ARTICULANDO PAISAGENS: O RIO, A RUA E A LINHA FERRÉA

Aluna: Larissa S.Chaves Orientador: Samuel S. dos Santos SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...... 03 A CAMADA AMBIENTAL BACIA DO RIO VERDE ...... 39 01 MOTIVAÇÕES ...... 03 07 AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ...... 41

PSA NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL ...... 44 LEITURAS QUANDO A RUA VIRA CASA ...... 05 AS SUB-BACIAS EM ...... 45 O DECLÍNIO DO HOMEM PÚBLICO ...... 07 02 DIRETRIZES GERAIS PARA AS SUB-BACIAS...... 47 SUB-BACIAS E NASCENTES ...... 49

ENTRE METRÓPOLES...... 10 ONDE?! O RECORTE DE INTERVENÇÃO 03 08 A PROBLEMÁTICA DOS RIOS URBANOS ...... 53 O RIO ...... 55; 57

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS ...... 11 A RUA ...... 56; 59 04 A LINHA FÉRREA ...... 56; 61; 63

PERCORRENDO A CIDADE ...... 19 DIRETRIZES PARA AS CAMADAS ...... 65 05 09

UM SEGUNDO RECORTE ...... 71 06 AS DUAS CAMADAS DO LUGAR ...... 21 10 A CAMADA HISTÓRICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 73 O SURGIMENTO ...... 23 07 ESTRADA DE FERRO MINAS E RIO ...... 25 11 A INDÚSTRIA FUMAGEIRA E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS ...... 28

PATRIMÔNIO HISTÓRICO E PRESERVAÇÃO ...... 34

TOMBAMENTOS ...... 35 APRESENTAÇÃO a mudança da forma como ocorrem as relações em nossa sociedade. Ouvindo meus avós, tio-avós, tios, pais parecia que antigamente existia uma maior integração entre as pessoas, uma comunidade O projeto visa explorar as potencialidades que o centro de Passa Quatro-MG possui como mais ativa. Havia os bailes nos clubes, os jogos de verão, o cinema nas tardes de domingo, as festas espaço público, principalmente no que concerne às duas dimensões tão presentes na paisagem: a religiosas. A vida pública era mais presente no cotidiano das pessoas. É claro que a sociedade histórica e a ambiental. Dimensões essas que são representadas pelas três camadas que compõem muda, novos hábitos são adquiridos e as pessoas passam a interagir de formas diferentes, inclusive a paisagem. O Rio, a Rua Direita e a Linha Férrea conformaram a apropriação do centro histórico com novas formas de lazer, e grande parte disso vem com o avanço das tecnologias e como elas e geraram paisagens marcadamente distintas na cidade. A Rua Direita norteou a ocupação se introduziram e modificaram o nosso cotidiano. Não é um pensamento saudosista, mesmo da localidade, como lugar de passagem e pouso de bandeirantes e tropeiros. A Linha Férrea porque, eu mesma não vivi esses tempos, porém o que me chama a atenção é que os espaços impulsionou o crescimento, ao facilitar a conexão com outros locais propiciando o desenvolvimento que são projetados hoje abrigam as mesmas funções daqueles realizados há 50 anos, quando, de novas atividades como o cultivo e beneficiamento do fumo. Juntos, a ferrovia e o fumo foram definitivamente vivenciamos um período em que as pessoas interagiam de forma diferente, assim os grandes responsáveis por alterar o espaço citadino e conformar o centro histórico tal como como havia outras formas de lazer e diversão. se encontra hoje. O rio, por sua vez, configura um vale que facilitou o cruzamento da Serra da Com Passa Quatro isso não é diferente. Alguns hábitos e tradições foram perdidos, enquanto Mantiqueira rumo ao interior das . Ele fornece legibilidade ao espaço, mas sofre com as novas possibilidades vem surgindo. Não há mais carnavais como antigamente, os bailes nos clubes pressões dos elementos urbanos, está nos fundos, às margens da paisagem da cidade. Assim sendo, não ocorrem, nem mesmo os jogos de verão e o cinema das tardes de domingo. Mas as pessoas o propósito deste trabalho é promover a articulação entre essas camadas que conferem identidade e ainda se conhecem, se não você, seus pais e avós, com certeza. As festas religiosas ocorrem, singularidade a cidade de Passa Quatro. Foram feitas análises e leituras de cada uma delas na porção mesmo que não tão grandiosas como antes, a banda ainda toca nas procissões, e isso é umas das que perpassa o centro da cidade, para então lançar as diretrizes projetuais para a área do centro coisas que mais me encantavam quando criança ouvir a banda tocando na procissão e ver a fumaça histórico. O projeto final consiste no desenho urbano de um eixo que perpassa as três camadas, o do turíbulo ganhar o céu. A tal banda foi fundada em 1897. rio, a rua e a linha férrea, funcionando como um estudo de caso de como as diretrizes gerais podem Hoje acontecem vários novos eventos que acontecem na cidade durante o ano, como o Canta ser aplicadas para todo o centro histórico, considerando-se as especificidades. Passa Quatro, o Festival de Gastronomia, as competições de mountain bike e de montanhismo, Neste Caderno se encontra o trabalho desenvolvido desde de TCC1 até a etapa da pré- além daquelas já tradicionais como o Carnaval de rua, a Festa da Santa Casa, a procissão de banca. As informações referentes as etapas desenvolvidas posteriormente encontram-se na seguinte Corpus Christi, a Exposição Agropecuária etc. É por isso a minha vontade de estudar tanto a carga pagina: https://larischaves.wixsite.com/articulandopaisagens histórica do lugar, que possui inúmeros reflexos nas relações sociais das pessoas e também no espaço urbano. Assim, parti da princípio de que em cidades pequenas as relações sociais ocorrem de forma mais intensa que numa cidade de porte maior, comecei a estudar como as relações ocorrem entre as pessoas e delas com o espaço, pois a cidade não é somente lugar de reprodução e produção de MOTIVAÇÕES divisas mas de construção de um modo de vida pautado pelas relações interpessoais, dotadas de alto caráter subjetivo e característico do lugar e dos significados e signos nele presentes. A cidade É muito fácil dizer o que me levou a pensar um projeto em Passa Quatro, MG. Não conseguia é um produto social, que evidencia a identidade local, os hábitos, costumes, lugares-comuns, visualizar nenhum outro lugar que me agradasse mais desenvolver um projeto de TCC, eu cresci ali, em festas e eventos. Pretendo considerar todos esses aspectos associando, principalmente, com a meio a vales e montanhas, rios e cachoeiras aprendi a valorizar a história local e natureza, a perceber importância do caráter ambiental do sítio, da Serra da Mantiqueira como um grande manancial da as transformações que ocorriam ao meu redor, mesmo em um município de 16 mil habitantes, isso região sudeste. me levou a cursar Ecologia e a estudar os aspectos ambientais e sua a relação com o homem. Uma outra coisa que aprendi com a minha cidade foi valorizar a história que é contada pelas edificações, pelas tradições e pelas próprias pessoas, e, muito provavelmente veio daí a minha vontade em cursar Arquitetura e Urbanismo. Então, essas duas faces de Passa Quatro me fizeram pensar em trabalhar a questão histórica da cidade e suas implicações no espaço, juntamente com a questão ambienteal num local de extrema relevância ecológica, que é a Serra da Mantiqueira. Ao longo do meu processo, bem no princípio deste, uma de minhas inquietações era justamente 3 4 EMBASAMENTO TEÓRICO Quando a Rua Vira Casa - Carlos Nelson As dinâmicas que ocorrem em cidade pequenas são diferentes das que se A grande protagonista do livro é a rua, ela é a dimensão desenvolvem em cidades maiores, como Florianópolis, assim como as problemáticas, pública por excelência, o formal, o que é visível. É onde as lá muitas vezes mais escancaradas e complexas. Por esse motivo, abordou-se a cidade crianças brincam, onde os ambulantes trabalham, onde ocorrem como um grande bairro, ela como um todo e seus habitantes mantém relações de as manifestações religiosas, populares e comunitárias, onde as proximidade. Por esse motivo o livro de Carlos Nelson, Quando a Rua Vira Casa, foi pessoas se encontram para um bate-papo. A rua é um elemento tão importante no processo. agregador, é lazer, é cultura, é trabalho, é diversidade (de uso e de Este livro traz um estudo comparativo entre duas localidades do , pessoas), é troca, é conflito, “é o palco por excelência do social” o Catumbi e a Selva de Pedra, sendo o Catumbi um bairro que estava passando (p.83). por grandes transformações nos anos 1980, principalmente devido a pressão e Sendo o “Catumbi é uma cidade pequena”, Passa especulação imobiliária em função do grande crescimento da cidade do Rio. Porém Quatro é um Catumbi. Grande parte das relações sociais, que se o bairro ainda resistia como um entrave de vida comunitária intensa, principalmente desenvolvem na rua, descritas no livro ocorrem em Passa Quatro. É devido à sua tipologia e à população tradicional que ali morava. A Selva de Pedra, um fator comum: a socialização se dá na rua. por sua vez, um projeto modernista, idealizado para ser o modo ideal de se morar na Quando o autor fala da Selva de Pedra e de como as relações sociais cidade, em comunidade, com espaços de lazer etc. Um projeto que não conseguiu nesse local são diferentes daquelas do Catumbi, fica em evidência alcançar seus objetivos, no qual predominava a homogeneidade de tipos sociais e que “a ausência de relações pessoais no espaço público” (p.122) não propiciava a construção de uma vida comunitária. Os moradores da Selva de reflete na falta de comunidade nas ruas, talvez em função do Pedra queriam se isolar do entorno e criar um espaço “seguro” através da criação projeto modernista, no qual a funcionalidade e a separação levou de um condomínio. A questão que está no cerne do problema é que, ao contrário ao fracasso da vida comunitária. O modernismo, por sua vez, é um do Catumbi, a falta de um sentimento de comunidade e uma maior integração com movimento de uma época que refletia as aspirações da sociedade os vizinhos, leva à uma maior segregação, ao medo do desconhecido e, portanto à em que já se evidenciava uma dificuldade em estabelecer o que é uma maior insegurança, sendo que ao levantar muros, muitas vezes intensificam-se, público a partir do individualismo, da privacidade, do ordenamento justamente aquilo que se queria evitar, a insegurança e a violência. e da regularização, mas acima de tudo como um reflexo de uma O livro trouxe ao projeto e à forma se vê o lugar vários ensinamentos e sociedade que tendia cada vez mais a intimidade. A questão da reflexões. Lendo-o é possível perceber muito do Catumbi em Passa Quatro, além, intimidade, do caráter público, de como as pessoas se relacionam é claro, das diferenças. Começando pela diferença, o Catumbi nos anos 80 passava no ambiente urbano, nas ruas, entra elas, levou ao livro do Richard por um intenso processo de renovação urbana que contrariava a dinâmica do local, Sennet, “O Declínio do Homem Publico: as tiranias da intimidade”. em Passa Quatro as mudanças se procedem lentamente. Talvez, em Passa Quatro, as mudanças que ocorrem na comunidade e no espaço, por conseguinte, sejam mais frutos da transformação da sociedade, de como ela se relaciona com o meio público, com o outro, do que relacionada à uma transformação iminente no espaço físico. As pessoas, na era da intimidade e da tecnologia, prezam por si mesmos, pelo indivíduo em detrimento da comunidade, do outro, não por acaso vivemos em uma crise de empatia. Esse fator traz consequências espaciais, uma vez que “as regras de utilização do espaço estão permanentemente em construção” (p.49), porque a sociedade está em construção e, o espaço, a cidade são construídos socialmente. É um processo inevitável, mas imprescindível, não queremos viver em pleno século XXI, utilizando os mesmos conceitos e tipos espaciais do século XIX. 5 6 O Declínio do Homem Público - Richard Sennet

