Universidade Federal de Juiz de Fora Pós-Graduação em Ciência da Religião Mestrado em Ciência da Religião

Ivan Dias da Silva

OPÇÃO FUNDAMENTALISTA OU OPÇÃO LIBERAL? CONTROVÉRSIAS TEOLÓGICO-POLÍTICAS E CISÃO NA CONVENÇÃO BATISTA DO SUL DOS EUA

Juiz de Fora 2012 Ivan Dias da Silva

Opção fundamentalista ou opção liberal? controvérsias teológico-políticas e cisão na Convenção Batista do Sul dos EUA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ciência da Religião, área de concentração: Religião Comparada e Perspectivas de Diálogo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Wilmar do Valle Barbosa

Juiz de Fora 2012

Silva, Ivan Dias da. Opção fundamentalista ou opção liberal: controvérsias teológico-políticas e cisão na Convenção Batista do Sul dos EUA/Ivan Dias da Silva. - 2012. 144 f.

Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião)–Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012.

1. Religião. 2. Protestantismo. 3. Fundamentalismo I. Título.

CDU 2

Ivan Dias da Silva

Opção fundamentalista ou opção liberal? controvérsias teológico-políticas e cisão na Convenção Batista do Sul dos EUA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Religião, Área de Concentração: Religião Comparada e Perspectivas de Diálogo, do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Religião.

Aprovada em 02 de março de 2012.

BANCA EXAMINADORA

______Prof. Dr. Wilmar do Valle Barbosa (Orientador) Universidade Federal de Juiz de Fora

______Prof. Dr. Émerson José Sena da Silveira Universidade Federal de Juiz de Fora

______Prof. Dr. Francisco Luiz Pereira da Silva Neto Universidade Federal de Pelotas

To the triune God almighty for all help that He gave me during the preparation of this work.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e pelas oportunidades na realização do presente trabalho;

A minha esposa Sueli, pelo apoio e compreensão em minhas ausências mesmo quando estive presente;

Ao meu amigo e colega de estudos, Roney de Seixas Andrade, por termos partilhado juntos esta jornada que prossegue no doutorado;

Ao meu orientador Wilmar do Valle Barbosa, por sua orientação exigente, mas ao mesmo tempo amiga;

Ao Departamento de Ciência da Religião da UFJF através de sua coordenação, corpo docente e secretaria;

Ao Dr. , presidente do Southwestern Baptist Theological Seminary, por todo o seu apoio, enviando-me literatura e estando sempre disponível, com respostas imediatas, quando necessitei de informações;

À UFJF pelo apoio financeiro recebido como bolsista de monitoria no 2º semestre de 2010

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 1

CAPÍTULO 1: OS BATISTAS E A SBC ...... 6 1. A Origem dos Batistas ...... 6 2. A Emigração dos Batistas para os EUA e a Organização da SBC ...... 34 Primeira Conclusão Parcial ...... 38

CAPÍTULO 2: EXPANSÃO E HEGEMONIA DA PERSPECTIVA TEOLÓGICA LIBERAL ...... 41 1. O Contexto e a Expansão da Perspectiva Teológica Liberal na SBC ...... 41 2. A Situação da SBC Antes da Emergência Fundamentalista ...... 54 3. A Burocracia Institucional da SBC ...... 60 Segunda Conclusão Parcial ...... 70

CAPÍTULO 3: A REAÇÃO E EMERGÊNCIA FUNDAMENTALISTA ...... 71 1. Os Batistas do Sul dos EUA e o Fundamentalismo ...... 73 2. As “Batalhas Batistas” na SBC ...... 78 3. A Efetivação da Emergência Fundamentalista ...... 92 Terceira Conclusão Parcial ...... 117

CONCLUSÃO FINAL ...... 118

BIBLIOGRAFIA ...... 124

ANEXOS ...... 129

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo geral apresentar as controvérsias entre as perspectivas teológicas liberal e fundamentalista ocorridas no âmbito da Southern Baptist Convention (SBC), nos EUA, iniciadas na década de 60, com seu ápice na década de 80 e desdobramentos que resultaram na cisão da referida Convenção no final do século XX. A SBC é a maior denominação do cristianismo protestante do mundo, com cerca de 16 milhões de membros e poderosa influência nos ambientes religioso e político norte-americano. Os conflitos intra-denominacionais tiveram como alvo o controle dos recursos e direção ideológica da SBC. De um lado estavam os fundamentalistas, que defendiam a Bíblia como inerrante e entendiam que a tendência modernista presente na denominação era um grande mal a ser extirpado. Do outro se encontravam os liberais, que valorizavam a abordagem histórico-crítica às Escrituras, a teoria da evolução, a filosofia existencialista e o estudo das religiões comparadas. A diferença entre estas perspectivas teológicas tornou a convivência no mesmo ambiente denominacional inviável, gerando um conflito que veio a culminar com a emergência fundamentalista ao poder na SBC, destituindo os outrora solidamente estabelecidos liberais de suas funções de comando na Convenção.

PALAVRAS-CHAVE: Fundamentalismo, Intolerância, Protestantismo Norte-Americano, Batistas e Southern Baptist Convention.

ABSTRACT

This Master’s thesis’ general goal is to present the controversies between the liberal and fundamentalist theological perspectives which have occurred within the Southern Baptist Convention (SBC), that have been initiated in the beginning of the 1960’s, with its apex in the 1980’s and developments that led to a split in the Convention at the end of the 20th century. The SBC is the largest world’s Christian protestant denomination, whith approximately 16 million members and powerful religious and politics influence in the USA. These denominational conflicts targeted to control the resources and the ideological direction of the Southern Baptist Convention. On the one hand were the fundamentalists, upholding the Bible as an inerrant book and believing that the modernist tendency was the great evil to be purged from the denomination. On the other were the liberals that appreciated the historical-critical approach to the Bible, the theory of evolution, the existentialist philosophy, and the study of comparative religions. For these different theological perspectives their coexistence at the same denominational scope became unfeasible, giving rise to a conflict that resulted in the fundamentalist’s emergence to the Conventions’ leadership, removing the liberals that once was well-established in charge in the SBC.

KEYWORDS: Fundamentalism, Intolerance, American , and Southern Baptist Convention.

INTRODUÇÃO

O objetivo geral desta pesquisa é entender os processos de cisão no interior da Convenção Batista do Sul dos EUA (Southern Baptist Convention), doravante denominada SBC, analisada a partir do intenso conflito iniciado no princípio da década de 1960 pelo controle de recursos e pela direção ideológica da maior denominação protestante da América do Norte, e não católica do mundo. Enquanto o movimento que produziu a mais séria controvérsia ocorrida na SBC desde seu estabelecimento foi chamado por seus arquitetos de “ressurgimento conservador”, os seus opositores o denominaram de “tomada de poder fundamentalista”. A SBC foi organizada em 1845, em Augusta, Geórgia, e conta com 16 milhões de membros, possuindo 42 mil igrejas nos EUA.1 Da referida cisão surgiu, em 1991, uma nova convenção batista, a Cooperative Baptist Fellowship, doravante denominada CBF, formada pelos teologicamente liberais e que possui atualmente cerca de 1900 igrejas filiadas.2 Sabemos que no contexto batista o uso da Bíblia é fundamental nas orientações tanto de fundamentalistas quanto de liberais. No que diz respeito à emergência do fundamentalismo no âmbito da SBC, trataremos de perceber na Bíblia quais as passagens e as interpretações utilizadas pelos conservadores para legitimar suas posições e em que contextos essas escolhas se deram. Os líderes da reação fundamentalista fazem uma interpretação mais literal da noção de inerrância bíblica3, e consideraram a tendência liberal nas instituições de formação teológica subvencionadas pela SBC como o principal alvo de sua luta dentro da Convenção. Karen Armstrong afirma que os fundamentalismos religiosos “são formas de espiritualidade combativas”, que surgiram como reação à percepção de alguma crise no âmbito da vivência religiosa e/ou grupal enfrentando “inimigos cujas políticas e crenças secularistas parecem

1 Paul PRESSLER. A hill on wich to die, p. 286 2 Pamela R. DURSO. A short history of the Cooperative Baptist Fellowship Movement, p. 21 As repercussões religiosas da cisão na SBC são consequência da história, presença e número de batistas nos EUA (somando cerca de 16 milhões na SBC e mais 14 milhões nas outras 55 denominações batistas naquele país) e no mundo. James C. BLAYLOCK. Baptists groups in America, pp. 1-43 3 Paige PATTERSON. The issue is truth, p. 58 Quando os cristãos mencionam a “inerrância da Bílbia” estão se referindo à convicção de que a Bíblia não contém ensinamentos falsos ou erro. Grande parte dos Batistas do Sul dos EUA tem acreditado há longo tempo que, em relação aos manuscritos originais, a revelação de Deus é perfeita e sem erro, doutrinariamente, historicamente, cientificamente e filosoficamente. 2

contrárias à religião.” 4 Nesse sentido são movimentos que desejam voltar à prática do que são considerados “princípios fundamentais” ou vigentes na fundação de um determinado grupo religioso. O fundamentalismo religioso em geral (e a vertente que nos interessa, em particular) possui como principais características: (1) conceber-se como o único depositário de uma revelação dita “divina” e como detentor de uma verdade absoluta; (2) praticar leitura literalista e unilateral com uma hermenêutica que normalmente não responde às questões contextuais históricas ou sócio-culturais, por defender, no caso que nos interessa, a inspiração verbal do texto bíblico, e (3) atribuir um caráter supra-histórico e escatológico à sua mensagem.5 Já o liberalismo teológico, também conhecido como modernismo teológico, promove, no dizer de Harry Emerson Fosdick, “a grande mudança no pensamento teológico, ocorrida em fins do século XIX. A sua característica principal é o desejo de adaptar as ideias religiosas à cultura e formas de pensar modernas”.6 Podemos dizer que o liberalismo ou modernismo teológico pode ser melhor compreendido se levarmos em consideração que ele: (1) busca ajustar as idéias religiosas às vias modernas de pensamento; (2) concebe Deus como imanente (ou seja, próximo dos humanos); (3) acredita que a civilização progride em direção ao reino de Deus.7 Em síntese, o modernismo teológico incorpora as ideias (modernas) de ajustamento, imanência e progresso. O liberalismo ou modernismo teológico teve sua origem na Alemanha, onde convergiram várias correntes teológicas e filosóficas no século XIX. Fundamental nesse processo foi a influência do romantismo, com sua ênfase nos sentimentos e na intuição como fontes da verdade absoluta e, portanto, divina. O pensamento alemão teve um impacto profundo sobre a teologia britânica e norte-americana, mas movimentos autóctones nos dois lugares moldaram de modo significativo o desenvolvimento do liberalismo teológico.8 Tendo em vista nosso objeto, o recorte temporal da pesquisa abrange o período que vai de 1961 a 2000, no qual se observa a emergência fundamentalista.9 Em 1961 foi publicado

4 Karen ARMSTRONG. Em nome de Deus, p. 15 5 Carlos Cesar Peff NOVAES. A face obscura, p. 4. 6 Harry Ermenson FOSDICK. Liberalismo teológico, p. 425 7 Barry HAWKINS. American evangelicals, p. 20 8 Harry Emerson FOSDICK, Op. cit, p. 426. No caso norte-americano, o romantismo contribui para o “ajuste evangélico” do protestantismo. Em outras palavras, o modernismo teológico caminha na direção “individualista”, isto é, na afirmação do caráter individual da experiência de Deus por meio da intuição e dos sentimentos pessoais. 9 Não há uma concordância quanto ao tempo da duração da emergência fundamentalista na SBC. A maioria dos autores estabelece como ponto de partida a primeira vitória fundamentalista com a eleição de Adrian Rogers para a presidência da Convenção na assembleia realizada em 1979, em Houston, . Cremos que a divergência maior diz respeito à data de encerramento do conflito: Se ocorreu quando os inerrantistas conseguiram a maioria dos conselheiros das agências da denominação, efetivando o controle da Convenção (1990), se quando os 3

pela Broadman Press, editora oficial da SBC, o livro The Message of Genesis, de Ralph M. Elliot, autor ligado à corrente liberal, então professor de uma instituição teológica da SBC, o Midwestern Baptist Theological Seminary. Nesta obra o autor emprega métodos histórico- críticos com suposições e conclusões que o conduziram a questionar a inerrância de algumas partes do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, que, dentre outras narrativas, apresenta a origem do ser humano e do universo como um ato direto de Deus. No mesmo ano, em resposta a Elliot, o conservador K. Owen White, então da Primeira Igreja Batista de Houston, Texas, escreveu o artigo Death in the Pot (“Morte na Panela”), sugerindo, com base na leitura de 2 Reis 4:40, que uma “erva nociva” havia sido introduzida na SBC. Para White o livro de Elliot era “liberalismo puro e simples”, um “veneno” que poderia conduzir à desintegração final de uma grande denominação neotestamentária como a SBC.10 No início do século vinte teólogos liberais concluíram que a Bíblia era tão errante quanto outros escritos antigos. Associada a esta nova tendência, a então recente teoria da evolução de Darwin passou a minar a confiança na suposta veracidade empírica das Sagradas Escrituras. A nova maneira de encarar a Bíblia começou a cativar a mente de muitos teólogos norte-americanos11. Porém, a SBC permaneceu fiel à sua própria ortodoxia. No entanto, por volta das décadas de 1950-60 os questionamentos críticos sobre a chamada inerrância da Bíblia passaram a vir de eruditos e líderes religiosos da própria SBC, influenciados pela metodologia da “Alta Crítica.” 12 Nesse contexto, os defensores do liberalismo teológico afirmaram, por fim, que a Bíblia é um livro imperfeito e que, consequentemente, contém erros. 13 No ano 2000, após três décadas de debates e de publicações de ambas as partes, é finalmente lançado o texto The Baptist Faith and Message, nova declaração de fé da SBC, cujo conteúdo radicaliza as posições fundamentalistas no que se refere às questões geradoras da controvérsia, e se constitui num forte sinalizador da vitória dos inerrantistas na Convenção dos batistas do Sul dos EUA.14

liberais deixaram a SBC fazendo da CBF uma denominação à parte (1991) ou se quando, em 2000, foi aprovada a nova declaração de fé dos Batistas do Sul. Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p. 13; Jerry SUTTON. The Baptist reformation., p. 248; Bill J. LEONARD. Baptist ways, p. 415 10 Ralph M. ELLIOT. The genesis controversy and continuity in Southern Baptist chaos, p. 57 11 J. C. HEFLEY. The conservative resurgence in the Southern Baptist Convention., p. 26 12 J. C. HEFLEY. Op. cit., p.15. Cf. também R. K. HARRISON. Alta crítica, pp. 50, 51. O termo “alta crítica” denota o estudo da Bíblia do ponto de vista da narrativa literária, em contraste com a “baixa crítica” que trata do texto da Bíblia e a sua transmissão. A “alta crítica” tem três interesses principais: (a) detectar a presença de fontes literárias que subjazem uma obra; (b) identificar os estilos literários que perfazem a composição; e (c) fazer suposições sobre questões de autoria e data. 13 J. C. HEFLEY, Op. cit., p. 14. 14 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p. 13 4

Em nossa dissertação examinamos brevemente a história da origem do movimento batista no mundo e as características peculiares de sua implantação e desenvolvimento nos EUA. Indicamos os fatos que implicaram no surgimento e desenvolvimento de divergentes interpretações teológicas, a convivência dos oponentes e, posteriormente, as razões do porque do acirramento dos conflitos teológico-políticos no interior da SBC. Procuramos também entender a estrutura e o modo de operação da Convenção, e as motivações que levaram as diferenças entre os fundamentalistas e liberais terem se tornado irreconciliáveis. Dentro desta perspectiva buscamos expor as linhas gerais do planejamento estratégico dos fundamentalistas para tomada de poder da Convenção norte-americana e a reação dos adeptos da perspectiva liberal. Por fim, apresentamos as conseqüências do cisma, os problemas e as perspectivas futuras para os grupos divergentes. Como é possível perceber, nossa intenção é analisar as causas efetivas da cisão na SBC e verificar os pressupostos e motivações dos fundamentalistas e liberais em seus discursos e ações. A nossa hipótese é que a cisão na SBC se deu em virtude das diferenças entre fundamentalistas e liberais terem se tornado irreconciliáveis, tanto teologicamente quanto na política administrativa da Convenção e de suas organizações internas. Entendemos que as referidas diferenças não eram apenas de caráter teológico, como afirmado pelos vitoriosos. Somos do parecer que houve também uma disputa pelo controle ideológico da denominação e pelo poder de intervenção no espaço público e na vida política norte- americana. Ao longo de nossa dissertação tentaremos apresentar resposta às seguinte questões que nos parecem decisivas: dada as origens dos batistas, com sua ênfase matricial na separação entre igreja e Estado, como e porque surgiram no contexto norte-americano as fundamentações teológicas que incluem opções ideológicas conservadoras de controle da política interna e de apoio aos proselitismos da política externa? Que deslocamento de sentido é esse pelo qual uma expressão religiosa original, que era voltada a conservar a liberdade e autonomia da experiência espiritual em face do político, hoje preconiza, de fato, justamente uma posição teológico-política, ou seja, a ideia de fundar religiosamente os normas que regem a vida e as instituições públicas.15. Nesta dissertação são tomados como ponto de partida as obras e autores que lançaram as bases teológicas do fundamentalismo, tais como a obra The Fundamentals, dos teólogos da Universidade de Princeton. Como sabemos, esta obra tenta estabelecer, a partir de

