UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Adenilson Soares de Moura

A Influência do Protestantismo Calvinista na Cidade de Alto Jequitibá.

São Paulo 2019

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Adenilson Soares de Moura

A Influência do Protestantismo Calvinista na Cidade de Alto Jequitibá.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação Ciências da Religião do Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Gerson Leite de Moraes

São Paulo 2019

M929i Moura, Adenilson Soares de A influência do protestantismo calvinista na cidade de Alto Jequitibá / Adenilson Soares de Moura – 2019. 77 f.: il; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019. Orientador: Prof. Dr. Gerson Leite de Moraes Bibliografia: f. 76-77

1. Protestantismo 2. Presbiterianismo 3. Educação I. Moraes, Gerson Leite de, orientador II. Título

LC BX9042.B66

Bibliotecário Responsável: Eliezer Lírio dos Santos – CRB/8 6779

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À minha esposa, pelo constante incentivo e dedicação no cuidado da casa e de nossa filha, para que eu pudesse concluir o curso. À minha filha, que me fez conhecer a maravilhosa sensação de ser pai.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela graça e oportunidade de concluir o mestrado em Ciências da Religião.

Ao Dr. Gérson Leite de Moraes, por sua paciência e competência durante a orientação deste trabalho.

Ao Rev. Anderson Sathler, por suas obras valiosas, que contam sobre o protestantismo no Leste de Minas

À Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, cuja a história me cativou.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela concessão da bolsa de estudos, sem a qual não conseguiria concluir este estudo e, pela estrutura acadêmica.

Aos meus pais, que me ajudaram em todos os aspectos da vida.

Ao meu amigo Rev. Ivan Duarte, que aceitou trocar nosso horário de trabalho, para que eu pudesse frequentar o curso.

À Igreja Presbiteriana Jardim da Glória em São Paulo, que nos abrigou no tempo em que estivemos em São Paulo.

Ao Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, por apresentar o curso e alertar sobre o desafio de fazer seminário e mestrado ao mesmo tempo.

Ao Rev. Jair de Almeida Júnior, por seu exemplo de vida e conselhos ministeriais.

Ao Presb. Haveraldo Vargas, que me orientou no processo de pedido de bolsa.

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Resumo

A influência do protestantismo no Brasil é um tema importante para o estudo das religiões. A vida e a história dos pastores e missionários são pontos fundamentais nessa influência. A construção de igrejas e o atendimento aos necessitados nas questões sociais e espirituais foram e continuam sendo uma marca do protestantismo. Na cidade de Alto Jequitibá, percebe-se essa influência, principalmente no desenvolvimento da cidade e a criação da escola. As famílias dos imigrantes alemães protestantes, que chegaram na cidade, influenciaram na educação, trabalho, política e religião do local. Todas essas áreas giravam em torno da influência do protestantismo, principalmente do presbiterianismo, que criou escola, igrejas, internato, banda de música, desfile cívico e outras realizações. Sendo assim, a cidade cresceu estruturalmente e ficou conhecida pela influência da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá.

Palavra-chave: Protestantismo, presbiterianismo, influência, educação, Alto Jequitibá.

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Abstract

The influence of Protestantism in is an important theme for the study of religions. The life and history of pastors and missionaries are key points in this influence. The building of churches and the care of the needy in social and spiritual matters were and remain a hallmark of Protestantism. In the city of Alto Jequitibá, this influence is noticed, mainly in the development of the city and the creation of the school. The families of Protestant German immigrants, who arrived in the city, influenced the local education, work, politics and religion. All of these areas revolved around the influence of Protestantism, especially Presbyterianism, which created schools, churches, boarding schools, band, civic parade and other achievements. Thus, the city grew structurally and became known by the influence of the Presbyterian Church of Alto Jequitibá.

Key words: Protestantism, presbyterianism, influence, education, Alto Jequitibá.

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SUMÁRIO

Introdução ...... 9

Capítulo 1 – Imigração dos Suíços e Protestantes Alemães no Brasil (1820 e 1824)

1.1 História Regional ...... 11 1.2 O Cenário Brasileiro ...... 14 1.3 Imigração Suíça ...... 15 1.4 Imigração Alemã ...... 17 1.5 Situação Religiosa no Brasil ...... 21 1.5.1 A Questão Religiosa ...... 23 1.5.2 O Estado Laico ...... 24 1.6 A Migração para o Leste de Minas ...... 26

Capítulo 2 – A Influência Religiosa do Presbiterianismo. (1868 – 1907).

2.1 Os Protestantes Pioneiros ...... 30 2.2 O Início do Progresso do Café ...... 32 2.3 A Formação da População Caipira ...... 34 2.4 O Enfraquecimento do Protestantismo ...... 36 2.5 A Chegada do Presbiterianismo ...... 39 2.6 O Presbiterianismo na Trilha do Café ...... 41

Capítulos 3 – A Influência Social do Presbiterianismo na Cidade de Alto Jequitibá. 1908-1963

3.1 A Escola Dominical na Educação ...... 46 3.2 A Criação do Colégio Evangélico e o Progresso ...... 48 3.3 Conflito Religioso no Leste de Minas ...... 54 3.4 “A Cidade Sem Pecado” ...... 62

Conclusão ...... 66

Anexos ...... 67

Bibliografia...... 77

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Introdução

A pesquisa sobre a história regional e local do Presbiterianismo na cidade de Alto Jequitibá não pode ser separada da história da inserção do Protestantismo no Brasil, assim, deve-se entender o tema dentro de um contexto amplo em que ele está inserido. O estudo não visa esgotar o assunto, pois sabemos que há um extenso trabalho a ser feito sobre a história das religiões, em particular, o protestantismo.

A análise parte do princípio que o protestantismo em Alto Jequitibá, no final do século XIX e início do século XX, é resultado das transformações no contexto político, social, religioso e econômico do Brasil, pois esses fatores proporcionaram a imigração dos protestantes alemães para a cidade.

O objetivo desse trabalho não é escrever sobre a história de uma denominação em particular e nem explorar as diferenças doutrinárias entre o protestantismo e catolicismo. A intenção é trabalhar o protestantismo de um aspecto geral, desde a sua inserção no Brasil até a chegada no Leste de Minas, e quais os impactos na cidade de Alto Jequitibá no final do século XIX e início do século XX. Dentro desse contexto, o presbiterianismo obteve maior destaque, pois foi a primeira denominação protestante a se firmar na região.

Logo no primeiro capítulo, percebe-se como os suíços e os protestantes alemães entraram no Brasil no período de 1820 e 1824. Existem alguns documentos, que relatam sobre a imigração dos alemães e suíços até o Rio de Janeiro. Também é abordado o cenário religioso no Brasil e como ele colaborou para entrada dos imigrantes protestantes, bem como as relações entre Estado, Catolicismo e Protestantismo. O capítulo é finalizado com o relato da migração dos alemães protestantes e alguns suíços, para o Leste de Minas. O segundo capítulo abordará a chegada e a vida dos colonos suíços e alemães luteranos em Alto Jequitibá. Com a chegada das famílias, houve também o início das lavouras de café e o desenvolvimento econômico. A formação da população caipira foi percebida, de acordo com o desenvolvimento das famílias na região. 10

Com o crescimento e desenvolvimento da população, sentiu-se a falta de pastores na região, o que ocasionou o enfraquecimento dos protestantes. Após um longo tempo, os protestantes de Alto Jequitibá buscaram pastores no Rio de Janeiro. Dessa forma, o capítulo tem o seu ponto principal na chegada do presbiterianismo na região junto ao crescimento econômico cafeeiro.

No último capítulo é feita a análise da participação do protestantismo na construção da cidade e seu envolvimento educacional religioso, bem como a alfabetização da população, por meio da criação do Colégio Evangélico com internato. Identifica-se o desenvolvimento da cidade e a chegada da Ferrovia Leopoldina, criação da banda de música e desfile cívico do dia 7 de setembro. Percebe-se o conflito religioso entre católicos e protestantes, em que se envolveu o padre Júlio Maria. Por fim, aborda-se o noticiário nacional “Cidade sem Pecado”, narrado na Revista Manchete, no 599 em 12 de outubro de 1963: “Em Presidente Soares (antigo nome da cidade de Alto Jequitibá), , a grande maioria da população é protestante e anda de Bíblia nas Mãos”.

Enfim, o trabalho buscará demonstrar a hipótese central de que a cidade de Alto Jequitibá foi influenciada pelo protestantismo na questão social, cultural, religiosa e econômica, analisando-se os fatores que beneficiaram a inserção do presbiterianismo em Alto Jequitibá, seja por meio de relações políticas, seja pelo contexto econômico e social da época. Assim, chega-se ao resultado proposto para o cientista da religião, que é de analisar o impacto da religião num determinado local.

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Capítulo 1 – Imigração dos Suíços e Protestantes Alemães no Brasil (1820 e 1824)

1.1 – História Regional Nossa pesquisa, fundamentada nos principais referenciais bibliográficos, revistas, livros, documentos e jornais, retrata a história regional do leste de Minas Gerais, na cidade de Alto Jequitibá. Essa influência está vinculada a uma História Nacional, marcada pela chegada dos protestantes no Brasil em 1820 e 1824, chamada de protestantismo de imigração.

A história nacional foi priorizada, ao passo que muitos acontecimentos regionais foram esquecidos em vários Estados Brasileiros. Mas, a história regional mostrou sua importância na educação, desde quando a disciplina de História começou a ser lecionada nas faculdades até as últimas décadas. Dessa forma comenta também Vilma Barbosa:

[...] o ensino de história local ganha significado e importância no ensino fundamental, justamente pela possibilidade de introduzir e de prenunciar a formação de um raciocínio histórico que contemple não só o indivíduo, mas a coletividade, aprendendo as relações sociais que ali se estabelecem, na realidade mais próxima. (BARBOSA, 2006, p.66).

Muitos acontecimentos locais ficam no anonimato, prejudicando o entendimento dos resultados da história nacional. Assim, a história regional tem a finalidade de mostrar ao leitor algo que foi peculiar de uma certa região. A academia tem levado em conta essa pesquisa, pois se trata de algo inédito e valoroso em muitos casos. A história regional precisa ser conhecida pela academia, com o objetivo de trazer maior interesse do desdobramento de uma história nacional. Dessa forma é preciso uma investigação séria e documentada por parte do historiador, para que haja confiabilidade e aprovação da academia. Segundo José D´Assunção Barros, a história regional constitui-se em uma maneira de abordar a História, de fazer (no sentido de escrever/produzir), que, neste caso, dá especial atenção ao uso das fontes regionais (BARROS, 2010, p.132).

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A preocupação de Barros se volta para um espaço regional, que não necessariamente está

[...]associado a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte antropológico, a um recorte cultural ou a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema histórico que irá examinar”. Seu interesse central é observar este espaço regional ou as relações sociais que ocorrem em seu seio. Após esse procedimento adota-se a comparação com “outros espaços similares” ou insere o regional em um “um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial (BARROS, 2010, p. 132).

Os resultados do Protestantismo na cidade de Alto Jequitibá e região só podem ser comprovados a partir de dados e informações relevantes e selecionados para um devido tema. Dessa forma, nosso foco está nas influências do protestantismo nas áreas econômicas, sociais, culturais e educacionais, dando o devido sentido de uma pesquisa dentro do curso Ciências da Religião. Sobre a História Regional, Halbwachs comenta que:

Fazemos apelo aos testemunhos para fortalecer ou debilitar, mas também para completar, o que sabemos de um evento do qual já estamos informados de alguma forma, embora muitas circunstâncias nos permaneçam obscuras. Ora, a primeira testemunha, à qual podemos sempre apelar, é a nós próprios. Quando uma pessoa diz: ‘eu não creio em meus olhos’, ela sente que há nela dois seres: um, o ser sensível, é como uma testemunha que vem depor sobre aquilo que viu, diante do "eu" que não viu atualmente, mas que talvez tenha visto no passado e, talvez, tenha feito uma opinião apoiando-se nos depoimentos dos outros. Assim, quando retornamos a uma cidade onde estivemos anteriormente, aquilo que percebemos nos ajuda a reconstituir um quadro em que muitas partes estavam esquecidas. Se o que vemos hoje tivesse que tomar lugar dentro do quadro de nossas lembranças antigas, inversamente essas lembranças se adaptariam ao conjunto de nossas percepções atuais. Tudo se passa como se confrontássemos vários depoimentos. É porque concordam no essencial, apesar de algumas divergências, que podemos reconstruir um conjunto de lembranças de modo a reconhecê-lo (HALBWACHS, 1990, p.17).

O sentimento de um pesquisador regional, chamado por Halbwachs de “testemunha”, é alimentado pelos dados que ele tem acesso. Muitos desses dados raramente foram acessados, com o intuito de escrever sobre o tema desse pesquisador. Assim, o pesquisador regional toma posse desses arquivos como fonte de sua pesquisa e as transforma numa dissertação. Para isso, suas ideias devem sempre estar fundamentadas em fontes bibliográficas, que irão sustentar a sua tese. 13

O trabalho do historiador regional é procurar em registros aquilo que é de interesse para sua pesquisa. Le Goff comenta que:

Em primeiro lugar, só passa a ser documento na sequência de uma investigação e de uma escolha – em geral, a investigação não é um assunto do próprio historiador mas de auxiliares que constituem reservas de documentos onde o historiador escolherá a sua documentação: arquivos, investigações arqueológicas, museus, bibliotecas, etc. As perdas, a escolha dos compiladores de documentos, a qualidade da documentação são condições objetivas, mas limitativas do ofício de historiador (LE GOFF, 1990, p 55).

Assim, este trabalho é composto de uma coleta de dados encontrados no museu da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, nas atas do conselho da IPAJ, no museu da APCE (Associação Presbiteriana do Colégio Evangélico) e livros escritos por autores nativos. Além das bibliografias de autores nacionais e internacionais, que são referências bibliográficas do assunto. Como mencionado por Le Goff, as “perdas” também fazem parte do cenário da fonte de pesquisa. Por exemplo: O Livro 3 de atas do Conselho da IPAJ está desaparecido há anos. Uma grande parte da história não foi possível de ser pesquisada na fonte, mas obtivemos alguns dados através de livros regionais. Enfim, até hoje não foi publicado um trabalho sobre a história do presbiterianismo nessa região, por parte de pesquisadores da área de Ciências da Religião. A dificuldade encontrada em relação ao objeto de pesquisa, pode ser um fator relevante para essa ausência. Não emitir juízo de valor por parte do historiador, também é um desafio a ser encarado. O historiador precisa fazer a relação dos acontecimentos com referências bibliográficas sobre o assunto. Assim ele evitará emitir opiniões, que poderão prejudicar o trabalho.

