Sistemas de polonização de duas espécies simpátricas de ( Euphorbiaceae) no Amazonas, Brasil (*)

W . Scott Armbruster (...,) G . L. Webster ("")

Resumo zaçãc durante a coleta de resina (Webster & Armbruster, 1977; Armbruster & Webster, Oalechampia affinis (Euphorbiaceae) e O. scandens crescem simpatricamente nos arredores de Manaus, 1979). Abelhas dos gêneros Hypanthidium Amazonas, Brasil . Durante uma pesquisa. realizada em (). Euglossa, Eulaema, Euplusia, setembro de 1978, observou-se que as duas espécies e Trigona (todas ). têm sido registradas diferiam uma da outra no tamanho da glândula f loral coma coletoras de resina de Da/echampia que secreta resina (o atrativo do pollnizador). na dis­ (Mül:er, 1879; Cammerloher, 1931 ; Webster & posição das flores estaminadas e pistiladas na inflo· rescência, e no perfodo do dia que as brácteas da in­ Arm!:ruster, 1977; Armbruster & Webster, florescência se abrem. Tais diferenças resultam de ser 1979; Armbruster, ined.) . A resina secretada O. affinis polinizada principalmente por Euglossa (Api­ por Dalechampia pode ser coletada de plantas dae) e D. scandens principalmente por Hypanthidium silvadas a relativamente grandes distâncias, (Megachilidae). Como uma conseqüência dessas dife­ por abelhas Euglossinae (incluindo Euglossa, renças há, provavelmente. pouco fluxo de pólen entre as duas espécies observadas. Eulaema e Euplusia) em um padrão de "tra­ plinir.g" (Janzen, 1971; Armbruster & Webster, 1979; Armbruster, ined.). Esta resina pode ser O gênero Dalechampia (Euphorbiaceae) proveitosa na construção do ninho destas abe­ tem cerca de 100 espécies, das quais a maio­ lhas tropicais que são importantes polinizado­ ria é Sul-americana. Todas as espécies de ras de muitas outras plantas tropicais. Dalechampia ocorrem em comunidades tropi­ Todas as Dalechampia que foram por nós cais de baixa e média elevação. A maioria das testadas são autocompatíveis e são capazes espécies é trepadeira, embora algumas espé­ de, pelo menos, ocasional auto-polinização cies neotropicais sejam arbustos (Pax & (Armbruster, ined.) . A maioria das espec1 es, Hoffmann, 1919). contudo, é efetivamente protogínica; as flores As flores de Da!echampia são unissexuais pistiladas estão receptívas de um a vários mas são agregadas em inflorescências pseudo­ dias antes da abertura d::~s primeiras flores es­ antiais que funcionam como flores bissexuais. taminadas; durante este período somente poli­ Duas brácteas ('!Ue são geralmente grandes e nização cruzada é possível . Subseqüente ao vistosas, abrigam três flores pistiladas e usual­ período pistilado, há um período bissexual, du­ mente 9 ou 10 flores estaminadas. Acima das rsnte o qual as flores pistiladas estão ainda flores estaminadas, há um cacho de bractéalas receptivas e as flores estaminadas se abrem que funciona como uma glândula, secretando e liberam pó ler.. Auto-polinização pode ocor­ o atrativo do polinizador (Webster & Webster, rer durante esta fase. 1972). O atrativo da polinizador produzido pela maioria das espécies de Da!echampia é uma MATERIAL E MÉTODOS resina triterpenóide (Armbruster & Seigler, s/ d) . que é coletada por abelhas fêmeas (ou Fizemos observações em duas espec1es operárias) que empregam o material ns cons­ simpátricas de Da/echampia, O. affinis Müll. trução do ninho. As abelhas efetuam a polini- Arg. e O. scandens L., próxima da vila de Ca-

( • ) - Este estudo foi financiado pela bolsé' do NSF DEB 77-24263 (U. S. A.). (•')- Department of Botany, University of California, Davis, CA 95616, U.S.A.