15 Carlos Cesar Peff NOVAES, Op. cit., p. 14 5

uma perspectiva altamente dogmática, os chamados fundamentos da fé, ou seja, os elementos da doutrina tradicional tidos como inquestionáveis, tais como a autoridade, inspiração e a absoluta veracidade da Bíblia, a deidade de Cristo, seu nascimento virginal, dentre outros.16 Considerar-se-ão também, dentre outros, os importantes trabalhos do historiador norte-americano George M. Marsden e da historiadora inglesa Karen Armstrong17. Esta última tem sua importância pela abordagem dada à questão do fundamentalismo, sobretudo ao afirmar não ser este um mero retrocesso a um passado arcaico, mas, sim, paradoxalmente, um movimento inovador e modernizante. Foram também considerados os principais atores ligados à corrente fundamentalista na SBC: Paige Patterson, um dos idealizadores da emergência fundamentalista, presidente da SBC (1998 a 2000), atualmente presidente do Southwestern Baptist Theological Seminary, e Paul Pressler, líder denominacional, juiz em Houston, Texas. Pelos liberais, destacaremos as obras de dois historiadores religiosos, sendo o primeiro Walter B. Shurden, ex-diretor do Centro de Estudos Sobre os Batistas na Mercer University, em Macon, Georgia (1983-2007), e que foi membro do primeiro conselho diretor da CBF. O outro é Bill J. Leonard, ex-diretor da faculdade de divindade da Wak Forest University, em Winston-Salem, Carolina do Norte (1999-2010).18 Temos ciência da existência de nuances entre o fundamentalismo e liberalismo, mas entendemos que todas elas são variações de um ou de outro, que tendem mais para um ou para outro. A partir desta convicção é que nesta pesquisa trabalhamos com as matrizes, fundamentalista e liberal, que são os dois grandes eixos teológicos e ideológicos.19

16 R. A. TORREY (ed.) Os fundamentos, p. 7 17 George M. MARSDEN. Understanding fundamentalism and evangelicalism, p. 15; Karen ARMSTRONG. Uma história de Deus, p. 12 18 J. C. HEFLEY. The truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, p. 75 19 A socióloga norte-americana Ammerman, por exemplo, divide as diferentes concepções teológicas dentre os Batistas do Sul em: (1) fundamentalistas autoidentificados, (2) conservadores-fundamentalistas, (3) conservadores, (4) conservadores-moderados e (5) moderados autoidentificados. Nancy Tatom AMMERMAN. Baptist battles, pp. 72- 79. Em nosso trabalho identificamos que os três primeiros grupos são variações da matriz fundamentalista enquanto os dois últimos são nuances da matriz liberal. O historiador religioso Jerry Sutton e o escritor James C. Hefley (que se autodefinem como conservadores) apresentam a mesma divisão como sendo dupla, entre conservadores e moderados. Jerry SUTTON. The Baptist reformation, p. 6; James C. Hefley. The conservative resurgence in the Southern Baptist Convention, p. 45. 6

CAPÍTULO 1: OS BATISTAS E A SBC

1. A Origem dos Batistas

Todas as denominações têm datas fixas de seu início e o nome do seu fundador. Tal, porém, não acontece com a denominação batista. Em virtude disso têm havido algumas conjecturas e controvérsias no sentido de buscarem apresentar a origem real desse povo.20

Para melhor explicar quem são os batistas devemos começar apresentando a gênese desta denominação cristã, suas raízes históricas, ainda que de modo sintético. Somos do parecer que tal procedimento nos auxiliará na compreensão do que esta denominação é atualmente. No entanto, é necessário dizer que, muito embora este procedimento possa parecer simples, ele revelou-se surpreendentemente difícil, dada a complexidade e as controvérsias mesmas no âmbito da própria denominação batista.21 Mesmo assim optamos por realizá-la, na esperança de melhor compreender o que de fato os batistas são atualmente.

1.1 As três teorias da origem dos batistas

Entre os historiadores da religião não há unanimidade no tocante à origem do grupo. A busca de tal informação encontra respostas variadas, e é um dos aspectos mais controversos e debatidos dentro da história dos batistas. A denominação, como veremos adiante, não possui um fundador único, cuja vida e pensamento identifiquem sua origem histórica e seus fundamentos teológicos originais. Outro fato que contribui para a complexidade de compreensão do assunto em pauta relaciona-se ao fato mesmo de que são oferecidas explanações variadas sobre as raízes do movimento, podendo ser distinguidas três teorias principais concernentes ao início da denominação.22 São elas: a Sucessionista (“JJJ” ou

20 Ebenézer Soares FERREIRA. Manual da igreja e do obreiro, p. 399 21 Robert A. BAKER. Southern Baptist beginnings. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 22 Bill J. LEONARD. Op. cit., p.10; Stanley J. GRENZ. The Baptist congregation, p. 75 7

“Jerusalém-Jordão-João”), a do Parentesco Espiritual com os Anabatistas do século XVI, e, finalmente, a teoria da origem relacionada aos Separatistas Ingleses do século XVII. 23 a) Teoria sucessionista.

Not at the Jordan River,

but in that flowing stream,

stood John the Baptist Preacher,

when He baptized Him.

John was a Baptist preacher,

when he baptized the Lamb,

so Jesus was a Baptist.

And thus the Baptists came.24

A poesia norte-americana do século XIX, apresentada em parte na citação acima, ilustra um sentimento popular simétrico a uma percepção que é tida como verdade histórica. Esta percepção constitui o eixo categorial da teoria sucessionista da origem dos batistas, uma das mais antigas, predominantemente aceita até o início do século passado e também conhecida como teoria Jerusalém-Jordão-João (“JJJ”). Segundo esta teoria os batistas “vêm numa linha ininterrupta desde os tempos em que João Batista efetuava seus batismos no rio Jordão”.25 Adeptos desta interpretação divergem sobre o momento exato do início da sucessão. Se com João Batista, com o ministério público de Jesus Cristo ou se no Dia de Pentecostes26. No entanto, esta teoria, também conhecida como sucessão apostólica das

23 J.L.GARRETT, Jr. et al. Are Southern Baptists evangelicals?, p. 148 24 Bill J. LEONARD. The challenge of being Baptist, p. 15. Não no Rio Jordão/ mas neste corrente ribeiro/ estava o pregador João/ ao batizar de Deus o Filho./ João era um pregador batista/ quando batizou o Cordeiro./ Logo, Jesus era um batista./ E, assim, a denominação veio. 25 José dos Reis PEREIRA. Breve história dos batistas, p. 9 26 M. C. TENNEY. Pentecoste. In: W. A. ELWELL (ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, p. 136. Na igreja cristã o Pentecostes é o aniversário da vinda do Espírito Santo. De acordo com a narrativa bíblica, quando Jesus subiu ao céu, mandou seus discípulos ficarem em Jerusalém até receberem poder do alto. Enquanto um grupo de 120 fiéis estava orando num cenáculo em Jerusalém, cinqüenta dias após a morte de Jesus, tiveram 8

igrejas batistas é aquela à qual é dada maior ênfase por parte daqueles que traçam a história batista a partir desse marco teórico.27 Essa posição foi defendida pelo historiador batista Thomas Crosby em sua History of English Baptists, e pelo pastor J. M. Carroll em sua obra Trail of Blood, largamente difundida no ambiente da denominação, especialmente nos Estados Unidos da América e no Brasil. 28 Este último livro recebeu um subtítulo sugestivo: “Acompanhando os cristãos através dos séculos ou A história das Igrejas Batistas, desde o tempo de Cristo, seu fundador, até os nossos dias.” Nesta sua obra, Carroll afirma que “nem Cristo nem os seus apóstolos deram em qualquer tempo aos seus seguidores designações denominacionais como ‘Católico’, ‘Luterano’, ‘Presbiteriano’, ‘Episcopal’, etc., a não ser o nome dado por Cristo a João, que passou a ser chamado ‘O Batista.’”29 Analisando o ponto-de-vista sucessionista sobre a origem dos batistas, a partir da obra de Carroll, o ex-presidente da Convenção Batista Brasileira, Ebenézer Soares Ferreira afirma que o objetivo do autor norte-americano foi o de identificar em determinados grupos cristãos que se organizaram para combater os “erros” da Igreja Católica (cometidos por montanistas, novatistas, donatistas, paulicianos, albingenses, waldenses e anabatistas), a aceitação dos mesmos princípios aceitos pelos batistas, ainda que tais grupos não fossem conhecidos pelo nome “batista.” 30 Ao se levar em consideração Ferreira, alguns dos princípios seguidos por tais grupos teriam sido os seguintes: 1) liberdade de culto e de consciência; 2) combate à prática do pedobatismo, isto é, o batismo infantil; 3) aceitação da Bíblia como a única regra de fé e prática religiosa; 4) rejeição da autoridade papal e combate ao direito que os reis se arrogavam de poder interferir em assuntos de cunho puramente religioso; 5) reconhecimento como único batismo o que era praticado por imersão 6) pertença

uma experiência descrita como a descida do Espírito Santo sobre eles com o som de um vento poderoso e com línguas de fogo que teriam pousado sobre cada um deles. Relata a Bíblia que teriam estes começado a falar em outras línguas e a pregar com intensidade em nome de Cristo. Naquele dia três mil pessoas teriam aderido à fé cristã. Este fato marcou o começo da igreja, que a partir de então tem considerado o Pentecostes como seu aniversário. 27 W. Glenn JONAS (ed.) The Baptist river, p. 162 Esta teoria defende que os batistas sucedem os primeiros apóstolos nomeados por Jesus Cristo, e isso numa linha ininterrupta em toda a história da igreja cristã. De acordo com esta interpretação, a denominação teria permanecido fiel ao seu divino fundador. 28 Thomas Crosby (1685-1750) foi um batista londrino de grande influência na denominação, historiador e diácono da igreja por muitos anos. Sobre este autor, ver disponível em Acesso em: 29.06.10. Por sua vez, (1852–1931) foi um pastor batista americano. Graduou-se pela e foi líder da denominação tanto na Convenção Batista Geral quanto na Convenção Batista do Sul dos EUA. Seu grande legado entre os batistas, pelo qual ele é honrado e vilipendiado é seu livreto sobre a história dos batistas intitulado Trail of Blood, publicado em 1931. Este livreto promove a visão landmarkista das origens batistas, sobre a qual nos deteremos mais adiante. James Leo GARRET. Baptist , pp. 235-236 29 J. M. CARROLL. O Rasto de sangue, p. 22 30 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit, p. 441. Sobre esta questão cf. também a obra de Fisher HUMPHREYS. The way we were, p. 43 9

à membresia da igreja por meio de profissão de fé e testemunho público de regeneração. Muito embora tais princípios fossem comuns a esses grupos, nem todos eles professavam todos estes princípios ao mesmo tempo.31 Outra conclusão a que chegam os adeptos da teoria sucessionista é que os batistas, por precederem a Reforma, não podem, em conseqüência, ser propriamente considerados como “protestantes”. 32 Tal avaliação é parte significativa da interpretação sucessionista da história dos batistas. Carroll, por exemplo, afirma que os batistas “não vieram da Igreja Católica durante a Reforma. Antes da reforma estes batistas tinham grandes igrejas.”33 Já Bekgaard declara, por sua vez, que os que nunca “desejaram entender os batistas ou seus valores, defendem uma origem [dos batistas] na Reforma. Entre todos os historiadores dedicados especificamente ao estudo dos batistas nenhum afirmou sua origem. Se uma data fosse possível já teria sido apontada.” 34 Estes batistas sucessionistas que insistiam que a igreja instituída por Jesus e seus apóstolos era efetivamente batista ficaram conhecidos mais tarde como “landmarquistas”. Este termo é utilizado para designar várias convicções sustentadas por alguns membros desta denominação, especialmente na região sudeste dos Estados Unidos, no que diz respeito à natureza da igreja. O landmarquismo, típico do século XIX, quando os batistas eram a segunda maior denominação dos EUA 35, é uma

Corrente batista radical que considerava ‘a eclesiologia batista como a única neotestamentária’. Realmente o historiador A. R. Crabtree, na introdução à sua obra, segue claramente as idéias de Taylor, que por sua vez acompanha os ‘landmarquistas’. ‘O povo desta fé é mais antigo que o seu nome histórico, porque é da mesma fé e ordem dos cristãos do Novo Testamento. As igrejas apostólicas eram verdadeiramente batistas porque constavam somente de crentes batizados, porque eram democráticas, e porque respeitavam a consciência e liberdade pessoal.’ Diz ainda Crabtree: ‘Um estudo cuidadoso e livre de preconceito das igrejas apostólicas convencerá qualquer pessoa de que elas eram essencialmente da mesma fé e ordem das igrejas batistas de nossos dias.’ Os ‘landmarquistas’ afirmavam que as associações locais (congregações batistas) sendo diretamente descendentes do tempo de Cristo, constituíam, através da história, marcos de uma sucessão apostólica, não através de uma linha de bispos, mas de uma ininterrupta corrente de congregações voluntárias idênticas às do Novo Testamento, desde os tempos apostólicos até o presente.36

31 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., pp. 400-401 32 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.11 33 J. M. CARROLL. Op. cit., p. 22 34 W. M. BEKGAARD. The non-protestant Baptists, p.133 35 Israel Belo de AZEVEDO. A celebração do indivíduo, p. 128 36 Antônio Gouvêa MENDONÇA. O celeste porvir, pp. 296-297 10

De modo mais peculiar, os landmarquistas afirmam que o modelo proposto pelo Novo Testamento é o de uma igreja que nada mais é do que uma congregação local e visível, dado à crença segundo a qual qualquer alusão a uma igreja universal violaria os princípios próprios do Novo Testamento. Por crerem que os batistas dão corpo à única igreja fundada por Jesus Cristo, os landmarquistas declararam que “os demais ramos do protestantismo, enquanto herdeiros do catolicismo medieval, haviam conservado muitas corrupções da Igreja Católica”37 e não eram, portanto, igrejas genuínas e em conformidade com os padrões apresentados no Novo Testamento. James Robinson Graves (1820-1893), pastor, escritor e editor, ficou conhecido como autor e “profeta do landmarquismo” na América do Norte. 38 Muito embora criado na denominação cristã Congregacional, uniu-se à igreja batista aos 15 anos de idade, vindo a se tornar um dos mais influentes líderes da Convenção Batista do Sul dos EUA no século XIX, e principal divulgador do movimento landmarquista. Antes de sua morte, Graves pôde ver a teoria que defendia reconhecida como ortodoxia inquestionável pela maioria dos batistas do Sul dos Estados Unidos. 39 Ele difundiu o landmarquismo usando a Convenção Batista do Sul dos EUA enquanto a presidiu, e, especialmente, através do The Tennessee Baptist, jornal eclesiástico denominacional que ele mesmo editou. No encontro da SBC em Cotton Grove, Carolina do Norte, realizado em junho de 1851, foram levantadas as principais indagações do que veio a ser denominado “landmarquismo”. Nesta ocasião o próprio Graves perguntou retoricamente aos participantes desse evento:

(1) Os batistas podem, consistentemente com seus princípios ou com as Escrituras, reconhecer como igrejas de Cristo sociedades não organizadas de acordo com o padrão da Igreja de Jerusalém, mas possuindo diferentes governos, diferentes oficiais, uma diferente classe de membros, diferentes ordenanças, doutrinas e práticas? (2) Podem elas ser chamadas igrejas evangélicas ou igrejas num sentido religioso? (3) Nós podemos consistentemente reconhecer os ministros de tais corpos irregulares e não escriturísticos como ministros do evangelho? (4) Não é virtualmente reconhecê-los como ministros oficiais convidá-los aos nossos púlpitos ou por qualquer outro ato que viria ou poderia ser entendido como tal reconhecimento? (5) Nós podemos consistentemente chamar como irmãos estes alegados cristianismos que, não somente não possuem a doutrina de Cristo e não

37 Antônio Gouvêa MENDONÇA. Op. cit., p. 297 38 James E. TULL. Shapers of Baptist thought, p. 129 39 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 11 11

andam em acordo com seus mandamentos, mas estão alinhados em direta e severa oposição a eles? 40

