A VERSÃO MUSICAL COMO FORMA DE INTERPRETAÇÃO. ANÁLISE INTERPRETATIVA DE TRÊS TEMAS STANDARDS DA :

WAVE, CHEGA DE SAUDADE E GAROTA DE IPANEMA

Eliete Olivar Leite

Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais Área de Especialização em Musicologia Histórica

Novembro/2019 Lisboa

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DECLARAÇÕES

Declaro que esta dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

O candidato,

Eliete Olivar Leite

Lisboa, 04 de Novembro de 2019.

Declaro que esta Dissertação encontra-se em condições de ser apresentada a provas públicas.

Ao orientador,

Prof. Dr. Pedro Belchior Nunes

Lisboa, 04 de Novembro de 2019.

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Musicologia Histórica, realizada sob a orientação científica do Prof. Doutor Pedro Belchior Nunes

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que conduz minha vida e em quem encontro força para seguir em frente em busca da realização dos meus sonhos.

Agradeço ao meu orientador Professor Doutor Pedro Nunes pela atenção e rigor com que tratou meu trabalho, pelas leituras sugeridas e muitos questionamentos que proporcionaram o desenvolvimento dessa dissertação.

Aos músicos entrevistados pela disponibilidade em ajudar-me nas questões concernentes às diferentes formas de interpretação musical e o papel do músico- intérprete.

Aos meus filhos Igor e Heitor pela paciência e compreensão nas minhas ausências.

Ao meu marido Alessandro pelo apoio, incentivo e por sempre acreditar em mim.

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A VERSÃO MUSICAL COMO FORMA DE INTERPRETAÇÃO

ANÁLISE INTERPRETATIVA DE TRÊS TEMAS STANDARDS DA BOSSA NOVA:

WAVE, CHEGA DE SAUDADE E GAROTA DE IPANEMA

Eliete Olivar Leite

RESUMO:

Como musicista e saxofonista, atuei tocando diversos temas da bossa-nova e sempre senti a necessidade em aprofundar o conceito das interpretações, visto que para interpretar tais temas é necessário, não apenas o conhecimento teórico de música, mas também entender a linguagem que o estilo propõe, a qual vai muito além do que está na partitura ou, até mesmo, em uma gravação.

Este trabalho surge a partir de pesquisas de diferentes formas de interpretações que o estilo bossa-nova teve ao longo dos tempos e do pensar em como tais interpretações podem ser diferentes do “padrão” bossa-nova, mas sem perder as qualidades musicais próprias do estilo. Será, primeiramente, abordado o conceito de versão musical, de modo a compreender o que é uma versão musical, quais as principais preocupações que um músico intérprete ou um produtor musical deve ter ao trabalhar em uma versão e, a partir disso, serão feitas análises de temas consagrados da Bossa Nova, comparando-as em diferentes versões e suas formas de interpretação. Os temas escolhidos foram: Wave, Chega de saudade e Garota de Ipanema, pois são considerados standards do gênero bossa-nova e foram interpretados e reinterpretados por diferentes artistas em diferentes versões.

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Nas análises serão verificadas as diferentes formações instrumentais, principais diferenças nas questões harmônicas, melódicas e rítmicas presentes em cada versão, bem como questões de ornamentos e frases. Serão analisadas versões instrumentais e versões com letra, cantada, a fim de verificar as diferenças também existentes entre a versão cantada de uma versão instrumental, com o propósito de, a partir dessas análises, perceber os vários “sotaques” que uma mesma canção pode ter e como um músico instrumentista pode adequar essa linguagem, colocando sua identidade na canção. As análises serão feitas a partir de partituras e gravações dos temas, além de entrevistas com alguns músicos e arranjadores que trabalham com os temas escolhidos para este trabalho, para verificar como pode ser realizada uma versão.

PALAVRAS-CHAVE: Bossa-nova; Versão; Análise Musical; Interpretação Musical

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A VERSÃO MUSICAL COMO FORMA DE INTERPRETAÇÃO

ANÁLISE INTERPRETATIVA DE TRÊS TEMAS STANDARDS DA BOSSA NOVA:

WAVE, CHEGA DE SAUDADE E GAROTA DE IPANEMA

Eliete Olivar Leite

ABSTRAT:

As a musician and saxophone player, I performed playing various Bossa Nova themes, and I always felt theneed to delve into the concept of interpretations, because to interpret such themes requires not only the theoretical knowledge of music, but also to understand the language that the style proposes, which goes far beyond what is in the score or even a recording. And, as I played with different musicians and in various instrumental formations, it was always challenging to interpret not only bossa nova themes, but other styles, as each accompanying musician had its own way of doing it. Therefore, the same theme was never the same, it always varied in its way of execution, regarding the introduction, tempo, tone among other aspects.

This work arises from research into different forms of interpretation that bossa nova style had over time and to think about how such interpretations may differ from the bossa nova “pattern”, but with out losing the style’s own musical qualities. Firstly, the concept of music version will be approached, in order to understand what a music versions, what the main concerns that a performer or a music producer should have when working on a version will be analized, of consecrated Bossa Nova themes, comparing them in different versions and their forms of interpretation. The chosen

7 themes were: Wave, Chega de Saudade and Garota de Ipanema, as they are considered standards of the Bossa Nova genre and already interpreted and reinterpreted by different artists in different versions.

In the analysis it will be verified the different musical formations, main differences in the harmonic, melodic and rhythmic questions present in each version, as well as questions of ornaments and phrases. Instrumental versions and sung versions will also be analyzed, in order verify the differences also existing between the sung version of an instrumental version, with the purpose of understanding the various “accents” that the same song can have, how each musician can tailor that language by putting his identity in the song. The analysis will be made from scores and recordings of the themes, as well as interviews with some musicians and arrangers who work with the themes chosen for this work, to verify how a version can be made.

KEYWORDS: Bossa Nova, Version, Musical Analysis, Musical Interpretation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 1 METODOLOGIA ...... 3 OBJETIVOS ...... 8

1. A INTERPRETAÇÃO MUSICAL NO CONCEITO DE VERSÃO ...... 9

2. PEQUENA HISTÓRIA DA BOSSA NOVA ...... 20 2.1.BOSSA NOVA COMO PRODUTO DE EXPORTAÇÃO ...... 25 2.2. TOM JOBIM E SUAS PRINCIPAIS PARCERIAS ...... 28

3. ANÁLISE MUSICAL COMO FORMA DE COMPREENSÃO DA INTERPRETAÇÃO DE UMA OBRA ...... 32

4. ANÁLISE MUSICAL INTERPRETATIVA DOS TEMAS: WAVE, GAROTA DE IPANEMA E CHEGA DE SAUDADE ...... 39 4.1. ANÁLISE DAS PARTITURAS E INTERPRETATIVA DAS VERSÕES ...... 40 4.1.1.TEMA 1: Wave ...... 41 4.1.2.TEMA 2: Chega de Saudade ...... 53 4.1.3. TEMA 3: Garota de Ipanema ...... 68

CONCLUSÃO ...... 85

BIBLIOGRAFIA ...... 89

PÁGINAS DA WEB, JORNAIS E REVISTAS ON-LINE: ...... 91

CANAIS DO YOUTUBE ...... 93

TEMAS ...... 94 TEMA 1: WAVE ...... 94 TEMA 2: CHEGA DE SAUDADE ...... 94 TEMA 3: GAROTA DE IPANEMA ...... 94

LISTA DE FIGURAS ...... 95

LISTA DE TABELAS ...... 96

ANEXOS ...... 97

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INTRODUÇÃO

A música sempre desenvolveu um papel importante na vida das pessoas. A partir de determinadas comunidades surgem novos ritmos, novos conceitos e novos estilos musicais que fazem parte do modo de vida das pessoas e da sociedade. Há uma importante relação entre o artista e o meio em que ele está inserido, e as condições sociais, culturais, geográficas e históricas contribuem diretamente para a formação de algo novo.

Com o avanço tecnológico, desde as indústrias fonográficas e principalmente hoje, com a internet e as diversas plataformas digitais, uma nova canção chega rapidamente aos lugares mais remotos e é consumida por pessoas das mais diferentes classes sociais, etnias e culturas, propiciando um novo público e contribuindo para que ganhe novas interpretações ou versões a cada vez que é executada.

Este trabalho pretende abordar a temática de versão musical como forma de interpretação, cujo objetivo principal é analisar o papel do músico-intérprete que, a partir de um arranjo pré-estabelecido, pode, a cada apresentação, mudar sua forma de interpretar e assim alterar a canção, seja no andamento, intensidade, repetições, ornamentação e ritmo, para citar alguns exemplos, de modo que a obra musical ganhe um novo sentido e significado num determinado contexto.

A versão musical já foi vista, pelos críticos de música popular, sobretudo do rock, como uma prática negativa. Frith atribui tal negatividade a sua prática imitativa, a qual era considerada contraditória aos valores de originalidade e autenticidade que caracterizavam os padrões de avaliação de crítica do rock nos finais dos anos de 1960 (Frith apud Appel, 2018). No entanto, hoje a versão é uma prática musical reconhecida, aceite, estudada e praticada por muitos músicos, já que hoje se entende que é uma prática que vai muito além de uma mera imitação, sendo considerada um ato de criação por parte do intérprete.

George Plasketes em seu livro Play it again, define versão como sendo uma prática musical em que um artista regrava ou executa canções de outros compositores.

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É uma recontextualização da música, em que o artista reinterpreta gravações nos mais variados estilos, períodos e gêneros e isso engloba contextos criativos, culturais e comerciais (Plasketes, 2010). Nadav Appel em seu artigo Pat Boone’s last laugh: Cover versions and the performance of knowledge, diz que: “A versão é um fenómeno de música popular por excelência, mas problemático. Endêmica a uma forma cultural na qual a autenticidade é um valor central, e questiona a autenticidade ao problematizar noções comuns de criatividade e originalidade” (Appel, 2018).

O conceito de versão pode também ser definido como uma nova forma de interpretação dada a uma composição já existente, em que o intérprete contribui para um novo significado da canção. Na música popular é possível que o intérprete coloque sua identidade na canção, diferentemente da música erudita que pede para que a interpretação seja feita sempre o mais “próximo” da versão original, ou daquela interpretação que acredita ser a original.

Assim, versão é uma forma particular de algo que difere em certos aspectos daquele que era seu original, e pode conter poucas ou várias alterações em sua execução. Nas versões é possível fazer novos arranjos, utilizar novas progressões harmónicas, novas tonalidades, novos desenhos rítmicos e melódicos com uso de appoggiaturas, glissandos, vibratos, trinados além de muitos outros recursos musicais, o que darão ao intérprete uma certa liberdade na execução da obra musical. Portanto, para analisar uma versão musical é necessário também compreendermos os termos originalidade e autenticidade na música e a forma de apropriação e recontextualização de uma canção pelo músico que a interpreta.

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METODOLOGIA

A presente dissertação tem como proposta investigar diferentes tipos de interpretação de uma mesma peça musical. Na música popular o intérprete tem certa liberdade para alterar a composição, mas até que ponto esse intérprete pode mudar uma composição que não é sua? Dessa forma, este trabalho tem como estudo de caso três temas standards da Bossa Nova, sendo esses temas composições de Tom Jobim, com o intuito de analisar as diferentes formas de versões e interpretações para perceber as principais mudanças que há em comparação uma com outra.

Os temas escolhidos são Wave, Chega de Saudade e Garota de Ipanema em três versões diferentes de cada uma, sendo uma versão tomada como versão base para ser comparada com as demais. A versão base de Wave será a versão do próprio Tom com Miúcha; a versão base de Chega de Saudade será a gravação de João Gilberto no LP de mesmo nome; e a de Garota de Ipanema será considerada a versão base a de e João Gilberto. Os pontos a serem analisados serão: a formação instrumental, diferenças estruturais na construção musical, bem como as frases, dinâmicas, tonalidade, repetições, interlúdios, introdução e CODA.

A metodologia será baseada na análise de partituras e da escuta musical através de gravações. As partituras utilizadas são as encontradas no songbook Tom Jobim, organizado pelo músico Almir Chediak, tais partituras contêm apenas a linha melódica e harmonia cifrada. As partituras serão analisadas de acordo com as análises em música popular seguindo os critérios estabelecidos pelo musicólogo PhilipTagg no artigo Analysing popular music: theory, method and practice, cujo, “propósito é apresentar um modelo musicológico para lidar com os problemas da análise do conteúdo da música popular” (Tagg, 2003). Em tais análises serão observadas as progressões harmónicas, linhas melódicas e desenhos rítmicos. No entanto, não serão muito aprofundadas, já que o objetivo não é este, mas sim o de analisar as interpretações. A análise das partituras será feita apenas para melhor perceber as principais alterações feitas por cada intérprete e nos respectivos arranjos.

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Além da análise também foram realizadas entrevistas com alguns músicos que participaram de algumas das gravações contidas neste trabalho e com outros que interpretam tais temas com o objetivo de identificar as diferentes formas de interpretação e a liberdade que o músico-intérprete tem para a execução da peça musical. Desse modo procuro também perceber as principais diferenças que cada versão tem em relação ao “original” e na importância da versão para a continuidade da obra musical.

Assim, o trabalho foi dividido em quatro capítulos, sendo que no primeiro capítulo, abordarei o conceito de versão a partir de questões relacionadas à autenticidade, contextualização, apropriação e originalidade, termos importantes para a compreensão de versão, pois a cada nova interpretação a música pode assumir diferentes sentidos e significados tanto para o público quanto para o próprio intérprete sem deixar de ser ela mesma. E questões sobre a interpretação musical e o papel do intérprete na execução da obra musical.

A fundamentação teórica deste capítulo está baseado nos artigos Authenticity as authentication de Allan Moore (2002), Cover songs: Ambiguity, Multivalence, Polysemy de Kurt Mosser (2008) e Pat Boone’s last laugh: Cover versions and the performance of knowledge de Nadav Appel (2018) e nos livros Play it again de George Plasketes (2010), Performing Rites, On the Value of Popular Music de Simon Frith (1998), Analysing Popular Music de Allan Moore (2008), Understanding Popular Music Culture de Roy Shuker (2013) e no ensaio musicológico Interpretação Musical Teoria e Prática (s/d).

O segundo capítulo, traz um resumo do surgimento da Bossa Nova e sua importância para música brasileira e também internacional. Esse estilo trouxe importantes transformações e contribuições não só para a música brasileira, tendo também influenciado outros estilos a nível internacional e sido influenciada por outros gêneros musicais, como o , o e a música erudita do século XX. Ainda hoje, muitos artistas de diferentes contextos sociais e geográficos cantam, tocam e interpretam bossa nova. É um estilo musical que ganhou notoriedade em diferentes partes do mundo e que ainda influencia muitos compositores e intérpretes dos mais diversos estilos musicais.

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Apesar de a Bossa Nova ser considerada uma construção musical elaborada e complexa, que conta com grande variedade de registos fonográficos e alguns documentos escritos, como os songbooks com melodias cifradas, há pouco estudo sobre a estrutura composicional do estilo. Conforme observa José Estevam Gava, em A linguagem harmônica da Bossa Nova, as publicações brasileiras referentes a este estilo são mais direcionadas às questões sociais e históricas do movimento e menos voltadas para a análise técnico-musical, portanto, é um estilo que ainda requer estudos mais aprofundados sobre os procedimentos composicionais e interpretativos (Gava, 2002). Este capítulo é dividido em dois subcapítulos, a bossa nova como produto de exportação e Tom Jobim e suas principais parcerias.

No terceiro capítulo, tratarei conceitos de análise musical, seu desenvolvimento ao longo dos tempos, dando exemplo de alguns métodos utilizados para a análise musical. Grande parte dos métodos de análises musicais são feitos baseados na música erudita ocidental, dessa maneira a música popular não pode ser analisada do mesmo modo que a música erudita é analisada, utilizando-se das mesmas ferramentas, pois são construídas de formas diferentes.

Philip Tagg traz uma lista de parâmetros de expressão musical que deve ser utilizada para análise da música popular. Esta lista envolve os seguintes aspectos: Aspectos temporais – pulso, tempo,métrica, periodicidade, textura ritmica e motivos; Aspectos melódicos – registro, escala de alturas, motivos ritmicos, vocabulário tonal, timbre; Aspectos de orquestração: tipo e número de vozes, instrumentos, partes, fraseado, acentuação; Aspectos de tonalidade e textura – centro tonal e tipo de tonalidade, idioma harmónico, ritmo harmónico, tipo de mudança harmónica, acordes alterados, relação entre vozes, partes, instrumentos; textura composicional e método; Aspectos de dinâmica – níveis de intensidade sonora, acentuação, audibilidade das partes; Aspectos acústicos – características de local de performance; grau de reverberação; distância entre fonte sonora e ouvinte; sons “estranhos” simultâneos; Aspectos eletromusicais e mecânica – panning, filtros, compressão, phasing, distorção, delay, mixagem (Tagg, 2003). É com base em alguns desses aspectos que a análise musical será realizada. Este capítulo fundamenta-se na teoria de Nicholas Cook em seu livro A Guide to Musical Analysis (1987) e em Mundos da arte de H. Becker

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(1982/2010), Semiologia a Música de Jean Nattiez, Umberto Eco, Nicolas Ruwet e Jean Molino, s/d.

No quarto capítulo será feita a análise musicológica dos temas escolhidos em diferentes versões, comparando suas formações, confrontando o desenho fraseológico das melodias e progressões, seguindo os critérios da análise em música popular de Philip Tagg para perceber as principais diferenças em cada versão e pensar como o músico-intérprete trabalha em cada forma. Desse modo procuro trazer em questão a importância do intérprete para a finalização de uma obra musical e como ele pode inovar uma canção, de modo a mantê-la atrativa ao público.

O primeiro tema é a canção Wave, na qual, serão analisadas as gravações realizadas por Tom Jobim, o compositor da peça musical, que ele interpreta juntamente com a cantora brasileira Miúcha e outras duas versões, sendo uma em inglês, interpretada pela cantora norte-americana Ella Fitzgerald e uma mais recente, interpretada pela cantora portuguesa Carminho.

O segundo tema a ser abordado neste trabalho será Chega de Saudade de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, música considerada o marco inicial da bossa nova, em que João Gilberto introduz uma nova maneira tocar violão e de cantar, tendo ao violão uma “batida” rítmica que influenciou também os demais instrumentos, que também tiveram de mudar a forma de acompanhamento.

Nesta canção será analisada a versão de João Gilberto gravada em 1959, outra, instrumental, realizada pela Orquestra Arte Viva e outra versão gravada pelo grupo instrumental Harmonia. Nessas análises serão observadas as diferentes formas nas interpretações, o que tem em comum e o que a distancia do “original” e farei uma relação dos diferentes tipos de arranjos de utilizados em cada gravação.

