INQUÉRITO 4.112 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Iniciando com o exame dos autos, que correspondem hoje a 11 (onze) volumes, num total de 2601 (duas mil seiscentos e uma) páginas e 10 (dez) apensos, começo com a análise das diversas questões preliminares suscitadas pelos denunciados. Rejeito o pleito formulado pelo acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, no sentido da reabertura do prazo para aditamento de sua defesa, após vista dos documentos mencionados na denúncia (PET 5.673) e nos requerimentos de fls. 1.385-1.386 (documentos 1 e 4 que instruíram a inicial e as 10 mídias referidas na certidão de fl. 1005), fls. 1.399-1.406 (todos os procedimentos em trâmite nesta Corte Superior pertinentes ao acusado) e petição n. 56.667/2015 (fl. 1.480). Com efeito, sabido ser indispensável à defesa ter acesso a todos os elementos indiciários de que se utilizou o Ministério Público para subsidiar sua denúncia, providência efetivamente observada no caso, pois, desde a abertura do prazo de resposta, os documentos que se referem ao acusadoCópia encontram-se à disposição nos autos. Aliás, especificamente quanto às suscitações do denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, os autos da AC 3.909 aportaram a esta Corte em 29.10.2015, enquanto a PET 5.673, em que constava o termo de colaboração de Ricardo Ribeiro Pessoa, foi apensada nestes autos em 1º.11.2015. Por sua vez, as mídias aludidas na certidão de fl. 1.005 são mera cópia de segurança daquelas juntadas ao processo, cujo acesso foi adequadamente disponibilizado à defesa. Merecem destaque, nesse sentido, as diversas certidões dando conta do recebimento, por parte da defesa desse acusado, de mídia digital com cópias extraídas do procedimento (fls. 1.410, 1.442, 1.530, dentre outras), evidências que levam à conclusão de ter sido franqueado o acesso a todos os documentos e mídias juntados ao presente inquérito. Não fosse isso, sequer é indicada, de modo específico, a relevância INQ 4112 / DF do conteúdo de peças nas quais embasada a denúncia, a respeito das quais não tenha a defesa tido ciência anteriormente. Aliás, acaso seja admitida a acusação, os elementos informativos serão, novamente e necessariamente, submetidos ao crivo do contraditório, com integral participação das partes.

2. Após a apresentação das respostas à denúncia, deu-se vista dos autos ao Ministério Público, nos termos do art. 5º da Lei 8.038/1990. Em petição autônoma (fls. 2.553-2.557), a denunciada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello afirma que a manifestação do Procurador-Geral da República é intempestiva e sem fundamento, porque, a uma, ofertada 12 (doze) dias após o recebimento dos autos; a duas, porque a peça não tece qualquer comentário acerca dos documentos novos apresentados, focando-se em rebater as teses defensivas e criar ilações inéditas sobre o mérito da acusação, inclusive mencionando novos elementos sequer constantes da denúncia. Pedido de desentranhamento dessa mesma réplica, também com esteio na extrapolação do prazo para sua apresentação, foi formulado pelo denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, em petição avulsa (fls. 2.559-2.561). Sobre o tema, o SupremoCópia Tribunal Federal possui o entendimento de que “quando a defesa argui questão preliminar nas alegações finais, é legítima a abertura de vista e a manifestação do Ministério Público, ambos com respaldo legal na aplicação analógica do art. 327, primeira parte, do Código de Processo Civil (atual art. 351 do CPC - 2015), como previsto no art. 3º do Código de Processo Penal, pois em tal caso é de rigor que a outra parte se manifeste, em homenagem ao princípio do contraditório, cujo exercício não é monopólio da defesa (HC nº 76.240/SP, Segunda Turma, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, DJ de 14/8/98)” (RHC 104.261, Rel. Min. , Tribunal Pleno, DJe de 7.8.2012). Embora não se trate, na espécie, de preliminares apresentadas pela defesa no âmbito de alegações finais, raciocínio análogo deve ser adotado. Nessa linha, esta Segunda Turma assentou:

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“(...) possível assegurar, também no âmbito da Lei 8.038/1990, o direito ao órgão acusador de réplica às respostas dos denunciados, especialmente quando suscitadas questões que, se acolhidas, poderão impedir a deflagração da ação penal. Só assim se estará prestigiando o princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, CF), que garante aos litigantes, e não apenas à defesa, a efetiva participação na decisão judicial” (Inq 3.997, Rel. Min. , Segunda Turma, DJe de 26.9.2016).

Ao lado disso, a apresentação da citada manifestação pelo Ministério Público, após o transcurso do prazo de 5 (cinco) dias prescrito no art. 5º da Lei 8.038/1990, em face da função pública desempenhada pelo Procurador-Geral da República - titular da ação penal no âmbito do Supremo Tribunal Federal -, leva à consideração de prazo impróprio, mormente quando o oferecimento da peça é faculdade do órgão acusador, e não dever funcional. Logo, a sua inobservância não gera vício processual, destacando-se que, na situação em exame, as teses constantes da réplica estão plenamente correlatas às argumentações que subsidiaram as respostas à acusação, não sendo inferida qualquer inovação acusatória.

3. Ainda pertinenteCópia à réplica do Ministério Público Federal, o acusado Fernando Affonso Collor de Mello sustenta a desproporcionalidade dos prazos propiciados aos denunciados e à acusação e, consequentemente, a ocorrência de cerceamento de defesa. Pormenoriza que, desde a instauração do INQ 3.883, o Ministério Público Federal vem exercendo seu prazo de réplica, sem, contudo, oferecê-la efetivamente, enquanto à defesa foi imposto prazo exíguo, mesmo sem o conhecimento integral dos documentos apreendidos por ocasião do cumprimento da AC 3.909. Razão não lhe assiste. De fato, o INQ 3.883, do qual se originou estes autos, teve longa tramitação, entretanto, esse procedimento investigou fatos diversos daqueles objeto desta denúncia, abrangendo, inclusive, pessoas não arroladas na exordial acusatória em apreço. Esta Segunda

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Turma (INQ 4.112, Rel. p/ acórdão Min. , julgado em 1º.9.2015), aliás, deferiu à época aos denunciados, por serem representados por diferentes procuradores, prazo em dobro para apresentação de defesa, fazendo interpretação do antigo Código de Processo Civil. Vale rememorar, outrossim, que os autos da AC 3.909 encontram-se nesta Corte desde 29.10.2015, sendo que o próprio denunciado admite ter tido acesso ao seu conteúdo. Não bastasse, também os termos de colaboração firmados por Paulo Roberto Costa, , Rafael Ângulo Lopes e Ricardo Ribeiro Pessoa não mais tramitam sob o regime de sigilo, de modo que o acesso aos seus depoimentos reclamava simples pedido à Secretaria de Processos Originários Criminais do STF.

4. Afirmam as defesas dos acusados Fernando Affonso Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos que este inquérito e a denúncia nele encartada teriam origem em declarações prestadas por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef em procedimento criminal (5049557-13.2013.4.04.7000) oriundo de inquérito (2006.70.00.018662-8), no qual foi usurpada a competência originária do Supremo Tribunal Federal, uma vez que visava investigar crimes cometidos por José Janene, deputado federal à épocaCópia de sua instauração, em fatos conexos com os apurados na AP 470, já em curso nesta Suprema Corte. O denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos aduz a ocorrência de equívoco, na origem, quando da distribuição do inquérito 2006.70.00.018662-8 por dependência ao processo 2004.70.00.002414-0, pois este, “além de já estar arquivado na época dos fatos, sequer tinha relação com o objeto do apuratório, a não ser por tratarem ambos de crimes supostamente cometidos por Alberto Youssef” (fl. 1.484). Destaca que, mesmo após a redistribuição do inquérito da família Janene a então 3ª Vara Federal Criminal, o inquérito 2006.70.00.018662-8 permaneceu na 2ª Vara Federal Criminal, atual 13ª Vara Federal. Sustenta o denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, ainda, a ilegalidade das interceptações telefônicas realizadas na quebra de

4 INQ 4112 / DF sigilo que deram origem à operação de repercussão nacional, porquanto “teriam sido realizadas fora do período abrangido pela decisão” do juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, no processo 5026387- 12.2013.404.7000 (fl. 1.486). Agrega a defesa do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello que, para além da violação ao foro por prerrogativa de função, as investigações recaíram contra si em virtude do desdobramento da apuração em relação a fatos desconexos, independentes e fortuitos, dirigida, em verdade, a identificar superfaturamento em obras de responsabilidade do Consórcio Camargo Corrêa, na unidade de coqueamento retardado da Refinaria de Abreu e Lima, no Estado de Pernambuco, o qual não estava sob a jurisdição do Juízo Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba. Invoca, por essas razões, a nulidade da busca e apreensão realizada na GFD Investimento Ltda. e das provas colhidas. Sem qualquer razão as defesas nessas afirmações. Registro, em primeiro lugar, que as arguições do denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos foram objeto de debate quando do julgamento, por esta Segunda Turma, do Inq 3.990, de minha relatoria (j. 14.3.2017). Naquela assentada, enfatizou-se a insuficiência da documentação apresentada pelo referido acusado para dirimir a controvérsia, que reclamaCópia a completa averiguação do conteúdo das investigações realizadas nos processos 2004.70.00.002414-0, 2006.70.00.018662-8 e 5049557-13.2013.4.04.7000, circunstância que também se faz presente no atual exame do pleito. A propósito da aventada usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “b”, da Constituição Federal), referida controvérsia foi dirimida com o julgamento das Questões de Ordem nas AP 871 a AP 878 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 30.10.2014). Naquela ocasião, com a posse de todos os procedimentos relacionados ao inquérito policial n. 5049557-14.2013.404.7000, em trâmite na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, conforme ordem liminar emitida nos autos da RCL 17.623, verificou-se que, à exceção do quanto materializado na PET 5.170 (investigação relacionada a Alberto

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Youssef), não havia notícia de participação de autoridade com foro por prerrogativa de função, sem a qual não se fazia necessária a manutenção de tais procedimentos sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal. Promoveu-se, na oportunidade, a remessa à origem de todas as ações penais, inquéritos policiais e medidas cautelares encaminhadas para análise deste Tribunal, dentre elas a referida pelo denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos (2006.70.00.018662-8). Assentou-se, conforme ementa condutora do acórdão, que “a atual jurisprudência do STF é no sentido de que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente, o que determina o desmembramento do processo criminal sempre que possível, mantendo-se sob a jurisdição especial, em regra e segundo as circunstâncias de cada caso, apenas o que envolva autoridades indicadas na Constituição (INQ 3.515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2014)”. Posteriormente, o próprio juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR remeteu ao Supremo Tribunal Federal os elementos indiciários colhidos, de forma fortuita, no escritório da empresa GFD Investimentos, relacionados a Alberto Youssef, que indicavam o suposto envolvimento do Senador ora denunciado. De posse desse material, foi autorizado, por esta Corte Suprema, o prosseguimento das investigações voltadas, a partir de então, paraCópia apurar o envolvimento da autoridade com prerrogativa de foro (INQ 3.883, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 10.3.2015). Não fosse isso, as declarações prestadas por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef constam no âmbito de acordos de colaboração premiada (PETs 5.209, 5210 e 5.244) devidamente homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, juízo competente para tanto. Quanto à aventada ilicitude da prova produzida fora do período de abrangência das interceptações telefônicas autorizadas, o art. 157 do Código de Processo Penal reputa ilícito o material probatório colhido em violação a normas constitucionais ou legais, bem como aquelas derivadas, “salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras” (art. 157, § 1º). Trata-se, nas palavras do Min. CELSO DE

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MELLO, da aplicação da doutrina da ilicitude por derivação, a qual “repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, por efeito de repercussão causal, pelo vício (...) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os de modo irremissível” (HC 93.050, Segunda Turma, DJe de 1º.8.2008). Na hipótese, o acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos limita-se a defender a existência de vícios em interceptações telefônicas realizadas no âmbito de procedimento que tramitou perante o juízo da 13ª Vara Federal da Subseção de Curitiba, sem, contudo, demonstrar qualquer nexo de causalidade entre as provas alegadamente ilícitas colhidas em primeiro grau de jurisdição e quaisquer dos elementos de convicção juntados ao presente inquérito. Cumpre salientar que, em relação a essa matéria, o acusado sequer requereu, na resposta à acusação, a decretação da ilicitude de prova encartada a estes autos, mas apenas afirma revelar-se “patente a ilicitude das quebras de sigilo de dados telefônicos, em razão da ausência de fundamentação e da incompetência do Juízo” (fl. 1.488). Não se constata, assim, por que e de que modo eventuais vícios existentes nessas interceptações telefônicas afetariam o presente procedimento investigatório. À luz dessas Cópia considerações, tem-se como hígidas as medidas cautelares realizadas e as provas delas decorrentes.

5. Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos argumenta, ademais, a nulidade dos elementos probatórios oriundos da interceptação de mensagens trocadas por meio do aplicativo BlackBerry Messenger (BBM), de propriedade da Research in Motion (RIM), situada no Canadá. Isso porque o envio dessas mensagens pela empresa diretamente à Polícia Federal não teria observado os termos do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá, internalizado pelo Decreto 6.747/2009, o qual determina que todas as solicitações sejam enviadas e recebidas pelas autoridades centrais, a saber: a Procuradoria-Geral da República, no

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Brasil, e o Ministério da Justiça ou autoridade por ele indicada, no Canadá. Não há razão para tanto. É que as mensagens em questão foram trocadas neste território e por pessoas aqui residentes, sendo a interceptação deferida por autoridade judicial brasileira, conforme relatório da Polícia Federal (fls. 27-106 do apenso 20). Assim, a circunstância de os diálogos escritos encontrarem-se armazenados em servidor situado no Canadá não implica a necessidade de acionar-se os procedimentos do referido Tratado de Cooperação Mútua em Matéria Penal, sobretudo porque o cumprimento da decisão judicial parece ter ocorrido pela subsidiária da empresa estrangeira no Brasil. Assinalo, nessa linha, que, em depoimento prestado no juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, o agente da Polícia Federal Alonso Vinicius Caldas Souto informou que as ordens judiciais de interceptação telefônica eram encaminhadas ao escritório da BlackBerry em São Paulo (fl. 240 do apenso 18), enquanto João Stricker, Diretor Geral da BlackBerry no Brasil, indicou que cabia ao escritório brasileiro da empresa encaminhar requisições judiciais à sede da RIM no Canadá (fl. 227 do apenso 18). Por derradeiro, ainda que a comunicação direta entre a Polícia Federal e a sede da CópiaRIM houvesse, em tese, violado as disposições da legislação específica, isso não determina, por si só, a nulidade dos elementos probatórios obtidos, porque tal argumentação ignora uma das finalidades fundamentais desses tratados, que é justamente a desburocratização da colheita da prova (MS 33.751, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe de 31.3.2016). Não procede, portanto, a prefacial, como também entendeu, em caso análogo, o Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. (…) 5. Os serviços telefônicos e telemáticos - por meio dos quais foram realizadas as comunicações interceptadas - encontravam-se ativos no Brasil, por intermédio de operadoras de telefonia estabelecidas

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no território nacional, evidenciando-se a efetiva atuação da empresa canadense no País, independentemente do local de armazenamento do conteúdo das mensagens trocadas entre o recorrente e os demais acusados. Dessa forma, tratando-se de matéria submetida à jurisdição brasileira, desnecessária se torna a própria cooperação jurídica internacional, a qual só seria necessária caso se pretendesse, por exemplo, interceptar pessoas residentes no exterior, o que não é o caso (...)” (RHC 67.558/RJ, Sexta Turma, DJe 21.10.2016).

Com esteio em idênticos fundamentos, o Supremo Tribunal Federal decidiu da mesma forma no Inq 3.990, de minha relatoria, Segunda Turma, J. 14.3.2017.

6. Também se revelam inexistentes vícios nas decisões proferidas na AC 3.870, vinculada ao INQ 3.883, que, acolhendo manifestações da Procuradoria-Geral da República, determinaram o afastamento dos sigilos fiscal e bancário dos acusados e a realização de buscas e apreensões em endereços a eles relacionados. Conforme consignado nessas decisões, conquanto integre garantia fundamental, a inviolabilidade domiciliar pode ser excepcionada nas hipóteses taxativamente previstasCópia no texto constitucional (RHC 117.159, Rel. Min. , Primeira Turma, DJe de 2.12.2013; RHC 86.082, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 22.8.2008), desde que observadas as limitações de ordem infraconstitucional e respeitadas as razões de interesse público que legitimam a medida restritiva (MS 23.452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Dj de 12.5.2000). Outrossim, os sigilos bancário e fiscal também admitem, ainda que excepcionalmente, repita-se, limitações, impondo a normativa de regência que a medida seja devidamente fundamentada, sob pena de se tornar instrumento de devassa indiscriminada (HC 84.758, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ de 16.6.2006; AI 655.298 AgR, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 28.9.2007). E ao contrário do que aventam os acusados Fernando Affonso Collor

9 INQ 4112 / DF de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, os requerimentos do Ministério Público não se encontram fundamentados apenas em depoimentos prestados pelos colaboradores Alberto Youssef e Rafael Ângulo Lopez, mas também em diversos outros documentos, em especial: (a) relatório de inteligência financeira (RIF 15.615), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), apontando como suspeitas diversas operações financeiras envolvendo Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, o Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello e empresas a eles vinculadas; (b) comprovantes de depósito bancário em dinheiro em favor do parlamentar, apreendidos em poder de Alberto Youssef, na sede de uma de suas empresas, a GFD Investimentos Ltda.; e (c) declaração de bens à Justiça Eleitoral nas eleições do ano de 2014, em que declarados pelo parlamentar diversos empréstimos, alguns deles de valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em favor da sua empresa Água Branca Participações Ltda. Portanto, destoa das circunstâncias do caso a afirmação de que o Ministério Público não teria realizado diligências prévias aos requerimentos de quebra de sigilos e de busca e apreensão. Em verdade, os próprios pedidos de deferimento das medidas cautelares foram subsidiados por farta documentação, examinada de forma pormenorizada pelasCópia decisões que deferiram o afastamento dos sigilos fiscal e bancário de Fernando Affonso Collor de Mello.

7. Acerca da busca e apreensão determinada judicialmente na residência funcional do Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello, não é possível apontar ofensa às prerrogativas institucionais do Senado Federal, como consequência da execução da medida cautelar sem a supervisão da polícia vinculada à casa legislativa. Na dicção do art. 52, XIII, da Constituição Federal, compete privativamente ao Senado Federal “dispor sobre sua sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela

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Emenda Constitucional no 19, de 1998)”. Em consequência, a já revogada Resolução 59/2002 elencou as atribuições da polícia legislativa. Mais recente é a Resolução 40/2014 que, ao consolidar as alterações promovidas na estrutura administrativa do Senado Federal, conferiu à Secretaria de Polícia Legislativa, subordinada à Diretoria-Geral daquela Casa Legislativa (art. 252 e art. 266), prerrogativas atreladas à manutenção da “segurança e integridade física de pessoas e do patrimônio no Senado Federal”, à garantia da ordem e da disciplina nas dependências do parlamento, à apuração de “infrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses do Senado Federal ou praticados nas suas dependências”, ao cumprimento “em caráter privativo”, das “demais atividades típicas de segurança de autoridades e polícia legislativa”, e, por fim, executar, “em caráter privativo, os mandados de prisão, de busca e apreensão, as conduções coercitivas, a escolta de presos e de depoentes das comissões, quando estas diligências forem executadas nas dependências sob responsabilidade do Senado Federal; e executar outras atividades correlatas”. Desse modo, o exercício da atividade policial legislativa, correlata à estrutura administrativa do Senado Federal, encontra naquela Casa o limite de sua atuação, seja de natureza preventiva ou seja repressiva. Assim, as ordens emanadas do Poder Judiciário, mesmo as destinadas aos ocupantes de cargo Cópia com prerrogativa de foro, não se subordinam à validação advinda de outro Poder Republicano, à míngua de qualquer determinação Constitucional expressa nesse sentido. Aliás, as Polícias Legislativas não constam do rol dos órgãos responsáveis pela segurança pública elencado no art. 144 da Constituição Federal, o qual determina à Polícia Federal a atribuição de exercer a função de polícia judiciária da União. O próprio compartilhamento da execução de ordens judiciais soaria deveras contraditório, por culminar com o indevido acesso a informações acobertadas pelo sigilo, característico das medidas cautelares. De acordo com a percuciente orientação da composição plena do Supremo Tribunal Federal, “ao Poder Judiciário, e em especial ao Supremo Tribunal Federal, é atribuída a competência para processar e julgar, de modo

11 INQ 4112 / DF originário, os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, b). Portanto, a execução de ordens derivadas do exercício dessa jurisdição constitucional é de competência exclusiva da polícia judiciária. Pensar de modo diverso seria autorizar a submissão das ações do Poder Judiciário à chancela de outro Poder” (AC 4.005, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 3.8.2016).

8. Não há impedimento para que o INQ 3.883, do qual se originou este procedimento, tramitasse paralelamente, nada obstante já tenha havido, aqui, o oferecimento de denúncia. A existência de interseção fática entre as infrações apuradas não impede a continuidade daquele mais abrangente, vocacionado à elucidação de fatos vinculados a pessoas diversas. Com suporte nessa orientação, esta Segunda Turma entendeu que a “prorrogação do prazo para a conclusão de inquérito não gera, em princípio, qualquer prejuízo à defesa, estando previsto como facultada ao relator pelo art. 1º, § 1º, da Lei 8.038/1990” (INQ 3.883, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 11.4.2016). Acrescentou-se, na oportunidade, que o oferecimento da denúncia não importaria na impossibilidade da continuidade das diligências investigativas, ressaltando-se que, acaso instaurada a ação penal, todo o substrato indiciário colhido deveria submeter-se ao crivoCópia do contraditório para fins de subsidiar eventual juízo condenatório. No caso, os elementos informativos advindos da continuidade dos atos de investigação atenderam a expectativa das autoridades responsáveis, culminando, ao final, com a ampliação do polo passivo do procedimento, em aditamento à denúncia subsidiado por provas e fatos inéditos. Essas providências atestam que as investigações destinaram-se, portanto, à elucidação de fatos diversos. Nesse contexto, eventual aporte de material indiciário em acréscimo aos antes incorporados não representa automático reforço acusatório, a afrontar a paridade de armas, mas deflui da própria obrigação que se impõe às partes de compartilhamento dos elementos de prova sobrevindos de diligências concretizadas. O estágio processual não consente com a ampla incursão

12 INQ 4112 / DF no material indiciário que embasa a denúncia, e se cinge ao exame da presença, ou não, de elementos mínimos para a propositura da ação penal. Ademais, o conjunto de elementos informativos apresentados na denúncia original, quanto aos fatos já narrados em face de Fernando Affonso Collor de Mello, revela aptidão e autonomia para a formação da opinio delicti, sendo possível afirmar que eventuais acréscimos quando do aditamento à acusação faziam-se dispensáveis, ao menos para o propósito de inaugurar ação penal. Ao lado disso, não é demais reafirmar que o inquérito policial constitui peça meramente informativa para dar sustento à denúncia, razão pela qual a validade dos elementos acostados aos autos fica condicionada à atuação dialética das partes, em processo contraditório característico da ação penal. Sem razão, por isso, o pedido de nulidade dos atos investigatórios, realizados após o oferecimento da denúncia, formulado pelo acusado Fernando Affonso Collor de Mello. Nem se repute, de outra parte e como pretende a defesa de Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, precipitada a apresentação da denúncia atinente aos fatos apurados quando, em razão de circunstâncias diversas, torna-se imprescindível a continuidade das diligências policiais, acatada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal. Acerca do tema, aliás, invoco orientação do Superior Tribunal de Justiça, na direção de que “a realização de diligênciasCópia policiais probatórias, a requerimento do Ministério Público, após o oferecimento da denúncia, não implica, por si só, ofensa ao princípio do contraditório, o que somente ocorrerá se a sentença final vier a impor condenação com base naquelas provas, sem a sua repetição em juízo” (RHC 11.003, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ de 10.9.2001). É firme, no mesmo sentido, a jurisprudência daquela Corte: RHC 36.109/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe de 25.2.2015; HC 16.779/SP, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, Quinta Turma, DJ de 3.9.2001).