Este livro de Richard Sennett veio como forma de entender como as relações sociais se desenvolveram ao longo do tempo culminando na sociedade fortemente individualizada e intimista que temos hoje e como isso afeta o espaço público. O embasamento de Sennett parte da seguinte ideia: “As pessoas são tanto mais sociáveis quanto mais tiverem barreiras tangíveis (…) os seres humanos precisam manter certa distância da observação íntima por parte do outro para poderem sentir-se sociáveis. Aumentem o contato íntimo e diminuirão a sociabilidade.” A princípio isso é um tanto paradoxal, mas olhando por outro ângulo é compreensível. Esse livro foi publicado em 1976, porém ele prevê muito do que acontece hoje, na era das comunicações em massa, via facebook, instagram, twitter. As redes sociais “aproximam” as pessoas, mas mantém o forte caráter intimista, uma vez que você está atrás de um celular, um computador. Quando essas relações passam para a rua, para o ambiente publico, as barreiras já foram rompidas pelas redes sociais, e, portanto, parece que as pessoas não se conectam realmente, principalmente com relação ao outro desconhecido, a sociabilidade diminui no público, mas é extrapolada no ambiente virtual. As redes sociais ainda evidenciam um fator que Sennett aborda no texto, que é a questão da personalidade no ambiente público. A personalidade passa a ser a representação da pessoa, é um tipo, aquilo que se veste, o que se come, os lugares que frequenta, a forma como fala. A pessoa deveria passar uma ideia que a identificasse frente às outras pessoas “suas ideias formuladas em público, eram exposições delas próprias, psicologicamente falando” (p.313). Não vejo isso como algo negativo, hoje, definitivamente, as pessoas têm mais liberdade de expressão, para o bem ou para o mal, mas, apesar dos preconceitos e dos discursos de ódio, elas podem ser quem elas querem, e isso, definitivamente é um avanço. A questão da intimidade na sociedade, segundo Sennett, levou ao que ele chama de “comunidade destrutiva”. O afloramento da personalidade em público, de como a pessoa realmente é, leva ao conflito com o outro, aquele que possui uma personalidade oposta, isso acarreta num maior retraimento pessoal, as pessoas com receios de se socializarem e serem ameaçadas se fecham em pequenos grupos de mesma personalidade, deixando de pensar e viver uma concepção mais ampla de sociedade. “O campo da política passa a ser abandonado graças à crença na personalidade enquanto signo de credibilidade incontestável (…) Nega-se qualquer relação interpessoal com sujeitos estranhos na mesma medida que se supervalorizam as relações na sociedade, vem aos poucos aparecendo em Passa Quatro, como alguns locais onde a interface impessoais.” (BOTTON, 2010). O que tem um reflexo patente na cidade, a construção de muros público-privado é totalmente murada, a ideia dos condomínios fechados, apesar de não ser uma como defesa contra os estranhos, os condomínios fechados, tudo isso surge dessa necessidade de tipologia predominante. proteção contra aqueles que não são iguais, ou não participam do mesmo grupo, porém o único A questão além daquela da dimensão da transformação das relações sociais é a de pensar reflexo é a insegurança cada vez maior. Isto explica bem o que ocorreu na Selva de Pedra, a ideia o espaço urbano de Passa Quatro e como as pessoas se apropriam dele. É ter em mente que assim de que ali dentro todos eram iguais e que sentiam a insegurança com relação ao outro, aquele como no Catumbi é fundamental “cultivar um meio urbano cujas ruas permitam jogar uma ‘pelada’, oriundo da favela, o que culmina com o desejo de transformar o local num condomínio fechado, e, andar de bicicleta, ou simplesmente passear à sombra. O planejar é cultivar, no sentido primeiro da portanto, para eles seguro. palavra, acompanhar o dia-a-dia, intervir dia a dia na escala do dia-a-dia” (SANTOS, 1985, p.142). Essas ideias de mudanças espaciais em função da transformação das relações que ocorrem E é justamente nessa escala que se pretende intervir. 7 8 ONDE?!

O município de Passa Quatro está localizado no sudeste do Estado de Minas Gerais na divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Praticamente equidistante entre as duas maiores metrópoles do país, o que impulsionou seu desenvolvimento e influenciou os processos históricos pelos quais passou.

Entre Metrópoles

Belo Horizonte

Rod. Fernão Dias

Passsa Quatro

MG-158

Via Dutra

Rio de Janeiro São Paulo

9 10 ASPECTOS SÓCIOECONÔMICOS

Logo no princípio do processo de desenvolvimento ficou claro a importância de se analisar os aspectos socioeconômicos do município pois através deles seria possível entender melhor a dinâmica socioespacial e quem são as pessoas que ali moram e convivem, além disso serve de prognóstico para o futuro. Por meio dessa análise tentou-se traçar um perfil do município.

Perfil Demográfico

Assim como ocorreu com a população brasileira em geral, a população de Passa Quatro também envelheceu, ou seja, a queda na taxa de natalidade associada ao aumento da expectativa de vida provocou uma alteração na pirâmide etária do município dos anos Fonte: SEBRAE/MG, 2014. 2000 para 2010. Apesar disso, a população total continua crescendo como fica evidente pela imagem, sendo que, por projeção, somente após 2030 ela ultrapassaria o limiar de 20 mil habitantes. A população urbana supera a população rural, mas vale frisar que num municipio de 16 mil habitantes os limites entre urbano e rural não são palpáveis, a cidade é algo entre o rural e o urbano, atividades dessas duas realidades se mesclam no cotidiano das pessoas. Esses fatores refeltem diretamente no espaço urbano, o crescimento embora lento, acaba pressionando os recursos naturais, assim como o patrimônio histórico da cidade.