O terceiro tema, Garota de Ipanema, talvez seja o tema que mais teve interpretações nos diferentes contextos sociais e geográficos, já foi classificado como a segunda música mais regravada mundialmente, ficando atrás apenas de Yesterday dos Beatles. Esta canção ganhou o Grammy de Gravação do Ano em 1965. Será analisada a versão com letra de Tom Jobim e Vinícius de Moraes interpretada por Stan Getz e João Gilberto, do LP gravado em 1963, denominado Stan e Gilberto e outras duas versões

6 instrumentais, sendo uma realizada pelo grupo instrumental Zimbo Trio e outra pela Orquestra Jazz Sinfônica Brasileira e perceber as principais variações na estrutura musical, que engloba aspectos melódicos, harmônicos e rítmicos, improvisação, repetições, mudanças na introdução, interlúdio, CODA.

Foram realizadas entrevistas com alguns músicos que trabalham com o estilo Bossa Nova para compreender melhor como um músico-intérprete pode executar uma composição, quais atribuições ele pode dar à peça musical. Foram entrevistados o professor doutor em música brasileiro Marcelo Gomes que atua com a Bossa Nova e tem um projeto chamado Elegance Jobim’s Tribute. Este projeto tem por objetivo continuar levando a música de Tom Jobim a vários lugares. Sua proposta é apresentar- se em determinados países com a participação de músicos locais e não levar consigo sua própria banda, de modo a ter trocas de experiências musicais, além de levar a música de Tom Jobim às novas gerações, a fim de que conheçam a obra de Jobim e também em perpetuá-la.

Outra entrevistada foi a pianista brasileira de música popular, Beth Ripoli que interpretou uma das versões de Chega de Saudade e o trompetista Sidmar Vieira que atua na Orquestra Jazz Sinfónica Brasileira e que interpretou a versão de Garota de Ipanema feita por esta orquestra. Tais versões foram analisadas neste trabalho. As perguntas feitas a eles foram divididas em perguntas mais gerais como a importância de Tom Jobim e da Bossa Nova para a música brasileira e não só, mas também a nível internacional. E perguntas mais pessoais como sobre a experiência de cada um com o estilo. E como pensam na interpretação, o que é importante para o músico na hora de interpretar e, por serem temas já tão conhecidos e regravados e reinterpretados, como cada um procura inovar em suas apresentações de modo a ter interesse do público pela música que está sendo executada.

As entrevistas ajudaram a perceber a importância da interpretação e do próprio intérprete para a finalização da obra musical, o qual tem responsabilidade fundamental no resultado final da peça.

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OBJETIVOS

Como os temas musicais tratados aqui são conhecidos mundialmente e já foram interpretados e reinterpretados inúmeras vezes por diferentes artistas em diferentes contextos sociais, é um desafio para o músico continuar a interpretá-los, pois precisa de ter o cuidado de não ser apenas mais uma apresentação, tornando-se algo monótono, sem interesse para o público. Assim, o intérprete precisa de inová-los.

O objetivo aqui é pensar nos modos como o intérprete pode dar um novo significado à canção sem perder a sua originalidade. Além disso, pretendo trazer a discussão sobre os aspectos interpretativos da música popular, um campo da musicologia que ainda possui muitos desafios, pois uma interpretação vai muito além do que está na partitura, contando também com questões sociológicas, históricas e culturais. Na música popular tais aspectos acabam por terem mais relevância, já que muitas canções não possuem uma escrita oficial. Assim, logo surgem diferentes formas de interpretá-las e, desse modo, existem inúmeras partituras para uma mesma composição e tais partituras já contém inúmeras alterações.

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1. A INTERPRETAÇÃO MUSICAL NO CONCEITO DE VERSÃO

A prática musical de cover ou a versão musical é muito comum entre os músicos intérpretes. Trata-se de interpretar uma composição de outro artista, a qual pode ou não receber novos arranjos, mas sempre traz uma nova forma de interpretação. No livro Play it again, George Plasketes define versão “como uma prática musical em que um artista regrava ou executa canções de outros compositores, cujo processo se dá sobre canções favoritas, clássicas e standards da música, seja popular ou não. O fenômeno deve ser visto também como uma manifestação pós- moderna de recontextualização da música em que os artistas revisitam, reinterpretam e reexaminam canções nos mais variados estilos, períodos e gêneros, assim a versão musical engloba contextos criativos, culturais e comerciais” (Plasketes, 2010).

Ainda para Plasketes, as discussões sobre as versões musicais também englobam questões referentes à sua autenticidade, contextualização, apropriação e originalidade (Plasketes, 2010). É importante pensarmos nos significados de tais termos para podermos analisar todo o processo que envolve uma versão musical e assim entendermos as diferentes interpretações de uma mesma composição.

Inicialmente abordarei o termo autenticidade. Há, entre os académicos, grande discussão sobre o termo e seu significado para a música, por isso é importante compreendermos o que pode ser entendido como uma música autêntica e como uma versão pode ser considerada autêntica em relação à composição de origem.

O conceito de autenticidade está associado ao original, que segundo o dicionário Houaiss pode significar: relativo a origem, que provém de ou constitui a origem; que não existiu, que não ocorreu antes; novo, não copiado de modelo existente; que tem carácter próprio, arquetípico; autoral1. Assim, em música, podemos dizer que original é a primeira versão ou primeira gravação de uma obra musical.

1HOUAISS, António; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates, 2003.

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Kurt Mosser, em seu artigo Cover songs: Ambiguity, Multivalence, Polysemy, chama esta primeira versão ou o original, de canção base, ou seja, a canção que será utilizada para novas interpretações (Mosser, 2008). Desse modo, é possível afirmar que uma música pode ser copiada ou imitada, seguindo exatamente o original ou conter algumas alterações em relação à altura, andamento, estilos e gêneros musicais, instrumentações, rearmonização e ainda assim ser considerada autêntica e legítima. A percepção de autenticidade também está presente no grau em que os artistas ou as gravações são assimilados e legitimados por comunidades específicas. Nesse sentido, e de acordo com Allan Moore, citado por Shuker (2013), autenticidade é uma construção feita no ato de ouvir.

Segundo Allan Moore, em seu artigo Authenticity as authentication, autenticidade é sinônimo de “real, honesto, verdadeiro, com integridade, atual, genuíno, essencial, sincero” (Moore, 2002). Neste artigo, o autor traz-nos como exemplo o rock dos anos de 1980 e chama a atenção para o facto de a autenticidade estar associada à forma em que a música é feita, ou seja, está diretamente ligada à instrumentação utilizada para cada gênero musical e em como o artista representa este género (Moore, 2002).

O autor também explora algumas ramificações do termo, fazendo uma análise do rock e da música folk contemporânea, que surge a partir da evolução da música tradicional a partir de meados do século XX, medianteum processo de renascimento ou de revivals, muito frequente nos anos de 1960, em que jovens intérpretes popularizavam a música tradicional a partir de uma nova releitura (Moore, 2002).

Este estilo musical era feito por instrumentos acústicos e letras políticas e socialmente conscientes as quais refletiam as mudanças sociais que ocorriam na época (Moore, 2002). Apesar de o artigo abordar principalmente os estilos folk e rock dos anos 80, as análises feitas por Moore também podem ser empregadas em outros gêneros musicais, como a bossa nova, gênero estudado para este trabalho.

Para Moore, há três tipos de autenticidade na música, que são: a autenticidade social, a autenticidade subjetiva e a meta-autenticidade. Sendo que a autenticidade social é um ato de julgamento legítimo dentro de uma comunidade em particular, a autenticidade subjetiva é validada pelo indivíduo e a meta-autenticidade ou cultural

10 está associada à percepção de seus autores2. Portanto, a autenticidade não está inerente a combinações de sons, mas é uma questão de interpretação que levam em consideração os aspectos culturais e históricos, é algo que se atribui à performance como um todo, e está relacionada a quem a ouve e a quem a interpreta (Moore, 2002).

O segundo termo para ser analisado é o da contextualização, ou seja, uma mesma música pode assumir diferentes significados dependendo do contexto em que será executada. Uma mesma composição pode ser interpretada nos mais diferentes gêneros ou estilos musicais, estando ligada ao lugar, ao público e ao próprio intérprete.

A música está diretamente ligada às questões culturais e por isso ocupa importante espaço dentro de uma sociedade com significados, valores, usos e funções que a particularizam de acordo com cada contexto sociocultural. Assim, cada grupo de indivíduos identifica-se com variados tipos de música, tendo suas preferências e gostos particulares, por isso as versões também estão relacionadas ao contexto social e cultural em que serão realizadas e ao público que se deseja alcançar.

De acordo com Nettl, a música pode ser considerada uma linguagem universal, no sentido de não se ter conhecimento da existência de alguma cultura que não possua uma forma de se expressar ou de se comunicar musicalmente (Nettl, 2005). Porém, isso não quer dizer que os diferentes povos utilizem uma mesma construção musical. Pelo contrário, cada povo, cada cultura, cada sociedade tem sua própria maneira de construir sua música, com diferentes ritmos, melodias e harmonias, além de que em algumas culturas são usadas escalas diferentes e não uma música tonal como na cultura ocidental. E, em contraste com as linguagens faladas no mundo, que são inteligíveis, a música em todos os tipos é compreensível a qualquer indivíduo (Nettl, 2005).

2 MOORE, Allan F. Authenticity as authentication. Popular Music, volume 21/2, pp. 209-223. Cambrigde University Press, 2002.

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A definição de Nettl para a música ser considerada uma linguagem universal está associada, não aos sistemas e sonoridades utilizados, pois cada povo, cada cultura tem sua maneira própria de fazer música e de representá-la, mas na capacidade que temos em compreender a canção, mesmo que seja diferente da que estamos habituados à ouvir.

Com a expansão tecnológica a música chegou aos mais diferentes e distantes lugares, contribuindo assim para uma miscigenação musical que, com novos elementos, faz surgir novos estilos musicais, contribuindo para que vários artistas e intérpretes possam ter acesso aos mais variados gêneros musicais, proporcionando inúmeras versões de uma mesma canção. Os meios tecnológicos ao serviço da indústria fonográfica transformaram a maneira de nos relacionarmos com a música. A indústria fonográfica lança no mercado os mais variados gêneros musicais, os quais chegam rapidamente a diferentes espaços geográficos. A globalização permitiu romper com as fronteiras musicais, contribuindo para que a música de vários países e culturas chegue a qualquer lugar do mundo.

Quando pensamos em contextualização, pensamos em trazer para determinado contexto uma música que outrora era diferente, mas que assume características próprias de um determinado estilo, ou seja, é possível transformar certa composição feita para determinado estilo em outro estilo, prática bastante comum nas versões. Tal prática é constatada neste estudo, em que analisarei algumas versões de canções originais da bossa nova que em diferentes interpretações assumem características do jazz, do fado ou da música erudita, por exemplo. Tais versões foram e são apresentadas para um público específico por estar inserida nesse contexto social.

Um terceiro termo para analisarmos é o da apropriação da peça musical, termo que podemos definir como tornar próprio. No caso de uma versão, podemos dizer que o intérprete aplica ou atribui algumas características pessoais à canção, adequando-a ao seu projeto musical ou ao público ao qual é destinado sua apresentação ou mesmo pelo seu gosto pessoal. O intérprete, portanto, pode assumir o papel de coautor da obra, no sentido de participar no resultado final de uma determinada composição, a partir de algumas alterações que pode fazer na forma de execução da obra musical. Desse modo, cada apresentação pode ter um significado diferente.

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Outro termo a ser analisado é o da originalidade, que segundo o dicionário Houaiss, pode significar: qualidade ou condição de original; do que se caracteriza por determinada origem; qualidade de inusitado, do que não foi ainda imaginado, dito, feito; inovação, singularidade; capacidade para se expressar de modo independente e individual; habilidade criativa3. Portanto, quando pensamos em originalidade pensamos em algo criativo, inédito, novo por parte do músico-intérprete, o qual tem um importante papel na construção de significado da música, sendo que não é possível pensar num intérprete sem considerar um indivíduo histórico e autêntico com experiências pessoais e temporais. Ou seja, o intérprete traz consigo características próprias, as quais estão relacionadas com suas vivências, suas influências e suas aprendizagens, além do contexto em que está inserido.

Entendemos assim, que a interpretação musical está muito além daquilo que está escrito em uma partitura, mas está diretamente ligada à maneira como o intérprete a entende, assumindo significados próprios para este intérprete, bem como para o público alvo. Cada ouvinte também tem sua própria maneira de lidar com a composição, o qual envolve, entre outras coisas, o gosto pessoal.

Otto Kolleritsch, no livro Expression, Truth and Authenticity: on Adorno’s Theory of Music and Musical Performance do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, no capítulo 3, diz que a música é para ser interpretada e isso significa que pode não haver limites para a expressão musical e para a maneira como o intérprete entende uma canção4. É, portanto, uma forma de recriar uma composição já existente, ou seja, é uma reconstrução de uma peça musical. Portanto a cada apresentação há sempre uma nova interpretação, seja na melodia com o uso de ornamentos diferenciados, seja com algum acorde diferente com dissonâncias ou sem, seja um ritmo mais rápido ou mais lento, ou com repetição de algum trecho que não era realizado no “original”, por exemplo.

3HOUAISS, António; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates, 2003.

4CARVALHO, Mário Vieira., Expression, Truth and Authenticity: on Adorno’s Theory of Music and Musical Performance.EnsaiosMusicológicos, Lisboa, Edições Colibri, CESEM, 2009.

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Outro fato importante para o grande número de versões existentes hoje em dia de uma mesma obra, se dá pela produção e reprodução das peças musicais, a partir das indústrias fonográficas e do avanço tecnológico. Em seu livro “Performing Rites, On the Value of Popular Music”, Simon Frith, dentro de uma perspetiva histórica, divide a produção musical em três estágios para armazenamento e recuperação musical. Sendo que no primeiro é a folk, música folclórica ou tradicional, que está integrada à própria pessoa e só pode ser recuperada através de uma apresentação ao vivo. É a música do cotidiano como rituais ou cerimônias, ou músicas que estão integradas às práticas sociais cotidianas, como por exemplo, canções de trabalho (Frith, 1996).

O segundo estágio é a música enquanto arte, em que a música é armazenada através da notação e só pode ser recuperada através da interpretação, quando alguém faz uso da canção, interpretando-a através de um instrumento musical ou com o canto. Este estágio, portanto, depende de alguém que consiga ler a partitura e não fará sentido para quem não conhece a linguagem musical escrita. E por último, o terceiro estágio da reprodução musical é a armazenada num disco, fita, CD ou em alguma plataforma digital e só pode ser recuperada mecanicamente, digitalmente ou eletronicamente (Frith, 1996).

O avanço tecnológico veio transformar a experiência com a música, pois não há mais barreiras, pode-se ouvir qualquer estilo musical de qualquer lugar do mundo. Para Frith a experiência de “ouvir música gravada tornou-se contraditória, pois, ao mesmo tempo, é pública e privada, estática e dinâmica, uma experiência entre o presente e o passado. No mundo da gravação há uma nova valorização do original” (Frith, 1996).

De acordo com Walter Benjamin em seu ensaio A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, a compreensão da reprodução do trabalho artístico está sempre sensível à reprodução, seja com a finalidade de extrair proveito do material ou garantir sua difusão. Benjamin argumenta que algo feito por alguém pode ser feito por outros e a multiplicação de um trabalho através de cópias o transforma em fenômeno de massas, proporcionando seu acesso a um grande número de pessoas e garantindo uma maior proximidade com a obra (Benjamin, 1983).

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O autor não fala diretamente sobre a reprodução musical, mas da reprodução de outros tipos de artes, porém, é possível trazermos para o campo musical e fazermos uma análise da importância da reprodução musical em massa para o surgimento das variadas versões e interpretações de uma determinada composição. Em seu texto percebemos que a finalidade da reprodução de obra artística é importante para o compositor, pois através da reprodução haverá uma grande divulgação de seu trabalho, tornando-o conhecido em diferentes contextos geográficos e sociais e, em alguns casos, perpetuando sua obra e também como forma de homenagear tal artista. Já para os intérpretes, terão acesso a diferentes canções e versões de modo a contribuir para seu aprendizado e aperfeiçoamento de novas técnicas possibilitando novas formas de interpretações.

A reprodução musical contribui para as várias transformações pela qual a música já passou. Transformações estas, que vão desde a maneira de compor ou de interpretar uma obra musical, até a maneira de se estudar, aprender ou ouvir uma peça musical, tornando possível a utilização e a escuta de diversos instrumentos musicais e formas de execução, o que também contribui para uma transformação no desenvolvimento da técnica e linguagem musical como um todo.

Todas as tecnologias, desde a indústria fonográfica, a rádio, a TV e a internet foram importantes para a divulgação da música, pois, a partir de então, várias pessoas podem ter acesso aos mais variados gêneros e estilos musicais, integrando novas maneiras de se fazer música. A música que antes era ouvida em lugares restritos, por pequenos grupos, ganha notoriedade em outras regiões geográficas e abrange outras culturas diferentes da original.

A internet e as plataformas digitais como o Youtube, Spotify e Deezer transformaram a maneira de ouvir música e de nos relacionarmos com ela. A música não está mais circunscrita a uma região, ou uma cultura, mas pode ser ouvida de qualquer lugar do mundo. O acesso às mais variadas formas musicais está presente em todos os lugares, nos mais diferentes contextos sociais. O que contribui para o surgimento de novas formas de interpretação de uma mesma canção, já que esta sofre a influência de outras culturas, de outros estilos e gêneros musicais.

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Sendo assim, a produção musical está diretamente ligada à reprodução musical, uma depende da outra, sendo essencial para sua existência, como encontramos numa citação no livro Expression, Truth and Authenticity: on Adorno’s Theory of Music and Musical Performance:

“Only through interpretation can reproduction, in its indissoluble inter play with production, be able to fulfill the existential function awarded to it – “Song is Being” (Rilke, 1980: p.488).5

Assim, entendemos que, mais do que tocar uma obra musical, é preciso que o músico executante entenda também sua linguagem, e assim faça a sua música, pois a sua interpretação é parte integrante da música.

No ensaio musicológico Interpretação Musical Teoria e Prática, Mário Vieira de Carvalho reflete sobre a questão da interpretação a partir da definição de Adorno, o qual distingue a interpretação verdadeira, ou seja, aquela que capta a essência da obra no seu devir histórico, da interpretação falsa, que é aquela que se impõe à obra a partir do exterior, como mera contingência, decorrendo das oscilações de gosto ou da moda e, por isso, estranha ao objeto e à obra interpretada (Carvalho, p. 18).

