PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Carolina Ferreira Souza

A TRANSPARÊNCIA DO BUSCADOR GOOGLE COMO DIREITO DOS CONSUMIDORES NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE DIGITAL

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Carolina Ferreira Souza

A TRANSPARÊNCIA DO BUSCADOR GOOGLE COMO DIREITO DOS CONSUMIDORES NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE DIGITAL

Projeto de tese apresentado à Comissão de Bolsa, como exigência parcial para a concessão da Bolsa de Estudos para o Curso de Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (PEPGD), sob a Coordenação da Ilustríssima Senhora Professora Dra. Elizabeth Nazar Carrazza.

Orientador: Prof.º Dr.º Gilson Delgado Miranda

Área de Concentração do Programa: Direitos Difusos e Coletivos

Linha de Pesquisa: Efetividade dos Direitos de Terceira Dimensão e Tutela da Coletividade, dos Povos e da Humanidade

São Paulo 2018

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ERRATA

(SOUZA, Carolina Ferreira). (A TRANSPARÊNCIA DO BUSCADOR GOOGLE COMO DIREITO DOS CONSUMIDORES NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE DIGITAL). (2018) (248). (Tese de Doutorado em Direito) – Programa de Estudos Pós- Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2018).

1. Folha de rosto. 4º parágrafo, linhas 1 a 5: Onde se lê: “Projeto de tese apresentado à Comissão de Bolsa, como exigência parcial para a concessão da Bolsa de Estudos”, leia-se “Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Direito”.

2. Agradecimentos. 1º parágrafo, linha 1 e 2º parágrafo, linha 1: Onde se lê: “A CAPES”, leia-se “À CAPES”. Onde se lê: “A FUNDASP”, leia-se “À FUNDASP”.

3. Abstract. 1º parágrafo. Linha 13: Onde se lê: “of not authorinzing”, leia-se “of authorinzing”.

4. Página 23. 1º parágrafo, linha 30: Onde se lê: “contínuo. [...].”, leia-se “contínuo. [...] (grifo nosso).

5. Página 24. 1º parágrafo, linha 40: Onde se lê: “favelas”, leia-se “favelas (grifo nosso)”.

6. Página 25. 3º parágrafo, linha 39: Onde se lê: “História”, leia-se “Historia (grifo nosso)”.

Banca Examinadora

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Dedicatória

Dedico este trabalho ao André, razão da minha vida, o companheiro que eu escolho todos os dias estar ao lado e que eu amo mais e mais.

Dedico, ainda, à minha mãe, Carmen Lúcia, sempre presente, que me deixou as maiores lições de vida, entre elas a do amor incondicional. Ao meu pai pelo apoio de sempre. Aos meus irmãos, Gabriela, Júnior e Reginaldo e, em especial

à minha sobrinha Naia, que chegou às vésperas do término desta pesquisa, ensolarando nossos dias.

Dedico também aos meus amados sobrinhos, Neto, Luigi, Papito, Andrezinho e

Ângela por serem tão especiais, alegrarem tanto a minha vida e por perdoarem minhas recentes ausências durante a elaboração deste trabalho.

Dedico, por fim, aos meus primos-irmãos, Letícia e Douglas, por todo o amor, carinho e respeito.

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Agradecimentos

A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da bolsa durante a realização deste Doutorado, conforme Processo nº

88887.148664/2017-00

A FUNDASP (Fundação São Paulo) pelo apoio durante o período do Doutorado.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Dr. Gilson Delgado Miranda, pela confiança e carinho, durante todo o decorrer do Doutorado.

À todas as professoras e professores que me guiaram na atividade docente.

Às minhas amigas Helga, Carla e Evelin, por essa amizade tão doada e por serem sempre inspirações para mim.

A toda minha família e amigos que sempre me apoiaram em todas as jornadas e de quem estive não tão perto quanto gostaria.

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Queremos saber O que vão fazer Com as novas invenções Queremos notícia mais séria Sobre a descoberta da antimatéria E suas implicações Na emancipação do homem Das grandes populações Homens pobres das cidades Das estepes, dos sertões

Queremos saber Quando vamos ter Raio laser mais barato Queremos de fato um relato Retrato mais sério Do mistério da luz Luz do disco-voador Pra iluminação do homem Tão carente e sofredor Tão perdido na distância Da morada do Senhor Queremos saber Queremos viver Confiantes no futuro Por isso de faz necessário Prever qual o itinerário da ilusão a ilusão do poder pois se foi permitido ao homem tantas coisas conhecer é melhor que todos saibam o que pode acontecer queremos saber queremos saber todos queremos saber

Queremos saber – Gilberto Gil

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RESUMO

O presente trabalho trata da falta de transparência do buscador Google, analisando-se quais os direitos dos consumidores usuários desse serviço são afetados, bem como o prejuízo causado ao equilíbrio do meio ambiente digital. A captação de dados e informações que circulam nas mais diferentes páginas, programas e aplicativos pertencentes às grandes corporações da rede está cada vez mais refinada e menos transparente. Além disso, o acesso aos dados e informações já existentes está sendo cada vez mais filtrado e direcionado para parceiros, anunciantes, de formas mais ou menos explícitas, dependendo do serviço prestado ou da página acessada. Desta forma, o tratamento que se deve reservar ao meio ambiente digital deve começar pela imediata e plena universalização do acesso à internet e aos seus dados em favor de todos, sem distinção ou privilégios, exclusões ou exceções, bem como pela transparência dos algoritmos que operam na rede através do aprendizado de máquina e outras formas de inteligência artificial, sob pena de, em não o sendo, autorizar os prejudicados pela inação estatal e/ou pela ação da especulação capitalista, a tomar as medidas administrativas e judiciais cabíveis e aplicáveis à espécie para a efetivação de seus direitos. A metodologia empregada valeu-se de revisão bibliográfica para análise dos dados obtidos, com a coleta de documentos textuais como: legislações, jurisprudências, doutrina pertinente, e publicações de caráter técnico, bem como análise de parte dos termos de uso e de políticas de dados do Google, a fim de se constatar a falta de transparência e o desrespeito aos direitos humanos e direitos do consumidor brasileiros e auxiliar na compreensão da problemática da mercantilização e parcialidade dos meios de comunicação digital. Os resultados da pesquisa indicaram que a legislação já existente é suficiente para a proteção dos consumidores usuários do serviço do buscador Google em diversos aspectos; entretanto, considera a possibilidade de uma nova legislação de proteção de dados como mais uma estratégia dentro do direito para a proteção dos direitos humanos à comunicar-se.

Palavras-chave: Transparência. Buscador Google. Direito do consumidor. Meio ambiente digital. Internet. Usuário da internet.

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ABSTRACT

The present work deals with the lack of transparency of the Google search engine, analyzing what the rights of consumers users of this service are affected, as well as the damage caused to the balance of the digital environment. The capture of data and information circulating in the most different pages, programs and applications belonging to the large corporations of the network is increasingly refined and less transparent. In addition, access to existing data and information is increasingly being filtered and directed to partners, advertisers, in more or less explicit ways, depending on the service provided or the page accessed. In this way, the treatment that must be reserved for the digital environment must begin with the immediate and full universalization of Internet access and its data in favor of all without distinction or privileges, exclusions or exceptions, as well as the transparency of the algorithms that operate in the network through machine learning and other forms of artificial intelligence, under penalty of not authorizing those harmed by state inaction and / or by the action of capitalist speculation, to take the administrative and judicial measures applicable and applicable to the species for the realization of their rights. The methodology used was based on a bibliographic review to analyze the data obtained, with the collection of textual documents such as: legislation, jurisprudence, relevant doctrine, and publications of a technical nature, as well as an analysis of some of the terms of use and data policies of Google, in order to verify the lack of transparency and disrespect for human rights and Brazilian consumer rights and help in understanding the problem of commercialization and bias of the digital media. The results of the research indicated that the existing legislation is sufficient for the protection of consumers users of the Google search service in several aspects; however, considers the possibility of new data protection legislation as one more strategy within the law for the protection of human rights to communicate.

Keywords: Transparency. Google search engine. Consumer law. Digital environment. Internet. User of the internet.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 13

1 O MEIO AMBIENTE DIGITAL E A REDE COMO ESPAÇOS LIVRES: APRESENTANDO ALGUNS AXIOMAS ...... 16

1.1 O controle social, o biopoder e a sociedade de controle ...... 16

1.2 O ciberespaço e o meio ambiente digital: conceitos básicos ...... 30

1.2.1 Ciberespaço ...... 30

1.2.2 Meio ambiente ...... 33

1.2.2.1 Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ...... 34

1.2.2.2 Os diferentes aspectos do meio ambiente ...... 41

1.2.2.2.1 Meio ambiente digital ...... 46

1.3 Sociedade da informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede...... 52

1.3.1 Sociedade da Informação vs Sociedade do Conhecimento ...... 52

1.3.2 Sociedade em rede ...... 58

1.4 A dromocracia cibercultural, em Eugênio Rondini Trivinho ...... 62

1.5 Rede como ambiente livre ...... 71

1.5.1 A rede e os grandes conglomerados...... 86

1.6 Direitos humanos e direito à comunicação ...... 95

1.6.1 Direito humano à comunicar-se...... 100

1.6.2 O princípio da vedação ao retrocesso ...... 107

2 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE DIGITAL BRASILEIRO ...... 110

2.1 Código de Defesa do Consumidor ...... 111

2.1.1 Política Nacional das Relações de Consumo ...... 111

2.1.1.1 Do princípio da transparência ...... 112

2.1.1.2 Do princípio da boa-fé objetiva ...... 113

2.1.2 As espécies de consumidor ...... 116

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2.1.2.1 Consumidor padrão ...... 117

2.1.2.1.1 Adquirir e utilizar ...... 117

2.1.2.1.2 Destinatário final ...... 119

2.1.2.2 Coletividade ...... 123

2.1.2.3 Vítimas de acidente de consumo ...... 124

2.1.2.4 Consumidores expostos ...... 125

2.1.3 Fornecedor de serviços ...... 126

2.1.3.1 Serviços ...... 128

2.2 Informação como direito básico do consumidor ...... 130

2.3 Responsabilidade do fornecedor de serviços ...... 131

2.3.1 Teoria do risco do negócio...... 132

2.3.2 Responsabilidade objetiva ...... 133

2.4 Fato do produto e do serviço ...... 135

2.4.1 Defeito e vício ...... 137

2.5 Responsabilidade solidária ...... 140

2.6 Causas excludentes de responsabilidade ...... 142

2.6.1 Da não prestação do serviço...... 143

2.6.2 Da inexistência do defeito...... 143

2.6.3 Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro...... 145

2.6.4 Hipóteses de excludentes não previstas no Código do Consumidor ...... 148

2.6.5 Risco do desenvolvimento...... 148

2.6.6 Culpa concorrente da vítima...... 150

2.6.7 Caso fortuito e força maior...... 150

2.7 Contratos de adesão no Código de Defesa do Consumidor...... 151

3 O BUSCADOR GOOGLE E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES E USUÁRIOS DE INTERNET...... 156

3.1 Algoritmos descritivos e preditivos, big data, aprendizagem de máquina e Inteligência Artificial (IA) ...... 156

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3.2 Termos de uso do buscador Google e o Código de Defesa do Consumidor...... 167

3.3 Algoritmos do buscador Google ...... 179

3.4 Por uma política mais transparente do uso de dados e do funcionamento dos algoritmos no meio ambiente digital ...... 198

CONCLUSÃO ...... 222

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 227

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INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho foi escolhido durante a participação como ouvinte no curso do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc de São Paulo, intitulado Redes, Poder e Sociedade da Informação, quando houve contato com a expressão neutralidade algorítmica em uma das exposições. Foi inevitável, a partir de então, estabelecer a relação entre o direito e os algoritmos na rede mundial de computadores. O projeto inicial, que tratava da possibilidade de controle social na rede mundial de computadores, desviou-se de seu objeto para ser delimitado pelo tema da falta de transparência dos algoritmos no buscador Google e a já existente regulamentação possível de ser aplicada. Referida falta de transparência não é exclusividade do buscador Google. Todos os demais serviços do Google padecem do mesmo problema: You Tube, Gmail, Google Maps, Google Street View, entre outros. A questão atinge as outras corporações que atuam no ramo digital, como Facebook, Amazon, Apple e Microsoft. O objeto do estudo concentra-se nos diferentes aspectos que podem ser abordados sobre o direito à transparência do buscador Google. O primeiro refere-se ao próprio funcionamento dos algoritmos responsáveis pelos resultados no motor de busca, entre os quais o principal e mais antigo deles é o PageRank, que promove um rankeamento entre as páginas da internet que já foram anteriormente rastreadas e indexadas por outros algoritmos do Google. O segundo aspecto está ligado a esse processo de rankeamento, mas não diz respeito somente a ele, que é a apropriação dos dados dos consumidores dos serviços do Google, sem a autorização expressa e consentida dos mesmos para utilizá-los como um dos critérios no rankeamento das páginas, além de empregá-los para outros e desconhecidos fins comerciais, em que o Google ainda os repassa a terceiros. O problema da pesquisa recai sobre a falta de transparência do buscador Google, que reflete que o meio ambiente digital, apontado falsamente como ambiente desregulamentado, tem possibilitado o crescimento de monopólios de corporações que desrespeitam as liberdades individuais e coletivas que integram um conjunto de direitos humanos bem como os direitos dos consumidores deles advindos. A hipótese do presente trabalho assenta-se nos princípios e legislações já existentes, nas áreas de direitos humanos, direito ambiental, direito do consumidor e

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14 direito privado como suficientes para exigir das grandes corporações que exercem monopólios no ciberespaço a desejada transparência em seus serviços, em especial o buscador Google, para que o acesso à comunicação e sua difusão no meio ambiente digital atinjam sua função social. O objetivo geral é promover uma leitura crítica do direito e, ao mesmo tempo, apresentá-lo como estratégia na tentativa de barrar a apropriação indevida do ciberespaço, fundando-se, essencialmente, no princípio da vedação ao retrocesso social. Os objetivos específicos são: apresentar a transdisciplinaridade do objeto do trabalho, que permeará diferentes áreas dentro do direito, além de outros campos de pesquisa, como a comunicação e, mais especificamente, a cibercultura. Indicar o aprofundamento do fenômeno da sociedade de controle identificada por Deleuze, a partir da disseminação da transformação das informações pessoais que trafegam no meio ambiente digital em mercadoria, apresentando seus dois maiores responsáveis: Google e Facebook. Apresentar uma demonstração argumentativa dos prejuízos aos consumidores usuários da internet que a transformação dos dados pessoais em mercadoria traz para a democracia e a cidadania. Demonstrar a possibilidade, mesmo dentro da dogmática jurídica, em utilizar todo o aparato legal, principiológico e sistêmico dos direitos humanos, do direito ambiental e do direito do consumidor e até mesmo do direito civil (esses três últimos decorrentes do primeiro, os direitos humanos) na defesa de uma internet livre, democrática e colaborativa, que auxilie na emancipação humana. A tese é dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, foram estabelecidos alguns referenciais teóricos não tão comuns no direito do consumidor e no direito ambiental. Foram abordadas algumas das diferentes formas de poder exercidas nas sociedades que se relacionam com o objeto do presente trabalho, como a sociedade disciplinar, o biopoder, a sociedade de controle e o Império, a partir dos teóricos Michel Foucault, Gilles Deleuze, Felix Guattari, Michael Hardt e Antonio Negri. Foram estabelecidas as relações entre meio ambiente digital e cibercultura, iniciando-se um diálogo interdisciplinar entre comunicação e semiótica e direito, apresentando os conceitos de cibercultura, ciberespaço, meio ambiente digital e direitos e interesses difusos. Para tanto, ancorou-se essencialmente em Pierre Lévy, Terry Flew, Luis Mauro de Sá Martinho e Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Foram expostos e relacionados os conceitos de sociedade da informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede, a partir de Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Manuel Castells, levando-se em

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15 consideração que o ambiente virtual também é redefinido pela lógica da acumulação, sendo um território em crescente disputa entre sociedade civil e grandes corporações do ramo da comunicação, entre eles as ditas plataformas de conteúdo e as empresas de telecomunicação. Apresentou-se, ainda, o conceito de dromocracia cibercultural identificada por Eugênio Trivinho. Foi destacada a concepção de que a internet somente poderá ser considerada democrática se for livre e colaborativa, a partir do histórico apresentado por Manuel Castells sobre o início da internet e a influência da cultura hacker, além das considerações de Tim Wu. Por fim, tratou-se dos direitos humanos afetos à rede mundial de computadores, como o direito humano à comunicar-se e o princípio da vedação ao retrocesso, a partir, principalmente, da análise dos textos normativos correspondentes. No segundo capítulo, foram especificados os direitos dos consumidores relativos às relações de consumo que se estabelecem no meio ambiente digital. Discutiram-se os princípios da transparência e boa-fé como premissas para quaisquer relações de consumo. Explicitou-se como se caracteriza uma relação de consumo, de que forma se dá a responsabilidade dos fornecedores e as restritas possibilidades de exclusão da mesma, além da proteção contratual destinada aos consumidores. Apoiou-se, principalmente, em Luis Antonio Rizzatto Nunes. No terceiro capítulo foi traçada a relação entre o funcionamento do buscador Google e o desrespeito aos direitos dos consumidores usuários de internet, a fim de se reforçar que o processo de apropriação da comunicação, dos dados pessoais e do conhecimento tem se aprofundado no meio ambiente digital. Apontou-se, suscintamente, os conceitos de algoritmos descritivos e preditivos, big data, aprendizagem de máquina e Inteligência Artificial (IA). Baseou-se, essencialmente em Jonathan Taplin e Eli Pariser, bem como em notícias jornalísticas para indicar e demonstrar que os algoritmos do buscador Google exercem um filtro sobre os resultados das buscas que promovemos em sua página e as implicações deste fenômeno para as mencionadas liberdades individuais e coletivas relacionadas à comunicação. Foram descritas, ainda, as políticas de uso e de privacidade do buscador do Google e foi feita a confrontação ao Código de Defesa do Consumidor, ao Marco Civil da Internet e à outras legislações pertinentes. Apresentou-se, por fim, breves menções à legislação de proteção de dados pessoais na União Europeia e os projetos de lei existentes sobre o tema no Brasil.

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1 O MEIO AMBIENTE DIGITAL E A REDE COMO ESPAÇOS LIVRES: APRESENTANDO ALGUNS AXIOMAS

O primeiro capítulo do presente trabalho apresentará algumas considerações sobre sociedade e controle, comunicação e cibercultura, adotando os referenciais teóricos para análises dos demais capítulos. O tema central da tese perpassa por conhecimentos tradicionalmente compartimentados em diferentes áreas, como direito, sociologia, comunicação e ciência da computação. Partindo do conceito de pensamento complexo1, esta pesquisa dará um maior enfoque ao direito, sem deixar de entendê-la como tema transdisciplinar2.

1.1 O controle social, o biopoder e a sociedade de controle

A rede mundial de computadores nasce como ambiente relativamente livre e com promessas de tornar-se um ambiente ainda mais democrático, que possibilitaria a troca de saberes e daria suporte ao pleno desenvolvimento humano dos diferentes povos que habitam a Terra. Tais previsões, entretanto, estão longe de se concretizar3. O principal elemento que se contrapõe à liberdade é o controle. Neste mister, irrenunciáveis são as contribuições de Foucault e, posteriormente, Deleuze, com a transcrição de trechos essenciais de suas obras para a compreensão da dialética no atual estado de restrição de liberdades e, portanto, de controle, na rede mundial de computadores. Foucault, naquela que provavelmente é sua obra mais conhecida, Vigiar e Punir: o nascimento da prisão, expõe o conceito de sociedade disciplinar que se apresenta na Europa do final do século XIX e início do século XX e que, aos poucos, substitui as punições com penas de suplício que eram tão comuns durante a Idade

1 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, passim. 2 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lucia E.Souza, São Paulo, Ed. Trion, 1999, passim. 3 Embora algumas experiências possam ser destacadas, como a Primavera Árabe, a eleição do Podemos, as Jornadas de Junho, entre outros. 16

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Média4. As práticas punitivas entram em uma nova fase, sem tocar diretamente o corpo, ―[...] e para atingir nele algo que não é o corpo propriamente‖5. Conjuntamente ao abandono das práticas medievais de tortura e suplício para punição, faz-se desnecessário o recrutamento de soldados com um corpo já predisposto ao exercício dessa função, desvelando-se aqui a possibilidade de moldar qualquer corpo para tal atividade, ou seja, ―[...] o soldado tornou-se algo que se fabrica; de uma massa uniforme, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa [...]‖6. Embora não seja inédita a noção de apropriação do corpo como objeto e alvo de poder, Foucault, citando La Mittrie na obra O Homem-máquina, enfatiza as novas formas de ―[...] docilidade dos corpos, [...] que une ao corpo analisável o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado‖7. As novidades introduzidas a partir do século XVIII são relativas à escala do controle, o objeto e a modalidade8, tornando-se ―fórmulas gerais de dominação‖9, diferentes de outros processos como a escravidão, a domesticidade, a vassalagem e as monásticas10. A partir dessas constatações, Foucault sintetiza seus maiores efeitos:

[...] O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma ―anatomia política‖, que é também igualmente uma ―mecânica do poder‖, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica, assim, corpos submissos e exercitados, corpos ―dóceis‖. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma aptidão, uma ―capacidade‖ que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a

4 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 11- 17. 5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 18- 19. 6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 117. 7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 118. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 118- 119. 9 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 118- 119. 10 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 118-119. 17

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potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (grifo nosso)11.

Estas relações, ainda no âmbito individual, são as que interessam como ponto de partida para análises dos temas ao longo do presente trabalho. As disciplinas, que objetivam a docilidade dos corpos, possuem duplo efeito, quais sejam, tornar os corpos economicamente mais úteis ao mesmo tempo em que os torna politicamente mais obedientes. Não se resumem às esferas das práticas punitivas dos sistemas penais e processuais penais, e originaram-se em diversos espaços de produção e reprodução da vida humana, como escolas, hospitais, fábricas, igrejas, entre outros12, permitindo que Foucault constatasse, com a formação de corpos dóceis, através dos ―recursos para o bom adestramento‖13, o surgimento de uma sociedade disciplinar14. A transformação dos corpos é discurso recorrente no que atualmente se denomina Sociedade da Informação15, apenas apresentando novos moldes:

Para o senso comum, a matéria que constitui o corpo e o pensamento que lhe dá suporte ainda é concebida na perspectiva dualista e mecanicista do pensamento moderno. O corpo geralmente é visto como uma máquina que pode ser reciclada, aperfeiçoada ou "modernizada". O conhecimento científico que é divulgado e popularizado reforça esse modelo e se impõe como o "discurso verdadeiro", sem revelar suas ambiguidades, seus conflitos e seus limites. As metáforas mecanicistas da racionalidade moderna reaparecem hoje travestidas de tecnologia informacional e o "corpo-máquina" de La Mettrie (1709-1751) volta à cena, sendo que agora ele é um híbrido de tecnologia computadorizada, carne e chips, matéria e megabytes de memória [...]16.

Um dos dispositivos elencados por Foucault para o exercício do poder na sociedade disciplinar, poder que, de central na figura do monarca absolutista, passa a

11 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 119. 12 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999 , p. 11- 17. 13 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 11- 17. 14 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 11- 17. 15 O conceito de Sociedade da Informação será mais bem delineado adiante neste capítulo. 16 FERREIRA, Francisco Romão. Algumas considerações acerca da medicina estética. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 67-76, Jan. 2010. Disponível em . Acesso em 21 out. 2017. 18

19 micropoder, difuso17, que permeia todas as estruturas sociais, é o conhecido Panóptico de Jeremy Bentham, um tipo de construção arquitetônica, em forma circular, dividido em celas abertas com janelas internas e externas, por onde entra a luz. Possui, ainda, uma torre ao centro, de onde é possível observar tudo e todos.

[...] O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha. [...] O Panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo sem nunca ser visto (grifo nosso). 18

Como projeto arquitetônico de encarceramento o panóptico não se difundiu na Europa ocidental do século XVIII, ou em qualquer outro lugar do mundo. Todavia, já alertava Foucault:

[...] O Panóptico ao contrário deve ser compreendido como modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens. Bentham sem dúvida o apresenta como uma instituição particular bem fechada em si mesma. Muitas vezes se fez dele utopia para o encarceramento perfeito. [...] Mas o Panóptico não deve ser compreendido como edifício onírico; é o diagrama de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal; seu funcionamento, abstraindo-se de qualquer obstáculo, resistência ou desgaste, pode ser bem representado como um puro sistema arquitetural e óptico: é na realidade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico (grifo nosso)19.

A partir da segunda metade do século XVIII ao poder disciplinar é acrescido o que Foucault denominou de biopoder20:

Ora, durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê aparecer algo novo, que é uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui a primeira, que não exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e

17 No sentido de que se espalha em todas as direções, não no sentido jurídico de direitos difusos e coletivos. 18 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 166-167. 19 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 169-170. 20 Considerando, a partir mesmo de Foucault, biopoder como sinônimo de biopolítica. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 289. 19

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sobretudo, vai utilizá-la implementando-se de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa nova técnica não suprime a técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está noutra escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes. Ao que essa nova técnica de poder não disciplinar se aplica é – diferentemente da disciplina, que se dirige ao corpo – a vida dos homens ou ainda, se vocês preferirem, ela não se dirige ao homem-corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, se vocês quiserem, ao homem-espécie. Mais precisamente, eu diria isso: a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global afetadas por processos de conjunto que são próprios da vida, que são os processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. Logo depois de uma primeira tomada de poder sobre o corpo que se fez consoante o modo da individualização, temos uma segunda tomada de poder que, por sua vez, não é individualizante mas que é massificante, se vocês quiserem, que se faz não em direção do homem-corpo, mas do homem-espécie. Depois da anátomo-política do corpo humano, instaurada no decorrer do século XVIII, vemos aparecer, no fim do mesmo século, algo que não é mais anátomo-política do corpo humano, mas que eu chamaria de uma ―biopolítica‖ da espécie humana21.

Essa nova tecnologia de poder refere-se, primeiramente, a temas afetos ao que atualmente estuda a saúde pública ou saúde coletiva: processos de natalidade, morte, longevidade. Outros campos de intervenção serão a poupança, a seguridade social e a assistência social. Além disso, o problema das cidades também será objeto da biopolítica, especificamente as questões atinentes à relação da espécie humana e o meio onde vivem22. Tecendo algumas comparações da sociedade disciplinar com a biopolítica, Foucault destaca elementos específicos:

[...] A primeira seria esta: o aparecimento de um elemento – eu ia dizer de uma personagem – novo, que no fundo nem a teoria do direito nem a prática disciplinar conhecem. A teoria do direito, no fundo só conhecia o indivíduo e a sociedade: o indivíduo contratante e o corpo social que fora constituído pelo contrato voluntário ou implícito dos indivíduos. As disciplinas lidavam praticamente com o indivíduo e com o seu corpo. Não é exatamente com a sociedade que se lida nessa nova tecnologia de poder (ou, enfim, com o corpo social tal como o definem os juristas); não é tampouco o indivíduo-corpo. É um novo corpo: corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças, se não infinito ao menos necessariamente numerável. É a noção de população. A biopolítica lida com a população, e a população como problema político, como

21 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 288-289. 22 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 289-292. 20

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problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e como problema de poder, acho que aparece nesse momento. Segundo, o que é importante também, afora o aparecimento desse elemento que é a população, é a natureza dos fenômenos que é levada em consideração. Vocês estão vendo que são fenômenos coletivos, que só aparecem com seus efeitos econômicos e políticos, que só se tornam pertinentes no nível da massa. São fenômenos aleatórios e imprevisíveis, se os tomarmos neles mesmos, individualmente, mas que apresentam no plano coletivo, constantes que é fácil, ou em todo caso possível, estabelecer. E, enfim, são fenômenos que se desenvolvem essencialmente na duração, que devem ser considerados num certo limite de tempo relativamente longo, são fenômenos de série. A biopolítica vai se dirigir, em suma, aos acontecimentos aleatórios que ocorrem numa população considerada em sua duração. A partir daí – terceira coisa, acho eu, importante – essa tecnologia de poder, essa biopolítica, vai implantar mecanismos que têm certo número de funções muito diferentes das funções que eram as dos mecanismos disciplinares. Nos mecanismos implantados pela biopolítica, vai se tratar sobretudo, é claro, de previsões, de estimativas estatísticas, de medições globais; vai se tratar, igualmente, não de modificar tal fenômeno em especial, não tanto tal indivíduo, na medida em que é o indivíduo, mas essencialmente, de intervir no nível daquilo que são as determinações desses fenômenos gerais, desses fenômenos no que eles têm de global. Vai ser preciso modificar, baixar a morbidade, vai ser preciso encompridar a vida, vai ser preciso estimular a natalidade. E trata-se, sobretudo, de estabelecer mecanismos reguladores que, nessa população global com seu campo aleatório, vão poder fixar um equilíbrio, manter uma média, estabelecer uma espécie de homeostase, assegurar compensações. Em suma, instalar mecanismos de previdência em torno desse aleatório que é inerente a uma população de seres vivos, de otimizar, se vocês preferirem, um estado de vida: mecanismos, como vocês vêem, como os mecanismos disciplinares, destinados em suma a maximizar forças e a extraí-las, mas que passam por caminhos completamente diferentes. Pois aí não se trata, diferentemente das disciplinas, de um treinamento individual realizado por um trabalho no próprio corpo. Não se trata absolutamente de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação (grifo nosso)23.

A biopolítica, passando do individual para o coletivo, altera de forma substancial a atuação do poder na sociedade. E, igualmente na sociedade disciplinar, não se resume às esferas estatais, partindo de instituições subestatais ou paraestatais, como instituições médicas, caixas de auxílios e seguros24. Para atingir esses estados globais de equilíbrio o Estado de Bem-Estar Social (Werfare State) torna-se um dos maiores exemplos, assegurando os necessários direitos sociais, para implementar uma sociedade biopolítica25. Como já se destacou, os

23 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 292-294 24 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 298-299. 25 SOUZA, R. M. de; GALLO, S. Por que matamos o barbeiro? Reflexões Preliminares sobre a paradoxal exclusão do outro. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 79, p. 39-63, ago. 2002. 21

22 conceitos apresentados até então se referem a um determinado contexto na Europa ocidental, como, por exemplo, França e Inglaterra. O Estado de Bem-Estar Social também fora apenas inserido em alguns poucos países desenvolvidos europeus no decorrer do século XX. Nos países subdesenvolvidos e periféricos, embora alguns tivessem formalmente assegurado tal pacto em suas Constituições, como é o caso do Brasil, por exemplo, outro fenômeno26 impediu sua concretização, impondo, ao contrário, que tais países adotassem a política do Estado Mínimo. A partir, principalmente, do conceito de sociedade disciplinar, mas também do conceito de biopoder, Gilles Deleuze apresenta em seu pós-escrito considerações sobre a sociedade de controle, citando diversos autores, em especial Burroughs, Paul Virilio, Kafka, além do próprio Foucault. Descreve Deleuze uma superação já constatada por Foucault da sociedade disciplinar para uma nova fase, relacionada com o biopoder, mas apresentando outro enfoque27. Michael Hardt observa que, embora Deleuze afirme que acompanha Foucault na transição da sociedade disciplinar para sociedade de controle, não se encontra em Foucault essa passagem clara, e, em seu entendimento, Deleuze formula trajetória após a morte de Foucault28. Na sociedade disciplinar a organização da vida se deu através dos confinamentos (prisões, hospitais, escolas, etc.); já a sociedade de controle não mais deles necessita:

Os diferentes internatos ou meios de confinamento pelos quais passa o indivíduo são variáveis independentes: supõe-se que a cada vez ele recomece do zero, e a linguagem comum a todos eles existe, mas é analógica. Ao passo que os diferentes modos de controle, os controlatos, são variações inseparáveis, formando um sistema de geometria variável cuja linguagem é numérica (o que não quer dizer necessariamente binária). Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação, com uma moldagem auto-deformante, que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro. [...] Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que de um modelador universal. Kafka, que já se instalava no cruzamento dos dois tipos de sociedade descreveu em O processo as formas jurídicas mais temíveis: a

26 Tal fenômeno é chamado por Hardt e Negri de Império, e será apresentado a seguir. 27 GILLES, Deleuze. Post-scritpum sobre as sociedades de controle. In L´Autre Journal, n.1, maio de 1990. Conversações, 1972 – 1990/Giles Deleuze. trad. de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 28 HARDT, Michael. A sociedade mundial de controle In ALLIEZ, Éric (org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Coordenação da tradução de Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo. Ed. 34, 2000 (Coleção TRANS), p. 357-372.

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quitação aparente das sociedades disciplinares (entre dois confinamentos), a moratória ilimitada da sociedade de controle (em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saímos de um para entrar no outro. As sociedades disciplinares tem dois pólos: a assinatura que identifica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individualizante, isto é constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce e molda a individualidade de cada membro do corpo (Foucault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote – o rebanho e cada um dos animais – mas o poder civil, por sua vez, iria converter-se em ‗pastor‘ laico por outros meios). Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os indivíduos tornaram-se ‗dividuais‘, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou ‗bancos‘. É o dinheiro que talvez melhor exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro – que servia de medida padrão –, ao passo que o controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras de moedas. A velha toupeira monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de controle. Passamos de um animal a outro, da toupeira à serpente, no regime em que vivemos, mas também na nossa maneira de viver e nas nossas relações com outrem. O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo. [...]29.

As questões trazidas até aqui no pequeno texto – apenas em número de páginas – por Deleuze são muitas e inquietantes. Parece que não há uma oposição entre uma forma e outra de poder: há um aprofundamento, ou uma intensificação com novas tecnologias políticas. Da linguagem analógica para a numérica (e, posteriormente, como se verá, para a binária); do confinamento para ambientes ao ar livre; da passagem de um ambiente de confinamento a outro para a fluidez de espaços modulados; da assinatura ou número para uma cifra ou senha; das moedas cunhadas em ouro para as trocas flutuantes; do ser humano produtor descontínuo de energia para o ser humano ondulatório, que funciona em órbita, em um feixe contínuo. Considerando a relação direta entre a sociedade de controle e a atual forma do capitalismo, Deleuze aprofunda sua análise e destaca que a sociedade de controle opera de formas diferentes nas sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas:

29 GILLES, Deleuze. Post-scritpum sobre as sociedades de controle. In L´Autre Journal, n.1, maio de 1990. Conversações, 1972 – 1990/Giles Deleuze. trad. de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 23

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[...] As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informáticas e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e o ativo a pirataria e a introdução de vírus. Não é uma revolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo. É uma mutação já bem conhecida que pode ser resumida assim: o capitalismo do século XIX é de concentração, para a produção e de propriedade. Por conseguinte, erige a fábrica como meio de confinamento, o capitalista sendo o proprietário dos meios de produção, mas também eventualmente proprietário de outros espaços concebidos por analogia (a casa familiar do operário, a escola). Quanto ao mercado, é conquistado ora por especialização, ora por colonização, ora por redução de custos da produção. Mas atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produção, relegada com freqüência à periferia do Terceiro Mundo, mesmo sob as formas complexas do têxtil, da metalurgia ou do petróleo. É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já não vende mais produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta peças destacadas. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, isto é para a venda ou para o mercado. Por isso, ele é essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar a empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. [...]. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fixação de cotações mais que por redução de custo, por transformação de produto mais do que por especialização da produção. A corrupção ganha aí uma nova potência. O serviço de vendas tornou-se o centro ou a “alma” da empresa. Informam-nos que a empresa têm uma alma, o que é efetivamente a notícia mais terrificante do mundo. O marketing agora é o instrumento de controle social, e forma a raça imprudente dos nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: o controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão dos guetos e favelas30.

Deleuze, assim como Foucault, observa questões essenciais do capitalismo pós- industrial e o coloca como ponto central da sociedade de controle. Além disso, explicita que a sociedade de controle que descreve concretiza-se em países desenvolvidos (parte da Europa). A partir da leitura de Deleuze é possível perceber que os países subdesenvolvidos caminharam para um misto de sociedade disciplinar (capitalismo dirigido para a produção) já que, por exemplo, a grande parte deles coube a função precípua de produtores de commodities, e sociedade de controle na inserção do

30 GILLES, Deleuze. Post-scritpum sobre as sociedades de controle. In L´Autre Journal, n.1, maio de 1990. Conversações, 1972 – 1990/Giles Deleuze. Trad. de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 24

25 marketing como forma de controle social, gerando cada vez mais novos endividados, mesmo os pertencentes a classes menos favorecidas. Em alguns desses países subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento), que, como já afirmado, é especificamente o caso do Brasil, pactos sociais foram estabelecidos através de um poder constituinte originário (Assembleia Constituinte de 1988) culminando em um Estado de Bem Social que, na prática, não se concretizou. E o motivo principal foi uma nova forma de poder, já mencionada linhas atrás, diferente do Imperialismo: o Império, que se traduz na ―nova ordem política da globalização‖.31

[...] Juntamente com o mercado global e com circuitos globais de produção, surgiu uma ordem global, uma nova lógica e estrutura de comando – em resumo uma nova forma de supremacia. [...] É fato que, em sintonia com o processo de globalização, a soberania de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem gradualmente diminuído. Os fatores primários de produção e troca – dinheiro, tecnologia, pessoas e bens – comportam-se cada vez mais à vontade num mundo acima das fronteiras nacionais; com isso, é cada vez menor o poder que tem o Estado-nação de regular esses fluxos e impor sua autoridade sobre a economia. Nem mesmo os Estados-nação mais dominantes devem ser tidos como autoridades supremas e soberanas, seja fora ou mesmo dentro de suas fronteiras. O declínio da soberania dos Estados-nação, entretanto, não quer dizer que a soberania como tal esteja em declínio. Através das transformações contemporâneas, os controles políticos, as funções do Estado, e os mecanismos reguladores continuaram a determinar o reino da produção e da permuta econômica e social. Nossa hipótese básica é que a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra única. Esta nova forma global de economia é o que chamamos de Império. [...] Entendemos Império, entretanto, como algo completamente diverso de imperialismo. [...] O imperialismo era, na realidade, uma extensão da soberania dos Estados-nação europeus além de suas fronteiras. [...] Em contraste com o imperialismo, o Império não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas. É um aparelho de descentralização e desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas e em expansão. O Império administra entidades híbridas, hierarquias flexíveis e permutas plurais por meio de estruturas de comando reguladoras. As distintas cores nacionais do mapa imperialista do mundo se uniram e mesclaram, num arco-íris imperial global. [...] O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. [...] O Império não só administra um território com sua população mas também cria o próprio mundo que ele habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza humana. O objeto do seu governo é a vida social com um todo, e assim o Império se apresenta como forma paradigmática de biopoder. Finalmente, apesar de a prática do Império banhar-se continuamente em sangue, o conceito de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora da História32.

31 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Trad. Berilo Vargas. 10.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, orelha. 32 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Trad. Berilo Vargas. 10.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 11-15. 25

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O conceito de Império delineado por Michael Hardt e Antonio Negri sofre críticas, especialmente no que tange à descentralização e desterritorialização do poder e ao declínio da hegemonia dos estados nacionais33. Alan Rush destaca, todavia, que Hardt e Negri descrevem uma pirâmide do poder imperial com os Estados Unidos no topo juntamente com organismos econômicos transnacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Além disso, a primeira frase do prefácio do livro Império indica um processo em curso: ―O império está se materializando diante de nossos olhos‖34. Um ponto importante na teoria de Hardt e Negri para o presente trabalho e que também foi estudado por, por exemplo, Félix Guattari e Sueli Rolnik35, é algo que se apresenta em Foucault, se aprofunda em Deleuze e se enraíza com o Império: a produção de subjetividade e de sociabilidade na sociedade de controle e nos capitalismos industrial e pós-industrial. As subjetividades são objeto de estudo de campos diferentes da ciência, como a Psicologia e a Filosofia, por exemplo. Serão apontadas a seguir algumas contribuições da filosofia ocidental europeia mais recente, com os supra mencionados autores Deleuze, Guattari, Rolnik e Hardt que se debruçaram mais especificamente sobre a produção de subjetividades e de subjetivações. Para Guattari, uma definição possível de subjetividade é:

[...] o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva36.

33 PETRAS, BORON e BELLAMY FOSTER apud RUSH, Alan. A teoria pós-moderna do Império (Hardt & Negri) e seus críticos. In: Filosofia Política Contemporânea. Controvérsias sobre civilização, Império e Cidadania. Atilio A. Boron Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; São Paulo: Departamento de Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Abril 2006. Disponível em: . Acesso em 17 mar. 2017. 34 RUSH, Alan. A teoria pós-moderna do Império (Hardt & Negri) e seus críticos. In: Filosofia Política Contemporânea. Controvérsias sobre civilização, Império e Cidadania. Atilio A. Boron Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; São Paulo: Departamento de Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Abril 2006. Disponível em: . Acesso em 17 mar. 2017. 35 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999. 36 GUATTARI, Félix. Heterogênese. in GUATTARI, Félix (Org.). Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2000, p.19. apud LEITE, Jáder Ferreira; DIMENSTEIN, Magda. Mal- estar na psicologia: a insurreição da subjetividade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 26

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Tal ―conjunto de condições‖ envolve tudo aquilo que influencia o ser humano e contribui para formação de uma identidade, para um modo de existência. Guattari e Rolnik destacam que não se trata simplesmente de um ―depósito‖ de influências:

Não existe uma subjetividade do tipo ―recipiente‖ em que se colocariam coisas essencialmente exteriores, as quais seriam ―interiorizadas‖. As tais ―coisas‖ são elementos que intervêm na própria sintagmática da subjetivação inconsciente. São exemplos de ―coisas‖ desse tipo: um certo jeito de utilizar a linguagem, de se articular ao modo de semiotização coletiva (sobretudo da mídia); uma relação com o universo das tomadas elétricas, nas quais se pode ser eletrocutado; uma relação com o universo de circulação na cidade. Todos esses são elementos constitutivos da subjetividade. (GUATTARI; ROLNIK 1999. p.34)37

Retomando a já mencionada contextualização de Deleuze acerca dos regimes econômicos nos diferentes tipos de sociedades abordados neste capítulo, é possível resumir que: no regime absolutista prevalecia o feudalismo; na sociedade disciplinar, o capitalismo de produção, alavancado pelas Primeira e Segunda Revolução Industrial; e, por fim, na sociedade de controle, caminha ao lado do capitalismo de sobre produção, com forte influência da Terceira Revolução Industrial – a Revolução Digital. A produção de subjetividades na sociedade de controle parece se intensificar com o desenvolvimento do capitalismo industrial que passa a promover uma produção e, consequentemente um consumo, massificados, além das significativas alterações nas relações de trabalho. Guattari e Rolnik esclarecem quem produz tais subjetividades:

A subjetividade é produzida por agenciamentos de enunciação. Os processos de subjetivação, de semiotização - ou seja, toda a produção de sentido, de eficiência semiótica - não são centrados em agentes individuais (no funcionamento de instâncias intrapsíquicas, egóicas, microssociais), nem em agentes grupais. Esses processos são duplamente descentrados. Implicam o funcionamento de máquinas de expressão que podem ser tanto de natureza extra-pessoal, extra-individual (sistemas maquínicos, econômicos, sociais, tecnológicos, icônicos, ecológicos, etológicos, de mídia, enfim sistemas que não são mais imediatamente antropológicos), quanto de natureza infra- humana, infrapsíquica, infrapessoal (sistemas de percepção, de sensibilidade, de afeto, de representação, de imagens, de valor, modos de memorização e produção de idéia, sistemas de inibição e de automatismos, sistemas corporais, orgânicos, biológicos, fisiológicos, etc.)38.

37 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 34 apud SOARES, Leonardo Barros; MIRANDA, Luciana Lobo. Produzir subjetividades: o que significa?. Disponível em . Acesso em 29 mar. 2017. 38 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 31 apud SOARES, Leonardo Barros; MIRANDA, Luciana Lobo. Produzir subjetividades: o que 27

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Regina Coeli Araujo da Silva e Ana Lúcia Franciso destacam que:

A ideia é que existe uma subjetividade ainda mais ampla, denominada por Guattari e Rolnik (1993) "subjetividade capitalística". Fruto da influência conjugada de fatores políticos e sociais, o lucro capitalista é, essencialmente, produção de poder subjetivo. Portanto, o que nos chega pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam são produtos da subjetivação capitalística, e trata-se de sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo39.

No mesmo sentido, e reforçando que a produção de subjetividades capitalísticas é um processo padronizador:

Assim, uma questão que se coloca para o autor é a possibilidade de identificar os processos de subjetivação a partir de uma perspectiva que podem promover subjetividades serializadas, vinculadas a uma lógica consumista. Em outras palavras, se tais agenciamentos engendram um sujeito dócil e submisso, que circunscreve nas esferas individual/coletivo e consciente/inconsciente uma sujeição econômica e subjetiva a um modelo de indivíduo para-o-consumo, dando sustentação aos mercados capitalistas. Para essa forma subjetiva serializada, individualizada e mantedora de relações sociais assimétricas, Guattari40 nomeia de subjetividade capitalística41

Guattari explica melhor o funcionamento das influências da ordem capitalística na psique humana, utilizando-se da teoria psicanalítica da personalidade de Sigmund Freud42:

A ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica. Ela incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de sentimento, de afeto, etc. Ela incide nas significa?. Disponível em . Acesso em 29 mar. 2017. 39 SILVA, Regina Coeli Araujo da; FRANCISCO, Ana Lúcia. Cultura, subjetividade e as organizações na contemporaneidade. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza, v. 10, n. 3, p. 735-756, set. 2010. Disponível em . Acesso em 29 mar. 2017. 40 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1986 apud LEITE, Jáder Ferreira; DIMENSTEIN, Magda. Mal-estar na psicologia: a insurreição da subjetividade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 41 LEITE, Jáder Ferreira; DIMENSTEIN, Magda. Mal-estar na psicologia: a insurreição da subjetividade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 42 FREUD, Sigmund. O eu e o id: 'Autobiografia' e outros textos [1923-1925]. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, v. 16 (Freud – Obras Completas), passim. 28

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montagens da percepção, da memorização, ela incide na modelização das instâncias intra-subjetivas – instâncias que a psicanálise reifica nas categorias de Ego, Superego, Ideal do Ego, enfim, naquela parafernália toda. A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas representações inconscientes: os modos como se trabalha, como se é ensinado, como se ama, como se trepa, como se fala, etc. Ela fabrica a relação com a produção, com a natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro – em suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. Aceitamos tudo isso porque partimos do pressuposto de que esta é a ordem do mundo, ordem que não pode ser tocada sem que se comprometa a própria idéia de vida social organizada. A apropriação da produção de subjetividade pelo CMI esvaziou todo o conhecimento da singularidade. É uma subjetividade que não conhece dimensões essenciais da existência como a morte, a dor, a solidão, o silêncio, a relação com o cosmos, com o tempo. Um sentimento como a raiva é algo que surpreende, que escandaliza. Da mesma forma, uma doença incontrolável como o câncer é algo que nos deixa perplexos [...]43.

A ordem capitalística, mais do que nunca, molda o comportamento humano nas diversas esferas observadas por Guattari, e inviabiliza a expressão das mais diversas dimensões existenciais. A tristeza talvez seja o maior exemplo disso, pois parece reinar na sociedade uma obrigatoriedade em sermos felizes o tempo todo. E tal felicidade vem, na maioria das vezes, embalada em um produto ou serviço que devemos adquirir. Hardt, analisando a produção de subjetividades desde a sociedade disciplinar conceituado por Foucault, passando pela sociedade de controle de Deleuze e chegando à produção de subjetividades no Império, entende que:

A produção de subjetividade na sociedade imperial de controle tende a não se limitar a lugares específicos. Continuamos ainda em família, na escola, na prisão, e assim por diante. Portanto, no colapso generalizado, o funcionamento das instituições é, ao mesmo tempo, mais intensivo e mais disseminado. Assim como o capitalismo, quanto mais elas se desregram melhor elas funcionam. De fato, começa-se a saber que a máquina capitalista só funciona se esfacelando. Suas lógicas percorrem superfícies sociais ondulantes, em ondas de intensidade. A não-definição do lugar da produção corresponde à indeterminação da forma das subjetividades produzidas. As instituições sociais de controle no império poderiam, portanto, ser percebidas em um processo fluido de engendramento e de corrupção de subjetividade. O controle é, assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina, em que as fronteiras das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que não há mais distinção entre fora e dentro (grifos do autor)44.

43 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 42-43. 44 HARDT, Michael. A sociedade mundial de controle In ALLIEZ, Éric (org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Coordenação da tradução de Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo. Ed. 34, 2000 (Coleção TRANS), p. 357-372. 29

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Tanto a produção de subjetividades quanto a produção do poder na sociedade imperial de controle advêm de um não-lugar. E é possível relacionar tal fenômeno diretamente com as redes comunicacionais de uma forma geral e mais especificamente com a internet. A partir do avanço da rede mundial de computadores, muitas trocas e relações antes impossíveis ou muito difíceis se estabelecem entre os diferentes povos do planeta. Todavia, o que se destaca é que, cada vez mais, tais relações vêm sendo permeadas e influenciadas justamente pela produção de subjetividades capitalísticas como delineou Guattari. E essas produções de poder e de subjetividades advém, em grande parte, de um espaço que é um não-lugar: a rede mundial de computadores. A afirmação de Deleuze que, na sociedade de controle, ―[...] O marketing agora é o instrumento de controle social‖45, torna clara a influência do capitalismo na produção de subjetividades, criando necessidades que antes não existiam, transformando, por exemplo, equipamentos eletrônicos tele comunicacionais quase que em extensões do corpo humano, como os tablets e smartphones, influenciando definitivamente nos modos de vida, de existência humana. É a partir da sociedade da sociedade de controle e da sociedade imperial de controle que serão estudadas no decorrer do presente trabalho as produções de subjetividades dos algoritmos mais influentes na rede, em especial o do buscador do Google, que demandam urgentemente políticas de maior transparência.

1.2 O ciberespaço e o meio ambiente digital: conceitos básicos

Ciberespaço e meio ambiente digital são expressões que contém certa dose de similitude em alguns pontos como será visto adiante: uma parte de uma área do conhecimento – a comunicação – e a outra parte de outra área – o direito. Inicialmente serão abordados aspectos da área da comunicação e conceitos prévios ao de ciberespaço para, na sequência serem apresentados conceitos relativos ao meio ambiente digital no direito.

1.2.1 Ciberespaço

45 GILLES, Deleuze. Post-scritpum sobre as sociedades de controle. In L´Autre Journal, n.1, maio de 1990. Conversações, 1972 – 1990/Giles Deleuze. Trad. de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 30

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O prefixo ciber dá origem a diversas palavras e, normalmente seu sentido é ligado a tecnologias digitais. Luís Mauro Sá Martinho explica:

De maneira um pouco vaga, o sentido de ciber, desde o advento da internet e das mídias digitais, é atrelado a ambientes e tecnologias. Ciber-alguma-coisa parece implicar a conexão em rede, o digital e o espaço de ligação entre computadores. E há um sentido nisso: a noção original de ‗cybernetics‘, cibernética, foi uma elaboração teórica da relação entre informação, comunicação e controle em sistemas específicos. A palavra e a definição foram propostas pela primeira vez pelo matemático radicado norte-americano Norbert Wiener em seu livro ‗Cybernetics‘, de 1948. A palavra cibernética vem do grego ‗kibernos‘, controle. A palavra governo, aliás, vem de uma tradução latina um pouco oblíqua de ‗kibernos‘. A cibernética é a área do saber que se dedica a estudar as relações entre informação e controle em um sistema. A base é uma concepção instrumental de informação: são dados que alimentam um sistema e permitem a tomada de decisões que, por sua vez, vão retroagir sobre esse sistema alterando potencialmente seu funcionamento, e assim por diante. A cibernética procura compreender como a informação pode ser usada para entender e prever os acontecimentos dentro de um sistema. Em termos bastante gerais, um sistema pode ser definido como um conjunto delimitado de elementos em interação. Ao digitar um texto, o computador usa um sistema com milhares de peças interagindo para que palavras sejam escritas na tela. Mas a interação com a máquina também gera, em outra instância, um sistema – no fundo, dois processadores de informação, o ‗chip‘ do computador e o cérebro do usuário, estão interagindo em um sistema cérebro-‗chip‘. O funcionamento de qualquer sistema depende, em boa medida, da interação entre as partes, que precisam, a cada momento, ‗saber o que fazer‘. Daí o papel fundamental da informação como unidade básica na cibernética. A troca de informações entre os elementos de um sistema e o motor a partir do qual todas as atitudes se organizam. Quanto mais for possível prever ou controlar as informações, maior será o controle do funcionamento do sistema e prever o que vai acontecer. O processo, portanto, depende das informações em circulação. Não por acaso, Wiener batizou essa nova área do saber de cibernética: o controle do sistema é derivado o tempo todo da retroalimentação de informações (grifos do autor)46.

A retroalimentação parece ser um elemento chave na cibernética:

Uma das noções fundamentais da cibernética é a ideia de retroalimentação ou, como é de uso mais comum, ‗feedback‘. A noção de ‗feedback‘ refere-se ao fluxo contínuo de informações e respostas trocadas entre os elementos de um sistema na coordenação de suas ações. Isso não se aplica apenas a elementos eletrônicos: aonde quer que exista um sistema, sua organização dependerá da qualidade do ‗feedback‘ trocado entre seus compontentes. [...] Wiener foi um dos primeiros a parecer sugerir uma equivalência entre o processamento de informações pelo cérebro humano e por computadores, no sentido de que, nos dois casos, há uma entrada (‗input‘) e saída (‗output‘) de dados intermediados por sucessivos ‗feedbacks‘.

46 MARTINHO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 21-22. 31

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Quando se digita uma palavra no ‗Google‘ ou em uma rede social e imediatamente aparecem anúncios relacionados ao que está escrito, o domínio é da cibernética: um ‗input‘ foi decodificado e gerou um ‗feedback‘ que, por sua vez, tende a gerar novas ações – colocar os anúncios na tela (grifos do autor)47.

E não somente em relação aos anúncios, mas exatamente o tema de investigação do presente trabalho é também uma retroalimentação, já que os resultados da busca feita em qualquer buscador são saídas (output) de um algoritmo, como será mais bem delineado no capítulo 3. Dentre as diversas variações com o prefixo ciber está o ciberespaço. Definição bastante utilizada é a de Pierre Levy, que faz menção à origem do termo:

A palavra ciberespaço foi inventada em 1984 por William Gibson em seu romance de ficção científica ‗Neuromancer‘. No livro, esse termo designa o universo das redes digitais, descrito como campo de batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Em ‗Neuromancer‘, a exploração do ciberespaço coloca em cena as fortalezas de informações secretas protegidas pelos programas ICE, ilhas banhadas pelos oceanos de dados que se metamorfoseiam e são trocados em grande velocidade ao redor do planeta. Alguns heróis são capazes de entrar fisicamente nesse espaço de dados para lá viver todos os tipos de aventuras. O ciberespaço de Gibson torna sensível a geografia móvel da informação, normalmente invisível. O termo foi imediatamente retomado pelos usuários e criadores de redes digitais. Existe hoje no mundo uma profusão de correntes literárias, musicais, artísticas e talvez até políticas que se dizem parte da cibercultura. Eu defino o ciberespaço como ‗o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores‘. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas a digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é, parece-me, a marca distintiva do ciberespaço. Esse novo meio tem a vocação de colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e de simulação. A perspectiva da digitalização geral das informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo século (grifos do autor)48.

No mesmo sentido, Terry Flew sintetiza ciberespaço como sendo ―Espaço de interação criado no fluxo de dados digitais em redes de computadores; virtual por não

47 MARTINHO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 22-23. 48 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 94-95. 32

33 ser localizável no espaço, mas real em suas ações e efeitos‖49. Muito interessante um aspecto abordado por Flew em sua definição de ciberespaço que é o do ―virtual por não ser localizável no espaço‖, e que parece dialogar com a percepção de Michael Hardt acerca do não-lugar da produção de subjetividades e da produção do poder na sociedade imperial de controle. É fato que os milhões de terabytes de dados que circulam na rede são armazenados em centros de dados (datacenters), ou seja, estão sim em algum lugar físico. No entanto, como o processamento das informações não é visível, há uma impressão de impossibilidade de localização no espaço. É de se questionar, por exemplo, quem são os produtores e/ou distribuidores de informações massificadas ou quem são as empresas que armazenam essa quantidade infindável de dados, tendo em vista que na sociedade da informação, tem mais poder quem controla a maior quantidade dados e informações. Unindo as duas definições acima mencionadas sobre ciberespaço, tem-se que ele é: o espaço de comunicação e interação criado no fluxo de dados digitais em redes comunicacionais eletrônicas. Acrescente-se que referida interação pode ser on ou off line. A partir disso, é possível introduzir a definição de meio ambiente digital, que, para o direito, parte do conceito de meio ambiente e de seus diferentes aspectos.

1.2.2 Meio ambiente

Portanto, inicialmente, serão apresentados sucintamente os conceitos de meio ambiente (natural) e suas derivações50. Antes de esmiuçar os conceitos dos diferentes

49 FLEW, Terry. New media: an introduction. Oxford: OUP, 2008 apud MARTINHO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 11. 50 Saliente-se que praticamente a totalidade dos teóricos de direito ambiental utilizam a classificação de meio ambiente em ao menos quatro de seus aspectos: meio ambiente natural; meio ambiente artificial; meio ambiente do trabalho e meio ambiente cultural, como por exemplo: Paulo Affonso Leme Machado, Édis Milaré, José Afonso da Silva (em parte). O STF também adota tal classificação desde o julgamento da ADI-MC 3540/DF: ―[...] A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‗defesa do meio ambiente‘ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. [...]‖. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 3510/DF – Distrito Federal. Relator: Celso de Mello. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 1º junho 2005. Disponível em: 33

34 aspectos do meio ambiente, entretanto, se faz necessário apresentar os conceitos de direitos coletivos lato sensu, nos quais se inserem os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos.

1.2.2.1 Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos

Os conceitos de direitos coletivos em sentido amplo, que englobam os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos serão apresentados conforme já delineados em pesquisa anterior, na dissertação de mestrado, em que se pesquisou a tutela do meio ambiente cultural. Houve, entretanto, uma revisão conceitual acerca da definição em relação aos direitos coletivos stricto sensu. Muitos conceitos e definições de bens públicos, privados e bens difusos apresentados, principalmente, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor são incompatíveis entre si e com os mandamentos constitucionais, podendo confundir a interpretação de direitos difusos. Isto porque a Legislação Civil vigente determina que:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

No mesmo sentido ao determinado pela legislação nacional, Maria Helena Diniz, afirma que51:

Como sabemos, o bem particular é aquele ‗pertencente a pessoa natural ou a pessoa jurídica de direito privado‘, enquanto o bem público ‗é o que tem por

. Acesso em: 10 jun. 2013. 51 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 394 apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 69. 34

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titular do seu domínio uma pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser federal, se pertencente à União, estadual, se do Estado, ou municipal, se do município‘.

Observa-se que tal disposição e definição está intimamente ligadas ao conceito de propriedade relacionando-a à titularidade do bem, como bem observa Celso Antonio Pacheco Fiorillo52. A classificação, ou divisão, dos bens públicos em três categorias (bens de uso comum do povo; os de uso especial; e os dominicais), confunde alguns elementos dos bens difusos com bens públicos, como aponta Hugo Nigro Mazzilli53:

A clássica dicotomia entre o interesse público e o interesse privado, que existe em todos os países de tradição romana do Direito, passou, porém, a sofrer crítica muito acentuada, principalmente nestas três últimas décadas. Em primeiro lugar, porque hoje a expressão interesse público tornou-se equívoca, quando passou a ser utilizada para alcançar também os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos ou os interesses difusos etc. (...) Em segundo lugar, porque, nos últimos anos, tem-se reconhecido que existe uma categoria intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, como os moradores de uma região quanto a questões ambientais comuns, ou consumidores de um produto quanto à qualidade ou ao preço dessa mercadoria.

Percebe-se que a Legislação Civil cometeu o equívoco incluir ―os bens de uso comum do povo‖ como sendo ―bens públicos‖, pois, o interesse público é diferente do interesse difuso, e muitas vezes os interesse estatais colidem com interesses difusos, coletivos ou individuais. Esta colisão acaba por distinguir o interesse público primário (o bem geral) do interesse público secundário (o modo pelo qual os órgãos da administração veem o interesse público), vez que os interesses políticos nem sempre coincidem com os interesses gerais da sociedade54. Renato Alessi55 destaca que:

52 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68-69. 53 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46. 54 ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto ammnistrativo italiano, Milão, 1960, p. 197-198 apud MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47. 55 ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto ammnistrativo italiano, Milão, 1960, p. 197-198 apud MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47. 35

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Ao tomar decisões na suposta defesa do interesse público, nem sempre os governantes fazem o melhor para a coletividade: políticas econômicas e sociais ruinosas, guerras, desastres fiscais, decisões equivocadas, malbaratamento dos recursos públicos e outras tantas ações daninhas não raro contrapõem governantes e governados, Estado e indivíduos.