ACTA AMAZONICA 11(1): 13.17. 1981 - 13 cau Pirera, do outro lado do rio Negro, saindo mas estão muito mais próximas da glândula de de Manaus. As plantas cresciam em baixa ca­ resina. Os estigmas encontram-se muito mais poeira secundária, ao longo das margens de próximos das anteras em O. scandens do que uma estrada pavimentada. Nossas observa­ das de O. affinis. ções foram feitas de 1O a 25 de setembro de As inflorescências de O. affinis permane­ 1978. cem na condição pistilada ca. de dois dias e Neste local de estudo, localizamos uma na condição bissexual ca. de 5-6 dias . Contu­ área onde ambas O. affinis e O. scandens eram do, diferente dél maioria das espécies de Dale­ comuns, florescendo em abundância, e ocor­ champi& e outras populações de O. scandens riam próximas uma da outra. Durante cinco que têm sido estudadas, as inflorescências de dias, não consecutivos, num total de ca. de 20 O. scandens observadas na área de Manaus horas de observação, registramos o comporta­ não mostraram a visual condição pistilada ini­ mento e movimento de todos os visitantes flo­ cial. A primeira flor estaminada se abre no rais de ambas as espécies de Oa/echampia. primeiro dia da antese pseudantial . As inflo­ Também fizemos medidas das inflorescências rescências permanecem na condição bissexual de Oa/echampia, anotando as dimensões im­ ca. de 5-6 dias . portantes para os sistemas de polinização (Tab . 1) . Amostras dos polinizadores foram Como na maioria das especres de Da/e­ coletadas e estão depositadas no Museu de champia as brácteas de ambas, O. affinis e O. Entomologia, Universidade de California, Davis, scandens, abrem e fecham em ciclos diurnos. CA. USA. Enquanto as brácteas estão fechadas, a resina e as f lores estão inacessíveis aos insetos. As brácteas de O. affinis se abrem no meio da RESULTADOS tarde (ca. 14,30-16,00 h) e começam a fechar ao entardecer (ca. 18,00 h.) . Contudo, em O. Oalechampia affinis e O. scandens diferem scandens as brácteas se abrem por volta das marcadamente no tamanho da inflorescência e 10,30-11,00 h e permanecem abertas até ca . em certas características importantes da dis­ 18,00 h, quando começam a fechar . posição das flores esta minadas e pist iladas. Estes dados estão apresentados na Tabela 1. O. affinís é visitada por abelhas fêmeas, O. affinis possui grandes brácteas brancas ( ca. de tamanho médio, do gênero Euglossa (Eu­ 40 mm), uma grande glândula secretora ele re­ glossini. Apidae), que começam as visitas ca. sina, e as anteras e estigmas estão localizadas 14,30 h e usualmente coletam resina (em pou­ re lativamente longe da glândula de resina. Por cos casos, observamos Euglossa coletando outro lado, O. scandens possui brácteas de cor pólen de Oalechampia) . Quando está coletan­ verde clara, muito menores ( ca. 15 mm) , uma do resina, esta abelha toca os estigmas das glândula de resina menor, e as anteras e estig- inflorescências na condição pisti lada e usual-

TABELA 1 - Dimensões das inflorescências e visitantes florais de Dalechampia, Manaus, Brasil. setembro 1978

Área média da Distância média Distância média Distância média Visitant e floral Polinizador antPra-estigma glândula estigma-glândula an tera-glândula (tamanho em mm) efetivo (mm2) (mm) (mml (mm)

Dalechampia 20 .0 6 .0 7.0 3.0 Euglossa + affinis sp. (11 ) Hypanthidium atf. melanopterum (7) Dalechampia 7.0 3.0 2.8 1 .o Hypanthidium + scandens aft. melanopterum (7)

14- Armbruster & Webster mente só as anteras das inflorescências na resina para inflorescências que possuem gran­ condição bissexual. Desta maneira, aparente­ des quantid:tdes de resina (cf. discussão rela­ mente, o pólen é transferido das flores esta­ cionada com a coleta de néctar em Heinrich & minadas das inflorescências na condição bis­ Raven, 1972) . sexual para os estigmas das inflorescências, Por outro lado, Hypanthidium é uma abe­ na condição pistilada. lha muito menor e não pode transportar tanta D. affinis é também visitada por fêmeas resina como Euglossa. Como outros Meg:~chi· dP. Hypanthidium aff. melanopterum Cockerell lidae, Hypanthidium não possui corbícuia tibial; (Megachilídae), uma abelha muito menor (Ta­ em vez disto, ela carrega materiais na escopa bela 1, fig. 3) . Esta abelha co!eta tanto resina abdominal. A escopa é composta de densos como pólen, mas não toca os estigmas. Por cachos de pêlos e, conseqüentemente, é ina­ isto, raramente, alguma vez, realiza-se polini­ dequ::~da para carregar resinas pegajosas; so­ zação nesta espécie de Oa!echampia. mente pólen.