Nesta assembleia convencional de 1851 tais questões foram amplamente debatidas e unanimemente respondidas de forma negativa. Como fruto deste debate foi então elaborado um documento denominado Cotton Grove Resolutions que registrou o resultado dos trabalhos da assembleia e divulgou-o. Os batistas do Tennessee, bem como multidões de membros desta denominação em todo o Sul dos EUA, endossaram o referido documento. Em 1854, James Madison Pendleton, pastor e professor universitário, atendendo a uma solicitação de Graves, escreveu um ensaio denominado Devem os Batistas Reconhecer os Pregadores Pedobatistas Como Ministros do Evangelho?, que foi publicado em forma de panfleto, com o título An Old Landmark Reset.41 Este ensaio teve imensa circulação no sul e também no norte do país. Muitos o criticaram, e como meio de reprovação, chamaram de old landmarkers ou “marcadores antigos” todos os batistas que aceitaram as conclusões contidas neste texto, surgindo daí a impressão de que Pendleton e Graves estariam promovendo uma divisão na denominação para iniciar uma nova seita, o landmarquismo, assim denominado pelos opositores do movimento.42 O termo surge de uma interpretação do texto bíblico de Provérbios 22:28: “Não removas os marcos antigos (ou limites) que teus pais fixaram”. Segundo Russel Norman Champlin,

Por seis vezes, a Bíblia proíbe que se mudem as pedras que marcavam os limites das propriedades. (...) As terras familiares dependiam da permanência desses limites, e cada família israelita era proprietária das terras. Isso fazia parte do conceito de justiça e equidade entre os hebreus e da justa ordem social. Um agricultor, entretanto, facilmente podia ampliar as dimensões de seu terreno removendo as pedras que marcavam os limites. Essa era uma forma de furto que violava o oitavo mandamento (Êxodo 20:15). (...) Os antepassados respeitados eram os que tinham estabelecido os limites dos terrenos pertencentes às famílias, e mexer com a justiça antiga, mediante uma perversão moderna, era, realmente, um pecado sério. Os próprios pagãos tinham leis similares (...) Era sentido que os deuses requeriam e garantiam a preservação das linhas que determinam os limites.43

40 J. R. GRAVES. Preface: The origin of the appellation “old ” – its present strength. Disponível em: www.reformedreader.org/history/graves/ol/preface.htm. Acesso em: 27.07.10 41 M. A. NOLL & R. E. JOHNSON. Landmarquismo. In: W. A. ELWELL (ed.). Op. cit., p. 411 42 J. R. GRAVES. Preface: The origin of the appellation “old landmarkism” – its present strength. Disponível em: www.reformedreader.org/history/graves/ol/preface.htm. Acesso em: 27.07.10 43 Russel Norman CHAMPLIN. O Antigo testamento interpretado versículo por versículo, p. 2653 12

Assim sendo, os landmarquistas concluíram que muitos batistas e outros grupos cristãos não estavam cumprindo a orientação da Bíblia, observada pelos “verdadeiros” batistas, isto é, os próprios landmarquistas. Por conseguinte, em conformidade com conclusão, os batistas landmarquistas consideravam-se “os únicos autênticos habitantes do Reino de Deus e os legítimos descendentes da antiga tradição cristã.” 44 No panfleto An Old Landmark Re-set, o principal alvo das críticas de “corrupção” das doutrinas cristãs eram os pedobatistas. 45 Em seu texto, Pendleton afirma que de fato o único batismo válido é aquele que segue o significado da palavra na língua grega, baptizo, que significa “imersão”. Porém, no seu entendimento os pedobatistas recusam fazer o que Cristo mandou. Assim sendo, segundo esta avaliação landmarquista não somente a forma do batismo - por aspersão ou derramento de água - é vista como equivocada. O fato é que além deste equívoco, os pedobatistas cometem outro, pois que “mudam a ordem da última comissão do Salvador (...) e administram o que eles chamam de batismo à crianças que não deram provas de discipulado, e que são naturalmente incapazes de entrar no processo de discipulado”. Assim sendo, os pedobatistas não batizam ninguém. A ideia defendida pelos batistas em geral e pelos landmarquista, em particular, é a de que o verdadeiro batismo – que se dá por imersão – só é efetivamente válido se aplicado a pessoas capazes de optar livremente por esta prática. A conclusão de Pendleton foi que as igrejas pedobatistas não eram efetivamente cristãs por contrariarem tais procedimentos, interpretados por Pendleton como essenciais. No seu entendimento, “se os Pedobatistas falham em exemplificar os preceitos do Novo Testamento aos candidatos ao batismo, eles [os pedobatistas] não possuem igrejas legítimas.”46 Como se não bastasse, ele faz as seguintes indagações:

Se as sociedades Pedobatistas não são igrejas de Cristo, de onde os seus ministros derivam sua autoridade para pregar? Há alguma autoridade escriturística para pregar que não venha através da igreja de Cristo? E se os ministros Pedobatistas não estão em igrejas Cristãs, têm eles algum direito de pregar?

E ele mesmo conclui:

44 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., p. 128 45 Disponível em:< http://www.reformedreader.org/history/pugh/glossary.htm. > Acesso em: 27.07.10. Pedobatista é alguém que batiza crianças, quer por aspersão, ablução ou imersão. Não há menção desta prática no Novo Testamento; desta maneira, os batistas viram-na como uma inovação não escriturística e má. Seus promotores praticam o pedobatismo porque acreditam que o rito purifica a culpa do pecado e faz do bebê inconsciente um filho de Deus. 46 J. R. GRAVES. Preface: The origin of the appellation “old landmarkism” – its present strength. Disponível em: www.reformedreader.org/history/graves/ol/preface.htm. Acesso em: 27.07.10 13

É perfeitamente evidente ao escritor que eles não têm (...) O escritor não diz que não há piedosos, devotados homens no ministério Pedobatista, mas ele nega que eles têm autoridade escriturística para pregar (...) Nem os Pedobatistas nem os Quakers têm batismo entre eles, e ‘onde não há batismo não há igrejas visíveis’. Agora, se os pregadores Pedobatistas não pertencem à igreja de Cristo, eles não devem ser reconhecidos como ministros de Cristo (...) Outra coisa segue: Os atos oficiais de pregadores Pedobatistas não têm validade em si. Seus falsamente denominados batismos são nulos, suas ordenanças são nulas. Imersões administradas por eles devem ser repudiadas pelos batistas. Como é isto? Ministros Pedobatistas não estão no Reino visível de Cristo. Como, então, eles podem induzir outros a ele pelo batismo? Podem eles introduzir outros onde eles mesmos não entraram?47

Pendleton resumiu os pontos de vista contidos no seu artigo declarando que as sociedades pedobatistas não são igrejas evangélicas e que os batistas não devem, à luz deste fato, reconhecer os pregadores pedobatistas como ministros do Evangelho. Opositores de tais concepções reagiram ao landmarquismo manifestando-se publicamente, inclusive, por não concordarem com as afirmações e receando que estas ideias causassem impopularidade e até mesmo ódio à denominação batista. Esta polêmica ficou conhecida no ambiente batista como “Controvérsia Landmarquista”, mas, na realidade, foi a expressão de um conflito teológico de grande monta. Ao preconizar o primado da igreja local, o pensamento landmarquista teve, dentre outras coisas, implicações na identidade denominacional, nas práticas de culto e no diálogo ecumênico dos batistas com outras denominações. Todavia o landmarquismo perdeu sua força e influência em meados do século XX, embora ainda possam ser percebidos ainda alguns vestígios de sua presença tal como sugere Nash.48 b) Teoria do parentesco espiritual com os Anabatistas do séc. XVI:

Anabatista é o nome dado a um variado grupo de cristãos do século XVI, de origem obscura, surgido inicialmente na Suíça.49 O termo significa “rebatizar” ou “batizar novamente” e foi usado como menosprezo pela igreja oficial por todo o norte da Europa e na

47 J. M. PENDLETON. An old landmark reset: ought baptists to invite pedobaptists to preach in their pulpits? Disponível em: Acesso em: 27.07.10 48 Robert N. NASH Jr. Myth: baptist belief in doctrinal uniformity. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 49 Martin DREHER. História da Igreja: a crise e a renovação da Igreja no período da reforma, p. 67 e Robert G. TORBET. A history of the Baptists, pp. 35-36. O anabatismo não é uniforme. Houve diversos movimentos anabatistas. O sofrimento e o martírio não foram capazes de levá-los à unidade. As bases doutrinais para sua prática batismal, para o batismo e a perseguição que sofriam eram tão distintas, que não forneciam fundamento para um consenso mínimo. Torbet nasceu em 1912, na cidade de Spokane, em Washington, EUA. Foi deão de seminário, professor e historiador. 14

Inglaterra para referir-se a todas as pessoas que rejeitavam o batismo infantil. 50 Em princípio, o termo anabatista foi aplicado a crentes radicais, estabelecidos originalmente em Zurique e influenciados pelas crenças e práticas de Ulrich Zwinglio, o reformador suíço. Segundo Leonard,

Apesar de aceitar muitos pontos de vista reformistas de Zwinglio – autoridade bíblica, separação de Roma, exclusividade da fé para a salvação – Os Irmãos Suíços, como eram chamados [os anabatistas], foram além de seu mentor em temas como o batismo e relação entre Igreja e Estado. Eles ratificaram o batismo de crentes em fase adulta, rejeitaram o batismo infantil e clamaram por liberdade de culto, sem controle estatal. Perseguidos tanto por Protestantes como por Católicos na qualidade de heréticos e traidores, os Irmãos Suíços foram logo aprisionados, exilados ou executados. 51

A Reforma Protestante do século XVI contou com a participação marcante dos anabatistas, que se constituíram em um novo modelo de vivência no ocidente. Opuseram-se tanto ao catolicismo quanto ao luteranismo e ao incipiente calvinismo, entendendo que tais confissões precisavam de mudanças.52 O luteranismo, embora de matriz protestante, continuava associado a um modelo de cristandade que unia igreja e Estado. O movimento anabatista atacava de forma unânime qualquer tipo de atitude compreendida como abuso eclesiástico e que, como tal, pudesse contribuir para macular a credibilidade da fé cristã. Formava, efetivamente, uma frente “político-eclesiástica”.53 De fato, diversos elementos contribuíram para o surgimento do movimento anabatista na Suíça.

Primeiro, foi o ambiente daquele país. O feudalismo nunca tinha conquistado aquele pequeno Estado. Além disso, a maioria do seu povo era formada por soldados mercenários. Este trabalho fazia com que fossem mais independentes da política de controle do Papado, pois o Papa dependia muito deles para combater os Turcos que constituíram uma constante ameaça à Cristandade e à paz da Europa. O segundo fator foi a influência do humanista Zwinglio, cuja investigação erudita do Novo Testamento grego conduziu-o à conversão e à rejeição do sistema Católico Romano, por volta de 1522 ou 1523. No último ano, ele persuadiu o Concílio de Zurique a instruir todos os pregadores no Cantão que ensinassem somente o que era encontrado nas Escrituras. O terceiro fator foi a presença de um número de líderes religiosos capazes e radicais que eram também reformadores políticos e sociais, e que basearam suas opiniões nas Escrituras. Se estes homens tivessem conquistado o controle da Reforma Suíça, seriam, sem dúvida,

50 Randall H. BALMER. Encyclopedia of evangelicalism, p.20; Stanley GRENZ. Op. cit., p. 25 51 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p. 11 52 Michael WILLIAMS & Walter B. SHURDEN. Turning points in Baptist history, p.7 53 Martin DREHER. Op. cit., p. 67 15

relembrados como heróis. Mas, porque eles foram minoria, têm sido considerados como radicais cismáticos e perigosos. 54

Ao conscientizar-se das conseqüências da não validação do batismo infantil para a Igreja Estatal – iria perder muitos adeptos ou seria completamente inviabilizada – Zwinglio passou a relutar em dar continuidade à defesa do batismo como algo ministrado somente a adultos após declaração pessoal de fé. Em janeiro de 1525, ocorre o rompimento, quando o Concílio de Zurique emitiu um mandato proibindo os encontros de estudos bíblicos, prática seguida pelos anabatistas em muitas cidades da Suíça com o objetivo de recrutar novos convertidos.55 Os anabatistas foram considerados a ala radical dos reformadores. À luz de tal fato, o movimento ficou conhecido como “Reforma por meio de provocação” e seus adeptos foram, então, chamados de “reformadores anárquicos” dado à forma incisiva com que protestavam. No entanto, pode ser dito que no ambiente anabatista gestava-se a “luta moderna por liberdade de opinião e de consciência”, ou seja, a luta pela tolerância. Assim sendo, o movimento anabatista foi marcado em seu início não apenas pelo aspecto religioso, mas também por um élan teológico-político, pois almejavam não apenas reformar a igreja, mas a própria sociedade a partir de um viés religioso. Esta busca radical de liberdade tanto no âmbito eclesiástico quanto no social, culminou por atrair muitos adeptos. 56 Como conseqüência, os anabatistas tiveram que enfrentar intensa perseguição da parte de católicos e protestantes - que haviam sido inimigos mortais durante quase todo o período da Reforma - o que lhes impôs viver em tempos sangrentos. Eram considerados marginais e, portanto, sujeitos às punições legais, o que muitas vezes significava verdadeiro martírio. Acusados do crime de duplo batismo, a perseguição e a morte foram parte integrante das ações dos opositores dos anabatistas.57 James A. Haught, tratando de fanatismos e crimes religiosos, declara que

‘Os anabatistas tiveram uma maior proporção de seguidores martirizados por sua fé do que qualquer outro grupo cristão da história – incluindo até mesmo os primeiros cristãos que foram os seus modelos.’ – escreveu o estudioso inglês Bamber Gascoigne. Os anabatistas rejeitavam o batismo infantil tradicional. Eles diziam

54 Robert G. TORBET. Op. cit., pp. 35-36 55 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.11 56 Martin DREHER. Op. cit., pp. 67-69 57 Michael WILLIAMS & Walter B. SHURDEN. Op. cit., p. 77 16

que o batismo devia ser para adultos pensantes, por isso rebatizavam os adultos convertidos. Quando fizeram isso pela primeira vez, na suíça de Zwinglio, em 1525, os líderes protestantes de Zurique os condenaram à morte, baseando esse veredicto no Código Justiniano, que determina execução por batizar duas vezes. Os anabatistas suíços foram condenados à morte por afogamento – que foi considerado um fim adequado para aqueles que queriam a imersão. Apesar da perseguição, o Anabatismo se espalhou rapidamente para os Países Baixos e a Alemanha. Na Dieta de Speyer, em 1529, tanto católicos como luteranos concordaram em condenar anabatistas à morte. Martinho Lutero afirmou publicamente esse edito em 1531. Por toda a Europa, muitos foram afogados, queimados e decapitados.58

A perseguição sofrida foi tão catastrófica que em 1535 o movimento em Zurique tinha sido praticamente exterminado. A exemplo do que ocorreu na Suiça, muitos anabatistas sofreram perseguições e martírio em diferentes países europeus, enquanto outros adotaram códigos mais restritos de conduta para diferenciar-se daqueles radicais que levavam o ideário religiosos anabatista ao paroxismo. 59 Tal como no caso suíço, a origem dos anabatistas alemães também não é claramente determinada. Muitos radicais, dentre os quais há vários que, na realidade, eram pedobatistas, adotaram o nome. Na realidade, os verdadeiros anabatistas alemães não eram radicais muitas vezes fanáticos, mas, sim, cristãos interessados em promover reformas sociais e econômicas na sociedade, sendo assim considerados como uma das “igrejas pacíficas.” 60 Segundo Matos,

Os Anabatistas receberam uma reputação negativa devido a um caso de extremo fanatismo ocorrido na cidade de Münster na Alemanha (1532-1535). Todavia, na Holanda o movimento teve um líder equilibrado e capaz na pessoa de Menno Simons. Entre outras razoes, a tradição Anabatista é importante pelo seu pacifismo e pela forte influência doutrinária que exerceu sobre o movimento evangélico posterior. A principal herdeira atual dessa tradição é a Igreja Menonita. Os dois pensamentos anabatistas mais influentes do século XVI foram Baltasar Hubmaier e Menno Simons.61

Os menonitas, que preferiam ser chamado de “irmãos”, receberam esta denominação por basearem suas crenças nos estudos de Menno Simons (1946-1561), o líder mais notável dos anabatistas, ao lado de Baltasar Hubmaier 62 O ex-sacerdote Simons deixou o ministério católico após ler as obras de Lutero e Zwinglio. No entanto, rejeitou a visão pedobatista dos

58 James A. HAUGHT. Perseguições religiosas: uma história do fanatismo e dos crimes religiosos, pp. 109-111 59 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.11 60 Joel A. CARPENTER. Revive us again: the reawakening of American fundamentalism, p. 92 61 Alderi de Souza MATOS. Fundamentos da teologia histórica, p. 163 62 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.11; Alderi de Souza MATOS. Op. cit., p. 163 17

protestantes, por entender que “as crianças nascem sem culpa e não precisam de conversão e batismo até atingir a idade do discernimento moral.” 63 Em 1535, um caso de extremo fanatismo de alguns anabatistas em Münster, Alemanha, teve como implicação a morte de diversos adeptos, sendo um deles irmão de Simons. Esse evento levou o ex-sacerdote a uma profunda experiência de adesão ao anabatismo, mas com ênfase estritamente pacifista. Não é muito difícil perceber que, dado o ambiente religioso da época, o caso extremo de fanatismo ocorrido em Münster resultou em uma reputação negativa para o anabatismo alemão como um todo. Apesar de uma ordem de prisão emitida pelo imperador Carlos V, o fundador dos menonitas viajou por muitos anos no norte da Europa, pregando, organizando igrejas anabatistas e escrevendo grande quantidade de literatura, sendo uma das mais influentes o livro Dat Fundament des Christelycken Leers (“O Fundamento da Doutrina Cristã”), de 1540, síntese das principais doutrinas anabatistas. Esta obra tinha por objetivo principal distinguir claramente a ala mais moderada do movimento em relação aos elementos radicais de Münster. Desde então, parte dos anabatistas passou a se reunir em comunidades voluntárias separadas do mundo civil e religioso estabelecido. 64 Segundo Matos ,

