras ci- posicionando-se em torno da cidade dades foram construídas ao seu redor. que era o paradigma do progresso O Estado da Califórnia foi dotado americano.

5. As características da emigração corvina nos documentos oficiais

A emigração legal corvina tem as suas cação para os dois casos terá que ver características próprias. Os corvinos com as ligações familiares já exis- integram-se nos grandes fluxos emi- tentes. gratórios de oitocentos e novecentos. As fontes documentais deste estudo são os Livros de Registo de Passa- 5.1. Emigração para o Brasil portes do Governo Civil da Horta (cf. Anexo I) e as Atas da Câmara Como tivemos oportunidade de ver Municipal do Corvo (cf. Anexo II). no ponto anterior, a emigração para os Antes de iniciarmos a nossa análise, EUA foi sempre expressiva ao longo queremos apresentar dois casos isola- do século xix. Mas os corvinos inte- dos de emigração para o Chile: uma graram-se no chamado ciclo do Bra- mulher solteira de 28 anos, que parte sil, mantendo uma emigração mais ou em 1897 e um jovem de 13 anos, em menos constante para esse destino, 1917. Ambos embarcam, provavel- embora não o possamos comprovar, mente, via Lisboa, onde fariam outro do ponto de vista documental, com transbordo rumo ao distante Chile, números. A observação dos Livros certamente numa longa viagem, com de registo de Passaporte do Governo algum conforto proporcionado pela Civil da Horta no período de 1890 a navegação a vapor. Daí a necessidade 1920 lança algumas luzes sobre este de obtenção de passaporte. A expli- destino. Entre 1896 e 1902 emigra- Hélio Nuno Santos Soares 189 ram 23 pessoas legalmente. Há uma 5.2. Emigração para os EUA emigração de quatro famílias: Como no ponto anterior continuamos Casal com três filhos menores a seguir os dados do Livro de Registo Casal com uma filha menor de Passaportes do Governo Civil da Horta, nos anos de 1905 a 1920 Mãe com dois filhos menores (cf. Anexo I); pedidos de desnatu- Casal com quatro filhos menores e irmão ralização feitos à Câmara do Corvo da esposa de 1898 a 1915 (cf. Anexo II), bem como, os dados fornecidos pelo recente estudo de Luís Filipe Vieira A emigração de famílias é uma nova Gomes sobre o Concelho de Santa característica das migrações de finais Cruz das Flores. A baliza cronológica do século xix. A mãe com dois filhos que nos é dada por esses registos reme- menores vai acompanhar o irmão. te-nos para os anos de 1905 a 1920. Outra característica deste período é Analisando os pedidos de desnatu- a partida de mulheres solteiras e viú- ralização existentes nas atas camará- vas, algo que não se verificava anos rias, com a devida margem de erro, antes. Neste caso, temos 3 mulheres tentando eliminar as repetições dos solteiras, duas com 21 anos e uma peticionários a favor de cada um dos com 28. Também encontramos uma seus filhos ou de seus descendentes viúva de 53 anos. A explicação para a em favor de si próprios, quando estes mãe que parte com os filhos e a viúva já o podem requerer aquando da maior é uma provável reunificação familiar. idade ou emancipação por alvará, As mulheres solteiras também partem ficamos com uma estimativa, apro- com a certeza de terem já algum am- ximada, de noventa e cinco corvinos paro familiar. A média de idades dos com cidadania americana. Contudo, emigrados é de 20,9 anos. não nos é possível saber a data da Comparativamente a emigração legal obtenção da naturalização americana para o Brasil é superior à destinada dos mesmos. Em todo o caso, consta- aos EUA numa fase posterior. Não tamos o elevado número de homens nos iludamos, os emigrantes que par- que nos últimos trinta a quarenta anos tiam para o Brasil tinham de fazer do século xix e primeiros quinze anos transbordo em Lisboa, por esse moti- do século xx, obtiveram cidadania vo não conseguiam fugir à alfândega. americana, permitindo que os seus fa- Assim, optavam por seguir pela via miliares obtivessem a cidadania ame- legal. ricana, prescindindo da portuguesa. 190 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Podendo requerer cidadania ameri- de 10 mancebos que teriam ser inscriptos cana o cônjuge e os filhos. no recenseamento militar do corrente anno, Pela Representação de 1905 à Câmara apenas se haveram apurado dois, um dos quais exempto por motivo d’estudos supe- dos Senhores Deputados somos infor- riores; e isto porque todos os mais decla- mados do elevado número de corvi- raram em tempo perante esta Camara que nos com cidadania americana: seguiam a nacionalidade de seus pães74 (cf. Anexo III). N’este Concelho de apenas 760 almas, haver já na administração do Concelho o O gráfico demonstra a evolução do registo de 122 cidadãos Americanos, e que número de requerimentos dirigidos à

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18981899 19001901 19021903 1904 1905 1906 1907 1908 1901 1914 1915

Fonte: Atas da Câmara Municipal do Corvo – Requerimentos à Câmara do Corvo a pedir a desnaturali- zação portuguesa (1898-1915).

Câmara do Corvo. Num total de 109 de decréscimo por relação a 1908. Os pedidos de desnaturalização portu- pedidos de desnaturalização benefi- guesa. De forma geral há um aumento ciaram 163 pessoas. Podemos assim dos mesmos até 1906, verificando-se somente um pedido em 1907. O ano 74 Livro de Atas da Câmara Municipal do de 1908 atinge os 33 requerimentos. Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v Nos três anos seguintes há um gran- e ss., sessão de 29/5/1905. Hélio Nuno Santos Soares 191 constatar o elevado número de corvi- sendo a predominância na faixa etária nos que detinham cidadania ameri- dos 20 aos 30 anos. O ano de 1912 cana nos primeiros dois decénios do registou quatro processos, correspon- século xx. dendoa um processo por ano. Parti- Dos requerimentos apresentados, em ram três viúvas, duas solitariamente, 78 o peticionário foi o pai ou mãe, no com 53 e 66 anos, em 1905 e 1920, caso do primeiro já ter falecido. Nos respetivamente. A terceira viúva, de casos em que a mãe faz o pedido, 55 anos, foi acompanhada com um verificam-se 8 requerimentos. Em 31 filho de 12 anos, no ano de 1910. dos requerimentos, o peticionário foi No que concerne à emigração de jo- o próprio beneficiado, sendo que 24 vens solteiros, verificamos catorze eram homens solteiros de maior idade processos, distribuídos do seguinte ou emancipados por alvará. Nos casos modo: dois em 1911, um em 1912 e de petições feitas por mulheres, encon- onze em 1920, com idades compreen- tramos 5, eram mulheres solteiras e didas entre os 16 e 32 anos. duas casadas. Para a emigração de famílias temos No que respeita aos beneficiários da cinco processos, como é apresentado naturalização, dos 156 casos reque- no quadro seguinte. ridos por um dos pais, sem contar com os 7 pedidos de mulheres adul- Um casal com três filhos menores 1910 tas, apenas 4 são do sexo feminino, Um casal com uma filha de meses 1911 o que significa que 152 beneficiados com a naturalização americana são do Um casal com quatro filhas 1911 sexo masculino. A média de idades Um casal 1912 situa-se nos 17 anos. Ressalve-se que Uma mãe com uma filha menor 1911 em vários casos não é possível iden- tificar a idade ou data de nascimento. Também se constata a emigração de Todavia, dados os casos apresentados, homens casados de forma solitária. as idades são sempre jovens, o que Em 1906 um homem de 63 anos; em não alteraria de forma significativa 1912, dois homens com idade de 23 esta média. e 33 anos, bem como, em 1920, um Ao analisarmos o registo de passa- homem de 52 anos. portes, denota-se que a emigração fe- A média de idade dos emigrados para minina é uma realidade neste período. os EUA é de 26,6 anos. De 1911 a 1920 partiram do Corvo Verifica-se o grande peso dos soltei- nove mulheres solteiras, com idades ros, incluindo as mulheres, na emi- compreendidas entre os 18 e 43 anos, gração, com os casos particulares das 192 Boletim do Núcleo Cultural da Horta viúvas, que procuram o amparo fami- maior grupo de emigrantes, com um liar nas terras de receção. total de 80. Destes, trinta e cinco Ainda no que toca à emigração para eram homens, representando 42,2% os EUA, Luís Filipe Vieira Gomes do efetivo, dos quais vinte e um sol- apresenta-nos mais alguns dados teiros, nove casados e cinco viúvos. relativos à emigração de Corvinos Relativamente às mulheres, contabi- para a América, no período de 1890 lizam-se quarenta e oito, sendo qua- a 191375. Como já mencionámos, o renta solteiras, cinco casadas e três administrador do Concelho de Santa viúvas. Todas têm mais de 14 anos e Cruz das Flores tinha a faculdade de representam 57,8% do efetivo. Mais emissão de passaportes. Os concelhos uma vez, comprova-se que é o efe- vizinhos de Santa Cruz são os mais tivo feminino que ajuda a alimentar representados nas estatísticas, isto é, a corrente emigratória. No que con- Lajes das Flores e Corvo. Sendo este cerne às mulheres casadas e viúvas, último o que nos interessa apresentar. mantém-se a explicação da reunifi- Os corvinos representam o segundo cação familiar.

Conclusão

Este estudo sobre a emigração dos parcos recursos. A emigração surgia corvinos permitiu-nos conhecer, a como fuga a estas situações. partir da documentação oficial, esta Susana Goulart Costa afirma que realidade que pertence à história de «o fenómeno da emigração parece Portugal e dos Açores na qual os cor- fazer parte do código genético do vinos se inserem. Os motivos tinham açoriano»76. O contexto desta afir- que ver com as crises frumentárias, mação é o falar da emigração açoria- que se sucediam com alguma fre- na ao longo dos séculos, com fluxos quência, levando a fomes e doenças e destinos diferentes ao longo dos que afetavam as populações de mais tempos.

75 Vieira, Luís Filipe Nóia Gomes, Concelho Municipal de Santa Cruz das Flores e as de Santa Cruz das Flores (1890-1920) – Relações de embarque de passageiros do Entre a estagnação e o progresso. Ponta Governo Civil da Horta depositado na Delgada, Universidade dos Açores, Edição Biblioteca Pública e Arquivo Regional da fac-similada, 2012, pp. 164-166. Para a Horta João José da Graça. obtenção destes dados o autor consultou o 76 Costa, Susana Goulart, Açores: Nove Ilhas, livro de registo Causas e fins da emigração uma história. Angra do Heroísmo, Direcção 1896-1913 existente Arquivo da Câmara Regional da Cultura, 2008, p. 199. Hélio Nuno Santos Soares 193

As fontes deste trabalho foram os tância das redes familiares e de ami- Livros de Registo de Passaportes do zades que acolhiam, permitindo uma Governo Civil da Horta e Atas da melhor facilidade na circulação dos Câmara Municipal do Corvo. Pode- corvinos pelas diferentes áreas geo- mos afirmar que as fontes são parcas, gráficas. embora uma análise a alguma docu- O efetivo feminino alimenta a emi- mentação existente nos arquivos gração, mas não significa a diminui- Norte Americanos pudesse lançar luz ção da emigração jovem masculina, sobre este fenómeno, tentaremos per- porque estes tinham mais facilidade ceber a importância do fenómeno. em embarcar clandestinamente nos A atração que os EUA exerceram navios e baleeiras, porque a bordo sobre as gentes do corvo foi muito poderiam realizar as tarefas próprias. grande. Havendo uma percentagem Para as mulheres era dissuasoro significativa de corvinos que por esse receio de embarcar em navios em que país passaram. Contudo, no estado da a tripulação eram somente homens e nossa investigação, ainda não nos é onde o trabalho a realizar era árduo. possível determinar o número aproxi- A emigração significou a fuga a uma mado de corvinos que emigrou para vida árdua, em que somente se sobre- os EUA. A influência cultural e polí- vivia dia após dia. O sonho de uma tica foi significativa, que serviu de vida melhor alimentou muitas vidas, justificação, aquando da implantação fez que se arriscasse a vida em condi- da República, para aceitar o novo ções sub-humanas. regime: «à permanência mais ou Este estudo é a ponta de um novelo menos longa da quazi totalidade dos que quer ser desenrolado. A emigração habitantes desta ilha na grande repu- dos corvinos, com as suas caracterís- blica dos EUA do Norte»77. ticas próprias está por estudar. Sabe- Numa fase mais recuada os homens mos que é impossível conhecer muita emigram sozinhos nas baleeiras, de da informação devido à emigração forma a amealhar algum dinheiro, clandestina. Nos Estados Unidos da regressando ao fim de alguns anos. América poderíamos encontrar infor- Posteriormente emigram famílias in- mação preciosa que nos permitiria teiras, sem intenção de regresso. Os perceber o modo como os corvinos se que emigram solitariamente podiam integravam na comunidade lusa aí ou não regressar. É de frisar a impor- presente e esta na comunidade ameri- cana; perceber a importância das redes 77 Livro de Atas da Câmara Municipal do familiares e analisar o movimento de Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912, fl. 36, retorno à ilha e as diferentes vagas sessão de 21/6/1911. de emigração nos séculos xix e xx. 194 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Bibliografia

1. fontes Manuscritas 2. Estudos

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ANEXOS

Anexo I

Emissão de passaporte pelo Governo Civil da Horta

Passa- Estado Nome Ano Profissão Idade Destino Navio porte civil Joaquim Lourenço Pimentel 1896 362 casado agricultor 34 Rio de Janeiro Açor Roza de Jesus Coelho 1897 193 solteira doméstica 28 Chile Vega (Lisboa) João Jacintho de Fraga 1899 100 casado negociante 48 Rio de Janeiro Açor (Lisboa Francisca Jacinta de Fraga 1899 100 casada doméstica 31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria Jacintho de Fraga 1899 100 solteira 13 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) (?) Jacintho de Fraga 1899 100 solteira 7 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) João Jacintho de Fraga 1899 100 solteiro meses Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria Palmira dos Santos Jorge 1900 181 solteira doméstica 21 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) José Pedro Lourenço 1900 182 solteiro trabalhador 16 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Joaquim José das Pedras 1900 183 casado trabalhador 28 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria da Conceição (esposa) 1900 183 casada doméstica 22 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria das Pedras 1900 183 solteira 1 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)

Maria de Jesus Pimentel (irmã) 1900 183 casada 31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)

Alfredo (Pimentel) 1900 183 solteiro 7 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) João (Pimentel) 1900 183 solteiro 4 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Camillo Ignácio d’Avellar Junior 1900 253 casado proprietário 31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria da Encarnação Nunes (esposa) 1900 253 casada doméstica 41 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) José Avellar 1900 253 solteiro 11 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria Avellar 1900 253 solteiro 5 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Arthur 1900 253 solteiro 1 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) João Avellar 1900 253 solteiro meses Rio de Janeiro Açor (Lisboa) José Lourenço Nunes (cunhado) 1900 253 solteiro 38 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Izabel Jacinto de Fraga 1902 680 solteira doméstica 21 Rio de Janeiro Açor (Lisboa) Maria Margarida 1905 295 viúva doméstica 53 E.U.A. Funchal (S. Miguel) Manuel Lourenço Benedito 1906 298 casado trabalhador 63 E.U.A.. Manuel Ignácio Mendonça Junior 1910 244 casado proprietário 40 E.U.A. Madona Policena Lopes Mendonça (esposa) 1910 244 casada 34 E.U.A. Madona Roberto Mendonça 1910 244 solteiro 6 E.U.A. Madona Palmira Mendonça 1910 244 solteira 4 E.U.A. Madona Eluísa Mendonça 1910 244 solteira meses E.U.A. Madona Anna da Conceição 1910 508 viúva doméstica 55 E.U.A. S. Miguel (S. Miguel) João de Fraga da Silveira (filho) 1910 508 solteiro 12 E.U.A. S. Miguel (S. Miguel) Joaquim Caetano d’Anna 1911 235 casado proprietário 37 E.U.A. Funchal Anna Emília Alves (esposa) 1911 235 casada 33 E.U.A. Funchal Sem nome (filha do casal) 1911 235 solteira meses E.U.A. Funchal Maria Coelho (?) d’Anna 1911 305 solteira doméstica 29 E.U.A. Funchal Hélio Nuno Santos Soares 197

Passa- Estado Nome Ano Profissão Idade Destino Navio porte civil Manuel Pedro Nunes 1911 456 solteiro 9 Brazil Funchal Manuel Coelho Patrício 1911 458 casado trabalhador 65 E.U.A. Funchal Maria da Conceição Lopes Patrício 1911 458 casada 54 E.U.A. Funchal (esposa) Maria Lopes Patrício 1911 458 solteira 28 E.U.A. Funchal Aurora Lopes Patrício 1911 458 solteira 20 E.U.A. Funchal Vitória Lopes Patrício 1911 458 solteira 16 E.U.A. Funchal Alice Lopes Patrício 1911 458 solteira 13 E.U.A. Funchal Joaquim Rodrigues Marecheiro (?) 1911 468 solteiro trabalhador 32 E.U.A. Funchal Jacomo Valadão Baptista 1911 647 solteiro trabalhador 18 E.U.A. Germania Mariana Jacinta das Pedras 1912 17 solteira doméstica 18 E.U.A. Funchal Anna Júlia de Fraga 1912 170 solteira 25 E.U.A. Funchal José Lourenço Nunes 1912 175 casado carpinteiro 23 E.U.A. Funchal Manuel Jacintto de Fraga 1912 184 casado agricultor 33 E.U.A. Funchal Manuel Augusto Bicho 1912 205 casado trabalhador 32 E.U.A. Roma Rita Thomasia d’Avelar (esposa) 1912 205 casada 28 E.U.A. Roma Conceição Brísida 1912 381 solteira doméstica 20 E.U.A. Funchal Aurea Rita Esculástica 1912 448 solteira doméstica 21 E.U.A. Funchal João Caetano Vieira 1912 620 solteiro trabalhador 21 E.U.A. S. Miguel Maria Augusta Gomes 1913 206 casada doméstica 37 E.U.A. Funchal Firmina Gomes (filha) 1913 206 solteira 5 E.U.A. Funchal Victória Thomaz Eugenio 1914 230 casada doméstica 28 E.U.A. Funchal Carolina do Espírito Santo Patrício 1914 288 casada doméstica 27 E.U.A. Germania Anna Augusta Mendes 1915 251 solteira doméstica 30 E.U.A. Britania Conceição Fraga Santos 1916 327 solteira doméstica 23 E.U.A. Roma António Ângelo d’Avelar 1917 9 solteiro estudante 13 Chile Funchal António Lourenço Nunes 1920 42 solteiro trabalhador 16 Brazil Funchal Maria Helena Avelar 1920 894 solteira doméstica 20 E.U.A. San Miguel Emília Roza 1920 901 solteira doméstica 43 E.U.A. Roma Urbano Lourenço Valentim 1920 904 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma António Vicente Rocha 1920 918 solteiro agricultor 20 E.U.A. Roma José Valadão Pimentel 1920 937 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma António Valadão Batista 1920 949 solteiro agricultor 23 E.U.A. Roma Daniel Valadão Batista 1920 950 solteiro agricultor 20 E.U.A. Roma Agostinho de Fraga 1920 951 solteiro agricultor 24 E.U.A. Roma José de Fraga Alferes 1920 952 solteiro agricultor 21 E.U.A. Roma Camilo da Costa 1920 1000 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma Manuel Joaquim de Avelar Junior 1920 1012 casado agricultor 52 E.U.A. Roma Ana Rita da Silveira 1920 1114 viúva doméstica 66 E.U.A. Roma António Coelho Mendes 1920 1156 solteiro trabalhador E.U.A. Roma José Jacinto do Amaral 1920 1304 solteiro estudante 17 E.U.A. Britania Média de idades 17 198 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

2/1/1880 12/7/1881 Data de nascimento (1898-1915)

18 14 18 20 18 19 19 19 19 19 16 19 18 18 19 18 17 25 18 18 12, 11 e 5 12, 11 Idade dos orvo beneficiários C do

11/3/1899 28/8/1898 13/5/1899 11-08-1900 09-03-1901 25 de abril 1903 Sessão de Câmara 24 de maio 1902 18 de julho 1903 15 de Junho 1901 10 de agosto 1901 u n icipal 14 de março 1903, 14 de março 1903, 7 de fevereiro 1903 19 de outubro 1901 6 de setembro 1902 7 de dezembro 1901 28 de fevereiro 1903 28 de fevereiro 1903 21 de dezembro 1901 21 de dezembro 1901 16 de novembro 1901 15 de novembro 1902 15 de novembro 1902 15 de novembro 1902 13 de novembro 1902 M âmara C à José José José João João João

Manoel Manoel Manoel Manoel Manoel Camillo António António a própria a própria o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio Francisco Francisco três filhos Anexo II Beneficiário(s) Manuel, Maria e José dirigidos

Filiação Joaquim Pedro Nunes José Francisco Hilário Thomé do Nascimento Manoel Thomaz Eugénio Manoel Thomaz Eugénio Manoel Luiz André Junior Manoel Luiz Manoel Francisco Mendes Manoel Francisco Santos (marido) d e s n aturalização

d e

e didos P Requerente António Silva Manoel Hilário Luiz José d’Avelar João Jacinto de Fraga Manoel José de Souza Carlos Lourenço Jorge José Francisco Mendes Manoel Trindade Jacinto João Valadão do Rozario Valadão João Manoel Francisco Santos Francisco Coelho de Rita Mariana Jacinta Machado Francisca Jacinta de Fraga Manoel Luiz André Junior Manoel Luiz João Lourenço Innocencio Francisco Ignácio de Fraga Manoel Valentim Lourenço Thomaz Francisco Eugénio Joaquim Pedro Nunes junior Francisco Ignácio das Pedras Manoel Rodrigues Marcelino Francisco Jerónimo d’Avellar Manuel Baptista Lopes Senior Manoel Thomé do Nascimento Manoel Manoel Thomaz Eugénio Junior Manoel Manuel de Fraga Estácio Greves Hélio Nuno Santos Soares 199

Data de nascimento

17 18 17 18 20 26 18 21 18 18 18 23 18 18 17 16 18 20 18 26 18 Idade dos beneficiários 8 de abril 1905 6 de maio 1905 3 de junho 1905 3 de junho 1905 30 de abril 1904 22 de abril 1905 22 de abril 1905 21 de abril 1906 Sessão de Câmara 3 de março 1906 13 de maio 1905 29 de julho 1905 11 de junho 1904 11 19 de março 1904 19 de março 1904 19 de março 1904 24 de março 1906 26 de Março 1904 22 de agosto 1903 3 de outubro 1903 20 de agosto 1904 20 de agosto 1904 20 de agosto 1904 20 de agosto 1904 10 de outubro 1903 24 de outubro 1903 31 de outubro 1903 26 de setembro 1903 23 de setembro 1905 José José Filha Maria Maria Emília Manoel Manoel Manoel Manoel Manoel Manoel António António António António a própria a própria a própria a própria o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio Guilherme Beneficiário(s)

Filiação José Valladão Braz José Valladão Manoel José Furtado Manoel José de Souza José Valentim Lourenço Manoel Valladão Batista Manoel Valladão Manoel NunnesCannoca Manoel Thomaz d’Avellar Manoel Avellar Thomaz d’ Francisco Ignácio das Pedras Francisco Ignácio das Pedras Manoel Rodrigues Marcelino Manoel Rodrigues Domingos Manoel Nunes Carroça junior António Lourenço Jorge Junior António Lourenço Jorge

Requerente Emília Jorge José Furtado Cecília Thomazia Cecília (do Adro e viúva) (do Adro e viúva) (do 13 de maio 1905 José NunnesCannoca José de Fraga Estácio Manoel Valadão Braz Manoel Valadão Marianna Rosa Souza João Lourenço Brigida João Lourenço Brigida João Lourenço Brigida Caetano José d’Avellar José Avellar Thomaz d’ João Coelho de Ângelo José Valentim Lourenço António Coelho Patrício Manoel Trindade Jacinto João Valadão do Rozario Valadão João Francisco do Nascimento Manoel Luiz André Junior Manoel Luiz Manoel Lourenço de Freitas Roza d’ Ascensão das Pedras Roza d’ Joaquim Lourenço de Freitas Mariana Ascensão das Pedras Mariana Manoel Nunnes Canoca Júnior Maria Margarida da Encarnação Maria Margarida da Encarnação Maria Margarida Manoel Valladão Baptista Junior Valladão Manoel 200 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1890 1892 1894 1894 1891 e 1894 e 1895 1903 e 1905 1889, 1890 e 1893 1898, 1902 e 1907 Data de nascimento

18 16 16 18 17 17 17 18 15 21 18 18 17 15 14 14 17 Idade dos beneficiários 2 de junho 1906 9 de junho 1906 9 de junho 1906 4 de junho 1908 Sessão de Câmara 11 de maio 1907 11 19 de maio 1906 30 de maio 1908 21 de julho 1906 4 de agosto 1906 1 de agosto 1908 14 de Julho 1906 25 de Julho 1908 25 de Julho 1908 25 de Julho 1908 25 de Julho 1908 25 de Julho 1908 25 de Julho 1908 23 de junho 1906 23 de junho 1906 30 de junho 1906 30 de junho 1906 28 de março 1908 28 de março 1908 28 de março 1908 28 de março 1908 25 de agosto 1906 17 de novembro 1906 José José José José José José João João João Jacinta Manoel Caetano António António o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio o próprio Francisco António e José António e João Beneficiário(s) Germano e Pedro José, João, e António José, João, e António, Pedro e Gregório

Filiação António Caetano José Valladão Braz José Valladão João Valladão Braz João Valladão João Coelho Vicente Manoel José Furtado Thomé do Nascimento Manoel Valladão Batista Manoel Valladão Manoel Valladão Baptista Manoel Valladão Manoel Rodrigues Domingos Manoel Rodrigues Domingos António Lourenço Jorge Junior António Lourenço Jorge

) sic Requerente José Caetano (do Adro e viúva) (do Adro e viúva) (do Ignácio André Luiz Severino Rodrigues António Pedro Alves Albano do Nacimento José Valladão Baptista José Valladão João Valladão Baptista João Valladão Braz Valladão do Rego Valladão Braz Manoel Severino Jorge João Coelho de Angelo João Coelho de António Pimentel Cepo António Coelho Patrício José Jerónymo d’Avellar Manoel Pedro Felicidade Francisco Coelho de Rita Francisco Coelho d’Angelo Manoel José Furtado Junior Manoel Lourenço de Freitas Francisco Coelho Arião ( Francisco Coelho Francisco Ignácio das Pedras Francisco Ignácio das Pedras Francisco Mendonça Machado Maria Margarida da Encarnação Maria Margarida da Encarnação Maria Margarida Anna de Jesus Escolástica (viúva) Aurora de Jesus Escolástica (viúva) Izabel Agueda da Encarnação (viúva) Izabel Hélio Nuno Santos Soares 201

1899 1904 1902 1903 1903 1903 1901 1898 e 1900 1897 e 1904 1895, 1896 e 1901 1891, 1903 e 1894 1901, 1902 e 1904 1899, 1902 e 1904 1897, 1900 e 1903 Data de nascimento 1894, 1898, 1905, 1906 1896, 1897, 1900 e 1907 1896, 1898, 1903 e 1906 1899, 1900, 1905, 1906, 1908 1891, 1900, 1904, 1905 e 1907 1892, 1896, 1901, 1903 e 1905 1894, 1896, 1898, 1899 e 1905 1892, 1894, 1898, 1902, 1903 e 1905 9 4 6 5 5 18 10 13 Idade dos beneficiários 1 de abril 1914 1 de abril 1915 1 de julho 1911 1 de julho 1911 3 de Maio 1913 Sessão de Câmara 19 de maio 1913 12 de julho 1913 1 de agosto 1908 1 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 8 de agosto 1908 15 de agosto 1908 15 de agosto 1908 15 de agosto 1908 15 de agosto 1908 5 de setembro 1908 2 de novembro 1914 Justino Manoel Joaquim a própria o próprio o próprio o próprio o próprio Celestino e Joaquim Agostinho António e José José e Joaquim Beneficiário(s) Alfredo e António Camillo e Roberto António, João e José Manoel, Leonel e José Manoel, José e António Manoel, José e António e José Manoel, José, António, Jeronymo, António Avellar d’Aujola António, Pedro e Joaquim António d’Angelo d’Avellar José, António, Manoel e João José, José, Joaquim, António e João José, Joaquim, José, Ernesto, António, Camillo José, Ernesto, José, António, Manoel, Julio e Jayme José, José, Manoel, Ignacio, António e João, José, Manoel, Ignacio, José, António, Manoel, Joaquim e João José, João, António, José, Agostinho Manoel,

Filiação (marido) Manoel Tomaz Eugénio Manoel Tomaz Manoel Francisco Mendes Francisco Coelho d’Aujola Manoel Nunnes Canoca Junior João Lourenço Brígida (marido) Francisco Ignácio de Fraga Junior (casada) Requerente José d’Avellar Anacleto Ignácio Manoel d’ Aujola Manoel d’ José Lourenço Jorge José de Fraga Estácio Guilherme Rodrigues Braz Jacinto de Fraga João Coelho de Fraga António José d’Rocha José Valladão do Rego Valladão José Manuel Nunes Canoca Manoel Pimentel Cepo António Pimentel Cepo Manoel de Fraga Nunes Manoel Coelho Mendes José Mendonça d’ Ignez José Mendonça d’ António Tomaz Eugénio António Tomaz António Nunnes Canoca José Francisco d’Avellar Manoel Ignácio de Fraga João Lourenço Saramago Joaquim Valladão d’Anna Joaquim Valladão Manoel Joaquim d’ Avellar Manoel Joaquim d’ Manuel António Manuel Fernandes Anna da Conceição de Fraga Joaquim Lourenço de Freitas Manoel Francisco Mendes Junior Maria Margarida da Encarnação (viúva) da Encarnação Maria Margarida 202 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Anexo III

Transcrição de Representação à Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa sobre a emigração e o serviço militar

Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v e ss, sessão de 29/5/1905

Senhores Deputados da Nação Portuguesa. Se no seio da Representação Nacional unicamente houvesse de ser ouvida a voz dos sábios, dos ricos e dos poderosos, tornava-se inútil erra representação, pois no antigo systema também aquelles eram atendidos. Havei pois por bem Senhores! Conceder um momento de atenção á mais humilde das corporações municipais de todo o Reino, que, apezar da usa humildade, deseja também, fazer ouvir seus clamores, no concerto de voses que sobre o assumpto se vos devem ter dirigido. Senhores! Pelas mui dignas Vereações das Camaras dos Concelhos das Velas e Calheta na ilha de S. Jorge, foi solicitada a atenção desta municipalidade para um assumpto d’esta importância, não só Açoriano mas até mesmo Nacional; a emigração com suas couzas e seus efeitos. Ora é enegável que a emigração Açoreana é excessiva, e é igualmente inegável que, apezar de todos os meios até agora empregados para a reprimir, ella recrudesse e augmenta cada vez mais. Não há, nem haverá nunca policia suficiente nem com bastante vigi- lância, para obstar á emigração clandestina, porque como muito bem diz a Dignissima Municipalidade Velense, cada pedra das nossas costas é um caes d’embarque a facilitar esta emigração. Mas Senhores! mesmo que por este lado fosse possível tolher a emigração, outra porta se lhe abre e franqueria, e esta sem encomodo ou risco de espécie alguma. Consiste isso pura e simples- mente, na renuncia dos foros de cidadão portuguez, a troco d’uma naturali- zação estrangeira; e ahi está tudo conseguido. Até não há muito anos, mesmo que algum dos nossos compatriotas, se natu- ralizasse cidadão dos Estados Unidos d’América para onde se dirige a maior força da corrente da nossa emigração, era levado a isso por conveniência do paiz da residência, e, no regresso á pátria, sem já se lembrava dessa phase da sua vida. Entrava na terra natal, como verdadeiro filho d’ella, não quando até que se soubesse, que, mesmo por justas conveniências, havia fingido esque- cella. Hoje porem sucede inteiramente ao contrário. Quasi não regressa aos Hélio Nuno Santos Soares 203 lares pátrios um único Açoreano, que não venha engalanado com as estrella da União, e protegido pelas azas da Aguia de seus sellos. Para termos disso a certeza é bastante contemplal-as no acto de desembarque, e ver que, em quanto o braço esquerdo sustenta o classico grosso sobretudo, o direito ostenta na mão altiva, a carta de naturalização, que para muitos é synonimo de não poder ser perseguido por motivos de serviço militar, a que não satisfizeram, e para todos é um meios de exentar desse serviço seus filhos, nascidos ou nascituros, e fazel-os sair d’estas plagas (sic) sempre que o desejem e queiram; e até de raim (sic) com eles, sem mesmo se ver forçados aos encommados (sic) de passaporte. A emigração dos filhos dos Açores para os Estados Unidos da América, e ali naturalizados Cidadãos dquelle paiz, torna pois inútil toda a repressão de emigração, torna igualmente errisorio o vigor das leis militares, despovoa estas ilhas, e prepara-nos num futuro talvez não muito remoto a anexação do archipellago, á bandeira estrelada; facto que dificilmente se poderá evitar: quando todos ou quazi todos os habitantes d’estas ilhas forem súbditos dos Estados Unidos da América. E isto, Senhores! levará tanto menos tempo, quanto não só os repatriados voltem cidadãos Americanos, mas até muitos outros vão aos Estados Unidos, só co o fim de arranjar o tal pape- linho, que mais tarde lhes permite mandar para ali seus filhos, sem que as authoridades portuguezas quer administrativas, quer miliates, tenham nisso quesulerin. Adhere pois esta Municipalidade á representação que a Mui Digna Municipalidade de Velhensa faz subir ao seio da Representação Nacional e d’acordo com ella e com quantos relativamente ao assumpto, se fizeram ouvir perante os Dignos Representantes da Nação, vem rogar-lhes se sirvam modi- ficar a legislação actual, relativa a este assumpto, de modo e por forma que não seja coarctada a liberdade do cidadão portuguez. Que todo e qualquer portuguez, ou pelo menos Açoreano, possa sair da pátria quando assim lhe convier e voltar a ella quando assim lhe fizer conta, sem que tenham por isso de ser por qualquer forma perseguidos. Alevie-se para esse fim o tributo de sangue, já relativamente á forma porque deve ser satisfeito, já relativamente ao tempo da sua duração já relativamente ao preço da remissão, que deve ser baixada, e posta ao nível de todas as bolças. Senhores! Parecenos incontestável que modificado neste sentido a legislação actual, será muito e muita a emigração; porque o povo, eterna creança que teima em fazer o que lhe prohibem, deixará de encontrar no obstando e esti- mado a sahida dos lares pátrios. A felicidade de satisfazer ao tributo de sangue, e a modicidade (sic) do preço da remissão do serviço militar, acabará com a 204 Boletim do Núcleo Cultural da Horta emigração clandestina, cujos riscos já não convirá correr, e até acabará por seu turno com as naturalizações estrangeiras, pois não convirá perder os direitos de cidadão portuguez, só por motivo de evadir-se a um pequeno sacrifício. Muitos dos nossos irmãos que se conservam longe do torrão natal, não duvi- darão voltar a elle porque já não correm risco de ser perseguidos; e os que de futuro forem emigrando conservarão a esperança do regresso num futuro mais ou menos próximo. Assim se evitará a despovoação destas ilhas: o decresci- mento de suas industrias; o descultivo de suas oberrimos terrenos; cuja desva- lorização já muito e muito se nota; o empobrecimento geral de quantos aqui forem ficando; e mais que tudo a perda destas perdas Açoreanas que hoje ornamentam o Deadema Portuguez, e que estão em risco de, num futuro não muit remoto, ver hastear nos torreões das suas briosas fortalezas, em vez do Glorioso Pendão das Quinas, estandarte estrella riscado dos Estados Unidos d’América. Senhores! Os recursos jurídicos de scientificos dos humildes agricultores que compõe esta vereação, não lhes permitem explanar-se mais. Outras Munici- palidades, mais á altura do assumpto, pela sua ilustração e conhecimentos jurídicos, farão notar aos Dignos Deputados da nação Portugueza, o modo e a forma porque a respectiva legislação deverá ser modificada. Esta corpo- ração limita-se a reconhecer a justiça da Causa, e a chamar para ella a atenção da Representação Nacional. Em prova de suas asserções aduzirá o facto de n’este Concelho de apenas 760 almas, haver já na administração do Concelho o registo de 122 cidadãos Americanos, e que de 10 mancebos que teriam ser inscriptos no recenseamento militar do corrente anno, apenas se haveram apurado dois, um dos quais exempto por motivo d’estudos superiores; e isto porque todos os mais declararam em tempo perante esta Camara que seguiam a nacionalidade de seus pães. Já hoje se nota que neste Concelho, só é cidadão portuguez algum velho a quem a morte tardia vae deixando arrastar e alquebrado corpo pela superfí- cie da terra, e termos certeza de que, em breve não só para comporem todas as corporações atuaes, mas nem memso para a Junta de Parochia, quando todas as outras tenham sido suprimidas; se de prompto se não acudir com remedio eficaz a essa torrente de desnaturalização portugueza. Profundamente magrados pelos motivos que deixamos ponderados, não podem recusar-nos, apesar da nossa humildade, a unir nossa débil vos ao concerto do Municipios Açoreanos; e a reclamar dos Mui Dignos Representantes da Nação prompeto e eficaz remedio aos males que nos opprimem. Hélio Nuno Santos Soares 205

Anexo IV

Transcrição de Representação da Câmara do Corvo ao Ministro da Guerra sobre o serviço militar

Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912, fl. 10v e ss., sessão de 24/12/1010

Ex.mo Ministro da Guerra Tendo divulgado a imprensa que o Governo da república vai decretar acer- tada e justiceiramente o serviço militar individualmente obrigatório sem remissão ou substituição, não pouco tem preocupado tal notícia o pacato povo d’esteilheo do Corvo. Afastado do convívio social e reduzido exclusivamente ao amanho de suas terras e culturas de suas searas; teem uma repugnância, diremos melhor, teem um horror tal ao serviço militar, que, apesar da alegria com que receberam a noticia da Implantação da República e da confiança com que d’Esta esperamos benefícios que até hoje lhes teem negado os governantes transactos, quasi desfalhecem ao imaginar que seus filhos terão de ir aguardar em um quartel militar, o toque do clarim para marchar ás horrorosas inventualidades de uma guerra. Ora isto, Ex.mo Ministro, é uma consequência do desolador descuramento em que estava o povo, porque infe- lizmente não são só os corvinos que teem este horror á vida militar. O nosso povo é profundamente patriota mais por instincto e ativismo que por educação. Em vista pois, da consternação popular deste Concelho esta Comissão deli- berou vir secundar o alvitre da Illustre Comissão Municipal da Calheta de San Jorge pedindo respeitosamente que se estabeleça em cada Villa do Archi- pelago a primeira instrução militar pelo modo que melhor pareça ao Governo, de forma aos recrutas apenas terem que recolher alguns mezes á sede da Guar- nição para completar a aprendizagem que n’ellas se poder saber. Sendo assim, julga esta Comissão se obviaria eficazmente a assustadora corrente de emigração que agora ameaça engrossar mais, não se trariam tantos braços á industria e agricultura e evita-se-hia o anceio das famílias, porque seria não só um meio fácil d’insdustria os recrutas, mas ainda o que é d’um grande alcance, faz-se-hia a educação do povo.

Relevância das exportações de vinho do Pico na economia dos Açores nas duas primeiras décadas do século xix 1

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Costa, R. (2015), Relevância das exportações de vinho do Pico na economia dos Açores nas duas primeiras décadas do século XIX. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 207-261.

Sumário: Neste artigo, com base na informação colhida nos registos da Alfândega da Horta para o período abrangendo os anos de 1800-1820, pretende-se evidenciar a importância das exportações do vinho “verdelho” produzido na ilha do Pico e que através do porto da Horta se exportava principalmente para os países do Norte da Europa e para os Estados Unidos da América.

Costa, R. (2015), Relevance of the exports of Pico wine in the economy of the Azores in the first two decades of the nineteenth century. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 207-261.

Summary: This article, based on the information gathered in the records of Horta Customs for the period covering the years 1800-1820, is intended to highlight the importance of exports of the “verdelho” wine produced on the island of Pico and exported by the port of Horta, mainly to the countries of Northern Europe and to the United States.

Ricardo Manuel Madruga da Costa – Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar da Univer- sidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores.

Palavras-chave: Ilha do Pico, Porto da Horta, exportação de vinho “verdelho”.

Key-words: Pico Island, Horta Habor, “verdelho” wine exports.

1 Texto da comunicação apresentada no Seminário Vitivinicultura Atlântica. Construir o Futuro, realizado na Madalena da Ilha do Pico entre 9 e 12 de Junho de 2011, mantido inédito até à edição do presente boletim. 208 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Nota Prévia Em anexo à minha dissertação de lamento, mas apenas uma explicação doutoramento, posteriormente edita- para esta minha revisita às fontes que da, entendi transcrever na íntegra um deixei impressas, na tentativa de apreciável conjunto de documentos redescobrir pistas de análise que pos- relativos ao período sobre o qual sam revelar-se úteis. aquele trabalho incidiu. Transcrevi O que nos propomos nesta comuni- igualmente, embora com sistemati- cação é, para usar a linguagem dos zação adequada aos propósitos do debates levados a cabo nos órgãos estudo do comércio do arquipélago colegiais, passar da generalidade à entre 1800 e 1820, o essencial do especialidade. Neste período os Aço- conteúdo da totalidade dos despachos res mantinham activo comércio com alfandegários das ilhas de S. Miguel, a Inglaterra, sendo bem conhecido o Terceira e Faial, quer para a exporta- caso da comercialização da laranja de ção, quer para a importação. Sendo S. Miguel já ampla e competentemen- certo que estas fontes foram por mim te tratado nos trabalhos de Fátima aproveitadas em ampla medida, a Sequeira Dias. Todavia, para o con- verdade, porém, é que num acervo junto do arquipélago e no que toca documental tão extenso, resta sempre ao século xix, para além de genera- razoável margem para leituras alter- lidades para a formulação das quais nativas ou para novas interpretações. eu próprio dei contributo, não se A circunstância e a percepção de que conhece muito mais. Tentaremos, por a pesquisa feita me teriam permitido isso, trazer ao tema algumas achegas ir bem mais longe no detalhe das aprofundando um pouco a perspectiva análises, não me impediu de deixar de que os Açores, em tempo não aberta a possibilidade de outros apro- muito recuado, se situavam efectiva- veitarem a informação divulgada para mente nesse mundo vastíssimo das os fins que entendessem. Não obstante rotas oceânicas que ajudaram a tecer a partilha, a verdade é que, seja por uma verdadeira «civilização atlân- desinteresse seja porque o que se edita tica», conceito que muitos recusam nos Açores raramente circula para mas que me parece apropriadamente além do dia da apresentação pública expressivo. Nesta oportunidade, e à qual amigos e familiares compare- perante o estímulo que esta iniciativa cem, o certo é que, tanto quanto sei, a proporciona, aventuro-me de novo informação então divulgada continua pelas “rotas do Verdelho”, com o repousando ordeiramente à guarda objectivo de organizar e analisar zelosa do editor e jamais terá sido alguma informação que julgo interes- utilizada. O que fica dito não é um sante. Ricardo Manuel Madruga da Costa 209

Síntese dos dados da exportação do vinho “verdelho” do Pico

Nos Anexos I a VI a esta comunica- algumas informações que esclarecem ção, compilámos da informação que eventuais dúvidas. extraímos dos quadros que constam Para quem tiver curiosidade em con- da referida tese, os dados específicos sultar os anexos que temos vindo a relativos às exportações de vinho do referir, poderá surpreender-se com Pico entre 1800 e 1820 que, por falta alguma terminologia utilizada e que, de condições portuárias para o efeito na transcrição da documentação ma- nesta ilha, embarcava nos navios que nuscrita contida nos livros da Alfân- se acolhiam à baía da Horta com dega, se respeitou. Todavia, jamais destino a uma ampla diversidade de obtivemos explicação para alguns dos portos, como veremos2. termos diferenciadores adoptados, Os quadros dos referidos anexos a como pipas “da maior regulação”, este trabalho, foram organizados de pipas “da regulação”, pipas “da lava- acordo com uma grelha que permite gem” e, simplesmente, “pipas”, que conhecer as datas dos despachos alfan- surgem na documentação com fre- degários, os negociantes credencia- quência. Temos, naturalmente, uma dos junto da Alfândega, as quantida- interpretação. des de pipas, barricas e barris expor- Importa ainda ter em conta, para a tados, quer do chamado vinho “co- eventualidade de uma verificação, mum” quer do chamado “passado”, mesmo aleatória, dos valores dos o valor dos direitos alfandegários direitos cobrados pela alfândega por pagos, os portos de destino e o nome cada pipa de vinho exportado, que se e nacionalidade dos navios em que o verificam desvios aparentes. Porém, vinho embarcou. a base de cálculo para as exportações Antes de procedermos à análise de mais frequentes, as de vinho comum, alguns quadros construídos a partir é de 1$800 réis por pipa, correspon- destes seis anexos, interessa adiantar dendo, pelo menos até 1810, a 10% do valor do produto. Entretanto, este valor não impede que sobre as refe- 2 Cf. Apêndice 7, Quadros I a XXI das expor- ridas “pipas da maior regulação” tações da ilha do Faial entre 1800 e 1820, incida um valor um pouco superior, in Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os da ordem dos 2$000 réis por pipa, Açores em finais do regime de Capitania- elevando-se a qualquer coisa como Geral. 1800-1820, Horta, Núcleo Cultural da Horta; Câmara Municipal das Horta, 6$000 réis quando passamos a tratar 2005, pp. 133-174. de 1 pipa de vinho passado. 210 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A par destas variações, a leitura dos ses, são passíveis de “meios direitos”3. quadros oferece também aparentes A partir da leitura dos anexos, come- discrepâncias quanto a valores dos cemos por verificar, em função de direitos cobrados em função dos des- regiões nas quais se localizam os tinos. Em resultado do Tratado de portos de destino das exportações, a Amizade e Comércio celebrado com respectiva distribuição quantitativa. a Inglaterra, este valor eleva-se a 15%. A designação das regiões obedece, Deverá ainda notar-se que em obe- naturalmente, a um critério arbitrário diência ao Decreto de 25 de Novem- e que visa uma maior comodidade na bro de 1783, as exportações de vinho sistematização. Tendo em conta o seu para a Inglaterra, Irlanda, Rússia e significado, separámos os portos da Estados Unidos, em navios portugue- Rússia dos restantes portos do Báltico.

Quadro I

Exportações de vinho do Pico por áreas de exportação entre 1800-1820

Vinho comum Vinho passado Áreas de exportação Pipas Barricas Barris Pipas Barricas Barris Inglaterra e colónias 29.419 1.376 497 — — — E.U.A. 8.424 34 64 12 1 — Rússia 4.868 139 105 43 — 14 Báltico 3.085 11 14 3 — 2 Outros Europa 284 — — 1 — 1 Outros diversos 621 3 — — 2 13 Totais 46.701 1.563 680 59 3 30

Fonte: Anexos I a VI.

3 O quadro acima evidencia os valores das Antilhas e, ainda, a Índia. Seguem- brutos das exportações no período de -se, a distância considerável, os por- tempo considerado e da sua leitura tos dos Estados Unidos da América e, resulta que o destino mais significa- com valores ainda menos significa- tivo é o grupo de portos de destino tivos, os portos da Rússia. O Báltico que engloba a Inglaterra, incluindo as ilhas do Canal, bem como as colónias 3 Id., pp. 135-136. Ricardo Manuel Madruga da Costa 211 ainda ocupa uma posição com alguma quatidades exportados e para simpli- expressão, e os restantes portos com ficação dos cálculos, reduzimos as exportações, apresentam valores resi- barricas e os barris a pipas, tendo em duais. Voltaremos a esta distribuição conta que uma barrica equivale a ½ com considerações de outra natureza. pipa e que um barril equivale a ¼ de No quadro seguinte, para sublinhar de pipa. Igualmente para simplificação forma mais clara a expressão destas consideraremos o total das expor- exportações, determinamos os valo- tações do vinho comum e do vinho res percentuais em termos agregados. passado, não obstante a disparidade Para calcularmos a percentagem das dos seus valores.

Quadro II

Repartição percentual por áreas de exportação entre 1800-1820

Áreas de exportação Pipas Percentagem Inglaterra e colónias 30.231 63,4% Estados Unidos da América 8.469 17,7% Rússia 5.010 10,5% Báltico 3.096 6,5% Outros Europa 285 0,6% Outros Diversos 624 1,3% Totais 47.715 100,0%

Fonte: Anexos I a VI.

Observados os valores em percen- sia – com desafasamentos temporais tagem, confirma-se a leitura acima, observáveis nos anexos – absorvem verificando-se que a Iglaterra e as suas a quase totalidade das exportações de colónias, recebem uma parte muito “verdelho”, com mais de 90%. expressiva do vinho exportado, com Passando a uma apreciação mais indi- mais de 63%, com diferenças acen- vidualizada dos destinos das expor- tuadas para os restantes destinos em tações, por portos de destino e sem que nenhum conjunto de portos chega qualquer avaliação quanto aos que a atingir os 20% das exportações. Em maior relevância tem em cada área de termos gerais, podemos considerar exportação, temos no quadro seguinte que a Inglaterra, a América e a Rús- uma listagem elucidativa. 212 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Quadro III

Portos de destino por áreas de exportaçãoentre 1800-1820

Inglaterra Outros Outros EUA Rússia Báltico e colónias Europa diversos Londres New York Riga Copenhage Tenerife Costa d’África Halifax Charlestown S. Petersburg Hamburgo Havre de Grace BuenosAires Liverpool Boston Arcangel Bremen Amsterdam Macau Portsmouth Baltimore Estocolmo Nápoles Batavia Plymouth Philadelphia Falmouth Nantucket Bath Salem Greenock Newbury Cork Port Dublin Richmond Gibraltar Wilmington Guernesey Jersey New Orleans Terra Nova Savana St. Johns Quebec Nova Escócia Bermuda Martinica Jamaica Barbados Antigua Tobago e Trinidad Santa Lúcia e S. Vicente Dominica Suriname Maurícias St. Eustacio Madrasta Calcuta

Fonte: Anexos I a VI. Ricardo Manuel Madruga da Costa 213

No quadro que se apresenta a seguir No que respeita aos nacionais, em ca- agrupámos, segundo o mesmo crité- sos de grande dispersão de despachos rio de áreas de exportação, listagens ou em situações de intervenção pou- dos exportadores, mais exactamente co frequente ou de fraca expressão das firmas, negociantes, produtores quanto aos número de pipas exporta- e indivíduos que compareciam ou se das, não individualizámos os nomes faziam representar a despacho na Al- dos exportadores, agregando-os sob a fândega da Horta. designação de “diversos”.

Quadro IV

Exportadores de vinho do Pico entre 1800-1820

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros INGLATERRA Diversos Scott Idle de Sobradello E COLÓNIAS Domingos de Sousa Thomas Parkin Cap. Mateus Pereira António Graham Mateus Pereira Machado Hasse Daniel Thomas Curry Safrg-Mor Estolano Oliveira Thomas Reay Inácio Soares de Sousa Thomas Reay & C.ia Francisco Pays Mendonça & C.º Giovani Galfetti Jerónimo Sebastião Brum da Silveira Domingos Knoth Vicente Manuel Rouçado John Grayson Guilherme Greaves Thomas Hayes Floriano José João Bass Dabney José Francisco Terra Brum Carlos Guilherme Dabney Sérgio Pereira Ribeiro Diogo Searle João Sebastião Correia Diogo Searle & C.ia José Curry da Câmara Cabral Guilherme Grant João Lourenço de Sousa João Guilherme Sergeant Jorge Botelho João Carley Mateus Pereira do Amaral André Francisco Goulart José Francisco de Medeiros Tomás Joaquim de Castro Raulino Pereira Galvão Joaquim António da Silveira José Maciel de Bettencourt José Severino de Avelar ESTADOS UNIDOS Diversos Thomaz Parkin DA AMÉRICA Sérgio Pereira Ribeiro António Graham Sérgio Pereira Ribeiro & Filho Domingos Knoth 214 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros ESTADOS UNIDOS João Street d’Arriaga João Bass Dabney DA AMÉRICA João Street Francisco António de António Telles e Lacerda Sobradello Estacio Machado Dutra Teles Daniel Thomas Curry Guilherme Greaves Thomas Reay & C.ia Francisco Pereira Ribeiro Newman Curry & C.ia João Garcia do Rosário José Francisco da Terra Brum João Lourenço Dias João Inácio Guterres José de Macedo Tomás Joaquim de Castro António de Oliveira Pereira Diogo de Oliveira José Bittencourt de Vasconcelos José Francsco Ferreira Francisco da Silva Ribeiro Teotónio Veríssimo de Mendonça João Bernardino de Sousa Machado Estolano Oliveira Jorge Botelho Manuel Inácio Coelho João Inácio de Sousa António Silveira Avelar Manuel Vieira Maciel André Francisco Goulart RÚSSIA Diversos António Graham João Inácio Guterres Domingos Knoth António Oliveira Pereira Thomas Reay & C.ia Francisco Lopes Diogo Searle & C.ia João Inácio de Sousa João Carley Sérgio Pereira Ribeiro & Filho António Sebastião Correia & C.ia Tomas Luís da Silveira José Francisco da Terra Brum João Lourenço de Sousa Joaquim de Paula Medeiros (de S. Miguel) Manuel Gonçalves Maurício José Furtado Francisco da Silva Ribeiro Jorge da Cunha Ricardo Manuel Madruga da Costa 215

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros RÚSSIA Francisco Cristiano da Silveira Baptista Francisco António Pereira Madruga José Teles Machado José Severino de Avelar Luís Peixoto André Lourenço de Sousa João Rodrigues da Silva (de Lisboa) Manuel Inácio Coelho João Lourenço Tanger José Curry da Câmara Cabral André António Avelino Diogo Gonçalves BÁLTICO Diversos Thomas Parkin João Cristiano Domingos Knoth Sérgio Pereira Ribeiro Domingos Knoth & C.ia Mateus Pereira Machado Diogo Searle & C.ia António Sebastião Correia & C.ia João Bass Dabney Joaquim da Costa Daniel Thomas Curry Teotónio Veríssimo Rafael Pereira António Francisco de Medeiros Gonçalo Rodrigues Palhinha Manuel Sousa Rodrigues João Aurélio Ramos João Goualberte João Severino de Avelar Francisco da Terra Brum José Manuel Bittancourt OUTROS EUROPEUS João Street Diogo Searle & C.ia Francisco Pays de Mendonça e Comp.ª Domingos Knoth Faustino José Thomas Parkin José Telles Machado Josewé Teixeira Bettencouirt Sérgio Pereira Ribeiro & Filho José Teixeira Manuel de Bettencourt OUTROS DIVERSOS Diversos Thomas Parkin António Sebastião Correia & C.ia Daniel Thomas Curry Diogo Searle & C.ia João Carley

Fonte: Anexos I a VI. 216 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A informação do quadro que acima mos, em próximos quadros, que assim se elaborou não é particularmente teria de suceder de modo a explicar a interessante do ponto de vista das con- sua preponderância no mercado. clusões que permite. Apenas subli- No que respeita aos exportadores nharemos que na listagem dos nomes estrangeiros, destacaríamos a presen- de portugueses envolvidos na expor- ça dos Dabney – o 1.º Cônsul Ameri- tação de vinho, e para quem esteja cano dos EUA nos Açores, John Bass familiarizado com a sociedade local Dabney, assumiu o cargo em 1806 no período a que respeitam as expor- fixando-se na Horta – e chamamos a tações, a par de alguns nomes de me- atenção para um apreciável número nor relevância social, encontramos, de nomes de origem anglo-saxónica, não só firmas de negociantes abasta- facto que é, em boa parte, explicável dos da praça faialense, mas também pelo contexto político da época que gente ligada às elites da governança determinou que o porto da Horta e detentores das mais importantes registasse um inusitado volume de vinhas da ilha do Pico, actuando navegação. Citemos as lutas Napo- algumas vezes como negociantes. leónicas implicando a transferência O confronto deste quadro com a lista da corte portuguesa para o Brasil em de produtores do concelho da Mada- 1808, de que resultou uma valori- lena no ano de 1809, que publicámos zação da escala açoriana nos fluxos em 2004, permite, a este propósito, de navegação entre o Brasil e a Ingla- retirar conclusões que comprovam terra; o conflito entre a Inglaterra e os o que afirmamos4. Muitos destes Estados Unidos que deu lugar a uma produtores, porventura os mais im- sucessão de restrições decretadas portantes, venderiam as colheitas a pelos americanos com o objectivo de estrangeiros certamente dispondo de prejudicar os interesses britânicos e capital e mais aptos para intervir no que deram oportunidade a que a ilha mercado pela eventual facilidade no do Faial fosse transformada em escala contacto com agentes ou firmas nas de baldeação de mercadorias entre os praças para onde exportavam. Vere- Estados Unidos e a Inglaterra, envol- vendo centenas de navios e, por fim, 4 Cf. Ricardo Manuel Madruga da Costa, a abertura dos portos do Brasil decre- “Uma perspectiva da Vitivinicultura na tada pelo Regente D. João logo após Ilha do Pico nas duas primeiras décadas a sua chegada ao Brasil5. do Século XIX”, in O Faial e a periferia açoriana nos séculos XV a XX (Actas de III Colóquio), Horta, Núcleo Cultural da Horta, 5 Sobre esta conjuntura, ver Ricardo Manuel 2004, pp. 109-133. Madruga da Costa, “Faial 1808-1810. Um Ricardo Manuel Madruga da Costa 217

Passamos a apresentar um quadro, desta feita em função dos valores dos observando sempre o critério das direitos arrecadados pela Alfândega áreas de destino das exportações, da Horta.

Quadro V

Valor dos direitos cobrados pela alfândega da Horta sobre as exportações de vinho do Pico entre 1800-1820

% em função Direitos pagos % em função Áreas de exportação do n.º de pipas (réis) dos direitos Inglaterra e colónias 63,4% 58:180$060 68,9% Estados Unidos 17,7% 13:659$135 16,2% Rússia 10,5% 6:745$909 8,0% Báltico 6,5% 3:971$652 4,7% Outros Europa 0,6% 642$800 0,8% Outros Diversos 1,3% 1:215$040 1,4% Totais 100,0% 84:405$596 100,0 %

Fonte: Anexos I a VI.

O quadro, ao nível das receitas arre- dados que o quadro mostra, o cálculo cadadas pela Alfândega, evidencia efectuado vai ser-nos útil para deter- um valor significativo. Se admitirmos minar de forma mais simples e, de uma média anual da ordem dos 4 con- algum modo, mais exacta, a propor- tos de réis quanto aos direitos cobra- ção do envolvimento de nacionais e dos, significa que estamos a falar de estrangeiros na exportação. Para esse valores médios anuais de exportação fim vamos utilizar os valores dos di- da ordem dos 40 contos de réis, uma reitos entrados na Alfândega os quais, cifra muito considerável para a época. expressos em percentagem, como se Para além do interesse directo dos deduz do quadro, não coincidem exac- tamente com as percentagens calcu- tempo memorável”, in Boletim do Núcleo ladas em função do número de pipas Cultural da Horta, Horta, 1993-95, Vol. XI, embarcadas. O facto deve-se à diver- pp. 129-276. Id., “As invasões Francesas e sidade do tipo de pipas já referido, a transferência da coroa portuguesa para o bem como à exportação de algumas Brasil. Algumas repercussões nos Açores”, in Arquipélago-História, 2.ª Série, Ponta quantidades de vinho “passado” com Delgada, Universidade dos Açores, III, 1999, maior valor comercial e, por conse- pp. 275-324. quência, pagando direitos superiores. 218 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Quadro VI

Distribuição dos valores da exportação de vinho por nacionais e estrangeiros entre 1800-1820

Direitos pagos Direitos pagos Áreas de exportação % % por nacionais por estrangeiros Inglaterra e colónias 13:032$560 22,4 45:147$500 77,6 Estados Unidos América 3:977$305 29,1 9:672$830 70,9 Rússia 5:188$359 76,9 1:557$550 23,1 Báltico 2:760$260 69,5 1:211$392 30,5 Outros Europa 360$600 56,1 282$200 43,9 Outros Diversos 963$240 79,3 251$800 20,7 Totais 26:282$324 58:123$272

Fonte: Anexos I a VI.

O quadro anterior mostra que na área de forma significativa, predominando de destino do grosso das exportações os negociantes nacionais. Obviamen- de “verdelho”, com mais de 60% das te, os volumes de exportação em jogo, pipas de vinho exportadas, ou seja distanciam-se de forma incomparável para a Inglaterra e suas colónias, com daqueles que respeitam à Inglaterra e destaque para as West Indies, os nego- Estados Unidos. Quando avaliamos ciantes estrangeiros detêm uma quota separadamente os totais dos valores superior a 77% do valor exportado. dos direitos pagos pelos negociantes Num cálculo com base na totalidade nacionais e pelos estrangeiros, temos do vinho embarcado para todos os percentagens globais de 31,1% e de destinos nas duas décadas considera- 68,9%, respectivamente. das, a sua participação atinge os 53%. Os quadros dos anexos permitiriam A situação relativamente aos Estados uma análise mais detalhada sobre Unidos da América, embora num uma variedade de aspectos, porém plano de grandeza muito menor, ex- do ponto de vista desta comunicação prime-se por percentagens próximas, apenas daremos algumas notas sobre ou seja, os negociantes estrangeiros dois dos negociantes envolvidos, dado exportam mais de 70% do vinho tratar-se de casos particulares. para aquele destino. No que respeita Como revelam os quadros dos anexos, à Rússia, portos do Báltico, Europa, na primeira década do século xix e África e Oriente, a situação altera-se no que respeita à exportação para as Ricardo Manuel Madruga da Costa 219

Antilhas, sobressai o nome de uma a interessá-lo. Porém, devido prova- casa comercial: Scott Idle de Sobra- velmente ao seu enriquecimento pos- dello. Trata-se de uma firma inglesa sibilitado pela conjuntura que pre- que se fixou no Faial já a findar o cede a Guerra de 1812 e a que já nos século xviii, com o propósito de nego- referimos, John Bass Dabney, quando ciar em vinhos e que mantinha um a guerra termina em 1814, surge no contrato com o governo inglês para negócio da exportação de vinho “ver- abastecer as tropas acantonadas nas delho” disputando posição cimeira. Antilhas6. Por morte do representante Entre 1815 e 1820 é responsável por da firma no Faial em 1811, Francisco embarques dignos de nota como se António de Sobradello, cessam esses deduz do volume dos direitos pagos fornecimentos e surgem diversos ne- nesta meia dúzia de anos, atingindo gociantes, portugueses e estrangeiros, os 2:817$200 réis com as exportações a assegurar exportações para os mes- para portos ingleses e mais de 3 con- mos destinos. O mais importante será tos de réis para portos americanos. António Sebastião Correia. Lamentavelmente não possuímos Quanto à firma Scott Idle de Sobra- informação alfandegária após 1820, dello, entre 1800 e 1810, num cálculo mas é minha convicção que esta acti- baseado no pagamento dos direitos vidade vai tornar-se num dos negó- pagos pela exportação para a Ingla- cios importantes da futura Casa terra e West Indies, coube-lhe 81,5% Dabney & Sons. Sinal claro deste dos direitos. Um quase monopólio interesse será, na minha leitura, a neste ramo de negócio. frequente importação de umas deze- Um outro nome que importa referir é nas de pipas de aguardente francesa, o de John Bass Dabney. quantidades que não parece destina- Estabelece-se no Faial em 1806 e não rem-se a consumo corrente nas vul- é visível, tanto quanto os registos da gares tabernas, sabendo-se, além do Alfândega permitem constatar, activi- mais, que os Dabney estabeleceram dade comercial significativa até cerca armazéns para vinhos na Horta, pro- de 1814. Afigura-se-nos que nesta fase da sua actividade, seria essen- movendo aqui o seu enriquecimento cialmente o agenciamento de navios com aguardente francesa associando ao processo a estufagem. Recorde-se que John Bass Dabney antes de vir 6 Cf. Ricardo Manuel Madruga da Costa, s.v. “Scott Idle de Sobradello”, in Enciclopédia para o Faial tentara a sua sorte em Açoriana, http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/ França, exactamente para se dedicar enciclopedia/index.aspx. ao comércio de vinho entre este país 220 Boletim do Núcleo Cultural da Horta e os Estados Unidos, visando igual- não eram propícias a negócios e mente assumir-se como armador. As depois do desaire deste projecto o condições da França revolucionária Faial surgiu como alternativa.

