Um Ano De Gigantes: Raúl Brandão, António Nobre E Camilo Pessanha
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i i i i i i i i i i i i i i i i i i i i 1867 Um Ano de Gigantes Raul Brand˜ao, Ant´onioNobre e Camilo Pessanha i i i i i i i i Ficha T´ecnica T´ıtulo: 1867 — Um Ano de Gigantes: Raul Brand˜ao, Ant´onioNobre e Camilo Pessanha Organiza¸c˜ao:Ernesto Rodrigues Pagina¸c˜ao:Lu´ısda Cunha Pinheiro Edi¸c˜ao:Centro de Literaturas e Culturas Lus´ofonase Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Lisboa, 2018 ISBN — 978-989-8916-01-3 Esta publica¸c˜aofoi financiada por fundos nacionais atrav´esda FCT — Funda¸c˜ao para a Ciˆenciae a Tecnologia, I.P., no ˆambitodo Projecto «UID/ELT/00077/2013» i i i i i i i i 1867 Um Ano de Gigantes Raul Brand˜ao, Ant´onioNobre e Camilo Pessanha Organiza¸c˜aode Ernesto Rodrigues CLEPUL 2018 i i i i i i i i i i i i i i i i ´Indice Ernesto Rodrigues Nota ....................................... 9 Teresa Martins Marques Raul Brand˜ao:a condi¸c˜aotr´agicado homem moderno .......... 11 Vasco Rosa Raul Brand˜aoe os A¸cores ........................... 21 Annabela Rita Aos ombros da «vis˜aod’artista» ....................... 35 Ernesto Rodrigues Dois sonetos in´editosde Ant´onioNobre .................. 45 Joana Lima S´o: um livro de tinta transparente ...................... 57 Ana Margarida Chora Camilo Pessanha e os matizes da decadˆencia ............... 67 Dion´ısioVila Maior Camilo Pessanha e a figura¸c˜aodo esp´ıritosubjetivo ........... 79 Ant´onioCarlos Cortez Sobre a Poesia: Camilo Pessanha e Gast˜aoCruz — o sentido violento das formas ...................................... 91 Jos´eRui Teixeira Aos ombros de gigantes: a rela¸c˜aode Guilherme de Faria com Carlos de Lemos, Raul Brand˜ao, Ant´onioNobre e Camilo Pessanha .........109 7 i i i i i i i i i i i i i i i i Nota O Congresso Internacional 1867 — Um Ano de Gigantes: Raul Brand˜ao, Ant´onio Nobre, Camilo Pessanha, organizado pelo CLEPUL — Centro de Literaturas e Culturas Lus´ofonase Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, decorreu no Audit´orioda Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) entre 23 e 25 de Outubro de 2017, no sesquicenten´ariodo nascimento de t˜aoilustre trindade. Generosamente acolhidos pela BNP e sua directora, InˆesCordeiro, ouvimos comunica¸c˜oesde Maria Jo˜aoReynaud, Joana Lima, Daniel Pires, Jos´eRui Tei- xeira, Annabela Rita, Ant´onioCarlos Cortez, Golgona Anghel, Jos´eManuel de Vasconcelos, Vasco Rosa, Ana Margarida Chora, Dion´ısioVila Maior, Ricardo Nobre, Teresa Martins Marques e Ernesto Rodrigues, organizador do Congresso, al´emde moderador de mesa-redonda com Ant´onioCˆandidoFranco e conferencis- tas presentes. Outras modera¸c˜oescouberam a Helena Carvalho, Sofia Carvalho e Rui Sousa. Encerrou Jos´eCarlos Seabra Pereira, sobre afinidades e distˆancias dos trˆescontemplados. Na oportunidade, assistiu-se ao lan¸camentode Cinzento e Dourado. Raul Brand˜aoem foco, nos 150 anos do seu nascimento (INCM), de Vasco Rosa, com apresenta¸c˜aode Gustavo Rubim. Aurelino Costa — actor, poeta e diseur, com quem estaremos sempre em d´ıvida– intervalou as sess˜oesrecitando excertos dos trˆesautores. Para mem´oriafutura, decidimos