Assim, entendemos que a interpretação musical nunca será idêntica ao texto notado na partitura ou ao que está em uma gravação. Sempre haverá diversidades nas possibilidades de interpretação.Em rigor, "a música só se constituía verdadeiramente como texto através da interpretação, e por isso, era certeira a expressão do senso comum, segundo a qual tocar é “fazer música” (Carvalho, s/d, p.23).

5 CARVALHO, Mário Vieira. Expression, Truth and Authenticity: on Adorno’s Theory of Music and Musical Performance. Ensaios Musicológicos, Lisboa, Edições Colibri, CESEM, p. 63, 2009.

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Na música erudita há uma tentativa de se executar a peça musical como fora feita nas práticas originais, com o intuito de se ouvir como haviam soado na respetiva época em que foram compostas, surge, então, a ideia moderna, a modernidade stravinskiana e antirromântica do objetivismo musical, em que procura apenas tocar as notas como está na partitura e assim se realizará a obra corretamente. Porém, Adorno afirmava que “nunca e em passagem alguma o texto musical notado é idêntico à obra; antes é sempre necessário captar, na sua fidelidade ao texto aquilo que ele oculta dentro de si. Sem tal dialética, a fidelidade transforma-se em traição”6.

Mesmo na interpretação na música erudita, que deve ser feita o mais próximo possível do original, Mário Vieira de Carvalho defende que a interpretação musical vai além de tocar notas certas no tempo certo. Chama-lhe um processo inconcluso, pois as obras mudam no tempo e cada nova obra muda a anterior. A interpretação musical estará sempre ligada à emoção de cada indivíduo e nunca será igual.

Já na música popular, o que mais se espera é que o intérprete assuma uma postura diferente do cantor “original”, e contribua para que a execução da obra tenha sempre algo de diferente, de novo. Enquanto na música erudita, apesar de também contar com a individualização de cada intérprete, com suas emoções e influências, ainda se espera que sua interpretação seja quase uma imitação, na música popular espera-se algo bem diferente do original, ou da sua primeira gravação.

Além disso, na música popular, muitas vezes, a canção se torna mais conhecida pelo seu intérprete do que pelo seu compositor, isso se dá principalmente em nichos da MPB, por exemplo, não havendo preocupação se quem interpreta a canção é também seu compositor, em geral, “uma interpretação vale mais pela corporificação das canções, em que os cantores se tornam a fonte emocional das sonoridades, do que pela autoria, mesmo que, em alguns momentos de sua carreira, elas sejam vinculadas a determinados compositores” (Júnior, 2004).

6MONTEIRO, Francisco e MARTINGO, Ângelo (coord.). Interpretação Musical Teoria e Prática.Ensaios Musicológicos. Edições Colibri/Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 2007, p. 22.

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No gênero musical Bossa Nova, tanto os seus próprios compositores como Tom Jobim e João Gilberto, quanto diversos artistas tanto da música popular brasileira como de outros gêneros musicais ao redor do mundo interpretaram os temas desse estilo, assim surgindo sempre novas formas de interpretá-lo. De modo geral, as canções na música popular estão sempre baseadas em versões, ou seja, nas contribuições que os próprios intérpretes, arranjadores ou produtores darão a ela.

Como já dito anteriormente, uma versão pode ser uma forma de perpetuar uma obra musical ou também como homenagem a um determinado artista. Tal prática se destacou fortemente a partir da década de 1980. Hoje há uma nova geração de ouvintes e um novo mercado para as canções “recicladas”, como reedições, compilações de álbuns e trilha sonora de filmes. Tocar e regravar canções de outros artistas é uma forma de autenticar-se com seu público, através da identificação com os artistas originais. Assim, podemos dizer que a versão é uma forma de intertextualidade dos trabalhos originais em sua produção e receção.

Segundo George Plasketes, em seu livro Play it Again: Cover Songs in Popular Music, desde a década de 1980 vivemos num mundo da era RE, ou seja, uma época em que nosso estilo de vida se resume a REpetir, REcuperar, REinventar, REciclar, REcitar, REdesenhar, REprocessar. Os criadores e o público procuram algo que já lhes é familiar, através de reconsideração, reexames, reinterpretação e redescoberta, por meio de replays e reedições, reprises e remakes (Plasketes, 2010).

Desde a década de 1980 é também observado, no campo cinematográfico, lançamentos de filmes que homenageiam determinados artistas, os quais procuram mostrar a vida e obra de muitos artistas renomados, divulgando e perpetuando sua obra musical. Entre eles, podemos citar: Bird (1987), filme sobre o saxofonista Charlie Parker, considerado um dos ícones de jazz e responsável pelo BeBop; A fera do Rock (1989), filme que conta a história de Jerry Lee Lewis, cantor, compositor e pianista americano, considerado um dos pioneiros do rock’n roll, na década de 1950; The Doors – O Mito de uma Geração (1991); I’m not there (2007), que conta a história de Bob Dylan; O garoto de Liverpool (2009); o documentário A música segundo Tom Jobim (2012); Tim Maia (2013); Somos tão jovens (2013), que conta a história de Renato Russo, vocalista da banda de rock brasileiro Legião Urbana; Ray (2014), filme sobre a

18 história do cantor americano Ray Charles, ícone do R&B e do Soul; o documentário Onde está você João Gilberto? (2018) e além de muitos outros já realizados e outros que serão lançados, como Rocketman (2019), filme que conta a história de Elton John.

Portanto, as versões são muito importantes para o repertório de artistas já consagrados como forma de resgatar o passado musical de modo a que se torne também conhecido por outras gerações e para artistas mais novos. Estes utilizam as versões como forma de aprendizagem ou para homenagear um artista consagrado e que pode também ajudar na projecção desse artista, tornando-o conhecido pelo público.

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2. PEQUENA HISTÓRIA DA BOSSA NOVA

O movimento Bossa Nova surgiu no Brasil nos finais da década de 1950, sendo 1959 a data aceite pelos estudiosos, tendo o lançamento do LP de João Gilberto, Chega de saudade como seu marco inicial. Esse movimento surge no meio de grandes transformações sócio-políticas e econômicas que ocorriam no país naquela época. Foi o período do governo de Juscelino Kubistchek, o JK, como é chamado no Brasil, onde seu lema era o de modernização rápida, 50 anos em 5.

Entre os principais acontecimentos podemos destacar a abertura das importações, crescimento industrial, construção de Brasília, entrada da indústria automobilística. E também a grande influência da cultura norte-americana no país. Mas é importante analisarmos, ainda que não profundamente, as músicas que eram feitas no Brasil, alguns anos anteriores ao surgimento da Bossa Nova.

O samba é considerado como o gênero musical predominante e a partir dele surgem novos estilos, com diversas influências de outros estilos musicais, como por exemplo, o Samba Jazz, uma junção do samba com o jazz. Este estilo também influenciou o aparecimento do estilo que se tornaria a Bossa Nova.

Este estilo, o Samba Jazz, que na década de 1960 era mais conhecido no exterior como New Brazilian Jazz, era uma mistura de samba com algo da linguagem jazzística, sobretudo do Bebop. A principal mudança neste estilo estava na “concepção rítmica da bateria, passando de um samba cruzado para um samba de pratos, ou seja, troca-se uma condução rítmica neste instrumento carregada de tambores, por formas de acompanhar mais abertas, conduzidas nos pratos” (Gomes, 2010).

Há grandes dificuldades para delimitar o que é Bossa Nova do que é Samba Jazz, já que possuem características sonoras semelhantes, como por exemplo, o uso de acordes com tensões. Bossa Nova, na época, era um termo utilizado como um adjetivo para designar algo novo, “algo diferente, mesmo que não fosse algo que comportasse uma interpretação nova”(Castro, 1990). E esta era sua proposta inicial, ser algo diferente daquilo já estava sendo feito musicalmente no país.

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Apesar de a Bossa Nova ter algumas características rítmicas vinda do samba, seu desenvolvimento se deve muito mais aos discos de jazz que chegavam ao Brasil do que pela música popular feita no morro carioca, sendo este um dos principais motivos em não ser considerada, por alguns críticos, música genuinamente brasileira. É uma música criada por jovens universitários da classe média carioca os quais buscavam uma música numa linguagem que os representasse, que tivesse algo do estilo de vida deles. Porém, o historiador José Ramos Tinhorão, defende que esta camada de jovens da classe média carioca estava completamente desligada das tradições musicais da cidade e do país (Tinhorão, 1998), introduzindo recursos da música estrangeira na música local, ou seja, no samba.

Além disso, outros nacionalistas mais radicais tentaram desclassificar a bossa nova como manifestação de música popular brasileira, para eles era apenas um modismo dessa classe social, e apontavam a influência do jazz e da música erudita europeia para justificarem o afastamento das raízes brasileiras. No entanto, para esses jovens, a proposta não era desligarem-se do samba, mas sim fazer um samba atualizado de modo a valorizá-lo, e não simplesmente copiar o que vinha de fora, mas introduzir ao samba recursos que o valorizariam bastante (Chediak in Gava, 2002).

No artigo João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova, Lorenzo Mammi, faz a seguinte citação a respeito do movimento, “sua postura em relação às influências internacionais é mais livre e solta, porque suas raízes sociais são mais claras e sua posição mais definida. Bossa Nova é classe média carioca. Ela sugere a ideia de uma vida sofisticada sem ser aristocrática, de um conforto que não se identifica com o poder. Nisto está sua novidade e sua força” (Mammi, 1992).

Segundo o maestro Júlio Medaglia, no ensaio O Balanço da Bossa (1974), existem várias manifestações populares e eleas classifica em três categorias, sendo a primeira folclórica, ligada diretamente a determinadas situações sociológicas, históricas e geográficas. Os outros dois tipos, os quais chama de manifestações não- erudita, são de origem urbana e classificadas como música popular, porém com características diferentes, sendo uma o fruto da própria imaginação popular e outra, fruto da própria indústria de telecomunicações (Medaglia, 1974).

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Como já dito anteriormente, a bossa nova surgiu em meio a polêmicas em ser ou não classificada como música brasileira ou como samba. Porém Júlio Medaglia, ainda no ensaio O Balanço da Bossa, afirma que a Bossa Nova é uma vertente do samba, ou seja, enquanto um era extrovertido, feito para a massa o outro era introvertido, feito para pequenos recintos e a compara a uma música de câmara. Segundo ele, é uma música voltada ao detalhe, para um canto-falado, para uma audiência próxima. E ainda traz em seu argumento que a bossa nova tem como características a sutileza, a elaboração e a introversão, e o samba a simplicidade, a espontaneidade num mínimo de elementos e a extroversão, porém, tais características, não fazem uma melhor que a outra (Medaglia, in Campos, 1974).

Esse novo estilo musical trouxe importantes inovações para a música popular brasileira, em seus aspectos melódicos, harmônicos e rítmicos. Em comparação com o jazz, é importante ressaltar que este novo estilo é essencialmente melódico, ou seja, os elementos de composição de Tom Jobim eram submetidos à melodia, que não pode ser modificada em suas linhas essenciais.

Já no jazz, a composição está mais centralizada na harmonia, privilegiando o acorde, ou seja, a estrutura harmônica possui infinitas variações melódicas, em Tom Jobim, a melodia não pode ser modificada, pois é o centro estrutural da composição, porém pode ser “colorida” por inúmeras variações harmônicas. Além do que as linhas melódicas do jazz são compactas, seccionadas e organizadas em volta de centros tonais definidos, na Bossa Nova, as melodias são compridas, complexas e livres (Mammi, 1992).

Na análise da concepção musical da Bossa Nova feita por Brasil Rocha Brito (1974), ele a divide em três estudos, sendo eles: o estudo sobre a posição estética, estudo sobre as características da estruturação e por fim, o estudo das características da interpretação. No primeiro estudo, sobre a posição estética, Brasil Rocha Brito faz uma análise da melodia e chama a atenção para que a melodia desenvolvida ritmicamente na música anterior, ou seja, no samba, recebia ênfase exagerada, tinha preocupação de ser facilmente memorizada e uma harmonização simples, já a bossa nova procura integrar a melodia, o ritmo e a harmonia. É feita para o todo, sendo uma

22 união entre todas as partes que a compõem, desde o próprio compositor, os músicos e os intérpretes. Não há estrelismo. Não há sobreposição de funções.

Com relação à função harmônica Brasil Rocha Brito destaca que nos “instrumentos como piano ou violão podem apresentar uma estruturação harmônica realizada por acordes que desempenham duas funções: a) função harmônica, acordes como sustentações harmónicas da composição e, b) função “percussiva”, acordes para sublinhar as batidas “beats” rítmicos”. A bossa nova concilia ambas as funções (Brito, 1974).

Além disso, há maior uso de acordes dissonantes e alterados, maior uso de modulações o que proporcionou o desenvolvimento auditivo e de novos dedilhados ou posições instrumentais para a realização desses acordes. Essas são algumas características já presentes no Jazz, sobretudo no Bebop que foram adaptadas à bossa nova. Ao contrário do jazz em que as progressões harmónicas são geralmente feitas de forma ascendentes por círculos de quintas, na bossa, faz-se uso de progressões descendentes. Há ainda o surgimento de regiões maiores e menores dentro de um mesmo centro tonal.

Ainda segundo Brasil Rocha Brito, os gêneros musicais mais utilizados na época eram o samba “marcado”, o samba-canção, a marchinha e a valsa e nos chama a atenção para que o surgimento de um novo gênero não anula os demais pré- existentes. Assim, a Bossa Nova, para Brasil Rocha Brito, “é uma concepção musical não redutível a um determinado gênero, mas comporta manifestações variadas: , marchas, valsas, serenatas, etc, mas com uma estruturação rítmica assimétrica”(Brito in Campos 1974).

A princípio, este estilo foi feito para violão e canto ou piano e canto, posteriormente passa a ser orquestrado, sendo esta orquestração responsabilidade de outrem que não o compositor original da canção, o que envolve também um problema de interpretação, pois o músico-arranjador trabalhará de acordo com influências próprias, sendo por vezes distantes da ideia primária da composição. A orquestração na bossa nova, de acordo com Brasil Rocha Brito, “peca por ostentar aspectos exteriores, nada representativos da nova concepção musical. Salvo poucas exceções.

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Tom Jobim consegue uma orquestração efetivamente nova, original e bem integrada nos desígnios do movimento”(Brito, in Campos, 1974).

Nas interpretações ao violão é importante salientar que a bossa nova reavivou o uso do instrumento que havia se perdido ao longo dos tempos, com a batida diferente feita por João Gilberto em 1958, com efeitos jamais ouvidos no jazz ou em outra música popular, o qual inovou a maneira de se tocar violão. Entre algumas características, podemos citar os acordes compactos, marcação dos beats, tensão harmônica, passagens em ostinato. O estilo particular de tocar de João Gilberto é totalmente identificado à bossa nova.

Uma problemática também apontada por Brasil Rocha Brito é que alguns instrumentistas queiram apenas imitar a maneira de tocar de João Gilberto, “sufocando em si próprios uma originalidade. Outros, porém, conseguem manter um estilo pessoal e ao mesmo tempo coadunável com a nova concepção musical” (Brito, in Campos, 1974).

João Gilberto influenciou toda uma geração de músicos, instrumentistas, arranjadores e cantores, devido à sua maneira de tocar o violão. A partir dele surge uma nova concepção em relação aos acordes e suas funções harmónicas utilizadas em sua música. Além disso os cantores começam a cantar de forma mais suave, sem os exageros vocálicos presentes nas canções da época. O maestro Júlio Medaglia define o canto bossanovista como algo simples, sem efeitos melodramáticos, sem virtuosismo, é o canto-falado, em que todos poderiam cantar (Medaglia, in Campos, 1974).

Tendo sido desenvolvida inicialmente para violão e voz, logo ganhou também interpretações com piano e voz, em que o piano desempenha papel primordial de acompanhante sustentando o fundamento harmônico-total e as batidas rítmicas, os beats, aspectos esses que caracterizam o estilo.

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2.1.BOSSA NOVA COMO PRODUTO DE EXPORTAÇÃO

Como já visto anteriormente, o movimento bossa nova surge no final da década de 1950, com jovens músicos que, juntando elementos do jazz, do samba e da música erudita experimentavam novos caminhos para a música. Na mesma época o país passava por um processo de modernização, apoiado pelo governo JK. Com isso a forte influência norte-americana fazia-se presente na vida dos brasileiros. Este processo de industrialização trouxe a esses jovens músicos o desejo de inovação.

Em 1959 é lançado o LP Chega de Saudade de João Gilberto, tornando-se marco inicial do movimento Bossa Nova no Brasil. E, em 1962, o guitarrista Charlie Byrd e o saxofonista Stan Getz gravam no álbum chamado “Jazz Samba” e assim o nome de Tom Jobim chega ao mercado internacional. Tal gravação fez tanto sucesso que foi posteriormente regravada por outros músicos também renomados dos EUA, como Quiny Jones e Dizzy Gillespie.

Desde então, a música de Tom Jobim sempre ganha novos arranjos e novas interpretações. Neste mesmo ano, alguns dos músicos idealizadores do movimento Bossa Nova, são convidados a apresentarem-se no Carnegie Hall, em Nova York, entre eles estavam Roberto Menescal, Carlos Lyra, Luís Bonfá, Sérgio Mendes, Chico Feitosa, Oscar Castro Neves, Milton Banana, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Caetano Zama, João Gilberto e Tom Jobim.

Apesar de ter sido um movimento para a massa, a bossa nova acabou por não ter grande repercussão no Brasil. Talvez pelo fator de representatividade brasileira, foi se afastando da grande massa e tendo um público cada vez mais seleto. Com isso passa a ser vendida para o exterior, sobretudo para os EUA, onde foi muito bem recebida, pois as características do jazz que possui agradou ao público norte- americano. Posteriormente passa a ser conhecido em outros países também da Europa. O Brasil passa a ser conhecido também como “o país da Bossa Nova”, simbolizando a modernidade do Brasil que de importador de música estrangeira passou a exportar produção musical local.

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Nos EUA vários cantores renomados gravaram músicas de bossa nova, entre eles podemos citar: , Ella Fitzgerald, Miles Davis, Sarah Vaughan, StanGetz. Frank Sinatra foi um dos primeiros cantores a gravar bossa-nova no exterior. Ele ainda era um dos cantores mais populares do mundo em 1966, mesmo em plena era dos Beatles e sua canção Strangers in the Night era a número um. Durante anos o mercado musical era voltado para um público adulto, até a explosão dos Beatles, em 1964. Tal teve um impacto e suas canções passam a ser menos consumidas surgindo então a necessidade de inovar. Sinatra vê na Bossa Nova essa possibilidade de inovação (Castro, 2000).