9. O acusado Fernando Affonso Collor de Mello igualmente suscita cerceamento do seu direito de defesa, em razão de não ter acesso integral aos elementos indiciários dos autos. Contradita, no ponto específico, a

13 INQ 4112 / DF utilização do sistema de investigação de movimentação bancária (SIMBA) e do sistema de investigação de registros telefônicos e telemáticos (SITTEL), mormente pelo fato de que os dados obtidos por intermédio desses sistemas são retransmitidos diretamente para os órgãos encarregados pela investigação criminal, sem qualquer controle por parte do Poder Judiciário. Protesta, então, contra a gestão da prova exclusivamente pelo Ministério Público Federal, como resultado da indisponibilidade, nos autos, de todas as informações encaminhadas pelas instituições financeiras ao órgão acusador, sem as quais fica inviabilizado o confronto dos dados constantes do relatório ministerial. O sistema de investigação de movimentação bancária (SIMBA), desenvolvido pela Procuradoria-Geral da República, constitui ferramenta ao processamento das informações decorrentes de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada judicialmente. Com a sua implementação, advieram inúmeras vantagens processuais, como a possibilidade de padronização das informações, permitindo-se, inclusive, o cruzamento instantâneo e análises de dados, maior celeridade no compartilhamento, além da garantia de especial segurança no trânsito dos dados no curso da cadeia de custódia das provas, questões que também alcançam os interesses da defesa. Nos mesmos parâmetros de qualidade, tem-se o SITTEL, destinado, segundoCópia consignado pela acusação, “tão somente ao tratamento de dados de registros de chamadas originadas e recebidas por terminais telefônicos, com os dados dos interlocutores das chamadas e respectivos cadastros nas operadoras de telefonia a partir das informações registradas nos extratos telefônicos” (fl. 2.422). E ao contrário do que afirma a defesa, mesmo com o auxílio dos referidos modelos de transmissão de dados, a gestão de suas informações sujeita-se ao postulado da comunhão da prova, pois disponibilizadas a todos os sujeitos processuais. Na espécie, a viabilidade da acusação não partiu de parâmetros escusos de manipulação indiciária, como parece sugerir-se no particular, mas adveio do cotejo de dados objetivamente informados pelas instituições bancárias consoante a realidade de cada investigado. Aliás, conforme explicita a Procuradoria-Geral da República

14 INQ 4112 / DF em sua réplica, “uma vez confirmada a autenticidade e o recebimento integral das informações, o SIMBA agrupa TODOS os dados objeto da decisão judicial (controle do Poder Judiciário) e permite a criação de uma mídia única, contendo TODAS as informações enviadas pelas instituições financeiras em formato padronizado”, de modo que “uma mídia com TODAS as informações bancárias pode ser juntada aos autos do inquérito ou processo, de forma a permitir sua análise e controle também pelos réus ou investigados, além do julgador” (fl. 2.417). Conclui-se, desse modo, que partilha a defesa dos mesmos dados de que dispõe a acusação, de modo que a autenticidade do veiculado pelas tabelas do SIMBA não foi objeto de questionamento, não se logrando êxito no oferecimento de elementos diversos a infirmar os dados que, no sentir da acusação, se faziam relevantes para redigir a peça acusatória. Valioso relembrar que a modernização do sistema alcançou apenas a forma como ocorrem as transmissões de informações, sem imiscuir-se no necessário controle judicial, relativo à imprescindibilidade de ordem prévia e na delimitação da extensão de seu cumprimento. Incumbe, também à autoridade judicial, a verificação, a posteriori, da legalidade das diligências. Essas alterações, estritamente procedimentais, buscaram, outrossim, fomentar os atos de investigação e oferecer facilidades no manuseio de dados obtidos,Cópia tanto para as partes quanto para o julgador, do que deflui a sua relevância também para o exercício da ampla defesa.

10. Não prospera a irresignação atinente à ilicitude da interceptação dos dados telefônicos, armazenados no celular apreendidos, relativos a conversas mantidas por meio eletrônico (aplicativo whatsapp), porque sem a prévia autorização judicial de acesso. Com efeito, as diligências policiais foram realizadas na exata extensão da autorização judicial, da lavra do saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI, nos autos da AC 3.909, que deferiu a busca e apreensão nos endereços arrolados pelo Ministério Público, “observadas as especificações apontadas (fls. 67-68)”, permitindo, então, o “acesso, pelas autoridades policiais, aos documentos e dados armazenados em eventuais computadores e

15 INQ 4112 / DF arquivos eletrônicos apreendidos nos locais de busca” (AC 3.909, fl. 79). As referidas especificações mencionadas no pedido de busca e apreensão eram correlatas à coleta de “arquivos eletrônicos de qualquer espécie, bem como seus respectivos suportes físicos, tais como HDs, laptops, notebooks, pendrives, CDs, DVDs, smartphones, telefones móveis, agendas eletrônicas, quando houver suspeita de que contenham material probatório relevante", além de "que seja autorizado desde logo à Polícia Federal o acesso aos dados em quaisquer dispositivos, como HDs, laptops, notebooks, pendrives, CDs, DVDs, smartphones, telefones móveis, agendas eletrônicas" (AC 3.909, fl. 67). Desse modo, não há como se cogitar da imprestabilidade dessa prova.

11. Também inexiste qualquer ofensa aos princípios da indivisibilidade, da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, diante do desmembramento do processo, deferido por decisão subscrita em 25.4.2016. O pleito de cisão requerido pelo Ministério Público foi acolhido, nestes autos, sob os seguintes fundamentos:

“(...) Com relação ao pleito de desmembramento, vale ressaltar na linha de precedente do Supremo Tribunal Federal, que cabe apenasCópia ao próprio tribunal ao qual toca o foro por prerrogativa de função a análise da cisão das investigações (RCL 7.913 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2011, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00066), assim como - conforme orientação mais recente - de promover, sempre que possível, o desmembramento de inquérito e peças de investigação correspondentes, para manter sob sua jurisdição, em regra, apenas o que envolva autoridade com prerrogativa de foro, segundo as circunstâncias de cada caso (INQ 3.515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03- 2014 PUBLIC 14-03-2014), ressalvadas as situações em que os fatos se revelem ‘de tal forma imbricados que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento’ (AP 853, Relator(a):

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Min. , julgado em 19/05/2014, DJe-097 DIVULG 21/05/2014 PUBLIC 22/05/2014). No caso, esclarece o dominus litis, em linhas gerais (fl. 1.755): ‘Os fatos concernentes à situação são relativamente complexos, envolvendo diversas pessoas, muitas das quais não têm foro por prerrogativa de função. Os elementos dos autos indicam que, além dos denunciados, apresentam participação nas várias situações tratadas na espécie João Muniz Alves de Oliveira, Ricardo Kassardjian, José Geraldo Nonino, Fernando Antônio Falcão Soares, José de Lima Andrade Neto, Anduarte Duarte de Barros Filho e Nestor Cuñat Cerveró, entre outros. A jurisprudência atual considera que, em regra, deve ocorrer o desmembramento de casos como esse, permanecendo no Supremo Tribunal Federal apenas os detentores da prerrogativa de foro. [ ... ] No caso, portanto, faz-se necessário manter no Supremo Tribunal Federal apenas o Senador Fernando Affonso Collor de Mello, além de sua esposa Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, do seu 'testa-de-ferro' Luis Pereira Duarte de Amorim, do diretor financeiro de suas empresas, Eduardo Bezerra Frazão,Cópia de seus assessores parlamentares Cleverton Melo da Costa, Fernando Antônio da Silva Tiago e William Dias Gomes, bem como de seu' operador particular' Pedro Paulo Bergamashi de Leoni Ramos e da esposa dele, Luciana Guimarães de Leoni Ramos, os quais havendo tido papel de destaque no esquema criminoso sob consideração, apresentam conduta estreitamente vinculada à do parlamentar, sendo indispensável, para tornar mais eficaz a produção de provas, que todos tenham o mesmo tratamento processual’. A excepcional manutenção, nesta Corte, da investigação relacionada a determinados envolvidos sem prerrogativa de foro está devidamente fundamentada pelo Ministério Público, quando esclareceu que Luis Pereira Duarte de Amorim, Cleverton Melo da Costa, Fernando Antonio da Silva Tiago,

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Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, William Dias Gomes e Luciana Guimarães de Leoni Ramos detêm ‘papel de destaque no esquema criminoso sob consideração, apresentam conduta estreitamente vinculada à do parlamentar, sendo indispensável, para tornar mais eficaz a produção de provas, que todos tenham o mesmo tratamento processual’ (fl. 1.756). Registre-se, por importante, que não há prejuízo de superveniente decisão a respeito da necessidade de cisão ou não do procedimento investigatório, segundo o resultado das diligências levadas a efeito. Quanto aos demais investigados, prevalece a regra, o que autoriza remessa de cópia dos autos ao juízo indicado, para apuração dos fatos relacionados aos nominados sem prerrogativa de foro, à exceção dos já referidos Luis Pereira Duarte de Amorim, Cleverton Melo da Costa, Fernando Antonio da Silva Tiago, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, William Dias Gomes e Luciana Guimarães de Leoni Ramos, no que toca aos fatos ora denunciados. Isso porque a situação fática descrita aparentemente guarda pertinência com inquéritos e ações penais em curso perante a 13ª VaraCópia Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, ao qual se determina o exame imediato da questão da competência de foro. Não é demais recordar que no momento da apresentação da denúncia já houve uma primeira cisão processual, remetendo-se cópia dos autos do Inquérito 3.883, da AC 3.870 e da AC 3.909 para o juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, para adoção das providências cabíveis em relação aos em tese envolvidos: João Mauro Boschiero, Alberto Youssef, Adarico Negromonte Filho, Jayme Alves de Oliveira Filho, Rafael Angulo Lopez, Adir Assad , Roberto Trombeta, Rodrigo Morales, Carlos Alberto de Oliveira Santiago, Ricardo Ribeiro Pessoa, Luis Claudio Caseira Sanches, Demetrius Zacarias Diuna, José Zonis e Marcos Aurélio Frontin

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Santana” (fls. 3-6) . Ao contrário do que argumentam os acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Fernando Antônio da Silva, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e William Dias Gomes, a cisão da investigação, com o consequente desmembramento da ação penal, foi devidamente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal - em decisão pautada na jurisprudência reiterada da Suprema Corte -, não sendo possível perceber ofensa às suas competências constitucionais. A excepcionalidade da manutenção, nesta Corte, de investigação relacionada a envolvidos sem prerrogativa de foro, foi criteriosamente observada, mediante avaliação das condutas interligadas às supostamente implementadas pela autoridade responsável por atrair a competência. E mesmo que alguns dos acusados processados por juízos de distintos graus de jurisdição venham a ser denunciados por corrupção ativa, essa circunstância não constituiria óbice à determinação de separação dos autos, porque ambas as Turmas desta Corte já assentaram a viabilidade de desmembramento do processo quanto aos crimes de corrupção passiva e ativa, mantendo sob esta jurisdição penas a investigação relativa ao recebimento de vantagem indevida por detentor de foro por prerrogativa de função, preservando “a excepcionalidade da extensão da prerrogativa de foro, a independência entre osCópia delitos de corrupção passiva e ativa” (INQ 2.560, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 23.5.2016). Com o mesmo sentido: INQ 3.997 ED, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 11.11.2016.

12. Além de todas essas questões acima relatadas, os denunciados sustentam a inépcia da denúncia. No caso de Fernando Affonso Collor de Mello, o vício estaria adstrito à falta de descrição lógica da conduta, (a) ao imputar-lhe a prática de corrupção ativa, muito embora descritas as circunstâncias típicas de corrupção passiva; (b) ao invocar o exaurimento do crime de corrupção para descrever a prática de lavagem de dinheiro, impassível de ser praticado pelo mesmo sujeito ativo do crime antecedente; e (c) ao omitir qualquer descrição acerca do crime de organização criminosa.

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Nada obstante ser possível observar, em determinadas passagens da exordial acusatória, a imputação ao parlamentar da prática do crime de corrupção ativa, a conduta narrada amolda-se, em verdade, ao crime de corrupção passiva, do que se deflui a evidente ocorrência de erro material, incapaz de acarretar a inépcia da acusatória. Aliás, não há dúvida de que a peça inicial da lavra do Procurador-Geral da República em momento algum atribui ao senador denunciado a conduta típica de oferecer promessa de vantagem indevida a funcionário público (art. 333 do Código Penal). Ao contrário, imputa-lhe, no âmbito dos crimes de corrupção, tão somente o tipo na modalidade passiva (art. 317 do Código Penal: “solicitar ou receber […] vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”). Com relação à insurgência acerca da atipicidade da conduta do crime de lavagem de dinheiro, não detém razão a defesa. Isso porque a acusação descreve, em longa narrativa, diversas estratégias articuladas com o propósito de ocultar e dissimular a natureza, a origem, a localização e a disposição de ativos provenientes dos crimes de corrupção passiva. Relaciona-se, para tanto, recebimento ou depósito de montantes fracionados em suas contas bancárias, nas contas das empresas Gazeta de Alagoas Ltda. e TV Gazeta de Alagoas Ltda., na aquisição de veículos e lancha particulares, Cópia muito embora registrados em nome da empresa Água Branca Participações Ltda., instituída, ainda segundo a acusação, para fins de ocultação patrimonial do parlamentar, a simulação de empréstimos perante empresas do grupo empresarial de sua propriedade, transferências bancárias internacionais, a aquisição de bens imóveis (casa em Campos do Jordão, terreno litorâneo em Barra de São Miguel/AL, quatro salas comerciais), a compra de obras de arte, entre as quais se destaca o quadro de Di Cavalcanti, e o custeio de gastos pessoais internacionais. Todas essas circunstâncias, sob o ponto de vista da atipicidade ou não da imputação, demandam melhor avaliação do caso e serão enfrentadas, acaso seja recebida a denúncia, no curso da vindoura ação penal. De igual modo, é possível apontar na exordial acusatória a presença

20 INQ 4112 / DF de descrição acerca do crime de organização criminosa e a forma como era estruturada e ordenada as tarefas de que se valia o grupo para atingir os fins ilícitos a que se propunha. Nesse ponto, assenta a denúncia que, “no mínimo entre os anos de 2010 e 2014, verificou-se o funcionamento de uma organização criminosa relacionada à sociedade de economia mista federal Distribuidora S/A- BR DISTRIBUIDORA, voltada principalmente ao desvio de recursos em proveito particular, à corrupção de agentes públicos e à lavagem de dinheiro”, “comandado pelo Senador Fernando Affonso Collor de Mello”, sendo “estruturado em quatro núcleos”: a) núcleo administrativo, formado por diretores e funcionários de alto escalão da BR DISTRIBUIDORA que ocupavam seus cargos por indicação político-partidária e que, nessa condição, praticaram ilegalidades em contratos celebrados em benefício de determinadas empresas, conforme orientação direta ou indireta do parlamentar que os apadrinhara; b) núcleo econômico, formado por empresas e empresários que celebraram contratos com a BR Distribuidora, que foram beneficiados pelas ilegalidades cometidas pelos diretores e funcionários de alto escalão da sociedade de economia mista apadrinhados e que, em contrapartida, pagaram vantagens indevidas ao parlamentar responsável pela indicação e manutenção em seus cargos (apadrinhamento) dos integrantes do núcleo administrativo; c) núcleo financeiro, formado por operadores e intermediários que se encarregam de articular os vários núcleosCópia do grupo criminoso e, particularmente, de receber as vantagens indevidas das empresas beneficiadas e repassá-las ao parlamentar que viabilizava o funcionamento do esquema (…); d) núcleo político, formado pelo Senador responsável pela indicação e manutenção em seus cargos dos diretores e funcionários de alto escalão da BR Distribuidora […], bem como pelos auxiliares que colaboraram diretamente para o recebimento de vantagens indevidas pelo parlamentar em questão” (fls. 4-5 e 12). Para o acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, a inépcia da inicial acusatória residiria na ausência de descrição da forma como teria concorrido à consumação dos crimes, havendo mera referência à sua condição de operador particular do parlamentar denunciado. Contudo, a denúncia relata, em diversas passagens, que o denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos concorreu para

21 INQ 4112 / DF que o acusado Fernando Affonso Collor de Mello solicitasse, aceitasse promessa e recebesse vantagem pecuniária relativa à celebração de “quatro contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis (novos cais flutuantes no terminal do Amazonas - TEMAM, na base de Caracaraí - BARAC e na base de Oriximiná - BARIX, ampliação do Terminal de Duque de Caxias - TEDUC, Nova Base de Cruzeiro do Sul - BASUL II e Base de Porto Nacional - BAPON) entre a UTC ENGENHARIA S/A e a BR DISTRIBUIDORA”, de modo que “o recebimento dos valores ocorreu por meio de, pelo menos, 21 (vinte e um) pagamentos em espécie, realizados por RICARDO RIBEIRO PESSOA, representante da empresa contratada, em datas não identificadas ao longo do final de 2010 até meados de 2012, na sede da UTC ENGENHARIA S/A na capital paulista, em diferentes circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, tendo sido os valores recolhidos por PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS” (fl. 14). Informa, ainda, que o acusado, em conluio com o senador denunciado, teria movimentado, nas contas bancárias pessoais do parlamentar e devidamente especificadas na peça acusatória, quantias advindas de propina, “em função dos contratos celebrados entre a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/ A e a UTC ENGENHARJA S/A, de um lado, e a BR DISTRIBUIDORA” (fl. 15). Mais adiante, a Cópiaacusação menciona que “Entre 2010 e 2014, em São Paulo/SP, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com seu sócio JOÃO MAURO BOSCHIERO, manteve uma ‘conta-corrente de valores ilícitos’ junto a ALBERTO YOUSSEF, realizando créditos mediante a coleta de valores em espécie oriundos de propina relacionada aos contratos celebrados entre a DVBR – DERIVADOS DO BRASIL SI A e a UTC ENGENHARIA S/A, de um lado, e a BR DISTRIBUIDORA, de outro, a qual era efetuada pelos transportadores de dinheiro RAFAEL ANGULO LOPEZ e ADARICO NEGROMONTE, bem como mediante transferências bancárias baseadas em contratos e notas fiscais fictícios entre empresas controladas por PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS (lnvestminas Participações SI A, Globalbank Assessoria Ltda., Conasa - Companhia Nacional de Saneamento, Sanesalto Saneamento SI A,

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Companhia Águas de Itapema) ou empresa que a ele devia valores (Synthesis Empreendimentos Ltda.) e empresas operadas por ALBERTO YOUSSEF (MO Consultoria Comercial e Laudos Estatísticos Ltda. e Arbor Assessoria e Consultoria Contábil Ltda.), e realizando débitos por meio de entregas de valores em espécie principalmente por RAFAEL ANGULO LOPEZ e JAYME ALVES DE OLIVEIRA FILHO, bem como por meio de transferências bancárias baseadas em contratos e notas fiscais fictícios, como a realizada pela Construtora e Comércio Camargo Corrêa S/A à Globalbank Assessoria Ltda” (fl. 51). No mais, a denúncia relata, de forma pormenorizada, os fatos supostamente delituosos e suas circunstâncias, explanando de modo compreensível e individualizado a conduta criminosa, em tese, adotada por cada envolvido, nos termos do que determina o art. 41 do Código de Processo Penal. Sem dúvida, a ordem constitucional vigente impõe ao dominus litis a indicação de forma clara e precisa dos fatos penalmente relevantes que possam ser atribuídos aos acusados e suas respectivas circunstâncias, não podendo ser considerada “inepta a denúncia que, em respeito ao art. 41 do Código de Processo Penal, descreve o fato imputado ao réu com todas as circunstâncias que possibilitem a individualização da conduta e o exercício da ampla defesa” (AP 971, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 11.10.2016). De acordoCópia com precedente do Supremo Tribunal Federal: “A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. (...) Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta” (HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 18.9.2009).