A relevância do vinho “verdelho” do Pico no quadro da economia açoriana

O levantamento do volume de pipas mação global à economia da vinha relativo à simples exportação de vinho e do vinho, avaliando produções, do Pico e para um período restrito de fluxos internos de comercialização duas décadas, não autorizaria gene- e volumes transformados em aguar- ralizações. Porém, o facto de não dente que era embarcada em abun- dispormos de séries estatísticas para dância para o Brasil. Cingir-nos-emos períodos mais alargados, não impede à exportação para o estrangeiro. que outra informação dispersa, no- Para que se faça uma ideia do quanto meadamente para épocas anteriores valia esta riqueza que brotava das áquela sobre a qual nos debruçámos, pedras negras da ilha do Pico, apenas autorize um juízo de valor quanto à nesta vertente, à escala do arquipé- importância que o “verdelho” tinha lago, importa considerar que nos Aço- na economia das ilhas. Com base nos res apenas um produto pode compe- dados de que dispomos, vamos pro- tir neste plano do comércio externo: ceder a um exercício que nos permite a laranja exportada do porto de Ponta chegar, de um modo fundamentado, a Delgada, quase exclusivamente com conclusões mais concretas quanto ao destino aos portos de Inglaterra. Tudo que esta actividade representaria na o mais, como alguma urzela que economia dos Açores numa perspec- ainda se embarcava sobretudo para tiva do comércio externo gerado nas Inglaterra, a laranja exportada pela ilhas. Terceira e também aquela que se Comecemos por sublinhar que a enviava, sobretudo para os EUA, pelo maior riqueza das ilhas, passado o porto da Horta, a que se somavam impropriamente chamado “ciclo do algumas reexportações e quantidades pastel”, reside ainda nos cereais. Mas insignificantes de produtos da terra, do que estamos a falar é de comér- pouca expressão tinha no comércio cio externo e os cereais circulavam, das ilhas. exclusivamente, entre os Açores e o Sobre a exportação dos citrinos pro- Reino. Também convém notar que duzidos na ilha de S. Miguel e sobre não pretendemos fazer uma aproxi- os gentlemen farmers já muito se Ricardo Manuel Madruga da Costa 221 escreveu, criando-se a ideia de que a dois quadros que nos ajudarão a fun- laranja micaelense teria feito a rique- damentar o que pretendemos. Um pri- za da ilha e dos seus morgados, a que meiro quadro permite obter uma visão se juntavam uns quantos negociantes global comparativa das receitas arre- vindos da terra de Sua Majestade cadadas pelas alfândegas de S. Miguel, Britânica. Direi, de passagem, que Terceira e Faial, a que se acrescenta não me parece que este fenómeno o cálculo, também comparativo, do de enriquecimento, por esta via, seja contributo em percentagem com que assim tão evidente. cada uma dessas três ilhas concorre Como base da análise reproduzimos para o conjunto dos direitos pagos.

Quadro VII

Comparação dos direitos de exportação cobrados em S. Miguel, Terceira e Faial entre 1800-1820

Valores Percentagem do total Anos S. Miguel Terceira Faial Total S. Miguel Terceira Faial 1800 681$400 — 5:874$970 6:556$370 10,4 — 89,6 1801 836$928 — 6:885$970 7:722$898 10,8 — 89,2 1802 1:792$366 — 1:751$735 3:544$101 50,6 — 49,4 1803 604$180 690$020 2:569$608 3:863$808 15,6 17,9 66,5 1804 2:297$972 465$000 2:814$902 5:577$874 41,2 8,3 50,5 1805 746$960 420$680 3:160$775 4:328$415 17,3 9,7 73,0 1806 1:826$990 308$870 1:636$980 3:772$840 48,4 8,2 43,4 1807 1:186$260 194$100 2:182$550 3:562$910 33,3 5,4 61,3 1808 2:475$381 729$708 2:419$135 5:624$224 44,0 13,0 43,0 1809 564$150 1:843$647 6:176$775 8:584$572 6,6 21,5 71,9 1810 1:644$790 918$600 7:030$922 9:594$312 17,1 9,6 73,3 1811 — 587$882 4:832$383 5:420$265 — 10,8 89,2 1812 2:509$390 283$540 1:613$900 4:406$830 56,9 6,4 36,7 1813 3:097$846 140$210 1:435$282 4:673$338 66,3 3,0 30,7 1814 2:108$060 60$050 6:247$425 8:415$535 25,0 0,7 74,3 1815 3:555$592 242$630 2:611$999 6:410$221 55,5 3,8 40,7 1816 2:245$115 283$910 5:444$208 7:973$233 28,2 3,6 68,2 1817 1:510$530 396$400 7:787$581 9:694$511 15,6 4,1 80,3 1818 1:490$726 316$396 5:240$425 7:047$547 21,2 4,5 74,3 1819 2:101$858 354$510 2:946$641 5:403$009 38,9 6,6 54,5 1820 1:807$600 370$140 7:279$383 9:457$123 19,1 3,9 77,0 Totais 35:084$094 8:606$293 87:943$549 131:633$936 26,6 6,5 66,9

Fonte: Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os Açores em finais do regime de Capitania-Geral. 1800-1820, Horta, Núcleo Cultural da Horta; Câmara Municipal das Horta, 2005, p. 339. 222 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Numa observação dos dados, po- seguinte estes dados ganham um sig- demos verificar que ao longo deste nificado mais compreensível. Aqui período a ilha do Faial ocupa, em limitamo-nos a um confronto a partir geral, uma posição preponderante. do peso relativo que os direitos pagos Para a totalidade do período, o valor em relação à exportação da laranja dos direitos pagos no Faial mais do em S.Miguel e os que se pagam no que duplica os que se pagam em S. Faial pela exportação do vinho do Miguel, sendo que, no conjunto das Pico, contra a totalidade dos valores três ilhas, a percentagem que cabe ao entrados nas duas alfândegas e que já Faial ronda os 67 %. Com o quadro se tinham apurado no quadro anterior.

Quadro VIII

Comparação percentual dos direitos das exportações de laranja de S. Miguel e do vinho do Pico S. Miguel Faial Anos Direitos % Laranja Direitos % Vinho 1800 681$400 100,0 5:874$970 99,9 1801 836$928 97,1 6:885$970 99,0 1802 1:792$366 99,5 1:751$735 96,9 1803 604$180 100,0 2:569$608 96,3 1804 2:297$972 54,5 2:814$902 95,8 1805 746$960 96,2 3:160$775 97,9 1806 1:826$990 98,0 1:636$980 95,1 1807 1:186$260 98,9 2:182$550 97,9 1808 2:475$381 86,9 2:419$135 89,9 1809 564$150 100,0 6:176$775 99,5 1810 1:644$790 100,0 7:030$922 90,3 1811 — — 4:832$383 97,6 1812 2:509$390 85,2 1:613$900 98,5 1813 3:097$846 86,3 1:435$282 99,6 1814 2:108$060 100,0 6:247$425 99,4 1815 3:555$592 77,9 2:611$999 91,8 1816 2:245$115 94,5 5:444$208 94,1 1817 1:510$530 94,3 7:787$581 96,4 1818 1:490$726 93,9 5:240$425 89,8 1819 2:101$858 97,9 2:946$641 81,4 1820 1:807$600 95,6 7:279$383 90,5

Fonte: Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os Açores em finais do regime de Capitania-Geral. 1800-1820, Horta, Núcleo Cultural da Horta; Câmara Municipal das Horta, 2005, p. 337. Ricardo Manuel Madruga da Costa 223

O que os quadros revelam é claro. ver com a ilha do Pico, respectiva- A predominância que se pode apreciar mente. no Quadro VII, no qual não se expli- Julgamos que a inquestionável pri- citava a natureza das mercadorias mazia do “verdelho” do Pico como o exportadas, tem a ver, como agora mais importante artigo de exportação fica evidenciado, com a dependência produzido nos Açores numa perspec- quase absoluta da laranja no caso de tiva do comércio externo insular, fica S. Miguel e do vinho, no que tem a demonstrada.

Conclusões

Quase se dispensariam. Apenas desta- O estudo assim fundamentado, não caremos algumas ideias relativamen- obstante as acentuadas variações te ao essencial deste trabalho. anuais verificadas e que se prendem Não obstante as referências dispersas com a irregularidade dos ciclos pro- nas obras que constituem o nosso dutivos, permite avaliar da dimensão acervo de fontes historiográficas, económica deste sector de actividade nomeadamente em Gaspar Frutuoso, e do que representava em termos de Luís Maldonado e António Cordeiro, rendas arrecadadas pela Fazenda Real, permitir deduzir que a vitivinicultura permitindo ainda caracterizar os flu- na ilha do Pico constituiria importante xos da exportação, bem como iden- actividade no quadro da economia tificar os intervenientes no processo açoriana, a verdade é que as fontes de comercialização e a sua relevân- que utilizamos na elaboração do pre- cia. Por fim, recorrendo a informação sente trabalho, a par dos volumes de adicional que trabalhámos à escala produção de vinho para igual período do arquipélago, o estudo permite afir- compilados a partir dos livros do mar, de forma solidamente fundamen- Subsídio Literário que igualmente tada, que a vitivinicultura picoense, tratámos na tese a que nos referimos observada à luz das exportações efec- na nota introdutória, representam a tuadas entre 1800 e 1820, constitui a informação quantitativa mais consis- mais importante riqueza dos Açores tente de que se dispõe até agora sobre quando avaliada no quadro do comér- a importância de que se revestia. cio externo aqui gerado.

ANEXOS

Ricardo Manuel Madruga da Costa 227

ANEXO I

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias 1800-1820

Exportações de vinho do pico para a inglaterra e colónias Ano de 1800

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 25 Fev Scott Idle de Sobradello 368 pipas, 43 barricas e 77 817$500 Martinica Galera ingl. Maria barris de “vinho da maior regulação” 30 Mai Diversos (portugueses) 54 pipas de vinho comum 99$000 Terra Nova Ber.m ingl. Abelha 21 Jun Scott Idle de Sobradello 390 pipas, 126 barricas 956$000 Martinica Ber.m ingl. Ceres e 80 barris de vinho da maior regulação 23 Jun Scott Idle de Sobradello 558 pipas, 183 barricas 1:335$000 Martinica Galera ingl. Traveller e 72 barris de vinho da maior regulação 22 Jul Scott Idle de Sobradello 496 pipas, 77 barricas e 10 1:074$000 Martinica Galera ingl. Granville barris de vinho comum da maior regulação 4 Set Domingos de Sousa 170 pipas de vinho comum 306$000 Quebec Ber.m ingl. Martinho 12 Set Diversos (portugueses) 89 pipas de vinho comum 160$200 Terra Nova Ber.m ingl. Izabel 12 Set Diversos (portugueses) 61 pipas de vinho comum 270$000 Terra Nova Esc. amer. Victoria 26 Nov Scott Idle de Sobradello 172 pipas, 48 barricas e 36 450$000 Jamaica Gal. Ingl. Maria barris de vinho comum da maior regulação 5:467$700

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1801 Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 17 Mar Scott Idle de Sobradello 493 pipas de vinho da 924$000 Martinica Galera ingl. Mercúrio maior regulação 20 Mai Thomas Parkin 815 pipas de vinho da 1:630$000 Martinica Galera ingl.Mercurio maior regulação 20 Mai Thomas Parkin 12 barricas de vinho da 12$000 Martinica Galera ingl. Carlota maior regulação 228 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 2 Jun Scott Idle de Sobradello 362 pipas de vinho comum 766$000 Martinica Galera ingl. Fantasia e 44 barricas de vinho da maior regulação 3 Jun Scott Idle de Sobradello 549 pipas de vinho da 1:098$000 Martinica Galera ingl. Fantasia maior regulação 3 Jun Scott Idle de Sobradello 32 barricas de vinho da 32$000 Martinica Galera ingl. Integridade maior regulação 19 Ago Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 West Indies Esc. a amer. Delnora 31 Ago Cap. Mateus Pereira 18 pipas de vinho comum 33$000 Martinica Esc. amer. Delnora Machado 10 Set Sarg. Mor Estulano Oliv.a 5 pipas de vinho comum 9$000 Nova Escócia Esc. ingl. [Desker] 10 Set Thomas Parkin 13 pipas de vinho comum 23$400 Nova Escócia Esc. ingl. [Descker] 25 Nov Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 Barbados Esc. amer. [?] 25 Nov Diversos (portugueses) 197 pipas de vinho comum 354$600 Guernesey Ber.m amer. Amatilde 25 Nov Scott Idle de Sobradello 228 pipas de vinho da 456$000 Jamaica Ber.m ingl. Emiralda maior regulação 5:356$000

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1802

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 3 Abr Mateus Pereira Machado 12 pipas de vinho comum 21$600 Terra Nova Esc. ing. Amigos 5 Mai Scott Idle de Sobradello 84 pipas de regulação de 777$200 Jamaica Galera ing. Montego vinho comum e 313 pipas Bay de vinho da maior regu- lação 29 Mai Domingos de Sousa 150 pipas de vinho comum 270$000 Madrasta Galera ingl. Cornualha 16 Jun Inácio Soares de Sousa 15 pipas de vinho comum 27$000 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope 19 Jun Estolano Inácio de Oliv.a 14 pipas de vinho comum 25$200 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope 21 Jun F.co Pays Mendonça & C.ª 9 pipas e meia de vinho 17$100 Nova Escócia Esc. Ingl. Antelope comum 23 Jun Thomas Parkin 13 pipas de vinho comum 23$400 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope 14 Jul F.co Pays Mendonça & C.ª 21 pipas e meia de vinho 37$800 Halifax Ber.m ingl. Venus comum 19 Jul Jerónimo Sebastião Brum 17 pipas e meia de vinho 30$600 Halifax Ber.m ingl. Vénus da Silveira comum 19 Jul Vicente Manuel Rouçado 17 pipas e meia de vinho 30$600 Halifax Ber.m ingl. Vénus comum 19 Jul Thomas Parkin 15 pipas de vinho comum 27$000 Halifax Ber.m ingl. Vénus 17 Ago Thomas Parkin 6 pipas e 3 barris de 4 por 12$150 Martinica Esc. ingl. Linner pipa de vinho comum 1:299$650 Ricardo Manuel Madruga da Costa 229

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1803

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 2 Abr Diversos (portugueses) 77 pipas de vinho comum 138$600 Halifax Ber.m ingl. Triton 2 Abr Thomas Parkin 35 pipas de vinho comum 63$000 Halifax Ber.m ingl. Triton 26 Abr Diversos (portugueses) 15 pipas de vinho comum 27$000 Terra Nova Esc. ingl. Squid 26 Abr António Graham 19 pipas de vinho comum 34$200 Terra Nova Esc. ingl. Squid 26 Abr Thomas Parkin 9 pipas de vinho comum 16$200 Terra Nova Esc. ingl. Squid 14 Jul Thomas Parkin 17 pipas de vinho comum 30$600 Nova Escócia Esc. ingl. Providencia 25 Ago Mateus Pereira Machado 20 pipas de vinho comum 36$000 Terra Nova Ber.m ing. Industria Aço [Hasse] 25 Ago António Graham 20 pipas de vinho comum 36$000 Terra Nova Ber.m ingl. Industria 25 Ago Thomas Parkin 12 pipas de vinho comum 21$600 Terra Nova Ber.m ingl. Industria 26 Ago Scott Idle de Sobradello 383 pipas de vinho comum 911$400 Antigua Galera ingl. Integridade da regulação desta ilha, 111 pipas de vinho comum de maior regulação desta ilha 27 Ago Diversos (portugueses) 14 pipas e ¾ de vinho 27$450 West Indies Esc. amer. João comum 27 Ago Thomas Parkin 28 pipas e meia 51$300 West Indies Esc. amer. João 5 Nov Scott Idle de Sobradello 386 pipas de vinho de 772$000 Antigua Berg.m ingl. Paxton maior regulação 2:165$350

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1804

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 14 Mar Guilherme Greaves 15 pipas de vinho comum 27$000 Barbados Galera ingl. Elisia da regulação 14 Mar Scott Idle de Sobradello 500 pipas de vinho de 1:000$000 Barbados Galera ingl. Elisia maior regulação 13 Abr Scott Idle de Sobradello 91 pipas de vinho de maior 468$200 Tobago Corveta ingl. Kingston regulação; 159 pipas de e Trinidad vinho comum da regulação 14 Mai Scott Idle de Sobradello 187 pipas de vinho e 1 bar- 375$000 Santa Lúcia Galera ingl. Williamson rica de vinho de maior e S. Vicente regulação 230 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Jul Diversos (portugueses) 49 pipas e meia de vinho 88$200 Terra Nova Ber.m ingl. Aventura comum

4 Jul Thomas Parkin 1 pipa e meia de vinho 2$700 Terra Nova Ber.m ingl. Aventura comum

16 Ago Diversos (portugueses) 19 pipas de vinho comum 34$200 Barbados Ber.m ingl. Towey

17 Ago Thomas Parkin 2 pipas de vinho comum 3$600 Barbados Ber.m ingl. Towey

17 Ago Francisco António 4 pipas de vinho comum 7$200 Barbados Ber.m ingl. Towey

20 Ago Guilherme Greaves 24 pipas de vinho comum 43$200 Quebec Ber.m ingl. Lilly

20 Ago Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 Quebec Ber.m ingl. Lilly

2:058$300

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1805

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 5 Abr António Graham 38 pipas e meia de vinho 69$300 Liverpool Ber.m ingl. Fénix comum

26 Jul Diversos (portugueses) 35 pipas e meia, 1 barril de 64$350 Barbados Chalupa amer. Polly vinho comum

1 Out Diversos (portugueses) 27 pipas de vinho 48$600 Terra Nova Galera ingl. Antelope comum

19 Out Scott Idle de Sobradello 441 pipas de maior regu- 920$000 Barbados Galera ingl. União lação; 40 barricas de maior regulação de vinho comum

26 Out Scott Idle de Sobradello 468 pipas de vinho comum 996$000 Barbados Galera ingl. Anna de maior regulação; 60 bar- ricas de vinho comum de maior regulação

11 Dez Scott Idle de Sobradello 363 pipas de maior regu- 746$000 Dominica [?] Bridge lação

2:844$250 Ricardo Manuel Madruga da Costa 231

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1806

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 18 Mar Scott Idle de Sobradello 355 pipas de vinho comum 783$800 [?] Ber.m ingl. Leviathan de maior regulação; 62 barricas de vinho comum da regulação; 40 barris de vinho comum de regulação 21 Abr Scott Idle de Sobradello 298 pipas de vinho comum 700$500 Barbados Galera ingl. Sibila de maior regulação; 20 pipas de vinho comum da regulação; 94 barricas de vinho comum de maior regulação; 5 barricas de vinho comum da regulação 21 Abr Floriano José 4 pipas de vinho comum 7$200 Barbados Galera ingl. Sibila 2 Set Daniel Thomas Curry 1 pipa de vinho comum 1$800 West Indies Brigue ingl. [?] 12 Set Thomas Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável 1:495$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1807

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 9 Fev Scott Idle de Sobradello 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Ber.m ingl. Minerva 1 [?] Scott Idle de Sobradello 40 pipas e meia de vinho 682$900 Barbados Galera ingl. Sibila comum; 305 pipas de vinho de maior regulação 10 jun Scott Idle de Sobradello 99 pipas de vinho comum 273$600 Tobago Ber.m ingl. Passeio da maior regulação; 42 pi- Dourado pas e 2 barricas de vinho comum da regulação 24 Jul Diversos (portugueses) 6 pipas de vinho comum 10$800 Nova Escócia Ber.m ingl. Tritão 24 Jul Daniel Thomas Curry 15 pipas de vinho comum 27$900 Halifax Ber.m ingl.Tritão 22 Jul Scott Idle de Sobradello 461 pipas e meia de vinho 923$000 Suriname Galera ingl. [?] comum da maior regulação 1:920$000 232 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1808

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 15 Mar Scott Idle de Sobradello 501 pipas de vinho comum 1:645$000 São Vicente Galera ingl. Izabel de maior regulação; 41 bar- ricas de vinho comum de maior regulação; 22 barris de vinho comum de maior regulação

1 Dez Scott Idle de Sobradello 209 pipas de vinho comum 430$000 Suriname Ber.m ingl. [?] de maior regulação; 12 bar- ricas de vinho comum de maior regulação

2:075$000

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1809

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Mai Scott Idle de Sobradello 531 pipas de vinho comum 1:100$000 Barbados Galera ingl. Cora de maior regulação; 48 bar- ricas de vinho comum de maior regulação

4 Mai Scott Idle de Sobradello 472 pipas de vinho comum 973$600 Barbados Galera ingl. Vestal de maior regulação; 20 bar- ricas de vinho comum de maior regulação; 496 pipas de vinho comum de maior regulação

26 Mai Scott Idle de Sobradello 496 pipas de vinho comum 997$400 Barbados Galera ingl. Clio de maior regulação; 2 pipas de regulação

26 Mai Scott Idle de Sobradello 310 pipas de vinho comum 648$700 Santa Luzia Ber.m ingl. Elizia de maior regulação; 26 bar- ricas de maior regulação; 3 barricas de regulação

12 Jun José Francisco Terra 19 pipas e meia de vinho 35$100 Gibraltar Escuna ingl. Marinheiro comum Ricardo Manuel Madruga da Costa 233

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 15 Jul Scott Idle de Sobradello 3 pipas de vinho de maior 13$200 Dublin Galera amer. Águia regulação; 4 pipas de vinho de regulação 12 Ago Sérgio Pereira Ribeiro 39 pipas de vinho comum 70$200 Quebec Ber.m ingl. Surrey 21 Out Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável 10 Nov Thomas Reay 313 pipas de vinho comum 563$400 Londres Ber. m ing. Guilherme 4:455$600

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1810

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 3 Fev Scott Idle de Sobradello 100 barricas de vinho co- 140$000 Trindade Ber.m ingl. Fama mum de maior regulação; 20 pipas de vinho comum de maior regulação 13 Fev Scott Idle de Sobradello 203 pipas de vinho de 406$000 West Indies Ber.m ing. Infatigável maior regulação 31 Mar Scott Idle de Sobradello 560 pipas de vinho comum 1:120$000 Martinica Galera ingl. Eleonor de maior regulação 2 Abr João Sebastião Correia 1 pipa e 2 barricas de vinho 3$600 Londres Ber.m ingl. Horion comum 17 Mai Giovani Galfetti 4 pipas de vinho comum 7$200 Londres Galera ing. Orlando 21 Mai Giovani Galfetti 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Galera ing. Orlando 30 Mai Scott Idle de Sobradello 62 pipas de vinho comum 749$000 Portsmouth Ber.m ingl. Aldernei de maior regulação; 25 barris de vinho comum de maior regulação 16 Jun De Subradello 120 barris de vinho comum 54$000 India 23 Jun Scott Idle de Sobradello 300 pipas de vinho comum 645$000 Trindade Ber.m ingl. Pallas de maior regulação; 25 pi- pas de regulação de vinho comum 21 Jul Thomas Reay & C.ia 520 pipas de vinho comum 936$000 Plymouth Galera ingl. James 24 Jul Scott Idle de Sobradello 150 pipas de vinho comum 270$000 Londres Galera port. Urania 20 Out Thomas Parkin 20 pipas de vinho 36$000 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável 29 Nov Domingos Knoth 60 pipas de vinho comum 108$000 Calecute Ber.m amer. [?] 4:476$600 234 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1811

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 3 Jan Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen 30 Jan Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen 5 Fev Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen 9 Fev Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho comum 36$000 Londres Ber.m ingl. Helen 10 Fev Thomas Reay & C.ia 50 pipas de vinho comum 90$000 Inglaterra Ber.m ingl. Industria 28 Fev Thomas Reay & C.ia 37 pipas de vinho comum 66$600 Londres Ber.m ingl. Industria 7 Mai Thomas Parkin 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria 8 Mai Thomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria 10 Mai Thomas Reay & C.ia 50 pipas de vinho comum 90$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria 11 Mai Thomas Reay & C.ia 30 pipas de vinho comum 54$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria 6 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Syrea 6 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Mentor 16 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Syrea 16 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Mentor 27 Jul Thomas Reay & C.ia 54 pipas de vinho comum 97$200 West Indies Galera ingl. Syrea 27 Jul Thomas Reay & C.ia 66 pipas de vinho comum 118$800 West Indies Galera ingl. Mentor 14 Dez Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho passado 200$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornelia 16 Dez Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho passado 200$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornelia 17 Dez João Sebastião Correia 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Esc. ingl. Izabel Cornélia 20 Dez Thomas Reay & C.ia 60 pipas de vinho comum 108$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornélia 3:546$400

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1812

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 3 Abr John Grayson 400 pipas de vinho comum 360$000 Londres Galera port. Urania 1 Jul Thomas Reay & C.ia 200 pipas de vinho comum 360$000 Bermuda Galera ingl. Phoenix 4 Jul Thomas Reay & C.ia 160 pipas de vinho comum 288$000 Londres Ber.m ingl. Jane 13 Jul Thomas Reay & C.ia 7 pipas de vinho comum 12$600 Londres Ber.m ingl. Jane 8 Ago Thomas Reay & C.ia 150 pipas de vinho 270$000 Londres Ber.m ingl. Britannia 13 Ago Thomas Reay & C.ia 150 pipas de vinho comum 270$000 Londres Ber.m ingl. Britannia 27 Ago Thomas Reay & C.ia 27 pipas de vinho comum 48$000 Londres Ber.m ingl. Britannia 1:608$600 Ricardo Manuel Madruga da Costa 235

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1813

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Mai João Grayson 698 pipas de vinho comum 1:256$400 Barbados Galera ingl. Caledonia da regulação 15 Out Thomas Hayes 1 pipa de vinho comum 2$700 Londres (via Caíque port. S.to Antó- S. Miguel) nio e Almas 1:259$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1814

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 27 Jun Thomas Reay & C.ia 165 pipas de vinho comum 297$000 Barbados Galera ingl. British Tar de regulação 27 Jun António Sebastião Cor- 646 pipas de vinho comum 1:762$800 Barbados Galera ingl. British Tar reia de regulação 27 Jun Diversos (portugueses) 2 pipas e meia de vinho 4$500 Barbados Galera ingl. British Tar comum 30 Abr António Sebastião Cor- 781 pipas de regulação de 1:405$800 Halifax Galera ingl. Oceano reia vinho comum 3:470$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1815

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 31 Jul Diversos (portugueses) 39 pipas de vinho comum 70$200 Bath Escuna amer. Azora 1 Ago Tomas Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Bath Escuna amer. Azora 2 Ago João B. Dabney 10 pipas e 12 meias pipas 28$800 Bath Escuna amer. Azora de vinho comum 4 Ago Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 Bath Escuna amer. Azora 25 Nov Thomas Parkin 50 pipas de vinho comum 90$000 Halifax Brigue ingl. [?] 230$400 236 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1816

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 14 Mar John B. Dabney 17 pipas de vinho comum 30$600 Bath Escuna amer. Despacho 20 Mar José Curry Câmara Cabral 18 pipas de vinho comum 33$300 Bath Escuna amer. Despacho 20 Mar Daniel Tomas Curry 8 pipas e meia de vinho 15$300 Bath Escuna amer. Despacho comum 20 Mar José Francisco Terra 17 pipas de vinho comum 31$050 Bath Escuna Despacho Brum 20 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 6 pipas e 1 quarto de vinho 11$150 Bath Escuna amer. Despacho comum 20 Mar Tomas Parkin 20 pipas de vinho comum 36$000 Bath Escuna amer. Despacho 7 Jun António Sebastião Correia 340 pipas de vinho comum 612$000 Jamaica Ber.m ingl. Irmãs 2 Jul João B. Dabney 260 pipas de vinho comum 468$000 Índia (qual- Galera amer. Frances quer porto) 2 Jul Sérgio Pereira Ribeiro 70 pipas de vinho comum 126$000 Índia (qual- Galera amer. Frances quer porto) 2 Jul João Lourenço de Sousa 70 pipas de vinho comum 126$000 Índia (qual- Galera amer. Francês quer porto) 2 Jul Francisco da Terra Brum 100 pipas d vinho comum 180$000 Índia (qual- Galera amer. Frances quer porto) 11 Jul Diogo Searle 8 pipas de vinho comum 14$400 Londres Esc. ingl. Antoinette 24 Jul Thomas Parkin 44 pipas de vinho comum 79$200 Nova Escócia Esc. ingl. Eliza 24 Jul Jorge Botelho 3 pipas de vinho comum 5$400 Nova Escócia Esc. ingl. Eliza 7 Set Mateus Pereira do Amaral 10 pipas e meia de vinho 18$900 Londres Ber.m ingl. Celina comum 7 Set António Sebastião Correia 332 pipas de vinho comum 597$600 Londres Ber.m ingl. Celina 2:384$900

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1817

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 15 Abr Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 54$000 Liverpool Ber.m ingl. Jane 15 Abr Guilherme Grant 1 pipa de vinho comum 1$800 Liverpool Ber.m ingl. Jane 15 Abr António Sebastião Correia 359 pipas e meia de vinho 647$100 Londres Ber.m ingl. Anna de regulação Ricardo Manuel Madruga da Costa 237

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 29 Abr Guilherme Grant 52 pipas de vinho comum 93$600 Quebec Galera ingl. Sufolk 29 Abr António Sebastião Correia 25 pipas de vinho comum 45$000 Quebec Galera ingl. Sufolk 30 Abr John B. Dabney 75 pipas de vinho comum 135$000 Bath Escuna amer. Experiment 19 Mai Domingos Knoth 46 pipas de vinho comum 82$800 Bath Brigue amer. Hope 19 Mai José Curry Câmara Cabral 15 pipas de vinho comum 27$000 Bath Brigue amer. Hope 30 Mai António Sebastião Correia 100 pipas de vinho comum 180$000 Ilhas Galera ingl. Sapho Maurícias 30 Mai José Curry Câmara Cabral 105 pipas de vinho comum 189$900 Ilhas Galera ingl. Sapho Maurícias 18 Ago António Sebastião Correia 300 pipas de vinho comum 540$000 Londres Ber.m ingl. Elizabeth 28 Ago António Sebastião Correia 412 pipas de vinho comum 741$600 [?] Ber.m ingl. Ernest 10 Set Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 [?] Ber.m ingl. James e Maria 12 Set Diogo Searle e C.ia 350 pipas de vinho comum 630$000 Calcutá Galera ingl. Caledonia 12 Nov António Sebastião Correia 165 pipas de vinho de 297$000 Londres Esc. ingl. Maria e Anna regulação 23 Dez Diogo Searle e C.ia 70 pipas de vinho comum 126$000 West Indies Esc. ingl. Waltham 23 Dez Jorge Botelho 2 pipas de vinho comum 3$600 West Indies Escuna ingl. Waltham 3:848$400

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1818

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 9 Jan Thomas Parkin 2 pipas de vinho comum 3$600 Jersey Ber.m ingl. Cora 15 Jan Domingos Knoth 90 pipas e 20 barricas de 180$000 Londres Esc. ingl. Carlos vinho comum 17 Jan Diogo Searle e C.ia 6 pipas e 1 barril de vinho 11$250 Londres Ber.m ingl. Queen comum 17 Jan João Inácio de Sousa ½ pipa de vinho comum $900 Londres Berg.m ingl. Queen 17 Jan António Sebastião Correia 101 pipas de vinho comum 181$800 Londres Berg. M ingl. Queen 16Mar João B. Dabney 400 pipas de vinho comum 720$000 India Galera amer. Frances 29 Abr Mateus Pereira Machado 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Esc. ingl. Prudência Hasse 9 Mai Diogo Searle e C.ia 69 pipas de vinho comum 124$200 Londres Esc. ingl. Dois Amigos 238 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 18 Mai Domingos Knoth 15 pipas e meia de vinho 27$900 Liverpool Esc. ingl. Fame comum 18 Mai Diogo Searle e C.ia 4 pipas de vinho comum 7$200 Liverpool Esc. ingl. Fame 18 Mai André Francisco Goulart 5 pipas e meia de vinho 9$900 Liverpool Esc. ingl. Fame comum 16 Jun António Sebastião Correia 260 pipas de vinho comum 468$000 [?] Ber.m ingl. Nile 30 Jun Diogo Searle e C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Londres Ber.m ingl. Expedição 30 Jun Daniel Thomas Curry 16 pipas e 16 barricas de 43$200 Londres Ber.m ingl. Expedição vinho comum 30 Jun Domingos Knoth 11 pipas de vinho comum 19$800 Londres Ber.m ingl. Expedição 30 Jun José Francisco de Medeiros 2 pipas de vinho comum 3$600 Londres Berg.m ingl. Expedição 30 Jun Guilherme [Beagle] 8 pipas de vinho comum 14$400 Londres Berg.m ingl. Expedição 20 Jul Thomas Parkin 14 barricas de vinho comum 12$600 Terra Nova Esc. ikngl. Nancy 17 Set Thomas Parkin 10 pipas de vinho comum 18$000 S. João Esc. ingl. Nancy do Banco 5 Dez Thomas Parkin 16 pipas de vinho comum 28$800 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly] 5 Dez Diogo Searle e C.ia 3 pipas de vinho comum 5$400 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly] 5 Dez John B. Dabney 18 pipas e 4 barricas de 36$000 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly] vinho comum 17 Dez António Sebastião Correia 190 pipas de vinho comum 342$000 Londres Berg.m ingl. Jane 18 Dez Diogo Searle e C.ia 4 barricas de vinho 3$600 Liverpool Esc. ingl. Prudência 18 Dez John B. Dabney 55 barricas de vinho 49$500 Liverpool Esc. ingl. Prudência 2:527$650

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1819

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 21 Jan Thomas Parkin 18 pipas de vinho comum 32$400 Greenock Esc. ingl. Nancy 18 Mar John B. Dabney 35 meias pipas de vinho 32$400 Irlanda Esc. ingl. Maria comum 26 Abr Diogo Searle e C.ia 140 pipas de vinho comum 252$000 Inglaterra Berg.m ingl. Isla 24 Mai António Sebastião Correia 204 pipas de vinho comum 357$200 Londres Berg.m ingl. Jane 28 Mai John B. Dabney 25 pipas e 14 barricas de 58$500 Londres Galera ingl. Victoria vinho comum Ricardo Manuel Madruga da Costa 239

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 5 Jun João Guilherme Sergeant 2 pipas de vinho comum 3$600 Cork Esc. ingl. Prudência 5 Jun João Carley 57 pipas de vinho comum 102$600 Cork Esc. ingl. Prudência 5 Jun Mateus Pereira Machado 2 pipas de vinho comum 3$600 Cork Esc. ingl. Prudência 7 Jul Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Jamaica Brigue ingl. Carlos 17 Jul Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 Gibraltar Ber.m amer. Independencia 17 Jul Thomas Parkin 16 pipas de vinho comum 28$800 Gibraltar Ber.m amer. Independencia 22 Jul Raulino Pereira Galvão 30 pipas de vinho comum 54$000 Luth Esc. ingl. Nancy 16 Ago Diogo Searle e C.ia 103 pipas de vinho comum 185$400 Londres Berg.m ingl. [?] 31 Ago John B. Dabney 37 pipas e 4 barricas de 70$200 Liverpool Esc. ingl. Prudência vinho comum 31 Ago João Carley 19 pipas de vinho comum 34$200 Liverpool Esc. ingl. Prudência 25 Set John B. Dabney 80 pipas de vinho comum 72$000 Falmouth Ber.m ingl. Helena 25 Set John B. Dabney 40 pipas de vinho comum 36$000 Gibraltar Chalupa ingl. Especulação 22 Nov Tomás Joaquim de Castro 60 pipas de vinho comum 108$000 Londres Chalupa ingl. Especulação 27 Nov Diversos (portugueses) 110 pipas de vinho comum 180$000 Dublin Galeota Han. Juffer 27 Nov Joaquim António da Silveira 46 pipas e 8 meias pipas 13$260 Cork Chalupa José de vinho comum 30 Nov João Carley 14 pipas de vinho comum 25$200 Liverpool Esc. ingl. Euterpe 30 Nov Diversos (portugueses) 5 pipas de vinho comum 9$000 Dublin Galeota Han. Juffer 1:726$760

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias Ano de 1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 5 Fev João Carley 10 pipas de vinho comum 18$000 Dublin Berg.m ingl. Helen 10 Mar António Sebastião Correia 360 pipas de vinho 720$000 Downs Berg.m ingl. Perseverança 10 Mar José Maciel de Bettencourt 80 pipas de vinho comum 144$000 Londres Ber.m ingl. Paquete de Londres 28 Mar Carlos Guilherme Dabney 160 pipas de vinho 320$000 Cork Esc. ingl. June 7 Abr António Sebastião Correia 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Unidade 14 Abr Diogo Searle e C.ia 140 pipas de vinho comum 280$000 Londres Esc. ingl. Zefir 9 Mai Thomas Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Terra Nova Berg.m ingl. [?] 240 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 10 Mai João Carley 60 pipas de vinho comum 120$000 Irlanda Chalupa ingl. Eliza 16 Mai Daniel Thomas Curry 23 pipas de vinho comum 41$400 Cork Chalupa ingl. Joseph 5 Jun João B. Dabney 136 pipas de vinho comum 244$800 Bath Brigue escuna amer. Pilgrim 7 Jun Thomas Parkin 14 barricas e 4 barris de 16$000 Terra Nova Esc. ingl. Mercúrio vinho comum 8 Jun João Carley 34 pipas de vinho comum 61$200 Halifax Esc. ingl. Luís 17 Jun José Severino de Avelar 5 pipas de vinho comum 10$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem 17 Jun Sérgio Pereira Ribeiro 2 pipas de vinho comum 4$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem 13 Jul Diogo Searle e C.ia 66 pipas e meia de vinho 133$000 Londres Esc. ingl. Hera comum 13 Jul Mateus Pereira do Amaral 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Hera 19 Jul John B. Dabney 10 pipas de vinho comum 20$000 Irlanda Chalupa ingl. Joseph 24 Jul Thomas Parkin 22 pipas de vinho 44$000 Terra Nova Escuna ingl. Nancy 31 Jul Thomas Parkin 22 pipas de vinho comum 44$000 Londres Galera ingl. Sara 8 Ago Thomas Parkin 16 pipas, 10 barricas e 6 47$400 Halifax Esc. ingl. Mariana barris de vinho comum 8 Ago Carlos Guilherme Dabney 35 pipas e 97 barricas de 167$000 Liverpool Esc. ingl. Maria vinho comum 30 Ago Diogo Searle e C.ia 75 pipas de vinho 150$000 Londres Esc. ingl. Unidade 31 Ago José Severino de Avelar 15 pipas de vinho comum 30$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem 7 Set John B. Dabney 50 pipas de vinho comum 100$000 Santo Ber.m amer. Bolton Eustácio 15 Set John B. Dabney 35 pipas de vinho comum 70$000 Bath Brigue escuna Pilgrim 27 Set Diogo Searle e C.ia 75 pipas de vinho comum 150$000 West Indies Chalupa ingl. Liberdade 28 Set John B. Dabney 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Maria 30 Set Raulino Pereira Galvão 38 pipas e 47 barricas de 123$000 Luth Esc. ingl. Marta vinho comum 2 Out John B. Dabney 38 pipas de vinho comum 76$000 Liverpool Chalupa ingl. Oceano 3 Out João Carley 20 pipas de vinho comum 40$000 Liverpool Chalupa ingl. Oceano 27 Out João Carley 20 pipas de vinho comum 41$800 Halifax Esc. ingl. Carlton 2 Nov João Carley 20 pipas de vinho comum 41$800 Liverpool [?] Euterpe 15 Nov Carlos Guilherme Dabney 90 pipas de vinho comum 180$000 Barbados Esc. ingl. Maria 30 Dez Diogo Searle e C.ia 90 pipas de vinho comum 180$000 Barbados Chalupa ingl. Liberdade 3:955$200 Ricardo Manuel Madruga da Costa 241

ANEXO II

Exportações de vinho do Pico para os EUA 1800-1820

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1800

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 20 Jan Diversos (portugueses) 108 pipas e meia, 7 bar- 214$670 New York Esc. Ingl. Arleen ricas e 10 barris de vinho comum 9 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 80 pipas de vinho comum 14$000 Charleston Galera amer. Elizia 23 Set Sérgio Pereira Ribeiro 113 pipas de vinho comum 203$400 Boston Escuna amer. Nancy 432$070

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1801

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 6 Mar Diversos (portugueses) 108 pipas de vinho comum 194$400 Baltimore Berg.m ingl. 6 Mar Thomas Parkin 72 pipas de vinho comum 129$600 Baltimore Berg.m ingl. Trio 23 Mai Diversos (portugueses) 50 pipas e meia, 1 barril de 91$350 New York Galera amer. Ranger vinho comum 23 Mai Thomas Parkin 24 pipas de vinho comum 44$100 New York Galera amer. Ranger 19 Jun João Street d’Arriaga 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Ber.m amer. Comercio 20 Jun João Street d’Arriaga 6 barris de vinho comum 2$700 New York Ber.m amer. Comercio 20 Jun António Telles e Lacerda 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Ber.m amer. Comercio 4 Jul António Telles e Lacerda 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Ber.m amer. Olimpus 825$750 242 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1802

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 20 Fev João Street 27 pipas de vinho comum 48$600 Boston Ber.m amer. Alligator 10 Mai João Street d’Arriaga 6 pipas de vinho comum 10$800 New York Escuna amer. Lively 15 Mai Diversos (portugueses) 53 pipas, 3 barris de vinho 96$300 Filadélfia Ber.m amer. Esperança comum 10 Jun João Street d’Arriaga 99 pipas e meia de vinho 179$100 Nantucket Chalupa amer. Hancok comum 21 Ago Thomas Parkin 4 pipas de vinho comum 6$200 Boston Escuna amer. João 341$000

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1803

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 5 Mai António Graham 19 pipas de vinho comum 34$200 New York Escuna amer. Polly 5 Mai Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 New York Escuna amer. Polly 5 Ago João Street d’Arriaga 39 pipas, 1 barrica e 2 bar- 72$000 Boston Esc. Amer. Columbia ris de vinho comum 26 Ago Diversos (portugueses) 60 pipas de vinho comum 108$000 Nantucket Chalupa amer. Juliana 26 Ago Thomas Parkin 14 pipas de vinho comum 25$200 Nantucket Chalupa amer. Juliana 279$000

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1804

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 16 Ago José Francisco da Terra 28 pipas de vinho comum 50$400 Salem Ber.m amer. Sukey 16 Ago José Francisco Terra 4 pipas de vinho comum 7$200 Salem Escuna amer. João 20 Ago António Graham 47 pipas e meia de vinho 85$500 Salem Escuna amer. João comum 22 Ago Estacio Machado Dutra 1 pipa de vinho comum 1$800 Salem Escuna amer. João Telles 9 Out Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas de vinho comum 9$000 New York Escuna amer. Jorge Ricardo Manuel Madruga da Costa 243

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 7 Nov Diversos (portugueses) 80 pipas e meia de vinho 144$900 Salem Ber.m amer. Morning Star comum 10 Nov João Street d’Arriaga 43 pipas de vinho comum 17$400 Filadélfia Ber.m amer. Esperança 10 Nov Sérgio Pereira Ribeiro 14 pipas de vinho comum 25$200 Filadélfia Ber.m amer. Esperança 15 Dez António Graham 17 pipas e meia de vinho 31$500 New York Galera amer. Pastora comum 15 Dez Mateus Machado Hasse 11 pipas e 3 barris de 21$150 New York Galera amer. Pastora vinho comum 15 Dez Sérgio Pereira Ribeiro 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Galera amer. Pastora 430$050

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1805

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 7 Jan Diversos (portugueses) 95 pipas de vinho comum; 117$750 Charleston Ber.m port. União 1 pipa e meia de vinho passado 29 Jan Diversos (portugueses) 14 pipas e meia de vinho 18$650 Charleston Ber.m port. União comum; 1 barrica de vinho passado 5 Abr António Graham 34 pipas de vinho comum 61$200 Salem Escuna amer. João 9 Abr João Street 55 pipas de vinho comum 106$200 Salem Escuna amer. João 25 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas e meia de vinho 10$450 Newbury Port Ber.m amer. Anna comum; 1 barril de vinho comum 314$250

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1806

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 31 Jan Guilherme Greaves 10 pipas de vinho comum 18$000 Boston Ber.m amer. Betsy 5 Mar Francisco Pereira Ribeiro 1 pipa de vinho comum 1$800 [Boston] Escuna amer. Betsy 12 Set Tomás Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Esc. Amer. Guilherme 14 Out Domingos Knox 22 pipas de vinho comum 39$600 Boston Esc. Amer. Guilerme 51$200 244 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1807

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 20 Abr Domingos Knox 41 pipas e meia de vinho 74$700 Boston Escuna amer. Pequena comum Maria 20 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 3 pipas de vinho comum 5$400 Boston Escuna amer. Pequena Maria 20 Ago Domingos Knoth 74 pipas de vinho comum 133$200 Nantucket Chalupa amer. Anna 22 Set João B. Dabney 22 pipas de vinho comum 37$800 Boston Esc. Amer. Thomas Jefferson 251$100

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1808

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 9 Mar Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Mount Hope 28 Abr Domingos Knoth 11 pipas de vinho comum 19$800 Boston Ber.m amer. Jackson 55$800

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1809

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 23 Mar Diversos (portugueses) 192 pipas de vinho comum 176$675 Charleston Ber.m port. Activo 29 Abr João Garcia do Rosário 27 pipas de vinho comum 48$600 Nantucket Ber.m amer. Águia 20 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 90 pipas de vinho comum 162$000 New York Galera amer. Liberdade 20 Mai João Garcia do Rosário 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Galera amer. Liberdade 25 Mai José Francisco da Terra 8 pipas de vinho comum 14$400 Nantucket Ber.m amer. Polly Brum 25 Mai João Garcia do Rosário 10 pipas de vinho comum 18$000 Nantucket Ber.m amer. Polly 26 Mai João Lourenço Dias 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos 29 Mai João Inácio Guterres 50 pipas de vinho comum 90$000 Nantucket Ber.m amer. Montezuma 29 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 1 pipa de vinho comum 1$800 Nantucket Ber.m amer. Montezuma Ricardo Manuel Madruga da Costa 245

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 31 Mai José Francisco da Terra 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos Brum 31 Mai Tomás Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos 5 Jun José de Macedo 2 ppas de vinho comum 3$600 Boston Escuna amer. Saturno 7 Jun Sérgio Pereira Ribeiro 30 pipas de vinho comum 54$000 Filadélfia Galera amer. Belveder 10 Jun Domingos Knoth 23 pipas de vinho comum; 40$000 Boston Escuna amer. Saturno 5 pipas de vinho passado em ancorotes 10 Jun Tomás Parkin 4 pipas de vinho comum 7$200 Boston Escuna amer. Saturno 10 Jun Francisco António de Su- 1 pipa de vinho comum 1$800 Filadélfia Galera amer. Minerva bradello 24 Out Daniel Thomas Curry 12 barricas de vinho comum 17$100 Boston Ber.m amer. Joanna 3 Nov. Domingos Knoth 141 pipas de vinho comum; 297$600 Boston Ber.m amer. Joanna 8 barricas de vinho comum; 28 barris de vinho comum; 4 pipas de vinho passado 7 Dez João Street d’Arriaga 37 pipas de vinho comum 66$600 Filadélfia Escuna amer. Anna Elizia 7 Dez Tomas Parkin 42 pipas de vinho comum 75$600 Filadélfia Escuna amer. Anna Elizia 19 Dez Domingos Knoth 160 pipas de vinho comum 288$000 Boston Ber.m amer. Polly 1:560$975

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1810

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 15 Jan Domingos Knoth 123 pipas de vinho comum 221$400 Boston Ber.m amer. Polly 18 Jan Tomás Joaquim de Castro 7 pipas de vinho comum 12$600 New York Galera amer. Boreal 26 Jan António Oliveira Pereira 54 pipas de vinho comum 97$200 Charleston Galera amer. Juni 30 Jan Diogo de Oliveira 1 pipa de vinho comum 1$800 Richmond Escuna amer. Scuder 10 Fev António Oliveira Pereira 24 pipas de vinho comum 43$200 Boston Chalupa amer. James 13 Fev António Oliveira Pereira 18 pipas de vinho comum 32$400 Boston Chalupa amer. James 16 Fev José Bittancourt e Vas- 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Galera amer. Criterion concelos 19 Fev José Francisco Ferreira 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Chalupa amer. James 246 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 6 Abr Tomas Reay 36 pipas e meia de vinho 65$000 New York Galera amer. Columbia comum 7 Abr Francisco da Silva Ribeiro 1 pipa de vinho passado 6$000 New York Galera amer. Columbia 10 Abr Guilherme Greaves 3 pipas de vinho comum 5$400 New York Galera amer. Columbia 14 Mai Teotónio Veríssimo de 16 pipas de vinho comum 28$800 Boston Ber.m amer. Joanna Mendonça 24 Jul Tomas Reay & C.ia 120 pipas de vinho comum 216$000 New York Escuna amer. Laura 16 Ago Tomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Boston Escuna amer. James 16 Ago Sérgio Pereira Ribeiro 2 barricas de vinho comum 1$800 Boston Ber.m Rosário 17 Ago José Bittancourt de Vas- 53 pipas de vinho comum 95$400 New York Escuna amer. [?] concelos 5 Set Tomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Nantucket Chalupa amer. Regulator 5 Set Tomas Parkin 24 pipas de vinho comum 43$200 Nantucket Chalupa amer. Regulator 10 Set Domingos Knoth 100 pipas de vinho comum 180$000 Boston Ber.m amer. Joanna 10 Set Domingos Knoth 65 pipas de vinho comum 117$000 Boston Escuna amer. Sally 10 Set Tomas Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Boston Escuna amer. Sally 10 Set Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Escuna amer. Sally 12 Set José Bernardino de Sousa 2 pipas de vinho comum; 9$600 Boston Ber.m amer. Elena Machado 1 pipa de vinho passado 13 Set Guilherme Greaves 3 pipas de vinho comum 5$400 Boston Escuna amer. Sally 14 Set Diversos (portugueses) 34 pipas de vinho comum 60$800 Boston Berg.m esp. Elena 14 Set Tomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Ber.m esp. Elena 15 Set Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 Boston Ber.m esp Elena 15 Set Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Escuna amer. Sally 15 Set Diversos (portugueses) 5 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m esp. Elena 23 Out Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Resolução 23 Out João Baptista Dabney 5 pipas de vinho comum 9$000 Boston Escuna amer. Resolução 20 Nov Tomas Reay & C.ia 95 pipas de vinho comum 153$000 New York Escuna amer. Três Irmãos 24 Nov Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Escuna amer. Três Irmãos 28 Nov Newman Curry & C.ia 1 pipa de vinho comum 1$800 New York Escuna amer. Três Irmãos 27 Nov Tomas Reay & C.ia 15 pipas de vinho comum 27$000 New York Escuna amer. Três Irmãos 27 Nov Manuel Inácio Coelho 1 pipa de vinho comum 1$800 New York Escuna amer. Três Irmãos 1:894$600 Ricardo Manuel Madruga da Costa 247

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1811

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 22 Fev Domingos Knoth 170 pipas de vinho comum 288$000 Boston Ber.m amer. Jane 21 Mar Domingos Knoth 130 pipas de vinho comum 234$000 Nantucket Escuna amer. Akros 11 Mai Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Escuna amer. Samuel 17 Jun Tomas Parkin 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Combine 5 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho comum 72$000 Boston Ber.m amer. Jane 5 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho 72$000 Charleston Escuna amer. George 16 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho 72$900 Boston Ber.m amer. Jane 7 Ago Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Ber.m amer. Argo 7 Ago Tomas Parkin 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Ber.m amer. Argo 28 Set Domingos Knoth 50 pipas de vinho comum 90$000 New York Galera amer. Huron 3 Out Tomas Reay & C.ia 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Galera amer. Huron 7 Out Jorge Botelho 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Galera amer. Huron 21 Out Domingos Knoth 40 pipas de vinho comum 72$000 New York Escuna amer. Liberdade 29 Out Domingos Knoth 10 pipas de vinho comum 18$000 New York Escuna amer. Liberdade 1:170$900

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1812

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 21 Jan Domingos Knoth 26 pipas, 4 barricas e 8 54$000 Wilmington Ber.m amer. Jane barris de vinho comum 23 Jan José Francisco Terra 7 pipas de vinho comum 13$500 Wilmington Ber.m amer. Jane 18 Fev Guilherme Greaves 6 pipas de vinho comum 10$800 Boston Ber.m amer. Soberbo 27 Mai Estolano Oliveira 10 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m port. D. Maria Teresa 27 Mai Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 27$000 Boston Ber.m port. D. Maria Teresa 15 Set Estolano Oliveira 26 pipas e meia de vinho 23$850 Norfolk Escuna port. Notícia comum Feliz 17 Out António de Oliveira 2 pipas de vinho comum 1$800 EUA Escuna port. D. Teresa Pereira do Carmo 139$950 248 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1813

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 10 Jul Ségio Pereira Ribeiro 674 pipas de vinho comum 66$600 Boston Galera port. Flor do Mar & Filho 66$600

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1815

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 9 Mar Daniel Tomas Curry 29 pipas de vinho comum 52$200 Salem Escuna amer. Despacho 12 Mai José Francisco Terra 2 pipas de vinho comum 3$600 Salem Escuna Despacho 4 Jul João B. Dabney 117 pipas de vinho comum 210$600 Boston Escuna amer. Patriota 18 Ago João B. Dabney 38 pipas de vinho comum 68$400 Boston Ber.m amer. General Washington 21 Ago João B. Dabney 1 pipa e 2 barris de vinho 2$700 [?] Galera amer. Phobe comum (na pesca da baleia) 22 Ago João Inácio de Sousa 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Ber.m amer. Francisca e Anna 11 Set João Baptista Dabney 22 pipas e meia de vinho 40$500 Salem Galera amer. Jason comum 25 Set João Baptista Dabney 9 pipas de vinho comum 16$200 Nantucket Ber.m amer. General Washington 12 Out João Baptista Dabney 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Escuna amer. Despacho 16 Out Tomas Joaquim de Castro 27 pipas de vinho comum 48$600 New York Escuna amer. Despacho 18 Out Daniel Tomas Curry 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Escuna amer. Despacho 21 Out João B. Dabney 50 pipas de vinho comum 90$000 New York Escuna amer. Despacho 31 Out Tomas Parkin 50 pipas de vinho comum 90$000 Boston Brigue amer. Midas 11 Nov Teotónipo Verissimo de 12 pipas de vinho comum 21$600 Boston Brigue amer. Midas Mendonça 15 Nov João Baptista Dabney 13 pipas de vinho comum 23$400 Boston Brigue amer. Midas 15 Nov Daniel Tomas Curry 5 pipas de vinho comum 7$000 Boston Ber.m amer. Midas 894$400 Ricardo Manuel Madruga da Costa 249

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1816

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Jan Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 New York Escuna amer. Saly 5 Jan Diogo Searle 70 pipas de vinho comum 126$000 New York Escuna amer. Saly 5 Jan Tomas Parkin 32 pipas de vinho comum 57$600 New York Escuna amer. Saly 13 Jan Diogo Searle 22 pipas de vinho comum 38$700 New York Escuna amer. Saly 24 Jan João B. Dabney 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Escuna amer. Betsy 27 Jan Diogo Searle 63 pipas de vinho comum 121$980 Boston Escuna amer. Betsy 17 Abr John B. Dabney 32 pipas de vinho comum 57$600 Boston Ber.m amer. General Washington 18 Abr Domingos Knoth 6 pipas de vinho comum 10$800 Boston Ber.m amer. General Washigton 15 Mai John B. Dabney 26 pipas de vinho comum 46$800 Nantucket Brigue amer. Eagle 15 Mai Diogo Searle 5 barris de vinho comum 2$250 Nantucket Brigue amer. Eagle 27 Mai John B. Dabney 32 pipas de vinho comum 57$600 Boston Escuna amer. Combine 30 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas e ¾ de vinho 10$350 Boston Escuna amer. Combine comum 31 Mai John B. Dabney 45 pipas de vinho comum 81$000 Boston Escuna amer. Combine 31 Mai Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 50$850 Boston Escuna amer. Combine 10 Ago Diogo Searle 170 pipas de vinho comum 306$000 Filadélfia Ber.m amer. Mariner 12 Nov Diogo Searle 18 pipas de vinho comum 32$400 Boston Ber.m amer. Cherub 28 Dez João B. Dabney 26 pipas de vinho comum 46$800 New York Escuna amer. Experiment 1:115$130

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1817

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 25 Jan John B. Dabney 20 pipas de vinho comum 36$000 Nantucket amer. Eagle 6 Mar Diogo Searle 94 pipas de vinho comum 169$200 Filadélfia Ber.m amer. Mariner 12 Mai John B. Dabney 225 pipas de vinho da 405$000 New York Galera amer. Eliza regulação 14 Mai Daniel Tomas Curry 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Ber.m amer. Nancy 7 Jun Domingos Knoth 4 pipas de vinho comum 7$200 Filadélfia Ber.m amer. Suzan Anna e Mary 250 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 19 Jun Tomas Joaquim de Castro 2 pipas de vinho comum 3$600 Nantucket Brigue amer. Eagle 19 Jun João B. Dabney 89 pipas de vinho comum 161$100 Nantucket Brigue amer. Eagle 19 Jun Tomas Parkin 72 pipas de vinho comum 129$600 Boston Chalupa ingl. Sophia 28 Ago João B. Dabney 82 pipas e ¼ de vinho 148$050 Filadélfia Ber.m amer. Susan e comum Mary 15 Out Domingos Knoth 50 pipas de vinho comum 90$000 Nantucket Ber.m amer. General Washington 4 Nov Domingos Knoth 10 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m port. D. Maria Teresa 15 Nov Diogo Searle e C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Baltimore Galera amer. Enterprise 20 Dez António Silveira Avelar 10 pipas de vinho comum 18$000 New York Escuna amer. Andrew Jackson 1:392$750

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1818

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 25 Mai Domingos Knoth 55 pipas de vinho comum 99$000 New York Ber.m amer. George Washington 28 Nov Diogo Searle e C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Galera amer. Enterprise 28 Nov João B. Dabney 15 pipas de vinho 27$000 New York Galera amer. Enterprise 28 Nov João B. Dabney 116 pipas de vinho comum 208$800 New York Ber.m amer. George Washington 2 Dez João B. Dabney 103 pipas de vinho comum 199$800 New Orleans Ber.m amer. Minerva 714$600

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1819

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 10 Abr João B. Dabney 33 pipas de vinho comum 59$400 New Orleans Escuna amer. Ruby 25 Mai João B. Dabney 60 pipas de vinho comum 108$000 Boston Ber.m amer. Boston 13 Jul Domingos Knoth 4 pipas e ¾ de vinho 8$550 Nantucket Ber.m amer. Alert comum Ricardo Manuel Madruga da Costa 251

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 13 Jul João B. Dabney 61 pipas de vinho comum 109$800 Nantucket Ber.m amer. Alert 28 Ago João B. Dabney 25 pipas de vinho comum 45$000 Boston Ber.m amer. Eduardo 28 Set António Silveira Avelar 20 pipas de vinho comum 2$560 Boston Ber. Amer. Boston 30 Set João B. Dabney 49 pipas de vinho comum 50$400 Boston Berg. amer. Boston 30 Set Tomas Joaquim de Castro 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Berg.m amer. Boston 434$110

Exportações de vinho do Pico para os EUA Ano de 1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Jan João B. Dabney 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Brigue amer. Boston 31 Jan João B. Dabney 20 pipas de vinho comum 36$000 Norfolk Ber.m amer. Pilgrim 4 Mar João B. Dabney 92 pipas de vinho comum 165$600 Boston Escuna amer. Laurel 12 Mai João B. Dabney 120 pipas de vinho comum 256$000 Boston Brigue amer. Boston 24 Mai Diogo Searle & C.ia 120 pipas de vinho comum 240$000 New York Escuna amer. Champion 15 Jun João B. Dabney 70 pipas de vinho comum 126$000 Wilmington Ber.m amer. Bolton 28 Ago João B. Dabney 29 pipas de vinho comum 58$000 Nantucket Ber.m amer. Eduardo 15 Set Manuel Vieira Maciel 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Escuna amer. Planter 30 Set André Francisco Goulart 2 pipas e meia de vinho 21$000 Savana Escuna amer. Isabel comum 18 Dez Diogo Searle & C.ia 25 pipas de vinho comum 50$000 Boston Brigue amer. Boston 18 Dez Domingos Knoth & C.ia 112 pipas de vinho comum 201$600 New York Briugue amer. Boston 1:276$000 252 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ANEXO III

Exportações de vinho do Pico para a Rússia 1800-1820

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1804

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 21 Mar Diversos (portugueses) 55 pipas e meia de vinho 53$100 Rússia Ber.m port. União comum; 1 pipa de vinho passado 28 Mar Diversos (portugueses) 80 pipas de vinho comum; 73$125 Rússia Ber.m port. União 1 barrica de vinho comum 28 Mar António Graham 11 pipas de vinho comum 9$900 Rússia Ber.m port. União 13 Abr João Inácio Guetrres 20 pipas de vinho comum 18$000 Rússia Ber.m port. União 7 Mai António Graham 42 pipas de vinho comum 37$800 Rússia Ber.m port. Vénus 7 Mai João Inácio Guterres 22 pipas de vinho comum 19$800 Rússia Ber.m port. Vénus 211$725

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1810

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 4 Jun Domingos Knoth 116 pipas de vinho comum 208$800 Rússia Galera amer. Huron 7 Jun Domingos Knoth 13 pipas e meia de vinho 24$300 Rússia Galera amer. Huron comum 233$100

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1813

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 9 jun Francisco Lopes 2 pipas de vinho comum 1$800 Rússia Escuna port. D. Teresa do Carmo 9 Jun Tomas Reay & C.ia 3 pipas de vinho comum 2$700 Rússia Escuna port. D. Teresa do Carmo 11 Jun António de Oliveira 110 pipas e meia de vinho 99$000 Rússia Escuna port. D. Teresa Pereira comum do Carmo 103$500 Ricardo Manuel Madruga da Costa 253

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1814

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 29 Mar Francisco Lopes 2 pipas de vinho comum 1$800 Riga Escuna port. D. Teresa do Carmo 31 Mar João Inácio de Sousa 26 pipas de vinho comum 23$000 Rússia Ber.m port. D. Maria Teresa 31 Mar António de Oliveira 112 pipas de vinho comum; 113$625 Riga ou Escuna port. D. Teresa Pereira 25 meias pipas de vinho outro porto do Carmo comum; 6 barris e 2 anco- da Rússia rotes de vinho comum 31 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 364 pipas de vinho comum; 366$600 Portos Ber.m port. D. Maria & Filho 7 pipas de vinho passado; da Rússia Teresa 2 pipas de vinho de lavagem 30 Abr António Sebastião 508 pipas de vinho comum; 952$200 S. Peters- Barca russa Urov Correia & C.ia 42 meias pipas de vinho burgo Margarita comum 5 Jul António Sebastião Correia 325 pipas de vinho comum 591$000 Portos do Mar Ber-m sueco Maria do Norte Carolina 8 Jul Tomas Reay & C.ia 160 pipas de vinho comum 288$000 Riga Ber.m russo Elizabeth 18 Jul António Sebastião Correia 160 pipas de regulação de 288$000 Riga Ber.m russo Elizabeth & C.ia vinho comum 23 Jul Tomas Reay & C.ia 70 pipas de vinho comum; 126$900 Riga Ber.m russo Elizabeth 1 barrica de vinho comum 2:751$125

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1815

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 16 Abr Tomas Luís da Silveira 1 pipa e meia de vinho 1$350 Rússia Ber.m port. D. Maria comum Teresa 18 Abr José Francisco da Terra 6 pipas de vinho comum 5$400 Rússia Ber.m port. D. Maria Brum Teresa 19 Abr Diversos (portugueses) 146 pipas de vinho comum; 210$540 S. Peters- Ber.m port. D. Maria 2 meias pipas de vinho burgo Teresa comum; 24 pipas de vinho meio passado; 254 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 29 Abr João Lourenço de Sousa 83 pipas e 2 meias pipas e 149$984 Arcangel Ber.m port. Diligente 7 barris de vinho comum; do Faial 50 meias pipas e 2 barris de vinho meio doce 20 Mai Joaquim de Paula 74 pipas de vinho comum 66$600 S. Peters- Galeota russa Anna Medeiros (de S. Miguel) burgo Rebeca 3 Jun António Sebastião Correia 170 pipas de vinho comum 306$000 Riga Ber.m russo Elizabeth & C.ia 4 Jun Tomas Reay & C.ia 270 pipas de vinho comum 486$000 Riga Ber.m russo Elizabeth 1:225$874

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1816

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 20 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 21 pipas de vinho comum 22$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria burgo Teresa 27 Mar Manuel Gonçalves 1 pipa de vinho passado 3$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria Maurício burgo Teresa 28 Mar José Furtado 1 pipa de vinho comum $900 S. Peters- Ber.m port. D. Maria burgo Teresa 4 Abr Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 25$900 S. Peters- Ber.m port. D. Maria burgo Teresa 18 Abr Diversos (português) 85 pipas de vinho comum; 83$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria 3 pipas e meia de vinho da burgo Teresa lavagem 22 Abr José Francisco Terra 30 pipas de vinho comum 27$000 S. Peters- Ber.m port. D. Maria burgo Teresa 23 Abr Diversos (portugueses) 71 pipas de vinho comum; 65$450 S. Peters- Ber.m port. D. Maria 1 barril de vinho comum; burgo Teresa 1 barril de vinho passado 24 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 72 pipas, 3 meias pipas e 67$725 S. Peters- Ber.m port. D. Maria & Filho 7 quartos de vinho comum burgo Teresa 24 Abr Diversos (portugueses) 25 pipas de vinho comum; 44$437 S. Peters- Ber.m port. D. Maria 1 pipa e 3 barris de vinho burgo Teresa passado 30 Abr Francisco da Silva Ribeiro 9 pipas de vinho comum 8$100 Rússia (qual- Ber.m port. Diligente quer porto) 13 Mai João Lourenço de Sousa 127 pipas de regulação de 122$683 Rússia (qual- Ber.m port. Diligente vinho comum quer porto) Ricardo Manuel Madruga da Costa 255

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 22 Jun Diversos (portugueses) 180 pipas de vinho com um; 223$300 S. Peters- Galera port. Henrique 93 barricas de vinho comum burgo e 40 quartos de vinho comum 4 Jul Diversos (portugueses) 112 pipas de vinho comum; 103$428 S. Peters- Galera port. Felicidade 2 barris de vinho comum burgo 798$423