Assim como outros cantores, ele procurava algo novo, e a bossa-nova tinha mais que qualidades suficientes, sofisticação e apelo comercial. E para Sinatra, bossa- nova era Jobim (Castro, 2000). Então ele grava canções como , Desafinado, e Corcovado. Sinatra consegue cantar suavemente, como a bossa- nova requer.

Em meio a tantos protestos que enfrentou no Brasil, “A bossa-nova sentia-se como um peixe fora d’água, mas felizmente encontrou seu lugar: o resto do mundo” (Castro, 2000). Também na Europa houve e ainda há grandes representantes do estilo bossa-nova.Em Portugal, por exemplo, muitos artistas representam o estilo. Desde o século XX, embora o governo salazarista limitasse a exposição dos portugueses ao exterior, não impediu a influência da música brasileira no cenário português7. Como exemplo desse processo, podemos citar a fadista Amália Rodrigues que em 1970 grava Formiga bossa nova, música que contém algumas características da música brasileira. Recentemente regravada pela cantora brasileira Adriana Calcanhoto.

Nesta gravação de Amália Rodrigues é possível perceber um balanço rítmico parecido com o da bossa nova, com um motivo rítmico formado por colcheias e síncopas ligadas, com acento sempre no contratempo, isso é percebido no acompanhamento da guitarra feito ao fundo. Há também uma guitarra a qual faz um desenho rítmico do fado, estilo característico da música de Amália Rodrigues. Parece

7Portugal e Brasil – Partilha e despatrialização da música. Disponível em: https://ria.ua.pt/bitstream/10773/13431/1/20_7_musica_pp.pdf

26 haver uma mistura entre o fado e a bossa. Porém com diferença na letra, pois a bossa nova, no Brasil, cantava o amor da juventude. Já na composição de Alexandre O’Neil, em Formiga Bossa Nova, faz uma comparação entre a formiga e a cigarra, em que uma trabalha e outra vive a cantar.

Sendo um movimento musical que durou pouco tempo, cerca de oito anos, de 1959 a 1967, teve seu auge criativo entre 1959 e 1962, época em que floresceu e se firmou como marca distintiva. Este período é considerado o período clássico do Bossa Nova com sua forma estrutural perfeitamente definida, mas em pouco tempo viu-se estagnar perante o público. A rapidez com que as mudanças ocorreram no mercado de consumo fez com que logo surgissem novas tendências, rótulos e produtos musicais. De entre elas, a tendência a um espírito de nacionalismo-popular, representado pela canção engajada, nacionalista ou de protesto, a Jovem Guarda, a MPB e o Tropicalismo (Gava, 2003).

Para José Estevam Gava as produções musicais posteriores a 1965 já estavam bastante distantes dos ideais da Bossa Nova. E é neste ano que um dos expoentes do movimento, Vinícius de Moraes junto com Edu Lobo compuseram Arrastão, canção que marcaria o início de uma nova tendência interpretativa, a MPB. Com artistas novatos, conhecidos como a segunda geração da Bossa Nova, entre eles Geraldo Vandré, Edu Lobo e Chico Buarque, as canções já pouco tinham da estética Bossa Nova. Assim, as canções A Banda, de Chico Buarque e Disparada de Geraldo Vandré são consideradas marcos da ruptura e mutação entre Bossa Nova e MPB (Gava, 2002).

Porém, o fim cronológico do movimento Bossa Nova não significou a extinção estética do estilo, sendo uma grande referência para as gerações posteriores de artistas.Apesar de já possuir uma bibliografia específica bem considerável e ter estudos em todos seus parâmetros (rítmicos, melódicos, harmônicos e sociais), continua a atrair a atenção de críticos, pesquisadores, historiadores e músicos.

Ainda hoje muitos músicos no Brasil e no exterior utilizam-se do estilo Bossa- Nova, com canções inéditas ou com regravações e versões das canções tradicionalmente feitas para o estilo. O que comprova a sua importância no cenário musical. Como exemplo mais recente, podemos citar António Zambuja na sua música

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Zorro, a qual apresenta características da bossa-nova e a cantora Carminho que gravou um disco apenas com canções de Tom Jobim.

2.2 TOM JOBIM E SUAS PRINCIPAIS PARCERIAS

Tom Jobim foi pianista, compositor, arranjador, maestro, cantor e violonista, é um dos principais nomes da Bossa Nova, ao lado de João Gilberto, Newton Mendonça, Roberto Menescal, Ronaldo Boscoli, Vinícius de Moraes, João Donato, entre outros que contribuíram para o surgimento do estilo Bossa Nova.

Nascido em 1927 numa família de músicos, começou a estudar piano com o maestro alemão Hans Joachim Koellreutter, introdutor da técnica dodecafônica no Brasil. Posteriormente aperfeiçoou-se no piano com Lúcia Branco e Tomás Teran, além de estudar orquestração, harmonia e composição.

Iniciou a vida musical profissional tocando em boates e bares de Copacabana e em 1952 foi contratado pela gravadora Continental, onde tinha a função apenas de transcrever músicas de compositores que não dominavam a escrita musical e também para acompanhar artistas ao piano. E no ano de 1954, Tom Jobim se arrisca nos seus primeiros arranjos com a ajuda do maestro Radamés Gnatalli. Suas primeiras composições gravadas foram: Pensando em você e Faz uma semana, por Ernâni Filho e Incerteza, em parceria com Newton Mendonça, gravada por Mauricy Moura8.

Tom Jobim, em uma entrevista cedida à Marília Gabriela no canal livre em 1987, diz que, quando surgiu, a Bossa Nova, os próprios brasileiros a teriam denominado como jazz, mas para ele, teve algumas influências do jazz sim, mas não poderia ser considerada como jazz e sim como música brasileira. Cita Chega de Saudade de João Gilberto e afirma que, nesta música, não há nada de jazz, esta música

8Disponível em: http://blog.fritzdobbert.com.br/historias/tom-jobim-o-maestro-soberano

28 possui características do choro. Apesar da relutância que os criadores tiveram para que a Bossa Nova não fosse considerada jazz, acabaram por concordar com tal afirmação9.

Outro fato importante que Jobim diz em sua entrevista é referente a sua transição da música erudita para a popular, já que sua formação foi clássica. Segundo ele, o fato de ter estudado os compositores modernos e revolucionários, como Debussy, Ravel e Villa-Lobos, ajudou-o a desenvolver a sua música, a qual considerava revolucionária, pois trocou toda estrutura consolidada, seja nos aspectos melódicos, harmónicos e rítmicos e influenciou o mundo todo com sua nova linguagem musical.

Ao longo de sua carreira, Tom Jobim teve inúmeras parcerias nas composições, tanto para a parte musical como de letristas, entre elas, podemos citar sua parceira com Newton Mendonça. Dessa parceria surgem as músicas Desafinado e Samba de uma nota só. Desafinado nasce de uma “brincadeira” dos dois músicos com relação aos cantores que por vezes tinham que acompanhar nas boates, e quase nenhum desses cantores marcava pontos em afinação aos ouvidos da dupla. Apesar de parecer uma defesa para certos cantores, a música é complicada e cheia de dissonâncias que deixam muitos cantores em apuros. Esta música, no entanto, não teve como parceria apenas Newton Mendonça, pois a letra foi feita por outro parceiro musical de Tom, Ronaldo Bôscoli. A introdução foi feita apenas por Tom.

Considerada, por eles, um samba de humor, deveria ser cantada por alguém não muito sério, mas quem acabou ficando com ela foi João Gilberto. A parceria com João Gilberto inicia-se em 1957, quando João Gilberto é apresentado a Tom Jobim, que trabalhava na gravadora Odeon para lançar um LP. Tom Jobim ficou encantado com a maneira de João Gilberto tocar o violão e viu ali uma oportunidade de modernização do samba, através da simplificação do ritmo e da inclusão de novas harmonias, mais funcional, a qual dava certa liberdade aos arranjos. Em 1958, João Gilberto grava Chega de Saudade, de Tom e Vinícius, música consagrada como o início da Bossa Nova (Castro, 1990).

Outra importante parceria foi com o poeta Vinícius de Moraes, em 1956, quando Vinícius procurava alguém para musicalizar sua peça “Orfeu da Conceição”.

9 Disponível em: https://youtu.be/J8jr65wVA7k

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Nasce, então, uma das mais importantes parcerias da música popular brasileira. Essa parceria também rendeu Chega de Saudade, música que, na voz de João Gilberto, marcou o início da Bossa Nova. Com melodia bem trabalhada, com idas e vindas, foi difícil para Vinícius encontrar letra que se encaixasse naquela estrutura melódica e com isso ninguém tinha certeza do futuro da canção. No entanto, é uma música que alcançou reconhecimento com a “batida” rítmica que João Gilberto lhe deu.

Entre outras composições feitas em parceria com Vinícius podemos citar: É preciso dizer adeus, A felicidade, Amor em paz, Canta, canta mais, O nosso amor, O que tinha de ser, Sem você por toda a minha vida, Brigas nunca mais, Eu não existo sem você, Eu sei que vou te amar, Chora coração, Caminho de pedra, Derradeira primavera, o morro não tem vez, Garota de Ipanema, esta última a música brasileira mais tocada mundialmente e que teve mais versões, entre outras. Uma importante composição em parceria entre Tom e Vinícius foi a Sinfonia da Alvorada, música composta em 1961, para a inauguração de Brasília, a pedido do presidente Juscelino Kubstchek.

Outras parcerias de Tom Jobim foram: com Marino Pinto, com o qual compôs Aula de matemática, Ai quem me dera, Sucedeu assim; em parceria com Newton Mendonça compôs Caminhos Cruzados, Domingo azul do mar, Meditação, Discussão, Desafinado, Só saudade e Samba de uma nota só; com Aloysio de Oliveira compôs De você eu gosto, Dindi, Demais, Eu preciso de Você, Samba torto e Só tinha de ser; com Chico Buarque compôs A violeira, Eu te amo, Pois é, Imagina, Meninos eu vi, Anos dourados, Sabiá, Retrato preto e branco e Olha Maria, essa última com parceria também de Vinícius.

Jobim também compôs com Dolores Duran, Billy Blanco, Alcides Fernandes e Luiz Bonfá. Além dos parceiros musicais também teve parceiros para tradução das letras para o inglês como: Ray Gilbert traduziu Amor em paz, Dindi e Ela é carioca; Gene Lees traduziu Chovendo na roseira, Corcovado, Desafinado e Este teu olhar,e Norman Gimbel traduziu Água de beber, Garota de Ipanema, Insensatez, Meditação e Sabiá. Outras versões em inglês, como Anos dourados, Wave, Samba de uma nota só, Triste e Águas de Março foram traduzidas pelo próprio Tom.

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Algumas músicas compostas apenas por ele são: Águas de março, Borzeguim, Falando de amor, O que é que vai ser de mim, Pato preto, Triste, Você vai ver, Chovendo na Roseira, Wave, entre outras.

O repertório musical de Tom Jobim é extenso e não limita-se apenas ao estilo Bossa Nova, tendo composto também Toadas, Baiões, Peças Sinfônicas, Valsas, Boleros, Canções de câmara e Sambas Clássicos. Foi mestre em fundir tradição e inovação, simplicidade e sofisticação e principalmente, as linguagens da música popular e erudita. Unindo técnicas utilizadas pelos compositores eruditos com a maneira descontraída de se fazer música popular, contribuiu para a formação este estilo elegante, requintado e atraente chamado Bossa Nova.

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3. ANÁLISE MUSICAL COMO FORMA DE COMPREENSÃO DA INTERPRETAÇÃO DE UMA OBRA

Neste capítulo abordarei primeiramente o conceito de análise musical: como é feita uma análise musical, o que é importante salientar quando analisamos uma obrapara então, a partir dessa análise, compreendera forma de interpretação e as alterações que podem surgir em cada versão.

De acordo com Nicholas Cook em seu livro A Guide to Musical Analysis, a análise musical é algo fascinante, pois o estudo da música e a maneira como é feita com suas combinações de notas, durações e dinâmicas, traz muito mais que apenas uma música a ser executada. “Música é um código em que os segredos mais profundos da humanidade são escritos, e seu estudo pode ser a chave para entender a natureza humana” (Cook, 1992).

Entendemos então, que a análise musical está também relacionada à história, à cultura, à sociedade e época em que foi escrita. Cada período da história traz novas formas de combinar os sons, ou seja, de escrever música, de compor uma melodia, transformando também os ritmos e harmonias utilizadas em cada período. Assim, um analista musical não deve ficar apenas preso àquilo que está na partitura, mas em todo o contexto histórico e social no qual se deu a composição, pois isso também influenciaa forma como o compositor organiza os sons e a forma com o intérprete executa uma obra musical.

Ao longo dos tempos, surgiram vários métodos de análise musical e Nattiez elabora uma lista com as principais tendências de análise musical do século XX. São elas: A teoria da harmonia tonal de Henrich Schenker; A abordagem da harmonia, da forma e do motivo, proposta por Arnold Schoenberg; A proposta de análise do tema e do motivo segundo Rudolph Réti; A “Set-Theory” desenvolvida por Allen Forte, com base nos estudos de Milton Babbit para análise da música serial; A proposta de Leonard Meyer para análise rítmica e melódica; O “Musical Critcism” desenvolvido por Joseph Kerman, Charles Rosen, Anthony Newcomp e Leo Treiler; A semiologia musical

32 de Nattiez e Nicholas Ruwet; As várias análises propostas de análise por computador; A Teoria Generativa de Fred Lerdarhl e Ray Jackendorrff, desenvolvida com base nos escritos do lingüista Noam Chomsky e As análises musicais das várias tradições orais propostas pela etnomusicologia (Carneiro, 2013).

Porém, para o desenvolvimento de uma análise musical, é necessário também a escuta e a compreensão da linguagem musical. Na coleção Vega Universidade, volume 29 sobre a Semiologia da Música, no capítulo Por uma semiologia da Música, encontramos a seguinte frase da orientadora desta coleção Maria Alzira Seixo: “A prática musical tem sido pioneira na evolução das formas artísticas, sobretudo nos últimos cem anos, o que implica conter a formação musical, ou pelo menos a sua experiência prolongada e atenta, hipóteses de observação de importância muito definida para o estabelecimento das correntes estéticas da nossa contemporaneidade”10.

A partir desta afirmação percebemos a importância que a análise musical possui para a compreensão das práticas musicais existentes em nosso tempo, com todas as evoluções pela qual a música já passou em cada época, e ainda passa, seja na sua forma estética, forma de criação, forma de interpretação, forma de audiência, bem como na forma de ensino da música e de elaboração da teoria musical, utilizada hoje para este ensino.

Há dois fenômenos principais para o desenvolvimento da análise musical, que são: o contato com a música, ou seja, a escuta, e o contato com o objeto, ou seja, a partitura musical. Já é sabido que na música popular a interpretação ganha um sentido diferente da música erudita, pois o intérprete de música popular é um coautor, contribuindo para a finalização da obra, que não depende apenas de repetir o que está escrito na partitura, mas também está relacionado ao que o músico executante fará com a composição, por isso analisaremos os dois fenômenos – partituras e escuta, entendendo que a partitura, neste caso, serve apenas como um guia para o intérprete

10NATTIEZ, Jean; ECO, Umberto; RUWET, Nicolas e MOLINO, Jean. Semiologia da Música. Tradução Mário Vieira de Carvalho. Coleção Vega Universidade, s/d, p. 12.

33 que poderá fazer algumas alterações no momento da interpretação, o qual estará diretamente ligado ao sentimento e à resposta do público numa apresentação ao vivo.

Para uma boa análise musical é necessário compreender a construção da peça, seja nos aspectos melódicos, harmônicos, rítmicos, a construção das frases musicais, os encadeamentos harmônicos que se seguem na peça em questão. Tais fatores influenciarão a forma como a análise será feita, pois entender alguns aspectos pode mudar uma análise, o sentido musical da obra musical, o significado que ela pode assumir para o contexto em que está inserida.

Além dos aspectos teóricos da escrita musical a ser analisado, é preciso atentar- se também aos aspectos interpretativos da canção. Sendo este trabalho baseado nas interpretações de diferentes temas e diferentes modelos de interpretação, é necessário dar atenção especial à interpretação, a como ela é feita, às suas principais características para o estilo musical e momento musical, ou seja, quando, como, por quem e para quem tais interpretações foram e são destinadas.

Becker (2010) salienta que “uma ideia musical sob a forma de uma partitura tem de ser interpretada, e isso implica uma formação específica prévia, competência e sensibilidade” e que “o fenômeno que aqui nos ocupa consiste na realização e na fruição de uma obra; não ocorre sem a presença de um público que reaja e aprecie” (idem, ibid.). Portanto, uma obra musical só é completa se há alguém com capacidade e habilidade para interpretá-la e também um público para apreciá-la.

Assim, de acordo com a divisão de tarefas no mundo artístico proposta por Becker, uma obra musical como qualquer outro tipo de arte não é realizada apenas por um indivíduo, mas por um conjunto de indivíduos que desenvolvem diferentes tarefas, como, por exemplo, o compositor, o intérprete e o público.

Com base nas formas de interpretação há também, dois aspectos importantes que devemos salientar: o primeiro está relacionado com a interpretação que o artista dá à composição para uma gravação e o segundo com a interpretação feita para uma apresentação ao vivo, pois nesta, a reação do público também colaborará para determinar a forma de execução, podendo repetir o refrão por várias vezes, retornar para uma estrofe ou transformar outros aspectos que podem não estar na partitura e

34 nem na gravação, mas que foi necessário fazer devido a resposta do público. Desse modo a análise musical interpretativa está para além da escrita de uma partitura, dos signos que a música possui, para se situar também no significado que ela alcança quando executada.

No livro Semiologia da Música, no capítulo Situação da Semiologia Musical, J.J. Nattiez aborda a temática das Semânticas Musicais e faz uma análise do sentido musical como sendo a descrição da própria música, ou seja, a escrita musical, a partitura e uma definição do significado do signo musical, ou seja, a descrição do significante musical (Nattiez, s/d).

E argumenta que “toda música age sobre nós, mas, ..., a música em nada significa. Podemos verbalizar os efeitos que produz em nós e formular o que ela evoca: uma paisagem, uma atmosfera, um movimento, uma imagem, um sentimento. A este nível, e só neste nível, é possível falar na significação musical”11. Sendo assim, a música assume significados diferentes de pessoa para pessoa, baseado nas suas memórias, nas suas vivências, na sua individualidade, mas é possível determinar estatisticamente a significação de um fragmento musical, ou um estilo musical para uma população relativamente culturalmente homogênea, que pode possuir gostos semelhantes.