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1.2 - O Cenário Brasileiro A partir da vinda da família real ao Brasil, o país começa mudar a sua característica de colônia, pois D. João VI promulga a abertura dos portos às nações amigas, que promove a liberdade comercial resultando na chegada de imigrantes que formariam outras colônias. D. João VI encaminha ao Senado da Câmara o seguinte texto na íntegra:

Conde da Ponte, do meu Conselho, Governador e Capitão-General da Capitania da Bahia, Amigo. Eu, o Príncipe-Regente, vos envio muito saudar, como àquele que amo. Atendendo à representação que fizestes subir à minha Real presença, sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta Capitania, com grave prejuízo de meus vassalos e da minha Real Fazenda, em razão das críticas e públicas circunstâncias da Europa; e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais danos: sou servido ordenar interina e provisoriamente, enquanto não consolido um sistema geral, que efetivamente regule semelhantes matérias, o seguinte: Primo: Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias, transportadas ou em navios estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha Real Coroa, ou em navios dos meus vassalos, pagando por entrada 24 por cento; a saber, 20 de direitos grosso, e 4 do donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas pautas ou aforamentos, por que até o presente se regulam cada uma das ditas Alfândegas, ficando os vinhos, águas ardentes e azeites doces, que se denominam molhados, pagando o dobro dos direitos que até agora nela se satisfaziam. Secundo: Que não só os meus vassalos, mas também os sobreditos estrangeiros, possam exportar para os portos que bem lhe parecer, a benefício do comércio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros e produções coloniais, à exceção do pau-brasil ou outros notoriamente estancados, pagando por saída os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entretanto como em suspenso e sem vigor todas as leis, cartas-régias ou outras ordens, que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com o zelo e atividade que de vós espero. "Escrita na Bahia, aos 28 de janeiro de 1808. Príncipe1.

D. João VI estava disposto a transformar o mercado e beneficiar os seus súditos. Essa preocupação com a colônia e suas terras resultava na intenção de promover o progresso no Brasil. Com a chegada de mais produtos o comércio desenvolveu não só a economia, mas a sociedade em geral.

1 Disponível em: https://www.historiadobrasil.net/documentos/abertura_dos_portos.htm/ . Acesso em 03/05/2018. 15

A respeito do cenário político da época, Mendonça comenta que:

Com a profunda modificação política ocorrida pela presença de D. João VI, principalmente por causa da dependência portuguesa em relação à Inglaterra e expressa no ato de abertura dos portos `às nações amigas`, é que protestantes anglo-saxões começam a chegar e se estabelecer no Brasil, com relativa liberdade para suas práticas religiosas” (MENDONÇA, 1995, p.26).

Suíços e alemães protestantes também entraram no Brasil, devido a abertura dos portos. Eles chegaram em épocas diferentes, mas as ações de D. João VI foram de suma importância para tramitação de ambas as nações. Foi promulgado um decreto2 particular para os suíços e outro para os alemães, que se estabelecessem no Brasil.

1.3 - Imigração Suíça

D. João VI convidou cerca de cem famílias de suíços para colonizarem no Brasil em 1820. Essas famílias, ao chegarem no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, receberam uma porção de terra para o plantio, e além disso, alguns animais para começarem a prover o sustento. Diariamente era concedido uma quantia de 160 réis para cada colono. Também lhes foi concedida a autorização para trazer quatro eclesiásticos, a fim de continuarem seus cultos aqui no Brasil3. A tripulação católica precisaria de líderes religiosos para manterem a religiosidade.

Os imigrantes, que se desenvolveram na agricultura, mais tarde vão substituir a mão-de-obra escrava no cultivo do café. Este também é plantando nas zonas rurais do Brasil, inclusive em Minas Gerais, que mais tarde recebe a migração de suíços e alemães em busca de trabalho e sustento (MENDONÇA, 1995, pp. 152-153). Assim, como comenta Sérgio Buarque de Holanda, “toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos”. Não foi diferente com os imigrantes suíços e alemães (HOLANDA, 2014, p.85).

2 Conforme anexos A e B, que são cópias digitalizadas dos documentos originais, localizadas no site do “Cento de Documentação D. João VI – Pró-Memória de Friburgo” Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?im=1 Acesso em 30/04/2018. 3 Conforme anexos C e D, idem acima. 16

Os suíços são trazidos ao Brasil, pela responsabilidade de Sebastien Nicoláu Gachet, Agente do Cantão de Fribourg na Suíça. Os colonos são taxados por cem pesos espanhóis, exceto crianças abaixo de 3 anos4.

Conforme está na imagem do documento abaixo, as famílias suíças recebem, no Brasil, uma quantia de gado e sementes para sobreviverem. Dessa forma começam a se adaptar à agricultura e pecuária em terras brasileiras.

Fonte: Disponível em: http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 acesso em 30/04/2018.

Aos colonos suíços foram dadas as condições para organizarem a primeira colônia, que ficava na Fazenda do Morro Queimado, no Distrito de Cantagalo, no norte do Estado do Rio de Janeiro. O nome da colônia passa a se chamar de Nova Friburgo, em homenagem aos vassalos que chegaram de Fribourg, na suíça5. Na cabeceira da colônia passar a existir uma vila, que também funciona como o centro de administração.

4 Conforme anexo E, idem acima. 5 Disponível em http://novafriburgo.rj.gov.br/atendimento-ao-cidadao/nova-friburgo/ acesso em 30/04/2018. 17

Também foi idealizada uma Igreja Paroquial, que tivesse o nome de São João Batista, em homenagem a D. João VI. Todas as despesas da edificação ficaram a cargo de D. João VI, que proveria os custos de mobiliar a capela6. A Catedral São João Batista começou a ser construída só em 1861, e foi organizada em 1869. A igreja existe até hoje e se tornou um marco histórico da cidade de Nova Friburgo7.

Dessa forma, o catolicismo já existente no Brasil procurava apoiar a religiosidade dos imigrantes católicos. Mendonça comenta que:

...a imigração de europeus católicos e de orientais não-cristãos para os centros mais desenvolvidos do país, aliado a outras causas, pode ter oferecido forte resistência à expansão protestante, tão promissora nos primeiros tempos. Só tardiamente foi que a mensagem protestante atingiu os imigrantes, principalmente os seus descendentes, mas isto já na fase urbana do protestantismo (MENDONÇA, 1995, p.121).

Ao longo dessa trajetória dos imigrantes protestantes, que mais tarde migraram do Rio de Janeiro para a cidade de Alto Jequitibá, identifica-se essa resistência da expansão do protestantismo.

1.4 – Imigração Alemã

Antes da chegada dos alemães, o governo brasileiro tinha sofrido algumas mudanças. Gerson Leite de Moraes, em seu artigo “Ethos religioso e resistência na Fazenda Ibicaba no século XIX”, comenta:

Com a partida da família real para Portugal, ficou no Brasil o príncipe herdeiro, D. Pedro de Alcântara, que foi cooptado pelas elites agrárias brasileiras, e num arranjo político-administrativo proclamou a independência do Brasil em 1822. Finalizava-se assim um processo iniciado em 1808. Contudo, a independência brasileira foi, desde o seu início, uma independência comprometida, pois foi articulada e executada por uma elite agrária, com anuência do representante da casa dos Bragança no Brasil8.

Assim, o cenário político brasileiro começa a passar por um processo de transformação e a elite agrária brasileira tem um grande envolvimento nessa questão.

6 Anexo G – Contrato de Imigração Suíça. Art. X ao XIV. 7 Disponível em http://novafriburgo.arautos.org/a-cidade/a-igreja-em-nova-friburgo/ acesso em 30/04/2018. 8 Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 39 | p. 03-20 | set./dez. 2015 Disponível em: http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp acesso em 15/05/2018. 18

Diante desse contexto de liderança de D. Pedro II, os alemães chegaram ao Brasil em 1824. Encontra-se também vários registros de como foram feitas as negociações para que chegassem em solo brasileiro. Um dos registros que pode-se citar é o contrato em que se submeteram os alemães, feito em Franckfurt em 12 de maior de 1823. De acordo com o Contrato de Imigração Alemã, disponível no site do Centro de Documentação D. João VI9, percebe-se o que foi oferecido aos colonos alemães.

George Antônio Schaeffer foi o intermediário dessa negociação. Como agente alemão, atuava na intermediação destas forças e era credenciado e pago pelo governo imperial brasileiro. Ele era formado em medicina, com experiência internacional10. De acordo com o cabeçalho e o Artigo I desse contrato, temos as seguintes transcrições na íntegra:

CONTRATO A QUE SE SUBMETEM OS ALEMÃES - 12 de maio de 1823 OBRIGAÇÕES - A que submetem os colonos Alemães - Colônia Alemã contratada em Franckfort maio de 1823 Tendo-se dignado sua majestade, Imperador do Brasil, de nomear pelo Ministro e Secretário de Estado José Bonifácio de Andrada e Silva, o professor Gretzchmar, doutor em medicina e morador em Franckfort sobre o Meno, na forma dos poderes e instruções dadas ao seu plenipotenciário principal na Alemanha, o senhor cavalheiro e major George Antônio Schaeffer, seu plenipotenciário na cidade livre e germânica de Franckfort sobre o Meno a fim de dirigir os negócios do Império do Brasil, e especialmente para promover a emigração de súditos alemães para o mesmo Império, assegurando-lhes as vantagens concedidas pelo governo brasileiro não só quanto a passagem dos emigrados, como sua recepção no grêmio da sociedade brasileira: o professor Gretzchmar, doutor em medicina, em virtude dos referidos poderes tem estipulado da maneira mais solene com os condutores e anciãos, os quais por outro documento foram para esses cargos nomeados, os seguintes pontos de convenção: Art. 1º - Todos os colonos e pais de família, adiante mencionados em um mapa especial, que já tiverem recebido de meus respectivos governos em virtude de contratos anteriores a permissão de emigrarem, receberão incontinente à chegada ao Brasil: a) O direito de cidadão com todas as vantagens e condições a ele inerentes, e todos os direitos gerais e especiais de que gozam os proprietários e possuidores livres, e que são garantidos pela suprema autoridade, conforme as leis do país. b) Como benévola assistência aos colonos recém-chegados, serão declarados livres por espaço de oito anos de todos os Impostos públicos, e quaisquer outras contribuições. c) Sendo os estabelecimentos coloniais penosos, e a muitos respeitos impraticáveis, quando fundados nas matas virgens, sua Majestade Imperial querendo quanto ser possa remover esses

9 Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=documentos_colonizacao_alema&d=01-01- 1824 acesso em 30/04/2018. 10 Ibid. 19

inconvenientes acerca da presente colônia, tem resolvido por intermédio de seu plenipotenciário principal o senhor major Schaeffer, que os colonos neste mencionado sejam incorporados às colônias, já fundadas desde 1816, de Leopoldina e Franckenthal sobre os rios Caravelas e Viçosa. d) Tendo os possuidores e proprietários das colônias acima mencionadas, os senhores George Antônio Schaeffer e Guilherme Freireyss, conforme o convite do governo, tomando a obrigação de receber todos os colonos nas terras a eles pertencentes, estes ditos senhores conforme as disposições das leis brasileiras acerca das novas colônias alemãs, tem concedido a estes colonos os seguintes favores e vantagens, que devem ser considerados como as bases ulteriores para esta colônia no futuro11.

Destaca-se que os colonos tiveram garantias do direito de cidadão e ficaram livres de impostos durante oito anos. Com isso, tiveram maior incentivo para começarem a vida no Brasil.

Quanto ao cuidado da religião dos colonos das comunidades de Leopoldina e Franckenthal, foram dadas algumas garantias como percebe-se no Art. VII do contrato:

Art. 7º - O abaixo assinado tem a íntima convicção de que todos os senhores colonos deixam a sua pátria para acharem um mundo novo, nova prosperidade e bem-estar, portanto ele não pode deixar de mencionar neste importante contrato aquelas bases, sem as quais, tanto no velho como no novo mundo nenhuma prosperidade pode subsistir, estas são: a ordem legal na vida e uma conduta moral. Sem elas desfazem-se todos os planos, sem elas nada prospera. Portanto para satisfazer não somente ao governo brasileiro, mas também desejos expressos por muitos dos senhores colonos, o abaixo assinado como aprovação do plenipotenciário principal o major Schaeffer, tem firmado contrato especial com o senhor pastor Frederico Sauerbronn de Kernberherbach para servir de cura e pregador evangélico das comunidades de Leopoldina e Franckenthal. Em virtude deste contrato especial o governo brasileiro obriga-se a conceder aos Pastor Sauerbronn o mesmo ordenado que se paga aos curas do império. Porém como assim, o senhor pastor Sauerbronn é o primeiro a fazer o sacrifício da emigração, e em dar o exemplo de promover e conservar a fé cristã na parte meridional do novo mundo, bem como manter e sustentar a probidade alemã e os excelentes costumes do povo germânico, o abaixo assinado convida pelo presente a todos os senhores colonos, a que se acaso ordenado pago pelo governo não for igual ao vencimento de dois mil florins rhenanes, marcado no contrato de sua nomeação, as famílias colonas lhe concederão uma contribuição "pro rata", e declaram-se prontos a pagarem o dito aumento de ordenado, assinando seus nomes, o que o abaixo assinado não duvida que façam.

11 Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=documentos_colonizacao_alema&d=01-01- 1824 – acesso em 01/05/2018. 20

Segundo os registros acima, para o cuidado com a preservação da colônia luterana, chegou ao Brasil, juntamente com os colonos alemães, o primeiro pastor luterano, chamado Friedrich Osvald Sauerbronn (1784-1864). A ele foi dada a incumbência de manter a religiosidade dos fiéis. Como pastor ele deveria servir de “cura e pregador” para as duas comunidades a bordo com ele. Foi pedido também, que o governo colaborasse no sustento do pastor. Mas, o pastor Sauerbronn sofreu com a falta dos cuidados do governo. Além do desafio de pastorear seu rebanho, ainda vivia o drama de viver no país em que a religião do Império era o catolicismo. Em carta enviada no dia 04 de janeiro de 1835 à Comissão Municipal, Sauerbronn reclama da falta de verba para o sustento e cuidado com a paróquia. Seus fiéis também estavam com dificuldades de contribuir com o sustento da igreja, e o governo havia cortado a metade do salário estipulado. Ele comenta que era pai de dez filhos que estavam sem proteção no Brasil12.