Ao contrário dos que o precederam, Menno Simons defendeu a completa não- resistência por parte dos cristãos, conforme o ensino de Cristo, sem deixar de reconhecer o direito do Estado de empregar a força para proteger os inocentes e castigar os malfeitores. Outro elemento controvertido do pensamento desse líder, expresso em seu tratado A Encarnação de Nosso Senhor (1554), foi a sua opinião de que o homem Jesus Cristo teve sua origem integral no céu e não recebeu nada de essencial de Maria, a não ser o ingresso na vida terrestre a partir da existência celeste. Ao que parece, essa idéia derivou do desejo de resguardar a impecabilidade de Jesus e não se incorporou às crenças anabatistas.65

A causa anti-pedobatista sofreu severa perseguição após os eventos trágicos de 1535. Apesar deste tipo de perseguição que ameaçou extinguir seu testemunho na Europa, o movimento anabatista sobreviveu, o que de certa forma demonstrou a força de penetração de seu ideário religioso. De acordo com Torbet, diversos fatores contribuíram para isso. Em primeiro lugar,

O fato dos Anabatistas (que dependiam de pouca organização para difundir seus ensinamentos) serem capazes de manter secretamente seus cultos, e, desse modo

63 William CATHCART. The Baptist encyclopedia , p. 30 64 Carter LINDBERG. As reformas na Europa, p. 267 65 Alderi Souza de MATOS. Op. cit., pp. 165-166 18

dar continuidade à existência de seu movimento. Um segundo fator foi a tolerância mostrada para com eles (...); ‘ao contrário da maioria dos legisladores e teólogos, Protestantes e Católicos, [os anabatistas] reconheceram a distinção entre o quieto anti-pedobatismo e os chiliasticos fanáticos.’ Ainda um terceiro fator foi a presença na Holanda de uns poucos convertidos dos seguidores de Mattys. (...) Eles gozaram de um grau de tolerância do Estado e (...) mativeram um testemunho Anabatista que estava livre do fanatismo. Um quarto e talvez o mais importante fator foi a conquista para a visão Anabatista de um notável sacerdote, Menno Simons, de Friesland Oeste, que foi destinado a ‘reagrupar, após a destruição causada pela irrupção do fanatismo chiliástico em 1534-35, os sinceros elementos evangélicos e dar continuidade, com base em antigas perspectivas evangélicas, ao trabalho de restauração da cristandade primitiva.’66

Na Inglaterra a divulgação do anabatismo remonta no início do século XVI. Em 1573 o número de adeptos desta seita era estimado que cerca de 50 mil, sendo que influxo de refugiados anabatista de outros países europeus deu-se não tanto em função de uma maior liberdade religiosa na Inglaterra, mas sobretudo devido às favoráveis condições econômicas inglesas, animadas pela existência de um mercado de trabalho que oferecia diferentes oportunidades.67 No entanto, tal como outros grupamentos religiosos separatistas, os anabatistas também foram molestados e perseguidos na Inglaterra pelos monarcas Tudor. Próximo ao final do século XVII, quando os Stuarts também lhes infligiam árduo tratamento, muitos deles buscaram refúgio na tolerante Holanda. Entre os refugiados anti-pedobatistas estava a congregação de Gainsborough, dirigida por John Smyth em 1606 e 1607, e que estava destinada a erigir a primeira igreja batista na cidade de Amsterdã. Historiadores da religião têm dado atenção especial à ênfase da influência dos anabatistas sobre os primeiros batistas. As opiniões são variadas e ainda há muita polêmica sobre o tema. Há os que vêm uma influência anabatista extensiva e outros que percebem pouca, caso tenha havido alguma influência direta. Como já sabemos, tanto os batistas quanto anabatistas possuem em comum a prática do batismo ministrado somente a crentes em fase adulta, a formação de congregação por membresia regenerada e a ênfase na liberdade religiosa. 68

66 Robet G. TORBET. Op. cit., p. 48 Jan Mattys foi um padeiro na cidade de Harlem, um homem violento e cheio de sonhos de glória futura. Impetuoso, batizou milhares de convertidos e tornou-se um líder proeminente dentre os anabatistas. Rejeitou o pacifismo e a teologia da não-violência, adotando o ponto-de-vista de que a opressão tinha que ser encarada com resistência. 67 Ibid, p. 51 68 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.25 19

A teoria da continuidade histórica e do parentesco espiritual dos batistas com os anabatistas do século XVI foi defendida originalmente pelos historiadores Thomas Armitage, Albert Henry Newman, e por David Benedict. 69 Assim como estes historiadores, outros mais contemporâneos, tais como Weaver e Jonas, também defendem a influência dos anabatistas sobre os primeiros batistas. 70 Todavia, segundo Jonas, a teoria de que a tradição anabatista contribuiu para o surgimento dos batistas funda-se mais em circunstâncias do que em documentação, apesar de as evidências circunstanciais serem consideradas efetivamente fortes. 71 Por sua vez, Navarro, outro estudioso contemporâneo da história dos batistas, ao relacionar o movimento anabatista com a origem desta denominação, afirma que

As igrejas batistas formam hoje um vasto movimento de comunidade cristãs, movimento que remonta ao início do século XVII (...) As raízes não obstante, fincam-se no anabatismo, movimento contemporâneo de Lutero que radicaliza as posições do reformador alemão, sobretudo na teologia e prática do batismo. O nome tem origem na insistência em rebatizar aqueles que receberam o batismo na infância e desejam confessar sua fé de modo pessoal em Cristo. Os anabatistas foram muito perseguidos na Alemanha e na Suíça por suas opiniões sobre o pacifismo, por sua oposição à pena de morte, aos juramentos nos tribunais e à cobrança de juros, assim como por insistência na total separação entre igreja e o Estado e sua recusa de batizar as crianças.72

Muito da discussão sobre esse relacionamento está centrada nos religiosos John Smyth e Thomas Helwys. Considerando que Smyth não desejou ser batizado pelos anabatistas menonitas por discordar de alguns de seus pontos doutrinários, o historiador Robert G. Torbet, por exemplo, conclui que Smyth só teria sido influenciado pelo grupo mencionado

69 Thomas Armitage (1819-1896)– foi pastor batista e um dos membros fundadores das Bible Union em 1850 e tornou-se seu presidente em 1856. Sua pesquisa diligente de dois volumes, História dos batistas, foi completada em 1886. Sobre Armitage, ver disponível em: Acesso em: 28.06.10. Albert Henry Newman, (1852-1832) historiador batista, doutor em divindades e em literaturas. Ver em: http:// baptist historyhomepage.com/backus.isaac.by.newman.html (28.06.10). David Benedict (1779- 1874), pastor e historiador batista. Dentre outras obras escreveu História dos batistas, em 1813, História de Todas as Religiões, em 1824, História dos batistas Continuada e História Geral da Denominação batista na América do Norte e em Outras Partes do Mundo, em 1848. Benedict passou toda sua vida colecionando volumosos trabalhos sobre a história dos batistas. Sobre Benedict, ver disponível em:< http://www.reformedreader. org/benedict.htm> Acesso em: 28.06.10. Cf. também José dos Reis PEREIRA. Op. cit., p. 10 70 C. Douglas WEAVER. In search of the New Testament Church, p. 45; W. Glenn JONAS, Jr.(ed.) Op. cit, p. 186 71 Ibid, p. 8 72 Juan Bosch NAVARRO. Para compreender o ecumenismo, p.75 20

após o seu batismo, quando passou a aceitar mais amplamente o sistema teológico menonita.73 Já a influência menonita sobre Thomas Helwys teria sido percebida em seu retorno da Holanda para a Alemanha, ainda que este religioso rejeitasse o conceito de sucessão ministerial, aceitando, porém, a cobrança de juros bem como o direito de um magistrado civil ser membro de uma igreja. Também há estudiosos que percebem significante influência de Menno Simons sobre a Primeira Confissão de Fé Batista de Londres, estabelecida em 1644.74 c) Teoria dos separatistas ingleses do século XVII

A terceira teoria, também denominada de “Teoria Puritano-Separatista”, afirma que os batistas se originaram dos separatistas ingleses, especialmente aqueles que eram congregacionais na eclesiologia e insistiam na necessidade do batismo somente de adultos convertidos.75 São defensores desta teoria o teólogo Augustus Hopkins Strong, e o historiador Henry C. Vedder, professor do Seminário Teológico Crozer76, na Pensilvânia, de 1894 a 1927. Vedder, em sua obra Breve História dos Batistas, publicada originalmente em 1907, relata que a partir “de 1610 temos uma sucessão ininterrupta de igrejas batistas, estabelecidas com provas documentais indubitáveis”77. Essa teoria é igualmente adotada pelo historiador Robert G. Torbet78, em seu livro History of Batists. Segundo Pereira, nesta obra Torbet resume as razões por que aceita esta teoria:

1ª) Ela não violenta os princípios da exatidão histórica, como fazem os que procuram afirmar uma continuidade definida entre as seitas primitivas e os batistas modernos. 2ª) Os batistas não partilharam com os anabatistas a aversão destes pelos juramentos e pelos cargos públicos e nem adotaram doutrinas anabatistas, como o pacifismo, o sono da alma e a necessidade de sucessão apostólica para a ministração do batismo.79

73 Robert G. TORBET. Op. cit., p. 64 74 C. Douglas WEAVER. Op. cit., pp. 29-30 75 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p. 20 76 Augustus Hopkins Strong (1836-1921) Iniciou seus estudos teológicos no Seminário Teológico de Rochester e completou seu doutorado na Alemanha. Após servir como pastor de Igrejas Batistas em Massachusets e Cleveland, Strong foi eleito presidente do Seminário Teológico de Rochester em 1872. De 1907 a 1910 serviu como presidente da Convenção Batista do Norte dos EUA. Disponível em: Acesso em: 28.06.10. Henry Clay Vedder (1853-1935), Historiador, professor de seminário, editor e teólogo viveu e despendeu a maior parte de sua vida na Nova Inglaterra. Lecionou História da Igreja no Seminário Teológico de Crozer (1894-1926). Disponível em: Acesso em: 28.06.10 77 Henry C. VEDDER. A Short history of the Baptists, p.127 78 Robert G. TORBET. Op. cit., p. 35 79 José dos Reis PEREIRA. Op. cit., p. 10 21

No que se refere à nossa dissertação, consideraremos a teoria da origem da denominação a partir dos separatistas ingleses como sendo a mais consistente, pois como diz Leon Mcbeth,

Nossa melhor evidência histórica diz que os Batistas vieram a existência na Inglaterra no início do século XVII. Eles aparentemente emergiram do Movimento Puritano-Separatista na Igreja da Inglaterra. Algumas destas pessoas determinadas leram a Bíblia em sua própria língua, creram nela, e buscaram viver por ela. Eles formaram congregações separadas que aceitavam somente crentes em sua membresia, e batizaram convertidos mediante sua profissão de fé. Seus oponentes apelidaram-nos de Batistas e o nome pegou.80

À luz dessa consideração, esta última teoria será analisada com um pouco mais de profundidade a seguir, buscando perceber nela detalhes que serão úteis ao cerne da discussão principal desta Dissertação, pois se poderá concordar com a afirmação de Robert N. Nash Jr. Refletindo sobre divergências doutrinárias entre os Batistas desde sua origem ele declara que

O constante conflito doutrinário não deveria nos surpreender. A tradição batista emergiu no início do século XVII como uma reação contra uma igreja estatal, a Igreja da Inglaterra, que estava suprimindo dissidências. Os Batistas insistiram que a consciência humana era livre para expressar suas próprias opiniões teológicas e não deveria ser coagida pela igreja ou Estado.81

1.2 A contribuição do ambiente da Reforma

O movimento da Reforma surge numa Europa marcada pela união entre Igreja e Estado, decorrente da relação oficial entre monarcas, monarquias e a Igreja Católica. O séc. XV começa por assistir insatisfações com o que se entendia ser corrupção de valores no âmbito da Igreja Católica Romana. “Nesse momento de profunda inquietação espiritual,” escreve Baker, “começaram a se levantar vozes que pediam que a Igreja voltasse ao cristianismo das Escrituras, da Bíblia.” 82 Segundo Azevedo,

A Reforma pode ser entendida em função de cinco chaves: - o ponto de partida da justificação pela fé; a visão do homem a partir da perspectiva da queda; a ênfase à dimensão subjetiva da salvação; a redescoberta do sacerdócio de todos os crentes e a

80 Leon MCBETH. Baptist beginnings, p. 5 81 Robert N. NASH Jr. Myth: baptist belief in doctrinal uniformity. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 82Robert A. BAKER. Southern Baptist beginnings. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 22

centralidade das Escrituras na vida da igreja (...) Foi este o protestantismo que venceu na Europa. Foi este protestantismo que foi para a Inglaterra.83

A matriz batista é uma das linhas-de-força que emerge no âmbito da Reforma Protestante, em geral, e no da Reforma na Inglaterra, em particular. Este último evento ocorreu quando o rei Henrique VIII rompeu com o catolicismo e auto-proclamou-se chefe da Igreja da Inglaterra, em 1534.84 Por sua vez, a Inglaterra do séc. XVI foi marcada por grandes modificações e turbulências de ordem política, social e cultural. No entanto, os maiores conflitos se deram no âmbito especificamente religioso e dentro deste contexto não se pode desconsiderar a importância da reforma inglesa. É neste ambiente que surgem vários grupos de discussão, alguns pequenos, outros mais representativos, como os congregacionistas, os batistas e os quakers.85 Como afirma Azevedo,

O protestantismo não foi um monólito. Cedo, muito cedo, ao tempo ainda dos seus protoformuladores, essas idéias ganharam oposição, que ficou na margem, mas não morreu. Idéias não morrem. A história da Reforma na Inglaterra é uma demonstração, como percebera Montesquieu, de que o povo inglês é o que melhor ‘soube prevalecer-se ao mesmo tempo, dessas três grandes coisas: da religião, do comércio e da liberdade’86

Segundo William Clarck, o cristianismo deve ter sido introduzido nas ilhas britânicas por volta do segundo ou até mesmo primeiro século por intermédio do apóstolo Paulo, autor de cartas do Novo Testamento, ou algum de seus seguidores. 87 Muito embora não se tenha sólidas evidências da presença de Paulo nestas ilhas, o fato é que no décimo sétimo século de nossa era, a maioria dos ingleses era formada por católicos romanos, ainda que nominalmente. Já no século XVI muitos cristãos ingleses clamavam por reforma no âmbito da Igreja. Além do contexto marcado por mudanças sócio-políticas, econômicas e culturais, as reflexões de Martinho Lutero, de João Calvino, bem como as novas traduções em inglês da Bíblia, que facultaram o acesso das pessoas comuns ao conteúdo das Escrituras, influenciaram vivamente este clamor. Este momento de transformação religiosa e política estimulou os cristãos ingleses a desejarem uma maior participação na Igreja, indicando, assim, que parcela

83 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., pp. 62-63 84 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p.11 85 Robert A. BAKER. Southern Baptist beginnings. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 86 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., pp. 62-63 87 William CLARCK. The anglican reformation, p.3 23

significativa da população inglesa estava pronta para uma possível separação da Igreja oficial.88 A separação entre a Igreja da Inglaterra e a Igreja Católica Romana foi decretada por Henrique VIII, com o apoio do parlamento inglês através do Ato de Supremacia, de 1534, que deu origem à Igreja Anglicana. A origem histórica do anglicanismo está diretamente ligada ao rei Henrique VIII, que reinou de 1509 a 1547. Insatisfeito com sua primeira esposa, Catarina de Aragão, por não lhe conceder um herdeiro do sexo masculino, o monarca pediu a anulação de seu casamento. Sua solicitação foi negada pelo Papa Clemente VII. Para prosseguir sem impedimentos em seu intento, Henrique VIII rompe com a Igreja Católica e com o controle papal sobre o seu reino, colocando-se como líder – ou governador supremo – da Igreja Anglicana.89 Apesar do rompimento com o catolicismo, a Igreja inglesa manteve o sistema episcopal e muitas das crenças e costumes do cristianismo medieval.90 Henrique VIII deixou como seu herdeiro ao trono seu filho Eduardo VI, que tinha apenas 9 anos de idade quando ascendeu ao trono, sob a tutela e proteção de líderes que desejavam conduzir a Inglaterra na direção preconizada pelos reformadores que atuavam no continente europeu. Isto fez com que a Igreja Inglesa adotasse reformas doutrinárias. Após sua morte, Eduardo VI foi sucedido por sua irmã, conhecida como “Maria Sanguinária”, de 1553 a 1558, que buscou revogar as reformas implementadas no reinado de seu irmão, colocando novamente a Inglaterra sob a jurisdição papal. Após seu curto reinado, foi sucedida por sua irmã, Elisabete I (1558-1603). Ao contrário de Maria, a rainha Elisabete I tornou a Igreja Anglicana a igreja oficial do País, submissa à autoridade real. Conseqüentemente, outros demais movimentos e confissões religiosas foram considerados como ilegais e, portanto, passíveis de perseguição. Sob Elisabete I a Igreja da Inglaterra se constituiu “nesta via media entre o Catolicismo Romano e o Protestantismo continental que tem caracterizado sua vida desde então.” 91 Nesta época atribulada e de mudanças constantes, logo surgiram movimentos conduzidos por pessoas insatisfeitas reivindicando reformas na Igreja oficial inglesa. Estes