Ao longo dos tempos vários métodos de análise musical foram desenvolvidos e as principais questões de tais métodos estão relacionadas aos componentes utilizados na construção da obra e como se relacionam entre si e quais relações são mais importantes que outras. Mais especificamente, como esses componentes derivam seus efeitos do contexto que estão inseridos (Cook, 1987).

Ou seja, uma dada nota tem um efeito dentro de uma construção, de uma parte da música e um efeito diferente em outra parte da mesma música ou de outra composição, a partir da progressão harmônica que assume em cada frase musical, dando-lhe um sentido diferente a cada vez que é tocada. Portanto, as principais questões dos métodos de análises baseiam-se nas divisões de seções, na importância

11NATTIEZ, Jean; ECO, Umberto; RUWET, Nicolas e MOLINO, Jean. Semiologia da Música. Tradução Mário Vieira de Carvalho. Coleção Vega Universidade, s/d, p. 29

35 das diferentes relações e na influência do contexto na construção de significado da obra musical.

No entanto, os vários métodos de análise musical costumam trabalhar essas questões de forma isolada, ignorando uma das relações. Ou seja, analisa-se apenas uma das questões sem levar em consideração a outra, o que pode limitar o resultado das análises, pois todas estão interligadas e fazem parte do todo, sendo que o desenho melódico e rítmico, a progressão harmônica, a construção das frases musicais entre outros, estão também relacionados ao momento histórico em que foi produzida a peça musical e com as influências de outras obras musicais, bem como de outros compositores ou de outros estilos.

Nicholas Cook chama-nos a atenção para o fato de que, muitas vezes, o analista musical está muito mais interessado na teoria do que na aplicação prática da análise musical e, por isso faz uma crítica ao método de Rudolph Reti, em que este “está mais ansioso em provar sua teoria, do que nas qualidades particulares da música que está senda analisada” (Cook, 1987).

Ainda no livro Semiologia da Música, Jean Molino no capítulo O Fato Musical diz a seguinte frase: “não há, pois, uma música, mas músicas. Não há a música, mas um facto musical. Este fato musical é um fato social total, e as frases de Marcel Mauss valem tanto para a música como para a doação: Os fatos que temos estudado são todos, permitem-nos a expressão, fatos sociais totais ou, se preferirem – mas não gostamos desta palavra- gerais: isto é, fazem mexer, em certos casos, a totalidade da sociedade e das suas instituições... [...] Todos estes fenómenos são a um tempo jurídicos, econômicos, religiosos, e mesmo estéticos, morfológicos, etc.” (Mauss, 1950 in Molino, s/d, p. 114).

E Jean Molino completa com a frase “A música é o reflexo da estrutura real do mundo”. (Molino, p. 118). Assim, a música traz consigo um conjunto de fatores sociais, econômicos, religiosos, entre outros, ou seja, suas características estão diretamente ligadas ao estilo de vida dos indivíduos, seja na composição, interpretação e finalidade.

Quando falamos em música, os processos de produção e de receção são inseparáveis, e é este conjunto que definirá o objeto musical como um todo. E este

36 objeto musical simbólico “supõe uma troca na qual produtor e consumidor, emissor e receptor, não são intermutáveis e não têm o mesmo ponto de vista sobre o objeto o qual de modo nenhum constituem da mesma maneira” (Molino, s/d, p.135).

Ao longo dos tempos, houve inúmeras mudanças na compreensão do objeto musical. A música que era uma arte conhecida apenas a partir do ponto de vista de seu criador, o compositor, passa a ser criada também, a partir do ponto de vista do consumidor, expectador ou auditor (Molino, s/d, p. 141). Nesses termos, muda-se também a maneira como é analisada, já não visando apenas seu contexto teórico, com análises de altura, estrutura harmônica, desenhos melódicos, frases, mas também o contexto social. Não é mais feita apenas para a compreensão dos músicos entendidos da linguagem musical, mas também aos amadores, os curiosos, como Molino os chama. Basta dizer o que a música provoca, o que ela sugere (Molino, s/d, p. 141): “assim se dá a perfeita inversão das relações entre a criação e a percepção; é a claridade do efeito produzido que deve guiar o criador” (Molino, s/d, p. 142).

Molino apresenta-nos dois tipos de análise, uma a partir dos trabalhos de Kretzschmar e outra a partir dos trabalhos de Riemann. Em Kretzschmar, a análise apresenta-se como um guia do amador e está a meio caminho entre um estudo técnico e uma apresentação, ao mesmo tempo estésica, o que se compreende, e estética (o belo). Com Riemann constitui-se uma análise mais técnica, uma análise mais voltada para os símbolos musicais, cujo projeto é mesmo contemplar o conjunto da partitura de alto a baixo, isto é, desde a construção do conjunto à ínfima nota. É na tradição de Riemann e nas análises formais da escola alemã que fica mais perto das exigências de um método rigoroso e explícito de análise de obras musicais. (Molino, s/d, p. 142).

Além de Riemann, Schenker e outros estudiosos também basearam seus trabalhos sobre análises nas estruturas musicais rígidas, considerando quase que somente o estudo desses símbolos, a sua relevância (de altura, melódica, harmônica, rítmica, tonal, formal, estrutura) e as relações num contexto exclusivamente musical (Monteiro, 1999).

A música carrega consigo também as emoções, que Monteiro as define como “uma reação a um incentivo forte, inesperado: uma reação de emergência, uma luta

37 para estabilizar os níveis psicofisiológicos. Algumas emoções primárias como medo, amor, alegria, estão bem definidas e caracterizadas, até mesmo em termos musicais” (Monteiro, 1999).

Malcolm Budd (1992) explica em seu ensaio sistemático que as emoções não são uma propriedade ou algo inerente à música, mas um efeito provável e elas podem também ser entendidas em relação à música. Como uma resposta a um estímulo musical, as emoções podem agir como reações à audição de – ou ao envolvimento com – qualidades sonoras e suas construções (uma mudança de intensidade, de textura, de timbre). Portanto, numa análise musical deve se compreender a forma de construção, os símbolos musicais utilizados como também a emoção existente na sua forma de interpretação e como o ouvinte pode identificar-se com ela.

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4. ANÁLISE MUSICAL INTERPRETATIVA DOS TEMAS: WAVE, GAROTA DE IPANEMA E CHEGA DE SAUDADE

A bossa nova trouxe grandes transformações para a música, não só no Brasil, mas também a nível internacional. Sendo importante para a expansão da música brasileira em outros espaços geográficos e para o desenvolvimento de uma nova linguagem musical.

Ainda hoje, muitos artistas interpretam temas desse estilo e o intuito deste trabalho é analisar as principais diferenças existentes em cada interpretação, procurar identificar o que cada uma traz de novo, qual a contribuição que cada artista dá aos temas propostos, além das diferentes formas de execução, sendo alguns cantados e outros apenas instrumentais.

Os três temas escolhidos são importantes, pois, são considerados standards da Bossa Nova e já foram interpretados por inúmeros artistas, em diferentes contextos sociais, geográficos e temporais, com diferentes formações instrumentais e arranjos.

Na música popular há muitas maneiras de se interpretar uma canção, diferente da música erudita, em que a proposta é fazer algo mais “próximo” do que seria seu “original”. Na música popular o intérprete tem certa liberdade na execução da canção. Mas até onde esta liberdade pode chegar, até onde o intérprete pode mudar uma música que não é sua?

Para tal, alguns músicos brasileiros , que trabalham ou já trabalham com os temas de bossa nova foram entrevistados, para a busca de informações relevantes para compreendermos o desenvolvimento de uma nova interpretação. Como a Bossa Nova é, por muitos, considerada um estilo elegante em sua forma composicional, e tal elegância é encontrada em sua linha melódica e progressão harmónica, de uma linguagem refinada, um ponto importante a ser analisado é como interpretá-la sem deixar de lado tais características, ou seja, sua elegância composicional, e ao mesmo tempo perceber quais elementos a faz ser caracterizada deste modo.

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As análises serão feitas a partir das partituras, das gravações e das entrevistas. Importante salientar que as partituras utilizadas para comparação com as gravações dos temas pertencem ao songbook Tom Jobim, o qual foi organizado pelo músico Almir Chediak. Esta coleção é composta por três volumes, sendo que o primeiro volume contém 40 músicas do compositor, no segundo, 30 músicas e no terceiro, 31 músicas.

Esta coleção traduz com maior fidelidade possível a harmonia, a melodia e o ritmo das canções, já que o próprio Tom comenta sobre a importância do trabalho desenvolvido pelo músico Almir Chediak, em que diz: “é a segurança de que a nossa obra ficará à disposição do futuro. O que já vi do que você fez, as coisas estão bem registradas, com cifras direitas”12.

Com esta afirmação de Tom, percebe-se que já havia outras edições de suas canções, porém com alguma deficiência relacionada à escrita musical, tanto melódica, harmônica e rítmica. Assim as partituras escolhidas para análises mostram-se confiáveis para a realização do trabalho. Tais partituras foram transcritas por mim a partir do songbook Tom Jobim, volumes 2 e 3, 1994.

Serão analisadas gravações dos temas com os diferentes intérpretes para perceber as diferenças nos arranjos e modo de interpretação de cada um. Essas gravações são encontradas no Youtubee editadas em CD.

4.1. ANÁLISE DAS PARTITURAS E ANÁLISE INTERPRETATIVA DAS VERSÕES

Cada tema será analisado primeiramente pela partitura com o intuito de compreender a progressão harmónica e desenhos melódicos e rítmicos utilizados nas

12CHEDIAK, Almir. Songbook Tom Jobim. Lumiar Editora,volume 2, 3ª edição, 1994.

40 composições. Esses são aspectos importantes para comparar com a forma de interpretação, como cada intérprete trabalhou em cada um dos temas e verificar as mudanças presentes.

Importante ressaltar que a análise interpretativa tem sido algo desafiador no campo musicológico, pois a interpretação musical vai além das questões que envolvem o material musical como organização das notas, estruturas, afinação, instrumentação, mas também é preciso levar em conta as questões sociológicas, históricas e de recepção, que produzem o instante musical, ou seja, quando a música realmente acontece na sua totalidade. Desse modo, podemos dizer que a música não é o que está escrito na partitura, mas aquilo que acontece quando alguém a interpreta de forma cantada ou tocada para um determinado público.

A interpretação musical é, portanto, a somatória de todos esses fatores, tanto da teoria musical, composição, partitura quanto dos fatores externos como o contexto sociológico que cada uma se encontra. Na música popular, cada intérprete tem liberdade para dar a canção sua identidade, assim, a cada vez que a música é executada surgem novas versões. Desse modo, este trabalho tem a finalidade de analisar as versões como práticas interpretativas dos temas propostos.

4.1.1.TEMA 1: Wave

O primeiro tema para análise será Wave. Como este tema foi gravado em português e em inglês e serão analisadas versões nos dois idiomas, coloco também as letras nos dois idiomas. Começo por colocar cada partitura para análise melódica, harmônica e rítmica. Feita esta análise estrutural, será feita comparação entre a forma escrita e as diferenças existentes nas interpretações, observando as variações que podem ocorrer em sua melodia, harmonia e ritmo.

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Fig.1. Chediak, 1994. Transcrição da partitura feita a partir do Songbook Tom Jobim, vol. 2 p. 110.

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Análise estrutural

Inicialmente farei uma análise da estrutura do tema, abordando sua harmonia, frases melódicas e rítmica para então, seguir com as análises das interpretações, em que serão analisados também a instrumentação, notas ornamentais e expressões. Como já dito, a partitura escolhida foi a do Songbook Tom Jobim, organizada pelo músico Almir Chediak, há outras partituras, inclusive os temas tratados aqui também são encontrados no Real Book e pode haver divergências em relação a essas partituras.

Em relação à estrutura de wave, a composição está na tonalidade de Ré maior e foi construída em forma AABA, como representada no quadro 1:

Tabela 1: forma da canção Wave - partitura

A A (repetição) B A (repetição)

c. 1-12 c. 1– 17 c. 16 – 23 Volta ao compasso 1, e do compasso 11 (na repetição salta os salta para o compasso compassos 10 a 12 – 24 e 25 casa1 e vai para o 13 a 15 – casa 2)

Esta partitura é bem simplificada, não contendo introdução nem CODA, que geralmente são tocadas como o “original”. Assim, como encontrada em outras partituras e em diversas interpretações, a introdução seria de quatro compassos com os acordes Dm7 – G7. Esta progressão harmônica é geralmente repetida também em CODA para finalizar a canção.

Assim teríamos uma introdução e CODA feita como ilustra a figura 2:

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Fig.2. Representação dos acordes da introdução de Wave

Assim temos:

Aspectos harmônicos:

Introdução – composta por quatro compassos com os acordes Dm7 e G7 sendo cada um dois tempos com antecipação, muito utilizada na Bossa Nova. Esses acordes formam a cadência II7 – V7, que pode dar a sensação que concluirá em C, porém podemos também analisá-la como uma cadência Im7 – IV7, sendo que o primeiro grau é um homônimo de D, como demonstrado na figura 2.

A -a parte A, inicia a melodia em anacruse e é composta por doze compassos. O primeiro compasso tem o acorde de D7M(9), o qual afirma a tonalidade da canção.

Apesar da introdução ser uma cadência II – V de C, (Dm7 – G7 - C) não causa estranheza a resolução em D. O compasso seguinte é um Bbdim este acorde de passagem diminuto prepara para a próxima cadência II – V para G, ou seja, Am7 – D7(9) resolvendo em G7M, uma modulação para o quarto grau, tom vizinho subdominante de D.

O próximo acorde (Gm6) aparece como um acorde de empréstimo modal do modo homônimo (G), mas sua principal função é introduzir uma cadência para retornar a tonalidade de Ré maior. Os acordes utilizados para esta cadência são dominantes, o que chamado de acordes dominantes estendidos, em que, logo após Gm6 aparece o acorde de F#7(13) que é dominante e resolve em B7 (dominante) que

44 resolve me E7 (dominante) que resolveria em A7 (dominante) que resolveria em D. Porém, antes de A7 aparece o acorde de Bb7(9), este acorde é o IV grau de F, tom relativo de Dm, tem função subdominante, assim podemos analisar como VI7 – V7 para resolver em Dm e seguir para os mesmos acordes da introdução (Dm7 – G7/D), porém agora apenas dois compassos, com baixo alterado. Repete-se a parte A com outra estrofe.

B - na parte B é composta de oito compassos e possui duas cadência, sendo que a primeira está na tonalidade de F e a segunda em Eb. Inicia-se, portanto, com o II de F, ou seja, Gm7, segue para Gm6/Bb e Am7 em seguida aparece o acorde de Bb7(4- 9), com função dominante de Eb, porém a composição não resolve neste acorde, como se espraria, mas faz o II (Fm7), seguido de Gm7 e A7(4-9b), com função dominante para resolver em D e assim voltar a parte A.

Aspectos melódicos

Como já mencionado, o tema Wave possui uma forma estrutural AABA, sendo que a melodia em A começa em anacruse e dividi em quatro frases de três compassos. Na repetição da parte A, a melodia é exatamente igual, mas com letra diferente, sendo a segunda estrofe.

O desenho melódico inicial, podemos fazer uma analogia à onda do mar com movimentos ascendentes e descendentes, e percebemos uma alteração de dinâmica que acontece naturalmente quando ascendente, dando a impressão da força do mar, que ora está mais forte, ora mais tranquilo.

Na análise melódica foi observada diferença importante no final da frase da parte A, na frase “é impossível ser feliz sozinho”, nos compassos 9 – 12 e repetida todas vezes que se faz a parte A, pois na partitura temos o seguinte desenho melódico:

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Fig.3. Representação da diferença melódica existente no final da frase da parte A de Wave.

Nesse trecho, ele usou uma escala Penta Blues descendente, muito característica da linguagem jazzista. No entanto, este desenho melódico não é feito nas versões cantadas nem por Tom Jobim, nem por Carminho, nem por várias versões da canção tanto instrumental como cantadas. Tal desenho foi observado na primeira versão instrumental gravada no LP Wave de 1967 e na versão de Ella Fitzgerald.

Na versão interpretada por Tom Jobim e Miúcha temos o seguinte desenho melódico dessa frase:

Fig.4. Representação da diferença entre a melodia cantada por Tom Jobim e Miúcha em relação à partitura e versão cantada por Ella Fitzgerald e Carminho.

Já Carminho faz uma pequena alteração, ficando assim:

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Fig.5. Representação da diferença entre a frase melódica cantada por Tom Jobim e Miúcha em comparação Carminho.

Tal alteração na melodia pode ser por estar numa região grave e portanto difícil para se cantar, sendo possível a Ella Fitzgerald por sua extensão vocálica, já esta música foi escrita inicialmente apenas instrumental e posteriormente colocada letra. No entanto, há muitas versões, tanto instrumentais como cantadas, com esta frase.

Aspectos ritmicos

Já no campo rítmico, especificamente, nas figuras rítmicas, não apresentam grandes variações. O que mais se observa está relacionada à forma de interpretação, em que se muda algumas figuras, aumentando ou diminuindo o ser tempo, ou acrescentando notas – appoggiaturas, mas dentro da interpretação de cada artista.

Porém cada versão possui diferentes arranjos, com alterações na introdução, interlúdio ou improviso e final, como veremos nas análises de cada versão específica.

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Análise 1

Esta primeira análise foi baseada na gravação de Tom Jobim e Miúcha encontrada no Youtube13.

Wave foi uma canção inicialmente feita apenas instrumental, sem letra, a qual foi colocada posteriormente pelo próprio Tom. Como primeira análise, utilizarei a versão de Tom Jobim e Miúcha14, que chamarei de “versão original”, pois foi a primeira gravação do tema e a partir deste segue as demais versões e assim as comparações serão feitas com base neste arranjo e gravação.

A canção assume a seguinte forma estrutural:

Tabela 2: forma completa da canção Wave

Introdução A A B A Interlúdio B A CODA (repetição) (repetição) como A (repetição) como Intro

8 12 12 8 12 12 8 12 8 compassos compassos compassos compassos compassos compassos compassos compassos compassos

(Dm7-G7)

13Versão disponível em:https://youtu.be/w73hEZKnDeA

14Heloísa Maria Buarque de Hollanda cantora e compositora brasileira, irmã de Chico Buarque de Hollanda e mãe da cantora Bebel Gilberto.

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Nesta primeira versão analisada, a introdução começa com violão em anacruse e os demais instrumentos entram em seguida. A formação básica instrumental da bossa nova é violão, piano, baixo e bateria.

