ESTUDOS
AFRO-LATINO-AMERICANOS
UMA INTRODUÇÃO
Estudos afro-latino-americanos : uma introdução / Alejandro de la Fuente ...
[et al.] ; coordinación general de George Reid Andrews ; Alejandro de la Fuente. - 1a ed . - Ciudad Autónoma de Buenos Aires : CLACSO, 2018. 708 p. ; 23 x 16 cm
ISBN 978-987-722-378-1 1. Campo. 2. Afroamericanos. 3. Tráfico Ilegal de Personas. I. Fuente, Alejandro de la II. Reid Andrews, George, coord. III. Fuente, Alejandro de la, coord. CDD 305.896
Outros descritores atribuídos pelo CLACSO:
Estudos Afro-Americanos / Estudos Culturais / Movimentos Social / Discriminação / Desigualdade / Cultura / Violência / Pensamento Crítico / América Latina / África
ESTUDOS
AFRO-LATINO-AMERICANOS
UMA INTRODUÇÃO
George Reid Andrews Alejandro de la Fuente
(Organizadores)
Alejandro de la Fuente | George Reid Andrews Roquinaldo Ferreira | Tatiana Seijas | Peter Wade Brodwyn Fischer | Keila Grinberg | Hebe Mattos Frank Guridy | Juliet Hooker | Tianna Paschel Paulina Alberto | Jesse Hoffnung-Garskof
Doris Sommer | Robin Moore
Paul Christopher Johnson | Stephan Palmié Karl Offen | Lara Putnam | Jennifer Jones
Tradução de
Mariângela de Mattos Nogueira e Fábio Baqueiro Figueiredo
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CONOCIMIENTO ABIERTO, CONOCIMIENTO LIBRE.
Primera edición
Estudos afro-latino-americanos: Uma introdução
(Buenos Aires: CLACSO, octubre de 2018) ISBN 978-987-722-378-1 © Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales | Queda hecho el depósito que establece la Ley 11723.
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................9 Apresentação ......................................................................................................11
Márcia Lima
A criação de um campo: estudos afro-latino-americanos ..............................19
George Reid Andrews e Alejandro de la Fuente
PARTE I. DESIGUALDADES
O tráfico de escravos para a América Latina: um balanço historiográfico ....47
Roquinaldo Ferreira e Tatiana Seijas
Desigualdade: raça, classe e gênero..................................................................75
George Reid Andrews
Interações, relações e comparações afro-indígenas......................................119
Peter Wade
Direito, silêncio e racialização das desigualdades na História afro-brasileira ...............................................................................163
Brodwyn Fischer, Keila Grinberg e Hebe Mattos
PARTE II. POLÍTICA
Tendências do pensamento político e social afro-latino-americano...........219
Frank A. Guridy e Juliet Hooker
Repensando a mobilização negra na América Latina ...................................269
Tianna S. Paschel
“Democracia racial” e inclusão racial: histórias hemisféricas......................313
Paulina L. Alberto e Jesse Hoffnung-Garskof
PARTE III. CULTURA
Liberdades literárias: a autoridade dos autores afrodescendentes..............375
Doris Sommer
Arte afro-latino-americana..............................................................................409
Alejandro de la Fuente
Um século e meio de estudos acadêmicos sobre música afro-latino-americana ..............................................................469
Robin D. Moore
Religiões afro-latino-americanas....................................................................505
Paul Christopher Johnson e Stephan Palmié
Meio ambiente, espaço e lugar: geografias culturais da América Afro-Latina colonial ...................................557
Karl Offen
PARTE IV. ESPAÇOS TRANSNACIONAIS
Quadros transnacionais da experiência afro-latina: espaços e meios de conexão, 1600-2000.........................................................613
Lara Putnam
Afro-latinos: falar entre silêncios e repensar as geografias da negritude ....651
Jennifer A. Jones
Autores ..............................................................................................................703
AGRADECIMENTOS
A publicação deste livro marca um quarto de século de nossa colaboração profissional e profunda amizade, que começou com a chegada de Alejandro aos Estados Unidos vindo de Cuba em 1992. O livro tem suas origens numa conversa de jantar em Charlotte, Carolina do
Norte, em 2015. Estávamos refletindo sobre o crescimento impressionante que o campo de estudos afro-latino-americanos tem experimentado nos últimos vinte a trinta anos, e sobre a necessidade de um exame sistemático desses avanços em todos os muitos subcampos que abordam o negro da América Latina do passado, do presente e do futuro. Este livro é nossa resposta a essa necessidade e nossa contribuição para a consolidação e a expansão futura deste campo.