Nessa carta, encontra-se também algo valioso para a fundamentação da nossa pesquisa. Ao final da carta, Sauerbronn menciona alguns fiéis que ainda se encontram em boas condições e têm sido frequentes na igreja. Dentre esses nomes está Guilherme Eller, que foi um dos primeiros protestantes que chegou em Alto Jequitibá, o que comprova a vinda dos alemães protestantes de Nova Friburgo para o Leste de Minas. Logo na imagem a seguir pode-se comparar a carta de Sauerbroon com a ata de organização da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, em que Guilherme Eller está presente, além de outros que identificaremos durante a dissertação.

12 Anexo H – Carta da situação do pastor Sauerbronn em 1835 no Brasil. 21

Fonte: Foto tirada no museu da IPAJ. Ata de Organização da Igreja Presb. de Alto Jequitibá Anexo H

A respeito desse contexto da chegada dos alemães com o pastor Sauerbronn, Mendonça comenta que:

Sob o ponto de vista institucional, isto é, com a formação de comunidades permanentes, são os imigrantes alemães os pioneiros na implantação do protestantismo no Brasil. Esse pioneirismo tem como marco inicial a comunidade de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, fundada em 1824 pelo pastor Friedrich O. Sauerbronn, com 334 imigrantes evangélicos alemães (MENDONÇA, 1990, p.27).

A colônia protestante alemã, também buscava constituir uma classe média, apta a consolidar uma nação moderna e influenciar na cultura. Os alemães eram distribuídos em pequenas propriedades isoladas, como tentativa da monarquia brasileira de organizar uma base social estilo europeia, em que o trono estaria sentando (PRADO, 2006, p.185).

1.5 - Situação Religiosa no Brasil.

Após a chegada e permanência dos imigrantes protestantes no Brasil, um dos obstáculos que surgiu na época, foi a intolerância religiosa por parte da igreja católica, pois a hegemonia do catolicismo estava sendo ameaçada com o protestantismo de imigração (MENDONÇA, 1995, p.26). 22

Com o passar do tempo, a igreja católica teve que conviver com a ideia de que o Brasil estava sendo construído por imigrantes, e que alguns deles eram de outras religiões. Para a convivência entre a religião do império e as outras religiões, houve a tentativa de impor alguns limites para os imigrantes não católicos, como identifica-se na promulgação da “CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL. EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE. “

“Artigo 5º - A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo13”.

Conforme esse artigo 5º da Constituição Imperial de 1824, a religião católica continuou a ser a religião do império. Todas as demais religiões poderiam se reunir em locais destinados, mas estes sem formas exteriores de templo. Mesmo diante das objeções, o Brasil já não tem o catolicismo como a única religião no país, mas somente a oficial. Havia interesses políticos, que colaboraram acerca da liberdade, em termos comerciais e religiosos (SANTOS, 2006, p.30). Dessa forma, a hegemonia católica foi reduzida e os protestantes conquistam o seu espaço social brasileiro, praticando seus cultos e distribuindo suas bíblias, sendo respaldados pelas normas legais, restringindo-se à propaganda religiosa através das formas arquitetônicas dos templos. (MENDONÇA, 1995, p.26). D. Pedro II, que se tornou bastante conhecido, não demonstrou muita resistência aos protestantes. “Crente respeitador da religião católica, segundo se afirmou, observar suas práticas, mas sem entusiasmo”. Membro de um catolicismo não ultramontano, também era um observador dos deveres do Estado (LEONARD, 2002, p.53). Além do avanço dos protestantes, a Igreja Católica, a partir do século XIX começou a passar por uma remodelação, o que lhe concederia, em parte, uma nova face. Muitos jesuítas ingressaram no Brasil novamente, e juntamente com eles vários sacerdotes estrangeiros de várias ordens religiosas.

13 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm acesso em 30/04/2018. 23

Os clérigos que viriam para o Brasil, estavam sendo doutrinados em Roma, recebendo um ensino mais conservador e ultramontano do que os estudantes de Coimbra (MENDONÇA, 1995, p.373). Contudo, a Igreja e o Estado começam a se afastar, pois não havia a atitude de submissão de ambas as partes. A fidelidade da Igreja à Roma e, do outro lado, um grupo liberal influenciado pela maçonaria, que induzia a política. Toda essa disputa impulsionava o declínio da monarquia, e diante desses fatos, o protestantismo entrou nessa questão ao abastecer o clero em direção a separação entre Igreja e Estado. Assim a laicização do Estado ocorreu mesmo por ocasião da proclamação da República (VIEIRA, 1980, p.375).

Apesar de Alto Jequitibá não ser o destino primário desses imigrantes, percebe-se uma trajetória religiosa marcante, que proporcionou a transformação social, educacional e econômica, o que realmente contribuiu para o avanço da liberdade religiosa. Desse modo, o protestantismo em Alto Jequitibá é resultado desse acontecimento histórico nacional. Segundo Mendonça (1984), o protestantismo encontrou melhor aceitação em zonas rurais da Província de São Paulo e Minas Gerais.

1.5.1 – A Questão Religiosa

Após a instalação e o progresso dos imigrantes protestantes nos Brasil, surgiu “A Questão Religiosa”, que ficou conhecida em 1870 como o evento que colaborou com o início do Estado Laico no Brasil. O confronto era entre o poder espiritual e temporal, que teve suas origens entre os líderes liberais brasileiros e os bispos ultramontanos. A Igreja Católica passava por um período de crises internas, sendo alvo de constantes ataques por parte de liberais e críticos do catolicismo, que viam no catolicismo um problema para o desenvolvimento do Brasil. A justificativa para a escassez de um clero preparado, moralizante e instruído, era um problema e se tornava a justificativa para os males da sociedade brasileira.

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Segundo o Relatório do Ministro da Justiça e Negócios Eclesiásticos de 1843, encontramos as seguintes informações:

É verdadeiramente alarmante a falta de clérigos que se dediquem com afinco aos trabalhos espirituais, bem como de novas vocações sacerdotais. Na província do Pará, paróquias existem que há doze anos e mais não têm vigário. A região do Rio Negro compreende quatorze aldeamentos e dispõe de um único padre. Em idênticas circunstâncias, encontra-se a região banhada pelo Solimões, nas três comarcas de Belém, no baixo e no alto Amazonas, existem trinta e seis paróquias vagas. No Maranhão, vinte e cinco igrejas foram, em épocas diversas, dadas como vagas, sem que jamais aparecesse um candidato. O bispo de São Paulo faz idêntica afirmativa com relação às igrejas vagas de sua diocese; o mesmo se dá em outros lugares. Em Cuiabá, nenhuma igreja tem sacerdote permanentemente e os que eventualmente nela oficiam não cumprem como deviam as instruções do bispo no sentido de instruir o povo e melhorar a paróquia. Na diocese do Rio de Janeiro, a maioria das igrejas tem padres, mas, em muitas delas, apenas temporariamente. Esse bispado compreende quatro províncias, mas, durante os últimos nove anos, apenas cinco ou seis novos padres foram ordenados, anualmente7. (PEREIRA, 2008, p.104).

Identifica-se a ausência de padres em muitos lugares do Brasil. No Rio de Janeiro existe uma rotatividade de padres. Toda essa preocupação se torna alarmante, pois o catolicismo estava perdendo forças e muitos fiéis afastando- se da igreja. Assim, o protestantismo poderia ganhar espaço e ameaçar a hegemonia católica.

1.5.2 - O Estado Laico

Diante dos embates entre Igreja e Estado, entra em cena na Igreja Católica o movimento Redentorista. Este era composto de agentes religiosos que promoviam o sistema de romanização da Igreja brasileira (VIEIRA, 1980, p.124). Dentre os principais integrantes, estava o Padre Júlio Maria (1850-1916), que percorreu grande parte do Brasil pregando o cristianismo integral em combate com o cristianismo incompleto e firmando, assim, a supremacia do Papa e da Igreja. Para o Padre Júlio Maria, o protestantismo era a divisão do cristianismo através das seitas “dissidentes, por isso, mutilado” (SANTOS, 2008, pp. 123-124).

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Como todo esse cenário, a proclamação da República teve implicações políticas e se a mostrou à Igreja Católica com um lado desafiador, mas de oportunidade também. A hegemonia de religião oficial havia cessado para a Igreja Católica, mas por outro lado, ela estava livre do padroado e tinha a liberdade de experimentar algumas linhas desconhecidas em território brasileiro (MOURA, 1990, p.330).

Mesmo que o catolicismo não fosse paralelo ao Estado, ele era necessário a este, pois servia como um instrumento de administração da ordem, “que sacraliza e abençoa” à vista do povo, sendo assim, uma religião valorizada dentro dos seus limites (MOURA, 1990, p.330). Andando lado a lado, puderam articular forças, para um interesse particular na administração do povo. O cenário político e religioso colaborou para que os imigrantes protestantes continuassem com suas atividades religiosas. Dessa forma, eles tiveram condições de se manterem em suas colônias, mesmo com as dificuldades. De acordo com Émile G. Léonard:

Foram abertas no Rio de Janeiro duas capelas, pertencentes às colônias estrangeiras dos anglo-saxões nos últimos anos do regime português, e a dos alemães em 1837. Esta aplicação (e extensão) do tratado de 1810 com a Inglaterra – que permitia aos súditos britânicos possuírem, em terra portuguesa, templo “sem forma exterior de templo” - serviria para confirmar a irônica resposta do bispo do Rio, D. Caetano da Silva Coutinho, ao núncio pontifical, que tentava opor-se à pretensão dos ingleses de constituírem um templo: “Eles construíram sua capela, mas jamais alguém irá lá” (LEONARD, 2002, p. 47).

Os estrangeiros não tinham a intenção de tornar seus cultos conhecidos dos brasileiros que, em resposta, também não se interessavam em conhecer a fé dos imigrantes. Dessa forma foi expressa a “liberdade pródiga” que, em outubro de 1823, o clérigo Silva Lisboa proclamava, fundamenta na liberdade de consciências, discutida na Assembleia Constituinte (LEONARD, 2002, p.48). Mesmo com o clima ameno entre o catolicismo e o protestantismo, o Estado perseguiu os protestantes de todas as formas, de modo a impedir e até mesmo proibir a celebração de seus cultos.

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Entretanto, houve a persistência por parte dos protestantes que

vencendo gradativamente as dificuldades dos últimos quarenta anos do Império, os protestantes, tanto os imigrantes como os brasileiros que aderindo espalharam-se bastante pelo território nacional, embora nunca chegassem a ser parcela significativa da população (MENDONÇA, 1995, p.28).

O clima político e religioso não favorável, fez com que os imigrantes protestantes procurassem guarida e recursos em outras localidades do Brasil. Dessa forma, muitos protestantes souberam contornar esse confronto, pois as dificuldades de uma sociedade patriarcal eram barreiras que não poderiam ser quebradas naquele momento (MENDONÇA, 1995, p.118). Dentre esses imigrantes, que estavam em Nova Friburgo, muitos participavam de cultos organizado pelo pastor Fridrich Sauerbronn, que acompanhou os alemães no Brasil, por decisão do Imperador D. Pedro I. Com a decisão da Coroa em elevar o nível de mão-de-obra no Brasil, os alemães foram forçados a dobrarem o trabalho que já desempenhavam. Ao mesmo tempo, a Coroa acreditava que eles poderiam desempenhar um papel importante no branqueamento da população. A colônia era formada por muitas pessoas pobres e analfabetas, assim, eram explorados e não tinham escolha. Eles estavam substituindo o trabalho escravo, que antes era desempenhado pelos negros. Dessa forma, o duro trabalho se tornou um desprazer para os alemães. 1.6 – A Migração para o Leste de Minas Por volta do ano de 1857, espalhados pela região de Nova Friburgo, alguns camponeses luteranos começaram a ouvir falar de terras aos pés da serra da Chibata, numa área conhecida como Alto Jequitibá, localizada logo acima do vale do rio Manhuaçu. Assim, esses imigrantes enxergaram uma nova oportunidade no Leste de Minas. A cidade de Manhuaçu, que na época jurisdicionava Alto Jequitibá, está localizada na Zona da Mata Mineira. Os primeiros habitantes e vilarejos surgiram no final do século XVII e início do XIX como resultado, da diáspora que sucedeu a decadência na extração de ouro na Vila Rica (RIBEIRO, 1995, p.156-160).

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A imigração suíça e alemã para região, iniciou-se na segunda metade novecentista, dando origem a vila de Alto Jequitibá e consequentemente a organização da vila de , primeiros habitantes da cidade de , que abrigou a igreja católica, mais forte daquela época na região. Essas cidades formam um bloco regional de relações comerciais até os dias de hoje. Elas são interligadas por estradas estaduais, que percorrem em meio as lavouras de café. Produto este, que foi responsável pela economia das três cidades e ainda é o propulsor da riqueza regional. Tanto Alto Jequitibá, como Manhumirim, estavam ligadas a cidade de Manhuaçu. Assim, as pequenas vilas urbanas devem ser pensadas a partir de sua inserção numa regional de outras cidades e vilas, como afirma Fernand Braudel:

Para além de características diversas, originais, todas (as cidades) falam a mesma linguagem “fundamental”: o diálogo ininterrupto com o campo, necessidade primordial da vida cotidiana; a presença de pessoas, tão dispensável como a água para a roda do moinho; o orgulho citadino, o desejo de as cidades se distinguirem umas das outras; a sua situação obrigatória no centro de redes de ligações mais ou menos longínquas; a sua articulação com os seus arrabaldes e com outras cidade. Nunca uma cidade se apresenta sem o acompanhamento de outras cidades (BRAUDEL, 2005, p.441).