Nesta versão de Tom já possui uma diferença em relação a partitura na introdução, em que na partitura está escrito quatro compassos para a introdução, mas na gravação são oito compassos. Quando Tom começa a cantar a melodia, o piano dobra a parte melódica juntamente com o cantor. Na segunda estrofe, quando entra a cantora Miúcha o piano deixa de dobrar a melodia e faz acompanhamento. Segue a canção com alternância entre os cantores e depois cantam juntos. Em seguida faz um “interlúdio” instrumental de doze compassos e então voltam os cantores alternando as frases e voltam a cantar juntos, segue uma coda como a introdução e então terminam cantando juntos a frases “vou te contar”. Na alternância de vozes há, portanto, mudança de timbre.

Esta versão representa bem aquilo que a bossa nova propunha: a sutileza, um canto tranquilo sem dramaticidade, uma música para uma audiência próxima, sem exageros. Apesar das influências do jazz, percebemos na bossa nova algo de Brasil, principalmente nos motivos rítmicos, algo de samba, porém também com sutileza.

Como esta versão é interpretada também pelo compositor da obra, é possível pensar que foi cantada próximo do que seria a intenção do autor. Mas será que o autor também morre nessa peça? Será que o mesmo Tom que compôs a peça é o mesmo Tom que a interpretou? O porquê da participação de outra cantora na composição?

Baseados no livro The death of the author de Roland Barthes e no texto de Umberto Eco "Il lettore modello", Lector in fabula, é possível pensar em vários “Tom Jobim”, pois ele assume vários papéis, sendo um o de compositor, outro o de intérprete, um arranjador, um instrumentista e um ouvinte. Como compositor ele é o criador da obra, aquele que tem a ideia e a põe no papel. Em seguida assume o papel de intérprete, e, neste momento, pode discordar de algo na canção e mudá-la. Os dois papéis, de autor/compositor e leitor/intérprete se integram um ao outro, estão interligados, quando escreve assume o papel de autor, quando executa assume o papel de leitor.

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Como parte dessa interpretação tem a participação de cantora Miúcha, há outro tipo de interpretação, pois ela dá a canção uma contribuição particular a partir de suas próprias influências. Assim como o intérprete que dá a obra a sua voz também pode estar assumindo o papel de compositor.

Há ainda, um terceiro papel que seria o de ouvinte, pois quando Miúcha canta Tom é também o ouvinte e quando Tom canta, Miúcha é a ouvinte. E um ouvinte tem reações diferentes do compositor ou do intérprete, baseadas nos sentimentos, nas emoções, nas vivências que influenciam na maneira que cada pessoa tem de se relacionar com o mundo a sua volta.

Análise 2

A próxima análise foi baseada na interpretação de Ella Fitzgerald15. A forma estrutural dessa versão é demonstrada no quadro a seguir:

Tabela 3: : forma estrutural versão Ella Fitzgerald

Introdução A A B A

(repetição) (repetição)

4 compassos 12 compassos 12 compassos 8 compassos 12 compassos

15Versão disponível em:https://youtu.be/du9iKpoPiFY.

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Nesta versão a música assume outro formato muito diferente do original. Está mais próximo do jazz que de música brasileira. Não se percebe muita semelhança com o samba, por exemplo. Nesta interpretação também há improvisos, elemento muito característico no jazz. Após a apresentação do tema, há dois chorus de improvisos, sendo um com saxofone e o segundo, improvisos vocálicos de Ella Fitzgerald. A única parte que nos faz perceber que esta canção é “wave” é a melodia, mas Ella Fitzgerald também dá sua interpretação que é muito própria e característica, dessa forma Ella se apropria da canção.

Algumas diferenças observadas foram: a introdução, diferente da versão de Jobim e de Carminho, começa no tempo e não em anacruse, mas também com quatro compassos. O tema segue a mesma forma (AABA), logo os improvisos como os standards de jazz, sendo o primeiro chorus ao saxofone e o segundo com Ella Fitzgerald, porém Ella, faz improviso em AAB e o retorno em A canta a melodia para finalizar a música.

Nesta interpretação afasta-se bastante do gênero brasileiro, já não ouvimos a “levada” rítmica da bateria e sua harmonia tem características muito mais jazzistas do que de Bossa Nova. Outro fato importante a destacar é o fator linguístico, já que cantada em inglês dá outro significado a canção, assumindo uma forma bem americanizada, mas ainda é possível reconhecermos como a composição de Tom Jobim por sua melodia, que mantém a métrica, desenho melódico e acentuações. Com crescendos e diminuendos. Ella dá a canção uma expressividade própria.

Fica claro nessa versão que a música vai muito além do que está em uma partitura, e bossa nova, como música popular em geral, admite interpretações totalmente novas, bem diferentes do original. É uma leitura nova a partir do leitor/intérprete, que traz para o seu “mundo”, para suas vivências, suas influências. Mas seria este o leitor modelo? Esta é uma interpretação pensada pelo autor? Penso que não. Mas a partir do momento que uma peça sai da mente do seu autor, ela se torna outra peça, diferente muitas vezes da ideia original do seu autor, que dependerá da visão de mundo do leitor/intérprete.

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Os músicos que acompanharam Ella Fitzgerald nesta versão foram: guitarra – Joe Pass; sax tenor – ZootSims; Baixo – Abraham Laboriel; bateria – Alex Acuna e percussão – Paulinho da Costa.

Análise 3

A terceira análise é baseada na interpretação de Carminho16. Nesta versão Carminho traz uma interpretação mais próxima da original de Tom Jobim com Miúcha. O arranjo instrumental é muito parecido, porém com mais instrumentação, é acrescentada cordas ao arranjo, mas ela canta na mesma forma estrutural de Tom Jobim, ou seja, AABA, com introdução, interlúdio e CODA. Contudo no final ela não canta a frase “vou te contar”, como Tom faz. Esta frase é feita pelo piano no grave.

Apesar de estar mais próxima do original, Carminho traz uma interpretação mais expressiva, talvez pelas características do fado que possui e este tipo de interpretação não é uma característica da bossa nova já que no seu início sempre se pensou em um canto menos expressivo, mais introspectivo, um canto mais sutil.

Em entrevista concedida ao portal notícias ao minuto, Carminhofala sobre os desafios de imprimir o seu tom à obra de Jobim e sobre os critérios que adotou para a escolha das músicas. Um dos critérios de Carminho foi se tais interpretações poderiam ficar parecidas com sua forma de cantar, ou seja, com a expressividade do fado e com seu sotaque, além da identificação com a canção e gosto pessoal. Uma de suas preocupações também foi com relação às expressões linguísticas, pois não queria cantar termos utilizados apenas no Brasil, que fugiriam de sua característica pessoal.17

16 Versão disponível em: https://youtu.be/-Lyjt94_WBg

17 Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com/cultura/914295/com-sotaque-lusitano- carminho-canta-tom-jobim-no-brasil

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O estilo bossa nova, como a música popular em geral, deixa “livre” para o intérprete fazer algo próprio de si e podemos observar que Carminho explorou essa “liberdade”, pois apesar de encontrarmos as “batidas” que nos lembram o samba, em sua versão percebemos a linguagem do fado muito presente na canção, como as notas mais longas em crescendo, que dão mais expressividade.

Outro ponto que Carminho aponta na escolha do repertório e na produção deste álbum, foi o fato de, por serem músicas já gravadas inúmeras vezes, por diferentes intérpretes, a preocupação ser também com o que poderia agregar a obra de modo a não ficar repetitivo. E observamos que Carminho conseguiu dar às canções de Tom sua identidade, mantendo seu estilo de cantar e dando à canção uma interpretação diferenciada das já gravadas, mantendo a qualidade tanto da composição como da sua interpretação.

Para Paulo Jobim, filho de Tom e produtor deste CD, as canções só ganharam na voz de Carminho devido à emoção com que canta. Por serem músicas já tão gravadas poderiam se tornar em algo monótono sendo apenas mais uma gravação. Mas Carminho consegue trazer algo novo e atingir um público diferenciado, aproximando mais o público português de canções brasileiras e também aproximar o público brasileiro para canções portuguesas.

4.1.2.TEMA 2: Chega de Saudade

O segundo tema a ser tratado nesta pesquisa é Chega de saudade, com música de Tom Jobim e letra de Vinícius de Moraes, gravado pela primeira vez em abril de 1958 por Elizeth Cardoso, nesta gravação o arranjo era de Tom Jobim e o violão de João Gilberto, sendo a primeira vez que se ouvira a “batida” diferente de João que caracterizaria o estilo bossa nova. Já meses depois a canção recebera novas versões, sendo gravada também por Os Cariocas e por João Gilberto em agosto do mesmo ano em seu LP de mesmo nome, no qual a canção ficou mais conhecida, por sua maneira

53 peculiar de cantar e por sua batida no violão. Desde então, a canção segue sendo interpretada e reinterpretada, tendo também versões em inglês com o nome No more Blues.

Para este trabalho serão analisadas as versões de João Gilberto, Orquestra Jazz Sinfônica Brasileira e do grupo Harmonia com a pianista Beth Ripoli.

Segundo o professor doutor Marcelo Gomes, este tema, apesar de ter inaugurado o estilo Bossa Nova, não foi uma composição feita com as características do estilo Bossa Nova, ou seja, com dissonâncias e a batida ritmica própria do estilo. Assim suas características podem ser comparadas ao Choro, como o iniciar em modo menor, e passar para modo maior numa segunda parte. Portanto, sua principal característica enquanto Bossa Nova é o acompanhamento feito ao violão por João Gilberto.

Para esta análise seguirei a mesma sequência da anterior, fazendo uma análise da partitura, e depois das gravações escolhidas para compará-las.

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Fig.6. Chediak, 1994. Transcrição de Chega de Saudade feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56.

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Análise estrutural

A música Chega de saudade, tem uma forma A A’ B A’’, em que a parte A está em Dm e a parte B está no tom homônimo D, com introdução composta por oito compassos, na qual inicia com uma cadência IVm - V7- I, e finalizando com o acorde de função dominante Eb7(9), que prepara para a melodia.

As partes A, A’ e B são compostas por dezasseis compassos cada e a parte A’’ é composta por vinte e oito compassos. Nesta secção, parte A’’, a primeira frase é semelhante à inicial da canção (vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser), porém notamos uma mudança de caráter, mais alegre, já que mantém a tonalidade da parte B, ou seja, está em modo maior (D). Portanto, a música começa em modo menor dando a sensação de tristeza e termina em modo maior dando a sensação de alegria, conforme a letra. A parte A’’ também possui extensão (CODA) em relação à parte A (6 + 22). Chamo esta sessão de A’’ por sua semelhança no motivo rítmico dos primeiros compassos em relação à parte A.

Assim, temos:

Tabela 4: Forma da canção CHEGA DE SAUDADE - partitura

Introdução A A’ B A’’ CODA

c. 1 – 8 c. 9 – 24 Volta ao compasso c. 35 – 50 c. 51 – 56 c. 57– 78 9 até o 14 e salta da (16 compassos) com mudança de (6 compassos) (22 compassos) casa 1(compassos tonalidade (D) 15 até 24) para a casa 2, do (16 compassos) compasso 25 – 34.

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Aspectos melódicos

A melodia na parte A da canção está em modo menor e é feita a partir de saltos, iniciando com salto de 6ªm descendente, em seguida salto de 4ªJ ascendente, 3ªM, depois salto de 4ªJ descendente, 3ªm, e no compasso a seguir salto de 5ª descendente, como mostra a figura:

Fig.7. Chediak, 1994.Representação dos quatro primeiros compassos da melodia de Chega de Saudade.

A parte A é constituída por dezasseis compassos, sendo composta por duas frases de oito compassos. Nesta sessão, Jobim utiliza a métrica tradicional. Na parte A’ há alteração do motivo a partir da casa 2, como observamos na figura abaixo:

Fig.8. Chediak, 1994.Transcrição de Chega de Saudade que mostra variação no motivo melódico da canção.

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A parte B também é composta de dezasseis compassos (c. 35 – 50), mas em tonalidade maior, estando em Ré maior, que em contraste com a parte A, que em modo menor dá a sensação de tristeza e no modo maior dá a sensação de alegria.

Parte B – início

Fig.9. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56, para mostrar a alteração de tonalidade.

Este é um recurso composicional utilizado para expressar o sentimento que a letra requer, já que inicia com a frase vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser, na parte B demonstra esperança, como diz a letra, mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda, que coisa louca. São aspectos importantes para a interpretação, pois o intérprete dará mais ênfase e mais emoção a esta parte.

A parte A’’ continua em Ré maior, e faz uma frase parecida com a inicial, porém na tonalidade maior, como observamos na armadura de clave, e na sequência melódica.

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Fig.10. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56 para mostar a mudança de tonalidade.

Porém são apenas seis compassos da parte A (c.51-56), seguindo para a extensão (CODA), que consiste em vinte e dois compassos (c.57-78), começando em anacruse.

Esse trecho em modo maior traz a sensação de alegria, imaginando o retorno da pessoa amada.

Aspectos rítmicos

O motivo rítmico, na parte A baseia-se em mínimas e síncopas ligadas, na parte B há mudança do motivo rítmico, iniciando com semibreve. A frase em B, com a mudança rítmica e de tonalidade já nos dá a sensação de alegria e esperança imaginando o retorno da pessoa amada. Faz-se A’’ e CODA começando com semínimas no contratempo, como representado na figura 11 e, para finalizar, repete-se o motivo rítmico em colcheias e semínimas novamente no contratempo, representado na figura 12, característica da música brasileira.

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Fig.11. Chediak, 1994.Fragmento da melodia da parte A final.

Fig.12. Chediak, 1994.Representação do motivo ritmico final.

Aspectos harmônicos

Uma característica importante do estilo Bossa Nova é o uso de notas diferentes da fundamental do acorde no baixo, criando assim, movimentos diatônicos- cromáticos, tais movimentos fazem também uma melodia no baixo. Nesta música, estes movimentos são verificados principalmente na introdução e parte A.

A introdução inicia com cadência subdominante, dominante, tônica (IVm – V7 – Im). No compasso 2, observamos o acorde dominante A7 e a melodia está na escala Lá lídio, sendo utilizado o Ré#. Outra nota interessante que é utilizada encontramos no compasso 4, em que se usa o acorde Dm/C. A alteração no baixo para C poderia chocar com a melodia desse trecho, em que aparece um C#, mas por ser apenas uma nota de passagem, portanto rápida, não causa estranheza, mas enriquece a composição.

Os acordes da parte A apresentam funções estruturais bem definidas, ou seja, transitam pela região da dominante ou da subdominante. Já a parte B contrasta com a A, pela tonalidade, estando em D, o tom homônimo da parte A. Nesta sessão, a harmonia é feita a partir da dominante da dominante (B7 – E7 – A7 – D)

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Fig.13. Chediak, 1994.Representação da progressão harmónica feita a partir de acordes dominantes.

A próxima sessão, A’’ tem primeira frase melódica semelhante à da primeira frase da canção. Porém está na tonalidade homônima (D). Já apróxima frase não coincide com a parte A.Esta parte compreende também dezasseis compassos e os próximos doze compassos a CODA para finalizar a canção.

Análises interpretativas

Feita a análise estrutural da canção a partir da partitura, analisarei as interpretações das versões de João Gilberto, da Orquestra Arte Viva, dirigida pelo maestro Amilson Godoy e do grupo Harmonia.Relembro que a análise de partituras foi feita para ter uma base da construção composicional, para então verificarmos como uma versão pode modificar a composição.

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Análise 4

A primeira versão escolhida para análise Chega de Saudade é a versão gravada por João Gilberto em 1959 em seu LP de mesmo nome, que teve o arranjo de Tom Jobim, sendo utilizada a gravação encontrada no Youtube18. Esta canção, no entanto, já havia sido gravada em 1958 por Elizeth Cardoso com João Gilberto ao violão e também pelo próprio João Gilberto em um single, nesse mesmo ano.

Nesta versão, a forma estrutural é semelhante a forma que está escrita na partitura, porém o final, continua cantando as últimas frases em diminuendo, até sumir, portanto tem mais alguns compassos em relação à partitura. João Gilberto canta da forma que o movimento Bossa Nova propunha, ou seja, um canto sutil, sem ser melodramático, um canto mais próximo da fala, como definiu o maestro Júlio Medaglia, um canto falado (Medaglia, in Campos).

Neste arranjo, o ritmo está muito próximo do samba-canção. A introdução, feita por flauta, em seus primeiros compassos é como está na partitura, porém os dois últimos compassos da introdução têm uma pequena variação, em que parece omitir a nota sib, e a nota ré final, que na partitura está escrita com ligadura para semibreve, na gravação termina na colcheia, fazendo pausa de semibreve. Isso acontece por uma questão interpretativa, para deixar a melodia mais “suingada”, assim representada:

Como está escrito

Fig.14. Fragmento final da introdução.

18Versão disponível em: https://youtu.be/EQC4Ye7hr9Y

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Como se executa:

Fig.15. Fragmento final da introduçao para demonstrar como se executa.

Nesta gravação, João Gilberto faz a canção na forma que está na partitura, sem ritornelos ou outras variações. Mas o que é importante ressaltar é sua forma de cantar, quase recitativo. Outro ponto a destacar nas interpretações de João Gilberto é que por vezes parece haver um distanciamento entre a melodia e o acompanhamento, dando a sensação de estar fora do tempo. Esta característica de antecipar ou atrasar a melodia, foi muito criticada no início de sua carreira. Porém, nesta versão de Chega de saudade, isso não acontece, João Gilberto se mantém nos tempos, talvez por estar acompanhado por outros músicos não tem liberdade para fazê-lo. Em outras versões do próprio João Gilberto isso é bem evidente.

Análise 5

A segunda versão analisada desta canção é a realizada pela Orquestra Arte Viva19. Esta orquestra foi criada em 1996 pelo maestro Amilson Godoy e tem como objetivo dar um tratamento mais elaborado à música popular, com o intuito de formar um público diferenciado. Esta interpretação, por ser realizada por uma orquestra sinfônica, tem um arranjo mais elaborado e, apesar de ser uma música popular, ganha

19Versão disponível emhttps://youtu.be/Paqj7pu6DYY

64 um aspecto mais erudito. Nesta análise focalizei, principalmente, nas frases melódicas, como são trabalhadas ao longo da canção.

Com relação à forma estrutural, esta versão segue o padrão AA’BA’’, porém tem um andamento moderado e sua fórmula de compasso em 4/4. E seu ritmo está mais próximo do samba.

A música inicia-se com percussão, com quatro compassos apenas rítmicos, em seguida entram as madeiras fazendo a introdução, mais quatro compassos. A primeira frase do tema é feita pelos trombones e acompanhada pelas cordas, a segunda é feita pelas madeiras e ainda com acompanhamento das cordas. Em seguida, a terceira frase, volta a ser feita pelos trombones e as cordas em contracanto. A quarta frase pelas madeiras.