88 Robert A. BAKER. Southern Baptist beginnings. Disponível em: Acesso em: 06.04.10. Os problemas políticos já vinham desgastando o relacionamento do Papa com o povo e reis Ingleses. Isso especialmente por causa dos impostos papais. Além disso, a volta à Bíblia já vinha sendo pregada na Inglaterra desde o séc. XV por John Wycliffe, pedindo correções nas doutrinas da Igreja. Outra influência foi William Tyndale (1494 - 1536) que traduziu o Novo Testamento para o Inglês, também desejoso de reformar a Igreja. E nessa época os professores das universidades inglesas de Oxford e Cambridge leram e foram influenciados pelas obras de Lutero. 89 Michael RAMSEY. Anglican spirit, pp.1 e 2 90 E. L. QUEEN II et al. Encyclopedia of American religious history, vol.1, p.141 91 S. S. HILL et al (ed.). Encyclopedia of religion in the south, p. 60 24

grupos emergiram gerando inevitáveis divisões dentro do anglicanismo mesmo. De acordo com Azevedo, a reforma anglicana foi

Esse ‘teto que abrigou muitas opiniões’. Embora tenha se pretendido, por razões diversas, constituir-se numa síntese entre protestantismo e catolicismo romano, acabou tornando-se uma antítese. Tornou-se antítese por causa de outra antítese: o puritanismo, esse ‘corpo alternativo de idéias’, tributário do luteranismo, do calvinismo, do anabatismo e do próprio espírito inglês.92

Os puritanos eram um grupo dissidente dentro da Igreja Anglicana. Desejavam “permanecer na Igreja da Inglaterra e reformá-la.” 93 Constituiram um movimento religioso complexo durante um período que vai do século XVI ao XVIII. Embora ele tenha sido extremamente significante, defini-lo com precisão é uma tarefa complexa.

De maneira mais simples, os Puritanos foram Protestantes Ingleses, aos seus próprios olhos leais a Deus, ao rei, ao país e à Igreja da Inglaterra, e que desejavam continuar as reformas religiosas iniciadas durante o reinado de Henrique VIII. A forma que estes esforços iriam tomar constituiu um ponto de discordância entre os Puritanos. Alguns, provavelmente a maioria, desejavam manter a igreja como Elisabete I a havia organizado, porém sem o episcopado. Este era o ponto de vista dos Presbiterianos que, por estarem satisfeitos com a igreja Elisabetana, desejavam apenas substituir os bispos por uma estrutura presbiteriana como a existente na Escócia. 94

Já os separatistas eram puritanos ingleses que efetivamente se separaram da Igreja Anglicana e que por não crerem mais na possibilidade de reformá-la, conclamavam os “verdadeiros crentes” a abandonarem o anglicanismo. 95 Apesar deste élan reformador “o objetivo dos separatistas,” escreve Garret, “não era tanto a reforma da igreja existente, mas a restauração do cristianismo do Novo Testamento”.96 Por isto mesmo eles ficaram conhecidos como o “mais radical grupo de puritanos” e, como poderia ser esperado, foram alvo de árdua hostilidade e perseguição da parte do governo inglês, da hierarquia da Igreja oficial e de puritanos não-separatistas.97 Assim como os congregacionistas, os puritanos separatistas

Buscavam grandes mudanças. Como os Presbiterianos, eles se opuseram ao episcopado, mas rejeitaram qualquer forma de organização superior à

92 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., pp. 62-63 93 B. P. KUIPER. The Church in history, p. 255 94 E. L. QUEEN II et al. (ed.). Op. cit., pp.800-801 95 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p.23 96 James Leo GARRET. Op. cit., p.16 97 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p.11; James E. TULL. Op. cit., p.13 25

congregação individual. Também se opunham aos acréscimos ‘humanos’ que haviam sido introduzidos na igreja, principalmente os vestígios do ritual católico e membresia inclusiva na igreja. Eles não viam base bíblica para estes acréscimos e desejavam removê-los da igreja oficial. Para os Separatistas a igreja era composta apenas de membros salvos. Não deveria incluir todas as pessoas da paróquia ou comunidade. Os congregacionistas, ao menos originalmente, desejavam chegar a este ponto. Incapazes de julgar quem era salvo, eles eram mais seletivos que a igreja oficial em receber membros para assentar as leis da congregação e evitar um viver escandaloso. No entanto, após chegarem à America, os congregacionistas iriam requerer evidência de uma experiência de conversão como critério para membresia na igreja. Os separatistas, dos quais os mais conhecidos são os peregrinos, foram os puritanos mais radicais. Sentindo que os erros da igreja inglesa não podiam ser corrigidos, separaram-se dela completamente, formando suas próprias congregações locais. Muito perseguidos durante o reinado de James I (1603- 25), muitos separatistas emigraram para a Holanda, incluindo a congregação que mais tarde se tornou a base para a histórica colônia dos peregrinos na plantação de Plymouth [EUA]. Remover os bispos da Igreja oficial da Inglaterra e basear a prática da igreja na Bíblia não foi conseguido facilmente. Os monarcas ingleses entenderam as ameaças que estas mudanças representavam para a sociedade hierárquica da Inglaterra. James I, que havia experimentado estas mudanças enquanto rei da Escócia, descreveu seus resultados sucintamente: ‘Sem bipos, sem rei’. A destruição de uma sociedade ordenada e hierárquica estava longe do pensamento dos puritanos no início de 1600. Apesar de perseguidos de forma crescente, aceitaram que as autoridades civis haviam sido ordenadas por Deus. Explicaram isto em numerosos panfletos e petições. Os monarcas viram de outra forma, concluíram que uma vez que a política e crença da igreja fossem removidas de suas mãos, a igreja se tornaria o poder supremo. Deus e a Bíblia ficariam sobre os monarcas, e os intérpretes da Bíblia – o ministros – seriam os verdadeiros mestres. A perseguição aos Puritanos cresceu sob os sucessores de Elisabete, alcançando seu ponto máximo durante o reino de Carlos I. Combinada com o declínio econômico, conduziu à ‘Grande Emigração’ dos Puritanos para o Novo Mundo – as colônias britânicas da América do Norte’. Na América o Puritanismo – primeiramente na sua forma congregacionalista – alcançou seu mais alto ponto em expressão teológica, política e social. 98

Apesar deste ideário geral, muitos eram os grupos separatistas, e com uma variedade de pontos de vista. Como a citação anterior nos faz saber, por volta de 1600 já haviam diversas dessas congregações na Inglaterra, que rapidamente cresceram até 1625. Considerável número de separatistas fugiu para a Holanda para escapar da perseguição em seu país, onde três líderes londrinos de grupos separatistas, Henry Barrow, John Greenwood e John Penry, foram enforcados no ano de 1593. Um de seus proeminentes líderes que escapou para a Holanda com sua congregação foi justamente John Smyth.99

98 E. L. QUEEN II et al (ed.). Op. cit., pp. 800-801 99 James TULL. Op. cit., p.13 26

Smyth (1554-1612) é descrito por Thomas Mckibbens como alguém que “possuía um nome comum, mas não era um homem comum”. Smyth foi educado na tradição liberal e na atmosfera puritana da Christ’s College, na Universidade de Cambridge. 100 Teve como tutor Francis Johnson, simpático ao puritanismo e que mais tarde viria a se tornar um destacado líder separatista e pastor de um grupo que se refugiou na Holanda.101 Em 1593, Smyth concluiu seus estudos em Cambridge, alcançando o grau de mestre em artes. No ano seguinte foi ordenado para o ministério na Igreja Anglicana. Como um estudante, e mais tarde professor e pastor, desenvolveu concepções puritanas, tendo desejado reformas na igreja oficial. O primeiro ponto de discordância com a tradição anglicana foi justamente a prática do pedobatismo.102 Segundo Torbet, em 13 de outubro de 1602 ele foi abruptamente deposto de seu ofício por ter “se demonstrado um homem faccioso nesta cidade através de sua pregação”, o que leva a concluir que “ele era indiscreto em suas críticas e na exposição de suas ideias, que rapidamente estavam se tornando não-conformistas.” 103 Na realidade, John Smyth estava se tornando aquele que viria a ser o primeiro britânico a reivindicar plena liberdade de consciência.104 Após o encerramento de seu ofício como ministro anglicano, Smyth

Publicou em 1603 e 1605 dois pequenos volumes de discursos proferidos por ele em Lincoln. Por volta de 1605 ele estava em Gainsborough de Trent, sua cidade natal, ainda não como um separatista, mas vivenciando um estado de mente atribulado em relação à igreja. Nesta cidade havia uma igreja congregacional que tinha sido organizada em torno de 1602. Por volta de 1606 a congregação dividiu- se, por conveniência, em duas partes. Um grupo realizava seu culto sob a liderança de Richard Clyfton, na Scrooby Manor House. Esta se tornou a famosa Igreja dos Peregrinos conduzida por John Robinson, William Bradford e William Brewster, que estava destinada a se transferir eventualmente para o Novo Mundo. O outro grupo permaneceu em Gainsborough, Smyth juntou-se a ele e quase imediatamente tornou-se seu ministro.105

A Igreja da Inglaterra proibia grupos independentes e dissidentes, e perseguia-os. Em virtude deste fato, puritanos e separatistas de Gainsborough estavam expostos a perigo constante. Em 1607 ambos os grupos separatistas decidiram deixar seu país emigrando para Amsterdã. Naquela cidade que oferecia liberdade religiosa, outros ingleses já estavam

100 Thomas MCKIBBENS, Jr. The forgotten heritage, p.4 101 James TULL. Op. cit. , p.13 102 E. Keith EITEL. Paradigm war, p. 8 103 Robert G. TORBET. Op. cit., p. 63 104 Walter B. SHURDEN. Op. cit., p. 5 105 Robert G. TORBET. Op. cit., p. 63 27

estabelecidos. A viagem do grupo liderado por John Smyth foi custeada por Thomas Helwys, um membro ilustre da congregação.106 De acordo com Eitel

A congregação de Smyth, de cerca de oitenta pessoas, parece ter tido uma existência em separado em Amsterdã, pois em um folheto de 1608 intitulado A Diferença das Igrejas da Separação, Smyth descreveu sua congregação como “a segunda Igreja Inglesa em Amsterdã” De fato, o folheto mencionado foi escrito para explicar porque sua congregação havia desistido da possibilidade de comunhão com a Igreja Antiga de Johnson, como ficou conhecida. Suas razões não incluem a questão do batismo, porque ele ainda não era um Anabatista. Sua principal razão para a separação foi ter entendido que um ministro não deve pregar com um manuscrito diante si, nem mesmo uma tradução das Escrituras, por receio de que a ação do Espírito Santo pudesse ser obstruída. Ele justificou a sua posição reportando-se ao fato de que, em Nazaré, Jesus fechou o rolo sagrado antes de começar a pregar. Seu individualismo e interpretação literal estavam conduzindo-o para além dos pontos de vista da maioria dos não-conformistas.107

Além disto, Smyth se opôs também ao seu próprio tutor, Francis Johnson, por preconizar a adoção de uma estrutura eclesiástica baseada em dois elementos, pastores e diáconos, enquanto seu tutor e líder da denominada “Igreja Antiga” sugeria a direção eclesiástica dos anciãos. Além disso, Smyth enfatizava a autonomia da igreja local, formada por crentes professos, unidos à igreja por pacto voluntário de fé e obediência. O teste da vida regenerada era uma fé visível, demonstrada pelo comportamento do fiel. Apesar de toda sua busca, Smyth concluiu que sua própria igreja ainda não era modelo de uma congregação do Novo Testamento devido justamente à prática do batismo infantil. Embora questionassem o batismo na “falsa” Igreja da Inglaterra, os separatistas ainda não haviam deixado, eles mesmos, a prática do pedobatismo, “em parte porque eles não queriam ser associados com o “rebatismo” dos Anabatistas, o mais amaldiçoado grupo da Refoma”, segundo Weaver.108 Como já indicamos anteriormente, o movimento anabatista, do qual faziam parte os menonitas, havia surgido na Holanda, Suíça e no sul da Alemanha. O grupo liderado por John Smyth teve contato com os menonitas em Amsterdã - inclusive praticando seu culto em um imóvel pertencente a um comerciante menonita - e por eles foi influenciado. Foi sob esta influência, que Smyth chegou à conclusão de que não havia base bíblica para o batismo infantil, e que o batismo de pessoas em idade suficiente para professar sua fé de forma voluntária era efetivamente o método neotestamentário para esta cerimônia.

106 E. Keith EITEL. Op. cit., p. 8 107 Robert G. TORBET. Op. cit., p. 64 108 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p.13 28

À luz deste fato, o líder separatista concluiu que tanto ele quanto os membros de sua congregação tinham passado na infância por uma cerimônia sem valor. Tal concepção levou Smyth a recomendar o grupo sob sua liderança que abandonasse o separatismo para que pudessem ser reconstituídos, através de um novo batismo, numa “verdadeira” Igreja de Cristo. Solicitou, pois, que Thomas Helwys o batizasse, o qual entendeu que a iniciativa deveria ser do próprio Smyth, como pastor do grupo. Desta forma, John Smyth batizou-se a si mesmo e depois batizou Helwys e o restante de sua congregação. Daí ter sido chamado de se-baptist (self-baptist ou auto-batizado). 109 Dessa forma foi que, em Amsterdã, John Smith, Thomas Helwys e mais trinta e seis pessoas formaram a primeira igreja batista dos tempos modernos, composta por ingleses, em 1609. John Smyth, escreve Jonas, “foi o fundador do mais antigo ramo dos batistas ingleses, os Batistas Gerais.”110 Por isto mesmo ele foi chamado de “o primeiro Batista.”111 Segundo Pereira, este primeiro grupamento “não tinha o nome de Igreja Batista, mas foi assim considerada por adotar a prática que é característica da denominação: o batismo após profissão de fé como condição para a entrada na igreja.”112 A princípio, os batistas gerais adotavam o modelo do batismo por afusão e anos mais tarde adotaram a imersão.113 Logo Smyth começou a questionar seu próprio “auto-batismo”, e tentou, consequentemente, ser batizado pelos menonitas. No entanto, veio a falecer por volta de 1612 em solo holandês, sem ter seu pedido aceito, e a igreja por ele dirigida fundiu-se com a dos menonitas. 114 No parecer de Weaver, “A jornada cristã de John Smith revelou-se uma constante e incansável busca pela igreja do Novo Testamento. Ele foi um anglicano, depois um puritano dentro da igreja anglicana, mais tarde tornou-se um separatista-puritano, e depois um batista, e, finalmente, buscou filiação em uma igreja menonita.” 115 Smyth jamais retornou à sua terra natal, mas a influência de sua pregação evangelística e de seus escritos religiosos foi sentida não só na Inglaterra, mas também na América.116 Por sua vez, Thomas Helwys (1550-1616), de Broxtowe Hall, Nothinghamshire, Inglaterra, conhecido como um dos pais espirituais dos Batistas, foi educado na Gray’s Inn,