Alto Jequitibá, Manhumirim e Manhuaçu fazem parte de uma rede de relações comerciais, jurídicas, saúde, segurança, etc. Como destaque na educação e religião as cidades de Alto Jequitibá e Manhumirim são reconhecidas estatualmente. Já Manhuaçu desenvolveu-se na área da saúde, que atende toda região. Os imigrantes que chegaram nessas cidades se tornaram alvos das missões evangélicas e posteriormente católicas. Dentre as evangélicas podemos destacar o luteranismo e o presbiterianismo. Tanto em algumas regiões do Sul do Brasil, quanto no Sudeste, essas denominações puderam construir igrejas e manterem a vida dos fiéis. O luteranismo mostrou-se uma religião que atendeu apenas as colônias alemãs no Brasil, sendo assim, não investiu na captação de novos fiéis. A missão luterana serviu para manter a religião entre algumas colônias alemãs, que eram de fácil acesso no Brasil. 28

O presbiterianismo, pelo contrário, investiu em missões, pois não havia colônia de imigrantes presbiterianos. Assim, essa denominação progrediu com novos adeptos no Brasil, sendo estes alguns luteranos que não foram atendidos por seus pastores, como aconteceu na cidade de Alto Jequitibá. A cidade de Alto Jequitibá, foi colonizada por famílias alemãs, que até hoje estão representadas por seus descendentes. Vários sobrenomes ainda resistem ao tempo, em várias locais como igrejas, comércio, prefeitura, etc. Realmente foi um momento histórico, que teve seus efeitos e continuação. A liberdade religiosa contribuiu para essa expansão dessa influência dos alemães protestantes. Apesar dos conflitos, como discutidos no capítulo 3, percebemos que no final houve um sentimento de harmonia entre as religiões. Assim, a região do Leste de Minas ficou conhecida nacionalmente pela religião que foi desenvolvida e investimentos realizados na construção de igrejas e escolas.

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Capítulo 2 - A Influência Religiosa do Presbiterianismo (1868 – 1907) A cidade de Alto Jequitibá faz parte da Zona da Mata Mineira. Essa região circunda as zonas Sul, Centro e Leste de Minas. A expansão dessa região começou em meados do século XIX. De acordo com John D. Wirth, identificamos que “as terras da zona da Mata eram (em sua maioria) indígenas até 1830, ano em que a fronteira do café começou a expandir-se para o leste penetrando na floresta virgem”. (WIRTH, 1982, p.43). A região foi pouco explorada até o início do século XIX por motivos estratégicos, com a intenção de diminuir o desvio do ouro extraído nos locais de mineração. A partir da metade do século XIX, os primeiros protestantes, que chegaram na cidade de Alto Jequitibá em 1868, eram de origem Luterana, como já abordamos. Eles migraram do Rio de Janeiro para Minas Gerais, sem a garantia de manutenção de suas famílias na nova região. Sendo assim, enxergaram na agricultura o caminho mais viável para o sustento. A necessidade de manutenção e o sentimento de liberdade na nova casa em Alto Jequitibá proporcionaram a vontade de arar a terra, plantar e aguardar os frutos. Quanto a isso eles pareciam convictos, pois os luteranos demonstravam uma fé no ensinamento de que o trabalho era uma dádiva de Deus, para a sobrevivência do homem. Sobre a valorização do trabalho, Costa comenta que “tanto Lutero (1483- 1546) e Calvino (1509-1564) estavam de acordo quanto à responsabilidade do homem de cumprir a sua vocação por meio do trabalho, em que não há lugar para ociosidade” (COSTA, 2017, p.200). Essa prática oriunda da crença dos protestantes, que caracterizou os pioneiros em Alto Jequitibá, também influenciou o sistema de trabalho em toda região, resultando no ethos protestante. Assim, as lavouras de café aumentaram e toda região era movida pela economia cafeeira.

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2.1 – Os Pioneiros Um dos protestantes que começou com essa visão de trabalho e sustento na região, foi o luterano Guilherme Eller, nascido em Ober-Hessen, Alemanha, que desembarcou no Brasil com sua família em 1824, como já fora relatado no capítulo anterior. Ele foi o primeiro imigrante protestante a conhecer a região do Leste de Minas14. De acordo com Sathler, um dos memoriais da cidade de Alto Jequitibá, relata que:

Guilherme (Eller), numa de suas viagens a (MG), adquiriu terras férteis no Alto Jequitibá, e assem no ano de 1868, com sessenta anos de idade veio conferir a fertilidade da terra e testar a produtividade do café. Ao morrer em 1872, seus herdeiros – Eller, Faria, Emerich, Gripp, Verly – não somente deram continuidade à colonização da terra como propagaram a fama de sua riqueza, estimulando a vinda de muitos outros como os Heringer, Dias, Sathler, César, Loubach, Breder, Schwuab, Spamer, Storck, Caterink, Klein, Cardoso, Pinheiro, Carvalho, Martins, Gomes, Emerick e outros15.

Famílias numerosas e de difícil deslocamento, os Ellers, Faria, Emerich, Gripp, Verly, Heringer, Dias, Sathler, César, Loubach, Breder, Schwuab, Storck, Caterink, Klein, Cardoso, Pinheiro, Carvalho, Martins, Gomes, Emerick e outros, estavam convencidos, pela força da necessidade e impulsionados pela fé, que aquele era o lugar que Deus estava mostrando. Depois de se planejarem, os pioneiros Ellers decidiram abandonar o que tinham na cidade de Canta Galo, no Rio de Janeiro, e partirem em busca do imaginário paraíso. Juntaram a família e partiram em direção a Alto Jequitibá em busca de um trabalho digno de seus esforços. Logos após, as outras famílias foram chegando e se acomodando ao novo lugar16. A respeito desse processo migratório, Lauri Emilio Wirth comenta que:

Trata-se de um processo de migração em massa cujo maior contingente desloca-se da Europa para a América do Norte, sendo que pequena parcela se estabelece no Sul do Brasil, a partir de 1824, mas também em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo17.

14 LIVRO I. Ata 1 da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. 15 SATHLER, Anderson. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Ed. Betânia S/C. 1991. – MG. pp. 57-58. 16 LIVRO I. Ata 1 da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. 17 WIRTH, Lauri Emilio: Protestantismo Brasileiro de Rito Luterano. In: BORGES, João Baptista (org). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, p.98. 31

O processo de migração dos alemães e suíços para o Leste de Minas Gerais é pouco explorado pela historiografia brasileira. Mas podemos perceber através de uma pesquisa histórica regional, a força que esses imigrantes deram no avanço do protestantismo na região. Com a chegada dos primeiros imigrantes protestantes na cidade de Alto Jequitibá, outras famílias foram incentivadas a migrarem para a região. Dessa forma, inicia-se a maior inserção de alemães luteranos no Leste de Minas. Os primeiros imigrantes desmataram as florestas ainda virgens, para sitiar os locais a serem habitados e cultivados. Eram matas com árvores frondosas e locais de difícil acesso. Mas, mesmo com as dificuldades, que passaram na colônia no Rio de Janeiro, suas expectativas se renovaram ao adentrarem em Alto Jequitibá. As famílias de imigrantes que chegaram na cidade de Alto Jequitibá começaram a formar vilarejos pelas roças. Eles abriram espaços em meio à mata e iniciam a construção de casas. Também iniciam as plantações de frutas, legumes e café. Este que mais tarde ajudou e ainda ajuda no desenvolvimento econômico e social do Leste de Minas. O clima frio aos pés do Pico da Bandeira, o 3º maior do Brasil18, foi agradável, tanto para os alemães e suíços, quanto para o cultivo do café. (SATHLER, 1991, p.56). Os alemães valorizavam o trabalho, pois tinham em mente a vocação que consideravam do ensino luterano. A respeito do conceito de vocação em Lutero, Weber registra no livro Ética Protestante e o Espírito Capitalista, comentando que essa vocação é compreendida na “valorização do cumprimento do dever no seio das profissões mundanas como o mais excelso conteúdo que a auto realização moral e capaz de assumir”. (WEBER, 2004, p.38). Os luteranos, incentivados pela fé, trabalharam com empenho. A respeito dessa valorização do trabalho observa Lutero que:

Se você é um trabalhador braçal, descobre que a Bíblia foi posta na sua oficina, na sua mão, no seu coração. Ela ensina e prega como você deve tratar o seu próximo [...] basta olhar para as suas ferramentas [...] sua agulha e dedal, seu barril de cerveja, seus bens, suas réguas, bitolas ou compassos [...] e você lerá essa declaração inscrita neles [...] Você tem tantos pregadores quanto tem transações, produtos, ferramentas e outros equipamentos na sua casa e lar19.

18 Disponível em http://www.inde.gov.br/noticias-inde/8530-geociencias-ibge-reve-as-altitudes-de-sete- pontos-culminantes.html acesso em 26/10/2018. 19 Martinho Lutero, Luther’s Works, v.45: In: HAAL, David W. Calvino e a Cultura. São Paulo. Ed. Cultura Cristã. 2017. p.161 32

O trabalho motivado pela fé, foi característica marcante no início da jornada dos luteranos, em Alto Jequitibá. Eles obtiveram um resultado de crescimento nas colheitas e conseguiram se estabelecer nas novas propriedades e lavouras de café.

2.2 – O início do progresso no cultivo do café O cultivo do café estava em ascensão no Brasil. Com o crescimento da produção cafeeira e a proibição da importação de escravos, os imigrantes que chegaram ao Brasil começam a substituir a mão-de-obra escrava20. Mesmo antes do café chegar à cidade de Alto Jequitibá, ele já criara forças em outras regiões do Brasil. Faoro, também comentando sobre essa questão, diz que:

Enquanto os produtos tradicionais — açúcar, algodão, couros e peles —, 74,3% das exportações na década 1821-30, sofrem um declínio de 30% nos próximos dez anos, o café ganha relevo progressivo. As “hortas”, os “pomares” do início do século serão, em poucos anos, os cafezais que, dos arredores do Rio de Janeiro, tomam o rumo do interior, entre Minas Gerais e a Capital e, pouco depois, conquistam o Vale do Paraíba 21.

No avanço cafeeiro, iniciando nas cidades do Estado Rio de Janeiro, surgem mais regiões como: Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, São João Marcos, Resende, para, mais tarde, tomar o rumo de Cantagalo a leste. Essas regiões, que antes tinham a mão-de-obra escrava, também tiveram que se adaptar as novas condições durante a abolição (FAORO, 2012, p. 364). Os imigrantes protestantes, que vieram para cidade de Alto Jequitibá, já tinham a experiência com as lavouras de café. Janaína Botelho, no livro “História e Memória de Nova Friburgo”, relata que:

Os alemães migraram para Nova Friburgo, em 1824, para ocupar as de terras abandonadas pelos suíços e dar um novo incremento e fomento ao Núcleo dos Colonos. Jorge Gripp, filho de Gaspar Gripp (na realidade, o sobrenome original é Grieb), um dos primeiros colonos alemães, ficou atraído pelo arbusto que viu no pomar de Toledo e inteirou-se de onde o adquirira. Curiosamente, Jorge Gripp comprara a fazenda de uma das filhas de Jerônimo Castro Souza, o pseudoinconfidente que fundara Amparo. Jorge Gripp dirigiu-se à fazenda dos conterrâneos irmãos Sardemberg e encomendou sementes da próxima safra. Em data aprazada, Jorge Gripp enviou seu

20 BORGES, João Baptista (org). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, p.98 21 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p.292 33

filho Pedro Alberto Gripp, com 8 anos de idade, acompanhado de um escravo, para buscar as desejadas sementes de café na fazenda dos Sardemberg. Jorge Gripp plantou as sementes, fez diversas mudas e os cafeeiros as desenvolveram admiravelmente nas encostas de Amparo, em sua fazenda. Bernardo Clemente Pinto, o Conde de Nova Friburgo, soube da proficiência de Jorge Gripp com seus cafeeiros e manifestou desejo de possuir algumas mudas. Gripp logo lhe enviou duas de suas melhores mudas. Bernardo Clemente Pinto foi pessoalmente a Cantagalo quando soube da entrega do mimo, intermediado pelo Conselheiro João Lins Cansanção de Sinimbu, que residia na vila de Nova Friburgo. Ficou tão maravilhado com as mudas de café, que contratou bandas de música que desfilaram conduzindo os pés de café festivamente, em procissão, em estilo barroco, até o palacete do Gavião e diante de convidados, plantou-os ali. O conde imediatamente ordenou ao seu administrador em Nova Friburgo que agradecesse a Jorge Gripp, oferecendo-lhes seus préstimos e consignando que compraria toda a colheita de café de Gripp. O café Java foi plantado nas fazendas, em Cantagalo, dos Clemente Pinto (família do barão de Nova Friburgo) e o restante dessa história já conhecemos. Cantagalo tornou-se um dos maiores produtores de café, em meados do século XIX, expandindo o “ouro verde” por todo o vale do Paraíba. Não há comprovação da veracidade desse fato, que é relatado por Honorário Lamblet, neto de Jorge Gripp, transmitido pela tradição oral. Essa é mais interessante passagem desse distrito cercado de lenda e mito em sua história22.

O café funcionou como um meio de subsistência dos imigrantes no Rio de Janeiro, e também cooperou na migração para outras partes do Brasil. Podemos dizer que a relação café e fé colaborou com a expansão do protestantismo em alguns lugares do Brasil e com o progresso das lavouras cafeeiras em muitos lugares. Na mesma época, a economia no Brasil foi aquecida e mais trabalhadores foram exigidos no setor agrícola. Moraes, comentando sobre essa questão, observa que:

Aproveitando os bons preços do café nas bolsas de mercadorias europeias e a dizimação do produto no Haiti (maior exportador americano até então), graças à sua guerra de independência, esses empreendedores começaram a cultivar café no vale do Paraíba, inicialmente no Rio de Janeiro, e depois em São Paulo23.

Um dos locais que percebemos o início do investimento do café, trazido por imigrantes alemães protestantes, foi a cidade de Alto Jequitibá. Os primeiros protestantes, que chegaram nessa cidade do Leste de Minas, trouxeram a ideia de cultivar o café Java nas terras mineiras.

22 Disponível em http://acervo.avozdaserra.com.br/noticias/historias-e-memoria-de-nova-friburgo-o- novo-livro-de-janaina-botelho acesso em 20/12/2018. 23 MORAES, Gérson Leite. Ethos religioso e resistência na Fazenda Ibicaba no século XIX. Disponível em: http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp acesso em 30/10/2018. 34

Satlher, escrevendo sobre esse assunto, relata que:

Guilherme Eller abriu picadas na mata virgem, derrubou árvores frondosas e plantou a nova variedade de café – o Java que Jorge Gripp conseguira preservar lá na Sana do Macaé (Rio de Janeiro) – e o resultado foi fantástico – o café demonstrou grande produtividade24.

