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Divino, maravilhoso Caetano & Gil, refestança em Montevidéu

(1963) e é apresentado a Caetano Veloso pelo produtor Roberto Santana; pouco depois, conhece Maria Bethânia e Gal Costa (ver JDC #55). Em 1964, Gil, Caetano, Bethânia, Gal e Tom Zé fazem o show Nós, por exemplo e, mais tarde, participam de Arena canta Bahia, espetáculo dirigido por Augusto Boal. Formado em administração de empresas, no ano seguinte, Gil apresenta seu primeiro show individual, Inventário, com direção de Caetano. Em 1966, Gilberto começa a se destacar na televisão, especialmente no programa O fino da bossa, apresentado por Elis Regina, na TV Record. Abandona o emprego na Gessy Lever e decide viver somente de música. Muda-se

com a mulher e a filha para o Rio de Janeiro O próximo 12 de setembro, onde grava seu álbum de estreia, Louvação Montevidéu será testemunha do (1967). Enquanto Caetano Veloso protesta encontro histórico dos baianos com “Alegria, alegria”, hino à explosão da NCaetano Veloso e , que alegria contestatória e Maria Bethânia impõe apresentarão no Velódromo Municipal o show o estilo neorregionalista com “Carcará”, num “Dois amigos, um século de música”. Na tema emprestado por Luiz Gonzaga, Gilberto cena por cinco décadas, tanto Caetano (ver Gil canta “Procissão”, que fala de seca e JornalDaCasa #27 e #28) como Gilberto têm favela, temas até então pouco abordados. desenvolvido duas das mais relevantes e Concorre como compositor no 1º Festival reconhecidas carreiras como compositores, Internacional da Canção da TV Rio e no 2º cantores e músicos, atingindo um papel Festival de Música Popular Brasileira da TV fundamental no processo constante de Record. Gil estreia, com Bethânia e Vinicius modernização da Música Popular Brasileira. de Moraes (ver JDC #18), o show Pois é no

Teatro Opinião, no Rio, e é contratado pela TV Gilberto Passos Gil Moreira nasceu no dia 26 Excelsior de São Paulo para fazer o programa de junho de 1942 em Salvador. Por influência Ensaio geral. de Luiz Gonzaga (ver JDC #15) e do baião (ver

JDC #53), começa a aprender acordeom. Em Depois de participar do show Momento 68, 1959, Gil escreve seus primeiros poemas Gilberto grava seu segundo LP e o disco (românticos como Castro Alves e Gonçalves coletivo Tropicália ou Panis et Circenses, com Dias, parnasianos como Olavo Bilac). Sob a Caetano, Gal, Tom Zé, Nara Leão, Mutantes e influência de João Gilberto e da bossa nova, Rogério Duprat. "Divino, maravilhoso" ele começa a tocar e a estudar violão. Em (parceria com Caetano), cantada por Gal, 1962, Gil define suas primeiras canções ao participa do 4º Festival de Música Popular violão –suas primeiras bossas– e começa a Brasileira, da TV Record; alcança o terceiro compor jingles. Faz suas aparições iniciais na lugar. A canção dá nome a um programa televisão, num programa musical da TV experimental dos tropicalistas, levado na TV Itapoã. Gil grava e lança seu disco de estreia, Tupi, de São Paulo. Gilberto Gil - sua música, sua interpretação