2031

Fonte: SEBRAE/MG, 2014. Fonte: Prefeitura Municipal de Passa Qautro, 2016.

11 12 Perfil Econômico

A atividade comercial e de serviços desempenha um importante papel na economia do município, tanto no número total de estabelecimentos (45%) quanto na contribuição para o PIB do município (Valor Adicionado), uma vez que 35% do PIB vem dessa atividade. Apesar da quantidade de empresas do setor agrícola ser pequena, somente 9% destas estão relacionadas ao setor, porém este é significativo no que concerne ao Valor Adicionado, o setor da indústria agrícola é responsável por 28% do PIB de Passa Quatro. A indústria de embalagens de papelão é a que mais emprega no município, sendo aquela que tem maior expressividade econômica. Em seguida estão as fábricas de: material plástico, no caso, sacolas plásticas, criação de aves, e indústria de confecção e malharia, estas três últimas pelo gráfico empregam aproximadamente o mesmo número de pessoas, porém a massa salarial da fábrica de sacolas plásticas é maior. Quando se compara esse gráfico com aquele da cidade vizinha de , fica evidente o quão relevante a indústria avícola é para este município, tanto no que se refere a geração de emprego quanto a contribuição ao PIB. Em Passa Quatro não há um domínio tão grande de um tipo de indústria sobre o outro, as atividades são melhores distribuídas.

Fonte: SEBRAE/MG, 2014.

Infraestrutura

Com relação a infraestrutura, Passa Quatro está abaixo dos índices, se compararmos com municípios vizinhos, para todos o quesitos com exceção da Destinação de Lixo. Vale ressaltar o investimento em Saneamento totalizando um gasto de 14,9% das despesas municipais com este tipo de obra. Através do PAC-2 o município conseguiu verba para a construção da rede interceptora de esgoto e da ETE da área central. O interceptor percorre toda a borda do rio, na área central, e a obra já foi concluída, a conclusão da ETE está prevista para setembro de 2017, e o funcionamento tem previsão de início para outubro do

Fonte: SEBRAE/MG, 2014. Fonte: SEBRAE/MG, 2014. mesmo ano. Como Passa Quatro possui uma ocupação linear, ao longo do rio, esse sistema de saneamento abrangeria somente a porção central do município, não abrangendo os outros distritos, Pinheirinhos, a sul e Pé do Morro ao norte.

13 14 Fonte: SEBRAE/MG, 2014.

Fonte: SEBRAE/MG, 2014. Fonte: SEBRAE/MG, 2014. 15 16 Perfil Social

Passa Quatro possui um IDH alto e, é possível ver a melhora na qualidade de vida de 1991 para 2010. Os índices de renda e educação acabam puxando o IDH geral para baixo. No caso da renda percebe-se pelo índice de gini que grande parte das pessoas recebe entre 0,5 e 1 salário mínimo. A renda per capita, por sua vez, mostrou considerável aumento, muito provavelmente isso se deve aos programas governamentais como bolsa família (cerca de 630 pessoas foram beneficiadas pelo programa em 2015), assim como ao momento econômico positivo vivenciado pelo país na época. Apesar de considerável parte da população ser de baixa renda, o salário médio mensal dos trabalhadores formais é o terceiro da microrregião (1,9 salários mínimos) e a porcentagem da população ocupada é a quarta (20,9%).

Fonte: SEBRAE/MG, 2014.

Território e Ambiente

No que se refere a qualidade do ambiente urbano Passa Quatro não se destaca, mostrando que esse aspecto é um ponto a ser melhorado. Somente 23,8% dos domicílios urbanos se encontram em vias públicas com calçada, pavimentação, meio-fio e bueiros e 59.8% de domicílios urbanos estão localizados em vias arborizadas.

Fonte: SEBRAE/MG, 2014.

Fonte: IBGE Cidades, 2017.

Fonte: IBGE Cidades, 2017. 17 18 PERCORRENDO A CIDADE

Num primeiro momento, antes de efetivamente iniciar o TCC.1 a única certeza era o local onde se desenvolveria o projeto, a temática em si ainda estava aberta, por isso todo o processo foi pautado pela descoberta, através dele foi possível ler e compreender melhor meu local de origem, assim como suas problemáticas e necessidades. Por isso a partir de algumas preocupações e questionamentos, como a relação das pessoas com os espaços e entre elas mesmas, delas com o ambiente que as rodeia foi realizado uma espécie de diário, o qual representava a narrativa e a ilustração de alguns lugares do município. Isso foi essencial para se entender a dinâmica da cidade e, na hora de efetivamente projetar os espaços não propor “ideias fora do lugar e lugar fora das ideias” (MARICATO, 2000). Os espaços devem refletir e até mesmo intensificar a dinâmica local e não impor novas dinâmicas que para ali não fazem sentido naquele momento. Nesse percurso, tanto da vivência do local quando das descobertas ao longo do processo do TCC duas dimensões ou camadas se sobressaíram das análises. São elas as dimensões histórica e a ambiental. Tanto nos croquis, quanto nas imagens tiradas ao longo do percorrer a cidade fica muito claro a presença do natural, do meio, do sítio-físico, e mais, o lugar associado a paisagem construída, como duas partes indissociáveis, a cidadezinha que brota dentre um mar de morros, da sua igreja que desponta e marca a paisagem. É a paisagem natural e a paisagem construída historicamente que criam a ideia que se tem de Passa Quatro, duas dimensões que juntas formam uma cena imanente. Dentro das duas dimensões foi possível individualizar três camadas conformadoras da paisagem. Na dimensão ambiental há o percurso do Rio Passa Quatro que confere o nome à cidade e abraça todo o centro, na dimensão histórica há dois elementos, a linha férrea que secciona todo o território marcando a paisagem com áreas verdes e não edificáveis e a primeira rua da cidade, antigamente denominada de Rua Direita, hoje a Rua Tenente Viotti, a partir da qual se desenvolveu o centro de Passa Quatro. Esses três elementos cruzam a cidade e são correlacionados, ou seja, a configuração do sítio físico, um vale mais amplo por onde corre o rio, determinou o local por onde passa a Rua Direita que por conseguinte estabeleceu o local da linha férrea.