Sobre a distinção entre ―os bens de uso comum do povo‖ e os ―bens públicos‖, Celso Antônio Pacheco Fiorillo56 esclarece que o motivo da confusão se assenta no dever do Estado em administrar os bens difusos em conjunto com a sociedade. Neste sentido Fiorillo57 afirma que:

[...] Ademais, deve-se frisar que, ao fazer distinção entre bem público e de natureza difusa, não se colocam em xeque o princípio da legalidade e o poder-dever de a Administração agir conforme os ditames legais e em benefício da coletividade. Concebe-se, efetivamente, em nosso ordenamento jurídico positivado, uma terceira categoria de bem, que é o bem difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem público. Tanto isso é verdade que o legislador constituinte demonstrou sua existência, ao aludir a bem ambiental de natureza difusa (art. 225), de uso comum do povo, cuja defesa incumbe tanto ao Poder Público quanto à coletividade. Não se pode olvidar, como critério diferenciador, que o bem público tem como titular o Estado (ainda que deva geri-lo em função e em nome da coletividade), ao passo que o bem de natureza difusa repousa sua titularidade no próprio povo. Com isso, eventuais condenações a ressarcimento do dano a um bem de natureza pública e a outro de natureza difusa possuirão destinos diferentes. No primeiro caso, o objeto da arrecadação será destinado ao Estado, enquanto no segundo, em princípio, destinar-se-á ao fundo criado pela Lei nº 7.347/85 – Fundo de Defesa de Direitos Difusos (Lei nº 9.008/95) – ou mesmo a Fundos Estaduais. [...] A distinção entre bem público e bem difuso reclama ainda a análise não só do artigo 66 do Código Civil de 1916 como de sua ‗cópia‘ no Código Civil de 2002 (art. 99). O legislador de 1916 atribuiu ao que chamamos atualmente de bem difuso a característica de espécie de bem público; o legislador civil de 2002, como dissemos, transportou o conceito do final do século XIX/início do século XX pura e simplesmente para o século XXI... resta evidente que os conceitos do subsistema civil não guardam compatibilidade com o conceito descrito no artigo 225 da Constituição Federal. Destarte, como já afirmado em edições anteriores de nosso Curso de direito ambiental brasileiro, reiteramos afirmação no sentido de que não só o art. 66, I, do Código Civil de 1916 não foi recepcionado em sua inteireza pela Constituição Federal como o art. 99, I, do Código Civil de 2002 é claramente inconstitucional. Os exemplos de bens de uso comum do povo mencionados no subsistema civil têm sua definição jurídica especificamente estabelecida em normas constitucionais (arts. 182, 183 e 225) e infraconstitucionais ambientais (rios e mares como recursos ambientais no plano do meio ambiente natural definidos na Lei nº 9.985/2000; estradas, ruas e praças como recursos ambientais do meio ambiente artificial definidos nas Leis nº 9.503/97 e 10.257/2001).

56 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 72. 57 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 72-73. 36

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Ressalte-se que os bens públicos não são bens difusos, já que estes bens são aqueles de interesse de toda a coletividade, e os bens públicos pertencem ao patrimônio público-estatal. O direito brasileiro tutela juridicamente os direitos difusos e coletivos, e os distingue em direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos. Celso Antonio Pacheco Fiorillo58 explica que, embora a Lei de Ação Popular e a Lei de Ação Civil Pública estivessem em vigor e previssem regras de defesa e proteção aos direitos difusos e coletivos, a doutrina e a jurisprudência sempre encontraram dificuldades na tutela efetiva destes direitos, uma vez que não existia uma legislação que apresentasse uma definição substancial dos seus conteúdos. Assim, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor houve a definição material clara e inequívoca das três ―espécies‖ de direitos difusos e coletivos, elencados no parágrafo único de seu artigo 81. Importante destacar que ―direitos coletivos‖ são os não individuais que pertencem a toda a coletividade. Os direitos ou interesses coletivos são, portanto, os transindividuais ou metaindividuais. Importante ainda destacar a Legislação utilizou o termo ―interesses‖ como sinônimo de ―direitos‖, mas, embora existam algumas diferenças entre os significados, eles podem ser utilizados como sinônimos. Direitos ou interesses difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas por uma circunstância de fato. Nestes termos é a disposição trazida no artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código do Consumidor, in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Estes interesses transcendem o indivíduo e atingem toda a coletividade. Mauro Cappelletti59 afirma que os interesses ou direitos transindividuais ―[...] são

58 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual brasileiro. São Paulo: RT, 1995, p. 114. 59 CAPPELLETTI, Mauro. Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti allá giustizia civile, Rivista di Diritto Processuale, 30: 367, 1975 apud MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47. 37

38 compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas‖. São interesses que atingem mais de uma pessoa ligadas por circunstâncias de fato, e que, portanto, não podem ser identificadas. Sobre a ligação dos indivíduos a uma circunstância de fato Hugo Nigro Mazzilli pondera que60:

Advirta-se, porém, que, embora o CDC se refira a ser uma situação fática o elo comum entre os lesados que compartilhem o mesmo interesse difuso, é evidente que essa relação fática também se subordina a uma relação jurídica (como, de resto, ocorre com quaisquer relações fáticas e jurídicas); entretanto, no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá diretamente da relação jurídica em si, mas sim da situação fática resultante.

Todas as circunstâncias de fato tem ou terão algum envolvimento com uma relação jurídica anterior. Contudo, não é necessário comprovar nenhuma implicação jurídica pré-existente, bastando a demonstração do dano e o liame entre suas vítimas. Os interesses coletivos acabam coincidindo em parte com os direitos difusos, pois também possui a característica de transindividualidade do interesse, e sua indivisibilidade. Estes estão previstos no inciso II do parágrafo único do artigo 81, in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

A titularidade do direito e o vínculo pré-existente entre seus titulares marca a distinção com os interesses difuso, ou seja, os titulares do interesse coletivo stricto sensu, devem pertencer a um ―grupo, categoria ou classe‖ e deve haver um vínculo entre eles, estando, portanto, ―ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base‖. Neste sentido ensina Kazuo Watanabe61 que:

60 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 51. 61 WATANABE, Kazuo. Capítulo I: disposições gerais, art. 81 ao 90. In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 610-666. 38

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Essa relação jurídica base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão. (...) Nos interesses ou direitos ‗difusos‘, a sua natureza indivisível e a inexistência de relação jurídica base não possibilitam, como já ficou visto, a determinação dos titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno jurídico em análise, é sempre possível encontrar-se um vínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas a relação jurídica base que nos interessa, na fixação dos conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de lesão.

Neste direito ou interesse se perquire a existência de uma relação jurídica anterior, marcada pelo vínculo entre os titulares ou pelo vínculo destes com a parte contrária. Importante destacar que esses grupos, categorias ou classes não precisam estar legalmente organizadas, nem mesmo precisam estar organizados em uma associação formal. Assim, Kazuo Watanabe explica que62:

Mesmo sem organização, os interesses ou direitos ‗coletivos‘, pelo fato de serem de natureza indivisível, apresentam identidade tal que, independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de seus titulares em torno de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade, tornando-se perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção jurisdicional em forma molecular. Nas duas modalidades de interesses ou direitos ‗coletivos‘, o traço que os diferencia dos interesses ou direitos ‗difusos‘ é a determinabilidade das pessoas titulares, seja por meio da relação jurídica base que as une (membros de uma associação de classe ou ainda acionistas de uma mesma sociedade), seja por meio do vínculo jurídico que as liga à parte contrária (contribuintes de um mesmo tributo, prestamistas de um mesmo sistema habitacional ou contratantes de um segurador com um mesmo tipo de seguro, estudantes de uma mesma escola etc).

A legislação não especificou que o direito coletivo prescinda de um vínculo formal entre os seus titulares. Observe-se que a delimitação dos os titulares não é requisito para a identificação do direito ou interesse coletivo stricto sensu. Basta que exista a ligação jurídica base entre os titulares ou com a parte contrária. Os direitos individuais homogêneos são os interesses ou direitos decorrentes de origem comum. Estes direitos foram previstos no parágrafo único do artigo 81, inciso III, in verbis:

62 WATANABE, Kazuo. Capítulo I: disposições gerais, art. 81 ao 90. In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 610-666. 39

40

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Embora se assemelhe ao instituto processual do litisconsórcio que possibilita à pessoas com os mesmos interesses atuarem em uma só ação, ativa ou passivamente63, este instituto é diferente dos interesses individuais homogêneos como explica Luiz Antonio Rizzatto Nunes64:

Mas, note-se: não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo; quando se trata de direito individual homogêneo, a hipótese é de direito coletivo – o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no art. 82 da lei consumerista.

Diferente do litisconsórcio ativo onde vários interessados podem ingressar juntamente com apenas uma ação para pleitearem em nome próprio o seu direito lesado, os direitos individuais homogêneos são requeridos por um dos legitimados coletivos que pleiteia interesses alheios em nome próprio. Neste sentido Celso Antonio Pacheco Fiorillo65 destaca que:

Como podemos verificar o legislador não trouxe elementos definidores dos direitos individuais homogêneos. Entretanto, é possível concluir que se trata de direitos individuais, cuja origem decorre de uma mesma causa. Na verdade a característica de ser um direito coletivo é atribuída por conta da tutela coletiva, à qual esses direitos poderão ser submetidos. A compreensão desse instituto como um direito individual e de objeto divisível somente é possível em decorrência da interpretação do sistema processual de liquidação e execução dos direitos individuais homogêneos, trazido pelo Capítulo II do Título III da Lei nº 8.078/90. Isso porque, em alguns dispositivos (arts. 91, 97, 98 e 100), pode-se constatar que os legitimados para a ação civil pública agem como legitimados extraordinários, pleiteando em nome próprio direito alheio. Além disso, o sistema prevê que a liquidação de sentença poderá ser promovida pelas vítimas ou seus sucessores, demonstrando o caráter individualizador das ofensas experimentadas e, por consequencia, a divisibilidade do objeto dessa relação.

63 Conforme artigos 113 a 118 do Código de Processo Civil. 64 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 703. 65 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 9. 40

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Kazuo Watanabe destaca que o único requisito estabelecido expressamente em lei, que caracterizam os direitos individuais homogêneos é a ―origem comum‖66. Corrobora Watanabe apontando que:

‗Origem comum‘ não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquiridos por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tornam a ‗origem comum‘ de todos eles.

Estes direitos e interesses são individuais, pois os titulares são determinados, e possuem uma relação fática comum, sendo que o objeto da relação é divisível. Os direitos ou interesses individuais homogêneos somente são considerados coletivos em razão de sua tutela ser coletiva. Embora seja possível identificar nas relações com o meio ambiente, a, como ser perceberá no decorrer do trabalho, mais especificamente em relação ao meio ambiente digital, todas as espécies de direitos coletivos em sentido amplo, a presente pesquisa dará mais enfoque à percepção tanto do direito ao meio ambiente digital, quanto aos demais referenciados (direitos humanos e do consumidor, em especial) como direitos difusos, de interesse de toda a coletividade.

1.2.2.2 Os diferentes aspectos do meio ambiente

O meio ambiente natural é aquele que normalmente se pensa quando é feita referência ao meio ambiente lato sensu, e que engloba a fauna e a flora. O artigo 3º, inciso I da Lei nº 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), define, in verbis:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;.

Como já salientado, o meio ambiente natural envolve também, mas não exclusivamente, fauna e flora. Outras formas de vida também são tuteladas, como

66 WATANABE, Kazuo. Capítulo I: disposições gerais, art. 81 ao 90. In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 610-666. 41

42 micróbios e fungos, além de recursos naturais como a água, o solo, o ar, etc. e questões a eles correlatas, como a atividade de mineração, extração de petróleo, poluição sonora, entre outras tantas. A Lei de PNMA, supra citada, é de 1981 e, portanto, anterior à Constituição Federal de 1988, que trouxe uma nova ordem constitucional ambiental, estabelecendo um capítulo específico, o Capítulo VI – Do meio ambiente, para regulamentá-lo. A LPNMA foi recepcionada pela CF/88, como é facilmente constatado pelas sucessivas reformas que ela sofreu67. Todavia, deve ser interpretada à luz da Constituição de 88. Definição mais completa de meio ambiente lato sensu pode ser construída a partir do prescrito no caput do artigo 225, da Constituição Federal de 88:

Art. 225 Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A fim de se compreender o meio ambiente como espaço que abrange não somente o meio ambiente natural, salutar é a reflexão de José Afonso da Silva: ―[...] A interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas‖68. Data maxima vênia, tal definição ainda não abarca todos os aspectos essenciais do meio ambiente69. O meio ambiente é o espaço ―[...] ecologicamente equilibrado [...]‖, ―[...] de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida [...]‖, conforme se denota da leitura do artigo 225 supra transcrito. Assim, todo espaço que for essencial à sadia qualidade de vida é meio ambiente. Por isso a extensão do meio ambiente para diversos outros aspectos, como meio ambiente artificial, do trabalho, cultural, patrimônio genético e meio ambiente digital. Nesse sentido, o Anexo I – Definições, XII, da Resolução do CONAMA nº 306/2002 ampliou o conceito do artigo 3º da LPNMA:

Meio ambiente: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (grifo nosso).

67 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 68. 68 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 2. 69 José Afonso da Silva compreende o meio ambiente do trabalho como parte do meio ambiente artificial. 42

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O meio ambiente artificial caracteriza-se pelo conjunto de construções e edificações públicas e privadas no espaço urbano, em zona urbana ou rural. Por sua vez, o meio ambiente do trabalho compreende as questões relativas à saúde e à segurança no local onde as trabalhadoras e trabalhadores desenvolvem suas atividades laborais. O meio ambiente do patrimônio genético abrange, em resumo, a proteção das informações de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de seres da fauna, flora, fungo ou micróbio70. O meio ambiente cultural é o espaço onde ocorrem as trocas e interações da sociedade com os bens materiais e imateriais, portadores de referência à ação, identidade e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, que abrange os povos indígenas, afro-brasileiras e os portugueses, participantes do processo civilizatório nacional, conforme interpretação restrita71 dos artigos 216, caput e incisos I a V e 215, caput e § 1º CF/88, a serem transcritos a seguir. Destaque-se que apenas será utilizada tal terminologia de processo civilizatório por ser esta a expressão contida nos artigos mencionados. Todavia, ressalte-se que tal termo é preconceituoso e racista, haja vista que diminui os povos não europeus a categorias como não civilizadas, incivilizadas ou bárbaras, com as quais não se coaduna no presente trabalho. Nesse sentido, até o século XIX considerava-se que algumas sociedades possuíam cultura e outras não, ou mesmo que, dentro de uma sociedade, alguns indivíduos são aculturados e outros não. Com o desenvolvimento da ideia de universalidade do fenômeno cultural, passou-se a considerar que todos os povos, indistintamente, criam padrões e valores sociais. Deste modo, na esfera individual, o fenômeno cultural passa a ser compreendido como uma segunda natureza, exclusiva do ser humano72

70 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 73-77. 71 Reafirmando entendimento anterior já firmado em MARTINEZ, Regina Célia; SOUZA, Carolina Ferreira; ARRUDA, André Felipe Soares de. Controle social na rede mundial de computadores como tutela do meio ambiente cultural: algumas considerações. Revista de Direito da Cidade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017.

72 CUNHA, Newton. Dicionário Sesc: a linguagem da cultura. São Paulo: Perspectiva: Sesc São Paulo, 2003, p. 196 apud MARTINEZ, Regina Célia; SOUZA, Carolina Ferreira; ARRUDA, André Felipe Soares de. Controle social na rede mundial de computadores como tutela do meio ambiente cultural: algumas considerações. Revista de Direito da Cidade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 43

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Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

O §1º do artigo 215, CF/88 supra transcrito delineia são os grupos formadores da sociedade brasileira objeto de proteção de seus patrimônios culturais, determinando que devem ser protegidas as manifestações das culturas populares, indígenas e afro- brasileiras, ―e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional‖. Apenas reiterando, os três grupos formadores da sociedade brasileira, cujas manifestações culturais constituem bens ambientais culturais brasileiros são: os indígenas, os afrodescendentes e os ―participantes do processo civilizatório nacional‖. A população indígena, como população originária, dispensa outra justificativa que não essa mesma (de ser população originária) para sua inclusão neste seleto grupo formador da sociedade e, consequentemente, da cultura brasileiras. A população afro- brasileira também dispensa maiores análises, tendo em vista a diáspora africana que se deu em larga escala para o Brasil: o povo africano foi sequestrado e trazido à força para trabalhar como escravo durante o período do Brasil Colônia73. Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2000)74, muitos outros grupos de imigrantes compõem os demais grupos participantes do processo, sendo maior a imigração de uma ou outra nacionalidade em épocas distintas. Boris Fausto (apud

73 Em pesquisa da estadunidense Emory University em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (entre outras entidades), apresentam cálculo de estimativa de mais de 5,8 milhões de africanas e africanos traficados como escravos para o Brasil em navios com bandeira de Portugal e Brasil. SLAVE VOYAGES. Estimativa. Tabela. Disponível em < http://www.slavevoyages.org/assessment/estimates>. Acesso em 17 ago. 2017. Ver também: ELTIS, David. A escravização de africanos. Um breve resumo do tráfico transatlântico de escravos – Parte II. 03 jul. 2016. Disponível em . Acesso em 17 ago. 2017. 74 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 48. 44

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FIORILLO, 2000)75 especifica tais demais grupos participantes do processo civilizatório nacional: portugueses, alemães, italianos, espanhóis e, em menor quantidade em termos gerais, mas não menos significativos, outros povos como os japoneses, sírio-libaneses e os judeus. Muito embora seja inegável a contribuição até os dias atuais de todos esses povos imigrantes acima mencionados, parece ser por demais abrangente a inclusão de todos eles na qualidade de grupos participantes do processo civilizatório brasileiro. Porque a História brasileira tem início muito antes da chegada dos portugueses ao Brasil, se considerarmos que o processo civilizatório tem início com os primeiros habitantes de um território. No caso do Brasil, as primeiras ocupações datam de 8.000 a. C., na Lagoa Santa, em Minas Gerais76. As infindáveis relações e transformações da sociedade brasileira fazem com que todos os povos que para o Brasil imigraram (e continuam imigrando), pudessem ser considerados pertencentes ao processo civilizatório nacional. Não parece essa ser a melhor interpretação do dispositivo nem mesmo do conceito de patrimônio cultural de um povo. O processo civilizatório a que se refere o dispositivo legal é o período referente à ocupação originária do solo brasileiro. Desta forma, quem efetivamente se apropriou do território brasileiro foram os portugueses, que instalaram aqui uma Colônia, da qual Portugal era Metrópole. A proteção ao patrimônio cultural desses três povos é essencial para resgatar e divulgar as verdadeiras raízes de nosso país, nossa ancestralidade. Isso de forma alguma significa que não haja contribuição desses outros demais povos que aqui se instalaram a partir da ocupação portuguesa. O próprio caput do artigo 215 supra transcrito deixa claro que todas as manifestações culturais (aqui já não mais adstritas às três populações mencionadas) devem ser incentivadas, apoiadas e difundidas: ―Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais‖. Desta feita, cultura e patrimônio cultural são conceitos distintos. A cultura é mais ampla, englobando todas as práticas das diferentes nacionalidades e etnias que residiram e residem aqui no Brasil e o patrimônio cultural, a ser tombado pelo Estado, tendo, portanto, tratamento jurídico diferenciado e que corresponde ao eixo ancestral

75 FAUTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995, passim apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 48-49. 76 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 45. 45

46 brasileiro corresponde às práticas culturais dos povos formadores da sociedade brasileira: indígenas, afro-brasileiros e portugueses. Como penúltima área do direito ambiental na classificação adotada neste trabalho, o patrimônio genético é parte de um ser vivo (ou que esteve vivo), e, portanto, em última análise, pertence ao meio ambiente natural. No entanto, existem características e legislações especiais que sugerem um estudo apartado. Em especial pela possibilidade de manipulação de material genético de diferentes espécies e a possibilidade de criação de novas espécies, chamadas de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) ou transgênicos. E como será visto a seguir, tal destaque para o estudo em separado do patrimônio genético acompanha a previsão da quarta dimensão dos direitos humanos, relacionada à bioética e ao biodireito.

1.2.2.2.1 Meio ambiente digital

Da mesma forma que o patrimônio genético acompanha as dimensões de direitos humanos, o estudo do meio ambiente digital está diretamente ligado à quinta dimensão de direitos humanos, que asseguram direitos relativos à chamada sociedade da informação. Os teóricos do direito ambiental, como visto, não classificam o meio ambiente digital como pertencente ao direito ambiental. A quase totalidade da doutrina que estuda o meio digital defende um novo ramo do direito: o direito digital ou direito eletrônico como ramos autônomos77. No direito ambiental, apenas Celso Antonio Pacheco Fiorillo faz tal distinção em suas obras78, que, para tal autor, guarda relações estreitas com o meio ambiente cultural:

Questiona-se, assim, a posição do meio ambiente cultural na tutela jurídica do fenômeno que no século XXI constitui a sociedade da informação. É conhecido que a evolução das tecnologias da informação propiciou mudanças reveladoras de novo processo civilizatório que, com o advento da internet, criou novo espaço de troca e de formação de relações sociais: o espaço digital. As redes virtuais são marcadas pelo caráter difuso e introduzem na sociedade uma temporalidade aberta, que entende o momento presente como conectado com o tempo das futuras gerações. Nesse sentido é que avaliamos a dimensão funcional da comunicação na contemporaneidade, demonstrando

77 Como, por exemplo, a advogada Patrícia Peck Pinheiro, em seu livro sobre direito digital: PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, passim. 78 Como nas obras: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012 e FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O marco civil da internet e o meio ambiente digital na sociedade da informação: comentários à Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Saraiva, 2015. 46

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como os usos da Internet apresentam um dos campos de investigação mais importantes do direito ambiental brasileiro na atualidade79.

No mesmo sentido, Fiorillo afirma:

O meio ambiente cultural, por via de consequência, manifesta-se no século XXI em nosso país exatamente em face de uma cultura que passa por diversos veículos reveladores de novo processo civilizatório adaptado necessariamente à sociedade da informação, a saber, de nova forma de viver relacionada a uma cultura de convergência em que as emissoras de rádio, televisão, o cinema, os videogames, a internet, as comunicações por meio de ligações de telefones fixos e celulares80 etc. moldam uma ―nova vida‖ reveladora de nova faceta do meio ambiente cultural, a saber: o meio ambiente digital81.

Ao comentar o Marco Civil da Internet, Fiorillo completa:

A comunicação de dados entre computadores ou quaisquer outros dispositivos nada mais é do que interação, intercâmbio, troca de informações e mesmo de mensagens realizada entre as pessoas humanas de forma individual ou coletiva, ou seja, a troca de informações na forma de arquivos de textos, sons e imagens digitalizadas, software, correspondência (e-mail) etc, é o conteúdo substancial da internet. Trata-se por via de consequência de tema adstrito ao meio ambiente digital no âmbito do meio ambiente cultural matéria inserida na sociedade da informação. [...] Assim, entendido constitucionalmente como forma, processo ou veículo destinado a realizar a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, o uso da internet no Brasil em face da presente lei deverá ser interpretado estruturalmente e preliminarmente em face dos princípios, garantias, direitos e deveres fixados pela Constituição Federal Brasileira em proveito dos brasileiros e estrangeiros residentes no País, ou seja, ser interpretado não só a partir dos princípios fundamentais de nossa Constituição indicados nos artigos 1º a 4º (que necessariamente vinculam todas as normas e ―marcos‖ normativos existentes em nosso País) como também em face do que estabelecem os direitos e garantias fundamentais (arts. 5º a 17) bem como as regras superiores que definem as relações normativas no plano de Comunicação Social (arts. 220 a 224 da CF). Claro está que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação realizadas por meio da internet e concebidas pela pessoa humana não só como formas de expressão, mas efetivamente como modos de criar, fazer e viver estão particularmente fundamentadas no plano constitucional

79 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul./set. 2010. 80 Conforme matéria do jornalista Ethevaldo Siqueira (jornal O Estado de S.Paulo, de 16-5-2010, B14, Economia), o Brasil de julho de 1998 tinha média de 14 telefones para cada 100 habitantes, sendo certo que hoje tem 124; no dia da privatização (29-7-1998) o Brasil tinha 24,5 milhões de telefones e hoje tem 224 milhões; há 12 anos o Brasil tinha 5,2 milhões de celulares e hoje tem 180 milhões. Vale lembrar que o portal do IBGE na internet (www.ibge.gov.br) indicava no dia 2 de junho de 2010 o número de 193.012.250 habitantes na República Federativa do Brasil (nota do autor). 81 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81. 47

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pela tutela jurídica do meio ambiente cultural (arts. 215 a 216) dentro do atual processo civilizatório nacional fortemente impactado pela denominada cultura da convergência (meio ambiente digital) (grifo do autor)82.

Algumas considerações podem ser tecidas a partir das reflexões de Fiorillo sobre meio ambiente digital. Inicialmente, cabe apontar que parece ser acertada a expressão meio ambiente digital. A referência ao termo digital na própria nomenclatura desse aspecto do meio ambiente se dá justamente porque a quase totalidade das informações trocadas são convertidas em dígitos. Além disso, conforme já mencionado, para Pierre Lévy, é a codificação digital a marca distintiva do ciberespaço. Luís Mauro Sá Martino resume:

[...] Como lembram Chandler e Munday em sua obra de referência, o termo mídias digitais é às vezes intercambiado com nova mídia, novas mídias, novas tecnologias e expressões derivadas. De algum modo, essas expressões procuram estabelecer uma diferença entre os chamados meios de comunicação de massa ou mídias analógicas, como a televisão, o cinema, o rádio, jornais e revistas impressos, dos meios eletrônicos. As mídias analógicas, em linhas gerais, tinham uma base material: em um disco de vinil, o som era gravado em pequenos sulcos sobre uma superfície de vinil e, quando uma agulha passava sobre esses sulcos, o som era reproduzido. Da mesma maneira, na fotografia e no cinema, uma película fixava, a partir de reações químicas, a luz que chegava através da lente de uma câmera. No caso do rádio e da televisão, ondas produzidas a partir de meios físicos eram lançadas no ar e captadas por antenas. Nas mídias digitais, esse suporte físico praticamente desaparece, e os dados são convertidos em sequências numéricas ou de dígitos – de onde digital – interpretados por um processador capaz de realizar cálculos de extrema complexidade em frações de segundo, o computador. Assim, em uma mídia digital, todos os dados, sejam eles sons, imagens, letras ou qualquer outro elemento são, na verdade, sequências de números. Essa característica permite o compartilhamento, armazenamento e conversão de dados. Dados transformados em sequências de números interpretados por um computador: uma das características principais das mídias digitais. [...]83

Com a chamada convergência digital, até mesmo as tradicionais mídias analógicas já estão sendo transpostas para ambientes digitais. Assim, a televisão, por exemplo, já é transmitida por sinal digital em diversas cidades do Brasil desde 2016 e até 2023 o sinal analógico será gradativamente desligado até o sinal digital atingir todos os municípios brasileiros, conforme Portaria nº 378, de 22 de janeiro de 2016 do

82 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O marco civil da internet e o meio ambiente digital na sociedade da informação: comentários à Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 14-16. 83 MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 10-11. 48

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Ministério das Comunicações que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre - SBTVD-T84. Retornado às considerações de Celso Antônio Pacheco Fiorillo acerca do meio ambiente digital, serão apresentadas algumas observações. Ao relacionar meio ambiente cultural ao meio ambiente digital, o teórico supra mencionado une a proteção das práticas culturais que acontecem no meio ambiente digital. Alguns teóricos da comunicação, no entanto, fazem a separação desses dois aspectos em cibercultura e ciberespaço. Para Pierre Lévy:

[...] O ciberespaço (que também chamarei de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo cibercultura, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço85.

Adota-se no presente trabalho essa mesma distinção para o meio ambiente digital, esboçada por Fiorillo, mas com nomenclaturas um pouco distintas das já delineadas pelo referido autor. Seguindo a mesma diferenciação entre ciberespaço e cibercultura, no direito ambiental é possível traçar o seguinte paralelo: o meio ambiente digital corresponde ao ciberespaço e o meio ambiente cultural digital86 refere-se à cibercultura.

Fiorillo, como afirmado, não distingue expressamente meio ambiente digital (ciberespaço) do conceito que será traçado neste trabalho de meio ambiente cultural digital (cibercultura). Apesar disso, é possível perceber que seu entendimento acerca do

84 BRASIL. Imprensa Nacional. Pesquisa. Disponível em . Acesso em 11 jul. 2017. 85 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 17. 86 Conforme expressão inicialmente esboçada em MARTINEZ, Regina Célia; SOUZA, Carolina Ferreira; ARRUDA, André Felipe Soares de. Controle social na rede mundial de computadores como tutela do meio ambiente cultural: algumas considerações. Revista de Direito da Cidade. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 49

50 meio ambiente digital (ciberespaço), que ele denomina de ―[...] espaço digital‖87 é como sendo o espaço de:

[...] interação, intercâmbio, troca de informações e mesmo de mensagens realizada entre as pessoas humanas de forma individual ou coletiva, ou seja, a troca de informações na forma de arquivos de textos, sons e imagens digitalizadas, software, correspondência (e-mail), a partir das redes comunicacionais, essencialmente pela [...] internet88.

Mesmo percebendo certa similaridade entre os conceitos de ciberespaço já mencionados e meio ambiente digital, sendo a definição de Pierre Lévy um pouco mais específica, é a que será adotada na presente pesquisa como mais completa para representar o sentido de meio ambiente digital89. Acrescente-se apenas que, embora em menor quantidade, há comunicação e troca de dados e informações fora da rede de computadores, ou o que chama de transmissão off line e estas também integram o meio ambiente digital. Acerca do conceito de meio ambiente cultural digital (que, como já afirmado, guarda relação com o conceito de cibercultura), é também possível delineá-lo a partir dos elementos destacados por Fiorillo, quando este define o que considera meio ambiente digital: Assim, o meio ambiente cultural digital apresenta-se a partir de formas diferentes de viver e se relacionar que se estabelecem com o surgimento e desenvolvimento das redes comunicacionais e são aceleradas pela convergência entre as diferentes mídias, como emissoras de rádio, televisão, o cinema, os videogames, a internet, através de telefones fixos e, principalmente, de computadores e celulares smartphones90.

87 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul./set. 2010. 88 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O marco civil da internet e o meio ambiente digital na sociedade da informação: comentários à Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 14-16. 89 Conforme já transcrito: “[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores‘. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas a digitalização‖. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 94-95. 90 Conforme já mencionado: O meio ambiente cultural, por via de consequência, manifesta-se no século XXI em nosso país exatamente em face de uma cultura que passa por diversos veículos reveladores de novo processo civilizatório adaptado necessariamente à sociedade da informação, a saber, de nova forma de viver relacionada a uma cultura de convergência em que as emissoras de rádio, televisão, o cinema, os videogames, a internet, as comunicações por meio de ligações de telefones fixos e celulares etc. moldam uma ―nova vida‖ reveladora de nova faceta do meio ambiente cultural, a saber: o meio ambiente digital 50

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Fiorillo ainda destaca, como já apresentado, que o tratamento jurídico a ser dado ao meio ambiente cultural digital deve respeitar diversos princípios e garantias já estabelecidos na CF/88, inclusive no que tange à comunicação social tendo em vista que o meio ambiente digital é, na sua essência, um meio comunicacional. Desta forma, devem ser observados o Título I – Dos Princípios Fundamentais (arts. 1º a 4º, CF), o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais (arts. 5º a 17, CF), e o Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo V – Da Comunicação Social (arts. 220 a 224, CF), bem como os já mencionados artigos que tutelam o meio ambiente cultural, ou seja, também do Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção II Da Cultura (arts. 215, 216 e 216-A, CF)91. Merece destaque, ainda, a tutela relativa ao meio ambiente cultural, notadamente a proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Da mesma forma que a guarida fornecida pelo supra mencionado Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção II Da Cultura (arts. 215, 216 e 216-A, CF) abrange todas as práticas culturais que ocorrem em terras brasileiras, com proteção especial ao patrimônio cultural brasileiro (dos três povos formadores da sociedade brasileira – indígenas, afro-brasileiros e portugueses), a tutela ao meio ambiente cultural digital segue a mesma lógica interpretativa: abarca todas práticas culturais que ocorrem no meio ambiente digital, além de apresentar amparo diferenciado ao patrimônio cultural brasileiro. O artigo 216, § 1º assegura quais são as modalidades de proteção:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Apesar de existirem órgãos e organismos específicos para a tutela do patrimônio cultural brasileiro, bem como instrumentos jurídicos e administrativos, tal aparato é

(grifos do autor). FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81. 91 Vide nota 75. 91 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O marco civil da internet e o meio ambiente digital na sociedade da informação: comentários à Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 14- 16. 51

52 insuficiente para a consecução do seu fim. O povo indígena, por exemplo, é o que recebeu quase nenhuma proteção92. Assim, afirma-se apenas a possibilidade de se efetivar a proteção ao patrimônio cultural brasileiro divulgado e transmitido no meio ambiente digital.

Além de ser dever da sociedade, tal modalidade de tutela está em consonância com as proposições deste trabalho, que adota a percepção de que a troca de conhecimentos e saberes pelo meio ambiente digital deve se dar em prol da emancipação dos povos, ou seja, o que se deve almejar é uma Sociedade do Conhecimento, a ser discutida no próximo subcapítulo.

1.3 Sociedade da informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede

As expressões sociedade da informação e sociedade do conhecimento (ou sociedade dos saberes) parecem apresentar visões bastante distintas das percepções sobre os processos comunicacionais. Já a expressão sociedade em rede, cunhada pelo sociólogo Manuel Castells guarda alguns pontos de semelhança com a sociedade do conhecimento, como será exposto no decorrer deste subcapítulo.

1.3.1 Sociedade da Informação vs Sociedade do Conhecimento

A expressão sociedade da informação (knowledge society) aparece inicialmente na década de 1970:

[...] Em 1973, o sociólogo estadunidense Daniel Bell introduziu a noção da ―sociedade de informação‖ em seu livro O advento da sociedade pós- industrial. Neste livro, ele formula que o eixo principal desta sociedade será o conhecimento teórico e adverte que os serviços baseados no conhecimento

92 Milhares de línguas indígenas já desapareceram e nunca serão recuperadas, tendo em vista que não foram inventariadas, registradas nem tombadas. Estima-se que quando da invasão portuguesa havia cerca de 1500 línguas diferentes. Atualmente, são apenas 181, sendo que dezenas delas estão em processo de extinção. FREIRE, Diego. Pesquisas podem ajudar a salvar línguas indígenas da extinção. Agência Fapesp. 24 mar. 2016. Disponível em . Acesso em 13 set. 2016. 52

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terão de se converter na estrutura central da nova economia e de uma sociedade sustentada na informação, onde as ideologias serão supérfluas93.

Mesmo discordando da análise, que defendia a estrutura da sociedade na informação, transformando-a em mercadoria, e desvalorizando as ideologias, o fato é que a previsão foi muito acertada. A expressão foi retomada com o projeto estadunidense e europeu de ―privatizar e liberalizar inteiramente setor de telecomunicações‖94, que ganhou força durante alguns embates na UNESCO que propiciaram o movimento que ficou conhecido como Nova Ordem Internacional de Informação e Comunicação – NOMIC, liderado pelo Movimento dos Países Não-Alinhados das Nações Unidas. Outro fato importante para a difusão da expressão:

Em 1994, , então vice-presidente dos EUA, anunciou a criação da ―Infra-estrutura Global de Informação‖, o que estimulou na Europa a geração de diversos livros brancos e relatórios na metade dos anos 90, sendo o mais famoso deles o Bangemann Report, elaborado por um grupo de especialistas de alto nível, em 1994. Na retórica oficial, as muitas mudanças políticas, econômicas, científicas e sociais relacionadas à globalização e à infraestrutura de comunicações logo se transformariam na ―sociedade da informação‖ (grifo do autor)95.

Como contraponto à expressão sociedade da informação, no fim da década de 1990 surge outra nomenclatura para o fenômeno da grande circulação de informações, em especial pelos meios eletrônicos, como a rede mundial de computadores, aparece no meio acadêmico, que é sociedade do conhecimento96. Tal expressão é adotada também pela UNESCO, assim como uma outra: sociedade do saber, tentando, com isso, afastar-se da importância exclusivamente econômica. O subdiretor-geral da UNESCO para Comunicação e Informação à época, Abdul Waheed Khan, explica:

93 BURCH, Sally. Sociedade da informação / Sociedade do conhecimento. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?]. Disponível em . Acesso em: 15 out. 2016. 94 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 95 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 96 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 53

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A Sociedade da Informação é a pedra angular das sociedades do conhecimento. O conceito de ―sociedade da informação‖, a meu ver, está relacionado à idéia da ―inovação tecnológica‖, enquanto o conceito de ―sociedades do conhecimento‖ inclui uma dimensão de transformação social, cultural, econômica, política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de desenvolvimento. O conceito de ―sociedades do conhecimento‖ é preferível ao da ―sociedade da informação‖ já que expressa melhor a complexidade e o dinamismo das mudanças que estão ocorrendo. (...) o conhecimento em questão não só é importante para o crescimento econômico, mas também para fortalecer e desenvolver todos os setores da sociedade97.

As perspectivas dos objetivos centrais de ambos os entendimentos são bastante distintos. Uma corrente preocupa-se com a profissionalização e privatização do setor de telecomunicações, o que tende a transformar a informação em mercadoria, enfatizando, ainda, a necessidade de implementar melhorias tecnológicas que alavancariam o desenvolvimento econômico dos países (sociedade da informação). Já os adeptos da expressão sociedade do conhecimento, preocupam-se com a efetiva formação e o desenvolvimento social integral dos cidadãos e cidadãs e não apenas com o potencial que a rede mundial de computadores, por exemplo, pode apresentar. A expressão sociedade da informação não só foi adotada, mas prevaleceu até mesmo em organismos como a UNESCO. Todavia, a sociedade civil que adota a expressão sociedade do conhecimento não concorda. Anriette Esterhuysen, à época diretora executiva da Associação para o Progresso das Comunicações (APC), comentando sobre a Cúpula Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Sociedade da Informação (CMSI), pondera que:

Muitos de nós questionamos o uso da expressão ―sociedade da informação‖, porque desvia a atenção das desigualdades em relação ao acesso a recursos. A expressão veio para ficar, porém, e a última CMSI da ONU, realizada em Genebra em dezembro de 2003, popularizou seu uso por parte dos governos e meios de comunicação. A Declaração e o Plano de Ação adotados pelos governos participantes definem políticas para a coordenação mundial das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), e propõem ações contra a exclusão digital. As organizações da sociedade civil adotaram sua própria Declaração, desenvolvida durante os dois últimos anos para expressar uma visão e uma série de propostas alternativas98.

97 KHAN, Abdul Waheed apud BURCH, Sally. Sociedade da informação / Sociedade do conhecimento. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?]. Disponível em . Acesso em: 15 out. 2016. 98 ESTERHUYSEN, Anriette. A Sociedade da Informação de quem? 03 jun 2004. Observatório da Sociedade da Informação. Setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil. Representação da UNESCO no Brasil. Brasília, 2004. Disponível em . Acesso em 16 mar 2015. 54

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Apesar das expressões distintas, em alguns documentos é utilizado sociedade da informação, mas com objetivos que consideram os aspectos levantados por quem defende o termo sociedade do conhecimento ou do saber:

Um desafio central dos direitos humanos para as muitas mudanças que ocorrem na sociedade, que nós denominamos ―sociedade da informação‖, é a proteção à dignidade, liberdade e igualdade humanas, à medida que a tecnologia se torna mais invasiva e medidas de controle, propriedade e vigilância das informações se tornam mais rígidas e a desigualdade, mais visível. Inúmeras tendências que caracterizam o desenvolvimento da sociedade da informação representam desafios para essa sociedade baseada em direitos humanos, em muitos casos, colocando-a em sérios riscos. Isso inclui regimes ampliados para o gerenciamento e propriedade das informações (por ex., regulamentos de copyright e patentes, acordos comerciais, sistemas de gerenciamento de direitos digitais), avanços rápidos na vigilância, sistematização e retenção de dados pessoais (por ex. legislação anti-terrorista, dispositivos de identificação por freqüência de rádio, IPV6, etc.) e novos meios de censura e bloqueio de informações (por ex. firewalls e filtros, licença de provedores de Internet), para mencionar apenas alguns dos desenvolvimentos atuais99.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo adota em suas análises, a expressão sociedade da informação a partir desse entendimento de ela apresenta um potencial gerador de conhecimento:

Dessa forma, é possível entender a internet como uma criação humana que oferece possibilidades diversas de expressão, sendo um espaço de manifestação multicultural. Tal perspectiva parte das considerações da concepção crítica frankfurtiana que identifica a cultura tecnocientífica como um instrumento que aponta para a tendência à universalização e à formação de uma pseudoindividualidade. A passividade dos indivíduos e o poder de dominação da mídia, aspectos centrais da argumentação frankfurtiana, todavia, devem ser repensados no contexto das novas tecnologias de comunicação da contemporaneidade, isso porque, como assevera Wolton, ―ainda que admitindo os efeitos nocivos da mídia no controle social existe sempre uma escolha possível, uma capacidade crítica individual‖100. O sentido aqui desenvolvido envolve a compreensão do direito da sociedade da informação como um instrumento que se vale da concepção multicultural como forma de transformação das consciências. A ―preservação das diferenças de referência e de lógica entre globalização, mundialização e universalismo‖101 é necessária para entender que a expressão ―sociedade da

99 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out 2016. 100 Dominique Wolton, Pensar a comunicação, Brasília, Ed. UnB, 2004 (texto original de 1997) FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul/set 2010. 101 Wolton, Pensar a comunicação, op. cit., p. 70 apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da 55

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informação‖ não indica um único contexto, mas sim que traz em seu interior a intensa diversidade da realidade social. Assim, é possível realizar uma travessia espaçotemporal de uma cultura de massas que aniquila o conhecimento para enxergar nas tecnologias (como a internet) um instrumento que demonstra a diversidade sociocultural da humanidade. Sobre esse argumento, é possível admitir que não existe uma só forma de globalização, mas diferentes processos que resultam das práticas dos atores, que se relacionam no espaço global, local e ainda no chamado ―espaço virtual‖: ―La expresión procesos de globalización nos sirve para designar de manera genérica a los numerosos procesos que resultan de las interrelaciones que establecen entre sí actores sociales a lo ancho y largo del globo y que producen globalización, es decir, interrelaciones complejas de alcance crecientemente planetario. Este conjunto de interrelaciones es resultado de muy diversos tipos de procesos sociales en los que intervienen en la actualidad, y han venido interviniendo históricamente, incontables actores sociales en los más variados ámbitos de la experiencia humana, desde los más variados rincones del globo‖102. O uso de ferramentas tecnológicas como a internet pode conferir suporte para manifestações de diferentes ordens, tais como as realizadas por comunidades indígenas, quilombolas e outros atores individuais e coletivos. Ao mesmo tempo iniciativas estatais ou ainda promovidas a partir das corporações podem ser divulgadas de modo a facilitar o diálogo interno e externo de cada nação. Por tais razões, o reconhecimento desses diversos processos de globalização atua como um reforço à cidadania, porque evidencia a participação de todos, fundamento essencial do direito ambiental para a busca de uma sadia qualidade de vida (grifos do autor)103.

Apesar de ser real o potencial da internet para a troca de saberes e da possibilidade de produção de conteúdo por aqueles que nunca tiveram oportunidade, ou seja, por aqueles que eram apenas espectadores, além da infindável quantidade de informações à disposição daquele que possui um computador ou um smartphone com acesso à rede mundial de computadores, é de se questionar o quanto a rede tem sido massivamente usada para troca de saberes que tenha possibilitado a formação de cidadãs e cidadãos críticos e emancipados. O processo de globalização definitivamente não é um processo criado para permitir trocas de experiências ou de saberes entre os diferentes povos da Terra. É um processo essencialmente econômico que somente aprofundou as já existentes

comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul./set. 2010. 102 MATO, Daniel. Des-fetichizar La ―globalización‖: basta de reduccionismos, apologias y demonizaciones; mostrar La complejidad y lãs prácticas de los actores. In Cultura, política y sociedade: perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2005, p. 146 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul./set. 2010. 103 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo; ISAGUIRRE, Katya Regina. Meio ambiente cultural e internet: o potencial das tecnologias da comunicação para a sustentabilidade na sociedade da informação, Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Fiuza, n. 23, ano 6, jul./set. 2010.

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57 desigualdades sociais, econômicas e regionais por todo o mundo. Não se trata de demonizar, apenas de constatar fatos inegáveis, conforme já se esclareceu com as referências de Deleuze, Guattari, Hardt e Negri, entre outros. Reconhece-se, desta maneira que a atual sociedade caracteriza-se como sociedade da informação e, a partir disso, é preciso alterar paradigmas para tentar transformá-la em uma sociedade do conhecimento ou do saber. Parece ser este o conteúdo de alguns documentos elaborados a partir da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CSMI), como o artigo 1º da Declaração de Princípios de Genebra que teve contribuições importantes da sociedade civil e que foi adotada pelos governos:

Nós (...) declaramos nosso desejo e compromisso comuns de construir uma Sociedade da Informação centrada na pessoa, integradora e orientada ao desenvolvimento, em que todos possam criar, consultar, utilizar e compartilhar a informação e o conhecimento, para que as pessoas, as comunidades e os povos possam empregar plenamente suas possibilidades na promoção do seu desenvolvimento sustentável e na melhoria da sua qualidade de vida, sobre a base dos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e respeitando plenamente e defendendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos104.

No mesmo sentido, a Declaração da Sociedade Civil afirma essencialmente:

Nós nos comprometemos a constituir sociedades da informação e da comunicação centradas nas pessoas, abrangentes e eqüitativas. Sociedades nas quais todos possam criar, utilizar, compartilhar e disseminar livremente informação e conhecimento, assim como ter acesso a eles para que indivíduos, comunidades e povos sejam habilitados para melhorar sua qualidade de vida e colocar em prática todo seu potencial105.

As tendências iniciadas nos Estados Unidos e na Europara para privatizar as empresas de telecomunicação foram aplicadas no Brasil. As emissoras de rádio e televisão são, em sua esmagadora maioria, privadas, com concessões públicas que se renovam indistintamente, sem que haja debate algum com a sociedade. E as empresas de telefonia foram todas privatizadas, prestando serviços de qualidade questionável a preços contestáveis. Para alterar essa realidade e distribuir conhecimento e saber para a sociedade brasileira para que esta tenha plena capacidade e autonomia para decidir seus rumos de forma consciente, mister se faz incluir cidadãos e cidadãs nos processos de

104 BURCH, Sally. Sociedade da informação / Sociedade do conhecimento. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?]. Disponível em . Acesso em: 15 out. 2016 105 Ibidem. 57

58 decisão, produção e difusão dos conteúdos a serem transmitidos pelo rádio, televisão e rede mundial de computadores.

1.3.2 Sociedade em rede

O sociólogo Manuel Castells foi quem cunhou a expressão Sociedade em Rede em um dos volumes de sua trilogia A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Volume 1 – A Sociedade em Rede. Em suas obras posteriores o estudo da sociedade em rede é aprofundado. Castells define sociedade em rede como:

A sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microelectrónica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes. A rede é a estrutura formal (vide Monge e Contractor, 2004). É um sistema de nós interligados. E os nós são, em linguagem formação, os pontos onde a curva se intersecta a si própria. As redes são estruturas abertas que evoluem acrescentando ou removendo nós de acordo com as mudanças necessárias dos programas que conseguem atingir os objetivos de performance para a rede. Estes programas são decididos socialmente fora da rede mas a partir do momento em que são inscritos na lógica da rede, a rede vai seguir eficientemente essas instruções, acrescentando, apagando e reconfigurando, até que um novo programa substitua ou modifique os códigos que comandam esse sistema operativo106.

Para Castells, no entanto, a rede (estrutura técnica) não determina novas formas de relações sociais (estrutura social)107, mas, sem dúvida, influencia e gera novas relações e diversos efeitos sociais, a partir da revolução da tecnologia da informação, ou o que se convencionou chamar de Era da Informação:

A Internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, me nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a Internet

106 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à política. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (orgs.). A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política. Conferência promovida pelo Presidente da República. 4 e 5 mar. 2005. Centro Cultural de Belém, Portugal. Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Disponível em . Acesso em 23 set. 2015. 107 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução: Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª edição: Jussara Simões (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 43. 58

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passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede108.

É importante ressaltar que ainda existe exclusão digital especialmente em países mais carentes e em desenvolvimento e que, portanto, a internet ainda não é o tecido da vida de todos os habitantes deste planeta. É de se discutir também, qual a qualidade do acesso que parte significativa da população tem, no sentido de estabilidade e velocidade de transmissão dos dados. Castells apresenta uma definição um pouco diferente de cibercultura da de Pierre Lévy. Franciso Rüdiger comenta tal conceito e destaca que:

Em Castells, a cibercultura é ‗o cultivo dos protocolos de comunicação entre todas as culturas do mundo, baseado na crença agora comum no poder das redes e da sinergia obtida ao nos darmos para os outros e deles recebermos [informações]‘. O processo não tem a ver com a difusão do espírito do capitalismo pelas empresas de comunicação, nem com a criação de um espaço de interação entre cidadãos cosmopolitas. ‗[A cibercultura] é o processo pelo qual atores sociais conscientes de múltiplas origens oferecem aos outros seus recursos e crenças, esperando receber o mesmo em troca e mesmo mais: compartilhar um mundo diversificando e, assim, pôr fim ao medo que o outro sempre inspirou‘109.

Acerca dessa definição um tanto quanto otimista, Rüdiger observa que:

Evidentemente que, em tudo isso, reside aí um problema, porque, segundo ainda vamos argumentar, a lógica que comanda a rede (canalização, aceleração, barateamento e expansão da informação) e engendra a cibercultura não é algo apenas tecnológico; precisa ser vista, como sinalizamos nos capítulos anteriores, como parte de blocos históricos em que intervêm interesses e ideias de várias outras ordens. Em primeiro lugar, simplificando, as características mencionadas não são mera função do desenvolvimento de novos maquinismos. Vendo bem, elas se originam dos estímulos oriundos das condições históricas existentes, economicamente determinadas pelas relações de mercado. Em segundo lugar, também dependem de uma criatividade social que as institui simbolicamente para os seres humanos, e que, devido à sua natureza, mantém seu processo de desenvolvimento sempre aberto e portador de alguma incerteza, mas ainda dentro dos parâmetros da economia de mercado e, assim, do âmbito de poder que agencia a sociedade capitalista110.

108 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade; tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 7. 109 CASTELLS, Manuel (org.) The network society. Cheltenham: Elgar, 2004, p. 40 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 135. 110 RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), 135-136. 59

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Castells de forma alguma ignora que a economia de mercado não seja um dos elementos determinantes da sociedade em rede, dedicando quase todo o seu livro A sociedade em rede, por exemplo, ao estudo do capitalismo e sua relação com a sociedade em rede. Rüdiger mesmo destaca as constatações de Castells:

[A internet está] fundada sobre fé tecnocrática no progresso tecnológico da humanidade; acionada pelas comunidades de hacker que defendem a livre criatividade tecnológica; integrada a redes virtuais que pretendem reiventar a sociedade; e materializada por empreendedores privados, motivados pelo ganho, no quadro dos mecanismos da [chamada] nova economia111.

A respeito dessa ―fé tecnocrática no progresso tecnológico da humanidade‖, Rüdiger ainda comenta:

Castells passa por alto o ponto, mas tem o mérito, já mencionado, de ver na internet ‗o fundamento tecnológico da forma de organização [social] apropriada à era da informação: a rede. [...] As comunicações em rede são o antídoto ou contrapeso ao individualismo que, com razão, ele nota ser uma das forças impulsionadoras da era da informação112.

A rede realmente pode ser o antídoto ou contrapeso ao individualismo neoliberal que se aprofunda com o capitalismo pós-industrial. Alguns são os exemplos de movimentos oriundos da organização através de comunicações em rede, como Primavera Árabe, Ocupy, Jornadas de Junho, entre outros. E apesar da força e do impacto de tais movimentos na história da humanidade, o fato é que, em termos gerais, as relações estabelecidas dentro da rede não tem um intuito propriamente democrático. A esse respeito, observam Claudio Penteado e Ivan Fortunato, ao discorrerem sobre políticas públicas:

A princípio, os chamados ciberotimistas (cf Lemos e Lévy, 2010) acreditavam que seria uma nova fase da política, em que as instituições perderiam poder para a ação mais descentralizada do cidadão comum na formação de uma ciberdemocracia. Entretanto, os agentes e as instituições também se apropriaram dessas ferramentas tecnológicas, adaptando suas práticas para esses novos meios. Os governos apropriam-se das novas tecnologias para desenvolver serviços

111 CASTELLS, Manuel. La Galaxie internet. Paris: Fayard, 2002, p. 80 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 136. 112 CASTELLS, Manuel. La Galaxie internet. Paris: Fayard, 2002, p. 9 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 137. 60

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públicos para o cidadão, ancorados na lógica do aumento da eficiência da gestão pública e no processo de desburocratização113.

Os agentes, as instituições (públicas e privadas) e o mercado têm se apropriado cada vez mais dos meios comunicacionais, deixando menos espaço para ações efetivamente democráticas, críticas e questionadoras do status quo, como será mencionado em subcapítulo adiante. Perguntado sobre qual a principal marca dessa nova sociedade, descrita em seus livros como a sociedade em rede da era da informação, Castells responde:

Precisamente, eu diria que se construiu por completo a estrutura social que eu conceituei como sociedade global em rede e que, ainda que de forma desigual, estendeu sua lógica pelo conjunto do planeta. Não substituiu o capitalismo, que está mais onipresente do que nunca, mas constitui a trama social e tecnológica em que vivemos, em todas as dimensões e em todas as práticas. Por isso eu não falei da sociedade da informação, e sim de sociedade em rede, uma nova estrutura social cujo funcionamento depende de tecnologias digitais de informação e comunicação114.

E a relação que se quer estabelecer neste subcapítulo é entre Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento e Sociedade em Rede. Castells discorda das primeiras duas terminologias:

Frequentemente, a sociedade emergente tem sido caracterizada como sociedade de informação ou sociedade do conhecimento. Eu não concordo com esta terminologia. Não porque conhecimento e informação não sejam centrais na nossa sociedade. Mas porque eles sempre o foram, em todas as sociedades historicamente conhecidas. O que é novo é o facto de serem de base microelectrónica, através de redes tecnológicas que fornecem novas capacidades a uma velha forma de organização social: as redes115.

Não parece, todavia, que as nomenclaturas de sociedade da informação e sociedade do conhecimento estejam adstritas a considerar que uma (informação) ou

113 PENTEADO, Claudio Camargo; FORTUNATO, Ivan. Mídia e Políticas Públicas: Possíveis campos exploratórios. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 30, nº 87 Fevereiro/2015. P. 129-142. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 114 CASTELLS, Manuel. A comunicação em rede está revitalizando a democracia. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017.

115 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à política. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (orgs.). A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política. Conferência promovida pelo Presidente da República. 4 e 5 mar. 2005. Centro Cultural de Belém, Portugal. Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Disponível em . Acesso em 23 set. 2015.

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62 outro (conhecimento) sejam centrais na sociedade, a defesa da sociedade da informação tem como pano de fundo questões políticas e econômicas muito mais elaboradas do que simplesmente considerar a informação como o elemento central na sociedade. Inclusive quem produz informação e quem a recebe e de que forma, que tende a continuar reproduzindo desigualdades substanciais entre países hegemônicos e não hegemônicos. Da mesma forma, a expressão sociedade do conhecimento não se exaure em tomar como elemento mais importante da sociedade o conhecimento. Os adeptos dessa expressão preocupam-se em difundir conhecimento para emancipação humana e não necessariamente para crescimento econômico de uma ou outra nação. Como já repisado, Castells entende a rede como ambiente potencial para tal transformação. Todavia, ativistas e a sociedade civil que defendem a expressão sociedade do conhecimento parecem mais dispostos a cobrarem dos países e de órgãos internacionais responsáveis, ações afirmativas que promovam uma distribuição mais equânime dos conhecimentos e dos saberes, fazendo jus ao paradigma adotado no presente trabalho de considerar a internet como ambiente livre, como será visto em subcapítulo próximo.

1.4 A dromocracia cibercultural, em Eugênio Rondini Trivinho

A velocidade no desenvolvimento de novas tecnologias é um dos aspectos mais abordados no estudo da Era da Informação, seja para os adeptos da expressão sociedade da informação, sociedade do conhecimento ou sociedade em rede. Eugênio Rondini Trivinho, baseado na obra de Paul Virilio, estuda a influência da velocidade nos processos sociais da comunicação, apresentando o conceito de dromocracia para, então, delinear o conceito de dromocracia cibercultural, aprofundando a questão para muito além da velocidade tecnológica:

O conceito de dromocracia teve, no âmbito das ciências humanas e sociais, a sua gestação e fundação crítica na obra de Paul Virilio. Em Velocidade e política, Virilio (1977) lança, senão as bases, ao menos as sinalizações teóricas fundamentais para a compreensão da história e dos processos políticos e sociais pelo prisma do vetor dromológico. Dromos, prefixo grego que significa rapidez, vincula-se, obviamente – a partir da dimensão temporal da existência –, ao território geográfico (na qualidade de coordenada espacial), portanto à urbis. Mantém, não obstante – algo menos notado –, umbilicais ligações com interesses de logística, estratégia e tática, numa palavra, com o campo bélico. Fundamentalmente, velocidade e guerra – Virilio mostra em seus ensaios – são faces conexas do mesmo processo. Importa, nesse aspecto, em estrita simultaneidade ao mapeamento cognitivo e

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ao domínio prático do espaço e de suas possibilidades, o sentido do tempo em que, mediante o plano logístico, se realizam as ações de assalto e/ou proteção, de avanço ou de recuo, de abastecimento e de retaguarda. Desde essa relação basilar até as suas manifestações fenomenológicas colaterais, a velocidade não pode ser concebida em disjunção com a categoria da violência, concreta ou simbólica (Virilio, 1984ª, 1984c, 1996ª; Trivinho, 2001, p. 209-227 [...]). [...] o conceito de dromocracia, na obra de Virilio, pertence a (e, ao mesmo tempo, encerra) um quadro teórico e epistemológico voltado para a consumação da crítica à organização sociotécnica dinâmica que, a cada época, define a vida humana. Não se trata, portanto, de prisma descritivo- constatatório ou nomológico-classificatório. A mobilização do conceito, per se, se põe, de partida, em favor da dissonância e, melhor ainda, do interesse de confronto em relação às formas e tendências do existente. A categoria tensiona a partir de dentro (vale dizer, de modo imanente), o seu próprio referente, ao evidenciar a ligação entre processo histórico permanente de destruição material e/ou simbólica da alteridade, de seu grupo ou classe social, de sua urbis, de seu ecossistema e de sua cultura; em suma, de sua alma. Nesse aspecto, o conceito de dromocracia torna patente o quanto, na história, a alteridade, seu território e seu corpo, sua temporalidade e sua subjetividade foram e são menos objetos de projetos herdeiros de humanismo greco-clássico, cristão, renascentista e/ou marxista do que uma cultura logística milenar e generalizada – que recorta, dilacera e neutraliza (de modo ocluso, isto é, sem dizê-lo) todos esses metarrelatos ou metanarrativas [na conhecida expressão de Lyotard (1986;1993)] –, fazendo da oscilação estratégica entre investida e recuo um equivalente civil suavizado (reificado, para usar uma velha expressão marxista) do ciclo militar de ataque e defesa e, a partir daí, habitus cotidiano inquestionado. Não por outro motivo, a alteridade, assim tomada – não raro a priori – como objeto de desconfiança, em sua, como inimiga (até que justifique a consideração oposta), infelizmente não poderia merecer senão tratamento norteado pelos pressupostos da tática (grifos do autor)116.

Para Virilio, portanto, os processos históricos, sociais e políticos são pautados pela dromocracia, pela rapidez prevalente nos centros urbanos, e que se relaciona diretamente com elementos bélicos como logística e estratégia, que se tornaram culturais. A velocidade não pode ser analisada senão em conjunto com uma violência, real ou simbólica, além de propiciar a presença de práticas imbuídas de tática nas relações civis, como a estratégia (militar) de investida e recuo, por exemplo. Trivinho analisa, ainda, que:

Essa costura teórica heterodoxa do processo histórico demonstra que, em matéria de política da reflexão, a perspectiva sociodromológica não frustra a complexidade fenomênica observada e da qual é parte tensa, quer dizer, não desata o que, a rigor, comparece nela conjuminado. Nessa medida, opõe-se, radicalmente, não só à lógica do pensamento de tradição cartesiana e positivista: o foco primordial do confronto é o cinturão do olvido (voluntário ou involuntário) patrocinado por todas as correntes teóricas de sustentação

116 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 45-47. 63

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das ciências humanas e sociais, fundado na e alimentado pela cisão (aparente) entre processos bélicos e processos civis, entre interesses essencialmente militares e interesses eminentemente políticos, fronteira – dada somente em tese, isto é, de modo abstrato e, no caso, irreal e equívoca – que radica na formação histórica da democracia moderna, fonte última das recentes formas do Estado (o direito burguês como o de bem-estar social e, agora, o neoliberal). Nesse quadro, de geração e distribuição da polêmica, a obra de Virilio é, a um só tempo, memória do esquecimento (na modalidade de crime teórico em sim, na medida em que nele se implica a morte da complexidade do real) e, sobretudo, posicionamento contra ele. Virilio politiza, assim, desde os pressupostos elementares da elaboração teórica, não somente a dromocracia, mas primordialmente, o seu pilar processual, a velocidade117.