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A essa altura, Gil já está namorando Sandra nos anos 80: A gente precisa ver o luar Gadelha, irmã de Dedé Gadelha (casada com (1981); Um banda um (1982); Extra (1983); Caetano). Gil e Caetano são presos em São Raça humana (1984), para o qual grava o Paulo, vítimas das medidas do Ato reggae "Vamos fugir" na Jamaica com a Institucional nº 5, que cerceou a liberdade participação do grupo The Wailers; Dia dorim artística e dos cidadãos. Ali, Gil adota uma noite neon (1985) e O eterno deus Mu dança dieta macrobiótica e estuda o misticismo (1989). Faz as trilhas sonoras dos filmes de oriental. Soltos na Quarta-Feira de Cinzas de Carlos Diegues, Quilombo (1984) e Um trem 1969, Gil e Caetano seguem para Salvador, para as estrelas (1987), e de Nelson Pereira onde ficarão submetidos a um regime de dos Santos, Jubiabá (1986), baseado na obra confinamento até partir com suas mulheres homônima de Jorge Amado (ver JDC #5). para o exílio em Londres. De volta ao Brasil, Apresenta-se na primeira edição do festival durante sua apresentação no evento Phono Rock in Rio (1985). 73, Gil e Chico Buarque são impedidos de cantar "Cálice", feita pelos dois Gilberto é convidado especial da festa do especialmente para a ocasião; vítima da movimento SOS Racismo francês, na praça censura, a canção ficará proibida durante o da Bastilha, e em 1987 toma posse na regime ditatorial. presidência da Fundação Gregório de Matos, instituição voltada para a revitalização da Na década dos anos 70, Gilberto faz discos cultura afro-brasileira. Durante sua gestão as antológicos: (1972); relações culturais entre a Bahia e a África são Temporada de verão (1974), com Caetano e intensificadas. Gil está por trás de um projeto Gal; (1975), com Jor; de recuperação do centro histórico de Doces Bárbaros (1976), com Caetano, Gal e Salvador, arquitetado pela italiana Lina Bo Bethânia; Refestança (1978), com Rita Lee; e Bardi e sua equipe. a trilogia conceitual: Refazenda (1975), Refavela (1977) e (1979). Em 1988 é lançado o livro O poético e o Acompanhado pelo grupo A Cor do Som (mais político, de Gil e Antonio Risério. Gilberto se o guitarrista Pepeu e o percussionista Djalma elege vereador com o maior número de votos Correa), Gil se apresenta no Festival –exatos 11.111- entre todos os candidatos. Internacional de jazz de Montreux (1978), a Em seu mandato, atua como presidente da primeira performance de um artista brasileiro Comissão de Defesa do Meio Ambiente, no festival suíço. integra os conselhos consultivos da Fundação Mata Virgem e da Fundação Alerta Brasil Em 1979 em Salvador, Gil conhece Flora Nair Pantanal, e também preside o Cerne (Centro Giordano, quem virá a se tornar sua mulher - de Referência Negro-Mestiça), a ser criado além de empresária e produtora associada a por ele e Antonio Risério. Cria o movimento Gil, a partir de 1988. Gilberto torna-se o Onda Azul, de caráter ambientalista, com o primeiro negro a integrar o Conselho de objetivo de defender os mares e os rios Cultura do Estado da Bahia, do qual Maria brasileiros. Bethânia também passa a fazer parte, e compõem, os dois, a sua Câmara de Música. Em 1990, Gil recebe do Ministro da Cultura Em 1980, Gilberto e o cantor jamaicano de da França, Jack Lang, o título de Cavaleiro da reggae Jimmy Cliff se apresentam num Ordem das Artes e das Letras. Gil também é espetáculo levado em ginásios e estádios de homenageado com o 10º Prêmio Shell para a cinco capitais brasileiras; os dois gravam um Música Brasileira pelo conjunto de sua obra. programa especial para a TV Globo. Também Gilberto nunca abandona a música, sua participa, junto com Caetano e Bethânia, do maior paixão. Em 1991, o músico faz show álbum de João Gilberto, Brasil (1981). com Tom Jobim, Caetano, Sting e Elton John no Carnegie Hall, em Nova York, para levantar Gil firma sua opção pela música pop, que recursos para a Fundação Mata Virgem. Nos direciona o desenvolvimento de sua trajetória anos 90 registra obras memoráveis: # 56 – setembro 2015