109 Michael WILLIAMS & Walter B. SHURDEN. Op. cit., p. 36 110 W. Glenn JONAS, Jr. (ed.) Op. cit., p. 5. Voltaremos a nos referir aos batistas gerais mais à frente. 111 Walter B. SHURDEN. Op. cit., p. 5 112 José dos Reis PEREIRA. Op. cit., p.68 113 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., p. 402 114 W. Glenn JONAS (ed.). Op. cit., p. 130 115 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p.12 116 Thomas R. MCKIBBENS, Jr. Op. Cit., p.5 29

um colégio de elite para advogados na cidade de Londres. 117 Sua casa havia sido, no início do Século XVI, um local de culto dos puritanos. Contudo, quando Smyth se tornou o líder espiritual dos separatistas de Gainsborough, Helwys uniu-se ao grupo, proporcionando os fundos para a emigração da congregação para Amsterdã, onde foi rebatizado por Smyth, tornando-se, assim, membro da primeira igreja batista da história. 118 Após desentendimentos, Helwys conduziu cerca de dez outros membros a separarem-se da igreja dirigida por John Smyth, e subsequentemente retornou à Inglaterra com o grupo119, motivado, segundo Humphreys, pelas seguintes razões: 1) não ter concordado com a intenção de Smith de ligar-se aos Menonitas em Amsterdã, e ter se desentendido com ele por isso; 2) estar convencido de que era sua missão retornar naquele momento à sua terra natal, para ministrar o evangelho aos seus concidadãos.120 Nos arredores de Londres, em Spitafields, Helwys organizou, por volta de 1612, aquela que é frequentemente denominada a primeira igreja batista em solo inglês.121 Ele havia redigido, juntamente com John Smyth, uma declaração de fé que enfatizava, entre outras coisas, o seguinte: 1) a Bíblia é uma autoridade em religião; 2) o batismo só é administrado a adultos; 3) a igreja deve ser separada do Estado122. O impacto desta declaração de fé deve ter sido significativo, pois, segundo Mckibbens, “por volta de 1650 havia pelo menos 47 Igrejas Batistas Gerais em Londres e arredores.” 123 Em 1612 Helwys escreveu aquele que é considerado o primeiro livro efetivamente batista da história da denominação, intitulado A Short Declaration of the Mistery of Iniquity. O estranho título foi baseado no texto bíblico de 2 Tessalonicenses 2:7, no qual o Apóstolo Paulo comenta sobre o “mistério da iniquidade”, interpretado por Helwys como sendo o “poder ativo de Satanás”. Dentro de seu próprio contexto histórico, este último viu a iniquidade especialmente na pompa, poder e política das Igrejas Católica Romana e Anglicana que, no seu entendimento, conspiravam com os governantes para negar a liberdade de consciência dos dissidentes.124 O referido livro foi dedicado ao Rei James I da Inglaterra, a quem foi enviada uma cópia 125. No texto, com ousadia, e numa posição revolucionária para

117 James E. TULL. Op. cit., p. 107; Michael WILLIAMS & Walter B. SHURDEN, Op. cit., p. 23 118 Walter B. SHURDEN. Op. cit., p.5 119 Joseph Jackson GOADBY. Bye-paths in Baptist history, p. 34 120 Fisher HUMPHREYS. Op. cit., p. 125 121 Walter B. SHURDEN. Op. cit., p.5 122 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., p. 401 123 Leon MCBETH. Op. cit., p. 6 124 Thomas R. MCKIBBENS, Jr. Op. cit., p. 19 125 James Leo GARRETT. Baptist theology, p. 87 30

aquela época, o autor reivindicava liberdade de consciência para todos e declarava que a fé deveria ser praticada livremente. De acordo com Shurden, Esta obra constitui a primeira publicação inglesa reivindicando liberdade religiosa universal.126 Nela, Helwys declara que

A religião do homem está entre Deus e ele: o rei não tem que responder por ela e nem pode ser o rei, juiz entre Deus e o homem. Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus ou outros mais, não cabe o poder terreno puni-los de maneira nenhuma. O rei é um homem mortal e não é Deus, portanto não tem poder sobre a alma imortal de seus súditos, nem pode fazer leis e ordenanças e estabelecer senhores espirituais sobre eles.127

Em conseqüência de afirmações como esta contidas no livro, o Rei James I, como era de se esperar, lançou Helwys na prisão de Newgate, em Londres, onde veio a morrer em 1616128. Sua igreja, porém, continuou a existir. Pode-se acompanhar sua história até fins do séc. XIX, quando efetivamente desapareceu, mas não sem antes ter dado origem a muitas outras.129

1.3 Os dois tipos de batistas

Como já foi sugerido em páginas anteriores desta pesquisa, os batistas surgiram na história como dois grupos distintos, tendo por característica comum o batismo voluntário de crentes adultos, em franca rejeição ao pedobatismo (que era a prática dominante). Estas duas principais vertentes ficaram conhecidas como “batistas gerais” e “batistas particulares.” 130 As principais doutrinas que separavam estes dois grupos eram as da predestinação, da expiação, graça, fé e da perseverança, questões que já haviam distinguido os calvinistas dos arminianos na Europa continental.131 a) Os batistas gerais

126 Walter B. SHURDEN. Op. cit., p.5 127 Thomas HELWYS & Richard GROVES (ed.) A short declaration of the mystery of iniquity, p. 155 128 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p.15 129 José dos Reis PEREIRA. Op. cit., pp. 68-70 130 H. Leon MCBETH, Op. cit., p. 2 131 James L. GARRETT et al. Op. cit., p. 88. O arminianismo originou-se com Jakob Arminius (1560-1609) e é uma posição teológica cuja peculiaridade dogmática consiste no repúdio à doutrina da predestinação em sua forma mais limitada. Tony LANE. Harper´s concise book of christian faith, p. 135 31

Os batistas gerais receberam esta nomenclatura porque, em virtude de sua abordagem teológica arminiana,132, criam na expiação geral, ou seja, “acreditavam que Cristo morreu por todas as pessoas em geral, e que todo aquele que cresse em Cristo poderia ser salvo.” 133 Logo, rejeitavam ensinamentos de Calvino tais como “a expiação limitada (o ponto de vista de que Cristo morreu apenas pelos eleitos) e eleição incondicional.”134 Defensores do princípio da plena liberdade religiosa,135 somavam à sua lista de crenças as idéias do livre arbítrio individual, cooperação entre graça e livre arbítrio no processo de salvação, e a possibilidade de um crente rejeitar a fé e “cair da graça” durante sua vida. 136 Portanto, acreditavam que a segurança do cristão era condicionada por uma fé continuada; em conseqüência disso, afirmavam que um crente poderia “afastar-se de Deus e finalmente perder-se.” A primeira comunidade batista, organizada por Jonh Smyth, em Amsterdã era batista geral. Na Inglaterra os batistas gerais se organizaram sob a liderança de Helwys e posteriormente de seu sucessor, John Murton, expandindo-se numericamente por todo este país, tornando-se, assim, uma denominação “bem conhecida por suas assembléias gerais e publicações”.137 b) Os batistas particulares

Os batistas particulares originaram-se mais de duas décadas após os batistas gerais, e foram assim denominados devido à sua concepção de expiação particular restritiva. Profundamente influenciados pelos ensinamentos de Calvino, acreditavam que Cristo morreu apenas por um grupo particular, os eleitos ou predestinados.138 Criam, portanto, em um Deus que não apenas conhecia quem seria redimido, mas que também teria limitado a própria possibilidade de redenção a estes escolhidos. 139 O primeiro grupo de batistas particulares desenvolveu-se a partir de uma pequena congregação independente que se reunia em Londres por volta de 1612. 140 Dissidente da Igreja Anglicana, esta congregação teve como seu primeiro líder espiritual Henry Jacob. John

132 Bill J. LEONARD. Baptists in America, p. 110 133 H. Leon MCBETH. Op. cit., p. 2 134 Gregory A. WILLS. Democratic religion, p. 6 135 Michael E. WILLIAMS & Walter B. SHURDEN (ed.). Turning points in Baptist history, p. 75 136 Bill J. LEONARD. Baptists in America, p. 110. A expressão “cair da graça” significa perder a salvação que teria sido recebida de Jesus Cristo em virtude de pecados pessoais cometidos terem sido por Ele perdoados. 137 Samuel S. HILL et al. Op. cit., p. 342; Bill J. LEONARD. Baptists in America, p. 110 138 Samuel S. HILL et al. (ed.). Op. cit., p. 342; Gregory A. WILLS. Op. cit., pp. 6,7 139 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., pp. 20,21 140 William Glenn JONAS. The Baptist river, pp. 7,8. Os “independentes” eram mais moderados que os “separatistas”, pois não se separavam radicalmente da Igreja Estatal. Walter B. SHURDEN. Not an easy journey, p.18 32

Lathrop e Henry Jessey foram os dois pastores seguintes deste grupo independente. Esta congregação ficou posteriormente conhecida como “Igreja JLJ” por causa das iniciais dos sobrenomes de seus três primeiros pastores. Os membros desta igreja debatiam frequentemente sobre quais seriam o significado e forma corretos de ministração do batismo. Mcbeth afirma que, após discordâncias, um grupo deixou esta “Igreja JLJ” e organizou em 1638 um novo grupo, que tornou-se mais tarde reconhecido como a primeira igreja batista particular da história. Nessa congregação eram batizados somente adultos após pública declaração de fé, e por meio de ablução ou afusão. Segundo Jonas,

Registros desta igreja, apesar de pequenos, indicam que por volta de 1641 seu modo de batismo mudou de afusão (ablução) para imersão. Portanto, os Batistas Particulares foram os primeiros Batistas a batizar por imersão. Enquanto os Batistas Gerais deram aos Batistas seu entendimento do ‘significado’ do batismo (batismo de crentes [adultos] ao invés do pedobatismo), os Batistas Particulares deram o ‘modo’ (imersão).141

1.4 O batismo de adultos por imersão

Como afirmamos anteriormente, enquanto era um separatista, através de sua interpretação da Bíblia, Jonh Smyth concluiu ser errado que os dissidentes do anglicanismo aceitassem como válido o batismo realizado pela igreja oficial inglesa. Por volta de 1608, num debate teológico sobre o tema com outros separatistas ingleses, em Amsterdã, Smyth propôs dois argumentos baseados em sua compreensão das Escrituras. O primeiro sugeria que as crianças não devem ser batizadas e o segundo, por sua vez, afirmava que os não cristãos que se convertiam deveriam ser admitidos na “igreja verdadeira” pelo batismo.142 Em conformidade com estes argumentos, especialmente à luz de sua leitura dos textos bíblicos de Colossenses 2:12 e Romanos 6:4,143 os batistas têm chegado à conclusão de que a maneira correta de batismo deve ser pelo ritual de imersão em água, simbolizando, assim, a morte do

141 William Glenn JONAS (ed.). Op. cit., pp. 7,8 142 William H. BRACKNEY. The Baptists, p. 6 143 “Isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com ele foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos” (Colosssenses 1:12); “Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova.”(Romanos 6:4) 33

“eu” e a ressurreição para a vida cristã. Desde então todas as igrejas batistas praticam o batismo dos crentes por imersão.144 Como se sabe, os batistas tornaram-se diferenciados por esta concepção e prática do batismo.145 De acordo com o historiador da religião William Brackney, o batismo de crentes por imersão é a “essência funcional da identidade batista.”146 De fato, esta prática encontra-se inseparavelmente ligada à eclesiologia desta denominação, e tal procedimento foi entendido por ela como valioso na busca da reconstituição da “igreja verdadeira” vivenciada nos tempos do Novo Testamento. Por volta de 1650, havia um pequeno número de igrejas batistas particulares em Londres e suas cercanias. Em1644, sete delas tinham esboçado uma confissão de fé que mostrava alguns de seus pontos-de-vista distintos. Além da expiação particular, “ensinavam o batismo de crentes por imersão e insistiam que uma pessoa que uma vez é salva, está salva para sempre.” 147 Nos dois séculos seguintes os batistas gerais e os particulares continuaram separados na Inglaterra. Durante o século XVIII, os segundos experimentaram um declínio numérico em consequência de controvérsias concernentes às suas convicções calvinistas. Ao adotarem uma forma exagerada de calvinismo, alguns batistas particulares rejeitaram qualquer atividade evangelística por crerem que Deus iria salvar os eleitos sem a necessidade de esforço humano. Andrew Fuller e William Carey, ao proporem no final do século XVIII e início do século XIX uma forma mais moderada de calvinismo ficaram reconhecidos como os que contribuíram significativamente para uma renovação na tradição batista particular. Em 1891 ambos os grupos uniram-se formalmente na Inglaterra.148 c) Os Batistas na Europa

Nos séculos XVII e XVIII o movimento batista concentrou-se na Inglaterra e suas colônias, mas logo vivenciou uma expansão internacional, impulsionada especialmente pelo denominado “movimento moderno de missões”, iniciado pelo inglês William Carey. Conhecido como o “pai das missões modernas”, Carey (1761-1843), um sapateiro de ofício, foi um dos organizadores da Sociedade Batista Particular para a Propagação do Evangelho

144 Walter B. SHURDEN. Not an easy journey, p. 18 145 William H. BRACKNEY. Op. cit., p. 6 146 William Glenn JONAS. The Baptist river, p. 2 147 Leon MCBETH. Op. cit., p. 3 148 William Glenn JONAS. Op. cit., pp. 7,8 34

Entre os Perdidos. O desprendimento de Carey e seu desejo de expandir sua fé em países longínquos foi o ponto de partida para a união de batistas particulares e gerais na Inglaterra, o que veio a acontecer, como já dissemos, em 1891. O ex-sapateiro foi missionário pioneiro na Índia a partir de 1792, onde trabalhou na tradução do Evangelho para diversos dialetos locais.149 Naquela década o número de sociedades missionárias começou a se multiplicar rapidamente em decorrência do estímulo originado pelo trabalho do “pai das missões modernas” na Índia.150 Os Batistas apareceram na França ao longo da década de 1820, e sua expansão na Europa, com exceção da Alemanha, data da década de 1830. Enquanto os batistas ingleses cresceram em um contexto puritano-separatista, os demais batistas europeus surgiram em um ambiente dominado pelo pietismo alemão, “um movimento evangélico do século XVIII caracterizado pelo sentimento pessoal religioso, por reuniões em pequenos grupos e pela leitura bíblica devocional,” segundo Weaver.151

2 . A emigração batista para os EUA e a organização da SBC

2.1 Os puritanos na América

O maior movimento emigratório em direção à Nova Inglaterra teve o seu início na década de 1630 sob a égide da Massachusets Bay Company.152 Todos emigrantes eram puritanos e tinham como objetivo criar a “verdadeira igreja da Inglaterra” na colônia. Assim se expressava John Winthrop, em 1629, ao considerar a emigração como uma tarefa de natureza religiosa:

Será um serviço de grande conseqüência levar o Evangelho a estas partes do mundo, ajudar na vinda da plenitude dos gentios e levantar uma fortaleza contra o reino do anticristo que os jesuítas se esforçam para levar a estas partes. (...) [Como todas as igrejas da Europa vivem na desolação], Deus providenciou este lugar para ser refúgio para muitos que ele quer salvar da calamidade geral.153

Como se sabe, os pilgrim fathers fugindo da perseguição sofrida em seu país por parte da igreja oficial da Inglaterra, viajaram no navio Mayflower em direção à América, e,

149 David S. DOCKERY. Southern Baptist consensus and renewal, p.39 150 Gregory A. Wills. Op. cit., p. 57 151 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p. 226 152 Simon WINCHESTER. Krakatoa: O Dia em que o mundo explodiu, p.46. A Massachusets Bay Company foi uma companhia estabelecida por investidores ingleses com o objetivo de assentar colonos na Nova Inglaterra, os quais fundaram a colônia da baía de Massachusetts. 153 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., p.100 35

em 1620, desembarcaram na costa do atual estado de Massachusetts. Na nova terra sentiram- se em plena liberdade. No entanto, ao invés de compartilharem tal liberdade com os membros das demais religiões que para ali se dirigiram, agiram de forma intolerante para com os que não professavam a fé puritana na colônia que organizaram. Tais pessoas não poderiam ficar entre eles. Segundo Ferreira, “estava assim instituída uma teocracia.” 154 Considerando que as autoridades locais se concebiam como constituídas por ordem de Deus com vistas à realização do bem público, os puritanos concediam aos magistrados civis o direito de convocar sínodos e se fazer presentes neles. Segundo Azevedo,

A colonização americana foi mesmo uma obra puritana, feita sob a égide da teologia do pacto. Na análise de Ahlstron, ‘quando os Pais Fundadores desenharam o Grande Selo da República’, estavam embebidos da idéia puritana de que ‘a Providência tinha designado uma missão à nação americana’. Na prática eles reafirmaram as palavras do primeiro governador da primeira colônia, John Winthrop (1588-1649), escritas em 1630: como “o Deus de Israel está entre nós”, “seremos como uma cidade [edificada] sobre a colina”.155

2.2 Os primeiros batistas na América A maior parte dos batistas que se estabeleceram na América emigrou da Inglaterra no século XVII fugindo da perseguição que lhes era infligida da parte do rei e da igreja estatal, e em busca da liberdade que não possuíam em sua terra natal devido justamente a seus pontos- de-vista religiosos discordantes. Destacados líderes da atividade batista na Nova Inglaterra, como Roger Williams e John Clarke emigraram para lá na década de 1630. A emigração de batistas para as colônias centrais nas décadas de 1680 e para as colônias do Sul prosseguiu nas décadas de 1680 e 1690. Também emigraram para a América, batistas vindos do País de Gales, Escócia, Irlanda e, posteriormente, da Alemanha. Segundo Baker,

A mais antiga igreja batista do sul, a Primeira igreja Batista de Charlestone na Carolina do Sul, foi organizada em Kittery, Maine, em 1682, sob a liderança de William Screven (...) Por volta de 1740 havia provavelmente apenas oito igrejas Batistas nestas três colônias com não mais que 300 ou 400 membros.156

154 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., pp. 403-404 155 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., pp.100,103 156 Robert A. BAKER. Southern Baptist beginnings. Disponível em: Acesso em: 06.04.10 36