Trivinho entende que a dromocracia pode ser considerada um regime social invisível:

Tomada desde os seus rudimentos vetoriais até a sua modalidade presente, a dromocracia – vê-se, em suma –, de recurso estratégico ligado a tribos nômades e a coordenadas espaço-temporais específicas, vai, no compasso do desenvolvimento técnico e tecnológico civilizatório, erigindo-se, de modo aleatório, e se conformando, em consonância auto-identitária – para além da hierarquia e/ou dominância de classes ou estratos sociais –, como regime social invisível (como tal, transpolítico, conforme adiante explanado) justamente no miolo íngreme de outro, bem conhecido da cultural ocidental, a democracia, em sua expressão formal (política, jurídica e, portanto, abstrata, derivada do legado burguês oitocentista). Nessa perspectiva, a historiografia contemporânea, se calcada em princípios heterodoxos de reconstituição teórica e factual da aventura humana, haverá certamente de reconhecer – quem sabe em futuro próximo – que a história real do capitalismo foi e é menos a da consolidação da democracia a duras penas, à base de confrontos pungentes e perduráveis, do que a realização não- programada, tortuosa mas progressiva, indiscriminada e sem resistência da dromocracia. Nesse contexto, sobreleva-se, por motivos óbvios e não sem requintes de racionalidade tecnocientífica, o braço industrial do capitalismo e, mais ainda, o seu estirão cumulativamente subsequente e hegemônico, pós- industrial ou tardio, de base financeira e doravante hipermediática, articulada por satélites digitais e fincadas em redes virtuais, de alcance regional, nacional e/ou internacional. Em outras palavras, se, na história do Ocidente, o capitalismo comparece como o modo de produção material, simbólico e imaginário mais dromocrático até agora existente, a cibercultura, por sua vez – a mais distante conformação social-histórica herdeira do processo revolucionário europeu oitocentista –, é, sem dúvida, de todas as fases tecnológicas do capitalismo, a mais dromocrática118.

A dromocracia, como regime social (invisível), coexiste, portanto, com o modo de produção mais presente do que nunca, como lembrou Castells, que é o capitalismo. Não parece haver incoerência em afirmar que a dromocracia também coexiste com o

117 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 47-48. 118 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 70-71. 64

65 processo conceituado por Hardt e Negri e já mencionado em subcapítulo supra: o Império. Nesse sentido, Rüdiger entende que:

Com acerto, nos parece, o autor põe em questão a propriedade da ideia de política para se experimentar prática e teoricamente a cibercultura. A expansão das tecnologias sinaliza um processo sem centro de comando e sem finalidade, cujo sentido porém estaria claro: ‗civilizar corpos, mentes e estruturas sociais para a dromocracia cibercultural‘119 (grifo nosso)120.

Tal processo sem centro de comando parece ser retroalimentado por esse outro processo, também sem centro de comando, definido por Hardt e Negri como ―nova forma política de organização da globalização‖ que é o Império. O processo que se destina a ―civilizar corpos, mentes e estruturas sociais para a dromocracia cibercultural‖ parece valer-se de certa estrutura posta pelo biopoder, bem como pela sociedade de controle e que se intensifica: a produção de subjetividades capitalísticas descrita por Guattari e Rolnik. São, portanto, incutidas novas configurações de formação de identidades, para outros modos de existência, pautados pela cibercultura. Trivinho aponta que a dromocracia tem sido tão acentuada pela cibercultura que praticamente com ela coincide:

Assim se põe, portanto, o estado da arte da velocidade tecnológica: na medida em que os seus vetores objetais e processuais predominantes – tecnologias e procedimentos comunicacionais – são, ipsis litteris, os mesmos que sustentam o modus operandi da cibercultura, ela, desde pelo menos meados da década de 70 do século XX, arranja-se, no plano social-histórico, como dromocracia cibercultural. Se, por razões seja de política da teoria, seja de consistência metodológica historicamente contextualizada, não é possível abordar os media e redes digitais sem levar em conta a sua ligação com a velocidade tecnológica e com o que social e culturalmente lhe diz respeito, também não é possível abordar o fenômeno da dromocracia sem, ao mesmo tempo, considerar a cibercultura, a relação inversa, no caso, sendo igualmente verdadeira. Ao mesmo tempo em que a dromocracia assume a sua condição tecnológica plena como cibercultura, esta se insere plenamente na história dos vetores dromológico objetais e procedimentais, vis-à-vis, na história dos pressupostos empíricos e práticos sine qua non do próprio processo de constituição da dromocracia121.

119 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 199 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 202. 120 RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 202. 121 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 71. 65

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Esmiuçando um pouco mais a relação entre dromocracia e cibercultura, Trivinho apresenta uma definição:

A dromocracia cibercultural é, a rigor, um regime transpolítico – invisível como a violência da velocidade – erigido no contexto de um regime político tradicional e visível, a democracia (aqui tomada no sentido formal e abstrato, em seu modelo tipicamente estatal, herdado do direito burguês). Nessa perspectiva, a dromocracia cibercultural comparece, em palavras precisas, como um regime eclipsado na dinâmica tecnológica da democracia contemporânea, ou, vice-versa, essa democracia não é, hoje, senão a forma sintomaticamente protuberante da dromocracia cibercultural. Esta não se consubstancia em nenhum fator palpável, materialmente identificável e comprovável. Ela é, ipsis litteris, processo122.

E intrínseca a esse processo, como já dito anteriormente, está a violência:

No âmbito do presente estudo, a velocidade é, incomparavelmente, a forma atual mais sutil da violência da técnica. Ela é a via pela qual esta (violência) se impõe e se enraíza com maior eficácia, sem, no entanto, deixar-se apreender como tal. Em outros termos, a violência da velocidade não se apresenta como violência. Não por outro motivo, pertence à categoria dos fenômenos invisíveis. Docemente bárbara, como todo o refinado apanágio do poder, ela se manifesta por seus efeitos [a exemplo do inconsciente, que não está em parte alguma (dentro e fora do sujeito) e, não obstante, age (e o determina)]. Abundantemente esterizada por abstrações culturais (como a linguagem verbal e toda variedade de imagens), enquadra-se no patamar mais decantado e sofisticado das formas de violência simbólica (isto é, violência imaterial, não-física, levada a cabo, em geral, pela instrumentalização de signos, sem o concurso de agressões corporais diretas). Por certo, a violência da velocidade faz ninho, por exemplo, com as ameaças verbais e não-verbais, as chantagens, o assédio sexual ou moral, as formas preconceituosas e racistas de tratamento, os atos de humilhação e difamação públicas, e assim por diante. Com efeito, como a velocidade não é um acontecimento, a violência que lhe é própria não se põe como fato concreto aqui e acolá, a exemplo das modalidades empíricas, situacionais, visíveis e documentáveis de violência, sejam elas esporádicas ou recorrentes, cotidianas ou atípicas. A violência da velocidade comparece alçada à categoria de ‗fato social total‘. Ela se realiza em bloco, de uma vez por todas, e sempre. É, por assim dizer, o sprit du temps compulsório da atualidade. Contém em si o sobrepeso de toda a civilização contemporânea: é a violência (tão pulverizada quanto contínua) do aparato produtivo e de suas exigências programáticas e funcionais; é a violência do dinamismo formal do aparato cultural-comunicacional e de seus apelos lúdicos sedutores; é, enfim, a violência de toda a organização urbana sobre os corpos e o imaginário dos viventes123.

Uma das formas pelas quais se manifesta essa violência invisível na dromocracia cibercultural é pelo que Trivinho denomina de dromoaptidão:

122 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 101-102. 123 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 92-93. 66

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[...] Desde, pelo menos, meados do século passado, o paradigma da velocidade vem apagando totalmente a diferença entre a lógica do mundo do trabalho e a lógica do mundo do lazer. Se, por um lado, a velocidade na esfera do trabalho responde, numa epistème alternativa, pelo que se entende correntemente por produtividade, escala dromológica do valor medida pela maior produção material em menor tempo possível, por outro, a velocidade na esfera do tempo livre chama-se intensidade, escala dromológica do ludismo medida pelo maior aproveitamento das atividades de lazer no menor período de tempo possível. Nessa perspectiva, o cumprimento de tudo sob concentração disciplinada, agilidade racional e enquadramento em prazos produz a equivalência, em natureza e finalidade, entre os projetos desenvolvidos no âmbito profissional e certos programas televisivos de variedade e jogos eletrônicos. Quando ambos os contextos requerem competência e desempenho dromológicos, a atmosfera sociocultural em que se desenrola a vida se torna uma encenação homogênea e única124.

As transformações no mundo do trabalho realmente têm uma relação intrínseca com a violência da velocidade na sociedade dromocrática, como concorda Rüdiger, ao comentar a obra de Eugênio Trivinho:

Seguindo uma tradição que remonta aos ludditas, o autor estrutura axiologicamente suas ideias em torno do problema da violência da técnica. Houve, primeiro, o processo de desqualificação da atividade artesanal. Depois, o enquadramento do homem na disciplina fabril. Agora, prossegue ele, estamos passando para a violência da velocidade maquinística. O homem é lançado numa série de jogadas cujo denominador comum seria a exigência de cada vez maior dromoaptidão, como se verificaria no caso dos chats e outros ambientes virtuais [...]125.

Cada vez mais estamos na violência da velocidade maquinística, que impõe maior produção material em menor tempo possível, intermediada por instrumentais tecnológicos que nos permitem (e nos induzem a) produzir em qualquer lugar, especialmente fora dos ambientes tradicionais de trabalho. Passamos pelo Fordismo, Taylorismo, Toyotismo e vivemos agora a fase do teletrabalho, da Uberização, dos home offices. A violência da dromoaptidão é, além de invisível, sedutora:

Embora vigore como linguagem não-verbal, a violência da velocidade se estrutura como lema; conforme sinalizado, ela convoca (sem convocar) os seres a se fazerem à sua imagem. Por inferência, a violência da velocidade é

124 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 91-92. 125 RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 203. 67

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ideologia, na acepção mais trivial; como tal, proclama baixinho, quase soprando, como sonoridade melíflua ao pé de cada ouvido: ―Tu deves seguir o ritmo: ser dromoapto, em sentido múltiplo, em todas as práticas recomendadas, em todas as operações exigidas, em todos os conhecimentos demandados; tu deves, se possível, antecipar-se ao funcionamento do sistema tecnológico e da (respectiva) cultura mediática que financiam a tua identidade‖ – tudo mediante suspeita zero. Tal é o telos da violência da velocidade, arrasta os viventes – de modo soft, via sedução pela eficiência prática demonstrada quando se faz o que ela quer. Vale frisar, quando se é dromoapto. [...] Analisando a cultura que promana do uso generalizado das tecnologias e redes interativas, Kroker e Weinstein (1994, passim) alertaram, em meados da década passada, para a plena vigência da tortura do virtual. É necessário atentar, antes, porém, para a tortura da velocidade. Como violência silenciosa de efeitos concretos, a velocidade é o torniquete da alma.

A sociedade dromocrática e cibercultural exige cada vez mais de todas e todos, em um ambiente cada vez mais competitivo, meritocrático e individualista. Dessa maneira, Trivinho reconhece o que ele denomina como dromopatologias:

Um dos sintomas mais ostensivos do que velocidade é, per se, violência diz respeito ao seu caráter patogênico. De par com todo elemento cultural que, em existindo, não escapa à sua sombra, a velocidade engendra as enfermidades que lhe são correspondentes. Esse aspecto espelha bem a inteira gravidade da questão. A exigência compulsória de dromoaptidão é um pesado fardo para o cérebro humano (norteado pelo logos ocidental), sistema biopsíquico cultural historicamente herdado que, do ponto de vista do simbólico processado ao nível racional (instrumental ou abstrato), tem na lentidão um dos atributos definidores de sua própria identidade. A vida tutelada pela lei da velocidade vai, pari passu, corroendo os seres, até esboroar (por assim dizer) a sua interioridade, mais ou menos como uma bomba de nêutrons que, ao ser acionada, destrói tudo o que se interpõe em seu raio de alcance, exceto a estrutura física da cidade: a velocidade preserva apenas a carcaça dos seres (a ainda assim muito precariamente), destruindo- lhes os processos neuropsíquicos. Porque força o ser à intensidade da existência, ela conduz ao stress (excesso corporal de informação e de procedimentos diários, com suas conseqüências de praxe: dispersão e vazio existencial, à neurastenia (frenesi pelo entretenimento e pelo consumo), ao TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) (imersão no imaginário modelado pela agenda e pela estética dos media) e, no limite, à depressão crônica e ao pânico (por impossibilidade ou incapacidade de dar conta do princípio tecnológico e dromocrático do real) e, ainda, à esquizoidia pós-moderna [a vulnerabilidade autodestrutiva a todos os fluxos socioculturais, sobretudo mediáticos (Baudrillard, 1987, p. 24.)], entre outras enfermidades tipicamente urbanas. Porquanto, no mercado de trabalho, a velocidade envolve, não raro, reiteração diuturna de atos e comportamentos, ela também está ligada à produção da Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Todas as enfermidades bioquímicas do ―espírito‖ assim se põem desde pelo menos a segunda metade do século passado, porque, acima de tudo, são doenças forjadas pelos processos sociais dromológico – dromopatologias.

Tanto no meio ambiente do trabalho quanto fora dele, são perceptíveis e inquestionáveis as nefastas consequências da tentativa de perseguição à dromoaptidão

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69 para a saúde psíquica em especial, mas que refletem diretamente no equilíbrio do corpo. E parece ser difícil se desvencilhar de tal estrutura invisível, silenciosa, sedutora, já que é introjetada de tal modo, e produz tantas novas subjetividades, determinando novas formas de identidade, novos modos de existência. A dromoaptidão cibercultural exige o domínio de alguns fatores, que Trivinho identifica como senhas infotécnicas de acesso:

Dromoaptidão propriamente cibercultural: esse é o fator cobrado pelo regime dromocrático sustentado na informatização e virtualização da vida social. Basicamente, o gerenciamento infotécnico da existência se restringe, amiúde, ao gerenciamento dessa dromoaptidão específica; vice-versa, este último responde, no contexto da cibercultura, pela inteireza daquele processo. A exigência imperativa aí pressuposta – que, para todos os efeitos, não diz o seu nome – implica, propriamente, o domínio de fatores de eficiência e de trânsito, as senhas infotécnicas de acesso à cibercultura, a saber: 1. objeto infotecnológico (hardware); 2. produtos ciberculturais compatíveis (software); 3. status irrestrito de usuário da rede; 4. capital cognitivo necessário para operar os três fatores; e 5. capacidade geral (sobretudo econômica) de acompanhamento regular das reciclagens estruturais dos objetos, produtos e conhecimentos [...].

Para ser um dromoapto cibercultural, portanto, é preciso apresentar o domínio completo de todos os cinco fatores acima citados:

Por via de seus discursos publicitários e ufanistas – não raro, reproduzidos desavisadamente no espaço acadêmico –, a época enfatiza, porém, que esse domínio significa, a rigor, domínio privado pleno. Isso envolve, fundamentalmente, a qualificação específica das próprias senhas. Não basta ter acesso a um objeto infotecnológico alheio e defasado. As linguagens predominantes da cibercultura se nutrem da perfeição (na era da descoberta do caos e da incerteza): vende a completude técnica como valor (em tempos de fragmentação absoluta). Tais linguagens encerram um rígido sentido de existência individualística: convida à atomização (no contexto das redes de interconexão global), no conforto da posse. Em palavras precisas, é necessário possuir e saber operar um exemplar completamente atualizado, no e a partir do espaço doméstico, há anos transformado em horizonte operacional de sustentação ad infinitum das indústras do ramo. Por inferência, não basta, igualmente, ter acesso ao cyberspace partindo de outras bases que não o domo ou de local que lhe faça as vezes, como o escritório próprio. De par com a infraestrutura de dados pessoais, a base de acesso deve comungar da acepção literal do que outrora melhor se entendia com o termo ―propriedade‖. E, mais ainda, é necessário apresentar previamente o potencial de acompanhamento das reciclagens tecnológicas estruturais. É pesado fardo, em todos os sentidos.

Não basta, portanto, qualquer acesso à rede, com qualquer equipamento e programa e sem o domínio completo das habilidades para operá-los. A dromoaptidão

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70 cibercultural cobra equipamentos e programas de última geração com um acesso estável e de boa qualidade à rede, além de conhecimentos específicos para utilizá-los. Resta aos não dromoaptos:

A cibercultura esconde o surgimento de uma ordem em que nos é cada vez mais solicitado um capital cognitivo e uma competência técnica, que cumprem ―um desígnio social totalitário, subordinado à lógica de uma invisibilidade cotidiana que não concorre senão para mantê-los intocados, no quadro metamórfico-dissuasivo da violência simbólica da técnica‖126. As criaturas incapazes de se ajustar semiótica e praticamente ao ritmo acelerado das instituições tecnológicas tendem a ser excluídas, tornando-se obsoletas e, portanto, descartáveis, um lixo informático, no caso, como sugeriram Kroker e Weinstein127.

Os instrumentais tecnológicos muitas vezes apenas precariamente inserem aqueles que não têm a competência dromoapta (cognitiva e pragmática)128 em um contexto infotecnológico qualquer, como, por exemplo, um usuário que possui um contrato na modalidade pré-paga com a operadora de telefonia celular e acessa a internet apenas a partir de seu smartphone cujo modelo não é mais fabricado, com sistema operacional Android, não pode ser considerado dromoapto. Como parte do instrumental tecnológico e relacionados às senhas infotécnicas de acesso, muitos dos algoritmos ciberculturais têm se colocado como facilitadores para acessar todo o infindável conteúdo da rede e para melhorar sua experiência no ambiente virtual, como o buscador do Google, que afirma trazer as melhores respostas para o termo pesquisado. Escorando-se indiretamente na justificativa de que há uma incalculável quantidade de conteúdo como entrave para rápidos resultados de pesquisa úteis, o buscador do Google, através de seu algoritmo PageRank, faz as melhores escolhas para nossas pesquisas. Uma preocupação é que tais mecanismos podem tornar a maioria daqueles que tem algum acesso à rede cada vez mais menos dromoaptos, considerando, por exemplo, que a falta de transparência do funcionamento desses algoritmos como o PageRank talvez seja inversamente proporcional ao efetivo domínio das senhas infotécnicas de acesso à cibercultura, como o capital cognitivo necessário para operar uma busca na rede, no mencionado exemplo do buscador do Google.

126 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 137. 127 RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura). p. 203. 128 TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunicação), p. 103. 70

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1.5 Rede como ambiente livre

A partir dos conceitos já apresentados nos subcapítulos anteriores já se vislumbra que o ciberespaço ou o meio ambiente digital e, mais especificamente, a rede mundial de computadores, é um espaço que deve ser entendido como coletivo129. Considerar que determinado espaço é coletivo em sociedades democráticas não pode se descolar da discussão das liberdades, individuais e/ou coletivas, de usar esse mesmo espaço, de comunicar-se nele, de forma mais plena possível. As liberdades podem ser estudadas sob diversos aspectos diferentes, como liberdades de pensamento, de crença e religião, de locomoção, de ação, entre outras sem divisão mais específica. Todas essas liberdades foram sendo vislumbradas mais claramente a partir dos séculos XVII e XVIII, ao passo em que foram sendo reconhecidos pelo ocidente europeu como direitos humanos. Assim, passaram a ter papel de destaque nas declarações e tratados internacionais de direitos humanos, bem como em algumas constituições federais de alguns países. As liberdades de pensamento, em sentido amplo, são as que mais se relacionam com o tema deste trabalho. Tradicionalmente pertencentes aos direitos individuais, são classificadas em liberdades de crença e de consciência e as liberdades de exteriorização do pensamento, como a liberdade de culto, de cátedra e de comunicação. No próximo subcapítulo será apontado que o direito humano à comunicar-se, um direito difuso e não primordialmente individual, engloba as tradicionais categorias de liberdades individuais de pensamento. O conceito de liberdade coletiva na rede pode ser melhor compreendido a partir de um histórico da criação da internet, dos atores envolvidos e a partir de quais valores ela surgiu e se expandiu pelo mundo. Manuel Castells narra com detalhes a história da internet:

As origens da Internet podem ser encontradas na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) em setembro de 1969. A ARPA foi formada em 1958 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos com a missão de mobilizar recursos de pesquisa, particularmente do mundo universitário, com o objetivo de alcançar

129 Coletivo, em sentido amplo, englobando os conceitos jurídicos de interesses e direitos difusos e interesses e direitos coletivos em sentido estrito, conforme será explicado no próximo subcapítulo. 71

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superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética na esteira do lançamento do primeiro Sputnik, em 1957. A Arpanet não passava de um pequeno programa que surgiu de um dos departamentos da ARPA, o Information Processing Techniques Office (IPTC), fundado em 1962 independentemente por na Rand Corporation (um centro de pesquisas californiano que frequentemente trabalhava para o Pentágono) e por no British National Physical Laboratory. O projeto de Baran de uma rede de comunicação descentralizada, flexível, foi uma proposta que a Rand Corporation fez ao Departamento de Defesa para a construção de um sistema militar de comunicações capaz de sobreviver a um ataque nuclear, embora esse nunca tenha sido o objetivo por trás do desenvolvimento da Arpanet. O IPTO usou essa tecnologia de comutação por pacote no projeto da Arpanet. Os primeiros nós da rede em 1969 estavam na Universidade da Califórnia em Los Angeles, no SRI (Stanford Research Institute), na Universidade da Califórnia em Santa Barbara e na Universidade de Utah. Em 1971, havia 15 nós, a maioria em centros universitários de pesquisa. O projeto da Arpanet foi implementado por Bolt, Beranek and Newman (BBN), uma firma de engenharia acústica de Boston que passou a realizar trabalhos em ciência da computação aplicada; fundada por professores do MIT era integrada em geral por cientistas e engenheiros dessa instituição e de Harvard. Em 1972, a primeira demonstração bem-sucedida da Arpanet teve lugar numa conferência internacional em Washington. O passo seguinte foi tornar possível a conexão da Arpanet com outras redes de computadores, a começar pelas redes de comunicação que a ARPA estava administrando, a PRNET e a SATNET. Isso introduziu um novo conceito: uma rede de redes. Em 1973, dois cientistas da computação, Robert Kahn, da ARPA, e , então na Universidade Stanford, escreveram um artigo delineando a arquitetura básica da Internet. Basearam-se nos esforços do Network Working Group, um grupo técnico cooperativo formado na década de 1960 por representantes dos vários centros de computação ligados pela Arpanet, como o próprio Cerf, e , entre outros. Para que pudessem falar umas com as outras, as redes de computadores precisavam de protocolos de comunicação padronizados. Isso foi conseguido em parte em 1973, num seminário em Stanford, por um grupo liderado por Cerf, Gerard Lelann (do grupo de pesquisa francês Cyclades), e (então no Xerox FARC), com o projeto do protocolo de controle de transmissão (TCP). Em 1978 Cerf, Postel e Crocker, trabalhando na Universidade da Califórnia do Sul, dividiram o TCP em duas partes, acrescentando um protocolo intrarrede (IP), o que gerou o protocolo TCP/IP, o padrão segundo o qual a Internet continua operando até hoje. A Arpanet, no entanto, continuou por algum tempo a operar com um protocolo diferente, o NCP. Em 1975, a Arpanet foi transferida para a Defense Communication Agency (DCA). Para tornar a comunicação por computador disponível para os diferentes ramos das forças armadas, a DCA decidiu criar uma conexão entre várias redes sob seu controle. Estabeleceu a chamada Defense Data Network, operando com protocolos TCP/IP. 1983 o Departamento de Defesa, preocupado com possíveis brechas de segurança, resolveu criar a MILNET, uma rede independente para usos militares específicos. A Arpanet tornou-se ARPA-INTERNET, e foi dedicada à pesquisa. Em 1984, a National Science Foundation (NSP) montou sua própria rede de comunicações entre computadores, a NSFNET, e em 1988 começou a usar a ARPA-INTERNET como seu backbone130131.

130 A infraestrutura física da rede, por onde passam, as correntes elétricas que são compreendidas como sinais. (N.R.T.) (nota do autor). 131 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 13-15. 72

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Como a Arpanet já não era mais usada para fins militares, tanto o Departamento de Defesa estadunidense quanto a National Science Foudation encaminharam a privatização da Internet:

Em fevereiro de 1990, a Arpanet, já tecnologicamente obsoleta, foi retirada de operação. Dali em diante, tendo libertado a Internet de seu ambiente militar, o governo dos EUA confiou sua administração à National Science Foundation. Mas o controle da NSF sobre a Net durou pouco. Com a tecnologia de redes de computadores no domínio público, e as telecomunicações plenamente desreguladas, a NSF tratou logo de encaminhar a privatização da Internet. O Departamento de Defesa decidira anteriormente comercializar a tecnologia da Internet, financiando fabricantes de computadores dos EUA para incluir o TCP/IP em seus protocolos na década de 1980. Na altura da década de 1990, a maioria dos computadores nos EUA tinha capacidade de entrar em rede, o que lançou os alicerces para a difusão da interconexão de redes. Em 1995 a NSFNET foi extinta, abrindo caminho para a operação privada da Internet132.

Castells destaca, ainda, que toda a tecnologia de interconexão entre as redes foi distribuída gratuitamente e até mesmo subsidiada aos fabricantes de computadores estadunidenses pelo Departamento de Defesa dos EUA, o que fomentou a rápida expansão da internet133.

No início da década de 1990 muitos provedores de serviços da Internet montaram suas próprias redes e estabeleceram suas próprias portas de comunicação em bases comerciais. A partir de então, a Internet cresceu rapidamente como uma rede global de redes de computadores. O que tornou isso possível foi o projeto original da Arpanet, baseado numa arquitetura em múltiplas camadas, descentralizada, e protocolos de comunicação abertos. Nessas condições a Net pôde se expandir pela adição de novos nós e a reconfiguração infinita da rede para acomodar necessidades de comunicação134.

Muitos são os exemplos dos formatos colaborativos das criações que fomentaram a base da internet:

Mas a Arpanet não foi a única fonte da Internet tal como a conhecemos hoje. O formato atual da Internet é também o resultado de uma tradição de base de formação de redes de computadores. Um componente dessa tradição foi o bulletin board systems (BBS), ou sistema de quadro de avisos, um movimento que brotou da interconexão de computadores pessoais no final da

132 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 15. 133 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 23. 134 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 15. 73

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década de 1970. Em 1977, dois estudantes de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess, escreveram um programa, que batizaram de MODEM, que permitia a transferência de arquivos entre seus computadores pessoais; em 1978 fizeram um outro, o Computer Bulletin Board System, que permitia aos computadores armazenar e transmitir mensagens. Liberaram ambos os programas para o domínio público. Em 1983, Tom Jennings, um programador que na época trabalhava na Califórnia, criou seu próprio programa de BBS, o FIDO, e iniciou uma rede de BBSs, a FIDONET. Até hoje a FIDONET é a rede de comunicação por computadores mais barata e mais acessível no mundo, baseando-se em PCs e ligações por linhas telefônicas convencionais. Em 2000, compreendia mais de 40.000 nós e cerca de três milhões de usuários. Embora isso represente apenas uma minúscula fração do uso total da Internet, a prática dos BBSs e a cultura exemplificada pela FIDONET foram fatores influentes na configuração da Internet global. [...] Uma tendência decisiva na formação de redes de computadores veio da comunidade dos usuários do UNIX. O UNIX, um sistema operacional desenvolvido pelos Laboratórios Bell, foi liberado para as universidades em 1974, inclusive seu código-fonte, com permissão de alteração da fonte. O sistema tornou-se a língua franca da maior parte dos departamentos de ciência da computação, e os estudantes logo se tornaram peritos na sua manipulação. Depois, em 1978, o Bell distribuiu seu programa UUÇP (UNIX-to-UNIX copy) permitindo a computadores copiar arquivos uns dos outros. Com base no UUCP, em 1979, quatro estudantes na Carolina do Norte (Truscott, Ellis, Bellavin e Rockwell) projetaram um programa para comunicação entre computadores UNIX. Uma versão aperfeiçoada desse programa foi distribuída gratuitamente numa conferência de usuários de UNIX em 1980. Isso permitiu a formação de redes de comunicação entre computadores - a Usenet News – fora do backbone da Arpanet, ampliando assim consideravelmente a prática da comunicação entre computadores. No verão de 1980 a Usenet News chegou ao departamento de ciência da computação na Universidade da California em Berkeley, onde um grupo brilhante de estudantes de pós-graduação (entre os quais Mark Horton e Bill Joy) trabalhava com adaptações e aplicações do UNIX. Como Berkeley era um nó da Arpanet, esse grupo de estudantes desenvolveu um programa para fazer uma ponte entre as duas redes. Dali em diante, a Usenet ficou vinculada à Arpanet, as duas tradições gradualmente se fundiram e várias redes de computadores passaram a poder se comunicar entre si, muitas vezes partilhando o mesmo backbone (cortesia, de, uma universidade). Finalmente essas redes se congregaram na forma da Internet. Outro desenvolvimento notável que resultou da tradição dos usuários do UNIX foi o ―movimento da fonte aberta‖ – uma tentativa deliberada de manter aberto o acesso a toda a informação relativa a sistemas de software. [...] Em 1984, , programador no Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, numa reação à decisão da AT&T de reivindicar direitos de propriedade sobre o UNIX, lançou a Free Software Foundation, propondo a substituição do copyright pelo que chamou de ―copyleft‖. Por ―copyleft‖ entendia-se que qualquer pessoa que usasse um software gratuito deveria, em retribuição, distribuir pela Net o código daquele-software aperfeiçoado. Stallman criou um sistema operacional, o GNU, como alternativa ao UNIX, e o tornou disponível na Net sob uma licença que permitia seu uso desde que respeitada a cláusula do copyleft135.

Mesmo com todos os esforços, Stallman não conseguiu fazer esse novo sistema operacional equivalente ao UNIX (HURD) funcionar efetivamente até 1996, pois seria

135 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 15-17. 74

75 necessário um grupo de centenas de programadores para tal projeto136. Quem conseguiu desenvolver um outro sistema operacional baseado no UNIX foi outra pessoa:

Em 1991, pondo esse princípio em prática, , um estudante de 22 anos da Universidade de Helsinki, desenvolveu um novo sistema operacional baseado no UNIX, chamado Linux, e o distribuiu gratuitamente pela Internet, pedindo aos usuários que o aperfeiçoassem e enviassem os resultados obtidos de volta para a Net. O resultado dessa iniciativa foi o desenvolvimento de um robusto sistema operacional Linux, constantemente aperfeiçoado pelo trabalho de milhares de hackers e milhões de usuários, a tal ponto que o Linux é agora geralmente considerado um dos sistemas operacionais mais avançados do mundo, em particular para a computação baseada na Internet. Outros grupos de desenvolvimento cooperativo de software com base em fonte aberta brotaram da cultura dos usuários do UNIX. Assim, em 2001, mais de 60% dos servidores da www no mundo estavam rodando com Apache, que é um programa de servidor de fonte aberta desenvolvido por uma rede cooperativa de programadores do UNIX137.

Um dos softwares mais importantes para a expansão da internet pelo mundo, que também foi disponibilizado de modo colaborativo foi o que criou o sistema world wild web (www), a rede mundial:

O que permitiu à Internet abarcar o mundo todo foi o desenvolvimento da www. Esta é uma aplicação de compartilhamento de informação desenvolvida em 1990 por um programador inglês, Tim Berners-Lee, que trabalhava no CERN, o Laboratório Europeu para a Física de Partículas baseado em Genebra. Embora o próprio Berners-Lee não tivesse consciência disso (Berners-Lee, 1999, p. 5)138, seu trabalho continuava uma longa tradição de ideias e projetos técnicos que, meio século antes, buscara a possibilidade de associar fontes de informação através da computação interativa. [...] Foi Berners-Lee, porém, que transformou todos esses sonhos em realidade, desenvolvendo o programa Enquire que havia escrito em 1980. Teve, é claro, a vantagem decisiva de que a Internet já existia, encontrando apoio nela e se valendo de poder computacional descentralizado através de estações de trabalho: agora utopias podiam se materializar. Ele definiu e implementou o software que permitia obter e acrescentar informação de e para qualquer computador conectado através, da Internet: HTTP, MTML e URI (mais tarde chamado URL). Em colaboração com , Berners-Lee construiu um programa navegador/editor em dezembro de 1990, e chamou esse sistema de hipertexto world wide web, a rede mundial. O software do navegador da web foi lançado na Net pelo CERN em agosto de 1991. Muitos hackers do mundo inteiro passaram a tentar desenvolver seus próprios navegadores a partir do trabalho de Berners-Lee. A primeira versão modificada foi o

136 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 40-41. 137 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 17. 138 BERNERS-LEE, Tim; FRISCHETTI, Mark. Weaving the web. São Francisco: HarperCollins, 1999, p. 5 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 17. 75

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Erwise, desenvolvido Instituto de Tecnologia de Helsinki em abril de 1992. Pouco depois, Viola, na Universidade da Califórnia em Berkeley, produziu sua própria adaptação139.

As instituições públicas nacionais e internacionais de pesquisa tiveram papéis importantes e até mesmo decisivos (como no caso do projeto www) no começo da internet:

Na Europa, a tecnologia de comutação por pacote, a comunicação por computador e os protocolos de transmissão foram desenvolvidos em centros públicos de pesquisa, como o National Physical Laboratory da Grã-Bretanha, ou por programas de pesquisa patrocinados pelo governo, como o francês Cyclades. E, embora o projeto da www tenha sido fruto da criatividade e da iniciativa individuais (Berners-Lee era um membro da equipe do CERN que supostamente trabalhava no aperfeiçoamento do sistema de documentação do centro, não na criação de software), o trabalho de Berners-Lee e Cailliau tornou-se possível graças, à compreensão, em primeiro lugar, e ao apoio, em segundo, de uma instituição internacional, pública de pesquisa extremamente respeitada, que por acaso trabalhava num campo completamente diferente da ciência (Berners-Lee140; Gillies e Cailliau141). Em suma, todos os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à Internet tiveram lugar em torno de instituições governamentais e importantes universidades e centros de pesquisa. A Internet não teve origem no mundo dos negócios. Era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais, e uma iniciativa arriscada demais para ser assumida por organizações voltadas para o lucro. Isso, foi particularmente verdadeiro na década de 1960, numa época em que as grandes corporações eram bastante conservadoras em suas estratégias industriais e financeiras, e não se dispunham a arriscar capital e pessoal em tecnologias visionárias. A ilustração mais flagrante desta afirmação é o fato de que em 1972 Larry Roberts, diretor do IPTO, tentou privatizar a Arpanet, já montada e funcionando. Propôs-se a transferir a responsabilidade operacional para a AT&T. Após considerar a proposta, com a ajuda de uma comissão de especialistas dos Laboratórios Bell, a companhia recusou. A AT&T era dependente demais da telefonia analógica para se dispor a passar para a comutação digital. E assim, para o benefício do mundo, um monopólio corporativo perdeu a Internet142.

139 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 17-18. 140 BERNERS-LEE, Tim; FRISCHETTI, Mark. Weaving the web. São Francisco: HarperCollins, 1999, p. 5 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 23. 141 GILLIES, James; CAILLIAU, Robert. How the web was born: the story of the world wide web. Oxford: Oxford University Press, 2000 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 23. 142 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 23-24. 76

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O desenvolvimento dos softwares de navegadores também não pode deixar de ser mencionado neste histórico do surgimento da internet:

Dessas versões modificadas da www, a mais orientada para o produto foi o Mosaic, projetado por um estudante, , e um profissional, , no National Center for Supercomputer Applications da Universidade de Illinois. Eles incorporaram ao Mosaic uma avançada capacidade gráfica, tornando possível captar e distribuir imagens pela Internet, bem como várias técnicas de interface importadas do mundo da multimídia. Divulgaram seu software na Usenet em janeiro de 1993. Depois disso, Andreessen passou a trabalhar como programador numa pequena firma de Palo Alto. Enquanto estava lá, foi procurado por um destacado empresário do Vale do Silício, Jim Clark, que estava deixando a companhia que fundara, a Silicon Graphics, à procura de novas aventuras empresariais. Clark recrutou Andreessen, Bina e seus colegas de trabalho para formar uma nova companhia, a Mosaic Communications, que mais tarde foi obrigada a mudar seu nome para Netscape Communications. A companhia tornou disponível na Net o primeiro navegador comercial, o Netscape Navigator em outubro de 1994, e despachou o primeiro produto no dia 15 de dezembro de 1994. Em 1995, lançaram o software Navigator através da Net, gratuitamente para fins educacionais e ao custo de 39 dólares para uso comercial. Depois do sucesso do Navigator, a Microsoft finalmente descobriu a Internet, e em 1995, junto com seu software Windows 95, introduziu seu próprio navegador, o Internet Explorer, baseado em tecnologia desenvolvida por uma pequena companhia, a Spyglass. Outros navegadores comerciais foram desenvolvidos, como o Navipress, usado pela America On Line por algum tempo. Além disso, em 1995, a Sun Microsystems projetou o Java, linguagem de programação que permite a miniaplicativos (―applets‖) viajar entre computadores pela Internet, possibilitando a computadores rodar com segurança programas baixados da Internet. A Sun liberou o software Java gratuitamente na Internet, expandindo a esfera das aplicações da Web, e a Netscape incluiu a linguagem no Navigator. Em 1998, reagindo à competição da Microsoft, a Netscape liberou o código-fonte do Navigator na Net143.

Manuel Castells, ainda sobre o surgimento da internet, conclui que ela nasceu da ―improvável interseção da big science, da pesquisa militar e da cultura libertária‖144. E cultura libertária na acepção europeia de ―[...] cultura ou ideologia baseada na defesa intransigente da liberdade individual como valor supremo - com frequência contra o governo, mas por vezes com a ajuda de governos, como na proteção da privacidade‖145. Especificamente sobre cultura da internet, Castells classificou:

143 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 18-19. 144 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 19. 145 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, nota do autor, p. 19. 77

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A cultura da Internet caracteriza-se por uma estrutura em quatro camadas: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empresarial. Juntas, elas contribuem para uma ideologia da liberdade que é amplamente disseminada no mundo da Internet. Essa ideologia, no entanto, não é a cultura fundadora, porque não interage diretamente com o desenvolvimento do sistema tecnológico: há muitos usos para a liberdade. Essas camadas culturais estão hierarquicamente dispostas: a cultura tecnomeritocrática especifica-se como uma cultura hacker ao incorporar normas e costumes a redes de cooperação voltadas para projetos tecnológicos. A cultura comunitária virtual acrescenta uma dimensão social ao compartilhamento tecnológico, fazendo da Internet um meio de interação social seletiva e de integração simbólica. A cultura empresarial trabalha, ao lado da cultura hacker e da cultura comunitária, para difundir práticas da Internet em todos os domínios da sociedade como meio de ganhar dinheiro146.

A cultura tecnomeritocrática, disseminada na academia e na ciência, pode assim ser entendida:

Trata-se de uma cultura de crença no bem inerente ao desenvolvimento científico e tecnológico elemento decisivo no progresso da humanidade. Está, portanto, numa relação de continuidade direta com o Iluminismo e a Modernidade, como o assinalou Tuomi (2000)147. Sua especificidade, porém, está na definição de uma comunidade de membros tecnologicamente competentes, reconhecidos como pares pela comunidade. Nessa cultura o mérito resulta da contribuição para o avanço de um sistema tecnológico que proporciona um bem comum para a comunidade de seus descobridores. Esse sistema tecnológico é a interconexão de computadores, que é a essência da Internet. Valores acadêmicos-padrão especificaram-se num projeto orientado para uma missão: construir e desenvolver um sistema de comunicação eletrônico global (até universal, no futuro) que una computadores e pessoas numa relação simbiótica e cresça, exponencialmente por comunicação interativa. [...] Assim, a cultura da Internet enraíza-se na tradição acadêmica do exercício da ciência, da reputação por excelência acadêmica, do exame dos pares e da abertura com relação a todos os achados de pesquisa, com o devido crédito aos autores de cada descoberta. Historicamente, a Internet foi produzida em círculos acadêmicos e em suas unidades de pesquisa auxiliares, tanto nas culminâncias das cátedras como nas trincheiras de trabalho dos estudantes de pós-graduação, a partir de onde os valores, os hábitos e o conhecimento se espalharam pela cultura hacker148.

146 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 34-35. 147 TUOMI, Ilkka. Internet, innovation, and open source: actors in the network, artigo apresentado na Primeira Conferência da Association of Internet Researchers, Lawrence, University of Kansas, setembro, 2000, p.14-7 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 36. 148 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 36-37. 78

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A cultura hacker influenciou de forma determinante o ambiente acadêmico e foi, sem dúvida, a que mais contribuiu para a construção de um ambiente livre e colaborativo na internet:

A cultura hacker desempenha um papel axial na construção da Internet por duas razões: pode-se sustentar que é o ambiente fomentador de inovações tecnológicas capitais mediante a cooperação e a comunicação livre; e que faz, a ponte entre o conhecimento originado na cultura tecnomeritocrática e os subprodutos empresariais que difundem a Internet na sociedade em geral. Antes, porém, devemos elucidar o que entendemos por cultura hacker, já que a ambiguidade do termo é uma fonte de mal-entendidos (Himanen, 2001149; Levy, 2001150). Os hackers não são o que a mídia diz que são. Não são uns irresponsáveis viciados em computador empenhados em quebrar códigos, penetrar em sistemas ilegalmente, ou criar o caos no tráfego dos computadores. Os que se comportam assim são chamados ―crackers‖, e em geral são rejeitados pela cultura hacker, embora eu pessoalmente considere que, em termos analíticos, os crackers e outros cibertipos são subculturas de um universo hacker muito mais vasto e, via de regra, não destrutivos. Eric Raymond - um dos mais destacados observadores analistas/participantes da cultura hacker, e um ícone dela - define ―hacker‖ de maneira um tanto tautológica: hackers são aqueles que a cultura hacker reconhece como tais. Quanto a cultura hacker: ―Há uma comunidade, uma cultura compartilhada, de peritos em programação e bruxos da interconexão cuja história remonta, através de décadas, aos primeiros minicomputadores de tempo compartilhado e aos primeiros experimentos da Arpanet‖ (Raymond, 1999, p.231151). Ele narra o primeiro uso do termo ―hacker‖ no Tech Model Rail Road Club e no Laboratório de Inteligência Artificial do MIT. Esta é, porém, uma definição demasiado ampla, segundo a qual todos os peritos em programação de computador ligados à construção da Arpanet e ao desenvolvimento da Internet seriam hackers. Precisamos de um conceito mais específico de hacker para identificar os atores na transição de um ambiente de inovação académica, institucionalmente construído, para o surgimento de redes auto-organizadas que escapam a um controle organizacional. Nesse sentido restrito, a cultura hacker, a meu ver, diz respeito ao conjunto de valores e crenças que emergiu das redes de programadores de computador que interagiam on-line em torno de sua colaboração em projetos autonomamente definidos de programação criativa (Levy, 2001152). Duas características críticas devem ser enfatizadas: por um lado, a autonomia dos projetos em relação às atribuições de tarefas por instituições ou corporações; por outro, o uso da interconexão de computadores como a base material, tecnológica da autonomia institucional. Nesse sentido, a Internet foi originalmente a criação da cultura tecnomeritocrática; depois tornou-se a

149 HIMANEN, Pekka. The hacker ethic and the spirit of the information age. Nova York: Random House, 2001 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 38. 150 LEVY, Steve. Hackers: heroes of the computer revolution. Nova York: Penguin-USA, 2001 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 38. 151 RAYMOND, Eric. The cathedral and the bazaar: musings on Linux and open source by an accidental revolutionary. Sebastopol: O‘Reilly, 1999, p. 231 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 38. 152 LEVY, Steve. Hackers: heroes of the computer revolution. Nova York: Penguin-USA, 2001 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 38. 79

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base para sua própria atual inação tecnológica através do input fornecido pela cultura hacker, interagindo na Internet.

Dentre os valores da cultura hacker, o mais importante é a liberdade, que foi no início e ainda é um dos pilares da internet como ambiente coletivo:

Suprema nesse conjunto de valores [da cultura hacker] é a liberdade. Liberdade para criar, liberdade para apropriar todo conhecimento disponível e liberdade para redistribuir esse conhecimento sob qualquer forma ou por qualquer canal escolhido pelo hacker. De fato, Richard Stallman construiu sua Free Software Foundation sobre esse princípio da liberdade, independentemente da qualidade do software produzido como resultado da liberdade e da cooperação. Para a maioria dos outros hackers, a liberdade não é o único valor (a inovação tecnológica é a meta principal e o deleite pessoal da criatividade é ainda mais importante que a liberdade), mas é sem dúvida um componente essencial de sua visão de mundo e de sua prática como hackers. Paradoxalmente, é em razão desse princípio da liberdade que muitos hackers também reivindicam o direito de escolher o desenvolvimento comercial de suas aplicações. Sob a condição de não trair aquele que é o princípio mais fundamental de todos: acesso aberto a toda a informação do programa, com a liberdade de modificá-lo. A liberdade combina-se com cooperação através da prática da cultura do dom, que acaba por levar a uma economia do dom. Um hacker divulga sua contribuição para o desenvolvimento do software pela Net na expectativa de reciprocidade. A cultura do dom no mundo hacker distingue-se de outras análogas. Prestígio, reputação e estima social estão ligados a relevância da doação feita à comunidade. Assim, não se trata apenas da retribuição esperada pela generosidade, mas da satisfação imediata que o hacker tem ao exibir sua engenhosidade para todos. Além disso, há a gratificação envolvida no objeto ofertado. Ele não tem apenas valor de troca, tem também valor de uso. O reconhecimento vem não só do ato de doar, como da produção de um objeto de valor (software inovador). [...] Naturalmente, dinheiro, direitos formais de propriedade ou poder institucional são excluídos como fontes de autoridade e reputação. A autoridade baseada na excelência tecnológica, ou em contribuição precoce para o código, só é respeitada se não for vista como predominantemente interesseira. Em outras palavras, a comunidade aceita a hierarquia da excelência e da superioridade somente na medida em que essa autoridade é exercida para o bem-estar da comunidade como um todo, o que significa que, muitas vezes, novas tribos surgem e se enfrentam. Mas as cisões fundamentais não são pessoais ou ideológicas: são tecnológicas. Isso não significa que os conflitos sejam menos agudos. Subculturas tecnológicas podem usar todos os recursos à sua disposição para solapar a posição das tecnocomunidades rivais. Assim, a principal divisão no mundo do software aberto é a que separa a tradição do BSD e a do GNU/Linux153.

153 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 42-44. 80

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A defesa do trânsito livre de informações e conhecimento pela rede (entre muitas outras questões) pode ser denominada de formas diferentes. Alguns teóricos defendem a construção do ciberespaço, da internet mais especificamente como commons:

[...] Este termo em inglês dificilmente pode ser traduzido para a língua portuguesa por uma única palavra sem perder sua força e seu sentido. Por isso, aqui será usado sem tradução. A palavra commons pode significar aquilo que é comum ou os espaços e as coisas que são públicas. Em alguns casos pode ter o significado de comunidade ou da produção compartilhada entre pares. Portanto, esta publicação trata de um fenômeno crescente que está revolucionando a produção simbólica da humanidade e ampliando as contradições do capitalismo informacional. As novas tecnologias da informação e da comunicação permitiram a que a ideia de commons avançasse velozmente no cenário da cultural digital. Os commons podem ter diversos entendimentos, mas nunca poderão ser confundidos com apropriação privada do que é comum. Como bem adverte o professor Yochai Benkler, estamos participando de um período de mudanças profundas em que a produção colaborativa evolui para a constituição de uma verdadeira economia das redes de informação baseada na colaboração. As redes informacionais por onde transitam bens simbólicos, informações de todos os tipos, não experimentam o fenômeno da escassez e do desgaste, características típicas dos bens materiais. Assim, o compartilhamento de um bem informacional não implica perda, pois, no mundo digital, a informação pode ser partilhada infinitamente. As redes digitais e os bens informacionais permitiram que a produção social ou colaborativa entre pares ganhasse dimensões planetárias. A idéia de commons ganhou destaque com a mobilização colaborativa em torno do software livre e avançou para outros terrenos da cultura mundial. A maior enciclopédia do mundo, a Wikipedia, é resultado da produção social, da colaboração, dos commons. Um dos casos mais fascinantes de sucesso na web, o site YouTube154, se baseia na colaboração dos seus usuários. Projetos como o seti@home, da Nasa, envolvem atualmente mais de 3 milhões de colaboradores voluntários. O movimento de licenciamento flexível de obras de arte, músicas, livros, denominado creative commons já ultrapassou mais de um milhão de peças e espalhou-se por todos os continentes. [...]155

Yochai Benkler apresenta uma definição de commons que se assemelha à percepção de direitos coletivos em sentido amplo156:

Commons são um tipo particular de arranjo institucional que governa o uso e a disposição de recursos. Sua principal característica, que os define de forma

154 A promessa do YouTube (como tantos outros projetos inicialmente abertos e colaborativos) em continuar sendo um projeto colaborativo encerra-se definitivamente quando ele é comprado pelo Google, em 2006. 155 SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Introdução. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da; [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 7-10. 156 BENKLER, Yochai. A economia política dos commons. Tradução Paulo Cesar Castanheira. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da; [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 11- 20. 81

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distinta da propriedade, é que nenhuma pessoa tem o controle exclusivo do uso e da disposição de qualquer recurso particular. Pelo contrário, os recursos governado pela comunidade podem ser utilizado e dispostos por qualquer um entre dado número de pessoas (mais ou menos bem definido), sob regras que podem variar desde o ‗vale-tudo‘ até regras claras formalmente articuladas e efetivamente impostas.

Adotando ou não expressamente o termo commons, a percepção da internet como ambiente coletivo é uma das bases da cultura hacker. Alguns deles são ativistas políticos que defendem esses valores de liberdade e cooperação na internet:

Há, no entanto, subculturas hacker construídas sobre princípios políticos, bem como sobre revolta pessoal. Richard Stallman considera a busca de excelência tecnológica secundária ao princípio fundamental do software gratuito, que, para ele, é um componente essencial da liberdade de expressão na Era da Informação. De fato, ele foi um ativo participante no movimento pela liberdade de expressão em seus anos de estudante em Berkeley. Sua Free Software Foundation dedica-se a proteger os direitos dos programadores aos produtos de seu trabalho, e a mobilizar a comunidade dos hackers para que se una num esforço por manter sua criação coletiva fora do alcance de governos e corporações. Outros agrupamentos de hackers formam-se em torno de princípios políticos libertários, como a defesa da liberdade de expressão e privacidade na Internet. Um exemplo ilustrativo é a Electronic Frontier Foundation criada em 1990 por e Mitch Kapor para combater o controle do governo sobre a Internet. Eles tiveram importante papel na ampla mobilização que levou à derrota do Communications Decency Act nos tribunais norte-americanos em 1995 [...]. Barlow e Kapor simbolizam ambos uma interessante conexão entre algumas das subculturas sociais do período pós-década de 1960 e a cultura hacker. Barlow costuma ser lembrado como o letrista da banda de rock Grateful Dead, mas é também um criador de gado em Montana, e atualmente passa grande parte do seu tempo ziguezagueando pelo mundo para pregar a liberdade e a Internet. Quanto a Kapor, além de ser um programador brilhante (inventou o Lotus), e de ganhar rios de dinheiro, foi um instrutor de meditação, imerso no espiritualismo157.

Alguns hackers não são necessariamente ativistas, mas também pertencem a subculturas com fundamentos políticos:

Outros hackers reconhecem-se nos personagens ―cyberpunk‖ da literatura de ficção científica. Fundam sua autonomia social na Internet, lutando para preservar sua liberdade contra a intrusão de quaisquer tipos de poderes, inclusive a tomada de controle de seus provedores de serviços de Internet pelas corporações da mídia. Nas margens dessa subcultura hacker rebelde, emergem os crackers. Em sua maioria, são indivíduos, com frequência muito

157 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 45-46. 82

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jovens, que tentam provar sua perícia, em geral com conhecimento técnico limitado. Outros, como Kevin Mitnik, misturam habilidade técnica com uma estratégia de sabotagem política em seus esforços para vigiar o mundo que os vigia. Esse comportamento deve ser diferenciado do cibercrime - a prática de roubos na Internet para lucro pessoal -, o velho hábito do ―crime do colarinho branco‖ executado mediante novos meios tecnológicos. Os crackers mais políticos constroem redes de cooperação e informação, com todas as devidas precauções, muitas vezes difundindo o código de tecnologia de criptografia que permitiria a formação dessas redes fora do alcance das agências de vigilância. As linhas de batalha estão se deslocando do direito que têm as pessoas de codificar (contra o governo) para o direito que elas têm de decodificar (contra as corporações) (Levy, 2001158; Patrice Riemens, comunicação pessoal, 2001159). A cultura hacker dominante vê os crackers com muita apreensão, uma vez que eles denigrem toda a comunidade com o estigma da irresponsabilidade, amplificado pela mídia. De uma perspectiva analítica, porém, devemos reconhecer a diversidade do mundo dos hackers enfatizando ao mesmo tempo o que une todos os seus membros acima de divisões ideológicas e comportamento pessoal: a crença compartilhada no poder da interconexão de computadores e a determinação de manter esse poder tecnológico como um bem comum - pelo menos para a comunidade dos hackers160.

Independentemente dos fundamentos e do tipo de ação dessas subculturas hackers, inegáveis são as contribuições dessa cultura para a tentativa de resistir a apropriação da internet por grandes conglomerados. O hackativismo, ou ativismo hacker, tem, muitas das vezes, como bandeira a defesa de direitos humanos, tendo em vista que a comunicação, a privacidade e o acesso à internet, por exemplo são direitos humanos161. As últimas duas camadas que caracterizam a cultura da internet são as comunidades virtuais e a cultura empresarial. Sobre as comunidades virtuais, Castells relata que:

As fontes culturais da Internet não podem ser reduzidas, porém, aos valores dos inovadores tecnológicos. Os primeiros usuários de redes de computadores criaram comunidades Virtuais, para usar a expressão popularizada por Howard Rheingold (1993/2000)162, e essas comunidades

158 LEVY, Steve. Hackers: heroes of the computer revolution. Nova York: Penguin-USA, 2001 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 46. 159 RIEMENS, Patrice. Comunicação pessoal, 2001 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 46. 160 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 45-46. 161 No próximo subcapítulo serão apresentados os principais direitos humanos relacionados ao meio ambiente digital. 162 RHEINGOLD, Howard. The virtual community: homesteading on the eletronic frontier. Cambrige: MIT Press, 1993/2000 apud CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 48. 83

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foram fontes de valores que moldaram comportamento e organização social. Pessoas envolvidas nas redes da Usenet News, na FIDONET, e nos BBS, desenvolveram e difundiram formas e usos na rede: envio de mensagens, lista de correspondência, salas de chat, jogos para múltiplos usuários (expandindo os MUDs - acrônimo de multi-user dungeon – pioneiros), conferências e sistemas de conferência. [...] Assim, enquanto a cultura hacker forneceu os fundamentos tecnológicos da Internet, a cultura comunitária moldou suas formas sociais, processos e usos. [...] As comunidades on-line tiveram origens muito semelhantes às dos movimentos contraculturais e dos modos de vida alternativos que despontaram na esteira da década de 1960. [...] Apesar de tudo, à medida que as comunidades virtuais se expandiram em tamanho e alcance, suas conexões originais com a contracultura enfraqueceram. Empiricamente falando, não existe algo como uma cultura comunitária unificada da Internet. [...] Apesar disso, essas comunidades trabalham com base em duas características fundamentais comuns. A primeira é o valor da comunicação livre, horizontal. A prática das comunidades virtuais sintetiza a prática da livre expressão global, numa era dominada por conglomerados de mídia e burocracias governamentais censoras163.

Como visto, as comunidades virtuais têm características bem diferentes das interações que atualmente ocupam grande parte da comunicação nas redes sociais, como Facebook, por exemplo. O já extinto Orkut utilizava-se do termo comunidades para nomear seus grupos de discussão, apesar de ser, de fato, uma rede social e não uma comunidade virtual. Acerca das empresas, como era o Orkut e hoje é o Facebook e a Google, a última camada da cultura da internet, Castells resume:

Por fim, os empresários da Internet descobriram um novo planeta, povoado por inovações tecnológicas extraordinárias, novas formas de vida social e indivíduos autônomos, cuja capacidade tecnológica lhes dava substancial poder de barganha vis-à-vis regras e instituições sociais determinantes. Deram um passo adiante. Em vez de se entrincheirar nas comunidades formadas em torno da tecnologia da Internet, iriam assumir o controle do mundo usando o poder que vinha com essa tecnologia. Em nosso tipo de mundo, isso significa, essencialmente, ter dinheiro, mais dinheiro que todos os outros. Assim, a cultura empresarial orientada para o dinheiro partiu para a conquista do mundo e, nesse processo, fez da Internet a espinha dorsal de nossas vidas164.

A passagem acima transcrita resume bem a mercantilização da internet, que no seu início foi marcada pela atuação de poucas empresas e pouquíssimas grandes

163 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 46-48. 164 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 53. 84

85 empresas. Todavia tal cenário tem cada vez mais se alterado, e a internet tem se tornado o espaço de grandes corporações do meio digital, especialmente após a abertura de capital de algumas dessas empresas na bolsa de valores, fato que tem favorecido a formação de monopólios de empresas de comunicação na rede mundial, conforme subcapítulo a seguir apresentará. Essa cultura empresarial que conquistou o mundo realmente fez, através do que foi resgatado anteriormente, o que Deleuze chamou de produção de subjetividades capitalística e que realmente fez da rede o centro da vida de grande parte da população mundial, criando novas necessidades e dependências tecnológicas a ponto da sociedade entender que o acesso à internet deve ser alçada à categoria de um direito humano, de acordo com o tema a ser tratado no próximo subcapítulo. Tim Wu ressalta que as grandes corporações na comunicação não são exclusividade da internet, e que a indústria da comunicação de massa foi se apropriando dos outros meios de comunicação ainda analógicos como o rádio, a telefonia, o cinema e a televisão165. Todas essas mídias ―[...] nasceram livres e abertas. Cada qual era um convite ao uso irrestrito e à realização de experiências inovadoras, até que a tendência de concentração do mercado predominasse‖166 e formasse o que ele denominou de ―impérios da comunicação‖167. A defesa da transparência e da liberdade de comunicação da internet está cada vez mais ligada à defesa da democratização de todos os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão como direitos coletivos que são e que cada vez mais operam em plataformas digitais, com a convergência digital. A relação entre os impérios das mídias analógicas e apropriação da rede por algumas corporações é mais estreita do que parece. De acordo com Sérgio Amadeu da Silveira:

[...] Do anúncio da CERN, em abril de 1993, que a World Wide Web estaria livre e gratuita para todos até o lançamento da versão Beta do protocolo de compartilhamento P2P (peer-to-peer) denominado Bit Torrent, pelo hacker Bram Cohen, em 2002, muitos embates ocorreram pelo controle e pela reconfiguração da rede. As empresas de entretenimento, representadas por instituições como a MPAA (Motion Picture Association of America) e a RIAA (Recordin Industry Association of America) tentaram vários expedientes legais, comerciais, judiciais e tecnológicos para reduzir a

165 WU, Tim. Impérios da Comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. Tradução Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, passim. 166 WU, Tim. Impérios da Comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. Tradução Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, orelha. 167 WU, Tim. Impérios da Comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. Tradução Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, passim. 85

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liberdade dos fluxos na internet e transformar a rede em um supermercado global para sua indústria de copyright. As corporações de telecomunicações perceberam que a internet colocaria em risco seus negócios bilionários e passaram a agir contra o seu espírito inicial e a lógica fortemente influenciada pela cultura acadêmica e pela cultura hacker. Os grupos que monopolizavam as mídias de massa sentiram seus negócios abalados pelo crescimento da rede mundial de computadores e pela livre difusão de informações e também armaram reações [...]168.

A defesa pelos direitos autorais de artistas, principalmente de músicos, é tema que divide opiniões. Muitos deles, até o surgimento e expansão da internet viviam basicamente da renda desses direitos, muito embora a indústria cultural e/ou do entretenimento abocanhasse a maior parte169. Todavia pouca discussão deveria ser travada, ao menos no Brasil, em relação à impossibilidade de se patentear um algoritmo qualquer, como especificamente em relação ao objeto do trabalho, o algoritmo do buscador Google, como será apontado no terceiro capítulo. O próximo subcapítulo apresenta alguns dados e aponta mais alguns elementos acerca da era das grandes corporações (ou impérios) nos meios digitais para delinear melhor as diferenças da rede e seus princípios no início da internet e o cenário atual.

1.5.1 A rede e os grandes conglomerados

A internet, como visto, desenvolveu-se, também, a partir da atuação de empresas privadas, tanto em relação à infraestrutura que possibilita o acesso à rede, quanto em outras tantas áreas diversas no meio digital. E pouco tempo depois da internet ter deixado de ser exclusivamente militar e passado a ser também civil, já se observava, ao menos na área da comunicação, que a concentração já tradicional nos meios analógicos também era uma realidade no meio digital:

Se é verdade que a nova mídia abre a possibilidade da fragmentação (segmentação de audiências por oferta de conteúdo direcionado) e da

168 SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Redes virais e espectro aberto: descentralização e desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 21-55. 169 No próximo subcapítulo, o tema será retomado nos comentários ao livro de Jonathan Taplin TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us. 86

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interatividade, também é verdade que os proprietários, vale dizer, aqueles em posição privilegiada para exercer o poder de controlar o conteúdo da nova mídia, estão cada vez mais concentrados e se reduzem tanto em nível mundial como em nível nacional170.

Houve um período em que diversas páginas e aplicativos inovadores foram desenvolvidos por pequenas empresas e/ou por startups. A respeito da lista de sites mais acessados do mundo em 2006, Sergio Amadeu constatava:

O entendimento desse cenário não é simples. Observando os sites de maior audiência no mundo, no final de 2006, podemos notar que existe uma concentração de atenção na rede. Observe que a concentração segue outro padrão de constituição e permanência. As tecnologias de informação e comunicação disseminadas do modo atual permitiram que, em pouco tempo, uma boa idéia ganhasse milhões de adeptos e gerasse um novo poder de comunicação. Não foi no interior das grandes corporações que surgiram a web e os navegadores, muito menos os mecanismos de busca, essenciais à rede. Mesmo sem grande capital acumulado, um grupo muito pequeno de pessoas pôde criar o YouTube ou a Wikipedia. As formas antigas de obtenção de audiência, fontes de poder na mídia de massas, não são as mesmas na rede mundial de computadores. Certamente, existe a concentração de atenção na rede, mas ela segue uma lógica distinta daquela que encontramos na era industrial171.