Parabolicamará (1992); Tropicália 2 (1993); disco com o título de Gil Luminoso – voz e em parceria com Caetano, celebrando os 25 violão, CD que é gravado em 1999 para ser anos do movimento Tropicalista; Unplugged encartado no livro “Giluminoso – A Po.Ética (1994); Z: 300 anos de Zumbi (1995); do Ser”, de Bené Fonteles. composta para o Balé da Cidade de São Paulo; Quanta (1997) e Quanta gente veio ver Gil torna-se o primeiro artista brasileiro a ter (1998), comemorando -em álbum duplo ao um canal exclusivo no site de vídeos YouTube. vivo- o enorme sucesso de uma turnê Lança Banda Larga Cordel (2008) na internacional, pelo qual ganha o "Grammy internet, reafirmando seu engajamento Award" de melhor música mundial, o primeiro irreversível com as novas réguas e de oito conquistados. Ainda nesse ano, Gil compassos do universo “bits and bytes” - lança a turnê "Twentysummers", que tema que o tem fascinado por mais de trinta comemora os vinte anos seguidos de anos. Nesse universo, Gil disponibiliza ao apresentações do artista pela Europa no máximo seu trabalho para webcasts, verão. podcasts, cellcasts, etc. O álbum conta com uma turnê homônima que passa pelos O começo do novo século traz o Estados Unidos, Europa e América Latina. Os documentário Filhos de Gandhy, dirigido por shows têm um caloroso convite para que se Lula Buarque de Hollanda, sob condução de fotografe e filme o que quiser o quanto quiser. Gil, e mais pérolas musicais: Eu, Tu, Eles Os bastidores do tour são lançados na (2000), trilha sonora do filme de Andrucha internet, em diversas plataformas, a partir do Waddington, onde Gil revisita praticamente hotsite especialmente criado. Devido à difícil todos os grandes clássicos de Luiz Gonzaga; tarefa de conciliar a agenda ministerial com Gil & Milton (2000), junto a Milton projetos pessoais e artísticos, o cantor pede Nascimento, que Zuenir Ventura chama de demissão da função de Ministro da Cultura “resultado genial de uma conjuração baiano- em 30 de julho de 2008. mineira em favor da música”; São João Vivo (2001); Kaya n´Gan Daya (2002) e Kaya Nos últimos anos lança BandaDois (2009), n´Gan Daya ao vivo (2003), tributo com registro de uma apresentação de Gil em voz e novas versões do reggae de Bob Marley. violão, com as participações de Maria Rita e de seus filhos Bem e José; Fé na festa Eletracústico (2004) é resultado do concerto (2010), um trabalho dedicado totalmente às que realiza na ONU e vem para atender a festas dos santos populares, com canções de imensa demanda do público, desde que maxixe, baião, xote e forró; Concerto de assume o cargo de Ministro da Cultura do Cordas & Máquinas de Ritmo (2012), que Brasil. Alguns dos seus sucessos estão mais comemora seus 70 anos de vida; e Gilbertos intensivamente marcados pelo diálogo entre samba (2015), seu sexagésimo primeiro a percussão acústica e eletrônica, cantando álbum. um repertório histórico de sucessos dos anos 60 até os dias de hoje, com a alegria e A obra de Gilberto Gil abrange uma ampla entusiasmo marcantes da sua voz. Esse dimensão e variedade de ritmos e questões mesmo ano Gil vence o prêmio Polar de em suas composições, pertinentes à Música, considerado o "Nobel da Música realidade e à modernidade; da desigualdade Popular". O prêmio é concedido pela social às questões raciais, da cultura Africana Academia Real Sueca de Música e é dado ao à Oriental, entre muitos outros temas. A artista devido ao "compromisso criativo de abrangência e profundidade nos diferentes levar ao mundo o coração e a alma da temas de sua obra são qualidades música brasileira", assim como por seu específicas que fazem dele um dos mais "imenso talento, sua curiosidade e sua firme importantes compositores musicais convicção cultural". brasileiros. Seu talento, sua curiosidade, a firmeza de sua convicção cultural como Em 2006, a gravadora Biscoito Fino relança o músico e embaixador, torna-o único. # 56 – setembro 2015