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1817

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 27 Mar Jorge da Cunha 8 pipas de vinho comum 7$200 Riga Ber.m port. D. Maria Teresa 29 Mar Francisco Cristiano da 1 pipa de vinho comum $900 S. Peters- Escuna port. D. Teresa Silveira Baptista burgo do Carmo 31 Mar Francisco António 2 pipas de vinho comum 1$800 Riga Ber.m port. D. Maria Pereira Madruga Teresa 31 Mar Diversos (portugueses) 98 pipas de vinho comum; 99$060 S. Peters- Escuna port. D. Teresa 3 pipas de de lavagem de burgo do Carmo vinho passado 31 Mar José Telles Machado 18 pipas de vinho comum 16$200 Riga Ber.m port. D. Maria Teresa 31 Mar Diversos (portugueses) 21 pipas de vinho comum 18$900 S. Peters- Escuna port. D. Teresa burgo do Carmo 11 Abr Diversos (portugueses) 30 pipas e meia de vinho 30$555 Riga Ber.m port. D. Maria comum; 1 pipa de vinho Teresa passado 22 Abr Diversos (portugueses) 56 pipas de vinho comum; 66$950 Riga Ber.m port. D. Maria 4 pipas de vinho passado; Teresa 2 meias pipas de vinho passado 30 Abr José Severino de Avelar 27 pipas de vinho comum 25$875 Riga Ber.m port. D. Maria Teresa 30 Abr Luís Peixoto ½ pipa de vinho comum; 2 3$482 Riga Ber.m port. D. Maria barris e 1 ancorote de vinho Teresa passado 30 Abr André Lourenço de Sousa 10 pipas e 2 barricas de 7$900 Riga Ber.m port. D. Maria vinho comum Teresa 30 Abr Sérgio Pereiro Ribeiro 167 pipas, 37 quartolas, 28 202$950 Riga Ber.m port. D. Maria & Filho meias pipas, 49 quartos e 1 Teresa ancorote de vinho comum 256 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 17 Mai João Rodrigues da Silva 100 pipas de vinho comum 90$000 S. Peters- Ber.m port. Espadarte (residente em Lisboa) burgo 20 Mai Diversos (portugueses) 69 pipas e 4 quartolas de 69$025 S. Peters- Ber.m port. Espadarte vinho comum; 2 pipas de burgo vinho de lavagem 22 Mai André Lourenço de Sousa 7 pipas de vinho comum 6$300 S. Peters- Ber.m Espadarte burgo 12 Jun Manuel Inácio Coelho 1 pipa e meia de vinho 1$350 S. Peters- Galera port. Felicidade comum burgo da Madeira 18 Jun João Lourenço Tanger 209 pipas de vinho da regu- 188$100 S. Peters- Ber.m port. Prompto lação burgo 19 Jun José Curry Câmara Cabral ½ pipa e 1 quarto de vinho $675 S. Peters- Ber.m port. Prompto comum burgo 21 Jun André António Avelino 1 pipa e meia de vinho 1$350 S. Peters- Fragatinha port. Felici- comum burgo dade da Madeira 21 Jun Diogo Searle & C.ia 143 pipas e meia de vinho 258$300 S. Peters- Galera port. Felicidade comum burgo da Madeira 21 Jun José Gonçalves 2 pipas de vinho comum 1$800 S. Peters- Galera port. Felicidade burgo da Madeira 1:098$672

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1818

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 5 Jun Domingos Knoth 58 pipas e 1 quarto de 104$850 Riga (via Ber.m amer. Emeline vinho comum S. Miguel) 104$850

Exportações de vinho do Pico para a Rússia Ano de 1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 26 Mai Diversos (portugueses) 61 pipas e 42 barricas de 208$640 Riga Escuna ingl. Carlton vinho comum; 2 pipas e 1 barril de vinho passado; 11 pipas e 2 meias pipas de vinho de estufa; 2 barricas de vinho de estufa 30 Mai João Carley 5 pipas de vinho comum 10$000 Riga Escuna ingl. Carlton 218$640 Ricardo Manuel Madruga da Costa 257

ANEXO IV

Exportações de vinho do Pico para o Báltico 1800-1820

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1800

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 15 Jul João Cristiano 3 pipas de vinho comum 5$400 Copenhague Galera din. General Rigbreck 5$400

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1802

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 25 Set Sérgio Pereira Ribeiro 9 pipas de vinho comum 16$200 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres 25 Set Mateus Pereira Machado 8 pipas e meia de vinho 15$300 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres comum 25 Set Tomas Parkin 7 pipas de vinho comum 12$600 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres 44$100

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1806

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 2 Jul Tomas Parkin 6 pipas de vinho comum 11$700 Copenhague Galera din Marquesa Luísa Augusta 11$700

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1816

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 28 Mar Antonio Sebastião Correia 400 pipas de vinho comum 720$000 Bremen Galeota alemã Landfreund 720$000 258 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1817

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 17 Mai Joaquim da Costa 7 pipas de vinho comum 12$600 Hamburgo Galeota alemã Izabel 19 Mai Teotónio Veríssimo 2 pipas de vinho comum 3$600 Hamburgo Galeota alemã Izabel 22 Mai Rafael Pereira 1 pipa de vinho comum 1$800 Hamburgo Galeota alemã Izabel 23 Mai Diversos (portugueses) 155 pipas e 1 barril de 292$250 Hamburgo Galeota alemã Izabel vinho comum; 1 pipa de vinho passado 24 Mai Domingos Knoth 53 pipas e meia de vinho 96$300 Hamburgo Galeota alemã Izabel comum 30 Mai António Francisco de 8 barris de vinho comum 10$350 Hamburgo Ber. Port. Diligente Medeiros 11 Jun Gonçalo Rodrigues 1 pipa de vinho comum; 1$400 Hamburgo Ber.m port. Diligente Palhinha 1 barril de lavagem 12 Jun Manuel Sousa Rodrigues 4 pipas de vinho comum 3$600 Hamburgo Ber.m port. Diligente 18 Jun João Aurélio Ramos 16 pipas de vinho comum; 15$175 Hamburgo Ber.m port. Diligente 1 barril de vinho passado 20 Jun João Goualberte 2 pipas e 1 quarto de vinho 2$025 Hamburgo Ber.m port. Diligente comum 21 Jun Diogo Searle & C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Hamburgo Ber.m port. Lebre 23 Jun 195 pipas e 32 meias pipas 190$350 Hamburgo Ber.m port. Diligente de vinho comum 20 Set António Sebastião Correia 191 pipas da regulação de 343$800 Hamburgo Ber.m ingl. Jolly Bachelor & C.ia vinho comum 19 Dez João B. Dabney 23 pipas de vinhlo comum 41$400 Hamburgo Escuna ingl. Nancy 1:158$650

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1818

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 21 Abr Diversos (portugueses) 200 pipas 4 meias pipas 207$775 Hamburgo Escuna port. Piedade de vinho comum; 10 bar- e Almas ricas e 5 barris de vinho comum; 1 pipa e 2 meias pipas de vinho passado 29 Abr Daniel Tomas Curry 27 pipas e meia de cinho 24$300 Hamburgo Escuna port. Prudência comum Ricardo Manuel Madruga da Costa 259

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 29 Abr Diversos (portugueses) 79 pipas e 1 barrica de 71$325 Hamburgo Ber.m port. D. Anna vinho comum 13 Mai Diversos (portugueses) 144 pipas e 4 meias pipas 130$500 Hamburgo Ber.m port. D. Anna de vinho comum 30 Jun Diogo Searle & C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Hamburgo Galera amer. Enterprise 30 Jun Domingos Knoth 55 pipas de vinho comum 99$000 Hamburgo Escuna de Hanover Arabella 11 Ago José Severino de Avelar 707 barris de vinho comum 318$150 Hamburgo Galeota din Harmonia 28 Set Francisco da Terra Brum 53 pipas de vinho comum 95$400 Hamburgo Galeota fr. Petit Auguste 30 Set José Manuel Bittancourt 102 pipas de vinho comum 183$600 Hamburgo Galeota fr. Petit Auguste 1:274$050

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1819

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 13 Mar Domingos Knoth 135 pipas, 14 meias pipas e 264$455 Hamburgo Ber.m din. Anna 5 quartos de vinho comum 14 Jul Domingos Knoth & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Bremen Escuna hol. Arabella 14 Jul João B. Dabney 30 pipas de vinho comum 54$000 Bremen Escuna hol. Araballa 17 Jul Tomas Parkin 10 pipas de vinho comum 18$000 Bremen Esacuna hol. Arabella 408$455

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico Ano de 1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 27 Mar Diversos (portugueses) 9 pipas e 2 barris de vinho 9$680 Hamburgo Iate Senhor da Boa comum Lembrança 27 Mar Tomas Parkin 1 pipa e 1 barril de vinho 1$167 Hamburgo Iate Senhor da Boa comum Lembrança 28 Mar Diversos (portugueses) 108 pipas e 1 meia pipa de 109$450 Hamburgo OIate port. Senhor da vinho comum Boa Lembrança 2 Ago João B. Dabney 114 pipas de vinho comum 229$000 Estocolmo Galeota sueca Neptuno 349$297 260 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ANEXO V

Exportações de vinho do Pico para outros portos europeus 1800-1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 7 Out João Street 6 pipas de vinho comum 10$800 Tenerife Chalupa amer. Franklin 1802 8 Jul Francisco Pays de Men- 11 pipas de vinho comum 19$800 Tenerife Escuna amer. Hetter 1803 donça e Comp.º 20 Jan Faustino José 1 pipa de vinho passado 7$000 Havre Galera N.ª S.ª do Livra- 1816 de Grace mento 30 Jan José Telles Machado 2 meias pipas e 1 barril de 8$750 Havre Galera N.ª S.ª do Livra- 1816 vinho passado de Grace mento 12 Set Diogo Searle & C.ia 33 pipas de vinho comum 59$400 Amsterdam Chalupa ingl. Sophia 1817 20 Abr Domingos Knoth 75 pipas de vinho comum 135$000 Mediterrâneo Ber.m amer. Boxer 1818 30 Jun Tomas Parkin 31 pipas de vinho comum 55$800 Amsterdam Chalupa hol. Amália 1818 17 Dez José Teixeira Bettencourt 8 pipas de vinho comum 128$400 Havre Ber.m fr Messager 1818 de Grace 22 Jan Sérgio Pereira Ribeiro 2 meias pipas de vinho 1$800 Havre Galeota fr. Petit 1819 & Filho comum de Grace Auguste 30 Jan José Teixeira Manuel 1 pipa de vinho comum 1$800 Havre Galeota fr. Petit 1819 de Grace Auguste 14 Set José Teixeira Manuel de 101 pipas e ¼ de vinho 182$250 Havre Galeota fr. Petit 1819 Bettencourt comum de Grace Auguste 10 Nov Tomas Parkin 16 pipas de vinho comum 32$000 Nápoles Ber.m Swan 1820 642$800 Ricardo Manuel Madruga da Costa 261

ANEXO VI

Exportações de vinho do Pico para portos diversos 1800-1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio 29 Out Diversos (portugueses) 98 pipas, 54 barris, 21 bar- 146$540 Macau Galera port. Carolina 1801 ricas de vinho comum; 13 barris de vinho passado; 2 barricas de vinho passado 18 Nov Tomas Parkin 6 pipas de vinho comum 10$800 Costa Escuna amer. Washington 1803 de África 30 Dez Daniel Tomas Curry 7 pipas, 2 barricas de 15$650 Costa Escuna ingl. Chance 1815 vinho comum de África 11 Jun António Sebastião Correia 52 pipas e 1 barrica de 92$700 Batavia Galera amer. Elizabeth 1816 & C.ia vinho comum 7 Dez Diogo Searle & C.ia 1 pipa de vinho comum 1$800 Costa Chalupa ingl. Eliza 1818 de África 7 Dez Tomas Parkin 19 pipas e ¾ de vinho 35$550 Costa Chalupa ingl. Eliza 1818 comum de África 26 Abr João Carley 94 pipas de vinho comum 188$000 Buenos Escuna ingl. Euterpe 1820 Aires 11 Ago António Sebastião Correia 344 pipas de vinho comum 724$000 Dunas Ber.m ingl. Preserverança 1820 & C.ia 1:215$040

Memória

Memory

Travels in the Azores in the Mid-1890s: Reports to the Inter-Ocean

Fannie B. Ward (edited by George Monteiro)

Introduction

Travels in the Azores in the Mid-1890s, a series of reports in 1895-96 to the Inter-Ocean, a nineteenth-century Chicago newspaper, can be added to the list of known English-language publications about the Azorean archipelago. Thirty-two years after the Florentine emigrant to the United States M. Borges de F. Henriques published his pioneering book A Trip to the Azores or Western Islands,1 Fannie B. Ward filed a series of reports based on her own experience while on trip to the Azorean archipelago (and elsewhere, including Madeira). She set foot on all the islands, Flores to Santa Maria, with exception of Corvo, and then went on to Madeira. From there she would proceed to the Canaries, St. Thomas, Santa Lucia, Santa Cruz, and the Yucatan Peninsula. Labeled “special correspondence,” those reports (including 19 concerning the Azores and three Madeira) were published in the Daily Inter-Ocean. They do not appear to have been republished at any time in book form. Thus for the first time in well over a century, they see the light afforded by print. “Fannie B. Ward” was once a familiar byline in dozens upon dozens of American newspapers. Flourishing in the 1890s, this journalist established her mark as a reporter specializing in long reports from foreign ports, countries, and islands. Over time, she traversed much of South America, writing reports from Brazil, Patagonia, Mexico’s Yucatan, the Caribbean, the Canaries, and numerous other places. She was on the scene in Florida when the Maine, the American warship, was mysteriously sunk in Cuba in 1898, an incident that ignited the war between the United States and Spain. She stayed on through the war, filing reports all the while.

1 A Trip to the Azores or Western Islands (Boston: Lee and Shepard, 1867). For more informa- tion on this book and its author, see “M. Borges de F. Henriques in the United States,” Boletim Núcleo Cultural da Horta (2010), pp. 443-61. 266 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Biographical information about “Fannie B. Ward” is sparse. There exists no biography and she is seldom, if ever, mentioned in journals or books of the period or in the century after her death. An exception, of recent vintage, is Roger J. Di Palo’s piece, “Portage Pathways: Globe-trotting Fannie B. Ward came home to Ravenna,” published in the Record-Courier (Ravenna, Ohio) on October 6, 2013.2 Much of the information that follows is culled from this piece. Fannie Brigham was born in Monroe, Michigan, on January 27, 1843, and died in Washington, D.C., at the age of 70, on October 4, 1913. She married William H. Ward in Ravenna, Ohio, in 1862. Three children issued from this marriage, Charles in 1865, Fanny in 1868, and Nellie in 1869. After her divorce from William Ward, Fannie made her way to Washington, where in 1874 she found temporary employment in the U. S. Treasury Department. It is not known exactly when she started to write for newspapers, sending dispatches from Washington “initially to the Cleveland Leader and eventually adding other publications, building a syndicate of more than 40 newspapers that carried her writing at the height of her career.”3 It was in 1884, when she traveled to Mexico and Central America, however, that her career as a travel writer took off. It would occupy her for over two decades, bringing her considerable fame. It is said that Fannie B. Ward tackled her assignments with “gusto.” “She crossed the Andes on mules. She climbed Mount Popocatepetl in Mexico.” She visited Guatemala and the British Honduras. She went to Chile, Brazil, Uruguay, Venezuela, Paraguay, Argentina, Patagonia, and the Falkland Islands. “All my life,” she wrote to her friend the founder of the Red Cross, Clara Barton, “I have gone on my own independent way, regardless of who might disapprove of my course.”4 But of course, as might be expected, this foreign travel did not come without cost. “She endured conditions far different from the life she once lived in the nation’s capital. And she paid a price for it, too – she contracted yellow fever on her first trip to Mexico and later came down with mountain fever, which

2 See http://www.recordpub.com/opinion/2013/10/06/portage-pathways-globe-trotting-fannie- b-ward-came-home-to-ravenna. 3 Ibid. 4 Ibid. Fannie B. Ward 267 forced her to return home.”5 Still, in the Azores she had climbed the moun- tains, including, of course, Pico, and in Madeira she had suffered through the famously precipitous toboggan slide down the mountain. Judging from the descriptions of her behavior in her reports, she was game for pretty much any and all challenges.

TABLE OF CONTENTS

1. “Ilhas dos Açores” (Sept. 22, 1895). 2. “The Flowery Isle” (Sept. 29, 1895). 3. “Among the Azores” (Oct. 6, 1895). 4. “Among the Azores” (Oct. 13, 1895). 5. “Azore Island Life” (Oct. 20, 1895). 6. “Among the Azoreans” (Oct. 27, 1895). 7. “Up a Dead Volcano” (Nov. 3, 1895). 8. “Azores in Autumn” (Nov. 10, 1895). 9. “Nest of the Clouds” (Nov. 17, 1895). 10. “The Azores’ Capital” (Nov. 24, 1895). 11. “Azorean Cruisings” (Dec. 1, 1895). 12. “In Ponta Del Gada” (Dec. 8, 1895). 13. “In Deep Das Furnas” (Dec. 15, 1895). 14. “Lazy Town Sketches” (Dec. 29, 1895). 15. “Big Volcanic Freaks” (Jan. 5, 1896). 16. “An Island Acadia” (Jan. 13, 1896). 17. “Azorean Churches” (Jan. 20, 1896). 18. “Azorian [sic] Sketches” (Jan. 26, 1896).

5 Ibid. 268 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1. ILHAS DOS AÇORES The Western Islands, Where the Sun Set in “Paradise Lost” WELL-KNOWN STRANGERS Where They Are and How to Visit Them Easily On a Historic Ocean Track – Memories Of the Great Discoverer – History and Romance.

Santa Cruz, Flores Island, Aug. 27 – Special Correspondence. – Although it may be straining the point a trifle too far to include these “western islands” among the West Indies, they are not so distant but that one may well round off a tour of the Atlantic Islands with them. Besides, they are a brand new field to most Americans – a terra incognita so complete that the question I have been continually obliged to answer since announcing my intention to them is “Where in the world are they?” Perhaps it may now be as well to forestall a dimness of geographical information on the part of any reader of The Inter Ocean by answering the same question right here and now. The nine islands and two groups of rock which the early Portuguese named Ilhas dos Açores (Islands of Hawks), and English-speaking tongues have corrupted to Azores, lie on the warmer side of the Gulf Stream, though about in the same latitude as Philadelphia, 2,000 miles east of Boston or New York, 1,600 miles southwest of London, about 800 miles due west from the southern corner of Portugal (to which kingdom they belong), and the same distance from the northwestern end of Morocco. toward them from the west, you come first to Corvo and Flores, the two smallest and least important of the group, which lie on a line longitudinally ten miles apart, then to Fayal, Sao Jorge, Graciosa, Pico, Terceira, San Miguel, and Santa Maria, in the order named as to location. The Largest Island. San Miguel is much the largest, being fifty miles long by from five to twelve broad; and the two heaps of uninhabited rocks are called, respectively, Formigas and Dollabaret. They are in three distinct groups, with long stretches of sea between; and, indeed, little Flores and Corvo are so far away from the others as to hardly belong to the archipelago at all. Altogether, they present a surface of about 700 square miles, and their combined population is a little less than 300,000 [?]. In other words, if the islands were pieced together their area would be six times Fannie B. Ward 269 that of London, with only one-fifteenth as many people as inhabit that city, but spread over 400 miles of the deepest part of the Atlantic they include an area of land and water greater than all England. Being historically of great interest, and scenically among the most picturesque spots on the earth’s surface, the wonder is that they have been so long neglected by pleasure-seekers and curiosity-hunters. Until of late few persons except those connected with them commercially or absconding cashiers and other individuals seeking an out-of- the-way haven of refuge have had any idea of their exact location, much less of their characteristics and the peculiarities of life there. Barely mentioned in the geographies and encyclopedias, even now the would-be student of them finds scant literary information on the subject. Prospective Popularity. But all this will be changed in the near future, since three lines of vessels now make regular trips between our ports and those of the Azores, where they connect with the Portuguese and other lines, thus enabling [the] tourist to enter Europe via the Spanish peninsula and the Mediterranean – a very welcome change from the old routes of travel. The islands make a delightful half-way station on the great ocean highway, and if one goes no farther he gets a bit of foreign travel which cannot be duplicated anywhere in the world in the way of novelty, fine scenery, and enjoyment for so small an expenditure of time, strength, and money. Nowadays too, the Azores have new interest for Americans, since Portugal has at last grudgingly recognized our principles of local government in granting autonomy to the islands, and the interesting little community are legislating for themselves at Angra, the almost unknown capital of the group. The inde- pendent blue flag that now waves above everything Azorian, with its white hawk and nine stars, contains history in a nutshell. It tells of nine mid-ocean provinces under one government, and the emblematic hawk reminds the world that their name, Açor (Portuguese for hawk), was conferred because of the great number of those birds found on the islands by navigators whom Portugal sent to take possession of the group. It was a low morning in late August, after a passage from Bermuda which we would fain forget as quickly as possible, when some early prowler on deck raised the cry, “Land, ho!” at daybreak, and the sleepy passengers tumbled out to see what looked like a low cloud-bank on the horizon – the Isle of Flowers and its sister, Corvo, twenty miles away. 270 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

New Admiration for Columbus. Crossing the wide ocean in these unfrequented ways one feels a new admira- tion for Columbus and the other ancient mariners; for to the “land lubber” it is a never-ending marvel how a , even with all the appliances of modern science to seacraft, can traverse the pathless deep with unerring accuracy to any given speck of land in the wide waste of waters, hundreds of miles from anywhere! And, by the way, this is the very same course in which Columbus sailed to immortality on his way to America, and the same in which he was afterward sent home in chains. This is the path direct to Gibraltar; to the route of the British ship that carried Napoleon to St. Helena; of Nelson to Aboukir and Trafalgar; of Childe Harold on his pilgrimage that ended in Greece. This is the enchanted region of dark blue sea under which lies the sunken conti- nent of Atlantis – according to many authorities between Plato and Ignatius Donnelly; the same wherein Pindar located the heaven of the Greek heroes on the “Sacred Isles of the West:”

Where ocean breezes blow. Round flowers of gold that grow On stream and strand. You know the rest.

This is, the very scene of the conflict, on Aug. 10; 1591, made memorable by the pen of Walter Raleigh, in which the English ship Revenge, with Sir Richard Grenville, as captain, endured for twelve hours before she struck the attack of eight great Spanish armadas. She sunk two of them, each three times her own size; and after all her masts were gone, and she had been three times boarded without success, defied to the last the whole fleet of fifty-one sail, which lay around waiting for her to strike or sink. Raleigh tells us how, finally, Sir Richard, shot through body and head, and wounded in many places, was taken on board the Spanish Admiral’s ship to die, and gave up his gallant ghost with these words: “Here died I, Richard Grenville, with a joyful and quiet mind; for that I have ended my life as a true soldier ought – fighting for his country, Queen, religion, and honor; my soul willingly departing from this body, leaving behind the lasting fame of having behaved as every valiant soldier is in his duty bound. That was a rather long and stilted speech for a dying man, shot all to pieces, to make; and probably, in point of fact, he said Fannie B. Ward 271 no such thing, though it reads so well in history. Sir Walter Raleigh romanced too much in his account of El Dorado and the golden cities of South America for us to have entire confidence in his famous “Report of the Truth of the Fight About the Isles of the Azores.” Flores in the Distance. As the outline of the Flores grows more distinct you see jagged volcanic peaks sloping on all sides to the sea, ending in black precipices against which the surf beats ceaselessly. A nearer view reveals green fields and cultivated uplands, cottages, and waving grain, and cloud shadows chasing each other on the hill tops and down the deep ravines. While waiting for a to come off with the health officer and pratique to go ashore – a business of some hours – we amused ourselves by getting all the information we could about Corvo, the nearby neighbor, of which we have a fine view. It looks almost round, a picturesque mass of rock and forest, not five miles in diameter – in short, what it is, merely a volcanic crater, which the natives call O Caldurao, “the big pot,” whose outer sides arc cultivated. This smallest and most northerly of the Azorean Archipelago exists only as a satellite of Flores, and would not be mentioned at all were it not within sight of the latter. Vessels never call there, because it has so harbor, the early means of communication with the outside world being by means of a whaleboat from Flores once a month – if winds and waves permit. But sometimes during bad weather even this is forbidden, and for three or four consecutive months the tiny island is totally isolated. At best the ten-mile row is not a pleasure excursion, owing to the boisterous waves and adverse currents, so it is not likely we shall ever set foot on Corvo. The great drawback of all these islands is their lack of natural harbors, business mainly being carried on through two of them, where artificial harbors have been constructed. Corvo got its name (which is Portuguese for crow) from the number of those birds found upon it when discovered. The captain’s chart says that it is six miles long by three wide, rising abruptly from the ocean, with a rough, inhospitable-looking coast of dark, serrated rocks, which run in reefs from the shore, here, lifting them- selves high above the water, there merely blackening the surface, and again sinking to such a depth that their dangerous presence can be told only by the eddy swirling about them. 272 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Descendants of the Moors. It is inhabited by a small colony, of Moorish descent, about a thousand strong, who are said to be a peculiarly gentle and inoffensive people – called “old- fashioned” by the other islanders. Their specialty is raising poultry – the very best in the world, says the ship’s steward; and they also produce some wheat, yams, and corn, and raise horses of a small but hardy breed. There are two natural curiosities on the little island. One is a small lake at the bottom of the extinct volcano, studded with tiny islets that present a perfect miniature repre- sentation of the Azorean Archipelago. The other curiosity is of semi-historical interest. On a cliff near the shore nature has depicted the figure of a man on horseback, with extended arms pointing to the westward. The ravages of wind and weather have nearly obliterated the likeness, but local tradition still confidentially asserts that this stone horseman had a great deal to do with the discovery of America. The story goes that Columbus on his great voyage of discovery became completely disheartened by the difficulties surrounding him, and was on the point of abandoning his project and turning back to Spain, when a severe storm drove him close to Corvo. Seeing this rock, and its colossal horseman sternly pointing to the westward, he regarded it as a heaven sent omen, piously crossed himself and proceeded on his way to the New World. A great many Carthagenian coins have been picked up in Corvo, from which circumstance it is argued that the ancient Carthagenians must have visited this island, although there is nothing in history to show that the early Greeks and Romans had any knowledge of the Azores. Quaint, Secluded Corvo. We were fortunate enough in having for a fellow-passenger a man who had spent some time in Corvo. He says the whole country is set upon edge, so to speak, rising steeply to the Caldeira, and is divided by stone walls into small, well-cultivated compartments. These fields form narrow terraces, one above another, and look from the shore like steps out into the lulls. Higher up the mountain is carpeted with heath, where flocks of sheep and hogs find a living. The crater, which was once, no doubt, a turbulent pit, is now a green and quiet valley, its round sides covered with grass, and at the bottom a still, dark pond, over which broods that appearance of sad serenity peculiar to volcanic valleys. The Corvoites are quite independent of the world, producing Fannie B. Ward 273 on their own little island everything required in the way of food and clothing. But then, their requirements are simplicity itself. They have swarthy skins, go always barefooted, and generally bareheaded, and are strong, healthy, happy, and industrious; at least, the women are industrious, for they do all the field work, and are said to excel their somewhat lazy lords in all matters requiring skill and endurance. They are noted besides for their slovenliness and red petticoats. The men wear suits of coarse brown home-spun, with coats reaching almost to the ankles, and a skull cap of the same material for dress occasions. Shrewd in Trade. In trade they evince the remarkable shrewdness proverbial among the Azoreans; but so friendly and unsuspecting are they that their doors and windows are never fastened at night, and they sleep in happy ignorance of the murders and robberies committed in more enlightened quarters of the globe. They are like one large family, all living in the only village on the island. Their cottages are alike as so many peas in a pod, all built of stone, roofed with thatch or tile, with mother earth for flooring, and neither chimneys nor glass windows. They are placed in tiers, one above the other up the side of the hill, with lanes between them, too narrow, steep, and stony to be called streets. The health officer’s boat was speedily followed by three or four others to take us ashore at Flores. These island are queer enough to merit description. They were evidently constructed for rough weather and are so big and heavy that they look like the dismantled hulls of . All are painted black or dingy red, and no two of their four oars ever touch the water together. The oars are from fifteen to twenty feet long, and it requires two or three men to pull them. The handles are constructed of the crooked limbs of trees, in several places fastened together with a marline, and turning on the gunwale by a broad plank, through which the thole pin passes. As they crawl clumsily along in the distance, they look like huge water beetles struggling in the billows. We reached the port of Santa Cruz in safety – and such a port! Riding in on top of a huge roller, between a Scylla and a Charybdis of black lava rocks, hardly thirty feet apart and surrounded by roaring foam, we dashed into a little bay, perhaps an acre and a half in extent, with perpendicular cliffs on either side, on whose edges the houses are perched. The boatmen picked us up in their arms and landed us high and dry, amid an eager throng of’ men, women, and children, who had come down to welcome the arrivals, and who received us 274 Boletim do Núcleo Cultural da Horta as if we were special guests or long-lost relatives. The narrow strip of shelving beach is piled with boats and rubbish, and around the corner of an uncom- pleted quay the principal street of the village runs down into the water. Near the landing place a public fountain empties its musical stream into a stone trough, and was surrounded by a group of olive-skinned, bare-footed girls, all with white mantillas on their heads and earthen water jars in their arms.

2. THE FLOWERY ISLE Flores, of the Azorean Archipelago, Described. SANTA CRUZ, ITS CAPITAL Not Much Larger than the North Side, Chicago. Calico Coats, Musical Carts, and Other Oddities of Native Life.

Santa Cruz, Flores Island, Sept. 1 – Special Correspondence. – The queerest little capital I ever came across occupies a site which seems to have been planned by nature on purpose for the principal town of the island. How can I describe it to you, when ink and paper fail to convey any idea of its crazy outlines and strange combinations of color? Everywhere Flores bears strong marks of its igneous origin and most of its shores are totally inaccessible from the sea. Being environed by reefs and walls of black lava, cliffs of red cinders, and chocolate-colored earth, mountains rising abruptly out of the water, and lofty precipices, dark with verdure, down which streams fall in silvery threads in the surf below. In some places the cliffs are several hundred feet high, in others dwindled down to a few yards. The whole rests apparently upon sheets of black lava, the lowest visible layer of its composite parts, which having run out to the sea in a melted state, was suddenly stopped, cooled, and shaped into every conceivable variety of jagged, rough, irregular rocks, among which the ocean now rolls with ceaseless violence, dashing clouds of spray over the sharp projections and breaking with mighty roar on the huge, detached masses that strew the shores. Above the lava are the volcanic products, such as deep, loose beds of scoriae baked red as bricks, capped by a firm brown tuff: above this, decomposed vegetable soil, covered with greenest herbage, and overall the bluest sky that ever arched a flowery bit of earth. Fannie B. Ward 275

Location of Santa Cruz. Where Santa Cruz. the capital and chief port of Flores, stands a stream of lava flowing to the sea has formed a high, level platform, about two miles long by half as broad, upon which the town is built. Three sides of this flat promontory are exposed to the sea, the fourth flanked by a high, abrupt hill, its sides richly cultivated, its summit overgrown with cedars, and crowned with an ancient tower. Subsequent eruptions have covered the lava with loose, volcanic matter, tuff, and cinders, forming fruitful soil, where good crops of corn, wheat, potatoes, flax, and vegetables are grown. The town has a few long, straggling streets, most of them converging into a little square. At the foot of the principal street is a small cove and beach, where the fisher- men’s boats are hauled up. In front of the cove is a bar of lava, connected with the jagged rocks on each side. A small passage, capable of admitting only an undersized , leads over the bar, which is hemmed in and screened from winds and waves by high walls of brown tuff. The town covers a very large space, considering its scanty population, for fields intervene between many of the houses. Some of them are perched upon the cliffs, so close to the edge that their doors actually overhang the water. We are told that it is not uncommon for children and even grown people to fall over the precipice to the rocks below, generally with fatal effect. Indeed, the dangers of the locality are the stock in trade of the army of crippled beggars that beset the strangers in Santa Cruz. The Houses Described. The houses are all built of stone, never more than two stories high and oftener but one. They have remarkably thick walls, always whitewashed outside, tiled, or furze-thatched roofs, green doors, and heavy, rude-looking balco- nies, with green Venetian blinds, in the Moorish style. All the houses are set close upon the border of the street – that is, with no yard, or space in front of them, and whenever a field or vacant spot comes between, there a high stone wall is built, so that in walking about the town you see little, except what is immediately before or behind. The first floor of the larger houses is seldom inhabited, being used for stores or workshops. In the rear of the ground floor a broad flight of stairs – in the older houses, always of black stone, polished by long usage – leads up to the living apartments. None of the “front doors” have bells, and but few of them big brass knockers; so when you desire admit- 276 Boletim do Núcleo Cultural da Horta tance your knuckles or stick or umbrella handle come into vigorous play, unless you aspire to be strictly in style from the Azorean standpoint, in which case you clap your hands as loudly as possible. There are no sidewalks and everybody perambulates in the middle of the street, where the pavement is usually the natural rock, the edges of which have been planed off by the passage of human feet. At nearly every corner is a public fountain where dark-eyed, olive-skinned, Rebeccas are always filling their antique jars; and near by other women are scrubbing clothes by the wayside, on flat stones, over which water splashes from a bamboo spout set in the solid rock. Of the local and social life of Santa Cruz there is little to be said. People wander about the streets in a listless sort of way, as if so overcome with the Lethean air of the place that they are past ever wishing for anything to do. The few shops are scantily furnished with English cotton and woolen stuff, hardware, and ready-made clothing, United States fish, oil, groceries, and notions, Brazilian rum, coffee, and sugar, West India tobacco, molasses and liquor, Portuguese salt, tea, and such spiritual necessities as crucifixes, sacred images, relics, indulgences, and dispensations. The shops are so dimly lighted that purchasers must take the goods out into the street for inspection, and paying customers appear to be as rare as angels’ visits. The liveliest place in town (if anything can be called lively in Santa Cruz), is the landing, when a ship heaves in sight, whose cargo is to be discharged in boats. This is the acme of Flores activity; but for every man who is engaged in carrying bales, boxes, and barrels on his shoulder from the boats to the neigh- boring warehouses, a dozen others are seen leaning idly against the sunny side of a building, or lying under the lea of their empty boats drawn up in the shade. Another popular resort is the public square, which is also the market place. Here the country women, sitting contentedly on the rough pavement, or the stone steps of some building, with wicker baskets of fruit or vegetables before them, drive sharp bargains, the sharper because the few purchasers are also actuated by the proverbial Azorean spirit of shrewdness in trade. Time of No Value. Time is of no value to anybody in Flores, so the traders can afford to haggle over the value of half a penny from the rising of the sun to the going down thereof. On this square is the hotel – or what passes for one in these parts – of which conscience, though somewhat travel-hardened, will not permit a favorable word. Directly opposite is the combination prison and courthouse Fannie B. Ward 277

– a long, dingy, two-storied edifice, where the blindfolded goddess is sup- posed to preside above and her mandates be carried out below. A flight of rickety steps on the outside of the building leads up to the court- room, above the door of which is nailed a time-faded, weather-worn coat of arms of Portugal. The funny part of it is that offenders, punished by imprison- ment, are compelled to carry out the sentence themselves, and be their own jailers. A passage-way running through the center divides the ground floor into two rooms, the main difference between them being that one has a floor and the other has not. At two or three windows of the unfloored rooms there is a pretense of iron grating, but it is pretence merely, for most of the bars are broken, and the openings are the rendezvous and loitering places of friends of the incarcer- ated, and all the gossiping loungers of the town. Cells there are none, a few rude bunks against the unplastered stone walls, covered with dirty blankets, answering for sleeping places. The smoke-begrimed rafters are festooned with old garments, bed clothes, and strings of onions and garlic, and an old table, two or three rickety old chairs, and half a dozen empty boxes, complete the furnishings. Ideal Prison Life. Such are the eccentricities of prison discipline in Flores that a criminal, when jailed, is given the key of his bastile, allowed to admit parties of his friends to enliven the tedium of durance vile; and it is rumored that he may even let himself out after dark, to take regular “constitutionals“ through the city streets, or make sub rosa visits to his family. Indeed, it is rather a privilege than otherwise for the poor Azorean to “get took up,” in the expressive language of the gutter, for then he is sure of enough to eat, without the necessity of toil. Ridiculous as all of this may seem, there is slight need for more discipline. The small island – only about twelve miles long by seven wide – where every- body knows everybody else, would afford an escaped prisoner no opportu- nity for concealment, while the visits of vessels are too few and uncertain for the hope of flight to foreign lands to be indulged in. The people are so far from being vicious that murders are unknown among them. Thieving is almost equally rare, and what little is discovered is charged upon wicked visitors from other islands. Fighting and wife beating are the common misdemeanors, and, as in other countries, jealousy is the root of evil. 278 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Above everything else in Santa Cruz towers the great cathedral, on its elevated knoll near the center of the city, one of the largest churches in all the Azores, capable of accommodating at least half the population of the island, ann a conspicuous landmark far out at sea. The Moorish Cathedral. Il is built entirely of black lava rock, in the Moorish style of architecture, with two tall towers and Saracenic domes and windows, and would be imposing, though dingy white in color, except that here and there great patches of white- wash have dropped off, leaving the original color of the stone in unsightly blotches. The façade is somewhat fantastically ornamented, after the Portu- guese fashion, but the interior is plain, almost to nakedness. Seven rows of massive square stone pillars, running the whole length of the building, support the broad arches of the roof, but the walls are damp and slimy with moisture, and weeds grow up in the deserted corners of the aisles. At some recent period the chancel and altar have been newly carved, and their freshness contrasts strangely with the moldy walls. Niches and altars are filled with rudely carved images of the saints, adorned with paper flowers, and surrounded with green boughs, but there is none of that profuse gilding, tinsel, and “ginger-bread work” commonly seen in Portuguese churches. Adjoining the main building is the sacristy, where the church treasures are kept, and for a small consideration the custodian will show you all the vestments, gold and silver utensils, banners, and accession day images. Not far from this church, going through narrow lanes of squalid huts, thronged with lean pigs, cats, dogs, and naked children, you come to the most inter- esting structure on the island – the old convent of the Franciscan brotherhood, which, like the cathedral, was built a little more than three centuries ago. Powerless Brotherhood. Dom Pedro I, father of the last Emperor of Brazil, abolished convents through- out the Azores in the year 1834; but this old pile is still not without its useful- ness. In former days strangers visiting these islands were accommodated in the convent, where rooms were set apart for them, and as long as they chose to remain they were treated as guests of the friars. Now the dormitories are let to tenants, mainly a low class of natives, and cells and cloisters which once resounded to monkish Ave Marias are filled with filth and rubbish, while the history of its builders is rapidly becoming traditional. Fannie B. Ward 279

The chapel belonging to it is a fine specimen of the renaissance-Italian style, as seen in colonial churches, its profuse ornamentations calculated to impress an ignorant populace. In the outskirts of the town, standing conveniently close to the roadside, is another popular Institution – the Foundling Hospital of the district of Santa Cruz. It is a small cottage, provided with a drum turning in a hole in the wall into which an infant may be put from the outside and secretly deposited in an inner room. A person sleeps in the cottage at night, to receive babies that may be left, and see that they are put out to nurse. This is done at the expense of the municipal body, from a fund set aside for the purpose, and it is said that the number of waifs thus provided for is out of all proportion to the population of Flores. However, this national provision for unwelcome mites of humanity has one good result, viz., that infanticide is unknown in the Azores. Beauty of the People. The people of Flores are famous for their good looks, and many of the younger women have a piquant style of beauty that is really very attractive. While the upper class dress about in the English or American style, the middle and lower classes have a distinct fashion of their own. Both sexes of all ages go barefooted, and when attending mass they carry their shoes in their hands (those who can afford such luxuries), and put them on at the church door. The women generally wear a handkerchief, white or colored, silk or cotton, over their heads, and tied tightly under their chins, a shawl or cloak over the shoulders, substituted in many instances for a double skirt of English calico or home-made woolen stuff, dark blue in color, with a checkered or striped band around the bottom, and a binding of the same on the placket hole, the skirt being so disposed that the placket hole comes outside, between the shoulders, The men of Flores may be divided into two classes – these who wear boots and those who do not. The barefooted gentry show the best taste in the matter of colors, according to our ideas. They wear jackets of dark woolen and trousers of white linen or chocolate-hued linsey-woolsey, with parti-colored conical hats of knitted cotton or wool, or carapuças of the same color as their jackets. The materials for these garments are all of island manufacture. Those a little higher up in the social realm do not encourage home industries to so great an extent, but procure their hats (straw) from the United States and their dress materials from England. 280 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Cheap Finery. Having a taste for finery, many of them sport jackets of the brightest cotton prints that Manchester can make. That is, they are bright and jaunty in their first state, but hot suns and frequent washings soon fade them, and starch seems to be an unknown commodity in Flores, or else the sea damp takes it out of everything; at any rate, the calico coats speedily take on dejected airs, and hang about the shoulders of the Azorean dandies as limply as half-wrung dishrags. Most of the middle-aged men have been whalers, and can speak a little English; and everybody you meet lifts his hat (if he wears one), or bows politely, and expects you in return to compliment. Another very notice- able thing in Flores is the ox carts, that creak noisily through the streets of the capital, and waken the echoes in the hills as they roll off countryward. They are of the same construction as those used in the interior of Portugal – probably the very same as those of Cervantes’ time, when that author likened some “terrible noise” he was describing in the story of Don Quixote’s adven- tures to that caused by the ponderous wheels of a cart. I thought I had seen queer vehicles in other parts of the world, but certainly these bear off the palm. They consist of an oblong slab of wood, which ends in a pole, supported upon two huge wheels, revolving with the axle in a wooden socket, like a child’s toy; the whole concern surmounted by a wicker basket, shaped not unlike the body of a Roman chariot. The wheels are solid chunks, chipped out in more or less circular form, and the axle is of chestnut wood, especially selected for its squeaking properties. The din they keep up is modulated between a shriek of dire distress and a dying groan, but it is music in the peasants’ ears on the lonely roads, and each cart man boasts of the particular tune creaked by his own vehicle. It is warranted to keep off spooks and bogies (and no wonder!), and, like the railway engineer’s whistle, it serves to notify wife and sweetheart of his coming. The cattle also become accustomed to this doleful accompani- ment, and will no more work without it than a tow-path mule missing the lurid language to which he is accustomed. Fannie B. Ward 281

3. AMONG THE AZORES Flores Island and Villages Seen from the Sea. CLIMATE AND PRODUCTS City of Horta, Its Harbor and Surroundings. Lupine, Growing Luxuriantly, One of the Most Valuable Crops.

Horta, Fayal Island, Sept. 5. – Special Correspondence. – If time and weather permit you will find it pleasant to take a row around Flores Island, before sailing away to other parts of the archipelago. Generally speaking, you need not be afraid to trust your life anywhere an Azorean boatman will take you, for they are the most cautious and timid of creatures, so far as going to sea is concerned. And, indeed, there is a reason for the excessive timidity which sometimes seems to border on the ludicrous, in the uncertain seas that environ their little world. They may start off on a fine day, with a fair wind, to make the shortest cruise, and the weather suddenly becomes so tempestuous that they lose sight of the island altogether, and are blown to sea and perish; or their boats are pounded to pieces on the rocks. In this way two boats and their crews were lost only a few weeks ago, in going the six miles between Santa Cruz and the next town, on the same side of the island. But you forget these bugaboos when bounding over the long swells of the mid-Atlantic in a good stout , with the sun shining and the wind just strong enough to white- cap every wave, and perhaps a spice of possible danger ahead adds zest to the enjoyment. The Face of the Deep. It is hard to tell which is bluest, the sky above, or the sea below; except in streaks, where white clouds skurrying over give to the mighty deep that ender tint of blue sometimes seen in a child’s eye. Should it “come on the blow,” as the sailors say, a few minutes would make a vast difference in this treacher- ous tranquility. It is not uncommon to cross from Flores to Corvo on a balmy morning, intending to return in an hour or two, and be detained there several weeks before it is possible to come back over the boisterous ten-mile channel between the two islands, and in winter the boats seldom venture out at all. Although the entire population of Flores Island is less that 13,000, it contains several villages besides Santa Cruz, most of them along the coast. Largens is the nearest town, and between it and the capital you see a little river hurrying 282 Boletim do Núcleo Cultural da Horta to the ocean (the Ribeira Cruz), and long stretches of stunted cedar trees – a species of timber so plentiful in Flores, that it not only furnishes the people with fuel, but is shipped to the other islands for boat-building purposes. Flores is semi-circular in form, almost entirely walled by high cliffs, indented with numerous small bays, and nearly every bay has its hamlet along-shore. At Largens there are many proofs of the inhospitable character of the coast in the remains of wrecks strewn all about. Here piles of spars and heaps of beams and bulwarks tells melancholy tales of disaster; there the smart, green panels and black-arched roof of some unfortunate ship’s “companion” have been joined to the dark walls and dingy thatch of a native house. Planks, seasoned by long cruises in many seas, serve as cottage doors, and on them some letters of the name of the ship from which they came may be traced. Waifs and Strays. Among them we made out the “Nancy Jane, Nantucket,” and “The Plymouth, Baltimore.” Largens, entirely uninteresting in itself, is surrounded by fields, divided checkerboard fashion by stone walls, in which women were working, with their clumsy, short-handled hoes. Fajen Grande is also built near the water’s edge, with high, dark cliffs behind it. The streets are bordered with loose walls, of black lava stone, behind which are cottages of the same gloomy color, thatched or tiled, with occasionally a more pretentious two-storied mansion of weather-beaten white, standing close to the street, without wall or yard in front. We found the stony lanes between these walls (too narrow to be called streets), abounding in pigs, poultry, and half-naked children; while groups of peasants in their calico jackets and scarlet petticoats gave color to the scene, and a touch of picturesqueness was added by some field-laborers dragging a huge wooden plow between them, and a wicker-top oxcart, with solid chunks of wood for wheels, creaking slowly through the village. Wherever the cliffs that environ Fajen Grande are not too nearly perpendicular small ledges have been cut out and planted with corn, flax, potatoes, cabbages, and onions. These rise in steps, to such a height that the upper ones look green lines dividing the layers of lava that show through their edges. The lava strips are bare, except where cushions of moss and lichens have given them soft tints of gray, or ferns and long grasses lean over. A Natural Curiosity. A little way back in the valley stands one of the natural curiosities of the island – a huge, isolated cone-shaped mass of black lava, several hundred feet high, Fannie B. Ward 283 rising like a nude cairn or pillar. There is no more accounting for how it came there than for the flies in amber. It is too large to have been carried down by a flood, and much too heavy for any force to have blown it through the air and planted it “right end up with care.” Perhaps some sportive volcano shot it up from the depths of the earth like a rocket, and down it came into this green hollow of the hills with force enough to plant it forever. The sides of this valley, like all of them in Flores, are dark with cedars, and lower down are corn fields and orange groves; and, by the way, the oranges of this island, though small, are among the very best in the world. The next village rejoices under the odd name of Fajemsinho, and all the way between it and Fajen Grande are precipitous mountains, covered with heath and masses of columnar rock, interspersed with cultivated fields in every canyon or hollow. Fajemsinho would not be worthy of notice as a village, were it not connected with some of the finest scenery of the Azores. It occupies the level floor of a magnificent amphitheater of cliffs, facing the open air, surrounded on three sides by vineyards, orange groves, and fields of wheat and corn. The Weary Way. To get to these fields, you have to cross the cliffs by a steep, zigzag path cut in the face of them, more fit for goats to traverse than for human beings. Yet the only road to Ponta Delgada, a considerable inland village, lies that way, and by it the inhabitants of Fajemsinho must go every day to and from their field labors. We climbed a little way up, and were well rewarded by the backward view. The afternoon shone up the mouth of the gorge with a soft, yellow light, illu- minating one side and throwing the other into shadow. It glittered on a silvery waterfall which tumbled over the edge of a nearby precipice to the surf far below and turned to burnished gold the whole broad expanse of sea in front. Clouds of vapor above the cascade wavered to and fro in the breeze like incense from a swinging censer, and over all towered the hazy cliffs in their three fold semi-circle, diversified in color to every shade of brown, green, and gray, bright red in places, with bands of shining ebony wherever the lava ledges, protruding through the soil, were wet by streams of waterfalls. While toiling up this stony way, which seemed more like the ruined stairs of an ancient abbey than a path, grasping the heather on the inner side for greater 284 Boletim do Núcleo Cultural da Horta safety and ramming our improvised alpenstocks down hard between the rocks, to prevent a slip, which would have dropped us into the surf roaring at the foot of the precipice, we were astonished to see both men and women come tripping down it, carrying heavy burdens on their heads, as lightly and as securely as we run up and down stairs at home. Of course, their careless confidence comes from having been always used to it, and we noticed that their bare feet seemed to grasp every stone they stood upon, much as a bird’s claw grasps a bough. We met a Fajemsinho girl with a great bundle of wood on her head. Poising herself for one moment on a single stone to let us pass, she acknowledged our salutation with a smiling “Boa tarde” (good afternoon). Then, gathering up her red petticoat in one hand and steadying the fagots with the other, she bounded down the mountain side with steps as fearless and graceful as ours were the reverse. Speaking of Azorean agriculture – though these volcanic islands, all rugged, lofty, and precipitous, present such an unpromising appearance from the sea – a closer inspection reveals luxuriant vegetation, rich pastures, and beautiful woods. The climate, though humid, is delightful, and, combined with the natu- ral fertility of the soil, brings every sort of vegetable product to the utmost perfection. Sugar cane, coffee, and tobacco grow luxuriantly on some of the islands, besides the vineyards and groves of orange and lemon trees. There is no doubt that fruits and plants of all kinds, from all countries, could be cultivated here with greater success than in most other parts of the world, but, unfortunately, the natives have neither the energy nor intelligence to turn the natural advan- tages of their position to the best account. Crude Methods of Farming. Their implements are of the rudest kind. In sowing they throw the seed about at random, calculating on the bounty of nature for a rich return, and they are never disappointed. Altogether, the islands produce annually upward of 17,000 pipes of wine and about 160,000 boxes of oranges and lemons – which are mostly sent to England, the United States, Hamburg, and Brazil. They also export considerable salted pork and beef to Madeira and Portugal, and a great deal of coarse linen made from home-grown flax. One of their most valuable productions is lupine, which here grows to extraordinary size, and is raised in great quantities. Fannie B. Ward 285

The farinaceous seeds of it, after being soaked in sea water to get rid of their bitter taste, are a favorite article of food among the poorer classes; the green leaves are excellent fodder for the cattle; the dry stalks are used for firewood, and the rest is plowed under for fertilizer. They say that the most dry and sandy soil, if “greenmanured” with lupine, is rendered fit for any crop. This is the very same “corn-field weed,” you know, which has been cultivated from time immemorial in Southern Europe and parts of Asia; the same which was the favorite “pulse” of the ancient Greeks and Romans; which the Athenians used to counteract the effect of drink, and Horace mentions as being used [as] money on the stage. Cato, Virgil, and Pliny refer to it, and 400 years ago Gerard wrote: “There be divers sorts of flat beans called lupine, some of the garden, and others wilde.” It is yet extensively cultivated in many parts of the world, especially in Egypt and the Mediterranean countries, for food, forage, and a fertilizer. Lupine of Many Varieties. There are over eighty species of the shrubby tribe Getistene, of the order Leguminosae – all with flowers of pea-like form, blue, white, purple, or yellow, in long, terminal spikes, and with flat seeds bitter as gall until the flavor has been somewhat taken out of them. One variety, that with the blue flowers (lupine tremis, I believe), grows wild in our own country, in sandy places, from Canada to Florida; and we sometimes cultivate another species in our gardens, those with beautiful , white, or yellow flowers, though unaware of their very ancient and honorable family. The range of the thermometer in the Azores is from 45 degrees Fahr., the lowest known extreme, or 48 degrees, the ordinary extreme of January, to 86 degrees, the highest known extreme of July near the level of the sea. But though the climate is so temperate and equable, the extremes of sensible heat and cold are greatly increased by the dampness of the atmosphere, which is so great that paper hangings will not adhere to the walls and the veneering of furniture soon slips off. The island of Fayal comes next in due course, sailing southwest from Flores 114 miles. It is, perhaps, the most frequented of all the Azores, after St. Michael, as it has one of the best harbors in the archipelago and lies directly in the path of vessels crossing the Atlantic. 286 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Place of Sanctuary. At any rate it has long been famous to America, and doubtless in Europe also, as the old-time paradise of absconding bank cashiers and swindlers of all sorts and conditions, who found it advisable to retire for a time from the public gaze. The island got its singular name from a green shrub, the faya, which carpets all its valleys and clothes its mountains from top to bottom. Seen from afar, it is one immense conical mountain, rising to the clouds and bearing every trace of comparatively recent volcanic formation. Its chief town, Villa da Horta, lies at the southwestern extremity, on a broad, deep, semi-circular bay, which is protected by two bold promontories, that form the horns of the crescent. Besides its own headlands, Monte da Quia and Espalamaca, facing each other like watchful sentinels, the harbor of Horta is somewhat sheltered by the long island of Sao Jorge to the northward, while only four miles away the magnificent volcano of Pico lifts its broad shoulders as an efficient breakwater to the southeastern gales. Just north of Monte da Guia, the southwest headland, stands Monte Quemada, or Burnt Mountain, with its curiously colored red and brown cliffs and base of blackened slag, and cultivated terraces, like ancient battlements. It juts sharply into the sea, and on the reef extending from it is an uncompleted breakwater. A Dream of Beauty. Among the patches of grain and corn and vineland, separated by tall hedges of cane, which crown the heights and terrace their sides, you see the remains of ancient fortifications and two or three old castles, all fallen to decay. The first view of the harbor and city flashes upon the traveler like a dream of beauty. Villa da Horta occupies the entire shore of the bay, and clings to the steep sides of the hill that rises abruptly from the water’s edge – the quaint monotony of its one story, whitewashed buildings, with dingy red roofs, all apparently precisely alike, rising one above another, relieved by the bright green of orange groves and gardens, over which scores of windmills swing their lusty arms as if challenging any number of Azorean Don Quixotes to mortal combat. The principal street of the city follows the curve of the bay, all the way from Monte Quemada to Espalanaca, the two horns of the crescent, and is protected from the encroachments of the sea by a high, thick, parapeted wall of masonry. In front of this the ocean waves lapse gently upon a beach of glittering black Fannie B. Ward 287 sand. In the suburbs villas peer out from embowering foliage, and behind all, the smooth topped hills trend gradually toward the center of the island, until they are lost amid the clouds that encircle their summits.

4. AMONG THE AZORES [2] Life in Fayal and Its Chief City, Horta. SOME ISLAND ODDITIES Old Fort San Juan and Its Bits of History. Quaint Place and Quaint People – A Gala Day – Irving’s Alhambra Recalled.

Horta, Fayal, Sept. 9. – Special Correspondence. – Although the Azores have remained in Portuguese possession since the day of their discovery – except during the short and almost forgotten period of Spanish dominion – this island which we call Fayal is named in all the old European geographies A Ilha dos Flamengos, the Flemish Island. It came about in this way: Away back in the fifteenth century when Portugal occupied a much higher position among the nations of the earth than at present and could afford to give away territories as large as any she now retains, King Duarte presented this archipelago to his brother, Prince Henry. At that time England was getting copiously drenched in the blood of the Roses, under the reign of Henry VI, or rather of his more spirited spouse, Queen Margaret. It happened that King Duarte’s sister had married the Count o£ Flanders and Duke of Burgundy, and she induced Prince Henry to send out as colonists to the Azores a great many Flemings who sought her protection from the persecutions then devastating the Low Countries. All trace of Flemish speech has long since vanished from the islands and none of their inhabitants now make any special claim of Span- ish descent, but there still remain numerous indications of the time when the bulk of the population came from distant Flanders. The capital of this island got its name, Horta, from Huerta, its Flemish founder, and a lovely village a few miles inland is known to this day as O Valle dos Flamengos – the Valley of Flemings – because it was originally settled by those exiles. 288 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A Gala Day. We arrived in the harbor of Horta on a Sunday morning, the gala day of the week in these good Catholic countries, and this is what we saw: The few vessels riding at anchor in the roadstead tricked out in festive bunting flying from gaff and masthead; all manner of smaller sailing crafts known to Mediterranean waters darting about the bay and across the Pico channel; boatmen rushing frantically up and down the beach after the manner of their kind, assisting the launching of their by a world of clamor and gesticulation; the long, straggling city following the semi-circular sweep of the bay from headland to headland and climbing-on terraces up the hillside, its quaint, one-story houses, painted glaringly white with red tiled roofs, resem- bling the Swiss toy villages of our childhood; above, tier upon tier of ridges with misty hollows in them, gradually narrowing and fading into the softened outlines of the central mountains, the sky, that of Italy, the sea with azure tints that hint of bloom. About midway in the half-moon shaped beach a small wharf built upon the solid rock juts forth from under the frowning ramparts of a fort where sentinels pace to and fro under the blue and white flag of Portugal. As we went up the slippery steps of the wave-washed granite quay the reveille, sounding from the fort, was answered by the blare of trumpets from the garrison on the hilltop and the resonant clangor of the cathedral bell. The high, substantial stone wall, built along the whole city front, just above the beach of glittering black sand, is a much needed bulwark, for there is only one narrow street between it and the first line of houses. Quaint, Strong, Old-Fashioned. Day and night the surf thunders against this protecting sea wall with a vio- lence that makes the earth tremble. At high tide the billows roll nearly to the top of the wall, and in severe storms they often break across it, plunging in immense volumes into the fort and over the roofs of the adjoining buildings that quiver and shake before them like reeds in the wind. Both walls and buildings have been many times crushed like an egg shell by the force of the waves, in winter gales, when the harbor becomes a broken waste of foam and the granite quay is completely buried from sight. Then all the smaller craft in the bay are swamped, vessels drag their anchors and drift upon the rocks or the beach, and it is impossible to pass through the main street of the city without being thoroughly drenched. Fannie B. Ward 289

On the wharf was a chattering multitude, all in their “Sunday best,” though the majority, both men and women, were barefooted or wore wooden shoes. There were voluble officials, trimly uniformed soldiers, peasants with produce to sell, beggars in variegated rags, and bevies of giggling senhoritas; the latter in every case convoyed by vigilant duennas who kept a sharp eye for flirtatious sons of Mars. Most of the men wore gay woolen caps, like those of the Neapolitan fishermen, the pointed top tasseled and hanging over the side; their shirts and trousers of white linen, and a short jacket of dark woolen stuff carelessly thrown over one shoulder. Costumes of the Women. All the women were bonnetless, with red, blue, or yellow cotton handker- chiefs tied over their heads. They wore white “short-gowns” and very full skirts of dark blue or red calico, and some peered out from the placket holes of coarse linen petticoats thrown over the head and shoulders. Others were entirely enveloped in capotes, or hooded cloaks, of dark blue cloth – that strange garment which Azorean ladies wear on all occasions – both winter and summer. The cloak part is simply an enormous circle, extending to the ankles, and the hood, of astonishing dimensions, is so stiffened with whalebone and buckram that it looks like a chaise-top. A capote costs from $30 to $60 and is the chief article in the trousseau of a well-to-do Fayalese bride. Like the Mexican rebosa and the old-fashioned waterproofs we used to wear it hides a multitude of shortcomings in other details of the toilet. All that can be seen of a woman inside of one is her hands and a pair of black eyes, glistening as if it were in the depths of a coal hod. The wearer holds the two sides of the hood together in such a way as to hide her own face, while she gives herself ample opportunity to peer out upon everything in range, and especially to study the (to her) outlandish costumes of las Ameri- canas. As you may imagine, nothing can be funnier than the side view of two capotes gossiping together on the street. Streets Genial and Straggling. The Rua de São Francisco, Horta’s principal thoroughfare, extends the whole length of the city in a straggling, genial sort of way, inviting fellowship from all manner of lazy waterside folk and scenes alongshore, and from the far pret- tier and more interesting thoroughfares that come down from the mountains 290 Boletim do Núcleo Cultural da Horta past orange groves and vineyards, and garden-embowered villas. It monopo- lizes all the business of Horta, all the stores and principal residences and public buildings, the cathedral and churches and barracks. At intervals it widens out into large well-paved squares and tiny parks, where beggars and fleas “most do congregate.” In every square is a public well, where water carriers loiter, and picturesque groups of women, dropping their odd horn cups and filling their churn-like casks, are coming and going, with much laughter and gossip, the whole day long. Architecturally, the city is vastly more quaint than beautiful. Street facades present the queerest of styles and studies. Some of them are veneered with porcelain tiles called azulejos (literally translated, “blue-eyes”) and the names of the streets are also lettered in the same blue and white ware, set into the walls. The shops are mere windowless store-houses with blank outer walls, but each with two or three enormous doors which stand wide open by day but are barred at night as if for a siege. Dwellings are built above the stops, with small balconies projecting over the street. Balconies Are Universal. Balconies in the Azores are as universal as in Havana, Lisbon, or Madrid. Some project from supports of carved stone, others rest with airy insecurity upon fancifully wrought timbers, and others show the daintiest patterns into which brass and iron can be wrought. All are latticed, and in this lattice work are queer little slides and grates – peep holes – behind which many a Juliet watches her Romeo’s coming. In passing you get glimpses of lovely roguish faces (the lovelier because half concealed), and receive coquettish smiles and sly salutes with fans and finger tips. It is considered highly improper for a Fayal maiden of the better class to so much as glance at a man in the street, and should you venture to call upon her, though with a string of introductions a yard long, the social heavens mould surely fall; but local custom gives them the blessed privilege of flirting with any stranger who happens to come along, from the safe and lofty vantage ground of their balconied alcobas. Evidently that rare jewel, consistency, does not abound even in these “Western islands.” The houses are built in continuous blocks close up to the sidewalks, the lower floor being on a level with it. Each has a courtyard or sagão, as the Portuguese call it, equivalent to the patio of the Spaniards. In the better houses they are paved in patterns, with gray and white pebbles, with dados of bright- Fannie B. Ward 291 colored tiles having a beautiful Oriental effect. These glazed tiles, by the way, are an interesting relic of the Moslem occupation of the Iberian peninsula. Irving’s Alhambra Recalled. Irving, writing about the Alhambra, says of them: “Some are still to be seen among the Moorish ruins, which have been there upward of eight centuries.” When the Spaniard invaded the Netherlands the tiles went with them – white porcelain, with geometric figures of blue, brown, green, or yellow – and their cleanliness made them acceptable to the Dutch. In colonial days our forefa- thers brought them to New England, where we know them as Dutch tiles, but they are still Moslem, and Dutch only by adoption. These of the Azores are mostly made in Oporto, and there are many other manufactories in Spain and Portugal. It was the late Mrs. Harrison’s dream to have the White House kitchens floored and ceiled with neat “Dutch tiles,” but her ambition was not realized. To return to our Fayal sagão. A long flight of wooden stairs leads up to the dwelling part of the casa, and usually a bell rope hangs beside the door on the landing. Nobody pays any attention, to the bell, however, which seems to have been put there mainly for ornament – the proper way, from the Azorean standpoint, being to announce your arrival by clapping your hands, as they did in the “Arabian Nights,” you remember. The great double doors of the sagão are painted green, blue, or yellow, and have clumsy iron hinges, latches, locks, and knockers that would delight an antiquary, and the lintels and casements of hewn stone are painted in colors to match the doors, while the walls are dead white. There are two good inns, in both of which the English language is spoken – the Hotel Central and the Hotel Fayal. Azorean Hotels. The fixed price in all the Azorean hotels is 1.150 reis a day – a large sum, you think at first sight of the figures, but it is only $1.19 American money for fare fully equal to that for which our hotels charge $3 per day. The floors are bare, but frequently washed, the beds a trifle hard, but always clean, and the attendance good enough – after you get used to going out on the balcony and clapping your hands while shouting “Ho Jose!” exactly as Don Quixote summoned Sancho Panza. The Hotel Fayal has the advantage of being nearest the landing and of having a very large garden surrounded by high walls, its broad avenues lined with trees under which are rustic seats, orange groves, 292 Boletim do Núcleo Cultural da Horta and banana walks and smaller fruits in abundance, such as guavas, nespras, figs, pomegranates, etc. Here are flowers, too, in wild profusion the whole year round, exhaling delightful perfume, while the little olive-colored canaries fill the air with song. There are long hedges of camellias and bowers covered with passion flowers, acacias rosy with bloom, stephanotis, ipomoeas – and such roses! They grow on trees many feet high, and one single Cherokee or Banksia rose bush entirely covers one of the walls for the length of thirty feet. Like all the other gardens of the island this is inclosed by walls of lava stone sixteen feet high and three feet thick. Tall mimosa trees guard the entrance, flanked by palms and immense ferns. Ivies and flowering creepers fairly run riot, and the broad avenues are shaded by incense trees, the leaves of which are aromatic and the nuts are burned as incense in the churches. Charming Invalid’s Retreat. In this charming place an invalid or a wearied traveler may swing her ham- mock and indulge in all-day siestas, and every night be lulled to sleep by the music of old ocean’s grandest symphonies. Directly opposite Hotel Fayal stands the old Fort San Juan, where the famous cannon “Long Tom” is mounted. It is the forty-two-pounder pivot gun which belonged to the privateer, General Armstrong, in the war of 1812. Right here the Armstrong was blown up and for many years her wreck lay on the beach before the castle of San Juan. The defense of this vessel on Sept. 26, 1814, is one of the most gallant exploits in the history of American naval warfare. Captain Reid and his officers were at a ball on shore when it was reported that a British fleet was off the port. He hurried on board and moved his ship under protection of Port San Juan. Though he had only seven guns and ninety men he repulsed three attacks of flotillas sent in by the British squadron, destroying many boats and inflicting on the enemy a loss of 300 men. Finding that he must eventually be overpowered Captain Reid caused the muzzle of “Long Tom” to be pointed into the hold and fired, thus scuttling the ship, when he escaped with his crew to shore. Long afterward the “Long Tom” was fished up and mounted in the fort, where patriotism impels at least every American comer to make it a visit. There is nothing else very warlike about the old castle. It contains a few rusty guns and pyramids of cannon balls and a squad of soldiers, whose principal occupation seems to be the peaceful one of playing cards. Fannie B. Ward 293

5. AZORE ISLAND LIFE Pictures of the Peasantry of Fayal and Pico. ORIENTAL AND ODD White-Winged Wherries and Scenes About Horta. Some Queer Street Names – A Delicate Operation – Religious and Educational.