A acomodação do ciberespaço parecia realmente promissora para o aumento de páginas colaborativas, valor maior dos primórdios da internet:

De modo geral, os buscadores e os sites de mensagens instantâneas obtêm grande audiência devido a sua condição de intermediários essenciais da resolução de necessidades (encontrar conteúdos no ciberespaço e comunicar- se em tempo real). Sites colaborativos como o YouTube e a Wikipedia atingem as primeiras colocações, ao lado de sites de relacionamento (Myspace e Orkut). Se ampliássemos esta lista de audiências, poderíamos notar que um site informativo como o Digg, criado com baixo investimento, consegue atualmente concorrer com enormes estruturas comunicacionais, como a CNN. Tais fenômenos iniciaram um grande movimento de reorientação de verbas publicitárias, o que vem abalando os velhos impérios da mídia e as megacorporações de entretenimento. Todavia, não sabemos se este movimento de criação de grandes fenômenos de concentração de atenção, a partir de boas idéias e soluções tecnológicas criativas, se estabilizará, encerrará ou terá seu ritmo reduzido. Por enquanto, é possível afirmar que sua aparência é de um fenômeno crescente. Assim, novidades de grande aceitação alteram o poder comunicacional tradicional e minam os

170 LIMA, Venício A. de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Perseu Abramo, 2001, p. 130 apud SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Redes virais e espectro aberto: descentralização e desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 30. 171 SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Redes virais e espectro aberto: descentralização e desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 30. 87

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grandes grupos de mídia e entretenimento que buscam reorientar suas atividades e encontrar novas formas de se manterem grandes e influentes172.

Entretanto, o cenário se altera significativamente. Não é exclusividade da área da mídia digital, mas talvez seja uma das maiores expressões da atual fase do capitalismo financeiro especulativo internacional: grandes corporações dominando quase todos os setores econômicos.

Território em crescente disputa e onde se trava uma batalha pela liberdade (Castells, 2012)173, a internet é alvo de investidas cada vez mais pesadas por parte das corporações e dos aparelhos de Estado, que procuram vigiar e explorar seus fluxos de comunicação (Castells, 2002, p. 221)174.

Parece que, com a condescendência dos governos e de órgãos internacionais, as corporações estão cada vez mais se apropriando da rede. A Google, por exemplo, começou como uma microempresa com dois colegas de doutorado na Universidade de Standford, oferecendo o serviço de buscador na internet a partir de um sistema inventado por eles: o algoritmo PageRank. Atualmente é um dos maiores conglomerados no meio digital, ―[...] controlando cinco da seis principais plataformas digitais: buscas, vídeo (com o YouTube), celulares (Android), mapas (Google Maps) e navegador (Chrome)‖175. Google, Facebook e Amazon, entre outras corporações, são detentoras de monopólio em seus campos de atuação. Há certo tempo que movimentos sociais

172 SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Redes virais e espectro aberto: descentralização e desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da [et al]. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 29-31. 173 CASTELLS, Manuel. Networks of outrage. Londres: Polity, 2012 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 138. 174 CASTELLS, Manuel. La Galaxie internet. Paris: Fayard, 2002, p. 80 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 138. 175 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 88

89 organizados em favor da democratização das mídias (inclusive as mídias digitais)176 e acadêmicos177 já alertam para esse processo. Os dados reunidos por Taplin esclarecem:

O Facebook, por sua vez, controla um ecossistema acachapante: 1,6 bilhão de usuários na rede social original, 1 bilhão no WhatsApp, 900 milhões no Messenger, 400 milhões no Instagram. É mais de 75% do mercado de mídia social móvel. ―Sob qualquer regime antitruste normal, isso seria considerado um monopólio‖178. A Amazon não é propriamente um monopólio, mas um monopsônio. A diferença é sutil. No monopólio, um único fornecedor de um produto domina o mercado e pode aumentar os preços a seu gosto. Já o monopsônio é quando existe um único comprador dominante e ele é capaz de baixar os preços dos seus fornecedores179.

Outros dados sobre as mesmas corporações continuam elucidando:

As cinco maiores empresas do mundo (com base no valor de mercado) são Apple, Google (agora conhecido como Alphabet)180, Microsoft, Amazon e Facebook. Em termos de poder de monopólio, o Google detém 88% do mercado de publicidade em busca e pesquisa. O sistema operacional Android da Google tem 80% de participação de mercado global em sua categoria. A Amazon tem 70% do mercado de e-books (livros eletrônicos) e 51% dos produtos comprados on-line. O Facebook tem uma participação de 77% no total das mídias sociais móveis. Google e Facebook têm mais de 1 bilhão de clientes e a Amazon tem 350 milhões.181

Taplin explica um dos motivos que levou a internet a ser ocupada por monopólios de poucas empresas:

176 INTERVOZES. O monopólio da mídia atrasou o movimento da sociedade. Entrevista. 01 jul 2010. Disponível em: . Acesso em 20 nov 2015. 177 Como o já mencionado livro de Tim WU, Impérios da Comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. Tradução Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, passim. O pesquisador relata a criação de várias mídias e a apropriação das mesmas por grandes corporações até transformá-las em monopólios. 178 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 179 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 180 A Alphabet, em verdade é uma holding criada para controlar diversas empresas, inclusive a Google, conforme informado na própria página da controladora. Alphabet. G is for Google. Disponível em . Acesso em 13 nov 2017. 181 JORNALISTAS LIVRES. Google, Facebook e Amazon minam a democracia: Os gigantescos monopólios que destroem a privacidade e produzem desigualdades. 26 abr 2017. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2017. 89

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O livro conta a história de como a internet ―foi sequestrada por um pequeno grupo de radicais de direita [liderados por Peter Thiel182, partidário de Trump] para quem as ideias de democracia e descentralização eram uma maldição [um anátema]‖. Jonathan Taplin discute em seu livro as maneiras invisíveis pelas quais o cruel libertarianismo permeou o Vale do Silício e a Casa Branca. A consequência é que a filosofia dominante do Vale do Silício se baseou fortemente na ideologia libertária radical de Ayn Rand183. A Internet não é o produto de uma ideia cooperativa mítica qualquer, como o público pode imaginar. A opinião das pessoas foi formada a partir de uma ilusão de bondade, amplamente difundida e comercializada, cujo símbolo é o slogan do Google: ―Não seja mau‖ (mudado para ―Faça a Coisa Certa‖, em 2015, no código de conduta do Google). O resultado: ―desde Rockefeller e J.P. Morgan não há tal concentração de riqueza e poder nas mãos de tão poucos‖184, de acordo com o livro de Taplin. ―E as enormes fortunas sem precedentes criadas pela revolução digital têm influído fortemente no aumento da desigualdade nos Estados Unidos‖ (grifos do autor)185.

Há quase um século já se vislumbrava nos Estados Unidos da América (EUA) as consequências desastrosas do monopólio:

Voltamos ao começo do século 20, quando argumentos sobre a ―maldição da grandeza‖ eram defendidos por Louis Brandeis, assessor jurídico do presidente norte-americano Woodrow Wilson. Ele queria eliminar os monopólios porque (segundo seu biógrafo, Martin Urofsky), ―em uma sociedade democrática, a existência de grandes centros de poder privado é perigosa para a vitalidade continuada de um povo livre‖. Basta olhar para a conduta dos grandes bancos na crise de 2008 e para o papel desempenhado pelo Facebook e Google no negócio de ―notícias falsas‖ para sabermos que Brandeis estava certo. Embora Brandeis costumasse defender o desmonte de empresas de porte muito grande, ele abria exceção para monopólios naturais, como os da telefonia e ferrovias, onde fazia sentido ter uma ou algumas poucas empresas no controle de um setor. Teremos que decidir, em breve, se Google, Facebook e Amazon são a espécie de monopólio natural que precisa ser regulamentado ou se permitiremos que

182 Peter Thiel, fundador do PayPal, foi o primeiro investidor de peso no Facebook e é membro de seu conselho de administração. É apoiador e consultor de Trump (nota do autor). 183 Ayn Rand foi uma escritora, A Revolta de Atlas, idolatrada pela extrema direita americana. Leia mais sobre ela no artigo A Deusa dos Conservadores Americanos, no Diário do Centro do Mundo: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-deusa-do-mercado-as-ideias-de-ayn-rand-a-escritora-que- fez-os-estados-unidos-serem-o-que-sao/ (nota do autor). 184 TAPLIN, Jonathan apud JORNALISTAS LIVRES. Google, Facebook e Amazon minam a democracia: Os gigantescos monopólios que destroem a privacidade e produzem desigualdades. 26 abr 2017. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2017 185 JORNALISTAS LIVRES. Google, Facebook e Amazon minam a democracia: Os gigantescos monopólios que destroem a privacidade e produzem desigualdades. 26 abr 2017. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2017. 90

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as coisas fiquem como estão, fingindo que elas não causam danos à nossa privacidade e à democracia186.

Na defesa de um meio ambiente digital realmente livre e democrático, não se pode pensar nem na hipótese de monopólio natural e muito menos deixá-los absolutamente desregulamentados. É preciso encontrar uma terceira possibilidade, fundada na proibição de monopólios e concentração de mercado. Nos EUA, uma das explicações para o fato de os monopólios não serem vistos como prejudiciais à economia aparece no poder judiciário:

Segundo Taplin, a ideologia libertária acabou contaminando os órgãos reguladores. Prevaleceu, na legislação americana, o entendimento do juiz Robert Bork de que a única coisa que deveria interessar aos reguladores era se os preços aos consumidores estavam em queda. ―Do ponto de vista de Bork, se o Walmart acabasse como o único grande varejista do país, contanto que os preços continuassem a cair, isso seria benéfico para o bem-estar dos consumidores‖, diz Taplin. Essa posição é controversa. Vários advogados e acadêmicos consideram que as leis antitruste originais não tinham o objetivo de baixar preços, mas de proteger os empreendedores independentes e evitar que uns poucos capitalistas concentrassem poder demais em suas mãos. ―A regra de Bork, que olha apenas para os preços, permite que esses monopólios digitais prosperem, e é só sob uma regra assim que uma companhia como o Google, com 85% de participação de mercado em seu negócio principal, pode não ser sujeita a um processo‖, afirma Taplin187.

No Festival Tecnológico Brain Bar ocorrido em Budapest em junho de 2017, o tema das grandes corporações na internet foi discutido:

E Peter Sunde, fundador do controverso site de torrents Pirate Bay, acredita que as pessoas têm focado muito nas coisas que podem acontecer, em vez de se preocuparem com o que já está acontecendo, como o fato de que nós acabamos permitindo que Mark Zuckerberg centralize uma quantidade gigantesca de informações a nosso respeito, por exemplo188.

No mesmo evento, rememorando as origens da internet, Peter Sunde criticou:

186 TAPLIN, Jonathan. Não dá mais para disfarçar danos causados por Google e Facebook. Disponível em . Acesso em 15 nov 2017. 187 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us, Editora Little, Brown and Company apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 188 CANALTECH. Fundador do Pirate Bay critica centralização da internet pelas corporações. Disponível em . Acesso em 13 nov 2017. 91

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Ele repetiu sua afirmação de que a Internet começou a vida como um lugar quase perfeito e gratuito. Mas, desde então, a centralização corrompeu o anonimato e a diversidade da web, movendo o poder da rede para empresas de mídia e gigantes da tecnologia189.

As práticas de monopólio, oligopólio ou monopsônio, por si só, já são nefastas para qualquer economia capitalista e, por isso, em diversos países elas são (ao menos em tese) tidas como anticoncorrenciais e até mesmo proibidas, como no Brasil, por exemplo. A atual legislação brasileira de defesa da concorrência assim determina:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.

A aplicação da referida legislação aos casos práticos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), entretanto, tem sido bem controversa, permitindo a aquisição e/ou fusão de muitas empresas em diversos setores da economia, como alimentação (JBS, Ambev, BRF), comércio varejista (Grupo Pão de Açúcar: Extra, Pão de Açúcar, Assaí Atacadista, Casas Bahia, Ponto Frio, entre outras), instituições financeiras (Itaú Unibanco, Grupo Santander), entre tantos outros. Além das práticas anticoncorrenciais por serem monopólios no meio ambiente digital, corporações como Amazon, Google, e Facebook perceberam que, na Sociedade da Informação que o capitalismo pós-industrial tenta impor, o valor maior é justamente a informação de todos os tipos acerca de todos os seus usuários. Nossos dados e informações foram transformados em mercadoria ou commodities:

189 AMÉRICO, Juliana. Cofundador do Pirate Bay diz que Zuckerberg é 'o maior ditador do mundo'. Disponível em . Acesso em 7 out 2017.

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Castells salienta que, uma vez no ciberespaço, as pessoas podem agir e se reunir com os mais diversos tipos de ideais, inclusive os de afrontar o poder das corporações, questionar as autoridades ou, ainda, propor alterações no processo civilizatório. Porém, observa igualmente que esse território está sujeito ao que chama de mercantilização da liberdade: isto é: ‗ao processo de cercamento do bem comum representado pela livre comunicação e que, fazendo as pessoas renunciar à sua privacidade e se converterem em alvos de publicidade, coloca à venda seu acesso às redes para as empresas mundiais de comunicação comprarem (O poder da comunicação, 2009, p. 421)190.

A percepção de Castells em relação à plena liberdade dos cidadãos em questionar as autoridades parece não mais se concretizar em diversos lugares do mundo. A rede é amplamente monitorada pelas agências de inteligência dos governos. No Brasil, durante as Jornadas de Junho de 2013, a ABIN (Agência Brasileira de INnteligência) acompanhou as manifestações populares, e tal vigilância continuou durante os protestos contra a Copa das Confederações e a Copa do Mundo191. Especialmente em relação à Copa do Mundo, tais ações foram seguidas de repressão a tais protestos, inclusive com o uso da Força Nacional192. Parece, portanto, que as liberdades na rede mundial estão diminuindo em várias esferas. As liberdades à privacidade, à intimidade e à vida privada são o foco do presente trabalho, levando-se em consideração que o direito humano à comunicar-se envolve essas liberdades mais específicas e outras tantas, como será apresentado a seguir. E o que Castells nomeia de mercantilização da liberdade é prática cada vez mais recorrente na rede e cada vez mais concentrada nessas poucas corporações que controlam nossos dados (Google, Facebook, Amazon, Apple, Microsoft). Taplin denominou esse fenômeno como marketing ou capitalismo de vigilância, notadamente em relação ao Google e Facebook:

Seu negócio principal é o que eu comecei a chamar de capitalismo de vigilância. Basicamente, trata-se de um novo tipo de capitalismo no qual o maior valor que eu tenho é a quantidade de dados que sou capaz de varrer de

190 CASTELLS, Manuel. Communicative power. Oxford: Oxford University, 2009, p. 421 apud RÜDIGER, Franciso. As Teorias da Cibercultura: Perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2016 (Coleção Cibercultura), p. 139-140. 191 CANALTECH. Manifestações: às pressas, governo cria rede para monitorar a Internet no país. Disponível em . Acesso em 5 set 2017. 192 UOL. Força Nacional terá 10 mil agentes para contenção de protestos na Copa. Disponível em . Acesso em 30 mar 2016. 93

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todos os domínios possíveis sobre você, Don Hazen. Eu vou obtê-los a partir do seu celular, das suas compras on-line, da sua localização, a partir de sua casa se você tiver um Amazon Alexa com o microfone ligado. Eu vou aspirar a partir daí. Eu vou basicamente procurar por mais lugares onde eu possa pegar seus dados. A chave para isso é conseguir que você vá a algum dos meus serviços, se é YouTube ou pesquisa ou no Facebook, e ficar lá o maior tempo possível, e quanto mais você ficar lá, mais dados seus eu estou pegando. Agora, eu levo esses dados e vou vendê-los de volta para os anunciantes de modo que eles sejam capazes de atingir um alvo com extrema exatidão, apenas as pessoas em quem eu quero chegar193.

Nossos dados são armazenados por programas chamados cookies quando acessamos algumas páginas que utilizam tal programa194. Entre outras informações armazenadas estão aquelas referentes a produtos ou serviços que buscamos. É por isso que quando utilizar um navegador que armazene os cookies ou não fizer a limpeza manual diária do histórico de navegação e dos cookies o internauta receberá insistentes anúncios relacionados ao que buscou195:

[...] Além disso, todos nós pagamos mais porque os anunciantes têm que pagar um prêmio para comprar anúncios no Facebook e no Google, porque eles são o que chamamos de micro-orientados. Um anunciante diz: ―Eu quero atingir mulheres na área metropolitana de Nashville, que bebem bourbon e dirigem caminhões‖, e o Facebook pode fazer isso196.

Essa é apenas uma das faces da captação dos nossos dados e informações na internet, que claramente desrespeita a nossa privacidade ao não informar claramente que venderá nossos dados a terceiros e nem mesmo nos dar a opção de não termos nossos dados comercializados. As consequências dessa concentração de dados vão, entretanto, além das questões da venda de dados dos usuários da rede e de receber anúncios que talvez não se

193 TAPLIN, Jonathan apud JORNALISTAS LIVRES. Google, Facebook e Amazon minam a democracia: Os gigantescos monopólios que destroem a privacidade e produzem desigualdades. 26 abr 2017. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2017 194 TECMUNDO. O que são Cookies? Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/web/1069-o-que- sao-cookies-.htm. Acesso em 05.out.2017. 195 TAGIAROLI, Guilherme. Propagandas 'perseguem' você na web? Saiba como esses anúncios funcionam. Disponível em: . Acesso em 05.out.2017. 196 TAPLIN, Jonathan apud JORNALISTAS LIVRES. Google, Facebook e Amazon minam a democracia: Os gigantescos monopólios que destroem a privacidade e produzem desigualdades. 26 abr 2017. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2017 94

95 deseje. As piores implicações parecem estar ligadas ao direcionamento de tais informações para empresas do mesmo grupo, o que enfatiza a problemática do monopólio, além dos efeitos em questões tão caras à democracia como as eleições.

1.6 Direitos humanos e direito à comunicação

Os diplomas de direitos humanos, salvo raras exceções, pautam-se por valores ocidentais, em grande medida eurocêntricos, muitas vezes desconsiderando que seus axiomas estão diretamente ligados à cultura ocidental que se sobrepõe às demais, e ignora-as197. Cumpre esclarecer, ainda, que o tema a ser tratado perpassa, em suas diferentes abordagens, pelos direitos humanos, seja em relação aos direitos de comunicação, seja na tutela do meio ambiente digital, ou ainda, em relação aos direitos dos usuários da rede. Como será melhor aprofundado a seguir, todas elas têm suas origens em direitos humanos. Mister se faz salientar que os direitos humanos não surgiram com os diplomas legais (tratados, declarações e/ou outros documentos) que reconheceram alguns direitos humanos. Ignora-se, por exemplo, que as populações originárias como as indígenas sempre tiveram direito à autodeterminação; no entanto, tal direito só foi reconhecido em documento oficial pelos países que compõem a Organizações das Nações Unidas (ONU) em 2007, na Declaração de Universal de Direitos dos Povos Indígenas198. Os marcos de direitos humanos mais comumente citados são a Magna Carta ao rei inglês João Sem Terra, em 1215 e, de uma forma mais explícita, e muito séculos depois, a Revolução Francesa em 1789199. Especificamente em relação à Revolução Francesa é necessário pontuar alguns elementos. Apesar de ter sido calcada nos belos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, não foi capaz de estender tais direitos a

197 TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002, passim. 198 Declaração de Universal de Direitos dos Povos Indígenas. Parágrafos Operativos. Parte 1, §1: ―Os povos indígenas têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional. Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua relação com os Estados nos quais vivem, num espírito de coexistência com outros cidadãos, e livremente procuram seu desenvolvimento econômico, social, cultural e espiritual em condições de liberdade e dignidade‖. 199 TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002, p. 15-18. 95

96 todas as camadas da sociedade, justamente pelo fato de ter sido construída pela pequena burguesia francesa que se sentia oprimida contra a tirania dos reis absolutistas. José Damião de Lima Trintade relembra que, na obra A questão judaica, Marx constata:

[...] ‗a emancipação política não implica emancipação humana‘ e que o ‗homem‘ contemplado nos estatutos oriundos da Revolução Francesa não é o ser humano universalmente considerado, mas o ‗membro da sociedade burguesa‘, o ‗o homem egoísta‘, ‗separado dos outros homens e da comunidade‘. A desigualdade real operante na sociedade é o critério delimitador que atribui e restringe significado prático aos demais direitos: ‗O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de status social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nascimento, o status social, a cultura e a ocupação do homem como diferenças não políticas, ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, co-participante da soberania popular em base de igualdade ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado (grifos do autor)200.

Até mesmo o conceito de igualdade formal foi evoluindo para igualdade real – ou isonomia – e, mesmo assim, na imensa maioria dos países, ainda persiste e cresce as desigualdades de diversas naturezas, como sociais, econômicas, culturais etc. Os direitos humanos são, também, uma construção histórica, mas com predomínio da visão eurocêntrica. A razão de estudarem-se tais documentos internacionais que não abarcam a amplitude dos diferentes povos da Terra é porque os direitos mais diretamente relacionados ao tema do trabalho foram bastante discutidos e alguns reconhecidos em documentos internacionais elaborados na própria ONU. A Segunda Guerra Mundial foi, como se sabe, a inspiração maior para a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), elaborada em 1949, em virtude dos horrores praticados pelos países do Eixo, em especial a Alemanha nazista, que exterminou milhões de pessoas, como judeus, ciganos, negros, homossexuais, entre outras populações. Como consequência, os países que ratificaram a DUDH, comprometeram-se em considerar como premissa de seus sistemas jurídicos, a dignidade da pessoa humana e reconheceu diversos direitos humanos de primeira e segunda dimensões201. Antes da DUDH ser escrita, algumas Constituições já reconheciam (formalmente) alguns desses direitos humanos de primeira e segunda dimensões, a exemplo da nossa própria Constituição de 1934, que garantiu, entre outros, o direito

200 MARX, Karl. A questão judaica. 2ª ed. São Paulo: Moraes, 1991, p. 25-41 apud TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002, p. 132-133. 201 DUDH, passim. 96

97 universal à educação202. Outras Constituições contemporâneas à Primeira Grande Guerra avançaram no que diz respeito à direitos humanos, como a alemã da República de Weimar, em 1919. A Constituição Mexicana é um dos maiores exemplos, apesar de ser pouquíssimo citada.

[...], a presença decisiva das classes populares na Revolução Mexicana impôs-lhe uma dinâmica que produziu, em 31 de janeiro de 1917, uma Constituição de vanguarda: além de estender os direitos civis e políticos para toda a população, pela primeira vez incorporava amplamente direitos econômicos e sociais – com o conseqüente estabelecimento de restrições à propriedade privada. Logo no seu artigo 3º, a Constituição do México revolucionário assegurava que a educação, além de laica, gratuita e baseada nos ―... resultados do progresso científico... contra qualquer espécie de servidão, fanatismo e preconceito‖, seria ainda democrática, ―... considerando a democracia não somente uma estrutura jurídica e um regime político, mas também um sistema de vida fundado na constante promoção econômica, social e cultural do povo‖203.

É inquestionável a importância da DUDH, por seu caráter político. Todavia, como ilustrado, não foi um documento necessariamente inovador no reconhecimento dos direitos humanos de primeira e segunda dimensão, considerando aqui as diferenças entre reconhecimento formal e real nas diferentes Constituições proclamadas no período das Grandes Guerras. As referidas dimensões de direitos serão a seguir explicitadas. A doutrina ocidental moderna classifica os direitos humanos em gerações ou dimensões. Contudo, compreende-se como mais adequado o termo dimensão. Neste sentido destaca-se que:

[...] o vocábulo ‗dimensão‘ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‗geração‘, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade204.

As primeiras classificações apontavam a existência de três dimensões dos direitos humanos205, passando posteriormente para quatro dimensões e, acompanhando

202 Art. 149 da Constituição de 1934. 203 TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002, p. 152-153. 204 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 525. 205 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6. 97

98 as transformações sociais e tecnológicas recentes, começam a ser reconhecidas cinco dimensões de direitos humanos206. Os direitos civis e políticos, individuais, como a liberdade e a igualdade são protegidos pela primeira dimensão. Já os direitos sociais e econômicos, como a saúde e a educação são resguardados pela segunda dimensão. A tutela dos direitos humanos de terceira dimensão abrangem os direitos individuais e coletivos, como o meio ambiente equilibrado, a paz, a autodeterminação dos povos e a comunicação. A biotecnologia e a bioética foram reconhecidas como direitos de quarta geração, a partir do desenvolvimento dos estudos com o patrimônio genético (em especial o dos seres humanos). Por fim, a quinta dimensão de direitos humanos protege os direitos decorrentes da sociedade da informação, em especial os direitos virtuais derivados da rede mundial de computadores (internet)207. As liberdades de opinião e de expressão são reconhecidas como direitos humanos e, assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos as garante expressamente em seu artigo XIX, in verbis:

Art. XIX. Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Neste mesmo sentido o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos também tem previsão muito similar, in verbis:

Art. 19. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.

Do mesmo modo não foi diversa a previsão de reconhecimento das liberdades de opinião e de expressão na Convenção Americana de Direitos Humanos208, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, que o Brasil é signatário, no art. 13:

206 OLIVEIRA JÚNIOR, José A. de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 85-100. 207 OLIVEIRA JÚNIOR, José A. de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 85-100. 208 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção America de Direitos Humanos. Novembro/1969. Disponível em . Acesso em 05.09.2016. 98

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Art. 13. Liberdade de pensamento e de expressão. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. [...]

A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, foram ratificados pelo Brasil, respectivamente, em julho de 1992209 e em novembro de 1992210. Embora todos eles tenham previsto os direitos humanos básicos para sociedades democráticas da época, o fato é que a comunicação tinha outra estrutura. A partir, principalmente, da difusão da internet a partir da década de 1990, quando a transmissão de dados e informações passou a se dar em larga escala pela rede mundial de computadores, ganhou força a expressão sociedade da informação, configurando-se, como já afirmado, a quinta dimensão dos direitos humanos. De acordo com Rikke Frank Jørgensen, na era da sociedade da informação (ou do conhecimento) é preciso considerar que:

[...] os novos meios de comunicação estão mudando basicamente o modo como vivemos, trabalhamos e nos desenvolvemos. Os direitos humanos estão sujeitos a uma interpretação dinâmica e parte de sua essência é seu reconhecimento como padrão em um determinado contexto em um dado momento211.

É preciso, portanto, avaliar se os tradicionais direitos humanos à liberdade de pensamento, de opinião e de expressão estão, de fato, garantindo um acesso isonômico e democrático à comunicação. Além disso, constata-se que direitos humanos elementares, consagrados nas dimensões anteriores ainda não foram concretizados em grande parte dos países ocidentais que ratificaram tratados e declarações de direitos humanos. Tais direitos básicos ainda devem ser a preocupação quando da aplicação do sistema de direitos humanos universais:

209 BRASIL. Decreto 592/1992. Disponível em Acesso em 05.09.2016. 210 BRASIL. Decreto 678/1992. Disponível em Acesso em 05.09.2016. 211 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 99

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Representantes da sociedade civil presentes na CMSI212 insistiram no fato de que aplicar esse sistema de direitos humanos à sociedade da informação implica considerar a dignidade, a liberdade e a igualdade de todos os seres humanos como o ponto de referência inicial, em vez de se levar em conta as questões tecnológicas. Engloba a tarefa de nos voltarmos aos valores básicos pelos quais desejamos guiar os rumos da sociedade da informação, bem como garantir que esses padrões continuem a ser mantidos213.

Os direitos humanos relativos à comunicação, no entanto, começaram a ser delineados muito antes do surgimento da internet em esfera global ou mesmo do fenômeno da globalização. A seguir será apresentado um breve histórico dessa discussão.

1.6.1 Direito humano à comunicar-se

A expressão direito humano à comunicação surge em 1969 no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A expressão foi cunhada pelo francês Jean D’arcy, então membro da ONU, sendo apresentada como um novo direito, que deveria ser garantido pelas normas internacionais214. O debate seguiu na UNESCO e propiciou um movimento que veio a ser chamado de Nova Ordem Internacional de Informação e Comunicação – NOMIC, liderado pelo Movimento dos Países Não-Alinhados das Nações Unidas, compostos por países em desenvolvimento (chamados à época de países de terceiro mundo) como Índia, Egito, África do Sul e Iugoslávia. A preocupação do movimento era com o impacto sobre a identidade nacional, a integridade cultural e a soberania política e econômica. Resumidamente, eram três eixos de enfoque da NOMIC:

1) a doutrina de ―fluxo livre‖ de informações, que estava reforçando o domínio da mídia ocidental e do conteúdo de notícias; 2) A concentração crescente dos setores de mídia e comunicações, que se traduz em mais propriedade estrangeira da mídia em países menores e mais pobres;

212 Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), evento organizado pela ONU em Genebra, em 2002, com objetivo principal de discutir temas relativos à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). 213 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 214 ANDI – COMUNICAÇÃO E DIREITOS. Cenário internacional. [200-?] Disponível em . Acesso em: 20 jun. 2016. 100

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3) na importância crescente do fato de que é difícil para os outros países acompanharem as tecnologias controladas pelo ocidente para a produção e disseminação de mídia215.

As divergências entre o Movimento dos Países Não-Alinhados e os países ocidentais (EUA, Reino Unido e outros) ficaram muito claras na Assembleia Geral da UNESCO, em 1976. Mesmo assim, a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, da UNESCO institui a Comissão MacBride (nome atribuído por causa de seu presidente, Seán MacBride), que produziu o Relatório Um mundo, muitas vozes, e o apresenta na Assembleia Geral de 1980. O direito à comunicação como direito humano e para além da liberdade de informação e de imprensa aparece também neste relatório, que ficou mais conhecido como Relatório MacBrid. O relatório apresentou uma estrutura geral, uma justificativa detalhada, um conjunto de propostas e um conceito unificador: o direito de comunicar- se. Embora os resultados da comissão tenham sido aprovados, a tensão aumentou muito e a NOMIC enfraqueceu-se com ataques vindos principalmente dos Estados Unidos, pelos setores privados da mídia e de lobistas.

Os EUA lideraram uma ―contra-ofensiva‖ na UNESCO, apoiada fortemente pelo setor privado de mídia e por lobbies. A principal alegação era que os países menos desenvolvidos estavam tentando impor o controle da mídia pelo governo e suprimir a liberdade de imprensa - a despeito do fato de que a liberdade de imprensa foi sempre fortemente apoiada pela NOMIC. Os EUA (em 1984) e o Reino Unido (em 1985) por fim se retiraram da UNESCO, em parte por causa da NOMIC. Enquanto a recém-politizada ―sociedade da informação‖ estava ascendendo, a NOMIC em sua forma original estava decaindo. Conseguiu se manter na pauta da UNESCO, embora com pouca ação, até 1987. Com a adoção da ―Nova Estratégia de Comunicação”, com o novo diretor-geral da UNESCO, Federico Mayor em 1989, ela foi praticamente arquivada. Já os argumentos que animaram o movimento da NOMIC continuaram e, em alguns aspectos, tornaram-se mais fortes. Os argumentos continuaram aparecer superficialmente em novos apelos - agora fora dos governos - pelos ―direitos da comunicação‖ (grifos do autor)216.

A pressão dos EUA e do Reino Unido foi tão forte, culminando com a saída de ambos da UNESCO, que os principais temas apresentados no relatório propondo

215 ALEGRE, Alan; O‘SIOCHRU, Sean. Direitos da comunicação. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em 15 out. 2016. 216 ALEGRE, Alan; O‘SIOCHRU, Sean. Direitos da comunicação. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em 15 out. 2016. 101

102 mudanças e estratégias para redistribuir e equilibrar os fluxos de informação entre países ricos e subdesenvolvidos foram relegados à segundo plano. A sociedade civil passou a se envolver diretamente nestes temas:

Para muitos, a principal lição da NOMIC foi de que o caminho para seguir teria de passar pela democratização da mídia e das comunicações, em vez de o ser por esforços conduzidos pelo Estado ou pelo setor específico, para a criação de novas ordens globais. Na prática, foi necessário um desvio maior para a sociedade civil, que até o momento tinha sido bastante excluída. Os envolvidos - principalmente organizações de jornalistas e alguns acadêmicos - continuaram a debater na MacBride Round Table, com encontros anuais entre 1989 e 1999, trazendo novos agentes da sociedade civil para a discussão217.

A Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação realizada na ONU em dezembro de 2003, contribuiu para o surgimento de uma campanha civil internacional intitulada Communications Rights in the Information Society (CRIS)218.

Um outro debate diz respeito à campanha global CRIS (Direitos à comunicação na sociedade da informação). A campanha CRIS levantou questões relacionadas à propriedade do conhecimento e à diversidade dos meios de comunicação dentro do programa da sociedade da informação, chamando a atenção para o reconhecimento de um novo direito humano: o direito à comunicação. Em resposta a isso, inúmeros grupos de luta pelos direitos humanos argumentaram que essas questões podem e devem ser atendidas dentro do sistema existente de direitos humanos. O direito à comunicação não deve ser concebido como um direito novo e independente, mas como um termo com amplitude, que engloba em si mesmo os direitos à comunicação, abrangendo a implementação efetiva de um grupo de direitos existentes e relacionados219.

Apesar dessas indicações e dos movimentos da sociedade civil, até o presente momento, a Unesco ainda não previu em nenhuma resolução, tratado ou resolução os direitos à comunicação ou à comunicar-se como direitos humanos. Para traçar o panorama dos direitos da comunicação ou do direito humano à comunicar-se no Brasil, interessante apontar o tratamento constitucional da comunicação social que replica os documentos internacionais de direitos humanos sobre a liberdade de opinião e de expressão. O artigo 5ª da Constituição Federal de 1988 traz

217 ALEGRE, Alan; O‘SIOCHRU, Sean. Direitos da comunicação. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?] Disponível em . Acesso em 15 out. 2016. 218 INTERVOZES. Direito à comunicação. [200-?] Disponível em . Acesso em: 10 jun. 2016. 219 JØRGENSEN, Rikke Frank. Direitos humanos. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?]. Disponível em . Acesso em: 01 out. 2016. 102

103 um rol de garantias individuais e coletivas relativos aos direitos da comunicação, entre os quais se destacam:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;.

Os artigos 220 a 224 na Constituição Federal de 1988 estabeleceram a garantia da comunicação social, pertencente àquele rol de direitos que não estão inicialmente (ou expressamente) previstos no Título II – Dos direitos e garantias fundamentais, mas que, por interpretação sistêmica do que é essencial à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), bem como pela previsão do art. 5º, § 2º220 passa a ser considerada um direito humano. O legislador constituinte estabeleceu, dentre outros os princípios elencados no artigo 221, CF/88, in verbis:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

220 Art. 5º. § 2º, CF. [...] Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 103

104

Além do 221, o dispositivo que mais se relaciona com o presente trabalho, embora a CF/88 tenha sido promulgada antes da expansão da rede mundial de computadores como um meio mais acessível à sociedade, é o § 3º do artigo 222:

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. [...] § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

Desta forma, constata-se que, os meios de comunicação que trafeguem pelo meio digital devem respeitar, entre outros, os princípios supra mencionados no artigo 221. É preciso aprofundar o debate sobre este tema, a fim de constatar se há compatibilidade entre uma possível regulação dos meios de comunicação social na rede mundial de computadores e a manutenção dela como ambiente livre, discussão que não será feita no presente trabalho. Apesar de não haver a previsão expressa da ONU e da UNESCO do reconhecimento do direito humano a comunicar-se, os movimentos sociais e civis organizados tem se manifestado. O Brasil posicionou-se e, na Carta de Brasília, confeccionada no Encontro Nacional de Direitos Humanos de 2005, dentre outros pontos, afirmou:

[...] Declaramos que: 1. A Comunicação é um direito humano que deve ser tratado no mesmo nível e grau de importância que os demais direitos humanos. O direito humano à comunicação incorpora a inalienável e fundamental liberdade de expressão e o direito à informação, ao acesso pleno e às condições de sua produção, e avança para compreender a garantia de diversidade e pluralidade de meios e conteúdos, a garantia de acesso eqüitativo às tecnologias da informação e da comunicação, a socialização do conhecimento a partir de um regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual; além da participação da sociedade na definição de políticas públicas, tais como conselhos de comunicação, conferências nacionais e regionais e locais. A importância do direito humano à comunicação está ligada ao papel da comunicação na construção de identidades, subjetividades e do imaginário da população, bem como na conformação das relações de poder221.

221 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Direitos Humanos e Minorias. 18 ago. 2005. Carta de Brasília. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2015. 104

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Ao vincular o conceito de comunicação como direito humano à necessidade ao acesso pleno e às condições de sua produção e da participação da sociedade na definição de políticas públicas, tais como conselhos de comunicação, conferências nacionais e regionais e locais o documento acima mencionado permite sugerir a discussão de um Conselho de Comunicação deliberativo, com massiva participação da sociedade civil, diferentemente do que acontece atualmente, em que o Conselho de Comunicação é apenas consultivo, em decorrência do disposto no artigo 224, CF/88222. Como direitos de terceira dimensão, os direitos referentes à comunicação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foram, aos poucos, sendo reconhecidos como direitos humanos. O direito ao meio ambiente já figurava na Declaração Estocolmo de 1972 exatamente em seu Princípio 1, ao declarar que ―O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade [...]‖223. Este princípio corresponde à fonte do sistema de proteção internacional dos direitos humanos ao meio ambiente, e, consequentemente, inspirou o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988224. Sirvinskas225 destaca que o princípio do direito humano ao meio ambiente foi reforçado, vinte anos depois, no primeiro princípio da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, aprovado Rio/92226. Para Antonio Augusto Cançado Trindade a ligação entre direitos humanos e meio ambiente é muito clara, tendo vem vista que ambas as áreas do direito têm como objetivo a garantia de um bem maior: uma vida plena e digna a todas e todos227. Paulo de Bessa Antunes esclarece que tal entendimento vem se consolidando:

Chamo a atenção para o fato de que a doutrina, por ampla maioria, bem como algumas decisões do STF, têm considerado que o artigo 225 da nossa Constituição é, em um dos seus múltiplos aspectos, uma extensão do artigo 5º. Por outro lado, a norma constitucional não fornece, nem poderia fazê-lo, uma definição do que deve ser entendido como ―tratados e convenções

222 Art. 224, CF. ―Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei‖. 223 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Relatório das Nações Unidas sobre a conferência do Ambiente Humano. Junho/1972. Disponível em < http://www.un-documents.net/aconf48- 14r1.pdf>. Acesso em 05.09.2016. 224 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2014. p. 36. 225 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 140. 226 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Junho/1992. Disponível em . Acesso em 05.09.2016. 227 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 15. 105

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internacionais sobre direitos humanos‖. Uma interpretação restritiva seria aquela que considerasse como direitos humanos, apenas e tão somente, as normas que se destinassem a dispor sobre as matérias contidas na Declaração Universal de Direitos Humanos. Não parece ser essa a melhor orientação. De fato, ao analisarmos as principais convenções internacionais sobre temas ambientais, sem dúvida alguma, poderemos constatar que elas se referem a interesse comum da humanidade, preocupação comum da humanidade e outros conceitos correlatos. A título de exemplo, permito-me trazer à colação alguns itens do preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica da qual o Brasil é signatário: [...] Afirmando que a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum à humanidade [...]. [...] Pessoalmente, entendo que a melhor solução é aquela que incorpora os tratados e convenções ambientais à própria Constituição. As consequências práticas da adoção do posicionamento acima referido são imensas. Uma primeira consequência é, mediante provocação do Procurador-Geral da República, a federalização de todas as questões ambientais graves, visto que a nova redação do artigo 109 da Lei Fundamental da República ampliou a competência da Justiça Federal para acrescentar às suas tradicionais competências aquela de julgar causas referentes a direitos humanos. Uma outra questão que, seguramente, poderá ser suscitada é aquela que diz respeito à delonga dos processos ambientais, pois, de acordo com a nova redação do artigo 5º de nossa Constituição, todos temos direito a uma duração razoável dos processos228.

Outro aspecto dos direitos humanos relacionados ao meio ambiente digital que é importante destacar, refere-se ao reconhecimento pela ONU do acesso à internet como um direito humano. Na atual sociedade global as relações de produção, distribuição e uso da informação se dão em um ambiente extremamente interconectado. Assim, reconhecendo a importância do fluxo de informação e comunicação gerado pela rede de computadores, as Nações Unidas declararam o acesso à internet um direito humano229. Baseada no relatório do relator especial sobre promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão, Frank La Rue230, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas adotou nova resolução que condena quaisquer tentativas de interrupção intencional do acesso à Internet e da difusão de informações online, destacando tratar-se de grave violação aos direitos humanos internacionais. Neste sentido o Conselho de Direitos Humanos da ONU declarou que:

228 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 71-74. 229 ESTES, Clark Adam. As nações unidas declararam o acesso internet um direito humano apud RAFAELXA. Disponível em . Acesso em 05 set 2016. 230 ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Report of the special rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression, Frank La Rue. Maio/2011. Disponível em . Acesso em 05 set 2016. 106

107

[...] os mesmos direitos que os cidadãos têm offline precisam ser protegidos no ambiente online, ―particularmente a liberdade de expressão, que é aplicável independentemente das fronteiras e da mídia utilizada.‖ 231.

A interpretação que tem sido dada a esta nova resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é que a proibição de interrupção do acesso à internet promoveu o acesso à rede mundial de computadores como um direito humano fundamental232. Tendo em vista que os direitos da comunicação e ao meio ambiente digital são, indubitavelmente, direitos humanos, não podem ser retirados do ordenamento jurídico em que já foram consagrados, em virtude de um princípio adotado pelo Brasil, que é o princípio da vedação ao retrocesso social. E como visto, considerando que o meio ambiente é também um direito humano, não pode haver retrocesso no já foi assegurado.

1.6.2 Princípio da vedação ao retrocesso

O modo de produção global capitalista tem promovido um consumismo desenfreado, que se utiliza dos recursos naturais de forma predatória e devastadora, acentuando a crise ambiental em razão do consumo elevado de recursos ambientais. Assim, em consequência, se atribui um status fundamental ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado vedando-se qualquer retrocesso ecológico233. A vedação ao retrocesso se refere à manutenção das normas protetoras do meio ambiente234, ou seja, as alterações das normas infraconstitucionais não podem atingir o equilíbrio ambiental235. Violá-las significaria pôr em risco o direito fundamental ao meio ambiente, que vem sendo consolidado ao longo do tempo236. Patryck de Araújo Ayala, citado por Purvin afirmar sobre o princípio da vedação de retrocesso que a ordem jurídica é concebida ―[...] em uma imagem de integridade,

231 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução da ONU condena países que bloquearem acesso à Internet. Julho/2016. Disponível em < https://nacoesunidas.org/resolucao-da-onu-condena- paises-que-bloquearem-acesso-a-internet/>. Acesso em 05 set. 2016. 232 TERRA. Relatório da ONU declara internet como um direito humano. Junho/2011. Disponível em . Acesso em 05 set 2016. 233 AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 20-21. 234 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2014, p. 73-74. 235 AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 75. 236 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 277. 107

108 que não pode ser rompida ou desconstituída, senão aperfeiçoada e desenvolvida em uma direção de progressividade‖237. Purvin observa que parte da doutrina, como Carlos Alberto Molinaro, prefere denominar o princípio da vedação ao retrocesso ambiental como ―princípio da proibição da retro gradação socioambiental"238.

―[...] O que se espera é que estes direitos fundamentais sejam progressivamente ampliados, dentro de uma perspectiva de evolução histórica da humanidade. Dentro desse contexto, o princípio da vedação de retrocesso afirma que é inválida a revogação de normas que tiverem regulamentado estes direitos fundamentais, sem que venham ser substituídas por outras normas ainda mais abrangentes. [...]‖239.

Sob uma perspectiva de contínuo avanço ou evolução, ao abordar a vedação ao retrocesso ou proibição de retro gradação, o Ministro Carlos Ayres Brito aponta que estes ―[...] não cumprem uma função conservadora, mas, sim, impeditivas de retrocesso, ou seja, garantem o progresso. [...] O progresso então obtido é preciso ser salvaguardado‖240. Guilherme José Purvin de Figueiredo observa que o princípio da vedação ao retrocesso foi expressamente reconhecido no art. 2º, I e art. 3º, III, da Lei 11.445/2007241 que trata do Direito Sanitário ao determinar a universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico, entendida como sendo a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico242.

237 AYALA, Patryck de Araújo. O princípio da proibição de retrocesso ambiental na jurisprudência do Superior Tribunal de justiça - O caso City Lapa. Revista de Direito Ambiental, vol. 62, p. 412 apud FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 161. 238 MOLINARO, Carlos Alberto. Direito do ambiente: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007 apud FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 157. 239 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 158. 240 ADI 3128/DF, Pleno, j. 18.08.2005- "rel. Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso. 241 BRASIL. Lei 11.445/2007. Disponível em . Acesso em 10/01/2018. 242 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 158-159: ―[...] No final de 2011, por ocasião da instituição do Programa Estadual ―Água é Vida‖, voltado à área de saneamento básico em comunidades isoladas do Estado de São Paulo, dezenas de municípios positivaram o princípio da vedação de retrocesso no âmbito legal, adotando-o como norte das políticas públicas de meio ambiente e saneamento. Confira-se, nesse sentido, as seguintes leis municipais: Lei 537/2011, de Alambari: Lei 23/2011, de Angatuba; Lei 132/201 1, de Apiaí; Lei 662/201 1, de Barão de Antonina; Lei 360/2011, de Barra do Turvo; Lei 534/2011, de Campina do Monte Alegre; Lei 238/201 1 , de Coronel Macedo; Lei 5 19/20 1 1 , de Guarei; Lei 2521/2011, de Itaberá; Lei 452/2011, de Itaóca; Lei 822/2011, de Itapirapuã Paulista; Lei 520/2011, de Juquiá; Lei 1 .633/201 1 , de Miracatu; Lei 707/201 1 , de Nova Campina 1.263/2011, de Pedro de Toledo; Lei 1.213/2011, de Registro; Lei 458/2011, de Ribeira; Lei 1.062/201 1, de Ribeirão Grande; Lei 1 .513/201 1, de Riversul; 108

109

Antonio Herman Benjamin e Michel Prieur, citados por Granziera apontam que a proibição ao retrocesso na proteção ao meio ambiente já alçou o status de princípio básico do Direito Ambiental subsidiando os demais princípios ambientais.243 244 Desse modo, todos os aspectos do meio ambiente, inclusive o meio ambiente digital não pode sofrer retrocessos. Isso significa que não pode se permitir a transformação da internet de um ambiente ainda relativamente livre em um ambiente dominado por monopólios que, entre outras ações antidemocráticas, se apropriam dos dados pessoais, além de filtrarem muitas das informações que nos são disponibilizadas.

Lei 1839/2011, de Tapiraí; e Lei 1.659/201 1, de Taquarituba‖. O art. 1 .º de referidas leis municipais, todos com teor idêntico, apresenta a seguinte redação: ―A Política Pública Municipal de Saneamento Básico atenderá aos seguintes princípios e objetivos: a)Princípio da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável; b) Princípio do direito à saúde como direito humano fundamental; c) Princípio da precaução; d) Princípio da função social da propriedade; e) Princípio da vedação de retrocesso das políticas públicas ambientais e sanitárias; [...] l) Utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; [...]. 243 BENJAMIN, Antonio Herman. O Princípio de Proibição de Retrocesso Ambiental. In: O Princípio de Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, 2012, p. 62 apud GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2014. p. 74. 244 PRIEUR, Michel. O princípio de proibição de retrocesso ambiental. In: O princípio de proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, 2012, p. 17 62 apud GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2014, p. 74. 109

110

2 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE DIGITAL BRASILEIRO

A perspectiva de que o direito não soluciona, sozinho, os problemas da sociedade e, portanto, já foi apontada na introdução do presente trabalho. Todavia, enquanto a sociedade não atinge um nível de emancipação tal que possa abrir mão da regulação da vida com a intervenção do direito, mister se faz defendê-lo e exigir que seus princípios norteadores se pautem pela proteção da dignidade da pessoa humana. A Constituição de 88, ao inserir como um de seus fundamentos, a livre iniciativa, tentou garantir limites à atuação da iniciativa privada, além de assegurar o que foi denominado Estado de Bem Estar Social, reconhecendo importantes direitos sociais. Dentre os vários limites impostos, alguns podem ser especificamente mencionados, como os elencados no artigo 170, que trata dos princípios gerais da ordem econômica245. Três desses limites à ordem econômica interessam diretamente: a livre concorrência, a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente. Neste trabalho, não serão aprofundadas as relações entre a ordem econômica e cada um dos limites impostos pela Constituição Federal. Assim, serão mais bem estudados outros aspectos do direito do consumidor e do meio ambiente digital, mais ligados à internet. A livre concorrência será abordada mais especificamente com a ordem econômica em momento oportuno, no último capítulo. O motivo para se mencionar a ordem econômica neste primeiro capítulo é para demonstrar que, como se sabe, toda liberdade tem limites. Portanto, a livre iniciativa não é absolutamente livre, e deveria, no mínimo, respeitar os ditames constitucionais, mas não o faz. A Constituição de 88 assegurou, além do regime econômico capitalista,

245 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 110

111 outros direitos inerentes ao capitalismo, como os direitos de propriedade e de herança, por exemplo, sendo, portanto, apenas reformista. Feitas as considerações iniciais, serão discutidas a seguir as principais legislações infraconstitucionais capazes de solucionarem questões ligadas à governança digital, e, especificamente, em relação à transparência dos algoritmos na internet, quais sejam, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Marco Civil da Internet e as interações entre as duas leis.

2.1 Código de Defesa do Consumidor

Como já mencionado na introdução, partindo de uma visão crítica da dogmática, serão neste capítulo apresentados os fundamentos legais do direito do consumidor, fundando-se, também, em autores positivistas que adotam a hermenêutica principiológica e sistêmica, como Robert Alexy, por exemplo246. Uma legislação infraconstitucional essencialmente principiológica é o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei nº 8.078/90. E além da principiologia, o CDC firmou um rol de direitos básicos (arts. 6º e 7º) que são a espinha dorsal de todo o sistema consumerista. Os direitos básicos que guardam mais relação com a prestação de serviços de internet serão discutidos nesse e no próximo capítulos.

2.1.1 Política Nacional das Relações de Consumo

O caráter principiológico do CDC é explicitado em um dos seus primeiros artigos, o artigo 4º247, que elenca justamente os princípios nos quais se funda a Política

246 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, passim. 247 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de 111

112

Nacional das Relações de Consumo. Dentre vários princípios, serão apresentados a seguir os essenciais para a análise do consumidor dos serviços de internet já delimitados na introdução.

2.1.1.1 Do princípio da transparência

A transparência figura no caput do artigo 4º do CDC, como objetivo a ser alcançado por meio da Política Nacional das Relações de Consumo. O título do presente trabalho refere-se à transparência quando nomeia como direito do consumidor a neutralidade algorítmica. A neutralidade não existe em nenhum aspecto, havendo sempre uma carga moral e ideológica que fundamenta as ações humanas. E, ao nomear o título do trabalho, poder-se-ia ter escolhido nomear a transparência dos algoritmos como direito dos consumidores e usuários de internet. Todavia, optou-se por manter a expressão neutralidade algorítmica, esclarecendo que a neutralidade buscada tem a transparência e os direitos humanos como parâmetros, como será mais bem aprofundado ao longo dos capítulos. No CDC, a transparência não é apenas objetivo, é também princípio básico, de acordo com Cláudia Lima Marques:

―Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4.º, caput, do CDC, o da Transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré- contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo. [...] Conforme afirmamos anteriormente, transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis porque institui o CDC um novo e amplo dever do fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato. Pretendeu, assim, o legislador evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois sem ter conhecimento do conteúdo do contrato, das obrigações que estará assumindo, poderia vincular- se a obrigações que não pode suportar ou que simplesmente não deseja. Assim, também adquirindo um produto sem ter informações claras e precisas sobre suas qualidades e características pode adquirir um produto que não é adequado ao que pretende ou que não possui as qualidades que o fornecedor produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. 112

113

afirma ter, ensejando mais facilmente o desfazimento do vínculo contratual‖248.

Por certo que o princípio da transparência deve ser seguido, inicialmente, na fase de elaboração do contrato, mas não somente a ela se restringe. A quase totalidade dos contratos de prestação de serviço de acesso à internet ou de provedores de conteúdo é de adesão ou de massa, elaborados previamente pelo fornecedor sem nenhuma tratativa com o consumidor, além de serem, por natureza, contratos de prestações continuadas, sendo que sua fase executiva pode perdurar por anos ou até mesmo décadas. A incidência do princípio da transparência na sociedade de massa se faz essencial para o mínimo respeito a alguns direitos humanos que irradiam pelo sistema constitucional e infraconstitucional brasileiros e a partir dos quais são protegidos outros direitos reconhecidos por nosso sistema pátrio, sendo o maior exemplo o direito à informação, a ser analisado posteriormente neste capítulo.

2.1.1.2 Do princípio da boa-fé objetiva

Outro princípio básico estampado no supra mencionado art. 4º, CDC é o princípio da boa-fé. Para Cláudia Lima Marques a boa-fé poderia até mesmo ser entendida como o basilar do CDC, mas entende que a transparência, por ser um dos mais importantes reflexos da boa-fé, orienta igualmente as relações contratuais consumeristas249. A boa-fé objetiva, como orientadora de conduta dos contratantes, difere da boa- fé subjetiva: A boa-fé, enquanto objetivamente considerada250, configura uma cláusula geral dos contratos, com a inerente elasticidade de que são dotados tais esquemas, e com o consequente alijamento de soluções perfeitamente encaixadas aprioristicamente em seus preceitos e ensejando soluções formalmente acabadas. Considerando que consiste num princípio norteador da conduta das partes, segundo critérios gerais de orientação, tem seu significado como seriedade e liberdade no comportamento dos contratantes.

248 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002. P. 594-596. 249 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002. P. 594-596. 250 Correspondente à expressão Treu und Glauben utilizada no Direito germânico. Cf. MIRANDA, José Gustavo Souza. A defesa do consumidor e os contratos bancários de crédito. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre: Departamento Cultural e Editorial da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, edição especial, t. II, mar. 1998, nota 39, p. 747 apud BELMONTE, Cláudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil e em Portugal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 (Biblioteca de direito do consumidor; v. 21), p. 75. 113

114

Em seu sentido objetivo, implica aos contratantes comportamentos corretos, honestos e leais em ordem à prossecução plena do fim contratual251.

A boa-fé em sua forma subjetiva aparecia no Código Civil de 1916, notadamente em alguns direitos reais e de família. Como é sabido, trata-se de uma crença de uma das partes de que seu ato é regular e justo, por desconhecer o vício que carrega. Contudo, os atuais sistemas constitucional-civil e, essencialmente, o consumerista, instauraram o que Cláudia Lima Marques nomeou como ―o novo regime das relações contratuais‖252 e elevou a boa-fé objetiva como um dos mais elementares princípios contratuais, seja nas relações de consumo ou nas civis. Como informador da conduta das partes, o princípio da boa-fé objetiva é de observação obrigatória, não só nos contratos, como nos negócios jurídicos em geral, inclusive os regrados pelo Código Civil, conforme artigos 422 e 113, respectivamente253. Desta feita, a análise dos contratos não pode ser feita apenas por seus termos, mas a partir de um contexto significativo, um conjunto de circunstâncias concretas254. Tal função hermenêutico-integrativa estende-se também para as relações de consumo. Além de imperativo, o princípio da boa-fé objetiva demanda uma postura ativa aos contratantes, de forma a atender as expectativas da outra parte, não se tratando de mera abstenção ou um não-fazer255.

251 Vide as lições de MONTEIRO, António Pinto. A proteção do consumidor de serviços públicos essenciais. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre: Departamento Cultural e Editorial da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, edição especial, t. I, mar. 1998, p. 228; ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de derecho civil. 35ª ed. alemã, 11 rev. Trad. Blas Pérez Gonzáles e José Alguer. Barcelona: Bosch, 1954, t. 2, v. 1, p. 18-19 destacam a importância dos usos e costumes na determinação da conduta exigível. Na doutrina brasileira, vide SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 52 et seq. apud BELMONTE, Cláudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil e em Portugal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 (Biblioteca de direito do consumidor; v. 21), nota 132 p. 75. 252 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002, passim. 253 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Ambos do CC. 254 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 330. 255 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2.ª ed., São Paulo: Método, 2004, p. 68. 114

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Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‗refletida‘, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos 256 interesses das partes .

No CDC, o princípio ora analisado aparece expressamente em dois dispositivos: o já mencionado artigo 4º e no artigo 51. No artigo 4º, dentro da Política Nacional das Relações de Consumo:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (grifo nosso).

No artigo 51, IV, CDC, o princípio baliza a abusividade, e consequentemente a nulidade, de cláusulas contratuais, conforme será retomado adiante:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa- fé ou a eqüidade;

Nelson Nery Júnior, no mesmo sentido que a maioria da doutrina, ressalta:

O Código adotou, implicitamente, a cláuslula geral de boa-fé, que deve reputar-se inserida e existente em todas as relações jurídicas de consumo, ainda que não inscrita expressamente no instrumento contratual (primeiro grifo do autor; segundo grifo nosso)257.

Há, portanto, certa diferença entre a boa-fé do art. 4º e do art. 51. Tendo o artigo 4º estabelecido a Política Nacional das Relações de Consumo:

256 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 181-182. 257 NERY JÚNIOR, Nelson. Capítulo VI, art. 46 ao 54. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 342-459, 1998 p. 410-411. 115

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O inc. III do supracitado art. 4º contém uma regra geral voltada ao administrador, legislador e juiz, quando do tratamento e interpretação das relações de consumo. Já o inc. IV do art. 51 do CDC dirige-se, por sua vez, aos particulares, funcionando como uma cláusula geral aplicável sempre que exigível lealdade e probidade como deveres secundários impostos pelo princípio da boa-fé objetiva258.

Nos contratos de adesão de prestação de serviço tanto de acesso à internet, quanto de acesso à conteúdo, podem ser identificadas diversas cláusulas desrespeitando a boa-fé objetiva, como, por exemplo, aquela que oferta uma determinada quantidade de velocidade do serviço de internet banda larga e desobriga-se a entregar 100%, podendo entregar uma média de 80% da velocidade contratada. Tal desrespeito aos direitos dos consumidores e consumidoras se dá com o aval daquela que deveria fiscalizar e coibir esse tipo de prática, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)259. O tratamento dos dados dos usuários e consumidores pelos prestadores de quaisquer serviços de acesso à internet ou à conteúdo mantido na rede, também está em total descompasso com a cláusula geral de boa-fé objetiva. Inúmeras informações são capturadas sem o conhecimento explícito dos consumidores e usuários e utilizadas como mercadoria, comumente vendida a terceiros. Como restará mais claro adiante, no último capítulo, tais práticas abusivas ferem alguns direitos humanos, bem como direitos básicos dos consumidores.

2.1.2 As espécies de consumidor

A identificação clara de quem é consumidor (nos termos do CDC) é imprescindível para aplicar o CDC ao caso concreto, uma legislação mais favorável aos consumidores, tendo em vista todos os princípios já relatados, como a transparência e o

258 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor. In: MARQUES, Claudia Lima (coord.). Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994, p. 19 apud SCHIMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 3ª ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 (Biblioteca de direito do consumidor; v. 27), p. 109. 259 ANATEL. Limites mínimos de velocidade da banda larga ficam mais rigorosos. Disponível em . Acesso em 10.08.2017. 116

117 reconhecimento da fragilidade desses em face dos fornecedores, a chamada vulnerabilidade dos consumidores. Como citado linhas acima, o CDC exibe algumas definições (ou equiparações) de consumidor. A primeira delas está no artigo 2º, tendo sido acrescentados ao longo do texto algumas subespécies260 em outros artigos261. Serão traçadas, ainda, algumas relações entre os consumidores e os usuários de serviços de internet que mais se afinam com o tema central dos algoritmos.

2.1.2.1 Consumidor padrão

O chamado consumidor padrão, ou standard, é aquele definido no caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor: ―Consumidor é toda pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A definição legal abarca tanto a pessoa física quanto a jurídica como consumidora. Apesar de opiniões das mais diversas possíveis, como veremos mais adiante, o fato é que a Lei previu expressamente que a pessoa jurídica possa ser consumidora, sem qualquer distinção entre microempresa, multinacional, associação, fundação262, etc. Por hora, será deixada de lado a discussão sobre pessoa jurídica e estudado o restante do artigo.