Em maio de 2015, organizamos um seminário exploratório sobre os estudos afro-latino-americanos com o generoso apoio do Radcliffe Institute for Advanced Studies, da Universidade de Harvard. Durante dois dias, um grupo estelar de acadêmicos apresentou suas idéias sobre o que o livro poderia abranger. Além dos colegas que contribuíram com ensaios para o livro, agradecemos a Rose-Marie Belle Antoine, Jaime Arocha, Aisha Beliso-de Jesús, Sidney Chalhoub, Henry Louis Gates Jr., Michael Hanchard, Marial Iglesias Utset, Márcia Lima, Bárbaro Martínez-Ruiz , Judith Morrison, Rafael Guerreiro Osório, Rebecca Scott e Edward Telles por nos emprestarem seus conhecimentos e nos ajudarem a pensar na agenda para o livro.
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No decorrer do ano e meio seguinte, os autores escreveram os rascunhos iniciais de seus ensaios e os revisaram extensivamente. O grupo voltou a se reunir em dezembro de 2016, em Cartagena na Colômbia, para discutir as versões finais, aproveitando a nossa participação no simpósio “Después de Santiago 2000: El movimiento afrodescendiente y los estudios afrolatinoamericanos”, financiado e organizado pelo Afro-Latin American Research Institute da Universidade de Harvard e pela Universidade de Cartagena.
Desde o início de nosso trabalho neste livro e na série Afro-Latin
America, da qual este livro faz parte, Deborah Gershenowitz, nossa editora na Cambridge University Press, tem sempre apoiado e facilitado um empreendimento grande e complexo. Esperamos que o resultado final retribua sua confiança neste projeto.
Embora não soubéssemos disso no início do projeto, não poderíamos ter reunido um grupo de colaboradores mais experiente, meticuloso e agradável. Nossa profunda gratidão a todos vocês e vamos pensar em outro projeto para fazer juntos!
Alejandro de la Fuente George Reid Andrews
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APRESENTAÇÃO
Márcia Lima*
O livro Estudos afro-latino-americanos: uma introdução chega em boa
hora ao público brasileiro e, em especial, para pesquisadores dedicados a entender o que chamamos de relações raciais, estudos das populações negras (ou afrodescendentes) ou desigualdades raciais. Após um curto período no qual essa temática ganhou destaque nas políticas públicas brasileiras e consequentemente nos estudos sobre o tema, hoje o país enfrenta um momento de grande apreensão sobre os rumos da nossa sociedade em termos econômico, político, social e intelectual. Portanto, registrar os esforços acadêmicos nesse campo e neste momento é de extrema importância para o debate.
Por que interessa ao público brasileiro um livro sobre os estudos afro-latino-americanos? A resposta curta e rápida seria porque o Brasil faz parte da região. Mas sabemos que a tradição de estudos acadêmicos brasileira, em especial no campo das relações e desigualdades raciais, sempre foi marcada pela pouca interlocução com os países hispano-americanos e pela carência de interpretações que coloquem o Brasil numa perspectiva latino-americana. Por outro lado, os estudos que se propõem a tratar da América Latina como objeto empírico por vezes investiga apenas um país latino-americano e o trata como um caso da
- *
- Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e pesquisadora senior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
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região. Como resultado, temos pouco acúmulo de estudos comparativos sobre a questão racial na América Latina envolvendo um número maior de países. As justificativas para tal descolamento sempre destacam as diferenças entre a colonização portuguesa e espanhola, por consequência, a questão do idioma. Destaca-se, também, as dimensões geográficas do Brasil que lhe dá um maior destaque político e econô- mico na região, justificando reflexões apenas sobre o país. Entretanto, como o leitor poderá ver nesse livro, no que concerne à temática racial, há muitas confluências importantes que nos leva a refletir de forma mais sistemática sobre a questão afro-latino-americana.