Ao pé da letra Superhomem – A canção

ilberto Gil estava de passagem pelo Rio de Janeiro, indo para os Estados Um dia Unidos fazer a excursão do Vivi a ilusão de que ser homem bastaria Glançamento do Nightingale -um disco gravado Que o mundo masculino tudo me daria lá, com produção do Sérgio Mendes, em Do que eu quisesse ter março e abril de 79, e gravar o disco Realce, ao final da excursão. Na ocasião Gil estava Que nada morando na Bahia e não tinha casa no Rio, Minha porção mulher, que até então se por isso estava hospedado na casa de resguardara Caetano Veloso. Como ele tinha que viajar É a porção melhor que trago em mim agora logo cedo, na véspera da viagem estava É que me faz viver recolhido num quarto por volta de uma hora da manhã. O anfitrião chegou falando muito, Quem dera entusiasmado. Tinha assistido o filme Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, “Superman”, em que a namorada do super- quem dera herói morre num acidente de trem e ele volta Ser o verão o apogeu da primavera o movimento de rotação da Terra para poder E só por ela ser voltar o tempo e salvar a namorada. Com aquela capacidade extraordinária do Caetano Quem sabe de narrar um filme com todos os detalhes, Gil O Superhomem venha nos restituir a glória “viu o filme” através da narrativa de Caetano Mudando como um deus o curso da história e naquela noite não conseguiu dormir. Estava Por causa da mulher impregnado da imagem do Superhomem fazendo a Terra voltar por causa da mulher. “Com essa ideia fixa na cabeça, levantei, acendi a luz, peguei o violão, o caderno, e comecei”, lembra Gil. “Uma hora depois a canção estava lá, completa. No dia seguinte a mostrei ao Caetano; ele ficou contente: 'Que linda!' E eu viajei para os Estados Unidos. Fiz a excursão toda e, só quando cheguei a Los Angeles, um mês e tanto depois, para gravar o disco, foi que eu vi o filme”.

Gil esclarece no livro Todas as letras: “Muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo e ela é o contrário. O que ela tem, de certa forma, é sem dúvida uma insinuação de androginia, um tema que me interessava muito na ocasião - me interessava revelar esse embricamento entre Discos onde ouvir: homem e mulher, o feminino como Gilberto Gil – Realce (1979) complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas qualidades Veja também: essenciais ao ser humano. Na música, a ideia Gilberto Gil – BandaDois (2009) central é de que o pai é mãe, ou seja, todo https://youtu.be/ykzuhkESx_g homem é mulher (e toda mulher é homem)”. # 56 – setembro 2015

Presentes BCSP chega pela primeira vez ao Uruguai

trajetória da companhia. Os bailarinos eram encorajados a contribuir com suas próprias ideias coreográficas que resultaram em trabalhos marcantes. A bem-sucedida carreira internacional da companhia teve início com a participação na Bienal de Dança de Lyon, na França, em 1996. Desde então suas turnês europeias têm sido aclamadas tanto pela crítica especializada quanto pelo público de todos os grandes teatros onde se apresenta. Desde 2001 a atuação do Balé da Cidade de São Paulo se estende também a programas de formação de plateia e de ações culturais paralelas, principalmente em mostras didáticas pela cidade de São Paulo, partilhando seu patrimônio artístico com a população da cidade.

A longevidade do Balé da Cidade de São Paulo, o rigor e padrão técnico do elenco e equipe artística, atraem os mais importantes coreógrafos brasileiros e internacionais, interessados em criar obras para seus

14 e 15 de setembro no Auditorio Nacional bailarinos e artistas. del Sodre O Balé da Cidade de São Paulo se mais antiga companhia de dança da apresentará em Montevideo, Uruguai, capital paulista, o Balé da Cidade de viajando pela primeira vez para um país na São Paulo (BCSP) foi criado em 7 de América do Sul. Afevereiro de 1968, com o nome de Corpo de Baile Municipal. Inicialmente com a proposta Resumo em números – 1968-2015 de acompanhar as óperas do Theatro 206 obras coreográficas no repertório Municipal e se apresentar com obras do 167 criações originais para o BCSP repertório clássico, teve Johnny Franklin 39 remontagens de obras criadas para como seu primeiro diretor artístico. outras companhias 27 remontagens de obras do repertório do Em 1974, sob a direção Antonio Carlos BCSP. Cardoso, a companhia assumiu o perfil de 33 criações originais dança contemporânea, que mantém até 27 participações em óperas hoje. A partir daí tornou-se presença 96 obras criadas em mostras de coreografia destacada no cenário da dança sul- 7 obras criadas em mostras e incorporadas americana, marcando época por inovar na ao repertório linguagem e mostrar ao público um elenco 58 premiações afinado. 15 países visitados 77 cidades na Europa, Ásia, Oriente Médio, Em 25 de Setembro de 1981 passou a se América do Sul e América do Norte chamar Balé da Cidade de São Paulo. 18 bailarinos convidados Nos anos 80, o experimentalismo marcou a 336 bailarinos # 56 – setembro 2015

Com a língua nos dentes Fernanda Torres: as letras sobem ao palco

melancolia. Humor sem superficialidade, lirismo sem cafonice, complexidade sem afetação.