2.1.2.1.1 Adquirir e utilizar

A conduta de adquirir pode, em um primeiro momento, pressupor sua ligação com a contratação de um produto ou serviço mediante uma contraprestação pecuniária, ou seja, a título oneroso. Mas, da interpretação sistemática da legislação consumerista, a aquisição protegida não é somente a titulo oneroso. Luiz Antonio Rizzatto Nunes263 aclara: ―A lei emprega o verbo ‗adquirir‘, que tem de ser interpretado em seu sentido mais lato, de obter, seja a título oneroso ou gratuito‖. Para não restar dúvida quanto à proteção da relação de consumo aparentemente gratuita, o artigo incluiu o vocábulo utilizar. Portanto, aquele que utiliza um produto ou

260 Essa subdivisão é apenas doutrinária. 261 No próprio artigo 2º, parágrafo único, e nos artigos 17 e 29 da referida Lei. 262 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72. 263 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72. 117

118 serviço como destinatário final, mesmo que não tenha pagado ao fornecedor certa quantia em dinheiro, também é um consumidor. Assim, tome-se como exemplo quando um pai presenteia seu filho com um livro. Quem efetivamente utilizará o produto é o filho presenteado, muito embora quem tenha adquirido onerosamente seja o pai. Referida hipótese também é protegida por outro dispositivo legal, o artigo 17 do Código Consumerista, que será esmiuçado mais adiante. Outra situação de relação de consumo aparentemente gratuita é a utilização do estacionamento do supermercado pelo consumidor durante o período de compras naquele estabelecimento. Muito embora alguns fornecedores ainda insistam em afixar avisos tentando se isentar da responsabilidade caso ocorra algum dano, alegando que sua utilização seria uma cortesia, fornecida a titulo gratuito, o consumidor poderá se valer do Código do Consumidor para pleitear uma reparação. Tanto é que tal matéria foi até mesmo sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça264. Por certo o estacionamento aparentemente gratuito é um serviço oferecido pelo fornecedor, que já embutiu seu custo no preço dos produtos que está colocando no mercado de consumo. Mesmo sendo uma comodidade para o consumidor, a vantagem é do fornecedor que fideliza seus clientes, atraindo-lhes com conforto e segurança. Nos grandes centros urbanos, chega a ser um fator de escolha para o consumidor se o local possui ou não estacionamento, em virtude do nem sempre eficiente sistema de transporte público coletivo na maioria dos municípios, somada à cultura (individualista) do automóvel. É também considerado consumidor e protegido por este artigo quem utiliza um produto ou serviço oferecido pelo fornecedor de maneira gratuita na forma de amostra grátis. Isso porque a chamada amostra grátis não é grátis, é uma estratégia de propaganda utilizada pelos fornecedores para lançar produtos ou serviços e atrair novos consumidores, pois todas as despesas do fornecedor são contabilizadas no custo desse produto ou serviço. No tocante às relações existentes entre prestadores de serviços na internet e os consumidores de tais serviços, é muito comum que aquele que efetivamente utiliza os produtos seja aquele que se enquadra na categoria de usuário nos termos do art. 2º,

264 Súmula 130 do STJ: ―A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estabelecimento‖. 118

119

CDC. Nas relações familiares, normalmente um responsável é assinante, e, portanto, aquele que adquire diretamente (ou contrata) o serviço tanto de acesso à internet (provedor de acesso), quanto de acesso à conteúdo (provedor de conteúdo) e o restante da família é usuária de referidos serviços. Tal constatação se faz relevante no estudo da responsabilidade solidária, que será abordada ainda neste capítulo. Muitos outros exemplos podem ser indicados para reconhecer os usuários de serviços de internet, nos termos do CDC, como usuários de áreas de internet sem fio (wi-fi) em estabelecimentos privados ou em espaços públicos, ou aqueles que utilizam qualquer computador disponibilizado para acesso em locais públicos ou privados, como escolas, universidades, Telecentros, Lan Houses, associações, entre outros. E como já mencionado linhas acima, pouco importa se tal utilização seja remunerada diretamente ou gratuita (remunerada indiretamente).

2.1.2.1.2 Destinatário final

O termo destinatário final é o elemento chave no conceito de consumidor, pois, sendo um conceito aberto, é ele que pode ou não abarcar pessoas jurídicas ou profissionais liberais como consumidores e invocar o CDC em casos concretos. Após a promulgação do CDC, em 1990, duas principais correntes doutrinárias se formaram para definir o que significa a expressão destinatário final: a finalista e a maximalista. Os finalistas (puros)265 defendem a tese de destinatário final como o destinatário fático e econômico do bem. O destinatário fático é aquele que retira o produto ou serviço da cadeia de produção, independente do local a ser consumido ou utilizado, se na residência ou no local de trabalho. Por sua vez, o destinatário econômico é quem adquire o produto ou serviço sem a intenção de revendê-lo ou usá-lo profissionalmente, pois o bem não poderia ser um instrumento de produção de novos benefícios econômicos (lucros), nem ser transformado novamente, usado como instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.

265 Inicialmente, BENJAMIN, Antônio Herman. O conceito jurídico de consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. In: RT 628:69-79, fevereiro de 1988. Também Alcides Tomassetti Jr, Eros Grau e São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, nota 159, p. 67. 119

120

Desta forma, a corrente finalista restringe o conceito de consumidor como sendo quem adquire ou utiliza o produto ou serviço para uso próprio, seu e/ou de sua família. Exclui-se totalmente o profissional e a pessoa jurídica, que somente poderiam se valer das demais legislações civis. De acordo com a corrente finalista, portanto, se um médico adquirir móveis para colocar em seu consultório, não será destinatário final do bem, pois os custos daqueles bens já estariam embutidos no preço da consulta que ele cobrará de seus pacientes, trazendo-lhe algum benefício econômico. Caso os móveis apresentem defeito, o profissional deverá se valer do Código Civil e não do Código do Consumidor para ter seus direitos respeitados. Já a corrente maximalista é muito mais abrangente, considerando o destinatário final como o destinatário fático do produto ou serviço, quem retira o bem do mercado, consumindo-o ou utilizando-o, independente de obter ou não algum benefício econômico. Para os maximalistas o uso profissional de bem ou serviço adquirido ou utilizado apenas afastará a caracterização de consumo, se tal produto compuser diretamente a transformação, posto que não terá então a destinação final e, sim a meramente intermediária. Antônio Herman Benjamin266 assevera que uma corrente finalista moderada267, influenciada pela doutrina francesa e belga, aceita, no caso concreto, se houver vulnerabilidade de uma pequena empresa ou de um profissional que adquirir um produto fora do seu campo de especialidade, aplicar analogicamente o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, já que haverá hipossuficiência desta parte mais fraca na relação. Semelhante à teoria finalista moderada, são desenvolvidos outros posicionamentos, como o de Fábio Ulhoa Coelho268, que caracteriza o destinatário final no conceito jurídico de insumo, que é o bem indispensável adquirido pelo empresário em função da atividade econômica que exerce.

266 BENJAMIN, Antônio Herman, citando Eros Grau. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, art. 12 a 27, [s.d] apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, nota 160, p. 67-68. 267 Defendida por Claúdia Lima Marques, Alcides Tomasetti Junior e Antônio Herman Benjamin. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, nota 176, p. 73-74. 268 Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 107. 120

121

Para o autor supra mencionado, se a atividade econômica do empresário puder ser desenvolvida sem alteração dos resultados, apesar da falta de um determinado bem, então a sua aquisição é, juridicamente, consumo, e o empresário será considerado consumidor. Nesse caso, o produto ou serviço não deve ser do mesmo campo de atuação do profissional ou da pessoa jurídica, para poder ser enquadrada como relação de consumo. Outras teses defendidas por outros autores269 apegam-se, entre outros, aos conceitos de bem de consumo e bem de capital (ou de produção). Pode ser denominada maximalista mitigada. Bens típicos de consumo são aqueles produtos ou serviços postos no mercado de consumo ao alcance de todos que possam adquiri-los. Os produtos normalmente são fabricados em série, levados ao mercado numa rede de distribuição, com ofertas sendo feitas por meio de dezenas de veículos de comunicação, disponíveis para aquisição270. Já o bem de capital ou de produção é o que somente profissionais, fabricantes, produtores, pessoas jurídicas podem adquirir. Em sua maioria são equipamentos voltados para funções específicas, como uma máquina injetora de plásticos que fabrica copos descartáveis de plásticos. Pode até ser que uma pessoa física não profissional consiga adquirir uma máquina como esta, mas certamente não a encontrará em qualquer loja de eletrodomésticos. Destaque-se que quando o CDC foi pensado e até sua entrada em vigor as relações comerciais eram mais restritas. Após mais de 25 anos da promulgação do CDC a globalização e o comércio eletrônico alteraram de forma substancial tal cenário. Entretanto, o cerne da teoria parece bastante preservado, tendo em vista que se mantêm as diferenças entre bens de consumo ou bens de capital. Para os adeptos dessa corrente a regra é que consumidores adquirem bens de consumo e não-consumidores obtêm bens de capital. Como esse critério não é

269 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 40 a 47; COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico. Revista de direito mercantil, nº 15/16, p. 89-105, 1974; LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 78 e 79; NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72-83. 270 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 77. 121

122 suficiente, alguns autores271 também levam em consideração também a hipossuficiência técnica de quem está contratando o produto ou serviço em relação ao contratado. A hipossuficiência técnica revela-se na falta da poder do consumidor sobre a produção, já que não lhe é possível decidir a respeito do processo produtivo, nem determinar como e o quê se produz. Em resumo, não há poder de barganha entre o consumidor e o fornecedor272. James Marins entende que:

Esclareça-se, apenas, como premissa para este estudo, nosso entendimento de que havendo no direito positivo conceito preciso de consumidor – como em verdade ocorre com o art. 2º aqui objeto do nosso estudo –, e que albergue conceito próprio induvidoso, não se pode pretender submetê-lo às teorias jurídicas informadoras de sistemas alienígenas, teorias essas ora textualmente recebidas pelo legislador, ora textualmente afastadas em prol da elaboração de um sistema próprio. [...] Condicionar-se o conceito de consumidor à constatação de sua hipossuficiência seria, em verdade, enfraquecer o sistema protetivo inaugurado pelo CDC, deslocando para o movediço critério subjetivo conceito que, no nosso sistema, é claramente e intencionalmente informado pela objetividade273.

A crítica de Marins tem fundamento, tendo em vista que o CDC é um microssistema ou ―subsistema autônomo‖274 e todas as interpretações necessárias devem ser principiológicas e sistêmicas (ou microssistêmicas). É um sistema bem completo que dispensa outras teorias informadoras. Luiz Antonio Rizzatto Nunes275 reúne alguns dos critérios já abordados para definir destinatário final como aquele que adquire produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de outros produtos ou serviços. Porém, também pode ser tal produto ou serviço seja adquirido com finalidade de produção de outros produtos ou serviços, desde que os produtos ou serviços adquiridos

271 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico. Revista de direito mercantil, nº 15/16, p. 89-105, entende que consumidor é aquele que não possui controle sobre os bens de produção, tendo que se submeter ao poder de controle dos titulares de bens de produção, que são os empresários. 272 LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 79-80. 273 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto: os acidentes de consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 77. 274 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 110. 275 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 83. 122

123 sejam os chamados bens de consumo, oferecidos regularmente no mercado de consumo, independentemente do uso e destino que o adquirente lhes vai dar. Por último, o autor entende que não é destinatário final quem adquire os denominados bens de produção, quando forem destinados a produção de outros produtos ou serviços. Contudo, pondera o autor que pode haver a aquisição de produto ou serviço típicos de produção pelo consumidor e, nesse caso, haverá relação de consumo regida pela Lei de Proteção do Consumidor. Nas prestações de serviço na internet, conforme a teoria aqui nomeada de maximalista mitigada, todas as relações entre fornecedores e contratantes seriam de consumo, pois tais serviços (de acesso à internet e de acesso à conteúdo) são serviços de consumo e não de capital. Para os usuários (consumidores segundo essa teoria) profissionais liberais ou pequenas empresas não parece haver muita discussão entre esta e a teoria dominante no STJ, a finalista moderada. As diferenças aparecem em relação a todas as demais pessoas jurídicas (inclusive grandes corporações). De acordo com Comparato, seria necessário averiguar se a empresa usuária é vulnerável ou hipossuficiente técnica em relação à fornecedora de serviço, para que possa se beneficiar da aplicação do CDC ao caso concreto. Tendo em vista a pacificação do STJ que acolheu a teoria finalista moderada, tal discussão praticamente inexiste atualmente na doutrina e na jurisprudência. Todavia, uma solução possível para não aplicar o CDC na integralidade para empresas que, apesar de se enquadrarem formalmente como consumidoras seriam materialmente não vulneráveis ou hipossuficientes seria estabelecer um contrato com a cláusula de mitigação da responsabilidade, de acordo com o art. 51, I, CDC276, que autoriza expressamente essa possibilidade.

2.1.2.2. Coletividade

Após delimitar o conceito de consumidor padrão, ou standard, o Código do Consumidor equiparou algumas pessoas ao consumidor do caput do artigo 2º,

276 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis. 123

124 conferindo-lhes todos os direitos inerentes aos consumidores stricto sensu. O artigo 2º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor assim dispôs: ―Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo‖. Os termos-chave deste artigo são coletividade, indetermináveis e intervindo. Rompendo o tradicionalismo das divisões do Direito em Público e Privado, a doutrina reconhece outra área do Direito: os Direitos Difusos e Coletivos, já explicitados. Como é sabido na atual sociedade de produção e consumo em massa somente com um controle dos fornecedores em larga escala é possível tentar proteger os consumidores. Para isso, é necessário valer-se das ações de caráter coletivo. Muito embora a maioria das situações envolvendo direitos consumeristas difusos e coletivos possam ser contemplados pelas hipóteses previstas nos artigos 17 (vítimas do evento) e 29 (pessoas expostas à praticas abusivas e/ou enganosas) do Código do Consumidor277 o legislador explicitamente previu que os grupos de pessoas determináveis ou indetermináveis tenham os mesmos direitos que o consumidor individual. Considerando-se que a internet pode, ao menos em tese, ser acessada por muitas brasileiras e brasileiros, danos ou ameaças de danos podem atingir todas e todos expostos a essas práticas (art. 29, CDC).

2.1.2.3 Vítimas de acidente de consumo

Outro consumidor equiparado ao consumidor padrão previsto no artigo 2º, caput da Lei de Proteção ao Consumidor é a vítima de acidente de consumo, previsto no artigo 17 da Lei Consumerista: ―Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento‖. A Seção de que trata referido artigo é a Seção II: Da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. Como se verá em capítulo adiante, fato do produto ou serviço é, resumidamente, um dano material e/ou moral causado ao consumidor por um defeito no produto ou serviço. Defeito, para o Código do Consumidor, não é com o mesmo significado de imperfeição ou mau funcionamento intrínseco ao produto ou serviço, mas um problema

277 A serem analisadas nos dois próximos subcapítulos, respectivamente. 124

125 que possa gerar algum dano exterior, que possa causar algum risco à integridade física, patrimonial e/ou moral do consumidor ou de terceiros. Desta feita, se a utilização de um produto ou serviço causar algum dano a um terceiro que não tenha nem adquirido nem utilizado o produto ou serviço defeituoso, terá os mesmos direitos como se consumidor padrão fosse. Para elucidar uma situação, tome-se como exemplo uma colisão entre um automóvel de passeio e um ônibus de turismo, pertencente a uma viação que oferece viagens entre a capital e as cidades litorâneas do Estado de São Paulo. Pode-se imaginar, por exemplo, que o acidente ocorreu porque o motorista do ônibus dormiu enquanto dirigia e que este fato reste provado nos autos. Os ocupantes do veículo de passeio não são consumidores da viação, mas, como foram vítimas de um acidente de consumo, poderão se valer de todos os direitos assegurados aos passageiros do ônibus de viagens. Este é um artigo bastante coerente, já que no exemplo acima exposto, caso não houvesse referido dispositivo legal, os passageiros do ônibus poderiam ajuizar ação com base no Código do Consumidor e os ocupantes do veículo teriam que reclamar seus direitos utilizando-se do Código Civil e, neste caso, teriam que, por exemplo, provar a culpa (lato sensu) do motorista que dormiu ao volante para que a ação fosse julgada procedente. Os defeitos que podem gerar danos materiais e/ou morais às vítimas do acidente de consumo não são apenas o que comumente entende-se como acidente, como o exemplo supra sobre a colisão de dois veículos. Acidente de consumo pode ser um mau funcionamento de um produto ou serviço que tenha exposto a saúde (inclusive mental) e/ou a segurança de um consumidor (vítima do evento). Desta feita, a não retirada de um conteúdo ofensivo a um determinado usuário (consumidor, vítima do evento) pode caracterizar-se como acidente de consumo, se expôs a vida e/ou a segurança daquele usuário.

2.1.2.4 Consumidores expostos

O Código de Defesa do Consumidor pode aparentar, em alguns dispositivos, uma repetição desnecessária de conteúdo. Mas, essas repetições parecem ser propositais para elaborar no aplicador da Lei um raciocínio condizente com os princípios dos Direitos Difusos e Coletivos e, mais especificamente, dos Direitos do Consumidor.

125

126

É o caso do artigo 29 da Lei Consumerista, in verbis: ―Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas‖. A primeira observação a ser feita é em relação à aplicação deste artigo, que se restringe aos Capítulos V e VI da Lei 8.078/90, quais sejam: Das Práticas Comerciais e Da Proteção Contratual, respectivamente. Também difere dos outros conceitos de consumidor, pois não há necessidade de praticar ou sofrer algum ato decorrente de uma relação de consumo. Ensina Maria Antonieta Zanardo Donato que a ideia é de passividade278: ―Basta estar exposto para ser alcançado pela norma. Prescinde-se de qualquer atuação, além da mera exposição‖. Essa proteção para a mera exposição do consumidor visa, principalmente, a evitar que o fornecedor veicule publicidades abusivas ou enganosas, em que o consumidor é atraído para o estabelecimento, mas o fornecedor não cumpre o que prometeu. Entretanto, não se limita a tal enquadramento. Caso de grande repercussão foi a Ação Civil Pública movida em 2005 pelo Ministério Público de São Paulo contra a rede de televisão Rede TV e que culminou com a suspensão do programa Teste de Fidelidade, ordenando a substituição por contrapropagandas das mensagens abusivas e preconceituosas, bem como por programas de direitos humanos que representassem as minorias ofendidas, como a comunidade LGBT, as mulheres, população negra, entre outros279. Tal decisão judicial foi um dos marcos na tutela dos consumidores expostos às práticas abusivas. Atualmente, com a cada vez mais imbrincada convergência digital, com a expansão de diversos canais de vídeos na internet, tendo como maior e dominante representante o YouTube, que, como já apontado, pertence ao grupo Alphabet, holding que controla também o Google, estende-se facilmente a proteção de conteúdos televisivos aos propalados na internet, ou qualquer outro meio digital.

2.1.3 Fornecedor

278 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 228. 279 ACP. Autos nº 2005.61.00.024137-3. OLIVEIRA, Marcelo. Justiça suspende programa de João Kleber. Nota da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo. Observatório da Imprensa. Disponível em . Acesso em 05.02.2016.

126

127

Apenas para fins didáticos, será feita a divisão do conceito de fornecedor entre os que disponibilizam produtos e os que prestam serviços. Será apresentado, primeiramente, o fornecedor de produtos e suas particularidades, para, ao final, diferenciá-lo do fornecedor de serviços. O conceito de fornecedor de produtos está no artigo 3º, caput:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Para não deixar de prever nenhum tipo de fornecedor, o Código do Consumidor abrangeu diversas pessoas (física, jurídica e entes despersonalizados), sem, contudo definir quem é cada uma delas. O artigo esclarece que o fornecedor pode ser pessoa física. Pessoa física é o ser humano, a pessoa natural, definida na legislação civil280 como toda pessoa capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Mas não é qualquer pessoa física que é fornecedora, somente aquela que desenvolve habitualmente alguma atividade econômica, cujo objetivo é a criação de riqueza, isto é, a produção ou distribuição de bens e serviços. O fornecedor de serviços será apresentado em subcapítulo distinto dos demais fornecedores. Não obstante a figura do fornecedor de serviço esteja prevista no mesmo artigo 3º, caput, o Código do Consumidor previu separadamente a responsabilidade desse fornecedor. Relembrando o artigo 3º, caput:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (grifo nosso).

280 Artigo 1º do Código Civil. 127

128

Assim sendo, fornecedor de serviço é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de prestação de serviços. Outra denominação muito comum encontrada na doutrina para o fornecedor de serviços é a de prestador de serviços. Ambas são adequadas, embora o Código do Consumidor somente faça referência à expressão fornecedor de serviços. Mais uma vez a Lei do Consumidor traz uma definição extensiva e abrangente de fornecedor de serviço, estabelecendo, que é aquele que desenvolve atividade de prestação de serviço, conforme melhor analisado a seguir.

2.1.3.1 Serviços

A definição legal de serviços está prevista no artigo 3º, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor: ―Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista‖. Para explicar o que vem a ser atividade, Luiz Antonio Rizzatto Nunes281 ensina: ―Serviço é, tipicamente, atividade. Esta é ação, ação humana, tendo em vista uma finalidade‖. Para Jean Calais-Auloy282, a noção de serviço é mais vaga, designando toda prestação que pode ser fornecido a título oneroso, não sendo, todavia, um bem corpóreo. Um serviço pode ser material (reparação, hotelaria, transporte, etc.), financeiro (seguro, crédito, etc.), ou intelectual (médico, assessoria jurídica, etc.). O atual mercado de consumo em massa cada vez mais implementa tecnologia para reduzir custos com funcionários, colocando à disposição dos consumidores serviços prestados indiretamente pelo fornecedor, por um preposto, ou funcionário terceirizado. Para que essa atividade seja enquadrada como serviço, é preciso que haja uma contrapartida em forma de remuneração pelo consumidor. Como já visto no presente trabalho, nada no mercado de consumo é gratuito.

281 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 121. 282 CALAIS-AULOY, Jean. Droit de la consummation. 3e édition, Paris: Dalloz, 1992 apud DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 117. 128

129

Prevendo a relutância de certos grupos econômicos em aceitar a legislação consumerista, que tenta equilibrar as desiguais relações de consumo, o legislador, no artigo 3º, §2º, destacou que ―serviço é qualquer atividade, (...) inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”. A Confederação Nacional do Sistema Financeiro ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)283 perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Tal instrumento tinha o objetivo de ver declarado inconstitucional o dispositivo legal supra mencionado, alegando que o artigo 192 da Constituição Federal, que trata do Sistema Financeiro Nacional, somente poderia ser regulamentado por uma lei complementar. Para a Confederação Nacional do Sistema Financeiro, o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de uma Lei Ordinária, não poderia dispor sobre o setor financeiro. Todavia, como a matéria tratada pela Lei de Proteção ao Consumidor é distinta das Leis Ordinárias existentes que estabelecem a relação entre o sistema financeiro nacional e o Estado, seus órgãos e os agentes financeiros, de seguro, etc, não há invasão de competência entre as matérias. Portanto, não há inconstitucionalidade alguma, como, aliás, ficou decidido na supra mencionada Adin. A exceção prevista na parte final do parágrafo 2º do artigo 3º para as relações de caráter trabalhista tem fundamento. Popularmente, muitos trabalhadores costumam se referir ao local de trabalho como serviço. Sabiamente, para evitar qualquer confusão com a atividade desenvolvida pelo trabalhador e a atividade fornecida ao mercado de consumo pelo prestador de serviços, o Código Consumerista apontou expressamente essa distinção. No já mencionado artigo 26, incisos I e II, foram também previstos os prazos para reclamação dos serviços não duráveis e duráveis respectivamente. Caracterizar um serviço como durável e não durável é tarefa um pouco mais complexa do que diferenciar um produto durável de um não durável. Luiz Antonio Rizzatto Nunes284 leciona que serviço não durável é aquele é prestado com uma única atividade, como, por exemplo, o serviço de transporte ou de hospedagem. Para o autor, os serviços duráveis dividem-se em duas categorias. Dessa forma, pode ser serviço durável aquele que compreende uma prestação contínua, em

283 Adin nº 2591/02. 284 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 122. 129

130 decorrência de uma estipulação contratual, como a prestação de serviços educacionais, de saúde (pelos planos ou seguros saúde) ou de gás encanado, por exemplo. Também podem ser enquadrados na categoria de serviços duráveis aqueles que, embora típicos de não-durabilidade e sem estabelecimento contratual de continuidade, deixaram como resultado um produto. Assim, a pintura das paredes de uma casa, a instalação de um carpete, a assistência técnica de um aparelho eletrônico etc. Em relação aos serviços públicos, abordados em diversos artigos285 do Código de Defesa do Consumidor, não parece existir dúvida alguma que estão sob a égide da Lei Consumerista, pois, se diferente fosse, a Lei não teria previsto todas as situações dos artigos supra referidos286. Na categoria de serviços duráveis em razão de sua prestação contínua interessa em particular os serviços de telefonia (em especial a móvel) e, mais especificamente de acesso à internet, em todas as suas formas de tecnologia, seja via cabo ou fibra ótica. Também enquadra-se como prestação de serviço contínuo aquela de acesso à conteúdos na rede, bem como a de aplicativos de troca de mensagens ou vídeos, como Whatsapp ou Snapchat, por exemplo. Outro ponto a ser esclarecido é que uma linguagem corporativa tem cada vez mais utilizado a palavra produto para designar uma prestação de serviço. Quando uma instituição financeira qualquer denomina um seguro para automóveis como um produto, está, em verdade, vendendo uma prestação de serviço. Para o direito, todavia, o conceito a ser aplicado é o legal, e não os fluidos conceitos do mercado.

2.2 Informação como direito básico do consumidor

O princípio da informação está previsto nos artigos 4º, IV e 6º, III, do CDC, que dispõem que devem ser proporcionados ao consumidor informações claras e precisas sobre seus deveres, direitos e do bem ou serviço adquirido:

285 ―Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (grifo nosso); ―Art. 4º, VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos.‖; ―Art. 6º, X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos‖; e ―Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos‖. 286 Para aprofundar o assunto, veja Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 324 a 342. 130

131

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; (grifo nosso).

E como direito básico do consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (grifo nosso).

Para Cláudia Lima Marques, a informação decorre do Princípio da Transparência:

Resumindo, como reflexos do princípio da Transparência temos: 1) o novo dever de informar o consumidor, seja através da oferta, clara e correta (leia- se aqui publicidade ou qualquer outra informação, art. 30) sobre as qualidades do produto e as condições do contrato, sob pena do fornecedor responder pela falha da informação (art. 20), ou ser forçado a cumprir a oferta nos termos em que foi feita (art. 35); seja através do próprio texto do contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54, § 3º), devendo o fornecedor ―dar oportunidade ao consumidor‖ conhecer o conteúdo das obrigações que assume, sob pena do contrato pro decisão judicial não obrigar o consumidor, mesmo se devidamente formalizado287.

2.3 Responsabilidade do fornecedor de serviços

Será abordado neste capítulo o sistema geral de responsabilidade previsto no Código do Consumidor. A responsabilidade civil, como se sabe, é um dever jurídico sucessivo, decorrente da violação de uma obrigação assumida entre as partes. Em outras palavras, a responsabilidade civil é o dever de indenizar imposto àquele que causou um dano a alguém, em razão de um ato ilícito praticado.

287 Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002. P. 594-595. 131

132

Em âmbito civil, ato ilícito é qualquer ato que cause danos de qualquer natureza à outra pessoa. Ocorrendo o dano, deve-se buscar a indenização da vítima, a reparação do dano, visando ao retorno do status quo ante.

2.3.1 Teoria do risco do negócio

O marco temporal que promoveu as profundas transformações do modo de produção feudal para o fabril, como se sabe, é a Revolução Industrial, quando a produção de bens e serviços passou de doméstica a industrial. Serão apontados neste subcapítulo os elementos destas mudanças mais diretamente relacionados ao atual direito do consumidor. Essa fabricação de produtos e oferta de serviço em série gerava a redução dos custos de cada um dos produtos, possibilitando que fossem vendidos a um preço menor, podendo ser oferecidos a mais consumidores. Porém, a produção em série impossibilita assegurar que o produto ou o serviço não apresentará nenhum vício e/ou defeito288. Adotou-se, portanto, a teoria do risco do negócio como base para a responsabilização do fornecedor perante o consumidor, em virtude dos danos causados. Somente o fato de exercer uma atividade econômica já dá ensejo à obrigação de indenizar. Em um primeiro momento, esta teoria pode parecer injusta. Todavia, ao imputar ao fornecedor o dever de indenizar o consumidor que sofreu um dano, sem discutir a conduta culposa ou não do fornecedor, o Código apenas assegurou que os eventos danosos fossem ressarcidos por quem, de alguma forma, possa dissolver, disseminar ou pulverizar os custos agregados repassando-os para os preços289. O sistema de responsabilização da Lei Consumerista visa a estabelecer um equilíbrio real entre consumidores e fornecedores quando da ocorrência de um fato do produto ou serviço, em que deverá haver reparação integral dos prejuízos sofridos e proporcional à extensão do dano sofrido290. Basta, então, haver o dano e o nexo de

288 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 153-161. 289 José Reinaldo de Lima Lopes, Direito Civil e Direito do Consumidor – Princípios. In: Roberto A. C. Pfeiffer e Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: Convergências e Assimetrias, p. 109-110. 290 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 212. 132

133 causalidade entre o fato e o dano para que o consumidor possa ser totalmente indenizado.

2.3.2 Responsabilidade objetiva

A importância dada pelo legislador consumerista à responsabilidade civil foi tamanha, que a elencou entre os direitos básicos do consumidor do artigo 6º291. Extrai- se o caráter objetivo da responsabilidade civil objetiva analisando o artigo 6º supra mencionado, já que não foi exigida a ocorrência de dolo ou culpa como pressuposto para a indenização de um dano causado pelo fornecedor. Ou seja, o elemento culpa não é questionado. Não é somente como princípio geral que encontramos a responsabilidade civil objetiva do fornecedor. O Código disciplinou expressamente nos artigos 12 e 14292, que tratam da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e também no artigo 18293, que regula a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. Nas palavras de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

“Não há necessidade da presença dos elementos subjetivos, dolo ou culpa stricto sensu (negligência, imprudência ou imperícia), no suporte fático do ilícito de consumo, para responsabilização do fornecedor. Não se trata apenas de hipótese de culpa presumida. O elemento culpa foi descartado por inteiro do suporte fático do acidente de consumo. Não há espaço, assim, em regra, para discussão da culpa do fornecedor na responsabilidade pelo fato do produto ou pelo fato do serviço294”.

A relação de consumo não é requisito é um pressuposto para incidência do modelo legal da responsabilidade. Na relação contratual comum continua incidente o

291 Art. 6º. ―São direitos básicos do consumidor: (...) VI – a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos‖ (grifo nosso). 292 Art. 12. ―O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos‖. Art. 14. ―xxx‖ 293 Art. 18. ―Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados para o consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas‖. 294 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 175. 133

134 regime dos vícios redibitórios, salvo algumas previsões expressas295. Portanto, além de pressuposto é linha divisória entre um regime jurídico e outro. A responsabilidade civil, na sistemática do direito do consumidor, ultrapassa as fronteiras da culpa, encontrando amparo na solidariedade social, base de uma responsabilidade sem culpa. O verdadeiro escopo dessa evolução é a preocupação de assegurar melhor justiça distributiva296, de modo que o prejuízo causado a um consumidor seja suportado por toda a sociedade. O fundamento social da reparação do dano está arraigado nas noções de assistência, previdência e garantia297. Esse novo modelo de responsabilidade não se centra mais em apenas punir o autor de uma conduta antijurídica, senão no interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alternado pelo dano, vale dizer, na necessidade de reparação ou prevenção do dano – patrimonial ou extra patrimonial – causado ao consumidor pela existência de vícios de inadequação e de insegurança do produto298. Com efeito, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor é o sistema de reparação de danos mais adequado aos tempos modernos. Em primeiro lugar, porque oferece maiores garantias de proteção às vítimas. Além disso, os custos de ressarcimento devem recair sobre o fabricante e o fornecedor, a quem cabe controlar a qualidade e a segurança dos produtos. Por fim, ainda que o consumidor seja diligente, o fornecedor tem melhores condições de suportar o risco do produto, mediante, por exemplo, seguro de responsabilidade, cujo valor do prêmio se incorporará ao preço de venda, distribuindo- se o custo entre os próprios consumidores299. Acrescente-se que o fornecedor está em melhores condições de produzir a prova sobre o ocorrido, razão pela qual lhe é transferido o ônus de provar uma das causas excludentes de sua responsabilidade para que se exima de reparar o dano ou os prejuízos.

295 Por comum, entende-se a relação regrada pelo Direito Civil. Art. 186, CC: ―Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito‖. 296 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Lumen Juris, 2001, p. 15. 297 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Lumen Juris, 2001, p. 16. 298 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programas de Responsabilidade Civil. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 473. 299 PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento. In: MARQUES, Cláudia Lima (Org.). Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994, p. 77. 134

135

Assim, "al no exigirse la prueba diabólica de la culpa, se facilita a la víctima el acceso a la reparación‖300. As dificuldades que tinham os consumidores na busca da prova, decorrentes principalmente do desconhecimento do processo industrial e da crescente automação, acabavam por dificultar e até mesmo impossibilitar a imputação do fato lesivo ao seu autor301. A responsabilidade objetiva foi adotada como regra geral pelo Código Consumerista, haja vista ser o sistema mais coerente com a teoria do risco do negócio. E na legislação consumerista, diferentemente da legislação civil, como visto anteriormente, pode-se remeter à regra geral e exceção em relação à responsabilidade civil. A regra geral é a responsabilidade objetiva. A exceção é a responsabilidade subjetiva adotada para os profissionais liberais, determinada pelo artigo 14, § 4º302. Na responsabilidade pelos fatos do produto ou serviço o Código do Consumidor adotou a responsabilidade objetiva mitigada, cabendo ao consumidor mostrar a verossimilhança do dano, o prejuízo e o nexo de causalidade entre eles. Ao fornecedor cabe desconstituir o risco e o nexo causal.

2.4 Fato do produto e do serviço

A Seção II do Capítulo IV do Código do Consumidor foi denominada Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Essa expressão fato do produto e do serviço não é inédita na legislação civil nacional, mas se trata de conceito jurídico indeterminado. É necessário, portanto, fazer a interpretação lógico-sistemática dos referidos termos para aplicar os dispositivos elencados na Seção II. Fato do produto ou do serviço é um acontecimento decorrente da utilização de um produto ou serviço. Com esta ideia inicial, entende-se melhor o artigo 12 e seus parágrafos 1º e 2º da Lei do Consumidor, que prevê a responsabilidade pelo fato do produto, in verbis:

300 GHERSI, Carlos Alberto. Teoría general de la reparación de daños. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 1999, p. 158. 301 PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42, p. 49-85, abril/ junho, 2002. 302 Art. 14. ―O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa‖. 135

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Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado (grifo nosso).

Quase idêntico é o artigo 14 e parágrafos 1º e 2º, determinando a responsabilidade pelo fato do serviço:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas (grifo nosso).

Com a leitura dos artigos supra transcritos resta claro que não se trata de qualquer fato causado pela utilização de um produto ou serviço, mas de um fato que gere um dano e, ao mesmo tempo, que seja oriundo de um defeito. Alguns autores303 preferem denominar o fato do produto ou do serviço como acidente de consumo, considerando que o dano, um dos pressupostos para a caracterização do fato do produto ou do serviço, está intimamente ligado à segurança do produto ou serviço. Gramaticalmente, a expressão acidente de consumo está correta, pois acidente pode significar um acontecimento inesperado. Na linguagem coloquial, entretanto, acidente é utilizado no sentido de desastre, de colisão, de desgraça, podendo gerar alguma confusão ao ser aplicada ao caso concreto, como já mencionado em outro subcapítulo. De qualquer forma, a expressão fato do produto ou do serviço foi a adotada

303 Veja comentário de SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 109. 136

137 pela legislação em vigor e também está correta e, por isso, é a utilizada no presente trabalho.

2.4.1 Defeito e vício

Os parágrafos 1º e 2º do artigo 12 definem o que pode ou não ser considerado produto defeituoso. Em resumo, produto defeituoso é aquele que pode colocar em risco a saúde e/ou a segurança do consumidor. Mais uma vez a linguagem utilizada pode dar margem à dúvidas. O que coloquialmente chamamos de defeito, para o Código do Consumidor não é defeito, é vício. Mas o inverso não é verdadeiro. O defeito extrapola o produto ou serviço em si, causando algum dano material e/ou moral, atingindo o próprio consumidor e/ou seus bens. O defeito é mais grave que o vício. Desta forma, um aparelho televisor que, ao ser ligado na tomada elétrica com a voltagem correta, explode, causando um ferimento no consumidor que o adquiriu, é um defeito. Além de não funcionar de modo correto, causou um ferimento que pode requerer cuidados médicos e, ainda, um dano material, pois o consumidor desembolsou certa quantia por um produto e não poderá usufruir de seu funcionamento. Entretanto, o defeito não pressupõe necessariamente um ferimento, uma explosão, ou colisão. Por exemplo, quando um estudante adquire uma caneta para realizar um exame em um concurso público e a caneta para de funcionar em certo momento, prejudicando o desempenho do estudante naquele concurso, pois não conseguiu terminar a prova. Em princípio, o não funcionamento de uma caneta não gera nenhum dano ao consumidor, bastaria trocá-la por outra. Porém, se em razão desta falha o consumidor sofreu um dano, ocorreu um defeito e, consequentemente um fato do produto, passível de reparação. O conceito de vício do produto aparece no artigo 18, caput da Lei Consumerista, um pouco mais delimitado e objetivo que a definição de defeito.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados para o consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas (grifo nosso).

137

138

Quando a anomalia resulta apenas em deficiência no funcionamento do produto ou serviço, mas não coloca em risco a saúde ou segurança do consumidor, versando apenas sobre a quantidade ou qualidade, não se fala em defeito, mas em vício. Destarte, percebe-se que na ocorrência um defeito, também ocorre um vício. E que o vício é algo intrínseco ao produto ou serviço em si, enquanto o defeito é alguma coisa extrínseca, causando um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada ou a perda do valor pago304. O defeito e o vício do serviço são muito similares aos do produto. O artigo 14, §§ 1º e 2º elencam as hipóteses de defeito ou não caracterização de defeito, respectivamente: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

O artigo 20 trata especificamente dos vícios nas prestações de serviço e, juntamente com o artigo 23 deixam bastante clara a já mencionada responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços, tendo em vista que o responsabilizam sem necessidade de verificação de culpa:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

304 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 182-184. 138

139

O tema central do presente trabalho guarda profunda relação com os defeitos (e também com os vícios) na prestação de serviços na rede. A doutrina consumerista tratou de classificar diferentes espécies de defeitos de produtos e serviços, baseada em uma interpretação lógico-sistemática e principiológica do CDC em:

[...] a) defeito de concepção, também designado de criação, envolvendo os vícios de projeto, formulação, inclusive design dos produtos; b) defeito de produção, também denominado de fabricação, envolvendo os vícios de fabricação, construção, montagem, manipulação e acondicionamento dos produtos; c) defeito de informação, ou de comercialização, que envolve a apresentação, informação insuficiente ou inadequada, inclusive a publicidade, elemento faltante no elenco do art. 12 (grifo do autor)305.

No fornecimento de serviços na rede, tanto em relação aos provedores de acesso, tanto em relação aos provedores de conteúdo e aplicativos de troca de mensagens, sempre há defeito de informação, como em toda e qualquer venda de produto ou prestação de qualquer outro serviço ofertados no mercado de consumo. A afirmação ora feita não é infundada, pois se apoia no próprio processo produtivo massificado e intermediado por contratos de adesão: o fornecedor (seja de produto ou de serviço) não informa todos os elementos a respeito de seu produto ou serviço de forma clara e precisa. Ele elege alguns aspectos e os apresenta em forma de publicidade e os insere em um contrato de adesão onde o consumidor normalmente não tem conhecimento prévio e, quando tem, não pode alterar substancialmente nenhuma cláusula. No capítulo 4 que abordará o Tratamento dos dados de usuários da rede pelos buscadores, redes sociais e aplicativos, serão feitas considerações mais aprofundadas sobre os vícios e defeitos decorrentes de informação (ou a sua falta), nos contratos entre fornecedores e consumidores na internet e suas implicações.

305 Na legislação e doutrina alienígena os italianos, alemães e franceses fazem referência, respectivamente, a difetti de progettazione, Konstruktionsfehler e défauts de conception. No mesmo sentido a nomenclatura adotada por Vasconcellos e Benjamim, obra, p. 63. Quanto aos defeitos de produção, os italianos, alemães e franceses referem-se, respectivamente, a difetti di fabbricazione, Fabrikationsfehler e défauts de fabrication. James Marins, obra, p. 113, também adota a nomenclatura defeito de produção. Para os italianos, alemães e franceses, diffeto di informazione, Instruktionsfehler e défauts d‘instruction. Entre nós, Vasconcellos e Benjamim é o único que faz referências a defeitos de comercialização apud DENARI, Zelmo. Capítulo IV: Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, art. 8 ao 28. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 410-411, 1998. 139

140

2.5 Responsabilidade solidária

Como é sabido, a teoria dos vícios redibitórios não atendia às necessidades daquele que adquiria um produto ou serviço viciados, e, menos ainda, do consumidor que sofria um dano externo maior. Por esse motivo, e baseado em algumas tendências internacionais, o legislador inseriu diversas modificações no sistema de responsabilidade no Código de Proteção ao Consumidor. No sistema do Código de Defesa do Consumidor, prevalece a solidariedade passiva de todos os que participam da cadeia econômica de produção, circulação e distribuição dos produtos ou de prestação de serviços. São todos fornecedores solidários. É muito clara a norma instituída no parágrafo único do artigo 7º do Código, afirmando que: ―Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo‖. Apesar do Direito do Consumidor ser um microssistema independente, ele se utiliza subsidiariamente do Direito Civil. A previsão legal da solidariedade passiva está, portanto, em conformidade com o estipulado no artigo 265 do Código Civil, que exige a determinação em lei ou a manifestação de vontade das partes para que haja solidariedade em uma relação obrigacional306. Ressalta-se que não é necessário que a solidariedade esteja prevista no contrato firmado entre consumidor e seu fornecedor ―direto‖, ou seja, aquele de quem o consumidor adquiriu diretamente o produto ou serviço. Isso porque já foi atendido o pressuposto exigido pelo Código Civil da previsão em Lei. Ou seja, em todas as relações de consumo já está prevista a solidariedade entre todos os fornecedores envolvidos cadeia de consumo, não importando se foram autores ou coautores do evento danoso, como ocorre também, em alguns casos, no Direito Civil307. Nunes308 elucida que o consumidor pode escolher a quem acionar: um ou todos, já que como a solidariedade obriga a todos os responsáveis simultaneamente, todos

306 Art. 265, CC: ―A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes‖. 307 Artigo 942 do Código Civil. ―Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os co- autores e as pessoas designadas no art. 932‖. 308 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed. reform., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 140. 140

141 respondem pelo total dos danos causados. Tal constatação advém da própria definição de solidariedade apresentada pela Lei Civil: ―Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda‖. Mais específica é a caracterização de solidariedade passiva:

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

Destarte, poderá o consumidor demandar qualquer um dos integrantes da cadeia de fornecedores. Provavelmente o fornecedor direto com quem o consumidor contratou será o responsável mais próximo; geralmente ele será o demandado. Com isso, constata-se que a responsabilidade civil pode ser extracontratual, pois pode não haver relação contratual, ao menos direta, com os demais integrantes da cadeia de fornecedores, já que a relação contratual normalmente se estabelece entre o consumidor e o fornecedor direto. Para acessar a internet e, consequentemente qualquer aplicativo de conteúdo ou troca de mensagem ou qualquer página de conteúdo há uma cadeia de prestadores de serviços, como, por exemplo, o serviço de telefonia que fornece o acesso à internet e o provedor de conteúdo de uma página de notícias. Assim, tais fornecedores de serviços envolvidos nesta cadeia produtiva podem ser acionados por um consumidor que for vítima de um evento danoso. Além de não precisar de previsão, como já visto, a responsabilidade solidária não pode ser excluída de um contrato, nem mesmo de comum acordo entre as partes, em conformidade com o artigo 25309, combinado com o artigo 51, inciso I da Lei Consumerista310, sob pena dessa cláusula ser declarada abusiva e, portanto, nula de pleno direito.

309 Art. 25. ―É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores. § 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores. § 2º Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação‖. 310 Art. 51. ―São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por 141

142

Assevera Nelson Nery Júnior311:

O Código atenua o rigor da proibição de exoneração da responsabilidade quando o contrato de consumo se der entre o fornecedor e o consumidor- pessoa jurídica. A norma autoriza a estipulação contratual que limite a responsabilidade do fornecedor, não autorizando, contudo a cláusula de exoneração, que mesmo para os contratos com consumidor-pessoa jurídica está proibida. Mas não é sempre que a cláusula de limitação da responsabilidade civil nos contratos envolvendo consumidor-pessoa jurídica é lícita. É preciso que o elemento valorativo da norma esteja presente, pois somente em situações justificáveis é que se a admite. Fica ao juiz a tarefa de dizer quando é que a situação é justificável, para que se dê eficácia à cláusula limitadora312.

É fato que a expressão ―situações justificáveis‖ é muito ampla, devendo ser preenchida em cada caso concreto. Mas de forma alguma este instrumento de limitação da indenização pode ser aplicado para prejudicar o consumidor pessoa jurídica, sob pena de se tornar uma cláusula nula. Todavia, pode ser utilizada para fornecedores que são empresas de pequeno e médio porte com consumidores que também são pessoas jurídicas.

2.6 Causas excludentes de responsabilidade

Em relação à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, as hipóteses em que o fornecedor não será responsabilizado são taxativas e bem restritas. O fornecedor de produtos deverá provar uma das três situações descritas no artigo 12, § 3º313 e o fornecedor de serviços, uma das duas causas do artigo 14, § 3º314. É pertinente observar que essas causas não eximem o fornecedor de sua responsabilidade, como ocorre com o comerciante na ocorrência de dano causado pelo fato do serviço não enquadrado em nenhuma das hipóteses do artigo 13315. As

vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis‖. 311 NERY JÚNIOR, Nelson. Capítulo VI, art. 46 ao 54. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 342-459, 1998. 312 Concorda NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 351-354. 313 Art. 12. § 3º ―O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro‖. 314 Art. 14. § 3º ―O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro‖. 315 Art. 13, CDC. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não 142

143 eximentes previstas em lei a seguir expostas apenas suprimem o nexo de causalidade entre o fato e o dano, desobrigando o fornecedor de seu dever de indenizar. O nexo causal316 ao mesmo tempo em que demonstra o responsável por um evento danoso, permite determinar o montante a ser indenizado, de acordo com o alcance do dano. Como as excludentes de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço expressas no Código de Defesa do Consumidor são quase idênticas (com exceção do inciso I do § 3º do artigo 12 que não tem correspondente no artigo 14), e tendo em vista que o foco do presente trabalho é a prestação de serviços na internet, serão comentadas nas próximas linhas as excludentes em relação aos serviços, mas que também se aplicam ao fato do produto.

2.6.1 Da não prestação do serviço

Em relação ao fato decorrente de prestação de serviço, o Código do Consumidor não incluiu no artigo 14, § 3º a hipótese de não ter prestado o serviço no mercado. Se não foi o fornecedor quem introduziu aquele serviço no mercado, não foi ele quem o elaborou. O entendimento de Luiz Antônio Rizzatto Nunes317 é que se trataria de ilegitimidade passiva e não de excludente de responsabilidade. Nem mesmo no artigo 12 essa norma precisaria ter sido inserida, tendo em vista se tratar de carência da ação por ilegitimidade de parte, o que resultará em extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, inciso I do Código de Processo Civil.

2.6.2 Da inexistência de defeito

Caso o serviço não apresente falha na segurança esperada, não se configura a presença de defeito nem de concepção nem de fabricação. E se não houver defeito, o prestador de serviço não irá responder pelo dano. Zelmo Denari318 afirma que quando

conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. 316 CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. São Paulo: Renovar, 2005, p. 22. 317 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 197-198. 318 DENARI, Zelmo. Capítulo IV: Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, art. 8 ao 28. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do 143

144 inexiste defeito, ocorre quebra da relação causal ficando elidida a responsabilidade do fornecedor. Esclarece José Reinaldo de Lima Lopes319:

Se risco é perigo, se risco é probabilidade de dano, então o dever que se contrapõe ao risco é a segurança. Em outras palavras, para aquele que exerce uma atividade perigosa a lei impõe o dever de exercê-la com segurança tal que não cause dano a ninguém. [...] Quem exercer atividade de risco terá o dever de indenizar se o fizer de forma insegura, prestando serviço sem a segurança que deve ter. E assim é porque a lei criou esse dever de segurança em contraposição ao risco da atividade, tornando aquele que a exerce garantidor da sua segurança.

No mesmo sentido, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino320 afirma:

Não basta que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido causados por um determinado produto ou serviço. É fundamental ainda que esse produto ou serviço apresente um defeito, que seja a causa dos prejuízos sofridos pelo consumidor. (...) O defeito do produto ou do serviço aparece como um dos principais pressupostos da responsabilidade do fornecedor por acidentes de consumo.

Um exemplo de inexistência de defeito do serviço contido no próprio Código é o previsto no § 2º do artigo 14: ―O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas‖. Assim, não haverá responsabilidade do fornecedor em indenizar um consumidor que esteja pleiteando ressarcimento alegando que o serviço prestado é menos eficaz que uma técnica mais moderna, acontecimento corriqueiro em relação aos tratamentos médicos321. A eximente supra mencionada pode ser relevante ao presente trabalho, haja vista que na atual sociedade da informação, chamada também de era da tecnologia, novos produtos e serviços são diariamente lançados no mercado de consumo, podendo levantar questionamentos sobre a real falta de responsabilidade de tais fornecedores se estivermos diante da chamada obsolescência programada.

anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 410-411, 1998, p. 152. 319 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Civil e Direito do Consumidor – Princípios. In: Roberto A. C. Pfeiffer e Adalberto Pasqualotto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 212-213. 320 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 265. 321 Destaque-se, ainda, que a responsabilidade dos profissionais liberais, via de regra, é subjetiva e não objetiva. 144

145

Em relação ao defeito de informação a situação é mais complexa. Conforme já defendido linhas atrás, todo produto e todo serviço tem defeito de informação (contratual, no mínimo). Desta forma, caso o dano tenha ocorrido em virtude de defeito de informação322, o que abrange grande parte dos eventos danosos, não haverá possibilidade de o fornecedor eximir-se de responsabilidade.

2.6.3 Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro

Esse inciso merece destaque, pois o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é equivocado. A primeira análise a ser feita é em relação ao vocábulo exclusiva. Exclusivo é o que exclui. Assim, a conduta causadora do dano deve ter sido realmente unicamente da vítima ou de terceiro para que o comerciante possa se valer dessa eximente. Se o comerciante concorreu de algum modo para o fato do serviço, já não mais será culpa exclusiva, e sim culpa concorrente, não podendo o comerciante se esquivar de sua responsabilidade. Um fenômeno que vem se tornando cada vez mais corriqueiro é o chamando superendividamento, quando o consumidor contrai dívidas superiores a sua capacidade de quitá-las que o impedem de adquirir bens e serviços necessários a sua subsistência. Uma análise civilista desta situação levaria à conclusão que seria caso de culpa exclusiva do consumidor e, portanto, a instituição financeira não teria responsabilidade alguma por esta posição vexatória. Não é este o entendimento da doutrina especializada no assunto, como o de Geraldo de Faria Martins da Costa:

A censurável leviandade com que alguns estabelecimentos financeiros distribuem, de maneira repetida, créditos aos consumidores também deve ser levada em consideração por aquele que aprecia a situação de boa-fé do endividado, na medida em que ‗o caráter profissional do banqueiro lhe impõe um conjunto de diligências (dever de conselho, obrigação de se informar etc.) cuja inobservância é de natureza, senão a escusar o comportamento do devedor, ao menos a julgá-lo com uma relativa indulgência323.

Identificar a vítima do fato do serviço é tarefa relativamente simples, pois é todo aquele consumidor que for atingido pelo fato do produto ou serviço, seja ele

322 O que, conforme já sinalizado, é intrínseco ao sistema capitalista de produção em massa. 323 COSTA, Geraldo de Faria Martins da. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 117. 145

146 consumidor padrão324, coletividade325, vítima de um evento danoso326 ou o exposto à práticas abusivas327. Maior dificuldade é definir quem é o terceiro em uma relação de consumo. Terceiro é aquele que não concorreu, de forma alguma, para a causação do evento danoso. É alguém absolutamente alheio ao ciclo de produção. Diante da definição supra apresentada, poderia surgir a interpretação de que terceiro seria todo aquele que não auxiliou na produção, distribuição, divulgação, prestação do serviço, etc. Mas a prática vem mostrando que outras pessoas (físicas ou jurídicas) podem ser incluídas no rol de terceiros. Não basta que o causador do dano não seja ligado – direta ou indiretamente – ao fornecedor acionado pelo fato do serviço para que seja classificado como terceiro. Se bastasse somente que o sujeito responsável não tivesse ligação alguma com o fornecedor para isentar este último de sua responsabilidade com o consumidor, o cliente que teve seu veículo furtado de dentro do estacionamento de um shopping não poderia pleitear seu ressarcimento daquele conglomerado de lojas, já que o praticante do furto não tinha nenhuma atividade conexa com o fornecedor. Diante desse raciocínio, o praticante do furto seria um terceiro. Essa tese de que terceiro seria apenas a pessoa que está fora da cadeia de consumo – que se inicia no fabricante e termina no consumidor – não é correta, pois possibilita a isenção de responsabilidade do fornecedor em diversas situações corriqueiras de relações de consumo, como a hipótese do furto do veículo do estacionamento. Tanto é que, como já mencionado, tal matéria foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça328. Mister se faz, portanto, a análise de outros critérios para estabelecer quem pode ser classificado como terceiro quando há um evento danoso pelo fato de um serviço. Ao analisar o caso concreto, deve-se perquirir se a conduta do fornecedor foi totalmente diligente em relação à ocorrência do evento danoso. O responsável tem o dever de

324 Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. 325 Art. 2º, § único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 326 Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. 327 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 328 Súmula 130 do STJ: ―A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estabelecimento‖. 146

147 tomar todas as cautelas possíveis e imagináveis para tentar prevenir um acontecimento que gere um dano ao consumidor. Outro critério a ser observado é o referente à imprevisibilidade do fato do serviço. A conduta do terceiro deve ser tal que seja impossível para o comerciante prever sua ocorrência. Basta, portanto, que determinado evento tenha ocorrido uma única vez com aquela empresa, ou seja, fato amplamente conhecido para tornar-se previsível. Por último, o julgador precisa se ater em relação à presença ou ausência de boa- fé na conduta do fornecedor. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino329 cita um julgado330 em que o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior atribuiu responsabilidade do estabelecimento bancário em relação ao furto do veículo de um consumidor em razão da relação contratual de fato e no princípio da boa-fé objetiva, um dos primeiros julgados nesse sentido. Todos os três critérios acima descritos – dever de cautela, previsibilidade do evento e boa-fé – devem ser analisados em cada caso concreto e sempre em conjunto. Se após essa verificação, se constatar que somente o terceiro é culpado, o fornecedor poderá se valer dessa eximente de responsabilidade pelo fato do serviço. Apesar de ser um pouco mais simples identificar quem é a vítima do acidente do que quem é terceiro em uma relação de consumo, existe a mesma dificuldade em caracterizar se o evento derivou de culpa exclusiva da vítima. Além dos três critérios para ponderar se a culpa foi exclusiva de terceiro, comentados linhas atrás, podem ser incluídos mais dois requisitos para que se opere a culpa exclusiva da vítima. Primeiramente, o fornecedor de serviços deve ter tomado todas as cautelas no que diz respeito ao seu dever de informar o consumidor sobre eventual risco decorrente da utilização daquele serviço331. Caso a informação não tenha sido entendida

329 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 200. 330 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 4ª T., Agr. Reg. No AI 47.901-3/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., Acórdão de 12-9-1994: ―RESPONSABILIDADE CIVIL. Estacionamento. Relação contratual de fato. Dever de proteção derivado da boa-fé. Furto de veículo. O estabelecimento bancário que põe à disposição dos seus clientes uma área para estacionamento bancário que põe à disposição dos seus clientes uma área para estacionamento dos veículos assume o dever, derivado da boa-fé objetiva, de proteger os bens e a pessoa de usuário. O vínculo tem sua fonte na relação contratual de fato assim estabelecida que serve de fundamento à responsabilidade civil pelo dano decorrente do descumprimento do dever. Agravo improvido‖. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 200 331 TADEU, Silney Alves. Responsabilidade civil: nexo causal, causas de exoneração culpa da vítima, força maior e concorrência de culpas. Revista de Direito do Consumidor [Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor]. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 64: 134-164, out./dez., 2007, p. 161-162. 147

148 especificamente por aquele consumidor que sofreu o dano, o fornecedor não poderá se isentar de sua responsabilidade, com fundamento na teoria do risco. Por fim, é imprescindível que a conduta da vítima tenha sido irreprovável332. Não basta a análise do simples grau de participação da vítima para isentar o fornecedor. Mais uma vez, o princípio da isonomia está presente, pois cada consumidor tem uma capacidade de entendimento sobre o risco de uma conduta, que deve ser levada em consideração. É realmente um trabalho árduo caracterizar essa excludente de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. A maioria das colocações doutrinárias e das interpretações jurisprudenciais pauta-se em interpretar o inciso de forma isolada, sem perceber que, desta forma, estão sendo incoerentes com todo o sistema de responsabilidade objetiva e solidária estabelecida pelo Código do Consumidor.

2.6.4 Hipóteses de excludentes não previstas no Código do Consumidor

Para alguns autores333, o rol dos artigos 12, § 3º e 14, § 3º da Lei Consumerista seria taxativo, à medida que preceitua: ―só não será responsabilizado quando provar‖ (grifo nosso). Serão vistas, a seguir, algumas hipóteses de possíveis excludentes não previstas em lei.

2.6.5 Risco do desenvolvimento

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim334 conceitua risco de desenvolvimento como aquele que não pode ser cientificamente conhecido ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço. Contudo, Luiz Antonio Rizzatto Nunes assevera que tais disposições estão diretamente ligadas ao tipo previsto no art. 64 do Código de Defesa do Consumidor,

332 TADEU, Silney Alves. Responsabilidade civil: nexo causal, causas de exoneração culpa da vítima, força maior e concorrência de culpas. Revista de Direito do Consumidor [Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor]. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 64: 134-164, out./dez., 2007, p. 161-162. 333 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 288. 334 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim apud DENARI, Zelmo. Capítulo IV: Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, art. 8 ao 28. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 410-411, 1998. 148

149 valendo apenas, no que diz respeito às sanções penais já que, para aspectos civis, a situação se resolveria a partir da responsabilidade objetiva do fornecedor, assumindo assim, uma posição em sentido contrário à aceitação dos riscos de desenvolvimento335. Da mesma forma, Sílvio Luís Ferreira da Rocha, para quem, se o defeito existia no momento em que o serviço foi colocado no mercado, e tão somente os conhecimentos científicos existentes à época não o permitiam detectar, não poderia autorizar a exclusão da responsabilidade do comerciante, porquanto para ser aceita tal hipótese, o Código de Defesa do Consumidor deveria tê-la expressamente consignada entre as demais eximentes336. Zelmo Denari337 também coloca-se entre os que defendem a não adoção da eximente dos riscos de desenvolvimento sustentando que o Código de Defesa do Consumidor não adotou a teoria dos riscos de desenvolvimento, como propôs a Comunidade Econômica Européia. Outro doutrinador que se posiciona no sentido contrário à adoção da tese de isenção de responsabilidade pelo risco de desenvolvimento é Paulo de Tarso Vieira Sanseverino338:

Por fim, embora a nosso ver seja inaplicável a eximente dos riscos do desenvolvimento no direito brasileiro, consideramos que o legislador brasileiro deveria regular com maior clareza essa importantíssima questão, afastando-a expressamente do sistema.

O exemplo mais famoso que isentou o fornecedor foi o caso do medicamento Talidomida. Entretanto, com o CDC atualmente em vigor e, em se tratando de produto nocivo ou com alta periculosidade, difícil se eximir de responsabilidade, sendo que a teoria do risco integral deixa transparecer que se o fornecedor desconhece todos os

335 Op. Cit, p. 141. 336 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p. 111. 337 DENARI, Zelmo. Capítulo IV: Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, art. 8 ao 28. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 410-411, 1998. 338 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 320. 149

150 efeitos de seu produto ou serviço, não deveria inseri-lo no mercado de consumo, da mesma forma que vige o princípio da prevenção no Direito Ambiental339.

2.6.6 Culpa concorrente da vítima

A aplicação de culpa concorrente da vítima não é causa de excludente de responsabilidade do comerciante, que permanece integral. Em verdade trata-se de redução do montante indenizatório. Embora o artigo 25340 do Código do Consumidor proíba a previsão contratual de cláusula que diminua a obrigação de indenizar, essa atenuante seria aplicada pelo magistrado no momento de arbitrar a indenização decorrente de fato do serviço, e não imposta pelo fornecedor. Para delimitar o valor da indenização levando em consideração a culpa concorrente da vítima, o juiz deverá analisar os requisitos já elencados para verificar a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva do consumidor: dever de diligência do fornecedor; imprevisibilidade do ocorrido; boa-fé das partes; dever de informar do fornecedor; e conduta reprovável da vítima. Caso o fornecedor não tenha tomado uma das cautelas que lhe são atribuídas e, ao mesmo tempo, o consumidor não tenha operado da forma razoavelmente esperada (sem boa-fé ou de maneira bastante reprovável), poderá ter atenuada sua obrigação de indenizar.

2.6.7 Caso fortuito e força maior

Alguns autores fazem distinção entre caso fortuito e força maior. Não cabe aqui tecer todas elas, mas a mais interessante é a diferença reproduzida por Silney Alves Tadeu:

Para Trimarch também há uma diferença entre força maior e caso fortuito, mas esta diferença não consiste na interioridade ou exterioridade do evento senão enquanto a força maior supõe inevitabilidade do dano e não serve sempre para exonerar a responsabilidade, o caso fortuito supõe a imprevisibilidade do dano, o que exonera a responsabilidade e isto porque é necessário que se trate de um dano que pertença a um risco que tenha uma

339 Sobre o princípio da prevenção, FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 340 Art. 25 É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores. 150

151

entidade apreciável, de forma que possa ser calculado pelo empresário e coberto por um seguro341.