Dois líderes pioneiros do trabalho batista em colônias da Nova Inglaterra merecem destaque. São eles Roger Williams e John Clarke. Williams, criado na capital inglesa, Londres, teve sua formação acadêmica na Universidade de Cambridge e logo foi ordenado para o ministério sacerdotal anglicano. Posteriormente, aderiu ao puritanismo e separatismo vindo a navegar em direção a Boston em 1630-1631, fugindo da perseguição religiosa. 157 Aportou na Nova Inglaterra aos 24 anos de idade, quinze anos após a chegada dos pilgrim fathers, e estabelecendo-se em Massachusetts, onde teve contato com e sofreu influência dos batistas ali estabelecidos. 158 Williams exerceu sacerdócios sucessivos em Salém e na colônia da baía de Massachussets, local em que a sua visão separatista radical o conduziu a uma tensão crescente com as autoridades locais.159 O conflito levou à sua condenação e consequentemente à sua expulsão da colônia por ter se oposto duramente ao direito dos magistrados de “infligir penas pelas faltas religiosas”.160 No entanto, antes de ser deportado para a Inglaterra, Williams fugiu de Salém, no inverno de 1636, para Providence, dando origem ao movimento que culminou com a instalação da comunidade de Rhode Island.161 Foi batizado em 1639, integrando-se a uma igreja batista. E no mesmo ano dirigiu a organização de uma igreja da denominação em Providence, a primeira nas colônias americanas. No entanto, Williams permaneceu como um batista e membro daquela congregação por quatro meses, no máximo, tendo, porém, mantido muitas de suas convicções batistas até a sua morte, embora pareça certo afirmar que ele nunca se uniu a qualquer outra igreja. 162 A maior influência de Williams sobre os batistas está relacionada aos seus esforços no sentido de fazer com que todos pudesssem “caminhar conforme os persuadissem suas consciências”, pelo que ficou conhecido como o apóstolo da liberdade religiosa.163 Segundo Garret, Williams foi

Um pioneiro no estabelecimento de relações amigáveis com os nativos americanos ao tratá-los intencionalmente com respeito e dignidade, uma atitude não

157 James Leo GARRETT. Baptist theology, pp. 109-110 158 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., pp. 403-404 159 James Leo GARRETT. Baptist theology, pp. 109-110 160 E. S. FERREIRA. Op. cit., pp. 403-404 161 James Leo GARRET. Baptist theology, pp. 109-110. A comunidade de Rhode Island foi fundada por Roger Williams e Johm Clarke. Esses pioneiros batistas compraram a ilha de Aquidneck renomeando-a como Rhode Island e lá fundaram a cidade de Providence. 162 Thomas R. MCKIBBENS. Op. cit., p. 107 163 James Leo GARRETT. Baptist theology, pp. 109-110; James E. TULL. Op. cit., p. 31 37

característica da maioria dos colonos americanos. Talvez ele seja mais famoso por ter formado a colônia de Rhode Island com base [...] em princípios da democracia política, da separação entre igreja e Estado e da completa liberdade religiosa para todas as pessoas.164

Companheiro de Williams, John Clarke (1609-1676), conhecedor de grego e hebraico, era formado em medicina, direito e teologia.165 Foi o mais reconhecido batista dos meados do século XVII, tendo sido considerado por alguns como “o pai dos batistas americanos”. 166 Assim, com seu companheiro, emigrou para a Nova Inglaterra em virtude da perseguição que sofria em seu país devido à concepções religiosas diferentes daquelas promovidas pela igreja oficial inglesa. 167 Recém casado e há pouco formado pela Universidade de Leyden, Clarke chegou a Boston em 1637, com 28 anos de idade, deixando o local pouco depois em virtude de sua incompatibilidade com a rigidez doutrinária predominante nesta colônia norte-americana, pois era alguém “completamente inoculado com o espírito democrático dos Batistas” de sua terra natal. 168 Após servir como pastor de uma igreja separatista em Portsmouth, Rhode Island, Clarke auxiliou na organização de outra igreja batista neste mesmo local, que se tornou a segunda congregação batista estabelecida nas colônias da nova Inglaterra e que teve a peculiaridade de ser a primeira igreja batista na América a praticar o batismo de crentes adultos por imersão. Atuando como pastor nesta segunda congregação até a sua morte em 1676, Clarke Incluiu a liberdade de consciência em suas concepções teológicas e políticas, garantindo que em Rhode Island ninguém fosse molestado por diferenças de opinião religiosa.

Assim sendo,

Seria difícil superestimar o significado de John Clarke para os Batistas em geral e para a pregação batista em particular. No início da história batista na América do Norte, Clarke coloca-se como um ideal, amplo em suas simpatias universais, profundo em suas convicções Batistas, comprometido com um ministério inteligente e inteligível. Sua formação em direito e medicina, bem como em teologia, equipou-o de forma única para exercer um papel proeminente na vida da

164 C. Douglas WEAVER. Op. cit., pp. 33-34 165 Israel Belo de AZEVEDO. Op. cit., p. 105 166 Thomas R. MCKIBBENS. Op. cit., p. 108 167 Ebenézer Soares FERREIRA. Op. cit., pp. 403-404 168 Thomas R. MCKIBBENS. Op. cit., p. 108 38

colônia. Ele preparou um código de leis para a colônia de Rhode Island nos seus primeiros anos, declarando a inviolabilidade da liberdade de consciência, 169

PRIMEIRA CONCLUSÃO PARCIAL

Como pode ser percebido nesta síntese histórica que realizamos até o momento é possível encontrar nas três principais teorias sobre a origem dos batistas argumentos plausíveis que contribuem para uma melhor compreensão desta gênese, conforme sugere Pereira.170 O Sucessionismo, por exemplo, busca definir a ligação da denominação batista com os ensinamentos estabelecidos nos primórdios do cristianismo. No entanto, por outro lado, há total falta de evidência histórica da ligação entre os batistas dos últimos quatro séculos e seitas pré-reforma concebidas pelos sucessionistas como sendo elo de uma longa cadeia que estabeleceria a sucessão dos batistas com o cristianismo primitivo. Segundo Garrett, não pode ser comprovada a existência de um terreno comum entre os batistas modernos e movimentos pré-reforma como os montanistas, novatianos, donatistas, paulicianos e cátaros.171 As postulações dos batistas landmarquistas, um tipo de sucessionismo que foi dominante, além de não terem comprovação documental, são de um exclusivismo que não encontra comprovação no campo teológico. No que diz respeito à teoria sobre o parentesco espiritual entre os anabatistas do século XVI e os batistas, é seguro dizer, como bem resume Torbet,

Que os últimos são descendentes espirituais dos primeiros. No entanto, não pode ser provada continuidade histórica entre os dois grupos. Além disso, não são todos os Anabatistas que podem ser apontados como antepassados espirituais dos Batistas, com base na variação de seus ensinamentos. De fato, tal relacionamento pode ser traçado apenas para com aqueles Anabatistas que ensinavam o batismo de crentes, membresia regenerada da igreja e supremacia das Escrituras. A admirável tradição da liberdade civil e religiosa pela qual muitos deles deram suas vidas tem sido mantida dos últimos para seguir os princípios de pacifismo dos Menonitas. A não participação no governo, e desinteresse em fazer juramentos provê uma marcante distinção entre os dois grupos.172

169 Thomas R. MCKIBBENS. Op. cit., p. 108 170 José dos Reis PEREIRA. Op.cit., pp. 10,11 171 James Leo GARRETT.The roots of Baptist belief, p. 143 172 Robert G. TORBET. Op. cit., pp. 54,55 39

Os que vêem uma conexão dos batistas com o anabatismo continental europeu ainda não estabeleceram evidência incontestável desta afirmação. Podem, contudo, sugerir que as semelhanças entre os biblicistas suíços e do sul da Alemanha com os batistas são adequadas para comprovar o interesse destes últimos na replicação dos compromissos e convicções biblicistas.173 Certamente os anabatistas criaram um ambiente de dissenso no continente europeu que foi adotado mais tarde pelos batistas. É com base nesta linha de pensamento que Garrett, por exemplo, qualifica as ideias anabatistas como fonte teológico-política dos batistas europeus.174 Já a conexão entre os separatistas ingleses e os primeiros batistas aparenta ser a melhor forma de explicar a origem da denominação. Há ampla evidência histórica para afirmar a teoria segundo a qual a origem dos batistas se encontra enraizada no viés separatista do puritanismo. De acordo com Weaver,

Os Batistas foram um povo da Reforma: eles eram Biblicistas que leram a Bíblia e buscaram restaurar suas práticas. Eles tentavam purificar os Puritanos que falharam em purificar a Igreja da Inglaterra. Eles buscaram restaurar a Igreja do Novo Testamento, fundamentalmente através de sua insistência em uma igreja formada por crentes, o que significa batismo de crentes, imersão, membresia regenerada da igreja e independência da igreja local (...) Como fundamento dos primeiros Batistas ingleses estava a importância sagrada da liberdade de consciência do indivíduo. Liberdade para cultuar a Deus sem intervenção do Estado era um clamor insistente das vozes Batistas numa era em que a coroa inglesa raramente olhava de maneira bondosa para os dissidentes.175

Pode-se, conseqüentemente, afirmar a plausibilidade das avaliações que defendem a origem dos batistas como algo que se deu no âmbito do separatismo inglês.176 Da Europa migraram para a Nova Inglaterra, onde se estabeleceram, progrediram e expandiram-se em número, vindo a se constituírem posteriormente, por meio de uma de suas ramificações, a SBC, na maior denominação protestante norte-americana e maior grupo batista do mundo, numericamente falando, rica, poderosa e influente, inclusive no cenário político. À luz destas considerações, percebemos que o grupo batista, já em sua origem, é marcado por cismas que resultaram em divisões na denominação. A divisão que nos interessa,

173 Paige PATTERSON Learning from the Anabaptists, p. 124 174 James Leo GARRET Jr. The roots of , pp. 145 175 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p. 31 176 Paige PATTERSON. Learning from the Anabaptists, p. 124 40

entre fundamentalistas e liberais, ocorrida mais recentemente, constitui em mais uma, e provavelmente não a última, na história dos batistas. No entanto, há algo de novo nesta mais recente cisão. Os fundamentalistas dentro da denominação batizaram seu movimento de “ressurgimento conservador”, porém o que ocorreu de fato foi um evento com características inéditas no âmbito da história moderna dos batistas. Assiste-se, neste contexto, não ao ressurgimento da antiga orientação teológica com seus postulados acerca da separação entre fé, religião e política, entre igreja e Estado. O que se tem em pauta é justamente o contrário. É um movimento no âmbito da SBC que procede em plena sintonia com o movimento que ocorre no cenário político norte-americano a partir de 1960 em função do surgimento de organizações religiosas e para-religiosas especializadas no lobby político e constitutivas da chamada Nova Direita Cristã norte-americana. 177 Mas não só. O que se tem em pauta é também uma verdadeira reorientação teológica promovida, por exemplo, pelo pastor batista independente Jerry Falwell, fundador da Moral Majority, para quem todo evangélico, sobretudo, deveria recompor sua fé em função de uma renovada participação político-partidária.178 Esta nova orientação encontrou eco substantivo no âmbito da SBC, que, consequentemente, veio a experimentar sua primeira controvérsia de caráter efetivamente teológico-político.179

177 A Nova Direita Cristã é um termo usado nos Estados Unidos para descrever grupos políticos da “ala direita” cristã que são caracterizados por seu forte apoio a políticas socialmente conservadoras. Margaret L. ANDERSEN. Sociology: understanding a diverse society, p. 601. 178 William MARTIN. With God on our side, pp.201-202. A Moral Majority foi uma destas organizações norte- americanas de lobby político, e teve seu período áureo de 1979 a 1989. O tele-evangelista Jerry Falwell tornou- se mais conhecido por sua destacada liderança à frente da Moral Majority, tornando-se o líder da Nova Direita Cristã de maior visibilidade e influência naquele país. Jerry FALWELL. Listen, America! The conservative blueprint for America’s moral rebirth. New York: Bantam Books, 1981 179 Entende-se por teológico-político a "análise e crítica dos arranjos políticos (inclusive os aspectos cultural- psicológico, social e econômico) a partir de diferentes interpretações dos propósitos de Deus para com este mundo". Peter SCOTT & Wallace T. CAVANAUGH. The blackwell companion to political theology, p. 434

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CAPÍTULO 2 – EXPANSÃO E HEGEMONIA DA PERSPECTIVA TEOLÓGICA LIBERAL

Qual o contexto histórico, sócio-político e cultural que propiciou a expansão da perspectiva teológica liberal nas instituições da SBC? Como uma organização religiosa de princípios conservadores foi paulatinamente reorientada para uma visão sociológica liberal ou modernista? De qual maneira os modernistas difundiram seus pensamentos na denominação batista, conseguindo adeptos e simpatizantes? Qual a estratégia de política denominacional utilizada por eles para subsistirem e expandirem seu raio de ação apesar da oposição dos conservadores e, posteriormente, dos fundamentalistas? Estas perguntas surgem inevitavelmente na medida em que se percebe uma mudança considerável na interpretação do texto da Bíblia, na concepção da validade de seus ensinamentos e na orientação em conseqüência desta nova forma de compreensão teológica liberal assumida pelas lideranças e grande parte dos adeptos do grupo religioso pesquisado. A questão da reação posterior dos chamados fundamentalistas será mencionada aqui apenas no que for necessário para a compreensão do tema que é o cerne deste capítulo: o conteúdo, expansão e hegemonia da perspectiva teológica liberal no âmbito da SBC. O referido tema será desenvolvido com base numa tríplice divisão. Na primeira parte, apresentaremos, de modo sintético, o que entendemos ser os elementos básicos do contexto cultural que compôs o ambiente apropriado para o acolhimento da vertente interpretativa religiosa liberal. Na segunda parte analisaremos o processo de difusão das concepções liberais dentro da SBC. Na terceira e última parte nos deteremos na descrição do modo como foi usada a burocracia institucional para dar sustentação às posições liberais dentro da estrutura da denominação.

1. O contexto e a expansão da perspectiva teológica liberal na SBC

O final do século XIX trouxe para os Protestantes tanto da Grã Bretanha como da América do Norte, incluídos os Batistas, mudanças intelectuais e 42

socioculturais sem precedentes que iriam afetar sua teologia, inclusive a teologia que resistiu a estas mudanças ou as rejeitou.180

O desenvolvimento e expansão da perspectiva teológica liberal entre os batistas do Sul dos EUA não ocorreu de forma repentina, mas através de um processo sutil que se deu ao longo de vários anos. Quando da organização da SBC, em 1845, as diversas interpretações a respeito da natureza da Bíblia que temos hoje quase não existiam entre os batistas, se é que haviam. A inerrância do texto bíblico nunca foi questionada pelos fundadores da SBC, como podemos depreender da descrição de Hefley, ao afirmar que

Jeremiah B. Jeter, primeiro presidente da Foreign Mission Board [afirmava]: ‘a maneira da inspiração ... é como um prelúdio à possibilidade de erro nas Escrituras.’ J. M. Foster, fundador e primeiro executivo da Sunday School Board [disse que] ‘inspiração é ... a obra especial de Deus no escritor [bíblico] para garantir o registro do texto que o próprio Deus teria escrito.’ B. H. Carroll, fundador do Southwestern Seminary [declarou que] ‘a inspiração da Bíblia não significa que Deus disse e fez tudo o que está dito e apresentado na Bíblia’ mas ‘que o registro das palavras e eventos está correto.’ Fundadores de outras instituições e professores de seminários [da convenção] na maior parte do primeiro século da Southern Baptist Convention acreditavam da mesma forma.181

Considerada pelos conservadores e fundamentalistas como uma “tendência aterrorizante”, “diluição de convicções”, “passo trágico”, dentre outras definições de caráter pejorativo, a jornada rumo à nova posição que franqueia uma abordagem histórico-crítica da religião dentro da SBC, seguiu quatro passos básicos e identificáveis que convergiram para esta nova tendência, os quais são: (1) acatamento da abordagem histórico-crítica à Bíblia; (2) absorção da filosofia existencialista; (3) aceitação da plausibilidade do darwinismo; (4) implementação dos estudos das religiões comparadas.182 Nas páginas que se seguem trataremos de apresentar mais detalhadamente cada um desses quatro passos.