Nesta interpretação, o arranjador reveza as frases entre os naipes da orquestra, ora pelos metais, ora pelas madeiras e as cordas sempre no acompanhamento e em contracanto. Este revezamento acontece tanto na parte A como parte B, inicia-se com os metais novamente, a segunda frase da parte B inicia-se com os saxofones e depois flautas, o retorno à parte A fica por conta dos metais, seguindo para CODA com as madeiras. Essa técnica de orquestração traz um colorido diferente para a composição, alterando o timbre, como pergunta e resposta entre os instrumentos.

Esse arranjo também segue a estrutura formal da canção, AABA, porém acrescenta oito compassos iniciais na introdução, apenas com o ritmo e para finalizar, coloca trechos de outros temas tão conhecidos de Tom Jobim, como Águas de Março, Samba de uma nota só e Garota de Ipanema, como forma também de homenagear o compositor. Esta finalização é feita também com revezamento da instrumentação, em que os saxofones fazem o trecho de Águas de Março, os trombones como em resposta fazem Samba de uma nota só e os trompetes entram finalizando em Garota de Ipanema. É observado também que, além do revezamento feito pelos instrumentos, cada frase tem pequenas variações, com ornamentos que dão uma expressividade maior à música.

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Análise 6

A próxima análise é baseada em uma gravação do grupo instrumental Harmonia, feita a partir de seu CD. Esta versão traz uma instrumentação básica, típica dos trios de jazz, com piano, bateria e baixo acústico. Segundo a própria arranjadora, para sua versão procurou ser fiel ao original, não fazendo grandes alterações, apenas algumas rearmonizações e alguns breques. Pois para ela, como para muitos outros músicos, mexer numa composição de Tom Jobim é um tanto ousado, por isso manter o mais próximo do “original”, ou da gravação realizada por Tom, seria o ideal.

No entanto, na música popular um intérprete dificilmente fará exatamente como está na partitura, a qual serve apenas como uma base, mas sempre colocará algo de si na composição, dando-lhe uma identidade própria. Alguns recursos utilizados são appoggiaturas, grupetos, notas blues de passagem, além da dinâmica e articulações, enriquecem uma interpretação musical.

Assim, seguindo a partitura para comparar com a sua gravação, foi observado mudança na tonalidade, já que o original está na tonalidade Ré menor, na parte A e em Ré maior na parte B e repetição final de A. Esta versão começa em Fá menor na parte A e as partes B e A final estão no tom homônimo Fá maior. A introdução, nos quatro primeiros compassos, não faz nenhuma alteração, mas no quinto compasso há uma pequena alteração no desenho rítmico, com um “breque”, trocando as semínimas por colcheias, como representa as figuras abaixo:

Compassos 5 – 8 da partitura

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Fig.16. Chediak, 1994.Transcrição dos compassos 5 a 8 da introdução para mostrar diferença entre a partitura e a gravação.

Como feita na versão, já na tonalidade de Fá menor

Fig.17. Transcrição dos compassos 5 a 8 da introdução para mostrar diferença entre a partitura e a gravação.

Na estrofe observam-se antecipações nos tempos, característica encontrada tanto no jazz, como samba e bossa nova. E algumas appoggiaturas e notas de passagem que dão um colorido diferente a composição, como forma de expressão, como tocar como se estivesse cantando e não apenas fazendo as notas certas, nos tempos certos, que é fundamental para uma boa interpretação.

Segue-se para chorus de improvisação. Alguns músicos e intérpretes da bossa nova acreditam que há certo distanciamento entre improvisar um standard de jazz e uma bossa nova genuína, mas para a intérprete improvisar exige muita criatividade e entrega ao tema e o estilo bossa nova permite usar das mais diversas escalas e notas blues, dando certa liberdade ao músico na hora da improvisação. A principal diferença entre improvisar um standard de jazz da Bossa Nova está no ritmo, que o músico precisará utilizar um ritmo mais sincopado, que é a linguagem estilística do estilo.

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Em relação à harmonia, esta versão possui alguns acordes diferentes dos que estão na partitura, até mesmo pelo fato de estar em outra tonalidade, já que cada tom tem um brilho diferente e ao alterar uma tonalidade, está também alterando este brilho que pode ser para mais ou para menos, dependendo do tom utilizado. No entanto, mesmo em outra tonalidade poderia manter as progressões harmônicas, mas, neste caso, ela optou por fazer algumas substituições de acordes, e como a música está construída dentro de uma harmonia funcional é possível substituir por acordes que têm a mesma função harmônica. Essa prática também muito comum entre os músicos arranjadores e intérpretes.

Nesta versão observamos poucas alterações, mas que caracterizam uma forma de interpretação própria, individual.

4.1.3. TEMA 3: Garota de Ipanema

O terceiro tema a ser analisado é Garota de Ipanema. Uma composição musical de Tom Jobim e também com parceria de Vinícius de Moraes letrista, lançada em 1962. Os primeiros artistas a gravarem o tema no Brasil foram Pery Ribeiro, pela Odeon e Tamba Trio pela Philips, ambos em janeiro de 1963. Em maio, deste mesmo ano Tom a gravou em seu primeiro LP lançado nos Estados Unidos, The composer of Desafinado (Castro, 1990). O tema logo ganhou repercussão internacional e só nos seus primeiros dois anos, teve mais de quarenta gravações no Brasil e nos Estados Unidos e por muito tempo ocupou o segundo lugar entre as músicas mais tocadas, ficando apenas atrás de Yesterday dos Beatles.

É um tema conhecido e consagrado mundialmente como uma marca registada da Bossa nova e, ainda hoje,muito executado pelas mais diferentes formações musicais, como orquestras sinfônicas, grupos de jazz, solistas, cantores, entre outros. Sendo um tema sempre presente,tanto em eventos internacionais como forma de representar o Brasil, como na abertura dos jogos Olímpicos do Rio em 2016 quanto em

68 muitos filmes e séries ou em animações Disney, fazendo parte da banda sonora dessas produções.

Assim, um tema que já foi gravado inúmeras vezes, por diferentes artistas, traz ao intérprete o desafio de não o deixar monótono, de não ser apenas mais um a cantar ou a tocá-lo e de pensar em algo novo na composição de modo a agradar aos ouvintes.

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Fig.18. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 3, p. 62, 3ª edição.

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Análise estrutural

Esta é uma composição também possui forma AABA, com algumas alterações na repetição da sessão A e na tonalidade de Fá maior e fórmula de compasso 2/2. Na partitura escolhida para análise, não está escrita a introdução nem a CODA, mas apenas a parte com letra, como observamos no quadro seguinte:

Tabela 5: Forma da canção GAROTA DE IPANEMA - partitura

A A’ B A’’

c. 1 – 8 Repetição – volta ao c. 11 – 27 Repetição da parte A, com compasso 1 ao 10 – alteração para finalização saltando os compassos c. 28 –34 7 e 8, para casa II, com repetição dos compassos compassos 9 e 10. 33 e 34.

Este quadro representa a estrutura básica da canção encontrada no songbook de Tom Jobim, organizado pelo músico Almir Chediak, porém nas versões há ainda introdução e CODA, como veremos nas análises de cada versão.

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Aspectos harmônicos

Com relação aos aspectos harmônicos da composição, observamos que a parte A, está construída de forma a afirmar a tonalidade de Fá maior, é, portanto, uma harmonia bem definida. Inicia-se com F7M, nos compassos 1 e 2, nos compassos 3 e 4 faz o acorde G7(13), sendo este dominante da dominante, seguindo para o acorde dominante substituta, Gb7(#11), sendo antecedido por Gm7. Nos compassos 7 e 8 há uma preparação para retornar ao início feita pelos acordes dominantes Ab7 – Db7M(9) e utiliza novamente a dominante substituta Gb7(#11), para voltar à tônica F7M no primeiro compasso.

Na parte B, a harmonia é instável, inicia-se na região napolitana, utilizando o acorde F#7M nos compassos 11 e 12 e nos compassos 13 e 14 utiliza o acorde B7(9), IV grau de F#, mas com função dominante. No compasso 15, aparece o homônimo F#m7, em seguida o acorde dominante D7(9) que resolve em Gm7, este já como II de F, como forma de preparação para retorno a tonalidade de F e parte A, porém a cadência é interrompida pelo acorde Eb7(9). Na sequência, o acorde de Am7 já trabalha a cadência II – V para Gm, ou seja, Am7- D7(b9) – Gm7, em que o acorde Gm7 já é o segundo grau de F, para fazer a cadência perfeita II- V- I para Fá maior, assim os últimos compassos dessa seção é feita pelos acordes Gm7 – C7(b9) – F7M, retornando a parte A.

Na terceira vez que a parte A é executada, faz exatamente como a primeira, apenas o final, em que é repete-se por várias vezes os acordes F7M – Gb7(#11), tônica e dominante substituta para finalizar a canção.

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Aspectos melódicos

A parte A é constituída por uma frase de oito compassos que se repete melódica e harmonicamente, porém com letra alterada, como duas estrofes. A melodia estrutura-se sobre as notas do acorde dominante – Do, Mi e Sol, porém, como o acorde que é feito nesse trecho é F7M, essas notas correspondem à 5ª, 7ª e 9ª, a melodia começando na 9ª. A parte A é estruturada no arpejo descendente, como vemos na figura 19:

Fig.19. Chediak, 1994.Representação do motivo melódico de Garota de Ipanema.

Na casa 1 faz uma progressão harmônica em acordes dominantes para retorno ao início, sendo o Am7 é o relativo menor de C7, dominante de F, segue a sequencia de acordes dominantes substitutos Ab 7 – Db7M(9) - Gb7(#11).

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Fig.20. Chediak, 1994.Representação da harmonia em casa 1.

Já a parte B também é constituída por dezasseis compassos, e podemos dividir em duas partes, sendo a primeira parte constituída de três frases de quatro compassos, em que demonstra lamento em sua letra – Ah, por que estou tão sozinho, Ah, por que tudo é tão triste, Ah, a beleza que existe, A beleza que não é só minha, que também passa sozinha. Sua melodia estrutura-se um desenho ascendente, como mostra a figura 21:

Fig. 21. Chediak, 1994.Representação do motivo da parte B.

E na segunda parte uma extensão de quatro compassos, iniciando em anacruse, em grau ascendente (lá, si, do), salto de 8º descendente e faz uma sequencia da escala maior até o 5º grau (sol), no compasso seguinte aparece na melodia a nota sol#, 4º grau alterado da escala de Ré, o acorde utilizado é D7(b9), esta nota é dissonante, mas

74 como passagem causa tensão que resolve em lá, nota que faz parte do acorde de D. O mesmo acontece nos próximos compassos, porém um tom abaixo, para voltar para a tonalidade F, conforme figura 22.

Fig.22. Chediak, 1994.Representação do motivo final de B.

A terceira e última vez que aparece a parte A é uma repetição da inicial, apenas com uma frase, A se ela soubesse que quando ela passa o mundo inteiro se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor. E em seu final repete-se várias vezes os dois últimos compassos da composição: por causa do amor. Parece que o compositor, nesse trecho, dá permissão para o intérprete repetir quantas vezes desejar e criar, improvisar seu final, com os acordes F7M e Gb7(#11).

Fig.23. Chediak, 1994.Representação de A.’

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Aspectos rítmicos

A seção A da canção possui um motivo rítmico básico, formado por semínima e colcheias em intervalo de terça menor (sol – mi), seguido segunda maior (mi - ré), com mesmo desenho rítmico de semínima e colcheias. Esse desenho rítmico repete-se por toda a parte A, sofrendo apenas transposição das notas.

Fig.24. Chediak, 1994.Representação do motivo ritmico e melódico de A.

Já a seção B é formada por um novo motivo, com um Fá em semibreve e ligado a uma semínima, uma nota longa que dá a sensação de lamento para a interjeição Ah!seguido de tercinas e colcheia pontuada dando continuidade à frase porque estou tão sozinho, a frase termina com a nota mib.

Fig.25. Chediak, 1994.Representação do motivo de B.

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Esta seção é formada estruturalmente pelo intervalo de segunda maior descendente (Fá – Mib), em que podemos considerar que Fá recebe ornamentações até conectado ao Mib.

Este motivo repete-se nas próximas duas frases seguintes, porém com alteração de altura. A segunda frase desta seção inicia no Sol# e termina no Mi e a terceira frase, começa em Lá e termina em Sol.

Fig.26. Chediak, 1994.Representação do mtivo de B.

Na sequência surge outro motivo feito ainda por tercinas e colcheias pontuadas.

Fig.27. Chediak, 1994. Representação do novo motivo em tercinas.

A terceira aparição da parte A sofre uma pequena alteração no desenho rítmico, pois começa com colcheia e pausa, portanto uma nota curta, que nos dá uma

77 sensação diferente da primeira parte que é feita por semínima e colcheias, pois nesta primeira frase temos a sensação de admiração (olha que coisa mais linda), já esta última frase nos dá a sensação de excitação, ansiedade (ah, se ela soubesse...)

Fig.28. Chediak, 1994.Representação dos primeiros compassos de A final

Análises interpretativas

Análise 7

A próxima análise interpretativa é baseada na versão de 1963, do LP de Stan Getz e João Gilberto, pela Verve Records. Esta versão tem a formação: guitarra – João Gilberto; piano – Tom Jobim; bateria – Milton Banana; baixo – Sebastião Neto, saxofone tenor – Stan Getz e vozes de João Gilberto e Astrud Gilberto20.

No primeiro chorus a instrumentação entra gradativamente. A introdução possui quatro compassos e é acompanhado apenas pela guitarra clássica (violão) e voz de João Gilberto, a modo de Scat21, em uma forma bem delicada, com as notas mib, do, e sib, lembrando o motivo da primeira parte (sol, mi, ré), porém transposto para

20Versão disponível em: https://youtu.be/w3altAnNJIY

21 No jazz, tipo de improvisação vocálica, geralmente com palavras ou sílabas sem sentido.

78 outra tonalidade (Db).Aparte A cantada em português por João Gilberto, com um estilo intimista e sussurrante, e com algumas antecipações, típicas do estilo de João Gilberto, que às vezes dá a sensação de estar fora de tempo, acompanhada pela guitarra.

Em A’ entram suavemente baixo e bateria, em que esta concentra-se em marcar as colcheias no chimbal. Na parte B entra piano preenchendo os vazios deixados pela voz.

O segundo chorus, já com toda a instrumentação, é cantado em inglês por Astrud Gilberto, com uma mudança de timbre, passando da voz masculina para a voz feminina. Astrud também canta de forma suave, sem exageros, mas na parte B dá um pouco mais de ênfase, coloca mais emoção na interpretação.

O terceiro chorus traz uma improvisação de Stan Getz ao sax tenor, em que percebemos as características próprias do saxofonista, com uma sonoridade muito pessoal. Com uma forma de tocar serena e controlada. Começa fazendo a melodia com algumas alterações interpretativas, na repetição de A, faz algum improviso, mas sempre citando a melodia. Seu improviso é feito a partir do tema com variação, em que o tema principal é sempre citado, está sendo parafraseado em que acrescenta novas linhas melódicas.

Diferente de muitas outras improvisações realizadas por muitos saxofonistas e outros instrumentistas, em que se baseiam apenas na harmonia e criam melodias a partir da função harmônica e muitas vezes não é citada a melodia principal. No caso de StanGetz o tema está sempre presente.

Bossa Nova é um estilo contido, intimista e tais características se refletem também na improvisação, diferentemente de um standard de jazz, em que na improvisação o músico intérprete tem maior liberdade.

O quarto chorus é improvisado pelo piano, portanto, por Tom Jobim.Ele também utiliza variação do tema, parafraseando. Porém seu improviso, ou seu solo se dá apenas na parte A, na parte B entra novamente a cantora com sax em contracanto. O mesmo se dá em A”e termina com repetição da última frase She Just doesn’t see, em diminuendo até desaparecer.

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Esta é uma versão bem trabalhada, pois traz uma voz masculina e uma feminina destacando mudança de timbre, além dos solos instrumentais do sax e do piano. Com um começo apenas com guitarra e voz, os demais instrumentos entram gradativamente.

Análise 8

A versão seguinte foi realizada por Zimbo Trio, um grupo instrumental criado em 1964 pelos músicos Amilton Godoy (piano), Rubens Alberto Barsotti, o “Rubinho” (bateria) e Luís Chaves- in memorian (contrabaixo). Esta formação durou de 1964 a 2007. O contrabaixista Itamar Collaço substitui Luís Chaves e o grupo introduz o baixo elétrico, esta segunda formação durou de 2007 até 2010 e posteriormente passou a contar com Mario Andreotti (contrabaixo), Pércio Sápia (bateria) e Amilton Godoy (piano), formação que durou de 2010 até 2013. Amilton Godoy, com 78 anos é o único músico do Zimbo Trio ainda em atividade, porém atualmente usa o nome de Amilton Godoy Trio.

O termo Zimbo foi retirado do dicionário afro-brasileiro e significa boa sorte, felicidade e sucesso.

Esse grupo instrumental tornou-se rapidamente referência na fusão da música brasileira com o jazz. Seu primeiro disco mostrou que a música brasileira tinha tanta qualidade que podia também, como no jazz, ter improvisação. Solidificam então ojazzcom música brasileira (samba) e resgatam a bossa nova, que já estava sendo deixada de lado com o aparecimento de outros movimentos musicais como a Tropicália e a Jovem Guarda.

O Zimbo Trio influenciou e ainda influencia músicos brasileiros e estrangeiros, com excelente repertório e técnica apurada na execução musical.

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Este tema foi o primeiro que o grupo se apresentou como Zimbo Trio. O pianista Amilton Godoy relata como foi feito o arranjo desse tema, na introdução, imaginando a praia de Ipanema sem ninguém, antes de clarear o dia, então a música representa uma penumbra, com outra melodia, sem dar a citação do tema e termina com uma expectativa. Em seguida uma melodia rápida e alegra para representar a movimentação de pessoas chegando à praia, e segue-se para a estrofe.

Esta versão foi gravada pela primeira vez em 1964 e foi regravada em outros trabalhos do grupo. A gravação analisada é a do CD Zimbo Trio 30 anos, de 1994.

Um diferencial desta versão também é relacionado ao seu andamento, que é muito mais rápido em relação a tantas outras versões, apesar do início da introdução ser lento, logo segue para um andamento rápido, possível por ser uma versão instrumental. No entanto, o estilo Bossa Nova, em sua construção, é em andamento de moderado para lento e quando feito em andamento mais rápido pode perder sua característica, ficando mais próximo do samba que de Bossa Nova.

Nesta versão, a introdução inicia em andamento lento com baixo e piano, com o primeiro acorde menor no grave, são dois compassos em que os dois primeiros tempos alteram entre baixo e piano no grave descendente e os dois compassos seguintes o piano está no agudo e a percussão fazendo o quarto tempo do compasso.