Para Nelson Nery Junior342, as causas excludentes de responsabilidades do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor são somente aquelas dos incisos I, II e III do § 3º, porque o caso fortuito e a força maior excluem a culpa do agente. Como o Código adota a teoria do risco integral, a culpa é irrelevante para o dever de indenizar. Podemos estender tal entendimento para as hipóteses dos incisos I e II do § 3º do artigo 14 que estabelece as eximentes para o fornecedor de serviços. Segundo Nery343, não se questiona se o fornecedor agiu com culpa ou dolo; nem mesmo se possa ter ocorrido caso fortuito ou força maior. Apenas e tão somente as causas mencionadas na lei em numerus clausus como causas excludentes do dever de indenizar é que podem eximir o fornecedor de tal dever. Embora alguns autores344 afirmem que a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro seja exemplo de força maior345, o Código do Consumidor não previu outras hipóteses de caso fortuito ou força maior. Sendo assim, interpretando-se a Lei de modo a reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, entende-se que as proposições exonerativas da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço devem ser expressas, não cabendo, portanto, excludentes com base em caso fortuito ou força maior.

2.7 Contratos de adesão no Código de Defesa do Consumidor

A relação contratual tradicional se assenta em uma relação de igualdade entre os contratantes, que discutiam livremente cláusulas de seu acordo de vontade. Neste sentido Cláudia Lima Marques afirma que:

Na concepção tradicional de contrato, a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais

341 TADEU, Silney Alves. Responsabilidade civil: nexo causal, causas de exoneração culpa da vítima, força maior e concorrência de culpas. Revista de Direito do Consumidor [Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor]. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 64: 134-164, out./dez., 2007, p. 161-162. 342 Revista de Direito do Consumidor nº 3, p. 56. 343 NERY JÚNIOR, Nelson. Capítulo VI, art. 46 ao 54. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 342-459, 1998. 344 Entre eles Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, Silvio Luís Ferreira da Rocha e Silney Alves Tadeu. 345 De acordo com as definições supra mencionadas, seria caso fortuito. 151

152

discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaríamos de contratos paritários ou individuais346.

Com o surgimento de uma sociedade de consumo, quase todos os contratos são de adesão, e a vontade do fornecedor prevalece, já que ele estipula previamente as cláusulas e condições, impondo-as aos aderentes. Não existe mais o acordo de vontade das partes, mas sim uma imposição de cláusulas a serem cumpridas pelo consumidor. Cláudia Lima Marques, neste sentido, afirma que:

Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade, o comércio jurídico se despersonalizou e os métodos de contratação em massa, ou estandardizados, predominam em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores347.

Neste sentido, Rizzatto Nunes aponta que:

O crescimento da sociedade de consumo, com sua produção em série, estandardizada, homogeneizada, a contratação de operários em massa, especializadíssimos, o implemento da robótica, informática etc., exigiu a utilização dos contratos-formulário, impressos com cláusulas prefixadas para regular a distribuição e venda dos produtos e serviços de massa348.

Estes contratos de adesão são contratos homogêneos, pois possuem natureza e estruturas semelhantes e são dirigidos a um número indeterminado de consumidores. Os fornecedores oferecem convenções preestabelecidas para a adesão dos consumidores em pactos futuros baseados na racionalidade, economia, praticidade e principalmente segurança daqueles349. A legislação consumerista foi inovadora em vários aspectos. O maior deles foi a possibilidade real de obter o equilíbrio das relações entre fornecedor e consumidor, ao abranger todas as relações contratuais, incluindo as ―pré‖ e as ―pós‖- contratuais. Esta proteção contratual vem ao encontro à necessidade da criação de mecanismos que sejam capazes de garantir princípios e direitos básicos aos consumidores, apesar de sua evidente inferioridade negocial. Cláudia Lima destaca que dentre os processos de ajustamento e disciplina dos contratos de massa destacam-se os contratos de adesão e as condições gerais dos

346 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 27. 347 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 27. 348 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, 6. ed. rev. e atual., p. 668. 349 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 28. 152

153 contratos ou cláusulas gerais contratuais350. Observe-se que nas relações de massa os pactos nem sempre são escritos, expressos em formulários. Muitas destes contratos são feitos oralmente, aceitos através das condutas sociais típicas351, através dos simples recibos e dos tickets de caixas automáticas352. Existem duas construções doutrinárias para descrever a supra referida estipulação prévia de cláusulas e condições impostas aos aderentes. A doutrina luso- germânica utiliza a expressão ―condições ou cláusulas gerais dos contratos‖, já a doutrina francesa utiliza a expressão ―contratos de adesão‖ 353. A primeira ressalta mais a fase pré-contratual de elaboração de cláusulas gerais, sendo que a segunda realça o momento de celebração do pacto ou seja, o momento de consubstanciação do contrato354. Claudia Lima destaca que estas duas construções não possuem o mesmo teor, não sendo, portanto, sinônimas, e aponta como referência a diferenciação feita pela Comissão das Comunidades Europeias entre contratos de adesão e contratos submetidos a condições gerais355. Os contratos de adesão são escritos, organizados e impressos antes de serem firmados pelos aderentes, cabendo a estes apenas preencher campos de sua identificação e do objeto do contrato. As condições ou cláusulas gerais são os pactos escritos ou não nos quais os aderentes aceitam que cláusulas ou condições pré-estabelecidas para um número indeterminado de relações contratuais os pactos sejam aplicados em seu pacto específico. O Código de Defesa do Consumidor assim estipulou:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor

350 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 29. 351 LARENZ, Karl. O estabelecimento de relações obrigacionais por meio de comportamento social típico, trad. HIRATA, Alessandro. Disponível em: direitosp.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_03_p055_064.pdf. Acesso em 12/01/2018 352 KOEHLER, Helmut. Die problematik automatisierter rechtsvorgänge, insbesondere willenserklärungen. Archiv für civilistische praxis, n. 182, 1982, p. 126-180 apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 29. 353 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 29. 354 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 29. 355 Bulletin des Communautés Européennes. Supplément 1/84, p. 6, item 10 apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 29. 153

154

de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Os contratos de adesão tratam-se de acordos de vontade representados pela adesão, prescindindo da discussão preliminar de suas cláusulas ou da paridade dos contratantes356. Cláudia Lima afirma que não se deve negar o caráter contratual do contrato de adesão (ou por adesão), pois a manutenção, do vínculo beneficia o contratante hipossuficiente357. Vínculo este que se formará apenas com a manifestação, ou declaração, de vontade do consumidor. Assim, a adesão faz surgir o pacto, consubstanciando o vínculo contratual entre os contratantes358. As condições ou cláusulas gerais dos contratos são técnicas de pré-elaboração do conteúdo de futuros ajustamentos que disciplinarão os contratos de massa aplicando-se individualmente ao seu aderente. Marques destaca que contemporaneamente, quase que exclusivamente, à exceção do objeto e do preço, os contratos são predeterminados por condições ou cláusulas gerais359. Continua apontando que as condutas sociais típicas na sociedade360 vão indicar o fechamento de um contrato e a aceitação de determinadas cláusulas gerais, como embarcar em um ônibus, ou hospedar-se em um hotel361. Neste sentido, Rizzatto Nunes afirma que:

A Lei n. 8.078 admite todas as formas de contratação, tais como contratos escritos, verbais, por correspondência etc. Estão também abrangidas as

356 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 31-33. 357 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 33. 358 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 33. 359 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 37. 360 LARENZ, Karl. Allgemeiner teil des deutschen bürgerlichen rechts. Munique: Beck, 1977, passim apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 38. 361 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 38. 154

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―relações contratuais fáticas‖, conhecidas como ―comportamentos socialmente típicos‖ [...] (grifo do autor).362

Estes comportamentos de consumo socialmente típicos geram direitos e obrigações independentemente da preexistência de contrato escrito ou verbal363. Rizzato, citando Nery, explica que estes são comportamentos de fato, socialmente generalizados, que fazem com que se aceite a existência de um contrato, mesmo que jamais firmado pelos contratantes364. Nery Junior observa que um pacto se consubstancia quando está presente a declaração de vontade dos contratantes, não havendo que se falar em contrato. Ressalta, contudo, que existem situações semelhantes ao contrato que não se formaram com a declaração das vontades dos contratantes365. Pelas condutas sociais típicas o contrato é presumido diretamente do fato da ação ou comportamento. Seriam ―relações de fato contratuais‖366. Todas as grandes empresas que atuam no meio ambiente digital estabelecem seus regramentos unilateralmente em termos de uso que podem ou não serem cláusulas gerais, tendo em vista que na maior parte das vezes, não há mais nenhum ajuste a ser feito entre as partes. E pelo fato de a sociedade estar cada vez mais imersa no ciberespaço, é possível afirmar que, na Era da Informação, é comportamento de consumo socialmente típico acessar diversos serviços em páginas da rede, mesmo sem aderir a um contrato ou a um pré-contrato previamente estabelecido. No próximo capítulo serão retomados os direitos dos consumidores tratados neste capítulo, especificando como são violados por diversas empresas que atuam na rede mundial de computadores, especialmente pelo buscador Google.

362 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, 6. ed. rev. e atual., p. 668. 363 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, 6. ed. rev. e atual., p. 669. 364 NERY JUNIOR, Nelson. Capítulo VI: da proteção contratual – art. 46 ao 54 In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 355-358 apud NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, 6. ed. rev. e atual., p. 669. 365 NERY JUNIOR, Nelson. Capítulo VI: da proteção contratual – art. 46 ao 54 In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 356. 366 NERY JUNIOR, Nelson. Capítulo VI: da proteção contratual – art. 46 ao 54 In: GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 355-358 apud NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 669. 155

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3 O BUSCADOR GOOGLE E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES E USUÁRIOS DE INTERNET

Uma vez apresentados os principais direitos dos consumidores relacionados à sua proteção na internet, será apontado neste capítulo como o algoritmo do buscador da Google desrespeita direitos humanos básicos relativos à comunicação, que abarcam diversas liberdades, e, consequentemente, desrespeita os direitos dos consumidores e usuários da internet. Inicialmente, serão apresentados conceitos básicos da ciência da computação que se relacionam intimamente com o buscador da Google . A seguir, será feita uma descrição das informações disponibilizadas pela Google sobre a política de uso de nossos dados, bem como sobre o funcionamento do seu buscador e as principais alterações do algoritmo e suas consequências. A partir dessas informações, serão tecidas considerações sobre as discussões acerca do uso dos nossos dados pelas grandes corporações da rede e sobre algumas possibilidades de defesas dos direitos dos consumidores e usuários de internet.

3.1 Algoritmos descritivos e preditivos, big data, aprendizagem de máquina e Inteligência Artificial (IA).

Os algoritmos são ações ou ―passos‖ utilizados para se chegar a um determinado resultado. São muito utilizados na matemática e na ciência da computação.

Os algoritmos fazem parte do dia-a-dia das pessoas. As instruções para o uso de medicamentos, as indicações de como montar um aparelho qualquer, uma receita de culinária são alguns exemplos de algoritmos. Um algoritmo pode ser visto como uma seqüência de ações executáveis para a obtenção de uma solução para um determinado tipo de problema. Segundo Dijkstra (1971)367 um algoritmo corresponde a uma descrição de um padrão de comportamento, expresso em termos de um conjunto finito de ações368.

367 DIJKSTRA (1971) Dijkstra, E.W. (1971) A Short Introduction to the Art of Programming. Technological University Endhoven apud ZIVIANI, Nivio. Projeto de algoritmos com implementações Pascal • C. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. Ebook (Pioneira Informática). 368 ZIVIANI, Nivio. Projeto de algoritmos com implementações Pascal • C. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. Ebook (Pioneira Informática). 156

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Os algoritmos são utilizados em todas as ações que um computador ou um programa executam. O PageRank é o algoritmo do buscador Google que, a partir do termo ou expressão que o usuário digita, retorna diversos resultados de páginas da internet, de acordo com alguns critérios estabelecidos pelo Google que serão mais detalhados adiante. Os algoritmos podem ser classificados de formas diferentes. A seguir, serão apresentados os conceitos básicos de apenas de dois deles, os descritivos e os preditivos, tendo em vista que são importantes para demonstrar outros elementos que impactam na captura, seleção e análise de dados, principalmente quando a base de dados é muito grande. Essa grande quantidade de dados disponíveis, como por exemplo, das páginas de redes sociais, como o Facebook, está sendo chamada de Big Data, ou Megadados, e para fazer o tratamento de tais dados, a ciência da computação utiliza-se da técnica de Data Mining, ou Mineração dos Dados:

[...], Big Data é definido como grande volume de informações ativas com alta velocidade e variedade que demanda custo e formas inovadoras para obter uma visão compreensível para a tomada de decisão369. Complementarmente, Big Data é considerado a próxima fronteira da inovação, competição e produtividade370. Além de um grande Volume de dados, Big Data também possui as propriedades de Velocidade, Variedade, Veracidade e Valor. Essas propriedades de Big Data são conhecidas como 5 V‘s e serão detalhadas no corpo deste artigo. Para realizar mineração de dados em bases com propriedades Big Data, principalmente Volume, é necessário que o processamento seja realizado em uma infraestrutura de processamento escalável, para que seja possível realizar a alocação de recursos de acordo com a demanda requerida pelo volume de dados a ser processado. [...] Executar tarefas de Mineração de Dados no contexto Big Data é bastante dificultoso. Portanto, é importante entender o que significa Big Data. O termo Big Data pode ser definido como um cenário que envolve imensa quantidade de dados não estruturados que requer tecnologias não convencionais para analisar os mesmos. Além do volume e estrutura, outras características tornam Big Data um problema muito complexo para ser resolvido utilizando sistema de banco de dados convencional como Sistemas Gerenciadores de Banco de Dados Relacionais. [...] A necessidade de desenvolver novas tecnologias de processamento para Big Data surgiu em vários domínios devido ao aumento do poder computacional,

369 GARTNER. Big data defintion, Gartner, inc. Disponível em . Acesso em: 07 ago 2015 apud Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69-101 _ maio/2016. 370 M. Chen, S. Mao, and Y. Liu. Big data: A survey. Mobile Networks and Applications, 19(2):171–209, 2014 apud Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69-101 _ maio/2016. 157

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capacidade de armazenamento e aumento na produção de conteúdo digital371. Pode-se citar como exemplo de domínio Big Data as áreas da Ciência, Telecomunicação, Indústria, Negócios, Planejamento urbano, Mídia social e Saúde. Big Data provê grande potencial no processo decisório baseado em dados podendo trazer benefícios como nova visão de negócio, habilidade de medir e monitorar fatores influentes no negócio, descoberta de novas oportunidades de vendas dentre outros benefícios. Dessa forma, investimentos direcionados para pesquisa e desenvolvimento relacionados com Big Data vem ganhando espaço nas Universidades, governo e indústria. Apesar de existirem várias questões em discussão sobre Big Data, as propriedades ou características mais significativas do mesmo são identificadas a seguir372. Essas características são referenciadas pelo termo 5 V‘s: Volume, Velocidade, Variedade, Veracidade e Valor. [...] Mineração de dados, também conhecido como Descoberta de Conhecimento em Banco de Dados (Knowledge Discovery in Databases KDD), é o processo de extração automática de padrões que representa conhecimento implícito armazenado ou capturado em grandes bases de dados, na Web, em fluxo de dados ou em outros repositórios de informações373. O processo de análise envolve técnicas matemáticas, estatísticas e computacionais. Processos ou tarefas no domínio de mineração de dados visam construir modelos eficientes capazes de analisar e extrair conhecimento além de predizer tendências futuras no comportamento dos dados. Tarefas de mineração de dados podem ser classificadas em duas categorias: preditiva e descritiva. Modelos preditivos aprendem através da análise de um conjunto de dados, ou dados de treinamento, e fazem predições no comportamento de novos dados. Já técnicas descritivas proveem sumarização de dados374.

No mesmo sentido, acerca dos algoritmos descritivos e preditivos:

As tarefas de mineração de dados podem ser classificadas em duas categorias, de acordo com Han e Kamber (2006)375: padrões descritivos e padrões preditivos. As tarefas descritivas caracterizam as propriedades gerais dos dados em uma base de dados. Já os padrões preditivos buscam através de inferências predizer valores desconhecidos. Padrões preditivos são construídos para resolver problemas específicos de predição, em um ou mais atributos de um banco de dados. Ainda afirma que esses padrões não precisam necessariamente prever o futuro, mas sim fazer a descoberta de um

371 Y. Demchenko, C. de Laat, and P. Membrey. Defining architecture components of the big data ecosystem. In Collaboration Technologies and Systems (CTS), 2014 International Conference on, pages 104–112. IEEE, 2014 apud Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69-101 _ maio/2016. 372 Y. Demchenko, P. Grosso, C. de Laat, and P. Membrey. Addressing big data issues in scientific data infrastructure. In Collaboration Technologies and Systems (CTS), 2013 International Conference on, pages 48–55. IEEE, 2013 apud Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69-101 _ maio/2016. 373 J. Han, M. Kamber, and J. Pei. Data mining: concepts and techniques: concepts and techniques. Elsevier, 2011 apud Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69- 101 _ maio/2016 374 Rev. Inform. Teor. Apl. (Online) _ Porto Alegre _ v. 23 _ n. 1 _ p. 69-101 _ maio/2016 375 HAN, Jiawei; KAMBER, Micheline. Data mining: Concepts and Techniques. Burnaby, British Coumbia, Canada: Morgam Kaufmam Publishes, Inc., 2001 apud Jean Carlo de Borba Espíndola. Um estudo analítico sobre o comportamento de pesquisadores baseado em dados de produção científica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso. Ciência da Computação. Porto Alegre, dezembro de 2009. 158

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atributo desconhecido a partir de outros atributos conhecidos. Em contrapartida, os padrões descritivos não têm por objetivo resolver um problema específico, mas apresentar padrões interessantes que o especialista em um domínio desconhece (JOHN, 1997)376.

É possível perceber que os algoritmos descritivos não podem prever o futuro, ao contrário dos algoritmos preditivos que tem tal capacidade. Apresentando exemplos, Cezar Taurion esclarece mais as diferenças entre ambos:

Existem diversos outros algoritmos, inclusive o descritivo, muito usado nos BI tradicionais, que descrevem o passado e eventualmente nos ajuda a tomar decisões sobre o futuro. Um exemplo típico são as perguntas do tipo ―quantos clientes perdemos nos últimos 3 meses‖ ou ―as fraudes aumentaram ou diminuíram no último ano‖? Com base neste histórico e nas nossas percepções, intuições e experiências tomamos decisões futuras. Mas, claramente, vemos que isso não é suficiente para atender à complexidade crescente do cenário de negócio atual. Observamos que a intuição e experiência têm peso excessivo nestas decisões. Em um cenário de negócios relativamente estável, é perfeitamente adequado, mas quando o cenário é dinâmico e mutante, provavelmente nossas experiências e intuições podem não ser suficientes. É nessas ocasiões que entram em campo as análises preditivas. Análise preditiva não é novidade, sempre esteve presente na academia e em setores específicos, como meteorologia, mas a crescente digitalização da sociedade e a disponibilidade facilitada de armazenamento e processamento de imensos volumes de dados tornou esta disciplina acessível a qualquer empresa. O que é um modelo preditivo? A resposta é simples: uma função matemática que, aplicada a uma massa de dados, consegue identificar padrões ocultos e prever o que poderá ocorrer. Prever o futuro sempre foi um desafio e uma busca incessante...daí a leitura da palma das mãos, a astrologia, etc. Agora, podemos pensar sim, que é possível fazer previsões bastante razoáveis. Existem dois tipos de modelos preditivos, os supervisionados e os não supervisionados. No primeiro, em uma fase que chamamos de treinamento do modelo, os dados de entrada e a saída são apresentados juntos. O treinamento dura até que o modelo aprenda a mapear os dados e a identificar padrões entre as entradas e as saídas. Como exemplos deste modelo temos as redes neurais e árvores de decisão. Os modelos não supervisionados só recebem os dados de entrada e sua função é descobrir os relacionamentos entre os dados apresentados. A técnica de clusterização é um bom exemplo deste modelo. Vamos ver, na prática, como funcionam estes algoritmos preditivos. Suponhamos uma operadora de telefonia móvel. Um dos seus principais problemas é a taxa de desconexão ou churn rate. Diminuir esta perda de clientes é extremamente vantajoso para o negócio. Usando um modelo supervisionado entramos, entre outros, com dados como perfil de cada cliente, seu uso ao longo do tempo, número de reclamações efetuadas, e se ele se desconectou ou não. Agregando um grande volume de dados, o modelo consegue aprender e criar um padrão que reconhece o perfil de cliente que tende a permanecer ou se desconectar da operadora. Uma vez aprendido, validamos o modelo. Para isso apresentamos um outro conjunto de dados e

376 JOHN, George H. Enhancements To The Data Mining Process. Phd. Dissertation. Stanford University. Phd. Dissertation, 1997 apud Jean Carlo de Borba Espíndola. Um estudo analítico sobre o comportamento de pesquisadores baseado em dados de produção científica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso. Ciência da Computação. Porto Alegre, dezembro de 2009. 159

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verificamos qual o nível de acerto em relação à taxa de desconexão. Se for um nível de acerto baixo, voltamos a treinar o modelo até que ele realmente seja considerado apto a fazer previsões. Quando o modelo está validado, entra em operação, ou seja, começa a ser aplicado para identificar a possibilidade de determinado cliente se desconectar, antes que aconteça. Agregando ao modelo regras de negócio, como agrupar clientes por rentabilidade, a operadora pode fazer ofertas diferenciadas para evitar a desconexão377.

Como dito, algoritmos preditivos não são novidade na ciência da computação, já sendo usados há bastante tempo em outras áreas, como a meteorologia, por exemplo. No entanto, o que chama a atenção é a utilização cada vez mais acentuada do chamado machine learning ou aprendizado da máquina, em que as máquinas não só tentam fazer previsões a partir dos dados inseridos por aqueles que as desenvolveram, mas aprendem sozinhas e aprimoram o algoritmo. O aprendizado da máquina é uma das formas de Inteligência Artificial (AI):

O homem já convive, há algum tempo, com aquilo que se convencionou chamar de inteligência artificial, em que máquinas dotadas de uma programação complexa, por meio de algoritmos, desempenham as mais diferentes funções quotidianas como por exemplo jogar xadrez. Este conceito, entretanto, sofre uma transformação com o aumento da capacidade dos equipamentos de armazenar e processar dados em grandes quantidades, ou o chamado big data. É com o desenvolvimento do conceito de big data que engenheiros e cientistas de forma geral passaram a desenvolver uma capacidade aprimorada de inteligência artificial. Isto porque, a partir da grande quantidade de dados que esta plataforma permite, uma máquina pode processar dados que humanos demorariam anos para analisá-los. Outra tecnologia que foi proporcionada pelo advento do big data foi o conceito e a aplicação de aprendizado de máquina (machine learning). Machine learning é uma forma de incorporar algoritmos de aprendizado em máquinas, que permitem que o computador transforme essas informações em experiências novas dentro dos seus limites estruturais e a incorporem ao seu já imenso conjunto de dados, fazendo com que esses dados sejam processados e sua reação, para aquilo que foi programado para fazer, seja aprimorada a cada interação378. Em termos simples, seria o equivalente a um ser humano ter uma experiência no mundo real e realizar um julgamento baseado em experiências passadas na qual tem acesso em sua memória. Ou seja, ter uma experiência, comparar com dados passados, analisar, agir e incorporar a experiência em seus conhecimentos para julgamentos futuros. [...]

377 TAURION, Cezar. Quais as diferenças entre os modelos preditivos supervisionados e os não supervisionados? E quando usá-los? 04 jul 2016. Disponível em: . Acesso em 9 out 2017. 378 INTERNET SOCIETY. Artificial Intelligence and Machine Learning: Policy Paper. Publicado em Abr. 2017. Disponível em < https://www.internetsociety.org/wp-content/uploads/2017/08/ISOC-AI- Policy-Paper_2017-04-27_0.pdf>. Acesso em 18 de nov. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 160

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A inteligência artificial, da forma como a conhecemos atualmente, é gerada a partir de um algoritmo, dos mais simples ao mais complexo. O algoritmo consiste em uma fórmula matemática que, a partir de uma quantidade limitada de instruções, produz um resultado379. Assim, é possível dizer que o algoritmo é a base de toda a revolução tecnológica que ocorre no momento. Ao comandarmos uma máquina a tomar certa decisão, ela analisará os dados disponíveis a partir dos algoritmos carregados nela e produzirá um output. Isto pode ser observado quando iniciamos uma partida de xadrez com o computador, onde a máquina possui em seu sistema um algoritmo capaz de determinar os possíveis movimentos de cada peça, estando condicionada ao resultado final de eliminar o rei do jogador. À primeira vista, isto poderia ser visto como simples, mas há exatos 20 anos um processador da IBM denominado Deep Blue, capaz de memorizar todas as jogadas de um adversário e calcular milhões de jogadas por segundo, vencia o campeão mundial de xadrez da época380. [...] A título de comparação, para notarmos o avanço da inteligência artificial, recentemente uma plataforma desenvolvida por uma subsidiária da Alphabet foi alimentada tão somente com as regras de um complexo jogo chinês chamado Go. A partir daí a inteligência artificial aprendeu sozinha a jogar, sem dado prévio de qualquer partida, criando, por si mesma, estratégias que virtualmente venceriam qualquer oponente, humano ou máquina381. A evolução da inteligência artificial em jogos de tabuleiro apenas demonstra sua capacidade de produzir raciocínios complexos e estratégias, mas já é possível notar sua aplicação em diversas esferas do quotidiano que antes eram relegadas ao domínio humano. A IBM já vem há algum tempo realizando parcerias de sua primorosa ferramenta de inteligência artificial, denominada Watson, com empresas em variados ramos de atuação, de modo a incorporar os benefícios (e os desafios) do machine learning nestas áreas. Tais situações podem ser vistas a partir do Watson Health, com aplicação na área de saúde, cujo computador pode realizar diagnósticos382, além da recentíssima ferramenta LIT, resultado da parceria da IBM com a escola de negócios Saint Paul, que promete revolucionar a aprendizagem na

379 BIG DATA BUSINES. O dicionário de Big Data. Originalmente publicado em 14 de mar. 2016, conteúdo atualizado e estendido em 31 de out. 2017. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 380 FERREIRA, Luis Carlos. Há 20 anos, supercomputador derrotou o campeão mundial do xadrez Garry Kasparov. Acervo Folha, 11 mai 2017. Disponível em Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 381 MULLER, Leonardo. Nova IA da DeepMind, irmã da Google, aprendeu a jogar Go sem ajuda humana. Tecmundo, 18 de out. 2017. Disponível em . Acesso em 18 de nov. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 382 EQUIPE CONECÇÃO. Conheça o Watson e seu uso na saúde. IBM, 08 de mar. 2017. Disponível em . Acesso em 19 de nov. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 161

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educação383. Este último exemplo impulsiona o que o CEO da escola de negócios chama de Educação Disruptiva, que, em sua acertada visão, mudará a maneira que o mundo vê a educação, tornando-a mais acessível e efetiva384.

As tecnologias de inteligência artificial, especificamente as de machine learning demandam anos de pesquisa e muito investimento. Por essa razão, poucas corporações se dedicam a operar nessas áreas. E são justamente as poucas corporações que praticam monopólios ou, no mínimo, grande concentração do mercado, nas áreas de tecnologia e comunicação digital, como IBM, Microsoft, Google, Facebook, Apple, entre outras. Assim, é difícil crer que projetos desenvolvidos por esses monopólios tenham como objetivo a difusão do conhecimento e a melhoria da qualidade de vida da sociedade sem que haja, ao mesmo tempo, a produção de mais subjetividades capitalísticas, alterando os modos de produção e reprodução da vida com a consequente maior dependência dessas tecnologias educacional. Outro fator a se questionar é justamente em relação ao entendimento de que ferramentas como a supra citada LIT desenvolvida em parceria da IBM com a escola de negócios Saint Paul realmente tornará a educação mais acessível e efetiva. Tanto pelo fato de que as diferenças entre aqueles que são mais ou menos dromoaptos, como visto no primeiro capítulo, tendem a aumentar. E certamente que, após décadas de investimento, as empresas cobrarão o retorno com preços acessíveis somente a uma (pequena) determinada camada da população. O mais provável é que grande parte da população mundial, especialmente dos países periféricos, tenha apenas acesso a tecnologias já obsoletas nos países hegemônicos. Já é possível observar algumas graves consequências da utilização da IA e do aprendizado de máquina na sociedade, especialmente no tratamento do big data. Essa expressão, big data, inclusive, esteve mais difundida em manchetes de reportagens

383 YOSHIDA, Soraia. Saint Paul lança plataforma de ensino com inteligência artificial IBM Watson: sistema estará disponível a partir de março do ano que vem com serviço de assinatura mensal nos moldes do netflix. Epoca Negócios, 14 de nov. 2017. Disponível em . Acesso em 19 de nov. de 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 384 SECURATO, José Cláudio. O poder da educação disruptiva. 9 de out. 2017. Disponível em . Acesso em 19 de nov. de 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 162

163 jornalísticas após as últimas eleições estadunidenses, em 2016, quando Donald Trump, surpreendendo a todas e todos, vence o pleito. Para compreender as polêmicas envolvidas nas implicações do uso político eleitoral do big data, mister se faz conhecer um histórico um pouco longo, mas extremamente elucidativo:

Para entender o resultado da eleição – e como a comunicação política poderá trabalhar no futuro – precisamos começar com um estranho incidente na Universidade de Cambridge em 2014, no Centro de Psicométrica onde trabalha Kosinski. A psicometria, às vezes também chamada de psicografia, tem como foco medir os traços psicológicos, como a personalidade. Na década de 1980, duas equipes de psicólogos desenvolveram um modelo que buscava avaliar os seres humanos com base em cinco traços de personalidade, conhecidos como os ―Cinco Grandes‖. São eles: abertura (o quão aberto você está para novas experiências?), conscenciosidade (quão perfeccionista você é?), extroversão (quão sociável?), afabilidade (quão atencioso e cooperativo?) e neuroticidade (você se aborrece facilmente?). Com base nessas dimensões – conhecidas também como OCEAN (acrônimo para essas características, em inglês) – podemos fazer uma avaliação relativamente precisa do tipo de pessoa à nossa frente. Isso inclui suas necessidades e medos, e como ela tende a se comportar. Os ―Cinco Grandes‖ tornaram-se a técnica padrão da psicometria. Mas, por muito tempo, o problema dessa abordagem era a coleta de dados, porque ela envolvia o preenchimento de um questionário complicado e altamente pessoal. Então surgiu a Internet. E o Facebook. E Kosinski. Michal Kosinski era um estudante em Varsóvia quando sua vida tomou um rumo diferente, em 2008. Ele foi aceito pela Universidade de Cambridge para fazer seu PhD no Centro de Psicometria, uma das mais antigas instituições desse tipo em todo o mundo. Kosinski uniu-se ao colega de estudos David Stillwell (hoje palestrante na Judge Business School na Universidade de Cambridge). Cerca de um ano antes, Stillwell havia lançado um pequeno aplicativo para Facebook nos tempos em que a plataforma ainda não havia ganhado a dimensão que tem hoje. Seu aplicativo MyPersonality possibilitou aos usuários preencher diversos questionários psicométricos, incluindo um punhado de questões psicológicas do questionário Big Five de personalidade (―Entro em pânico fácil‖, ―Contradigo os outros‖). Com base na avaliação, os usuários recebiam um ―pefil de personalidade‖ – os valores Big Five individuais – e podiam optar por compartilhar seus dados de perfil do Facebook com os pesquisadores. Kosinski esperava que algumas dezenas de amigos e colegas preenchessem o questionários. Mas centenas, milhares e depois milhões de pessoas revelaram suas mais profundas convicções. De repente, os dois candidatos a doutor possuíam o maior conjunto de dados com pontuações psicométricas abrangentes com perfis do Facebook jamais coletados. [...]385

A pesquisa da equipe de Kosinski chegou a resultados surpreendentes:

385 KROGERUS, Mikael; GRASSEGGER, Hannes. Big Data: toda democracia será manipulada? apud CALDEIRA, João Paulo. A manipulação da democracia através do Big Data, por Hannes Grassegger e Mikael Krogerus. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 163

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Kosinski e sua equipe refinaram incansavelmente seus modelos. Em 2012, Kosinski provou que, com base numa média de 68 ―curtidas‖ no Facebook, era possível descobrir a cor da pela de um usuário (com 95% de probabilidade de acerto), sua orientação sexual (88%) e sua filiação no partido Democrata ou Republicano (85%). Mas não parou por aí. Inteligência, filiação religiosa, assim como uso de álcool, fumo ou droga podiam todos ser determinados. A partir dos dados era possível deduzir se os pais de alguém eram divorciados. A precisão com que era possível prever as respostas de um sujeito era exemplo da força de seu modelo. Kosinski continuou a trabalhar nos modelos incessantemente. Logo ele tornou-se capaz de avaliar melhor uma pessoa que a média de seus colegas de trabalho, simplesmente com base em dez ―curtidas‖ do Facebook. Setenta ―curtidas‖ eram suficientes para exceder o que um amigo da pessoa sabia, 150 o que seus pais sabiam, e 300 ―curtidas‖ o que seu parceiro sabia. Mais ―curtidas‖ poderiam até mesmo superar aquilo que uma pessoa pensava saber sobre si mesma. No dia que Kosinski publicou essas descobertas, ele recebeu duas ligações telefônicas. A ameaça de um processo e uma oferta de trabalho. Ambas pelo Facebook. [...] Sobretudo, porém – e isso é chave – ele também trabalha ao contrário: é possível não apenas criar perfis psicológicos a partir de seus dados, mas também usá-los ao contrário para buscar perfis específicos: todos os pais ansiosos, todos os introvertidos raivosos, por exemplo – ou talvez todos os Democratas indecisos? Essencialmente, o que Kosinski inventou foi uma espécie de mecanismo de busca de pessoas. Ele começou a reconhecer o potencial – mas também o perigo inerente – de seu trabalho. Para ele, a internet sempre se pareceu com um presente dos céus. O que ele realmente queria era dar alguma coisa em troca, compartilhar. Se os dados podem ser compartilhados, então por que também não compartilhar tudo o que é construído a partir deles? Era o espírito de toda uma geração, o início de uma nova era, que transcende as limitações do mundo físico. Mas o que aconteceria, imaginou Kosinski, se alguém abusasse de seu mecanismo de busca para manipular pessoas? Ele começou a estampar avisos na maior parte do seu trabalho científico. Sua abordagem, avisava ele próprio, ―poderia representar uma ameaça ao bem-estar individual, à liberdade ou até à vida.‖ Mas ninguém pareceu alcançar o que ele quis dizer386.

E o estranho incidente de que trata o artigo também é detalhadamente relatado:

A esta altura, o início de 2014, Kosinski foi abordado por um jovem professor assistente do departamento de Psicologia chamado Aleksandr Kogan. Disse que estava entrando em contato em nome de uma empresa interessada no método de Kosinski, e queria acesso ao data base de MyPersonality. Kogan não podia revelar o objetivo; estava sob compromisso de sigilo. No início, Kosinski e sua equipe consideraram a oferta, pois significaria uma boa quantia de dinheiro para o instituto; mas depois ele hesitou. Finalmente, lembra Kosinski, Kogan revelou o nome da empresa: SCL, ou Strategic Communication Laboratories (Laboratórios de Comunicação Estratégica). Kosinski gugou a empresa: ―[Somos] a primeira agência de gestão de

386 KROGERUS, Mikael; GRASSEGGER, Hannes. Big Data: toda democracia será manipulada? apud CALDEIRA, João Paulo. A manipulação da democracia através do Big Data, por Hannes Grassegger e Mikael Krogerus. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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eleições‖, diz em seu site. A SCL oferece marketing baseado em modelos psicológicos. Um de seus focos centrais: influenciar eleições. Influenciar eleições? Perturbado, Kosinski foi clicando as páginas. Que tipo de empresa era essa? E o que essas pessoas estavam planejando? O que Kosinski não sabia à época: SLC é a mãe de um grupo de empresas. Quem exatamente detém a propriedade da SCL e seus diversos braços não está claro, devido a uma estrutura corporativa enrolada, do tipo visto nos Panama Papers. Algumas ramificações da SCL estiveram envolvidas em eleições da Ucrânia à Nigéria, ajudaram o rei do Nepal contra os rebeldes, ao passo que outros desenvolveram métodos para influenciar a Europa Oriental e cidadãos afegãos em favor da OTAN. E, em 2013, a SCL criou uma subsidiária para participar das eleições dos EUA: Cambridge Analytica. Kosinski não sabia nada sobre isso tudo, mas sentiu-se desconfortável. ―A coisa toda começou a cheirar mal‖, recorda-se. Investigando mais, descobriu que Aleksandr Kogan registrara secretamente uma empresa que fazia negócios com a SCL. De acordo com um relato de dezembro 2015 no The Guardian, e com documentos internos da empresa passados a Das Magazin, o que parece é que a SCL aprendeu sobre o método de Kosinski com Kogan. Kosinski passou a suspeitar que a empresa de Kogan pudesse ter reproduzido a ferramenta de mensuração do Big Five baseada em ―likes‖ do Facebook para vendê-la a essa empresa especializada em influenciar eleições. Ele imediatamente rompeu o contato com Kogan e informou o diretor do instituto, lançando a fagulha de um complicado conflito dentro da universidade. O instituto estava preocupado com sua reputação. Aleksandr Kogan então mudou-se para Cingapura, casou-se e mudou seu nome para Dr. Spectre. Michal Kosinski concluiu seu PhD, recebeu uma oferta de emprego na Universidade de Stanford e mudou-se para os EUA387.

A Cambridge Analytica, ao que tudo indica, (a empresa não comenta o assunto) esteve por trás da campanha do Brexit e foi contratada por Donald Trump para as últimas eleições presidenciais estadunidenses. Durante a Cúpula Concordia, Alexander Nix, CEO do Cambridge Analytica explica como são os serviços que prestam a seus clientes candidatos:

Até agora, explica Nix, as campanhas eleitorais eram organizadas com base em conceitos demográficos. ―Uma ideia realmente ridícula. A ideia de que todas as mulheres deveriam receber a mesma mensagem em razão do seu gênero – ou todos os afro-americanos por causa de sua raça.‖ O que Nix quis dizer é que, enquanto as outras campanhas até agora baseavam-se em demografia, a Cambridge Analytica estava usando psicometria. [...]

387 KROGERUS, Mikael; GRASSEGGER, Hannes. Big Data: toda democracia será manipulada? apud CALDEIRA, João Paulo. A manipulação da democracia através do Big Data, por Hannes Grassegger e Mikael Krogerus. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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Nix explica candidamente como sua empresa faz isso. Primeiro, a Cambridge Analytica compra dados pessoais de um conjunto de fontes diferentes, como registros de imóveis, dados automotivos, dados de compras, cartões de bônus, associação a clubes, quais revistas você lê, que igrejas frequenta. Nix exibe o logo de corretores de dados que operam globalmente, como a Acxiom e a Experian – nos EUA, quase todos os dados pessoais estão à venda. Por exemplo, se você quer saber onde mulheres judias vivem, pode simplesmente comprar essa informação, inclusive números de telefone. Então, a Cambridge Analytica agrega esses dados com os registros eleitorais do partido Republicano e dados online e calcula um perfil Big Five de personalidade. De repente, as pegadas digitais tornam-se pessoas reais, com medos, necessidades, interesses e endereços residenciais. A metodologia parece bem semelhante àquela que Michal Kosinski desenvolvera lá atrás. A Cambridge Analytica também usa, disse Nix, ―pesquisas nas mídias sociais‖ e dados do Facebook. E a empresa faz exatamente aquilo para o que Kosinski alertara: ―Traçamos o perfil de personalidade de todos os adultos nos Estados Unidos da América – 220 milhões de pessoas‖, vangloriou-se Nix.

Tal tratamento de big data gera para a democracia um perigo central: aprofundar a já presente prática de tratar as campanhas eleitorais como produtos de marketing, onde apenas candidatos com as maiores arrecadações para financiamento de suas campanhas serão capazes de contratar. Tal processo vai na contramão do que o Brasil aprovou recentemente em relação aos financiamentos de campanhas, proibindo o financiamento empresarial. É possível, ainda, que outro fenômeno seja reforçado: a candidatura de empresários milionários que auto financiam suas próprias campanhas, o que pode desequilibrar ainda mais uma disputa eleitoral verdadeiramente democrática, com candidatos que representem todas as camadas da população. Outras questões igualmente relevantes sobre o impacto do big data na sociedade e, mais especificamente em processos eleitorais poderiam ser tratados, como por exemplo, o quanto tais instrumentos podem ser ainda mais manipulados com a disseminação de fake news, ou notícias falsas, como a imprensa divulgou. Google, Facebook e Twitter foram usados por operadores russos para disseminar notícias falsas a favor de Trump388. O que se pretende demonstrar é que é preciso transparência das empresas que operam esses dados, tendo em vista que a capacidade de influenciar a sociedade é inegável. E, como será indicado, mesmo com toda a transparência possível, ainda assim podem ser responsabilizados por danos sofridos individuais e/ou coletivamente, moral ou materialmente.

388 FOLHA DE SÃO PAULO. Google admite que russos usaram site para interferir na eleição dos EUA. Disponível em . Acesso em 28 set 2017 166

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Mesmo ainda sem transparência em seus algoritmos, Google e Facebook, tomaram algumas medidas para tentar evitar a disseminação das fake news. Ambas decidiram em novembro de 2016, logo após as eleições presidenciais nos EUA, que não receberiam permitiriam que os sites que divulgam notícias falsas não poderiam utilizar os serviços online de publicidade389. Percebendo não ser suficiente, e que os algoritmos não conseguem distinguir o que é notícia falsa de notícia verdadeira, o Google inseriu uma informação junto ao que ele detectar como sendo notícia falsa, como um selo de verificação. A informação não é tão fácil de visualizar e, portanto, não chama tanto a atenção quanto deveria do usuário da internet e é peneirada por agências especializadas em fact-cheking, ou checagem de fatos com as quais o Google firmou parceria390. Outras questões importantes também devem ser pensadas pela sociedade civil, por órgãos que atuam na cibercultura e pelos governos para que se proponha e exija mais transparência e mudanças nos algoritmos das grandes empresas que atuam de forma quase isolada em determinados segmentos no ciberespaço. Tais algoritmos, que operam através de machine learning, tem apresentado falhas gravíssimas não só nas questões políticas eleitorais, mas em diversas outras. É preciso discutir o quanto será possível deixar avançar tais tecnologias baseadas em IA e se é viável delinear limites, tema que será retomado no último subcapítulo.

3.2 Termos de uso do buscador Google e o Código de Defesa do Consumidor

As disposições sobre os termos de uso do Google são muitas e abarcam diversos dos seus serviços, como Gmail, You Tube, Google Maps, Google Chrome, entre outros391. Não será possível comentar todos os dispositivos, apenas os mais relevantes para compreender a proteção que se estende ao consumidor do buscador Google. Os termos de uso e de privacidade de qualquer das corporações de quem rotineiramente adquirimos produtos e serviços estão inseridos no já mencionado contrato de adesão. Com o buscador Google não é diferente e, como visto, mesmo que

389 CANO, Rosa Jiménez. Facebook e Google declaram guerra aos sites de notícias falsas. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 390 JUNIOR, Alessandro. O selo de verificação de fatos do Google é bem sutil e um pouco confuso. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 391 GOOGLE. Termos de serviço do Google. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 167

168 não haja, por qualquer razão, o aceite do consumidor contratante e compra e venda do produto ou a prestação do serviço ocorra, o consumidor estará protegido pela legislação competente, dentre elas, o Código de Defesa do Consumidor. Uma das cláusulas do termo afirma: ―Ao usar nossos Serviços, você está concordando com estes termos. Leia- os com atenção‖392. Muito embora todos os contratos de adesão, tanto aqueles onde há uma assinatura do consumidor, ou, ao menos, a (única) alternativa em clicar na opção de aceitar os termos do contrato, afirmem que, ao assiná-lo, o consumidor concorda com todos os termos estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor e é obrigado a cumpri- los, a legislação consumerista (e até mesmo a civil em alguns casos393), dispõe de forma distinta. Não é demais reforçar, ainda, que, muito embora tente se isentar, o buscador Google é um fornecedor de serviço nos moldes do artigo 3º do CDC, na modalidade de prestador de serviço, tendo em vista que presta um serviço, uma ―[...] atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração [...]‖394, qual seja, o de fornecer resultados para uma consulta realizada em sua página e a partir do seu algoritmo. E, também como visto, embora se trate de uma atividade aparentemente gratuita, há o que se denomina por remuneração indireta, tendo em vista que a corporação se sustenta com os anúncios que exibe, bem como com a venda de diversas informações dos consumidores e usuários para outras empresas395. A questão que irá definir ou não a aplicação do CDC em uma relação entre um usuário do buscador Google e a empresa é a caracterização desse usuário como consumidor. Para isso, é necessário aplicar uma das teorias de consumidor destinatário final. Como já adiantado, a teoria adotada no presente trabalho é a de bem de consumo e bem de capital. Desta forma, todos os usuários do buscador Google, podem ser considerados consumidores e estão protegidos sob a égide do CDC. E para

392 GOOGLE. Termos de serviço do Google. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 393 Art. 423, CC. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424, CC. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 394 Art. 3°, CDC. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. 395 Conforme Capítulo 2. 168

169 consumidores pessoa jurídica vale ressaltar que existe, em tese, a possibilidade de se diminuir contratualmente a indenização por parte do fornecedor, conforme artigo 51, I, CDC. Nos Termos de Serviço, o Google deliberadamente ignora questões de soberania nacional e de competência, mesmo ciente que, no Brasil a legislação a ser aplicada é a nacional e o foro competente para conflitos derivados de relação de consumo é o do domicílio do consumidor396:

As leis da Califórnia, EUA, excluindo as normas da Califórnia sobre conflitos de leis, serão aplicáveis a quaisquer disputas decorrentes de ou relacionadas com estes termos ou Serviços. Todas as reclamações decorrentes de ou relacionadas com estes termos ou Serviços serão litigadas exclusivamente em tribunais estaduais ou federais da Comarca de Santa Clara, Califórnia, EUA, e você e o Google autorizam a jurisdição pessoal nesses tribunais397.

Como visto no Capítulo 1, o direito humano à comunicar-se engloba os tradicionais direitos humanos tidos como individuais, mas que são, a partir do reconhecimento dos direitos de coletividade, notadamente os de terceira dimensão, como o próprio direito à comunicação, também tidos como direitos difusos e/ou coletivos. E as então liberdades individuais são percebidas agora como liberdades coletivas em sentido amplo. As liberdades de pensamento, opinião, de expressão, de informação são os basilares para se interpretar esses e outros direitos humanos constitucionalizados, como o direito à intimidade, à imagem, à honra e à vida privada, além de serem os norteadores para o princípio da transparência, do qual decorre o direito básico à informação nas relações de consumo. E de acordo com o que já foi apresentado no Capítulo 2, a informação deve ser clara e adequada o suficiente para que o consumidor tenha conhecimento pleno sobre o produto ou serviço adquiridos. Desta forma, segundo entendimento já delineado, pode- se arriscar afirmar que sempre haverá defeito de informação, tendo em vista que nenhum produto ou serviço oferece todas as informações necessárias, inclusive as informações contratuais. E não é diferente com o contrato fornecido pelo buscador Google, que não exige nem mesmo o aceite do consumidor para se concretizar.

396 Conforme artigo 101, I, CDC. Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; [...]. 397 GOOGLE. Termos de serviço do Google. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 169

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Os termos de uso fornecidos pelo Google especificamente sobre o buscador Google apontam apenas poucos tópicos, como: Ver e controlar sua atividade de pesquisa; Atualizar seu local no Google; Excluir histórico de pesquisa e outros dados e Alterar seu idioma no Google, resumindo, basicamente em instruções de configurações do funcionamento, sem esclarecer pontos essenciais sobre eles, como, por exemplo, que o direito à privacidade e à vida privada protegem o direito individual de, por qualquer motivo, não querer informar o sua localização através de seu número de Internet Protocol (IP) para uma empresa privada como o Google398. As cláusulas também não explicam e nem indicam claramente onde encontrar um elemento essencial: como funciona o buscador Google, ou seja, como realmente opera o algoritmo PageRank. Nem mesmo nas instruções destinadas aos profissionais que gerenciam outros profissionais que desenvolvem páginas, chamados os primeiros de webmasters e os segundos de webdesigners, o Google explica exatamente o modo de operar do algoritmo, sob a alegação que ele é patenteado. A seguir, no próximo subcapítulo, serão apresentados alguns pontos importantes sobre o que o Google denominou de Diretrizes para Webmasters399. Todos os links contendo informações contratuais do Google desrespeitam o CDC em vários aspectos. Um deles é em relação às cláusulas restritivas. O artigo 54, §§ 3ºe 4º do CDC, assim determina:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. [...] § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão (grifo nosso).

Um dos poucos parágrafos onde há o destaque sobre limitações dos direitos dos consumidores, é nos termos de serviço400, acerca da isenção da responsabilidade e de

398 GOOGLE. Guia de Privacidade dos Produtos do Google. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 399 GOOGLE. Diretrizes para webmasters. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 400 GOOGLE. Termos de serviço do Google. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 170

171 qualquer garantia sobre a qualidade da prestação do serviço do Google e seus associados. Em verdade, em pouquíssimos casos é possível restringir algum direito do consumidor, tendo em vista que as cláusulas contratuais não podem: estabelecer ―[...] obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade‖401 e nem estar ―em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor‖402. E em relação à responsabilidade, como visto no capítulo 2, não é possível para o fornecedor se isentar da responsabilidade, dado que ela é objetiva403 e solidária404 aos danos morais e/ou materiais causados aos consumidores. A única possibilidade de diminuir a responsabilidade seria a supra mencionada hipótese de um consumidor pessoa jurídica ter a indenização mitigada, em situações justificáveis. Em relação à Política de Privacidade estabelecida unilateralmente pelo Google, é possível afirmar que quase todas as cláusulas desrespeitam tanto as liberdades e direitos acolhidos pelo direito humano à comunicar-se, quanto especificamente a legislação consumerista. Princípios e direitos basilares são desrespeitados e, portanto, todos aqueles que deles derivam também. Os direitos à intimidade, vida privada e à imagem, garantidos dentro do espectro dos direitos à comunicação e do direito humano à comunicar-se estão sendo relativizados na Era da Informação. A partir de produções de novas subjetividades, aqueles que transitam pelas sociedades em rede transferem gratuitamente informações pessoais a essas grandes corporações do meio digital em troca de alguns serviços por elas prestados. E tais serviços também moldam e produzem novas subjetividades a ponto de grande parte de a sociedade tornar-se absolutamente dependente deles.

401 Art. 51, IV, CDC. 402 Art. 51, XV, CDC. 403 Independentemente da existência de culpa, tanto pelo fato como pelo vício na prestação de serviço, conforme art. 14, CDC: ―Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos‖ e artigo 20, CDC: ―Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha‖. 404 Todos os envolvidos respondem, de acordo com o art. 7º parágrafo único, CDC: ―Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo‖. 171

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E diversos termos utilizados na Política de Privacidade fazem parte da produção dessas subjetividades capitalísticas. Alguns deles são a espinha dorsal, conceitos-chave, a partir dos quais são aplicados determinados tratamentos jurídicos:

Informações que coletamos Coletamos informações para fornecer serviços melhores a todos os nossos usuários, desde descobrir coisas básicas, como o idioma que eles falam, até coisas mais complexas, como anúncios que o usuário pode considerar mais úteis, as pessoas on-line que são mais importantes para o usuário ou os vídeos do YouTube dos quais o usuário poderá gostar405(grifo nosso).

Afirmar que as informações são coletadas para fornecer serviços melhores é uma das principais construções que é rotineiramente inserida nos contratos, quase como se fosse um benefício ao consumidor receber, o tempo todo em que navega na rede, anúncios publicitários baseados naquilo que os algoritmos entendem como sendo as preferências daquela pessoa. Essa é só uma das variantes, pois o próprio mecanismo de busca do Google devolve os resultados de acordo não só com o termo pesquisado, mas com essas informações que são apropriadas pela empresa, como será visto no próximo subcapítulo. Outra questão também pode ser levantada, tendo em vista que o Google não coleta as informações para oferecer melhores serviços, e sim porque isso é a sua principal fonte de renda: os anúncios que oferece em suas páginas. E tais anúncios são justamente direcionados de acordo com as informações coletadas por todos os serviços do Google, como You Tube, Gmail, Google Maps, entre outros. No primeiro trimestre de 2017, o faturamento com receitas relativas aos anúncios aumentou:

A receita publicitária da Alphabet, que representa a maior parte do negócio, subiu 18,8%, para US$ 21,41 bilhões no primeiro trimestre. A receita total da companhia cresceu 22,2% para US$ 24,75 bilhões, ante US$ 20,26 bilhões406.

Os dados que o Google recolhe sem nossa autorização expressa, haja vista não há nem mesmo o meramente formal aceite no contrato de prestação de serviços, são

405 GOOGLE. Política de Privacidade. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 406 Reuters. Alphabet, dona do Google, registra lucro 29% maior no 1º trimestre de 2017. Entre janeiro e março, empresa lucrou US$ 5,43 bilhões e teve receita de US$ 24,75 bilhões. https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/alphabet-dona-do-google-registra-lucro-29-maior-no-1-trimestre- de-2017.ghtml 172

173 muitos e passam até mesmo pelo número do cartão de crédito, caso o consumidor tenha contratado alguma prestação de serviço pago através de cartão de crédito:

Coletamos informações das seguintes maneiras: Informações que o usuário nos transmite. Por exemplo, muitos de nossos serviços exigem que o usuário se inscreva em uma Conta do Google. Quando o usuário abre essa conta, pedimos informações pessoais, como nome, endereço de e-mail, número de telefone ou cartão de crédito para armazenar com a conta. Se o usuário quiser aproveitar ao máximo os recursos de compartilhamento que oferecemos, podemos também pedir a ele que crie um Perfil do Google visível publicamente, que pode incluir nome e foto. Informações que coletamos a partir do uso que o usuário faz dos nossos serviços. Coletamos informações sobre os serviços que o usuário utiliza e como os usa, por exemplo, quando assiste a um vídeo no YouTube, visita um website que usa nossos serviços de publicidade ou quando vê e interage com nossos anúncios e nosso conteúdo. Essas informações incluem: Informações do dispositivo Coletamos informações específicas de dispositivos (por exemplo, modelo de hardware, versão do sistema operacional, identificadores exclusivos de produtos e informações de rede móvel, inclusive número de telefone). A Google pode associar identificadores de dispositivo ou número de telefone à Conta do Google do usuário. Informações de registro Quando o usuário utiliza nossos serviços ou vê conteúdo fornecido pela Google, nós coletamos e armazenamos automaticamente algumas informações em registros do servidor. Isso inclui: - detalhes de como o usuário utilizou nosso serviço, como suas consultas de pesquisa. - informações de registro de telefonia, como o número de seu telefone, número de quem chama, números de encaminhamentos, horário e data de chamadas, duração das chamadas, informações de identificador de SMS e tipos de chamadas. - Endereço de protocolo de Internet (IP) - informações de evento de dispositivo como problemas, atividade de sistema, configurações de hardware, tipo de navegador, idioma do navegador, data e horário de sua solicitação e URL de referência. - cookies que podem identificar exclusivamente seu navegador ou sua Conta do Google. Informações do local Quando o usuário utiliza os serviços da Google, podemos coletar e processar informações sobre a localização real dele. Além disso, usamos várias tecnologias para determinar a localização, como endereço IP, GPS e outros sensores que podem, por exemplo, fornecer à Google informações sobre dispositivos, pontos de acesso Wi-Fi e torres de celular próximos. Números de aplicativo exclusivos Determinados serviços incluem um número de aplicativo exclusivo. Este número e as informações sobre sua instalação (por exemplo, o tipo de sistema operacional e o número da versão do aplicativo) devem ser enviados à Google quando o usuário instalar ou desinstalar esse serviço ou quando esse serviço entrar em contato periodicamente com nosso servidores, como para atualizações automáticas. Armazenamento local Podemos coletar e armazenar informações (inclusive informações pessoais) localmente em seu dispositivo usando mecanismos como armazenamento no navegador da web (inclusive HTML 5) e caches de dados de aplicativo. Cookies e tecnologias semelhantes

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Nós, juntamente com nossos parceiros, usamos várias tecnologias para coletar e armazenar informações quando o usuário visita um serviço da Google. Tais informações podem incluir o uso de cookies ou tecnologias semelhantes para identificação do navegador ou dispositivo do usuário. Também usamos essas tecnologias para coletar e armazenar informações quando o usuário interage com serviços que oferecemos a nossos parceiros, como serviços de publicidade ou recursos da Google que possam aparecer em outros sites. Nosso produto Google Analytics ajuda empresas e proprietários de sites a analisar o tráfego nos respectivos websites e apps. Quando as informações do Google Analytics são usadas com nossos serviços de publicidade, como os que usam o cookie DoubleClick, elas são vinculadas a informações sobre visitas a diversos sites, pelo cliente do Google Analytics ou pela Google, por meio da tecnologia da Google (grifos do autor).

Ao listar todas essas informações acima, as grandes corporações do meio ambiente digital e nelas incluídas o Google as diferenciam em duas categorias: informações pessoais e informações comuns. As informações pessoais somente são assim consideradas:

Informações pessoais São as informações fornecidas que identificam o usuário pessoalmente, como nome, endereço de e-mail ou informações de cobrança, ou ainda outros dados que possam ser razoavelmente vinculados a essas informações pelo Google, como as informações que associamos à Conta do Google do usuário407 (grifo do autor).

Ao considerar apenas informações que identifiquem pessoalmente o usuário como sendo informações pessoais, faz parecer com que as outras informações coletadas sejam informações aparentemente sem importância e que como muitas delas são oferecidas pelo próprio consumidor ao navegar pelas páginas dos serviços do Google, como quando o buscador capta quais as palavras ou expressões foram pesquisadas, não haveria problema algum em se utilizar delas. Mesmo com essa divisão em informações pessoais e não pessoais, o Google admite claramente que mesmo nossas informações pessoais podem ser (e realmente são) compartilhadas com outras empresas afiliadas ou não a ele:

Informações que compartilhamos Não compartilhamos informações pessoais com empresas, organizações e indivíduos externos à Google, salvo em uma das seguintes circunstâncias:  Com sua autorização Compartilharemos informações pessoais com empresas, organizações ou indivíduos externos à Google quando tivermos sua autorização para isso.

407 GOOGLE. Termos-chave. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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Solicitamos autorização (―opt-in‖) para compartilhamento de quaisquer informações sensíveis de caráter pessoal.  Com administradores de domínios Se sua Conta do Google for administrada por um administrador de domínio (por exemplo, para usuários do G Suite), então seu administrador de domínio e revendedores que fornecem suporte de usuário a sua organização terão acesso às informações de sua Conta do Google (inclusive dados de e-mail e outros dados). Seu administrador de domínio pode ser capaz de: o visualizar estatísticas de sua conta, como estatísticas relacionadas a aplicativos que o usuário instala. o alterar a senha de sua conta. o suspender ou encerrar o acesso a sua conta. o acessar ou reter informações armazenadas como parte de sua conta. o receber informações de sua conta para satisfazer qualquer legislação, regulação, processo legal ou solicitação governamental aplicável. o restringir sua capacidade de excluir ou editar informações ou configurações de privacidade. Por favor, consulte a política de privacidade de seu administrador para mais informações.  Para processamento externo Fornecemos informações pessoais a nossas afiliadas ou outras empresas ou pessoas confiáveis para processá-las para nós, com base em nossas instruções e em conformidade com nossa Política de Privacidade e quaisquer outras medidas de segurança e de confidencialidade adequadas.  Por motivos legais Compartilharemos informações pessoais com empresas, organizações ou indivíduos externos à Google se acreditarmos, de boa-fé, que o acesso, uso, conservação ou divulgação das informações seja razoavelmente necessário para: o cumprir qualquer legislação, regulação, processo formal ou solicitação governamental aplicável. o cumprir Termos de Serviço aplicáveis, inclusive investigação de possíveis violações. o detectar, impedir ou abordar de alguma outra forma fraude, questões técnicas ou de segurança. o proteger contra dano aos direitos, a propriedade ou a segurança da Google, nossos usuários ou o público, conforme solicitado ou permitido por lei. Podemos compartilhar informações que não sejam pessoalmente identificáveis publicamente e com nossos parceiros, como sites de editores, anunciantes ou sites relacionados. Por exemplo, podemos compartilhar informações publicamente para mostrar tendências sobre o uso geral dos nossos serviços (grifos do autor)408.