Sete Anos (2014) é uma reunião de suas crônicas publicadas em revistas e jornais, que versam sobre cinema, teatro, política ou assuntos do cotidiano, mas sempre com suas marcas características: o humor, o tom confessional, a inteligência aguda, o olhar irônico.

Desde 2007, Fernanda tem mantido assídua relação com a imprensa. Estreou na revista Piauí, com “No Dorso Instável de um Tigre”, um relato bem-humorado sobre o medo do ator ao entrar em cena. O texto fez sucesso

na época e rendeu a Fernanda o convite para público brasileiro acostumou-se a ver manter uma coluna quinzenal na Veja Rio, de Fernanda Torres (Rio de Janeiro, 1965) onde saíram alguns textos presentes na no cinema, no teatro ou na televisão. coletânea, como “Dercy” e “A Dança da EmO filmes premiados, novelas ou séries Morte”. Pouco depois, voltou à Piauí, globais, a “Brasileira Memorável” escrevendo os perfis de Bráulio Mantovani e homenageada em julho pela Casa do Brasil, Hany Abu-Assad. O divertido texto sobre o se firmou como uma das mais versáteis filme Kuarup, que narra as agruras vividas atrizes brasileiras, capaz de atuar num arco durante os dois meses e meio de filmagem dramático que vai da comédia escrachada ao no meio da selva, também saiu na revista. denso drama psicológico. Em 2010, Fernanda iniciou colaboração com o caderno Poder da Folha de São Paulo. Sua Com Fim (2013), seu primeiro romance, ela missão era escrever sobre as eleições para a consolida sua transição para o universo das presidência. Depois das eleições, Fernanda letras e mostra que nesse âmbito é uma passou a manter uma coluna mensal no artista tão completa quanto no palco ou caderno de cultura do mesmo jornal. diante das câmeras. O livro focaliza a história Mas há um texto inédito. É o pungente de um grupo de cinco amigos cariocas, que “Despedida”, que trata da morte de seu pai. rememoram as passagens marcantes de Por pudor, Fernanda preferira não publicá-lo à suas vidas: festas, casamentos, separações, época, mas logo decidiu incluí-lo no livro. manias, inibições, arrependimentos. São figuras muito diferentes, mas que partilham “Desenvolver uma ideia dentro de um espaço não apenas o fato de estar no extremo da determinado de linhas, falar de temas de vida, como também a limitação de interesse comum sem abrir mão do tom horizontes. Sucesso na carreira, realização pessoal e dar valor à concisão são algumas pessoal e serenidade estão fora de questão - lições que tomei do jornalismo”, diz ninguém parece ser capaz de colher, no fim Fernanda. “Poder escrever que 20 elefantes das contas, mais do que um inventário de entraram em um quarto é uma libertação frustrações. Há graça, sexo, sol e praia nas para alguém acostumado à rotina teatral. As páginas de Fim. Mas elas também são cheias letras têm me feito grande companhia.” Da de resignação e cobertas por uma tinta de plateia, os leitores agradecem. # 56 – setembro 2015

Boca no trombone Carequinha foi muito mais que engraçado

tornando-se pioneiro artista de circo na televisão brasileira, uma espécie de Trapalhões de sua época, quando atuava com Fred, Zumbi e Meio Quilo.

“Inventei uma nova escola de palhaços. Até então as pessoas riam da desgraça do palhaço que apanhava ele só. Não gostava disso e virei o herói da história. Os outros se davam mal. Mas o Carequinha não”, dizia o palhaço, que estudou até o terceiro ano da faculdade de Direito.