Destaco, nesta apresentação, quatro questões que são cruciais para o entendimento desta confluência de fatores que conecta o Brasil à América Latina e que nos permite falar de um campo de estudos afro-latino-americanos: escravidão, interpretação das relações raciais, desigualdades raciais e organização política. Esses quatro pontos não esgotam as proximidades e conexões, mas são pontos que estão interligados.
No que concerne à escravidão, diversos estudos sempre buscaram diferenciar a escravidão anglo-saxã da ibérica, destacando principalmente as características do modelo escravista dessas duas tradições. O clássico estudo de Frank Tannenbaum (1946), por exemplo, apontava o caráter benevolente do modelo ibérico em oposição ao caráter desumano da escravidão norte-americana. De acordo com esta leitura, a influência católica produziu linha divisória mais tênue entre escravidão/liberdade. Afirmava ainda que o liberto, neste modelo, não foi visto como uma classe separada após a Abolição: eram todos homens livres tanto para os propósitos legais quanto práticos. Embora esse argumento já tenho sido devidamente criticado pela historiografia, não se pode negar o peso que esta interpretação teve na representação racial sobre e na América Latina. Essas leituras produziram um efeito na maneira como as relações raciais pós-abolição foram investigadas e compreendidas nesta região, o que nos leva ao segundo aspecto que sintetiza uma experiência afro-latino-americana: a democracia racial e suas versões.
Embora o termo democracia racial esteja identificado com a experiência brasileira, este é o aspecto que mais aproxima o Brasil dos demais países da América Latina. Muitos estudiosos afirmavam que a colonização ibérica produziu um tipo de relações raciais distinto das colonizações anglo-saxãs. Hasenbalg (1996), situando a questão racial na América Latina, aponta dois pontos centrais para esta aproximação das experiências brasileiras com o restante da região. O primeiro é o ideal do branqueamento, visto como um projeto nacional implementado por meio de uma miscigenação seletiva. O segundo ponto refere-se a concepção de harmonia e tolerância racial e a ausência de
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preconceito e discriminação racial desenvolvida pelas elites políticas e intelectuais desses países. Esses pontos, segundo o autor, contribuí- ram de forma eficaz para uma fragmentação das identidades raciais tornando-se um projeto bem sucedido de dominação racial que fez com que os afro-latino americanos desses países ocupassem de forma sistemática os estratos mais baixos da estrutura social. Essa questão nos leva ao terceira questão, as desigualdades raciais.
O tema das desigualdades na América Latina é um tema fortemente mapeado pelos estudiosos de diversos campos. As desigualdades na região são analisadas a partir de suas condições históricas e sociais como a questão rural, em especial o acesso à terra, os problemas educacionais devido aos baixos níveis de escolaridade da força de trabalho da maioria dos países da região, alta concentração de renda independentemente do crescimento econômico e por fim as dificuldades em estabelecer sistemas democráticos duradouros.
No que concerne a desigualdade racial, as situações também são muito similares nos países da América Latina. Entretanto, há que se destacar dois aspectos que dão maior especificidade a produção de estudos sobre a temática racial. A primeira diz respeito ao tamanho da população negra nos diferentes países da região, que em muitos casos tem uma maior presença da população indígena. A segunda, de ordem mais técnica, diz respeito a coleta, sistematização e análise de dados do quesito raça nas pesquisas demográficas. O Brasil neste aspecto sempre teve uma ampla vantagem em relação aos demais países o que permitiu uma maior evidencia a temática racial brasileira. Os estudos de abordagem quantitativa sobre as desigualdades raciais, com dados de qualidade, são produzidos sistematicamente desde, pelo menos, os anos oitenta. Esses estudos, inaugurados por pesquisadores como Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva e Elza Berquó, analisam as causas e consequências das desigualdades raciais a partir da seleção de variáveis fundamentais (sexo, idade, educação, região, renda) para entender o peso do quesito raça/cor na distribuição desigual de recursos e de oportunidades potencializando a transmissão e reprodução da desigualdade e assim contribuindo para sua estabilidade.