19 20 AS DUAS DIMENSÕES DO LUGAR

A seguir, uma breve análise sobre construção dessas duas dimensões e das três camadas que compõem a paisagem e como elas conjuntamente moldaram Passa Quatro tal como se encontra hoje. estradas públicas e oficiais pelas quais a A Dimensão Histórica Coroa Portuguesa controlava a circulação de pessoas, mercadorias e minerais O Surgimento preciosos oriundos da região de Vila Rica (Ouro Preto). O primeiro caminho a ser Os primeiros indícios de habitação em Passa Quatro datam do final do século XVII implantado ficou conhecido como (CARNEIRO, 1988), porém a região como um todo sempre foi porta de entrada para o Sertão das Caminho Velho que ligava Ouro Preto- Minas Gerais, para expedições em busca de índios em um primeiro momento e, posteriormente, MG a Paraty-RJ, passando pela Garganta ouro e metais preciosos (ARAÚJO, 2008). A travessia da Serra da Mantiqueira ocorria pela Garganta do Embaú. Dentre os três caminhos do Embaú, uma espécie de vale entre as montanhas, facilmente identificável ao longe, e logo ali, possíveis, partindo da Capitania de São atravessando esse vale se encontrava Passa Quatro, o local é, portanto, a porta de entrada para Paulo, para transpor a serra em direção ao Minas Gerais. interior da Capitania das Minas Gerais, o roteiro que cruzava a Garganta do Embaú era o mais usado (Zemella, 1990). “Pelo que se deduz, esse ‘caminho velho’ foi a primeira estrada oficial para se chegar ao chão mineiro, tanto para o viajante provindo do Rio ou de São Paulo. Através dele, tropas iam ao Rio levando produtos de Minas e retornavam trazendo produtos importados, de tecidos a bebidas, de sal a pólvora” (MOSSRI, 1998). Esta estrada “estava sob os cuidados da coroa que, pretendendo controlar o escoamento de ouro, decretou que este seria o único acesso permitido ligando as minas aos portos da colônia” (IGAM, 2010). Em 1707, abriu-se uma rota alternativa, mais curta para o interior de Minas, que ficou conhecida como Garganta do Embaú vista a partir do Vale do Paraíba Caminho Novo conectando Ouro Preto ao Rio de Janeiro. O fluxo no Caminho Velho Várias expedições adentraram Minas Gerais pela Garganta do Embaú, em 1531 por Martim diminuiu porém ainda existia. No que se Estradas Reais: Mapa da ABIH Afonso de Souza, em 1596 pelo inglês Anthony Knivet, em 1646 e 1662 pelos bandeirantes paulistas refere a Passa Quatro, um grande infortúnio que ocorreu foi a construção de uma estrada (1822) Felix Jacques e Lourenço Castanho Tacques, respectivamente, em 1692 três bandeiras adentraram que desviava a rota do Caminho Velho fazendo-a chegar na estrada que conectava o Rio a São o território por Antônio Delgado da Veiga, João da Veiga e Miguel Garcia, o Velho (MOSSRI, 1998; Paulo num ponto mais ao norte, e portanto, mais próximo do Rio de Janeiro, não mais passando CARNEIRO, 1988; ARAUJO, 2008). A mais famosas delas, portanto, foi a expedição de Fernão pela região de Passa Quatro. Esse sim foi um fator que levou a uma certa estagnação da área, que Dias Paes que ocorreu entre 1674 e 1681, foi com ela que se iniciou efetivamente a ocupação somente seria rompida com as obras da Estrada de Ferro Minas e Rio (1881) (MOSSRI, 1998). Vale da região “especialmente com o surgimento de fazendas de abastecimento e pouso instaladas ressaltar que nessa época (de 1822 a 1881) Passa Quatro não era apenas uma localidade. nas proximidades dos caminhos” (IGAM, 2010). Fica evidente o caráter de passagem dessa área, caráter esse que se intensifica com a descoberta de ouro e com a instituição dos caminhos reais, 23 24 Estrada de Ferro Minas e Rio de exportação do Sul de Minas (CASTILHO, 2012). Em 1874 o governo da Província de Minas expediu uma lei autorizando a construção de Castilho (2012) ainda afirma que “a chegada da ferrovia representou verdadeira transformação uma ferrovia que adentrasse o sul de Minas Gerais, acompanhando o vale do Rio Verde. No ano de na economia do Sul de Minas. No processo de produção ela permitiu o aumento das margens de 1875 a concessão foi dada ao Governo Imperial, que firmou acordo com uma companhia inglesa lucro por reduzir o custo do frete e eliminar perdas. A ferrovia facilitou também o deslocamento da para a construção da estrada de ferro. O ponto inicial da linha seria em Cruzeiro, no estado de mão de obra, requisito essencial na formação do mercado de trabalho.(...) a produção de alimentos São Paulo, onde cruzaria a serra, e teria seu término em Três Corações, Minas Gerais. A estrada e a criação de animais, atividades pretéritas à cafeicultura, foram dinamizadas em função da percorre um total de 170 km passando além dos pontos inicial e final em Perequê, Passa Quatro, aproximação dos trilhos das Estradas de Ferro, ampliando-se consideravelmente as possibilidades Capivari (atualmente Itanhandu), , Fazendinha (), Soledade e Contendas de negociação destes gêneros e das rezes criadas ou simplesmente “engordadas” na região, (Conceição do Rio Verde) a obra iniciou em 1881 e encerrou em 1884, sendo a primeira estrada de conferindo um caráter ‘híbrido’ as propriedades locais.” ferro a adentrar o sul de Minas (CASTILHO, 2012). Dentro deste contexto Passa Quatro, com a chegada da ferrovia, começa a se desenvolver, principalmente com as atividades relacionadas ao comércio, a produção e ao beneficiamento do fumo, não tanto com café, que não chegou a ser produzido na área. O município se emancipou em 1888 apenas quatro anos após a inauguração da ferrovia, sendo o primeiro dos demais que se emanciparam de Pouso Alto: Carmo de Minas em 1901, Itanhandu em 1923, em 1938, São Lourenço em 1927 e São Sebastião do Rio Verde em 1963.

Minas e Rio Railway

Mapa da Rede Sul Mineira (Castilho, 2012 modificado pela autora)

Um fato interessante é a escolha de Cruzeiro como ponto de partida da linha férrea. Como o nome bem diz a linha ligaria Rio a Minas, porém Cruzeiro está no estado de São Paulo. Estudos mostraram que o melhor local para o início da linha seria em Queluz, na divisa entre os estados do Rio e São Paulo. Por influência de políticos locais conseguiu-se a alteração do traçado iniciando em Cruzeiro (LIMA, 1934 apud CASTILHO, 2012), e consequentemente passando por Passa Quatro. A estrada de ferro Minas e Rio foi altamente lucrativa pois, conectava uma região que até hoje Centro de Passa Quatro em 1933 com a Igreja Matriz no canto direito e o trem mais a frente. Fonte: ROCHA, 1988. é produtora de café numa época em que este despontava como o grande produto de exportação nacional. Pela estrada férrea escoava ainda parte da produção agropecuária e a produção de fumo, em franca expansão desde os anos de 1865. Juntamente com o café, foram os grandes produtos 25 26 A Indústria Fumageira e a Cidade

Com a ferrovia não somente se intensificaram as movimentações, o ir e o vir, mas a máquina também trouxe novas possibilidades de convivência social, novas pessoas, novas tradições culturais com a chegada dos imigrantes italianos, portugueses, ingleses e franceses, assim como uma vida urbana mais intensa. A instalação da linha férrea também promoveu a expansão da indústria fumageira, juntos eles garantiram o crescimento econômico e urbano de Passa Quatro. Segundo Carneiro (1988) “o cultivo e o comércio de fumo foi o nosso primeiro patrimônio. A incalculável riqueza que o fumo trouxe a Passa Quatro, ainda hoje, é desfrutada pelos seus habitantes. O comércio do fumo fez de Passa Quatro um nome conhecido em todo o país.” A esse fato a autora faz referência ao ano de 1891, no qual três fumeiros (fabricantes de fumo) passaquatrenses receberam menção honrosa na Exposição Brasileira Preparatória da Universal de Paris e posteriormente, em 1908, o fumo de Passa Quatro foi condecorado com medalha de prata na Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Em 1916 havia 19 armazéns de fumo na cidade, em 1927 esse número subiu para 40 armazéns e esse fato se refletiu na cidade, várias das edificações ainda hoje existentes foram antigos armazéns de fumo. Vale ressaltar que no ano de 1920 metade das terras cultivadas eram ocupadas por fumais (MOSSRI, 1998). Após a Segunda Guerra Mundial, com a expansão da indústria do cigarro, o fumo de rolo cai em desuso e com ele também a produção em Passa Quatro, não se produz mais fumo, as únicas lembranças que ele deixou foram justamente no tecido urbano, os armazéns e as vendas e toda a riqueza que isso proporcionou.

Roteiro de emancipação dos municipios que pertenciam a Pouso Alto. Armazém e fabrica de fumo dos Irmãos Lorenzo, situado na então Rua Direita.

27 28 1912 1920

1949 1949 O enriquecimento da edilidade provocou mudanças significativas na cidade, além do Sendo uma cidade de aproximadamente aumento do número de edificações, novas questões foram surgindo como a problemática do 16 mil habitantes, Passa Quatro não saneamento básico e ordenamento urbano, logo após a emancipação o governo municipal possui Plano Diretor, porém alguns ordenou a limpeza dos córregos que abastecem a população, a erradicação de águas estagnadas e órgãos e instrumentos são usados para, o nivelamento da Rua Direita, posteriormente em 1908 foi construído a galeria principal e a rede de de certa forma, ordenar o crescimento esgoto, dentro do então perímetro urbano todas as casas tinham acesso a rede (CARNEIRO, 1988), urbano, como por exemplo as leis 1930 1930 sendo que em 1909 foi decretado a obrigatoriedade de instalação de sanitários nas edificações. A complementares 036/2003 que institui questão da água também foi resolvida no mesmo período (MOSSRI, 1998). o código de parcelamento do solo, Uma outra questão é o papel do poder público no ordenamento territorial. Em 1916 numa 39/2004 que institui o código de 1950 publicação única comemorativa denominada “O Passaquatro” consta a seguinte passagem: “A 1950 obras do município, além disso há o Câmara Municipal tem adquirido, ultimamente, muitos terrenos para abrir novas ruas e praças 1900 Conselho Municipal do Meio Ambiente e vender lotes para construção” (MOSSRI, 1998). O fato do poder público agir diretamente na 1880 (CONAMA) e o Conselho do Patrimônio produção do espaço, numa época em que predominava ideias progressistas e racionais, e não Cultural. Recentemente foi realizado deixando que a cidade cresça espontaneamente marcou o traçado urbano de Passa Quatro, é 1906 um mapeamento do perímetro urbano evidente que apesar da topografia acidentada a malha ortogonal predomina no traçado. do município, estabelecendo o que é A malha urbana foi se expandindo, surgiram as praças públicas, principalmente após os considerado área urbana e rural e ainda anos 1920, o cinema (1913), o Teatro Club (1922), o telefone (1921), a eletricidade (1910). A cidade estabelecendo, uma zona de expansão passa a viver sob a nova ótica da modernidade. Em 1941 foi declarada Estância Hidromineral, futura, mesmo que de forma precária, contígua a mina foi construído um hotel e a empresa de mineração e engarrafamento de água, a uma vez que se estabeleceu como área Fonte: Prefeitura Municipal de Passa Quatro, 2006 modificado pela partir desse momento Passa Quatro começa a se firmar como local de turismo e descanso. autora. de expansão uma faixa de 1km a partir do limite do perímetro urbano.