Remanescem, por fim, as alegações de inépcia da denúncia pelos acusados Luis Pereira Duarte Amorim, Fernando Antônio da Silva, Eduardo Bezerra Frazão, Luciana Guimarães de Leoni Ramos e Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello. Em linhas gerais, apontam falha na descrição dos fatos a eles imputados. Além disso, os denunciados Luis

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Pereira Duarte Amorim e Eduardo Bezerra Frazão asseveram que a acusação encontrou fundamento na mera condição de exercerem cargos de diretoria nas empresas do parlamentar denunciado. De seu turno, as codenunciadas Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello e Luciana Guimarães de Leoni Ramos sustentam que a denúncia levou em conta, com relação a ambas, o fato de ostentarem a condição de esposas de codenunciados. A fim de evidenciar a aptidão da denúncia também em relação a esses denunciados, é bastante mencionar os seguintes excertos da narrativa acusatória:

“(...) Entre 2010 e 2014, em São Paulo/SP e em Maceió/AL, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de interposta pessoa do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o parlamentar, concorreu para que esse último recebesse vantagem pecuniária indevida, no valor total de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais), para viabilizar irregularmente um contrato de troca de bandeira de postos de combustível celebrado entre a DVBR - DERIVADOS DO BRASILCópia S/A e a BR DISTRIBUIDORA e quatro contratos de construção e ampliação de bases de combustíveis celebrados entre a UTC ENGENHARIA S/A e a mesma sociedade de economia mista federal, o que acabou ocorrendo. LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM recebeu valores em espécie de ALBERTO YOUSSEF e de pelo menos um emissário dele, RAFAEL ANGULO LOPEZ, em nome de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, a quem as quantias foram repassadas. LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM também se beneficiou financeiramente das operações ilícitas, depositando valores em espécie de origem ilícita, de forma fracionada, em suas contas bancárias pessoais, no montante total de R$ 266.798,00 (duzentos e sessenta e seis mil, setecentos e noventa e oito reais). (…)

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Entre 2013 e 2014, (...), em São Paulo/SP e Maceió/AL, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, de modo livre, consciente e voluntário, recebeu valores em espécie de origem ilícita (…) junto a ALBERTO YOUSSEF, no escritório desse último na capital paulistana, e junto ao emissário RAFAEL ANGULO LOPEZ, na capital alagoana, e repassou as quantias ao Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, tendo sido identificada inclusive a emissão de dois cheques pelo ‘testa de ferro’ em favor de seu patrão, em 27/0312013 e 28/0312013, no valor total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), fato ilustrativo dessa prática. Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, (…) LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, depositou em dinheiro ou recebeu depósitos em dinheiro de R$ 4.190.543,20 (quatro milhões, cento e noventa mil, quinhentos e quarenta e três reais e vinte centavos) nas contas da empresa (conta 62596, agência 3047, do Banco Bradesco, principalmente, e conta 19527, agência 1465, do Itaú Unibanco), valor este consistente em parte da propina recebida em função dos contratos celebrados entre a DVBR-Cópia DERIVADOS DO BRASIL S/A e a UTC ENGENHARIA S/A, de um lado, e a BR DISTRIBUIDORA, de outro, tendo havido o fracionamento de operações, de modo que o valor de cada uma, nas mesmas datas ou em datas próximas, fosse inferior a R$10.000,00 (dez mil reais) ou R$ 100.000,00 (cem mil reais), além da mistura de dinheiro ilícito com recursos lícitos da empresa. (…) Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, depositou em dinheiro ou recebeu depósitos em dinheiro de R$ 8.814.794,86 (oito milhões, oitocentos e quatorze mil, setecentos e noventa e

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quatro reais e oitenta e seis centavos) em um das contas da empresa (conta 61000, agência 3047, Banco Bradesco), valor este consistente em parte da propina recebida em função dos contratos celebrados (…) Em 2013, em São Paulo/SP LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da GAZETA DE ALAGOAS LTDA., (…) concorreu para a utilização de valores em espécie e valores anteriormente depositados em contas bancárias da empresa, ambos oriundos de propina (…) para adquirir o veículo da marca Bentley, modelo Continental Flying Spur, ano 2012, cor cinza, placa GJC010, chassi SCBBE53W4DC080725, junto à empresa BRITISH CARS DO BRASIL LTDA., pelo valor de R$ 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil reais). FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO pagou R$ 675.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais) por meio de transferências diretas da GAZETA DE ALAGOAS LTDA. e R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) por meio de transferência da ÁGUA BRANCA PARTICIPAÇÕES LTDA., (…) Os restantes R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais) foram pagos por meio de transferências diretas da empresa PHISICAL COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., operada por ALBERTO YOUSSEF, o qual recebeu orientação nesse sentidoCópia de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM. Entre 2011 e 2014, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., (…) concorreu para a utilização de valores depositados em espécie nas contas da empresa, oriundos de propina (…) para custear despesas pessoais do Senador, efetuadas com cartões de crédito ou débito, no valor total de R$ 597.037,47 (quinhentos e noventa e sete mil e trinta e sete reais e quarenta e sete centavos), bem como para a realização de transferências outras para contas pessoais do parlamentar e para as contas pessoais da esposa dele, no valor total de R$ 1.040.630,00 (um milhão, quarenta mil, seiscentos e trinta reais), como estratégia de dissimulação da ilicitude do dinheiro. (…) (fls. 29-36). (...)

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CLEVERTON MELO DA COSTA e FERNANDO ANTONIO DA SILVA TIAGO, na realidade, são empregados particulares do parlamentar no Estado de Alagoas, onde residem. (…) FERNANDO ANTONIO DA SILVA TIAGO é pessoa simples, uma espécie de caseiro, cuidando dos imóveis de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO em Maceió. Ambos, ainda, aparentemente, prestam serviços às empresas do parlamentar, recebendo a correspondente remuneração, conforme tabelas abaixo. (...) Apesar dos valores consideráveis recebidos das empresas de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, (…) e FERNANDO ANTONIO DA SILVA TIAGO não declaram tais quantias nas declarações anuais de ajuste de imposto de renda. Por isso, seus Dossiês Integrados da Receita Federal do Brasil apontam significativa diferença entre renda declarada e movimentação financeira. Os rendimentos recebidos por ambos do Senado Federal, contudo, são devidamente declarados, conforme tabelas abaixo, até porque são alvo de retenção de imposto de renda (fls. 228-249). (...) EDUARDO BEZERRA FRAZÃO, diretor financeiro do grupoCópia empresarial do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, em unidade de desígnios com CLEVERTON MELO DA COSTA, assessor do parlamentar, de modo livre, consciente e voluntário, concorreu para que esse último depositasse valores em espécie, oriundos da propina relacionada aos contratos celebrados entre a DVBR – DERIVADOS DO BRASIL S/A, a UTC ENGENHARIA S/A e a FTC CARDS PROCESSAMENTO E SERVIÇOS DE FIDELIZAÇÃO LTDA., de um lado, e a BR DISTRIBUIDORA, de outro, em contas bancárias das empresas GAZETA DE ALAGOAS LTDA. e TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., no montante total de R$ 1.342.612,00 (um milhão, trezentos e quarenta e dois mil, seiscentos e doze reais) (…). Os depósitos foram feitos em 13 (treze) dias distintos, em diferentes

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circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, tendo sido realizados de forma reiterada e no âmbito de organização criminosa. Assim, EDUARDO BEZERRA FRAZÃO, agindo dolosamente, cometeu, no mínimo 13 (treze) vezes, o crime de lavagem de dinheiro qualificado em concurso material e em concurso de pessoas (fls. 1.724 -1.725). (…) WILLIAM DIAS GOMES é assessor parlamentar do gabinete de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO no Senado Federal, em Brasília. Ele fez vários depósitos de valores em espécie, fracionados, de montantes individuais inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), em contas pessoais do Senador e da esposa dele, CAROLINE SEREJO MEDEIROS COLLOR DE MELLO. Isso é o que evidencia a análise dos dados bancários do caso (Caso Simba n. 1371, Caderno Bancário n. 21, Relatório Tipo 4 -Ação Cautelar n. 3870/DF) (fls. 1.604-1.605). (…) A complementação dos dados bancários do caso revelou que o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO promoveu lavagem de dinheiro, também, com o auxílio de sua esposa CAROLINE SEREJO MEDEIROS COLLOR DE MELLO (…). A análise da movimentação financeira das contas pessoais dela apontaCópia exatamente elevadas quantias depositadas em dinheiro sem identificação de origem. (…) Trata-se de valores recebidos pelo marido a título de propina, uma vez que foram feitos depósitos fracionados, de valor individual inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou R$ 100.000,00 (cem mil reais), nas mesmas datas ou em datas próximas, para evitar a obrigatoriedade de comunicação dos atos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF e a consequente necessidade de identificação dos respectivos depositantes. (…) recursos ilícitos depositados em espécie nas contas da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA. também beneficiaram CAROLINE SEREJO MEDEIROS COLLOR DE MELLO. (…) O recebimento desses valores não é informado nas declarações anuais de ajuste de imposto de renda (...), havendo inclusive

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apontamento de significativa incompatibilidade entre renda declarada e movimentação financeira em relação a ela (fls. 1.645-1646). (…) LUCIANA GUIMARÃES DE LEONI RAMOS, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, com o ‘operador particular’ dele, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, seu esposo, (…) concorreu para que os dois primeiros recebessem propina relacionada aos contratos celebrados entre a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A, a UTC ENGENHARIA S/A e a FTC CARDS PROCESSAMENTO E SERVIÇOS DE FIDELIZAÇÃO LTDA., de um lado, e a BR DISTRIBUIDORA, de outro, por meio do custeio de gastos pessoais internacionais, mediante o recebimento e a utilização, em viagem a Miami, Estados Unidos da América, de dois cartões pré-pagos, carregados com o montante de US$ 30,000.00 (trinta mil dólares norte-americanos), equivalentes a no mínimo R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) na época, os quais foram carregados e emitidos em nome dos sócios da empresa LABOGEN, ESDRA ARANTES FERREIRA, LEONARDO MEIRELLES”Cópia (fl. 1.743). Portanto, há, na peça de acusação, descrição nítida e precisa das imputações segundo o contexto em que inseridas, não havendo que se falar em inépcia, até porque não avistado qualquer prejuízo ao exercício do direito de defesa. Aliás, o que a lei impõe é descrição lógica e coerente, a fim de permitir aos acusados a compreensão das imputações e o exercício amplo do contraditório, conforme ocorrido no caso. À luz dessas considerações, rejeito todas as prefaciais, anotando que que as demais argumentações defensivas serão examinadas em conjunto com o mérito da admissibilidade da denúncia.

13. Quanto à questão de fundo, principio fazendo o registro de que o juízo de deliberação acerca do recebimento da denúncia consiste em ato

29 INQ 4112 / DF judicial com pressupostos e requisitos previstos no art. 41 e no art. 395 do Código de Processo Penal e, pertinente à ação penal de competência originária do Tribunal (Lei 8.038/1990, art. 1º a art. 12), também no art. 397 do mesmo Diploma Legal (HC 116.653, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 11.4.2014). É juízo de delibação e não de cognição exauriente. Relevante consignar, ainda, que os denunciados defendem-se dos fatos subjacentes à acusação, e não da mera classificação jurídica a eles atribuída (INQ 3.113, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 6.2.2015), sobressaindo, nessa linha, o requisito da justa causa (CPP, art. 395, III), o qual exige “suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime e indícios razoáveis de autoria” (INQ 3.719, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 30.10.2014). Destarte, compete ao julgador, neste momento processual, tão só analisar a existência de material probatório suficiente a embasar a peça acusatória e atestar a presença dos requisitos mínimos necessários ao seu recebimento. Na situação em análise, a exordial acusatória, bem como seu aditamento, atendemCópia aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, porque narram, de forma adequada, a prática, pelos acusados, das seguintes condutas típicas, no total: corrupção passiva e peculato (art. 317, § 1º, e art. 312 do Código Penal), lavagem de dinheiro (art. 1º, § 1º, I, e § 4º, da Lei 9.613/1998), organização criminosa e obstrução de investigação dessa infração penal (art. 2º, § 1º, § 3º e § 4º, II, da Lei 12.850/2013), violação de sigilo funcional (art. 325, § 2º, do Código Penal) e fraude ao caráter competitivo de licitação (art. 90 c/c art. 84, § 2º, da Lei 8.666/1993), na forma do art. 29 e do art. 69 do Código Penal (concurso de pessoas e concurso material de crimes). Vale trazer à baila os referidos dispositivos penais:

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de

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assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: (…) § 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

LeiCópia 9.613/1998 Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. § 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; (...) § 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.

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Lei 12.850/2013 Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (…) § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. § 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): (…) II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal.

Lei 8.666/1993 Art.Cópia 90 Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

14. Segundo o Procurador-Geral da República, no decorrer de investigações realizadas no INQ 3.883, identificou-se a existência de organização criminosa implantada no âmbito da Petrobras Distribuidora S/A - BR Distribuidora, preordenada à prática de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, comandada pelo denunciado Fernando Affonso Collor de Mello (fl. 4). Paralelo às ações implementadas pelo grupo, noticiou-se, em denúncia já recebida por esta Segunda Turma do

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Supremo Tribunal Federal, no INQ 3.990 (de minha relatoria, DJe de 22.3.2017), a prática de atividades ilícitas no seio daquela empresa de economia mista, destinadas a contemplar financeiramente o Partido dos Trabalhadores, sob o comando do acusado Vander Luiz dos Santos Loubet. Pertinente ao grupo cuja liderança é atribuída a Fernando Affonso Collor de Mello, a denúncia retrata a influência do parlamentar perante a Petrobras, exercida mediante a indicação dos ocupantes de cargos de comando da empresa, os quais, em contrapartida, comprometiam-se a angariar recursos espúrios destinados ao senador da República, recolhidos de empresas previamente selecionadas, contempladas, por seu turno, com a celebração de rentáveis contratos, muitas vezes, em prejuízo à BR Distribuidora. Em apertada síntese, assim ocorria o aludido e sofisticado ciclo criminoso. Descreve a acusação, nesse contexto, a forma pela qual se dava a repartição política das diretorias da Petrobras, no que toca aos interesses partidários do Partido Trabalhista Brasileiro: a) a Presidência da Petrobras Distribuidora S/A, ocupada por José de Lima Andrade Neto entre os anos de 2009 a 2015, era de indicação do Partido dos Trabalhadores - PT, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB e doCópia Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, em especial, do Senador Fernando Affonso Collor de Mello; b) a Diretoria de Redes de Postos de Serviço, ocupada por Luiz Cláudio Caseira Sanches no período de 2009 a 2013, e por Luís Alves de Lima Filho entre os anos de 2013 a 2015, era de indicação exclusiva do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, com destaque para o Senador Fernando Affonso Collor de Mello; c) a Diretoria de Operações e Logística, ocupada por José Zonis entre os anos de 2009 a 2013 e por Vilson Reichemback Silva entre 2013 a 2015, também era de indicação do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, com a especial influência do parlamentar Fernando Affonso Collor de Mello; d) a Diretoria de Mercado Consumidor, ocupada por Andurte de Barros Duarte Filho do ano de 2009 a 2015, era de indicação do Partido

33 INQ 4112 / DF dos Trabalhadores - PT; e) a Diretoria Financeira e de Serviços, ocupada por Nestor Cerveró entre os anos de 2008 a 2014, também era de indicação do Partido dos Trabalhadores - PT, com apoio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB. Assim composta a diretoria da Petrobras, a acusação particulariza cenários escusos em torno das tratativas voltadas à celebração, desde os idos de 2010, de contratos envolvendo a BR Distribuidora, com destaque para a troca de bandeira de postos de combustíveis firmado com a DVBR - Derivados do Brasil S/A e a construção de bases de distribuição de combustíveis com a UTC Engenharia S/A, no âmbito da Diretoria de Operações e Logística, então ocupada por José Zonis, indicado, como alegado, pelo Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello. Especialmente com relação à questão do embandeiramento de postos, a denúncia narra que, inicialmente, “a oportunidade de negócio foi trazida ao conhecimento da BR Distribuidora pelo Banco Santander, em 15/06/2010”, porém, “por motivo não esclarecido (…) o Banco Santander saiu da negociação e liberou a BR Distribuidora para tratar diretamente com o representante da DVBR - Derivados do Brasil S/A, que era Carlos Alberto de Oliveira Santiago. Nesse momento, também por razões obscuras, o Gerente Corporativo de Rede deCópia Postos (GCRP) DEMÉTRIUS ZACARIAS DIUANA passou a conduzir todos os trâmites da contratação no âmbito da BR DISTRIBUIDORA” (fls. 76-77). Ainda segundo a acusação, o referido gerente corporativo elaborou documento interno no sistema da Petrobras, “incluindo informação falsa sobre o relatório que continha os dados de desempenho dos postos da rede que passaria a ostentar a bandeira da sociedade de economia mista”, supostamente baseado em informações auditadas e essenciais para a aprovação do negócio, com a fixação do preço, a maior, a ser pago pela BR Distribuidora. Conclui, adiante, que essa circunstância possibilitou a arrecadação de recursos em detrimento da DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A “para satisfazer aos anseios, relacionados ao recebimento de propina, do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO e de seu ‘operador particular’” (fl. 87), o codenunciado Pedro Paulo

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Bergamaschi de Leoni Ramos. Traduzido em números, o referido contrato de troca de bandeira de postos de combustíveis, estimado em R$ 122.000.000,00 (cento e vinte e dois milhões de reais), teria rendido ao acusado Fernando Affonso Collor de Mello, segundo o Ministério Público Federal, o valor aproximado de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), por intermédio do acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Referentes aos contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis firmados com a empresa UTC Engenharia S/A, destacou a acusação que o êxito da empresa decorreu de fraudes ao caráter competitivo dos certames. Aclara a denúncia que, “ao repassar clandestinamente os orçamentos estimados das obras em questão a RICARDO RIBEIRO PESSOA, JOSÉ ZONIS dispensou um tratamento diferenciado e benéfico à UTC ENGENHARIA S/A, colocando-a em vantagem competitivo em relação às demais empresas licitantes. Além disso, propiciou conhecimento privilegiado à UTC ENGENHARIA S/A, que ficou em condições de fazer ‘jogos de planilha’, em prejuízo da oferta de preços mais baixos à BR DISTRIBUIDORA” (fls. 90-98). O furtivo repasse de informações teria viabilizado, ademais, as contratações com sobrepreço, na expectativa de obter-se o recebimento de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), destinados a atender interesses políticos e econômicos do denunciado Fernando Affonso CollorCópia de Mello e de seu operador particular, o coacusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Desse modo, a UTC Engenharia S/A teria sido beneficiada em 4 (quatro) licitações realizadas no ano de 2010, referentes a obras no novo cais flutuante do Terminal do Amazonas - Teman, na Base de Caracaraí - BARAC e na Base de Oriximiná - BARIX, no Terminal de Duque de Caxias - TEDUC, na Nova Base de Cruzeiro do Sul - BASUL II e na Base de Porto Nacional - BAPON. O valor total das obras seria de R$ 576.523.452,09 (quinhentos e setenta e seis milhões, quinhentos e vinte e três mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e nove centavos). Além desses negócios aperfeiçoados, a denúncia noticia outras tentativas de contratações dirigidas a angariar verbas no interesse do parlamentar denunciado. Apresenta evidências de que o denunciado

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Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, agindo em nome do acusado Fernando Affonso Collor de Mello, teria cobrado o repasse de vantagem pecuniária indevida para viabilizar contratos de empresas representadas pelo colaborador Fernando Antônio Falcão Soares perante a BR Distribuidora (CTF Technologies do Brasil Ltda., posterior FTC Cards Processamento e Serviços de Fidelização Ltda.). Com esse panorama geral, importante consignar que a denúncia e seu aditamento, em longo arrazoado, descrevem a prática de, ao menos, 7 (sete) delitos com envolvimento de 9 (nove) agentes, em circunstâncias complexas, típicas da criminalidade organizada. Diante do volume de informações congregadas, o exame da validade da exordial acusatória dar-se-á, separadamente, segundo cada conduta típica imputada.

15. Os atos de corrupção passiva foram imputados somente aos acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luís Pereira Duarte de Amorim, todos orbitando ao redor dos contratos firmados com a BR Distribuidora. Do substrato indiciário que acompanha os autos, é possível constatarem-se indicativos da comprovação da materialidade e indícios da autoria delitiva, estando preenchidos, portanto, os pressupostos básicos ao recebimento da denúncia, nesse ponto,Cópia quanto aos acusados. Conforme descrição pormenorizada da denúncia, os negócios firmados entre as empreiteiras e a sociedade de economia mista tinham como objetivo primordial o favorecimento do parlamentar denunciado e de seu grupo político, que, ao que se pode inferir da acusação, conhecia toda a rede criminosa, sobretudo detalhes das tratativas destinadas ao recolhimento de recursos indevidos. Em termo de depoimento prestado no âmbito de colaboração premiada, Nestor Cuñat Cerveró, ao discorrer sobre os contratos de embandeiramento de postos, esclarece (fls. 95-97 do Apenso 19):

“Que o embandeiramento consiste em um contrato de compra e venda de combustíveis entre distribuidora e uma rede de postos, vinculado à cessão à rede de postos do uso da marca

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da distribuidora; QUE, em 2010, iniciou-se uma negociação para compra de uma rede de postos de São paulo pela BR Distribuidora; QUE essa rede de postos pertencia à empresa DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A; QUE a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A era formada por dois grupos de acionistas, um vinculado ao Banco BTG Pactual e outro vinculado ao empresário CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA SANTIGO, conhecido como Carlinhos; (…) QUE depois o declarante ficou sabendo, por meio de PEDRO PAULO LEONI RAMOS e LUIS CLAUDIO CASEIRA SANCHES, que o negócio geraria propina para FERNANDO COLLOR DE MELLO; QUE o declarante verificou que não era viável a compra da rede de postos pela BR DISTRIBUIDORA, porque não existia disponibilidade financeira para, gasto desse tipo, considerado como rubrica orçamentária de investimento; QUE o declarante sugeriu que, em vez de aquisição, fosse feito o ‘embandeiramento’ da rede de postos; (…) QUE PEDRO PAULO LEONI RAMOS e LUIS CLAUDIO CASEIRA SANCHES disseram que as vantagens indevidas destinaram-se a FERNANDO COLLOR DE MELLO ” (g.n.).