A introdução segue agora de forma mais melódica e lenta, nesse trecho aparecem alguns enxertos que nos faz lembrar o tema principal. Depois segue em andamento rápido em frases descendentes, por mais oito compassos.

A forma estrutural da versão é introdução, apresentação do tema (AABA) e dois Chorus de improvisação, a qual o primeiro é feito pelo piano e os demais ficam com o acompanhamento. Já no segundo chorus, na parte B piano e baixo fazem o mesmo desenho melódico e no retorno de A, há alteração entre bateria e piano e baixo.Terminando com a reapresentação do tema (AABA), forma tradicional da música instrumental como o jazz.

Como já dito anteriormente, o Zimbo Trio foi um grupo instrumental que muito influenciou e ainda influencia músicos de gerações e de diferentes lugares pelo

81 mundo, com grande qualidade técnica e interpretativa, e, assim com os temas de Bossa Nova, sua linguagem musical se mantém preservada até aos dias atuais.

Análise 9

Para última análise foi selecionada a versão feita pela Orquestra Jazz Sinfônica Brasileira22. Fundada em 1989 através de uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo, a orquestra possui uma formação bastante singular, que une os moldes de uma orquestra erudita à de uma bigband de jazz, o resultado é uma sonoridade exclusiva na criação de uma nova estética orquestral brasileira, por meio de arranjos contemporâneos e únicos23.

É composta por aproximadamente oitenta músicos tem em seu repertório arranjos sinfônicos principalmente da música popular brasileira, mas também de música popular internacional. Atualmente tem como diretor artístico e geral Antônio Ribeiro e como regente titular o maestro João Maurício Galindo e Fábio Prado como regente adjunto.

Esta versão tem o arranjo de Alexandre Mihanovich com adaptação de Junior Galante. Feita com solo de trompete, executado pelo trompetista Sidmar Veira, acompanhado pela orquestra, em compasso quaternário e andamento Andante e características de Big Band, com formação instrumental composta por metais (trombones e trompetes), madeiras (flautas, clarinete e sax soprano) e a base (bateria, guitarra, contra-baixo acústico).

Na introdução de quatro compassos feita por todos os instrumentos, e utiliza- se de notas longas que soa algo tranquilo. Na parte A, a primeira frase feita pelo solista

22Versão disponível em: https://youtu.be/1yut6e2IG9g

23 Disponível em http://estadodacultura.sp.gov.br/agente/156/

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(trompete), acompanhado pelos trombones e base. A segunda frase da parte A ainda com solo de trompete e acompanhada também pelas madeiras. A parte B é feita pelas flautas e acompanhamento dos metais e base. O final da parte B (A beleza que não é só minha, que também passa sozinha) é feito novamente pelo soloacompanhado pelos demais instrumentos.

Nesta versão não faz o retorno em A como a estrutura normal da canção, mas um interlúdio para improvisação ainda de trompete, aqui pecebemos característica bem jazzística em relação ao acompanhamento e a própria improvisação.

Ao final da canção, retorna ao tema a beleza que não é só minha, que também passa sozinha, porém em escala modal e com desenho descendente, diferentemente do original que tem um desenho ascendente, como demonstra a figura a seguir:

Fig.29. Representação da parte B final com mudança de modo.

Neste arranjo percebemos a liberdade que o arranjador teve ao trabalhar com a peça musical, pois há grandes diferenças em relação à versão “original”, trazendo grande inovação à canção, tocada de maneira suave traz uma boa sensação aqueles que a ouvem. Além disso, no que diz respeito a estrutura da peça, não se repete a parte A e no final não faz a reapresentação do tema como é comum nas bandas de jazz, em que apresenta o tema, faz-se alguns chorus de improvisações e repete o tema.

Segundo o trompetista solista, Sidmar Vieira, tocar Bossa Nova transmite-lhe paz e traquilidade e é essa mesma sensação que sente ao tocar que pretende passar ao público que o ouve e isto é percebido nesta apresentação. E esta é uma preocupação que o intérprete também precisa de ter, na sensação que irá transmitir com a sua interpretação, por isso tem um papel tão importante na finalização de uma

83 obra musical, pois é através dele também que se darão as preferências musicais, o porque gostar de determinado estilo, solista ou grupo musical.

84

CONCLUSÃO

Um dos desafios no campo da musicologia é a investigação da interpretação na música popular, pois há várias problemáticas que envolvem esta questão. Entre elas está o fato de os estudos sobre interpretação musical, de modo geral, estarem ligados muito mais a questão do material musical, ou seja, a partitura, do que na forma como se dá a interpretação, que é algo que está para além daquilo que está expresso no papel.

Na música popular esta problemática torna-se maior, pois não podemos tormar como base apenas a partitura, já que existem várias partituras de uma mesma canção e cada uma delas conta com alterações em sua escrita, sendo difícil definir uma como a correta. Deste modo, torna-se em algo ambíguo uma vez que a partir de uma determinada interpretação surge uma escrita musical ou a partir de uma determinada escrita surgem diferentes interpretações. Além disso, tais partituras trazem apenas o básico da canção como a melodia e harmonia cifrada, ficando para o intérprete decidir como será executada.

Deste modo verificamos, nas análises das partituras com as gravações, que o arranjador ou orquestrador têm papel fundamental na construção final da obra musical, pois decisões que envolvem a introdução, as repetições que pode haver, a improvisação e quais instrumentos utilizados na mesma, o interlúdio, CODA, além dos aspectos referentes à tonalidade, andamento e outros, muitas vezes ficam a cargo de tais profissionais, daquilo que eles buscam na obra musical e no sentido e significado da peça dentro do contexto em que estão inseridos. Podemos, então, dizer que uma peça de música popular está em aberto, ficando para o arranjador ou produtor decidir sobre sua finalização.

A investigação dos temas propostos neste trabalho mostrou que há inúmeras possibilidades para uma versão, cada um pode arranjar uma obra musical das mais diversas maneiras, com as mais variadas formações instrumentais e estruturais, mas é necessário ter o cuidado de mantê-la reconhecível. Alguns arranjadores preferem

85 deixar a versão o mais próximo do “original”, outros já a distanciam do original na instrumentação, andamento, tonalidade, harmonia, frases melódicas e muitos outros aspectos que podem ser alterados num arranjo ou orquestração. Portanto, o arranjo musical também é uma criação e dele dependerá também, como será realizada a interpretação. Observamos que em cada interpretação analisada, os arranjos com as diferentes combinações instrumentais, acréscimo de frases, ornamentações e dinâmicas definem a forma de execução da obra musical.

Há, ainda, alguns aspectos sintomáticos relacionados ao ato de arranjar, como por exemplo, adicionar “um mero ornamento”, acrescentar frases, fazer alterações rítmicas e melódicas, entre outros. O arranjo é um ato que se interpola entre o compositor e uma possível execução (Gomes, 2010). Além disso, um compositor não determina a priori todos os elementos necessários para uma execução (Aragão, 2001 in Gomes, 2010), ficando para o arranjador tal função. O termo arranjo também pode significar transcrição, simplificação, readaptação e reelaboração, assim, ele traz uma nova leitura para uma composição musical.

No entanto, a interpretação musical não se limita às versões ou arranjos. O músico executante tem grande importância para a divulgação de uma obra musical e pode também ser considerado um coautor na realização da obra, influenciando o seu resultado final. Além disso, é ele quem fará a ligação entre a peça musical e o público, tendo um papel fundamental na construção do significado da música para a audiência, através de suas particularidades que definirão as preferências musicais de cada indivíduo.

Minha experiência como musicista ao longo dos anos fez-me perceber que interpretar está muito além de tocar as notas certas nos tempos certos, e que na verdade, nem sempre devemos tocar nos tempos certos, a expressividade também está em algumas vezes atrasar ou antecipar tempos musicais, mas está também relacionada à intimidade que se tem com a composição e com o arranjo em si. O músico- intérprete precisa “sentir” a música e isto fará com que o público também tenha uma relação diferente com a canção. Mas não só o “sentir” a música o intérprete precisa conhecer a linguagem do estilo que vai executar, pois cada gênero

86 musical traz consigo características próprias, porém isso não impede que possa haver alguma mistura entre estilos, mas é preciso saber como e quando usá-las.

Em relação a improvisação, percebemos, nesta investigação, que muito mudou no decorrer dos anos e das experiências musicais dos intérpretes, pois ao analisar a versão de Garota de Ipanema feita pelo saxofonista StanGetz, notamos que está muito próxima da melodia, sendo quase um tema com variação e que os músicos atuais são mais ousados em seus improvisos, muitos deles distanciando totalmente da melodia e recriando algo novo. E aqui é necessário destacar que StanGetz foi um grande instrumentista, mas a linguagem da Bossa Nova na época de sua gravação pedia tal interpretação. Hoje em dia, percebemos que o momento de improvisação dá ao músico total liberdade para recriar a canção e a qualidade dessa improvisação está diretamente ligada ao conhecimento e prática de músico executante que determinará quais escalas utilizar, desenho ritmico-melódico, frases.

Além desses fatores, o conhecer a linguagem musical do estilo é de suma importância, pois é possível utilizar uma mesma frase, mas com um “sotaque” diferente, próprio de estilo, e isso fará toda a diferença na forma de execução. Isso depende também da experiência do músico, na sua capacidade de recriar.

Assim, volto a ressaltar a importância do músico-intérprete para finalização de uma obra musical, o qual tem um trabalho constante no que diz respeito à interpretação musical, deve estar sempre estudando e buscando novas sonoridades e novas formas de expressar-se musicalmente. Vivemos em um mundo globalizado, em que tudo acontece quase que instantaneamente e é um desafio ao intérprete essa busca por algo novo e que ao mesmo tempo agrade ao público.

Os temas de Bossa Nova tratados aqui evidenciam esse desafio, pois já foram reinterpretados inúmeras vezes e o fato de resgatá-los, regravá-los, reinterpretá-los torna-se motivador ao intérprete no que diz respeito a essa busca por inovação, apesar se serem temas que sempre terão um público, acredito que esse mesmo público não quer ouvir apenas mais uma vez, mas quer sempre algo a mais, para que não se torne em algo monótono. O intérprete tem uma função de sensibilizar o público, de oferecer à audiência uma nova experiência na construção do sentido e significado musical.

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Nas entrevistas com músicos atuantes no estilo e nos temas analisados foi possível perceber alguns pontos em comum entre eles, por exemplo, o cuidado para se fazer uma versão dos temas de Bossa Nova e de Tom Jobim, pois consideram músicas de construção sofisticada e elegante. No entanto algumas modificações são necessárias dependendo da formação instrumental a trabalhada nas versões, como foi visto nas análises.

O estilo bossa nova é um estilo que exige certa qualidade técnica do músico executante, por isso é importante seu estudo de modo geral, desde a técnica propriamente dita para executar no instrumento ou cantá-la, como para compreender sua construção e assim ter uma boa interpretação. No entanto, esse trabalho de estudo e busca pela qualidade técnica não é algo massante para os intérpretes, pois os temas lhes dão sempre prazer para interpretar, reinterpretar, reinventar.

Há também, entre os músicos intérpretes desse estilo, a preocupação em perpetuar a obra de Tom Jobim, João Gilberto e da Bossa Nova de maneira geral, visto que, apesar de ser música popular, é um gênero que exige técnica por parte dos seus executantes e num mundo cada vez mais prático, com tantas tendências musicais mais simplificadas que surgem a cada dia, corre-se o risco de ficar no passado. Portanto, essa é também uma função do músico-intérprete: levar o estilo a outras gerações, perpertuando-o e recraindo-o para que seja sempre agradável ao público.

Nota final

Aproveito este trabalho para prestar minha homenagem a dois nomes da Bossa Nova, a cantora Miúcha, que participou da gravação de Wave e que faleceu em Dezembro de 2018 e ao grande músico, compositor e considerado o Pai da Bossa Nova, João Gilberto, que faleceu em Julho deste ano. E tenho certeza que sua música continuará sendo cantada, reinterpretada pelas futuras gerações.

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TEMAS

TEMA 1: WAVE

Versão 1: Tom Jobim e Miúcha -https://youtu.be/w73hEZKnDeA Versão 2: Ella Fitzgerald - https://youtu.be/du9iKpoPiFY. Versão 3: Carminho - https://youtu.be/-Lyjt94_WBg

TEMA 2: CHEGA DE SAUDADE]

Versão 1: João Gilberto -https://youtu.be/EQC4Ye7hr9Y. Versão 2: Orquestra Arte Viva -https://youtu.be/Paqj7pu6DYY Versão 3: CD Harmonia entre amigos

TEMA 3: GAROTA DE IPANEMA

Versão 1: StanGetz e João Gilberto - https://youtu.be/w3altAnNJIY Versão 2: CD Zimbo Trio 30 anos

Versão 3: https://youtu.be/1yut6e2IG9g

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LISTA DE FIGURAS

Fig.1. Chediak, 1994. Transcrição da partitura feita a partir do Songbook Tom Jobim, vol. 2 p. 110...... 42 Fig.2. Representação dos acordes da introdução de Wave ...... 44 Fig.3. Representação da diferença melódica existente no final da frase da parte A de Wave...... 46 Fig.4. Representação da diferença entre a melodia cantada por Tom Jobim e Miúcha em relação à partitura e versão cantada por Ella Fitzgerald e Carminho...... 46 Fig.5. Representação da diferença entre a frase melódica cantada por Tom Jobim e Miúcha em comparação Carminho...... 47 Fig.6. Chediak, 1994. Transcrição de Chega de Saudade feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56...... 56 Fig.7. Chediak, 1994.Representação dos quatro primeiros compassos da melodia de Chega de Saudade...... 58 Fig.8. Chediak, 1994.Transcrição de Chega de Saudade que mostra variação no motivo melódico da canção...... 58 Fig.9. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56, para mostrar a alteração de tonalidade...... 59 Fig.10. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 2, p. 55-56 para mostar a mudança de tonalidade...... 60 Fig.11. Chediak, 1994.Fragmento da melodia da parte A final...... 61 Fig.12. Chediak, 1994.Representação do motivo ritmico final...... 61 Fig.13. Chediak, 1994.Representação da progressão harmónica feita a partir de acordes dominantes...... 62 Fig.14. Fragmento final da introdução...... 63 Fig.15. Fragmento final da introduçao para demonstrar como se executa...... 64 Fig.16. Chediak, 1994.Transcrição dos compassos 5 a 8 da introdução para mostrar diferença entre a partitura e a gravação...... 67 Fig.17. Transcrição dos compassos 5 a 8 da introdução para mostrar diferença entre a partitura e a gravação...... 67 Fig.18. Chediak, 1994.Transcrição feita a partir do Songbook Tom Jobim, volume 3, p. 62, 3ª edição...... 70 Fig.19. Chediak, 1994.Representação do motivo melódico de Garota de Ipanema...... 73 Fig.20. Chediak, 1994.Representação da harmonia em casa 1...... 74 Fig.21. Chediak, 1994.Representação do motivo da parte B...... 74 Fig.22. Chediak, 1994.Representação do motivo final de B...... 75 Fig.23. Chediak, 1994.Representação de A.’ ...... 75 Fig.24. Chediak, 1994.Representação do motivo ritmico e melódico de A...... 76 Fig.25. Chediak, 1994.Representação do motivo de B...... 76 Fig.26. Chediak, 1994.Representação do mtivo de B...... 77 Fig.27. Chediak, 1994.Representação do novo motivo em tercinas...... 77 Fig.28. Chediak, 1994.Representação dos primeiros compassos de A final ...... 78 Fig.29. Representação da parte B final com mudança de modo...... 83

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: forma da canção Wave - partitura ...... 43 Tabela 2: forma completa da canção Wave ...... 48 Tabela 3: : forma estrutural versão Ella Fitzgerald ...... 50 Tabela 4: Forma da canção CHEGA DE SAUDADE - partitura ...... 57 Tabela 5: Forma da canção GAROTA DE IPANEMA - partitura ...... 71

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ANEXOS

WAVE

Vou te contar Os olhos já não podem ver Coisas que só o coração pode entender Fundamental é mesmo o amor É impossível ser feliz sozinho

O resto é mar É tudo que não sei contar São coisas lindas que eu tenho pra te dar Vem de mansinho à brisa e me diz É impossível ser feliz sozinho

Da primeira vez era a cidade Da segunda, o cais e a eternidade

Agora eu já sei Da onda que se ergueu no mar E das estrelas que esquecemos de contar O amor se deixa surpreender Enquanto a noite vem nos envolver

Da primeira vez era a cidade Da segunda, o cais e a eternidade

Agora eu já sei Da onda que se ergueu no mar E das estrelas que esquecemos de contar O amor se deixa surpreender Enquanto a noite vem nos envolver Vou tecontar

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WAVE

So close your eyes, for that's a lovely way to be Aware of things your heart alone was meant to see The fundamental loneliness goes When ever two can dream a dream together

You can't deny, don't try to fight the rising sea Don't fight the Moon, the stars above and don't fight me The fundamental loneliness goes When ever two can dream a dream together

When I saw you first the time was half past three When your eyes met mine, it was eternity

By now we know the wave is on its way to be Just catch that wave, don't be afraid of loving me The fundamental loneliness goes When ever two can dream a dream together

When I saw you first, the time was half past three When your eyes met mine, it was eternity

By now we know the wave is on its way to be Just catch that wave, don't be afraid of loving me The fundamental loneliness goes When ever two can dream a dream together

So close your eyes

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Chega de saudade

Vai minha tristeza E diz a ela Que sem ela não pode ser

Diz-lhe numa prece Que ela regresse Por que eu não posso mais sofrer

Chega de saudade A realidade É que sem ela não há paz Não há beleza É só tristeza E a melancolia Que não sai de mim Não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar Que coisa linda, que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar Do que os beijinhos Que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços Os abraços Hão de ser milhões de abraços Apertado assim Colado assim, calado assim Abraços e beijinhos E carinhos sem ter fim Que é pra acabar com esse negócio De você viver sem mim

Não quero mais esse negócio De você viver sem mim

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Garota de Ipanema

Olha Que coisa mais linda Mais cheia de graça É ela menina Que vem e que passa Num doce balanço A caminho do mar

Moça do corpo dourado Do sol de Ipanema O seu balançado É mais que um poema É a coisa mais linda Que eu já vi passar

Ah Porque tudo é tão triste Ah Porque estou tão sozinho Ah A beleza que existe

A beleza Que não é só minha E também passa sozinha

Ah, se ela soubesse Que quando ela passa O mundo inteirinho Se enche de graça E fica mais lindo Por causa do amor

Por causa do amor Por causa do amor

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