Horta, Fayal Island, Sept. 15. – Special Correspondence. – The Azoreans, like the peasantry of Southern Europe, are very early risers. Long before the sun has climbed the hills that environ Horta, you are awakened by a strange, insistent clatter – “the sound of the wooden shoon” beating a tattoo upon the pavements, mingled with the softer patter of donkeys’ unshod feet and the light-hearted chatter of many people wending their way to market, to labor in the fields, to the orange gardens for fruit, or to the upper heights for firewood. Presently the church bells begin their clangor, the reveille sounds from the barracks, and guns from the San Juan fort are answered by prolonged echoes and bugle blasts from other fortifications. By that time the drowsy god is effectually put to flight and you conclude that it is well to turn out into the streets with the rest of this little island-world. The proper thing to do – after the mug of chocolate and crusty roll that precedes breakfast by several hours – is to stroll down to the shore just before sunrise and see the boats come in from Pico, the sugar-loaf island across the bay, which, having no harbor or anchorage of its own, serves as a tributary to Fayal. Taking his morning bath in the clouds, Pico gives no hint of his 11,000 feet crater cone. Rising in symmetrical proportions, its top is perpetually veiled in mist, while half a mile from its surf-washed base the sea is unfathomable. But on its edge you see a narrow line of white houses, and further up gardens and fig trees, vineyards and groves of oranges and apricots. Screaming gulls desert their resting places on the rocks near the coast and swim about in the water, joined by innumerable sea birds, and the little brown canaries that fly away to Pico at every nightfall, flit overhead in countless numbers on their way back to the fields of Fayal. 294 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Picturesque Pico Figures. Fleets of Pico ferry boats – large, open wherries, each carrying two sails, looking in the distance like other flocks of white-winged birds – come skimming across the bay, laden to the gunwale with peasants and their pro- duce, on their way to the Fayal market. Arrived on this side of the boisterous channel, the boats are run up on the sandy beach, or moored alongside the quay, to be unloaded. Then the barefooted, wooden-shod, or sandaled men and women hoist boxes, baskets, and bundles on their heads, and trudge away up the middle of the street, erect, careless, and chattering like magpies, no matter how heavy their burden. Many of them are bowed beneath loads of wood that would stagger a horse, the bundle bound around with an iron hoop, like an overgrown cart- wheel; and besides this burden resting on the head and shoulders a basket of something in each hand. A few of the men are dressed entirely in dark red, with rude cow-hide sandals on their feet, evidently of their own manufacture, knotted at the toe, and with the hair left on. The Pico peasants, we are told, used to wear red altogether, and have fashions of their own, distinctive from those of the other islanders; but of late years, since so many foreigners visit these parts, the fear of ridicule has caused most of them to discard the costume of their fathers, or to keep away from Horta. Now few but the older people, too old and dignified to bother with the vagaries of fashion, appear in red from top to toe. One of the most picturesque figures I ever saw was an aged citizen of Pico, with long, gray hair and beard, dressed in a short jacket of red linsey-woolsey, waist coat, and knee breeches of the same, red gaiters buttoned over sandaled feet, and a knitted cap of red wool, the tassel on the pointed end dangling at one side among his wind-blown snowy locks. A Favorite Walk in Fayal. Another favorite morning walk is to Porto Pim, an excellent little haven adjoining the main port – or, rather, it would be excellent were there no westerly gales, to the full sweep of which it is exposed. It lies just around the corner of the headland called Monte da Guia, the base of which is connected with Monte Quemada by a high beach of glittering black sand. The opening between these two peaks makes a suburb setting for the Fannie B. Ward 295 huge volcano beyond, which has many times shaken up the island, Da Praya de Norte, the crater of which is said to be 1,800 feet deep. The town on the side toward Porto Pim is walled by an ancient Spanish forti- fication, erected, centuries ago, as a defense against the descents of corsairs, and is entered by a medieval gateway. Beyond the gateway windmills swing their mighty arms, tents are pitched along the shore for bathers, and naked children among the bleaching timbers of stranded wrecks, upon which nets have been spread to dry. Fishermen saunter up from their boats, carrying queerly woven baskets of fish, that show all the colors of the rainbow, red predominating, and women plod townward, with huge bundles of cane stalks on their heads, or casks full of water, on the surface of which sprigs of green are floating, to prevent spilling. One never tires of the street scenes of Horta – ever changing, always picturesque. The streets themselves, like those of the other islands, are very narrow, and are paved with oblong blocks of stone. Some of them have sidewalks, generally not wide enough for two persons to walk abreast, and others have only one row of wider stones down the middle of the road, for pedestrians. In the nomenclature of these streets (or “ruas,” in local parlance) honors are about evenly divided between the saints and human heroes, as, for example, Jesus Christ street, Rua de Cônsul Dabney, Rua de San Pedro, Rua de Conde de Santa Anna, Conception street, Compassion street, Crucifixion street, etc., all lettered in blue and white tiles on the corner houses. Only the Alameda de Gloria – a short, wide street, which would anywhere else be called a “place” – is bordered with trees, the rest being too narrow; and the glare of the sun on the unshaded white walls is so trying to the eyes that men, as well as women, carry sun umbrellas. Pictures of the Peasants. The market place, a square, paved inclosure with a well in the center, has a few trees around the edges, and is always crowded with brown, pleasant- faced people – elderly, sun-burned women with white or red handkerchiefs on their heads, and on top of the handkerchief a round straw hat; capot-hidden women a few pegs higher in the social scale, city servants with their endless castanet-like clinking of wooden shoes; grim men from the farthest upland wilds of Pico – tall, lank, grave, and austere, their sack-like garments hanging limp to the primmest of knee breeches, which lead to stockings of wonderful 296 Boletim do Núcleo Cultural da Horta colors and feet covered with rawhide sandals to which the hair still clings, fastened across the toes with rawhide thongs, precisely like the pampootas, the earliest foot-covering known to man; wasp-waisted military attaches in green-trimmed brown, buff, and blue uniforms and little caps set jauntily on the back of their heads; solemn, bay-windowed padres; beggars with smiling faces, as cheerful over rebuff as reward – all so tinged with the Oriental that you can hardly believe yourself only 2,000 miles away from America, while at least two centuries behind the progress of the country. Here comes a Fayal gardener with his basket of cucumbers covered with fresh green ferns, carried on the back of his neck supported by a pole over the right shoulder. Behind him trots a woman with a flaring black basket on her head, piled high with red and yellow apricots. Another has a gigantic wooden platter full of fluffy white ducks, their broad yellow bills resting on the rim. Immense melon-shaped squashes are carefully poised on the heads of others, and on top of the squash is, perhaps, a cabbage leaf containing a pat of butter, a few fresh eggs, or some other marketable commodity. Most of these women are bodiced, and all are short-skirted, with bare feet and legs. Thick, goiter-like necks are universal among this class – due, no doubt, to the constant habit of carrying heavy weights on the head. Oriental and Ancient. The round hats that top the handkerchiefs when there is no burden to be carried are fastened under the wearer’s chin by knotted cords; and when the hats do not stay on securely by reasons of sportive breezes, the woman picks up a stone of suitable size, places it upon the crown of the hat and pursues her way in serene content. Here comes the milkman, bearing a crooked pole across his shoulders, from which depend wooden buckets and pottery measures. The poulterer also has a pole on his shoulders, from which live fowls are suspended by the legs. Meek-eyed donkeys file by, singly or in twos or fours, carrying between them a huge box or hogshead swinging from great beams whose ends rest upon their backs, their slim legs twisting and turning beneath them as they trot along. Other donkeys are so completely hidden under towering loads of furze, bushwood, straw, or cornstalks that only the tips of their noses and the ends of their tails are visible. Fannie B. Ward 297

“Ande!” “Ande!” (go along) shout their drivers, prodding the patient little creatures continually with long, iron-pointed spikes. There goes a haciendado from the rural districts with his creaking cart drawn by an ox and a cow yoked together; or maybe it is an ox and a mule, or a cow and a pony. But always the cart is of the same Azorean pattern, made of one piece of wood, with a wicker-basket body and wheels of solid wood, which revolve slowly on the heavy axle with terrific groans and moans so dear to the heart of the Fayalese peasant. Observe a group of women at a public well. Their tall wooden casks, shaped like old-fashioned churns, and holding six or seven gallons, stand on the stone curb. One by one the women throw the bucket down into the fern-draped well, dip it into the water, then haul it up hand over hand, full and dripping, and pour it into their casks. When the vessels are all full, each rolls up a little pad and places it on top of her head, and is assisted by her neighbor to hoist the heavy cask upon it. We wonder how the last woman is going to manage her bucket. A Delicate Operation. The problem is soon solved; two companions already laden, stoop their bodies, but with heads held stiffly erect, and without spilling a drop from their own casks, dexterously lift the last one to its place, and away they all trot together, bright and cheerful, chattering like magpies, without ever raising a hand to steady their burden. The public garden, in the northwest suburb, is small but prettily laid out, full of flowers both winter and summer, with pathways winding around a green monticule in the center, on the summit of which is an octagon-house for the shelter of visitors. This is the site of the first church built on the island – that of St. John’s, with a nunnery attached, which was destroyed by lightning many years ago. Nothing now remains of the old pile except a square tower on the west side, of the wall, which is apparently upheld and preserved by its mantle of creepers. The most conspicuous building in Horta is the old Jesuit Convent and College, with a church in the center. The college and convent are now used for offices by the civil government, and are simply lofty buildings forming the wings of a church. All the convents are now used for benevolent or useful purposes, for the nuns and monks were expelled and religious communities suppressed by Dom 298 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Pedro IV, about sixty years ago. At that time there were forty-five convents of nuns and monks in the archipelago, with upward of 11,000 inmates. The majority of these remained recipients of government pensions during their lives – a heavy tax on a small community with limited resources, but never- theless a just one. They were finally reduced to an abbess and one sister, who lingered to great age, supported on the former nunnery of St. Anthony, and both died about two years ago. Religious and Educational. The churches are all Moorish in architecture, with pretentious facades, three or four stories high, flanked by square towers, surmounted by Saracenic domes. The interiors are bare and lofty, with two rows of massive pillars supporting the roof, and many altars tawdry with gilding and artificial flowers. Some of the shrines are decorated with great bows and rosettes made of cheap American neckties; others are decked with cotton laces, poor tapestry, and tinsel and gewgaws. The floor of one of the churches on a Sunday morning looks like a gay flower garden, with its crowds of kneeling women, with bright-hued handkerchiefs on the heads. Rockets sent up from the church steps form part of the regular service, and bells are rung on week days almost as continuously as on Sundays. The Carmelite church and convent, which stands upon a prominent hill, is now used as barracks for the soldiers of the garrison. The old Franciscan convent, connected with another spacious and profusely ornamented church, has been turned into a hospital. The small convent of the order of St. Anthony has become an asylum for destitute girls between the ages of 8 and 16 years, where they are taught a little reading, writing, and embroidery, and a good deal about sewing, cooking, and domestic economy. When their education is considered complete, they are taken into service by respectable families, who are placed under judicial obligations to treat them kindly. The government furnishes the building only for the worthy institution, and private charities support it. Fannie B. Ward 299

6. AMONG THE AZOREANS Pleasure Seeking in Pico, the Heart of the Islands. ODD MOUNTAIN STUDY Splendid Grapes Growing Among Bare Lava Stones. Typical Archipelago Vineyards – Magdalena’s Quaint Burg – Beautiful Women.

Horta, Fayal Island. Sept. 27. – Special Correspondence. – Notwithstanding Horta’s many attractions the stranger within its gates cannot be contented until he has crossed the five-mile channel to Pico – the mountain island whose huge bulk towering directly in front of the port, is visible from every part of Fayal. Its volcanic cone, tapering upward to a height of nearly 8,000 feet and as beautifully shaped as if chiseled by art, surrounded at its base by innumer- able smaller craters, is the central point in the Azorean archipelago, visible so many miles out on the broad Atlantic that it has even been proposed as a first meridian of longitude. Viewed from a distance, it looks like a great black column rising straight out of the sea. From the hills behind Horta, with clouds intervening, it seems of incalculable height and size, while down at the water’s edge it appears like a mighty preci- pice looming directly above, which grows in magnitude the longer you gaze upon it, until you actually fear that the heap of hardened lava, a mile high, may topple over on Fayal and crush it out of existence. Skirting its incomparably picturesque shores in a boat and remembering that every atom of mountain and shore was belched forth in volcanic fires you can think of no better description of it than the old simile of a vast cinder heap, where the larger slag has continually rolled to the outer edge into the sea, forming an ever-broadening base, while the finer siftings steadily add in height to the perfect cone above. Pico the Azores’ Barometer. Pico is the barometer of the Azores. When he shows his head in the afternoon good weather is indicated for the morrow, but when he remains hidden all day with no break in the upper clouds the signs are so unpropitious that no amount of gold can lure an Azorean far from shore. Cohorts of constantly shifting clouds add to it both mystery and immensity. Never entirely unveiled at once and clearcut against the sky it is often so 300 Boletim do Núcleo Cultural da Horta completely shrouded from base to summit as to be invisible, even from so near a point as Fayal. After having gazed at it from your window in admiring wonder the last thing before going to bed at night it gives you an uncanny feeling to be utterly unable to see any sign or trace of it in the morning – as if it had slipped its anchor in the darkness and sailed away to the other side of the globe; or was it only a phantom mountain, with no tangible existence at all? It is a favorite saying among the Fayalese that “King Pico never wears the same gown twice.” As seen from Horta it is usually clothed in dull green, with narrow bands of white indicating the small truncated cones of extinct craters, but the clouds that encircle its pinnacle are forever changing in color and contour, and at sunset it is beautiful beyond description. It is oftenest bathed from crown to base in a rosy glow, that deepens gradually to amethyst, then to royal purple, then fades to pale gray, and is gone. Sometimes, in the midst of sullen clouds that have all day hidden it from sight, a blood-red spot appears, which turns to burnished copper and glows like the open door of a furnace. Suddenly the cloud curtains are drawn aside, as by an invisible hand, and the peak, all aflame, is disclosed. The Peak All Ablaze. As you gaze entranced, the flames wax redder and mount higher, sending their radiance far down the shoulders of the mountain, whose huge body remains murky black. Alternately meeting and parting, as if to increase the spectacular effect, the clouds roll by, and the peak, now lifted into infinite height, is trans- figured with unearthly glory. It is in reality “a pillar of cloud by day and a pillar of fire by night,” for its crater, which in days of yore has been the source of so many disastrous eruptions, emits breath of such intense heat that in the moonlight and in certain conditions of the atmosphere at dawn or twilight, bright flames are plainly discerned flickering amid thin wreaths of smoke. As you watch the boats plying all day long across the narrow channel the temptation becomes irresistible to pay this mysterious neighbor a visit. And nothing is easier. Although the Portuguese language is to you a sealed book, the boatmen are accustomed to the ways of visiting foreigners and know what you want without the aid of words, and they readily make room for you in some comfortable corner of an outgoing , and make you understand, too, the price therefore. Fannie B. Ward 301

It takes only half an hour to cross from Horta to the little village of Area Larga, or to Magdalena, the chief town of Pico, where many of Fayal’s citizens have summer residences. The native boats, despite their rude appearance, make almost yachting time, their immense lateen sails swelling and straining in the breeze as they careen over the billows, now and then tossing spray into your face. The groups of chattering, gaily dressed peasants, lounging on deck among the bales and boxes and queer commodities, are charmingly picturesque; sea and sky are “deeply, darkly, desperately blue,” and straight before you towers the stupendous cone, black, solitary and sublime. The Island Described. Nothing can be more interesting than a study of Pico’s base from an open boat. The island is about forty-eight miles long by fifteen miles in the widest part, gradually narrowing to the southeast, where it terminates in an acute angle. Its population is estimated at 30,000, scattered among half a dozen little cities and perhaps a score of hamlets. The single tremendous peak from which the island derives its name and which furnishes the highest altitude to be seen by mariners in Atlantic waters stands near the western end of it – that nearest to Fayal. A few hundred feet above the shore immense layers of black lava show edges as plain and clean cut as a carefully laid wall. Each of these bears evidence to a separate overflow of lava from the volcano above. In places they come squarely to the edge of the sea, like huge breakwaters of masonry, and anon they are crumpled or blended as if by torrents of molten lava. Interspersed between these are ragged crags jutting through the surf, showing where melted masses seethed and cooled; and, again, are long reaches where the mighty Atlantic has been pounding unhindered for ages of precipitous strata worn into arches and pillars and buttresses, some of them hundreds of feet high – most curious and fanciful representations of vast ruins of temples and cathedral aisles. The soil is everywhere almost too stony to produce much grain, so that most of the food supplies are imported from the neighboring islands. Years ago, before a blight fell upon the vines and nearly destroyed the leading industry, a great deal of wine was made – the very best in the Azores. 302 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Some Azorean Vineyards. Then the exportation of this commodity sometimes amounted to 100,000 barrels a year; now it is hardly as many gallons. No vineyard in Tuscany produces finer grapes than those that grow on this bare mountain. They are small and white, resembling the Delaware grape in shape, size, and texture, but with so delicate and delicious a flavor that one may eat pounds of them without a surfeit. The wine is a mild tipple suggesting Madeira in taste and color, with the advantage of being much cheaper. The juice is trodden out in vats, by the naked feet of boys and girls, and its proper market is the West Indies, especially among the army and navy, where it is considered superior to any other vintage for use in hot climates. The British commissioners of those colonies keep an agent at Fayal who contracts for the principal portion of Pico’s annual yield, which is brought over in small boats to the port of Horta and shipped in vessels employed for that particular trade. As you approach the mountain, its base from a little distance appears to be covered with a coarse black network, which may easily be mistaken for trel- lises of damp wood for the vines to run on, but when close enough to see objects distinctly the supposed trellis work turns out to be a network of low stone walls – myriads of them, rising tier above tier like the seats in a theater – dividing the larger vineyards into tiny compartments. There is not an atom of anything deserving the name of vegetable soil from the base to the top of Pico and that green vines and lush grapes should be produced among the barren stones of the mountain seems to you a phenom- enon as singular as that of pure water gushing out of a rock. Had Pico been the veritable heap of cinders around Vulcan’s furnace it would hardly be blacker than the lumps of lava among which the vines grow. Imagine the refuse of a stone quarry spread out over the slope of a mountain, divided into little patches by two-foot walls of the same material; then fancy a single vine just sprouting, planted in the center of each division – the whole vineyard of twenty or thirty acres surrounded by a higher wall of loosely piled stones – and you have a tolerable idea of what a Pico vineyard looks like at this time of year. Where corrugated cliffs of the coast line have been worn by ocean surges into a similitude of ruined castles spanned by natural bridges and girt about by chevaux de fries of rocks, through narrow, watery lanes between detached Fannie B. Ward 303 pillars and arched cathedral aisles, you ride up to the little cove in front of the town. A huge roller that threatens to swamp the boat runs it up on the beach, and though the landing stairs are completely submerged you are set ashore dry shod. The beach is at all times lively with naked boys, scampering about with shrill laughter and outcry, dragging up armfuls of sea moss, snatched from the crest of the wave. Great piles of this moss, alternate red and white, are drying on the shingle to be sold for a fertilizer, and filling the air with “a very ancient and fishy smell.” Magdalena is the quaintest little burg imaginable, the glare of its white walled cottages subdivided by the fringy foliage of the tamarisk, the only kind of tree that flourishes on the island. It has showy spikes of long pink flowers and is very delicate and graceful. Its wood is said to equal mahogany and is in great request in Lisbon, where it is manufactured into fine furniture. Of course you go at once to the Consul’s house, which is doubly interesting as having been a former priory. Handsome Island Women. The refectory of the monks and their narrow cells are now the family sitting and sleeping rooms, and from the veranda you may look upward into stony vineyards, or outward upon long swells of the Atlantic, where within half a mile of the doorstep the sea is unfathomable. You may easily walk to the nearby village of Criação Velha (Old Creation), which is even quainter than Magdalena, and more intensely Portuguese than any spot in Portugal. It has no water, and troops of barefooted women are con- stantly jogging over the stony road carrying heavy buckets on their heads to and from the seaside well, two miles away – in each full bucket some sprigs of fresh ferns to keep the water cool and prevent spilling. You are struck by their tall, erect figures, well-developed chests, and graceful carriage, and especially by their full, liquid “ox eyes,” such as Homer gave to his goddesses, fringed with long black lashes. The women of Pico are said to be the handsomest in the Azores, and some enthusiastic travelers have pronounced them the most beautiful in the world. Certainly they are superb pictures of health and contentment, and if worldly lore is lacking, “where ignorance is bliss ’twere folly to be wise.” Their round, 304 Boletim do Núcleo Cultural da Horta delicately featured faces have a peculiarly kind expression, and to the stranger they are courtesy personified. The Pico costume is very pretty – a dark blue petticoat of heavy woolen stuff known as “picot,” bordered with rows of scarlet; a hussar jacket of the same reaching just to the belt line, with many seams in the back all heavily corded with scarlet; the hair, combed smoothly back from the forehead, confined in a classic knot behind and covered with a red cotton handkerchief knotted under the chin; on top of the handkerchief a low-crowned sailor hat, such as the men wear, made of flat braid of the island, trimmed with a scarlet worsted band.

7. UP A DEAD VOLCANO A Monster Not Far From Fayal, in the Azores. ON THE ISLAND OF PICO Fannie B. Ward Ascends One Glorious September Morning. On the Edge of a Smokestack 8,000 Feet High – Asleep Above the Clouds.

Horta, Fayal Island, Sept. 30. – Special Correspondence. – While visiting Pico, you should by all means ascend the volcano which has given its name to the island. Two days are usually allowed for the journey, and since four- legged animals are as scarce as comfortable lodging places, it will be well to avoid delay by making arrangements in advance as far as possible. And then all depends upon the weather, that most uncertain of things Azorean, for without a clear day it is love’s labor lost to climb the peak, since you get not a glimpse of “scenery” beyond the cinders underfoot, and a boundless sea of impenetrable clouds that swathe the mountain from base to summit. If time presses, the trip may be accomplished in one day, by passing the night at Old Creation (Criacao Velha, commonly called “Villas” by foreigners, a village on the lower slope of the mountain, about two miles from Magdalena), and start- ing for the summit next morning before daybreak. We were exceptionally fortunate in having all things arranged for our comfort by acquaintances in Horta. As before mentioned, many of Fayal’s wealthiest citizens have their summer residences over on Pico Island, and one of the now deserted cottages was placed at our disposal, and the services bespoken of Jose Maria, the well-known mountaineer, who acted as cook and courier and bargained with the island folk for all essentials. Fannie B. Ward 305

I believe that but one person ever lived who could preserve his dignity on donkey-back – he whose entry into Jerusalem is commemorated on Palm Sunday – and I doubt if even he could have done it in the Azores. Not only are the island donkeys so diminutive that a rider of average height and size finds his feet almost touching the ground on either side when mounted, and feels that he might much better be carrying the poor little beast than allowing it to carry him, but the whole outfit is absurdity personified. Your Faithful Quadruped. First the donkey is covered from head to tail with a clumsy packsaddle. Above this is piled the andilhas, a wooden frame that looks like a short-legged sawhorse. The rider, if a woman, sits between the X shaped ends of the andilhas on the right side of the animal, without even holding the bridle, which is a mere ornamental appendage. As safely penned as in a baby jumper, she has no responsibility whatever in the business, except to keep her hat on if she can and accommodate her muscles to the ambling gait of the creature, which sways the andilhas like a violently rocked cradle, causing her to keep up a succession of jerky little bows, like those of an over-polite marionette. The donkey is always attended by a driver, barefooted boy who runs along- side with incessant shouts of “Ande!” “Passe caya!” He carries a long, sharp goad, with which he constantly urges the beast to the top of its speed, up hill and down; and when a steep downhill is reached, where caution is required, he inflicts a few extra jabs of the goad and then applies the brake by seizing the donkey’s tail and holding back with might and main. It is useless to protest against these procedures. The driver merely looks his mild astonishment that any human being should know so little about the management of donkeys and pursues his own course; and you soon learn to trust the novel brake in the most dangerous paths. The sun had not yet appeared when we found ourselves fairly on the way to Pico’s summit. It was a glorious September morning, with a fresh breeze scattering the clouds that veiled the upper heights. At first the road, stony, but not excessively steep, wound between gardens, orange groves, and vineyards, all fenced by loose walls of lava, and hedged by oleanders and arbutus. There are no large trees in Pico. Dwarf cedars, fayas, box, moss and ferns form about all the indigenous vegetation. Streams and cascades are also “conspicuous by their absence,” for scarcity of water is a pronounced characteristic of the island. Vellas, the first village en route, like most of the others, has no water at 306 Boletim do Núcleo Cultural da Horta all, and you meet troops of chattering women, each with a huge water cask on her head, trudging to Magdalena, two miles away, whence all the household supplies must be obtained by making two or three journeys each day. Think of it, grumbling housewives at home, who have only to turn a faucet for the water you want; what if you had to walk four miles for every drop of water required! Laborers, early afield, are busy with their short-handled hoes in the yam patches. Robins, canaries, and blackbirds sing in the hedge rows; rabbits scamper across the pathway, and quails and partridges are flushed at the first sound of approach. The Scenery Higher Up. Higher up, broad, undulating slabs of lava cover the ground, as if the whole country were paved with asphalt, interspersed with scanty bits of pasturage, like oases in the desert. You notice that all the cattle are small and red; the goats are black, with branching horns, and the sheep have remarkably long, white wool. The cattle-sheds, like every bit of rock in sight, are so heavily coated with lichens that at a little distance they look as if painted a mottled green. Scores of smoke columns rising in solitary places denote the fires of charcoal burners, and myriads of açores (hawks, whose presence in such num- bers give the archipelago its name) circle aimlessly overhead. The truncated outline of the distant cone, toward which you are toiling, is wreathed with light, rosy clouds, and its summit glows like a living coal in the rising sun, while the lower half of the mountain is yet in mist and shadow. Before noon you come to the point where all attempt at cultivation ceases, and the mountain becomes nothing but a vast heap of loose slag and cin- ders, seamed by gulches in every direction. Here many people bound for the summit pass the first night, sleeping in a herder’s hut, among the lambs and calves; but since the weather was so favorable, and our start sufficiently early, we preferred to press on to the top, and spend the second night at this place, on the return. Not far above the donkeys must be abandoned, and the remainder of the ascent performed on foot, with the aid of alpenstocks. All who undertake this jour- ney should have the good sense to bring along stout boots that reach nearly to the knee. But about nine out of ten do not. Most of the women wear ordinary walking shoes, with more or less thinness of sole and exaggeration of heel, and sometimes even the abominable toothpick pointed toes. The consequence is that very few of them ever get to the top. After climbing awhile in torture, they are forced to sit down disconsolate, and wait for the others to go on to Fannie B. Ward 307 victory, or spend days afterward picking cinders out of their lacerated feet. A lady shod in spiked-sole cowhide brogans may not be able to frisk about gracefully like an opera bouffe shepherdess, but at least she can accomplish what she came for, and sing a song of triumph on the mountain top. There are 2,000 feet of hard scrambling over loose rocks, that slip away beneath the feet at every step, not particularly dangerous, but toilsome to the last degree. It is like climbing up over a dome, and as you ascend the apex, the wind, unhin- dered is its sweep across the broad Atlantic, increases to a gale that threatens to whisk you off into space. Climax of the Ascent. The supreme effort comes with scaling the rocky wall that rims the outside crater – for here is a crater within a crater. The outer one is perhaps 300 yards across, with perpendicular sides averaging seventy feet in height, except at one point, where a break has been made. Looking down into it is like gazing upon a ruined fortress from the battlements thereof, the masses of scoriae and blackened lava that lie strewn all around answering for the fragments of shattered towers. Descending easily enough through the break in the wall, you stand upon an almost level floor, in the midst of which, on a platform of lava, which is again supported by long buttresses, rugged and twisted, like the writhing limbs of tremendous dragons suddenly stiffened into stone, rises the cone, 200 feet high. The heat in the amphitheater is intense, and being overpowered with thirst, you search at once for “Vulcan’s well,” which previous visitors have described. It is a bowl-shaped hollow, hidden deep within a cleft in the wall, filled with ice-cold water, notwithstanding the atmosphere of hades, being inclosed like the bulb of air in a spirit level. Scrambling to the top of this spirelike cone, constantly loosening stones, that roll downward, threatening the heads of those who follow, after many bruises and backslidings you finally reach the top, and find a slightly depressed second crater, not more than twenty-five feet in diameter, out of which a thin, hot vapor issues. This is the very chimney from which rise the clouds of steam and tongues of flame visible so far out at sea. The stones all around are so hot that you cannot long bear your hands upon them, and perched upon the edge of the lofty pinnacle you feel as if seated at the top of a smokestack, as if you had only to lean outward and drop down the sheer descent – 8,000 feet – into the ocean below. Giddiness seizes you, and a certain awesome solemnity, as if you were the last living creature 308 Boletim do Núcleo Cultural da Horta standing alone upon the very apex of creation, an indescribable sensation which can be experienced only on the top of mountains that stand entirely isolated between sea and sky, and like Pico, terminate in a minute point. Thousands of feet below, white-clouds lie scattered like a fleet of , becalmed; the white walls of Horta glisten almost at your feet, and the tender green of Fayal’s softly undulating hills seem so near that you may hear the charcoal burners at their work. To the north and east, Terceira, Saint George and Graciosa look like emeralds, surrounded by a surf rim of pearls, set in the amethystine floor of the ocean. The blended line of sea and sky is indistin- guishable – intense blue above and below, streaked with lavender, nile green, and palest tints of rose. Happily, the descent to the herder’s cabin is rapidly made, or darkness would overtake you on the mountain top. After José Maria’s savory and much-needed supper, which, let us hope, is awaiting your arrival, you are glad enough to roll up in a blanket and lie down to pleasant dreams, undisturbed alike by the proximity of the lambs and calves, the trampling of donkeys and snoring of guides, and the strange sense of isolation from all your kind, as if transported to another planet. Visions of earthquakes flit through your slumbers, and it not unlikely that the earth may more than once tremble beneath you. But there is really no danger, the volcano has been so long quiescent. History tells of several destructive eruptions, but all long ago. In the 1572 it broke out in a new spot on the north side, near the village of Prainha, and sent down a stream of lava six miles wide, which devastated everything in its course to the sea. Again in 1718 and 1719 there were destructive eruptions, both from new openings in the mountain side; and in 1870 the tall cone suddenly converted itself into an active smokestack, sending forth flames and lava almost uninter- ruptedly for six months, during which time stones and ashes were sometimes blown even as far as St. George’s Island. In the morning you enjoy the novelty of awakening above the clouds, which completely shut out the world below, nothing visible in infinite space but the cinders immediately under foot. By the time breakfast has been eaten among the calves and donkeys the clouds have begun to disperse, and if you are a tolerably good rider you may reach Magdalena by noon, and even your own comfortable quarters in the Horta Hotel across the channel, there to nurse your bruises and backaches for many days to come, but firm in the conviction that the trip to Pico top was well worth so small a penalty. Fannie B. Ward 309

8. AZORES IN AUTUMN Rides and Drives Around the Island Capital. TRIP TO THE LAVA BEDS Caverns Deep, Dark, and Dangerous in Volcano Land. Peasant Life and Rural Scenes – Primitive Farming – Some Picturesque Places.

Horta, Fayal Island. Oct. 3. – Special Correspondence. – One of Fayal’s greatest attractions consists of the many delightful rides and drives within easy reach of Horta. Portugal has shown surprising liberality to these islands in the matter of roads, and, which many of them are literally level as a board floor, all are as nearly perfect as roads can be in a mountainous region. One may visit any part of the island in a day’s journey and find the beautiful views, the fertile hills and valleys, and the primitive, pastoral life, charming, quaint, and picturesque enough to delight the ennouye and fill an artist with enthusiasm. The rich soil and semi-tropical climate combine to give rare luxuriance to the verdure, while the moist atmosphere keeps it green from spring to spring. Wherever one goes for miles in any direction from Horta, he sees gardens gay with blooms and fence walls covered with vines, ferns, and blossoming parasites. Indeed, the gardens are the pride of the islanders, and nothing is neglected to bring them to absolute perfection. As to modes of transit, there is always the small but sturdy donkey, whose back is the safest and easiest, as well as the cheapest, vehicle to be found in the Azores – whether we sit in the saw-horse shaped native saddle, or are mounted only on a well-strapped sheep-skin. A Trip to Capello. There are a few uncomfortable carriages in Horta, which may be hired as tolerably moderate rates. Each has two poles, and is drawn by three mules, guided by three reins. But the Portuguese coachman is not nearly so trust- worthy as the average donkey, and a great deal more stupid. Generally he is as ignorant of his profession as constitutionally timid. He merely sits aloft on the box, enjoying the scenery of his beloved Fayal, while puffing his cigarette of cheapest tobacco in your face and making a feint of earning his wage by lashing the mules into an uninterrupted dead run. Up hill and down they dash at break-neck speed, regardless of bumps and bruises and loosened wheels, 310 Boletim do Núcleo Cultural da Horta taking chances on steep grades that an American coachman could not be hired to, even “in his cups,” and if an accident occurs, as is more than likely to be the case, the jehu’s only resource is to smoke, swear and scream, and further abuse to the poor beasts. A favorite excursion is to the village of Capello, fourteen miles southwest from Horta, over the fine new road which is to extend around the entire island, now about two-thirds completed. Much of it is built on solid masonry, always where ravines are to be crossed, and the rest of the way the earth is packed down with the hardness of concrete. Beautiful blue hydrangeas of great size border the road, but no grass is to be seen, for none – properly so-called – grows in the island; instead, the bright little hop-clover and the wild carrot flourish everywhere. Madeira vines, climbing in wild luxuriance, fill the air with fragrance; golden oxalis, purple-tasseled ice-plant, and corydalis fill all the crevices of the walls, and above them tall fuchsias droop their flowers and oleanders bloom, and fig-trees show their loads of fruit. Historic White Castle. All these in gardens set close together; and further on, in the more thinly settled country, patches of towering canes wave their bannerets far above, and serpent-like cacti in spots where the outer coating has crumbled away. The largest hamlet is called Castillo Brando (white castle), so named from an enormous rock lying off the shore. It is nearly 500 feet high, and from the sea appears like an enormous fortress, entirely disconnected from the island. In reality, it is a bold promontory, sloping sharply backward, and ending in a narrow isthmus, which joins at the mainland. On its summit are the ruins of a monastery, about which many traditions cling. In former years it served as a refuge for the nuns of the neighboring convents whenever jolly corsairs made their descents upon the island. Imbedded in the walls you may still find the remains of antique Dutch tiles, china plaques, and marine shells, with which they were profusely decorated; and from some old wells in the vicinity bits of rare Indian ceramics were exhumed a few years ago which were curious and beautiful enough to set an art collector wild with admiration. The Land of the Volcano. Between the villages sloping to the sea are fields of yams and sweet potatoes, corn, and wheat, besides beans, melons, squashes, and other “garden sass,” growing as thriftly here as in Illinois or Ohio. But somehow there is an Fannie B. Ward 311 unexplainable difference, not only in the look of them, but in the taste, though cooked by the self-same process. The corn, too, is different. It is not planted in hills, nor yet for fodder as at home, but each stalk, growing remarkably tall, stands by itself at a consider- able distance from its neighbor, and the ground around it is not hoed, nor cared for in any way between planting and harvest. Beans and melon vines usually grow between; or if not, purple ageratum mignonette, and other wild flowers spring up unhindered. These fields extend from far up the hillsides down to the very ocean, where they end in high cliffs of black volcanic rock, which is worn underneath by the restless waves into caverns and fantastic arches. Approaching Capello you see black conical peaks towering ahead, each with its extinct crater, and all but some with grain fields on their slopes. That soli- tary exception, bare of verdure and glowing angry red in the sunshine, emitted the latest lava stream that wrought havoc in the island. It occurred some two centuries ago, and the path of the torrent is still plainly to be seen, a mile wide and many miles long, strewn with lava stone to the depth of several feet. Nature has been doing her very best ever since to efface the scars and repair the ravages; but beyond soft gray lichens covering the boulders, and faya bushes, and tree-heather now just beginning to take root, there is no vegeta- tion from the top of the mountain to the sea – nor will there be until long after the present generation and several to come have turned to dust. Caverns Deep and Darksome. The superstitious natives have appropriately named this peak “El Mysterio,” and still regard it with awe and reverence. Its last recorded eruption occurred in April, when its downpour of molten lava laid waste all the farms and villages in its course; and as soon as their terror subsided the people of Capello went en masse to Horta, and registered a solemn vow in the presence of the mayor and aldermen and all the priests of the city, to give alms to the poor on every Whitsunday, thenceforth and forever – a promise which is still religiously kept. Consequently there are very few really poor people to be seen in Capello – though the richest among its citizens lack many things which to us seem the commonest necessaries of life. There is no hotel, but luckily our Consul has a cottage there, as in several other beautiful parts of the island, to which he occasionally flits for a few days’ rest, and he kindly gives his countrymen and country-women permission to take 312 Boletim do Núcleo Cultural da Horta possession of it, with their hampers and other impedimenta, when making a visit to the village. The principal point of interest is a grewsome cavern in the near-by lava bed, from which some fine specimens may be obtained. The way thereto winds up a steep path among the hills. It is necessary to have a guide familiar with the place, and to pick your way carefully among the lava beds; for although the small blocks of lava, piled one above the other, look firm enough under their soft carpet of gray-green lichens, there are half-hidden crevices here and there, showing black, awful caverns yawning beneath – of unknown extent and probably flavored by the ocean which is here some 16,000 feet deep – into which at any moment the slipping away of a single stone might plunge the unwary. Mysteries and Diversions. Only one of these caverns has yet been explored, and that is a very small one, only about twenty feet deep by as many wide, but with possibilities of increase blood-curdling to imagine. When accidentally discovered by the Consul’s son, it was only a chink in the floor of the lava bed, half hidden by a tuft of ferns that grew beside it. Pulling up the fern-root disclosed a hole, perhaps a yard wide. Next time it was seen, stones had slipped away here and there, or had settled into unknown depths below, and the cavity was three times as big as when first looked into, and it has continued to increase, almost imperceptible, stone by stone, to its present proportions. You may easily scramble down into it, and with a small hammer carefully break off pieces of red, gray, green, and mottled lava, brittle and beautiful as coral; but the whole place trembles under foot and echoes hollow at every blow. The theory is that the glowing torrent here suddenly cooled, and its fiery bubbles, protected by the dense surface of a more sluggish current, following immediately after, have preserved their shape and color to this day. But when the bright-hued lava, so different in texture, structure, and color, from the surface of the bed to which it belongs, is exposed to the air, it soon fades to duller red. One gets some diverting glimpses of peasant life in these rides around Fayal. For instance, to the picturesque Meranti ravine, not far from Horta, with its rattling watermills and swirling stream devoted to prosaic laundry purposes. On the way thereto you meet troops of bare-legged women, with their gay petticoats tucked up and great bundles of clothes on their heads picking Fannie B. Ward 313 their way carefully down the ledges, or like Nausicaa when met by Ulysses, washing the linen and spreading it, white as , upon the rocks to dry. That unpoetical employment is carried on here in a way that certainly cleanses the garments, but proves destructive to their texture. Very Ancient Agriculture. They are washed in sea water, among the slimy rocks, and never boiled. Tubs are unknown, a convenient stone serving as a rubbing board. Then they are spread on rocks or rubbish heaped by the roadside, with stones placed on the corner of each garment to hold it flat, and sprinkled two or three times a day for several days. The sun does the rest. Half way up the steep hillside, overlooking this Miranti ravine, the ruins of a once pretentious villa hang like a deserted bird’s nest. It belonged to an old-time Spanish Consul, a hidalgo of high degree in his “ain countree,” and must have been a most fantastic structure, its walls plastered with shells, Dutch tiles, and old china. The Monte da Guia must also be visited – the tall promontory at the northern horn of Horta’s crescent-shaped harbor. Having clambered up the almost perpendicular shoreward side of the hill, over slippery stones and through fields of lupine between cane hedges, you are rewarded by a magnificent view of the “Western Ocean.” There is a signal station on top for telegraphing the arrival of vessels; and near it is a chapel dedicated to Our Lady of Guia, at whose annual festival the good people of Horta turn out as one man and climb the rocks, on their knees as far as possible, to worship at this lonely shrine. What farming was in the day of David and the prophets, of Homer, and of Virgil, it is today in the Azores. The yoke, the cart, the plow, the harrow, the thrashing floor, and the winnowing, are all precisely as described in the Old Testament, the Odyssey and the Georgics. The grain is cut with a sickle, and the sheaths bound by men, women, and children, as in the days of Ruth and Boaz. Every well-to-do Azorean peasant has near his hut an eira (Latin, area) or thrashing floor – a circular space of hard trodden pumice, fifteen to twenty feet in diameter, surrounded by a low wall of weather-beaten stone. The unbound sheaths are thrown upon the eira floor, and over them cattle are driven, attached to a wooden drag, whose lower surface is studded with iron spikes or sharp bits of lava – the team guided by a long rope, tied to the right horn of the off ox and held in the driver’s hand. 314 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Primitive Practices. You frequently see children attending to the thrashing, while the elders are doing the heavier work in the fields. Any boy or girl can drive a pair of cattle Azorean fashion, and they seem to enjoy the fun. After scampering pell-mell over the eira a few times, with shouts and laughter, the straw must be turned over with wooden pitchforks, made of a single piece of wood cleft into three prongs at one end, much as Neptune’s trident is pictured. Then it is thrashed and dragged again; and afterward the straw is drawn out with cumbrous wooden rakes, the grain swept up into a windrow, and a flag raised to ascertain the direction of the wind. Then men with wooden shovels toss the wheat into the air, against the wind, which win- nows it by blowing away the chaff. Close by the eira is usually an arched stone building, not unlike a rather large Dutch oven, plastered and whitewashed like the houses. Within this is a cistern. Spouts lead from the tiled roofs into the eira, and others from the eira into the cisterns, and thus the rainwater used for household purposes is collected in this streamless country. Often close by the cisterns are “stationary washtubs,” hewn out of the rocks, shallow at the front and sloping deep at the back, that the stone side may serve the purpose of a washing board. The corn mill of Fayal is almost a facsimile of the old asinaria of the Romans. The lower story of some of the houses is used as a mill. A cow is harnessed to a crank as the horse does duty in a New England cider-mill. Her eyes are covered with tunnel-shaped tin blinders, and she travels in a circle, turning one stone upon another, thus grinding about a bushel of corn in an hour. There are a few windmills of rude construction in Fayal, but the cow mill and the scriptural hand mills are much more common for corn grinding.

9. NEST OF THE CLOUDS Trip to the Greatest Crater in the World. FAYAL’S BIG SHOW PLACE Ride to a Mountain Top in a Hammock. The Story of a Caldron Two Thousand Feet Deep – Fenced by Flowers.

Horta, Fayal island, Oct. 7. – Special Correspondence. – Fayal’s principal show place, the “Caldeira” – Portuguese for caldron, or kettle – lies up among Fannie B. Ward 315 the mountains toward the middle of the island, only about ten miles from Horta. The enormous pot is an object of ceaseless interest, being the largest extinct crater in the world – nearly 2,000 feet deep and six miles around its circular rim, and may be easily visited in a day’s journey, either on donkey- back or in a hammock. The latter mode of transit is much affected by lady tourists – the hammock swung at either end of a long pole, which is carried on the shoulders of two men. But if you choose this method of transportation, take my advice and have an extra mule in tow, for you will surely need him before the journey ends. The hammock bearers trot briskly, up hill and down, as though your weight were no more than a feather; and for the first two or three miles you think it the most luxurious mode of traveling that can be imagined. Half reclining, with nothing to do but hold a sun-shade and enjoy the prospect, the old Methodist hymn recurs to mind – something about being “carried to the skies on flow’ry beds of ease.” But after a while your feet “go to sleep,” as the children say; then the strange numbness extends to the limbs, and finally to every part of the body. Nervous pains follow, culminating in intense nausea, until you are glad to walk any number of miles rather than ride another minute in that palanquin fashion. However, you have a great deal to enjoy before all this occurs, and by varying the programme with the extra donkey, may get along delightfully. In a Hammock. Leaving the city behind to the east, for the first six miles the road is smooth and gently ascending, between orange groves, cultivated fields, and country houses. The hammock carriers reverse ends, and you “ride backward,” as otherwise you heels would be higher than your head going up hill. Probably this hastens the inevitable nausea, but in the matter of scenery it gives you the advantage of those on donkey-back, who can only see straight ahead in the narrow lanes. You get lovely views of the smiling valleys, high hills, and rugged ravines, the red-roofed casas of Horta spread out below, the harbor dotted with vessels, and omnipresent, cloud-wrapped Pico only four miles away. The greenest of those pastoral vales is the celebrated Valle dos Flamengos, which, tradition says, was originally settled by the Flemish. Its dingy, moss- grown village, founded in the fifteenth century, is not only the oldest town in the Azores, but the dullest and sleepiest – and that is saying a great deal for it in the way of dullness. Antiquity weighs heavily indeed upon Flamengos. 316 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Grass and weeds grow thickly between the stones that pave the streets, and an oppressive silence reigns. Half the houses are without the least indication of being inhabited, and all the walls and buildings, once whitewashed, are now weather stained and lichen covered, and parasitic plants fatten upon them. The people appear as if they looked upon levity or action as an insult to the traditions of the place. Even at midday the thoroughfares and public square are empty. The shopkeepers lounge in their doorways, expecting no customers. Now and then an unkempt citizen shuffles aimlessly into view, with an air of having nowhere to go and no reason for going anywhere, and the women washing in the little stream that trickles through the rocky gorge in front of the village are not chattering laughing like their voluble sisters in other places. Fenced in Flowers. For miles the way is hedged with blue hydrangeas (Hortensia?), a plant not indigenous to Fayal, but thoroughly naturalized. It is used for fencing the small fields and planted in rows, grows to great height, each tree bearing hundreds of trusses of light blue blossoms that from a distance look like a soft blue mist on the slopes of the hills. The pastures are pink with genuine Scotch heather, alternated with patches of blue periwinkles, and box is everywhere, similar to that cultivated for English borders, only grown tall and cone-shaped, like Lombardy poplars. Presently you come upon a successions of heathery ridges, crowned with stunted shrubs, whose interminable dreariness is relieved only by occasional herds of undersized cattle or men, women, or children plodding downward to their valley homes, each completely buried beneath the bundle of brushwood which he or she has been to the mountain to gather. The path grows rougher and wilder, and finally disappears altogether. The donkeys and hammock-bearers pick their way carefully over rolling stones and slippery boulders, along the bottom of deep ravines that will be watercourses by and by when the rainy season sets in, or follow sheep trails along the narrow edge of crumbling ridges, the wise little donkeys putting their feet close together and gently tobogganing down into the gullies. In all the gorges that furrow the hills in every direction ferns grow with wonderful luxuriance, the Wood- wardia radicans, with graceful fronds six and eight feet long, mingled with masses of ivy similar to the “English” variety, among which scarlet orchids and other bright flowers bloom. Fannie B. Ward 317

A few miles of such traveling, steadily up and up, and suddenly a particularly lonely ridge comes to an end upon the very brink of the tremendous crater, O Caldeira, whose yawning mouth measures more than two miles straight across. The vast, round pot has a circumference of six miles at the top, gradually decreasing to a third of that area at the bottom, and the sides of it, lined with heath and faya brushes, are so nearly perpendicular that it looks like an enormous funnel, sunk two thousand feet into the earth. If it happens to be free from clouds, the spectacle is indeed awe-inspiring. In the Pit. The only entrance to the pit is down the rocky and tortuous bed of a stream – a passage as dangerous as it is difficult, often apparently ending in abrupt projections from which you must either leap or fall. The guide says “O Caminho não está bom” – the road is good for nothing – and tells you of a young American who lost his life in making the descent a few years ago, but when you see dozens of men and women toiling up barefooted, all with great sheaves on their heads, you determine to venture it. Down the steep trail you go, assisted by the protesting but always trustworthy guide – scrambling, sliding, jumping, tumbling, often turning angles so sharp that you cannot trace the way a yard ahead, and in making the two thousand feet to the bottom are obliged to traverse at least three times that distance in dizzy zigzags. It takes the best mountaineers more than an hour to do it, and again and again, meeting peasants staggering under heavy loads, you are lost in wonder at the patient industry or depth of poverty which impels them to such effort for so small a return. Their sheaves are of rushes, gathered at the bottom of the crater, which they will “season” at home and then braid into matting or cattle ropes. You may buy these rope coils in the market, each three yards long, for a patank – 5 cents. But think of the hardship and toil that have gone to make one of them. The miles of weary walking barefooted through rocky ravines to the summit of the Caldeira, the fatiguing descent into the pit, the hours of hard labor in the broiling sun, the long climbs up again under the burden – all for 5 cents. When the rushes are gathered they are first tied into small packages and then these are bound together into an immense bundle, so disposed that a round place is left in the middle, through which the bearer thrusts his head. Arrived at the bottom, you find the floor of the crater undulating, slightly boggy in places, and covered with spongy moss, into which the feet sink ankle deep at every step, with occasional dryer patches, where mint and tansy flourish. 318 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A dark tarn occupies the center – not of turbid water, as at first glance you fancy, but clear as crystal beneath its thick covering of interwoven leaves and stems of some acuatic plant. Line and plummet have never sounded the depth of this tartaean lake, but tradition gives it direct communication with the ocean. A few cattle graze near its borders (how in the world did they get there?) gulls flit screaming over, and gold and silver fish dart among the lily roots. Some- body must have stocked the pond with the latter – maybe the thrifty Flemings of a former century – because there are no native fish in the island, nor snakes, nor reptiles of any kind. Close by is the real crater of the spot – a miniature volcano several hundred feet high, with a cavity also in its center, the whole covered with a dense growth of evergreens. The Nest of the Clouds. The Fayalese peasants, who are by no means so unimaginative as they appear, speak poetically of the Caldeira as “The Nest of the Clouds.” And truly it is an apt simile. In the morning the great basin is completely filled with clouds, which seem to be shaking and pluming themselves after a night’s rest. The great cauldron seethes with them. Higher and higher they rise, until at last they roll over the brim and pour down upon the surrounding hills. Detachments of them remain on guard all day, circling around the edge of the abyss, now lifted high in the air, and again falling solidly to the bottom, continually weaving themselves into a thousand fantastic shapes. No words can describe the awful sensation it give you, when standing at the bottom of the crater, to gaze upward and see an ocean of clouds pouring over the edge like a second Niagara, and roiling above you in billows like those of the Atlantic. The terrible walls seem to close in around you, making escape impossible. In vain you strain your eyes to get even a glimpse of the sky from the depths of this mighty well, this weird and grewsome place in which the Fayalese peasantry locate every evil witch and warlock which rally forth to harass the sons of men. It is a good deal easier to get into a hole than to get out again, as the Bard of Mantua sagely remarked, though in somewhat different language. Fatiguing and difficult as is the descent, it is child’s play compared to the weary climb to the upper regions. It will require at least three hours, of the hardest work you ever did in your life, and the chances are that you will sit down more than once on some projecting rock and declare that you cannot go another single step. The guides help all they can, the path being often so narrow that two Fannie B. Ward 319 persons cannot walk abreast, and each foothold must be selected with care, now hauling you up by one hand, now pushing from the rear, and occasionally a stalwart guide will hoist you to his shoulder, and, holding your knees stiffly against his chest, while you sit as erect as possible, will make a few springs up the dizzy path. Toward the last the hammock men come after you, and, when the top is gained at last, you are fain to lie flat on the blessed level ground for a while and gain breath and mental equilibrium. Wayside Shrines. In Fayal, as in other countries, the farther you get into the rural district, the more distinctively novel are the scenes. You come across wayside shrines, with flowers piled before them, or a tiny lamp flickering in a box, in memory of somebody who died years ago on the spot. You see cows tethered in the fields, each with a heart-shaped amulet of red flannel bound around her fore- head to protect her from the “evil eye.” Stone huts have high-pitched thatched roofs, with a square hole in the peak which serves as a window, out of which a head is always shyly peering when strangers pass. The little houseyards, fragrant with saffron and bergamot, are walled and shaded, and women sit in the doorways with their spinning. The spinner holds a distaff between the left arm and side. The thread is wound off the spinole on a kind of “swifts,” such as our great-grandmothers used to have, twisted with the left hand. A great deal of flax is grown in the Azores, and takes the place that cotton does with us. The men of the better class dress in suits of snowy-white linen, and peasants in the coarser, unbleached sorts. Woolen cloths are also woven, dyed black, brown, blue, and gray, resembling coarse felting. The country house interior is easily described, because there is so little in it. It has but one room, the rafters in bold relief above, sometimes “a woven work of willow boughs” partitioning off one end for a bedroom; a loft above it reached by a ladder; each bed a pile of furze or straw on the earth of the first floor, and on the poles laid close together of the loft. There is neither stove nor chimney. The fireplace is merely an adobe shelf built against the side wall, and on it furze and faggots are burned, the smoke escaping as best it can through the roof and open door. For cooking utensils there are pots and jars of crude red pottery and occasionally an iron kettle. Meat is a rare article of food with the Azorean peasant. Unleavened corn bread, baked over the coals – coarse, hard, sour, and smoky – is the chief of his diet, with a bit of fish or cheese, a red pepper, and a cup of water. No wonder he is such a queer creature – sensitive, jealous, 320 Boletim do Núcleo Cultural da Horta superstitious, and cowardly. But there is also much to be said in his favor. He is temperate and industrious, kind and helpful to strangers, and so polite that even the barefooted, half-clothed donkey boys address one another as senhor. All your stable bills and other accounts made out by the natives, though they amount to but a few cents, are addressed to “O Illustrissima Excellentissima Senhora” – The Most Illustrious, Most Excellent Lady – and the naked young- sters in the street kiss their hands to you. And now we are off for Terceira and the capital of the island.

10. THE AZORES’ CAPITAL Characteristics of the Third Island of the Archipelago’s Nine. ANGRA ON TERCEIRA ISLE Old-Time Refuge for Discomfited Portuguese Monarchs. What the People Do and How They Dress – A Neat Trick with a Bull.

Angra, Terceira Island. Oct. 11. – When the Portuguese mariner who first sighted this archipelago came upon the third island in the order of discovery he named it Terceira, Castilian for “third.” Although by no means the largest island of the group it ranks first in the political history of the Azores, as well as in the estimation of the mother country and the hearts of the islanders. Settled in the sixteenth century, it was made the capital of the group, partly on count of its central position and also because it has the safest roadstead of all the islands excepting Fayal, which lies too far westward for equal legislation. Terceira is about twenty-one miles long by twelve broad, and its population is now estimated at 60,000. Environed by rocky promontories it looks from the sea very much like Fayal, but closer observation discloses radical differences. Instead of the cones, craters, and bifurcated peaks which distinguish the other islands and exhibit such strong evidence of comparatively recent volcanic eruptions its 170 miles of rugged coast line inclose many beautiful plateaus from 2,000 to 4,000 feet above the sea, all its mountain tops being flattened out into broad plains. Doubtless Terceira, like the rest of them, has had its volcanic eruptions, but at a period so remote that their vortexes have filled up by the gradual operations of time. The level craters and entirely decomposed lava show that the volcanoes were spouting away many centuries before those Fannie B. Ward 321 of Fayal and Pico were tossed up from the ocean. Terceira has no boiling or mineral springs, such as have made its neighbors famous, but it abounds in grain fields, orange and lemon groves, rich pasturage, and fine cattle. The port of Angra is situated much like that of Horta, the great headland which protects it, called Monte do Brazil, being the counterpart of Fayal’s Monte Monte de Guia – both resenting precipitous fronts in the sea, sloping sharply backward and connected with the mainland by a strongly fortified isthmus. The Monte do Brazil is the pride and boast of the Angreuses, having been more than once the refuge of runaway Portuguese kings during peninsular revolutions. It is perhaps three miles in circumference, forming the Bay of Angra on the east and Fanel Bay on the west. Its 600 foot high summit bears the inevitable signal station of these ports – this one a tall wooden cross with a basket attached, which is pulled up and down to announce a vessel’s approach. The isthmus is entirely occupied by the castle of St. John the Baptist, the prin- cipal fortress of the island, in itself a considerable village, housing upward of 2,000 souls, including the garrison. It mounts 100 pieces of cannon, many of which are forty-eight pounders. The unhappy Don Alfonso VI. spent five years of his life inside of those old castle walls when deposed by the Cortes and his brother Dom Pedro II., and his imperial coat-of-arms may still be seen above the doorway of his sleeping apartment. St. Sebastian, the second fortification which defends the port of Angra, so called in honor of its founder, the ill-fated monarch of that name, is situated on the east side of the bay, where its artillery crosses with that of San Antonio. There is also a subterranean passage to a battery upon a rock, against which the sea breaks with fury, whose guns cover the port, and the whole coast as far as Feteira; and taken altogether Terceira’s fortifications, though musty and out of date like everything Portuguese, would render the approach of a hostile fleet rather hazardous, to say the least. Loyalty to the Portuguese Crown. Evidences of the martial spirit of the islanders and their loyalty to the fortunes of the Portuguese crown abound on every hand. The name of the place, Angra do Heroismo (“Bay of Heroism”), was bestowed by a grateful sovereign for value received, as was also the city’s proud title, Siempre Leal, meaning “always loyal.” After the popular acclamation of Dom Antonio, prior of Crato, the Portuguese throne, to which there had already been nine “pretenders,” was usurped by Philip II. of Spain. Terceira resisted his power bravely for several years, but at last, in 1582, she succumbed to the Spanish fleet, of ninety 322 Boletim do Núcleo Cultural da Horta sail, under the famous Marques de Bazan. After more than half a century of submission to the hated Spanish rule Dom Joao VI. was proclaimed king, as he had been in Portugal, and the Spaniards expelled from the island. The third important struggle, which earned the city the epithet “do Heroismo,” occurred in the present century, when the citizens declared themselves supporters of the rights of Dona Maria da Gloria, against her uncle, Dom Miguel, the despotic regent, who was finally overthrown and expelled from the kingdom. It took six years of hard fighting in Portugal to down this sturdy usurper, but in Terceira the central struggle lasted less than four months. Dona Maria resided at Angra about three years, beginning in 1830. A few miles east of this port is a coast village which has received the high-sounding title of Praia da Victoria, “Beach of Victory,” where several victories were gained over foreign would- be usurpers. The plaza adjoining the pier is named Largo do Março 5, “Square of March 5th.” In commemoration of the day of Alfonso’s arrival; and the visit of Dom Pedro VI. is kept in affectionate remembrance by a tall monument with pyramidal shaft, set upon a hill in the outskirts of the city. There are other peculiarities which render Terceira superior to its neighbors. Angra is in many respects the finest looking city in the Azores. One striking superiority is in its sidewalks, which in some places are actually wide enough for two people to walk abreast. Its streets are broader and more modern, and the buildings that line them handsomer. Its whitewash looks whiter, its paint bluer, pinker, yellower than elsewhere. Its cathedral is the largest, its churches the best and most numerous, and to crown all and cap the climax of Azorean glory it is the only city in the archipelago which can boast a genuine bull ring, where regular fiestas de tauros take place. The cathedral occupies an eminence in the center of the city, its foundations laid in a flagged yard, with a parapet and flight of stone steps leading up from the street. There are three arched doorways in its whitewashed façade, with a high tower on either side of a pediment, wherein is a clock which from time out of mind has refused to tell the hours. The interior would be imposing were it not for the tawdry gilding which defaces all these Portuguese sanctuaries. Arches of beautiful construc- tion and two rows of lofty pillars running the whole length of the building sup- port the roof. On each side are four altars, and the chapel of the high altar at the farther end is arched in hewn stone, its dome supported by six gilded columns. Close by the high altar is the tomb of Ponto da Gama, who visited this island in 1497, in company with his illustrious brother, Vasco da Gama, on their return from a voyage to the Indies, and Ponto got no further, and least in the flesh. Fannie B. 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Connected with the cathedral is a rather interesting annex wherein the vestments and processional images and church treasures are kept, and where the bishop and priest hold their conferences. Ranged in chronological order around its walls are the portraits of all the Bishops who have officiated here since the first one came 350 years ago. In the way of art they are a curious study. Some were painted in Lisbon and some on the spot by native artists, and those of the fifteenth century are quite as good as those of the nineteenth. The only inn of the island, the Hotel Terceirense, faces the main plaza in its gaudy garb of whitewash and red, blue, and yellow paint. From front to rear and top to bottom, from vile odors and buggy beds and the unguessable com- ponents of its menu it is as Portuguese as anything to be found in Portugal, dirty and comfortless beyond compare. The only entrance is through a dim sagão (answering to the Spanish patio, or inner court), which is used as a wine vault, and is full of musty hogsheads and sour smells, accurately betokening the condition of things beyond. When Society Airs Itself. The aristocracy par excellence of the Azores resides at Angra, including his holiness, the Bishop, and the Governor General of the island, and titles are as thick as colonels in Kentucky. On pleasant days the streets and public squares present an animated appearance, the spacious shops displaying goods from Lisbon and Madrid, the tobacconists and wine dealers and gambling parlors, all with doors and windows wide open and doing a thriving business. But in rainy weather, which is so frequent in these island, everything is closed and deserted, and in the evenings the dimly lighted streets are silent as the grave by early bedtime. The liveliest place in town is the market plaza in the early morning. There you see peasants in clean linen suits, with immense double collar of Roman gold and funny little melon-shaped caps, of dark blue cloth with scarlet lappets turned up at the sides. Itinerant merchants, with their wares in huge wooden trays, or in baskets of braided rushes, carried on the head, or slung on poles over the shoulders, perambulate in many picturesque varieties of costume. The cream of society is of course Portuguese and to see it at its best you should go to the central plaza about sunset. Numerous Don Quixotes prance gayly about on spirited little island ponies, and crowds of pedestri- ans loiter under the oleander trees; the Governor General, resplendent in gold lace; handsome, dark-skinned officers in gaudy sashes and uniforms of green and gold; elegantly dressed ladies, toddling painfully on French heels set in 324 Boletim do Núcleo Cultural da Horta the middle of shoes several sizes too small; the more comfortable and gen- erally better looking barefooted sisterhood who have no “style” to maintain – every shade and stratum of Azorean life. Everybody “of the male persua- sion,” as Mrs. Partington would say; big and little, afoot or on horseback, puffs diligently and without ceasing at the worst smelling cigarettes that the West Indies can produce. The Portuguese man or boy is never seen during his walking hours without this supposed luxury in his mouth, and his powers of expectoration are unsurpassed, even by cuspidor champions in the United States “Sunny South.” In meeting the ladies kiss one another, first on the left cheek and then on the right, bobbing their heads from side to side in graceful unison, and woe betide the foreigner not accustomed to the salutation, who bobs her head the wrong way and gets bumped for her awkwardness! The men also throw their arms around each other’s shoulders and kiss squarely upon the mustache with resounding smacks like the popping of champagne corks. While Azoreans generally are of Portuguese origin, those of Terceira pride themselves particularly on sangre azul. The inhabitants of some of the other islands have more or less mixture of Flemish or Moorish blood. English, Scotch, and Irish immigrants are also present in considerable numbers, especially in Fayal and San Miguel, and are said to be responsible for the blue eyes and freckles that disfigure some of the younger Portuguese counte- nances. There are also some ‘negroes’ among the reputable citizens; but a little extra shade in the complexion and kink in the hair does not count for much among these swarthy people. Taken all in all they are a queer lot. Among the aristocracy the manners of Lisbon prevail and regular court etiquette is observed at assemblies and parties. Education is at a rather low ebb in all the islands, but less so at Terceira than elsewhere. Natives’ Bull-Fighting Proclivities. Among other institutions of learning at Angra is a college for the education of priests, which has at present over 100 students. The people appear to derive little benefit from the blessings which Providence has conferred upon them. For example, though the finest fish in the world abound almost at their doors, they prefer cod and dog fish and other salted (and often putrid) varieties brought from Newfoundland and the Mediterranean. Instead of their own beef and pork, which can hardly be excelled, they buy dry “jerk” and abominable bacon imported from Portugal and South America; and in lieu of their own unadulterated wine drink a vile spirit from Brazil and the West Indies, while Fannie B. Ward 325 the so-called better class substitute gaudy cotton prints and sleazy “mixed” goods from England for the admirable native linen. Along with the other pernicious fashions from Lisbon the sports of the bull ring were imported. But the Portuguese fiesta de tauros is not wildly exciting, as reproduced at Angra, the island bulls being very small and tame and their horns well padded to prevent them from hurting anybody. The amphitheater where the contests take place, out in the suburb called Franca de San João, looks like a small circus ring. It is situated on the backward slope of a hill, to prevent the small boys and children of larger growth from getting surreptitious unpaid-for peeps; the high whitewashed walls toward the street supplied with shuttered windows and wooden doors, above which appear such inscriptions as “camarotes” (boxes) and “bilhetes de sombra” (seats for the shade). You pay the equivalent for an American quarter for a seat in a box in the shade and half that amount for the gallery where the sun’s rays pour in unhindered. In Terceira, as in Portugal, Spain, and Mexico, the corrida de tauros always takes place on Sunday, the general holiday. All the world and his wife, from the Governor General down through the nobility, the priesthood, tradesmen, and barefooted laborers, go first to mass and throng the amphitheater later in the day. The military band furnishes music, yellow hand bills assure the populace that “a gay time” is bound to be had, and the audience enjoys itself after a fashion, probably because amusements are few. Once an enthusiastic devotee of the bull fight imported a large animal from England to add zest in some special fiesta. Upon his debut in Azorean society the fierce bull killed his assailant at the first dash, then proceeded to demolish the rickety fence that incloses the arena and plunged in among the spectators, injuring several before his course could be checked. This was too much “sport” even for Terceirians, and since then the fighters have confined themselves to native stock. Much more exciting are the impromptu fights occasionally held in rural vil- lages, to celebrate some special fiesta, patriotic or religious. They drive a wild bull up from the fields to some long, wide street and then close the thorough- fare at both ends. Up and down the beast rages, charging everything in sight, frequently compelling his tormentors to vault through some window left con- veniently open. Sometimes the maddened brute storms a door and dashes into a house, while its inmates shin up among the rafters. The young Terceirian’s favorite method of convincing his sweetheart of his invincible courage is to sit on a chair in the middle of the street and let the bull charge, full tilt, down 326 Boletim do Núcleo Cultural da Horta upon him; then, just at the right instant, for the slightest miscalculation means death, to leap up with the agility of a cat, seize the beast by the horns, and leap lightly over his back to safety, while he vents his baffled rage upon the chair, by reducing it to fine kindling wood.