Ainda sob a perspectiva das negociações, aponta a denúncia, como dito, que, “por razõesCópia obscuras, o Gerente Corporativo de Rede de Postos (GCRP) DEMÉTRIUS ZACARIAS DIUANA passou a conduzir todos os trâmites da contratação no âmbito da BR DISTRIBUIDORA” (fl. 77), mantendo contato com o representante da DVBR - Derivados do Brasil S/A, Carlos Alberto de Oliveira Santiago. Ao ser ouvido pelo Grupo de Trabalho de Averiguação da Petrobras (GTA), instaurado pelo DIP BR-PRD 16/2015, para esclarecer as suspeitas de irregularidades em torno das negociações noticiadas, Demétrius Zacarias negou que tivesse negociado com Carlos Alberto de Oliveira Santiago, nada obstante existir registro de reunião realizada entre eles, com a participação do então diretor de redes de postos e serviços da Petrobras, Luís Cláudio Caseira Sanches, como consta do relatório do GTA (fl. 543). Outro indício das tratativas tendenciosas consiste em

37 INQ 4112 / DF mensagem eletrônica enviada por Demétrius Zacarias para José Zonis “referindo-se ao negócio de troca de bandeira de postos de combustível, cogitando em ‘dobrar o valor’ a ser pago à empresa contratada e dizendo o seguinte: ‘Vejam que coisa boa ... Já antecipei com o Santiago (DVBR) e ele se mostrou muito interessado. Demetrius" (Anexo 20 do relatório do GTA)” (g.n.) (fls. 88-89). De todo modo, o fato causou estranheza a outros funcionários da BR Distribuidora envolvidos na negociação, entre os quais, Rodrigo Sobreira de Souza. Em depoimento ao grupo de trabalho, aludido colaborador da sociedade de economia mista declarou "que a negociação foi conduzida pelo Demétrius e que as áreas comerciais não participaram da negociação e que existia um desconforto com isso" (g.n) fl. 78). Para o funcionário Luiz Alberto Rogoginsky, não parece “ser normal que a condução deste tipo de negócio fosse feita sem a participação da área comercial. Que o GCRP (gerente corporativo de rede de postos) deveria participar também da negociação, mas não de forma tão contundente e sem a participação da área comercial. Que ninguém sabe o motivo pelo qual o Demétrius adotou este estilo centralizador neste caso" (g.n.) (fl. 79). Coincidem com o período de negociação do contrato os 25 (vinte e cinco) registros de acesso à BR Distribuidora por Carlos Alberto de Oliveira Santiago (fls. 234-237 do INQ 3.883), complementando ainda o quadro indiciário as inúmeras movimentações financeiras em espécie verificadas em sua Cópia conta, quando da quebra de sigilo bancário, e o numerário em espécie, arrecadado na sede da Áster Petróleo Ltda., apontada como o local de funcionamento do seu escritório, no total de R$ 3.670.305,00 (três milhões, seiscentos e setenta mil, trezentos e cinco reais) (Auto de Apreensão de Dinheiro da Equipe SP-42, Item 01 - Doc. 10, fl. 117). Convém lembrar, neste momento, afirmação de Alberto Youssef, em seu termo de depoimento, no sentido de que “ficou acertado que Carlinhos iria retornar cerca de seis milhões de reais após o pagamento da Petrobras, cabendo ao declarante receber tais recursos e entregar a Pedro Paulo Leoni” (g.n.) (fl. 142 do INQ 3.883). Soube-se, por meio do colaborador Nestor Cuñat Cerveró, que tal valor alcançaria R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Eis os seguintes trechos de seu depoimento:

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"(…) QUE a política de relacionamento dos postos de combustíveis com as distribuidoras é a mesma; QUE as distribuidoras procuram expandir participação no mercado, em regra, mediante ‘embandeiramento’ de postos de combustível; (...) QUE, em 2010, iniciou-se uma negociação para compra de uma rede de postos de São Paulo pela BR DISTRIBUIDORA; QUE essa rede de postos pertencia à empresa DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A; QUE a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A era formada por dois grupos de acionistas, um vinculado ao Banco BTG PactuaI e outro vinculado ao empresário CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA SANTIAGO, conhecido como ‘CARLINHOS’; (…) QUE o declarante sugeriu que, em vez de aquisição, fosse feito o ‘embandeiramento’ da rede de postos; (…) QUE o declarante soube, por meio de LUIS CLAUDIO CASEIRA SANCHES e PEDRO PAULO LEONI RAMOS, que a negociação rendeu uma propina entre R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) e R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); QUE não sabe como foi feito o repasse da propina em questão; (…) QUE PEDRO PAULO LEONI RAMOS e LUIS CLAUDIO CASEIRA SANCHES disseram que as vantagens indevidas destinaram-se a FERNANDO COLLOR DE MELLO"Cópia (g.n.) (fls. 96-97). No contexto do negócio firmado entre a BR Distribuidora e a UTC Engenharia, também são apontadas as participações dos denunciados Fernando Affonso Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. De início, irregularidades verificadas na gestão pré-contratual foram detectadas pelo Grupo de Trabalho de Averiguação da Petrobras (DIP BR-PRD 19/2015), “que identificou variações percentuais idênticas em vários itens de propostas da empresa para as obras da BR DISTRIBUIDORA sob exame” , o que seria “estatisticamente impossível, somente se explicando pelo prévio acesso da UTC ENGENHARIA S/A às estimativas de preço sigilosas da BR DISTRIBUIDORA” (g.n.) (fls. 90-98). Em adição, apurou-se, segundo relatado pelo GTA, que os acessos de Ricardo Ribeiro Pessoa na BR Distribuidora ocorreram em datas emblemáticas, pois:

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“No dia 16/06/2010, a UTC apresentou a melhor proposta para a obra do Teduc. No dia 18/06 houve a visita, e no dia 21/06/10 foi feita negociação para reduzir o valor final para a obra do Teduc, saindo o resultado final no dia 28/06/10. No momento da visita, não havia qualquer obra em andamento que justificasse o encontro entre o empregado Zonis e o Sr. Ricardo, razão pela qual nos é desconhecido o seu motivo. No dia 05/08/10 houve o lançamento do convite para as obras da BASUL. No mesmo dia, houve uma visita do Sr. Ricardo para falar com o empregado Zonis. Questionado a respeito dessa visita, o empregado Zonis não se recordava perfeitamente, mas pensa que foi para tratar de assuntos relativos à obra do Teduc”.

Ainda segundo a apuração efetuada pela Petrobras, “além de jogo de planilha, as elevações arbitrárias de valores nas propostas da UTC ENGENHARIA S/A configuram indício concreto de sobrepreço” (fl. 103), causando prejuízo à BR Distribuidora na ordem de R$ 141.000.000,00 (cento e quarenta e um milhões de reais) (fl. 1.590). O responsável porCópia evitar casos de sobrepreço, o Gerente de Projetos Especiais de Engenharia Marcos Aurélio Frontin Santana, consoante se infere dessa linha de apuração, “não cumpriu adequadamente suas tarefas”, pois “deveria ter realizado uma análise crítica das informações que lhe foram repassadas, não podendo, simplesmente, mandá-las adiante” (fl. 104). A partir de contatos por ele formalizados com representantes da UTC, a denúncia sugere que a conduta omissiva de Marcos Aurélio evidencia sua conivência, resultando em favorecimento ao grupo comandado pelo denunciado Fernando Affonso Collor de Mello e pelo coacusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Atestando todo esse ajuste, o colaborador Ricardo Ribeiro Pessoa confirmou o repasse, diretamente ao denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) em espécie, além de outros 20 (vinte) pagamentos mensais de R$

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900.000,00 (novecentos mil reais), realizados entre dezembro do ano de 2010 a julho de 2012, como condição dos negócios firmados. Ao narrar tais pagamentos, (apenso 2 do INQ 3.883), o colaborador Ricardo Ribeiro Pessoa frisa, ainda, a proximidade mantida pelos denunciados Fernando Affonso Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, ressaltando a influência do parlamentar na indicação de José Zonis à BR Distribuidora:

“(...) Que os pagamentos eram feitos diretamente a Pedro Paulo Leoni Ramos; Que sabia que José Zonis era uma pessoa colocada na BR Distribuidora por Fernando Collor; Que sabia do estreito vínculo entre Pedro Paulo e Fernando Collor, inclusive pelo fato de aquele ter sido ministro do governo Collor; Que nas conversas com Pedro Paulo, este se referia a Fernando Collor sempre usando somente o prenome Fernando; Que o declarante sabia que por trás da indicação de Zonis estava Fernando Collor, do contrário, não aceitaria pagar 20 milhões de propina e tentaria pagar no máximo 10 milhões (…)” (fl. 125).

À luz desse quadro, não convence a defesa ao dizer que o relatório do Grupo de TrabalhoCópia de Averiguação da Petrobras poderia obstar o recebimento da denúncia, em razão de não terem sido verificadas, quanto ao contrato firmado com a DVBR - Derivados do Brasil, evidências de influência política no negócio ou de prática de atos ilícitos por empregados ou terceiros envolvidos no processo de negociação. Aliás, mesmo que se revelasse panorama diverso, registro que se trata, afinal, de procedimento interno instaurado no âmbito da empresa e que, por óbvio, não vincula o Poder Judiciário. Importa ao caso, em verdade, o fato de que o citado relatório identificou, no referido contrato, irregularidades que dão suporte aos fatos descritos na denúncia. E, ao contrário do asseverado pela defesa do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, há, sim, evidências de sua participação em torno dos contratos firmados com a UTC Engenharia S/A, sendo esse, como dito, o principal motivo pelo qual o presidente daquele grupo

41 INQ 4112 / DF empresarial submeteu-se ao repasse de recursos de tal monta. Em concreto, impende relembrar que o colaborador Ricardo Ribeiro Pessoa admite que “sabia que por trás da indicação de Zonis estava Fernando Collor, do contrário, não aceitaria pagar 20 milhões de propina e tentaria pagar no máximo 10 milhões” (fl. 125). Ao lado disso, extrai-se a suposta prática de corrupção passiva pelos acusados, valendo-se da influência exercida por Fernando Affonso Collor de Mello junto a diretorias da Petrobras, do liame demonstrado em cada tópico das imputações. Nesse sentido, a denúncia, em vários de seus trechos, consignou que agiram os acusados em prol da celebração dos negócios em torno da BR Distribuidora, especialmente “para atender a interesses políticos e econômicos escusos”, “ligados ao denunciado Fernando Affonso Collor de Mello e seu ‘operador particular’, o codenunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos”, “que tinham ascendência sobre a Diretoria de Operações e Logística, ocupada por JOSÉ ZONIS, no âmbito da qual foram feitas as licitações e os contratos administrativos, aproveitaram a necessidade da BR DISTRIBUIDORA de ampliar e construir bases de distribuição de combustíveis para favorecer a empresa UTC ENGENHARIA S/A, em troca de vantagens indevidas” (fl. 110). A defesa do Senador Fernando Affonso Collor de Mello procura desqualificar a apontadaCópia ascendência política sobre as diretorias da sociedade de economia mista, por carência de elementos nessa direção. Ao que se verifica do caderno investigativo, apesar de os primeiros indícios de irregularidades atreladas à apontada influência política do denunciado terem surgido dos termos de colaboração já referidos acima, fato é que o prosseguimento das investigações criminais culminou com a colheita de demais elementos tendentes a reforçar a acusação, ao menos nessa fase de exame da denúncia. O vasto material apreendido na AC 3.909 bem ilustra essa apontada ingerência do Senador em negócios formalizados em torno da BR Distribuidora. Em específico, confira-se:

“(...) arrecadada uma mensagem eletrônica enviada por interessado em negócios na BR DISTRIBUIDORA, com menção

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especificamente a JOSÉ ZONIS e LUIS CLÁUDIO CASEIRA SANCHES, diretores da sociedade de economia mista de indicação do parlamentar (Auto de Apresentação e Apreensão, item 33, da Equipe DF-01 e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 015/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF). (...) A atuação do Senador FERNANDO COLLOR DE MELLO em relação a negócios no âmbito da BR DISTRIBUIDORA ficou evidente com a apreensão de diversos documentos a esse respeito em sua residência em Brasília/DF (SMLNMI, Trecho 10, s/n/, Conjunto 01, Casa 01), conforme Auto de Apresentação e Apreensão, itens 26,27,28,29,32,33,34, 35, 37, 38, 39, 40, 53, 58, 59, 62 e 90, da Equipe DF-OI e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 015/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF. Merece destaque o item 62, que consiste em um texto sobre uma disputa judicial entre uma rede de postos de combustíveis e a Petrobras Distribuidora S/A, na qual se menciona a possibilidade de um acordo entre as partes, com o repasse de valores a Brasília, o que sugere se tratar de propina. Na sede da BR DISTRIBUIDORA, no Rio de Janeiro/RJ (…) nas sala JOSÉ ZONIS, foram encontradas mensagens eletrônicas impressas, trocadas entre ele e funcionários da sociedadeCópia de economia mista, inclusive com LUIS CLÁUDIO CASEIRA SANCHES, sobre os negócios que renderam vantagens indevidas a FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, especificamente sobre os contratos da Petrobras Distribuidora S/A com a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/ A e a UTC ENGENHARIA S/ A (Auto de Apresentação e Apreensão, item 02, da Equipe RJ-30 e Relatório de Análise de Material Apreendido n. OS/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF). Tais elementos indicam empenho dos envolvidos na concretização dos negócios (…) Na sede da principal empresa de CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA SANTIAGO, a ASTER PETRÓLEO LTDA., em São Paulo/SP (…) foram apreendidos, ainda, documentos referentes à empresa AGEO TERMINAIS E ARMAZÉNS LTDA., também

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pertencente a CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA SANTIAGO (Auto de Apresentação e Apreensão, itens 01, 34,43, 44, da Equipe SP-42 e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 04/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF). Documentos sobre essa mesma empresa foram encontrados na residência de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO em Brasília/DF (Auto de Apresentação e Apreensão, item 91, da Equipe DF-OI e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 015/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF), o que indica relação entre ambos. Em outro endereço de CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA SANTIAGO em São Paulo/SP (Rua Dr. Fernandes Coelho, n. 64, 4° andar, Pinheiros) foram encontrados documentos e mensagens eletrônicas relativos ao contrato celebrado entre a DVBR - DERIVADOS DO BRASIL S/A e a BR DISTRIBUIDORA (Auto de Apresentação e Apreensão, item 01, da Equipe SP-41 e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 010/2015 - Ação Cautelar n. 3909/DF), demonstrando que o empresário efetivamente cuidava do assunto” (fls. 1.614-1.618).

Todas essas constatações, ao menos neste estágio processual, serve à conclusão de ser plausível imputar-se ao denunciado Fernando Affonso Collor de Mello o poderCópia de influir, em razão da autoridade política que detinha, nos contratos pertinentes à denúncia, com o fim de lograr vantagem patrimonial. Havendo, portanto, descrição suficiente do nexo de causalidade da concatenada atuação dos acusados para o fim de recebimento de vantagem espúria em contratos da BR Distribuidora e empresas pré- selecionadas, em plena consonância com as elementares do delito de corrupção passiva, não é possível apontar, ao menos por ora, qualquer incongruência quanto à especificação da prática do ato de ofício. A instrução processual, com produção de provas sob o crivo do contraditório, servirá para esse propósito. Ademais, a dita “viabilização” dos contratos junto à BR Distribuidora incluía-se nos poderes de fato de que gozava o senador Fernando Affonso

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Collor de Mello em razão do cargo ocupado, independente de haver integrado composições do Congresso Nacional destinadas a fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo. Desse modo, a insurgência da defesa não detém, ao menos por ora, relevância jurídica, considerando-se que o parlamentar teria atuado para possibilitar a contratação da DVBR - Derivados do Brasil e da UTC Engenharia S/A no âmbito da sociedade de economia mista, “por intermédio da atuação de Luiz Cláudio Caseira Sanches” (fls. 12-13) e por “intermédio da atuação de José Zonis” (fl. 14), diretores da Petrobras. Certamente por isso, enfatiza a denúncia, em vários de seus trechos, que o êxito das negociatas convergiam para o pagamento de propina ao acusado Fernando Affonso Collor de Mello, “por meio da entrega de valores em espécie e da realização de depósitos em dinheiro em contas pessoais do parlamentar e de suas empresas” (fl. 149). Nesse ponto, apesar de reputar a denúncia “açodada, precipitada, imprudente, confusa e profundamente inepta”, elaborada a partir de “uma série de elementos desconexos”, a defesa do acusado Fernando Affonso Collor de Mello não logrou afastar, desde logo, a atuação do Senador denunciado na cadeia delitiva estruturada para angariar recursos indevidos. Aliás, ao afirmar que, “em retribuição a favor recebido no passado”, o acusado Pedro Paulo CópiaBergamashi de Leoni Ramos concedera-lhe, “no final de 2010 e início de 2011, empréstimo da ordem de mais de R$ 1 milhão, na forma de linha de crédito” (fls. 1.205), não apresenta quaisquer documentos, sob a justificativa de que a amizade por eles nutrida dispensava a formalização de acordos dessa natureza. Sustenta, ademais, desconhecer “que os valores emprestados vinham de Youssef” (fls. 1.206), mas cogita que as visitas de Luís Pereira Duarte de Amorim, diretor executivo de suas empresas que “ganhou a confiança da família” (fls. 1.206), ao escritório de Youssef, tivessem objetivo da retirada dos valores disponibilizados pelo acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Articula, também sem suporte probatório, que os valores repassados “não têm qualquer relação com suposto pagamento de propina decorrente de negócios celebrados seja pela DVBR, seja pela UTC Engenharia, com a BR Distribuidora” (fls. 1.212). Tais

45 INQ 4112 / DF alegações não detêm aptidão para infirmar, desde logo, a acusação contra si imputada, sendo que outras teses defensivas devem ser tratadas no momento reservado à instrução criminal. Como se vê, as informações concordantes, prestadas por mais de um colaborador à justiça, o material acostado aos autos e a pulverização na atuação do parlamentar, com o proveito de interpostas pessoas - ora denunciadas -, como assessores parlamentares, diretores de seu grupo empresarial, ressaltam a verossimilhança da acusação e bem justificam a continuidade do procedimento, convertendo-o em ação penal. Destaca a exordial acusatória, outrossim, a vigorosa atuação do codenunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, responsável por “articular todos os núcleos da organização criminosa implantada na sociedade de economia mista”, bem como por planejar e realizar o “recebimento direto da propina e o seu posterior repasse ao Senador Fernando Affonso Collor de Mello” (fl. 126). Para tanto, manteria este referido denunciado “relação estreita” com Alberto Youssef, adotando “diversas estratégias de ocultação da origem ilícita do dinheiro, usando várias pessoas e empresas, realizando múltiplas operações financeiras e manipulando principalmente valores em espécie” (fl. 126). Há, nos autos, registros de 15 (quinze) acessos do acusado Pedro Paulo Bergamaschi deCópia Leoni Ramos na sede da BR Distribuidora (fls. 232- 233 do INQ 3.883). A ilustrar o seu modo de agir, colhem-se trechos do termo de declarações de Alberto Youssef:

“(...) QUE em relação ao Senador FERNANDO COLLOR, tinha um cliente chamado PEDRO PAULO LEONI RAMOS e a pedido deste cliente fez os depósitos ao FERNANDO COLLOR; QUE fez vários depósitos para o senador FERNANDO COLLOR; (…) QUE PEDRO PAULO tinha uma ‘conta corrente’ com o declarante e, certa vez, pediu para o declarante fazer um depósito para FERNANDO COLLOR e que entregasse dinheiro cm espécie na casa deste parlamentar; QUE não questionou o motivo do repasse; QUE quando afirma que PEDRO PAULO tinha uma conta corrente com o declarante, isto significa que

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tinha um controle de entradas e saídas em relação a PEDRO PAULO, na forma de uma instituição financeira não oficial; (…) QUE questionado por que PEDRO PAULO necessitava dos serviços do declarante, declara que ele necessitava de dinheiro em espécie e para isto necessitava que o declarante emitisse notas em face das empresas dele, entregando, em sequência, valores em espécie, seja ao PEDRO PAULO ou a pessoas por ele indicadas (...)” (fls. 85-87).

Em concreto, aponta a denúncia que parte dos valores arrecadados pela troca de bandeira de postos de combustíveis, no valor estimado de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), foi paga em espécie, por intermédio do transportador de valores Rafael Ângulo Lopez, que, em termo de colaboração, informou a retirada de um total de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) em espécie, durante as 4 (quatro) visitas realizadas a postos de gasolina. Confrontados os elementos indiciários, identificou- se que referidos postos visitados por Rafael Ângulo Lopez coincidiam com aqueles abrangidos pelo negócio jurídico de troca de bandeira firmado com a BR Distribuidora, sendo que, ao lado disso, apreendeu-se, como já salientado, R$ 3.670.305,00 (três milhões, seiscentos e setenta mil, trezentos e cinco reais) na sede da Áster Petróleo Ltda., onde funcionava o escritório de CarlosCópia Alberto de Oliveira Santiago, então representante da DVBR no contrato de embandeiramento dos postos. Na sequência, informa a denúncia que o restante dos valores teria sido pago via transferência internacional para uma das empresas de Leonardo Meirelles, pessoa ligada a Alberto Youssef. Em seu depoimento, Alberto Youssef esclarece que “essa transferência internacional ocorreu em 21 de setembro de 2011, no valor de US$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil dólares) para a conta da RFY ou DGX no HSBC de Hong Kong” (fl. 1.586). A informação foi corroborada pelos avisos bancários de movimentação apresentados por Leonardo Meirelles, em ato de colaboração ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (fl. 1.587). A soma dos valores acima relacionados atingiu R$ 9.650.000,00 (nove milhões, seiscentos e cinquenta mil reais).

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Embora tente a defesa dissuadir a participação do acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos da obtenção de verbas indevidas do contrato com a DVBR, em razão dos poucos registros de visitas à empresa, é certo que o quadro indiciário parece conduzir à conclusão oposta, a de que o acusado, em tese, intermediava o repasse do numerário devido junto à conta-corrente que mantinha com Alberto Youssef. Também a contratação da construtora UTC, conforme adiantado, rendeu ao grupo vultosas quantias indevidas. Em seu termo de colaboração, Ricardo Ribeiro Pessoa admitiu que "a discussão sobre a participação da UTC nas licitações só foi aberta após o declarante dizer que aceitava pagar a propina" e que, "então, PEDRO PAULO LEONI RAMOS o apresentou a JOSE ZONIS, que era o diretor responsável na BR Distribuidora por esses investimentos" (g.n.) (fls. 94-95). Corroboram essa afirmação os registros de entrada de Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos na BR Distribuidora (fls. 232-233 do INQ 3.883). Além disso, perante o acervo de vantagens mantido com Alberto Youssef foram depositados os valores decorrentes do contrato firmado entre a BR Distribuidora e a UTC Engenharia, após devidamente arrecadados pelos transportadores de dinheiro Rafael Ângulo Lopez e Adarico Negromonte Filho, os quais detêm diversos registrosCópia de entradas e saídas na empresa UTC, conforme documento acostado à fl. 135. Os detalhes desses episódios foram esclarecidos por Rafael Ângulo Lopez em seu termo de depoimento:

“(…) Que o declarante ia a este escritório para buscar e levar dinheiro, sempre por ordem de YOUSSEF e sempre destinado ao PEDRO PAULO; Que tanto as entregas quanto as retiradas de dinheiro neste local eram ligadas a PEDRO PAULO; Que o declarante também chegou a ir no apartamento de PEDRO PAULO para levar dinheiro; Que foram três entregas na residência dele, sendo urna de R$ 200.000,00, outra de R$ 300.000,00 e, por fim, outra entre R$ 150.000,00 e R$ 200.000,00; Que PEDRO PAULO residia na Rua Oscar Freire,

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em São Paulo, bem próximo à Alameda Casa Branca, em um prédio recuado; Que este prédio estava situado, para quem descia em direção da Alameda Casa Branco, do lado direito; Que nestas entregas não gostava de ir com malas, pois em geral havia câmeras filmando e as pessoas poderiam reparar que estava com mala na chegada e não na saída; Que por isto preferia levar os valores no corpo e, em geral, pegava um táxi; ( ... )” (fl. 138).