A cidade de Alto Jequitibá começou a investir na produção do café e muitas famílias de protestantes luteranos tiveram seus sustentos garantidos. Os primeiros anos das famílias protestantes foram de esforços para a manutenção e, consequentemente, o desenvolvimento do setor agrícola na região. Com o aumento da renda financeira, a cidade foi se desenvolvendo através da cooperação de cada imigrante. 2.3 – A Formação da População Caipira Na cidade de Alto Jequitibá e região, podemos perceber a formação da população caipira. Antônio Cândido, um grande pesquisador desse assunto, que teve como objeto de estudo a expansão do território paulista, comenta que:

Da expansão geográfica dos paulistas, nos séculos XVI, XVII e XVII, resultou não apenas incorporação de território às terras da Cora portuguesa na América, mas a definição de certos tipos de cultura e vida social, condicionados em grande parte por aquele grande fenômeno de mobilidade. Não cabe analisar aqui o seu sentido histórico, nem traçar o seu panorama geral. Basta assinalar que em certas porções do grande território devassado pelas bandeiras e entradas – já denominado significativamente Paulistânia – as características iniciais do vicentino se desdobraram numa variedade subcultural do tronco português, que se pode chamar de “cultura caipira” (CANDIDO, 2010, p.43).

Essa característica do caipira também foi identificada na mobilidade nos imigrantes e seus descendentes, que saíram de Nova Friburgo em direção ao Leste de Minas. Essa população caipira começa a se formar na cidade de Alto Jequitibá, garantindo a existência das famílias de imigrantes, que se caracterizam desses aspectos do caipira.

Podemos perceber facilmente essa caracterização caipira, quando Sathler comenta que:

24 SATHLER, Anderson. HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA DE ALTO JEQUITIBÁ. Ed. Betânia S/C. 1991. Belo Horizonte – MG. p.21 35

Assim o povoado do Alto Jequitibá foi aumentando de população. Inicialmente só havia casas no meio rural. Os ranchos foram dando lugares a casas maiores, mais confortáveis. Moinhos, , açúcar-mascavo foram sendo instalados dando mais conforto e maior rendimento para os agricultores mais abandonados. Aqueles que não possuíam moinho ou pilavam o milho no monjolo ou no pilão ou levavam p milho para o vizinho mais próximo que possuía moinho. Era praxe tirar marquia em vez de cobrar a moagem em dinheiro. Os carpinteiros faziam tábuas de cedro recipientes destinados a medir o milho, fubá, feijão, etc. Eram caixas com orelhas dos dois lados e com capacidade para 20 litros ou meio alqueire, 10 litros ou uma quarta, 05 litros ou meia quarta. Estas medidas eram opções para as balanças, mais caras na época25.

Pereira de Queiroz (1973 apud ALMEIDA, 2106, p.192), caracteriza essa população caipira, dizendo que:

O bairro rural paulista descrito por Antônio Cândido é composto de camponeses que podem possuir ou não a terra que trabalham. Não é a situação propriedade que os qualifica como tais, e sim sua situação de pequenos produtores independentes, no sentido que são donos da iniciativa de seu trabalho; no quadro das relações de produção, seu trabalho se define como autônomo. No que toca à colheita, podem dispor ora de sua totalidade, ora de parte dela; no segundo caso, entram na categoria dos meeiros e dos parceiros. Quando proprietários de toda a colheita, podem pagar um aluguel pela terra, e neste caso são arrendatários, foreiros, meeiros e parceiros, para se definirem como camponeses, precisam conservar a autonomia de seu trabalho e o direito à disposição de pelo menos parte do produto. Caso contrário, deverão ser definidos como dependentes ou como assalariados rurais.

Assim, a zona rural estava sendo estruturada, para a manutenção das famílias de imigrantes e também para o desenvolvimento socioeconômico da região. Alto Jequitibá já não era a mesma, pois a transformação estava acontecendo à medida que os imigrantes avançavam e cresciam com suas famílias. Os protestantes oriundos de imigração são os primeiros a contribuírem com a formação da cidade. Na relação do cultivo do café e a existência da fé, tudo estava de acordo para o progresso.

O fazendeiro providencia novas terras, começa o plantio do café e entrega aos cuidados de um trabalhador livre que, também planta outros tipos de cereais, para ter o seu sustento e levar para o mercado. Geralmente essa parceria entre

25 SATHLER, Anderson. HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA DE ALTO JEQUITIBÁ. Ed. Betânia S/C. 1991. Belo Horizonte – MG. p.58 36

fazendeiro e trabalhador livre, tinha a duração de 4 anos e comumente era renovado (MENDONÇA, 1995, p.153). A população rural permanece até os dias de hoje. Ser meeiro ainda continua um meio de trabalho para aqueles que não possuem terras, mas querem produzir na terra do outro, dando ao proprietário da terra uma porcentagem da produção. A boa vizinhança, a troca de favores, o empréstimo de sementes para serem devolvidas na colheita, tudo isso faz parte da zona rural de Alto Jequitibá e muitos presbiterianos estão nesse meio, como comprovado pelos membros que ainda moram na zona rural e vivem da produção do café. A fé permanece na zona rural e os protestantes participam ativamente da produção agrícola da região. 2.4 – O Enfraquecimento do Protestantismo A população rural aumentava e a manutenção da religião protestante começou a ficar prejudicada. Devido à ausência de pastores, os luteranos no Leste de Minas sofriam com o enfraquecimento da fé. A doutrina dos luteranos estava fundamentada no pietismo como forma de vida cristã. Comentando sobre essa religiosidade dos alemães luteranos, Weber relata que:

A suprema experiência religiosa a que aspira a piedade luterana, tal como se desenvolveu notadamente no curso do século XVII, é a unio mystica com a divindade. Como já sugere a própria expressão, que nesses precisos termos e desconhecida da doutrina reformada, trata- se de um sentimento substancial de Deus: a sensação de uma real penetração do divino na alma crente, qualitativamente igual aos efeitos da contemplação a maneira dos místicos alemães e caracterizada por um cunho de passividade orientada a preencher a saudade do repouso em Deus e por um estado interior de pura disponibilidade (WEBER, 2004, p.102).

Essa sensação foi perdendo o sentido e ficando frágil. O luteranismo e sua forma de pensamento sobre a prática religiosa, não foram suficientes para a expansão e sustentabilidade dos fiéis. No Leste de Minas, não foi possível construir igrejas luteranas, pois não houve investimentos de clérigos na região. Wirth, analisando essa situação no Brasil, diz que:

Num primeiro período, o protestantismo gestado nos centros de colonização organizou-se em comunidades de fé pouco estruturadas e autônomas, sem vínculos hierárquicos e independentes de qualquer autoridade fora da própria comunidade. Poucos clérigos com formação teológica foram atuando nas regiões de colonização nesse período. Aliás, ao que tudo indica, a demanda por profissionais da religião em formação acadêmica parece estar relacionada com o processo de diferenciação social no interior dos centros de imigração e atender a 37

interesses de setores socialmente ascendentes. Embora o fator étnico e linguístico naturalmente se apresentasse como um elemento de coesão social num ambiente cultural estranho, vários indícios apontam tendências de aculturação e acomodação ao novo ambiente também em termos religiosos, nesse período de autonomia do protestantismo de imigração26.

Os imigrantes ficaram sem auxílio de um pastor por longo tempo. A falta de pastores luteranos e a distância dos grandes centros foram fatores predominantes nesse enfraquecimento. Outro fator é que várias religiões protestantes estavam se estabelecendo no Brasil e ainda haviam poucos pastores formados. Assim é observado no Livro I de atas da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá:

Uma grande congregação protestante portanto, passava paulatinamente para o seio do romanismo, por dois motivos, ou melhor, por duas coisas que vamos expor, com a maior franqueza: primeiro, porque a influência mesmo lógica, combatendo tenazmente a tradição protestante, durante 15, 20 ou 25 anos e, que pastor evangélico nenhum ministrava as palavras da Vida aquela congregação, eram autossuficientes para empalidecerem a luz brilhante da verdade; segundo, por que positivamente, as noções do Evangelho que esse povo trazia no seu seio, eram ainda poucas e fracas, impotentes, pois, para resistirem a tempestade tétrica dos tempos27.

Os protestantes sem liderança religiosa começaram a perder a identidade. Alguns são atraídos pelo catolicismo e outros não mais manifestam o comportamento religioso. Satlher comenta que alguns “tornavam-se indiferentes à religião, se entregando ao uso de bebidas alcoólicas, um cachimbinho ou cigarro de palha; o domingo era pouco respeitado”. (SATHLER, 1991, p.59). Os imigrantes protestantes que chegaram no Brasil em meados do século XIX, perderam suas raízes religiosas em vários lugares do Brasil. Mendonça afirma que:

Os protestantes invasores chegaram e se foram sem deixar traços. Os demais visitantes, viajantes, comerciantes e mesmo imigrantes, como o caso dos alemães em Ipanema, Rio Claro e algumas áreas do Espírito Santo, que, por fatores variados, foram sendo absorvidos pelo catolicismo, não chegaram a fazer do protestantismo talvez nada mais do que mera curiosidade por uma religião exótica. Os embates da Reforma estavam muito distantes no tempo e no espaço para perturbarem a placidez de uma religião em estado de simbiose profunda coma cultura brasileira (MENDONÇA, 1995, p.117).

26 BORGES, João Baptista (org). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, p.100 27 Livro I. Ata no 1 da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. p.2. 38

Os luteranos começam a perder a religiosidade e a denominação não consegue sequer ser instituída no Leste de Minas. A presença da Igreja Católica, também não oferecia espaço para que fossem inseridas igrejas protestantes. Esse problema vivido pelos protestantes é muito bem exposto por Mendonça, quando assevera que “[m]esmo que quisessem os protestantes construir salas, já que lhes era proibido erigir templos para seu culto, é de se crer que não encontrariam meios” (MENDONÇA, 1995, p.120). Eles ainda estavam se estruturando financeiramente e o centro urbano, já em formação, estava sendo evangelizado pelos católicos. O catolicismo chega logo após a vinda das primeiras famílias protestantes. Na história da Igreja Católica de Alto Jequitibá é relatado que:

Em 1868 se estabelece a primeira família de protestante em Alto Jequitibá, os Eller. A segunda família a se estabelecer são os irmãos Sanglard de origem Suíça Católica, e então começa a história do catolicismo de Alto Jequitibá28.

Os católicos da região já estavam sendo atendidos pela Diocese da cidade de . Esta já havia iniciado um trabalho na cidade de Manhumirim, vizinha de Alto Jequitibá. Mais tarde se estabelecem alguns conflitos entre pastores presbiterianos e os padres de Manhumirim, como veremos mais à frente.

Mais uma vez recorremos as fontes regionais, dentre elas a ata da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, relatando que:

A pressão “catholica-romana” torna-se cada vez mais forte, a ponto de Francisco Hybner, Conrado Hybner e outros da mesma família apostatarem por motivo frívolo, publicamente, engenhosamente, a religião verdadeira, a fé de uma maioria, preferiram levianamente, a bandeira da Verdade, quem um dia solenemente tinham jurado29.

A ameaça da extinção do protestantismo era iminente. Não havia uma força religiosa local, para que pudessem se reerguer. Algumas denominações protestantes falharam não enviando missionárias, para atenderem a demanda

28 Disponível em: https://www.altojequitiba.mg.gov.br/a-cidade/curiosidades/item/173-igreja- cat%C3%B3lica-matriz-nossa-senhora-da-concei%C3%A7%C3%A3o acesso em 20/12/2018. 29 Livro I. Ata no 1 da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. p.2-3. 39

da região. Quase 30 anos se passaram e não houve uma investida no protestantismo, então, o catolicismo começou a atender a demanda religiosa de quase metade dos protestantes imigrantes.

2.5 – A Chegada do Presbiterianismo.

Com a necessidade de fortalecer o protestantismo no Leste de Minas, alguns dos protestantes mais firmes na fé, tiveram o desejo de chamar pastores para suprir essa necessidade. Durante a permanência dos imigrantes no Brasil e a decadência religiosa em algumas regiões chega ao país alguns missionários. Dentre eles está o pastor presbiteriano Ashbel Green Simonton (1833-1867), que desembarca no dia 12 de agosto de 1859, organizando a Igreja Presbiteriana do Brasil. Simonton se preparou nos EUA, no Seminário de Princeton. Através de um sermão proferido pelo Dr. Hodge, em 14 de outubro, Simonton sentiu o chamado para fazer missões em algum país necessitados da Palavra de Deus. O país que Simonton sentiu o desejo de fazer missões foi o Brasil. (FERREIRA, 1992, p.20). O presbiterianismo organizou sua primeira igreja no Rio de Janeiro, construiu o Seminário Primitivo e montou a Imprensa Evangélica. Todos esses investimentos serviram para ao avanço e influência do presbiterianismo. Também, outros pastores se juntam a Simonton como: Blackford, Schneider e Chamberlain. Muitas regiões do Brasil são alvos do presbiterianismo (MENDONÇA, 1995, p.83). São Paulo, Brotas e Rio Claro, são locais que viraram alvo de missões dos presbiterianos. Como o desenvolvimento e a formação de novos pastores, outras cidades também recebem pastores e missionários presbiteriano (MENDONÇA, 1995, p.83). Foi em 1896, que o sr. Henrique Eller, juntamente com Cristiano César - que estavam entre os imigrantes protestantes em Alto Jequitibá - resolveram buscar ajuda com os pastores no Rio de Janeiro. O primeiro pastor a começar em Alto Jequitibá foi Salomão G. Guinsburg, autor de vários hinos e que colaborou com a música na igreja. Sua estada em Alto Jequitibá não durou muito, pois a sua forma de batismo (imersão) não agradou os protestantes do Leste de Minas (FERREIRA, 1992, p. 485). 40

Satlher comenta que “O pastor (Guinsburg) era homem culto, autor de hinos bonitos, alguns transcritos no Hinário Presbiteriano como: Maravilhas Divinas, Sempre Vencendo, Aceitai a Salvação, Cristo Não Tarda” (SATHLER, 1991, pp.61-63). Segundo as atas do Conselho da Igreja de Alto Jequitibá no Volume 1, página 3, o segundo pastor foi o Dr. John Merry Kyle. O imigrante alemão Henrique Eller, foi quem se preocupou em trazer o novo pastor. Com a sabedoria de Kyle e o esforço de Henrique Eller, construíram o 1º templo30 da Igreja. Em 15 de outubro de 1897, o carpinteiro entrega o templo pronto. O relacionamento do pastor Kyle com os alemães luteranos foi o melhor possível. Não foi um pastor que permaneceu, mas deu início ao que seria uma grande influência da região. O primeiro templo era simples, bem planejado, de “paredes de pau a pique e emareadas, esteios de madeira, coberto de taboinhas de cedro, assoalho de táboas de jequitibá, sem forro”. Os bancos não tinham encosto e quem dormisse na hora do culto corria o risco de cair (SATHLER, 1991, p.71). Era o início da influência do presbiterianismo na região. O protestantismo de imigração volta a ser fortalecido, com a investida do presbiterianismo e a cidade começa a se desenvolver em torno da igreja.