11. AZOREAN CRUISINGS Graciosa and São Jorge Central islands of the Archipelago. IS A VERDANT PARADISE The Natives, Small and Peaceful, Match Their Islands. How the Ursuline Sisters Stemmed the Lava’s Tide with the Power of the Cross.

Velhas, São Jorge Island, Oct. 20. – Special Correspondences. – Sailing from Fayal to Terceira, a distance only sixty miles, we passed in the darkness of night between the two small islands, São Jorge and Graciosa, without getting a glimpse of either; and therefore felt constrained to retrace our steps over the ocean highway in order to pay them a flying visit. As everybody know, this widely scattered archipelago is divided into three distinct groups, the extreme eastern and western islands lying some 300 miles apart, with Fayal, Pico, São Jorge, Graciosa, and Terceira, and is yet in a measure dependent upon it, as Pico is upon Fayal and Corvo upon Flores. The six hours’ run between the two is generally accomplished in the small hours after midnight. You go to sleep in your berth at one port and wake to yourself in the other Graciosa (‘gracious paradise’) has, as its name indicates, a rich beauty peculiarly its own, pervaded by a sort of mellow effulgence due to certain atmospheric conditions, such as I have rarely seen elsewhere. It is barely twenty miles in circumference, with a population of less than 20,000 and only one settlement large enough to be called a village – Santa Cruz, its port and capital. Seen from a distance, it looks like two tiny islets, because of tall mountains at either end, the land between them being on a level with the sea. A more verdant peaceful looking spot could hardly be found, and so fertile is it that the people manage to export an incredible amount of fruit and vegetable, barley, wheat, and corn. Before the blight created such havoc in the vineyards of all these islands, wine used to be the staple production of Graciosa, or, rather, wine distilled into a fiery brandy, called agua ardent Fannie B. Ward 327

(“burning water”). Nowadays, since grapes are scarcer the Azoreans content themselves with milder tipple, made from sweet potatoes, a cheap intoxicant, to be bought in all the so-called “dry goods” shops for two cents per glass, and three glasses are warranted to produce the desired state of semi-oblivion and a fine “head” for the morrow. There is no hotel or other public accommodation for strangers in Santa Cruz, but a couple of hours will give you ample time to see everything of interest on the islands, unless you care for a rough tramp over the hills, to peep into the inevitable crater of the interior, one which has had no eruption within the memory of man. There was a fiesta in progress the day we were at Santa Cruz; the church bells were jingling merrily and the streets were full of people in holiday attire. The houses are well built, the thoroughfares clean, and everybody looks prosperous and contented. We strolled two or three miles beyond the town, into the green and pleasant country, and were much interested in the glimpses of peasant life afforded. The tiny farms are cultivated to the utmost, and the raising of sheep, cattle, and donkeys appears to be a prevailing industry. Small Isles, Small Beasts. By the way, an odd circumstance, which cannot fail to strike the observant traveler in the Azores, is the fact that all four-footed creatures seem to increase or diminish in their proportions, according to the size of the island upon which they are found. Thus, in San Miguel, the largest island of the archipelago, the cattle and horses are of ordinary size, as seen in other parts of the world, while in Fayal and in Terceira they are “middling,” in Pico and Graciosa very small, indeed, and on tiny Corvo and on St. Mary’s so infinitesimal that they look like toy animals escaped from some miniature “Noah’s ark.” There is a noticeable difference in the produce, fruits and grain degenerating in the smaller islands, as a rule, and exotic plants losing much in bloom and perfume. The people of Graciosa seem to match their island homes to perfection, being small in stature, gentle, mild-mannered, ignorant, and happy. Mormonism is said to prevail among them to a considerable extent – but there may be worse things in the world, even, than that. There is not such a thing as a jail, an almshouse, and orphanage, or a foundling asylum on the island, nor need of any. There is one manufactory, for the burning of bricks, and a number of the islanders build boats, from models of their own, which are famous in these waters for exceptional seaworthiness – though the timber for them, as well as wood for household purposes, must be brought from Terceira. They also 328 Boletim do Núcleo Cultural da Horta make the material for their own wearing apparel – excellent white linen and well-dyed woolen cloth. The homes of the peasantry are so nearly alike that a description of one answers for all the rest. The whitewashed stone cottage has generally two rooms, with roof of thatch and mother earth for floor. An opening near the apex of the roof serves for both window and chimney or else a square aperture is left in the side wall, without glass, but provided with a rude barn doorlike shutter. The furnishings are scant, indeed. A pile of stones in one corner serves for a stove upon which the cooking is done, the smoke escaping as best it can. In another corner is the bed, so high that it almost needs a ladder to climb into it, covered with a gay patchwork spread, such as our grandmothers used to make in the days of “crazy quilts.” There is also a hand loom, a deal table, with some scriptural prints on the wall, a bench, and, perhaps, a chair or two, with seats of woven rushes. But the latter seem to be merely ornamental, or reserved for company, the ladies of the household invariably squatting upon the floor when busy with their sewing or spinning, carding flax or wool, weaving baskets and braiding hats, doing their beautiful knitting and embroidering, and making exquisite laces out of the split fiber of the aloe. For illuminating purposes there is the same modification of the old Roman lamp that our Puritan ancestors used in New England, viz., a small triangular pan to hold grease, with a floating wick of twisted rag in it. One thing which perplexes a stranger in the Azores is the multiplicity of names in the same family, making it difficult to identify its members. When a girl marries she sometimes takes her husband’s name, but oftener she does not. The eldest son, when arrived at years of discretion, appropriates one of two of his father’s ancestral names, choosing those that please his fancy, and the second son selects some of his mother’s in the same manner, but neither ever assumes the father’s family name. That is considered of no consequence whatever, the baptismal name being the one to which importance is attached. Thus Marias and Filomenas, Jorges and Jesus abound in distracting numbers, and in the postoffice letters are assorted accordingly, no attention being paid to the surname, but the Antonios put in one pile, the Batas in another, and so on through the alphabet. São Jorge is about the same size as its next neighbor, Graciosa, but a greater contrast can hardly be imagined than that between the appearance of the two islands. Topographically considered, São Jorge is by far the most interesting island of the archipelago – except, perhaps, Pico, which surpasses it only in Fannie B. Ward 329 the height of its single volcanic cone. Thirty miles long, but barely three and a half wide, with tall mountains ranging from end to end, it presents one of the most impressive sea walls eyes ever beheld. Skirting it in a , on a tranquil summer’s day, is a never-to-be-forgotten experience, as full of danger as of sublimity. No wonder that sailors dread the approach to this small speck in mid-Atlantic even more than rounding the storm-beset Cape Horn! The mighty mass of headlands, rising sheer and abrupt out of the Azorean Sea from 800 to 1,500 feet, with scarcely a break in their grim sides save where gulches corrugate the upper heights are guarded by projecting reefs of high black rocks against which the surf beats with ceaseless fury. Strong currents set in shoreward, while blasts blowing down the gulches with destructive force soon dash to pieces the unfortunate vessels driven under the lee of this Titantic wall, where not a solitary crag projects to which a drowning mariner may cling. São Jorge’s one town, or rather hamlet called Ponta de Las Velhas, set close to the shore on the shelving edge of one of these heights, looks just ready to slide off into the water. Taken all in all, it is the most lugubrious, woe-begone, and desolate-looking place to be found in many a long journey. You climb up to it over a slippery, wave-washed heap of rocks, called by courtesy a quay, and enter the village through a picturesque medieval gateway. Ruins of ancient fortifications surround the little harbor, as if nature had not sufficiently forti- fied the undesirable possession; but the rusty guns, long since slanted in the earth, mouth downward, serve the peaceful purpose of tying-posts for boats. Grass and weeds spring up unhindered in its irregular streets, and there are a few poor shops, a market place with a covered shed, a great church, and a hos- pital. The latter building was once a populous convent. The narrow cells of the monks, turned into sick wards, have a cheerful outlook into the cemetery on one side and into the patio on the other, where the official coffins are stored. These black-painted boxes have been many times used, being only loaned to the dead for the short journey to the grave, into which the corpse is dumped uncoffined, the box being returned to the patio to serve the same purpose again and again. The most attractive place in Velhas is the central plaza, standing in which, looking up and around, you feel as if at the bottom of a mighty well, so close on all sides are the precipitous mountains. The broad plateau which forms the backbone of this rocky inlet is extremely fertile, and every available patch of soil is cultivated to the utmost. Even the almost perpendicular sides of the loftiest cliffs are terraced and tilled, to the edge of precipices which 330 Boletim do Núcleo Cultural da Horta drop down hundreds of feet to the ever-raging surf below, on slopes so steep that it would seem as if both wings and claws were needed to cling to them, and in gorges accessible only by boat from the sea, where the peasants’ sole companions are mountain goats and buzzards. Men and women working on those terraced heights look like flies clinging to the wall of a room. In pleasant weather the scene is attractive, green, and peaceful; but imagination fails to depict the terror and devastation which follow in the wake of the fierce gales which so frequently buffet these stern coasts. Even more destructive, though happily less frequent, are the earthquakes and volcanic eruptions that occa- sionally overwhelm the island. Several times since its settlement – notably in the years 1580, 1757, and 1808 – its towns have been literally wiped out and the green fields buried in deep-blackened lava and scoriae. Velhas is situated in just the right spot to be demolished by volcanic streams seeking a pathway to the sea; but as often as destroyed it has been rebuilt on the same site, for the simple reason that there is no other opening in the rock-bound coast on this side of the island; and after each disaster nature has made extraordinary haste in gilding the ravages under additional bloom and beauty. It is hard to believe, but is nevertheless true, that the industrious population of 19,000, not only manage to wrest a comfortable living from these rugged hills, but actually export considerable butter, cheese, fruits, and cattle to Portugal and the neighboring islands. Their cheese is said to be of especial excellence and the shipping records show that in a single year one house alone in Lisbon received $20,000 worth of butter from Velhas. The peasantry of São Jorge are more picturesque in dress and manner than any we have yet met in the Azores. Their ways of living and methods of labor are as primitive as were those of the Moors, when they invaded Spain and Portugal, from whom these people are said to have sprung, and to whom they certainly bear a strong facial resemblance. The women wear dresses of dark blue woolen cloth, with enormous balloon-like skirts thrown up over their heads from the waist, and scant petticoats of the same material, bordered with scarlet. Of the men’s outfit the most noticeable part is the funny little cap, of dark-colored cloth edged with red, with triangular visor turned up in front, so that the long sharp point looks like a finger pointing skyward. How the Sisters Diverted the Lava. It is related that during the last great volcanic eruption clouds of smoke were so thick that the darkness of midnight settled over the island at noonday, Fannie B. Ward 331 rendering the ignited matter more bright and terrific by contrast. Every fresh explosion resembled the report of cannon; the earth opened in many places, casting up red-hot stone and ashes, and lava flowed in streams of liquid fire down the mountain sides. The populace abandoned all hope and flocked to the churches and convents to pray, or rushed into the sea, preferring drowning to death by fire. The largest stream of fire set straight toward the convent of the sacred sisters known as Ursulines; and at the supreme moment, when the fiery column had approached so near that the windows were broken and the shaken walls had cracked, an extraordinary spectacle took place. The Mother Abbess, having assembled all her nuns, put a crucifix in the hands of each, threw wide the convent gates, and advanced to meet the stream of fire, weeping aloud and beseeching the Virgin and their patron saint, to avert the threatened destruc- tion. In an instant the liquid fire changed its course to an opposite direction, no longer menacing the convent, but spreading desolation in another track to the sea. The nuns prostrated themselves on the ground in adoration and then sang hymns of praise, in which the astonished people joined. The miracle was duly reported to the Governor General of the Azores and the powers that be in Por- tugal, who hastened to assure the Ursulines that they should ever be esteemed as saints while living, and their bones canonized when dead. Modern heretics, of course, see other reasons for the turning aside of the flood. They say that the valley is intersected by a deep ravine, caused by a former earthquake, com- municating with the ocean, and that when the stream reached that point it went into it, as naturally as the water falls over the cliffs at Niagara. But heaven forbid that we should take anything from the glory of the sacred sisters!

12. IN PONTA DEL GADA On San Miguel and Largest Town of the Azores. PORTUGAL’S THIRD CITY The Glory of the Island Is Its Orange Crop. Transportation Facilities Are Opening the Native Market to Many of Our Products.

Ponta del Gada, San Miguel, Oct. 29 – Special Correspondence. – After the picturesque beauty of Flores and Fayal, and the impressive grandeur of Pico and Terceira, the traveler naturally looks forward with high expectations to 332 Boletim do Núcleo Cultural da Horta this the largest and richest island of the archipelago. But he is likely to be disappointed with the first view of it. San Miguel possesses the same general features of rockbound coasts and basaltic cliffs, interior mountains wreathed in clouds, and hills and valleys green with vineyards, orchards, and gardens; but perhaps the scene loses in impressiveness from being so widely spread out, for this big island is sixty miles long by from nine to twelve miles wide. It seems to be scalloped in regular pattern around the edges by reason of the innumerable little conical hills set close to the shore, all so monotonously alike that they resemble the teeth of a colossal saw. Back of these rise other peaks, tier above tier, till lost in the low-hanging clouds. As the steamer rounds the southwest corner of the island, Ponta del Gada is suddenly disclosed, the largest city of the Azores and third in importance in the kingdom of Portugal. It stretches two miles or more along shore and up a gentle slope, between the crescent-shaped bay and the sharply serrated peaks that outline it. The breakwater which renders this harbor comparatively safe deserves more than passing mention, for it has been nearly forty years in process of construc- tion, and has already cost more than £1,000,000 and ruined many contractors, but it is not yet completed. Probably it never will be finished, or remain so for any length of time, because it lies in the line of the severest Atlantic gales, and no work of man can long withstand the shock of the water surges. The breakwater, a massive wall of masonry thirty-three feet high, is built on the outer line of a sunken crater in ten fathoms of water; but the sea, apparently in mischievous sports, frequently destroys in a few hours the labor of months, or even of years. The work has gone bravely on, however, and the breaches have been repaired as often as opened. Inside of it 100 vessels of all draughts and dimensions can ride at once and bid defiance to the gales that rage outside. The city is faced by a sea-wall and the landing is within a handsome jetty. To the left is a line of ancient fortifications, fast falling to decay. Numerous church towers, tall factory chimneys, casas, faced with Oporto tiles, rows above rows of stone houses, great and small, all white-washed or colored rose-pink, sky-blue, heliotrope, or canary-yellow, beautiful gardens, outlying vineyards, and orange groves, combine to impart an air of prosperity unex- ampled in other parts of the archipelago. Hardly is anchor cast before the steamer is surrounded by a flotilla of clumsy boats, each having a cannon ball sunk in its inner extremity to balance the oars, propelled by boatmen whose confusion of tongues puts Babel in the shade. Jumping into the nearest boat, you quickly glide behind the wall and Fannie B. Ward 333 are landed at the custom-house-stairs. The examination of your modest little trunk is short, but surprising. It has been said that all the able-bodied men of San Miguel are either farmers or custom-house officers, and you are inclined to believe that agriculture must languish for lack of laborers. At any rate, there appears to be a special officer for each and every small personal belonging you have brought to the Azores. Taxing and Loafing. First, all taxable articles are appraised, and that means everything of which you happen to stand possessed. Then an additional tax is levied on each sepa- rated piece of baggage. Then 10 per cent of the whole tax for some public work; then 6 per cent for another “work,” through the list of all that is being done on the island or may be doing in the future. Lastly, under the head of cost, there is a small charge for the paper upon which you have been com- pelled to “declare,” rent for the pen, and a fair price for the few drops of ink you have used in the transaction. Thus does Portugal turn some honest pennies in her days of declining fortune. The whole thing amounts to little financially, and is conducted with the utmost dignity and politeness; but the spirit of petty officialism displayed under the guise of governmental red-tape disgusts and irritates you, perhaps to the extent of a temporary mislaying of temper – which does no good whatever. The old stone custom-house, a quaint building of Venetian architecture, appears to serve the same useful purpose as the combined store and postof- fice in rural communities of New England, a rendezvous for the swapping of stories and the gleaning of information in general. Half the male population of Ponta del Gada may be found at any hour of the day lounging among its massive stone columns, smoking cigarettes and discussing the latest political happenings, and news of the world’s doings brought by ships in the harbor. Besides the lounging citizens aforesaid, this is at all times a very busy place, being the chief commercial port of all the Azores. It exports a great deal of alcohol made from sweet potatoes, pozzalana (a good cement), corn, wheat, horsebeans, oranges, and pineapples, mostly to Portugal, to be paid for in return of dry goods and groceries. There is also a ready-money traffic with vessels that resort to San Miguel for provisions. Sugar was once made here to a considerable extent, but for many years its manufacture has been aban- doned for more profitable products. The glory of the island is its oranges, which in one season – the most profitable of which I can find an account in 334 Boletim do Núcleo Cultural da Horta the shipping records – amounting to 360,000 boxes, twenty to the ton. The activity of the orange season continues from the middle of October to April. Every day long processions of mules and donkeys wind down the mountains to the city, laden with the golden fruit for shipment to foreign lands. Besides the schooners and that arrive from abroad to take on these cargoes many ships put in here for repairs. There is regular mail communication twice a month by the Lisbon line of steamers, also by fruit steamers to England; and the United States sends two lines of vessels, from Boston and New York, at intervals. Owing to this easy and comparatively new communication with the United States, our trade is rapidly pushing its way among these people. A few years ago England largely monopolized the Azorean market in the way of imports, sending thither woolens, cottons, hardware, iron, lumber, glass, tea, and groceries to an annual value of a million dollars; but now American goods have come to be an active demand, especially flour and domestics. The fact is the Azoreans need almost everything our markets can supply, being to a great extent devoid of the means of living or doing business except as they are supplied by foreign trade. For instance, though surrounded by the ocean and with whale spouting in their harbors, they buy all their fish and oil from other countries; and raising such an enormous quantity of organs every year, they cannot make boxes for the fruit as cheaply as the same can be imported in shooks from America. The population of Ponta del Gada is estimate at 25,000 and that of the whole island about 115,000. The city architecture is noticeably similar to that of Havana – the same two-story stone houses with much of the Doric in pillars, entablature, and roof, and the same endless whitewash, variegated with bril- liant colors. There is a fine old city gate, and you come upon rare archways in unexpected place. Traces of the Byzantine order are found in the public edifices and in the many churches and their towers full of tongueless bells that have been worn thin by the long-handled hammers of generations of sextons beating a perpetual tattoo upon them. There is more wealth here than at Horta, and some very fine residences, surrounded by superb gardens of world-wide fame. The streets, regularly laid out and well paved, are underdrained and neatly kept. A few of them are tolerably wide, but the majority, as in the cities of Spain, Portugal, and Italy are very narrow and darkened by overhanging balconies. Fannie B. Ward 335

Accommodations for the Visitor. Shops are windowless and signs almost unknown, some quaint emblem or device usually indicating the character of wares to be found within. Wine shops are everywhere, wide open and well patronized, but there seems to be no drunkenness. Hotel accommodations are unfortunately limited and mostly under Portuguese management. There is one small inn kept by an English family, which cannot be said to reflect much credit upon the inns of “Merrie England,” and board may be had at moderate rates in private families. By far the better plan, if you contemplate a winter’s sojourn in these islands, or even a few weeks’ stay, is to hire a casa and set up housekeeping under your own vine and fig tree, pro tem. Rents are absurdly low, as compared to prices in New York and Washington, with infinitely better climate thrown in; provi- sions, though somewhat limited in variety, are not much dearer than at home, and servants’ hire averages 22½ a week. What answers for winter in the Azores begins about Christmas, the three coldest months being January, February, and March – so very cold indeed that the thermometer gets down at rare intervals as low as 55 degrees above zero. Frosts are unknown and vegetation remains green and luxuriant throughout the year, with little change, except in coloring, as each flower has its own season. This seems strange, remembering that the islands are in about the same latitude as Philadelphia, but I suppose the difference in temperature is due to the vagaries of the mysterious current, the Gulf Stream. In the winter months the Azorean weather is sometimes damp and chilly, owing to frequent showers, and, as in England and Scotland, it is well when taking one’s walks abroad always to go armed with an umbrella. But the sun quickly reappears and the ground is soon dry, partly from evaporation and partly from the porous soil, which soon conducts the surface water away. The winter winds, however, render necessary the high walls, lined with the tall hedges of faya and incense trees, that are seen everywhere in the Azores, protesting the orange groves and vineyards. In spite of them the gales, sometimes amounting to regular blizzards, minus the snow, do incalculable damage to the fruit and in shipping in the harbor when, at rare intervals, a Niagara sweeps over the breakwater, lifting bowlders of tons in weight and depositing them on its promenade. Taken all in all, one might go farther and fare a great deal worse for a winter residence in the matter of climate, scenery, delicious fruits, and healthful amusements. The mean annual temperature of Ponta de Gada is twelve degrees 336 Boletim do Núcleo Cultural da Horta warmer than either Rome or Nice and five degrees warmer than Lisbon. As for society the Portuguese are proverbially hospitable and entertaining. Wealthy residents abound, who have their elegant equipages and liveried servants and whose mansions are surrounded by extensive gardens beautifully adorned and filled with rare trees, shrubs, and flowers gathered from the four corners of the earth. Titles are common in San Miguel, including several barons, viscounts, and marquises of its own raising. There is also a pleasant colony of British subjects and two or three “American Princes,” with their families. The city has a good theater, where generally some strolling opera company from Lisbon or Madrid are delighting the people. There is also a public library and museum, and no end of diversion in simply watching the passing show from a window.

13. IN DEEP DAS FURNAS Pride and Boast of the people of San Miguel Island. AZOREAN GARDEN OF GODS A Famous Sanitarium in an Extinct Volcano’s Crater. After an Inspiring Ride the Tourist Descends to Scenes of Infernal Suggestiveness.

Furnas Village, San Miguel, Nov. 3. – Special Correspondence. – The spe- cial attraction of San Miguel island and the pride and boast of its people is this strange valley, named Das Furnas, from the numberless hot springs and geysers of mineral water to which thousands of invalids annually resort. It lies about twenty-seven miles from Ponta del Gada, near the eastern end of the island, and is in reality the floor of a vast crater, at thousand feet deep, and some five miles long by three miles wide, surrounded by precipitous walls which have only one narrow break, on the seaward side. Think of riding up to the top of a volcano and down its depths in a four-wheeled carriage! That is precisely what you do in visiting the Furnas, and to omit the journey would be to miss the most interesting thing in the Azores. It is necessary to make all arrangements for the trip on the previous day, and during ‘the season’ perhaps several days in advance, for, though mules and vehicles are numerous in Ponta del Gada, so are the people who want them during the annual rush to the Furnas. You secure the usual barouche of patriar- Fannie B. Ward 337 chal construction, with three mules harnessed abreast and the jehu as stupid as only a Portuguese cochero can be, the outfit being completed by two or three donkeys, each with its vociferous driver, trailing along behind with the luggage. Probably you hesitate about trusting life and limb to the tender mercies of a vehicle in such an amazing state of dilapidation, wheels rattling, springs broken, belts loose, harness patched with bits of rope; but I assure you that, barring extraordinary accidents, the journey will be accomplished in safety and comfort; and with so much of unalloyed delight in it that you will be fain to repeat it again and again. A fine, wide macadamized road, built and maintained by the government, runs to the very top of the mountain, to a point which is generally veiled by clouds from the city below. Stone water courses follow it all the way on either side, stone bridges cross very mountain torrent, and falls of masonry are built along the edges of the precipices. There is no use trying to describe the scenes en route, for words fail utterly and the cold black and white of ink and paper can convey no impression of the beautiful coloring of the rural pictures with the blue sky and bluer sea for a background, the mild effulgence of the atmo- sphere, the shifting clouds and tender mists that veil the hills and valleys. From the very suburbs of Ponta del Gada you begin to go up and up, to the tops of steep little hills, anon dashing down at full speed so close to the sea that you are sprinkled with its spray; then up again over the next peak, mount- ing always higher and higher. The road for the first few miles is bordered with handsome residences and beautiful gardens, cultivated fields and orange groves, the fruits of your own country and all others growing luxuriantly, shrubs, ferns, and flowers everywhere. Many of the farmers are harvesting. Great heaps of corn lie in the eiras and whole families are squatted alongside, braiding bunches of ears together by the husks. These the men put to dry on four high poles, put together wigwam fashion, mounting to the top by ladders. At frequent intervals along the wayside stone fountains are set, with moun- tain streams bubbling through them, where girls fill their red water jars at the spouts, while others, having dammed up the overflow, are washing clothes in the puddles. On the Way to the Crater. Soon you are winding up the steeper sides of the central mountains, some- times along the edges of cliffs so lofty that the roar of ocean billows breaking on bowlders at their base comes to you in a scarcely audible murmur; some- 338 Boletim do Núcleo Cultural da Horta times down into deep gorges and over bridges spanning torrents or rocky gullies; then up again 2,000 feet or more. Several villages are passed, all poor and picturesque, where the streets swarm with pigs, dogs, ducks, and geese, and women sit on the floors of their squalid huts among the chickens and naked babies, and an army of unkempt children run after your carriage clamoring for alms. The higher hilltops are covered with pine trees, the ground beneath them with staves sawed ready to be made into orange boxes. By the way, the oranges of San Miguel are said to be the finest in the world. Among other varieties which grow here to especial perfection is that called the Tangierina (a native of Morocco, I believe) – small, flat, thin-skinned, and strong-flavored. I do not know its habits in other orange-producing regions, but here it has one noticeable peculiarity, viz., that the oranges which do not ripen fully during a season, dry up on the trees and remain there safe and snug through all the winds and rains of winter, until next year’s sun brings them to full size and maturity, when they mature some months ahead of the rest of the crop and prove to be the very best of the picking. After six or seven hours’ steady traveling the highest point of the island is reached, where the only vegetation is moss, lichens, and the bright little moun- tain heather. At the foot of the steepest acclivities a pair of oxen will be found waiting to be hitched in front of the mules and help haul the carriage up, and in some particularly steep places you may prefer to get out and walk up rather than to run the risk of standing upon your head in that crazy vehicle. Goats clamber up the narrow paths and look curiously at you, hawks fly screaming overhead, the wind blows strong and chilly, and perhaps occasionally showers belt you sharply. At last you run out on a narrow tongue of tableland, round the corner of a projecting cliff, and in an instant a sight of the far-famed valley flashes upon –one of the most surprising and delightful panoramic views which this great round world can show. The road winds close to the edge of the precipice and a thousand feet below yawns the valley of Furnas, smoking like the bottomless pit. In the midst of the inferno of steam and sulphur fumes of the white-walled villages gleams fair as any Swiss hamlet, surrounded by gardens and corn- fields, and through all wanders the Ribeira Quente (hot river), its heavily charged iron and sulphur waters glinting gold in the sunlight, now flooding the fields, now lost to sight under old mills and bridges, and again trailing its thin veil of vapor among the trees and plantations. When the fir intoxication of the senses has subsided and you are able to separate individual objects from Fannie B. Ward 339 the glorious whole, you see that the principal caldeiras, or boiling springs, are grouped together at the left, where they send up volumes of water many feet into the air and clouds of steam vapor much higher. To the right stretches a ridge of gloomy hills, a ravine in which discloses a darker and gloomier lake beyond. In front and beyond the village lie other ranges of hills. Black lava cliffs and madder-tinted bowlders, piled in wild confusion on every side, give evidence of nature’s last grand cataclysm, that of 1630, when this terrible crater sent forth volumes of ashes, which enveloped the whole island in Egyptian darkness. And encircling all is the mighty amphitheater of moun- tains, with silver streams trickling down their rugged sides – Cafahorte, Vara, and other towering peaks on the other side of the chasm, directly opposite your point of vantage and only eight miles away. Down Hill with Mules at Top Speed. The driver hitches an iron contrivance shaped like a shoe to the hand wheel of the carriage to serve as a brake, and then, lashing his wearied mules to the top of their speed, whirls you down the fearful declivities at a pace that fairly makes your hair stand on end. Like the young Lochinvar who stopped not for stick and who stayed not for stone, he dashes around the sharpest curves and over the biggest bowlders as if the furies were after him, the wheels often sliding so near to the verge of the mountain’s over-hanging brow that you get sickening glimpses of depths below. But nothing happens, and in and indescribably short time you are down in the green valley, among the white houses that cluster around the big hotel. There is certainly novelty in the idea of dwelling in the depths of a volcano, especially one which is by no means so “extinct,” but that it perpetually mutters sullen threats of future outbursts! Yet people are living all over this crater; corn fields wave on all the hill slopes, the yams, sweet potatoes, bananas, layouts. Hot springs abound in most of the Azorean islands, an particularly in San Miguel, where nearly every crack in the ground emits heated vapor; but nowhere in the world, I believe, are there any to compare with these of Das Furnas. The ground in the vicinity of these vast volumes of boiling water is hot beneath the feet and covered with native sulphur like hoar frost, streaked red, green, blue, and yellow, with occasional patches white as snow, while in other places the soil, of the consistency of clay, is broken into a thousand gro- tesque shapes, resembling heathen idols painted in glaring colors. The fumes of sulphur are stifling; for several yards around each caldeira vapors issue 340 Boletim do Núcleo Cultural da Horta from the earth, and if you thrust your staff in anywhere, a miniature caldeira steams up like the spout of a tea kettle. The principal spring, called the Great Caldeira, excites as much terror as admi- ration at the first view of it. Boiling water, cast skyward from several hundred valves at once, rises and falls as regularly as if ejected by a force pump, and looking at the wonderful column opposite the sun you see it adorned with prismatic tints like a rainbow or the colors that glow in a fiery furnace, while the clouds of vapor that hang continually above it devolve into a thousand ever-changing eccentric figures. As in other places where nature presents a stewpan conveniently ready for use, travelers amuse themselves by cooking things in the small springs, and in every case there is an ice-cold spring close by the boiling caldron, as if expressly provided for the relief of scalded fin- gers. Eggs may be cooked in Das Furnas in two minutes and corn and pota- toes in proportionate time, but the vegetables come out so impregnated with sulphuric acid as to be unfit for food. Separated from the Great Caldron only by a narrow bank of volcanic substance is the greatest mystery of all, known as the “Muddy Crater,” a horrible vortex of boiling mud, fifty feet in diameter, noisily threatening death to the unlucky mortal whose foot may chance to slip on the brink. Strange to say, though in a state of perpetual and most violent ebullition, accompanied by a sound resembling that of a tempestuous ocean, it never rises above the level of the plain. The superstitious peasants call it Boca do Inferno, the mouth of hell, and never fail to cross themselves piously whenever they come within sound of its seething. Nothing will induce one of them to approach it, and they give it a wider berth than ever since a young woman lost her footing upon the treacherous bank one day and almost before the first agonized screams had left her lips was sucked down and swallowed in the vortex. A few days later a heap of charred bones were found on the brink of the mysterious gulf, as if tossed forth for a warning to others of the children of men. If you have the courage to hold a stick in this strange caldron it is soon burned black, then begins to smoke in your hands, and is pulled downward with such force that you are in danger of being drawn bodily into the abyss, unless you let go, when the stick instantly disappears. Good Places for Visitors. There is ample accommodation in the Furnas Valley for pleasure seekers and curiosity hunters, as well as for the hundreds of invalids who annually resort here to be relieved of their rheumatism, scrofula, and kindred ills. Besides the Fannie B. Ward 341 fashionable Portuguese hotel, which is said to be very good of its kind, and numberless cottages where lodging may be obtained, there are many private houses, both in the village and on the adjacent plantations, where strangers with letters of introduction are handsomely entertained. It was our good fortune to be invited to visit an estate whose English owners reside most of the year in Ponta del Gada. It lies some three miles beyond the village, near the shore of the lake on the other side of the first hill range. Donkeys were waiting for us at the inn, for there is no carriage road to the place, and after a brief look at the geysers, illuminated with unearthly splendor by the last rays of the setting sun, we hurried away, lest darkness overtake us in this uncanny spot. Nothing could be more weird than that twilight ride, winding in and out among the barren hills, where mineral streams trickle down in their rusty beds to the still, dark lake; the sky overcast, fumes of sulphur filling the air, the silence unbroken, except by the patter of the donkey’s feet and a mournful wind sighing in the pine trees. I will not say how ardently we wished ourselves in almost any other spot on the earth’s surface and visions of far-away home tugged at our heart strings. But after the warm welcome that awaited us and a night of “tired nature’s sweet restorer,” we awakened to find the sun shining so gloriously upon views so enchanting that we would not have exchanged situations with any king upon his commonplace throne. Our temporary home is the only house in sight, set upon a terrace a thousand feet above the sea, backed by cliffs a thousand feet higher. On either side of it are two beautifully wooded highlands that slope gently to the lake, upon whose placid surface the whole scene is reflected as in a mirror. Other visitors have likened it to Tyro, the Interlaken, but no spot in Switzerland can hold a candle to Das Furnas.

14. LAZY TOWN SKETCHES Where to Forget You Started with the Procession. IN THE FORTUNATE ISLES More of Mrs. Ward’s Piquant and Interesting Jottings. Daily Life in Ponta del Gada – Quaint Origin of an Ancient Salutation.

Ponta del Gada, San Miguel, Nov. 5. – Special Correspondence. – “In Les Isles Fortunies,” the Fortunate Islands, as the Azores were originally called, 342 Boletim do Núcleo Cultural da Horta life never ceases to wear the charm of novelty. Ever since their first settle- ment, in the fifteenth century, old Tempus seems to have been going steadily backward. Nowhere else can you so fully enjoy the restful sensation of being “in the world but not of it,” as if the whole procession had swept by and left you 400 years out of the reckoning. Perhaps you are occasionally disturbed by faint rumors that somewhere beyond these azure seas there are bustle and activity, but the disagreeable impression soon fades under the Circean spell of the place. Here, as elsewhere, poverty is more picturesque than riches, and the most characteristic street scenes add their charm and color to the lowly. In Ponta del Gada the most animated days are Friday and Sunday, when the public market is open and people, in holiday attire, come from all parts of the island to buy, sell, or exchange their wares. The market-place is a large, square enclosure, surrounded by high walls, and well shaded by incense trees. Stout from gates guard the entrance, water ripples iron a stone fountain in the center, and several corseted sons of Mars are constantly in attendance to hear com- plaints and enforce honesty. The booths of the larger dealers are backed up against the walls – those who sell meats and jewelry, earthenware and cheap finery, straw hats, and pats of butter wrapped up in yam leaves, prayer-books, rosaries and strings of garlic. In front of these are the low fruit stands, piled with golden oranges, luscious grapes, white and purple, velvety peaches, figs, guavas, apples, bananas, all the fruits you ever heard of, and many that are entirely unfamiliar. In the open space between these and the great fountain, scattered about under the trees, are the “hill-peasants,” as those from the inte- rior are called, with their heaps of yams, melons and sweet potatoes of mam- moth size, poultry and other country products. The men lounge idly about, taking no part in the vehement haggling “in God’s name” between buyers and sellers; while the women, squatted Turkish fashion on the ground, knit and gossip in the intervals of traffic. You soon discover that the most stupid-looking Azorean peasant possesses appositive genius for barter, and you must either submit to the most barefaced extortion or practice patience to an exhausted degree. Slow sales and large profits as the principle of trade with every one of them. If you are only a passing stranger, spending a few hours in port, it matters little if you pay ten times as much for one or two articles as the next more sophisticated comer; but if you intend to remain here some time, and have shown yourself gullible in the first instance, you will find that thereafter the price of everything in the market mounts up 100 per cent the minute you appear in sight. But things are cheap enough, goodness knows! Fannie B. Ward 343

Meat and poultry sell for less than half the average New York price, and the fish market is an infinite wonder in variety, cheapness, and excellent quality. Blessings of a Tropical Country. Fruit is almost given away, the finest of grapes for 1 cent per pound, twenty large, ripe luscious figs for 2 cents, 6 cents for a melon bigger than you can carry; 6 cents for a basket full of “marketing” of various sorts sufficient to make a good dinner for half a dozen persons. Add “the people, oh, the people!” Well-dressed buyers and barefooted servants, men and women, carrying all sorts of burdens on their heads, priests and soldiers in their somber and gaudy costumes adding lights and shadows everywhere to the picture. The men, of the dark, swarthy type, are almost invariably handsome, muscular, and well- formed, and most of the children are exceedingly beautiful, but the women, after youth is passed, are simply hideous. The young girls, however, with their lustrous eyes, white teeth, supple forms, developed by much burden-bearing to stately grace that Juno might envy, short skirts and low bodices, showing the dainty plumpness of the maidens of Tuscany, full of song, laughter, and innocent coquetry, are singularly attractive. Probably the women would be less grotesquely ugly were it not for the capote e capello, or combination of hood and cloak which envelops them from head to heels, its enormous hood, stretched on whalebone, like a storm-bent umbrella, bulging over the face three feet or more. Though the climate of San Miguel warrants the lightest clothing, no woman of the so-called better class ever sets out from home without this extraor- dinary garment of heavy broadcloth, whose nearest known similitude is the hooded braideen of the peasant wives of Connemara. The most striking article of the male peasant’s attire, beyond his wonderfully adorned waistcoat, is his carapuça, or broadcloth cap, with its havelock-like cape dangling down behind over his short jacket, and mammoth visor turned up in front. The latter extends horizontally across the forehead at least a foot, and is sometimes curled up at the ends, so that from a little distance it looks like two upturned horns. He carries a huge staff, like and alpenstock, even when walking on level ground, and preserves at all times a grave and dignified demeanor, unconsciously falling into attitudes and posings that would delight a sculptor as he loiters by the wayside or shoulders some mighty load. Outside the market place the street presents kaleidoscopic scenes of never-ceas- ing interest. Numerous little cook shops are thronged with hungry customers, 344 Boletim do Núcleo Cultural da Horta devouring heaps of tiny fishes fried in oil and linguiças (sausages made redhot with pepper), while fantastic, smoke-begrimed figures in the background hover about altar-like fireplaces, whose flames make Rembrandtish pictures, and whose incense of grease and garlic permeates the atmosphere a square in every direction. Wine shops and tobacco stores do a brisk business on every hand, but one sees no drunkenness in the Azores, except among foreign seafarers ashore from ships in the harbor. The common wine, a thin, acidu- lated potation resembling French vin ordinaire, is sold at the rate of 2 cents a “schooner,” and I am told that it takes about half a dozen of the big glasses to put a man into that happy condition which sailors describe as “half seas over.” The white fish market close by the new boat landing is always densely crowded in the early morning and resounds as much tumultuous wrangling as its larger London compeer. Among the most picturesque people in the island are the pescadores (fisher-folk), and their wordy contests over a cent’s worth of sardines cast billingsgate in the shade. Shouting boys belabor their poor, patient, little donkeys along the streets. Cocheros (coachmen), in their short, baggy trousers, abbreviated jackets, and broad-brimmed hats, with tremendous ships or goads, fill the air with lurid profanity, but are in reality as harmless as Quixote himself and honest beyond belief. The City’s Fountains. The city’s water supply comes through underground pipes from lakes high up in the mountains, flowing into the numerous street fountains, which are constantly surrounded by men and women, filling red earthen jars, or long narrow wooden casks, to be borne home on heads and shoulders. Sometimes barrels are filled and strapped upon the backs of waiting donkeys; and every passing beast stops to slake its thirst in the trough underneath the water spouts. Most of the fountains are set into the solid stone wall and were once painted in gay colors, red, green, blue, and while; now all faded, rusty, and covered with lichens. Day and night cold, sparkling water flashes through them, and all day long an artist might find a constant succession of models, more picturesque than any the Riviera can furnish in the gossiping, chattering multitude that surround them. The common patois is medieval, and the songs and romance belong to the fifteenth century. Many Moorish words are retained entire in the language, and it is plainly to be seen that the infusion of Moorish blood has tinged the character and customs of the people, as well as their features and architecture. Even the commonest salutation of every day Fannie B. Ward 345 life has a traditional significance. Every brown-faced peasant greets you with a pleasant “Viva, Senhor” (literally translated, “Live, Sir”), but is probably quite as unconscious of the origin and full meaning of his courteous expres- sion as the Mexican peon who commends you to God (a Dios) on all occa- sions. In the rural districts of Portugal, when comes the much-used “Viva,” its use is more restricted. Whenever a person sneezes, everybody who hears him instantly says, “Viva!” Which in that case is equivalent to the “God bless you” of the Swiss under similar circumstances. A legend of the Talmud explains this custom. In the beginning of the world men were so loosely put together that when they sneezed they were shaken apart and thus destroyed; but as years went by their joints knit more firmly together, so that there was less danger of instant disso- lution when air was suddenly ejected from the nose. When people found that the usual dire results did not follow their sneezing, they exclaimed in surprise and congratulation, “Viva!” “God bless you!” or words which expressed the same sentiment. Next to the drinking shops, the most patronized place of public resort are the drug stores, though why the vicinity of pills and plasters should attract the idle multitude I am unable to say. There are two or three billiard saloons in Ponta del Gada where the “gilded youth” do congregate, but play is never very brisk, being too much exertion for the Azorean temperament. The theater on the Rua Esperanza (Hope street), is a rather ornate edifice, with an extensive, graded lawn in front. Its large, airy vestibule has a mosaic inlaid floor, elabo- rately carved ceilings, and elegant chandeliers. The body of the house seats perhaps 500, and the circles are occupied by five tiers of boxes. The parquette is exclusively for the use of gentlemen, who stroll about between the acts with their hats on, talking and laughing loudly. As in other Latin countries, staring at a lady through an opera-glass is considered a delicate attention, the more prolonged and noticeable it maybe the greater the compliment. The seats are not reserved, and if you go out to promenade in the corridor between acts, or to the adjoining saloon “to see a friend,” you tie a handkerchief on the back of your chair, which retains it until you return. There is no gay night side to Azorean life, as in southern continental cities. By 9 o’clock all the lowly are asleep in their closed houses, and by 10 the shops are shut, the streets dark and deserted, and no sound breaks the stillness but the sentinella’s cry, or the notes of some love-lorn Romeo, as he twangs his guitar and sings a ditty beneath his 346 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Juliet’s balcony. The night policemen have so little to do, that each one while patrolling his beat is guarded by two soldiers with muskets – presumably to keep him awake. Crossroad Postoffice. One of San Miguel’s most remarkable institutions is the postoffice, that is, in its management. It stands near the old custom-house, and is distinguished from the adjacent places of business only by the Portuguese coat-of-arms over the doorway. The one large room is divided midway by a common counter; behind the counter tables, chairs, desks, and a case of pigeon holes; in front of it, nothing. When a ship bringing mail arrives in the harbor news of its arrival quickly travels all over the island, and presently people congregate in the vicinity of the postoffice. It takes nearly all day to distribute the mail, however small the budget may be; meanwhile the doors are locked and the crowd waits good-naturedly for their opening with that indifference to the passage of time that marks all things Azorean. The postoffice officials go about their business very leisurely, smoking cigarettes the while, and actually sitting down in the midst of it to read their own letters and newspapers. The postmaster publishes one of the local journals, and his fellow citizens assert (not at all to his dis- credit), that he takes advantage of his position to cull the latest foreign news and issue a special edition therefrom, hours before he allows any mail to be delivered to his rivals in the newspaper arena. It is generally lat in the after- noon before the doors of the postoffice are thrown open and the patient throng admitted. First the mail for the custom-house, the civil governor, the military commandant, the captain of the port, and other important public functionaries is handed out, done up in neat packages, to the waiting messengers. Then the fun begins. All the rest of the mail has been sorted out into separate piles, arranged in alphabetical order, and so on down through the list, not, however, by the family name, but the baptismal name. The clerk begins with the As and reads in a slow, monotonous voice, twice over, the superscription on every letter in that pile, such as Antonio Ignace Roderiguez da Silva, Affonso Leopoldina Villasenor, and so. The “As” generally have the largest list, Antonios and Affonsos being as common hereabouts as Johnsons and Charleys are at home. The Fs perhaps come next, on account of Francisco, and “J” is among the most popular, begin- ning Jesus and Jose. If your name happens to be way down near the tail end of the alphabet, like Pleban Ward, for example, you are more than likely to Fannie B. Ward 347 lose your temper and rail internally at Portuguese methods before your turn comes especially if your time on shore is limited and you know there are home letters somewhere behind the counter. But there is nothing to do for it but to wait the slow course of events, amid the smoking, sweltering, jostling crowd, with what outward resemblance of patience you can command. The citizens become marvelously proficient in calculating just when their letters will be called. Thus, when the office is first opened, if you should call “Antonio” nearly every man present would answer; presently these begin to fall out, and some other name is in the majority. When a person hears his name called he answers “Fas favor” (“If you please”), and the coveted letter or paper is passed to him over the heads of the crowd, anybody who cares to stopping it midway to examine the superscription. Not much chance for clandestine correspon- dence here, but then in nine cases out of ten the recipient must go to the public letter writer or employ some better educated person than himself to read the missive and pen an answer. After the alphabet has been once completed the whole list is read over again from A to Z, for the benefit of any belated comers. Whatever remains after this is tossed upon one of the tables and subsequently if you call for mail you are at full liberty to look over the pile and carry away whatever you may desire.

15. BIG VOLCANIC FREAKS Some of Nature’s Eccentricities in the Fascinating Azores. FANNIE B. WARD’S LETTER How John Bull Put Union Jack on a Wonderful Island. And How the Wonderful Island Carried Union Jack to the Bottom of the Sea.

Ponta del Gada, San Miguel. Nov. 19. – Special Correspondence. – It is difficult to believe that this small speck of volcanic land, tossed up in mid- Atlantic at a comparatively recent period, contains no fewer than fifty-four towns and villages besides its flourishing capital. Barely half a dozen of them are of consequence, however, though all have their historic legends of deepest local interest, and the traveler finds unfailing charms in their peculiar types of antiquity, in their Moresque architecture, the carvings of old churches and convents, and in the quaint customs of the bourgeois. Ribeira Grande ranks 348 Boletim do Núcleo Cultural da Horta next to Ponta del Gada in population, and Villa Franca in commercial impor- tance. The latter town is of special interest to antiquarians, being situated on a small island of the same name, which was born by volcanic action less than a hundred years ago. Time was when Villa Franca was larger than all the cities of the Azores put together, the capital of the island and a “free city” enjoying many immunities. But founded upon lava, the evidence of earlier conflagrations, she was many times partially destroyed by successive earthquakes, and finally swept off the main land altogether by the dreadful catastrophe of the Pico de Fogo (Mountain of Fire), the great volcano close by, which sprang up without warning one day in the level plain, swallowing 2,000 of her citizens and anni- hilating her houses and shipping under torrents of metallic fire. At low water the ruins of the ancient harbor and some of its fortifications are still visible, and from immense chasms rent on every side it is believed that the sea did not gain upon the original town, but that the town itself, with a large tract of adja- cent land, was broken off and forced forward into the sea by the tremendous convulsion of nature. This new-born island has a crater on its summit ninety feet in diameter now filled with a fresh-water lake, perhaps twenty feet deep. Another astonishing thing is the present harbor, less than a mile from the old one. It is called Porto do Illhes, and occupies the very spot where once stood an island which disappeared in the depths of the sea as suddenly and mysteri- ously as its neighbor was thrown up. Its basin is probably the vortex of the volcano, and on its edge towers a huge pyramid of rock, whose foundations are unfathomed in the great abyss, although barely forty yards from the island from which it was originally torn. A Volcanic Freak. In another part of St. Michael’s is a high mountain, the ancient crater of which is a lake, at a great elevation, and the lake is full of goldfish. In the year 1811, when the awful explosion occurred under the sea in the midst of these islands, and smoke and flames burst forth in tremendous volumes, countless fish were thrown up in all stages of boiling and broiling, and huge stones followed, with incredible quantities of black sand. Soon there was another island formed, which, before the eruption ceased, was nearly 400 feet high. But after a few months it disappeared, and only a dangerous reef remains to mark the spot. Speaking of volcanic island, let me tell you of the queerest one on record, whose freaks are amply tested in Azorean history. About two miles off the Fannie B. Ward 349 coast of San Miguel there is a very dangerous reef upon which many vessels have been wrecked, where three times within the memory of man a consider- able island has been formed, or thrown up, and twice completely disappeared. Of its first appearance, in the year 1612, little is known beyond the fact that it was found standing in the track of vessels where smooth water had been before, and that a few months later no trace of it could be discovered. Its second appearance, in 1720, was attended by huge columns of smoke and an enormous discharge of ashes and pumice stone. The historians of the day describe it as having precipitous sides and that no bottom could be found within twenty fathoms of its shores. For some years it remained unchanged, as if come to stay forever, and then, one fine morning, the early risers of San Miguel, looking seaward for the accustomed landmark, rubbed their eyes in astonishment, for not the smallest trace of it could be seen. About a century later, in 1812, it is recorded that an immense body of smoke was observed revolving about the fateful spot, almost horizontally over the water, in varied involutions, shooting upward at intervals in spire-like columns of blackest cinders, rising to windward at an angle of twenty degrees from the perpen- dicular. Each fresh outburst was succeeded by another of greater height and velocity, until the columns of ashes and cinders looked like branches of colos- sal pine trees towering to the sky, and as they fell, mixing with the festoons of white, feathery smoke, they assumed at one time the appearance of enormous plumes of black and white ostrich feathers; at another, of the waving branches of the weeping willow. These bursts were accompanied by flashes of the most vivid lightning, and a noise like the continual firing of cannon and musketry intermingled; and as the clouds of smoke rolled off to leeward they drew up water spouts which fell in sheets of rain. It happened that the British of war Sabrina was cruising about in these waters, and her officers first mistook the smoke and noise to be that arising from a naval engagement. Approaching as near as safety permitted, they saw the mouth of the crater, just showing itself above the surface of the sea, raging with unexampled violence, vomiting huge stones, cinders, and ashes, accompanied by severe concussion. Next day the crater was fifty feet above the water, and a furlong in length. Twenty-four hours later it was 100 feet high, a mile long, and still raging like the infernal abyss, drawing up water-spouts which deluged the Sabrina four miles away, accompanied by quantities of fine black sand which covered her deck. With the customary promptitude of Englishmen in seizing upon all land in sight, the ship’s officers lost no time in effecting a landing as soon as the fires abated and 350 Boletim do Núcleo Cultural da Horta taking possession of the newly created island in his British majesty’s name. They had great difficulty in scaling the island, which by that time was 200 feet high, with sides as perpendicular as those of a smokestack (which in reality it was), the ground, or rather the sulphurous matter, dross of iron and ashes, so hot that the boots were nearly burned off their feet. John Bull Gets There. However, he accomplished it, and planted the English union jack in triumph on its summit. At that time the island was nearly round in form, with a circum- ference of less than two miles. In the top was a large basin of boiling water, whence a stream six yards wide flowed into the sea, and it is asserted that fifty yards from the island the water, though thirty fathoms deep, was still too hot to hold the hand in. Subsequently the island crumbled away by slow degrees, and finally sank into the sea, union jack and all. For a long time afterward smoke, or steam, issued from the place where it stood; but now nothing is left but the dangerous reef aforesaid, on either side of which the water is sixty fathoms deep, twice as deep as before the last eruption. It gives one strange feelings to be cruising about in these waters, uncertain how soon another island may pop up alongside, or the bottom drop out of all things below. Perhaps the most fascinating mountain scenery of San Miguel is that of Sete Cidades, at the western end of the island, about ten miles from Ponta del Gada. It is only from tradition that the fearful story is told how, nearly 500 years ago, the now deep valley was the highest point of the island, and an immense mountain, surrounded by seven lesser heights, on each of which stood a flourishing city, all destroyed by terrible earthquakes of volcanic eruptions. Other authorities have it that when the island was first discovered there was a broad and verdant plain here, which the discoverer determined to colonize, returning later with seven companies of emigrants, with whom he designed to establish seven cities, he found the plain elevated a thousand feet into a smoking mountain. At any rate, the name Sete Cidades means “seven cities”; but there was no city at all in the vicinity – only one insignificant village. It is the largest crater in the island – three and a half miles long by two miles wide, and 1,800 feet deep, occupied by two large lakes, which are named Lagoa Azul and Lagoa Verde, because of their difference in color, one being as bright green as the other is deep, cerulean blue. You may easily visit the Sete Cidades by a day’s ride on donkey-back. Following a winding road on the south side Fannie B. Ward 351 of the island, you are sometimes close to the black sands of the beautifully curved beach, again, trotting along the edges of dizzy precipices hundreds of feet above baby villages along shore; beyond, “the ocean wild and wide,” its near-by greenish blue fading into a gray waste stretching to the horizon. At the Village of Feteiros you turn inland and take to the mountains. The trail leads along a sharp, high ridge – one of innumerable parallel ridges that look from a distance as narrow on top was the Moslem’s bridge, “fine as a hair and sharp as a sword,” which, according to the Koran, spans the eternal abyss to keep the wicked out of heaven. All the ridges are clothed with verdant mosses, trees, bushes, and luxuriant ferns, in rank abundance, and on either side of them are deep green valleys, divided into orange groves and bamboo fields, and the air is filled with the warbling of canaries. The number of birds is remarkable to all the Azores, and particularly in San Miguel, where a reward is offered for the destruction of blackbirds, bullfinches, redbreasts, chaffinches, and the dear little brown canaries – the sum paid annually representing a death list of 420,000. The game birds include woodcock, snipe, quail, and red partridges. Wilder and rougher grow the hills as you mount to the summit of the range, and narrower the knife-blade ridges, with gulches a thousand feet deep between them, plowed out in former years by streams of lava flowing seaward. Late in the afternoon you catch a first glimpse of the valley and village of Sete Cidades – a vast mountain hollow, nearly 20,000 feet deep, with its churches and cottages and lovely twin lakes, united by a narrow neck, and occupying two-thirds of the valley. High above these lakes, to the north and east, rise the precipitous walls of the crater, 2,700 feet, being the highest summit of Pico de Ledo, which overlooks three parts of the island. Carefully you pick your way down the steep declivities in the early twilight, amid cornfields and fir plantations and pastures musical with the tinkling of bells of sheep and goats. As may be imagined, accommodations for tourists are not sumptuous in the mountain-imprisoned hamlet of this sleepy hollow, where Rip Van Winkle might have slept twice twenty years undisturbed. There is a dirty little inn whose faded sign-board is labeled Hotel Travossos (Traveler’s Hotel). However, weariness is the best sauce, and a long day of mountain-climbing on donkey-back makes any sort of “bed and board” acceptable at the end of it. You sup well on boiled eggs, bread, ripe figs, and tea, and sleep the sleep of the just in a room pre-empted by piles of corn, yams, and potatoes, whose door opens backward, and whose only fastening is on the outside. Breakfast is the exact counterpart of supper, with the addition of 352 Boletim do Núcleo Cultural da Horta roast chicken and the substitution of coffee for tea; and dinner the duplication of breakfast, except that the chicken is a duck; and however long you remain there will be no variation in the menu. The people, shut in by tall mountains from sight and sound of all outer regions – indeed, with no realization that a great world exists outside beyond their ocean-environed island – are content to live in the same sylvan simplicity as did their fathers and grandfathers, who borrowed their ways from remoter ancestors. For them there is absolutely nothing beyond their few miles of valley, the walls of which are so high that the sun is not fairly risen before noon, and begins to set about 3 o’clock. During the few hours of daylight a moderate sleepy activity prevails in Sete Cidades; but between sunset and sunrise silence reigns supreme. The village homes are mostly smoke-begrimed huts, each attached to a huge wide chimney nearly as big as the house itself, and spreading out at the bottom into a broad, spacious oven with a rounding top. The parlor door is approached through the piggery, in which several lean, black porkers loudly protest against their scarcity of rations, and the streets are mere dirty lanes, abounding in curs and begging children. Out in the yamfields stands a quaint little church, surmounted by a Moorish dome. There is rudely carved altar inside, but no seats, the worship- pers kneeling upon the pine boughs with which the floor is strewn. The two deep lakes, which leave scant room for the village between their shores and the base of the mountain walls, are the charm of the place. Though set so far above the level of the sea, they have a regular ebb and flow like the waters of the ocean; and both lakes retain their distinctive hues, of deep green and beautifully sky blue though they flow into each other through a narrow connecting channel. Even at bright noonday the stars are reflected in their tranquil bosoms, so well-like is the deep valley in which they are hidden. Gales of wind, which tear up great trees by the roots on the surrounding hills, do not ruffle their surface. Gold and silver fish disport themselves in the deeper waters, and in the shallows women are eternally washing, standing knee deep with their clothes tucked up in huge bundles around their hips. A large portion of the valley is occupied by the private estate of a wealthy citizen of Ponta del Gada. It comprises an empty house, and orange orchard, and fir plantation for the making of boxes in which to ship the fruit, some artificial ponds, extensive walks amid ornamental shrubbery, and a breakwater on the margin of the lake. Fannie B. Ward 353

16. AN ISLAND ACADIA Slow, Peaceful, and Primitive Is Life in the Azores. PICTURES OF SAN MIGUEL Delightful Glimpses of Humble Cottage Interiors. Manifold Functions of the Unpretentious and Omnipresent Donkey – Restrictions on Emigration.

Ponta del Gada, San Miguel. Dec. 1 – Special Correspondence. – If I could transform the printed page into a big cotton sheet and throw upon it some of these charmingly characteristic scenes by the aid of lantern shades, you might form a better idea of things Azorean, but, since that cannot be, we must get along as well as possible with our word-painting. As in other countries, the rural communities of these islands are much more typically interesting than the now somewhat cosmopolitan cities. Imagine a straggling village of one-storied, one-roomed stone houses, looking centuries old, each set close to the street – that is, with no bit of yard in front – its steep-pitched roof thatched with straw, and its floor of bare earth strewn with rushes or pine needles. Its one small, square window, placed high up in the front wall, and swinging inward, is never closed, except at night. Its door, too, stands always open, as if inviting curious eyes to take their full of staring, or, if the lower half of the door is temporarily shut, the upper panel, which is on hinges, is flung wide open. Such pictures as we see framed in those rude doorways! Here a Rembrandt, there a Rubens, and plenty of Murillos, too, hardly to be men- tioned to ears polite. Perhaps it is an old man in his shirt sleeves, resting his arms on the casement and stolidly smoking, his silvery hair straggling from under his gray knit cap, or the aged grandma, with a crimson handkerchief crossed on her breast, every wrinkle in her leathery face accentuated by her snow-white turban. Or maybe it is a Madonna, with naked babe in her arms, or a nut-brown Penelope at her “woolly task” of the spindle. The interior details are simple enough. Across one end of the room are two beds, touching foot to foot, made up remarkably high, with ticks of home- made linen stuff with moss, corn husks, or the milky fiber gathered from the root-stalks of the abounding fern, dicksonia calcite. Each bed is covered with a gay patch-work quilt, or one of white knotted cotton, with round, hard bolsters at each end, but no pillows, and decorated around the legs with linen pantalettes, such as our grandmothers called “valences,” trimmed with coarse, 354 Boletim do Núcleo Cultural da Horta home-made flaxen lace. Where the family is too numerous to be stowed away in the two beds, lower ones are pushed underneath them, to be trundled out at night. A loft is also made in the peak of the roof for the larger boys, by placing a few boards half way across the room above the beds and furnishing them with “shakedowns” of moss or rushes. Passing at midday, we often see the men of the family taking their siesta in these lofts, with legs dangling down like a fringe over the heads of their wives and daughters spinning below. From the rafters hang long strings of garlic and peppers, bunches of Indian corn tied together by the husks, dried fish and cane poles, while the floor is encumbered with heaps of shelled corn and sacks of wheat and beans. There is a pine table, a rude bench or two, and perhaps an Eastlake chair that would fill the heart of a collector with envy. A stone seat is placed under the high window; the bamboo occupies a niche in the opposite wall, and the collection of saints and saintesses, in wood, charcoal, or lithograph, is more or less numerous and profusely adorned with paper flowers, according to the piety or worldly circumstances of the family. The Island’s Domestic Pictures. Rambling around the hamlet, you find some of the citizens drying corn in ovens which we are accustomed to designate as of the “Dutch” variety. Others are building wattle fences of wild cane stalks or “weaving the pliant basket of bramble twigs,” or bringing bundles of flax on their heads from distant field, which the women bruise, hackle, spin, and wind. Flax is extensively cultivated and used in the Azores, yet such a thing as a loom or spinning wheel, as we know those implements, is almost unknown. A simple distaff and spindle, like that used by Helen of Troy, and by Penelope and her hand maidens, is altogether in vogue. Occasionally in passing along some country lane you hear through the open door of a cottage the rattle of a rude, home-made loom on which the flax is woven into cloth; and mingled with this racket is the constant thwack, thwack of the flax being combed out by the women. Any day you may see illustrated the scriptural occupation of “two women grinding corn at the mill,” and of oxen treading out the wheat on a circular thrashing floor; nor do “they muzzle the oxen that treadeth out the corn.” The Azorean plow is the old Latin implement, reproduced of wood, the share alone being shod with iron. The plowman rides to the field on his donkey and then has a pair of oxen to do the work, while the donkey is turned loose Fannie B. Ward 355 in the hedge to wait. So it was in the days of Job, who tells us that “the oxen were plowing and the asses feeding beside them.” In returning from work the shaft of the plow is caught on the yoke between the oxen, while the pole trails along the ground, precisely as Horace and the older Latin poets describe it. The Azorean practice of fertilizing by sowing and plowing the lupine is also borrowed from the same period. You remember that Virgil in the first book of the Georgics impresses upon the Italians the necessity of rotation of crops to preserve the soil from exhaustion, and especially urges the alternation of a light, leguminous crop with the heavier grains. Horace Greeley’s celebrated advice in “What I Know About Farming” was not more practical, though a deal less sentimental than Virgil’s. Says the earlier authority “Changing the season you will sow the golden corn on that soil from which you shall have first gathered the merry pulse with rattling pod, or the tiny seed of the vetch, and the brittle stalk and rustling forest of the bitter lupine.” So well was the excellent counsel followed by the Romans that they carried the lupine with them into their conquered provinces; and to this day the “leguminous crop” alternates with grain in these remote colonial offshoots. When about three feet high, the lupine is cut with a short, two-edged sword, and the stubble is plowed under. The narrow streets of many of the villages are so hard trodden that the peasants use them for thrashing floors. Riding through them, your donkey picks his way carefully through heaps of lupine, which men are thrashing with flails before their doors. So bitter are the beans that the “boneset” tea we used to imbibe for the ague is sweet in comparison. The peasants carry them down to the sea in bags; and after they have been pickled a few days in salt water, the effect is much the same as that of brine on an olive, and they are sold at the street corners as one of the delicacies of the Lenten season. One may learn some useful lessons from the contented lives of these poor peasants. Oppressed by both church and state, the Azorean bourgeoisie is content to work from sunrise to sunset for a shilling, and to fare, every day alike, on unleavened bread and spring water, with at rare intervals such luxuries as dried fish and a few butter beans. Skilled labor seldom commands more than 40 cents a day, and a man with a cart and donkey considers himself in wonderful luck if he can earn 50 cents by fourteen hours of constant toil. On such meager sums they not only support themselves and their families, but actually contrive to lay up some money for rainy days. The laborer who is so 356 Boletim do Núcleo Cultural da Horta fortunate as to have a steady job at $1.50 per week is sure to put by 50 cents of the weekly stipend until he owns his home, and maybe a bit of land. Of course, this could not be were his wants more numerous or less easily supplied. Corn as a Staple. The government has wisely restricted by law the exportation of corn, his staff of life, which he prepares for food by grinding, mixing into cakes with water, and baking on a flat hearth stone. “If too poor to own the smallest bit of land, he rents enough, generally paid for in labor, to raise corn for the family consumption. In the harvest season the whole landscape is aglow with the golden hue of the grain, which, stripped of the husk, is strung on poles, or on the branches of trees, or piled up in enormous stacks, while wagons heavily loaded with it come creaking down the hillside. Fish of all kinds is abundant in the neighboring seas and absurdly cheap. Sardines appear to be most common, and are brought in by the fishermen every morning, in boat loads, and sold at the rate of 2 cents per hundred. People come down to the shore and buy them in large quantities, which they carry away in panniers upon the backs of donkeys, to salt and dry for winter use. The Azorean peasant utilizes everything that grows. He feeds his porca (pig) on wild lettuce, ferns, and yam leaves. He braids the reed into ropes, plaits it into matting, and uses it and the palm leaves to shingle his roof and carpet his floor. Of the palm pith he makes artificial flowers, with which to adorn the saints, or to sell to strangers. Of the bramble and the willow he makes baskets, panniers, the bodies of carts and wheel-barrows, and the wings of his fanning mill. The bamboo supplies his house with rafters and partitions, walls his hennery and pig stye, and forms the staff he always carries. Both himself and his house are topped with straw, in thatch and hat; his clothing is of flax, dyed with mountain weeds. The volcano furnishes lava stone for his building material, the brook clay for his pottery, the faya and the heater his fuel. In short, nature has done the best she can for him, and he utilizes her benefits to the utmost. As a rule he has no use for a barn or a storehouse, for his small stock of grain can be easily stowed away under the beds and in the corners of the one-room casa. Neither is there any need for a hennery to tempt the neighbors, for the chicks and pigeons prefer to roost among the thatch; nor of a piggery, for the socially inclined porca, tethered by a string to the doorpost, is more at home inside than out. No people are more faithfully in love with fatherland than the Fannie B. Ward 357

Azorean with his islands; but as the peasant can never hope to greatly better his position at home many of the more enlightened among them seek to escape their burden of poverty by emigrating to Brazil or elsewhere. Doubtless more of them would follow the example of the star of empire which “westward takes its way” were not the anti-emigration laws so very strict. No native can openly leave the island without a passport, and a passport will not be granted unless he gives bond in $300 to return and serve in the army when conscripted. It might as well be $3,000,000, so far as the peasant is able to raise it. But a good many get away every year nevertheless, by shipping clandestinely on the whalers and traders that occasionally put in at the smaller ports. “Stealing Portuguese,” as the traffic is called in seaman’s parlance, used to be an exten- sive and profitable business, and is yet considerably engaged in. When you see a bonfire at midnight on some lonely hilltop you may know that a boatload of refugees is waiting to come out under cover of the darkness. It is said that sacks of wheat and bails and boxes of vegetables, taken on even at Ponta del Gada, sometimes develop into lively, two-legged freight as soon as the craft is outside the harbor. The Donkey with a Worried Look. However hard the peasant’s lot at home, though he owns neither house nor land nor car nor goat nor pig, there is none so poor that cannot possess at least, one little donkey, which, after convenient habit of its kind, supports itself somehow on brambles, tin cans, and other refuse. If you want to go anywhere in San Miguel Island and require the services of a donkey, all you have to do is to step over to the Matriz Church, where hundreds of the sturdy little beasts are congregated all day long, accompanied by barefooted drivers, who carry iron-pointed goads as large as the handles and twice as long as that useful instrument is made in the Azores. Each donkey has a rope of braided rushes around its shaggy neck in lieu of a halter or bridle, and on its back a huge wooden saddle, with upturned wooden yokes at the front and back. Even men rarely sit astride when they ride these animals, but mount the cumbrous saddle, something as you would the wild Irish jaunting car, with both legs dangling over the donkey’s right side, and in moments of peril clutching violently with both hands the horns of the front yoke, which may well be called a “dilemma.” It is no use to undertake the upright and dignified posi- tion. Far better to double up in the true Azorean attitude when on donkey- back, in the form of an inverted interrogation point. 358 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

From padre to peasant everybody owns a donkey, and brings it into requisition for the most trifling journey. The padre will not walk a block, if his own or any other person’s donkey is within call. The goatherd on the mountain has his for an inseparable companion, and if the feeding ground is shifted but a few rods, he makes as much preparation as for a long journey, riding in state to his new station among the rocks. So, too, the peasant laborer rides to his shilling- a-day job on an adjoining farm, and the country woman, wishing a bit of gossip with the good wife in the next cabin, sets out in the saddle and arrives with as much éclat as from a lengthy pilgrimage. Wherever you look, down any street or lane or country road, there is a constant procession of donkeys. Here comes a group ridden by peasant women on their way to town, each woman cloaked and cowled in the hideous capote capillo, with all manner of country produce swaying from their wooden saddles. A lone donkey laden with water casks plods along without companion or driver, sent from some- where over an oft-traveled way, with a look of worried responsibility upon his gray old face. Behind comes a bevy of donkeys, under piles of cornstalks heaped so high that it looks as if the stacks were traveling into the city on invisible legs; but beneath the fodder bells jingle in a muffled way, a lad, following after, prods the mysterious bundle viciously. Again it is a troop of donkeys mincing down a narrow path, laden with wheat and corn, in casks and panniers, or two are met sustaining a heavy beam across their backs to which is lashed the trunk of a tree being conveyed to the city for building purposes, so evenly balanced that while one end bangs the donkey’s head and shoulders, the other, bounding lightly along the way, is a menace to all passers. Perhaps the oddest burden of all is a patient being carried to Da Misercordia, the splendid hospital of Ponta del Gada. Two timbers are fastened lengthwise along the donkey’s back and from the ends of these other timbers extend across the donkey’s back, securely fastened with thongs. From this rude framework a hammock depends, made of pine staves, such as are used for orange boxes, covered with stout, home-made linen. Sufferers are thus comfortably carried, even with broken bones, from their homes in the most distant part of the island to the city for treatment. Fannie B. Ward 359

17. AZOREAN CHURCHES A Sunday Ramble Through Quaint San Miguel Sanctuaries. ARE MANY AND MUCH ALIKE Characterizations of Their Adornment and Equipment. An Indulgence for Any One Who Will Repair the Cathedral’s Roof.