N

Area do Centro com a traçado da primeira rua . Pref. Mun. de Passa Quatro, 2006. Perimetro Urbano da zona central de Passa Quatro cedido pela Prefeitura Municipal, 2017.

31 32 Patrimônio Histórico e Preservação

Considerando toda a carga histórica da cidade de Passa Quatro e ainda, levando em conta o vínculo que a população tem com o lugar, sempre pautou-se pela preservação do centro histórico, assim como de algumas tradições do município. Dessa forma por iniciativa da Prefeitura em 1999 realizou-se o primeiro tombamento em nível municipal, que foi da edificação que abrigou o Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais e onde hoje funciona a Casa da Cultura de Passa 5 Quatro . Em 1995/96 o governo do Estado de Minas instituiu o ICMS Cultural, através dele repassa recursos especificamente para a gestão do patrimônio mineiro. O Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Histórico (IEPHA) é o órgão que estabelece os critérios para repasse, de forma simplificada funciona num sistema de pontuação, quanto mais ações e investimentos voltados à manutenção e preservação do patrimônio o município realiza (dossiês de tombamentos e registro, projetos de educação patrimonial, funcionamento do Conselho Municipal), mais pontos ele acumula e maior é o repasse para ser investido na área cultural. Após a instalação dessa política pelo Estado de Minas, os processos de tombamento se tornaram mais frequentes: tombamento do calçamento do núcleo histórico (2005), residência dos 6 2 7 Scianni (2005), Estação Ferroviária Central (2006), residência da Fiuca (2006), edifício onde 1 4 funcionou a Coletoria Estadual (2006), residência de Pedro Mossi (2006), tombamento do núcleo 3 histórico (2008), tapetes de Corpus Christi (2010-imaterial), edifício da Câmara Municipal (2016) e recentemente foi tombado o túnel da ferrovia localizado na divisa entre os estados de Minas e São Paulo, palco das Revoluções de 1930 e 1932 pelo IEPHA. Em razão do incentivo do ICMS Cultural Passa Quatro tem uma vasta quantidade de material sobre patrimônio histórico da cidade, praticamente todas as edificações históricas do município foram inventariadas, seja da área central, seja dos distritos e da área rural, algumas possuem fichas mais completas, outras mais sucintas. Por um lado a questão dos tombamentos pode auxiliar a preservar o patrimônio e a história de Passa Quatro para as futuras gerações, assim como para o turismo, por outro pode induzir determinadas tipologias que imitam as edificações históricas numa tentativa de se mesclar a paisagem, mas que resultam numa arquitetura de baixa qualidade que simplesmente passa a ideia de um cenário, não evidenciando uma das coisas mais ricas no ambiente urbano que são as camadas históricas presentes no espaço, um suceder de tipologias e espaços que mostram o passar do tempo e como a cidade se moldou a ele. Arquitetura contemporânea não necessariamente significa a implantação de um alien no espaço, algo que não condiz com o lugar e a paisagem ali presente, apesar disso ocorrer, há muitos bons exemplos de arquitetura contemporânea que dialoga com o seu entorno e a paisagem construída e não construída. Essa questão ocorreu em Passa Quatro quando se construiu a nova delegacia da cidade numa falsa arquitetura art decò, cercada por edificações de cunho histórico. Outro exemplo foi a construção de um dos supermercados da cidade que demoliu uma edificação histórica abandonada e construiu uma imitação parca de decò no lugar, além disso ele não dialoga com a paisagem. Situado numas das visuais mais bonitas da cidade, onde se enquadra a estação ferroviária, o trilho da linha férrea, a Maria Fumaça, a torre da Igreja Matriz, e as montanhas acima, a edificação se assoma como um bloco monolítico encravado na paisagem, chamando toda a atenção para si mesma, vale frisar que a edificação foi aprovada pelo Conselho do Patrimônio. Uma consideração a se fazer é que a consciência de preservação patrimonial não é fruto somente das ações governamentais, o sentimento de pertencimento da população com o lugar é muito grande e isso se reflete na cidade, no valor que se dá as edificações, as praças e na ampla documentação iconográfica e textual sobre Passa Quatro. Tombamentos

1 1

6 5 2 3 7 8

4

9

2

Vias que preservam o desenho do calçamento original Perímetro de tombamento do centro histórico Edificações tombadas individualmente

3 4 6 8 5 7 9 Bar Napoleao Supermercado

Delegacia

1920 1930 1933 1950 1952 2017 RUA DIREITA Tenente Viotti acia doRioVerde regional. planejamento qualquer para base a é que hidrográfica, bacia a partida de ponto como tomaram questão dapreservação ambientaldeveriaserprimordial asanálises paraomunicípio.Dessaforma, há umagamadecachoeirasnaárea ruralqueatraemosamantesdanatureza. Poressemotivoa Estados, Itaguaré, Gomeirasãoalgumasdasmontanhasquecercam acidade,associadoisto reconhecida peloturismodeaventura.PedradaMina,oquartomaiorpicodoBrasil,PicodosTrês B Além deserr ADIMENSÃO AMBIENTAL econhecida peloscasarioshistóricospreservados, PassaQuatro tambémé 39

Municipios da Bacia do Rio Verde. IGAM, 2010 questão ambientalassimcomosetemhojecomopatrimôniohistórico. que mostraalgunsaspectosdessaluta.Portantoéevidenteoiníciodeumapreocupação coma (tinturaria, reciclagem depapel,indústriaalimentícia),paratantofoicriadaumapáginanofacebook industrial e avicultura) e pecuária (lavouras, agrícola doméstico, efluentes de lançamento o com da vidacomunitáriadomunicípio,umdeleséalutapelaproteção doRioPassaQuatro quesofre das matasripárias.Apopulação,oupartedela,pelomenos,sempre foiativaemváriosaspectos mais raso,frutoprincipalmentedoassoreamento que ocorre emconsequênciaaodesmatamento cultivo. rural asmatasciliares também seencontramdegradadas,principalmentedevidoàpecuáriaeao margens dos rios não possuem mata ciliar preservada, com rarasexceções.Ainda,quandona área ocupação de outras áreas. praticamente em toda a extensãodaárea Dessa forma, urbanizada as de recarga dolençolfreático, econsequentementedasnascentesolhosd’água(IGAM,2010). a isso,édesumaimportânciapreservação dacoberturavegetal,poiselaaumentaacapacidade número denascentes,eportanto,interfere emtodo osistemadeabastecimentoregional. Devido de seuterritóriodrena águasparaabacia,alémdeserlocalrecarga, ondeseencontragrande percorre aestradadeferro MinaseRiotambémarodovia. este a paralelo vale, seu e rio o é uma município, o cruzam que lineares camadas é possível três identificar e hidroógica geográfica característica sua de função em Verde, Rio do afluentes dos este município e Itanhandu. O rio Passa Quatro, que corta a área urbana e, por sua vez, é um drena 31municípiosdosuldeMinas.EsterionasceemPassaQuatro epercorre adivisaentre