reunir algumas comunica¸c˜oes,representa- tivas dos trˆespercursos, acrescidas de um inesperado de Guilherme de Faria congregador (justificando, al´emdos trˆes,Carlos de Lemos) e de pitada coetˆanea em modo de Ces´ario. Ernesto Rodrigues i i i i i i i i i i i i i i i i Raul Brand˜ao:a condi¸c˜aotr´agica do homem moderno 1 Teresa Martins Marques «Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os h´abitoslentamente acumulados.» Raul Brand˜ao(H´umus) A Obra de Raul Brand˜aoafirma a condi¸c˜aotr´agicado homem moderno, numa ´ıntimaconex˜aoentre a vida e a escrita, conjugando a contesta¸c˜aoe a revolta, le- vando, ao mais alto grau, os paradoxos reflexivos do sujeito ag´onico. Maria Jo˜ao Reynaud, editora de Raul Brand˜aoe uma das suas melhores exegetas, situa o au- tor dentro das linhas fundamentais da est´eticafinessecular, superando o impacto de v´ariasinfluˆenciascontradit´oriasque v˜aodo spleen baudelairiano ao pessi- mismo de Schopenhauer, ao psicologismo de Paul Bourget e `asinfluˆenciasdo romance russo, particularmente de Dostoievski. Raul Brand˜aopˆosradicalmente em causa os modelos liter´ariosvigentes na sua ´epoca,abolindo a oposi¸c˜aoentre prosa e poema, subvertendo as categorias gen´ericas,desvalorizando os elemen- tos convencionais da narrativa e antecipando as experiˆenciasmais inovadoras 1 Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Literaturas e Culturas Lus´ofonase Europeias (CLEPUL). i i i i i i i i 12 Teresa Martins Marques da fic¸c˜aoportuguesa contemporˆanea,de que constituem2 exemplo Finisterra de Carlos e Oliveira ou a obra de Maria Gabriela Lhansol . H´umus, opus magnum brandoniano, teve a sua 1. vers˜aoeditada em 1917, no Porto, pela Renascen¸caPortuguesa; uma segunda, muito refundida, em 1921, no Rio de Janeiro, pelo Anu´ariodo Brasil, tamb´emcom chancela da Renascen¸ca Portuguesa; a terceira, resultante de nova refundi¸c˜ao, editada em Lisboa em 1926, pelas livrarias Aillaud & Bertrand, esta a edi¸c˜aode ´ultimam˜ao, ne va- rietur. Inclassific´avelquanto ao g´enero, nas palavras de Jos´eR´egio: «Em v˜ao se tentar´aarrum´a-ladentro de qualquer g´enerodefinido: nem romance, nem di´ario, nem colectˆaneade cr´onicas,nem ensaio, nem3 poema, nem confiss˜oes;de tudo isto comparticipa e a tudo isto se evade» . A sua estrutura ´ea de um angustioso di´ario, entretecido de reflex˜oespo´eticase metaf´ısicas,abrangendo cerca de um ano (na 3. edi¸c˜ao, de 13 de Novembro a 30 de Novembro do ano seguinte), onde alternam dois mon´ologosinteriores, plasmando um estado alte- rado da consciˆenciade uma 1. pessoa e a voz do seu duplo, o Gabiru, numa atmosfera eminentemente subjectiva, de uma vila estagnada, povoada de velhos, onde o espa¸coe o tempo s˜aodeformados e as imagens irrompem reiterada- mente como fantasmas. H´umus releva do sentimento do absurdo e antecipa-se ao surrealismo, ao existencialismo e ao nouveau roman pelo desmantelamento da intriga tradicional, pela cria¸c˜aode um espa¸cosimb´olico, pela dilui¸c˜aodas personagens num magma narrativo em que o Tempo se torna o motor da «ac¸c˜ao». Idˆenticopapel inovador4 lhe reconhece David Mour˜ao-Ferreira como precursor do nouveau roman . Ant´onioS´ergio, no vol. III dos Ensaios (1932), ter´asido porventura um dos primeiros a chamar a aten¸c˜aopara a Obra brandoniana consi- derada como «um longo mon´ologointerior, donde5 se elevam de espa¸coa espa¸co alguns trechos haml´eticosde humanidade» . Guilherme de Castilho6 afirma que a medita¸c˜aoe o solil´oquiosustentam a obra do autor de H´umus , com a sua multiplicidade de intui¸c˜oesmarginais, com a profundidade que atingem certos momentos de penetra¸c˜aoiluminante, com a for¸caemotiva de que se revestem, com o poder de transfigura¸c˜aopo´eticaque os caracterizam. N’A Farsa e no H´umus, o mon´ologointerior exprime um discurso mental e a estrutura que o suporta ´eel´ıptica,sincopada, por vezes ca´otica,como a conhecemos desde Les Lauriers Sont Coup´es (1887), de Edouard Dujardin, para atingir o seu pleno desenvolvimento com Ulisses (1922), de James Joyce. 2 3 Maria Jo˜aoReynaud, Introdu¸c˜aoa Raul Brand˜ao, H´umus, 2015, p. 8. 4 Jos´eR´egio, «H´umus», in Ler, Novembro de 1952. 5 Cf. David Mour˜ao-Ferreira, 1969, p. 123. 6 Cit. por David Mour˜ao-Ferreira, 1969, p. 126-127. Guilherme de Castilho, 1978, p. 148. www.clepul.eu i i i i i i i i Raul Brand˜ao:a condi¸c˜aotr´agicado homem moderno 13 Em Raul Brand˜ao, o presente da actividade mental das personagens ´eainda o tempo estruturador da narrativa, como muito pertinentemente notou Maria Alzira Seixo, num dos seus primeiros trabalhos ensa´ısticos— Para Um Estudo da Express˜aodo Tempo no Romance PortuguˆesContemporˆaneo (1966) — referindo- -se particularmente ao H´umus: H´auma atmosfera de imobilidade que nos colhe e que, sendo a nega¸c˜aodo movimento, ´etamb´ema nega¸c˜aodo tempo. A narra¸c˜ao ´e-nosfeita quase sempre no presente verbal e este facto, que po- deria estabelecer um contacto mais imediato com a vida `amedida que vai sendo realizada com o quotidiano, n˜aoo faz porque se situa numa atitude est´aticaque, pelo contr´ario, conduz a uma esp´eciede eterno presente. Este presente n˜ao´e,como deveria7 ser por essˆencia, fugidio, evanescente — ´eum presente que dura. Na Obra brandoniana as defini¸c˜oesentrecruzam-se at´e`acontradi¸c˜aom´axima e instituem o primado da multiplicidade do «Eu», que filtra a percep¸c˜aode realidades t˜aodiversas quanto a sua capacidade de se fragmentar nos seus contr´arios,numa perturbante luta interior, num espelho paralelo das m´ultiplas faces do «fantasma» que se imp˜oeao ponto de ser ele pr´oprioo juiz, na pe¸ca O Rei Imagin´ario. Jacinto do Prado Coelho entende que o grande assunto de H´umus ´ea dico- tomia terr´ıficado homem e da vida: E se ac¸c˜aoexiste nesta obra singular, ela parece consistir no choque entre o mundo aparente, a rotina e o mundo autˆentico, na desco- berta desnorteante, s´ubitacomo um relˆampago, de algo monstruoso, informe. Brusca ilumina¸c˜aoprojectada nos habitantes desta8 vila on´ıricae tumular onde o tempo corr´oias almas e as pedras . O mon´ologoaparece-nos sob a forma de di´alogoaparente, porquanto os intervenientes s˜aoduplos fantasm´aticosde9 contornos indistintos. Essa indis- tin¸c˜aorefor¸caa10 «dissolu¸c˜aodo acontecer» como em Ulysses por via da «vulga- riza¸c˜ao» daquele 16 de Junho de 1904, dia vulgar na vida vulgar de Leopold Bloom, de Molly Bloom, de Stephen Dedalus.