Ponta de Gada, San Miguel. Dec. 6 – Special Correspondence. – Although there seems to be no Sunday in the Azores, regarded from our view of its proper observance, one’s conscience is not likely to be lulled into forgetful- ness of religious duties. Throughout the entire week the church is everywhere prominently in evidence, while at every hour of the day and most of the night a clamor of bells “entreats the soul to pray.” To be sure, the market place, the shops, and saloons are all at their brightest and best on the Lord’s day, the bull-fight and cock pit claim the majority of the people in the afternoon, and balls and the theater in the evening, but everybody goes piously to prayer and confession in the gray light of dawning, and later to mass, and, having thus discharged his obligations to heaven, feels himself fairly entitled to enjoyment of the world during the rest of the day. Let me tell you how today has been spent. Long before sunrise we were awak- ened by the usual jangling of bells in a dozen churches, and we determined to outdo the lark in the matter of early rising, rather than waste a precious moment of our last Sunday in the Azores. Not having made a brilliant record as early birds during our month’s sojourn in this town, it was necessary to go out on the balcony and clap our hands smartly together, after the manner of the good people in the Arabian Nights, to announce that Las Americanas desired their bedroom coffee several hours than usual, and presently it was brought by the astonished chamberman (there are no chambermaids in these countries), together with a crusty loaf and platter of cheese. A breeze, balmy and sweet as of sour southern June, ruffled the vines that drape the alcoba. Below, in the court yard, life is going on as if it were midday on a busy Sunday, instead of 4 a.m. on the day of rest. The lean and dignified senhor, mine host, propped against a pillar, was at his customary business of puffing slowly at endless cigarettes, while his fat wife bustled noisily about like an energetic little steam tug pulling the whole domestic concern. Already a dozen coheres (cabmen) and arrieros (mule drivers) were lounging about, hoping for jobs among the shipload of strangers who arrived last night, 360 Boletim do Núcleo Cultural da Horta and the patio was filled with market people, male and female, bringing every conceivable thing to sell in the way of meats, fish, fruits, and vegetables. All the women were swathed in bright shawls, or muffled from head to heels in the voluminous capote e capello; all the children, bright, happy, and beauti- ful, but nearly naked, all the men diligently smoking odd-looking cigarettes, rolled in cornhusks, which are always deposited with great precision behind the ear whenever the heat of argument over a cent’s worth of something requires both hands in vehement gesticulation. The patio is a charming and quaintly medieval “interior,” if the unroofed central space around which the house is built can be so called. A Courtyard Scene. It is paved with small stones, like the streets outside, and admits donkey as well as human being through the wide front door. Scattered all about in every- body’s way are saddles, grain bags, baskets of provender, and queer kitchen utensils; while one corner, partially sheltered by a square bit of projecting thatch, supported on two posts, serves as a cookroom. Its stove is a heap of stones, raised as high as the Senhoras’ knees, and on it fagots of pine furze are burned in several tiny piles. Over each little fire is something boiling, broiling or stewing, on a triangular piece of iron poised above the blaze, or in a rude jar of native pottery, or in an iron kettle, upheld by a long stick beneath its bait. Every now and then the senhora comes along and blows the fires, puffing her cheeks like a human bellows, and scolding the maids the while; and then the latter take their turn at blowing, each with hands on hips and faces distorted like those of the gargoyles under the eaves of the cathedral. A narrow gallery runs around the entire second story, thus forming a covered portico around the courtyard, into which all the rooms on the ground floor open. The chambers also have no windows, but each has a big barnlike door, opening into the gallery, or alcoba, in the vernacular; and in the upper part of the door are one or more small panels, on hinges, which may be separately set ajar when light and air are desired without altogether sacrificing one’s privacy to the public gaze by opening the whole door. The house roof, of half-round red tiles, extends some distance over the balcony, leaving a generous opening to the sky; and all along it bird cages are hung, and benches set between the vine and flowering plants that grow in tubs and boxes. After coffee, we followed the crowd to matins, and visited several sanctuaries in the course of the morning. In all of these islands the churches are many and Fannie B. Ward 361 very much alike, their leading characteristics being white-washed outer walls, open belfries, oblong, red-tiled naves, horseshoe arches, innumerable window cases of black lava, apparently set in at random, and generally a minaret of Moorish dome, and always a steeple full of noisy bells, which are perpetually pounded upon by long-handled hammers. All are approached through ponder- ous iron gates and entered through triple arched, flamboyant porches, above which is set a life-size figure of the patron saint. One sees everywhere traces of the fingers of master architects which antedate the Spanish occupation of the island and hint of their earlier golden age. The auditorium is always spacious and lofty, huge columns, from eight to ten feet square, supporting the groined and vaulted ceiling; but, unfortunately, the fine effect is generally spoiled by gaudy gilding, tinsel decorations, and bouquets and festoons of most unnatural paper flowers. Such churches, as the Matriz and the Conceicao, at Terceira, the Matriz, at Fayal, the San Francisco and the Matriz, at Ponta del Gada are, among many others, resplendent with handsome frescoes, richly gilded altars, real gold and silver candlesticks. Dutch tiles, and blue panel pictures, in porcelain, illustrating scriptural scenes. Above the side chapel are often nailed the coat of arms of wealthy families, who have paid for the privilege, and before scores of altars silver lamps are kept constantly burning, the votive offerings of absent natives, who have each deposited a sum of money for the purpose. There are organs in a few of the cathedrals, but, as a rule, the sounds extracted from them are conducive to feeling the reverse of pious. One organ, in Ponta del Gada, boasts of a trumpet attachment and it tinpanny tones are simply excruciating. Most Rare Wood and Carving. In many of the edifices it is the wonderful carving that commands the most admiration. Perhaps the best example of this work is seen in the Jesuit church of San Miguel’s capital. Nothing on the continent of Europe is superior to the delicate carving of its ceiling and altars. Age has deepened the rich, ark hues of the wood, and the delicate tracery is as perfect today in every line and supple as when it came from the obscure graver’s hands, centuries ago, but even the name of the artist has been long since forgotten. Beside these carvings are often rich pictures, the productions of the old Spanish masters, admirable today, in spite of the obscuring dinginess wrought by three or four centuries of smoking incense. But, as a rule, the images of the saints in these old-time sanctuaries speak of the degenerate present, being 362 Boletim do Núcleo Cultural da Horta rudely hacked out of wood, dressed in soiled cotton, bedizened with faded ribbons and gaudy paper flowers, their heads surrounded by stiff metallic rays of glory. The patron saint of Ponta del Gada’s Matriz Church looks like a North American Indian, with headdress of feathers, war club in hand, and two arrows sticking into his side. Of course, there was originally some tradition concerning him, but it seems to have been entirely forgotten by the present generation; at least I am unable, after many inquiries, to learn anything about it. Every church has from one to a dozen caricatures of the Savior, any one of which would ruin the religious sentiment of a more esthetic people than the Azoreans. In the Church of Livramento is a wax figure of Christ, bearing the cross, so bloody and repulsive that children cry and women turn pale at the sight of it; and in the San Francisco Church the sacristan will haul a coffin out from under one of the altars and show you a ghastly naked effigy of Jesus, laid out for burial. The cathedral of Ponta del Gada is one of the most imposing edifices in the archipelago, and its belfry is hung with a remarkably sweet chime. A quaint effect is added to the exterior by a series of lion-bodied gargoyles with human faces grinning from under the eaves at passers-by. In the walls I noticed a printed papal dispensation to the effect that forty days’ indulgence would be granted to anybody who should contribute, in however small degree, to repairs on the roof. Tawdry red curtains are looped away from the front of the altars, and a wilderness of ropes dangles before them – the stage carpenter’s arrangement for the semi-theatrical fiestas that so frequently take place. The theatrical aspect of the house is heightened by the many little boxes opening from the galleries, which are occupied on special occasions by parties of the elite. There are no seats on the damp stone floor, but a small space in the center of the auditorium is floored with wood and surrounded with a low railing. Here the women kneel during the services, their gay shawls, white turbans, and blue capotes making a spot like a brilliant flower bed in the dim old church, while the men and boys congregate in the rear and on all sides, and we notice that, as in other Catholic countries, the male population pays comparatively little attention to its prayers, no doubt expecting to get into heaven on those of the female portion of their families. Within the altar spaces of this cathe- dral are some magnificent carved wooden settees, black with age, and carved lecterns supporting enormous antique tomes, printed in medieval Latin, with curious black and red letters, bound in leather and brass. There is a nunnery connected with the Church of the San Francisco, that of Nossa Senhora Espe- Fannie B. Ward 363 ranza (Our Lady of Hope), one of the few that, since the disestablishment in 1834, have been allowed to expire by limitation. Its windows are guarded by massive iron gratings, as if criminals of deepest dye were caged inside, instead of a few innocent and happy old women, who are sometimes seen in black costumes and white head dresses. The sojourner in the hotel near by is sometimes inclined to wish that the house of Our Lady of Hope had gone with the rest, when disturbed by the grewsome sound of its midnight and early morning bells, calling he aged devotees to prayers. The chapel connected with the convent has some beautiful antique floral frescoing, as bright and fresh as if painted yesterday. Treasures of an Image. And here, behind a framework of golden bars, is the celebrated Santo Christo, an image of Christ which is regarded by the Azoreans with the utmost reverence and has been richly endowed with real estate and personal property. Around its waist is a rope of gold and silver, pearls and diamonds, and on its diadem, breastplate, bracelets, and other adornments are jewels estimated to value several million dollars; while the wealthy continue to bring their richer offerings, and devotees who have emigrated to Brazil or elsewhere send over jewels, rich stuffs, cargoes of coffee, sugar, and every conceivable commodity, the poor pile its shrine every day with bread, wine, and fruit from their own scanty stores. Returning from our tour of the churches to 10 o’clock breakfast at the inn, we were served upon a table bare of covering, but beautifully polished by count- less scrubbings, with plates of brown earthenware, such as Northern house- wives use for baking pies, and a very large glass flagon with pewter goblets, suggesting the lost glories of Azorean vineyards. As for the menu, there were the inevitable eggs and chicken, yam stew and unleavened bread, with a lump of Conger eel, big as your head, served steaming hot toward the close of the repast (as in all Spanish and Portuguese countries fish comes last), and coffee and fruit enough to generously ration a regiment. One ceremony must never be neglected. The host comes in, fills a pewter mug for each person with the passado, native sweet wine of the country, lifts another to his own lips, and gravely gives the blessing. “May the praise of God rest upon this house for you, stranger and friend.” In the afternoon we followed the fashionable world of Ponta del Gada in a long drive along the old Caminho Grande (great road), which leads to 364 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Povoação, one of the oldest towns in the Azores, in the southeast part of the island. The road is forty feet wide, some of the way cut in the rocky side of the mountain, at an elevation of 3,000 feet, to which it gradually ascends with occasional level stretches, along which cool springs from the upper heights empty into marble basins. Farther on you pass extensive forests, and look down into the deep ravines and chasms, with white cottages and cultivated lands in the valley below, and finally you reach the top of the mountain ridge, when a sense of grandeur electrifies you with wonder and admiration. A vast view of the ocean breaks upon the vision, while beneath your feet, far, far below, lies a tiny by, guarded on either side by high cliffs, off which the sails of fisher boats look like aphrodites of the sea. Away to the south the indented mountains on St. Mary’s Island are wrapped in silvery mist, to the north the slopes of the hills are green with corn; to the west the great mountain, Pico da Vara, looms skyward 5,000 feet; and, turning to the east, you gaze down long slopes into the exquisite valley, which holds the town of Povoação, with its pretty villas and churches extending to the seashore.

18. AZOREAN SKETCHES Fannie B. Ward’s Last Days in the Archipelago. A JAUNT TO SANTA MARIA Glimpses of a Funeral and a Ball in St. Mary’s. Interesting Characteristics of Either Function – The Musical Passion of Those Bucolic Island Folk.

Ponta del Gada, San Miguel. Dec. 16. – Special Correspondence. – We have been improving our last hours in the Azores by a flying visit to Santa Maria, the smallest island of the group and the one that lies nearest to Europe. Though only forty-four miles southeast from the big island of San Miguel, the latter, strange to say, remained undiscovered for twelve years after Gonzalo Cabral had found the first tiny speck in midocean (in 1432) and named it in honor of the Blessed Virgin. St. May’s is not often visited by tourists, because there is no harbor in the dangerous reefs that surround it, and therefore most ocean Fannie B. Ward 365 steamers give it a wide berth. Its trade is conducted through the medium of San Miguel, as that of Pico is through Fayal and Corvo through Flores, and many small native boats ply constantly between in favorable weather. It hap- pened that the Portuguese royal mail was sailing that way on our monthly trip, and we determined to risk it, trusting to providence to get us back somehow across the channel in time for the steamer, expected four days later, upon which we had taken passage for another journey. “The royal mail” sounds well, but fair Juliet was right when she remarked, “What’s in a name?” The Portuguese steamer is a low-lying affair, broad, squatty, and inconceivably dirty, emitting from her funnels the blackest smoke that ever sullied the atmosphere. As she was to sail at daybreak we went aboard betimes, but not too early to miss many a boa viagem (good voyage) shouted after us as we hurried down the narrow street by the kindly folk among whom we have made many friends. Not so early, either, but that the harbor was all astir, with fishing boats setting out for the day’s catch, ships bound seaward, with all sails set; English barques waiting for their charter, and several from our own country, flying the flag so doubly dear to her exiles when seen in foreign parts. Among the latter was a Boston packet of the Adams line, which has been doing good business with these islands for many years, and sends a vessel about once a month to make the round of Azorean ports. There was also a New Bedford whaler – one of those storm – defying craft that zone the watery globe in search of bone and blubber, generally getting back to the home port after two or three years’ absence, and another rakish-looking New England craft, suspected of being one of those accommodating vessels that still cruise discretely around the Azores, watching for signal fires by night, which indicate cargoes of runaway Portuguese, who prefer to become New Bedford and Gloucester fishermen until 26 years of age to the doubtful glory of island military service. A queer, schooner-rigged ship, all deck and poop followed us closely out to sea, her crew a hairy lot, all armed with savage ox goads, like the pikes of Spanish picadors in the bullring. Were they pirates, going to step on board presently, and invite us to walk the plank? Oh, no; only harmless carniceiros (butchers) from Ponta del Gada, going over to St. Mary’s for another load of fine, sleek cattle , for which that island is famous. Odd Craft in Azorean Waters. The oddest craft of all was met midway, a cross between a Havanese lighter and a New York North River , with high, three-story cabins overhanging 366 Boletim do Núcleo Cultural da Horta stern and prow, above double tillers – something like the ancient of the dim old prints. It was rigged with a single sail, partly of patched canvas and partly of rush matting, which flapped idly above another brown-faced, hairy-breasted crew, lying about in the picturesque attitudes of the operatic stage, on a cargo composed entirely of pottery from St. Mary’s. This native pottery is a coarse kind, fit only for common domestic purposes; but it is shaped in quaintly artistic designs, and painted before baking in bright red- dish ocher, which give the jars the gay appearance so becoming to the island Rebeccas who carry them on their heads to the springs and wells. It is made only in St. Mary’s, and is exported in large quantities, not only to San Miguel and the other islands, but even to Spain, Brittany, and the West indies; and is always taken in boat loads, just as we saw it in the craft, unpacked, but without danger of breakage, so well is it made. Santa Maria is only thirteen miles long by less than nine miles wide, with volcanic rocks strewn all about, alternated with beds of limestone, the whole honeycombed beneath with innumerable stalactite caverns, in whose laby- rinthine passages it is said a boatman may lose himself and never find the light of day. Its industrious people, some eight thousand strong, manage to raise everything for their own consumption and to export considerable wheat, besides the cattle and pottery before mentioned. I am not going to weary you with a description of its principal town (also called Santa Maria), for all Azorean villages possess the same general features of narrow streets, cobble paved and full of sunshine, lined with rows of tile-roofed cottages, of white- washed volcanic stone, with women spinning in the doorways and dogs and naked children swarming in the plazas. The idyllic inn furnished us comfort- able entertainment – a windowless room, large enough for a town hall, its high-posted bed corded with strips of rawhide and piled with such a wealth of husk mattress that it needed a ladder to scale it, and chairs, or rather stools, of rawhide strips woven over a hollow framework. Water for lavatory purposes was placed in a pottery vessel, about the size of a half barrel, which stood in one corner, with a saucer-shaped utensil alongside that answered for both bowl and dipper. The most interesting sight that came in our way at Santa Maria was a rather lugubrious one – a funeral. A motley company came down the street, four men marching gaily ahead, carrying a coffin on their shoulders, closely fol- lowed by a priest in cassock and shovel hat, and a red-frocked boy bearing a crucifix, the rear brought up by a crowd of stragglers, augmented at every Fannie B. Ward 367 street corner by fresh recruits of the idle and curious. There were no women in the procession and no “mourners,” for the last services over the dead and the last farewell of the relatives are said in the house. The coffin is left quite open on its way to the grave, so that the body within is plainly seen by passers-by and people looking down from their balconies and house tops. According to Azorean custom, the funeral must take place within forty-eight hours after the death. The first night the corpse lies in state, with candles at the feet and head, a glass vessel of holy water at one side and an image of the Blessed Virgin at the other. The body of a young unmarried woman is always dressed in white, a matron in black, and a man in the clothes he wore while living. White paper flowers, with a profusion of the most unnatural green leaves, adorn the corpse, and the relatives and friends pass the night around it, weeping and praying and frequently sprinkling the body by shaking over it the small branch of an aromatic herb, dipped in the holy water. The following forenoon the church authorities come, place the corpse in its coffin, and bear it to the cemetery; while the house of mourning is closed, its doors and blinds all shut, and none may enter or leave it for a week. At the expiration of that time the daily routine of life begins again and goes on as before. Carrying the Sacrament. Among the wealthier class of the cities, and always when a government official dies, the body lies in state in the church and the mournful sound of the death bell is kept up incessantly. The visitor in many of these islands often sees the (to him) strange spectacle of the sacrament being carried to the bedside of some dying person. Four priests bear aloft a red canopy stretched upon four poles, beneath which walks the vicar in his robe of office, preceded by the sexton ringing a dinner bell, and followed by other priests bringing the cup, wafer, wine, and other sacramental vessels, the cross and censer, while the bare-headed rabble run after; women kneel in their doorways, and the cathedral bell clatters all the time. Las Americanas. “From grave to gay, from lively to severe” is the rule in remote St. Mary’s, as in other parts of this tragic world. A dead priest was lying in state in the cathedral, and we learned that a ball was in progress at a private house on another street. Through the innkeeper’s wife we begged an invitation to the ball, which was promptly and cordially given; and on the way thereto we 368 Boletim do Núcleo Cultural da Horta followed the throng into the cathedral, where the prelate was holding his last reception, guarded by soldiers and surrounded by lighted candles. The lady of the two-room casa in which the dance was given greeted us with gentle but dignified courtesy; and, though we doubt we were as much “curiosities” to most of her guests as they and their ways were to us, there was no vulgar staring, nor anything to indicate that the appearance of las Americanas was unusual. Indeed, one may learn many lessons in politeness from these simple- hearted Azoreans. The house was decorated with ferns and masses of bright blue hydrangeas, and as we entered somebody was accompanying his voice on a viola and singing the song which is as common in the Azores as “After the Ball” in the United States, beginning:

Quero cantar a Saloisa Já que outra moda não sei.

The viola is an instrument peculiar to these islands – an odd cross between a guitar and a mandolin – but its delicate music is unlike that of any other instrument. It is used as an accompaniment in all their singing and dancing, and always in the nightly serenades, without which no Azorean maiden can be won in marriage. The favorite dance is the “Chama Rita,” which was to be danced at the ball in question and could not begin until the leader came, and pending his arrival there was much good-natured joking to the effect that it always takes a violinist three months to dress himself. Presently he came – a handsome young fellow, attired like a Spanish brigand, in corduroy knee breeches, black-braided jacket bordered with velvet, and broad scarlet sash – singing, smoking, and twanging his viola and dancing three steps and a shuffle as he entered. One by one the men fell in behind him, each taking the same three steps and a shuffle, till there was a circle around the room; and one by one they beckoned the women in, all hopping together like so many chickens on a hot griddle. The leader meanwhile banged away on his viola and chanted at the top of his voice in a monotonous recitative, in which the words “Chama Rita” and “Bella Mia” frequently occurred; and the rest joined in the chant at intervals, snapping their fingers high above their heads to mark the time, as with castanets. The dance consists of a polka step, with a great deal of “balancing to partners” and “ladies chain” and “grand right and left,” not unlike our old-fashioned cotillion, and occasionally they paired off for a little waltz. Fannie B. Ward 369

Customs of the Dance. There seems to be no regular sequence for the changes of the dance. As the spirit moves them the participants, male and female, burst into a loud recita- tive, at which the rest laugh and applaud, and somebody else takes it up and adds to it in the same strain. This recitative, chanted to the tune of the viola, is always improvise, and is made the vehicle for sharp personalities or for good-natured joking at the expense of those who are suspected of being in love. And so the racket went on, the shouting of the song, the twanging of the viola, the snapping of fingers, until everybody was tired. Then, pending refreshments and a brief rest, each gentleman asks his partner whom she desires to dance with next. It is considered the polite thing for her to signify a wish to continue with him; but if she prefers another partner No. 1 must go and ask the more favored fellow to take his place. There are other dances, nota- bly the “Charabana” and the “Saudade,” and the gayest of all, whose name I have forgotten, with which the ball is generally concluded. It is not unlike our Virginia Reel, the dancers forming in lines and galloping down the middle by couples in a series of balancing marvelous to behold. The Azorean peasantry, poor and hard-worked as they seem to be, are extremely fond of music, and nothing gives them so much pleasure as strumming upon a viola. First the music always consists of a few monotonous strains, even that of lovelorn Romeos beneath their sweethearts’ windows. Another favorite recreation is the improvisation, where two persons alternately sing rhymed couplets, which they “make up as they go along,” for the amusement of the listeners. The musical flow of the languages and the similarities of the word- ending – mostly a or o – render this an easy accomplishment. An American gentleman who recently visited these island has this to say of the poetic tour- naments; “All nature seems to inspire the rustic song. The country lads and lassies, even when laboring in the fields, challenge each other to metrical con- tests, and often two lovers, fields apart, will sing to each other all day long, as cheerily as the canaries and blackbirds in the hedges around them. The shepherd boy will serenade a companion on a distant hill, using a rude sort of instrument made from a cow’s horn and a long stem of bamboo. Upon this he pipes, like the god Pan, in mellow tunes, until hills and valleys echo the sweet music of his yodel. Often a man, for lack of a companion, will whistle each second verse of his song in a higher key, to represent his mistress, or chant one line in a bass voice and next the tenor, with the same intent. So, too, the 370 Boletim do Núcleo Cultural da Horta country dances are performed not alone to the melody of the guitars, but to the rhythm of song as well, and the Chamarita will set both voices and feet and snapping fingers in motion with its merry, voluptuous strains, whether played in the public square, at the rural husking, or at the Sunday fandango in some flower garden.” Revista de Livros

Book reviews

(2014) Carlos Manuel Gomes Lobão, Uma Cidade Portuária – A Horta entre 1880-1926. Sociedade e Cultura com a Política em Fundo. 2 Volumes, Horta, Ed. do Autor.

José Miguel Sardica - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Em Maio de 1881, num texto da revis- da na escrita da história nacional. ta Occidente, o escritor Brito Rebelo A historiografia portuguesa continua iniciou o elogio fúnebre do duque de ainda hoje a ser maioritariamente Ávila e Bolama recordando o seu mo- continental, demasiado centrada no desto berço, a ilha açoriana do Faial, retângulo ibérico, e por isso a care- como um dos “penedos no meio do cer de um descentramento que a enri- Oceano, como que semeados ao queça com os traços do que Portugal acaso, que as ondas buliçosas do mar de facto foi ao longo da sua história: ora afagam e abraçam, meigas e sere- um país pluricontinental e marítimo, nas, ora açoitam e combatem, furio- cujo império ultramarino entretanto sas e desapiedadas, parecendo querer pulverizá-los”. O carácter periférico e frágil do meio insular, assim roman- CARLOS MANUEL GOMES LOBÃO ticamente evocado, não impedia con- tudo, e não impediu, que os Açores tivessem merecido um lugar de rele- UMA CIDADE PORTUÁRIA vo na memória histórica portuguesa, − A HORTA ENTRE 1880-1926 bem sabedora do quanto os rumos SOCIEDADE E CULTURA COM A POLÍTICA EM FUNDO políticos do país, e sobretudo a con- temporaneidade liberal, ficara a dever ao pioneirismo, determinação e resis- tência das gentes açorianas. Infeliz- Volume I mente, essa memória histórica, bem viva ao longo de todo o século xix, por causa da Guerra Civil, e ainda em boa parte do século xx, por causa da HORTA centralidade geoestratégica das ilhas 2014 no Atlântico bélico das duas guerras mundiais, não teve tradução adequa- 374 Boletim do Núcleo Cultural da Horta terminou, mas cuja projeção insular e os leitores em geral (ilhéus ou não) e oceânica permanece como um traço lhe possam dar. (e uma virtualidade) a conhecer e a Trata-se, na realidade, de um minu- potenciar melhor. cioso e multifacetado estudo da reali- Vêm estas palavras a propósito do dade da Horta ao longo de uma larga livro, que aqui se apresenta, Uma fatia temporal, que se estende desde Cidade Portuária – a Horta entre 1880 a 1926. Foi nesse quase meio 1880-1926. Sociedade e Cultura com século que Portugal e os portugueses a Política em Fundo. Trata-se da pu- sofreram uma das maiores transfor- blicação de uma Tese de Doutora- mações coletivas da sua história, na mento, defendida e aprovada na Uni- transição do liberalismo monárquico versidade dos Açores, em Novembro oitocentista para a era das massas, da de 2013, cujo autor – Carlos Manuel democracia, da industrialização e das Gomes Lobão – é figura local bem incertezas da modernidade, entre nós conhecida e já uma referência no âm- vividas sob o agitado ciclo do final do bito da historiografia sobre os Açores. século xix e do regime republicano de O trabalho agora dado à estampa vem 1910-26. Se serviu de marco genésico na continuidade de uma sua série de do movimento republicano nacional, estudos, de maior ou menor extensão, 1880 também é um início adequado dedicados à modernidade hortense e para a narrativa desenvolvida por faialense, entre os quais se destacam Carlos Lobão, quanto mais não fosse História, Cultura e Desenvolvimento porque, na Horta, o tricentenário de numa Cidade Insular. A Horta entre Camões alentou uma consciência 1853 e 1883 (de 2010 – original- de devir histórico e uma militância mente uma dissertação de Mestrado), progressista interessada em romper ou o Roteiro Republicano da Horta atrasos e em semear as “dinâmicas (de 2012). No panorama bibliográ- de transformação” que, ao longo do fico sobre a cidade faialense, que se livro, o autor vai contrastando com caracteriza – como resume o autor as “resistência à mudança”, muito na sua introdução – “pela relativa características do pequeno meio insu- escassez de estudos científicos”, só lar conservador. Também 1926 foi parcialmente compensada “pela exis- data bem escolhida, porque é nacio- tência de algumas monografias e pela nalmente o ano do 28 de Maio e do relativa abundância de trabalhos me- termo da I República, e porque é local- morialistas e de divulgação cultural”, mente o ano do grande sismo no Faial a obra agora publicada merece todo o e do fim da representação consular relevo que a comunidade académica norte-americana na ilha. Revista de Livros 375

Num estilo sóbrio e seguro, que ca- Mas a realidade faialense acaba por tiva o leitor pela empatia nutrida em ser também explorada de forma ex- relação ao seu objeto de estudo, o tensa, graças ao volume imenso de trabalho de Carlos Lobão tem uma informação recolhido. E ao aprofun- estrutura clara, que vai sobrepondo dar o conhecimento da Horta e do diferentes enfoques sobre uma mes- Faial num dos períodos mais cruciais ma realidade espacial e época – a da contemporaneidade, o autor deixa Horta, cidade capital portuária, da uma valiosa achega para a própria Monarquia à República – adequada- história regional dos Açores, cujas mente delimitados em quatro grandes relações com a história nacional nem capítulos, um sobre a vida urbana, sempre são, como acima se referiu, infraestrutural e socioeconómica, devidamente salientadas – quer no outro sobre a política, outro sobre que a evolução histórica continental a educação e o ensino, e um último deve aos Açores, quer no balanço das sobre a vida sociocultural. Ao grosso diferenças e semelhanças históricas primeiro volume de texto soma-se um registadas entre as ilhas e as restantes segundo volume, com cerca de uma partes do país. centena de páginas, onde se coligem A investigação original que sustenta os anexos – um enorme conjunto de o livro é a muitos títulos notável, exi- dados documentais, fotográficos, esta- bindo rara exaustividade arquivística tísticos, prosopográficos ou socioló- e um olhar sempre atento e sensível gicos, cuja recolha e sistematização à importância de outras fontes histó- só podem elogiar-se, tanto pelo seu ricas, como a imprensa, a literatura carácter time-consuming como pela e a fotografia. A leitura revela como sua utilidade, coligindo o que poderá o autor se interessou por tudo aquilo doravante servir para outros estudio- que o pudesse informar e esclarecer sos e outros trabalhos. No total, são sobre o pulsar diverso da Horta ao cerca de 750 páginas, dimensão já longo de quase meio século. O resul- hoje pouco usual em teses académicas tado é um olhar que “humaniza” a e livros de história, que seguramente Horta – essa “maior pequena cidade passarão a ser um contributo incon- do mundo”, na célebre expressão de tornável para a história local – e não Pedro da Silveira, ou essa “cidade- só. É certo que Carlos Lobão foca so- zinha faialense” com “certo sopro bretudo a Horta, as suas dinâmicas, o europeu e yankee”, como a qualifica seu porto e o seu hinterland, não tendo Carlos Lobão. redigido, portanto, uma história da Não é possível, no espaço limitado de ilha do Faial entre os séculos xix e xx. uma recensão, resumir todas as pro- 376 Boletim do Núcleo Cultural da Horta blemáticas abordadas na obra – da debate e do posicionamento da classe geografia e população aos melhora- política da ilha (tanto a monárquica mentos urbanos ou às conjunturas como, depois, a republicana), em económicas (e naturais) de crise e de torno dos temas da autonomia e do progresso; da luta político-partidária regionalismo. E a partir dos condicio- ao quotidiano eleitoral ou ao fervi- nalismos geográficos e materiais, por lhar jornalístico; das esperanças e um lado, e do debate político, por entraves do ensino e da educação à outro – feito com o continente, ou surpreendente riqueza e diversidade fora, e apesar, do continente – o leitor das formas de associativismo e dos tem acesso a um outro grande tema, círculos e espaços de vida cultural, aqui explorado na educação, na cul- artística e mundana. Em todo o caso, tura e nas mentalidades, a saber, o vale a pena salientar alguns eixos do “desabrochar da modernidade”, argumentativos que servem de fio mesmo que de forma “diluída e miti- condutor à narrativa. Um deles, não gada”, por sobre a “pequenez, pobre- diretamente assumido mas constante- za e modéstia” próprias da “cidade do mente implícito, é o da relação umbi- canal”, onde as “matizes europeias” lical (que não deixa de ser dualidade) sempre assentaram num “viver semir- entre a terra e o mar, entre a Horta e o rural”. Oceano, entre a pertença sólida à ilha De entre as nove ilhas dos Açores, o e a sedução pelo porto cosmopolita, Faial situa-se em posição de impor- de onde tantos partiram para a aven- tância intermédia. Sombreado por tura da emigração e onde não poucos São Miguel e pela Terceira ao longo chegavam para europeizar a baía e o da história, soube afirmar-se como a Faial. Talvez por isso, a época estu- mais importante das chamadas “ilhas dada por Carlos Lobão foi pródiga de baixo” – um velho rótulo tão inte- em diagnósticos definidores da “insu- ressante quanto problemático, pela laridade” e da “açorianidade” – reali- alteridade que pressupõe entre as dades identitárias que o autor define várias partes dos Açores –, tendo de maneira larga como “uma forma construído a sua reputação, valoriza- peculiar de ser-se açoriano” e “uma ção e dinâmicas a partir da sua cidade forma de estar e de ser que os conti- portuária. Costuma dizer-se, entre as nentais têm grandes dificuldades em gentes locais, o que qualquer foras- compreender”. Ora, o jeito faialense teiro por si pode observar: que a de ser insular e açoriano perpassou beleza rara da Horta reside tanto na por um segundo grande eixo da narra- enseada amena que se estende do tiva deste livro – o das cambiantes do Monte da Guia à ponta da Espala- Revista de Livros 377 maca quanto no facto de o anfiteatro Lima (de 1940). Mas enquanto estes, hortense ter defronte de si o pano- ainda e sempre úteis, são sobretudo rama arrebatador da vizinha ilha do crónicas lineares de factos e pessoas, Pico, com a sua elevação vulcânica. o estudo de Carlos Lobão é uma des- A admiração não deve obscurecer o crição problematizadora, estrutural, rigor, da mesma maneira que a igno- conjuntural, diacrónica e humanista, rância tem de dar lugar ao conheci- motivada, nas suas próprias palavras, mento. Carlos Lobão lembra ao seu pela ideia de que “valeu a pena passar leitor que a história da Horta esteve alguns anos a procurar pontas para demasiado tempo presa quer da ajudar a construir algo de novo”, a “amnésia do excesso”, ou seja, de um saber, “indagar as origens”, “procurar culto bairrista de glória passada que a identidade”, “fundamentar a dife- nunca existiu, quer da “amnésia da rença” e “conservar o património ausência”, dos que não conhecem o cultural”. Por esta via, e produzindo Faial e dos que dele julgam saber já o a tese-livro aqui resumida, o autor suficiente. O objetivo e o mérito deste enriqueceu a historiografia local e livro foi, e é, o de desconstruir a pri- regional com um largo fresco que meira e ajudar a superar a segunda. densifica o conhecimento do passado, O autor segue assim o caminho tri- ao mesmo tempo que pode ajudar lhado por clássicos como a História a fazer refletir sobre o presente e o das Quatro Ilhas que formam o Dis- futuro da política, da sociedade, da trito da Horta, de António Lourenço economia e da mentalidade faialenses da Silveira Macedo (de 1871), e sobre- e açorianas. tudo pelos Anais do Município da Horta. Ilha do Faial, de Marcelino José Miguel Sardica

(2014) Envelhecer e Conviver (coord. Teresa Medeiros, Carlos Ribeiro, Berta Pimentel Miúdo e Adolfo Fialho). Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições *

Avelino de Freitas de Meneses – Professor Catedrático da Universidade dos Açores/Secretário Regional da Educação e Cultura do Governo dos Açores.

A principiar1 to na sociedade contemporânea, este livro pode muito bem ser apresentado Antes de mais, agradeço o convite por um Secretário Regional da Edu- para fazer a apresentação pública des- cação e Cultura. E porque? Porque a te novo livro Envelhecer e Conviver, Aprendizagem ao Longo da Vida não que agora surge nos escaparates, com é uma modalidade marginal e secun- coordenação dos meus colegas da dária do sistema educativo. Bem pelo Universidade dos Açores Teresa Me- contrário! Hoje, a Educação é a Edu- deiros, Carlos Ribeiro, Berta Miúdo cação ao Longo da Vida, que principia e Adolfo Fialho e por iniciativa da logo no ato do nascimento, que só Letras Lavadas edições. Esta é uma missão que cumpro com gosto, por- que há 11 anos atrás, como Reitor da Universidade dos Açores, procedi à abertura do Ciclo de Aprendizagem ao Longo da Vida, uma iniciativa que muito deveu à pertinácia e à clari- vidência da Prof.a Teresa Medeiros, então no exercício das funções de Pró-Reitora. Sendo prefaciado por uma Secretária Regional da Solidariedade Social, dado o caráter da temática, toda ela em redor da análise do envelhecimen-

* Este texto corresponde à apresentação pú- blica do livro, ocorrida a 30 de setembro de 2014, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. 380 Boletim do Núcleo Cultural da Horta termina no ato da morte. De facto, a mente, encontramo-nos perante um sociedade dita da globalização, carac- drama sem solução. Todavia, em vez terizada pelo desajustamento quase de profetas da desgraça, os autores permanente entre o caráter da quali- acima referenciados são arautos da ficação dos ativos e a súbita meta- esperança, porque na caracterização morfose dos conhecimentos, abre às dos seniores de hoje identificam cada escolas uma nova função, que consis- vez mais velhos, pela averiguação te no imperativo da preparação para da idade, cada vez mais jovens, pela a mudança de atividade. Por outras capacidade de ação. Além disso, palavras, as exigências laborais de perante o assomo do individualismo e atualização e adaptabilidade conver- a degradação do Estado, reconhecem tem agora o processo do conhecimen- a emergência de um novo mutualismo, to em tempo de aprender, desaprender protagonizado por grupos de cida- e reaprender. Este dever das escolas, dãos, por poderes locais, caso das e particularmente das universidades, misericórdias e dos municípios, e pe- suscita a atração de novos públicos, las igrejas, encontrando-se a católica que são normalmente públicos mais à frente das demais, por ser a herdeira velhos. multissecular de práticas de assistên- cia em socorro de toda a tipologia de 1. A insurreição da idade necessitados. A tradição identifica os idosos com Este novo livro inclui um profundo um grupo de doentes e de acamados, diagnóstico do envelhecimento ativo que aguarda, que inclusivamente qua- e do diálogo intergeracional, decor- se anseia, pelo termo da existência, rente das análises de cerca de uma dado o insuportável peso da dor e do vintena de autores, muito atentos à sacrifício. Em sociedades cheias de realidade de Portugal e ao enquadra- jovens, como eram as nossas comu- mento na Europa. Em 1960, os por- nidades de outrora, os velhos eram tugueses com mais de 65 anos cor- uma minoria social a pender para o respondiam a 8% da população. Em inútil, porque já improdutiva, mesmo 2011, os portugueses com mais de 65 após uma vida de canseiras e de reali- anos já equivaliam a 19% da popu- zações. A sociedade da atualidade é lação. Em 2040, os portugueses com substancialmente diferente da socie- mais de 65 anos representarão 32% dade de outrora. Outrora, a abundân- da população. Além disso, os idosos cia de jovens justificava que sobre eles estão cada vez mais pobres, vivem recaísse todo o esforço da educação. cada vez mais isolados. Aparente- Outrora, uma escassa percentagem de Revista de Livros 381 idosos não justificava a realização de um menor dispêndio de força natural, um investimento público substancial. esta sim própria da juventude. Na atualidade, a melhoria das condi- Os preconceitos contra a velhice, ções de vida suscita o acréscimo da interiorizados de forma quase imper- esperança de vida. Na atualidade, o cetível, possuem custos elevados, novo comportamento demográfico mesmo de natureza económica e fi- suscita o decréscimo dos nascimen- nanceira. A título de exemplo, carece tos. Por tudo isto, do passado para o de confirmação o entendimento mais presente, ocorreu uma profunda alte- comum, que aponta quebras na quali- ração da dimensão e da essência da dade e na produção da atividade dos velhice. Quantitativamente, há um seniores. Nestas circunstâncias, é ur- maior número e uma maior percen- gente a inversão das nossas atitudes, tagem de velhos. Qualitativamente, quer as pessoais, quer as coletivas, transformou-se o caráter da pessoa para que também forcem a alteração idosa. Agora, os idosos constituem das políticas estatais, acomodadas à um grupo social numeroso e útil, convicção da inutilidade dos idosos, formado por pessoas que, mesmo à uma cruzada que exige a participação margem dos circuitos da produção, dos próprios, no combate às causas da possuem capacidade de contribuição exclusão que eles mesmos admitem, para o progresso da comunidade. as mais das vezes, sem uma completa consciência. Num inquérito de rua, quando ques- 2. O préstimo dos seniores tionada sobre aquilo que mais gosta- ria de ser quando fosse adulta, uma O envelhecimento das nossas comu- criança, concretamente uma menina, nidades é um sinal de progresso da disse que gostaria sobretudo de ser civilização, logo muito mais evidente avó. E acrescentou “os avós são os nos países desenvolvidos. Além disso, únicos adultos que tem tempo para trata-se de um fenómeno duradouro, nós”. Os avós são os únicos adultos, resistente ao antídoto da imigração, continuou ela, “que não invocam uma que só atenua o défice da natalidade. ocupação permanente, que param, Na consideração da velhice social, pensam e respondem, e de um jeito não propriamente pessoal, em vez da que a gente entende”. Porém, a tradi- identificação de um problema, temos ção não veicula o melhor registo do de ver o indício de uma solução, papel dos avós na educação dos mais dadas as características da atual eco- novos. A propósito, quem não recorda nomia do conhecimento, que requer o velho ditado popular “os pais edu- 382 Boletim do Núcleo Cultural da Horta cam e os avós (des)educam”. Apesar a socialização. Nesta conjuntura, os da contradição destes testemunhos, avós são pontes de diálogo entre as na sociedade contemporânea, carac- gerações desavindas. Com efeito, são terizada pela crescente ausência dos eles que conseguem o retorno dos pais, os avós possuem grande relevo jovens, primeiro, ao conhecimento na educação dos netos. Afinal, e de das origens, depois, ao respeito e à uma certa forma, são pais por duas recuperação das raízes. vezes. Com efeito, agem como supor- te afetivo e financeiro de muitas famí- 3. A Universidade e o envelheci- lias, mesmo como substitutos dos mento pais, quando estes falham no cumpri- mento das obrigações e das respon- Por tudo o que já se disse, as universi- sabilidades mais básicas. De resto, dades não podem ficar alheias à pro- em circunstâncias menos dramáticas, blemática do envelhecimento. Bem com mais tempo útil, é na condição sabemos que a mentalidade de hoje de avós que muitas mulheres e muitos destaca os valores da utilidade ime- homens descobrem tempo para fazer diata e da máxima produtividade, que com os netos aquilo que não tiveram suscita a glorificação dos mais fortes, oportunidade de fazer com os pró- que propicia a revelação do liberalis- prios filhos. mo mais selvagem, ao mesmo tempo No País, na sociedade de hoje, os um estímulo de progresso económico mais idosos, o mesmo é dizer os avós, e um fator de promoção da injustiça. são o sustentáculo de muitas famílias, É claro que importa contrabalançar são os verdadeiros educadores da tanto exagero. É claro que importa juventude. Porém, na diáspora portu- obter maior equilíbrio. A consolida- guesa, ontem como hoje, os idosos, o ção do progresso e o aprofundamento mesmo é dizer os avós, são os princi- da justiça exigem a adoção de práticas pais agentes da preservação da nossa diferenciadas que importa conciliar, matriz cultural, são os melhores ins- dada a relevância social dos seus fins. trutores das gerações mais jovens. O acréscimo da competitividade é um Fora da terra natal, são mais difíceis instrumento de progresso, o exercício as relações entre pais e filhos, porque da solidariedade é um instrumento de os primeiros vivem para o trabalho justiça. Neste caso, as instituições da nem sempre digno e compensador, sociedade democrática e do estado de porque os últimos enfrentam as con- direito são o campo de harmonização tradições da escola, ora integradora, do progresso com a justiça. Entre tais ora segregacionista, que prejudicam instituições, avultam as universidades Revista de Livros 383 e os governos. Da universidade, aguar- dade, e em atividades compensadoras, da-se que a formação faculte o desen- na perspetiva do indivíduo. Quer tudo volvimento económico e a promoção isto significar que na atualidade a social. Do governo, aguarda-se por essência da universidade é a plura- um papel de regulação, para que a lidade, isto é, uma universidade de competitividade seja um fator de pro- todas as idades, uma universidade gresso, sem ser um instrumento de para todas as idades. desrespeito pela condição humana, para que a solidariedade seja um fator A terminar de justiça, sem ser um instrumento de paralisação iniciativa. São estas, foram estas as reflexões A nova universidade de hoje, filha da que entendi produzir a propósito da nova sociedade de hoje, tem de apos- problemática do envelhecimento nos tar na captação de novos públicos. dias de hoje. A humildade fica bem Para além dos mais jovens, também na política, na ciência e na própria os profissionais, mas ainda os deso- vida. Eu creio que sou relativamente cupados, muitos deles idosos, menos humilde. Mas, desta vez, eu vou ser jovens, mas cada vez mais jovens. No mais ousado, quase provocador. Esta futuro, a atração dos desocupados, minha apresentação teve pelo menos muitos deles idosos, será sempre, e uma vantagem. Ela não se sobrepôs cada vez mais, o objetivo capital da à leitura do livro. Ela não dispensa gestão universitária. Um objetivo a leitura do livro. Da realização de que evidenciará a utilidade pública uma tal leitura, retirarão todos vós, da universidade do amanhã, já que a disso estou certo, muitos e mais ensi- integração dos menos jovens e dos namentos. mais desocupados resultará em ativi- dades uteis, na perspetiva da coletivi- Avelino de Freitas de Meneses

(2014) Rui Bettencourt, Políticas para a empregabilidade. Lisboa, Actual Editora.

Álvaro Borralho – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.

Autor sobejamente conhecido pelos trando, com uma linguagem técnica, anos em que esteve nos Açores como mas acessível, os conceitos básicos e Director Regional, a sua obra apre- as suas dimensões. Portanto, um livro senta uma reflexão estruturada em que interessa a todos, em particular torno de cinco capítulos – I. O em- ao público das ciências sociais ou que prego e suas políticas; II. A emprega- a elas recorrem para entenderem a bilidade; III. Flexibilidade da econo- realidade circundante. mia e segurança no emprego; IV. As Não sendo o desemprego o tema da ligações Educação – Emprego e V. Um obra, este está omnipresente e o seu reposicionamento das políticas de apresentador assim o identifica, logo emprego e das políticas educativas nas primeiras páginas, ao afirmar que – sendo ainda enriquecido com uma “entre os problemas seguramente mais apresentação de Carlos César e prefa- tipificadores dos riscos de desestru- ciado por Eduardo Ferro Rodrigues. Para além desta atractividade, o livro tem ainda uma tese a defender, pois não se tratando, de facto, de uma dissertação académica, não deixa de ser verdade que seguiu o modelo das reflexões e análises académicas e pos- sui um veio condutor, inscrevendo-se nas preocupações científicas, mas também políticas do autor. Por outro lado, é importante realçar que se está diante de uma obra muito didáctica e elucidativa acerca da pro- blemática e que o marca já como um livro mais académico do que político, com interesse para um público leigo e menos leigo e que recorre com fre- quência à abordagem da matéria, ilus- 386 Boletim do Núcleo Cultural da Horta turação e de alarme nas sociedades Assim, a discussão faz-se em torno actuais estão as elevadas taxas de das perspectivas e das reflexões sobre desemprego e as fracas expetativas de a adequação do e ao emprego, impli- alternativas ou mesmo de manuten- cando falar da empregabilidade, evi- ção dos empregos ocupados” (César tando entrar na discussão das medidas apud Bettencourt, 2014: 16). Também sociais de combate ao desemprego. Ferro Rodrigues, no prefácio, identi- Ou seja, uma forte colocação do pro- fica o desemprego como um problema blema em termos positivos e proposi- estrutural, afirmando que “se é um tivos, ligando a problemática quer à facto que a estratégia europeia para o economia, quer à política e chamando emprego procura combinar os planos a atenção para as fortes assimetrias nacionais, regionais e até locais com regionais na Europa: “De facto, há o quadro europeu mais geral, o que é países como a Grécia, a Espanha ou certo é que o actual refluxo do ideal Portugal cuja taxa de desemprego europeu e das suas práticas tem nos jovem atinge valores entre os 35% e défices de crescimento e emprego um os 55%, enquanto no mesmo espaço dos seus mais trágicos reflexos” (Ro- comunitário a Dinamarca, a Alema- drigues apud Bettencourt, 2014: 21). nha ou a Holanda apresentam para o Partindo desse problema nuclear desemprego jovem valores inferiores das sociedades modernas, a reflexão a 15%, quatro a seis vezes inferiores” começa por enunciar uma fórmula (Bettencourt, 2014: 30). expressa por François Miterrand, em Fazendo eco das preocupações mais 1993: “Em matéria de luta contra o recentes sobre o emprego mundial, desemprego, tudo foi tentado” (Bet- designadamente da Organização tencourt, 2014: 25). Percebe‑se que o Internacional do Trabalho no seu autor quer contrariar esta ideia-feita, Relatório sobre Trabalho no Mundo, tendo um objectivo claro de demons- em 2012, dá conta da perplexidade trar mais a incapacidade de a política acerca da incapacidade em aumentar pensar em soluções para enfrentar e a população empregada e das inevi- combater o desemprego do que as táveis consequências que isso poderá dificuldades em escolher e adequar provocar, nomeadamente, situações soluções para o emprego. Quer dizer, de agravamento das desigualdades emprego e desemprego são dimen- sociais e dos conflitos sociais. Reali- sões interdependentes, mas com algum dade possível e tangível cuja impro- grau de autonomia, e adequar solu- babilidade não pode, nem deve, ser ções para o emprego pode ser o medida a olho nu, e que estão nas melhor combate ao desemprego. preocupações centrais das análises Revista de Livros 387 de variados cientistas sociais que re- instrumento de decisão e intervenção petidamente vêm alertando para estas política e os trabalhos de Lasswell, possibilidades. O agravamento das considerado por muitos o precursor condições de vida tem, para as socie- da análise das políticas públicas, pro- dades, o mesmo efeito que o aqueci- curaram estabelecer uma discussão mento global tem para o planeta, e entre cientistas, grupos económicos pode acarretar a destruição a médio e os decisores públicos, justamente, prazo da maior riqueza que moder- com a finalidade de melhorar a eficá- nidade criou em matéria de direitos, cia da acção pública. participação cívica e possibilidades A questão da eficácia das políticas de vida: o Estado-Providência ou públicas não é, aliás, um tema novo. Estado Social. E quando se fala em Keynes, Musgrave ou Pareto já o Estado Social importa referir um con- tinham pensado no quadro macro- tributo decisivo deste modelo de go- económico e Pareto tem mesmo uma vernabilidade, como lhe chamaria célebre consideração acerca do que é Foucault, como são as políticas pú- útil e do que é eficaz. Esta alusão à uti- blicas. lidade e à eficácia é feita porque Rui As políticas públicas ganham cen- Bettencourt também a transporta para tralidade na reflexão do autor já que, o seu livro, colocando o problema da “nessa pesquisa de novas políticas articulação entre as políticas públicas públicas para o emprego torna-se de emprego (a eficácia) e as políticas necessário passar por uma escalpeli- públicas de educação (a utilidade): zação das ligações entre educação e “as políticas públicas de emprego, emprego, ou pelo menos entre acão que estão a maior parte das vezes educativa e empregabilidade, e é estruturadas em Planos (nacionais, nesta realidade que se insere a cen- regionais, e por vezes locais), se- tralidade das atenções nas estratégias guem, no caso do espaço geográfico de qualificação profissional” (Betten- europeu, a Estratégia Europeia para court, 2014: 38). Enquanto decisões e o Emprego, e são, assim, geralmente acções dos poderes públicos na socie- uma combinação destas medidas. Por dade, as políticas públicas, ganharam sua vez, as políticas educativas não um relevo crescente a partir da década aparecem claramente no xadrez das de 1950 com os primeiros trabalhos políticas de emprego” (Bettencourt, dos politólogos norte‑americanos. 2014: 58). E fica claro que o autor O interesse centrou-se, sobretudo, na não tem uma visão utilitarista da edu- eficácia das decisões públicas, em es- cação, pelo contrário, quando afirma pecial, a sua racionalização enquanto “a educação deve ter uma missão 388 Boletim do Núcleo Cultural da Horta mais alargada de preparação para a (o dobro)” (Bettencourt, 2014: 102). cidadania, de criação de capacidades Numa abordagem estrutural deste de desenvolvimento e análise, de for- tipo, seria inevitável o confronto com mação cultural, na aquisição de uma outra ideia-feita: de que se trabalha base de conhecimentos transversais, pouco em Portugal e que, talvez para e, sobretudo no ensino superior, de abonar a falsa tese, se ganha bem. preparação para a inovação e a inves- Com efeito, os dados trazidos à cola- tigação” (Bettencourt, 2014: 91). ção desmentem-no quer do lado dos Um outro aspecto muito relevante custos do trabalho, quer do lado da na obra é o recurso à comparação no produção em horas de trabalho. quadro europeu e a análise que se faz Há, assim, a necessidade de um (novo) do desenvolvimento dos Açores nas reposicionamento das políticas de últimas décadas. Esta análise não só emprego e das políticas educativas. permite dar a conhecer a realidade De entre as medidas preconizadas, a insular como estabelece desafios, no- prospectiva estratégica, proposta por vas abordagens e ao prosseguimento Godet, aparece como um meio funda- de estudos sobre a empregabilidade e mental de concepção das decisões pú- a articulação com a educação. E nesta blicas. A aplicação desta prospectiva dimensão, importa reter que “nos estratégica, em ateliers criados para Acores, entre 2008 e 2011, o trata- o efeito nos Açores, e segundo uma mento preventivo das qualificações análise estrutural, permitiu ver “fato- para o mundo do trabalho fez dimi- res determinantes de desenvolvi- nuir em 10% o número de trabalha- mento, com forte conexão entre eles, dores sem habilitações e aumentar e, consequentemente,­ sobre os quais em 51% os trabalhadores licenciados, se deve agir em articulação” (Betten- 20% destes por formação contínua court, 2014: 178). (universitários de mais de 23 anos) Ainda neste capítulo, o autor lança e sendo 80% jovens recém-licen- um rápido olhar sobre aquilo que ciados” (Bettencourt, 2014: 66). Ou habitualmente se designa por “enge- ainda, noutra dimensão, verificar e nharia social”, sendo apresentada comparar qualificação entre patrões e como comportando soluções de “en- assalariados portugueses, pois a per- genharia da formação”. Dando como centagem de patrões com ensino su- exemplo a situação em que dois enge- perior é relativamente baixa: 9% dos nheiros, em França e nos anos 1970, patrões portugueses contra 27% (tres souberam reorganizar um sector pro- vezes mais) dos patrões europeus e dutivo a partir de uma situação social 18% dos trabalhadores portugueses complexa e a teriam conduzido a Revista de Livros 389 soluções aceites e integradoras (Bet- tico, designadamente, daquilo que tencourt, 2014: 192). Se a engenharia os centros de decisão política estão da formação de ocupa “da análise, da dispostos a fazer para os resolver. conceção e da condução de um pro- Com feito, o autor afirma que “para o cesso de formação indo da análise desempenho deste novo papel do de necessidades à avaliação dos for- Estado é exigível uma postura dife- mandos e do processo, passando pela rente e novos conhecimentos que vão determinação de objetivos, a planifi- desaguar na prospetiva estratégica, cação e a definição de meios huma- mas a complexidade­ que obriga os nos e materiais” (Bettencourt, 2014: conhecimentos técnicos para a con- 194), também se pode afirmar que as ceção e pilotagem das políticas para a ciências sociais o podem fazer sem empregabilidade não dispensa, antes necessidade dessa construção ideo- exige, a liderança política” (Betten- lógica a que se convencionou chamar court, 2014: 202). Quer dizer, e vol- “engenharia social”. Cotejando as tando ao princípio, a afirmação de uma palavras do autor, pode-se fazer um tese demonstrativa da capacidade da pequeno exercício: o de se levar o política em resolver, por políticas pú- exemplo para outro sector, o da saúde, blicas, os problemas que socialmente por exemplo. Se um técnico, ou um lhe são colocados, sem esquecer, e conjunto de técnicos, forem capazes sem deixar de defender um modelo – de analisar, conceber e conduzir um o do Estado Social –, tão duramente processo terapêutico, indo da análise atacado pelo neoliberalismo reinante: das necessidades dos doentes, pas- Nas palavras do autor, “o arriscar sando pela determinação de objecti- (…) é a grande questão que se coloca vos de tratamento, a planificação das ao político de hoje” (Bettencourt, intervenções cirúrgicas e a definição 2014: 204). E, arriscar, foi o que fez dos meios e recursos humanos neces- Rui Bettencourt, em bom momento, sários para o tratamento, certamente, numa aposta ganha com esta obra que continuaremos a chamar-lhes médicos é, também, um altíssimo contributo e não engenheiros da saúde. para o desenvolvimento dos Açores. O exercício antes feito conduz à necessidade de se verificar que não Álvaro Borralho é por mudar o nome que a realidade muda. Até porque, e como o autor Nota: Este texto é uma versão abreviada, mas também reconhece, a questão funda- fiel, ao que foi lido na apresentação do livro mental não está do lado técnico. Está, no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, no e sempre assim esteve, no plano polí- dia 11 de Abril de 2014, a convite do autor.

(2014) Alfredo Mesquita, A América do Norte. Lisboa, Tinta-da-China; FLAD.

Álvaro Borralho – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.