Muito se A O Dentr cidade de Passa Quatro foi assentada no vale do rio, o relevo acidentado dificultou a dificultou acidentado relevo o rio, do vale no assentada foi Quatro Passa de cidade município tem um papel fundamental dentro a Bacia Hidrográfica do Rio verde, 88,4% verde, Rio do Hidrográfica Bacia a dentro fundamental papel um tem município o deumcontextomaisamploPassaQuatro estásituadonaBaciadoRioVerde, que ouve daspessoas mais velhaso quanto avazãodosrios diminuíram e como eleestá 40 As Unidades de Conservação O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Verde realizado pelo IGAM (2010) PSA no Planejamento Territorial apontava que Passa Quatro, “embora seja uma sub-bacia preservada, já que ainda restam cerca O município de Extrema no sul de Minas Gerais possui um programa amplamente de 27% de florestas fragmentadas, não existe nenhuma unidade de conservação com uso mais reconhecido e premiado, que visa promover a adequação das propriedades rurais ao Código restritivo, sendo as únicas presentes, as de uso sustentável: APA Mantiqueira e a FLONA de Passa , assim como a manutenção da qualidade dos mananciais. No projeto, a prefeitura realizava Quatro. É preocupante a expansão de áreas rurais, voltadas ao turismo e chacreamento, visto que o levantamento das propriedades rurais, indicando a situação atual e as metas a serem atingidas, os remanescentes nativos que sofrem muitas vezes com tal expansão encontram-se em áreas de em contrapartida o proprietário receberia o PSA (Pagamento por Serviço Ambiental) 100 UFEX nascentes (recargas). A qualidade das águas é muito comprometida em função da ausência de (Unidade Fiscal de Extrema) por hectare, o que equivaleria a R$ 262,00/hectare/ano em 2016 tratamento dos esgotos e da inadequação na disposição de resíduos sólidos.” Muito provavelmente (PREFEITURA DE EXTREMA, 2016). O PSA está baseado no conceito provedor-pagador, o qual esses 27% de área preservada devem estar relacionados a áreas de difícil acesso, como áreas de funciona como um sistema de compensação financeira para os proprietários que contribuem para terrenos mais acidentados, além disso, apesar das unidades de conservação existentes no município a preservação dos recursos naturais. Como aquele que degrada deveria ser penalizado conforme serem de uso sustentável é relevante a área que juntas elas ocupam. O que deveria assinalar para a lei, pois degradou um bem que é de todos, aquele que preserva deveria receber por suas ações um uso sustentável da terra e dos recursos que ela oferece, o que nem sempre ocorre. O que falta de conservação já que beneficia a todos com a sua prática, no caso, o produtor rural recebe como é um projeto que fomente a recuperação de áreas degradadas ao mesmo tempo em que incentiva “produtor de água” o desenvolvimento sustentável do território. “Os objetivos com esse projeto são de aumentar a cobertura florestal nas sub-bacias Além da APA Mantiqueira e da Floresta Nacional de Passa Quatro, o município ainda integra hidrográficas e implantar microcorredores ecológicos; reduzir os níveis de poluição difusa rural a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, unidade de conservação reconhecidos pela UNESCO decorrentes dos processos de sedimentação e eutrofização, e de falta de saneamento ambiental; como de importância global para a conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável. difundir o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água, na bacia hidrográfica do Rio Não é por acaso que o único bioma brasileiro com legislação que regulamenta sua utilização e Jaguari; garantir sustentabilidade sócio- econômica e ambiental dos manejos e práticas implantadas, proteção é a Mata Atlântica (2006). por meio de incentivo financeiro aos proprietários rurais.” (PREFEITURA DE EXTREMA, 2016). A Lei da Mata Atlântica instituiu o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica proposto O projeto foi financiado em parte pela prefeitura e em parte pela Agência Nacional de para financiar projetos de restauração ambiental e de pesquisa científica. O fundo financia projetos Águas, pelo Instituto Estadual de Florestas do governo de Minas Gerais e pela ONG The Nature de conservação de remanescentes florestais nativos, áreas a serem recuperadas, desde que o Conservancy. Como resultado, cerca de 500 nascentes já foram recuperadas, em um total de 7.300 município possua um plano de conservação e recuperação da Mata Atlântica sancionado pelo mil hectáres protegidos por 187,5 mil metros de cercas, trazendo benefícios para todo o sistema Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONAMA). Os projetos de conservação e recuperação Cantareira, já que as águas abastecem o Estado de São Paulo (PORTAL BRASIL, 2015). de APPs e áreas de entorno de unidades de conservação, por exemplo, terão prioridade. As áreas selecionadas podem ser públicas ou privadas e execução ficaria a cargo de órgãos públicos, instituições acadêmicas públicas e ONGS de interesse público que atuem na conservação, restauração ou pesquisa científica no bioma em questão (BRASIL, 2006).

43 44 As Sub-bacias de Passa Quatro

Em um município como Passa Quatro, onde há uma grande relevância quanto às variáveis Dessa forma, foram delimitadas oito sub-bacias no município, ambientais, como relevo, hidrografia, cobertura vegetal, associando a isso a inexistência de um sendo que uma delas drena água para o Rio Lourenço Velho (única área plano diretor no município, considerou-se que o planejamento territorial e urbano possa ser do município que não faz parte da bacia do Rio Verde) duas delas drenam realizado através de sub-bacias, de certa forma, seguindo o exemplo de Extrema-MG, da bacia água para o Rio Verde e cinco sub-bacias que formam o Rio Passa Quatro. hidrográfica como unidade de gestão socioambiental. Para a delimitação, além de considerar as características geomorfológicas e hidrográficas foram consideradas as áreas mais densamente ocupadas, de forma a não seccionar a área urbana aleatoriamente. Os limites do município são principalmente limites físicos, ou seja, topos de morro (divisores de águas naturais) rios, basicamente, o que facilitou o trabalho de delimitação. Diretrizes Gerais para as Sub-bacias de Passa Quatro

A gestão compartilhada dos recursos hídricos: ONGs, Os elementos da paisagem rural e urbana, poder público e usuários assim como o patrimonio histórico-cultural a eles relacionados. A educação ambiental nas escolas e com o proprietários A integração e o diálogo entre as funções sociais do rurais campo e da cidade, visando a melhoria da qualidade de vida dos moradores O uso múltiplo sustentável dos recursos hídricos: abastecimento, irrigação, geração de energia, O uso sustentável na bacia hidrográfica, em todos os aquicultura, recreação, lazer etc. setores econômicos