Em planilha apresentada pelo indigitado colaborador, demonstrativa da contabilidade informal do acervo de valores mantido por Alberto Youssef, há diversos registros de retiradas de numerários, totalizados em R$ 1.104.800,00 (um milhão, cento e quatro mil e oitocentos reais), em nome de Ricardo Kassardjian e Mauro (João Mauro Boschiero), sócios do denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, conforme esclarecimento do próprio Youssef. A propósito, existem nos autos também inúmeros registros de acesso ao escritório de Youssef por parte de João Mauro Boschiero e de seu filho (Paulo André Gil Boschiero) (fls. 1.594-1.598). Acerca do Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello, o colaborador Rafael Ângulo Lopez mencionou detalhes da entrega de valores ao próprio parlamentar,Cópia alinhado ao que já dissera o colaborador Alberto Youssef:

“(...) YOUSSEF pediu ao declarante para levar R$ 60.000,00 para FERNANDO COLLOR; Que o declarante questionou se era para ir a Brasília, oportunidade em que YOUSSEF respondeu que não, que a entrega seria feita na casa COLLOR aqui em São Paulo; (…) Que o valor a ser entregue, durante o transporte, estava escondido nas pernas do declarante, por segurança, e ao chegar ao local passou estes valores discretamente para o paleto e bolso, enquanto ADARICO estacionava o veículo; (…) Que em seguida, adentrou na porta e foi atendido pessoalmente por FERNANDO COLLOR DE MELLO; (…) Que, então, COLLOR

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questionou o que o declarante queria, oportunidade em que o declarante disse que queria entregar um ‘documento’ e questionou se FERNANDO COLLOR sabia ‘quantas páginas era o documento que tinha que entregar para ele’; Que ele claramente entendeu o recado, até porque sabia qual era finalidade da visita do declarante; Que ele respondeu assim: ‘O senhor que está vindo, o senhor que deve saber!’, de maneira séria; Que o declarante disse que tinha que confirmar, para fazer a entrega; Que, porém, como o declarante reconheceu COLLOR e o declarante tinha sido orientado a entregar o dinheiro pessoalmente para ele, o declarante disse: ‘eu trouxe sessenta, o senhor sabe?’; Que ele respondeu: ‘Sei’; Que então, como a quantia era menos volumosa, sobretudo porque estava em notas de R$ 100,00, o declarante entregou o valor diretamente para COLLOR; Que estes valores estavam distribuídos em dois pacotes de notas de R$ 100,00 no bolso interno do lado esquerdo do paleto, mais dois do lado direito e mais um em cada bolso da calça, na frente; Que FERNANDO COLLOR pegou os valores e apenas disse ‘tudo bem’; (…) Que confirma que o valor entregue foi R$ 60.000,00 em dinheiro; Que em seguida voltou diretamente para o escritório da Rua Renato Paes de Barros; Que então o declarante confirmou a YOUSSEFCópia a entrega dos valores para COLLOR; (…) Que questionado se teve algum outro contato com COLLOR posterior a tais fatos, o declarante diz que não; Que questionado se ia para Alagoas fazer entrega de valores, o declarante diz que sim, para entregar valores em endereços indicados por YOUSSEF; Que questionado quantas vezes foi para Alagoas, disse que por quatro ou cinco vezes para este fim, entre 2012 ou 2013; Que se recorda que foi outras vezes para entregar valores da OAS; (…) Que em duas oportunidades, foi uma pessoa buscar o declarante no aeroporto (...); Que entregou a quantia de R$ 100.000,00 para tal pessoa no interior do veículo; Que mostrada duas fotos de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, em anexo, o declarante o reconhece sem sombra de dúvidas como sendo a pessoa que o buscou no aeroporto, valendo-se

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desta caminhonete e a quem tinha se referido como LUIS; (…) Que as duas vezes que LUIS PEREIRA apanhou o declarante no aeroporto foi entregue a quantia de R$ 100.000,00, cada vez (...)" (g.n.) (fls. 150-154).

Revela a denúncia, ao ressaltar que o denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos teria concorrido para a movimentação dos valores espúrios, por intermédio da conta-corrente mantida junto a Alberto Youssef, o repasse de vultosas quantias de dinheiro por Jayme de Oliveira Filho (fls. 53-54). Quanto ao ponto, documentos apreendidos na sede da empresa Arbor Consultoria e Assessoria Contábil Ltda., pertencente à Meire Bomfim da Silva Poza (contadora de Alberto Youssef), corroboram que o policial federal Jayme Alves de Oliveira, na condição de preposto de Alberto Youssef, realizara as mencionadas entregas de valores. Em planilha apreendida na GFD Investimentos Ltda. (fls. 906-911), denominada “Transcareca”, foram registradas as entregas realizadas pelo referido Jayme a pessoa mencionada como “PP”, nas seguintes quantias e datas: (a) R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil reais), em 31.1.2013; (b) R$ 67.770,00 (sessenta e sete mil setecentos e setenta reais), em 11.2.2012; e (c) R$ 1.306.500,00 (um milhão, trezentos e seis mil e quinhentos reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais), em 17.11.2011 (fl. 138). Ao ser inquirido pelaCópia Polícia Federal acerca das entregas que realizava, Jayme de Oliveira Filho afirmou que “também entregava o dinheiro do Youssef no escritório de advocacia localizado na Candelária, para um advogado que não me recordo o nome, a mando do Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos” (fl. 913). Segundo a acusação, Carlos Alexandre de Souza Rocha, ligado a Alberto Youssef, também teria efetuado a entrega de dinheiro na sede de uma das empresas controladas pelo denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. O Ministério Público sustenta, ainda, que Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos recolhia valores em espécie nos escritórios de Alberto Youssef. Para tanto, apresenta registros de entrada do acusado nas sedes da JPJPAP Assessoria e Participações Ltda. e da GFD Investimentos Ltda.,

51 INQ 4112 / DF entre 1.10.2012 e 25.2.2014 (fls. 139-140). Os referidos repasses tinham caráter diversificado e ocorriam por meio de transferência para contas de empresas controladas pelo denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, por meio de pagamentos devidos em razão de contratos fictícios ou superfaturados. Esses subterfúgios contaram com o envolvimento de empresas relacionadas a Adir Assad e a Roberto Trombeta que, mediante simulação de prestação de serviço, geravam dinheiro em espécie para a UTC Engenharia S/A. A acusação relaciona os depósitos às fls. 143-144. Eis o consignado pelo colaborador Ricardo Ribeiro Pessoa:

“(...) QUE conforme afirmou anteriormente, o declarante obtinha dinheiro em espécie, para pagamento da propina, de três formas diversas: (1) através da empresa ROCKSTAR, que atua na área de Stock Car (comercializando camarotes e outros serviços para corridas de Stock car), sendo que a UTC firmava contratos com essa empresa em valores superiores aos realmente pagos - ou seja, os serviços eram superfaturados, e o excedente, em dinheiro, era devolvido pela ROCKSTAR para a UTC, para ser utilizado para o pagamento da propina; (2) através da empresa SM TERRAPLENAGEM, por meio de contratosCópia simulados de locação de equipamentos de terraplenagem, e nesse caso não havia qualquer prestação de serviço, sendo o valor contratado devolvido em dinheiro, descontados os tributos e uma ‘taxa’ pelo serviço; e (3) do escritório do advogado ROBERTO TROMBETA, por meio de contratos superfaturados de serviços de advocacia - ou seja, contratos reais, por serviços que foram prestados, mas em valores superiores aos realmente cobrados, sendo que o excedente era devolvido à UTC, de modo semelhante aos contratos com a empresa ROCKSTAR; ( ... )" (fls. 141-142).

Desse modo, não se resume a mera narrativa, como alega a defesa, a acusação no sentido de que Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos teria sido operador particular do senador denunciado, porque

52 INQ 4112 / DF apresentadas evidências o bastante para se constatar a plausibilidade da imputação, a autorizar a abertura da ação penal. Também não merece endosso a tese defensiva da ocorrência de bis in idem acusatório, em face da imputação dos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, porquanto teriam decorridos de eventos, em princípio, autônomos, atinentes, em realidade, à forma como ocorreu a integração desses valores na esfera patrimonial do parlamentar acusado. Ressalte-se, ademais, que o presente exame adstringe-se à admissibilidade ou não da denúncia, sem embargo de melhores esclarecimentos, sob o crivo do contraditório, na ação penal porventura instaurada. Aliás, aportam aos autos diversas transferências bancárias em dinheiro e em cheques emitidos em favor do acusado Fernando Affonso Collor de Mello pelo codenunciado Luís Pereira Duarte de Amorim, diretor de empresa pertencente ao parlamentar denunciado (Doc. 2, Relatório Tipo 4 do SIMBA, fls. 194-195). A cogitada ilicitude da procedência desses valores movimentados parece justificar-se pelos contatos reiterados mantidos pelo acusado Luís Pereira com conhecidos transportadores de valores. Em seu termo de declarações, Rafael Ângulo Lopez recorda-se de “ter visto Luís PereiraCópia no escritório da GFD na Rua Renato Paes de Barros”, “conversando com Alberto Youssef” (fl. 674). Segundo a acusação, essas visitas objetivavam a retirada de dinheiro em espécie destinado ao parlamentar denunciado. Às fls. 420-423 do Inquérito 3.883, constam 7 (sete) registros de entrada do acusado Luís Pereira Duarte de Amorim na GFD Investimentos Ltda. Reforçam esses indícios os relatos do colaborador Rafael Ângulo Lopez, dando conta do clandestino recebimento, por parte de Luís Pereira Duarte de Amorim, de numerário em espécie, destinado ao acusado Fernando Affonso Collor de Mello. Vejamos mais uma vez:

“(...) Que questionado se ia para Alagoas fazer entrega de valores, o declarante diz que sim, para entregar. valores em endereços indicados por YOUSSEF; Que questionado quantas

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vezes foi para Alagoas, disse que por quatro ou cinco vezes para este fim, entre 2012 ou 2013; (…) Que em duas oportunidades, foi uma pessoa buscar o declarante no aeroporto, que pode ser alguém de nome LUIS, pelo que se recorda; Que esta pessoa foi em uma caminhonete prata, cabine dupla, talvez Ranger, buscar sozinho o declarante; Que entregou a quantia de R$ 100.000,00 para tal pessoa no interior do veículo; Que mostrada duas fotos de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, em anexo, o declarante o reconhece sem sombra de dúvidas como sendo a pessoa que o buscou no aeroporto, (…) que LUIS PEREIRA buscou duas vezes o declarante no aeroporto; Que as duas vezes que LUIS PEREIRA apanhou o declarante no aeroporto foi entregue a quantia de R$ 100.000,00, cada vez; (…) Que o valor foi colocado pelo declarante no porta luvas do veículo de LUIS PEREIRA, a pedido deste, que sequer contava os valores; (…) Que houve uma terceira vez em que LUIS PEREIRA apanhou o declarante em Maceió, próximo à Avenida Beira-Mar, (...) Que também nesta oportunidade o valor entregue foi de R$ 100.000,00 (...)” (fls. 152-153).

Outro indício do envolvimento de Luís Pereira Duarte de Amorim nos fatos criminosos Cópiaseria a compensação, em conta bancária do senador Fernando Affonso Collor de Mello, de 2 (dois) cheques emitidos por aquele, nos valores de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Apesar de sustentar a defesa que as cártulas teriam sido entregues ao parlamentar, como parte de pagamento pela compra de um veículo Hyundai Azera, apresentando, para a comprovação do alegado, extrato da cédula de crédito bancário referente ao financiamento do automóvel (fl. 1.365) e declaração de imposto de renda na qual consta a aquisição do bem de Fernando Affonso Collor de Mello (fl. 1.371), apreenderam-se, na residência do denunciado, documentos outros, relativos à movimentação financeira da TV Gazeta de Alagoas Ltda., com transferência de valores ao senador acusado, bem assim troca de mensagens em telefone móvel acerca de veículos de propriedade do

54 INQ 4112 / DF senador e um computador com registro da movimentação bancária do senador acusado (Ação Cautelar 3909, Auto de apresentação e apreensão, itens 01 e 03, da equipe AL-12 e item 01 da equipe AL-13). Sendo esse o quadro, o exame da responsabilidade criminal do acusado Luís Pereira Duarte de Amorim deve se dar mediante cognição exauriente dos fatos e provas, ficando reservado à instrução criminal. Com todas essas considerações, é razoável se afirmar a existência de substratos indiciários mínimos que convergem para a prática dos crimes de corrupção passiva, sendo factível a narrativa acusatória atinente a contratos protagonizados pela BR Distribuidora, com o intuito de favorecer financeiramente os interesses pessoais e políticos do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, com recursos administrados, em tese, pelos coacusados Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luís Pereira Duarte de Amorim, confirmando-se, ao menos para o efeito de instauração da ação penal, a narrativa acusatória quanto ao delito de corrupção passiva. Importa consignar, ainda, que, ao contrário das afirmações da defesa, os empregados da BR Distribuidora, empresa subsidiária integral da Petrobras, equiparam-se a funcionários públicos, de modo que seus diretores podem ser enquadrados no crime de corrupção passiva. Nesse sentido, o Supremo CópiaTribunal Federal já assentara que “o artigo 327 do Código Penal equipara a funcionário Público servidor de sociedade de economia mista” (HC 79.823/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 2.2.2001). Além disso, o próprio acusado Fernando Affonso Collor de Mello ostenta a condição de membro do Senado da República. Não é o caso, como pretende a defesa de Fernando Affonso Collor de Mello, de reenquadramento típico da conduta para o crime de receptação, em razão da imputação de delito diverso ao coacusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Com efeito, a uma, porque o Procurador-Geral da República responsabilizou ambos os acusados pela suposta prática do crime de corrupção passiva, por haverem contribuído para a produção da infração. A duas, porque a imputação ao acusado Pedro Paulo Bergamaschi de

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Leoni Ramos da prática de crimes no âmbito de procedimento licitatório ocorreu a título adicional, alcançando circunstâncias fáticas autônomas, verificadas nas tratativas prefaciais à celebração do contrato com a UTC Engenharia S/A, sem, com isso, extrapolar os limites acusatórios, descurando-se da teoria monista. Desse modo, envolveu-se o acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, durante as tratativas que dariam ensejo aos contratos superfaturados, em incidência típica diversa da imputada ao denunciado Fernando Affonso Collor de Mello. Vale frisar, ainda, que, independente de ostentar a qualidade pessoal que se exige para o crime de corrupção passiva, é perfeitamente possível a atribuição dessa modalidade típica ao acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, quando o for cometido em concurso com funcionário público, conforme determina a teoria monista (art. 29 do Código Penal). Exclui-se, desde já da denúncia, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal, incabível pelo mero exercício do mandato popular. Com esse entendimento foram os recentes julgados deste Supremo Tribunal Federal em casos análogos (INQ 3.983 Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 12.5.2016; e INQ 3.997 Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 26.9.2016). Ademais, a jurisprudência desta Corte (INQ 2.606,Cópia Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 2.12.2014) exige, para sua incidência, uma imposição hierárquica (INQ 2.191, Rel. Min. AYRES BRITO, Tribunal Pleno, DJe de 8.5.2009), que não se acha nem demonstrada nem descrita nos autos. No mais, friso que o exame da admissibilidade da acusação não se destina ao eventual ajuste nos critérios utilizados para a definição jurídica dos fatos narrados, sendo melhor analisado após a instrução criminal, como, aliás, já considerado por esta Suprema Corte: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma,

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DJe de 18.5.2007). Em conclusão, recebo a denúncia quanto ao crime de corrupção passiva, excluindo-se, desde logo, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal, em relação aos acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luis Pereira Duarte Amorim.

16. No segundo momento, a denúncia descreve estratégias para dissimular e ocultar a origem ilícita das vantagens integradas, principalmente, ao patrimônio do acusado Fernando Affonso Collor de Mello, defluindo-se, dessa conjuntura fática, a imputação do crime de lavagem de dinheiro a este denunciado, como também a Luís Pereira Duarte de Amorim, Fernando Antônio da Silva Tiago, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, William Dias Gomes e Luciana Guimarães de Leoni Ramos. Consoante esse ponto da acusação, o aporte financeiro de origem duvidosa teria sido realizado por intermédio de movimentações assim resumidas: depósitos bancários fracionados; transferências internacionais; empréstimos fictícios; aquisição de bens diversos; e custeio de despesas pessoais. Cópia Inicialmente, com o fito de angariar fundos do “banco de propinas” mantido perante Alberto Youssef, eram realizados, conforme o Ministério Público Federal, depósitos em dinheiro nas contas pessoais e empresariais do parlamentar, de modo fracionado, com o intento de ludibriar o controle pelas instituições financeiras. Nesse sentido, a denúncia, amparada em dados decorrentes da quebra de sigilo fiscal e bancário do senador denunciado (AC 3.870) e das declarações coincidentes prestadas pelos colaboradores Alberto Youssef e Rafael Ângulo Lopez, pontua as seguintes ocorrências bancárias (fl. 155):

“a) oito depósitos, no valor total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), e de um depósito, em conta da GAZETA DE ALAGOAS LTDA., no montante de R$ 17.000,00 (dezessete

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mil reais), foram apreendidos em fase inicial da ‘Operação Lava Jato’ no escritório de ALBERTO YOUSSEF, na sede da empresa GFD Investimentos Ltda., o que inclusive deu início às investigações que desvendaram todo o esquema (fls. 3/24,192/193 e 199/200 do Inquérito n. 3.883/DF); b) depósitos de dinheiro fracionados, no valor total de R$ 2.616.409,20 (dois milhões, seiscentos e dezesseis mil, quatrocentos e nove reais e vinte centavos) em contas pessoais do senador Fernando Affonso Collor de Mello”.

Salienta a exordial acusatória que alguns dos depósitos fracionados “correspondem exatamente aos comprovantes encontrados em poder de ALBERTO YOUSSEF” (fl. 193), como o “depósito em dinheiro de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais), em 20/12/2013, na conta 62596, agência 3047, do Banco Bradesco, titularizada pela GAZETA DE ALAGOAS LTDA” (fl. 225). Afirma, ademais, que “a intenção de fracionamento de valores para ocultar sua origem fica clara quando se constatam situações como as seguintes: a) 32 (trinta e dois) depósitos em dinheiro, em todo o período, em valores situados entre R$ 9.000,00 (nove mil) e R$ 9.950,00 (nove mil, novecentos e cinquenta reais); b) depósito em dinheiro de R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais), em apenas três dias, entre 27/09/2011 e 29/09/2011, de forma fracionada, através de nada mais nada menosCópia do que 113 (cento e treze) operações nos valores de R$ 2.000,00 (dois mil) ou R$ 1.000,00 (mil reais) cada uma; c) depósito em dinheiro de R$ 91.500,00 (noventa e um mil e quinhentos reais), em um único dia, 30/01/2012, de forma fracionada, através de nada mais nada menos do que 55 (cinquenta e cinco) operações nos valores de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), R$ 2.000,00 (dois mil reais), R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) ou R$ 500,00 (quinhentos reais) cada uma; d) depósito em dinheiro de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), em um único dia, 14/02/2012, de forma fracionada, através de nada mais nada menos do que 36 (trinta e seis) operações nos valores de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), R$ 2.000,00 (dois mil reais) ou R$ 500,00 (quinhentos reais) cada uma; e) depósito de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) em dinheiro em um único dia, 05/12/2012, de forma fracionada, através de 12 (doze) operações; f) depósito de R$ 66.000,00 (sessenta e seis mil reais) em

58 INQ 4112 / DF dinheiro em um único dia, 28/11/2013, de forma fracionada, através de nada mais nada menos do que 33 (trinta e três) operações no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada uma” (fls. 193-194). Refere a denúncia, ainda, que depósitos fracionados, realizados em meados de 2010, foram constatados pela análise dos dados extraídos da AC 3.870 (Caso Simba 1371, caderno bancário 21, relatório tipo 4). Consigna o Ministério Público Federal, também, que as contas das empresas de propriedade do acusado, denominadas Gazeta de Alagoas Ltda. e TV Gazeta de Alagoas Ltda., foram, entre 2010 e 2015, igualmente abastecidas com verbas advindas das referidas propinas, em depósitos fracionados, no valor total de R$ 13.005.338,06 (treze milhões, cinco mil, trezentos e trinta e oito reais e seis centavos), relacionados às fls. 201/224 (Relatório Tipo 4 do SIMBA). No contexto dessas movimentações bancárias, em tese, espúrias, exsurge o acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, o qual teria concorrido para que o parlamentar depositasse ou recebesse depósitos em dinheiro, totalizados em R$ 4.190.543,20 (quatro milhões, cento e noventa mil, quinhentos e quarenta e três reais e vinte centavos) e em 8.814.794,86 (oito milhões, oitocentos e quatorze mil, setecentos e noventa e quatro reais e oitenta e seis centavos), diretamente nas contas das empresas Gazeta de Alagoas Ltda.Cópia e TV Gazeta de Alagoas Ltda., respectivamente (fls. 56-59), observando o método usualmente praticado de fracionamento das operações bancárias. Embora a defesa do acusado Fernando Affonso Collor de Mello afirme a licitude da movimentação de todos esses recursos, advindos, como salienta, de proventos, mútuos com empresas familiares e terceiros, heranças e doações, alienação de móveis e imóveis, não logrou esclarecer o motivo pelo qual os depósitos, apesar da proximidade temporal, eram sucessivamente parcelados. Nada obstante, essas mesmas justificativas, frente à quantidade de depósitos e a diversidade de pessoas responsáveis por tais movimentações, não contradita a tese da acusação, valendo consignar que o estudo dos dados de sigilo bancário e fiscal apontam que as elevadas

59 INQ 4112 / DF quantias depositadas em dinheiro sem identificação da origem coincidem com as declarações prestadas pelos colaboradores Alberto Youssef e Rafael Ângulo Lopez. O primeiro deles afirmou que "fez vários depósitos para o senador FERNANDO COLLOR, já há algum tempo, não sabendo precisar as datas" (fl. 155). O colaborador Rafael Ângulo Lopez, por sua vez, recordou-se haver realizado depósito cujo comprovante “apareceu FERNANDO C. DE MELLO e o declarante perguntou a YOUSSEF se era ‘o próprio ex-presidente’ e YOUSSEF confirmou, com sinal de positivo com a cabeça” (fl. 156). Também não é o bastante à rejeição da denúncia a justificativa de que toda a movimentação financeira entre janeiro de 2011 e abril de 2014 esteja abarcada pelos empréstimos tomados junto ao coacusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos ou pela alienação de bens de sua propriedade, à míngua de provas documentais a esse respeito. O acusado Fernando Affonso Collor de Mello procura, ainda, justificar as movimentações bancárias mediante o cotejo de sua realidade financeira e o faturamento das empresas daquele período com a totalidade dos valores transferidos, sem, no entanto, precisar em que consistiram os depósitos questionados. Há, como outro argumento defensivo, a afirmação de que os empréstimos tomadosCópia com a TV Gazeta “nada têm de fictícios; assim como também não são fictícios ou forjados os adiantamentos feitos pelo defendente à Água Branca Participações Ltda. para futuro aumento de capital” (fl. 1.234), entretanto, recai contra si acusações acerca da existência não regular da empresa Água Branca. Sobressai da acusação a prática, por parte do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, de outros atos destinados à lavagem de dinheiro, consistentes na aquisição de, ao menos, 5 (cinco) carros, alguns financiados pela TV Gazeta de Alagoas Ltda., conforme informação fornecida pela respectiva instituição financeira. Os veículos, muito embora de uso pessoal, foram registrados em nome da empresa Água Branca Participações Ltda., que seria, como dito, pessoa jurídica de fachada, sem existência e atividade regular. São os seguintes os