Do livro de Alfredo de Mesquita, cuja vem não às dissertações dialécticas publicação original remonta a 1916, ou literárias, mas às descobertas posi- resulta, no dizer do cabal e desvela- tivas das ciências matemáticas, físi- dor do prefácio de Onésimo Teotónio cas ou naturais. A geometria dá-lhes de Almeida, uma “imagem rósea do o respeito absoluto e fanático da ver- paraíso que o Novo Mundo para ele dade. O método das ciências físicas e constitui. E, com efeito, o autor via- naturais entra na educação da criança jante não esconde o entusiasmo pro- americana com o propósito sério de vocado pela realidade com que se lhe desenvolver as faculdades de confronta” (Almeida apud Mesquita, observação e de experimentação, tão 2014: 18). O livro abre-nos a análise para uma descrição elogiosa de tudo quanto o autor vê e o relato insere-se na postura de um herdeiro do espírito científico do século xix, um positi- vista, registando-se ainda algum pen- dor de darwinismo social, também assinalado no prefácio, com uma evo- cação mais directa a Herbert Spencer (filósofo e cientista inglês do séc. xix mas muito apreciado nos EUA e adoptado como um dos teóricos do liberalismo económico oitocentista). A confirmá-lo a inscrição organicista, tão ao jeito de Spencer, para quem o progresso é coisa do indivíduo e não da soma deles, ou seja disso a que se convenciou chamar de sociedade: “todos os progressos que a América realiza, dizem os americanos, se de- 392 Boletim do Núcleo Cultural da Horta essenciais sob o ponto de vista moral social: “A americana corre para o como sob o ponto de vista intelectual” homem como os rios correm para o (Mesquita, 2014: 64-65). O progresso mar. Corre com o mesmo ímpeto, é, assim, evolução e, a evolução insofrido e natural. (…) Entende‑se social, não é mais do que o resul- que o casamento, produtor de uma tado do esforço individual partilhado, função eminentemente social, deve permitido pelo desenvolvimento da subsistir sempre que fisiologicamente técnica e da ciência. se ajuste ao próprio fim” (Mesquita, Há claramente, nesta conjugação de 2014: 203). Com efeito, não existe positivismo e de evolucionismo orga- uma situação feminina muito dife- nicista, o enaltecimento do esforço renciada e as mulheres americanas individual, da combatividade, do des- dependem da estrutura de oportuni- porto e da competição, do self made dades que o sistema de papéis sociais man, da disposição individual con- lhe reserva, tal como na Europa. jugada com o corpo das disposições O que é diferente é a estrutura de normativas e colectivas, ou seja, a oportunidades, quer para homens, moral com a ideologia. “Sendo muito quer para mulheres, e é isso que independente, o americano é muito provoca alguma simetria nos papéis obediente” (Mesquita, 2014: 78). Ou sociais assumidos pelos dois sexos. ainda, noutra passagem, “o dólar é Isto mesmo se espelha noutra ques- unidade de todo o peso e de toda a tão, “muito complexa”, como é a medida do homem. (…) Na América, situação dos negros na sociedade como em todas as outras partes do norte-americana. Não é preciso ir mundo, os homens não se medem aos muito longe para perceber o seu palmos; mas pesam-se em dólares” ponto de vista. A descrição, pelas (Mesquita, 2014: 92). suas próprias palavras, prende-o, de A eloquência das palavras e da des- novo, a uma estrutura de entendi- crição leva-o mesmo a dar conta do mento demasiado auto-centrada na contrário do que pretende exprimir. cultura dominante do país visitado Por exemplo, a respeito das mulheres, e o etnocentrismo vem ao de cima: quer afirmar a integração e o papel das “O contacto do preto com o branco, mulheres na sociedade norte-ameri- desde que não seja aquele em que o cana, querendo mostrar a indepen- preto se ache como servo e o branco dência destas e a sua autonomia face como senhor, evita-se (…). Onde é ao homem. Todavia, acaba por reve- possível separá-los por uma rede, lar justamente o contrário, mostrando engaiolá-los como gorilas, isso se a dependência delas face à estrutura faz: nos compartimentos dos carros Revista de Livros 393 eléctricos que lhes são reservados, que esta exista e ao Estado interessa-- por exemplo. (…) Bairros inteiros, ‑lhe sobremaneira que uma qualquer porque lá apareceram um dia as [às] religião exista, pois ela representa janelas de algum prédio inquilinos de em termos de força moral, quer dizer cor duvidosa, despovoam-se apressa- controlo social, o que o Estado difi- damente, e passam a ser da exclusiva cilmente consegue realizar. Para de- habitação dos pretos. Assim eles têm fesa da eficácia do poder, a religião realizado a conquista pacífica dos é bem-vinda. Para Carl Schmitt, aca- seus bairros, a que vão anexando as démico e filósofo alemão, católico, suas escolas, as suas igrejas, os seus conservador, e mais tarde admirador clubes” (Mesquita, 2014: 396). De confesso do nazismo, a conclusão é segregação, e da aceitação dela por idêntica para o catolicismo. A união parte dos segregados, nos fala, por- entre Estado e Igreja realiza-se justa- tanto, o autor, querendo afirmar que a mente por os dois serem Estado, isto segregação não seria um mal, mas um é, poder e poder em acção. bem pois teria permitido aos negros, O livro coloca-nos perante a com- afinal, terem ocupado um espaço paração permanente com a obra Da social. Democracia na América, do político O capítulo sobre a relação do Estado e pensador francês, aristocrata, libe- com a religião espelha a mesma ral e católico Alexis de Tocqueville, admiração anterior: “A neutralidade surgida em 1835, depois de um ano da América consiste não em desin- de visita aos EUA para estudar o sis- teressar-se da religião, bem menos tema penitencial. Aliás, Onésimo de ainda em combatê-la, mas em teste- Almeida dá o mote no prefácio, subti- munhar pelas diferentes crenças uma tulando Mesquita como um “Tocque- benevolência imparcial” (Mesquita, ville português”. E o autor também 2014: 405). Noutra passagem, “a reli- revela ter tido conhecimento da obra gião não é ensinada nas escolas, nem do pensador francês. poderia sê-lo (…). A neutralidade é Tocqueville é hoje considerado como perfeitamente observada e sincera. um dos precursores do pensamento (…) O que ao Estado importa é que social moderno e, desde Raymond a escola tenha por primeiro cuidado Aron, como um dos fundadores da inspirar e cultivar no aluno o patrio- Sociologia, que fez ciência socioló- tismo e que a lição de civismo vá de gica sem a querer fazer, merecendo par com a lição de moral” (Mesquita, essa atenção e o prémio de ter sido 2014: 410). Por outras palavras, pouco um dos mais importantes pensadores importa a religião professada desde políticos da modernidade e um dos 394 Boletim do Núcleo Cultural da Horta que melhor soube analisar a socie- a Tocqueville a única capaz de con- dade norte-americana. Em Da Demo- trolar o poder do Estado. cracia na América, Tocqueville dis- Finalmente, e em terceiro lugar, os tingue diversos níveis de abordagem. hábitos e os costumes, ou a forma Em primeiro lugar, a situação aciden- como os EUA souberam conciliar tal (histórica e geográfica) da consti- liberdade de Estado com liberdade tuição dos Estados Unidos, em espe- individual. Por outras palavras, como cial o facto de ter sido uma sociedade demarcaram esfera pública de esfera criada por emigrantes perseguidos privada, e, como nessa conjunção de religiosamente, sem grandes distin- elementos, souberam delimitar a reli- ções de riqueza; não ter havido neces- gião para a esfera privada e o Estado sidade de conduzir a guerra contra se declarou não confessional. Aspec- inimigos externos e de a instalação to, aliás, desconhecido para Portugal, oferecer a todos, nos primeiros tem- até 1910, e para vários países euro- pos, e sem grandes problemas, a ri- peus que, não sendo confessionais, concediam a uma religião a sua pre- queza que faltava na Europa: a pro- ferência. A virtude da cultura cívica priedade. seria, justamente, a capacidade de Em segundo lugar, as leis e as caracte- cada um poder usufruir da sua crença rísticas político-formais que mostram livremente, sem dar explicações ao uma federação de estados, cada um colectivo e da reunião de elementos com a sua lei particular e, ao mesmo que fariam do norte-americano um tempo, o respeito por uma estrutura cidadão empenhado na cidadania e de poder assente numa comunidade na participação necessária à defesa política sujeita ao pacto e à contra- dos princípios legais e políticos que tação. Quer dizer, ao estabelecimento a propiciam. da lei como princípio da vontade e A questão negra, melhor dizendo, a da obrigação políticas, sem prejuízo questão Norte e Sul, e a disputa dos da livre circulação de pessoas e bens. territórios aos povos indígenas, os Este princípio coaduna-se com uma índios, também colocaram problemas prática política, democrática e tripar- a Tocqueville. Mas ele pensou-os tida em poder legislativo, executivo como resolúveis na escala de valores e judicial: a tripartição de poderes de uma sociedade democrática: por enunciada por outro francês (Mon- pacto e por contratação. Como sabe- tesquieu). A tripartição do poder é a mos não foi bem assim, a guerra civil forma que, de certo modo, ainda rege primeiro e o acantonamento dos índios as democracias actuais e afigurava-se por imposição e por derrota militar Revista de Livros 395 em reservas, talvez tivessem admi- não realiza qualquer censura e o seu rado Tocqueville. Mas ele morreu poder crítico é bem diminuto e, tendo em 1859 e já não assistiu ao desfecho presente os dois contributos, é de desses acontecimentos. supor que aquilo que os afasta é bem Há, assim, uma estrutura bem dife- maior do aquilo que os aproxima. rente no pensamento de Tocqueville e de Alfredo de Mesquita. Tocqueville Álvaro Borralho censura certos aspectos da sociedade americana; por exemplo, a liberdade Nota: este texto é uma versão abreviada e adaptada à publicação do que foi lido na de imprensa, chegando a afirmar que apresentação do livro na Livraria Solmar em a aceita mais pelos males que evita do Ponta Delgada, no dia 23 de Maio de 2014, que pelas virtudes que trás. Mesquita a convite da FLAD.

(2014) Inventário do Património Imóvel dos Açores – Angra do Heroísmo. Terceira. Angra do Heroísmo, Ed. Direcção Regional da Cultuta; Instituto Açoriano de Cultura.

Isabel Soares Albergaria – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Univer- sidade dos Açores.

Antes de passar à apresentação do como já hoje aqui foi notado – tem-se livro propriamente dito gostaria de revelado uma obra hercúlea. fazer algumas breves observações Começaria por lembrar que o Inventá- acerca deste empreendimento que – rio do Património Imóvel dos Açores 398 Boletim do Núcleo Cultural da Horta nasce em 1999 por iniciativa do Insti- tos, pelo que os seus atores souberam tuto Açoriano de Cultura, na altura até aqui conservar, de uma forma que presidido pelo Dr. Jorge Paulus Bruno, é, infelizmente, rara em Portugal, um o qual estabelece um protocolo com a sentido de continuidade da missão a DRC com vista a cumprir um requi- que se haviam proposto, a todos os sito que viria a ser consagrado na Lei títulos louvável. Sentido de historici- 107/2001, de 8 de Setembro, trans- dade e de responsabilidade para com posto para a região pelo Dec. Legis- os predecessores que me faz recordar lativo regional n.º 29/2004/A de 16 o conhecido aforismo de Henrique de Agosto, nomeadamente no seu de Gand segundo o qual, nós os con- art. 12.º que declara a incumbência do temporâneos não somos mais do que departamento da administração regio- anões às costas de gigantes. Pode nal autónoma competente em matéria parecer exagero invoca-lo a este pro- de cultura assegurar e coordenar o pósito mas o facto é que no tempo de funcionamento de um inventário geral imediatismos, de modas efémeras e do património cultural existente nos de cumprimento de agendas pessoais Açores. a que assistimos diariamente, um em- Certamente que na visão antecipa- preendimento como este que já leva dora do Dr. Jorge Bruno estava a “no lombo” – perdoem-me o ple- consciência de que habitamos ilhas beísmo – década e meia, só pode ser vulcânicas com atividade sísmica visto como uma vetusta herança que periódica e por vezes devastadora, deve ser honrada e cumprida, mau- como havia pouco tempo se verifi- grado todas as falhas que possa ter e cara em Angra, e que por isso a exis- tem-nas seguramente (digo-o sem me tência de inventários generalizados e eximir da minha quota parte de res- rigorosos do património (pelo menos ponsabilidade uma vez que participei do imóvel) se tornava uma tarefa na elaboração, não deste livro mas do urgente e necessária. inventário que lhe deu origem). Por Estamos, pois, perante uma gigan- isso todos merecem aplauso, os inicia- tesca empresa que soube acompanhar dores e os continuadores, os respon- as dinâmicas normais do tempo e das sáveis e os colaboradores. circunstancias, adaptar-se às dificul- Apresentar, pois, este livro é para dades inerentes e aos diferentes enten- mim uma honra; tê-lo à disposição da dimentos dos seus protagonistas, comunidade é certamente um orgu- conservando uma notável fidelidade lho para os angrenses mas é também à conceção original do projeto e uma uma riqueza partilhada por todos os assinalável coerência de procedimen- habitantes das nossas ilhas e um valor Revista de Livros 399 reconhecido muito para além delas. conservação, recuperação e valori- Insisto nisto: no sentido de partilha e zação patrimonial. de bem comum – princípios desgasta- A defesa e valorização do património dos pela usura da ideologia capitalista edificado habitam no seio do conflito au transe – mas que estão no cerne social. Não há como escamoteá-lo. da noção de património (natural/cul- Mais ainda, o próprio conceito de tural), tanto mais que falamos de um património, tal como é entendido pelo bem, de uma cidade e de uma angra pensamento ocidental, tão argutamen- que estão inscritas na lista do patri- te definido e explicado por Françoise mónio mundial. Choay, enferma de um paradoxo insa- Quer isto dizer que tudo está bem? nável: por um lado, a historicidade Que os habitantes de Angra convi- do monumento prende-o irremedia- vem perfeitamente e sem conflitos, velmente ao passado, mumificando-o como Deus com os Anjos, com a zona (ou musealizando-o, se preferirem) classificada de Angra do Heroísmo, na sua condição de documento autên- tico; por outro, o desejo permanente face às restrições impostas pelas me- de renovação, de refuncionalização didas regulamentares decorrentes da e adaptação viva aos usos e formas definição da área de servidão admi- do presente, retiram-lhe a aura de nistrativa entretanto criada? autenticidade, remetendo-o para um Não parece sequer que tal fosse pos- mundo de bastardia que desagrada e sível. É por demais evidente que a incomoda os espíritos sensíveis. afirmação de interesses e expetativas Não estou a falar obviamente da cria- pessoais e coletivas de negócio e ren- ção nova, assumidamente contempo- tabilização imobiliária, de moderni- rânea, que deve saber dialogar com zação – seja lá o que queira significar o património histórico e a cidade essa expressão “modernização”, em consolidada, quer por contraste quer muitos casos não mais do que ima- por continuidade de linguagens, mas gens prefabricadas que se importam ainda assim em diálogo profícuo. de forma acrítica –, de facilitação de Não falo desta ação criativa cuja fun- meios e de ações (poderíamos dizer ção, afinal, tem sido algo mitigada talvez de facilitismo), levam a que nas cidades históricas onde a carga por um sem número de razões se olhe patrimonial é muito pesada, porven- com antipatia os procedimentos buro- tura por um fraco entendimento do cráticos e as proibições práticas, a devir histórico, por temor ou por falta retórica conservacionista e a sua la- de arrojo no gesto. Mesmo quando dainha repetidamente invocada de pretensamente vêm introduzir a mo- 400 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dernidade, intervenções como as da desastre de 80, perante uma situação marina de Angra ou a do seu vizinho de risco eminente e em resultado da Angra Marina Hotel resultam de um resposta rápida e eficaz que as autori- débil entendimento do genius locci dades locais e nacionais empreende- (o génio do lugar) e resolvem-se por ram (com o envolvimento da própria um desenho desastrado que agride e UNESCO). De acordo com o “Regi- deslustra a relevância do património me de protecção e valorização do herdado. património cultural da zona classifi- Não só em Angra faltam exemplos cada da cidade de Angra do Heroís- de grande arquitetura no casco histó- mo” definido pelo Decreto Legisla- rico – expressão que gosto particu- tivo Regional n.º 15/2004/A, «O pro- larmente porque se casa bem com a cesso de reconstrução fez despertar ideia da cidade consolidada e que se o interesse pelo restauro do seu con- aplica tão adequadamente ao caso da junto e um renovado gosto pelo seu zona classificada de Angra. Olho em valor e significado. Da reconstrução volta e costumo perguntar aos meus renasceu uma cidade fisicamente amigos arquitetos quais as suas obras mais segura mas que soube manter de referência no interior do períme- o seu aspecto característico e preser- tro urbano. A pergunta não costuma var a sua herança urbanística e arqui- deixa-los muito confortáveis. A ver- tectónica». dade é que intervir no centro histórico Muito já se disse e muito mais have- é difícil, impõe restrições, exige com- ria ainda por dizer acerca do processo promissos, e muito talento… Poucos de reconstrução de Angra. A lógica aceitam o desafio e raros são os que que presidiu à reconstrução do centro ultrapassam soluções miméticas, ba- histórico da capital terceirense privi- nais e corriqueiras. legiou a conservação cenográfica das Manter intacto o carácter da cidade fachadas e simultaneamente o reforço de Angra, conservar os valores arqui- estrutural dos edifícios com a aplica- tetónicos e urbanísticos que suportam ção de betão armado e outros mate- a sua herança histórica de «cidade riais modernos, contrariando os prin- transatlântica» e transmiti-los con- cípios enumerados por Camillo Boito dignamente às gerações vindouras, em 1893, e consagrados nas doutrinas eis o compromisso implícito na clas- do Restauro do século xx. O princí- sificação da zona central de Angra do pio da autenticidade da matéria cons- Heroísmo como Património Mundial. trutiva foi claramente ultrapassado e A atribuição do galardão – devemos as reconstituições a partir de ideias recordá-lo – dá-se na sequência do aproximadas do original, uma prática Revista de Livros 401 corrente. Várias razões justificam as rância e de respeito pela diferença, e soluções encontradas, desde as mais dependente das circunstâncias sociais óbvias e imediatistas como sejam a e culturais que sustentam e justificam urgência da intervenção, ou a falta a própria existência do património de meios técnicos e humanos, até às (um conceito pós-moderno, portanto!) mais conceptuais que se prendem A excessiva cientifização e especiali- com a situação traumática e a conse- zação técnica com que habitualmente quente necessidade de recuperação os assuntos do património são trata- dos valores identitários perdidos. dos dentro de um corpus de conhe- A questão da autenticidade, colocada cimentos e de saberes dominados e no cerne das liturgias do restauro, foi manipulados por uma tribo de eleitos, de novo colocada pelo “Documento cientes das suas abordagens teóricas de Nara” (Japão, 1994) (e mais tarde e práticas, e ciosos do uso de uma outra vez pela “Recomendação de nomenclatura exclusiva, afastou por- Ename”, Quebeque, 2008) ao preten- ventura o comum dos cidadãos – os der compatibilizar as noções estritas stakeholders do território e da pai- de conservação e restauro, tal como sagem, como agora se diz – de uma vinha sendo posta em prática no Oci- vivência mais franca e descomple- dente a partir das recomendações da xada com o seu património, encarado “Carta de Veneza” (1964), com o na sua dimensão espiritual e na signi- diferente entendimento e técnicas ficação cultural, integralmente consi- usadas relativamente ao património derada. noutros pontos do globo e particular- Este é um problema real que se mente no mundo oriental. A grande coloca no seio da vida dentro das alteração produzida pela “Carta de cidades históricas e que se atravessa Nara” residiu na relativização daque- nas discussões entre os responsáveis las normas universais em função das pela garantia dos valores da integri- diferentes perceções veiculadas acer- dade, autenticidade e exemplaridade ca do património construído e das históricas do património, por um respetivas práticas conservacionistas, lado, e os que o usam e se servem tomando-as em si mesmas como um dele no seu dia a dia, por outro lado. património intangível ou imaterial Aproximar os dois lados do rio, em permanente diálogo com a mate- estreitando e estabelecendo pontes rialidade dos objetos. Em última aná- entre as duas margens, é porventura o lise, alterou-se o próprio conceito de maior desafio que se coloca aos seus autenticidade, tornado mais elástico e responsáveis mais diretos, à popula- variável, imbuído de noções de tole- ção de Angra e das ilhas açorianas e a 402 Boletim do Núcleo Cultural da Horta todos em geral, pois ninguém escapa Duas palavras impõem-se ainda sobre a uma tomada de posição nesta cir- a estrutura e conteúdo desta obra. culação global de informação e de Depois dos textos de apresentação partilha em que vivemos hoje. oficial assinados pelo Diretor Regio- O Inventario do Património Imóvel nal da Cultura, Presidente da Câmara não diz, assim, respeito apenas aos de Angra do Heroísmo e Presidente especialistas. Sem a mobilização dos do Instituto Açoriano de Cultura, se- vários setores da sociedade em prole guem-se os textos de enquadramento de uma ética e de uma estética patri- da autoria de José Guilherme Reis moniais, sem a consciencialização Leite, José Manuel Fernandes e João operante ao serviço do desenvolvi- Vieira Caldas. Finaliza a primeira mento cultural e ambiental das cida- parte da obra o texto do coordenador des e das paisagens, será em vão todo do projeto Jorge Paulus Bruno, onde o esforço a favor da manutenção dos se explica a natureza do projeto, o seus valores inerentes. Devemos saber seu enquadramento institucional, os potenciar o sentido de comunidade objetivos e a metodologia seguida, que existe ainda bem vivo nas nossas explicando-se ainda as fontes de ilhas e extrair daí o fermento para inspiração e a justificação para os cri- uma acção partilhada, criativa e ajus- térios adotados, à semelhança do que tada ao princípio da realidade. É ur- tem vindo a ser feito nos anteriores gente aproximar a ordem do discurso cadernos. da ordem do real, sem descurar os valores e os princípios contidos nas A segunda parte do livro é preenchida noções de autenticidade, integridade pelos mapas que assinalam cartogra- e exemplaridade que regem todo o ficamente as espécies que integram as património autentico, material e ima- diversas tipologias: unidades paisa- terial – em perfeita comunhão, por- gísticas construídas; conjuntos edifi- que um não existe sem o outro! Essa cados: aqui identificados com o siste- é a chave para uma efetiva política de ma urbano do centro de Angra, em si conservação e valorização do patri- mesmo dividido entre a zona urbana mónio de Angra. classificada e o núcleo central da cida- Exige-se pois uma pedagogia, algo de, correspondente à malha da reti- que o Instituto Açoriano de Cultura cula angrense; conjunto de edifícios e não pode ser acusado de não fazer. outras construções; edifícios isolados E a prova inequívoca está em mais (arquitectura religiosa, doméstica, este livro, o 16.º na ordem das publi- pública e civil e militar); constru- cações do Inventario do Património ções utilitárias (agrárias, piscatórias, Imóvel dos Açores. industriais); elementos isolados ou Revista de Livros 403 pontuais e vestígios arqueológicos. Angra um recorte tão particular no A terceira e última parte é inteiramen- seio do arquipélago e do império ul- te dedicada à apresentação das fichas tramarino português; a identificação de caracterização que compõem este dos traços urbanísticos da cidade no primeiro volume, ordenadas pelo res- quadro das tipologias urbanas lusó- petivo número de ordem e abundante- fonas transatlânticas; a interpretação mente ilustradas com imagens e plan- original acerca da arquitetura reli- tas esquemáticas. A obra termina com giosa angrense, em grande parte deve- um glossário, índice e ficha técnica. dora da força modelar da sua catedral, O grafismo contido segue a mesma uma peça inovadora, mesmo a nível matriz dos anteriores volumes, pro- nacional, da nova vaga da arquitetura curando acertar a imagem com o tridentina. texto informativo de forma acessível Só por isso valeria a pena a leitura e didática. deste livro. Mas, como afirma o coor- Feita a apresentação formal importa denador do projeto, a obra tem várias acrescentar algo mais sobre o conteú- leituras possíveis e serve propósitos do dos textos de enquadramento que distintos. Pode ser lida ou apenas penetram nos terrenos da história, da vista, analisada em profundidade ou urbanística e da arquitetura de Angra consultada em situações pontuais. de uma forma que, mais do que repe- Importa que todos saibamos retirar tir o que já tem sido dito, apresentam dela o manancial de informação, o um balanço atualizado dos conheci- esclarecimento de dúvidas e a satis- mentos já adquiridos e avançam até fação de curiosidades a que nos con- mesmo sobre alguns aspetos, com vida, bem como o enorme potencial temas e interpretações mal conheci- para a gestão e valorização do patri- dos acerca da antiga capital açoriana e mónio que constitui, afinal, o seu do seu valioso património. Destacaria principal fundamento. em jeito de balanço, os papéis e atri- Isabel Soares Albergaria buições nas estruturas fundacionais de Angra por Álvaro Martins Homem Nota: Texto apresentado na sessão pública de e João Vaz Corte Real, e as etapas apresentação da obra em Angra do Heroísmo subsequentes que deram à cidade de em 6 de Dezembro de 2014.

(2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia). Os vencedores do medo. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia). O primeiro dia de aulas. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.

Catarina Figueiredo Cardoso – Doutoranda no curso de Estudos Avançados em Materialidades da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

“Vamos Sentir com o Necas” é uma Dia de Aulas, os amigos ajudam um colecção de livros para todas as ida- dos membros do grupo, a Maria, a des. Na aparência é uma colecção de enfrentar o stress anterior ao início de livros infantis. Os protagonistas são uma nova fase da vida. Já não falam seis crianças, com idades dos 6 aos com o Necas, conseguem extrapolar 10 anos, com um amigo golfinho que do medo das ondas para o medo da lhes dá conselhos e orientações para escola. lidarem com as suas emoções. No Estes são livros didáticos: ensinam as primeiro volume, Os Vencedores do crianças a lidar com as suas emoções Medo, o Necas encontra os amigos na negativas e os adultos a lidarem com praia e ensina-os a lidar com o medo as emoções negativas das crianças, de nadar. No segundo, O Primeiro e com as suas. Ensinam a diversi- 406 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dade: no grupo de crianças há todas na sobrevivência e como utilizá-las as cores de pele e de cabelo, uma me- para conservar ou aumentar o bem-- nina africana e outra gorducha, um ‑estar. Os autores sabem sobre o que rapaz oriental, um caixa-de-óculos. escrevem: Célia Barreto Carvalho e O golfinho é um animal simpático Suzana Nunes Caldeira são douto- que encarna a fluidez de fronteiras: radas em psicologia e professoras no é um mamífero que vive no mar e tem Departamento de Ciências da Edu- pele e barbatanas, é um animal com cação da Universidade dos Açores. linguagem, selvagem (pelo menos o Pedro Almeida Maia é escritor e Necas) que se dá bem com os huma- estuda Psicologia na mesma Univer- nos. Ensinam as crianças a valorizar sidade. Ana Correia é artista plástica, o esforço: a linguagem não é dema- licenciada em Pintura com formação siado simples, o tipo de letra não é em Educação Artística e Arte Terapia. extraordinariamente claro, as ilustra- Seriedade e exigência conjugam-se ções sugerem mais do que mostram. nestes livros com ilustrações apela- E os desafios continuam: os exercí- tivas e exercícios aliciantes. Factores cios no final dos livros são exigentes, que contribuem para o seu sucesso a participação dos adultos é nalguns (a primeira edição do primeiro título casos indispensável. Cada livro tem da colecção esgotou num mês) junto ainda um puzzle. de crianças curiosas e pais solícitos. O projecto é sério: ensina os leitores a identificarem as suas emoções, explica-lhes a função que estas têm Catarina Figueiredo Cardoso (2014) Álamo Oliveira, Marta de Jesus – A Verdadeira. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.

Urbano Bettencourt – CIERL-UMa.Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais- Universidade da Madeira, Funchal

Há na ficção narrativa de Álamo atribuindo a esta uma capacidade de Oliveira dois procedimentos que me acção e uma inquietação desconheci- parecem significativos para o enqua- das da primeira delas; o protagonis- dramento e a compreensão prévia do mo de Marta relega a irmã para uma seu romance Marta de Jesus – a ver- zona de penumbra e de alheamento no dadeira. interior da narrativa e representa uma Em primeiro lugar (e esta ordenação valorização da acção em detrimento obedece apenas a um critério de me- da contemplação, o que traduz, desde todologia expositiva), a continuada logo, uma inversão do sentido bíblico configuração do espaço açoriano, de originário. Transpondo para o univer- forma imediata ou, então, distante, naqueles casos em que, por razões diversas (a emigração, a guerra em África) as personagens se encontram afastadas do seu próprio território. Em segundo lugar, a procura de diver- sificação das suas estratégias narra- tivas e discursivas, entre a represen- tação de pendor realista e a que exibe os seus mecanismos, num jogo auto- reflexivo e irónico de questionamen- tos e distanciações. Marta de Jesus – a verdadeira cons- titui-se sobre o pré-texto bíblico do Novo Testamento e a partir de um núcleo posto já em destaque no título. A epígrafe, que o autor colheu no evangelho de Lucas, assinala o com- portamento e o perfil antitéticos das irmãs de Lázaro – Maria e Marta, 408 Boletim do Núcleo Cultural da Horta so desta Marta o núcleo de seguidores O mundo configurado em Marta de do Emanuel bíblico (a mãe Maria Jesus – a verdadeira é fundamental- Nazaré, Maria Madalena, o grupo mente o das Flores, um mundo rural dos apóstolos), recontextualizando- em queda, social, económica, sem ‑os temporalmente a partir de meados sinais de redenção à vista. E a utopia do século xx (mas prolongando-os de transformação do país a partir até à década de 90) e situando-os no desse espaço remoto não passa disso espaço mais ocidental da Europa, a mesmo e acabará por tropeçar nas ilha das Flores, Álamo Oliveira cons- contingências do próprio tempo. trói um romance cuja leitura obriga a A pretendida viagem de libertação um vaivém entre o explícito, contem- rumo à capital é atalhada por inter- porâneo, do primeiro plano e o implí- venção brutal de um tribunal de ex- cito, remoto, do segundo plano (isto cepção constituído à pressa na cidade é, o subtexto evangélico), desafiando da Horta para julgar os rebeldes. o leitor e jogando com as expecta- E mesmo que chegue a desembarcar tivas decorrentes do seu maior ou em Lisboa, o grupo já estará deca- menor conhecimento bíblico. pitado do seu líder, Pedro terá desa- A transposição de alguns episódios parecido misteriosamente durante o bíblicos para a segunda metade do julgamento e Judas já terá cortado século xx açoriano e português, entre os pulsos na Horta, à vista da ilha eles o projecto messiânico de salva- do Pico (o que sempre é uma forma ção política do país, representa desde de, graças à paisagem, suavizar o logo uma condenação ao fracasso, remorso de ter vendido o Mestre por porque esta não é uma narrativa 30 contos). tocada pela visão e pela perspetiva do “Naquele tempo, não havia epílogos”, milagre (aliás, a «réplica» de alguns escreve o autor (p. 181). E se é ver- milagres evangélicos converte-se num dade que, após a tentativa de inter- exercício irónico, pela explicação venção na política portuguesa (uma factual e empírica dos acontecimen- espécie de golpe das Caldas com ori- tos, denegando a sua pretensa dimen- gem na placa tectónica americana), são transcendente; veja-se o caso das “a ilha das Flores nunca mais fora «bodas de Caná»). Além disso, e do a mesma” (p. 178), ganhara visibi- ponto de vista histórico, uma liber- lidade mediática (diríamos hoje), tação situada nesse período de tempo também é verdade que continuou a tornar-se-ia inverosímil (faltavam sangria migratória, Marta viu a ilha ainda 20 anos para que isso ocorresse, esvaziar-se em direcção a Oeste, e não por via de qualquer «missão» obviamente, como sempre. “Daí para salvífica, mas pela força das armas). a frente, começaram a gerir a tristeza” Revista de Livros 409

(p. 179) e nem mesmo as transforma- ultrapassagem do marasmo e do con- ções decorrentes do golpe de abril formismo; por via diferida, Marta de de 74 e a instituição de um governo Jesus – a verdadeira ficciona esses regional foram capazes de colocar as ensaios de transformação e também esperanças da ilha ao nível das suas o seu fracasso, os bloqueios insti- expectativas. tucionais que se lhes antepuseram. Passada aquela espécie de erupção Se Marta de Jesus – a verdadeira social, tudo voltou à rotina: “o grupo constitui uma espécie de balanço dos dos anos 60” foi-se desfazendo, em Açores dos anos 60, lidos à luz de boa parte pelas américas de maior hoje, então é um balanço cujo teor ou menor abundância. Dos outros, deceptivo e desencantado a ironia Pedro, libertado do Tarrafal em 1974 envolve num suave tom de melanco- para onde, afinal, fora atirado, morre lia: ao recusar o cinismo, o romance desencantado com a política, após a assinala, ainda assim, a consciência fracassada experiência com o partido de que nem tudo se perdeu e de que, que fundara; a morte de Marta desen- apesar das desilusões, o futuro foi o cadeia uma série de fenómenos cós- fruto dessas sementes lançadas ao micos que anunciam o fim das coisas. chão insular num tempo ainda não Emanuel morre tranquilamente por preparado para recebê-las. obedecer excessivamente a uma or- Para lá de tudo isso, o romance de dem de João, o discípulo amado, que Álamo Oliveira é também uma home- apenas o mandara dormir; o próprio nagem aos escritores florentinos em João acabará internado na Casa de particular, porque, mesmo quando não Saúde de S. Rafael, já depois de o go- totalmente compreendidos (pense-se verno regional ter mudado de partido. na reacção de Madalena à leitura de Podemos considerar Marta de Jesus – Almas Cativas pelo filho), os livros a verdadeira uma parábola sobre um são esses manuais de sobrevivência tempo português e mais especifica- que ensinam a conviver com a soli- mente açoriano, cujos limites iniciais dão e a vencer o confinamento insu- ficaram devidamente assinalados. lar e as suas margens de água. Seja lá O período configurado no livro de onde for, a literatura ensina a morrer, Álamo Oliveira é, efectivamente, poderia dizer Marta citando Umberto assinalado por dinâmicas colectivas Eco. E isso é ainda uma forma de e sociais que muito devem a quem organizar a relação do homem com ousou sonhar outra coisa para o des- o tempo e o espaço e com os outros. tino insular, num gesto de interven- E de viver. ção cívica e cultural que visava a Urbano Bettencourt

(2014) Adrien Bosc, Constellation. Paris, Éditions Stock.

Urbano Bettencourt – CIERL-UMa.Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais- Universidade da Madeira. Funchal.

No imaginário ainda remanescente Bosc, Constellation, vem corrigir esse quase setenta anos depois, o acidente desequilíbrio e reparar essa memória do Constellation da Air France no truncada, reconstituindo o perfil das maciço do Pico da Vara ainda está restantes vítimas e recompondo-lhes associado sobretudo aos nomes da um percurso. Afinal, elas também violinista Ginette Neveu e do pugi- tinham uma biografia para lá dos lista Marcel Cerdan. A aura mediá- códigos e das referências de um bilhe- tica que envolvia as duas prestigiadas te de avião. E descobre-se, através da personalidades acabou por concentrar leitura de Constellation, que também nelas o sentimento de perplexidade e luto perante a intensidade da tragédia ocorrida na zona nordeste de S. Mi- guel. Em certa medida, isso poderá ter ajudado a diluir ou a relegar para segundo plano a outra vertente da memória, a que se prende com os episódios menos dignificantes envol- vendo a população local – e nos quais é também decifrar os sinais de um tempo de penúria individual e da falta de meios institucionais capazes de proteger os despojos e preservar a dignidade das vítimas. Na imprensa francesa da época não faltou quem se insurgisse contra a polarização da comoção pública em torno de Neveu e Cerdan, esquecendo os restantes quarenta e seis ocupantes do avião (entre passageiros e tripula- ção). O recente romance de Andrien 412 Boletim do Núcleo Cultural da Horta a vida delas se regia por um sonho, episódios individuais aparentemente diferente de caso para caso, mas sufi- aleatórios, mas que traziam em si cientemente forte para lhes «coman- a força imperceptível do destino. dar a vida». Colocar a narrativa biográfica a esta O romance de Adrien Bosc chega ao luz (que é já uma interpretação, uma leitor recomendado pelo Grande Pré- leitura) significa admitir a presença mio do Romance da Academia Fran- de uma vontade que preside ao anda- cesa (2014) e tematiza precisamente mento do mundo e dos homens e o voo do avião da Air France, desde significa também ultrapassar o sim- os preparativos para o embarque até ples relato para inscrever no seu inte- ao momento em que a voz do piloto rior uma reflexão sobre a vida e a se fecha sobre a noite e o silêncio. morte, colocando a existência num Depois, haverá ainda o rescaldo de plano situado para lá da órbita da tudo isso: as buscas e a identificação razão e das leis humanas. Assim, a possível das vítimas (nem todas, antecipação da viagem à última hora aliás), o repatriamento dos corpos e por parte de Cerdan, para poder estar os rituais fúnebres, a entrega de cada mais algum tempo em Nova Iorque um ao seu solo, mesmo que nem com Edith Piaf, obrigando a compa- sempre isenta de equívocos. nhia aérea a «desalojar» o casal que Um romance que estabelece com regressava da lua de mel, insere-se o leitor um protocolo em termos de nessa ordem de factores que atestam reconstituição de uma história empí- a existência de um desígnio superior rica tenderá a prosseguir o relato em e envolvem os amores de Cerdan e conformidade com a lógica dos factos Piaf na aura própria dos amores proi- e a sua verdade, dentro da moldura bidos e trágicos. própria dos processos literários. Neste É por esse procedimento, extensivo aspecto, em Constellation a narra- a outras personagens, que Constella- ção da viagem faz-se num registo de tion escapa à dimensão cronística e se quase referencialidade directa e de constitui uma fábula trágica moderna, aproximação aos factos, num discurso com os seus signos tecnológicos e despojado e seco. O investimento simbólicos. E também nesta, como «romanesco» situa-se num outro do- na clássica, o castigo não conhece mínio, na construção biográfica dos hierarquias, não distingue culpados ocupantes do avião, a reconstituição e inocentes nem estatutos sociais: dos percursos e decisões que os con- se «l’avion des strars» transportava duziram até ao fatídico voo, o levan- efectivamente outras estrelas para lá tamento das circunstâncias e dos de Neveu e Credan, ele acolhia igual- Revista de Livros 413 mente gentes miúdas que rumavam a romance francês se ajustam perfeita- Nova Iorque à procura de um sonho mente à nomeação do pequeno monu- com que a América lhes acenava: mento que no Pico da Vara assinala os cinco pastores bascos que um dia o acidente de 1949 e pede um Pai regressariam dos Estados Unidos Nosso e uma Avé Maria pela alma das com as suas economias, ou Amélie vítimas. Por tudo isso e ainda pelo Ringler, que uma carta chamara à balanceamento entre ficção e facto, América para tornar-se a única her- pela «inscrição autoral» no espaço deira de uma madrinha que fugira de exterior à ficção propriamente dita, França nos anos 30 e enriquecera em com os elementos referenciais insu- Detroit. lares trazidos ao texto como resultado O romance de Adrien Bosc abre com de uma experiência própria, e tam- uma epígrafe de Antonio Tabucchi, bém aqui (como em Tabucchi, aliás) precisamente de Mulher de Porto não evitando algumas imprecisões Pim, livrinho cujo sucesso surpreen- factuais. dia o próprio autor e que se tornaria Estes são apenas alguns traços da com o tempo uma espécie de guia forte dimensão literária de Constella- para uma nova descoberta literária tion, suportada e aprofundada pelas dos Açores (vejam-se os casos, entre epígrafes de cada capítulo e pelas si tão díspares, de Romana Petri e de citações internas ao discurso narra- Enrique Vila-Matas). tivo, como pequenos focos de luz No caso de Adrien Bosc, a «viagem projectados sobre cada vida, sobre aos Açores» faz-se igualmente no a sua noite, e inscrevendo no texto rasto de Tabucchi, não apenas por autoral breves iluminações que aí essa epígrafe geral, mas também pe- vivem como memórias de leitura, los tópicos ou motivos tabucchianos sobreviventes de textos anteriores. retomados por Constellation, como o Peter Bar ou as «alminhas», que no Urbano Bettencourt

(2014) Duarte Chaves, Os Terceiros e os seus Santos de Vestir: os últimos guardiões do património franciscano na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores. Ribeira Grande, Câmara Municipal.

João Paulo Constância – Museólogo. Técnico Superior do Museu Carlos Machado.

O livro intitulado “Os Terceiros e ao público com a designação de Mu- os seus Santos de Vestir: Os últimos seu Vivo do Franciscanismo. A cria- guardiões do património franciscano ção deste museu e a reabilitação da na Cidade da Ribeira Grande, São igreja do antigo convento de Nossa Miguel, Açores”, de Duarte Chaves, Senhora de Guadalupeforam possí- resultou da dissertação que o autor veis através de um protocolo estabe- apresentou à Universidade dos Aço- lecido entre a Câmara Municipal da res, em abril de 2013, no âmbito do Ribeira Grande e a Santa Casa da mestrado em Património, Museolo- Misericórdia, entidade proprietária. gia e Desenvolvimento. O trabalho Duarte Nuno Chaves é atualmente académico foi orientado pela Profes- sora Doutora Susana Goulart Costa, docente e investigadora do Departa- mento de História, Filosofia e Ciên- cias Sociais daquela Universidade. A obra de Duarte Chaves enquadra--

‑se, assim, numa investigação acadé- Os Terceiros e os seus mica centrada no espólio da igreja do " antigo convento de Nossa Senhora de SANTOS de Vestir " Guadalupe, na Ribeira Grande, que, Os últimos guardiões por sua vez, surgiu na sequência do do património franciscano na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores estágio que realizou no último ano da

sua Licenciatura em Património Cul- DUARTE NUNO CHAVES tural e que versou o inventário dos bens móveis daquela igreja. É igualmente de referir que Duarte Chaves integrou a comissão respon- sável pelo programa científico da mu- sealização desse templo, hoje aberto 416 Boletim do Núcleo Cultural da Horta investigador do CHAM – Centro de O seu conhecimento, orientação e História de Além-Mar, que reúne entusiasmo terão sido factores decisi- investigadores da Universidade Nova vos em todo o trabalho desenvolvido de Lisboa e da Universidade dos por Duarte Chaves. Açores e é aluno de doutoramento da Como não é possível realizar um tra- Universidade de Évora. balho de investigação desta natureza A obra em apreço tem a chancela sem muitas colaborações, o autor dá editorial da Câmara Municipal da conta e agradece a todos os que o Ribeira Grande e conta com uma ajudaram nesta sua jornada de inves- sugestiva capa concebida por Raquel tigação e descoberta. Pinto. O arranjo gráfico, a impressão Dos conteúdos, é de salientar a vas- e os acabamentos foram executados tíssima lista de fontes e bibliografia, pela Nova Gráfica, com a qualidade a reveladora do trabalho do Duarte que esta empresa nos habituou e que Chaves, da seriedade e da minúcia faz jus aos muitos prémios que tem da sua investigação. É igualmente de recebido e merecido. É igualmente de enaltecer a estrutura da obra, bem salientar que esta edição só foi técni- reveladora de rigor e de métodos ca e financeiramente possível devido científicos, e que se traduz numa a um vasto leque de apoios, designa- organização extremamente cuidada damente, e desde logo, do Centro dos temas, conferindo ao livro um de História de Além-Mar, do Museu carácter didático, muito importante Vivo do Franciscanismo, bem com do nesta fase de divulgação mais gene- Governo dos Açores e do Programa ralizada do estudo. Para este fim, Europeu Feder, do programa Leader também é de salientar a importância através do ProRural, da Associação dos diagramas, gráficos, tabelas, es- para o desenvolvimento e Promoção quemas, mapas e fotografias, que tor- Rural e, claro, da Câmara Municipal nam a leitura mais fácil e agradável. da Ribeira Grande. As notas de rodapé são outra precio- “Os Terceiros e os seus Santos de sidade que os leitores mais atentos Vestir: Os últimos guardiões do patri- e interessados decerto irão valorizar. mónio franciscano na Cidade da A obra, toda ela em torno do movi- Ribeira Grande, S. Miguel, Açores”, mento secular franciscano – “A Or- de Duarte Chaves, abre com um dem Terceira da Penitência” na Ri- prefácio da Doutora Susana Goulart beira Grande, num período de 350 Costa, orientadora do autor, principal anos – debruça-se sobre as diversas responsável pelo programa científico componentes da vida desta comuni- do Museu Vivo do Franciscanismo dade religiosa e sobre o seu legado e especialista em história religiosa. patrimonial – material e intangível, Revista de Livros 417 como é o caso da anual Procissão dos Penitência, abordando-se os rituais e Terceiros. a preparação das imagens de vestir, A obra está organizada em 4 partes, bem como é elaborado um plano clas- a saber: sificativo para este espólio, consti- A 1.ª Parte, A venerável Ordem Ter- tuído por imagens dos séculos xvii ceira da Penitência mas Ilhas dos a xix. Açores, aborda os conceitos gené- Com este livro, alcança-se mais um ricos e históricos relativos à Ordem importante degrau na escadaria do de São Francisco bem como ao esta- conhecimento. Com esta obra de belecimento no arquipélago dos Aço- Duarte Chaves, é possível saber mais res, do Frades menores da Ordem e a sobre a Ribeira Grande, sobre a Igreja fundação das fraternidades da Ordem de Nossa Senhora de Guadalupe, Terceira. sobre a Ordem secular dos Terceiros e A 2.ª Parte, intitulada “O Património sobre as suas imagens. É, sem dúvida, da Ordem dos Frades Menores no um estudo essencial para a compreen- Concelho da Ribeira Grande (S. Mi- são e interpretação do movimento se- guel, Açores)” trata do quadro físico cular franciscano e em especial da sua e humano do Concelho da Ribeira procissão e da iconografia associada. Grande, a partir das primeiras fontes É uma obra de grande importância do século xvi, dos movimentos reli- para o Museu Vivo do Francisca- giosos regulares, em especial dos que nismo, para Ribeira Grande, e para levaram, no século xvii, à edificação o conhecimento do Património dos do Convento de Nossa Senhora de Açores. Reputamos que este livro irá Guadalupe. “contribuir para um melhor conhe- A 3.ª Parte, com o título “Do Nasci- cimento e aprofundamento das temá- mento ao declínio dos Terceiros na ticas ligadas ao património, designa- Vila da Ribeira Grande”, Duarte Cha- damente no que se relaciona com a ves descreve a evolução desta orga- Ordem de S. Francisco nesta região nização e os conceitos relacionados insular”, tal como ambiciona, apro- com a sua estrutura administrativa e priadamente, o seu autor. social, baseado num estudo efectua- do junto da comunidade de seculares João Paulo Constância franciscanos da Ribeira Grande. Na 4.ª e última Parte: “ A Procissão Nota: Texto apresentado na sessão de lança- dos Terceiros na Ribeira Grande, mento do livro no Museu Vivo do Francis- S. Miguel Açores” é descrita a Pro- canismo, Igreja de Nossa Senhora da Gua- cissão dos Terceiros, tido como um dalupe (Igreja dos Franciscanos), Ribeira dos últimos legados dos Irmãos de Grande, no dia 19 de Fevereiro de 2014.

Panorama Editorial de 2014 2014 Published Books Overview

Além das obras recenseadas nesta secção do boletim, foram editadas ao longo do ano de 2014 obras da mais variada natureza com interesse para o arqui- pélago. A seguir, tanto quanto chegou ao conhecimento da redação, faz-se o registo de livros de autores açorianos ou envolvendo, no todo ou em parte, temas sobre as ilhas dos Açores, editados naquele ano:

(2014) Almeida, Onésimo Teotónio, Pessoa, Portugal, Portugal e o Futuro, Lisboa, Gradiva. (2014) Almeida, Onésimo Teotónio, Minima Azorica. O meu mundo é deste reino, Lajes do Pico, Ed. Companhia das Ilhas. (2014) Amaral, Irene de, A emergência da Mulher: Re-visões literárias sobre a Açorianidade, Lisboa, Chiado Editora. (2014) Andrade, José, 1974 Democracia… O 25 de Abril nos Açores, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Andrade, José, PSD/Açores. 40 anos ao serviço das 9 ilhas. 1974-2014, Ed. PSD. (2014) Armas, Jácome, Conjunto Homem, Lajes do Pico, Companhia das Ilhas. (2014) Arruda, Luís M., Descobrimento Científico dos Açores. Do povoa- mento ao início da erupção dos Capelinhos, Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura.

(2014) As Ilhas de Gaspar Frutuoso: uma viagem no século xxi, Ponta Delgada, Ed. Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. (Catá- logo da exposição). (2014) Borges, Artur Goulart Melo; Paz, Olegário Sousa; Almeida, Onésimo Teotónio, Casa Santa, Mimosa… olhares sobre o Seminário de Angra. 1950- ‑1970, Angra do Heroísmo, IAC. 420 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(2014) Bosc, Adrien, Constellation, Paris, Ed. Stock. (2014) Cabral, Ricardo Viveiros, Árvores e palavras bonitas para os meus netos, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Carvalho, Célia Barreto; Caldeira, Susana Nunes; Maia, Pedro Almeida, O primeiro dia de aulas (Col. “Vamos sentir com o Necas”), Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Carvalho, Célia Barreto; Caldeira, Susana Nunes; Maia, Pedro Almeida, Os vencedores do medo (Col. “Vamos sentir com o Necas”), Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Correia, Ruben Pacheco, Deixa-me amar-te, s.l., Ed. Mahatma. (2014) Cantigas e Poemas da Terceira Idade, Graciosa, Câmara Municipal da Graciosa. (2014) Cunha, Paula, A herança de Kiana, Lisboa, Chiado Editora. (2014) Dabney, Frances, Saudades (Org. Arthur Prescott Lothrop Jr. e José Francisco Costa), Guimarães, Ed. Opera Omnia. (2014) Ferreira, Eduardo Paz, Da Europa de Schuman à não Europa de Merkel, Quetzal Editores. (2014) Ferreira, José Manuel Braia, Castelo Branco – um primeiro olhar sobre cinco séculos de história, Horta, Junta de Freguesia de Castelo Branco. (2014) Ferreira, José Medeiros, Não há mapa cor-de-rosa. A história (mal) dita da integração europeia, Lisboa, Edições 70. (2014) Forjaz, Jorge, O meu livro dos Pereira Forjaz, Porto, Instituto de Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto. (2014) Freitas, Vamberto, borderCrossings. Leituras transatlânticas 2, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Horta dos Cabos Submarinos (A). “Foi há 120 anos”. O primeiro cabo submarino na ilha do Faial. 1893-2013, Horta, Ed. da Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta. (2014) Koehler, Wulf H., From whale hunting to whale watching, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. Panorama Editorial em 2014 421

(2014) Lobão, Carlos Manuel Gomes, Uma cidade portuária – a Horta entre 1880-1926. Sociedade e Cultura com a política em fundo, 2 Vols., Horta, Ed. do Autor. (2014) Lourenço, Carlos, Memórias desportivas de um emigrante, 2 Vols., Horta, Ed. do Autor. (2014) Lúcio, Álvaro Laborinho, O Chamador, Lisboa, Quetzal. (2014) Maldonado, Fátima, Lava de Espera, Lajes do Pico, Ed. Companhia das Ilhas. (2014) Mello, João de, Lugar caído no crepúsculo, Lisboa, D. Quixote. (2014) Mello, José de, Os Cabral de Mello e New Bedford. 1893-1931 (Álbum fotográfico), Nordeste, Câmara Municipal do Nordeste. (2014) Mestre João Silveira Tavares. O Bote Baleeiro Açoriano. Uma viagem e um olhar (Catálogo da exposição no Museu do Pico), Lajes do Pico, Ed. Secretaria Regional da Educação e Cultura. (2014) Mimoso, Anabela, Rebelo de Bettencourt: raízes de basalto, Ed. Seixo Publishers. (2014) Monteiro, Sandra Maria Gonçalves, Gentes e memórias do Concelho da Lagoa. 1910-1933, Lagoa, Ed. Câmara Municipal da Lagoa. (2014) Neves, Maria do Céu Patrão, No trilho do Projecto Europeu – Uma experiência no Parlamento em prol dos Açores, Ponta Delgada, Ed. de Autor. (2014) Oliveira, Álamo, Marta de Jesus. A verdadeira, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Oliveira, Álamo, Batista S. Vieira – Construtor de sonhos e realidades, s.l., Ed. Bridge Books. (2014) Oliveira, Manuel Carvalho, O militar, a guerra e a História, memórias de um sargento, [Nordeste], Câmara Municipal do Nordeste. (2014) Oliver, Lawrence (Trad. e Dir. Francisco Costa Fagundes), Para trás anda a lagosta. A autobiografia de um luso-americano, Ponta Delgada, VerAçor editores. (2014) OM, Ser. Estado Integral, Lisboa, Chiado Editora. 422 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(2014) Pereira, João Luís Oliveira, Antologia de escritos do mini-jornal «Alagoa», Horta, Junta de Freguesia da Conceição. (2014) Pereira, Jorge Costa, Um retrato da Horta em 1913, Horta, Junta da Freguesia da Matriz. (2014) Pires, Aníbal C., O outro lado. Palavras livres como o pensamento, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Porto, Delfina; Soares, António, A Escola do Magistério Primário da Horta. Para a história da educação nos Açores, Ed. Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta; Universidade Sénior do Faial. (2014) Porto, João Pedro, Porta Azul para Macau, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Regalo, Leocádia, Lia no país da poesia, Coimbra, Palimage. (2014) Rego, António, A Ilha e o Verbo, Lisboa, Paulina Editores. (2014) Resendes, Sérgio, A Grande Guerra nos Açores: Memória e Patri- mónio Militar, Ponta Delgada. (2014) Rocha, Sandra, Anticyclone, Lisboa, Ed. de Autor. (2014) Rodrigues, Félix, GIBRALTAR AÇORIANO – Possíveis Dimensões Religiosas e Musicais, Astrológicas e Astronómicas, Matemáticas e Geomé- tricas, Cabalísticas e Esotéricas do Castelo do Monte Brasil. (2014) Rosa, Duarte, Tomás Borba na história da música portuguesa do século xx. Modernidade e tolerância, Angra do Heroísmo, IAC; Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa. (2004) San-Bento, Madalena, O Editor, Ponta Delgada, VerAçor Editores. (2014) Scott, Ana Silvia Volpi; Berute, Gabriel Santos; Matos, Paulo Teodoro de (Org.), Gente das Ilhas. Trajectórias transatlânticas dos Açores ao Rio Grande de São Pedro entre as décadas de 1740 a 1790, São Leopoldo (Brasil), OIKOS Editora. (2014) Silva, Isabel Coelho da, Luís Bretão. Um Terceirense de causas, Angra do Heroísmo, s. e. (2014) Silva, Maria Arlete Alves da (Coord.); Albergaria, Isabel Soares de (Textos), Ilhas do Mar: Artistas Açorianos na Colecção Manuel de Brito, Oeiras, Câmara Municipal de Oeiras. Panorama Editorial em 2014 423

(2014) Soares, Ana Rocha e Silva, O Santo Nome de Deus em Vão, Lisboa, Chiado Editora. (2014) Soares, Maria Luísa, Gostar de ti e esperar-te, Lisboa, Chiado Editora. (2014) Teixeira, Ricardo et al., A descoberta de padrões na natureza. Caderno de actividades para o pré-escolar e 1.º Ciclo, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições. (2014) Transeatlântico (revista dir. Nuno Costa Santos), Ponta Delgada, Ed. Companhia das Ilhas; Instituto Cultural de Ponta Delgada. (2014) Viveiros, Américo Natalino, Amigo salva… Amigo, Ponta Delgada, Gráfica Açoriana.

BOLETIM DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA

Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926) e as ciências do mar nos Açores 1

Conceição Tavares

Tavares, C. (2015), Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926) e as ciên- cias do mar nos Açores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 427-443.

Sumário: Francisco Afonso Chaves (1857-1926), director do Serviço Meteorológico dos Açores desde a sua criação em 1901, é lembrado pela sua obra neste domínio e nas ciên- cias geofísicas, e como naturalista, à frente do Museu de Ponta Delgada. Mas, Afonso Chaves teve também papel destacado nas ciências do mar, tendo colaborado internacionalmente com grandes oceanógrafos. Não menos importante foi a sua ligação à Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, iniciada em 1913. A culminar quase duas décadas de dedicação a trabalhos cien- tíficos no mar, Afonso Chaves foi nomeado, com o Almirante Augusto Neuparth, delegado ao Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), quando Portugal aderiu a este organismo internacional, em 1920.

Tavares, C. (2015), Riding on the crest of a wave. Afonso Chaves (1857-1926) and marine sciences in the Azores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 427-443.

Summary: Francisco Afonso Chaves (1857-1926), director of the Azores Meteorological Service since its inception in 1901, is often remembered for his work in meteorology and geophysical sciences, as well as for his work as naturalist, heading the Ponta Delgada Museum. But Afonso Chaves played also a very important role in the emerging field of marine sciences. He collaborated with major international oceanographers, and was involved in the Hydro- graphic Mission of Portugal’s Seashore, which began in 1913. After nearly two decades of commitment to sea research, Afonso Chaves was elected, together with Admiral Augusto Neuparth, delegate to the International Council for the Exploration of the Sea (ICES), following Portugal’s membership, which took place in 1920.

Conceição Tavares – Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia.

Palavras-chave: Afonso Chaves, ciências do mar, colaboração internacional, ICES.

Key-words: Afonso Chaves, marine sciences, international collaboration, ICES.

1 Texto desenvolvido a partir da conferência feita na Horta, em 17 de Outubro de 2014, na sessão de apresentação da edição de 2014 do Boletim do Núcleo Cultural da Horta. 428 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Assinalando o trigésimo dia do fale- sas oceanográficas e assim reconhe- cimento do coronel Afonso Chaves, cido pelo grupo de oficias de marinha o Diário dos Açores publicou na edi- que, liderados pelo capitão-de-fra- ção de 23 de Agosto de 1926 vários gata Hugo de Lacerda Castelo Branco artigos assinados por personalidades (1860-1944), retomaram em 1913 o que com ele privaram. No seu teste- tímido percurso das ciências do mar munho, o então capitão-tenente da em Portugal, suspensas desde o regi- Armada Alfredo Botelho de Sousa cídio. De facto, tem sido consensual (1880-1960)lembra um episódio qua- a assunção do rei D. Carlos I (1863- se esquecido da ligação daquele às ‑1908) como fundador da oceanogra- ciências do mar – um domínio em fia em Portugal.2 Entre 1896 e 1907 que se cruzaram, por diversas vezes, o monarca realizou um total de 290 os caminhos do oficial de marinha estações científicas ao largo da costa com os do director do Serviço Meteo- portuguesa, estendendo-se os seus rológico dos Açores. trabalhos das sondagens à batimetria e estudo das correntes até às observa- Quando, em 1913, se reataram a bordo do aviso Cinco de Outubro os trabalhos de ções sistemáticas sobre a distribuição oceanografia física, que anos antes tinham geográfica de espécies, aos estudos sido iniciados por D. Carlos, foi pedido o sobre os movimentos migratórios do seu concurso para a organização do serviço atum e da sardinha, e à recolha de e para o treino dos oficiais que deviam exemplares para a sua colecção natu- realizá-lo. Com a boa vontade que sempre ralista.3 Este percurso, motivado por punha em prestar qualquer serviço de utili- dade nacional, [Chaves] foi a Lisboa e a um interesse empenhado no desenvol- bordo daquele navio encetou os trabalhos vimento das pescas nacionais, foi tam- que desde então têm sido feitos e instruiu bém influenciado pela proximidade na sua realização os oficiais que depois os com o Príncipe do Mónaco (1848- continuaram.2 ‑1922).4 Os dois monarcas, que com- binavam o amor pelo mar com o seu Afonso Chaves é lembrado como um experimentado praticante de pesqui- 3 Luiz Saldanha, “Explorações Submarinas”, in M. Magalhães Ramalho, M. Eiras Antunes 2 Luiz Saldanha, “King Carlos de Bragança, (eds.), D. Carlos de Bragança. A Paixão do the father of Portuguese Oceanography”, in Mar, Lisboa: Expo98, Fundação da Casa de Luiz Saldanha e Pedro Ré (eds.), One Hun- Bragança, 1996, pp. 30-79. dred Years of Portuguese Oceanography. In 4 J. Carpine-Lancre & L. Saldanha, Dom the foot steps of King Carlos de Bragança, Carlos I Roi de Portugal, Albert Ier Prin- Museu Bocage, MNHN, Publicações Avul- ce de Monaco. Souverains océanographes, sas, 2.ª Série, N.º 2, Lisboa, 1997, pp. 19-38. Lisbonne: Fondation Calouste Gulbenkian, Conceição Tavares 429 estudo científico5, tiveram em Afonso lares com ambos os monarcas e de- Chaves um interlocutor com prática senvolvia observações e longas séries de colaborações internacionais, geral- de registos, seguindo as orientações mente esquecidas nas narrativas da dos especialistas que lhe solicitavam oceanografia portuguesa. Na época, colaborações. A criação do Serviço porém, havia quem estivesse a par Meteorológico dos Açores foi a pri- desta experiência especializada de meira grande motivação de cumpli- Afonso Chaves, nomeadamente, na cidade deste triângulo de afinidades. Escola Naval, no Ministério e na Mas, em 1898, quando se estabelece- Direcção Geral da Marinha, depar- ram os contactos internacionais que tamentos invariavelmente chamados levariam à criação daquele serviço e a apoiar as pesquisas nos Açores. à nomeação de Afonso Chaves para Como nodos de uma rede dedicada seu director, já os núcleos científicos às ciências do mar centrada na vasta que procuravam compreender melhor superfície nacional aparecem, assim, o funcionamento dos oceanos tinham Albert I do Mónaco, que fazia as suas alargado o campo de pesquisas à sua próprias campanhas científicas e esta- interacção com os sistemas meteoro- belecia as ligações com os oceanógra- lógicos e ao ciclo de vida de espécies fos escandinavos, alemães, ingleses e comerciais, com vista à protecção dos franceses; o rei D. Carlos, que através stocks e a uma gestão racional das daquele ou de Chaves se informava pescas.6 Portugal, país de parcos dos projectos em curso e activava os meios mas muito mar, integrou desde mecanismos internos de apoio técnico então, por via da sua extensão oceâ- aos trabalhos; e, finalmente, Afonso Chaves, que mantinha contactos regu- 6 Desde os anos 70 e 80 vários pólos de in- vestigação procuravam conhecer os factores físicos, biológicos e ambientais que condi- 1992; Jacqueline Carpine-Lancre, “Ocean- cionavam as pescas. A Comissão de Kiel, ographic sovereigns: Prince Albert I of na Alemanha, o Laboratório de Plymouth, Monaco and King Carlos I of Portugal”, na Grã-Bretanha, e os centros de investi- in Margaret Deacon, Tony Rice, Colin gação escandinavos, na Universidade de Summerhayes (eds.), Understanding the Oslo (Christiania) e na Politécnica de Esto- Oceans: A Century of Ocean Exploration, colmo, foram alguns dos pólos que se desta- Abingdon: Routledge, 2003, pp. 56-68. caram nestes domínios no último quartel do 5 Jacqueline Carpine-Lancre & Luiz Saldanha, século xix. Cf. Margarida Castro, “Fisheries Dom Carlos I Roi de Portugal, Albert Ier Science and Oceanography: A historical Prince de Monaco. Souverains océanogra- perspective and the future”, in One Hun- phes, Lisbonne: Fondation Calouste Gulben- dred Years of Portuguese Oceanography, kian, 1992. (…) pp. 357-364. 430 Boletim do Núcleo Cultural da Horta nica ocidental, alguns projectos inter- meteorológicos dos Açores para os nacionais de investigação oceanográ- principais observatórios do velho fica. Afonso Chaves foi o pivot desta continente.7 integração internacional e, interna- De facto, a telegrafia era crucial para mente, esteve também envolvido em a transmissão de dados em tempo útil acções de alcance técnico-científico aos observatórios da Europa, que os e aplicado neste domínio, como foi o reclamavam desde a década de 60. caso da Missão Hidrográfica da Costa Com a ligação telegráfica, os postos de Portugal, iniciada em 1913. Com açorianos deixavam de ser simples a sua colaboração sempre disponível registadores de observações; passa- e reconhecidamente competente, o ram a ser colectores de dados envia- coronel Chaves faz alargar ao arqui- dos para o continente com rapidez e pélago dos Açores a memória histó- aí utilizados nos estudos sinópticos rica das ciências do mar em Portugal. do estado do tempo e da sua prová- vel evolução. Os Açores tornaram-se, *** assim, a partir de 1893, e dentro dos 7 limites da tecnologia então utilizada, A 27 de Agosto de 1893 concretizou- naquilo que em 1866 o matemático ‑se uma antiga aspiração dos Açores: e meteorologista Buys-Ballot (1817- a ligação telegráfica por cabo subma- ‑1890) preconizara – uma sentinela rino ao continente europeu. Nas vés- no Atlântico.8 peras de tão auspiciosa inovação Afonso Chaves rapidamente transfor- tecnológica era nomeado director do mou esta nova condição da meteo- posto meteorológico de Ponta Del- rologia açoriana numa presença de gada o capitão Francisco Afonso regularidade e rigor na rede inter- Chaves, que há muito se dedicava a nacional em que esta passou a estar estudos climatológicos locais. Esta integrada, bem como, localmente, nomeação, feita pelo director do num apoio constante aos navios que Observatório Meteorológico Infante escalavam as ilhas, prestando infor- D. Luiz, respondia à nova etapa que mações sobre a evolução do tempo a meteorologia encetava nos Açores e do estado do mar. Em poucos anos e dava uma liderança ao processo (1901), estes passariam também a diário de registo e de envio dos dados contar com um serviço horário, pres-