PROMOVER PRESERVAR INCENTIVAR Sub-bacias e Nascentes

Dentre as oito sub-bacias delimitadas uma delas foi escolhida para um estudo de caso, no qual seriam identificadas as nascentes e os rios, para posteriormente pontuar aquelas que se encontram degradadas, sem a cobertura vegetal, para que possam ser recuperadas de forma a aumentar a vazão dos rios e proteger suas margens de desmoronamentos e efeitos nocivos oriundos de trombas d’água, tão frequentes em áreas montanhosas. A intenção é que num próximo momento essas áreas de APPs possam integrar um mosaico de corredores ecológicos juntamente com a FLONA de Passa Quatro, às áreas de reserva legal e os fragmentos florestais existentes. A sub-bacia escolhida foi a Sub-bacia do Médio Passa Quatro, uma vez que é onde se encontra a maior densidade populacional do município, e portanto, onde se localiza o centro histórico. Ao escolher essa área é possível abordar a problemática relacionada à degradação ambiental no meio rural, assim como a questão dos rios urbanos, temática tão relevante e debatida atualmente. Além disso seria possível identificar as áreas de alagamentos na zona urbana. Para a realização das análises utilizou-se a base de dados disponibilizadas pelo Cadastro Rural (CAR). Após a aprovação do Novo Código Florestal ficou instituído que todas as propriedades rurais deveriam ser levantadas e mapeadas. Desse cadastro surgir o SICAR, que é a base de dados brasileira disponível online por município. Algumas dificuldades e problemas foram encontrados com os dados fornecidos como: propriedades que não realizaram o cadastramento, acarretando em vazios e interrupções no mapa, o que dificulta a análise dos dados. A sobreposição de áreas de propriedades, é um outro problema, provavelmente por algum erro ao fazer o levantamento, o que acaba gerando divergências nos layers, principalmente dos rios, uma vez que o mapeamento é de responsabilidade do proprietário e por enquanto os dados não foram revisados pelos ténicos. Apesar das desvantagens, o cadastro rural é um passo imenso para o estudo da estrutura fundiária brasileira e da relação desta com a preservação ambiental, além do fato de ser um sistema único, que pode servir de base para a gestão dos territórios pelos órgãos públicos. Ainda, mesmo havendo proprietários que não realizaram o mapeamento é possível ter um panoroama geral da situação fundiária em um determinado local e do seu estado de degradação ambiental. Em Passa Quatro, estão com a cobertura vegetal totalmente degradada, 15 estão protegidas com os 50m de raio por exemplo, grande parte do território foi mapeado, apesar da existência de algumas lacunas. Um exigidos no Código Florestal e 47 nascentes estão com a vegetação parcialmente preservada, ou fato interessante que veio dessa análise é a constatação de que as áreas prioritárias de conservação, seja, há vegetação mas num raio inferior ao exigido por lei. as mais críticas, no caso nos extremos leste, onde se encontra o Pico dos Três Estados, a Pedra da Tendo como base esse levantamento seria possível juntamente com os proprietários Mina e faz conexão com o PARNA de Itatiaia e o extremo oeste, picos do Itaguaré e dos Marins, promover a recuperação dessas nascentes, assim como das matas ripárias. Recuperados, esses zona núcleo da reserva da biosfera, não estão compreendidas no mapeamento. corredores verdes, se conectariam a jusante com o Rio Passa Quatro no trecho em que passa Constam no SICAR 97 nascentes na sub-bacia do médio Passa Quatro. Analisando pela área urbana mais densificada trazendo uma outra perspectiva ao centro e às pessoas que o esses dados em conjunto do imagens do Google Earth foi possível constatar que destas 35 nascentes vivenciam, possibilitando a inserção do rio ao cotidiano citadino. 49 50 O PRIMEIRO RECORTE O primeiro recorte foi definido considerando todas as análises e estudos, incluindo a deposição ocorrem naturalmente fazendo com que haja uma movimentação dos canais, e questão das duas dimensões que tangem Passa Quatro. A área é delimitada pela porção do rio consequentemente transformação da paisagem que abraça o centro da cidade, o rio faz uma espécie de “C” invertido abarcando o centro histórico • proteção da biodiversidade genética - a manutenção da vegetação ripária formam corredores do município, assim foi possível aliar as duas dimensões: a histórica com o centro consolidado e ecológicos que naturalmente se interconectam com fragmentos florestais, isso mantém um a ambiental com o rio que perpassa esse centro. Dentro dessa perspectiva, foram analisadas com intercâmbio de material genético e portanto de diversidade. mais afinco cada uma das camadas, o rio, a rua e a linha férrea e o que elas apresentam dentro desse percurso. Como embasamento para a análise do rio, no seu percurso urbano, foi necessário Já, as funções de urbanidade são as mais variadas possíveis, desde o abastecimento de levantar alguns pontos e discussão acerca da problemática dos rios urbanos para então analisá-lo água, o transporte, a pesca, a uso recreativo e de lazer, além da beleza cênica. Os corpos d’água em si. são estruturadores da paisagem urbana, elementos que facilitam a legibilidade do espaço. Com o crescimento e a expansão dos centros urbanos os rios foram ficando cada vez mais degradados e A Problemática dos Rios Urbanos desintegrados do tecido urbano; foi com o movimento ambientalista que se iniciou a resgate da relação cidade-natureza, principalmente em se tratando de bordas d’água (MELLO, 2005). A história da humanidade se iniciou em função dos corpos d’água que são fundamentais Segundo a mesma autora, os fatores que geraram e geram a degradação das bordas d’água, para as mais variadas atividades do cotidiano. Por esse motivo a problemática dos rios urbanos tão evidentes na realidade das cidades brasileiras são “a inadequação dos modelos de gestão e sua conexão com a cidade é muito relevante e premente nos dias atuais. Os centros urbanos urbana, o desconhecimento generalizado da população sobre a importância de proteção das áreas cresceram, ao longo da história, em detrimento da supressão dos recursos naturais, e esse processo vulneráveis e o próprio idealismo da legislação ambiental brasileira”. é muito visível em qualquer cidade brasileira. As áreas com maior vulnerabilidade ambiental são as Há muitas controvérsias quanto a legislação ambiental brasileira, em alguns pontos ela áreas urbanas menos valorizadas pelo capital imobiliário, e, consequentemente pelo poder público acaba sendo ineficiente para a conservação ambiental, assim é incapaz de propiciar certas funções (manguezais, topos de morros, borda de rios, várzeas), e portanto, acabam sendo ocupadas de urbanidade. informalmente pelas camadas menos favorecidas da sociedade, levando a uma maior degradação Estudiosos em ecologia de comunidades garantem que a faixa vegetada de 30m de APP desses ecossistemas. Não é somente o fato dessas áreas não serem, a princípio, valorizadas pelo estipulada pelo código Florestal, normalmente, não é capaz de manter a biodiversidade a longo mercado que as tornam passíveis de ocupação pela população de baixa renda, o sistema fundiário prazo, por dois motivos. O primeiro seria o Efeito de Borda, que ocorre quando há transição brusca brasileiro, de extrema concentração de terras, impulsiona todo esse processo, intensificando ainda entre dois ecossistemas (malha urbana-APP; pastagens-floresta ombrófila mista, etc) ocasionando mais as desigualdades já existentes. uma série de alterações no fragmento florestal que modificam o habitat original, como por Quando se fala em rios urbanos devemos pensar em duas grandes funcionalidades, aquela exemplo aumento da temperatura, diminuição da umidade relativa, aumento de espécies invasoras que é intrínseca e imediata a este elemento, a função ambiental e aquela relacionada a cidade, a e generalistas (roedores, por exemplo), redução da altura do dossel, ressecamento do solo, alta função de urbanidade. Deve-se manter um equilíbrio entre essas duas partes, de forma que o rio mortalidade de árvores, etc. Estas alterações ocorrem principalmente nos primeiros 100m de borda mantenha suas funções naturais e também sirva como elemento de paisagem e lazer dentro da (LAURANCE, et al apud GALETTI et al, 2010), ou seja, os 30m seriam praticamente efeito de borda cidade. e não o ecossistema original, isso por si só já inviabiliza o uso das matas ripárias como corredores Existem diversos papéis dentro da função ambiental que estão diretamente correlacionados ecológicos para várias espécies, principalmente mamíferos de médio e grande porte. a preservação da mata ciliar e a não ocupação das margens. Segundo Mello (2005) podemos citar: Por outro lado, temos os planejadores urbanos, que acreditam que as premissas da lei brasileira são “rígidas e genéricas sobre as APP, não garantindo as condições mínimas para a eficácia • a retenção dos sedimentos da bacia - a manutenção da mata ripária diminui o assoreamento de sua aplicação nas cidades, frequentemente acabam por ter efeito inverso à proteção” (MELLO, do leito do rio, ao reter sedimentos em dispersão. 2005). O fato de o Código Florestal não fazer distinção entre APP urbana e rural, elementos com • a retenção das águas na bacia - as margens, quando vegetadas, absorvem a água das dinâmicas e funções completamente distintas umas das outras, faz com que se intensifiquem os chuvas, devido a sua porosidade. processos de degradação e desvalorização das margens dos rios em áreas urbanas. • a garantia a flutuação natural do nível do rio - rios extravasam, para tanto existem as várzeas É fundamental pensar a problemática dos rios urbanos de forma integrada e transdisciplinar, de inundação, quando essas áreas são ocupadas, as chuvas de alta intensidade acarretam em pois somente considerando os aspectos físicos, biológicos, ecológicos, urbanos e sociais é possível inundações cada vez mais severas e abrangendo áreas cada vez maiores. encontrar soluções que efetivamente reintegram os rios as cidades visando a sustentabilidade • estabilização das bordas - a vegetação protege as margens e evita deslizamentos de massa urbana. • movimentação do leito do corpo d’água - os rios são dinâmicos, processos de erosão e 53 54 O Rio A Rua