Em 1957, Carequinha começou a obter sucesso em sua carreira musical. Seus principais êxitos foram a valsa “Saudade de Papai Noel”, de Altamiro Carrilho, a marcha “Parabéns! Parabéns!”, do mesmo Carrilho e

de Irani de Oliveira, que se tornou um alegria de assistir a um palhaço na verdadeiro hino dos aniversários infantis, e o infância, ao se transformar em fox “O Bom Menino”, clássico do cancioneiro lembrança, ganha ares nostálgicos. É o infantil que, com um certo tom moralista, chavãoA do palhaço desolado tirando a ensinava que “o bom menino não faz pipi na maquiagem. De fato, não é nada fácil dar cama”. Gravou 27 discos, 186 compactos e cara a tapas, expor-se só para que os outros até participou de filmes da era da chanchada. se divirtam. A dignidade dos palhaços é meio avessa, de quem se sente bem sendo Carequinha era conhecido como o palhaço absolutamente ridículo. Dessa dignidade dos presidentes. Apresentou-se para Getúlio esquisita é que viveu George Savalla Gomes, Vargas, Juscelino Kubitscheck, João Goulart, nosso “brasileiro memorável” homenageado passando pelos generais do governo militar, e pela Casa do Brasil no mês passado. recebendo uma condecoração do ex- presidente Fernando Henrique Cardoso. Filho de trapezistas, Carequinha nasceu, literalmente, no Circo Peruano, de seu avô, Em 1964, ganhou a medalha “Palhaço numa noite de 18 de julho de 1915, em Rio Moderno do Mundo”, na Itália, disputando Bonito (a 54 km de Rio de Janeiro). Aos cinco com palhaços de 20 países. Nos anos 80 anos, na cidade de Carangola, em Minas apresentou por quase três anos um Gerais, ele estreou no picadeiro, quando o programa infantil na extinta Manchete e em padrasto Ozório, após alguns ensaios, 2005 fez uma das últimas aparições na TV ao colocou uma careca no pequeno menino e participar da minissérie “Hoje é dia de deu o nome ao seu personagem. Maria”, da TV Globo.

Em 1938, Carequinha apareceu como cantor O palhaço Carequinha soube usar sua fama e na Rádio Mayrink Veiga, no Rio. Depois atuou prestígio para que se efetivasse a Escola na Rádio Nacional e trabalhou com artistas Nacional de Circo, em 1982, ainda hoje a como Francisco Alves, Emilinha Borba e única federal e gratuita. Ele mostrou que tão Ángela Maria. Em 1951, ele passou a importante quanto ser engraçado é lutar pela trabalhar na então recém-inaugurada TV Tupi, arte circense. # 56 – setembro 2015

Telinhas e telonas Magnífica 70, entre a censura e a liberdade

ez anos após estrear sua primeira a censura. Ele é casado com Isabel (Maria produção original brasileira, a série Luiza Mendonça, à esquerda), mas ao assistir ‘Mandrake’, baseada nos livros de A Devassa da Estudante, fica deslumbrado DRubem Fonseca, a HBO exibiu entre os com Dora Dumar (Simone Spoladore, à meses de maio e agosto passados, direita), atriz de um dos filmes que ele tem ‘Magnifica 70’, com Carolina Jabor na direção como obrigação censurar. Esse fascínio o dos episódios e direção geral de Cláudio leva até a Boca do Lixo, onde se envolve com Torres, irmão de Fernanda Torres e um dos ela e com Manolo (Adriano Garib), da sócios da Conspiração Filmes, juntamente produtora Magnífica. É neste sedutor e com seu cunhado Andrucha Waddington. A caótico universo que os protagonistas viverão trama se passa na época da ditadura militar um irresistível triângulo marcado pela dos anos 70 e acompanha os meandros da obsessão. produção cinematográfica da Boca do Lixo, no bairro da Luz, na cidade de São Paulo, Já na casa do General Souto (Paulo Cesar onde se concentrava a produção de cinema Pereio) e de sua esposa, Dona Lúcia (Joana da época - com filmes de grande aceitação Fomm), pais de Isabel, os costumes rígidos popular, mas rejeitados pela alta sociedade. prevalecem. Marcados pela morte de Ângela (Bella Camero), a filha caçula, o casal vive O protagonista Vicente (Marcos Winter, no aprisionado por segredos de família que meio), um homem entediado com sua serão descobertos aos poucos por Isabel. realidade, que trabalha no departamento de Completam o elenco Stepan Nercessian censura do governo de São Paulo, passa (Larsen), Pierre Baitelli (Dario), Julia Ianina seus dias entre relatórios, pareceres e (Helena), André Frateschi (Flint), Leando sessões de filmes que precisa classificar para Firmino (Carioca), entre outros.