D. scandens também é visitada pelas mes­ Hypanthidium carrega resina sob a forma mas espécies (e mesmos indivíduos) de Hy­ de um pequeno glóbulo atrás das mandíbulas. panthidium (fêmeas) coletando resina e/ ou pó• Ela é incapaz de carregar tanta resina como len das inflorescências. Como os estigmas uma abelha de tamanho semelhante pode car­ estão localizados relativamente próximo da regar em suas pernas traseiras (eg. Trigona). glândula, a abelha toca os estigmas e efetua a Assim, por causa de suas restrições morfoló• polinização. Em nenhum caso, observamos gicas e de tamanho, Hypanthidium é incapaz de Euglossa visitando D. scandens para coletar transportar tanta resina como Euglossa; de resina, embora, em uma ocasião, tenhamos ob­ fato, elas têm sido observadas carregando me­ servado uma Euglossa coletar pólen de três nos de cerca de 1/ 1O da resina de Eug!ossa inflorescências de D. scandens. (Armbruster, ined.) . Por isso, provavelmente, não há vantagem para Hypanthidium restringir suas coletas de resina a espécies de glândulas DISCUSSÃO grandes. Um fator adicional a ser considerado é que Parece, primeira vista, surpreendente que à freqüentemente Hypanthidium coleta pólen nas Euglossa fosse vista coletando resina somen­ mesmas visitas em que coleta resina. Uma te de O. affinis, considerando que tanto O. 11 abelh<~ forrageira pode dar-se ao luxo" de co­ affinis como D. scandens secretam resinas se­ letar pequenas quantidades de resina em cada melhantes e Hypanthidium coleta resina de am­ inflorescência, porque ela está "tirando pro­ bas as espec1es. Aparentemente Euglossa veito" da coleta de pólen ao mesmo tempo. está 11 se lecionf:lndo" somente as inflorescên­ cias que têm grandes quantidades de resina Embora Hypanthidium visite ambas as es­ (i. e. D. affinis) e 11 ignoram" as inflorescên­ pécies de Oa/echampia, ela raramente toca os cias que têm menores quantidades de resina estigmas de D. affinis. Conseqüentemente D. (i. e. O. scandens) . Euglossa é uma abelha affinis é polinizada somente por Euglossa e razoavelmente grande (11 mm); ela pode levar não· está sujeita à contaminação por pólen de reiativamente grandes cargas de resina na sua D. scandens. corbícula, uma quantidade de resina maior do O. scandens pode estar sujeita a algum que geralmente é disponível em uma inflores­ fluxo de pólen de O. affinis uma vez que Hy­ cência. Em Cacau Pirera, observamos Eug/ossa panthidium pega pólen de ambas as espécies coletar resina de, em média, 3,3 inflorescên­ e ap:.:~rentemente deposita pólen nos estigmas cias (N = 9; amplitude: 1-7) por viagem. Uma de D. scandens. Contudo, a contaminação do vez que estas abelhas coletam grandes quan­ estigma de O. scandens por pólen de O. affinis tidades de resina de algumas e muitas inflores­ deve ser relativamente baixa, porque as brác­ cências, pode ser energeticamente vantajoso teas de D. scandens abrem muito mais cedo Euglossa limitar suas atividades de coleta de do que as brácteas de D. affinis. Noventa por

Sistemas ... - 15 Flgs . 1-3 - Dalechampia affinis, D. scandens e polinizadores. (As linhas nas figuras 1 e 2 representam 1 em . A ré· gua, na figura 3, está graduada em milímetros): 1) - Dale champia affinis, inflorescência em condição bissexual. Note a grande glândula, 3 flores estaminadas abertas e 3 grandes estigmas; 2) - Dalechampia scandens, inflorescência em condição bissexual. Note a pequena glândula, 5 f lores estamlnadas abertas e 3 flores pistiladas; 3) - O polinizador de D. affinis, Euglossa sp. (esquerda), e o polinizador de D. scandens, Hypanthidium aff. melanopterum (direitA).