60 INQ 4112 / DF automóveis: (a) uma Ferrari 458 Itália, ano 2010/2011, placa FFI-0110, chassi ZFF67NFL2B0177478; (b) uma Lamborghini Aventador Roadster, ano 2013/2014, placa FCL-0700, chassi ZHWER1ZD2ELA02159; (c) um Bentley Continental Flying Spur, ano 2012, placa GJC-0110, chassi SCBBE53W4DC080725; e (d) um Land Rover Range Rover SDV8 Vogue, ano 2013/2014, placa FCO-1102, chassi SALGA2HF1EA151827. Além desses, o parlamentar teria adquirido, ainda, um Porsche Panamera S, ano 2011/2012, placa OHB-0758, chassi WP0AB2A76CL060146, que permaneceu registrado no nome da pessoa jurídica que teria alienado o veículo, a GM Comércio de Combustíveis Ltda. Desses, o veículo Bentley, por exemplo, foi adquirido na BRITISH CARS DO BRASIL LTDA., em 2013, por R$ 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil reais), mediante (15) quinze transferências bancárias, em negociação firmada pessoalmente pelo denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, conforme informado pela concessionária. Contudo, 2 (duas) dessas transferências, no valor total de R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais), evidenciaram, no sentir da acusação, a origem ilícita dos valores, já que realizadas pela empresa PHISICAL COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. Segundo a acusação, “de acordo com informação da Secretaria de Pesquisa Estratégica e Análise da Procuradoria Geral da República - CópiaSPEA/PGR, tal empresa, exatamente no ano de 2013, recebeu no total R$ 930,051,00 (novecentos e trinta mil e cinquenta e um reais) de empresas vinculadas a ALBERTO YUSSEF, como a MO Consultoria Comercial e Laudos Estatísticos Ltda. e a Piroquímica (Doc. 9). O próprio doleiro, em depoimento, esclareceu que esses pagamentos foram feitos por ele a pedido de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, ‘testa-de-ferro’ de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO” (fls. 254-255). A Lamborghini Aventador Roadster teria sido adquirida, por R$ 3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil reais), em 2013, da Auto Rosso Comércio de Veículos Ltda., que informou terem as negociações sido feitas diretamente com o Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello (fl. 599). A compra do veículo teria sido realizada mediante (a) a entrega de automóvel usado no valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil

61 INQ 4112 / DF reais); (b) um financiamento perante o Banco Bradesco Financiamentos S/A no valor de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais); e (c) pagamentos em dinheiro no valor total de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais). Segundo o Ministério Público, as parcelas em dinheiro teriam sido pagas com valores provenientes dos crimes imputados ao acusado e as prestações do financiamento arcadas em grande parte pela TV Gazeta de Alagoas Ltda., também com recursos supostamente ilícitos (fls. 599-601). Resume a acusação que, “para conferir suporte ao registro de bens de luxo em nome da ÁGUA BRANCA PARTICIPAÇÕES LTDA., uma empresa sem existência e atividade regular, FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, em conjunto com sua esposa, ambos sócios da pessoa jurídica, forjou vários empréstimos pessoais à sociedade empresarial em questão. Ao mesmo tempo, ele simulou a tomada de empréstimos pessoais junto à TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA. Todos esses empréstimos são fictícios, tendo sido criados apenas para propiciar uma justificativa para a aquisição de bens com recursos de origem ilícita e para o seu registro em nome de empresa de fachada, principalmente porque o montante das supostas dívidas não tem correspondência na movimentação financeira dos respectivos tomadores, quase sempre inferior aos valores pretensamente emprestados” (fls. 257-258), conforme documentos dos autos (doc 3). Aduz queCópia análises periciais da Polícia Federal evidenciaram as estratégias de ocultação dos valores, tais como os laudos n. 1480/2015- INC/DITEC/DPF (fls. 704-718 do INQ 3.883), n. 1547/2015- INC/DITEC/DPF (fls. 797-830 do INQ 3.883) e 80/2016-INC/DITEC/DPF (fls. 1.031-1.071 do INQ. 3.883). A defesa do acusado Fernando Affonso Collor de Mello procura desvincular a aquisição dos veículos dos atos de lavagem de dinheiro contra si imputados, com suporte na data da aquisição dos bens. Porém, esse dado isoladamente não contradiz as evidências dos autos, sobretudo quando se verifica as estratégias supostamente desenvolvidas para perfectibilizar-se a compra dos automóveis. Ao lado da aquisição de veículos, o dinheiro obtido com a suposta propina foi utilizado, segundo as informações colhidas na AC 3.870, para

62 INQ 4112 / DF a compra de imóveis. A casa em Campos do Jordão foi comprada por R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), conforme registro da escritura pública (fls. 872-875 e 1002-1005 do INQ 3.883), não obstante o acusado Fernando Affonso Collor de Mello tenha declarado em seu imposto de renda “ter comprado o imóvel por R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), aumentando a estimativa do valor da coisa para R$ 4.080.000,00 (quatro milhões e oitenta mil reais) a partir de 2011, procurando legalizar os valores ilícitos usados na compra, sob o pretexto de suposta valorização do bem” (fl. 1.667). Além disso, os valores foram pagos, conforme registro da denúncia, “mediante cheques ou transferências bancárias, seja do próprio parlamentar, seja de sua empresa TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., além de um depósito em dinheiro de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), consoante depoimento e documentos de fls. 863/896 do inquérito n. 3883/DF”(fls. 1.668). Contudo, a denúncia destaca que, “mesmo as transferências bancárias ou cheques foram precedidos, geralmente, nas mesmas datas ou poucos dias antes, por depósitos de dinheiro nas contas respectivas, o que evidencia que, na verdade, praticamente todo o preço do imóvel foi pago com valores em espécie, oriundos de propina (Caso Simba n. 1371, Caderno Bancário n. 21, Relatório Tipo 4 - Ação Cautelar n. 3870/DF)” (fl. 1.669). Refere a denúncia, ademais, a aquisição de um terreno litorâneo, localizado em Barra deCópia São Miguel/AL, “por valor superior ao constante em escritura pública”, sendo que houve “o registro do imóvel em nome de empresa de fachada e a utilização de valores em espécie para a aquisição, inclusive mediante o disfarce de transferências bancárias a partir de contas de mera passagem dos recursos, consistem em estratégias de ocultação e dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes de infração penal” (fl. 1.676). Consigna a acusação, ainda, que, em 15 de julho de 2010, o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, por intermédio da acusada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, teria adquirido 4 (quatro) salas comerciais em Maceió/AL. Explicita que “o preço ajustado foi de R$ 953.715,77 (novecentos e cinquenta e três mil, setecentos e quinze reais e setenta e sete centavos). O valor foi pago, em parte, por meio de uma carta de

63 INQ 4112 / DF crédito do grupo empresarial de FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, no valor de R$ 420.605,77 (quatrocentos e vinte mil, seiscentos e cinco reais e setenta e sete centavos). O restante vem sendo pago por meio de prestações periódicas” (fl. 1.677). A par desse quadro, os documentos apreendidos, relativos ao escritório político de Fernando Affonso Collor de Mello, indicam que os valores são quitados por meio de depósitos bancários e prestações de serviço da Gazeta de Alagoas Ltda. e TV Gazeta de Alagoas Ltda. (Docs. 9 - anexos à cota de encaminhamento do aditamento à denúncia). Ademais, as informações decorrentes da Ação Cautelar 3.870 apontam que as despesas das salas são, da mesma forma, custeadas pela TV Gazeta de Alagoas Ltda. (Caso Simba n. 1371, Caderno Bancário n. 21, Relatório Tipo 4 - AC 3.870) (fls. 1.677-1.678). Os valores provenientes de propina também eram aplicados na aquisição de obras de arte e antiguidades, por intermédio de Roberto Kazuto Mitsuuchi, como se depreende das mensagens eletrônicas trocadas entre eles e apreendidas na residência do parlamentar (Auto de Apresentação e Apreensão, itens 07, 18 e 36, da Equipe DF-01 e Relatório de Análise de Material Apreendido n. 015/2015 - AC 3.909). Na residência de Roberto Kazuto foram encontradas notas fiscais de venda emitidas para Cópiaa TV Gazeta de Alagoas Ltda. (Auto de Apreensão da Equipe 08, item 6, fls. 135/136 dos autos). Ainda durante as diligências realizadas na residência de Fernando Affonso Collor de Mello, foi apreendido quadro de Di Cavalcanti, adquirido da Galeria de arte Dagmar Saboya por, pelo menos, R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) - (AC 4.051). Consta na denúncia que, ao ser ouvida, DAGMAR MARIA REIS GOMES afirmou que “os pagamentos das obras de arte e antiguidades adquiridas por FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, inclusive os relativos ao quadro de DI CAVALCANTI, foram feitos por intermédio de ROBERTO KAZUTO MITSUUCHI, através de cheques ou valores em espécie” (fl. 1.684). A corroborar esses fatos, há, ainda, 6 (seis) notas fiscais de venda de antiguidades encaminhadas à Procuradoria- Geral da República pelo leiloeiro oficial Emerson Jamil Osternack Curi,

64 INQ 4112 / DF no valor total de R$ 1.534.195,00 (um milhão, quinhentos e trinta e quatro mil, cento e noventa e cinco reais) - documentos de fls. 39/45 da AC 4.051. Noticiaram-se, além disso, transferências bancárias “num total de R$ 413.868,00 (quatrocentos e treze mil, oitocentos e sessenta e oito reais) da conta n. 201, agência n. 4454, do Itaú Unibanco, titularizada por FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, para a VILLA ANTICA ESPAÇO DE ARTES LTDA., nos dias 07/05/2010 e 14/07/2010 (Caso Simba n. 1371, Caderno Bancário n. 21, Relatório Tipo 4 - Ação Cautelar n. 3870/DF)” (fl. 1.685). Há, por fim, realização de pagamentos em favor de Delson Uchoa Lopes, proprietário do Estúdio de Arte Delson Uchoa Ltda. (Relatórios de pesquisa da SPEA/PGR, anexos à cota de encaminhamento do aditamento à denúncia). Conclui a denúncia, a esse respeito, que o parlamentar declara em seu imposto de renda a propriedade de bens dessa espécie, no valor irrisório de R$ 18.048,97, tendo-se em conta o que se despendeu para o desfrute de bens dessa natureza. Ainda quanto à aquisição de bens, a acusação responsabiliza o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello pela lavagem de dinheiro decorrente da aquisição de lancha de luxo, registrada em nome de empresa de fachada, com atuação de Luís Pereira Duarte de Amorim (fls. 1.183-1.190 do INQ 3.883). Outrossim, o MinistérioCópia Público relata que o Senador Fernando Collor utilizaria os valores provenientes dos crimes a ele imputados para custear outras despesas pessoais, como gastos realizados com uso de cartão de crédito ou débito debitados na conta 201, agência 4454, do Itaú Unibanco, que teriam totalizado R$ 3.368.796,78 (três milhões, trezentos e sessenta e oito mil, setecentos e noventa e seis reais e setenta e oito centavos) no período de 3.1.2011 a 1.4.2014 (fl. 310). Conforme apontam os indícios, tais despesas teriam sido arcadas, total ou parcialmente, pela TV Gazeta de Alagoas, nas mesmas datas ou em datas próximas a de transferências de recursos “oriundos dos depósitos de dinheiro de origem ilícita efetuados em suas contas, para que ocorressem os pagamentos em questão” (fl. 260). Ademais, a SPEA/PRG informa que R$ 439.047,82 (quatrocentos e trinta e nove mil, quarenta e sete reais e oitenta e dois centavos) do total

65 INQ 4112 / DF das despesas com cartão de crédito do parlamentar denunciado não teriam sido pagos mediante débito em conta, o que indicaria terem sido adimplidos com dinheiro em espécie (fl. 311). Além de arcar com essas despesas, a TV Gazeta de Alagoas Ltda. realizou transferências bancárias diretamente ao denunciado Fernando Affonso Collor de Mello ou à sua esposa, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, em operações fracionadas realizadas nas mesmas datas ou em datas próximas. A acusação destaca que a esposa do acusado não seria sócia, empregada ou prestadora de serviços da TV Gazeta de Alagoas Ltda., além de não declarar os valores recebidos da pessoa jurídica em suas declarações anuais de imposto de renda. À luz desse cenário, como se observa, a acusação logrou descrever com clareza os supostos mecanismos utilizados pelo acusado Fernando Affonso Collor de Mello para reintegrar os valores advindos de propina à economia regular, correlacionando-os com os elementos do crime de branqueamento de capitais, além de reunir provas da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva a autorizar a instauração da ação penal. E ao contrário do que defende o senador, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não rejeita a imputação da prática de branqueamento de Cópia ativos aos autores dos crimes antecedentes, a denominada autolavagem. Na verdade, a orientação adotada pelo Pleno desta Corte é a de que, embora seja possível a autolavagem, ela “pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)” (AP 470 EI-sextos, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2014; AP 470 EI- décimos sextos, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe de 21.8.2014). Ainda que tenha relevância a alegação com relação à possível ocorrência de bis in idem em razão da imputação dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, sabido que no julgamento dos já citados sextos e décimos sextos embargos infringentes na Ação Penal 470, o Ministro Roberto Barroso, designado relator para o acórdão, consignou

66 INQ 4112 / DF que “o recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro”, cuja configuração demandaria a identificação de “atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida”. No entanto, essa dubiedade quanto à caracterização dos atos criminosos imputados aos denunciados, na perspectiva do preenchimento das elementares do tipo da lavagem de dinheiro ou, então, da simples consumação ou exaurimento dos crimes de corrupção passiva, requer exame mais aprofundado, incompatível com o estágio processual atual. Aliás, como se tem decidido, importa ao recebimento da denúncia a presença de elementos indiciários a justificar a imputação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que, conforme a descrição ministerial, encontra-se sugerido com a intenção do acusado Fernando Affonso Collor de Mello na prática de subterfúgios distintos para conformar o irregular acréscimo patrimonial sofrido com benefícios espúrios, atribuindo-lhes, com isso, aparência lícita. Nesse primeiro exame da procedência da acusação para inaugurar a ação penal, não há relatos de mero desfrute do patrimônio, como retrata o acusado Fernando Affonso Collor de Mello.Cópia Do mesmo modo, as assertivas referentes à licitude da administração de bens por intermédio de empresa constituída na mesma esfera patrimonial, atipicidade da conduta, em razão de atos de disposição patrimonial para aquisição de bens e realização de empréstimos, haja vista que não há como se branquear capital já originário da lavagem, e a incidência da regra do art. 71 do Código Penal (crime continuado) aos crimes de lavagem de dinheiro deverão ser enfrentadas em sede de juízo exauriente. Por fim, segundo a acusação, os indícios assentariam que os crimes de delito de lavagem de capitais, perpetrados mediante ocultação e dissimulação da origem dos valores desviados de contratos firmados em torno da BR Distribuidora com o intento de beneficiar o acusado

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Fernando Affonso Collor de Mello, contaram com a atuação dos codenunciados Luís Pereira Duarte de Amorim, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, Fernando Antônio da Silva Tiago, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, William Dias Gomes e Luciana Guimarães de Leoni Ramos, em relação aos quais também se imputa a prática do crime de lavagem de dinheiro descrito no art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998. No desenrolar da narrativa acusatória, foram explicitados os detalhes da atuação dos coacusados Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luís Pereira Duarte de Amorim com o propósito de dissimular a origem dos valores oriundos de propina em torno dos contratos firmados no âmbito da BR Distribuidora. Merecem destaque os seguintes trechos:

“Entre 2010 e 2014, em São Paulo/SP, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com seu sócio JOÃO MAURO BOSCHIERO, manteve uma ‘conta-corrente de valores ilícitos’ junto a ALBERTO YOUSSEF, realizando créditos mediante a coleta de valores em espécie oriundos de propina (…) bem como mediante transferências bancárias baseadas em contratos e notas fiscais fictícios entre empresas controladasCópia por PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS (…) ou empresa que a ele devia valores (…) e empresas operadas por ALBERTO YOUSSEF (…) e realizando débitos por meio de entregas de valores em espécie (…) bem como por meio de transferências bancárias baseadas em contratos e notas fiscais fictícios (…) Na administração dessa ‘conta-corrente’, foram praticadas pelo menos 17 (dezessete) coletas de dinheiro em espécie (quatro referentes ao contrato de troca de bandeira de postos e combustível e treze relativos aos contratos de construção de bases de combustível), 12 (doze) transferências bancárias baseadas em documentos falsos, um número indefinido de entregas de dinheiro em espécie, sendo certas pelo menos 17 (dezessete), as quais correspondem à soma dos registros de entrada de PEDRO PAULO BERGAMASCHI

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DE LEONI RAMOS (dez) e de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM (sete) no escritório de ALBERTO YOUSSEF, e 01 (uma) transferência baseada em documentos falsos (…). Em 11/02/2012, 17/11/2012 e 17/11/2012, em São Paulo/SP ou no Rio de Janeiro/RJ, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, na condição de ‘operador particular’ do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, recebeu valores em espécie de JAYME ALVES DE OLIVEIRA FILHO, Policial Federal e prestador de serviços de transporte de dinheiro a ALBERTO YOUSSEF, no montante total de R$ 1.474.270,00 (um milhão, quatrocentos e setenta e quatro mil, duzentos e setenta reais), oriundos de propina (…) Entre 2011 e 2014, em três ocasiões distintas, em datas não precisamente determinadas, em São Paulo/SP, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, na condição de ‘operador particular’ do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, recebeu valores em espécie de RAFAEL ÂNGULO LOPEZ, funcionário e transportador de dinheiro a ALBERTO YOUSSEF, no montante total de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), oriundos de propina (…) Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Brasília/DF, São Paulo/SP e Maceió/ AL, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONICópia RAMOS, na condição de ‘operador particular’ do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com esse último, concorreu para que o parlamentar depositasse em dinheiro ou recebesse depósitos em dinheiro de R$ 2.616.409,20 (dois milhões, seiscentos e dezesseis mil, quatrocentos e nove reais e vinte centavos) em suas contas bancárias pessoais (…) valor este consistente em parte da propina recebida (…) tendo havido fracionamento de operações, de modo que o valor de cada uma, nas mesmas datas ou em datas próximas, fosse inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou R$ 100.000,00 (cem mil reais) (...) Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, na

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condição de ‘operador particular’ do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com esse último, concorreu para que o parlamentar depositasse em dinheiro ou recebesse depósitos em dinheiro de R$ 4.190.543,20 (quatro milhões, cento e noventa mil, quinhentos e quarenta e três reais e vinte centavos) nas contas da empresa GAZETA DE ALAGOAS LTDA (…) valor este consistente em parte da propina recebida (…) tendo havido o fracionamento de operações (…) Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, na condição de ‘operador particular’ do Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com esse último, concorreu para que o parlamentar depositasse em dinheiro ou recebesse depósitos em dinheiro de R$ 8.814.794,86 (oito milhões, oitocentos e quatorze mil, setecentos e noventa e quatro reais e oitenta e seis centavos) em um das contas da empresa TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA. (…) valor este consistente em parte da propina (…) tendo havido o fracionamento de operações (…) (fls. 52-57). (…)Cópia Entre 2013 e 2014, especialmente em (...), em São Paulo/SP e Maceió/AL, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, de modo livre, consciente e voluntário, recebeu valores em espécie de origem ilícita, oriundos de propina (...), junto a ALBERTO YOUSSEF, no escritório desse último na capital paulistana, e junto ao emissário RAFAEL ÂNGULO LOPEZ, na capital alagoana, e repassou as quantias ao Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, tendo sido identificada inclusive a emissão de dois cheques pelo ‘testa de ferro’ em favor de seu patrão, (...), no valor total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), fato ilustrativo dessa prática. A utilização de dinheiro em espécie e a intermediação de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, em pelo menos 08 (oito)

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oportunidades, em diferentes circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, constituem estratégias de ocultação ou dissimulação da origem, da localização, da disposição, da movimentação e da propriedade de valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes de corrupção ativa já descritos, de forma reiterada e no âmbito de organização criminosa. Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, depositou em dinheiro ou recebeu depósitos em dinheiro de R$ 4.190.543,20 (quatro milhões, cento e noventa mil, quinhentos e quarenta e três reais e vinte centavos) nas contas da empresa (...), consistente em parte da propina (...), tendo havido o fracionamento de operações, (…). Os depósitos foram feitos ou recebidos em 67 (sessenta e sete) dias distintos, em diferentes circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, tendo sido realizados de forma reiterada e no âmbito de organização criminosa. (…) Entre janeiro de 2011 e abril de 2014, em Maceió/AL, LUIS PEREIRACópia DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, depositou em dinheiro ou recebeu depósitos em dinheiro de R$ 8.814.794,86 (oito milhões, oitocentos e quatorze mil, setecentos e noventa e quatro reais e oitenta e seis centavos) (...) valor este consistente em parte da propina (...) tendo havido o fracionamento de operações, de modo que o valor de cada uma, nas mesmas datas ou em datas próximas, fosse inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou R$ 100.000,00 (cem mil reais), além da mistura de dinheiro ilícito com recursos lícitos da empresa. (…) Os depósitos foram feitos ou recebidos em 122 (cento e vinte e dois) dias distintos, em diferentes

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circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução (…). 1.2.5. Em 2013, em São Paulo/SP, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, concorreu para a utilização de valores em espécie e valores anteriormente depositados em contas bancárias da empresa, ambos oriundos de propina (...) para adquirir o veículo da marca Bentley, (…) pelo valor de R$ 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil reais). FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO pagou R$ 675.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais) por meio de transferências diretas da GAZETA DE ALAGOAS LTDA. e R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) por meio de transferência da ÁGUA BRANCA PARTICIPAÇÕES LTDA., antecedida de depósito em dinheiro na conta da empresa na mesma quantia e na mesma data. Os restantes R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais) foram pagos por meio de transferências diretas da empresa PHISICAL COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., operada por ALBERTO YOUSSEF, o qual recebeu orientação nesse sentido de LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM. O carro, apesar de ser um bem de luxo de usoCópia pessoal, foi registrado em nome da ÁGUA BRANCA PARTICIPAÇÕES LTDA., empresa de ocultação patrimonial do parlamentar. Desse modo, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM contribuiu para a ocultação e dissimulação da natureza, da origem, da localização, da disposição, da movimentação e da propriedade de bens e valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes de corrupção ativa já descritos (…). Entre 2011 e 2014, LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, na condição de diretor da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., de modo livre, consciente e voluntário, em unidade de desígnios com o seu patrão FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, concorreu para a utilização de valores depositados em espécie nas contas da empresa, oriundos de

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propina (...) para custear despesas pessoais do Senador, efetuadas com cartões de crédito ou débito, no valor total de R$ 597.037,47 (quinhentos e noventa e sete mil e trinta e sete reais e quarenta e sete centavos), bem como para a realização de transferências outras para contas pessoais do parlamentar e para as contas pessoais da esposa dele, no valor total de R$ 1.040.630,00 (um milhão, quarenta mil, seiscentos e trinta reais), como estratégia de dissimulação da ilicitude do dinheiro (…)” grifo nosso (fls. 31-37).