7 Conceição Tavares, Albert I do Mónaco gada, Lisboa: Sociedade Afonso Chaves e (1848-1922), Afonso Chaves (1857-1926) CIUHCT, 2009. e a Meteorologia nos Açores, Ponta Del- 8 Idem, ibidem, p. 57 e Anexo 2. Conceição Tavares 431 tado pelo Observatório de Ponta Del- científicas, ao longo da década de gada, o que, permitindo o acerto das 90, este projecto foi divulgado por coordenadas de rota, foi igualmente Afonso Chaves junto dos principais um importante ganho de segurança. observatórios europeus em 1898. Nos Não se pode esquecer que foi durante dois anos seguintes, Chaves elabora o século xix que o mundo começou a um relatório com as linhas mestras do globalizar os seus movimentos demo- Serviço Meteorológico Internacional gráficos e comerciais e que estes dos Açores e vai apresentá-lo pessoal- então se faziam apenas por via marí- mente ao Congresso de Meteorolo- tima. A segurança da navegação era gistas realizado em Paris, em 1900.9 uma das permanentes motivações da Devido a uma série de factores de meteorologia, por maioria de razão, ordem externa, nomeadamente a relu- a que se fazia nos Açores, no próprio tância do Reino Unido em apoiar coração do Atlântico.9 este projecto, temeroso de partilhar Foi neste contexto que se estreitaram o espaço atlântico e a sua influência as relações entre Afonso Chaves e o sobre Portugal, o Serviço Meteoro- Príncipe do Mónaco – uma parceria lógico Internacional dos Açores não que deu novos horizontes à meteo- vingou. Por outro lado, motivações rologia dos Açores e abriu o remoto nacionalistas e de alinhamento estra- arquipélago português à atenção da tégico com Londres levaram o gover- comunidade científica internacional. no português, com a recomendação O projecto de criação de um serviço expressa do rei D. Carlos, a oficia- meteorológico internacional nos Aço- lizar a criação de um Serviço Meteo- res, pensado pelo Príncipe do Mónaco rológico dos Açores, de exclusivo 10 para congregar vários países euro- financiamento nacional. Este era peus numa instituição científica de uma versão modesta do abandonado vanguarda, pretendia fazer corres- projecto internacional, mas Afonso ponder à natureza transnacional da Chaves teve sempre o programa origi- atmosfera uma eficaz cooperação nal como meta a perseguir pelo novo científica internacional. Para além serviço. É assim que os domínios das intervenções feitas pelo Príncipe em vários congressos e sociedades 10 O Serviço Meteorológico dos Açores foi criado por Decreto-Lei de 12 de Junho de 1901, publicado no Diário de Governo de 9 F. A. Chaves, Rapport sur l’établissement 15 e assinado pelo rei D. Carlos em Ponta projeté du Service Météorologique Interna- Delgada, em Julho seguinte, durante a visita tional des Açores, Monaco: Imprimerie de régia, na presença do primeiro-ministro Monaco, 1900. Hintze Ribeiro. 432 Boletim do Núcleo Cultural da Horta científicos estabelecidos no projecto Young Buchanan (1844-1925), dois internacional não deixam de surgir destacados cientistas da expedição na definição oficial do Serviço Me- Challenger. A rede de cumplicidades teorológico dos Açores: Meteorolo- é evidente e Afonso Chaves, solici- gia e Climatologia, Geomagnetismo, tado a cooperar, cavalga esta onda, Sismologia e Oceanografia. Apesar integrando-se no universo dos estu- das limitações de orçamento e de dos oceanográficos desde 1898. pessoal, Afonso Chaves sempre foi fazendo o que estava ao seu alcance- À semelhança da meteorologia, tam- para cumprir regularmente trabalhos bém as ciências do mar se começa- nestes diferentes domínios. Para além ram a desenvolver a partir de meados da paulatina criação de vários postos de oitocentos. Oceanografia era um meteorológicos, manteve o levanta- conceito lato e de fronteiras fluidas mento geomagnético do arquipélago que, em finais do século xix, abar- e avançou também para trabalhos no cava toda uma série de abordagens mar. No Relatório publicado no Mó- e de pesquisas marinhas que, por um naco em 1900, Afonso Chaves refere, lado, procuravam interagir e comple- pela primeira vez, a colaboração que mentar-se, e por outro, se organiza- tem vindo a prestar nos Açores aos vam progressivamente em diferentes oceanógrafos escandinavos. disciplinas específicas. Longe ainda da definição disciplinar própria de Como exemplo, citarei as amostras de etapas mais avançadas do conhe- plâncton marinho e os registos de tempera- tura que, desde o mês de Junho de 1898 até cimento, naquela época os estudos Setembro deste ano, fiz para a Comissão marinhos organizavam-se essencial- Hidrográfica Sueca, a pedido de S.A.S. o mente em: Príncipe do Mónaco.11 a) Hidrografia – que se ocupava do Como é claramente dito, o mediador levantamento e cartografia das pro- desta colaboração fora o Príncipe, que fundidades marinhas, da identifica- conhecia bem o pioneirismo metodo- ção e mapeamento dos sedimentos lógico dos académicos e hidrógrafos dos fundos e do estudo das corren- suecos e mantinha relações próximas tes e das marés; com dois célebres escoceses, que tam- b) Zoologia e Biologia Marinhas – bém colaboravam com os escandina- domínios em que os estudos da vos: John Murray (1841-1914) e John fauna, costeira e de profundidade, e a sistemática das espécies avança- 11 F. A. Chaves, op. cit., p. 36. vam para novas práticas, quer por Conceição Tavares 433

evolução própria de motivações e países escandinavos12 criaram desde métodos, quer pela intervenção de meados do século xix uma tradição de disciplinas em grande afirmação, investigação marinha, desenvolvida como a química, a física-química e depois, a partir dos anos 70, na Ale- a matemática aplicada à biologia, manha e alargada na década seguinte conduzindo a investigações inte- aos Países Baixos, ao Reino Unido e gradas do habitat, dos ciclos de a França. No caso dos países escandi- vida e da distribuição geográfica navos, essa tradição foi desde sempre de algumas espécies; apoiada pelo Estado, não só porque c) Física– as características físicas tradicionalmente as pescas eram pro- das grandes massas de água – tem- priedade real e esta condição estimu- peratura, salinidade, densidade e lava a protecção interessada da coroa, transparência – tornaram-se parâ- mas também porque estes países vi- metros de estudo sistemático, que viam períodos de abundância e de começaram a ser trabalhados em retracção económica, em função do conexão com os fenómenos meteo- comportamento de algumas espécies, rológicos e com as dinâmicas bio- como o arenque e o bacalhau. Assim, lógicas, numa perspectiva de longa investir no conhecimento do mar e duração; destas espécies comerciais, investi- d) Estudos do plâncton – desenvolve- gando-lhes os hábitos, alimentação, ram-se em diferentes perspectivas: regime reprodutivo e migrações, era biológica, química e física – nesta uma opção estratégica. Em 1870, ¾ última, o plâncton foi instrumental da população sueca dependia da agri- para o estudo das correntes mari- cultura e das pescas, dependência que nhas. era ainda mais dramática na Noruega, onde a agricultura era mais limitada À semelhança da atmosfera, também por razões climatéricas e mesmo o mar não tem fronteiras físicas, nele inexistente nas latitudes superiores. circulando livremente diversas espé- Naturalmente, as primeiras tentativas cies de interesse comercial para os de congregação de esforços cientí- países marítimos. Daí que o objectivo de desenvolver as pescas através de acordos internacionais, baseados em 12 Englobam-se nesta designação três países: conhecimento científico, tenha sido Suécia, Noruega e Dinamarca. Importa ter presente que na época a que o texto se bastante precoce em alguns países do reporta, os reinos da Noruega e da Suécia norte da Europa que dependiam eco- estavam unificados sob a mesma coroa, nomicamente daquela actividade. Os situação que se prolongou de 1814 até 1905. 434 Boletim do Núcleo Cultural da Horta ficos para o estudo do mar ocorreram comparar as condições hidrográficas neste grupo de países. Partindo da com eventos naturais, tais como o Suécia, ganharam depois dinâmica de desaparecimento ou o retorno de car- cooperação regional, com o envolvi- dumes.14 Esta inovação, que revela mento da Noruega e da Dinamarca, pontos de contacto metodológico com tendo por campo de trabalho o Mar a meteorologia, foi verdadeiramente Báltico e os mares escandinavos de revolucionária e estimulou a interna- Skagerrak e Kattegat. cionalização dos projectos. Em 1893, Mas no início da década de 1890 deu- as investigações alargaram-se ao Mar ‑se um salto qualitativo e de escala do Norte e progressivamente foram neste processo. O físico e químico avançando, para novos parceiros e sueco Otto Pettersson (1848-1941)13 para áreas mais vastas do oceano concebeu e experimentou, com a Atlântico. Em 1898/99, realiza-se o colaboração de Gustaf Ekman (1852- primeiro grande estudo das variações ‑1930), uma nova metodologia para da superfície do oceano Atlântico, os estudos hidrográficos: a colecta de liderado pela Comissão Hidrográfica dados de diferentes parâmetros físicos da Suécia15, no qual Pettersson e da água, realizada a uma mesma hora Ekman tiveram a colaboração nos por várias embarcações, o que per- Açores do capitão Afonso Chaves. mitia cobrir vastas áreas marítimas. O resultado era a obtenção de uma Em vésperas da viragem do século, a “imagem” das condições marinhas Conferência de Estocolmo de 1899, num dado momento, uma represen- uma conferência internacional con- tação sinóptica que permitia depois vocada pelo rei Oscar ii, aglutinou o

13 Otto Pettersson, com formação em química 14 Helen M. Rozwadowski, The Sea knows e física-química, leccionou na Universidade no boundaries. A century of marine science de Uppsala e na Escola Politécnica de Esto- under ICES, USA: International Council for colmo, a par de uma dinâmica actividade de the Exploration of the Sea, 2002, pp. 18-20. investigação oceanográfica. O seu contri- 15 A Comissão Hidrográfica da Suécia, criada buto para as ciências do mar teve grande em 1896 pela Academia Real da Suécia, repercussão internacional, levando à criação estava originalmente vocacionada para a do International Council for the Exploration investigação dos aspectos físicos e quí- of the Sea (ICES), a cujo Bureau pertenceu micos das águas suecas, mas rapidamente até ao final da vida. Foi Presidente do ICES passou a integrar pesquisas de oceanografia de 1915 a 1920, conseguindo salvar o orga- biológica e de biologia das pescas, adap- nismo das divisões da 1.ª Guerra Mundial. tando-se à agenda científica que se tornou Pettersson foi o secretário do Comité Nobel dominante na Escandinávia, na viragem para a Química, de 1900 a 1912. para o século xx. Conceição Tavares 435 debate sobre as investigações já rea- Afonso Chaves, de 23 de Novembro lizadas e preparou a criação de um de 1898, Pettersson escrevia: organismo de cooperação científica internacional para a exploração do … nós temos um número razoável de navios de carreira entre Inglaterra e a mar. Nesta conferência foram apre- Holanda, a França e a América, bem como sentados os resultados do projecto expedições científicas e baleeiros fazendo pioneiro em que participou Afonso observações nos Mares do Norte. Não pre- Chaves, um trabalho que abarcou tendemos obter um número excessivo de todo o oceano Atlântico: observações, mas garantir dados exactos e confiáveis. Todas as amostras são anali- As pesquisas oceânicas da Comissão du- sadas química e biologicamente. rante os anos de 1898 e 1899 constituem … Essa parte do oceano [entre os Açores as primeiras tentativas para representar, e Lisboa] é importante uma vez que o por meio de cartas sinópticas, o conjunto plâncton na primavera (e possivelmente no das mudanças que se verificam na água inverno) tem aí um carácter diferente do da superficial do oceano durante um ano, sob parte ocidental do Atlântico, indicando que o ponto de vista da temperatura, da salini- o fluxo da corrente do Golfo na primavera dade e da distribuição dos diversos tipos tem uma direcção diferente daquela que se de plâncton.16 costuma supor. A sul dos Açores o plâncton é abundante mas não muito variável.18 Durante um ano, mês a mês, o registo da temperatura e as recolhas de amos- Passado um ano, Pettersson reafirma a tras de água e de plâncton foram reali- importância das recolhas de plâncton zados em diferentes pontos do oceano, feitas por Chaves, revelando que está alguns costeiros e insulares – além à espera de amostras da parte leste do dos Açores estiveram envolvidos os oceano, recolhidas por navios holan- arquipélagos das Faroe e das Shetland deses do Cabo ao Canal da Mancha, e a Islândia –, outros em coordenadas o que lhe alimenta a expectativa de pré-determinadas, utilizando navios 17 “comparar as mudanças de plâncton dos países envolvidos. Em carta a nos Açores”. Entretanto, regozija-se

16 P. T. Cleve, G. Ekman, O. Pettersson, Les chegada a Estocolmo, em condições esta- variations annuelles de l’eau de surface bilizadas, das caixas com amostras de água de l’océan Atlantique, Göteborg: Bonners e de plâncton. Cf. P. T. Cleve, G. Ekman, Tryckeri Aktiebolag, 1901, p. i. O. Pettersson, op. cit., p. ii. 17 Esta gigantesca operação contou ainda com 18 BPARPD (Biblioteca Pública e Arquivo o suporte da rede consular da Suécia que, Regional de Ponta Delgada) – Espólio do a partir do Hâvre, Amesterdão, Marselha, coronel Afonso Chaves. Carta de O. Petters- Liverpool e Lisboa, foi responsável pela son de 23 de Nov. 1898. 436 Boletim do Núcleo Cultural da Horta dos resultados já obtidos, que indi- dos mares, quando as investigações ciam um oceano leste atlântico “ver- escandinavas iniciaram a procura dadeiramente notável”, na apreciação de parceiros internacionais. Na obra de Per Teodor Cleve (1840-1905), o em que a Comissão Hidrográfica da investigador responsável pelas análi- Suécia publicou os resultados do ses do plâncton.19 projecto de 1898/99, aparece como referência a publicação Ergebnisse O plâncton era ainda, nesta altura, der Plankton-Expedition der Hum- um objecto de estudo recente; os pri- boldt-Stiftung, com os resultados da meiros estudos significativos dos seus expedição promovida em 1889 pela processos biológicos internos tinham Comissão de Kiel para estudar o surgido na Alemanha, nos anos 80. plâncton no Atlântico. Indício claro Victor Hensen, um grande teórico da de como se articulavam bem e com biologia dos mares, e os seus compa- futuro os trabalhos desenvolvidos por nheiros da Comissão de Kiel, produzi- estes biólogos e hidrógrafos, na Ale- ram o primeiro modelo que explicava manha e na Suécia respectivamente. como era controlada a abundância do plâncton, invocando o crescimento Entretanto, os resultados de 98/99 das plantas, a regeneração de nutrien- chegaram a Afonso Chaves numa tes e o efeito dos seres marinhos herbí- publicação encadernada e personali- voros.20 Em 1887, na publicação do zada, com dedicatória e homenagens primeiro trabalho de base quantita- extensivas aos apoios locais, reme- tiva sobre a matéria, Hensen estabele- tida pela Comissão Hidrográfica da ceu o termo plâncton para o conjunto Suécia:21 de animais e de plantas flutuantes nos mares, organismos que mais tarde Graças ao zelo de F. A. Chaves, Director do Observatório meteorológico de Ponta Del- descreveria como dies Blut des Meers gada, foi possível obter nos Açores uma 21 (o sangue dos mares). O plâncton série de observações bastante completa. era ainda um objecto de estudo bas- Sob recomendação de S.A. o Príncipe de tante promissor para o conhecimento Mónaco, a Municipalidade de São Miguel e o Chefe da Administração da Marinha, o almirante João Carlos Adrião, puseram ao 19 BPARPD – Espólio do coronel Afonso nosso dispor barcos e tripulações.22 Chaves. Carta de O. Pettersson a Afonso Chaves de 10 de Outubro de 1899. 20 Eric L. Mills, Biological Oceanography: An 21 Eric L. Mills, op. cit., pp. 14-20. Early History, 1870-1960, [2.ª ed.], Toronto: 22 P. T. Cleve, G. Ekman, O. Pettersson, op. Universityof Toronto Press, 2012, p. 5. cit., p. ii. Conceição Tavares 437

Não por acaso, Chaves incluiu no oscilações da atmosfera, são também os orçamento do Serviço Meteorológico dois pontos nodais das oscilações anuais dos Açores as despesas efectuadas das correntes do Oceano Atlântico Norte; ficando assim esclarecida uma relação com esta colaboração, lembrando a meteorológica bem extraordinária.24 Pettersson que “guarda, às vossas ordens, dois termómetros e duas redes Com trabalhos de campo, através de plâncton”23, instrumentos que, da literatura e por via da correspon- tudo leva a crer, terão sido fornecidos dência e das conversas com o Prín- por Estocolmo. cipe do Mónaco e com o seu assis- Além do mais, as implicações meteo- tente Jules Richard, Afonso Chaves rológicas e para o estudo das corren- foi acompanhando todo o processo tes marinhas que serão descobertas que levou à criação do International a posteriori, na análise da constitui- Council for the Exploration of the Sea ção do plâncton e da sua distribuição (ICES)25, em 1902, em Copenhague. geográfica e na coluna de água, em Apesar de Portugal não fazer parte do diferentes épocas do ano, interessam-- núcleo de países fundadores – Suécia, ‑no vivamente, confirmando as -con Noruega, Dinamarca, Finlândia, Paí- vicções pré-existentes de correlações ses Baixos, Alemanha, Rússia, e entre os sistemas físicos do mar e da Reino Unido – Afonso Chaves esteve atmosfera. Para além da sua impor- sempre na crista da onda, colabo- tância biológica para o conhecimento rando com alguns dos seus mais des- dos mares, o plâncton funcionava tacados promotores. Quando, muitos também como uma espécie de mar- anos mais tarde, em 1922, Portugal cador de correntes. No Relatório do aderiu ao ICES, ele foi, naturalmente, Serviço Meteorológico dos Açores de um dos delegados nomeados para a 1905, Afonso Chaves destaca sua representação, em parceria com o vice-almirante Augusto Neuparth. foi o estudo do plâncton que principal- mente permitiu reconhecer que os Açores ocupam uma posição entre a corrente 24 F. A. Chaves, “Meteorologia e Sismologia, atlântica e o Gulf Stream, análoga à da ii – Relatório acêrca do Serviço Meteorolo- Islândia, que está situada no limite da cor- gico dos Açores durante o anno de 1905”, rente árctica e da corrente atlântica, isto é, Apêndice doDiario do Governo, n.º 393 de que os Açores e a Islândia, dois centros de 5 de Outubro de 1909, p. 255. 25 Este organismo internacional foi reorgani- zado depois da II Guerra Mundial, no âm- 23 BPARPD – Espólio do coronel Afonso bito da ONU e, actualmente, apresenta a Chaves. Carta de A. Chaves a O. Pettersson, dupla sigla ICES/ICEM, sendo esta última de 14 Nov. 1899. a designação francófona. 438 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Estas colaborações dos Açores, que balhos desse ano tinham sido feitos se traduziram num paulatino processo especialmente para apoiar os estudos de ganhos cognitivos, metodológicos sobre a transparência da água do mar e de instrumentação, constituíram de Julien Thoulet (1843-1936) e os de um inegável estímulo para manter Otto Pettersson, relativos à influência na agenda local os trabalhos oceano- do degelo na circulação oceânica. gráficos. O já referido Relatório do O início dos levantamentos hidrográ- Serviço Meteorológico dos Açores ficos foi dirigido pelo chefe da repar- referente a 1905 dá conta da nova e tição hidrográfica da Direcção Geral prometedora fase em que nesse ano da Marinha, o capitão-de-mar-e-guerra tinham entrado os estudos oceano- Julio Schultz Xavier, que se deslocou gráficos. aos Açores e na ocasião instalou na Açor um prumo Lucas. Se, por um … foi determinado que a canhoneira Açor … cooperasse nos trabalhos oceanográ- lado, é manifesto o empenhamento ficos que o Serviço Meteorológico dos dos oficiais de marinha nesta nova Açores empreendesse, quando lhe requi- frente de trabalho, por outro, o rela- sitasse o seu concurso, bem como proce- tório não deixa de registar a calorosa desse a sondagens e ao levantamento de articulação desta componente nacio- cartas batimétricas de regiões dos mares dos Açores, que lhe fossem indicadas pela nal da rede de cumplicidades maríti- Direcção Geral da Marinha e por mim.26 mas com a sua interface internacional

Além disso, o Ministério da Marinha Sua Alteza o Príncipe de Monaco, Alberto i, dignou-se embarcar na Açor em Agosto tinha destacado em comissão para o último, a fim de assistir a alguns trabalhos Serviço Meteorológico dos Açores executados perto da costa de Ponta Del- dois oficiais, o que significava um -re gada, oferecendo então para aquele navio forço qualificado dos recursos huma- um sondador Léger e cabo de aço, como nos. Os segundos-tenentes José Costa prova do seu agrado pelo zelo e inteligente Salema e Gustavo Adolfo de Medei- dedicação que observou a bordo, na exe- cução dos aludidos trabalhos. Ofereceu ros procederam, nesse ano, a estudos também para o Observatório de Ponta Del- de transparência da água do mar; na gada seis garrafas completas Richard, para Horta, o primeiro fez também obser- colheitas de água do mar.27 vações maregráficas enquanto, em Ponta Delgada, o segundo deu apoio Este importante impulso aos traba- aos trabalhos a bordo da canhoneira. lhos oceanográficos é atribuído por Segundo o mesmo relatório, os tra- Afonso Chaves “ao alto interesse de

26 F. A. Chaves, op. cit., 1909, p. 254. 27 F. A. Chaves, op. cit., 1909, p. 254. Conceição Tavares 439

Sua Majestade El-Rei D. Carlos pe- pode ler-se, em dedicatória autógrafa, los referidos estudos.” Este facto era, na folha de rosto dos Resultados das de resto, do conhecimento público e Investigações Scientificas … durante assumido nos Açores com indisfar- as campanhas de 1896 a 1903, publi- çável orgulho, como se pode detectar cação oferecida pelo monarca e até numa notícia local que dá conta hoje conservada na biblioteca histó- da chegada a S. Miguel de Afonso rica do Museu Carlos Marchado, em Chaves, depois de, em Lisboa, ter Ponta Delgada. dado conta a el-rei das solicitações dos Afonso Chaves soube interpretar nos investigadores Thoulet e Pettersson, Açores a verdadeira natureza da cen- “interessando-se o sr. D. Carlos viva- tralidade atlântica e ajudou a cons- mente para que tais estudos sejam fei- truí-la, ao assumir-se como um me- 28 tos o mais breve possível.” A mes- diador no campo científico e em ma notícia divulga ainda uma confe- matérias de segurança da navegação. rência de Chaves na Sociedade de Um episódio que ilustra este papel Geografia sobre questões oceano- ocorreu em 1896. Afonso Chaves há gráficas, na qual foram referidos os já algum tempo que trocava regular- projectos de Thoulet e Pettersson, mente informações meteorológicas “acrescentando que El-rei, a quem os e sobre condições de navegabilidade comunicou, manifestou empenho de no Atlântico com o Hydrographic aqueles estudos serem feitos por por- Office, de Washington, instituição à tugueses.” Este desejo de ambos de época dirigida por um veterano da uma presença científica nacional nos guerra civil e da oceanografia norte-- mares dos Açores terá sido uma moti- ‑americanas, o comandante Charles vação comum a preencher as con- D. Sigsbee.29 Em carta de 18 de versas que mantiveram, com alguma Agosto de 1896, Chaves deixa implí- regularidade. Testemunhos dos laços cito o empenho do Príncipe do Mó- de cumplicidade assim criados são as naco em divulgar e fazer credenciar cartas, fotografias e publicações que trocaram. Um exemplo: “Ao Capitão uma descoberta recente. Afonso Chaves Como lembrança de S.A.S. o Príncipe do Mónaco descobriu o amizade Carlos de Bragança 1904” mês passado um banco (a que ele chamou

28 Diário dos Açores de 9 de Maio de 1905. 29 quina de sondagem que tomou o seu nome 29 Charles D. Sigsbee (1845-1923) – No pe- e se tornou um instrumento standard nos ríodo 1874-1877 foi comandante do navio 50 anos subsequentes de explorações mari- Blake, que protagonizou várias missões nhas. http://oceanexplorer.noaa.gov/history oceanográficas. Sigsbee inventou uma má- /timeline/timeline.html (28 Mar. 2015). 440 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Princesse Alice) 40 milhas a S.W. da ilha grafo Hugo de Lacerda31, fez o reco- do Faial, de que me enviou uma carta, nhecimento do banco e dirigiu as da qual fiz uma cópia, que o Príncipe me sondagens. Concluídos os trabalhos, autorizou a enviar-vos, da sua parte para o vosso Hydrographic Office.30 o Almirantado publicava a 10 de Agosto de 1897 um Aviso aos Nave- Em menos de dois meses, já o Hydro- gantes: graphic Office divulgava a notícia no Notice to Mariners e publicava o pri- A mínima profundidade encontrada foi de 24 braças [pouco mais de 53 metros], meiro esboço cartográfico do banco sendo nessas proximidades muito aciden- Princesa Alice. A divulgação neste tado o fundo, que é de areia preta e encar- periódico de grande audiência dava a nada, pedra e algumas conchas. A pescaria conhecer, por um lado, a localização naquela localidade é abundantíssima. do banco, como também dava legiti- Em todos os outros pontos sondados (para Norte e parte média do banco) … os midade institucional e técnica à des- fundos, variando regularmente, não estão coberta, alertando para a segurança em desacordo com os encontrados por Sua da navegação nas referidas coorde- Alteza o Príncipe de Monaco.32 nadas.31 Feito o primeiro levantamento pela Ainda estavam longe os trabalhos equipa do Príncipe, Afonso Chaves oceanográficos que se viriam a reali- não descansou enquanto não conse- zar nos Açores a partir de 1905, mas guiu que a marinha nacional cunhasse este foi um primeiro momento da a sua chancela num levantamento bati- história que ligaria, daí para o futuro, métrico mais rigoroso e detalhado. Afonso Chaves a esta embarcação, No ano seguinte, a canhoneira Açor, como também a este oficial da arma- sob o comando do 1.º tenente hidró- da. Os caminhos de ambos cruzar-se-

30 BPARPD – Espólio do coronel Afonso promovido aí a criação do observatório as- Chaves. Carta de A. Chaves a C. D. Sigsbee tronómico e meteorológico Campos Rodri- de 18 Agosto de 1896. gues. Foi depois responsável pelos portos 31 Hugo de Lacerda Castelo Branco (1860- de Macau e consultor das obras do Arsenal ‑1944) – Arquivo Histórico da Marinha – do Alfeite. Primeiro lente de hidrografia Livro Mestre D/109. Sendo comandante da da Escola Naval, destacou-se em matérias canhoneira Açor, foi louvado pelo bom ser- como geologia, hidrografia, geodesia e viço prestado nos trabalhos de explorações topografia. hidrográficas empreendidas no mar dos 32 Arquivo Histórico da Marinha – Avisos aos Açores (Ordem da Armada 22B/97). Foi ca- Navegantes, Cx. 64-2 (1866-1910) – Con- pitão do porto de Lourenço Marques, cujo selho do Almirantado, Aviso aos Navegan- levantamento hidrográfico dirigiu, tendo tes n.º 7 de 10 de Agosto de 1897. Conceição Tavares 441

-iam em diversas circunstâncias rela- dor da República constituiu a Missão cionadas com a meteorologia e as Hidrográfica da Costa de Portugal, ciências do mar. em Dezembro de 1912. A equipa destacada para a missão integrava 4 Hugo de Lacerda Castelo Branco, oficiais, além do comandante, o capi- engenheiro hidrógrafo, fez uma bri- tão-de-fragata Hugo de Lacerda.34 lhante carreira na Marinha de Guerra O oficial mais novo desta equipa era Portuguesa e teve um importante Alfredo Botelho de Sousa e ficou papel reformador enquanto professor responsável pelos trabalhos de ocea- da cadeira de Hidrografia na Escola nografia.35 Naval. Dando conta da necessidade de rever, sistematizar e actualizar os trabalhos hidrográficos em Portugal, A missão hidrográfica tinha ambições desenvolveu um exaustivo levanta- técnico-científicas que iam além do mento da situação, defendendo a tradicional levantamento da morfolo- constituição de uma missão hidrográ- gia das costas, bacias hídricas e por- fica nacional.33 O ímpeto moderniza- 35 Arquivo Histórico da Marinha – Livro Mes- 33 Relatório publicado em “Subsídios para a tre H/43 e J/27 – Botelho de Sousa tinha constituição de uma comissão hidrográfica alguma prática de investigação marinha nas costas de Portugal e ilhas adjacentes. adquirida a bordo da canhoneira Açor, de Considerações preliminares”, Anais do cuja tripulação fez parte em 1909; entre Clube Militar Naval, xlii (9) (Set. 1911) Agosto de 1910 e Maio de 1911, foi capitão 467-497; idem, xlii (10) (Out. 1911) 545- do porto de Ponta Delgada; em 1914 e 1916 ‑577; idem, xlii (11) (Nov. 1911) 625-644. recebeu louvores pela dedicação e zelo com 34 Arquivo Histórico da Marinha – Livro que serviu na Missão Hidrográfica da Costa Mestre H/127 e J/105 – Entre 8 Jan. 1913 e de Portugal. 11 Mar. 1916 comandou o aviso 5 de Outu- Alfredo Botelho de Sousa era natural da ilha bro na Missão Hidrográfica da Costa de de S. Miguel e, embora já não pertencesse Portugal. Foi louvado pelo “inexcedível à geração de Afonso Chaves, manteve com zelo, competência e inteligência” com que este uma relação próxima, tendo inclusiva- desempenhou o cargo (Ordem da Armada mente trabalhado durante alguns meses de 24/1918). Em 15 Jun. 1916 foi eleito sócio 1915 como meteorologista no Observatório correspondente da Academia das Ciências de Ponta Delgada. Para mais informação de Lisboa. Por despacho ministerial de 6 sobre os trabalhos que notabilizaram este Dez. 1937, foi deferido o seu requerimento oficial, que foi também historiador e profes- para poder aceitar e usar a condecoração de sor da Escola Naval, ver Carlos Guilherme grande oficial da Ordem de S. Carlos do Riley, “Um discípulo açoriano de Mahan: Mónaco.Foi também distinguido em 1938 Alfredo Botelho de Sousa, subsídios para com a Comenda da Ordem de S. Tiago da o estudo da sua vida e obra”, Arquipélago- Espada. História, 2.ª série, iii (1999) 433-446. 442 Boletim do Núcleo Cultural da Horta tos e da respectiva representação car- corriam nos Açores a bordo da Açor, tográfica. O objectivo era aproveitar sob orientação de Chaves. Este, infor- a missão para fazer também estudos mou-se sobre várias questões junto meteorológicos, de geomagnetismo, de especialistas, nomeadamente o de correntes e marés e oceanográ- francês Julien Thoulet, que deu indi- ficos. Aproveitando as competências cações sobre as adaptações a fazer de cada oficial e solicitando pontuais no navio, sobre as profundidades a colaborações externas, a missão foi trabalhar para a elaboração da carta pensada de forma ambiciosa e de batimétrica e a colheita de sedimen- marcação nacional de um território tos dos fundos com vista a uma carta – o Atlântico e as suas costas – que litológica. Para além da recolha de estava a ser objecto de estudos di- informações actualizadas, o coronel versos, nomeadamente, no âmbito recorreu à sua experiência pessoal do ICES.36 Assim, no seu relatório, para orientar as medições de tempe- Botelho de Sousa assume que “os tra- ratura a diferentes profundidades, balhos a realizar, para serem verda- os cálculos da densidade da água do deiramente profícuos, não deviam ser mar, em função de dois métodos ge- isolados, mas sim constituir a nossa ralmente utilizados, e as operações contribuição para o estudo do Atlân- instrumentais das colheitas de água e tico.”37 Para o fazer com credibili- de plâncton. dade, e porque a oceanografia se tra- tava de “um ramo de trabalhos quase O navio destinado pelo Almirantado inteiramente novo na marinha”38, era para a Missão Hidrográfica já fora, necessário obter informações e algu- no passado, palco de trabalhos ocea- ma preparação técnica. Pelo que, o nográficos. Tratava-se de um navio comando da Missão, por sugestão de com história – nada menos que o iate Botelho de Sousa, solicitou a colabo- real Amelia (iv), o último em que o ração do coronel Francisco Afonso rei D. Carlos realizara campanhas Chaves. Tanto Botelho de Sousa científicas. Depois da implantação da como Hugo de Lacerda estavam a par República, o navio fora incorporado dos trabalhos oceanográficos que de- na Armada nacional com a função de aviso e rebaptizado 5 de Outubro.

36 Em 1910, no seio do ICES fora criada a Comissão Internacional do Atlântico. durante a campanha do aviso “5 de Outu- 37 Alfredo Botelho de Sousa, “Oceanografia”, bro”, em 1913. Do rio Minho a Espinho, in Missão Hidrográfica da Costa de Por- Lisboa: Imprensa Nacional, 1915, pp. 63-93. tugal. Relatório dos trabalhos executados 38 Alfredo Botelho de Sousa, op. cit., p. 63. Conceição Tavares 443

Esta é uma história que faz pensar nas científicas, transformado agora em voltas que a vida dá. Afonso Chaves, navio hidrográfico, Afonso Chaves que tivera com D. Carlos as afini- deu arranque aos trabalhos oceano- dades electivas do mar e da ciência, gráficos da Missão Hidrográfica da tornou-se, por via da solicitação de Costa de Portugal, dando orientações Hugo de Lacerda e de Botelho de e transmitindo conhecimentos que a Sousa, um transmissor de testemunho sua experiência acumulara, ao longo – um mediador simbólico – da tradi- de 15 anos de trabalhos. Sempre na ção oceanográfica nacional. Naquele crista da onda. que fora o iate real das campanhas

Equipa Editorial

Editorial Team

EDITOR

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Doutor em História pela Universidade dos Açores. Bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2006-2012). Investigador Integrado do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da Universidade dos Açores. Sócio efectivo do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Autor de diversos artigos científicos publicados em revistas da especialidade e dos livros Açores. Western Islands. Um contributo para o estudo do Turismo nos Açores (1989), Os Açores em finais do Regime de Capitania-Geral. 1800‑1820 (2005), De New Bedford aos Mares do Sul. Uma viagem da barca «Sea Ranger» com escala pelo Fayal em 1869 (2008) e A ilha do Faial na logística da frota baleeira Americana no «Século Dabney» (2012). Presidente do Conselho Geral da Universidade dos Açores entre 2009 e 2014.

EDITORA-ADJUNTA

Magda Costa Carvalho

Licenciada e Doutorada em Filosofia. Exerce funções de Professora Auxiliar no Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, onde leciona diversas disciplinas e módulos na área da Ética (Éticas Aplicadas e Éticas Profissionais) e da Filosofia para Crianças. As suas principais áreas de investigação académica são a Ética Ambiental e a Filosofia para Crianças, onde tem publicado. Nos últimos anos, tem participado em diversos congressos nacionais e estrangeiros, nas suas áreas de respon- sabilidade.

CONSELHO EDITORIAL

Jorge Alberto da Costa Pereira

Licenciado em História e Ciências Sociais pela Universidade dos Açores. Professor do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária Manuel de Arriaga. Membro da direção do Núcleo Cultural da Horta, integrando a Comissão Editorial do boletim desta instituição. Autor de vários artigos científicos publicados em revistas e do livro Peter-Café Sport. Membro da Comissão Organizadora dos Colóquios “O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX”. 448 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

José Damião Rodrigues

Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi docente da Universidade dos Açores (1988-2013), onde obteve o doutoramento em História (2001). Investigador associado do Centro de História de Além-Mar (CHAM), foi o Coordenador das linhas de investigação “As Elites e o império português” e “Grupos e representações sociais na expansão portuguesa”, Coordenador do Núcleo da Universidade dos Açores do CHAM e Sub-Director da mesma unidade de investigação. Participou e parti- cipa em diversos projectos nacionais e estrangeiros (Espanha, França, Brasil); foi membro do Editorial Board da colecção “European Expansion and Indigenous Response”, publicada pela Brill, e da Comissão Científica de diversas revistas; e tem artigos e livros publicados e editados em Portugal, Espanha, França e Brasil. De entre as suas publicações, destacam-se: São Miguel no século XVIII: casa, elites e poder, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2003, 2 vols.; De Re Publica Hispaniae: Una vindicación de la cultura política en los reinos ibéricos en la primera modernidad, Madrid, Sílex, 2008 (co-editor, com Francisco José Aranda Pérez); Histórias Atlânticas. Os Açores na primeira modernidade, Ponta Delgada, CHAM, 2012; e O Atlântico Revolucionário: circulação de ideias e de elites no final do Antigo Regime, Ponta Delgada, CHAM, 2012 (coordenador).

Ricardo P. A. Serrão Santos

É Doutor em Biologia e Ecologia Animal, Investigador Principal na Universidade dos Açores, Membro Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa [Classe de Ciências, Secção de Ciências Biológicas] e Membro Efetivo da Academia de Marinha [Classe de Artes, Ciências e Letras]. Tem-se dedicado ao estudo da ecologia comportamental e biodiversidade de animais marinhos e conservação de ecossistemas oceânicos. Tem mais de 200 publicações científicas em revistas e livros internacionais. Em 2002 foi-lhe atribuído pela WWF o galardão “Gift to the Earth”; em 2007 RSS foi nomeado “Embaixador Marítimo” pela Comissão Europeia; em 2008 recebeu o Prémio Rotary 2007-2008 no domínio do Ensino e em 2009 foi-lhe atribuído, pelo “Ciência Hoje”, o prémio “Seeds of Science” na categoria de “Ciências da Terra, do Mar e da Atmosfera”, em 2012 foi condecorado pelo GRA e ALR com a “Insígnia Autonómica de Reconhe- cimento”. Entre outros cargos que exerceu contam-se Pró-Reitor da UAç, Presidente do IMAR – Instituto do Mar, Vice-Presidente do European Marine Board. Actualmente é Presidente do EurOcean, membro do Conselho Científico do Instituto Oceanográfico de Paris/Fundação Alberto I do Mónaco e Comissário para a Sargasso Sea Alliance. Desde 1 de Julho de 2014 que é Deputado do Parlamento Europeu onde actual- mente é membro Efectiva da Comissão das Pescas e suplente da Agricultura e Desenvolvimento Rural. É Vice-Presidente dos Intergrupos “Mudanças Globais, Biodiversidade e Desenevolvimento Sustentável” e “Mares, Rios, Ilhas e Zonas Costeiros”. Pertence ainda às delegações Interparlamentares com o Canadá, os Estados Unidos da América e os Países Andinos.

Susana Goulart Costa

Doutorada em História pela Universidade dos Açores. Professora Auxiliar do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores. Investigadora integrada do Centro de História de Além-Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da Univer- sidade dos Açores. Autora de vários artigos científicos da área da História da Igreja e da História Religiosa. Equipa Editorial 449

No presente, desenvolve estudos na área do Património Cultural e da Museologia. Entre as obras editadas destacam-se Pico. Séculos XV-XVIII (1997), Viver e morrer religiosamente. Ilha de S. Miguel. Século XVIII (2007) e Açores. Nove Ilhas, Uma história/Azores. Nine Islands, One History (2008).

Urbano Bettencourt

Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores, tem leccionado as disciplinas de Lite- ratura Portuguesa, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa e Literatura Açoriana, entre outras. Têm‑lhe merecido particular atenção as literaturas insulares, sobre as quais já proferiu conferências em Cabo Verde, Madeira, Canárias e Açores. Entre as obras editadas, destacam-se na área da poesia e da narra- tiva, Raiz de Mágoa (1972); Ilhas (de parceria com Santos Barros, 1976), Marinheiro com residência fixa (1980); Naufrágios Inscrições (1987); Algumas das Cidades (1995); Lugares, sombras e afectos (2005); Santo Amaro Sobre o Mar (2005); Antero (2006); Que paisagem apagarás (2010); África frente e verso (2012), Outros nomes outras guerras–antologia poética (2013) e no ensaio O Gosto das Palavras, 3 vols. (1983, 1995, 1999); Emigração e Literatura (1989); De Cabo Verde aos Açores – à luz da «Claridade (1998); Ilhas conforme as circunstâncias (2003).

Vamberto Freitas

Leitor de Língua Inglesa na Universidade dos Açores desde 1991, tendo publicado inúmeros estudos críticos e ensaios sobre as literaturas norte-americana e açoriana. Autor de vários livros, entre os quais Jornal de Emigração (4 volumes), O Imaginário dos Escritores Açorianos e A Ilha em Frente: Textos do Cerco e da Fuga. Tem publicado algumas traduções, principalmente da poesia de Frank X. Gaspar, e continua a colaborar em vários periódicos com textos de crítica literária e cultural. Como conferencista e como docente convidado, colaborou em 2008 nos programas do Departamento de Estudos Portu- gueses e Brasileiros da Brown University. Tem em preparação uma colectânea de ensaios sobre literatura luso‑americana.

Lista de Autores

Index of Authors

Acílio da Silva Estanqueiro Rocha

Professor Emérito da Universidade do Minho, Catedrático de Filosofia do Departamento de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, foi, sucessivamente, Director do Departamento de Filosofia, Director de Curso da Licenciatura em Relações Internacionais, Vice-Presi- dente (1990-1994) e Presidente (1994-2000) do Instituto de Letras e Ciências Humanas, e Vice-Reitor da Universidade do Minho (2002-2009). Para além dos livros Problemática do Estruturalismo: linguagem, estrutura e conhecimento (1988), Justiça e Direitos Humanos (2001) e Europa, Cidadania e Multicultura- lismo (2004), é autor de inúmeros trabalhos científicos, designadamente sobre correntes do estruturalismo e variantes do neo-estruturalismo, ética e filosofia social e política, sobre Europa. http://aciliorocha.wix. com/rocha

Álvaro Borralho

Doutor em Ciências Sociais, especialidade de Sociologia, pela Universidade dos Açores (2010). Defendeu Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Sociologia, na UAç (2002). Concluiu a parte lectiva do Mestrado em Ciências Sociais (pós-graduação) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1996). Licenciado em Sociologia, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-IUL). Autor do livro A Sagrada Aliança. Campo religioso e campo político nos Açores (1974-1996), publicado em 2013 pela editora Mundos Sociais; co-autor do livro A situação das mulheres nos Açores (1999), com Gilberta Rocha, Octávio Medeiros, Licínio Tomás e Artur Madeira, editado pela Assembleia Legisla- tiva Regional dos Açores. Foi co-coordenador do estudo Emigrantes deportados nos Açores (2012), com Gilberta Pavão Nunes Rocha. É docente da Universidade dos Açores e Investigador do CES, desde 1997. Lecciona Teorias Sociológicas Clássicas, Temas da Sociedade Contemporânea e Sociologia da Política, em cursos de licenciatura e Polí- ticas Públicas e Desenvolvimento em cursos de Mestrado (Ciências Sociais e de Sociologia). Fundador e co-coordenador do Núcleo Regional dos Açores da Associação Portuguesa de Sociologia (desde 2011).

Anita Budziszewska

Member of the Institute of International Relations – University of Warsaw. Graduated also from the European Academy of Diplomacy; Postgraduate Studies in International Law at the Faculty of Law and Administration, University of Warsaw; Postgraduate Studies in Strategic Research and Analysis, Warsaw School of Economics. Internship at the University of Nottingham. Member of the organisational committee of the 8th Pan-European Conference on International Relations, Warsaw 2013. Co-coordinator of the EU grant Leonardo da Vinci, Increase of EU’s economic potential in relations with China. Mobility coordinator at IIR. [email protected] 454 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

António Teixeira Fernandes

Doutor em Sociologia e Professor Catedrático Jubilado da Universidade do Porto. É investigador do Instituto de Sociologia – UP. Foi Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras e fundador da licenciatura em Sociologia na Universidade do Porto. Contam-se, na sua produção científica, vários livros e artigos. Tem coordenado projetos de investigação e é membro de várias associações científicas da especialidade.

Armando Leandro

Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Jubilado. Funções atuais: Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco; Presidente da Comissão de Proteção de Testemunhas em Processo Penal; Presidente da Direção das Associação Portuguesa para o Direito dos menores e da Família – CrescerSer; Presidente da Assembleia-Geral da Santa Casa da Misericórdia de Cascais; Presi- dente do Conselho de Curadores da Fundação Portuguesa Contra a Sida; Presidente da Assembleia-Geral da Associação «Recomeçar» – reinserção de toxicodependentes. É membro dos seguintes organismos: Conselho Consultivo da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto; Conselho Consultivo do Instituto da Educação da Universidade do Minho; Conselho Geral da Faculdade de Psicologia de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Tem vários artigos publicados nos domínios da promoção e proteção dos direitos da criança, do jovem e da família, da formação de Magistrados do Ministério Público e de Juízes, e da prevenção primária, secundária e terciária da droga e toxicodependência.

Avelino de Freitas de Meneses

Professor Catedrático e Reitor da Universidade dos Açores (2003-2011). Doutorado em História Moderna e Contemporânea. Investigador do Centro de História de Além-Mar das Universidades dos Açores e Nova de Lisboa de que é Presidente da Assembleia Geral. Secreta´rio regional da Educação e Cultura do Governo Regional dos Açores. Além de variada colaboração científica publicada em revistas especializadas e em edições de atas de con- gressos e colóquios, é autor de diversas obras, destacando-se: Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590) e Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770), editadas, respetivamente, em 1987 e 1993. Colaborou com a elaboração de alguns capítulos na Nova História da Expansão Portuguesa dedicada à colonização Atlântica tendo coordenado o volume da Nova História de Portugal sob o título Da Paz da Restauração ao Ouro do Brasil, edição de 2001. Integrou a direcção científica da História dos Açores. Do descobrimento ao Século XX, edição de 2009 de que é igualmente autor de diversos capítulos. No ano de 2011 em edição da Publiçor publicou Antigamente, era assim! Ensaios de história dos Açores e no ano seguinte, em edição de Letras Lavadas Edições, Coisas de agora. O historiador e a actualidade.

Berta Pimentel Miúdo

Professora Auxiliar do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, com Doutoramento em Filosofia, especialidade Filosofia Contemporânea. Tem desenvolvido investigação Lista de Autores 455 sobre direitos humanos. É membro do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20. Autora de várias publicações, incluindo o livro Sentidos da Vida e do Mundo em Ortega y Gasset, capítulos de livros e artigos em revistas de especialidade.

Carlos E. Pacheco Amaral

Professor Associado, com Agregação, do Departamento de História, Filosofia e Ciências Socias da Univer- sidade dos Açores e Diretor do respetivo curso de licenciatura em Estudos Europeus e Política Interna- cional. Detentor da Cátedra Jean Monnet da Universidade dos Açores, atribuída pela Comissão Europeia. É membro do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20.

Catarina Figueiredo Cardoso

Licenciada em Direito tem um mestrado em Ciência Política. É coleccionadora de livros ilustrados, com bonecos, riscos, fotos, impressões digitais; muitos são eles mesmos bonecos. Acompanha a cena portuguesa dos livros de artista, fanzines, livros auto-editados e pequenas editoras, formas artísticas que evoluem e se transformam com as tecnologias directa e indirectamente ligadas ao livro. Coleccionar livros e conhecer os artistas que os criam conduziram-na a uma reflexão sobre esta forma de arte recente e sua recepção crítica em Portugal. Reune documentação e bibliografia que lhe permitam analisar a sua evolução em Portugal e a sua integração nos movimentos internacionais em torno da palavra e do livro, que se desenvolveram a partir dos anos 1960. Com Isabel Baraona, organizou o número 32 do Journal of Artists’ Books (Outono de 2012), dedicado ao livro de artista em Portugal. Com Isabel Baraona, é editora de Tipo.pt, uma base de dados sobre livros de artista e edições gráficas de autor. Vive e trabalha em Lisboa.

Clarisse Canha

Nascida em 1947, na Madeira, Funchal, vive nos Açores, ilha de São Miguel, desde 1980. Possui o 9.º ano de escolaridade e formação em diferentes áreas, adquirida ao longo da vida e da ação prática. Desenvolve trabalho profissional desde os 16 anos. É atualmente reformada, da função pública. Ativista em diferentes campos sociais. Feminista empenhada em movimentos sociais particularmente dos direitos das mulheres e LGBT. Fundadora da UMAR e UMAR-Açores, de cuja direção faz parte e na qual desenvolve ativismo e voluntariado.

Conceição Tavares

Doutoranda em História das Ciências na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e membro do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT). Foi professora do ensino básico e secundário entre 1976 e 1979 e jornalista profissional na RTP-Açores entre 1979 e 1996. Cola- borou em projectos do Departamento de História e Ciências Sociais da Universidade dos Açores e desem- penhou funções administrativas na Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Ponta Delgada (2000-2003) e em Lisboa (2003-2005). Concluiu o Mestrado em História e Filosofia das Ciências em Janeiro de 2008 456 Boletim do Núcleo Cultural da Horta com a dissertação Viagens e diálogos epistolares na construção científica do mundo atlântico. Albert I do Mónaco (1848-1922), Afonso Chaves (1857-1926) e a Meteorologia nos Açores. Tem este e outros trabalhos publicados. Em 2010 foi comissária da Exposição Ilhas & História Natural, uma iniciativa da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada e do Museu Carlos Machado, patrocinada pela DRaC do Governo Regional dos Açores. Em 2014 integrou a equipa do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, que inventariou, estudou e tornou acessível o espólio do naturalista açoriano Francisco de Arruda Furtado.

Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre

Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, regente da cátedra “Medicina Humanitária”, e Académico Corres- pondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa. Foi administrador dos Médicos Sem Fronteiras - Bélgica e fundou, em Portugal, a AMI – Assistência Médica Internacional, à qual ainda preside. Participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de estudo, coordenação e assistência médica humanitária em mais de setenta países de todos os continentes. Foi membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa e do Conselho Geral da Universidade da Beira Interior. Foi Professor Convidado dos cursos de Mestrado e Pós-Graduação na Universidade Autónoma de Lisboa e no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna e conferencista no Instituto de Estudos Superiores Militares.

George Monteiro

Professor Jubilado dos Departamentos de Inglês e de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Brown, é autor de mais de duas dezenas de livros de ensaios e de edições críticas, bem como de seis livros de traduções. Publicou também centenas de ensaios sobre autores americanos como Herman Melville, Hemingway, Robert Frost, Emily Dickinson, Stephen Crane, Nathaniel Hawthorne, Henry Wadswarth Longfellow, Henry James e Elizabeth Bishop, e sobre autores portugueses, entre os quais Fernando Pessoa, Jorge de Sena, José Rodrigues Miguéis e Miguel Torga.

Hélio Soares

Nasceu na Vila das Velas, ilha de S. Jorge, a 14 de Junho de 1984. Estudou na escola primária da locali- dade de Santo António, freguesia de Norte Grande, e na Escola Básica e Secundária de Velas. Ingressou no Seminário Episcopal de Angra em Setembro de 2003. Foi ordenado diácono na Sé Catedral de Angra a 25 de Janeiro de 2009. Sendo ordenado presbítero a 25 de julho de 2009, na Paróquia de S. Mateus da Urzelina, em S. Jorge. De setembro de 2009 a agosto de 2013 foi Pároco da ilha do Corvo. A 24 de agosto de 2013 tomou posse como Pároco da Vila das Capelas e da freguesia de S. Vicente Ferreira na ilha de S Miguel. É licenciado em História pela Universidade dos Açores. Sendo a partir desta academia científica que tem desenvolvido diversos estudos históricos, alguns dos quais já publicados em revistas científicas da área. Lista de Autores 457

Isabel Soares de Albergaria

Nasceu em Ponta Delgada, a 1 de Junho de 1965. É atualmente Professora Auxiliar da Universidade dos Açores, docente nos cursos de Arquitectura, Turismo e Património Cultural da Universidade dos Açores, e no mestrado de Património, Museologia e Desenvolvimento da mesma Universidade. É membro integrada do CHAM (Centro de História de Além Mar – FCSH/Universidade dos Açores), além de colaboradora do ICIST (IST-UTL) e do CITAR (Universidade Católica do Porto). É ainda membro não votante do ICOMOS (UNESCO) para o painel Paisagens Culturais. Licenciada em História-variante de História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1988), mestre em História da Arte pela mesma Universidade (1996), tendo defendido dissertação com o tema: Quintas, Jardins e Parques da Ilha de São Miguel: 1785-1885 e dou- torada em Arquitectura (IST-UTL, 2012), tendo defendido a dissertação intitulada «A Casa Nobre na ilha de São Miguel: do período filipino ao final do Antigo Regime». Desde 1988 tem dedicado especial atenção às questões do património paisagístico e arquitectónico tendo nesse âmbito diversa obra publicada. Entre as obras editadas destacam-se Quintas, Jardins e Parques da Ilha de São Miguel: 1785-1885. Lisboa: Quetzal Editores, 2000; Jardins e Espaços Verdes dos Açores. Ponta Delgada: ATA, 2012; Açores em Vista Aérea/ Azores in Aereal View (em co-autoria com o Arq. Rui Monteiro). Lisboa: Argumentum, 2008, além da participação em obras coletivas, artigos em publicações de divulgação científica e em atas de congressos científicos nacionais e internacionais.

João Paulo Alvão Serra de Medeiros Constância

Museólogo. Técnico Superior do Museu Carlos Machado, Conservador da Coleção de História Natural. Licenciado em Biologia, ramo científico, pela Universidade do Porto e pós-graduado em Museologia pela Universidade Lusófona. Formador na área da Biologia e da Museologia. Vice-presidente da Direção do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Membro da Direção Sociedade Afonso Chaves – Associação de Estudos Açorianos. Diretor Executivo do Expolab – Centro de Ciência Viva. Membro da Comissão Diocesana dos Bens Culturais da Igreja (Diocese de Angra). Foi docente convidado da Universidade dos Açores, na licenciatura de Património Cultural. Foi coordenador do Projeto de Documentação Museológica da Rede de Museus da Direção Regional da Cultura. Fez parte da comissão científica do Museu Vivo do Francisca- nismo (Ribeira Grande).

José Miguel Sardica

Licenciado e mestre em História pela Universidade Nova de Lisboa, tendo ingressado na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa em 1994. Completou o Doutoramento em História na UCP em 2003, sendo, presentemente, Professor Associado com Agregação e, desde 2012, Diretor da Faculdade de Ciências Humanas. As suas áreas de investigação e docência são a história portuguesa e internacional dos séculos XIX e XX, nos campos político, institucional, cultural, social, intelectual e de comunicação/jornalismo. É autor de cerca de 70 capítulos de livros e artigos em obras coletivas, revistas académicas e volumes de Atas, nacio- nais e internacionais. Escreveu 11 livros sobre diferentes temas e épocas da história portuguesa contem- porânea, e co-editou outros 6 livros. 458 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

É investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) da Faculdade de Ciências Humanas e consultor do Centro de Estudos de História Religiosa, ambos da Universidade Católica Portu- guesa. Colaborou também em projetos de investigação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É colunista e comentador da Rádio Renascença e tem presença regular em programas de rádio e televisão, em comentário histórico ou de atualidade política e cultural. A sua Tese de Doutoramento, intitulada Um Homem para todas as Causas. Biografia do Duque de Ávila e Bolama, recebeu a Menção Honrosa do Júri do Prémio de História Contemporânea «Víctor de Sá», da Universidade do Minho, em 2004, e a sua Dissertação de Mestrado, intitulada A Regeneração sob o signo do Consenso. A política e os partidos entre 1851 e 1861, foi galardoada com o Prémio de História da Academia das Ciências de Lisboa, em 2002. Em 2011, recebeu o Prémio de Defesa Nacional do Ministério da Defesa e da Comissão Portuguesa de História Militar pelo seu livro A Europa Napoleónica e Portugal. Messianismo Revolucionário, Política, Guerra e Opinião Pública (Lisboa, Tribuna da História, 2011).

Miguel Armada de Menezes Coelho

Nasceu em Lisboa em 25 de Novembro de 1966. Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1990. Iniciou funções na Provedoria de Justiça, em 1993, como assessor do gabinete do Provedor de Justiça especialista em assuntos do Ambiente e, a partir de 1995, foi assessor na área incumbida de tratar de processo relativos, entre outros assuntos, a Ambiente e Urbanismo. Desde 1997 e até 2004, foi o assessor responsável pela Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores. Em 2004, passou a responsável pela Unidade de Projeto, que tratava dos assuntos relativos a crianças, idosos, deficientes e mulheres, coordenando igualmente o funcionamento das linhas telefónicas do Provedor de Justiça direcionadas para a criança e para os idosos. Desde maio de 2008, desempenha funções de coorde- nador da área que faz a instrução dos processos relativos ao Direito à Justiça e à Segurança. Coordena igual- mente o funcionamento do N-CID (Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência).

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Doutor em História pela Universidade dos Açores. Bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2006-2012). Investigador Integrado do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da Universidade dos Açores. Sócio efectivo do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Autor de diversos artigos científicos publicados em revistas da especialidade e dos livros Açores. Western Islands. Um contri- buto para o estudo do Turismo nos Açores (1989), Os Açores em finais do Regime de Capitania-Geral. 1800‑1820 (2005), De New Bedford aos Mares do Sul. Uma viagem da barca «Sea Ranger» com escala pelo Fayal em 1869 (2008) e A ilha do Faial na logística da frota baleeira Americana no «Século Dabney», (2012). Presidente do Conselho Geral da Universidade dos Açores entre 2009 e 2014.

Sandra Furtado

Natural de São Miguel – Ajuda da Bretanha. Licenciada em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Foi formadora em escolas profissionais em Centros de Formação de Professores. Socióloga no Centro de Apoio Lista de Autores 459

à Mulher de Ponta Delgada. Técnica de orientação ocupacional na área da saúde mental – Consultório Infinito. Foi membro fundador e/ou dirigente das associações Centro de Apoio à Mulher de Ponta Delgada, Norte Crescente - ADL e ANCORAR – Associação para a Promoção da Saúde Mental.

Viriato Soromenho-Marques

Professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do Centro de Filosofia da U.L., lecionando nos cursos de Filosofia e de Estudos Europeus. É membro cor- respondente da Academia das Ciências de Lisboa, e da Academia da Marinha. Integra, desde 2013, o Conselho Geral da Universidade da Madeira. Foi membro do Conselho de Imprensa (1985-1987); Presi- dente nacional da Quercus ANCN (1992-1995); integrou o Conselho Económico e Social (1992-1996). Exerceu as funções de Vice-Presidente da Rede Europeia de Conselhos do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (EEAC), entre 2001 e 2006. É membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvi- mento Sustentável (CNADS); foi coordenador científico do Programa Gulbenkian Ambiente (2007-2011); foi membro do High Level on Energy and Climate Change do Presidente da Comissão Europeia (2007‑2010). Integra o Júri do Prémio Pessoa desde a edição de 2012. Recebeu o Prémio Quercus, na edição de 2011, e o Prémio Personalidade de 2014, pela Fundação Portuguesa do Pulmão. Autor de mais de quatro centenas de obras (entre as quais vinte livros) sobre temas filosóficos, ambientais e estratégicos. Proferiu e/ou coordenou mais de mil conferências, seminários, e cursos em vinte e três países. Tem colaboração regular na imprensa escrita e audiovisual. www.viriatosoromenho-marques.com

Vladimir Safatle

Professor de filosofia da Universidade de São Paulo. Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VIII, Professor Convidado das Universidades de Louvain, Toulouse e Paris VII. Autor de O circuito dos afetos (Cosac e Naif, 2015), Grande Hotel Abismo: Para uma reconstrução da teoria do reconhecimento (Martins Fontes, 2012), A esquerda que não teme dizer seu nome (Três Estrelas, 2012), Fetichismo: colonizar o Outro (Civilização Brasileira, 2010), Cinismo e falência da crítica (Boitempo, 2008), entre outros.

Urbano Bettencourt

Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores, onde leccionou as disciplinas de Literatura Portuguesa, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa e Literatura Açoriana até ao final do ano lectivo de 2013-2014. Têm-lhe merecido particular atenção as literaturas insulares, sobre as quais já proferiu conferências em Cabo Verde, Madeira, Canárias e Açores. Entre as obras editadas, destacam‑se na área da poesia e da narrativa, Raiz de Mágoa (1972); Ilhas (de parceria com Santos Barros, 1976), Marinheiro com residência fixa (1980); Naufrágios Inscrições (1987); Algumas das Cidades (1995); Lugares, sombras e afectos (2005); Santo Amaro Sobre o Mar (2005); Antero (2006); Que paisagem apagarás (2010); África frente e verso (2012), Outros nomes outras guerras – antologia poética (2013) e no ensaio: O Gosto das Palavras, 3 vols. (1983, 1995, 1999); Emigração e Literatura (1989); De Cabo Verde aos Açores – à luz da «Claridade (1998); Ilhas conforme as circunstâncias 2003). É actualmente investigador do Cierl-UMa, Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais-Univer- sidade da Madeira, Funchal. Lecciona na Escola Secundária Antero de Quental, Ponta Delgada.

Notas editoriais Editorial notes

Objectivos Aims and Scope Os objectivos do Boletim do Núcleo Cultural Boletim do Núcleo Cultural da Horta is da Horta correspondem aos próprios objecti- a journal aimed to meet the objectives of vos estatutários do Núcleo Cultural da Horta, Núcleo Cultural da Horta as advertised in em destaque na informação que consta no the front cover flap, such as: to promote his- verso da capa de todas as edições, assumindo- torical, ethnographic, linguistic and scientific ‑se, assim, como instrumento difusor de cul- studies connected with the Azores; to promote tura no sentido mais amplo do termo. Privi- the publishing of works related with the areas legiar-se-ão, naturalmente, temáticas associa- of knowledge mentioned above; to promote das ao arquipélago dos Açores contemplando and support other related activities compat- as mais diversas vertentes do saber. ible with these objectives.

Estrutura e Periodicidade Structure and Calendar O boletim tem um carácter anual e a divul- The Boletim do Núcleo Cultural da Horta gação de cada edição terá lugar no mês de is a yearly peer-reviewed publication and Outubro em sessão pública promovida para o each number will be released in the month of efeito. October in a public event organized for the purpose. Cada edição contemplará um tema previa- The main section of each number will focus mente publicitado na edição do ano prece- on a specific subject previously advertised dente, a desenvolver em trabalhos elaborados and will include works of qualified specialists por especialistas de mérito reconhecido nas according to editor’s invitation. respectivas áreas, mediante convite formula- A second section accepts research papers and do pelo editor do boletim. Um segundo bloco review articles (not more than 10 pages in de artigos, em princípio de menor extensão, A4 format). A book reviews will follow, also incidindo sobre matérias diversificadas, by invitation (not more than 4 pages in A4 incluirá colaboração submetida ao editor do format), and priority will be granted to recent boletim para publicação. Segue-se um espa- books of Azorean authors and/or Azorean ço destinado à recensão de livros de temática thematic. açoriana ou de autores açorianos, editados no ano anterior ao da data do boletim. Embora os artigos sejam da responsabilidade Neither the editor nor the publisher accepts dos autores, o editor pode submeter o seu con- responsibility for the views of authors teúdo à análise prévia da Comissão Editorial expressed in their contributions. ou a avaliadores anónimos. 462 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Norma Editorial Information for Authors Todos os trabalhos a publicar, em qualquer Manuscripts submitted for publication, may uma das secções em que o boletim se orga- not be offered to any other journal for prior niza, serão originais e terão um carácter publication. Submission will be made until inédito e deverão ser entregues ao editor até the last day of December of the year previous ao último dia útil do mês de Dezembro do ano to the year of the issue. Preferred submission anterior ao da edição a que se destinam. is by e-mail. A sua elaboração em formato A4, obedecerá All submissions must be prepared according a processamento em Word a um espaço, tipo to the following style: Each manuscript will Times New Roman e corpo 12. A apresentação be in A4 format, Word processing and Times em moldes diversos pode ser previamente New Roman type, size 12. acertada com o editor. A primeira página de cada artigo incluirá sem- The title page (except book reviews) should pre: «Título»; «Autor»; «Referência biblio- include the title of the paper followed by the gráfica [autor ou autores (data), título. Boletim author (s)’s name, both in capital letters. Each do Núcleo Cultural da Horta, número do volu- article should have a summary or abstract me: página inicial-página final]»; «Sumário»; stating in a concise way the goals and conclu- «Summary»; «Nome do autor, identificação sions. Five key-words pertinent to the central da instituição a que pertence e endereço da theme will follow. The main text must begin mesma e e-mail»; «Palavras-chave»; «Key- with an Introduction and finishes with a list words». Segue-se o desenvolvimento do of Literature cited. Acknowledgements trabalho, preferencialmente precedido de uma come before literature cited. Footnotes should Introdução adoptando-se, sempre que pos- be avoided and the use of acronyms in the sível, a inserção de subtítulos. A bibliografia, text are not encouraged unless necessary. The organizada por ordem alfabética do apelido reference list must be arranged in alphabeti- e cronologicamente para cada autor, encerra cal and chronological order for one author or o trabalho. As obras de um mesmo autor more than two authors; in alphabetical order editadas no mesmo ano, distinguir-se-ão pela by surname of the second author in case of aposição das letras a, b, c, etc. two authors. For books the references must Havendo lugar a Agradecimentos, estes include the city of publication and the pub- virão antes da bibliografia. lisher. Journal titles should be given in full. Não obstante o uso preferencial da língua Besides Portuguese, English and French are portuguesa, serão aceites artigos em francês e languages accepted for publication in which inglês, casos em que deverá incluir-se sumá- case abstracts and key-words in Portuguese rio em português, bem como a indicação de must be included. palavras-chave na mesma língua. A bibliografia deverá ser cotada no próprio References in the text, refer to author (s) sur- texto usando o apelido do ou dos autores, name (s) in capital letters and year of publi- como por exemplo: Silva (2007), (Silva, cation: Silva (2007), (Silva, 2007) or Silva 2007) ou Silva (2007: 100). A indicação de (2007:100). For double authorship: (Silva & vários autores será feita do seguinte modo: Dias (2007), (Silva & Dias, 2007). When Silva & Dias (2007), (Silva & Dias, 2007). there are more than two authors, give the first Boletim do Núcleo Cultural da Horta 463

A indicação de mais de três autores faz-se author surname followed by et al. (Silva et pela indicação do apelido do primeiro, acres- al. (2007) or (Silva ed al., 2007). centando et al. como se indica: Silva et al. (2001) ou (Silva et al., 2001).

A natureza não lucrativa do Núcleo Cultural Each author will receive a free copy of the da Horta e o indispensável recurso ao apoio issue in which their item is published together prestado por entidades oficiais e privadas with thirty off prints. para o financiamento das suas actividades, têm merecido a compreensão dos autores no sentido da sua disponibilidade para uma cola- boração graciosa. Assim, o reconhecimento da instituição para com os seus colabora- dores, traduzir-se-á na oferta de 30 separatas por cada artigo publicado.

Toda a correspondência para o editor, Correspondence to the editor must be nomeadamente o envio dos artigos, sent to: deverá processar-se para o seguinte endereço postal:

Editor do Boletim do Núcleo Editor do Boletim do Núcleo Cultural da Horta Cultural da Horta Apartado 179 Apartado 179 9900 HORTA 9900 HORTA

ou para o e-mail or e-mail [email protected] [email protected]

Tema para 2016 2016 Theme

NO 40.º ANIVERSÁRIO ON THE 40TH ANIVERSARY DA AUTONOMIA DOS AÇORES OF AZOREAN POLITICAL – UMA EVOCAÇÃO AND ADMINISTRATIVE AUTONOMOUS STATUS – AN EVOCATION