16- Armbruster & Webster cento (N = 26) das visitas observadas de of different by such similar piant species is Hypanthidium em D. scandens ocorreram du­ probably the result of the tendency for the larger bees r. e. Euglossa) to forage resin only from sources with rante as 3,5 horas antes da abertura das inflo­ large amounts of resin. "ignoring" inflorescences with rescências de D. affinis, um período no qual small amou nts of resin . Although both D . affinis and Hypanthidium tem que carregar predominante­ D . scandens are visited by Hypanthidium, the pollen mente cargas de pólen puro de D. scanaens. flow between the two species is probably fairly low. Hypanthidium pollinates D. scandens early in the Dalechampia affinis e D. scandens, embora day before the inflorescences of O. affinis are open. simpátricas nos arredores de Manaus, aparen­ lt is too srnall a to transfer any potlen to the temente possuem fluxos de pólen parcialmente stigmas of D . affinis when inflorescences of that segregados. Esta segregação consiste no fato species are open in the late afternoon. de D. affinis "utiliizar" polinizadores diferentes dos D. scandens e porque D. scandens abre suas brácteas mais cedo que D. affinis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARMBRUSTER, W.S. & WEBSTER, G.L. 1979 - Pollínation of two species of Dalechampia AGRADECIMENTOS (Euphorbiaceae) in Mexico by euglossine bees. Biotropica, 11 : 278-283 . Desejamos agradecer aos Drs. Norman D. CAMMERLOHER, H. Penny, William Rodrigues e a outros funcio­ 1931 - Blütenbíologie I. Gebrüder Borntraeger, Ber­ nários do INPA por sua cooperação e assis­ lín. tência. HEJNRJCH, B. & RAVEN, P.H. 1972 - Energetics and pollination ecology. Science, 176: 597-602.

SUMMARY JANZEN, D.H. 1971 - Englossine bees as long-distance pollinators During September, 1978 observation were made of plants. Science, 171: 203-205. near Cacau Pirêra, in the vicinity of Manaus, Amazonas, MÜLLER, H. Brazil, .on the pollination systems of two sympatric 1879 - Die Wechselbeziehungen zwischen den Blu­ species of Dalechampia (Euphorbiaceae). The f lowers men und den ihre Kreuzung vermittelnden of Darechampia are uni sexual; three pisti I late ar.d lnsekten. In: Schenck, Handbuch der Bo­ usually 9-10 staminate flowers are aggregated int1 a tanik I. Eduard Trewent, Breslau . p . 1-112. functionally bisexual inflorescence which is subtended PAX, F. & HoFFMANN, K. by two large showy bracts . The two sympatric species 1919 - Euphorbiaceae-Dalechampieae. Das Pflanzen· which occur near Manaus, D . affinis and D . scandens reich, IV, 147, 12 (68): p. 1·59. differ from each other in time of day that the inflores­ cences are open for pollination, size of bracts, the W .EBSTER, G.L. & A.RMURUSTER, W.S. distances from the f lowers to the gland which secretes 1977 - Pollination ecology of some species of Da­ resin (the pollinator attractant), and the amount of resin lechampia in Mexico. Bot. Soe . Ame r . secreted . D . affinis secretes a larger amount o f resin Misc. Publ., 154: 71. than D . scandens, attracti ng Euglossa sp. and Hypa ~­ WEBSTER, G.L. & WEBSTER, B.D. thidium nr. melanopterum . Because the distance 1972 - The morphology and relationships of Dale­ between the gland and stigma is relatively great, only champia scandens (Euphorbiaceae). Amer. tlhe larger bee, Euglossa, pol linates D . affinis. D . scan· J. Rot., 59: 573-586. dens secretes a smaller amount of resin and attracts only small bees, Hypanthidíum nr. melanopterum, which do pollinate this small-flowered species. The attraction (Aceito para publicação em 19/ 06180)

Sistemas ... -17