2.6 – O presbiterianismo na trilha do café

O presbiterianismo começa realmente marcar a região, quando chegou o pastor Mathathias Gomes dos Santos. Em 04 de julho de 1901 o pastor inicia o relacionamento com a comunidade. Visitou muitos lugares, fazendo um cadastro das pessoas que pertenciam à igreja luterana de Friburgo, a fim de arrolá-las como membros da Igreja Presbiteriana. Nesse encontro de presbiterianos e luteranos identifica-se um conflito de fundamentação doutrinária, pois os luteranos tinham na unio mystica suas formas de religiosidade, sendo que essa prática já havia sido condenada na Alemanha pela a posição reformada (WEBER, 2004, p.103).

30 Anexo I – Foto d 1º templo. Disponível no Museu da IP de Alto Jequitibá. 41

Os presbiterianos se deparam com o crescimento da produção de café na região. Essa alta produção, que envolve outras regiões do Brasil, cria a chamada “Trilha do Café”, que serviu como fonte de recursos para os protestantes progredirem. Os presbiterianos de tradição reformada tinham a missão de tentar desconstruir a doutrina luterana, reanimar os fracos na fé e ensiná-los a nova doutrina. A respeito desse conflito religioso de doutrina reformada e luterana, Weber comenta que: ...no luteranismo a unio mystica se combinava com aquele sentimento profundo de indignidade decorrente do pecado original, que devia manter o crente luterano na poenitentia quotidiana destinada a curti-lo na humildade e simplicidade indispensáveis ao perdão dos pecados. Já a religiosidade especifica da Igreja reformada, em compensação, de saída se colocou [contra a fuga quietista do mundo defendida por Pascal bem como] contra essa forma luterana de piedade sentimental voltada puramente para dentro. A penetração real do divino na alma humana estava excluída pela absoluta transcendência de Deus em relação a tudo o que e criatura: finitum non estcapax infiniti {o que e finito não e capaz de infinito}. A comunhão entre Deus e seus escolhidos e a tomada de consciência dessa comunhão só podem se dar pelo fato de Deus neles agir (operatur) e eles tomarem consciência disso — pelo fato, portanto, de a ação nascer da fé operada pela graça de Deus e essa fé, por sua vez, ser legitimada pela qualidade dessa ação (WEBER, 2004, p.103).

A missão presbiteriana em Alto Jequitibá enfrentou essa dificuldade da parte dos luteranos. Mas, por outro lado, o presbiterianismo encontra outro aliado ao crescimento, a expansão do café. Os presbiterianos se deparam com o crescimento da produção de café na região. Essa alta produção, que envolve outras regiões do Brasil, cria a chamada “Trilha do Café”, que serviu como fonte de recursos para os protestantes progredirem. Mendonça aborda esse acontecimento, comentando que:

Se olharmos o mapa do Estado de São Paulo, incluindo nele as regiões fronteiriças do Estado de Minas, acompanhando a linha da Mantiqueira, poderemos ver que as áreas antigas, povoadas no período das bandeiras e dos caminhos de tropas, têm expansão do café ela aparece com muito maior vigor (MENDONÇA, 1995, p.152).

42

O cultivo do café criou uma trilha pela qual o presbiterianismo ingressou no Leste de Minas. Essa trilha foi promovida pela população móvel e em situação de crescimento. Outras denominações protestantes, que tentaram a evangelização nas áreas urbanas, não obtiveram o mesmo resultado, pois o catolicismo já estava implantado nos centros urbanos (MENDONÇA, 1995, p.118). Além da trilha do café, a base missionária da Igreja Presbiteriana foram os luteranos alemães, que estavam fracos na fé e distantes da igreja de Friburgo, como já comentamos. Todos aqueles, enfraquecidos ou não, foram alvos de missões presbiterianas. A Igreja é formada por famílias alemãs e até hoje, segundo o rol de membros da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, podemos encontrar seus descendestes. Pelos sobrenomes dos membros, percebe-se como os alemães tiveram grande parcela dos membros.

Com o crescimento dos presbiterianos, foi preciso construir um templo que abrigasse todos os fiéis. Este templo marcou a história do presbiterianismo em todo o Leste de Minas e ficou conhecido nacionalmente. A torre do templo com a escrita “Quem Salva é Só Jesus”, simboliza não só o marco do presbiterianismo, mas também, a sua doutrina frente ao catolicismo. Segundo a doutrina protestante a salvação é somente através de Jesus Cristo, não dependendo de santos para interceder. 43

O cultivo do café criou uma trilha, pela qual o presbiterianismo ingressou no Leste de Minas. Essa trilha foi promovida pela população móvel e em situação de crescimento. Outras denominações protestantes, que tentaram a evangelização nas áreas urbanas, não obtiveram o mesmo resultado, pois o catolicismo já estava implantado nos centros urbanos (MENDONÇA, 1995, p.118). O culto na zona rural era uma característica muito presente nestas regiões, onde um grupo de pessoas se reunia em determinada casa e prestava seu culto com características próprias ao seu entendimento. Um desses cultos em meios rurais é descrito por Mendonça dessa maneira:

À noitinha, iam chegando as pessoas. As mulheres, puxando as crianças pela mão, com alguns acavalados às ilhargas, outros no colo. [...] Os homens, sérios e compenetrados, iam entrando e pendurando os chapéus nos cabides e depondo suas armas numa mesinha à porta, coberta com uma toalha branca de crochê (muito respeito pelas armas!). [...] A pilha de armas tão diversas formava, na mesinha, um impressionante arsenal. Porque não era permitido assistir ao culto armado (mesmo que e armas só tivessem o nome, vez que eram instrumentos de uso inocente!). Assentavam-se todos ao redor da comprida mesa da sala da frente, em bancos longos, baixos e sem encosto. Nas paredes, em aparadores de folha, fumarentas lamparinas de querosene e, na cabeceira da mesa, uma especial para o manejo do dirigente. Aqui, também, uma enorme Bíblia de capa preta, ocupando um lugar de honra. Neném Coutinho levanta-se e dá inicio ao culto. Abrem-se os “cadernos” e começam os cânticos [...]. Seguem- se as orações. Diversos convidados pelo dirigente fazem as suas. São feitas em linguagem estranha para o meio, com certa correção gramatical, embora algumas palavras saiam estropiadas. São sempre lembradas as viúvas e os encarcerados. Às vezes, petições apropriadas são feitas, pelas chuvas que não chegam, pelas colheitas e pela saúde. Dificilmente pedem-se coisas de ordem pessoal. [...] No momento próprio, levanta-se Neném Coutinho com a grande Bíblia nas mãos calosas. Ajeita os óculos, aproxima a lamparina e começa a leitura do Salmo predileto [...]. Vai os tropeços, caindo aqui e levantando ali, brigando com as sílabas e com as palavras, penosamente [...]. Novas orações e termina o culto. Todos permanecem à mesa como por um silencioso acordo. Algumas mulheres começam a amamentar os filhos. Homens faíscam as bingas e ascendem os crioulos. Conversam. Duas ou três pessoas reiniciam os cânticos e outras acompanham. Vão cantando os hinos preferidos do pequeno repertório [...]. Chegam o grande bule e os terrinões de bolinhos de fubá. Servem-se, mas algumas continuam cantando. De repente, saem todos. As mulheres arrebanham as crianças e os homens se rearmam. Amanhã as lidas domésticas e as ruas de café os esperam. (MENDONÇA, 1995, p. 160-168).

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Esse retrato do culto nas roças se faz presente no presbiterianismo em Alto Jequitibá. A população rural era grande e funcionava como um campo missionário. Dessa forma, os presbiterianos cresciam e organizava igrejas nas zonas rurais.

3ª Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. A 3ª Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, localizada no córrego dos Tavares, na serra que liga ao Pico da Bandeira, é fruto dos cultos domésticos realizados pelos pastores presbiterianos. Essa igreja é um exemplo de comunidades cristãs constituídas em meio a zona rural. A foto acima retrata exatamente o contexto dos fiéis: Em meio ao cafezal existe uma igreja, que abrigava os cultos e reuniões das famílias camponesas. O dízimo era forte, quando a colheita do café era forte. As arrecadações deveriam ser bem administradas, pois no período da ceifa o caixa financeiro da igreja era abastecido, para ser gasto nos outros meses mais escassos.

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Existem outros campos rurais que também foram investidos pelo presbiterianismo. Dentre as regiões cafeeiras estão: , Caldas, Machado, Areado, Cabo Verde, Alto Jequitibá, Campanha, , Sengó, , Bagagem, Paracatu, e . Caldas relata que à medida que organizavam as igrejas, vários outros grupos se formavam a partir da atividade evangelística dessas novas igrejas, como no caso da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, que atendia outras cidades como São Sebastião da Barra, São João do Rio Preto, Manhuaçu, Barra do Jequitibá, Mantimento, Santa Helena, São Pedro da Cabeluda, Santa Margarida, São João do Matipó, entre outras.

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Capítulo 3 - Presbiterianismo, Educação e Disputas com o Catolicismo. A cidade de Alto Jequitibá se tornou mais conhecida pelo Colégio Evangélico criado pela Igreja Presbiteriana da cidade. Vários alunos de toda parte do Leste de Minas começaram a frequentar o Colégio, que também possuía o internato, no qual os alunos ficavam durante o semestre. Durante o período da investida do Presbiterianismo na educação, podemos identificar o surgimento de um conflito com o catolicismo. De um lado, a cidade de Alto Jequitibá influenciada pelos presbiterianos e, do outro lado, a cidade de Manhumirim influenciada pelo catolicismo. Nesse cenário de religião e educação no Leste de Minas, outro memorialista da região, chamado Aylê-Salassié F. Quintão, escreveu o livro A Cidade Sem Pecado. Este livro contém memórias do tempo em que o autor e seus contemporâneos passaram no internato e também o conflito religioso entre Alto Jequitibá e Manhumirim. A cidade de Manhumirim, que significa “rio pequeno”, por sua vez, tornou-se o local da Congregação dos Missionários Sacramentinos. Esta é uma instituição católica que nasceu tendo como objetivo combater a influência protestante na região (QUINTÃO, 2006, pp.67-73). Os sacramentinos e os presbiterianos protagonizaram conflitos que ultrapassaram os limites eclesiásticos e tiveram dimensões maiores do que a disputa por fiéis. Assim, este capítulo aborda o Presbiterianismo, Educação e Conflitos com o Catolicismo. 3.1 - A Escola Dominical na Educação Com o crescimento do número de habitantes na região, houve também a demanda na educação. Entre a população havia analfabetos, semianalfabetos e alguns alfabetizados. A partir dessa necessidade surge a ideia da igreja presbiteriana em alfabetizar a população carente de educação. Muitos não podiam sequer ler as passagens bíblicas mencionadas pelo pastor. Então, a investida na educação foi para que as pessoas pudessem ler e entender. Com isso a igreja começa a influenciar na educação da cidade de Alto Jequitibá.

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Mendonça em seu livro “O Celeste Porvir” comenta a respeito de outra região, que também ouve a influência na educação, afirmando que:

os pastores e missionários presbiterianos usavam como estratégia missiológica, estabelecer escolas paroquiais como forma de educar o povo para que pudesse ler a Bíblia. O Rev. Miguel Torres fez o mesmo a ponto da escola por ele fundada se conhecida com “A Escola de ‘seu’ Miguel, que começara em casa de D. Bárbara, foi instalada no prédio onde é hoje o hotel de Caldas. Morava o Rev., na própria casa do externato. A sala de aula era a mesma que servia para Escola dominical e cultos”. Na parede estava escrito em letras garrafais: “Eis- nos, grande Instrutor...” (MENDONÇA, 1984, p.13).

O cristianismo, no geral, sempre teve essa preocupação com a educação. Na maioria das vezes o cristianismo não só ensina suas doutrinas a respeito de Deus, mas aborda o modo de vida das pessoas. O cristianismo educa para que as pessoas entendam o dever que Deus requer do homem (HACK, 2000, p.98). Com a Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá não foi diferente o investimento na educação das pessoas. Em Alto Jequitibá, havia apenas uma Escola Municipal, bastante precária e com pequena frequência. A necessidade de um reforço na educação era urgente. As famílias cresciam e o número de crianças aumentava na região. Surge então a vontade de abrir uma pequena escola, sob a responsabilidade da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Essa vontade parte com a chegada do novo pastor presbiteriano na região, o pastor Aníbal Nora e sua esposa D. Constância. Certamente, como calvinista, os pastores presbiterianos estavam agindo conforme a doutrina reformada. A respeito da relação do calvinismo, que se preocupa com a formação do cidadão, Wallace comenta:

Portanto, Calvino acreditava que o “humano” necessitava do cristão ao seu lado. Ele pode encontrar direção e auxílio no seu padrão pessoal de vida apenas olhando constantemente para o padrão de vida manifestado dentro da igreja. A luz do evangelho deve brilhar constantemente da igreja em direção à comunidade circundante, a fim de ajudar a humanidade a encontrar os melhores caminhos e limites para o desenvolvimento da vida pessoal, familiar, social e cultural e, ainda, chegar a um verdadeiro entendimento de si mesma31.

31 WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo. 2003. Ed. Cultura Cristã. p.94. 48

Certamente o pastor Aníbal Nora sentiu esse desejo devido a influência que recebeu da doutrina calvinista. Além do desejo de aumentar o número de membros da igreja, ele enxergou a necessidade da influência da igreja na vida da comunidade. 3.2 – Criação do Colégio e o progresso urbano O embrião do Colégio Evangélico deu-se quando o Casal Rev. Aníbal Nora e D Constância Nora tiveram a ideia de educar as crianças. Haviam muitas crianças na idade escolar para uma única Escola Municipal que existia na época. Então, houve a oportunidade de criar uma escola da igreja presbiteriana. No início as salas de aulas funcionaram no imóvel da Casa Pastoral, que era um sobrado. Porém os jovens cresciam, e a necessidade de continuar os estudos levou algumas pessoas da comunidade a organizar o Colégio.