A agenda de estudos sobre desigualdades raciais juntamente com a mobilização política negra foram cruciais para a implantação da agenda de políticas públicas de recorte racial no início deste século. O Brasil viveu quase duas décadas de transformações de natureza distintas que foram cruciais para a diminuição das desigualdades sociais e raciais. Houve mudanças estruturais relativas à estabilidade e crescimento econômicos que geraram efeitos positivos na condição de vida de todos os brasileiros. E, juntamente com elas, houve um
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conjunto de mudanças resultantes da ampliação e reformulação da agenda das políticas sociais que têm sido extremamente importantes para diminuição do número de pessoas em situação de pobreza como também para redução das desigualdades de oportunidades sociais.
Neste cenário, duas políticas de inclusão se destacaram no debate público nacional e internacional: o Programa Bolsa Família, política de transferência de renda, e as políticas de inclusão no ensino superior elaboradas com recortes sociais e étnico-raciais. Esses dois modelos de políticas enfrentam distintas dimensões das desigualdades que coexistem na sociedade brasileira e em muitos países da América Latina: as desigualdades de acesso a renda, intitulada desigualdades de condições, e as desigualdades oriundas das fortes barreiras de mobilidade social existentes no país, as desigualdades de oportunidades. Além disso, pela primeira vez na história deste país, a questão racial entrou no debate público.
O último aspecto a ser destacado sobre o Brasil na história afro-
-latino- americana diz respeito a atuação política de movimento negro. Ouso em dizer que este foi o campo mais pioneiro para pensar a perspectiva afro-latino-americana. A história da mobilização negra e suas tentativas de desconstruir a ideia de harmonia racial na América Latina não são recentes. Embora exista uma visão muito constituída de ausência de mobilização política dos movimentos negros por conta da própria ideia de harmonia racial, há exemplos de mobilização e resistência como a imprensa negra no Brasil e outros países, que data do século XIX, o Partido Independiente de Color em Cuba (eliminado violentamente em 1912), a Frente Negra Brasileira na década de trinta (desativada pelo Estado Novo, em 1937), são alguns exemplos de como sempre existiram tentativas de mobilização na região.
A questão latino-americana não passou desapercebida para o movimento negro brasileiro. É digno de nota que nos anos setenta, o jornal alternativo Versus publicou entre 1977 e 1979 a seção “AfroLatino-América”, editada por militantes e jornalistas da época que procuravam dar uma visão das questões sociais e políticas que atingiam a população negra naquele momento. Segundo o editorial da primeira seção:
Afro-Latino-América, e não apenas América Latina, porque define melhor a importância da presença africana nesta parte do mundo. Nossas raízes africanas – prova de vitalidade e resistência do negro às situações criadas pelo colonialismo – vêm sendo avaliadas com maior exatidão e resulta da ação de novas correntes que emergem nas comunidades de origem africana. (Afro-Latino-América 2014, 13)
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Essa publicação se auto-intitula como um retorno da imprensa negra que havia sido interrompida no começo dos anos sessenta e fala de um ressurgimento da questão racial. Tal ideia de ressurgimento relaciona-se juntamente com o interregno entre a fim da Frente Negra Brasileira e o ressurgimento do movimento negro nos anos setenta.
Nos anos noventa houve outra estratégia importante de construção política da agenda afro-latina-americana, liderada pelas feministas negras da região. O I Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado em Santo Domingos, na República Dominicana, no ano de 1992, foi um marco importante. Deste encontro formou-se uma rede de mulheres ativistas afro-latino-americanas. Este encontro propiciou ainda a instituição do Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha, dia 25 de julho, data que foi reconhecida pela ONU no mesmo ano do encontro.