Analisando a borda do Rio Passa Quatro é muito evidente como toda a cidade dá as costas a A rua direita determinou o primeiro núcleo de crescimento da cidade, onde se vivenciava ele. Em alguns momentos as construções praticamente estão na borda do rio, em outros é possível a cidade e local da interação entre as pessoas. Antes era simplesmente conhecida como “a rua” e observar animais pastando, principalmente cavalos, inclusive, alguns deles ficam no rio, o que abrigou as primeiras edificações, comércios, pousadas e etc, posteriormente passou a se chamar Rua compromete a estabilidade das margens, a regeneração natural destas, e ainda contribui para o Direita. Em essência essa rua, que a partir dos anos de 1920 recebeu o nome de Rua Tenente Viotti, aumento da carga orgânica na água. Ao longo da borda também é possível observar a emissão de corresponde a primeira porção retilínea da área mapeada, mas foi considerada toda a extensão do esgoto “in natura” diretamente no corpo d,água. arruamento existente no início do séc. XX pois trata-se de um elemento estruturante que conecta Ruas sem saída dão diretamente no rio, às vezes é possível entrevê-lo, as vezes não, essas o centro as outras localidades, Pinheirinhos ao sul e Pé do Morro ao Norte, contemplando toda a ruas são cercadas em suas extremidades, uma vez que são áreas privadas. Esse fato contribui área do recorte, além de abrigar grande parte do conjunto patrimonial do município. ainda mais para o isolamento do rio e o alienamento da população com relação ao que ocorre nas Assim sendo, ao longo desse percurso foram demarcadas todas as áreas de interesse, águas que cortam o município. Certamente se fosse permeável, o fato de ter um contato maior edificações históricas, praças, edificações institucionais, elementos da paisagem, etc. gera inquietações e questionamentos, podendo levar a um maior ativismo frente às problemáticas ambientais e sanitárias pelas quais o município vem passando. Uma outra problemática é que essas áreas por serem pouco frequentadas, e portanto, menos fiscalizadas, acabam se tornando áreas de A Linha Férrea depósitos de lixo e resíduos, em alguns pontos foi possível visualizar que isso ocorre. A vegetação ripária existente é precária, formada basicamente por arbustos e gramíneas, A ferrovia foi o grande elemento estruturador do crescimento do município no século XIX incluindo bambuzais, espécies exóticas com raízes superficiais que não são suficientes para fixar as e XX, às suas margens se encontram as duas outras ruas principais do centro e também onde se margens e essas áreas ainda sofrem com as capinas realizadas pelos proprietários em seus terrenos. localizam uma série de edificações históricas, toda a cidade orbitava em função da locomotiva, do A limpeza do terreno intensifica a erosão de borda e o assoreamento, a consequência em épocas vai e vem de pessoas e mercadorias. A área da linha confere uma beleza cênica ímpar a cidade, de cheias é o transbordo do rio e na área de estudo algumas áreas são mais suscetíveis a isso. ela enquadra as montanhas permitindo observá-las de forma desimpedida, graças ao “vazio” Em alguns locais há uma maior expressividade de vegetação, principalmente na borda leste, mais que ela configura. Acima de tudo confere um sentido bucólico ao espaço urbano, aproximando-o próxima a Rodovia MG-158. ainda mais do rural que o circunda, o que não ocorre com o rio, completamente desintegrado da Vale frisar que analisando imagens históricas, apesar da quantidade de edificações terem paisagem. Como ainda há o trem turístico na cidade, parte da ferrovia está ativada, porém grande aumentado em direção ao rio, essas áreas já eram completamente desmatadas, hoje é perceptível parte da porção que corta o centro é desativada, configurando espaços com grande potencial de como a vegetação aumentou embora de forma descontínua e pontual. aproveitamento. Dois fatores chamam a atenção nessa análise, o primeiro foi que em alguns locais próximos aos Quanto a análise da ferrovia ela foi dividida em duas partes, na primeira estão as informações rios há eixo de visuais que se destacam, um elemento surpresa na paisagem. Outro fator é que sobre a área da linha férrea em si, os espaços que ela configura, as problemáticas, etc. Num segundo nas vias sem saídas que chegam ao rio, várias delas possuem algum elemento que indicavam a momento foram elencados os elementos do entorno, visuais, edificações históricas, institucionais, permanência e o uso pelos moradores, como bancos e cadeiras improvisadas. etc. O rio passa esquecido dentro do perímetro central, basicamente ele é ao se cruzar as pontes ou quando no verão as chuvas se intensificam e o risco de transbordamentos aumenta, aí sim as pessoas começam a perceber que a cidade foi construída em cima de uma planície aluvial, margeando um corpo d’água, que inclusive lhe deu o nome.

55 56 O Rio

N Institucional

Eixos visuais Lançamento de Presença Area de cultivo Ocupaçao Industria Travessia de pedestre Potencial de conexao de vegetaçao em APP efluente

Presença de Descaracterizaçao Travessia de veiculos Falta de conexao Escassez Inundavel Travessia da de vegetaçao especies exoticas da borda linha ferrea A RUA R 4

5

R 1 R R S S 2 3 R

R

R R

R R R S

R R

R R 8 7

R

6

N Institucionais

Eixos Visuais R Residência 3 Camara Municipal Edificaçoes Historicas S Serviços 4 Igreja Matriz 7 Prefeitura Espaços Publicos 1 C. Odontológico 5 Praça N. Sra. Ap. 8 Escola Estadual - Grupo Serviços 2 Jardim dos Leões 6 Praça da Matriz A Linha Férrea

ã

3

2

1

N

Travessia Edificaçao Historica 1 Estação Central Eixos Visuais Pavimentado 2 Galpão da Ferrovia Vegetaçao Arborea Ciclovia

Ausencia de Conexao Calçada 3 Residência de Funcionário da Rede Linha Férrea R R (entorno) 1

3 4 R

2

R

5

6

7

S

R 8 9

R R

R 10

S

N Institucionais R Residência 3 Galpão 7 Calçadão Eixos Visuais S Serviços 4 Pátio Ferrovia 8 Praça da Estação Edificaçoes Historicas

Espaços Publicos 1 Escola Estadual 5 Fórum 9 Associação Comercial

2 Santa Casa 6 Museu Miniaturas 10 Casa da Cultura Diretrizes para as Camadas A leitura e análise das camadas que compõe a paisagem do centro de Passa Quatro trouxeram novas percepções e possibilidades quanto a esses espaços, diante disso, foram estabelecidas diretrizes, ou melhor dizendo rumos que ao serem seguidos poderão trazer novas apropriações a esses lugares e consequentemente, uma nova perspectiva aos espaços centrais de Passa Quatro.

O RIO Promover a qualidade ambiental no ambiente urbano

1. Recuperar a mata ciliar ao longo do rio. 2. Substituir a vegetação exótica por nativa. 3. Planejar um sistema de eixos de conexão viário: vegetação ripária, conectadas a áreas de topo de morro em área urbana, como forma de conter a ocupação e a supressão da vegetação nessas áreas. 4. Incentivar o uso sustentável das áreas livres próximas ao rio, como hortas urbanas e sistemas 3 agroflorestais. 5. Concectar áreas de APP urbana com APP rurais, assim como áreas de Unidade de Conservação, promovendo a formação de corredores ecológicos de biodiversidade. 6. Transformar as ruas sem saídas em elementos de conexão entre a cidade e o rio, com espaços qualificados que evidenciam a transição entre os ecossistemas antrópico e ripário . 7. Fiscalizar o lançamento de efluentes domésticos e industriais no rio. 8. Promover a educação ambiental e a relevância dos rios urbanos, principalmente junto às escolas localizadas na área central. 9. Delimitar áreas com estratégias e usos diferenciados: proteção ambiental, uso sustentável, educação ambiental e lazer. 5 1

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A RUA Promover a apreciação e a conscientização quanto ao patrimônio histórico 4 1. Implantar um sistema que mostre a população a evolução da paisagem histórica do centro com percursos que incluam edificações e espaços públicos relevantes 2. Promover a arborização e uso da vegetação, trazer o entorno e a paisagem para a rua de forma criar ambientes de estar ao longo da via em consonância com as edificações históricas 3. Elaborar uma normatização de letreiros e propagandas dos edifícios comerciais, criar uma identidade visual para o centro como um todo, de forma a não interferir danosamente nas fachadas dos casarios 4. Reintroduzir o cinema na cidade 5. Promover a qualificação da via com equipamentos públicos: lixeiras, bicicletários, bancos e arborização, valorizando eixos visuais importantes 6. Promover a educação patrimonial, estimulando a participação de estudantes, assim como da população como um todo na qualificação da via, fazendo com que se reflita sobre o espaço construído, a realidade em que se insere e a história local 7. Promover políticas públicas e eventos que estimulam o uso social dos bens culturais e patrimoniais cotidianamente, aproximando a comunidade ao patrimônio e a memória do local A LINHA FÉRREA Valorizar elemento histórico da paisagem urbana, incorporando a memória coletiva ao cotidiano

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1. Promover a integração longitudinal, ao longo da linha férrea e transversal, desta com as vias do centro, elementos do patrimônio e espaços públicos. 2. Estabelecer um sistema de deslocamento (ciclovia e calçada) entre os distritos pela linha férrea: Pinheirinhos - Centro - Pé do Morro. 3. Integrar espaços já apropriados pela população ao longo da linha férrea ao sistema de deslocamento criando espaços de estar pontuais ao longo do trajeto, principalmente agregando aqueles associados às fontes d’água. 4. Estabelecer espacialidades que complementam aquelas associadas ao rio. Espaços que sejam mais amplos e contemplativos em contraposição a espaços ripários de vegetação mais densa. 5. Valorizar eixos visuais da paisagem histórica e natural com usos de vegetação e elementos de estar. 6. Evidenciar e valorizar ao longo da linha as áreas que hoje possuem unidades de paisagem distintas, partes da linha férrea são amplos gramados, enquanto outras possuem vegetação arbórea mais abundante.

69 70 O SEGUNDO RECORTE

Após o estudo de cada camada e a definição das diretrizes gerais, aproximou-se ainda mais da área referente ao perímetro de tombamento do centro, pois esta concentra grande parte do patrimônio histórico além das edificações institucionais do município, como escolas, Santa Casa, delegacia, Estação Ferroviária, praças etc. E para esse segundo recorte, primeiramente foi feito um rápido levantamento das condicionantes do local, o que ele apresenta, as edificações e os espaços públicos. De imediato, três eixos verticais se sobressaíram, esse eixos cortam as três camadas de estudo congregando grande parte dos equipamentos públicos. Posteriormente foi lançada uma proposta geral que visa integrar as camadas horizontais, o rio, a rua e a linha férrea entre si e com outros pontos relevantes dessa área. A análise e o projeto referente ao recorte 2 se encontram no site. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Trabalho de Larissa S. Chaves sob orientaçao do Prof. Samuel Steiner - Desenho Urbano Arq&Urb