Identificaram-se, ao ensejo da análise da movimentação financeira da época, depósitos fracionados de valores em espécie de origem não revelada em contas titularizadas pelo coacusado Luís Pereira Duarte de Amorim. Esse fato demonstra que, além de atuar como interposta pessoa do senador denunciado, “também se beneficiou financeiramente das operações ilícitas, depositando valores em espécie de origem ilícita, de forma fracionada, em suas contas bancárias pessoais, no montante total de R$ 266.798,00 (duzentos e sessenta e seis mil, setecentos e noventa e oito reais)” (fl. 30). Noticia-se, em acréscimo, que o referido coacusado teria concorrido para custear despesas pessoais do senador da República efetuadas com cartões de crédito ou débito no valor de R$ 597.037,47 (quinhentos e noventa e sete mil, trintaCópia e sete reais e quarenta e sete centavos), com a utilização de valores depositados em espécie nas contas da empresa TV Gazeta Ltda. Imputou-se ao denunciado Luís Pereira Duarte de Amorim, com amparo nas declarações de Alberto Youssef e nos documentos de movimentação financeira no exterior apresentados por Leonardo Meirelles (fl. 1.695), a responsabilidade por solicitar valores a Youssef e concorrer para o custeio de gastos internacionais, no total de R$ 243.690,00 (duzentos e quarenta e três mil e seiscentos e noventa reais), em ação característica de lavagem de dinheiro. Corroboram a acusação, nesse particular, os registros de acesso do denunciado Luís Pereira Duarte de Amorim ao escritório de Alberto Youssef no mesmo período em que se deram as transferências indevidas (2013). Todas essas condutas narradas pelo Ministério Público, com

73 INQ 4112 / DF supedâneo concreto no caderno indiciário constante dos autos, não condizem com as teses defensivas de que o único componente para sustentar a acusação contra os acusados Luís Pereira Duarte de Amorim e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos seria o cargo de diretor ocupado pelo primeiro no grupo empresarial de Fernando Affonso Collor de Mello e a condição de operador particular do senador acusado atribuído ao último. Infere-se, portanto, a presença de pressupostos suficientes ao início da ação penal também com relação a estes dois coacusados (Luís Pereira Duarte de Amorim e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos), anotando-se que a assertiva de que o recebimento de valores de forma dissimulada e mediante artifícios constitui exaurimento do delito de corrupção passiva - e não crime autônomo de lavagem de dinheiro - reclama exame mais aprofundado da controvérsia, incompatível com o estágio processual atual. Relembro o percuciente voto do eminente Min. CELSO DE MELLO, no julgamento do INQ 3.982, de minha relatoria, ocorrido em 7.3.2017, no qual foi dito que a “questão básica consiste em identificar, na conduta imputada aos agentes, a sua plena adequação ao modelo típico, abstratamente definido na lei, concernente ao próprio núcleo do tipo penal, pois - é necessário dizê-lo -, sem que se evidenciemCópia os atos de ocultação e/ou de dissimulação, não haverá como reconhecer configurado o delito de lavagem de valores ou de capitais”. Ao contraditar as acusações, o acusado Luís Pereira Duarte de Amorim afirma, ainda, possuir imóveis alugados, razão pela qual se justificariam os depósitos em dinheiro em sua conta bancária à época dos fatos. Os dados indicados pelo denunciado, além de demandar exaustiva análise, não se sobrepõem ao extenso registro dos valores movimentados sob seu comando. Salienta-se, ainda, estar demonstrado ter ido ao escritório de Alberto Youssef, por orientação do coacusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, a fim de colher valor destinado ao senador denunciado, sem, portanto, ter qualquer ciência da origem dos valores. Consigno, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal assentou

74 INQ 4112 / DF que, “no recebimento da denúncia, descabe adotar entendimento sobre o elemento subjetivo do crime, devendo ocorrer a instrução do processo-crime visando elucidá-lo” (INQ 3.588 ED, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 16.4.2015). Nesse mesmo sentido: INQ 3.604, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 15.5.2015; e INQ 2.984, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 24.9.2013. Em aditamento à denúncia, o Procurador-Geral da República ampliou o polo passivo do procedimento para incluir, entre outros, a denunciada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, esposa do parlamentar acusado. À específica acusada são imputados atos de lavagem de dinheiro perpetrados de formas distintas, pois teriam sido efetuados depósitos ou recebidos valores em suas contas pessoais de dinheiro fracionado no valor total de R$ 453.250,00 (quatrocentos e cinquenta e três mil, duzentos e cinquenta reais), deduzidos do valor em apreço. De acordo com os dados obtidos na AC 3.870 (Caso Simba n. 1371, Caderno Bancário n. 21, Relatório Tipo 4 – AC 3.870), constataram- se as seguintes movimentações bancárias:

“a) depósito em dinheiro de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), em um único dia, 27/09/2011, de forma fracionada, atravésCópia de 20 (vinte) operações no valor individual de R$ 2.000,00 (dois mil reais); b) depósito em dinheiro de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em um único dia, 30/11/2012, de forma fracionada, através de 20 (vinte) operações no valor individual de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais); c) depósito em dinheiro de R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais), em apenas dois dias, entre 06/05/2013 e 07/05/2013, de forma fracionada, através de 14 (quatorze) operações, nos valores de R$ 9.100,00 (nove mil e cem reais), R$ 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta reais), R$ 2.000,00 (dois mil reais), R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) e R$ 1.550,00 (mil, quinhentos e cinquenta reais); d) coincidência entre as datas de depósitos fracionados de valores em espécie nas contas de CAROLINE SEREJO MEDEIROS COLLOR DE MELLO e as datas de operações semelhantes nas contas de FERNANDO AFFONSO

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COLLOR DE MELLO” (fls. 1.657-1.658).

Valores igualmente foram recebidos nas contas pessoais da acusada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, mediante transferências bancárias das contas da TV Gazeta Ltda., no valor de R$ 622.500,00 (seiscentos e vinte e dois mil e quinhentos reais). Contra si recai, ainda, a acusação de haver concedido empréstimos fictícios em favor da empresa Água Branca Participações Ltda., na ordem de R$ 144.633,58 (cento e quarenta e quatro mil, seiscentos e trinta e três reais e cinquenta e oito centavos), “a fim de justificar tanto a aquisição de bens pessoais de luxo, em especial veículos e imóveis, com valores oriundos de propina (…) como o posterior o registro dessas coisas em nome da ÁGUA BRANCA PARTICIPAÇÕES LTDA., empresa de ocultação patrimonial do parlamentar” (fl. 1.718). Revela a denúncia que, no intuito de ocultar e dissimular os valores provenientes de infração penal, os valores depositados em contas bancárias das empresas Gazeta de Alagoas Ltda. e TV Gazeta de Alagoas Ltda. também foram utilizados para a aquisição de 4 (quatro) salas comerciais no Edifício The Square Park Office em Maceió/AL, no valor de R$ 953.715,77 (novecentos e cinquenta e três mil, setecentos e quinze reais e setenta e sete centavos),Cópia “por meio da empresa de ocultação patrimonial Água Branca Participações Ltda., pertencente a ela e a Fernando Collor de Mello” (fl. 1.719). A par desse cenário envolvendo a denunciada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, não é possível atestar a presença de justa causa à ação penal com relação a ela. Com efeito, nada obstante a indicação documental do recebimento, por parte da referida acusada, de depósitos em espécie em suas contas pessoais, o órgão acusador não sistematizou, a partir de indícios mínimos de autoria, a correlação entre os depósitos auferidos e os imóveis adquiridos com os atos de lavagem de dinheiro, o que impede concluir que a denunciada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello concorria ou participava, de forma efetiva, dos subterfúgios de que se valiam os demais coacusados para dar feição lícita aos numerários espúrios.

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Ao lado disso, ao infirmar a acusação, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello identificou os depósitos como valores repassados por seu marido, o senador denunciado, para o custeio de despesas pessoais. Articulou, ainda, não ter ingerência nos negócios da família, e, mesmo na qualidade de sócia da empresa Água Branca Participações Ltda., outorgou poderes específicos de gestão, conforme documentos colacionados às fls. 2.249-2.258. Nesse sentido, infere-se do material juntado que, em agosto de 2015, na condição de sócia da pessoa jurídica, a acusada constituiu como seus procuradores os coacusados Luís Pereira Duarte de Amorim e Eduardo Bezerra Frazão, entre outros, perante instituições financeiras designadas. Embora tal ato tenha ocorrido após a série de fatos que deram origem à denúncia contra si, constitui-se como indício válido de que a acusada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello não participava dos negócios administrados pelo marido, o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello. Por derradeiro, aponta a denúncia a prática de ato de lavagem de dinheiro sob a forma de custeio de gastos internacionais, com o envolvimento da coacusada Luciana Guimarães de Leoni Ramos. Em linhas gerais, o doleiro Leonardo Meirelles, em seu termo de colaboração, noticiou ter carregado, em 1º.7.2013, dois cartões pré-pagos com US$ 30,000.00 (trinta milCópia dólares americanos) e ter disponibilizado US$ 20,000.00 (vinte mil dólares americanos), repassados, respectivamente, às denunciadas Luciana Guimarães de Leoni Ramos e Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello. Para corroborar as suas declarações, o colaborador apresentou os extratos dos cartões utilizados em lojas para artigos femininos em Miami, no mesmo período em que a acusada Luciana Guimarães de Leoni Ramos empreendera viagem para a cidade (2 a 12 de junho de 2013), conforme registros migratórios fornecidos pela Polícia Federal (Informação Policial n. 09/2016, fls. 1153-1166 do Inquérito 3.883). Por seu turno, os registros migratórios da Polícia Federal indicam que a coacusada Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello esteve na Europa entre 8 a 17 de julho de 2013, para onde teria levado os dólares recebidos (Informação Policial n. 09/2016, fls. 1153-1166 do INQ 3.883).

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De igual modo, a exordial acusatória não logrou êxito em esclarecer de que forma as acusadas Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello e Luciana Guimarães de Leoni Ramos teriam concorrido para a lavagem de dinheiro com gastos internacionais, nada obstante o vínculo matrimonial com os denunciados Fernando Affonso Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, respectivamente. Essa carência de provas indiciárias mínimas acerca do suposto envolvimento das referidas denunciadas, com a contratação dos cartões ou com o recebimento de verbas espúrias, inviabiliza a imputação de lavagem de dinheiro às denunciadas. Ressalto, outrossim, que a mera utilização de cartões ou dinheiro em espécie para gastos no exterior pelas denunciadas não as torna responsáveis pelos atos de ocultação de verbas espúrias imputados aos seus cônjuges, anotando que, ao negar a prática de qualquer conduta ilícita, a denunciada Luciana Guimarães de Leoni Ramos afirmou que os gastos realizados não atingiram o saldo total disponível e a compatibilidade dos valores disponibilizados com o padrão de vida da família. Desse modo, à míngua de elementos indiciários mínimos da autoria delitiva, impõe-se a rejeição da denúncia, pelos crimes de lavagem de dinheiro, em face de CópiaCaroline Serejo Medeiros Collor de Mello e Luciana Guimarães de Leoni Ramos. Na sequência, a acusação imputou a responsabilidade pelos atos de branqueamento de capitais a Fernando Antônio da Silva Tiago e a William Dias Gomes, assessores parlamentares do acusado Fernando Affonso Collor de Mello, como também a Eduardo Bezerra Frazão, diretor de empresas do parlamentar. Para a acusação, esses denunciados praticaram o delito mediante a realização de transferências bancárias às contas empresariais do senador da República. O denunciado Fernando Antônio da Silva Tiago, segundo a acusação, teria sido responsável pela movimentação de “valores, em espécie, oriundos da propina (…) em contas bancárias das empresas GAZETA DE ALAGOAS LTDA. e TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA., no montante

78 INQ 4112 / DF total de R$ 612.156,00 (seiscentos e doze mil, cento e cinquenta e seis reais)”, de modo que a “utilização de valores em espécie e o seu depósito em contas de pessoas jurídicas, com a mistura de dinheiro ilícito com recursos lícitos das empresas, objetivava a ocultação e dissimulação da natureza, da origem, da localização, da disposição, da movimentação e da propriedade de valores” (fl. 42). De acordo com o consignado pelo Relatório de Inteligência Financeira 15.615 do COAF, parte dos depósitos em contas bancárias da Gazeta de Alagoas Ltda. e da TV Gazeta de Alagoas Ltda. foram realizados pelo denunciado Fernando Antônio da Silva Tiago. Todavia, tais movimentações bancárias em análise não configuram, por si só, indício da prática de lavagem de capitais. Da forma como exposto pelo Ministério Público, os 4 (quatro) depósitos efetuados nas contas empresariais do senador denunciado, no período de 5 (cinco) anos, mais se aproximam do dever de lealdade no pronto atendimento de ordens emanadas por superiores hierárquicos. Alinhada à definição da denúncia sobre o acusado: “pessoa simples, uma espécie de caseiro, cuidando dos imóveis de Fernando Affonso Collor de Mello em Maceió” (fl. 228), ressalta a defesa que, no exercício do cargo de assessor parlamentar e na prestação de serviços para a empresa desse, desempenhava “funções rasteiras e de pouca importância no staff político”, como “episódicos depósitos,Cópia pagamentos de contas e até emplacamento de veículos para as empresas da organização Arnon de Mello, tudo mediante contraprestação pecuniária” (fls. 2.144-v). Portanto, inexiste suporte indiciário mínimo da adesão do acusado Fernando Antônio da Silva Tiago aos atos ilícitos de lavagem de dinheiro imputados aos codenunciados, impondo-se, quanto ao ponto, a rejeição da denúncia. Ainda no que tange aos depósitos efetuados, a denúncia estendeu a acusação, por concurso ao delito de lavagem de capitais, ao diretor do grupo empresarial do parlamentar, Eduardo Bezerra Frazão, em razão de ter efetuado, no período de 2010 a 2015, o depósito de R$ 626.156,00 (seiscentos e vinte e seis mil, cento e cinquenta e seis reais), de forma fracionada, nas contas da empresa. Esses depósitos seriam realizados por

79 INQ 4112 / DF ele próprio ou por funcionários da TV Gazeta Ltda. (INQ 3.883 e Caso Simba 1371, Relatório Tipo 4 - AC 3.870). As acusações repercutiram, da mesma forma, em relação ao acusado William Dias Gomes, assessor parlamentar do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello, por haver efetuado 10 (dez) depósitos fracionados em contas de titularidade do senador da República e de Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, no período de 24.3.2010 a 17.12.2013 (Caso Simba 1371, Relatório Tipo 4 – AC 3.870). A amplitude da narrativa ministerial, mediante o arrastamento dos agentes que, de qualquer forma, participaram dos atos de depósito, sem a demonstração de indícios outros a estabelecer suspeitas fundadas de que, em razão de tais atuações, teriam concorrido à prática do delito, é incoerente com o ônus da acusação de redigir a denúncia de forma a estabelecer o vínculo de todo e qualquer acusado com a empreitada criminosa, apresentando o suporte indiciário mínimo da autoria delitiva. Pensar-se de modo diverso seria convalidar a responsabilidade penal objetiva. No caso do acusado William Dias Gomes, tem-se que, no ano de 2012, período no qual se aponta intensa movimentação das contas bancárias de responsabilidade do acusado Fernando Affonso Collor de Mello, o acusado procedeuCópia a apenas um depósito de R$ 19.906,30 (dezenove mil, novecentos e seis reais e trinta centavos), a denotar, como afirma a defesa, a diminuta relevância das funções por ele exercidas junto ao referido denunciado. Ilustrativos são os dados provenientes da quebra de sigilo fiscal e bancário na AC 3.870, a partir dos quais, somente no ano de 2012, verificou-se aproximadamente 230 (duzentos e trinta) depósitos de quantias, em tese, ilícitas nas contas pertencentes ao senador da República (fls. 175-186). À luz dessas considerações, também rejeito a peça acusatória quanto aos denunciados Fernando Antônio da Silva Tiago, William Dias Gomes e Eduardo Bezerra Frazão pelo crime de lavagem de dinheiro previsto no art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998.

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17. Emerge da denúncia, ainda, a imputação do delito de organização criminosa para os acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Luís Pereira Duarte de Amorim, Fernando Antônio da Silva Tiago, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão e William Dias Gomes. De partida, cumpre assentar a aplicabilidade da Lei 12.850/2013 ao caso, nada obstante se tratar de fatos, em tese, perpetrados antes da entrada em vigor do diploma legal. Essa compreensão deflui do singelo fundamento da natureza permanente do crime adjacente à inovação legislativa. Recentemente, a Segunda Turma desta Corte firmou a orientação de que o crime do art. 2º da Lei 12.850/2013 é permanente, de modo que sua consumação se protrai no tempo, autorizando, inclusive, a prisão em flagrante dos agentes enquanto não cessada a permanência (AC 4.039, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, j. 25.11.2015). Assentada essa característica, é de ser aplicado, ainda, o entendimento sumulado deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “a Lei Penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência” (Súmula 711/STF). E para não comprometer a conceituação do delito, convém rememorar a imputação do crime de organização criminosa a um amplo grupo de acusados, todavia,Cópia o foro por prerrogativa de função do senador acusado impôs o desmembramento do processo, remanescendo, para o excepcional julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, os denunciados cujas condutas apresentavam especial vínculo com a do parlamentar, afigurando-se mais conveniente o seu julgamento em conjunto. Em descrição pormenorizada, detalha a denúncia “a existência de uma organização criminosa implantada na Petrobras Distribuidora S/A - BR DISTRIBUIDORA entre os anos de 2010 e 2014, preordenada à prática, principalmente, de crimes de peculato, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro” (fl. 4), sob o comando do Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello. Como antes indicado, a agremiação teria sido estruturada por núcleos de atuação: administrativo, econômico,

81 INQ 4112 / DF financeiro e político. No que tange à divisão de tarefas, o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello assumiu a sua liderança, valendo-se de sua influência política determinante para a nomeação de diretores da sociedade de economia mista. Associaram-se ao grupo comandado pelo senador, o codenunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, responsável pela articulação dos núcleos de atuação, principalmente, pela percepção das vantagens indevidas e posterior repasse ao parlamentar, mediante formas de ocultação e dissimulação da origem e natureza dos valores correspondentes, com a autuação direta ou, ao menos na condição de partícipe, de codenunciados ligados diretamente ao senador Fernando Affonso Collor de Mello. Nesse âmbito, cumpre referir a atuação do denunciado Luís Pereira Duarte de Amorim, que, na condição de pessoa interposta do senador e diretor de suas empresas, concorria ao recebimento das vantagens ilícitas pelo parlamentar. A denúncia indica que, a pretexto de atuarem como assessores parlamentares, os codenunciados Fernando Antônio da Silva Tiago e William Dias Gomes igualmente concorriam para os negócios espúrios do senador, compondo a organização criminosa. Por sua vez, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello também partilhava dos interesses comuns da organização, mediante estratégias de dissimulação no recebimento das verbas recebidas aCópia título de suborno. Como outro integrante da organização criminosa, Eduardo Bezerra Frazão concorreu para os depósitos bancários nas contas das empresas do senador, perante as quais atuava como diretor financeiro. A forma sob a qual se associaram os acusados possui nítidos contornos de organização criminosa, nos termos definidos pelo art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013. Com efeito, trata-se de associação de mais de 4 (quatro) pessoas com evidente finalidade da prática reiterada de diversos crimes, em especial de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, cujas penas máximas cominadas, em ambos os casos, são superiores a 4 (quatro) anos. O Ministério Público também demonstra, ao menos de forma indiciária, a existência de divisão de tarefas entre os membros da

82 INQ 4112 / DF organização, identificando, por conseguinte, que o Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello e o Deputado Federal Vander Luiz dos Santos Loubet - cuja denúncia foi recebida por esta Segunda Turma, no INQ 3.990 - foram os responsáveis pela manutenção política de diretores na BR Distribuidora. A operacionalização das vantagens indevidas pagas no âmbito da sociedade de economia mista e o recolhimento dos valores espúrios pagos, revertidos, na sua maior parte, em favor do senador da República, eram efetuados por Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, que mantinha, repita-se, conta-corrente de valores ilícitos perante Alberto Youssef, e, de forma menos relevante, por Luís Pereira Duarte de Amorim. A atuação dessa complexa estrutura estendeu-se, como se vê, pelos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, evidenciando, também, a estabilidade e permanência da organização criminosa. Não fosse isso, indícios da pertinência dos acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luís Pereira Duarte de Amorim à organização criminosa são extraídos, sobretudo, do depoimento dos colaboradores à justiça Ricardo Ribeiro Pessoa e Rafael Ângulo Lopez. Eis, a respeito, os principais trechos da denúncia: “RICARDOCópia RIBEIRO PESSOA, em seu Termo de Colaboração n. 02, foi objetivo e confirmou que FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO e PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS detinham a indicação política e o consequente controle de duas Diretorias da BR DISTRIBUIDORA. Ele afirmou que, no ano de 2010, o ‘operador particular’ do Senador do PTB disse-lhe o seguinte: ‘nós temos uma ou duas diretorias dentro da BR Distribuidora nas quais temos acesso e ascendência’. Mais adiante, RICARDO RIBEIRO PESSOA foi mais claro, destacando ser do seu conhecimento que ‘além da diretoria ocupada por JOSE ZONIS (Diretoria de Operações e Logísticas), COLLOR também era responsável pela indicação do ocupante da diretoria de postos de combustíveis (Diretoria de Rede de Postos de Serviços)’ (Petição n. 5673/DF) (fls. 74-75).

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(…) RAFAEL ÂNGULO LOPEZ, um dos transportadores de valores em espécie de ALBERTO YOUSSEF, efetuou várias entregas de dinheiro para FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO (…) em Alagoas, onde entregou o dinheiro a LUIS PEREIRA DUARTE DE AMORIM, ‘testa-de-ferro’ do parlamentar, diretor de duas de suas principais empresas, a GAZETA DE ALAGOAS LTDA. e a TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA. (…) Em seu Termo de Declarações n. 13, RAFAEL ANGULO LOPEZ afirma: ‘Que o declarante espontaneamente afirma que se recorda de ter visto LUIS PEREIRA no escritório da GFD na Rua Renato Paes de Barros; Que não se recorda quantas vezes LUIS PEREIRA foi na GFD; Que nestas oportunidades viu LUIS PEREIRA conversando com ALBERTO YOUSSEF; Que acredita que LUIS PEREIRA foi na GFD para retirar dinheiro, embora não tenha sido o declarante quem entregou tais valores pessoalmente a LUIS PEREIRA; Que não se recorda a data em que LUIS PEREIRA foi à GFD; Que em todas as entregas feitas para LUIS PEREIRA, o declarante estava sozinho’” (fls. 150- 154).

Desse modo, receboCópia a denúncia pela suposta prática do crime de organização criminosa quanto aos acusados Fernando Affonso Collor de Mello, Luís Pereira Duarte de Amorim e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Diversa, no entanto, é a compreensão quanto aos denunciados Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, Fernando Antônio da Silva Tiago e William Dias Gomes. Carecem, nos autos, indícios suficientes da participação dos referidos acusados na organização criminosa, porque há, em verdade, apenas a descrição de possíveis repasses dissimulados de verbas espúrias supostamente obtidas em torno do funcionamento da organização criminosa, sem se demonstrar o imprescindível vínculo dos denunciados ao grupo instituído e preordenado à prática de tais delitos.