As mobilizações nunca cessaram, mas o impacto no debate público sempre foi baixo. Somente num período mais recente, o ativismo negro conseguiu aproximar suas demandas junto ao estado brasileiro tornando-se pauta em sua agenda política. Este foi um momento importante de aproximação do movimento negro brasileiro com os movimentos de outros países latino-americanos.
O marco desta aproximação foi a mobilização dos movimentos negros da América Latina para a participação na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na África do Sul, em 2001. A conferencia regional preparatória, realizada em Santiago, Chile, foi um momento crucial para a construção da agenda afro-latino-americana, com destaque, mais uma vez, para atuação das feministas negras.
As mudanças políticas ocorridas no Brasil tiveram um efeito importante na América Latina. A criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), no governo Lula, foi uma inflexão histórica no tratamento dado a temática racial pelo estado brasileiro. O aspecto mais importante, em termos de atuação institucional, é a articulação com demais ministérios e suas respectivas Secretarias e órgãos do poder executivo bem como parcerias com governos estaduais e municipais procurando garantir a transversalidade da questão racial (Lima 2010). A SEPPIR investia ainda em parcerias com a sociedade civil organizada, órgãos internacionais e com destaque especial para os projetos que ocorriam na América Latina.
No campo acadêmico também identifica-se uma expansão dessas aproximações. Alguns projetos recentes têm contribuído para diminuir esse vácuo sobre afro-latino-americanos. O “Projeto Raça e Etnicidade na América Latina” (PERLA), coordenado pelo professor Edward Telles, coletou e analisou dados, a partir de um survey com amostras
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representativas no Brasil, Colômbia, México e Peru, levantando uma ampla gama de questões étnico-raciais na região com ênfase. A pesquisa produziu o livro Pigmentocracies (Telles e PERLA 2014).
O projeto “Antirracismo na América Latina numa Era ‘Pós-
Racial’” (LAPORA), coordenado pelos professores Monica Moreno Figeroa e Peter Wade, constitui uma rede de instituições na América Latina e no Reino Unido que investigam práticas e ideologias antirracistas no Brasil, na Colômbia, no Equador e no México. A pesquisa explorou as estratégias antirracistas na legislação e nos meios de comunicação e em uma variedade de campanhas e projetos na região.
Esse campo de investigação ganhou uma institucionalização de peso com a criação do Afro-Latin-American Research Institute (ALARI), ligado ao Hutchins Center for African and African American Research, da Universidade de Harvard. O ALARI tem feito um importante trabalho de produção de diálogos entre militantes negros da região com os estudiosos americanos e latino-americanos, além de realizar e apoiar pesquisas sobre esses temas e dar suporte ao fortalecimento deste campo.
Em síntese, o que esta apresentação visa marcar ao leitor brasileiro é que diante deste cenário de mudanças relacionado à temática racial, é de vital importância compreender o lugar do Brasil nos estudos afro-latino-americanos. Esta maior aproximação nos ajudará a dar sentido ao passado e ao presente fornecendo elementos intelectuais e políticos que podem nos conduzir às futuras interpretações mais aprofundadas sobre a realidade brasileira e seu lugar central na América Latina.
O presente livro está organizado em quatro partes trazendo um conjunto de textos que dialogam bastante com as questões aqui apresentadas. Os organizadores destacaram os temas das desigualdades, o debate político, a produção cultural e artística e por fim a importante ideia de espaços transnacionais que dará maior evidencia a ideia de uma experiência regional. Aqui estão apresentadas revisões importantes das leituras sobre a escravidão, novas interpretações sobre o tema da democracia racial, assim como a importância e as transformações da mobilização política racial na América Latina. Os capítulos foram escritos por pesquisadores altamente qualificados, de diferentes campos disciplinares e regiões com o intuito de fortalecer a importância dos estudos e da interlocução da produção sobre Afro-Latino-América assim como dos afro-latino-americanos. Não tenho dúvida que esse livro será um grande avanço para esta temática e se tornará uma referência obrigatório para os brasileiros (pesquisadores e ativistas) interessados no tema.