Essa foto encontra-se disponível do museu da APCE (Associação Presbiteriana do Colégio Evangélico). De um lado, os alunos do colégio com as principais professoras ao centro. Do outro lado, a banda do colégio, criada para acompanhar os desfiles cívicos do dia 07 de setembro, programações da igreja e atender escolas e prefeituras da região (SATLHER, 1991, p.113). Segundo atas da igreja, com a necessidade de expansão do colégio, o Capitão Carlos Heringer cedeu um de seus melhores prédios ao qual foi feito um acréscimo, e, com oferta de pessoas interessadas em educação para seus filhos, conseguiram organizar o Ginásio em 1922, com os internatos masculinos e femininos, foi inaugurado em 05.03.1923 e reconhecido pelo Governo em 1926. 49

Foi necessário contratar os professores, no início, no Rio de Janeiro e São Paulo. Em Alto Jequitibá havia um farmacêutico, Sr. João Augusto de Assis, que foi um grande professor, o Sr. Francisco Nora Horta Barbosa, sobrinho do Rev. Aníbal Nora que estudara em Valença, o Prof. Cláudio Neri e sua esposa, o Rev. João Mota Sobrinho e sua esposa, Dna. Bárbara Johnstone da Silva, Dr. João Damasceno e sua esposa, o engenheiro alemão Dr. Ott e esposa e D. Marta32. Os colégios evangélicos foram criados em regiões do Brasil nas quais havia necessidade de educação básica na região. Certamente esse investimento na educação foi também um instrumento de propagar a denominação presbiteriana com rapidez, devendo sempre respeitar a filosofia de ensino do Ministério da Educação. Hack, comenta que:

Os colégios evangélicos primaram por princípios educacionais que refletissem a convicção cristã em todos os aspectos da vida. Houve controvérsias prolongadas entre os responsáveis por esses colégios, no sentido de utilizar a educação como elemento auxiliar de evangelização e, ao mesmo tempo, ser coerente com a posição ideológica liberal de não permitir uma imposição de credo religioso. Conciliar proselitismo com liberalismo foi tarefa difícil para os implantadores de colégios evangélicos (HACK, 2000, p.76).

As escolas tiveram seu papel importante e marcaram famílias, que não tinham condições de educarem seus filhos. Muitas dessas famílias eram de imigrantes, que estavam no Brasil sem condições financeiras. Sendo assim, as igrejas agiam de acordo com a necessidade da população. O desenvolvimento educacional, proporcionou a cidade de Alto Jequitibá, um grande avanço no trabalho e consequentemente na economia. A produção agrícola aumentou e a cidade foi alvo de investimento do governo. O transporte ferroviário, que chegava até a cidade de , foi estendido até a cidade de Alto Jequitibá e posteriormente a outras cidades também.

32 Disponível no Museu da IP de Alto Jequitibá. Livro I de atas do conselho. 50

Fonte: Museu da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá Após a chegada do trem, muitos alunos das cidades vizinhas puderam estudar em Alto Jequitibá. Com a produção de café em alta, o Colégio Evangélico também se desenvolveu. O governo estende a Estrada de Ferro Leopoldina Railway, que chegara na Cidade de , até Alto Jequitibá em 1912; Manhumirim em 1914; e Manhuaçu em 1915. Com a chegada da linha férrea, houve também uma mobilização dos fazendeiros, para que a energia elétrica que existia em Manhuaçu, também fosse compartilhada com Alto Jequitibá. Em 1924, a luz que provinha dos lampiões de querosene começou a ser abandonada e casas receberem a energia elétrica (QUINTÃO, 2006. p.65). A foto acima mostra o trem passando sobre o pontilhão do bairro Luanda, em Alto Jequitibá. Após o advento da luz elétrica e da estrada de ferro, a pequena escola de Aníbal Nora aumenta o número de alunos gradativamente. Em 1923, a pequena escola tornou-se o Ginásio Evangélico de Alto Jequitibá com 140 alunos matriculados. A demanda aumentou e foi preciso mais investimento. Quintão, relatando sobre o assunto, comenta que:

coube ao Colégio Mackenzie da cidade de São Paulo, dirigido por missionários norte-americanos, suprir, por dois anos, o Ginásio com alguns professores. A energia e, principalmente, e estrada de ferro vão abrir caminho para que Jequitibá pudesse acolher estudante de lias e cidades mais distantes, e até mesmo do Rio de Janeiro e Belo Horizonte (QUINTÃO, 2006, p 66).

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O Colégio Evangélico foi um marco na região e tornou a Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá conhecida nacionalmente. A cidade se estruturava à medida que o presbiterianismo crescia. A roça estava sendo alfabetizada e muitos fiéis começavam a fazer parte da membresia da igreja.

A direita, o primeiro prédio do Colégio Evangélico.

O Colégio Evangélico também funcionava como internato. Dessa forma a zona rural e toda região do Leste de Minas eram atendidas. Os alunos passavam o semestre inteiro no internato e nas férias poderiam ir para suas casas.

Internato do Colégio Evangélico. Fonte: Museu da APCE.

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O refeitório do colégio atendia todos os alunos que eram matriculados. Muitos alunos de famílias carentes conseguiram se desenvolver no ensino, pois não havia fome na escola.

Refeitório do Colégio Evangélico. Fonte: Museu da APCE.

O Colégio Evangélico foi pioneiro na oferta do curso ginasial (1922) e colegial (1932), com acolhida nos internatos masculino e feminino estudantes de várias partes do Leste de Minas. Mendonça, analisando a inserção do protestantismo no Brasil, destaca as duas propostas presente nas investidas missionárias: a primeira “tarefa civilizatória da religião” e o “labor evangelístico de converter pessoas à fé protestante”. O investimento na civilização, isto é, civilizar com valores e princípios protestantes, é função da escola e, consequentemente, à criação de escolas confessionais. Dessa forma Mendonça comenta que:

A função civilizatória, utópica e mesmo ideológica relacionalmente considerada, de transformar sociedades segundo os valores protestantes da ética econômica e do trabalho, assim como do sistema político segundo o modelo democrático e republicano, caberia à educação secundária e superior. Daí as missões serem sempre acompanhadas de educadores a fim de fundar escolas. (MENDONÇA, 2004, p.62).

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Saber ler e escrever importa para a igreja, que precisa explicar a Bíblia de forma clara, segundo a doutrina defendida por cada religião. Assim, o presbiterianismo utiliza-se dessa estratégia, que até então era usada pelos católicos. A influência na educação colaborou para o patriotismo na cidade de Alto Jequitibá. O Rev. Anibal Nora teve a iniciativa de criar a Festa de 7 de Setembro, com o intuito de educar o povo evangélico no dever cívico e patriótico. Chegavam alunos de toda parte pelo interesse dos pais de darem a seus filhos uma melhor educação para seus filhos, e saberem da influência de um homem capaz de transmitir a cada um a verdadeira razão de viver, o amor a Deus, à Pátria e à Família. A sua "Semana da Pátria", nas proximidades do 7 de Setembro, precedeu às demais e foi mesmo o modelo de tais comemorações hoje difundidas por todo o País.

Primeiros desfiles de 7 de setembro na cidade. Fonte: Museu da APCE.

Ainda nos dias de hoje existe em 7 de Setembro a tradicional festa com o desfile dos alunos com carros alegóricos, as barraquinhas de doces e guloseimas que adorávamos quando crianças, e também quando os ex-alunos se reencontram e se juntam num delicioso desfile para matar as saudades e relembrar a época que marcou suas vidas. Foram 19 anos de pastorado do Rev. Anibal Nora à frente da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Ribeiro vai caracterizar esse momento como a Reforma no Leste de Minas e no Espírito Santo. O colégio foi celeiro de outros pastores que continuaram o trabalho na região (RIBEIRO, 1991, p.151).

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Segundo Ribeiro (1991, p.151), Nora deixou em seu relatório as seguintes informações nos quase 20 anos de pastorado: Membros das Igrejas Recebidos por profissão de fé ...... 2.103 Menores batizados ...... 3.317 Recebidos por carta demissória ...... 780 Transferidos por carta demissória ...... 1.223 Disciplinados ...... 233 Falecidos ...... 147 Organização e Patrimônio Templos construídos ou comprados ...... 22 Igrejas Organizadas ...... 13

3.3 – Conflito Religioso no Leste de Minas.

A partir de 1928, a igreja católica teve sua reação frente à organização e expansão do presbiterianismo no Leste de Minas. Com a chegada do padre belga Júlio Maria de Lombaerde, ele funda a Congregação dos Missionários Sacramentinos (1929), sendo o primeiro instituto católico no Brasil (BOTELHO, 1989, p.35).

Fonte: Museu Padre Júlio Maria (Manhumirim).

Essa imagem se encontra no museu da Igreja Católica Bom Jesus de Manhumirim. O museu foi criado como requisito para o processo de beatificação do padre Júlio Maria. 55

Podemos perceber, segundo Bourdieu, que existe uma busca pelo monopólio dos meios de produção, reprodução e distribuição dos bens de salvação através do sacerdote, isto é, aquele que revestido “de uma autoridade (ou de uma graça)” tende “a impedir de maneira mais ou menos rigorosa a entrada no mercado de novas empresas de salvação, bem como a busca individual de salvação” (BOUDIER, 2005, p.58). Neste caso do padre Júlio Maria, mais do que bloquear, “a entrada de novas empresas de salvação”, seu objetivo foi combater uma instituição de salvação já implantada na região, como a Igreja Presbiteriana. Do lado dos presbiterianos surge a figura do reverendo Cícero Siqueira, que assumiu a direção da Igreja Presbiteriana em Alto Jequitibá em 1929 para liderar a missão presbiteriana e proteger seus fiéis nas “batalhas retóricas campais” contra os católicos. Quintão, sobre esse assunto comenta que:

Foi este homem (pe. Júlio Maria) que o Rev. Cícero Siqueira, chegado em 1929 a Jequitibá, teve de enfrentar durante 15 anos em batalhas retóricas campais espalhadas por toda aquela sub região de Minas Gerais, e nesse mesmo território no campo da evangelização dos gentios (QUINTÃO, 2006, p.71).

Rev. Cícero Siqueira e sua esposa D. Cecília. Essa foto é da Praça Rev. Cícero Siqueira, que foi construída pela prefeitura, no centro da cidade de Alto Jequitibá, como homenagem aos feitos do pastor e sua esposa, professora Cecília Siqueira. 56

A construção de praças tinha um significado importante na projeção da cidade. Holanda comenta que:

A construção da cidade começaria sempre pela chamada praça maior. Quando em costa de mar, essa praça ficaria no lugar de desembarque do porto; quando em zona mediterrânea, ao centro da povoação. A forma da praça seria a de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a dois terços do comprimento, de modo que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos. (HOLANDA, 2014, p.116)

As estratégias dos dois lados se assemelhavam: debates em público nas praças, ataques através de jornais e panfletos, disputas por apoio das autoridades políticas e as investidas na área da educação. Nas praças quase sempre vemos a estatua ou busto de alguém marcante na cidade. Émile Léonard, em seu livro “O Protestantismo Brasileiro”, aborda no capítulo 4 sobre “As Reações Católicas” frente ao Protestantismo. Relata que “Os “propagandistas” protestantes não haviam, a princípio, ultrapassado os limites de uma simples evangelização sem atacar propriamente o catolicismo” (LEONARD, 2002, p.117). Certamente com a entrada do protestantismo no Brasil, em muitos lugares houve resistência por parte dos católicos, devido à chegada e propagação de uma doutrina evangélica que contradizia a católica. O vínculo dos católicos e protestantes com os políticos regionais foi uma estratégia para tentarem vencer os conflitos. Algumas vezes as armas extrapolavam o ambiente de religiosidade, como relata Léonard, a partir das informações do pe. Antônio Miranda, comenta que “Na cidade selvagem, onde capeavam, indômitos, jagunços de todos os matizes, todos ao lado do chefe municipal, cesaróide que dirigia a bico de faca, balas e coronhas”. São as palavras com que se lamenta um dos religiosos do pe. Júlio Maria de Lombaerde, da oposição feita a seu superior pelo prefeito de Manhumirim (LÉORNARD, 2002, p.133). Como instrumento de combate a doutrina presbiteriana, em 1928 o padre Júlio Maria fundou um jornal com o título “O Lutador”. Esse jornal, muitas vezes serviu para tentar desmontar a doutrina protestante e seus aliados políticos. Também foram criados alguns livros contra as doutrinas da Reforma Protestante. 57

Jornal O Lutador. Fonte: Biblioteca Municipal de Manhumirim. As doutrinas da Igreja Presbiteriana, oriundas da Reforma Protestante de 1517, ainda eram contra-atacadas pela Igreja Católica. Nessa matéria do jornal, a Igreja Católica critica a forma como o “herege” Lutero tenta combater a prática das boas obras. O padre Júlio Maria era um homem culto e inteligente. Tinha competência para defender a igreja católica e ao mesmo tempo tentar desarticular os pastores presbiterianos. Estes, que em muitos casos não tinham formação suficientes para contestarem alguns pontos da doutrina católica, não tinham ferramentas suficientes para a divulgação da doutrina protestante. 58

Fonte: Museu pe. Júlio Maria Esse livro é de autoria do pe. Júlio Maria, em que ele combate veementemente a ação “diabólica” de Lutero e o Protestantismo. Através do índice abaixo percebe-se o teor dos assuntos que são tratados:

CAPÍTULO I O DESAPARECIMENTO DA IGREJA 1. Qual o mentiroso? 2. Asserção ridícula; 3. A santidade continua; 4. A mentira protestante; 5. Os protestos dos protestantes; 6. A obra de Jesus Cristo; 7. Conclusão. CAPÍTULO II UM RETRATO AUTÊNTICO 1.Primeiros anos de Lutero; 2. A Vocação de Lutero; 3. Estudos Incompletos de Lutero; 4.Viagem a Roma; 5. Os dois grandes erros de Lutero; 6. Conclusão. CAPÍTULO III A QUEDA DE LUTERO 1. O estado de alma e a conversão de Lutero; 2. Os escrúpulos de Lutero; 3. Conclusão. CAPÍTULO IV A ENTRADA EM CENA 1. A questão das indulgências; 2. A declaração de Guerra; 3. Primeira reação da Igreja; 4. Lutero e o Papa; 5. A discussão de Leipzig; 6. Furores de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO V A CONDENAÇÃO DE LUTERO 1. O desesperado; 2. Novas doutrinas heréticas; 3. A Bula de Condenação; 4. Os insultos de Lutero; 5. A excomunhão de Lutero; 6. Perante o Conselho de Worms; 8. Conclusão. CAPÍTULO VI LUTERO EM WARTBURGO 1. A pretensa missão de Lutero; 2. Aparições do Diabo; 3. Tentações impuras; 4. A liberdade evangélica; 5. Saída de Wartburgo; 6. Fingimento hipócrita; 7. Conclusão.