As informações que identificam pessoalmente o usuário, como nome, endereço, endereço de email, dados pessoais como RG e CPF, entre outros, devem receber tratamento e cuidado diferenciado por parte de qualquer um que mantenha o cadastro pessoal de um consumidor e não podem ser divulgadas, a não ser com expressa autorização do mesmo. Como já afirmado, o sistema jurídico deve ser interpretado de forma sistêmica e principiológica. Desta forma, os direitos humanos à privacidade, intimidade, vida

408 GOOGLE. Política de Privacidade. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 175

176 privada e imagem que foram constitucionalizados em 1988, bem como o Marco Civil da Internet, a Lei nº 12.965/2014, apresentam suporte suficiente para tal hermenêutica. O Marco Civil da Internet é aplicado em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo entre os prestadores de serviço e consumidores ocorridas na internet. E embora ambas sejam leis especiais, prevalece o Código de Defesa do Consumidor quando houver algum conflito entre ambas, tendo em vista que o CDC é lei de ordem pública e interesse social e, portanto, de aplicabilidade obrigatória quando se estabelece uma relação de consumo:

[...] Por fim, ainda neste tópico, destaque-se que as normas ora instituídas são de ordem pública e interesse social, o que equivale dizer que são inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo, embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial, como, por exemplo, ao tratar o Código da convenção coletiva de consumo em seu art. 107, dispondo que ―as entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular,, por convenção escrita, relações de consumo tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, a garantia e característica de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo‖. O caráter cogente, todavia, fica bem marcado, sobretudo na Seção II do Capítulo VI ainda do Título 1, quando se trata das chamadas ―cláusulas abusivas‖, fulminadas de nulidade (cf. 51 do Código), ou então já antes, nos arts. 39 a 41 que versam sobre as ―práticas abusivas‖. E, com efeito, consoante bem anotado por Nilton da Silva Combre409 ao comentar o dirigismo contratual, ―ocorre(...) que certas relações jurídicas sofrem, cada vez mais, a intervenção do Estado na sua regulamentação; é o fenômeno que se denomina de dirigismo contratual‖. ―Como observa José Lopes de Oliveira (Contratos, cit., p. 9)‖ – argumenta, ―é frequentemente sob o império da necessidade que o indivíduo contrata; daí ceder facilmente ante a pressão das circunstâncias; premido pelas dificuldades do momento, o economicamente mais fraco cede sempre às exigências do economicamente mais forte; e transforma em tirania a liberdade, que será de um só dos contratantes; tanto se abusou dessa liberdade durante o liberalismo econômico, que não tardou a reação, criando- se normas tendentes a limitá-las; e assim, surgiu um sistema de leis e garantias, visando impedir a exploração do mais fraco‖. Ao dizer que esse dirigismo tem-se verificado tradicionalmente em matéria locatícia, o citado autor enfatiza que ―visando impedir a exploração do mais fraco pelo mais forte, e os abusos decorrentes do acentuado desequilíbrio econômico entre as partes, o Estado procura regular, através de disposições legais, cogentes, o conteúdo ,de certos contratos, de modo que as partes fiquem obrigadas a aceitar o que está previsto na lei, não podendo, naquelas matérias, regular diferentemente seus interesses‖. [...] Eis, por conseguinte, a extensão relevante da enunciação do art. lº do Código do Consumidor ao cunhar as locuções ―ordem pública‖ e ―interesse Social‖.

409 COMBRE, Nilton da Silva. In: Teoria e Prática da Locação de Imóveis, Editora Saraiva, 1985, p. 789 apud FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I: disposições gerais, art. 1º ao 3º in GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 20-42. 176

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No que tange, agora especificamente, ao ―interesse social‖, tenha-se em conta que o Código ora comentado visa a resgatar a imensa coletividade de consumidores da marginalização não apenas em face do poder econômico, como também dota-la de instrumentos adequados para o acesso à justiça do ponto de vista individual e sobretudo coletivo. Assim, embora destinatária final de tudo que é produzido em termos de bens e serviços, a comunidade de consumidores é sabidamente frágil em face da outra personagem das relações de consumo, donde pretende o Código do Consumidor estabelecer o necessário equilíbrio de forças. E para tanto, como se verá noutros passos desta obra, haverá muitas vezes que tratar desigualmente as duas personagens das sobreditas relações de consumo - fornecedores e consumidores -, porque claramente desiguais410.

O Marco Civil da Internet, como legislação que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, assegurou, de forma principiológica e também de forma expressa a privacidade dos consumidores e/ou usuários da rede. O artigo 2º assegura como um dos fundamentos do uso da internet os direitos humanos, muito embora tenha sido apenas uma reafirmação mais específica, tendo em vista que países democráticos têm como fundamento os direitos humanos:

Art. 2o A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede (grifo nosso).

O artigo 3º é mais específico e também reafirma o que já é assegurado no rol dos direitos individuais e coletivos da Constituição Federal de 1988, garantindo a proteção à privacidade e aos dados pessoais:

Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede;

410 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I: disposições gerais, art. 1º ao 3º in GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 20-42 177

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VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

A proteção dos dados pessoais assegurada no artigo 3º, III foi condicionada à uma outra lei que a regulamente e, por enquanto, apenas um decreto que regulamentou o Marco Civil foi promulgado, o Decreto nº 8.771/16, mas que não enfrentou diretamente o tema, dispondo sobre alguns poucos aspectos da requisição de dados cadastrais e dos padrões de segurança e sigilo dos registros, dados pessoais e comunicações privadas. Entretanto, o artigo 7º foi bastante claro, entre outras proteções, acerca da necessidade de consentimento expresso para coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, exigindo, ainda, que tal consentimento seja de forma destacada das demais cláusulas contratuais, bem como o fornecimento a terceiros de tais dados pessoais (incisos VII e IX):

Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; VI - informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; VII - não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; VIII - informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet; IX - consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais; X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;

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XI - publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet; XII - acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet (grifo nosso).

E o artigo 8º complementa o que já garantem a CF/88 em relação à privacidade e o Código de Defesa do Consumidor ao reafirmar a proibição de ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas pela internet, bem como o óbvio estabelecimento de foro brasileiro para demandas advindas de serviços prestados aqui no Brasil, explicitando que tais cláusulas são nulas de pleno direito:

Art. 8o A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que: I - impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou II - em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil.

Mais uma vez o Marco Civil apenas reitera proteções já garantidas anteriormente em outros diplomas legais, como em declarações internacionais sobre direitos humanos que o Brasil ratificou, na Constituição Federal de 1988, ou no CDC, o que, por si só, demonstra que, não apenas em relação aos direitos dos consumidores no meio ambiente digital, mas em tantas outras áreas o direito não resolve os conflitos e nem é capaz de assegurar direitos humanos reconhecidos há séculos em grande parte das sociedades democráticas, tema que será retomado no último subcapítulo do trabalho.

3.3 Algoritmos do buscador Google

O PageRank, como já afirmado, é um dos algoritmos do buscador Google e seu funcionamento não é totalmente informado, já que o Google assevera estar protegido pela patente do algoritmo. Um algoritmo como o PageRank é realmente complexo e mesmo com alguns elementos disponibilizados pelo próprio Google, profissionais da área, estudiosos e curiosos se debruçam sobre os dados para tentar entendê-lo. Algumas explicações básicas e iniciais transmitidas na página do Google são:

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Algoritmos Você quer a resposta, e não trilhões de páginas da web. Os algoritmos são programas de computador que buscam pistas para retornar exatamente o que você procura. Existem milhares ou milhões de páginas com informações úteis para uma consulta típica. Os algoritmos são os processos e fórmulas de computador que transformam as perguntas em respostas. Atualmente, os algoritmos do Google utilizam mais de 200 sinais ou "pistas" diferentes para adivinhar o que você realmente procura. Esses sinais incluem coisas como os termos em websites, a atualização do conteúdo, a região do usuário e o PageRank. Projetos de pesquisa O processo de pesquisa e a página de resultados envolvem muitos componentes, e nós atualizamos constantemente nossas tecnologias e sistemas para oferecer resultados melhores. Muitas dessas mudanças incluem inovações interessantes, como o Painel do conhecimento ou o Google Instant. Existem outros sistemas importantes que exigem ajustes e refinamentos constantes. Esta lista de projetos oferece um vislumbre dos inúmeros aspectos da pesquisa. Respostas Apresenta respostas imediatas e informações sobre assuntos como o tempo, resultados esportivos e fatos rápidos. Preenchimento automático Prevê o que você pode estar procurando. Inclui a interpretação de termos com mais de um significado. Google Instant Apresenta resultados imediatos enquanto você digita411.

Interessantes são alguns termos utilizados, como no título algoritmos, quando afirma que ―Você quer a resposta, e não trilhões de páginas da web‖, dando a entender que outros mecanismos de busca não lhe dão a resposta que você deseja. Juntamente com a explicação que o Google Instant é capaz de apresentar resultados imediatos enquanto você ainda digita, remete a uma ideia de velocidade, de que não temos tempo a perder quando se trata de buscas na rede. Além disso, reflete uma informação que o Google não disponibiliza claramente: a de que ele armazena não só os dados daquilo que o consumidor efetivamente digita e clica na tecla enter, mas também aquilo que o consumidor digita total ou parcialmente e não submete para o buscador pesquisar, ou seja, não clica na tecla enter. O chamado preenchimento automático revela a intenção do buscador: tentar prever a mente humana. Algumas dúvidas podem surgir, como se há também a intenção de sugerir não exatamente o que o consumidor estava pensando, mas outros resultados, como páginas de anunciantes, por exemplo. Tal desconfiança não parece ser infundada, como se verá adiante. Outras informações básicas sobre o buscador do Google estão à disposição na página da corporação:

411 GOOGLE. Algoritmos. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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Imagens Mostra resultados baseados em imagens com miniaturas para que você possa escolher a página a visitar com apenas um olhar. Indexação Usa sistemas para a coleta e o armazenamento de documentos na Web. Painel do conhecimento Fornece resultados com base em um banco de dados de pessoas do mundo real, além de lugares, coisas e das conexões entre todos. Celular Inclui melhorias concebidas especificamente para dispositivos móveis como tablets e smartphones. Notícias Inclui resultados de jornais on-line e blogs de todo o mundo. Interpretação de consultas Extrai o significado mais profundo das palavras que você digita. Refinamentos Oferece recursos como a pesquisa avançada, pesquisas relacionadas e outras ferramentas de pesquisa, todos destinados a ajudá-lo a refinar sua pesquisa. SafeSearch Reduz a quantidade de páginas da Web, imagens e vídeos impróprios para menores nos resultados. Métodos de pesquisa Possibilita novas formas de pesquisar, como a pesquisa por imagem e a pesquisa por voz. Qualidade do site e das páginas Utiliza um conjunto de sinais para determinar a confiabilidade, reputação ou autoridade de uma fonte. Um desses sinais é o PageRank, um dos primeiros algoritmos do Google, que examina os links entre as páginas para determinar sua relevância. Snippets Mostra pequenas visualizações de informações, como o título da página e um texto descritivo curto, para cada resultado da pesquisa. Ortografia Identifica e corrige possíveis erros de ortografia e oferece alternativas. Sinônimos Reconhece palavras com significados semelhantes. Tradução e internacionalização Refina os resultados de acordo com seu idioma e país. Pesquisa universal Mistura conteúdo relevante como imagens, notícias, mapas, vídeos e seu conteúdo pessoal em uma única página de pesquisa unificada. Conteúdo de usuário Fornece resultados mais relevantes baseados na região geográfica e Histórico da Web, entre outros critérios. Vídeos Mostra resultados baseados em vídeo com miniaturas para que você possa escolher rapidamente o vídeo a assistir. A evolução da pesquisa Nosso objetivo é fazer com que você obtenha a resposta desejada mais rapidamente, estabelecendo uma conexão praticamente perfeita entre você e o conhecimento que procura. Se você está interessado em aprofundar seus conhecimentos sobre a evolução da pesquisa, este vídeo destaca alguns recursos importantes, como os resultados universais e as respostas rápidas. Experiências: da ideia à implementação Uma alteração algorítmica típica começa quando um de nossos engenheiros tem uma ideia sobre como melhorar a pesquisa. Adotamos uma abordagem com foco nos dados e todas as alterações algorítmicas propostas são submetidas a amplas avaliações de qualidade antes de sua implementação.

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Os engenheiros normalmente começam conduzindo uma série de experiências, ajustando pequenas variáveis e analisando os comentários dos colegas até que estejam satisfeitos e prontos para liberar a experiência para um público maior. Diretrizes para avaliadores da qualidade de pesquisa Este documento é uma versão de nossas diretrizes para avaliadores da qualidade de pesquisa. As diretrizes são usadas como material de treinamento para os avaliadores de pesquisa. O documento se concentra em um tipo de tarefa de classificação denominado "classificação de URL". Neste tipo de tarefa, o avaliador analisa uma consulta de pesquisa e um possível resultado. A relevância do resultado em relação à pesquisa é avaliada em uma escala descrita no documento. Parece simples, certo? Porém, como você pode ver, existem muitos casos complicados a considerar412.

No tópico Indexação, é mencionado que o buscador utiliza sistemas para a coleta e o armazenamento de documentos na Web, e no tópico Qualidade do site e das páginas somente cita que o algoritmo examina os links entre as páginas para determinar sua relevância para determinar a confiabilidade, reputação ou autoridade de uma fonte. Sem, mais uma vez, esclarecer como. Dentre os tópicos mais importantes, o que trata do Conteúdo de usuário continua apenas fazendo alusões bastante genéricas sobre os resultados de busca com base na geolocalização, histórico de acessos na rede e outros critérios, sem elucidar que o algoritmo utiliza o aprendizado de máquina além de, como já foi dito, utilizar nossas informações, coletadas sem nosso consentimento expresso e, portanto, de maneira ilícita. As informações um pouco mais detalhadas sobre o buscador encontram-se dirigidas aos profissionais da área de desenvolvimento de páginas da internet, pouco se preocupando apresentar de forma clara e adequada as informações ao consumidor sobre o funcionamento de seu serviço. O Google, desta maneira, desrespeita os princípios da transparência e da boa-fé, assim como o direito básico à informação por parte dos consumidores usuários de seu buscador. Alguns elementos começam a ser mais detalhados quando o consumidor busca informações específicas sobre o algoritmo na página do Google.

Rastreamento e indexação A jornada de uma consulta começa antes mesmo que você digite sua pesquisa, com o rastreamento e a indexação de trilhões de documentos pela Web.

412 GOOGLE. Algoritmos. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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Como a pesquisa funciona Estes processos estabelecem o alicerce: eles são a forma como reunimos e organizamos as informações da Web de modo a retornar os resultados mais úteis para você. Nosso índice ultrapassa os 100.000.000 de gigabytes e exigiu mais de um milhão de horas de computação para ser construído. Saiba mais sobre os fundamentos com este breve vídeo. Localização de informações por meio da indexação Usamos programas conhecidos como "rastreadores da Web" para descobrir páginas disponíveis publicamente. O rastreador mais conhecido é chamado de "Googlebot". Os rastreadores analisam as páginas da Web e seguem os links contidos nelas, como você faz ao navegar na Internet. Eles avançam de link em link e transmitem aos servidores do Google os dados destas páginas da Web. O processo de rastreamento começa com uma lista de endereços da Web de rastreamentos anteriores e mapas de sites fornecidos pelos proprietários de websites. Ao acessar esses websites, nossos rastreadores procuram por links para outras páginas a visitar. O programa dá atenção especial a estes novos sites, a alterações em sites existentes e a links inativos. Programas de computador determinam os sites a rastrear, a frequência do rastreamento e o número de páginas a buscar em cada site. O Google não aceita pagamentos para aumentar a frequência do rastreamento de um site para os resultados de pesquisa na Web. Estamos mais preocupados em oferecer os melhores resultados possíveis, pois a longo prazo isto é o melhor para os usuários e, consequentemente, para nossa empresa. Opções dos proprietários de websites A maioria dos sites não precisa configurar restrições de rastreamento, indexação ou veiculação para que suas páginas estejam qualificadas para exibição nos resultados de pesquisa. Apesar disso, os proprietários de sites têm diversas opções relacionadas ao rastreamento e indexação de seus sites pelo Google, disponíveis por meio das Ferramentas do Google para webmasters e de um arquivo chamado "robots.txt". Com o arquivo robots.txt, os proprietários de sites podem optar por bloquear o rastreamento do Googlebot ou fornecer instruções mais específicas para o processamento de suas páginas. Os proprietários de sites possuem opções granulares e podem determinar o método de indexação do conteúdo por página. Por exemplo, podem preferir que suas páginas sejam exibidas sem snippets (o resumo da página exibido abaixo do título nos resultados de pesquisa) ou sem versões em cache (uma versão alternativa armazenada nos servidores do Google, caso a página não esteja disponível no momento). Os webmasters também podem optar por integrar a pesquisa em suas próprias páginas por meio da Pesquisa personalizada. Organização de informações por meio da indexação A Web é como uma biblioteca pública em constante expansão, com bilhões de livros e nenhuma administração centralizada. Essencialmente, o Google reúne as páginas durante o processo de rastreamento e cria um índice para que saibamos exatamente como encontrar o que procuramos. De forma muito semelhante ao índice na parte de trás de um livro, o índice do Google inclui informações sobre as palavras e onde podem ser encontradas. Quando você realiza uma pesquisa no nível mais básico, nossos algoritmos procuram os termos de sua pesquisa no índice para localizar as páginas adequadas. O processo de pesquisa torna-se muito mais complexo a partir daí. Quando você procura por "cães", você não quer ver uma página com a palavra "cães" escrita centenas de vezes. Você provavelmente quer imagens, vídeos ou uma lista de raças. Os sistemas de indexação do Google levam em consideração vários aspectos diferentes das páginas, como sua data de publicação, seu conteúdo em termos de fotos e vídeos, e muito mais. Com o Painel do conhecimento, continuamos a ir além da mera associação de palavras-chave para compreender melhor as pessoas, lugares e coisas que importam para você.

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Ferramentas do Google para webmasters Para saber mais sobre as ferramentas e recursos disponíveis para proprietários de sites, visite a Central do webmaster (grifos do autor)413.

O rastreamento e a indexação das páginas pelo Google e que posteriormente serão objeto de resultados de buscas são elementos centrais para esclarecer ainda mais que informações essenciais são no mínimo omitidas, quando não são falseadas dos consumidores do buscador. No item Localização de informações por meio da indexação, é afirmado que usam programas para rastrear e para descobrir páginas disponíveis publicamente. No entanto, omitem propositadamente, agindo novamente contrariamente aos princípios da transparência e da boa-fé nas relações de consumo, um dado fundamental:

Cerca de 300 anos. Esse é o tempo estimado pelo executivo-chefe do Google, Eric Schmidt, para catalogar toda a informação da internet e torná-la ―buscável‖. Segundo o chefão do Google, a quantidade de informação da internet chega a 5 milhões de terabytes – o número 5 seguido de 18 zeros! Desse absurdo total, apenas 170 terabytes foram catalogados até agora. Em termos porcentuais, isso dá apenas 0,0034% da informação disponível. Portanto, a imensa maioria das páginas da web está fora do índice do Google414.

Os motivos pelos quais apenas 0,0034% das páginas existentes em 2016 haviam sido rastreadas e indexadas pelo Google são técnicos e, até certo ponto justificáveis, dada a inimaginável quantidade de informação em toda a rede mundial de computadores. A questão é o modo como os termos utilizados pelo Google induzem o consumidor a erro, como quando, no item relativo a Organização de informações por meio da indexação, que utiliza uma metáfora para descrever que a internet é como uma biblioteca pública, com bilhões de livros e que essencialmente, o Google reúne as páginas durante o processo de rastreamento e cria um índice para que saibamos exatamente como encontrar o que procuramos, dando a entender que o Google teria acesso a toda essa biblioteca, o que não é verdade. Alguns dos referidos motivos técnicos que impedem o rastreamento de toda a internet, segundo o Google, são:

413 GOOGLE. Rastreamento e indexação: organização de informações por meio da indexação. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017.

414 MOTOMURA, Marina. Quanto tempo o Google demoraria para catalogar todas as páginas da internet? Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

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Isso porque os quatro robôs do Google [Googlebot] – softwares especiais que fazem a busca pelas páginas da web – conseguem juntos catalogar apenas 600 mil bytes por segundo. A esse ritmo, os robôs demorariam por volta de 270 anos (ou, arredondando, ―cerca de 300 anos‖) para indexar toda a informação da internet – isso considerando que a rede mundial de computadores continue no mesmo tamanho de hoje, o que é bem improvável. Entre as páginas mais difíceis de ser achadas pelo Google estão as dos sites feitos exclusivamente com programas como Flash, que não ―traduzem‖ em texto toda a informação, os sites com endereços com terminações ?id= seguidas de algarismos (isso rola muito em lojas virtuais, por exemplo), e sites com mais de cem links na página. Os mais ―acháveis‖, ao contrário, são sites com menos de cem links, que têm links em outras páginas apontando para eles e que têm informação bem organizada – com títulos e subtítulos, por exemplo415.

Uma vez esclarecido que o rastreamento das páginas do Google (e dos demais buscadores da internet também) é muito pequena perto de todo o conteúdo disponível na rede, é necessário mencionar como funciona a indexação das páginas já rastreadas pelo Google. De acordo com a própria página da empresa, ainda no mesmo item supra transcrito Organização de informações por meio da indexação citam que o Google considera vários aspectos das páginas rastreadas, como data de publicação, conteúdo em termos de fotos e vídeos e muito mais. Só, mais uma vez, dificulta o acesso para o entendimento claro para o consumidor comum do que seriam esses outros aspectos para a indexação. Em outra página, já destinada aos webmasters, o Google apresenta explicações iniciais sobre o rankeamento ou processo de ordem de importância para a publicação dos resultados:

Publicação de resultados Quando um usuário faz uma consulta, nossas máquinas pesquisam o índice de páginas correspondentes e retornam os resultados que acreditamos ser os mais relevantes para ele. A relevância é determinada por mais de 200 fatores, entre eles o PageRank de uma determinada página. O PageRank é a medida da importância de uma página com base nos links de entrada de outras páginas. Em outras palavras, cada link para uma página no seu site proveniente de outro site adiciona um PageRank ao seu site. Nem todos os links são iguais: o Google trabalha com afinco para melhorar a experiência do usuário, identificando links de spam e outras práticas que afetam negativamente os resultados da pesquisa. Os melhores tipos de links são aqueles retornados com base na qualidade do conteúdo. Para que seu site seja bem classificado nas páginas de resultados de pesquisa, é importante verificar se o Google pode rastrear e indexar o site corretamente. Nossas Diretrizes para webmasters destacam algumas das

415 MOTOMURA, Marina. Quanto tempo o Google demoraria para catalogar todas as páginas da internet? Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 185

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práticas recomendadas que podem ajudar você a evitar as armadilhas comuns e melhorar a classificação do seu site. Os recursos Você quis dizer e Preenchimento automático do Google foram projetados para ajudar os usuários a poupar tempo ao exibir termos relacionados, erros de ortografia comuns e as principais consultas. Como os nossos resultados de pesquisa do google.com.br, as palavras-chave usadas por esses recursos são geradas automaticamente por nossos rastreadores da Web e algoritmos de pesquisa. Exibimos essas previsões somente quando achamos que elas podem poupar o tempo do usuário. Se um site estiver bem classificado para uma palavra-chave, é porque determinamos com base em algoritmos que seu conteúdo é mais relevante para a consulta do usuário416.

O Google informa que são mais de 200 fatores que elegem a relevância das páginas indexadas, sem especificá-los. O PageRank é o primeiro algoritmo desenvolvido pelos criadores do Google417 e é um desses fatores. Diversas atualizações e modificações foram feitas neste primeiro algoritmo e muitos outros operam em conjunto. O PageRank determina a importância do site de acordo com o número de links da sua página em outras páginas, além de levar em consideração a relevância e a qualidade da dessas outras páginas, com base não apenas na associação de palavras- chave, mas de todos os seus dados e informações para, dessa forma, apresentar uma experiência personalizada418. O conteúdo destinado aos webmasters quanto ao funcionamento dos critérios de rankeamento são, no mínimo, incoerentes. Em uma das páginas sugere como princípio básico que não sejam criadas páginas pensando no funcionamento do buscador:

Princípios básicos  Crie páginas principalmente para os usuários, e não para os mecanismos de pesquisa.  Não engane seus usuários.  Evite truques para melhorar a classificação nos mecanismos de pesquisa. Um bom parâmetro é imaginar se você se sentiria à vontade se tivesse que justificar suas ações para um site concorrente ou a um funcionário do Google. Outro teste útil é perguntar a si mesmo: "Isso ajudará meus usuários? Eu faria isso se os mecanismos de pesquisa não existissem?"  Pense sobre o que faz seu site ser especial, valioso ou cativante. Faça ele se destacar da concorrência419.

416 GOOGLE. Como a pesquisa Google funciona. Disponível em . Acesso em 28 set 2017.

417 BRIN, Sergey; PAGE, Lawrence. The anatomy of a large-scale hypertextual web search engine. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 418 GOOGLE. Rastreamento e indexação: organização de informações por meio da indexação. Disponível em . Acesso em 21 nov. 2017. 419 GOOGLE. Esquemas de links. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 186

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Em outra página, destinada a um serviço que o Google oferece àqueles que têm páginas na rede, a sugestão é diferente, indicando que se quiser que sua página tenha um bom rankeamento, é necessário preocupar-se com isso desde a sua criação:

Saiba como criar sites incríveis Deseja criar um site incrível para os usuários e com boa classificação nos resultados da pesquisa? Confira nossos cursos e guias para desenvolver sites de alta qualidade e compatíveis com os mecanismos de pesquisa (grifo do autor)420.

As discussões sobre a necessidade de transparência a respeito do modo de operar dos algoritmos do buscador Google, bem como de muitos outros serviços prestados na internet, como o da rede social Facebook, ou da empresa de comércio eletrônico Amazon, dentre outros, estão se tornando cada vez mais frequentes. Especialmente quando há resultados com conteúdos preconceituosos, racistas, sexistas, entre outros. A Microsoft e o Facebook se retrataram quanto a um conteúdo sexista:

Vicente Ordóñez, professor de ciência da computação na Universidade da Virgínia, notou um padrão no software de reconhecimento de imagens que estava construindo: ao ver uma imagem de cozinha, por exemplo, o software automaticamente a associava a mulheres, mesmo em casos em que um homem aparecia na fotografia. Para avaliar se estavam alimentando o software com tendências de gênero, Ordóñez e sua equipe testaram duas grandes coletâneas de imagens para qualificar suas suspeitas com a ferramenta. As coletâneas de imagens usadas no teste foram lançadas para ajudar softwares a melhor entender o conteúdo de fotografias. Um desses catálogos é o ImSitu, criado pela Universidade de Washington, e o outro chama-se COCO, coordenado por Microsoft, Facebook e a startup MightyAI. Cada coleção possui mais de 100 mil imagens de cenas complexas catalogadas com descrições. Depois da avaliação, a equipe chegou à conclusão de que a atitude tendenciosa do programa de reconhecimento começa quando há a necessidade de associar objetos ao tipo de ambiente que eles pertencem. Mas não só isso: existe também um problema com as imagens disponibilizadas pelos catálogos de imagens que alimentam o software. ―Mais de 45% e 37% dos verbos e objetos, respectivamente, apresentaram viés de gênero numa proporção de dois para um‖, conclui a pesquisa. Ambos os catálogos possuem um maior número de imagens de homens do que mulheres, e, além disso, objetos e atividades presentes nas figuras também apresentam vieses de gênero. A base da COCO, por exemplo, faz uma associação maior entre mulheres e utensílios de cozinha, como colheres e garfos, enquanto equipamentos de esporte, como pranchas de snowboard e raquetes de tênis, têm uma associação maior com homens. O exemplo mais marcante disso, presente no artigo de Ordóñez, é a foto de um homem cozinhando que foi classificado como uma mulher, devido ao programa associar cozinha com mulheres. Como resultado, a equipe avalia

420 GOOGLE. Você quer ser encontrado na web: nós queremos ajudar. . Acesso em 28 set 2017. 187

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que máquinas de aprendizado não apenas replicaram esses preconceitos de gênero, mas o ampliaram421.

Esse é um caso explícito de que o algoritmo, que opera com aprendizado de máquina, estava se tornando machista ao associar cozinhas a mulheres, mesmo quando a imagem era de um homem. Muitos outros casos de conteúdo em desconformidade com uma sociedade plural e tolerante foram destaque após terem sido expostos. Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais chamou a atenção:

As mulheres negras e as mais velhas estão muito associadas a estereótipos negativos para aparência física nas buscas realizadas no Google e no Bing, dois dos principais mecanismos de procura de informações na internet. A constatação foi feita pelos pesquisadores Virgílio Almeida, Wagner Meira Jr. e Camila Souza Araújo, do Departamento de Ciência da Computação (DCC) do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG. A investigação que utilizou o Google revelou que as mulheres negras são consideradas menos atraentes em 86% dos países pesquisados, incluindo Nigéria e Brasil, entre outros com população de origem majoritariamente negra. Na Malásia, por exemplo, o componente racial não influencia significativamente, e os rostos muito jovens é que são considerados belos. Os resultados do estudo foram organizados no artigo Identifying stereotypes in the online perception of physical attractiveness, aceito para publicação na 8th International Conference on Social Informatics (SocInfo 2016). A pesquisa tomou como base três perguntas principais: é possível identificar estereótipos para beleza feminina nas imagens disponíveis na web? Como raça e idade influenciam esses estereótipos? E como essa percepção varia entre países e regiões? Os pesquisadores procuraram padrões de características femininas consideradas agradáveis e bonitas por diferentes culturas e também aquelas classificadas como feias422.

Outro escândalo que revelou o quanto os algoritmos que operam com machine learning precisam de supervisão constante de humanos foi o do aplicativo de fotos do Google, em 2015:

Jacky Alciné, um programador negro que vive em Nova York, nos EUA, foi alvo de discriminação por parte de um software de reconhecimento de imagens do Google – o Google Photos – que o identificou como um ―gorila‖. As informações são da Info Online. Uma das funções do aplicativo, lançado em maio, é copiar as imagens tiradas com o celular e transportá-las para a nuvem, organizando-as por meio de tags, criadas após a análise das imagens. No início desta semana, ao rotular as fotografias de Alciné ao lado de sua namorada, também negra, o app nomeou a pasta como ―gorilas‖.

421 JUNIOR, Alessandro. O selo de verificação de fatos do Google é bem sutil e um pouco confuso. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 422 RIGUEIRA JR., Itamar. Rede de estereótipos: pesquisadores do DCC identificam, em mecanismos de busca na web, padrões que relacionam raça, idade e beleza feminina. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 188

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Yonatan Zunger, chefe de arquitetura social do Google, pediu desculpas pelo ocorrido. ―Estamos chocados e verdadeiramente sentimos muito pelo que aconteceu‖, disse, em entrevista ao jornal Metro. O Google também se manifestou sobre o episódio. ―Estamos tomando medidas imediatas para evitar que este tipo de resultado apareça. Ainda há claramente muito trabalho a ser feito com a rotulagem automática de imagens e nós estamos estudando como podemos evitar esse tipo de erro no futuro‖, declarou a empresa ao site Arts Technica423.

É possível que as empresas envolvidas nos resultados escandalosos dos algoritmos se desculpem afirmando que se trata de casos isolados e que são imediatamente corrigidos, quando possível. Não parece, tendo em vista os muitos casos noticiados, sem contar aqueles que, por qualquer motivo, não são reportados nem denunciados. Além disso, há outras preocupações não só em relação aos equívocos dos algoritmos, mas como já se afirmou algumas vezes, ao próprio funcionamento dessas corporações na rede e como isso produz novos modos de se comportar, quando, por exemplo, acredita-se, sem questionar, que os resultados do buscador Google são realmente os mais adequados, por serem mais rápidos e individualizados. Em seu livro, O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você, Eli Pariser esclarece que realmente há vários problemas relativos à liberdade dos usuários da internet. A seguir, serão apresentadas as principais ideias do referido autor. Eli Pariser aponta que a apropriação de dados que personaliza as experiências dos usuários acaba conectando-os a uma bolha invisível que lhes apresenta somente os resultados algorítmicos que as grandes corporações nos exibem, ou seja, aquilo que elas acham que desejamos. A referência a uma bolha tem sido mais utilizada para o que acontece no Facebook (Bolha do Facebook); todavia é possível aplicá-la a outras corporações. Esta personalização se constrói pela apropriação dos rastros deixados pelos usuários na rede social de computadores quando estes compartilham conteúdos, acessam páginas e redes sociais e pesquisam referências424. A personalização molda e fornece fluxos de informações segundo os interesses e desejos dos usuários da rede examinando os gostos aparentes ao conhecer, ou busca conhecer o comportamento daqueles, fazendo ajustes a partir de suas interações. Trata-

423 REVISTA FÓRUM. Aplicativo do Google caracteriza fotos de casal negro como “gorilas”. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 424 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 11. 189

190 se de mecanismos de previsão que ―criam e refinam constantemente uma teoria sobre quem somos e sobre o que vamos fazer ou desejar seguir‖ 425. As empresas de comunicação digital batalham entre si pelo maior filtro de informações possível visando ao oferecimento de publicidades personalizadas aos usuários para garantir a melhor fonte de renda por meio do retorno deste investimento. Neste sentido Pariser afirma que:

[...] Para os comerciantes do ―mercado de comportamento‖, cada ―indicador de clique‖ que enviamos é uma mercadoria, e cada movimento que fazemos com o mouse pode ser leiloado em microssegundos a quem fizer a melhor oferta. A fórmula dos gigantes da internet para essa estratégia de negócios é simples: quanto mais personalizadas forem suas ofertas de informação, mais anúncios eles conseguirão vender e maior será a chance de que você compre os produtos oferecidos [...]426.

Pariser destaca que os rastros dos usuários são os catalisadores para a oferta de conteúdo. Contudo, para as gigantes da rede, Facebook e Google, estes rastros são o combustível para encontrar possíveis compradores427. Observe-se que o Google tem como objetivo principal responder a perguntas e o Facebook conectar usuários entre si e assim, em princípio, não disputariam a hegemonia da trânsito de dados, e de seus rastros. Apesar disso, estas gigantes trabalham para monopolizar o fluxo do trânsito de dados dos usuários em suas plataformas428. Ainda que cada qual ofereça um serviço melhor de busca ou conexão interpessoal os usuários acabam aprisionados a uma das plataformas tecnológicas, em razão do denominado ―aprisionamento tecnológico‖ acentuado por Pariser429. Segundo o autor, o usuário está tão envolvido com a plataforma tecnológica que, mesmo com outra mais desenvolvida, ―não vale a pena mudar‖ 430.

425 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 14. 426 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 12-13. 427 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 41. 428 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 40-41. 429 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 41-42. 430 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 41. 190

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Além disso, a sobrecarga de conteúdos e informações produzidas diariamente431, causa um colapso da atenção que torna impossível processar-se todo este conteúdo, fazendo com que os filtros acabem apontando os conteúdos e informações mais relevantes para cada usuário. A personalização que molda os fluxos de informações de acordo com os interesses dos usuários por meio dos filtros on-line dos buscadores e das redes sociais não é transparente, pois não desvela sua parcialidade. Neste sentido Pariser afirma:

O Google não nos diz quem ele pensa que somos ou por que está nos mostrando o resultado que vemos. Não sabemos se as suposições que o site faz sobre nós estão certas ou erradas – as pessoas talvez nem imaginem que o site está fazendo suposições sobre elas. [...] Por não escolhermos os critérios que os sites usarão para filtrar os diversos assuntos, é fácil intuirmos que as informações que nos chegam através de uma bolha de filtros sejam imparciais, objetivas, verdadeiras. Mas não são. Na verdade, quando vemos de dentro da bolha, é quase impossível conhecer seu grau de parcialidade432.

Eli Pariser aponta que, para além do fluxo de informações, as gigantes da rede, Facebook e Google por elas próprias ou suas subsidiárias agora produzem seus próprios conteúdos baseados nos rastros deixados pelos usuários na rede de computadores.

Em julho de 2010, o Google Notícias lançou uma versão personalizada de seu popular serviço. Demonstrando preocupação com a questão da experiência partilhada, o Google deu destaque às ―notícias principais‖ de interesse amplo e geral. Porém, abaixo dessas manchetes principais, só vemos histórias individualmente relevantes em nível local e pessoal, baseadas nos interesses que demonstramos ao usar o Google e nos artigos nos quais clicamos no passado433.

Com isso passa a existir um interesse híbrido de criar conteúdos e ao mesmo tempo levar este conteúdo por suas plataformas, havendo por consequência um conflito entre interesses editoriais e de mercado.

431 900 mil postagens em blogs, 50 milhões de tweets, mais de 60 milhões de atualizações de status no Facebook e 210 bilhões de e-mails. Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 15. 432 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 15. 433 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 58-59. 191

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Os jornalistas [...] devem se preocupar em criar o conteúdo, e os profissionais da tecnologia devem se preocupar em levar esse conteúdo para o grupo certo de pessoas – dada uma matéria, encontrara o melhor par de olhos para ela, o que pode ser resolvido pela personalização434.

Percebe-se com isso que a ideia de que a internet eliminaria a intermediação das mídias tradicionais nos interesses dos usuários não passa de uma falácia, pois, na verdade, o rastreamento de dados deixados pelos usuários na rede, quando compartilham conteúdos e acessam páginas, filtram a atenção daqueles435.

A economia da atenção está arrancando as páginas das revistas, e as que acabam sendo lidas geralmente são as que trazem assuntos mais recentes, escandalosos e virais436.

Discorrendo em relação ao mercado da música, Taplin concorda:

Isso acontece não apenas com a música, e não apenas nos negócios. O efeito de rede e a própria natureza dos algoritmos de busca são concentradores. Nas redes sociais, tende-se a encontrar apenas opiniões parecidas, sugestões de passeios similares aos que já foram feitos e por aí vai. As plataformas, sob a promessa de livrar os usuários dos intermediários, se tornaram intermediárias ainda mais poderosas. O valor de mercado da Time Warner é de 77 bilhões de dólares; o do Google, de 600 bilhões437.

Pariser aponta que este filtro da atenção distorce, edita, manipula e filtra as ideias que temos sobre o que é real438. Nesse sentido:

[...] Tal qual uma lente, a bolha dos filtros transforma inevitavelmente o mundo que vivenciamos, determinando o que vemos e o que não vemos. Ela interfere na inter-relação ente nossos processos mentais e o ambiente externo. Em certos casos, pode atuar como uma lente de aumento, sendo muito útil quando queremos expandir a nossa visão sobre uma área específica do conhecimento. No entanto, os filtros personalizados podem, ao mesmo

434 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 59. 435 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 60-61. 436 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 61. 437 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us. Editora Little, Brown and Company apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 438 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 76. 192

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tempo, limitar a variedade de coisas às quais somos expostos, afetando assim o modo como pensamos e aprendemos [...]439.

A única possibilidade de se conhecer o mundo como ele realmente é, e não como nos é apresentado ―temos que entender como os filtros moldam e distorcem a visão que temos dele‖440.

Na bolha dos filtros [...] nem chegamos a enxergar as coisas que não nos interessam. Não estamos cientes, nem mesmo de forma latente, de que existem grandes eventos e ideias dos quais não ficamos sabendo. Tampouco podemos examinar os links que estamos vendo e avaliar o quanto são representativos se não compreendermos como é o ambiente mais amplo a partir do qual esses links foram selecionados. [...], é impossível sabermos o quanto uma amostra é parcial se examinarmos apenas a amostra: precisamos de algo com o que compará-la441.

Os filtros personalizados buscam a relevância perfeita para cada usuário, mas na verdade sufocam ou suprimem as capacidades criativas. ―A inventividade surge da justaposição de ideias muito distantes, e a relevância consiste em encontrar ideias semelhantes442.‖ Estes filtros personalizados afastam o conhecimento geral e as sínteses levando à convergência de um pensamento único e totalitário. Eli Pariser aponta que esta personalização afeta a criatividade e inovação de três modos distintos:

[...] a bolha dos filtros limita artificialmente o tamanho do nosso ―horizonte de soluções‖ [...], os contextos criados pelos filtros não são os mais adequados ao pensamento criativo. [...] a bolha dos filtros promove uma maior passividade na aquisição de informações, o que vai de encontro ao tipo de exploração que leva à descoberta. [...] (destaque do autor)443.

As novas tecnologias inseridas na vida cotidiana favorecem cada vez mais a personalização e recolhem, por seus sensores algorítmicos, novos fluxos de informações444.

439 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 76-77. 440 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 77. 441 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 96. 442 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 86. 443 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 86. 444 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 170. 193

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[...] As fazendas de servidores dos Googles e Amazons vão crescer, e os processadores dentro deles vão diminuir; esse poder computacional será usado para fazer palpites cada vez mais precisos sobre nossas preferências e até sobre nossa vida pessoal445.

Como visto no primeiro capítulo, o biopoder, identificado por Foucault, já dizia como se deve comportar e como se deve ser, elementos intrínsecos à subjetividade do ser humano. Na sociedade de controle descrita por Deleuze e no Império vislumbrado por Hardt e Negri essa produção de subjetividades se acentua e se refina, como é possível perceber com o funcionamento dos algoritmos. Pariser destaca que a inteligência artificial pode ter acesso a todo o conjunto de dados pessoais existentes na rede, passando a saber mais, e com mais precisão, sobre o usuário do que seus amigos. Destaca ainda que, à medida em que os robôs são mais aprimorados pelos perfis de persuasão e personalidade, adquirem mais capacidade de modificar o comportamento dos usuários446. A vida social se desdobra cada vez mais fundadas nos padrões algorítmicos de software concebidos para simular ações humanas padronizadas e rotineira (bots), mas que tem por função precípua se apropriar dos rastros deixados pelos usuários na rede mundial de computadores. Neste sentido:

Vivemos numa sociedade cada vez mais algorítmica, [...]. Precisamos reconhecer que valores sociais como a justiça, a liberdade e a oportunidade estão intrinsecamente ligados ao modo como o código é escrito e ao tipo de solução que ele oferece447.

É extremamente importante a ciência de ao menos um conhecimento mínimo sobre estes padrões algorítmicos para se poder julgar estes sistemas informáticos, suas variáveis, seus ciclos e memórias para se desvelar seu funcionamento e seus possíveis erros448. Alguns exemplos práticos do que a rede pode nos esconder são mencionados por quem acompanha de perto esse fenômeno:

445 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 170. 446 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 173. 447 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 201. 448 Pariser, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Tradução Diego Alfaro, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 201. 194

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Para as corporações 2.0 não importa se uma revolução social possa atravessar o Facebook (como os casos do Egito, Tunísia, Irã e tantas outras lutas mobilizadas nas redes sociais). O importante é que elas não ameacem e criem um exôdo (a autovalorização do trabalho) dessas máquinas 2.0 que são também mecanismos de controle da mobilização, tal como faz o Google ao impedir que usuários busquem arquivos torrents ou o próprio Twitter não agregando em seus Trending topics o termo ―wikileaks‖, deixando-no invisível aos usuários da rede. Antes de indagarmos se uma revolução será twittada, cabe-nos compreender a quem a revolução interessa, se ela será um luta social cuja autovalorização do trabalho é o seu fim, ou se trata de liberdade para novos consumidores do novo capitalismo449.

Outro exemplo tão grave quanto filtrar o termo Wikileaks no Twitter450, foi o registro das respostas por dois buscadores bem diferentes: Google e DuckDuckGo em seus respectivos bancos de imagens quando, após o maior acidente ambiental da história do Brasil, pesquisava-se o nome Samarco:

Antes do rompimento de uma barragem que causou um dos maiores desastres naturais do mundo em Mariana (MG), o termo ―Samarco‖ era ignorado pela maioria das pessoas. Isso por que ele só veio à tona nas discussões da internet por se tratar do nome da mineiradora responsável pela construção e gestão da barragem que rompeu. Para o Google Imagens, no entanto, aparentemente a empresa não tem qualquer relação com a tragédia. Em uma busca por imagens relacionadas ao termo, os resultados mostrados são, em sua maioria, imagens institucionais e de cunho propagandístico. Como o Google é o hoje o maior buscador da web, fica a impressão de que são essas as imagens e resultados de mais relevância em relação à empresa. A busca pelo mesmo termo feito em outro buscador, no entanto, mostra que internet não se resume ao Google e sugere que critérios no mínimo questionáveis podem estar sendo utilizados para filtrar os resultados. No DuckDuckGo – buscador independente que garante não rastrear os dados dos usuários -, as imagens para o termo ―Samarco‖ estão, em sua maioria, relacionadas à tragédia ambiental em Minas Gerais – exatamente o mote que fez o termo vir à tona. De acordo com o analista de redes Tiago Pimentel, esse diferença exacerbada nos resultados é causada por dois fatores: um é a capacidade de indexação dos buscadores e outro são os algoritmos que cada um deles utiliza para selecionar e priorizar a ordem dos resultados na sua exibição. No caso da busca pelo termo ―Samarco‖, são os algoritmos – isto é, os elementos que selecionam e priorizam os resultados – que determinam esse tipo de ―filtragem‖. Enquanto o Google rastreia os dados dos usuários para oferecer resultados ―personalizados‖, o DuckDuckGO afirma garantir a privacidade e, por isso, em tese, oferece resultados mais plurais. ―Sob o propósito de oferecer resultados (e anúncios) segmentados, sua verdadeira intenção é a maximização dos lucros da empresa. O custo maior desse modelo de negócios é pago com a privacidade de quem utiliza o serviço‖, explicou Pimentel. Segundo o analista, os resultados mostrados para o termo no Google contraria a tese de que o buscador tem os melhores algoritmos de priorização de busca, que deveriam selecionar os resultados que são mais acessados na web. No caso da Samarco, a busca está sempre relacionada à tragédia de Mariana.

449 MALINI, Fabio. Biopoder e a fábrica social. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 450 Reiterando que á uma empresa pertencente ao grupo Alphabet, controladora do Google.

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―Nota-se que, neste caso, o Google tem priorizado imagens institucionais, ignorando as tendências de pesquisa sobre o termo ‗Samarco‘ nas últimas semanas. O discurso da empresa sobre si mesma parece estar sendo privilegiado em relação aos discursos da sociedade civil sobre essa mesma empresa‖, avaliou Tiago, salientando que independente do teor técnico que esse tipo de discussão carrega, os fatores ideológicos ou políticos não podem ser ignorados. ―Se é uma questão técnica do funcionamento do algoritmo ou se é uma questão política, é difícil saber. Fácil é perceber que mesmo as mais banais questões técnicas estão impregnadas de questões políticas‖451.

A problemática de falta de transparência dos algoritmos, e especificamente em relação aos algoritmos do buscador Google, tema do presente trabalho, está associada ao entendimento de que a iniciativa privada tem absoluta liberdade em empreender e, uma vez que detém determinada tecnologia, tem todo o direito em dela se utilizar exclusivamente. Os algoritmos do buscador Google são patenteados em seu país de origem, como já afirmado. No Brasil, entretanto, como na União Europeia (UE), a patente de algoritmos é proibida pela Lei de Marcas e Patentes:

A ideia das patentes é incentivar a inovação, dando ao criador o direito de uso exclusivo por alguns anos (dezessete nos EUA). Mas há dois grandes problemas. Primeiro, o software já pode ser protegido através de copyright, como um livro ou uma música. Segundo Timothy Lee, da Forbes, as patentes de software são ―na maior parte supérfluas‖, já que existe outra forma de protegê-lo [...]. Segundo, você não precisa necessariamente copiar algo para infringir uma patente de software: ―você pode chegar a uma ideia de forma independente e achar que é uma criação sua, mas mesmo que você prove isto, ainda pode estar infringindo a patente‖, como lembra Simon Davies, presidente do comitê de tecnologia da CIPA, órgão britânico de advogados de patentes. Este segundo argumento é defendido por grandes nomes da tecnologia, como Richard Stallman e Marco Arment. Stallman diz: ―se você for um desenvolvedor de software, você geralmente será ameaçado uma patente por vez‖. Arment lembra que, apesar de patentes estimularem a inovação, este não é o caso no software. As patentes criam um campo minado que cada desenvolvedor de software precisa atravessar. [...] Patentes de software não são concedidas no mundo todo. Na União Europeia, por exemplo, programas de computador não podem ser patenteados. No Brasil, vale o mesmo: uma invenção que não possa ser fabricada ou produzida não é patenteável. Existem exceções: por exemplo, caso o software esteja bastante integrado ao hardware, a patente é concedida ao conjunto – assim como na UE. (Isso vale para maquinário de indústria, por exemplo.) O maior problema está nos EUA, onde as patentes de software foram gradualmente sendo aceitas ao longo das décadas de 80 e 90. Lá, existia a mesma exigência de software integrado ao hardware para conceder patente, mas a exigência foi sendo relaxada. Como explica Nilay Patel, ―o ‗componente de hardware‘ requerido foi dissolvido em nada mais que uma

451 LONGO, Ivan. Como o Google determina o que você vai ver. Disponível em . Acesso em 10 dez 2018. 196

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estrutura de dados escrita na memória física de um computador‖. Agora, mais de 15.000 patentes de software são aprovadas anualmente. E o USPTO, órgão americano que concede patentes, tem hoje diversos problemas. Dan Ravicher, diretor-executivo da Public Patent Foundation, lembra que o órgão é financiado pela aplicação de patentes – ou seja, ele é ―incentivado financeiramente a emitir patentes‖. E isso vale mesmo para os examinadores de patente, que ganham mais à medida que fecham a análise de cada patente. Só que, segundo Ravicher, é mais fácil aprovar uma patente do que rejeitá-la: negar um pedido de patente geralmente envolve lidar com volumosos contra-argumentos de quem fez o pedido. Por fim, como lembra Marco Arment, o USPTO já mostrou que não tem a capacidade de aprovar patentes de software de forma responsável: a Suprema Corte americana já criticou duramente o órgão por não usar bom senso ao emitir uma patente de software, por exemplo452.

A Lei de Marcas e Patentes no Brasil (Lei nº 9.279/96) é clara, conforme artigos 8º, 9º e 10, in verbis:

Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; II - concepções puramente abstratas; III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; IV - as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; V - programas de computador em si; VI - apresentação de informações; VII - regras de jogo; VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

A legislação nacional assegura apenas aos criadores de softwares uma proteção específica, idêntica à proteção concedida pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) concedidas aos músicos ou escritores, por exemplo, conforme Lei nº 9.609/98, que protege a propriedade intelectual dos programas de computador:

452 VENTURA, Felipe. Por que software não deveria ser patenteado. Disponível em . Acesso em 05 jul 2017.

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Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Desta forma, outro desrespeito às leis brasileiras pelo Google (e por muitas outras empresas de tecnologia) se concretiza ao não divulgar em terras brasileiras o código dos algoritmos do seu buscador, tendo em vista que a legislação nacional não permite a patente do programa, mas apenas que todos aqueles que queiram dele se utilizar o façam mediante autorização e remuneração, conforme a Lei de Direitos Autorais. Mesmo a legislação brasileira permitindo a proteção idêntica à da Lei de Direitos Autorais, a divulgação do código-fonte dos programas para utilização gratuita da sociedade é um dos valores calcados no que se entende por Sociedade do Conhecimento, em que os saberes devem ser compartilhados, como advogam os defensores dos movimentos a favor do software livre. No próximo subcapítulo, serão apontadas algumas percepções sobre possíveis políticas mais transparentes dos algoritmos e dos dados de uma forma geral, a partir da defesa da internet como ambiente livre, democrático e colaborativo.

3.4 Por uma política mais transparente do uso de dados e do funcionamento dos algoritmos no meio ambiente digital

De acordo com um dos referenciais estabelecidos no primeiro capítulo, a proteção jurídica descrita neste trabalho tem o intuito de se apresentar como estratégia a fim de se defender um conteúdo mínimo que consubstancie direitos humanos tão importantes, como são os referentes à comunicação em uma sociedade que quer se tornar efetivamente democrática. O direito mais tradicional, que ainda adota a divisão simplista em direitos público e privado, sem reconhecer que os direitos coletivos abarcam quase todas, senão todas as áreas que o direito pode tutelar, está pouco preparado para tais demandas metaindividuais.

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Discutir as questões relativas à maior necessidade de transparência dos algoritmos do Google, ou de qualquer outro tema que esteja alinhado à defesa da internet e de todo o meio ambiente digital como ambientes livres e colaborativos, esbarram, como se percebe, na discussão de se repensar a comunicação no ambiente virtual e fora dele e todas as implicações dessa necessária transformação. Individualmente há pouco a ser feito, sendo urgente que tais temas sejam pautados coletivamente e politicamente para que sejam ventilados largamente em toda a sociedade. E os debates escapam das fronteiras nacionais, apesar de localmente a soberania de cada país e sua respectiva legislação dever ser respeitada, as mudanças precisam se dar de forma alinhada nas diferentes nações, pelo motivo óbvio de que a rede é mundial e que direitos garantidos ao mesmo tempo por mais atores tendem a ser mais efetivados. Blocos regionais podem ter um papel importante. Apesar de ter se enfraquecido um pouco com a saída do Reino Unido, e sem deixar de lado que exatamente a defesa da rede como ambiente livre pode ter relação direta com esse movimento453, a União Europeia ainda é um organismo que se destaca na tutela do ciberespaço. Em junho de 2017 a União Europeia multou o Google por práticas anticoncorrenciais:

O gigante norte-americano Google recebeu nesta terça-feira a maior multa antimonopólio que a União Europeia já impôs. A Comissão Europeia fixou para a companhia uma sanção de 8,96 bilhões de reais (2,424 bilhões de euros) por fragilizar a concorrência no mercado das buscas pela Internet, segundo confirmou Bruxelas. O caso diz respeito especificamente ao serviço de comparação de preços, mas representa um corretivo à forma geral de operar do poderoso buscador que favorece, segundo Bruxelas, seus próprios serviços sem que os usuários tenham consciência do viés. O Executivo da comunidade está há sete anos examinando com lupa as práticas do Google. Depois de um primeiro período baseado na tentativa de acordos — sob o mandato de Joaquín Almunia —, a área de concorrência da UE mudou de estratégia. A comissária de concorrência, Margrethe Vestager, optou há dois anos por abrir um processo de sanção relativo a um dos casos que acumulam mais queixas: a suposta discriminação aplicada pelo Google aos concorrentes quando o usuário recorre ao buscador para procurar produtos e comparar preços. Bruxelas argumenta que a empresa fundada por Larry Page posiciona em local de destaque seus próprios serviços (Google Shopping), independentemente de sua relevância, e esconde outros dos concorrentes. O Google emitiu um comunicado em resposta à multa. ―Vamos rever a decisão em detalhes com a Comissão e consideraremos apelar e continuar expondo nossos argumentos‖, afirmou por escrito Kent Walker, vice- presidente da empresa, que defende que o objetivo de seu sistema Google Shopping é ―conectar o usuário a milhares de anunciantes, pequenos e grandes, de forma útil para ambos‖.

453 Tendo em vista que há suspeita de uso do big data para a campanha do Brexit, como já mencionado em subcapítulo anterior. 199

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Vestager quis impor uma multa exemplar. Até agora, a maior sanção foi a imposta à Intel em 2009, de quase 4 bilhões de reais (1,06 bilhão de euros). Por lei, o limite máximo das multas é fixado em 10% do faturamento anual de uma empresa. Especulou-se que a sanção poderia ser de cerca de 3,7 bilhões de reais (1 bilhão de euros), mas a decisão de Bruxelas superou todas as previsões. É a primeira vez que a Comissão Europeia sanciona um comportamento relacionado às buscas pela Internet, um mercado que adquiriu grande relevância na última década. Mais do que a multa em si, serão os remédios propostos por Bruxelas — e que o Google terá de aplicar para cumprir a norma da comunidade — os que terão mais incidência sobre o negócio da companhia. A empresa norte-americana confia que as mudanças se limitem a apresentar de forma menos atraente as ofertas de produtos vinculados ao Google, mas provavelmente serão de maior calado. Um precedente para dar exemplo Tanto Bruxelas quanto as empresas entraram com o processo confiam que o caso do Shopping seja um precedente e modifique o comportamento geral do buscador norte-americano. O Google não vê da mesma forma: acredita que cada caso deve ser avaliado em separado e que os remédios prescritos para um comportamento considerado anticompetitivo não são diretamente transferíveis para o resto. A decisão sobre o comparador de preços é a primeira de um alentado dossiê que a Comissão Europeia compila sobre o Google. Depois desse fato, virá outro que também acumula uma longa trajetória, relativo ao mercado publicitário. Bruxelas questiona os contratos abusivos — exigem exclusividade — que a empresa impõe a outros sites que exibem anúncios do Google. O terceiro será um bem mais recente, mas também de grande impacto, relativo ao Android. Vestager acusa o Google de forçar os fabricantes de celulares e tablets a pré-instalar aplicativos da empresa para que possam incluir o sistema operacional Android. O acaso ameaça apimentar as relações transatlânticas. A abertura do auto de infração, com Barack Obama no poder, já gerou animosidade e acusações veladas de que Bruxelas penalizava o talento e a inovação norte-americanos. As empresas de tecnologia não são exatamente as maiores aliadas do atual presidente, Donald Trump, mas é muito provável que o governante interprete a ofensiva como um novo ataque contra os interesses norte-americanos. Bruxelas tem consciência desse risco, mas está convencida de que há provas suficientes para sancionar o Google por práticas que alteram o livre mercado pelo menos desde 2010454.

O Google recorreu da decisão, que deve demorar alguns anos para ser julgada em definitivo455. Alguns dos países que integram a União Europeia, como apresentado no capítulo 1, desde a origem da internet, estiveram à frente da defesa de políticas públicas em prol da coletividade. E ainda promovem algumas ações nesse sentido, através agora de um organismo coletivo que tem um maior poder de persuasão. Outras multas poderão ser aplicadas pelo órgão:

454 ABELLÁN, Lucía. União Europeia multa Google por monopólio em quase 9 bilhões de reais. 27 JUN 2017. Disponível em . Acesso em 9 set 2017. 455 REUTERS. Google recorre contra multa bilionária em tribunal da EU. Disponível em . Acesso em 28 set 2017. 200

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BRUXELAS (Reuters) - Reguladores antitruste da União Europeia estão analisando outra multa recorde contra o Google relativa ao seu sistema operacional para dispositivos móveis Android e estabeleceram um painel de especialistas para dar uma segunda opinião sobre o caso, disseram duas pessoas familiarizadas com o assunto. Pressupondo que os especialistas concordem com as conclusões da equipe responsável pelo caso, isso pode abrir o caminho para que a Comissão Europeia decida contra Google, da Alphabet, até o fim do ano. Em abril do ano passado, a Comissão Europeia acusou o Google de usar seu sistema operacional Android, que é dominante, para sufocar rivais, após uma queixa do grupo de lobby FairSearch, da empresa norte-americana de bloqueio de anúncios e privacidade Disconnect, da loja de aplicativos portuguesa Aptoide e da russa Yandex A atitude da autoridade antitruste UE, que multou o Google no mês passado em 2,4 bilhões de euros por favorecer indevidamente seu serviço de compras, pode representar um risco ainda maior para a ferramenta de buscas na internet mais popular do mundo, devido ao enorme potencial de crescimento do Android. A multa potencial deve superar a de 2,4 bilhões de euros. Na acusação contra o Google apresentada em abril do ano passado, a UE disse que as práticas anticoncorrenciais começaram em janeiro de 2011 e a Comissão provavelmente dirá à empresa para interrompê-las. De acordo com fontes do setor de telecomunicações, as práticas continuam. O porta-voz da Comissão, Ricardo Cardoso, e o Google não quiseram comentar456.

A investigação em relação a mais essa prática anticoncorrencial acerca do sistema Android já foi feita na Rússia, e também terminou constando o descumprimento da legislação antitruste pelo Google:

O governo da Rússia multou o Google em US$ 6,8 milhões alegando que a empresa quebrou uma série de leis antitruste em sua operação com o sistema operacional Android. De acordo com as autoridades do país, a gigante estaria dificultando na entrada de produtos locais de mapas e buscas em seu ecossistema como forma de favorecer as próprias soluções para tais finalidades. O principal atingido por essa prática considerada irregular foi o Yandex, o maior serviço digital da Rússia e autor da ação que resultou na multa. Para o Serviço Federal Antimonopólio do país, o Google abusou de sua posição como desenvolvedor do principal sistema operacional móvel em atuação no país para dificultar a atuação da concorrência. As autoridades chegam até mesmo a especular os motivos para tais ações anticompetitivas por parte do Google, citando entre elas a dificuldade de a empresa se consolidar no mercado russo. De acordo com os dados mais recentes, mais de metade do mercado de buscas no país é dominado pelo Yandex, e o Google teria visto na popularidade do Android uma forma de aumentar sua presença — mesmo que, para isso, tivesse que impedir a utilização do rival. As leis locais são rígidas com relação a esse tipo de comportamento e os mesmos parâmetros são aplicados para companhias nacionais ou de fora, mesmo que elas não possuem escritórios ou representação na Rússia.

456 CHEE, Foo Yun. UE considera multa recorde em caso envolvendo sistema Android do Google, dizem fontes. Redação Reuters. 5 jul 2017. Disponível em . Acesso em 3 dez 2017. 201

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O Google, entretanto, nega ter realizado as ações citadas pelo governo e diz que vai recorrer da multa. A empresa afirmou ainda que não se pronunciaria detalhadamente sobre a questão, afirmando apenas que recebeu a notificação e que está preparando uma defesa junto a seus advogados. Por outro lado, não é a primeira vez que o Velho Continente é palco de questões deste tipo. A União Europeia, por exemplo, também já multou o Google por práticas semelhantes, enquanto nos Estados Unidos, uma comissão também emitiu parecer afirmando que as ações do Google com relação ao Android podem ferir regras básicas de competição. Em todos os casos, a situação é a mesma, com a companhia sendo acusada de dificultar a entrada de rivais em seu sistema enquanto favorece as próprias soluções457.

Tais casos de condenação por práticas anticoncorrenciais por parte do Google somente vem comprovar o que está sendo defendido por Jonathan Taplin acerca da prática de monopólio pelos gigantes da rede, como o próprio Google, Facebook, Amazon, Microsoft, entre outras. Na investigação sobre o Google Shopping, ao lado dos outros casos já mencionados no subcapítulo anterior, como o da busca da palavra Samarco no banco de imagens do Google e do buscador DuckDuckGo, descortinam a falta de transparência do Google em vários aspectos, inclusive no próprio funcionamento dos algoritmos do seu motor de busca. Na Europa, uma legislação de proteção de dados entrará em vigor no primeiro semestre de 2018, exigindo a transformação radical da coleta e do uso dos dados na União Europeia, impactando, inclusive empresas brasileiras:

O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram, há pouco mais de um ano, o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês para General Data Protection Regulation), que pode ser apontado como a mais importante alteração na legislação de proteção de dados desde o início deste século. Projetado para padronizar as normas de proteção de dados entre os países da União Europeia, o GDPR entrará em vigor em 25 de maio de 2018. Até lá, pessoas físicas e jurídicas que de alguma forma façam operações de tratamento de dados pessoais deverão adequar as suas práticas e os respectivos contratos para não correrem o risco de serem apenadas com severas sanções. O âmbito de aplicação material do GDPR é bastante extenso, abrangendo praticamente toda e qualquer operação de ―tratamento‖ de ―dados pessoais‖ — ambos os termos dotados de definição ampla na norma. Isso inclui a coleta, o registro, a organização, a conservação, a utilização, a divulgação e destruição de qualquer informação relativa a uma pessoa física identificada ou identificável.