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Ademais, o fato de os acusados Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, Fernando Antônio da Silva Tiago e William Dias Gomes terem concorrido para os depósitos nas contas pessoais e empresariais do senador, não os promove, de forma automática, a integrantes da organização criminosa voltada à prática de crimes de corrupção, em conluio com agentes públicos, políticos e grandes empreiteiras, ainda mais quando também não se reconheceu como pertinente a acusação quanto ao delito de lavagem de dinheiro. Logo, não há substrato indiciário suficiente para a imputação do crime de organização criminosa quanto aos denunciados Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, Fernando Antônio da Silva Tiago e William Dias Gomes, em relação aos quais rejeito a denúncia no particular.

18. No curso das investigações, detectou-se que, concomitantes aos crimes principais, teriam sido levadas a efeito outras modalidades delitivas. Narra a denúncia, a propósito, que o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello empenhou-se em impedir e atrapalhar as investigações, pois “encaminhou ao gerente da agência 4454 do Itaú Unibanco solicitação de estorno exatamente dos créditos referentes aos comprovantes em questão: dois depósitos deCópia R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) e três depósitos de R$ 9.000,00 (nove mil reais), realizados em 02/05/2013, e dois depósitos de R$ 8.000,00 (oito mil reais) e um depósito de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), realizados em 03/0512013, todos em dinheiro, levados a efeito na conta 201. Uma via dessa solicitação foi encontrada durante as diligências de busca e apreensão, no apartamento do parlamentar em Maceió (Auto de Apreensão da Equipe AL- 11, constante na mídia juntada à fl. 1.002)” (fl. 266). Por circunstâncias alheias à vontade do parlamentar, os estornos não foram realizados. Segundo a acusação, o denunciado Fernando Affonso Collor de Mello buscou desvincular-se dos depósitos realizados por Alberto Youssef, com o objetivo de obstar investigação de organização criminosa por ele capitaneada perante o Supremo Tribunal Federal. Como indícios de que as solicitações teriam sido realizadas com tal finalidade, aponta-se

85 INQ 4112 / DF a distância temporal de mais de um ano entre os depósitos e os pedidos de estorno, e o fato de que as solicitações abrangeriam apenas as operações cujos comprovantes foram apreendidos na GFD Investimentos Ltda. A par desse quadro, vejo razão à defesa do denunciado Fernando Affonso Collor de Mello quando afirma a impropriedade do pedido de estorno bancário como forma de suprimir os vestígios do delito. De fato, em se tratando de lançamentos em conta aperfeiçoados há mais de um ano, o estorno solicitado não se prestaria a ocultar os registros antigos, mas, acaso viável, apresentar-se-ia como mais uma movimentação sequencial acrescida às anteriores. Assim, as informações prestadas pela instituição financeira permaneceriam inalteradas quanto ao depósito antes efetivado e, ainda, indicariam o estorno bancário subsequente. Impõe-se, por isso, reconhecer a hipótese como crime impossível, em relação ao qual não se pune a tentativa, por ineficácia absoluta do meio para os fins aos quais se voltava (art. 17 do Código Penal), o que determina a rejeição da denúncia quanto ao crime de obstrução à investigação criminal no âmbito de organização criminosa (art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013 c/c art.Cópia 14, II, do Código Penal). 19. O proveito obtido pelo Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello também foi verificado, consoante a acusação, pela nomeação dos coacusados Fernando Antônio da Silva Tiago e Cleverson Melo da Costa (já falecido) para o cargo de assistente parlamentar, “sem que o nomeado tivesse a obrigação de efetivamente desempenhar atividades relacionadas à sua esfera de atribuições funcionais” (fl. 43). Sobressai da acusação que, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2014, o acusado Fernando Antônio da Silva Tiago e o falecido Cleverson Melo da Costa atuariam, em verdade, como “empregados particulares do parlamentar no Estado de Alagoas, onde residem” (fl. 228). Assim, concomitante aos vencimentos auferidos do Senado Federal, “sem prestar a correspondente contrapartida ao serviço público” (fl.

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44), o denunciado Fernando Antônio da Silva Tiago - “pessoa simples, uma espécie de caseiro, cuidando dos imóveis de Fernando Affonso Collor de Mello em Maceió” (fl. 228) - prestou “serviços particulares a Fernando Affonso Collor de Mello e a duas de suas empresas, a Gazeta de Alagoas Ltda. e a TV Gazeta de Alagoas Ltda., inclusive depositando parte dos valores em espécie oriundos de propina” (43). Conclui a acusação que Fernando Antônio da Silva Tiago e Cleverson Melo da Costa seriam “típicos ‘funcionários fantasmas’ do Senado Federal” (fl. 250) junto ao gabinete do senador, imputando a todos a suposta prática do crime de peculato. As defesas contraditam com veemência a referida tese acusatória, afirmando que o acusado Fernando Antônio da Silva Tiago exerce efetivamente as funções públicas interligadas ao mandato do Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello, em seu escritório político situado em Alagoas, cumulando-as com as de natureza privada prestadas perante as empresas do parlamentar. Como sabido, os parlamentares estão realmente autorizados a manter escritório de apoio às atividades parlamentares, localizado no Estado de origem do político, nos termos do art. 1º do Ato da Comissão Diretora n. 16, de 2009. Indagado sobre tal fato, o acusado Fernando Antonio da Silva TiagoCópia afirmou, perante as autoridades policiais: “(...) QUE realiza e cumpre suas atividades em uma sala comercial no Edifício THE SQUARE, onde funciona o escritório político do Senador nesta Capital, instalada na Avenida Amélia Rosa, 7º andar; (…) em 2007 voltou a trabalhar para o Senador, desta vez através do Senado Federal, conforme alhures referido; QUE perguntado de que forma ocorreu a sua contratação pelo Senado Federal, respondeu não se recordar exatamente; QUE perguntado, mais uma vez, quem foi a pessoa que ofertou a vaga no Senado Federal ao declarante, respondeu QUE não se recorda, referindo que, assim como outros, foi reconhecido por trabalhos realizados na campanha eleitoral; QUE perguntado quais as atividades que desempenha em seu dia a dia relacionadas à família COLLOR DE MELLO, respondeu QUE efetivamente trabalha para o Senador, esclarecendo que as

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atividades desenvolvidas pelo declarante são diárias, consistindo em receber pedidos e solicitações relacionadas a pedido de apoio do Parlamentar, tais como marcação de consultas, agendamento e intermediação de reuniões; (…) QUE perguntado se o Declarante conhece CLEVERTON MELO DA COSTA, respondeu positivamente, esclarecendo que CLEVERTON realiza atividades semelhantes à do declarante, ligadas ao Senador FERNANDO COLLOR DE MELLO; QUE CLEVERTON também é vinculado ao Senado Federal, trabalhando no mesmo endereço do declarante; QUE perguntado a respeito de quando o Senador FERNANDO COLLOR DE MELLO está em Alagoas, qual o local em que o mesmo exerce sua atividade profissional, respondeu QUE nessas ocasiões o Senador ocupa as instalações do local em que o declarante trabalha na Avenida Amélia Rosa, Edifício THE SQUARE, 7º andar” (INQ 3.883, fls. 595- 598)

Do mesmo modo, Cleverson Melo da Costa afirmou que o acusado Fernando Antônio da Silva Tiago “desempenha as mesmas funções que o declarante, relacionadas ao Senador COLLOR; QUE inclusive FERNANDO ANTONIO DA SILVA TIAGO trabalha no mesmo edifício comercial do declarante” (INQ 3.883, fl. 593). A circunstância Cópiade os acusados Fernando Antônio da Silva Tiago e Cleverson Melo da Costa (falecido) terem (a) efetuado depósitos em contas bancárias de empresas pertencentes ao senador Fernando Affonso Collor de Mello, (b) a posse de documentos relativos a bens do senador acusado, e (c) exercido funções nas empresas do parlamentar, percebendo remuneração cumulativa, não os onera de seus ofícios perante o Senado Federal, tampouco é capaz de qualificá-los, automaticamente, à condição de funcionários fantasmas. Aliás, é bastante provável, dada a simplicidade das atribuições inerentes à esfera de atuação do acusado Fernando Antônio da Silva Tiago, que as atividades supostamente praticadas foram assim conduzidas por cumprimento de ordem emanada de superior hierárquico.

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Com esse quadro, diante dos depoimentos uníssonos colhidos no curso das investigações, a carência de elementos indiciários mínimos da autoria delitiva desabona a tese acusatória no particular, ficando desautorizada, então, a instauração da ação penal quanto ao delito de peculato (art. 312 c/c o art. 327, § 2º, do Código Penal) feita ao Senador da República Fernando Affonso Collor de Mello e a Fernando Antônio da Silva Tiago.

20. Ao lado das infrações criminais até o momento examinadas, deflui dos contratos firmados pela BR Distribuidora S/A com a UTC Engenharia S/A a imputação ao codenunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, em razão de alegada prática dos crimes de peculato, de frustração de procedimento licitatório e de violação de sigilo funcional. Quanto ao delito de peculato, a acusação não demonstra evidências concretas que possam conduzir à compreensão dos fatos, ao menos nessa extensão. A conclusão de que o coacusado colaborou para o desvio de dinheiro público de que o Diretor de Operações Logísticas da Petrobras José Zonis tinha a posse em razão do cargo, não pode ser corroborada por outros elementos coligidos aos autos. É que, segundo a exordial acusatória (fls. 109-110),Cópia “(...) Para a elevação indevida dos valores ao final pagos à construtora favorecida, verificou-se a atuação decisiva do Gerente de Projetos Especiais de Engenharia (GPE) MARCOS AURÉLIO FRONTIN SANTANA, que certamente se conduziu sob a orientação de JOSÉ ZONIS. Inclusive, durante as licitações em análise, MARCOS AURÉLIO FRONTIN SANTANA estranhamente telefonou para um funcionário da UTC ENGENHARIA S/A, como ressaltou o relatório do Grupo de Trabalho de Averiguação da PETROBRAS: ‘No dia 06108/2010, o empregado Marcos fez uma ligação para o Sr. Juremar Gomes, representante da UTC também, sendo que não foi possível ao GTA apurar o motivo dessa ligação’. As circunstâncias indicam que o contato objetivava tratar de assunto relacionado ao favorecimento da empresa verificado na situação.

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As contratações em análise constituem negócios tipicamente realizados para atender a interesses políticos e econômicos escusos. O Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO e o seu ‘operador particular’, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, que tinham ascendência sobre a Diretoria de Operações e Logística, ocupada por JOSÉ ZONIS, no âmbito da qual foram feitas as licitações e os contratos administrativos, aproveitaram a necessidade da BR DISTRIBUIDORA de ampliar e construir bases de distribuição de combustíveis para favorecer a empresa UTC ENGENHARIA S/A, em troca de vantagens indevidas. Para isso, contaram com a colaboração ilícita do Gerente de Projetos Especiais de Engenharia (GPE) MARCOS AURÉLIO FRONTINO SANTANA, que, além de ter sido conivente com a violação do sigilo das estimativas de preço da BR DISTRIBUIDORA, favoreceu o desvio de recursos da sociedade de economia mista em prol da construtora, mediante sobrepreço”.

Sobre essas tratativas, em aditamento à peça acusatória, especificou- se que as obras de construção ou ampliação de bases de distribuição de combustíveis (TEMAN, BARIX, TEDUC, BASUL II e BAPN) implicaram sobrepreço, com prejuízoCópia à sociedade de economia mista de, pelo menos, R$ 141.000.000,00 (cento e quarenta e um milhões de reais), beneficiando- se a empreiteira. Nesse contexto, conclui a denúncia que o acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos “contribuiu para a contratação da empreiteira com sobrepreço, especialmente quanto às estimativas de custo de tanques verticais e de cais flutuantes, em montante de no mínimo R$ 141.000.000,00 (cento e quarenta e um milhões de reais). Desse modo, ele colaborou para o desvio de dinheiro público de que o Diretor de Operações e Logística JOSÉ ZONIS tinha a posse, no sentido de disponibilidade jurídica, em razão do cargo, em favor da empresa contratada” (fl. 1.735). A imputação, quanto ao ponto, carece de indícios mínimos demonstrativos da possível interação entre o codenunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, diretores da Petrobras e representantes da

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UTC Engenharia S/A sobre tais procedimentos de sobrepreço e o modo pelo qual o denunciado teria atuado em direção ao êxito das negociatas. O relato ministerial, destituído de elementos indiciários da autoria delitiva, justifica a rejeição da denúncia. Circunstâncias fáticas verificadas das contratações da UTC Engenharia S/A pela BR Distribuidora S/A ensejaram a imputação ao denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos da prática também dos crimes de frustração de procedimento licitatório e de violação de sigilo funcional qualificado, descritos no art. 84, § 2º, art. 90 da Lei 8.666/93 e art. 325, § 2º, do Código Penal, respectivamente. Da mesma forma, constato que os elementos indispensáveis ao recebimento da denúncia não são identificados na imputação referente a tais figuras típicas (fraude à licitação e de violação de sigilo funcional) atribuídas a esse acusado. Com efeito, padece o relato acusatório de informações a respeito da maneira pela qual o acusado teria interferido no caráter competitivo das licitações em prol das empreiteiras referidas, ou, de qualquer modo, como teria quebrado o sigilo dos orçamentos estimados das obras de construção de bases de distribuição de combustível da sociedade de economia mista. Nesse aspecto, aponta a acusação que o prévio acesso a informações sigilosas, relativas aosCópia “orçamentos estimados das obras de construção de bases de distribuição de combustível da sociedade de economia mista federal […], no âmbito dos respectivos Procedimentos Licitatórios Simplificados” (fl. 50), por parte da empreiteira UTC Engenharia S/A, teria decorrido de conduta atribuída, em verdade, a José Zonis, Diretor de Operações e Logística da BR Distribuidora à época dos fatos. Não se olvide de eventual ocorrência de favorecimento a empresas nas licitações a justificar instauração de procedimentos específicos, contudo, aparentemente, as circunstâncias dessas supostas práticas delitivas revelam certa autonomia quanto à conduta atribuída, no presente caso, ao denunciado Pedro Paulo Bergamashi, mais pertinente aos aspectos e delitos envolvendo a administração, o recolhimento e o repasse das propinas surgidas de contratos subjacentes a licitações

91 INQ 4112 / DF dissimuladas. Enfraquece a tese acusatória não somente a falta de lastro probatório mínimo, mas também informações dela extraídas no sentido de que “apurou-se que as empresas que possuíam contratos com a Petrobras, notadamente as maiores construtoras brasileiras, criaram um cartel, que passou a atuar de maneira mais efetiva a partir de 2004”, passando a “dividir entre si as obras da Petrobras, evitando que outras construtoras não integrantes do cartel fossem convidadas para os correspondentes processos seletivos. Referido cartel atuou ao longo de anos, de maneira organizada, inclusive com regras previamente estabelecidas. Antes do início dos certames, já se sabia qual seria a empresa ganhadora. As demais licitantes apresentavam propostas – em valores maiores do que os apresentados pela empresa que deveria vencer – apenas para dar aparência de legalidade à falsa disputa” (fls 62-63). Por essa razão, também rejeito a denúncia quanto aos crimes de peculato (art. 312 do Código Penal), de frustração do caráter competitivo de licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) e de violação de sigilo funcional (art. 325 do Código Penal) imputados ao denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos.

21. As demais controvérsias relativas à existência de crime único, concurso formal ou Cópiaconcurso material entre os delitos, assim como o concurso material entre as diversas lavagens de dinheiro apontadas na denúncia, dizem respeito ao julgamento de mérito da ação penal. É na sentença o momento adequado para se dar definição jurídica a tudo o quanto apurado e comprovado durante a instrução criminal. Consoante entendimento tradicional e consagrado, tanto na jurisprudência do STJ (RHC 27.628/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13.11.2012, DJe 03.12.2012) quanto na desta Corte:

“(...) Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da

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prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87.324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 10.4.2007, DJ de 18.5.2007).

Nunca é demais recordar, portanto, que a fase processual do recebimento da denúncia é juízo de delibação, jamais de cognição exauriente. Desse modo, não se pode confundir os requisitos para o recebimento da denúncia, delineados no art. 41 do Código de Processo Penal, com o juízo de procedência da imputação criminal, como tradicionalmente adverte a jurisprudência pacífica desta Corte (INQ 2.984, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJe de 23.9.2013). Nessa linha, nada mais cabe ao julgador, além de verificar a existência de lastro probatório mínimo a embasar a peça acusatória, que apurar a presença dos requisitos necessários para o recebimento, ou não, da denúncia. Outrossim, o argumento de que o recebimento de valores de forma dissimulada e mediante artifícios constitui exaurimento do delito de corrupção passiva - e não crime autônomo de lavagem de dinheiro -, tal como decidido na AP 470 em relação ao réu João Paulo Cunha -, é matéria, igualmente, a ser dirimida no final da ação penal. Embora tal entendimento tenha sido bem empregado no referido precedente, não se pode, desde logo, dar-lheCópia o mesmo efeito para afirmar a atipicidade das condutas narradas pelo Ministério Público na denúncia que ora se examina.

22. Cabe ressaltar, por fim, que, ao contrário do que sustentam os acusados, a denúncia não está amparada apenas em depoimentos prestados em colaboração premiada. Como já consignado, há inúmeros outros indícios que reforçam as declarações prestadas pelos colaboradores, tais como dados telemáticos e bancários, depoimentos, informações policiais e documentos, o que basta neste momento de cognição sumária, em que não se exige juízo de certeza acerca de culpa. Convém mencionar, nesse contexto, que há entendimento nesta Corte, revelado pelo Ministro MARCO AURÉLIO, no sentido de que o

93 INQ 4112 / DF objeto da delação premiada não serve, por si só, à condenação. Serve, em termos de indícios de autoria, ao recebimento da denúncia ( INQ 3.983, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 12.05.2016, pág. 175). Nesse mesmo julgamento, o Ministro CELSO DE MELLO também asseverou que o depoimento prestado no âmbito de colaboração premiada constitui, por si só, elemento indiciário suficiente ao recebimento de denúncia, mas não é apto, como elemento único, para sustentar eventual sentença condenatória, nos termos da Lei 12.850/2013, que expressamente dispõe: nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador (art. 4º, § 16). Naquele julgado, Sua Excelência, decano desta Corte, assinalou o seguinte:

“(...) Tem razão Vossa Excelência, Ministro MARCO AURÉLIO, pois, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a utilização do instituto da colaboração premiada (cujo nomen juris anterior era o de delação premiada), ressalvando, no entanto, bem antes do advento da Lei nº 12.850/2013 (art. 4º, § 16), que nenhuma condenação penal poderá ter por único fundamento as declarações do agente colaborador (HC 75.226/MS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO HC 94.034/SP, Rel. Min. CÁRMENCópia LÚCIA RE 213.937/PA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.). O aspecto que venho de ressaltar - impossibilidade de condenação penal com suporte unicamente em depoimento prestado pelo agente colaborador, tal como acentua a doutrina (EDUARDO ARAÚJO DA SILVA, Organizações Criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12.850/13, p. 71/74, item n. 3.6, 2014, Atlas, v.g.) - constitui importante limitação de ordem jurídica que, incidindo sobre os poderes do Estado, objetiva impedir que falsas imputações dirigidas a terceiros sob pretexto de colaboração com a Justiça possam provocar inaceitáveis erros judiciários, com injustas condenações de pessoas inocentes. Na realidade, o regime de colaboração premiada, definido

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pela Lei nº 12.850/2013, estabelece mecanismos destinados a obstar abusos que possam ser cometidos por intermédio da ilícita utilização desse instituto, tanto que, além da expressa vedação já referida (lex. cit., art. 4º, § 16), o diploma legislativo em questão também pune como crime, com pena de 1 a 4 anos de prisão e multa, a conduta de quem imputa falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente ou daquele que revela informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas (art. 19). Com tais providências, tal como pude acentuar em decisão proferida na Pet 5.700/DF, de que fui Relator, o legislador brasileiro procurou neutralizar, em favor de quem sofre a imputação emanada de agente colaborador, os mesmos efeitos perversos da denunciação caluniosa revelados, na experiência italiana, pelo Caso Enzo Tortora (na década de 80), de que resultou clamoroso erro judiciário, porque se tratava de pessoa inocente, injustamente delatada por membros de uma organização criminosa napolitana (Nuova Camorra Organizzata) que, a pretexto de cooperarem com a Justiça (e de, assim, obterem os benefícios legais correspondentes), falsamente incriminaram Enzo Tortora, então conhecido apresentadorCópia de programa de sucesso na RAI (Portobello). Registre-se, de outro lado, por necessário, que o Estado não poderá utilizar-se da denominada corroboração recíproca ou cruzada, ou seja, também não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra este existir, unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, tão somente, por outros delatores, […]. [...] Pareceu-me relevante destacar os aspectos que venho de referir, pois, embora os elementos de informação prestados pelo agente colaborador possam justificar a válida formulação de acusação penal, não podem, contudo, legitimar decreto de condenação criminal , eis que incumbe ao Ministério Público o ônus substancial da prova concernente à autoria e à

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materialidade do fato delituoso (grifei).

23. Em suma, foi possível identificar, da longa narrativa da exordial acusatória, justa causa para a instauração da ação penal em relação aos crimes de (a) corrupção passiva, imputado aos acusados (i) Fernando Affonso Collor de Mello, (ii) Luís Pereira Duarte de Amorim, e (iii) Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos; (b) lavagem de dinheiro por intermédio de organização criminosa, imputado aos denunciados (i) Fernando Affonso Collor de Mello, (ii) Luís Pereira Duarte de Amorim, e (iii) Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos; e (c) organização criminosa, imputado aos acusados (i) Fernando Affonso Collor de Mello, (ii) Luís Pereira Duarte de Amorim, e (iii) Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. À míngua de justa causa, a denúncia fica rejeitada quanto aos crimes de (a) lavagem de dinheiro por intermédio de organização criminosa, imputado aos acusados (i) Fernando Antônio da Silva Tiago, (ii) Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, (iii) Eduardo Bezerra Frazão, (iv) William Dias Gomes, e (v) Luciana Guimarães de Leoni Ramos; e (b) organização criminosa, imputado aos denunciados (i) Fernando Antônio da Silva Tiago, (ii) Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, (iii) Eduardo Bezerra Frazão, e (iv) CópiaWilliam Dias Gomes. Impõe-se, por falta de justa causa, a rejeição da denúncia quanto aos delitos de (a) peculato, imputado aos acusados (i) Fernando Affonso Collor de Mello, (ii) Fernando Antônio da Silva Tiago, e (iii) Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos; (b) tentativa de obstrução dos trabalhos da justiça no âmbito de organização criminosa, imputado ao acusado Fernando Affonso Collor de Mello; (c) violação de sigilo funcional qualificado, imputado ao denunciado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos; e (d) fraude à licitação, imputado ao acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos. Diante dessa conclusão, ficam desde já excluídos da ação penal vindoura os denunciados Fernando Antônio da Silva Tiago, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, Eduardo Bezerra Frazão, William Dias Gomes e Luciana Guimarães de Leoni Ramos.

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24. Ante o exposto, por preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, recebo, em parte, a denúncia, nos termos da fundamentação acima. É como voto.

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