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CAPÍTULO VII SANGUE E LAMA 1. A guerra dos campônios; 2. Lutero e o povo; 3. Lutero autoridade; 4. Adversários do Reformador; 5. O feminismo de Lutero; 6. Raptores e raptadas; 7. Catarina de Bora; 8. O “casamento” de Lutero; 9. O “casamento” de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO VIII OS ALICERCES DAS SEITAS PROTESTANTES 1. Os primeiro projetos; 2. Constituição do protestantismo; 3. Propaganda e Violência; 4. Adversários do reformador; 5. O monge e os fanáticos; 8. Os falsos amigos de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO IX OS AUXILIARES DE LUTERO 1. O fogoso Zwínglio; 2. O iconoclasta Carlostadt; 3. O infame Calvino; 4. O sanguinário Henrique VIII; 5. Outros colaboradores; 6. Conclusão. CAPÍTULO X ÚLTIMAS LUTAS DO REFORMADOR 1. Na fortaleza de Coburgo; 2. O ódio ao Papado; 3. Bigamia de Felipe de Hesse; 4. Louco ou possesso. 5. Conclusão. CAPÍTULO XI ÚLTIMOS DIAS E MORTE DE LUTERO 1. O homem terrível; 2. Desgostos e remorsos; 3. Última viagem; 4. A morte misteriosa; 5. Outras opiniões; 6. O enterro de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO XII A CONTRA REFORMA 1. O Concílio de Trento; 2. A sagrada Escritura e a tradição; 3. pecado Original; 4. A Justificação; 5. Os sacramentos em geral; 6. A eucaristia; 7.Penitência e Extrema Unção; 8. Ordem a Matrimônio; 9. Purgatório e indulgências; 10. O culto dos santos; 11. Decretos disciplinares; 12. Conclusão. CAPÍTULO XIII OS SANTOS E A SANTIDADE 1. Os Papas; 2. As ordens religiosas; 3. Os santos dessa época; 4. Os sábios da época; 5. Conclusão. CAPÍTULO XIV OS SUCESSORES DE LUTERO 1. Os Batistas; 2. Os presbiterianos; 3. Os metodistas; 4. Os quakers ou tremedores; 5. A fragmentação protestante; 6. Seitas, seitas, seitas; 7. Seitas excêntricas; 8. Conclusão CAPÍTULO XV O PROTESTANTISMO 1.Julgados por si mesmos; 2. A sentença de morte; 3. Um morto ainda vivo; 4. O simulacro de religião; 5. A mixórdia protestante; 6. A moral protestante; 7. Conclusão. CAPÍTULO XVI UMA VISTA GERAL 1. Grandes e grandes; 2. Lutero; 3. O grande erro; 4. A interpretação individual; 5. Retratações de Lutero; 6. Fatos significativos; 7. Juízo de um anglicano; 8. Conclusão Rio de Janeiro e Fortaleza, também foram palcos do conflito do Pe. Júlio Maria com os presbiterianos. Dessa forma, Mendonça relata que:

Em princípios do século, pe. Júlio Maria pronunciou, no Rio de Janeiro e em Fortaleza, uma série de conferências contra o protestantismo. A de Fortaleza foram respondidas pelo pastor foram respondidas pelo pastor presbiteriano Jerônimo Gueiros e publicadas em 1905, e as do Rio de Janeiro pelo pastor, também presbiteriano, Álvaro Reis, e publicadas em 1908. Interessam-me estas últimas. O pregador redentorista fez em suas conferencias três afirmações que Álvaro Reis empreendeu refutar: 1º) que o protestantismo é uma negação religiosa; 2º) que o protestantismo é uma negação da autoridade da Igreja; e 3º) que o protestantismo é uma negação política (MENDONÇA, 1995, p.91). 60

Além da disputa doutrinária através das publicações, houve também uma competição através dos meios educacionais, protagonizada pelas duas igrejas. Frente ao crescimento do Colégio Evangélico em Alto Jequitibá, os Sacramentinos fundaram em Manhumirim os Colégios Santa Terezinha, com internato feminino, e Pio XII, com internato masculino, estabelecendo assim uma forma de poderio na educação. A controle das igrejas nos meios educacionais é um instrumento importante no processo sociocultural de criação, consolidação e expansão de um ethos33 religioso fundamentado numa doutrina católica versus a presbiteriana. Assim, a educação escolar serviu como base de disputa para influenciar a sociedade. Mendonça comenta que:

A função civilizatória, utópica e mesmo ideológica racionalmente considerada, de transformar sociedades segundo os valores protestantes da ética econômica e do trabalho, assim como do sistema político segundo o modelo democrático e republicano, caberia à educação secundária e superior. Daí as missões serem sempre acompanhadas de educadores a fim de fundar escolas. (MENDONÇA, 2004, p.62).

Colégio Santa Terezinha em Manhumirim.

33 Segundo Weber, Ethos é um termo genérico que vem usado frouxamente para designar um conjunto impressionistico de traços tidos como “característicos” de um grupo ou círculo social ou mesmo de um povo (WEBER, 2004, p.284). 61

O Colégio Santa Terezinha, que foi criado na época do pe. Júlio Maria, foi um investimento da igreja católica na educação em Manhumirim, como estratégia de crescimento e expansão. Certeau caracteriza essa ação como estratégia. Ao fundar igrejas, os líderes tinham como estratégia a construção de escolas, para se estabelecerem frente às ameaças de outras religiões. A respeito desse comportamento, Certeau esclarece que:

Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade os objetivo da pesquisa etc.) Como na administração de empresas, toda racionalização “estratégica” procura em primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar do poder e do querer próprios. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro. Gesto de modernidade científica, política ou militar (CERTEAU, 1998, p.99).

A Igreja Presbiteriana estabelecia sua força com a construção do Colégio e com isso, ela firmava sua estratégia frente a um contexto católico, que predominava no país. O Leste de Minas foi beneficiado por essa competição em razão da concorrência entre as escolas. O combate entre o padre e o pastor chegou ao fim com a morte de Júlio Maria. Um acidente trágico que abalou ambas as cidades e religiões.

Fonte: Museu Padre Júlio Maria 62

O padre havia saído para comprar um terreno em Vargem Grande, distrito de Alto Jequitibá. No dia 24 de dezembro de 1944, quando retornava para Manhumirim, na descida de uma serra, o carro derrapou e o imprensou a uma árvore. O fato ficou conhecido em toda a região e os protestantes acharam que foi muito doloroso para ser comentado. Nessa época o Rev. Cícero Siqueira ainda era pastor da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá (SATLHER, 1991, p.126). 3.5 - “A Cidade Sem Pecado” Com a influência da educação a população estava sendo atendida e o analfabetismo diminuía na região. Em 1963, a revista Manchete publicou uma matéria chamada “A Cidade Sem Pecado”, baseando-se nos menores índices de criminalidade do Brasil. A matéria mostra o trabalho de evangelização e a importância regional do Colégio Evangélico na cidade de Alto Jequitibá. Um dos memoriais católicos, também destaca o desenvolvimento da cidade, comentando que:

Muitos forasteiros eram protestantes. Estes foram erguendo seus templos e escolas onde se instalavam. Os padres eram escassos e não conseguiam atingir todas as famílias. Os pastores evangélicos eram mais numerosos, mais insistentes e marcavam mais presença na região junto às famílias. Conseguiram, por isso, mais sucesso nos seus trabalhos (BOTELHO, 1989, p.178).

Fonte: Museu da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. 63

A matéria da Revista Manchete informa que:

“No Brasil, país tradicionalmente católico, há uma cidade predominantemente protestante. Em Minas Gerais, à beira de longa estrada poeirenta que atravessa a Zona da Mata e se perde no Espírito Santo, está situado o município de Presidente Soares (Alto Jequitibá), com 2500 habitantes – 1900 presbiterianos e os demais, católicos. Porém não há conflitos. Antecipando o que o Vaticano se esforça por estabelecer, através do concílio ecumênico, protestantes e católicos vivem em perfeita harmonia. No Colégio Evangélico – orgulho da região e um dos mais famosos de Minas – estudam presbiterianos e católicos. Todas as semanas, um sacerdote católico é admitido no estabelecimento, onde reza missa para os alunos católicos. Em Presidente Soares o puritanismo obedece a uma inclinação profunda do povo. Nunca houve bailes na cidade, que não possui clubes sociais. Ninguém ali aprecia bebidas alcoólicas. E na cadeia dois soldados passam o dia bocejando de tédio, porque há anos nenhum cidadão do município tem o desejo de roubar ou matar o seus semelhante. Além dos dois cinemas (um católico e outro protestante), a outra distração local é a leitura da Bíblia. A primeira coisa que se vê ao chegar em Presidente Soares, depois de passar por Manhuaçu e Manhumirim, é a grande placa negra com uma saudação em letras amarelas: Bem- vindo a Presidente Soares, a cidade mais próxima do Pico da Bandeira. Esta é uma honra que o povo não se cansa de frisar: ser parada obrigatória na partida para a escalada do segundo ponto culminante do Brasil. E, de fato, quem quiser comtemplar o mais belo pôr-do-sol deste país – tem que antes entrar em contato com os habitantes da cidadezinha humilde e hospitaleira, cujos princípios morais são inspirados diretamente na leitura da Bíblia”.

Podemos notar que a cidade ganhou destaque nacional devido a influencia na moral, na ética e na cultura em geral. Uma matéria de revista, que elogia o comportamento de uma população influenciada pelos valores da religião. O presbiterianismo não foi apenas uma denominação protestante, que se preocupou com a conquista de adeptos, mas também causou impactos na sociedade em geral. A cidade de Alto Jequitibá se tornou destaque na educação e avançou para sua emancipação. Dessa forma, podemos perceber a aparência do “homem cordial34”.

34 O lado negativo do “homem cordial” também é relato da seguinte forma: Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o povo brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio soicial é, no fundo, justamente o contrário de polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações do “homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula (HOLANDA, 2014, P.176). 64

Holanda, relatando sobre as características desse homem, comenta que:

A Ihaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados nos meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante (HOLANDA, 2014, p.176).

Assim, percebemos no “mineiro”, uma característica marcante da hospitalidade. Não há como ir ao Leste de Minas e não notar essa personalidade. As expressões: “entra pra tomar um café”, “espera que o almoço está saindo”, “tá cedo pra ir embora”, são típicas de uma cordialidade, mesmo que venha de modo desconfiado. Holanda chama isso de “polidez”, que “é de algum modo, organização de defesa ante a sociedade” (HOLANDA, 2014. p. 177).

Notícia sobre a cidade sem analfabetos. Fonte: Museu APCE.

65

A imagem anterior representa mais uma vez a influência do presbiterianismo na educação e política. O desejo da emancipação da cidade de Alto Jequitibá é destacado no jornal com a seguinte título: Presidente Soares, localidade sem analfabetos, deseja emancipar-se. Satisfaz os requisitos legais para obter as responsabilidades do governo próprio. Na imagem de baixo, que se encontra no jornal, está o Rev. Cícero Siqueira, que também participou da comissão responsável pela emancipação da cidade. A cidade de Alto Jequitibá teve forte influência da Igreja Presbiteriana. As famílias presbiterianas foram fortes na região e ainda continuam bem representadas. Podemos concluir esse capítulo dizendo que a cidade se estruturou em torno da Igreja Presbiteriana.

66

Conclusão

Ao concluir essa pesquisa, verifica-se que a história do presbiterianismo na cidade de Alto Jequitibá, traz à tona o conceito de que realmente a religião pode transformar e influenciar uma região. Desde a chegada dos imigrantes protestantes no Brasil, percebe-se que a história e a religião andam juntas. Os efeitos da política e da religião influenciam a sociedade na sua maneira de reagir. A fuga dos imigrantes protestantes, de certa maneira influenciou na expansão do presbiterianismo. Com isso, as estratégias do presbiterianismo alcançar esses imigrantes, foram identificadas de várias formas, mas sempre com a intenção de ganhar fiéis frente a religião católica que predominava no Brasil. A investida na educação, através da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, resultou no conhecimento da denominação e o crescimento no número de fiéis. A característica da sociedade local, foi resultado do investimento na moral, ética e cidadania, em que igreja e escola trabalharam juntas. O conflito religioso, entre a igreja católica e presbiteriana, deu o sentido de uma realidade nacional, que percebe-se em várias regiões do Brasil. Dessa forma, identifica-se um incentivo a criatividade de ambas as igrejas, para tentar imperar na região. A construção de escolas foi uma estratégia perceptível de criatividade promovida pela concorrência. O crescimento do presbiterianismo no Leste de Minas a através da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, pode ser visto até os dias de hoje. A história ainda se arrasta em meio ao tempo, sempre desafiando novas pesquisas que podem ser feitas na região. Todo esforço e resultado dessa pesquisa, mesmo que seja inédita para Ciências da Religião, ainda é um resultado introdutório, frente ao que ainda pode ser explorado. O desafio de ler as atas da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá e não ser influenciado pelo saudosismo é uma marca de um cientista da religião. Dessa forma, esse trabalho foi concluído e tem a oportunidade de ser continuado pela academia.

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Anexo A – Decreto aos Imigrantes Suíços – Capa

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 Acesso em 30/04/2018.

68

Anexo B – Decreto aos Alemães - Capa

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=documentos_colonizacao_alema&d=01-01-1824 Acessado em 30/04/2018.

69

Anexo C – Contrato de imigração Suíça. Art. I ao IV.

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 acesso em 30/04/2018.

70

Anexo D – Contrato de imigração Suíça. Art. V ao VIII.

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 acesso em 30/04/2018.

71

Anexo F – Contrato de venda dos imigrantes suíços.

Fonte: Disponível em: http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 acesso em 30/04/2018.

72

Anexo G – Contrato de Imigração Suíça. Art. X ao XIV.

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=colonizacao_suica_em_nf&d=01-01-1820 Acesso em 10/05/2018.

73

Anexo H – Carta da situação do pastor Sauerbronn em 1835.

Fonte: Disponível em http://www.djoaovi.com.br/journal.php?id=documentos_colonizacao_alema&d=01-01-1824 Acesso em 30/04/2018. 74

Anexo I – 1º Templo da Igreja construída por Henrique Eller

Fonte: Museu da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá – MG

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Anexo J – Antiga Estação na Cidade de Alto Jequitibá

Fonte: Fotografia tirada em visita a cidade de Alto Jequitibá. Registro em 15/05/2018.

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Anexo L – Antigo Trem Passando na Cidade de Alto Jequitibá

Fonte: Disponível em http://www.altojequitiba.mg.gov.br/a-cidade/historia-do-municipio acesso em 20/04/2018

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