457 SCOTT, Mark. Google Fined for Breaking Russian Antitrust Rules With Android. The New York Times. AUG. 11, 2016. Disponível em apud CANALTECH. Rússia multa Google por quebrar regras antitruste. Disponível em . Acesso em 13 nov 2018.

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Norma estrangeira com possíveis impactos sobre empresas brasileiras Embora em um primeiro momento possam parecer distantes da realidade brasileira, as normas impostas ao tratamento de dados pessoais previstas no GDPR serão aplicáveis não apenas a empresas fisicamente presentes nos países que integram a União Europeia, mas também a pessoas físicas e jurídicas estabelecidas inteiramente fora daquele território. Para exemplificar, se uma empresa brasileira faz o tratamento de dados pessoais de um indivíduo que está no território da União Europeia, de forma relacionada à oferta de bens ou serviços, ainda que fornecidos gratuitamente, ela estará sujeita às normas do GDPR e potencialmente obrigada a designar um representante no respectivo Estado-Membro — sob pena de arcar com sanções que podem incluir multas e até a proibição do tratamento de dados. No contexto de uma economia globalizada e digital, esse não é um cenário raro: pode significar a realização de vendas online por meio de uma plataforma de e-commerce, o direcionamento de anúncios publicitários veiculados em uma rede social, a prestação de serviço de cloud computing e uma infinidade de atividades proporcionadas, sobretudo, por aplicações de Internet (destaques do autor)458.

O Regulamento Geral sobre Proteção de Dados é uma legislação bastante avançada, um marco regulatório que tentará proteger os usuários habitantes da União Europeia tanto do uso indevido de suas informações por grandes corporações quanto de prática de cibercrime através da interceptação desses mesmos dados. Serão apresentados abaixo os principais pontos do Regulamento, compilados por Ciro Torres Freitas e Raphael de Cunto.

Direitos para os titulares dos dados; obrigações para os agentes de tratamento O GDPR estabelece uma série de direitos para os titulares de dados pessoais e impõe diversas obrigações aos agentes de tratamento, sejam eles controladores — que determinam as finalidades e os meios do tratamento —, ou processadores — que façam as operações de tratamento por conta dos controladores. O tratamento de dados pessoais pode ser feito por esses agentes não apenas mediante o consentimento do titular, mas também quando necessário para a execução de um contrato do qual o titular dos dados seja parte, para o cumprimento de obrigação jurídica a que o agente do tratamento esteja sujeito, para a defesa de interesses vitais do titular ou de outra pessoa física, além de outras hipóteses. Quando fundado no consentimento, este deve corresponder a uma manifestação de vontade, livre, específica, informada e explícita, pela qual o titular aceita, mediante declaração ou ato positivo inequívoco, que os seus dados pessoais sejam objeto de tratamento. O titular tem o direito de retirar o seu consentimento a qualquer momento, com a mesma facilidade com que o tenha dado. Outros direitos relevantes previstos no GDPR, assegurados ao titular dos dados pessoais independentemente de o tratamento ser realizado com base no seu consentimento ou sob outra circunstância prevista na norma, são:

458 FREITAS, Ciro Torres; CUNTO, Raphael de. Regras europeias de proteção de dados podem afetar empresas brasileiras. Opinião. Disponível em: . Acesso em 28 set 2017.

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— o direito de acesso, pelo qual o titular pode pleitear e obter do agente a confirmação de que os seus dados pessoais são ou não objeto de tratamento e, em caso positivo, pode acessar esses dados e receber informações como as categorias de dados pessoais tratados, as finalidades do tratamento, os terceiros para os quais foram ou serão divulgados e a existência de decisões automatizadas, incluindo para a criação de perfis; — o direito de retificação, pelo qual o titular pode pleitear e obter do agente de tratamento, sem demora injustificada, a correção dos dados pessoais inexatos que lhe digam respeito; — o direito de apagamento, pelo qual o titular pode pleitear e obter do agente o apagamento dos seus dados pessoais quando deixarem de ser necessários para a finalidade que motivou sua coleta ou tratamento, bem como (sendo o caso) se o titular retirar o seu consentimento, entre outras circunstâncias; — o direito de restrição do tratamento, que pode ocorrer, por exemplo, quando o tratamento for ilícito e o titular se opuser ao apagamento dos seus dados pessoais, solicitando ao agente, em vez disso, a limitação da sua utilização – direito este até então não previsto na legislação da União Europeia; e — o direito de portabilidade dos dados, pelo qual o titular pode pleitear e receber do agente de tratamento os dados pessoais que lhe tenha fornecido, em formato estruturado, de uso corrente e de leitura automática, bem como transmiti-los livremente a outro agente – direito este que também representa uma inovação na legislação da União Europeia. Além do dever de observância dos direitos assegurados aos titulares de dados pessoais, o GDPR impõe aos agentes de tratamento diferentes obrigações, tais como: — a manutenção de registro de todas as atividades de tratamento sob a sua responsabilidade, com informações como o nome e os contatos do agente de tratamento, as finalidades do tratamento, as categorias de destinatários a quem os dados pessoais foram ou serão divulgados etc.; — a adoção de medidas técnicas e organizativas para assegurar um nível de segurança adequado ao risco decorrente da atividade de tratamento; e — a notificação da autoridade de controle competente e/ou dos próprios titulares em caso de violação de dados pessoais, a depender da gravidade do risco resultante do evento. As autoridades de controle têm amplos poderes de investigação sobre os agentes de tratamento de dados pessoais, incluindo as prerrogativas de requisitar informações, obter acesso às suas instalações, ordenar a adoção de medidas para o cumprimento dos deveres e obrigações previstos no GDPR, impor limitação temporária ou definitiva e até a proibição do tratamento de dados, bem como aplicar multas em valores que podem chegar a 20 milhões de euros ou, no caso de empresas, a 4% do seu faturamento anual em nível mundial — o que for maior459.

Com o respeito às legislações que protegem os dados de usuários da rede será um pouco mais difícil para o Google continuar ranqueando, ou melhor, filtrando os resultados de buscas através das preferências pessoais na União Europeia. A preocupação na Europa com a privacidade dos dados de seus cidadãos não é tão recente. Em 2010, por exemplo, a Espanha já havia multado o Google por captação indevida de

459 FREITAS, Ciro Torres; CUNTO, Raphael de. Regras europeias de proteção de dados podem afetar empresas brasileiras. Opinião. Disponível em: . Acesso em 28 set 2017. 204

205 dados durante a captação de imagens para o Google Street View, serviço do Google que filma e disponibiliza imagens de ruas e lugares em várias partes do mundo:

A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) informou nesta segunda-feira que abriu um processo contra o Google Espanha por conta da captação de dados pessoais das redes Wi-fi para o serviço Street View. A abertura do processo foi feita após a agência finalizar uma investigação iniciada em maio deste ano. Segundo a AEPD, foram constatados indícios de duas infrações graves e três muito graves da legislação espanhola, como a captação e armazenamento de dados pessoais sem consentimento. O órgão destacou que foi verificada a captação de dados de localização de redes Wi-fi com identificação de seus titulares, e de dados pessoais de diversos tipos: contatos de e-mail (com nomes e sobrenomes), mensagens associadas às contas e serviços de mensagem, além de códigos de usuário e senhas, entre outros. Das cinco infrações constatadas, duas são imputáveis ao Google Inc. como responsável pelo serviço e pelo desenvolvimento do software de coleta de dados para o Street View, e três ao Google Espanha como responsável pela captação e armazenamento dos dados no país e sua transferência aos Estados Unidos. O procedimento sancionador pode obrigar o Google Espanha e o Google Inc. a pagar multas de 60.101 a 300.506 euros pela coleta e armazenamento de dados pessoais sem o consentimento de seus titulares. As outras duas infrações, consideradas muito graves, preveem multas de 300.506 a 601.012 euros pela captação de informação que permitia o acesso a dados protegidos sem o consentimento expresso de seus titulares, nem habilitação legal para isso, como exige a Lei espanhola460.

Em 1995, o Parlamento Europeu e o Conselho lançaram a Directiva 95/46 sobre a proteção e circulação de dados pessoais461. Cada país da participante da União Europeia regulamentou internamente tal Directiva em seus ordenamentos jurídicos, como França e Espanha, por exemplo. A França também já havia multado o Google por conta da captura de informações para o Street View em 2011, sendo que algum tempo antes disso, o Google reconheceu que os veículos que faziam as filmagens, captavam também dados criptografados das pessoas enquanto elas utilizavam redes Wi-Fi, ou sem fio.

O governo francês anunciou, nesta segunda-feira, que vai multar o Google em 100 mil euros pela captura indevida de dados feita pelos carros do Street View

460 TERRA. Espanha: Google é processado por captar dados para o Street View. Internet. 18 out 2010. Disponível em . Acesso em 7 nov 2017. 461 AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES. Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24.10.1995. Relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Disponível em . Acesso em 9 nov. 2017. 205

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São Paulo — O governo francês diz que o Google fez uso indevido das informações capturadas, além de infringir a lei local ao realizar a captação indevida de imagens para uso no Street View, recurso de exibição de fotos que é parte do serviço de Mapas da empresa. Com base nisso, os franceses anunciaram, nesta segunda-feira, que vão multar o Google em 100 mil euros. De acordo com o diretor da Comissão Nacional de Liberdade de Informação (CNIL), Yann Padova, essa é maior multa já aplicada pela agência reguladora desde a sua fundação, em 2004. A captação de imagens e informações geográficas para o Street View é feita por carros equipados com um conjunto de câmeras no teto. No ano passado, o Google reconheceu que, além de fazer o registro fotográfico das ruas, os carros do também capturaram dados criptografados dos moradores, que circulavam via redes Wi-Fi. Desde seu lançamento em 2007, o Google Street View já despertou uma série de polêmicas, incluindo acusações de violação de privacidade dos usuários por meio das imagens e discussões provocadas pelo registro de cenas inusitadas462.

As legislações específicas anteriores e agora a nova Regulação protegem significativamente as informações e a privacidade dos usuários de internet na União Europeia, sucesso que talvez tenha contribuição da fiscalização realizada pelas autoridades antitruste. E independentemente da responsabilização jurídica das empresas e corporações que desrespeitam a legislação somente a quebra de paradigmas na forma como se enxerga a informação, a privacidade e a comunicação, tanto nos países membro da UE, quanto no restante do mundo, realmente possibilitariam alterações profundas no meio ambiente digital.

Os países em desenvolvimento podem aproveitar o momento da entrada em vigor da Regulação da UE que será em maio de 2018 para aprofundar o debate sobre as necessidades de defesa do direito humano à comunicar-se e, consequentemente, da necessidade de transparências e da boa-fé nas relações formadas no ciberespaço. O fato de o referido marco regulatório também atingir empresas brasileiras que, mesmo não tendo sede física na UE, utilizem dados pessoais de alguém que esteja na União Europeia pode ser um motivo interessante de ampliar a inserção na agenda a imprescindível discussão.

No presente trabalho apresentou-se uma ideia inicial de que o direito deve ser usado estrategicamente, tendo em vista a dificuldade em solucionar conflitos, em especial quando se aprofundam a partir de relações de massa, bem como pelas contradições inerentes à própria estrutura de funcionamento do direito e da sociedade

462 AGUIARI, Vinicius. França multa Google Street View em 100 mil euros. Exame. Tecnologia. 21 mar 2011 Disponível em . Acesso em 7 nov. 2017. 206

207 como um todo. No entanto, nas questões emergenciais de direitos humanos e nas demais deles decorrentes parece não haver alternativas a não ser valer-se do judiciário para a garantia de direitos básicos, apoiando-se, especialmente, no princípio da vedação ao retrocesso tratado no primeiro capítulo.

Além disso, como já afirmado também no primeiro capítulo, a hermenêutica jurídica permite a interpretação sistêmica e principiológica do direito e, desta forma, não há necessidade de que outras legislações venham a ser promulgadas, tendo em vista todo o arcabouço legal existente e até mesmo repetitivo em alguns casos. Não existe obrigatoriedade, em nosso ordenamento jurídico, que os dispositivos sejam todos com comandos expressos e passíveis de interpretação literal. As declarações de direitos humanos, os dispositivos da Constituição de 88, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet, a Lei de Marcas e Patentes, entre outras leis, abrangem toda a esfera do direito humano à comunicar-se relativo aos temas tratados na presente pesquisa, em especial a necessidade de transparência das corporações que atuam no meio ambiente digital. Entretanto, há aqueles que defendem que só haverá maior segurança em relação à proteção de dados se for promulgada uma legislação específica, nos moldes do Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês para General Data Protection Regulation) da União Europeia:

Atualmente há no mundo 110 países com leis específicas de proteção de dados pessoais, desses ao menos 100 contam com uma entidade específica para fiscalização[1]. Na América Latina, o Brasil é o único grande que não possui norma específica. Ainda que tenhamos no Brasil o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet, fato é que tais diplomas legais são insuficientes. O primeiro, posto que obsoleto à era digital; o MCI, além de ter aplicação limitada às relações celebradas via internet, pincela alguns direitos dos usuários e estabelece alguns requisitos de segurança pelo seu decreto regulamentador, remetendo a futura lei, detalhes específicos quanto a coleta e o tratamento de dados. Regras claras sobre a forma de se obter o consentimento válido, bem como quanto à transferência de dados entre diferentes players é medida que se impõe para que o Brasil entre definitivamente na rota da inovação, garantindo segurança jurídica aos investidores. Para o cidadão, mais do que regras claras é fundamental que haja uma definição de competência quanto a quem caberá fiscalizar. Veja que no Marco Civil da Internet, pelo seu decreto regulamentador, a fiscalização do cumprimento de suas regras foi repartido entre Anatel, para questões de sua competência, Secretaria Nacional do Consumidor, no tocante a relações consumeristas e ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, para infrações a ordem econômica. Nenhuma dessas entidades, a despeito de sua notória experiência em suas áreas de atuação majoritárias, têm histórico de análise técnico-informática de questões relativas à segurança da informação, notadamente sobre o cumprimento do artigo 13 do Decreto nº 8.771/16, que traça as diretrizes sobre padrões de

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segurança. Ainda que uma vez ou outra tenham atuado nesse sentido, fato é que não é sua atuação principal o que implica em demora de apuração e ausência de resposta a contento. Nos principais projetos de lei em discussão no Congresso Nacional (PLS 330/2013, PL 5.276/2016 e 4.060/2012) não há presença de uma autoridade destinada a essa função, embora no projeto apresentado pelo executivo, em sua minuta levada à discussão pública prévia, havia a chamada Autoridade de Garantia, que cumpriria tal finalidade. A mudança do texto legal se deu em meio à crise econômica, quando então falar em criação de novos órgãos seria assunto indigesto. Se não há recursos para criar um novo órgão ou dar recursos a órgãos existentes para terem equipes e departamentos especializados, pouco adiantará uma lei de proteção de dados pessoais, visto que seu cumprimento ficará mais sujeito a demandas judiciais, muitas vezes lentas e também conduzidas por um judiciário ainda não afeto a questões técnico-informáticas. O maior prejudicado é o cidadão e o ambiente de inovação no Brasil, que persistirá sem segurança jurídica463.

Em razão dos motivos já expostos, é possível discordar do autor supra transcrito no que tange à insuficiência das legislações existentes, especialmente em relação ao Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que, em se tratando de lei principiológica que é nunca será obsoleta e sempre estará apta a fornecer subsídios para a interpretação de outras legislações, bem como de ser invocada e aplicada, isolada ou conjuntamente a outras leis, a casos concretos. A criação de um órgão regulador e fiscalizador é importante para o bom funcionamento de qualquer legislação. Todavia, parece que maior atenção deveria ser reservada para uma efetiva participação da sociedade para acompanhar o cumprimento dos deveres das corporações da comunicação digital. A sociedade civil organizada tem cada vez mais exigido participação direta em processos decisórios e fiscalizadores e o meio ambiente digital pode facilitar ainda mais essa atuação. E embora o presente trabalho não defenda, à princípio, a elaboração de novas leis, é fato que uma legislação bem específica que não permita outra interpretação a não ser a literal, parece ser medida razoável, tendo em vista que parte significativa do poder judiciário ainda tende a se ater a tal tipo de interpretação. Os direitos humanos e constituicionalizados, por sua importância, devem ser os primeiros a serem invocados na solução dos casos concretos e tal motivo parece ser suficiente para se defender uma regulamentação por legislação infraconstitucional que os reafirme. Outro fator a ser levado em consideração é relativo à possibilidade de que se aprofundem as diferenças entre os países ainda não têm uma legislação que apresente

463 MACIEL, Rafael. Lei de proteção de dados e agência regulatória são fundamentais para o Brasil. Opinião. Revista Conjur. Disponível em . Acesso em: 22 ago 2017. 208

209 ipsis literis a proibição a essa apropriação dos dados em face dos países que já regulamentaram o tema. As grandes corporações internacionais buscam instalar suas atividades onde a legislação lhes imponha menos exigências e o Brasil, com uma população de mais de 200 milhões é um mercado muito atraente. Atualmente há três Projetos de Lei (PL) em debate no Brasil sobre a proteção de dados, dois na Câmara e outro no Senado. Na Câmara são os PL 4.060/2012 e PL 5.276/2016, sendo que o primeiro está apensado ao segundo. E no Senado é o Projeto de Lei no Senado (PLS) 330/2013 que está tramitando. A Organização Não Governamental (ONG) de direitos humanos Artigo 19 analisou os três projetos de acordo com elementos que são considerados essenciais para uma legislação que proteja efetivamente os dados pessoais relativos à liberdade de expressão e à garantia de outros direitos fundamentais que são salutares para qualquer projeto de lei que tenha como objetivo estabelecer o correto equilíbrio entre os vários direitos concorrentes. Ainda foi elaborada uma classificação de tais elementos como satisfatório, parcialmente satisfatório, ausente e insatisfatório, de acordo com as avaliações de cada PL464. A Lei no Senado (PLS) 330/2013, cujo autor é o senador Antônio Carlos Valadares, do PSB-SE e, em 2015, o senador Aloysio Nunes, do PSDB-SP, como relator do projeto na CCT – Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, apresentou um PL substitutivo, que é o que está atualmente sob análise no Congresso. Criado pelo deputado federal Milton Monti (PR-SP), o PL 4060/2012 foi o pior avaliado dentre os projetos analisados porque contemplou somente um dos 15 pontos listados de forma satisfatória. O mais completo dos projetos, embora ainda necessite que sejam inseridos alguns elementos para se tornar uma legislação mais adequada, é o PL 5.276/2016, proposto pela gestão anterior do Ministério da Justiça, pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (SENACON), e contou com contribuições da sociedade civil, empresas e governos com consultas públicas on line465. Serão apontados a seguir os

464 ARTIGO 19. Estudo analisa propostas para regulamentar tratamento de dados pessoais no Brasil. Disponível em . Acesso em: 20 jun. 2016. 465 ARTIGO 19. Estudo analisa propostas para regulamentar tratamento de dados pessoais no Brasil. Disponível em . Acesso em: 20 jun. 2016. 209

210 principais aspectos listados pela Artigo 19 acerca do referido PL que foram classificados como satisfatórios pela ONG:

Menção expressa à proteção da liberdade de expressão O artigo 2, inciso II, insere as liberdades de expressão, de comunicação e de opinião como fundamentos da proteção de dados pessoais. Essa inserção é de suma importância, pois a proteção de dados pessoais necessita ser contrabalanceada ao direito à liberdade de expressão e ao interesse público no acesso à informação. Exceção jornalística e outras formas de expressão Além da menção explícita à liberdade de expressão como um de seu fundamentos, o inciso II do artigo 4 do projeto afirma que atividades exclusivamente jornalísticas, artísticas, literárias ou acadêmicas estariam fora do escopo da lei. Essa é uma garantia importante, pois tais atividades requerem, por vezes, o tratamento de dados para fins legítimos, como o desenvolvimento de uma reportagem investigativa ou a análise de dados para uma pesquisa acadêmica. Tais atividades não têm um fim meramente econômico e podem ter uma função social de denúncia ou, ainda, de acúmulo de conhecimento. As práticas exclusivamente artísticas e literárias também não podem ser alvo de limitações, pois são pura demonstração da liberdade de expressão de seus autores. Nesse ponto, seria bom esclarecer que a atividade deve ser exclusivamente para esses fins, não podendo ter impactos econômicos ou políticos. O projeto de lei, no parágrafo 3 do artigo 4, ainda confere ao órgão competente a função de emitir opiniões técnicas ou recomendações referentes às exceções previstas a essas atividades, o que visa evitar possíveis abusos e mau usos. [...] Proteção aos dados sensíveis O projeto de lei traz em seu artigo 7, inciso I, a obrigação do consentimento livre, informado e inequívoco para o tratamento de dados pessoais. Para o tratamento de dados sensíveis, o texto ainda prevê uma autorização mais restrita: o consentimento específico do titular para o tratamento. Essa é uma garantia necessária, pois os dados sensíveis hoje são utilizados para finalidades que podem impactar diretamente na classificação de alguém para a realização de atividades como: obtenção de crédito, aquisição de seguro, compra de produtos e entrada em um posto de trabalho. No artigo 11, o projeto de lei proíbe o tratamento de dados sensíveis, estipulando exceções limitadas e razoáveis, sendo a condição principal o fornecimento de consentimento ―livre, inequívoco, informado, expresso e específico‖ pelo titular. Já o artigo 12 define que o órgão competente estabeleça medidas adicionais de segurança e de proteção aos dados sensíveis. Graus de consentimento O capítulo I, que aborda os requisitos para o tratamento de dados pessoais, dá ampla importância para o tipo de consentimento do titular sobre seus dados. O artigo 7 define que o processo só poderá ser realizado mediante um consentimento livre, informado e inequívoco. Tais qualificações reforçam os modos de permissão necessários. O parágrafo 1 do artigo 7 estipula que mesmo sendo permitido o tratamento de dados pela administração pública para o cumprimento de obrigações legais ou por conta da necessidade para execução de políticas públicas, esse tratamento deve ser informado ao titular. Sobre o mesmo ponto, o parágrafo 2 ainda exprime que a autoridade competente pode regular essa ação, estabelecendo diretrizes que protejam o titular. O artigo 8 dispõe que o acesso às informações do tratamento de dados deve ser facilitado e deve incluir pontos como: . a finalidade específica do tratamento . a forma e a duração do tratamento . a identificação do responsável

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Esses direitos garantem a transparência do processo de tratamento que poderá ser avaliado e supervisionado, além do órgão competente, pelos próprios titulares. No artigo 8, inciso VII, são descritos os direitos que o titular dos dados têm sobre o tratamento. Fica assegurado que ele pode: . acessar, retificar ou revogar seu consentimento para o tratamento de seus dados . denunciar possíveis atos em desacordo com essa lei . não oferecer o consentimento mediante o fornecimento de informações sobre as consequências da negativa O parágrafo 3 do mesmo artigo determina que em casos de coleta de dados continuada, o responsável pela operação deve informar periodicamente sobre as principais características do tratamento — prática conhecida como ―consentimento granular‖ —, ou seja, deve haver prestação de contas em serviços duradouros, o que permite o acompanhamento regular e perene do titular sobre os seus dados. Consentimento do titular para compartilhamento a terceiros O artigo 40 da lei prevê que ―a comunicação de dados pessoais entre responsáveis ou operadores de direito privado dependerá do consentimento do titular, com exceção das hipóteses de dispensa do consentimento previstas nesta lei‖. Em relação ao uso compartilhado de dados pessoais pelo poder público, o artigo 26 afirma que essa ação só é permitida quando ―atende finalidades específicas de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas‖. O parágrafo 1º ainda veda o compartilhamento para entidades privadas. Adoção de medidas de segurança e de manuseio dos dados pessoais Outro importante ponto que o projeto prevê são as medidas de proteção e segurança que o responsável pelo tratamento deve estabelecer sobre os dados pessoais que tem controle. No artigo 6, inciso VII, a lei afirma que a segurança é um dos princípios que regem seu texto. Segundo a redação, ―devem ser utilizadas medidas técnicas e administrativas constantemente atualizadas, proporcionais à natureza das informações tratadas e aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão.‖ No artigo 16, do capítulo I, da seção II, é abordado o momento de término do tratamento, assegurando ao usuário que seus dados serão eliminados após o fim do processo. O capítulo IV se refere ao tratamento de dados pessoais pelo poder público. No artigo 32, fica estabelecido que o órgão competente pode requerer relatórios aos órgãos públicos sobre o impacto das suas práticas de tratamento na privacidade, assim como sugerir a adoção de padrões e boas práticas aos tratamentos de dados pessoais pelo poder público. O capítulo VI, da seção I, dispõe sobre as funções do responsável e do operador sobre os dados tratados. No artigo 39, há a menção de que o órgão competente possa determinar que o responsável pelo tratamento dos dados elabore um relatório de impacto à privacidade referente às suas operações. No artigo 40, fica expresso que a comunicação de dados pessoais entre responsáveis e operadores de direito privado dependerá do consentimento do titular tendo como ressalvas as hipóteses previstas em lei. No artigo 41, é designada a figura do encarregado. Já o capítulo VII inicia-se com o artigo 45, que determina que ―o operador deve adotar medidas de segurança técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração de comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.‖ O artigo 46 complementa o anterior e estipula a obrigatoriedade de sigilo também aos responsáveis pelo tratamento de dados, mesmo após o fim do período da operação466.

466 ARTIGO 19. Estudo analisa propostas para regulamentar tratamento de dados pessoais no Brasil. Disponível em . Acesso em: 20 jun. 2016. 211

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Em relação aos pontos classificados como parcialmente satisfatórios ou ausentes no PL 5.276/16, podem ser destacados os seguintes:

Órgão regulatório O PL 5276/2016, do Ministério da Justiça, designa um órgão competente para zelar pela implementação e pela fiscalização da lei, apesar de não criar um órgão regulatório independente para a proteção de dados pessoais. [...] Mecanismo de participação e controle social O projeto de lei aborda timidamente a adoção de mecanismos de participação e controle social. O artigo 10, parágrafo 2º, que apresenta situações de tratamento de dados baseados no legítimo interesse dos responsáveis, prevê um mecanismo que garanta a transparência sobre o processo e o fornecimento da possibilidade aos titulares de manifestarem sua oposição ao tratamento de seus dados. O artigo 51 também define que o órgão competente deve estimular ―a adoção de padrões técnicos que facilitem o controle dos titulares sobre seus dados pessoais.‖ Apesar de reconhecermos esses pontos como benéficos, acreditamos que a lei deveria trazer mais detalhes sobre mecanismo de participação e controle social sobre o tratamento de dados pessoais. Proteção de dados em acesso público O artigo 7, parágrafo 4º, supõe que o mesmo tratamento concedido aos dados em domínio privado deve ocorrer com dados tornados públicos. Ou seja, não há um relaxamento das normas por conta da origem dos dados pessoais, o que é um ponto positivo. Por outro lado, ao impor o mesmo processo para o tratamento de dados em acesso público, admite hipóteses nas quais o consentimento do titular não seja requerido no tratamento desses dados, como para o uso de forças de segurança e inteligência, que já praticam esse tipo de tratamento de dados em acesso público há algum tempo. Delimita pesquisa estatística O artigo 7, inciso IV, afirma que o tratamento de dados pessoais é permitido para a realização de pesquisas estatísticas independentemente do consentimento dos titulares, impondo a condição de que sempre que possível os dados devem estar sob anonimato. No entanto, a proposta não se preocupa em delimitar o que se enquadraria como uma pesquisa estatística, se qualquer pessoa de direito ou público ou privado pode fazer esse tipo de pesquisa e com quais finalidades tais pesquisas podem ser realizadas467.

Especificamente em relação a pesquisas estatísticas há que se considerar, ainda, que qualquer pesquisa, inclusive levantamentos estatísticos, envolvendo seres humanos deve ser aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana (CEP) de sua própria instituição, ou caso não exista, no CEP de outra instituição conforme Resolução nº 466/12 CONEP (Comissão Nacional da Ética em Pesquisa), órgãos vinculados ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) e ao Ministério da Saúde (MS):

467 ARTIGO 19. Estudo analisa propostas para regulamentar tratamento de dados pessoais no Brasil. Disponível em . Acesso em: 20 jun. 2016. 212

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VII – DO SISTEMA CEP/CONEP VII.1 pesquisa envolvendo seres humanos devem ser submetidas à apreciação do Sistema CEP/CONEP [...]468.

E a supra citada Resolução do CONEP exige, ainda, que o participante da pesquisa declare expressamente sua manifestação de contribuir:

III.1 - A eticidade da pesquisa implica em: a) Respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida; III.2 - As pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, deverão observar as seguintes exigências: g) obter o consentimento livre e esclarecido do participante da pesquisa e/ou seu representante legal, inclusive nos casos das pesquisas que, por sua natureza, impliquem justificadamente, em consentimento a posteriori (grifo nosso)469.

Desta maneira, é essencial que constem na Lei de Proteção de Dados as determinações da Resolução CONEP nº 466/12 que exige que qualquer pesquisa estatística tenha autorização expressa dos participantes ou responsáveis legais, bem como a aprovação pelo CEP correspondente. As legislações infraconstitucionais que regulamentem e especifiquem ainda mais os direitos já garantidos amplamente nos já mencionados documentos internacionais e na própria CF/88 relativos à comunicação, caso estejam em total sintonia com esses direitos humanos já assegurados, embora desnecessários, podem auxiliar que os mesmos sejam reafirmados e, talvez, facilitar a aplicação a casos concretos. A judicialização de ações individuais buscando a transparência no meio ambiente digital parece um enorme desafio para advogados, promotores e magistrados, pois exige conhecimentos das perspectivas dos direitos humanos à comunicação, do direito do consumidor, do Marco Civil da Internet, do direito civil (em relação a marcas

468 BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 466/12. Trata das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Disponível em . Acesso em 29 out 2016. 469 BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 466/12. Trata das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Disponível em . Acesso em 29 out 2016.

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214 e patentes, por exemplo), direito econômico e da concorrência (para se constatar a prática ou não de monopólio) e do direito ambiental, além dos conhecimentos de ciência da computação, entre outros, sendo que esse último ainda pode ter auxílio de técnicos e peritos da área. Com fundamentos na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor é possível ajuizar demandas que busquem a reparação de danos materiais de consumidores de serviços na rede, como os danos decorrentes de atos de algoritmos que utilizem o machine learning, como são os algoritmos do buscador Google. Acerca do tema:

A evolução da inteligência artificial pressupõe, então, mais controle sobre a transparência dos seus atos e dos seus dados. HAMMOND, em um artigo claro e preciso, explicita que a inteligência artificial somente deve ser lançada se seu criador puder explicar seu processo decisório e, em uma escala de requisitos mínimos para melhores padrões, as máquinas devem ser: auditáveis, terem capacidade de articulação dos dados para extrair as informações mais relevantes e, na melhor das práticas, explicar suas razões de decisão bem como considerar novos outputs caso seja fornecido um novo dado sobre a mesma questão470. BOSTROM e YUDKOWSKY entendem da mesma forma, apontando que máquinas que ocupam postos de dimensões sociais devem ter níveis de parâmetros básicos de ―responsabilidade, transparência, auditabilidade, incorruptibilidade e tendência para não fazer vítimas inocentes gritarem em desamparada frustração‖471. Embora entendamos que a questão da responsabilidade necessita de uma análise mais minuciosa, concordamos com a ideia geral, sendo certo que a inteligência artificial precisa ter um padrão de transparência auditável. Em uma análise breve e concisa, entendemos que a responsabilização jurídica por atos de máquinas programadas com inteligência artificial avançada deve ser direcionada a seus programadores ou àqueles responsáveis por operar e colocar no mercado o objeto. Muito embora a ação jurídica que enseje responsabilidade civil não seja diretamente proveniente destas empresas, estas devem ser responsáveis por seus produtos. Ademais, uma inteligência artificial não possui discernimento, senso comum, zelo ou até mesmo prudência. Ou seja, são particularidades inerentes ao ser humano que irão lhe conferir compressão das coisas para proceder as escolhas acertadas, bem como o cuidado com algo que lhe incumbia. Tais particularidades são

470 HAMMOND, Kris. Artificial Intelligence: transparency isn‘t just a trend: there is a growing realization that we cannot start deploying and using A.I. systems if their reasoning is opaque. We need to know what they are thinking. COMPUTERWORLD, 12 de jan. 2017. Disponível em . Acesso em: 24 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 471 BOSTROM, Nick; YUDKOWSKY, Eliezer. The ethics of artificial intelligence. Traduzido por BATISTA, Pablo Araújo. FUNDAMENTO – revista de Pesquisa em Filosofia. V. 1, n. 3. Maio/ago. 2011. p. 203. Disponível em < http://www.revistafundamento.ufop.br/index.php/fundamento/article/view/45/36>. Acesso em 19 de nov. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 214

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fundamentais e levadas em consideração para a caracterização de uma responsabilidade civil por ato ilícito. Com efeito, o artigo 186 do Código Civil disciplina que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem. O aprendizado por machine learning poderia ser considerado ação ou omissão voluntária, ou mesmo ser considerado negligente ou imprudente? Ou seria um caso de responsabilidade objetiva dos fabricantes por responsabilidade do fato do produto nos moldes do Código de Defesa do Consumidor? Esta questão enseja mais reflexão, já que o ordenamento jurídico nos moldes atuais não foi concebido em uma realidade em que a inteligência artificial atua diretamente em importantes áreas do cotidiano humano. O dilema moral e ético passa a tomar forma quando, a partir do input de diversos dados em uma máquina programada com algoritmo de aprendizado em setores distintos e sem qualquer discernimento ético previamente programado, a máquina é capaz de realizar um cruzamento de dados, calcular índices estatísticos e fornecer um output que pode ser a fronteira entre aprovar ou não um empréstimo, criticar ou não um texto, prescrever ou não um medicamento ou, pior, atirar ou não em um cidadão472.

Como já esclarecido nos capítulos 2 e neste terceiro, a relação de consumo se estabelece quando há um fornecedor prestando um serviço para um consumidor e, uma vez que a relação se estabeleça é obrigatória a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, não há dúvidas quanto a responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) do fornecedor prevista no artigo 14, cabeça, do CDC. Também não resta dúvida que o fornecedor não pode se eximir de sua responsabilidade a não ser em situações bastante restritas como quando não existir nenhum defeito de concepção, de execução nem de informação, ou se a culpa pelo dano for exclusiva do consumidor, de acordo com o artigo 14, § 3º, CDC. Embora o Google, assim como o Facebook, tenta se isentar de ser classificado com fornecedor de serviços, inclusive de serviços de comunicação e/ou jornalísticos, insistindo que são apenas plataformas que não prestam nenhum serviço, o enquadramento é claro. Nesse sentido:

O Facebook, por exemplo, é a maior empresa de notícias do mundo; o site onde a maior parte dos jovens busca informações. Mas, ao mesmo tempo, não é uma empresa jornalística – define-se como uma plataforma, na qual os provedores de conteúdo se encontram com quem busca conteúdo. Para a companhia, isso não representa um dilema. Para a sociedade, porém, há um dilema sim, e dos grandes, como ficou claro após a eleição de Donald Trump e as póstumas queixas sobre a onda de notícias falsas, não checadas nem reprimidas, que teriam influenciado o resultado (como, por exemplo, o boato de que o papa apoiava Trump).

472 DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 215

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Já o Google, que é a empresa de comunicação mais poderosa do planeta e oferece qualquer conteúdo digital a qualquer hora através de seu serviço de buscas ou pelo YouTube, nega estar no ramo da comunicação ou do entretenimento: e se diz ser, também, apenas uma plataforma. Plataformas, como explicam os economistas David Evans e Richard Schmalensee no livro Matchmakers, existem há milhares de anos. Um bazar, por exemplo, é uma plataforma que une os donos das barracas aos fregueses que vão ali comprar seus produtos; os shopping centers são uma plataforma da mesma natureza. Jornais e revistas são outra plataforma, que promove o encontro entre leitores (atraídos por notícias) e anunciantes (atraídos pelos leitores). Embora existam há tanto tempo, no entanto, só agora elas se firmaram como um modelo digno de atenção, pelo poder que adquiriram. O Google e o Facebook entregam seus serviços de graça para coletar dados das pessoas e usá-los como ferramenta de publicidade. Um ditado já usual para analisar essa troca diz: ―se você não está pagando, você não é o cliente; é o produto‖. As autoridades de todo o mundo ainda não estão preparadas para lidar com as plataformas (basta ver as tão diversas decisões judiciais em relação ao serviço de transportes Uber e o Airbnb, de hospedagem, proibidos em uma cidade, liberados em outra, regulados numa, ignorados noutra). O mundo digital, conforme outra frase comum entre analistas de tecnologia, é um Velho Oeste, uma terra ainda a ser desbravada (e, portanto, desregulada)473.

Apesar de possíveis, ainda são poucas as demandas individuais neste sentido perante o poder judiciário, em razão do desconhecimento de tal interpretação tanto pelos profissionais da área, por tratar de temas relativamente novos e técnicos, quanto pelos próprios consumidores. Normalmente, apenas quando há casos de grande repercussão é que as vítimas procuram seus direitos. Entretanto, ações coletivas têm maior probabilidade de serem acolhidas pelo poder judiciário, caso sejam bem estruturadas. O Ministério Público é o órgão que tem maiores condições de avaliar a possibilidade ou não de ingresso da demanda coletiva, tendo em vista que pode, como procedimento preparatório, instaurar um inquérito civil para reunir as provas suficientes para o ajuizamento da demanda, conforme autoriza a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), em seu artigo 8º, § 1º:

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

473 TAPLIN, Jonathan. Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us, Editora Little, Brown and Company apud COHEN, David. Os monopólios da era digital. Da redação. Economia. Exame. 22 jun 2017. Disponível em: . Acesso em 22 nov 2017. 216

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As demandas judiciais, sejam elas individuais ou coletivas, mais propensas a ajuizamentos parecem ser relativas à proteção dos dados dos consumidores utilizados indevidamente ou sem autorização expressa, ou acerca de danos à imagem praticados por fornecedores de serviços na rede, conforme as multas que alguns países da UE já aplicaram ao Google, por exemplo. No caso específico do buscador Google, bem como das outras corporações mencionadas no decorrer do trabalho que utilizam algoritmos com inteligência artificial, no entanto, parece ser possível que se discuta judicialmente questões mais delicadas como o próprio funcionamento do algoritmo, ou seja, a transparência do buscador. Com fundamento em diversos dispositivos já mencionados, como a Constituição Federal, a Lei de Marcas e Patentes e o Código de Defesa do Consumidor, há fundamentos suficientes para a exigência da quebra de patente dos algoritmos do motor de busca do Google, assim como no caso do funcionamento da linha do tempo do Facebook. A reivindicação da sociedade por políticas mais transparentes e por informações mais claras e objetivas pode se alinhar a outra demanda já discutida no âmbito da inteligência artificial. Ao tratar do tema do big data no processo eleitora, Andrea Santos discorre:

Nesse sentido, desde 1990, é desenvolvida a ideia do ―privacy by design”, originado por Ann Cavoukian (ex-comissária de Informação e Privacidade de Ontário – Canadá – atual Diretora Executiva do Instituto de Privacidade e Big Data da Universidade Ryerson). Trata-se de um conceito em que a privacidade deve ser incorporada à própria infraestrutura técnica e nos modelos de negócios permitindo que os próprios usuários decidam sobre respectivas configurações. Sendo assim, o conceito apresenta 03 (três) pilares: (a) IT Systems – sistemas de tecnologia da informação; (b) Accountable business practices – práticas de negócios responsáveis; (c) Physical design and networked infraestructure – projeto (design) físico e infraestrutura de rede. Ao analisar o ordenamento jurídico americano, observa-se que em 2011, a Federal Trade Comission (FTC) publicou o relatório ―Protecting Consumer Privacy in na Era of Rapid Change”, o qual recomenda o instituto do privacy by design como boas práticas. E, em 2014, o relatório "Data Brokers: A Call for Transparency and Accountability‖ trazendo à luz a importância do princípio da transparência nas relaões que envolvem coleta e uso de dados. Na União Europeia, interessante notar que no novo Regulamento nº 679/2016, sobre Proteção de Dados Pessoais (substituição da Diretiva nº 45/96), o qual entrará em vigor em 2018, aduz o conceito logo em seus ―considerandos‖474:

474 SEGALA ALVES, Carla; VAINZOF, Rony. Direito Digital: Privacy by Design e Proteção de Dados Pessoais. In: Jota. Publicado em: 06 jul. 2016. Disponível em: Acesso em: 03 out. 2016 apud SANTOS, Andreia. O impacto do big data e dos algoritmos nas campanhas eleitorais. Disponível em . Acesso em 7 nov. 2017. 217

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Esta evolução exige um quadro de proteção de dados sólido e mais coerente na União, apoiado por uma aplicação rigorosa das regras, pois é importante gerar a confiança necessária ao desenvolvimento da economia digital no conjunto do mercado interno. As pessoas singulares deverão poder controlar a utilização que é feita dos seus dados pessoais. Deverá ser reforçada a segurança jurídica e a segurança prática para as pessoas singulares, os operadores económicos e as autoridades públicas. Transpondo-se ao cenário brasileiro, esclarece-se que o conceito não é tratado pela legislação. Contudo, alguns princípios que regem o privacy by design, como segurança, transparência e consentimento aparecem nos artigos 3º, inciso II e 7º do Marco Civil da Internet; no artigo 13 do Decreto nº 8.771/2016, bem como no artigo 6º do Projeto de Lei nº 5.276/2016475.

O conceito de privacy by design tem sido cada vez mais discutido e exigido no momento de elaboração dos programas e tenta proteger os usuários em relação à configurações de privacidade. No mesmo sentido, outras exigências podem ser feitas no desenvolvimento de máquinas com inteligência artificial:

Neste sentido, a IEEE – Institute of Electrical and Electronic Engineers criou uma iniciativa global de considerações éticas no ramo de inteligência artificial, em um documento chamado Ethically Aligned Design, para discutir o tema em questão. De maneira bem resumida, a associação alinhou alguns princípios basilares para considerar a questão da ética na inteligência artificial, com os quais entendemos ser o início para o controle dos seus resultados: princípio do benefício humano, para que as inteligências artificiais não desrespeitem direitos humanos; princípio da responsabilidade, segundo o qual os poderes eleitos ou o próprio poder judiciário devem criar normas claras de responsabilidade jurídica envolvendo casos com inteligência artificial; princípio da transparência, e princípio da educação e consciência, de modo a minimizar os riscos de mau uso da inteligência artificial476. Conforme muito bem explicitado por um excelente artigo recente de FRAZÃO, que, ao explicitar a necessidade de transparência no tratamento de questões de Inteligência artificial, a ausência desta pode dar azo à uma incapacidade técnica de o poder judiciário exercer o controle de eventuais atos ilícitos477. A despeito de qualquer formulação de princípios, é forçoso admitir que criar uma inteligência artificial que seja capaz de compreender questões éticas e morais é algo para além da capacidade humana atual, por um motivo simples. Dilemas morais são, em sua natureza, praticamente insolúveis a partir de uma

475 SANTOS, Andreia. O impacto do big data e dos algoritmos nas campanhas eleitorais. Disponível em . Acesso em 7 nov. 2017. 476 IEEE – Institute of Electrical and Electronic Engineers. Ethically Aligned Design. 2016. Disponível em . Acesso em: 24 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 477 FRAZÃO, Ana. Premissas para a reflexão sobre a regulação da tecnologia: para que deve servir a regulação da tecnologia?. Jota, 16 de novembro de 2017. Disponível em Acesso em 18 nov. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017.

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análise abstrata, devendo normalmente serem discernidos pelo ser humano caso a caso. Esta foi, inclusive, a solução jurídica encontrada no pós- positivismo, onde há um exercício de ponderação de princípios para, no caso concreto, verificar qual deles se aplica sobre o outro, sem, contudo, se anularem. Se o próprio homem não chega a estas decisões de maneira fácil, uma máquina certamente não é capaz de fazê-lo, o que nos leva à conclusão lógica de que, muito embora a inteligência artificial seja aplicada a casos complexos, a figura do homem como verificador dos outputs não só é aconselhável como drasticamente necessária para uma sociedade com um alto nível de complexidade e diversidade. Uma das áreas em que a inteligência artificial avançou com mais vigor nos últimos anos tenha sido no ramo automotivo, onde também existem dilemas de ordem filosófica a serem considerados. Trata-se da utilização dos veículos autônomos, que desperta até mesmo a atenção mais focada de agentes reguladores. Como podemos perceber ao longo dos casos narrados acima, a inteligência artificial baseada em machine learning já se encontra em pleno uso, e um dos sonhos de consumo da tecnologia, os carros autônomos, já faz parte deste presente, já rodando na Inglaterra478 e sendo testado ao redor do mundo479. Um caso que alertou para os potenciais riscos de um carro autônomo ocorreu em 2016, quando um veículo da marca Tesla que estava no momento da colisão operando no modo automático se envolveu em um acidente, causando a fatalidade do motorista. Muito embora a investigação conduzida pelo departamento de transportes dos EUA tenha concluído que não houve falha no veículo, isso alertou a empresa do visionário Elon Musk a promover diversas atualizações no sistema operacional de sua frota de automóveis inteligentes480. Atento aos riscos que o desenvolvimento aprimorado de inteligência artificial em veículos pode causar, o departamento federal de transportes e infraestrutura digital da Alemanha conduziu este ano um estudo por meio de um comitê para formular normas éticas nestes veículos. Neste estudo, foram elencados 20 princípios básicos que os carros deveriam seguir, sendo algumas de premissas básicas (a) o dano à propriedade sendo preferencial em contraste com o dano à vida humana, quando for possível esta escolha; (b) em caso de acidente inevitável que envolva indivíduos, qualquer forma de distinção de características pessoais como idade, sexo e constituições físicas e mentais é inadmissível; (c) baseado no estado da arte, todos os sistemas

478 CALMON, Fernando. O futuro chegou: Audi A9 inaugura era dos carros que andam sozinhos. Uol, 06 set.2017. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 479 REDAÇÃO AUTOESPORTE. Veículo Chinês roda dois mil km em teste: sedã da Changan é o primeiro autônomo a percorrer trajeto de longa distância no país. Autoesporte, 19 abr. 2016., Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 480 G1. Investigação conclui que carro da Tesla não falhou em acidente fatal: motorista morreu em colisão nos EUA em um Model S em 2016. Foi o primeiro caso de morte em um veículo semi-autônomo. G1, 19 Jan. 2017. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 219

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autônomos devem ser produzidos de forma a evitar qualquer situação crítica, incluindo situações de difícil decisão, entre outros princípios481. Além disso, o próprio estudo coaduna com aquilo que foi discorrido, a respeito da responsabilidade. De acordo com a normativa, é necessário que sempre esteja explicitamente claro em que momentos há uma condução automática dos carros autônomos e quando o controle é do motorista, pois isso mudará o parâmetro de responsabilidade entre as fabricantes e operadores dos sistemas tecnológicos, no primeiro caso, e os próprios motoristas, no segundo. Ainda segundo o estudo, o caso ganha em complexidade quando há um sistema misto de condução, de forma que as formas de controle devem sempre estar claras482. Além da declaração destes princípios, o veículo autônomo deve sempre prever de alguma forma a passagem do controle do automóvel para o homem. Muito embora a tendência global seja de se afastar deste modus operandi, considerando que o ser humano pode cegar-se por emoções como o medo e a insegurança (além de não possuir de antemão todos os dados de uma inteligência artificial bem programada), deve-se levar em conta que esta opção deve, minimamente, existir. É inevitável, contudo, que um veículo autônomo e outros aparelhos capacitados com machine learning venham a tomar decisões que desafiam valores éticos, ao menos em uma porcentagem mínima dos casos. E a humanidade, em especial em ciências como o Direito, deve se preparar para enfrentar uma nova gama de situações complexas e altamente prováveis em um futuro a curto prazo483.

O debate sobre a transparência do algoritmo do Google não é recente. Há anos as opiniões se dividem. Há quem defenda que essa transparência é possível e desejável e outros entendem que desestabilizaria o algoritmo:

O Google é a fonte primária de informação na Internet, e isso confere à empresa muito poder. É evidente que esse poder atrai empresas que tentam usar o sistema do Google em seu benefício. Hosanagar compara o Google, no segmento de busca, a Microsoft, no segmento de segurança: os dois são visados porque dominam seus respectivos segmentos. Uma empresa como a Demand Media, por exemplo, que mobiliza um exército de freelancers para que produzam artigos que apareçam facilmente nas buscas, cita a dependência do Google como um dos maiores riscos para o seu negócio. A oferta pública inicial de ações da Demand Media coincidiu com as declarações do Google de que tomaria medidas duras contra as usinas de conteúdo. Na primeira conference call de lucros da Demand Media, em 22

481 GERMANY. Federal Ministry of Transport and Digital Infrastructure. Ethics Commission: automated and connected driving. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 482 GERMANY. Federal Ministry of Transport and Digital Infrastructure. Ethics Commission: automated and connected driving. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017 apud DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 483 DI BLASI, Gabriel; CANTARINO, Rodrigo. Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em . Acesso em: 19 out. 2017. 220

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de fevereiro, o CEO Richard Rosenblatt destacou que a empresa estava diversificando as fontes de tráfego. [...] Para alguns professores da Wharton, talvez o Google não seja tão transparente quanto deveria ser. A empresa reformula com frequência sua técnica de classificação para melhorar os resultados de busca. Em geral, o Google comunica ao público as mudanças de procedimentos e divulga um guia de melhores práticas para os criadores de páginas da Internet, mas não divulga muitas informações com detalhes de como os resultados de busca são compilados, a não ser que o motor usa mais de 200 sinais, inclusive seu algoritmo de PageRank, para classificar os sites. "Não sei se posso confiar num algoritmo para uma coisa tão importante quanto uma busca se ninguém jamais descreve esse algoritmo para mim", diz Clemons. Matwyshyn também gostaria que houvesse mais transparência, mas ressalta que o algoritmo "é o principal ativo da empresa, por isso o Google tem de preservar os detalhes". Se a empresa for mais transparente, poderá ser mais fácil enganá-la, salienta Hosanagar. "O Google parece plenamente justificado em suas atitudes", diz ele. "Quando os spammers descobriram as características dos motores de busca do Yahoo e de outros, eles manipularam o sistema. O problema do conteúdo de baixa qualidade é anterior à ascensão do Google ao poder."484

Defender a patente do algoritmo sob o argumento de que as empresas podem tentar enganá-lo é desconsiderar uma das demandas mais importantes da sociedade civil organizada que clama pela concretização do direito humano à comunicar-se também no meio ambiente digital, e defende, a partir do princípio da vedação ao retrocesso, uma internet livre, democrática, colaborativa e não mercantilizada.

484 WHARTON. Em busca da busca perfeita: o Google será capaz de frustrar as tentativas de manipular seu sistema? University of Pennsylvania. 06 abr. 2001. Disponível em: . Acesso em 22 abr. 2017. 221

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CONCLUSÃO

A vida em sociedade em grande parte do mundo está intermediada pelo meio ambiente digital que, cada vez mais, e mais rápido, tem alterado as formas de produção e reprodução da vida. Assim, o presente trabalho problematizou a questão da falta de transparência das poucas corporações que atuam no meio digital, mais especificamente, na rede mundial de computadores e que têm intermediado as interações de parte significativa das populações que, de forma plena ou limitada, tem acesso ao ciberespaço. Novas formas de relacionamento e de comportamento têm se estabelecido justamente em razão de haver no meio ambiente digital atores que exercem grande concentração de mercado em suas esferas de prestação de serviços, tendo em vista que quase toda a comunicação entre os usuários da rede transita nos serviços prestados por esses poucos conglomerados, como Google, Facebook, Amazon, Apple e Microsoft. Ao mesmo tempo em que estamos em uma sociedade em rede, como identificou Manuel Castells485, estamos também em uma sociedade do conhecimento486, tendo em vista que a internet é um local que vem sendo disputado pelas corporações e pela sociedade civil organizada, sendo que esta a defende como meio que possibilite a livre distribuição do conhecimento e do saber. Tal defesa da internet como um ambiente livre remonta, como visto, às origens da rede, a partir da perspectivas dos acadêmicos e hackers envolvidos no desenvolvimento de novos programas que contribuíssem com sua expansão para o maior número de pessoas. E, ao mesmo tempo em que se acompanha essa sociedade do conhecimento em rede, também é possível identificar de forma bastante clara a sociedade de controle, descrita por Gilles Deleuze487. A docilização dos corpos já não se opera como na sociedade disciplinar analisada por Foucault488; outra docilização agora é destinada ao

485 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução: Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª edição: Jussara Simões. São Paulo: Paz e Terra, 1999 (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). 486 BURCH, Sally. Sociedade da informação / Sociedade do conhecimento. Desafio de palavras: enfoques multiculturais sobre as sociedades da informação. [200-?]. Disponível em . Acesso em: 15 out. 2016. 487 GILLES, Deleuze. Post-scritpum sobre as sociedades de controle. in L´Autre Journal, n.1, maio de 1990. Conversações, 1972 – 1990/Giles Deleuze. trad. de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992 488 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 222

223 comportamento dos sujeitos para que se tornem submissos ao consumismo489. Da mesma maneira que o biopoder como nova forma de poder incorporou elementos da sociedade disciplinar (mas em outro nível), a sociedade de controle também incorporou elementos do biopoder, tendo em vista que esta técnica se dirige não mais ao indivíduo, mas a populações que não devem mais ser disciplinadas, mas regulamentadas, para que sejam mantidas em um determinado equilíbrio490. A sociedade de controle também sofre influência de outro fenômeno de técnica de poder, chamada Império, que, por sua vez, mantém a mesma regulamentação das populações praticada no biopoder491. O controle praticado é cada vez mais sutil e eficiente, já que o poder é modulado. As subjetividades capitalísticas, como definiu Guattari, são sedutoras, como o uso em tempo integral, veloz e dromocrático de smartphones, das redes sociais, dos aplicativos de mensagens instantâneas, que grande parte da sociedade está viciada, dependente dessas tecnologias. As pessoas pensam estar mais livres, mas são controladas o tempo todo: câmeras (agora com reconhecimento facial), Facebook, Google, Twitter, Instagram, Whatsapp, Emails, Googlemaps, Waze, GPS (no celular, no veículo em razão do seguro, Sem Parar), chaves eletrônicas, cartão de ponto eletrônico, Uber, bilhetes (cartões eletrônicos) de transporte público, entre outros. Poucas empresas privadas possuem muito mais dados que os governos. Tanto aqueles que nasceram antes da internet se tornar civil e especialmente os já íntimos da tecnologia digital, estão tão imersos nessas subjetividades capitalísticas digitais que abrem mão de direitos humanos fundamentais, como a intimidade e a privacidade, como se isso fosse um processo natural e irreversível e até coerente, pois, quem não deve não teme, ou não há nada a se esconder. A transparência é exigida pelas grandes corporações, mas a recíproca não é verdadeira. Tais mencionados direitos humanos integram, junto com outros, o que tem sido denominado como direito humano à comunicar-se, que possibilitam a discussão do papel dessas grandes corporações inclusive como meios de comunicação de massa, a exemplo de Facebook e Google.

489 GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999. 490 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 1.ed. 4.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 491 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Trad. Berilo Vargas. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, prefácio, p. 11-15. 223

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Defender a internet a partir do princípio da vedação ao retrocesso, no sentido de se restabelecer os ideais daqueles que participaram do desenvolvimento inicial da rede mundial de computadores, tanto no meio acadêmico, quanto entre os hackers, é evitar que não se repitam os mesmos erros cometidos pela sociedade ao permitir que o espectro eletromagnético fosse destinado a concessões (públicas) de rádio e, posteriormente, de televisão a poucas empresas do ramo da comunicação e do entretenimento. O meio ambiente digital, como aspecto do meio ambiente e como direito humano, deve ser, como todos os outros aspectos do direito ambiental, equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida, como prescreve o artigo 225, CF. E, para que seja um ambiente equilibrado, é fundamental que seja livre, como a sociedade deseja, assim como, para que promova a essencial à sadia qualidade de vida, deve ser acessível a todas e todos, de forma gratuita e com qualidade, já que o acesso à internet foi reconhecido como direito humano. É basilar que se aprofunde a reflexão sobre o papel dos meios de comunicação no ciberespaço ainda mais quando se nota que tradicionais espaços de discussão, como escolas, e até mesmo partidos políticos e sindicatos estão sendo substituídos por rasas informações transmitidas através dos meios de comunicação de massa. E tal questão perpassa por uma discussão mais ampla acerca do papel dos meios de comunicação, seja em ambiente analógico ou digital, além da questão do uso da tecnologia em si, do meio ambiente digital, para se praticar tantas atividades cotidianas. Na sociedade dromocrática estamos tão ajustados ao discurso do quanto precisamos ser rápidos, que cada vez temos menos tempo para a sociabilidade. O tempo é muito curto para tudo, por isso talvez pareça ser mais conveniente deixar que as máquinas decidam por nós. O buscador do Google prima, como visto, entre outros, pela rapidez na resposta. Porque não se pode perder tempo pesquisando nada, principalmente algum produto ou serviço. Quanto mais é demorado o processo para se chegar a um produto ou serviço, maior é a chance de alguma reflexão por parte do consumidor para a real necessidade, naquele momento, de adquirir o bem em questão. A partir dos direitos à informar, ser informado e informar-se, bem como de participar do processo produtivo e da distribuição da informação, que integram o conjunto de direitos do direito humano à comunicar-se, foi possível estabelecer a relação principiológica, dentro do ordenamento jurídico pátrio, com os princípios da

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225 transparência e boa-fé nas relações de consumo, assim como destacar o direito básico à informação na tutela do consumidor no meio ambiente digital. Questionou-se, assim, a falta de transparência dos algoritmos do buscador Google, tendo em vista que, pelo fato de estar protegida em seu país de origem (EUA) por uma patente, não esclarece aos consumidores de seu serviço como é exatamente o funcionamento do motor de busca. Como visto, a legislação brasileira traz uma significativa segurança aos consumidores, garantindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando houver uma relação de consumo, por ser norma de ordem pública e interesse social, além de estabelecer a responsabilidade objetiva dos fornecedores (independente da existência de culpa), restringindo as hipóteses de causas excludentes da responsabilidade. Pode-se notar que o serviço do Google é defeituoso, no mínimo, em relação à ausência de informação clara e adequada sobre o funcionamento dos algoritmos que utilizam machine learning para apresentar as respostas às buscas feitas. E, sendo assim, qualquer dano, material e/ou moral advindos desse serviço prestado de forma defeituosa gera reparação aos consumidores. A proteção no CDC também se estende aos contratos de adesão, tendo em vista que não há qualquer tipo de negociação das cláusulas contratuais. Desta forma, o consumidor tem a possibilidade de invocar a nulidade de cláusulas contratuais abusivas, se elas o colocarem em situação de manifesta desvantagem perante o fornecedor ou se for contrária ao sistema de proteção ao consumidor como um todo. O buscador Google, talvez em nome da proclamada rapidez de seu serviço, nem mesmo disponibiliza para os consumidores que acessam a sua página para realizar alguma busca um campo para que eles manifestem sua vontade e concordem com os termos de uso e a política de privacidade da corporação. E, por ser um contrato que exprime uma conduta socialmente típica, enquadra-se na relação de consumo, estando o fornecedor de serviços totalmente sujeito aos regramentos do CDC. Conjugando-se a leitura da Constituição Federal de 88, do CDC e da Lei de Marcas e Patentes, é possível perceber que, ao menos aqui no Brasil, é direito dos consumidores/usuários do serviço do buscador Google a exigência da quebra da patente de todos os algoritmos que são utilizados não só pelo motor de busca do Google, quanto por qualquer outro serviço do grupo Alphabet, bem como pelo Facebook, Amazon, entre outros.

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Resta claro que a discussão da transparência do buscador Google perpassa por todo o debate da transparência no meio ambiente digital, que é quase totalmente representado pela rede mundial de computadores, a internet. O questionamento das práticas de monopólios seja em qual área for, na rede tomam uma proporção ainda maior, tendo em vista que a rede mundial de computadores parece ser um ambiente totalmente desregulamentado, o que não é verdade. É preciso respeitar os direitos humanos já consagrados nos documentos internacionais, em especial o direito humano à comunicar-se que, apesar de não estar positivado expressamente, advém de uma construção social acerca da importância dos direitos humanos relativos à comunicação nas diferentes sociedades. As demais legislações constitucionais e infraconstitucionais de cada país (desde que em conformidade com os mencionados direitos humanos) também são instrumentos importantes na defesa da cidadania. Embora as mega corporações que atuam no meio ambiente digital, assim como nos demais ramos da economia, insistam em ignorar, o fato é que a legislação existente no Brasil é mais do que suficiente para a proteção dos consumidores no ciberespaço. O que leva a refletir também sobre o papel do direito na regulação da vida em sociedade, já que não tem sido suficiente na concretização de direitos e garantias já assentados em nosso ordenamento jurídico. Parece, portanto, ser o momento de se repensar novas formas de exigir a solução de conflitos e de efetivação de direitos humanos essenciais à sadia qualidade de vida, em especial no meio ambiente digital. A organização da sociedade civil tem papel fundamental para fiscalizar os três poderes (legislativo, executivo e judiciário) na consolidação dos mencionados direitos e na proposição de uma nova sociedade do conhecimento em rede.

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