1.1 Abordagem histórico-crítica

180 James Leo GARRETT. Baptist theology, pp. 278-279 181 J. C. HEFLEY. The conservative resurgence, p. 13 182 J. T. DRAPER & K. KEATHLEY, Biblical authority, p.11 43

Duas mudanças históricas iniciaram-se na década de 1950 na vida dos batistas do Sul. A primeira e mais importante para nossas discussões foi a franca aceitação dos estudos histórico-críticos nos currículos dos seminários e faculdades batistas. Segundo David S. Dockery, atual presidente da Union University, no Teneessee,

John Broadus e A.T. Robertson utilizaram o criticismo bíblico como ferramenta de melhor compreensão das Escrirturas para afirmação da fé – de tal forma que ambos afirmaram a inerrância da Biblia – mas isto começou a mudar no meio do século XX (...) Após a segunda grande guerra mundial um “Novo Sul” começou a emergir de seu isolamento anterior. A economia e cultura agrícola do “Velho Sul” deram lugar a estruturas urbanas e suburbanas. As populações cresceram e tornaram-se mais pluralísticas, as tendências de emprego se desestabilizaram e a tensão racial elevou-se. Os valores do “Antigo Sul” estavam sendo visivelmente perturbados, (...) de forma consciente, ou não, começou a formar-se um movimento comprometido com o pragmatismo e distante de compromissos teológicos (...) A perspectiva pragmática era central para o crescimento de uma denominação bem-sucedida no contexto da América pós-segunda guerra mundial. Apesar de ainda ser algo importante para a maioria dos professores das faculdades e seminários, a compreensão do que era uma ortodoxia estava para mudar rapidamente, quase de forma inconsciente, de uma articulação do sistema correto para a realização de um programa correto. Isto não resultou numa diversidade de concepções, mas sim em uma geração ateológica, focada principalmente em atividades piedosas e realização de programas – uma mentalidade que ainda se encontra presente em muitos lugares apesar de haver transcorrido mais de meio século. As controvérsias a respeito da natureza das Escrituras entraram na arena pública em 1961, 1969 e 1979. Nunca se chegou a uma compreensão teológica que fosse suficiente para um exame e avaliação finais desta questão, quer entre leigos ou entre pastores. Por um lado, a SBC continuava a vivenciar um consenso ortodoxo que era representado por pastores/teólogos bem estabelecidos, como H. H. Hobbs, W. A. Criswell e uma variedade de teólogos mais jovens, como Curtis Vaughan e James Leo Garrett. No entanto, ao mesmo tempo, a mudança de paradigma que se insinuava desde a década de 1950 tornava-se mais evidente ainda na década de 1970. Os batistas do Sul esforçaram-se para lidar com estes desafios, bem como com a crescente urbanização, o aumento da burocracia denominacional, a expansão territorial e as novas ênfases na teologia que alguns denominaram ‘liberal’. Novas tensões foram criadas. Novas questões foram levantadas neste contexto. O ambiente acadêmico dos batistas do Sul nos meados do século XX deparou-se com novas questões, particularmente em relação ao surgimento da crítica bíblica. Os adeptos desta nova modalidade de interpretação buscaram combinar uma crença na inspiração bíblica com o criticismo bíblico, algo que ficou publicamente evidenciado nos debates a 44

respeito da publicação do livro Message of Genesis (1961), de Ralph Elliott, e também do primeiro volume do Broadman Bible Commentary (1969).183

O criticismo bíblico ou estudo histórico-crítico da Bíblia pode ser definido como uma forma de estudar as chamadas Escrituras Sagradas numa perspectiva histórica de seus registros, considerando o pano de fundo histórico e ideológico de sua composição, uma abordagem com a qual a maioria dos cristãos evangélicos não estavam familiarizados naquela época. As conclusões a que chegaram os críticos, adeptos desta nova metodologia, divergiam radicalmente das crenças mais que seculares do cristianismo.184 Os defensores do método histórico-crítico afirmavam que o estudo histórico da Bíblia tem que

Ser livre da restrição de qualquer dogma teológico, particularmente de qualquer doutrina de uma Escritura inspirada, para que a crítica bíblica possa ser tão aberta a qualquer conclusão histórico-crítica quanto a pesquisa nas ciências físicas é aberta à evidência de todo e qualquer fato. Isto porque qualquer entendimento teológico da Bíblia como a Palavra de Deus pode automaticamente colocar uma restrição ou limitação sobre a liberdade da própria investigação histórica e crítica. 185

Dentro desta perspectiva, o criticismo bíblico, juntamente com a teoria da evolução, foi instrumento por excelência do modernismo teológico em seus esforços no sentido de “reformular a fé cristã em harmonia com os pressupostos do iluminismo”186. Enquanto disciplina moderna ele surgiu como uma reação à visão não crítica e supernaturalística da Bíblia, predominante nos períodos que sucederam a Reforma Protestante. No âmbito do que se convencionou chamar de escolasticismo ortodoxo da Alemanha dos séculos XVII e XVIII, a Bíblia foi concebida como um livro quase mágico, livre de erros e contradições, não sujeito a interpretações decorrentes do desenvolvimento dos estudos teológicos e críticos por não estar ancorado na história. O método histórico-crítico moderno surgiu, portanto, “como um resultado do esforço de entender a Bíblia em puros termos históricos e humanos, rejeitando

183 David S. DOCKERY. Southern Baptist consensus and renewal, pp. 185,186. O itálico é nosso. John Albert Broadus (1827-1895) e Archibald Thomas Robertson (1863-1934) foram líderes batistas do Sul e professores do Southern Baptist Theological Seminary, instituição teológica filiada à SBC. Broadus exerceu a presidência do Seminário de 1888 a 1934. Timothy HALL. American religious leaders, pp. 39-40, 427. 184 Fisher HUMPHREYS & Philip WISE. Fundamentalism, pp. 18-19 185 George E. LADD. The New Testament and criticism, pp. 40-41 186 Barry HANKINS. Evangelicalism and fundamentalism: a documentary reader, p. 3. 45

completamente o supernaturalismo da teologia ortodoxa.”187 Associado a nomes como Julius Welhausen e Rudolf Bultmann, este método foi primeiramente usado na Europa e posteriormente dominou os estudos bíblicos em escolas como Cambridge, Oxford, Tubingen, Gottingem, Marburg, Yale e Chicago.188 Nesse contexto, o clima humanístico, herança cultural advinda do iluminismo, fez com que os indivíduos religiosamente orientados se tornassem menos dispostos a conceber os ensinamentos bíblicos como “autoridade normativa de suas crenças e ações”189. O ambiente que havia proporcionado uma aceitação irrestrita da Bíblia como um livro sobrenatural e de conteúdo inquestionável para orientação da vida humana começava a modificar-se. Como bem indica Hankins,

A posição modernista aplicada ao cristianismo significava em essência que a Bíblia não era necessariamente autoritativa para os cristãos modernos. Antes, a Escritura representava a mais antiga e mais rudimentar forma de cristianismo. A fé havia evoluído por dezenove séculos para uma experiência com Deus mais avançada (...) Este ponto de vista evolucionário da fé cristã desafiou diretamente a noção biblicista de que a Escritura era autoritativa. Ao invés disso, a Bíblia passou a ser considerada como o registro falível das experiências dos homens do primeiro século com Deus. Os homens modernos, vivendo sob a luz da ciência moderna, teriam experiências com Deus de formas modernas.190

Segundo a abordagem da perspectiva histórico-crítica, a Bíblia pode ser avaliada por intermédio das “cinco críticas”, a saber: a) a crítica textual, que considera o fato de não se ter acesso ao manuscrito original da Bíblia, mas, sim, a muitas cópias. Ela tem por objetivo restaurar o texto original, e busca fazê-lo comparando e pondo em ordem os manuscritos a que se tem acesso, sendo mais de cinco mil deles correspondentes tão somente ao Novo Testamento. b) a crítica da linguagem, a qual se volta para a natureza da linguagem, em especial do Novo Testamento. No Egito foram descobertos diversos papiros que, após análise, contribuíram para a conclusão de que a língua grega usada no Novo Testamento era o koiné, ou seja, o grego comumente usado durante o primeiro século na região Mediterrânea. “Com a descoberta dessas cartas, documentos de negócio, testamentos e outros escritos, os

187 George E. LADD. Op. cit., pp. 40-41 188 Clayton SULLIVAN. Called to preach, condemned to survive, p. 75 189 James C. HEFFLEY. The Truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, p. 39 190 Barry HANKINS (ed.). Op. cit., p. 3 46

lexicógrafos foram capazes de estabelecer o significado de palavras e o uso de vários idiomas.”191 Essa crítica constituiu um imenso avanço para a compreensão da linguagem utilizada no Novo Testamento. c) a crítica literária, dividida em “alta crítica” e “baixa crítica”, lida com questões como autoria, data, ocasião e lugar da composição, destinatários e a integridade básica da mensagem, a origem da informação, a forma e o modo como foi organizada pelo autor. O século XX popularizou algumas das orientações da crítica literária. A primeira é a crítica da fonte, que busca determinar as fontes escritas que o autor bíblico usou para compor o seu texto. Esta orientação da crítica literária aplicada ao Novo Testamento, trouxe consigo um ceticismo com respeito à confiabilidade do material que o compõe, contribuindo significativamente para a avaliação da Bíblia como um livro puramente humano, e, conseqüentemente, sujeito às imperfeições e limitações naturais da humanidade. Sendo assim, além de verdades, serão encontrados defeitos, discrepâncias, e erros no texto avaliado. A segunda orientação é a crítica da forma, que busca, por sua vez, estabelecer os estilos literários do texto analisado. “É um método de estudo que lida com o estágio pré-literário da tradição dos Evangelhos, quando o material foi transmitido oralmente (...) Talvez a principal contribuição não seja o estudo das formas, mas a ênfase colocada sobre a comunidade primitiva em que a tradição foi formada.”192 Por fim temos a crítica da redação, pela qual se entende que “cada autor bíblico teve seu próprio propósito e plano na seleção de matérias para inclusão em sua narrativa.”193 Esta última orientação da crítica literária considera cada autor bíblico como um redator ou editor, e avalia como os escritores teriam colocado junto seu material. O objetivo da crítica da redação é, portanto, tentar determinar o que o autor ou editor, desejava provar através de seu texto. d) a crítica do gênero, a qual busca determinar o tipo, forma e gênero da literatura em questão. Ela não faz do autor apenas um redator ou um editor que lida com fontes, mas, além disso, um inovador, um criador de material literário. Assim sendo, Draper e Keathley afirmam, por exemplo, que “de acordo com este ponto de vista, Mateus (e, presumidamente, Lucas e Marcos) compuseram alguns eventos e ditos e apresentaram-nos em forma histórica para prover a estrutura da mensagem que estavam tentando apresentar.”194

191 James T. DRAPER & Kenneth KEATHLEY. Op. cit., p. 13 192 Broadus David HALE. Introdução ao estudo do Novo Testamento, p. 60 193 Ibid, p, 66 194 T. DRAPER & K. KEATHLEY, Op. cit., p. 20 47

e) a crítica da resposta do leitor, que, por fim, focaliza a compreensão do processo interpretativo que ocorre quando uma pessoa lê o texto. Aqui “não é o autor, mas o leitor quem determina o significado de uma obra de literatura. Esta orientação da crítica literária sustenta que um texto não tem significado até o leitor, com suas experiências e condicionamento culturais, prover significado ao texto. Ao invés de descobrir o significado do texto, o leitor o fornece.” 195 Ainda que apresentada em linhas gerais, esta esquemática exposição das cinco críticas que dão corpo à abordagem histórico-crítica não é sem razão. Tendo em vista as implicações próprias de cada uma delas, tal como indicamos, esta exposição certamente nos ajuda a compreender não apenas as razões, mas também a intensidade da reação anti-liberal no âmbito da SBC.

1.2 Filosofia existencialista

O segundo maior fator a contribuir para o questionamento da interpretação da autoridade do texto bíblico até então predominante no ambiente protestante em geral, e no batista em particular, foi o surgimento da filosofia existencialista e a sua aplicação à teologia. O existencialismo postula a centralidade da subjetividade pura, o que por sua vez implica na impossibilidade de se ter acesso à verdade objetiva. Tal postulado investe diretamente sobre a concepção da Bíblia como um texto autoritativo, cuja verdade supostamente revelada pode ser conhecida objetivamente. Em meados da década de 1950 o existencialismo encontrava-se no auge de sua influência no âmbito da cultura acadêmica norte-americana, e no que se refere à teologia, os neo-ortodoxos norte-americanos foram responsáveis pela ênfase nesta perspectiva filosófica.196 Para os fins de melhor compreensão das implicações decorrentes desta postura de aceitação da centralidade da subjetividade pura, vamos indicar, de modo sintético, as considerações de dois pensadores cujas reflexões viabilizaram a elaboração dessa perspectiva filosófica e sua difusão no ambiente protestante. São eles Kant e Nietzsche. a) Immanuel Kant (1724-1804)

195 J. T. DRAPER & K. KEATHLEY, Op. cit., p.16 196 Ibid, pp.11, 12 48

Considerado um dos mais importantes e influentes filósofos de todos os tempos, Kant marcou o programa da filosofia do século XIX ao ponto de tornar-se referência para a filosofia desde então. Sua posição em relação ao Iluminismo é ambígua. Sua notória definição na qual apresenta o iluminismo como “a saída do homem de sua imaturidade auto-imposta” demonstra, por exemplo, simpatia. No entanto, ele é também um crítico contundente desta corrente filosófica, ao negar “as doutrinas do Iluminismo radical – materialismo, determinismo, ateísmo. Cooper afirma que as objeções de Kant a essas doutrinas “dogmáticas” devem-se ao fato de, em sua opinião, elas irem “muito além de qualquer coisa que a experiência possa confirmar.”197 Segundo Matos, Kant

Expressou muitos temas essenciais desse movimento, mas ao mesmo tempo restringiu a razão a uma esfera mais limitada que os seus antecessores aceitariam. Em sua principal obra sobre a temática religiosa, A religião dentro dos limites da razão pura (1793), ele restringiu o cristianismo ao âmbito da ética, depreciando tanto a religião revelada quanto a religião natural. Para Kant, a religiosidade autêntica era viver de acordo com os deveres que podiam ser discernidos racionalmente; seu principal propósito era fornecer às pessoas fundamentos e instruções morais. Essa religião não-especulativa e não-sobrenatural não poderia entrar em conflito com a ciência. Mesmo assim, ele manteve a crença em Deus, na imortalidade da alma e nas retribuições após a morte.198

De acordo com Matos, portanto, a visão religiosa de Kant mantinha a crença em Deus, em uma alma imortal, na necessidade do cumprimento de deveres racionalmente discerníveis e na realidade de recompensas morais na eternidade. Porém, era uma depreciação da religião revelada e sobrenatural, e buscava adequar-se à ciência. b) Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900)

Filólogo e filósofo altamente influente, Nietzche, afirmava que o existencialismo inevitavelmente tem como conseqüência o relativismo, indo, consequentemente, desembocar no niilismo, o qual afirma a inexistência de qualquer base absoluta para os valores objetivos ou para a verdade.199 Conforme diz Raeper,

A vida de Nietzche desenrolou-se na segunda metade do século XIX. Esse período viu a súbita ascensão da Alemanha, unida como país sob a liderança prussiana em 1871, a uma posição suprema de poder. Nietzsche era criança quando a Revolução

197 David Edward Cooper. Filosofias do mundo, pp. 317,318 198 Alderi Souza de MATOS. Fundamentos da teologia histórica, p. 215 199 James T. DRAPER & Kenneth KEATHLEY. Op. cit., p. 28 49

de 1848 malogrou: seus ideais foram substituídos pela política de sangue e agressão de Bismarck. As cidades alemãs eram decoradas com monumentos que celebravam as novas realizações nacionais nas áreas de armamento e indústria. Havia um novo orgulho pelos progressos culturais das universidades. Nietzsche criticava acerbadamente essa chamada ‘cultura’. A seu ver, ao conquistar tanta coisa, a Alemanha perdera o que era de fato importante. O país tornara-se desalmado e satisfeito consigo mesmo: rico em posses mas lastimavelmente pobre interiormente. A cultura era ‘decadente.’ O centro da análise nietzschiana era que a Alemanha, e toda a Europa, se voltara contra o cristianismo sem ter coragem de admiti-lo. Não há dúvida de que via a si mesmo como uma espécie de profeta. Sentia ter uma missão perante sua geração: tirá-la da letargia e expor suas falsas virtudes. O ponto de partida de Nietzsche era a inexistência de Deus. Nesta citação de A Gaia Ciência (1882) ele dá vigorosa expressão política a seu ateísmo: o mais importante dos eventos mais recentes – o de que ‘Deus está morto,’ o de que a crença no Deus cristão tornou-se indigna de crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa ... Na realidade, nós, filósofos e ‘espíritos livres’, sentimo-nos irradiados como por uma nova alvorada pela notícia de que ‘o velho Deus está morto’; nosso coração transborda de gratidão, assombro, pressentimentos e expectativas. Finalmente, o horizonte parece mais uma vez aberto, mesmo que se conceda que não é brilhante; nossos barcos podem por fim lançar-se ao mar diante de todos os perigos; todo acaso é mais uma vez permitido àquele que discerne, o mar, o nosso mar, mais uma vez se abre à nossa frente, talvez nunca antes tenha tal ‘mar aberto’ existido. Para Nietzsche a crença em Deus empobrece a vida humana. Crer nun céu depois da morte reduz a dignidade e o valor da existência humana agora. Ele escreveu em Ecce Homo (1888): O desmascaramento da moralidade cristã é um evento sem igual ... tudo aquilo chamado até agora de ‘verdade’ é reconhecido como a forma mais danosa, maliciosa e sub-reptícia da mentira; o pretexto santo de ‘aperfeiçoar’ a humanidade como desculpa para sugar a própria vida e torná-la anêmica. A moralidade do vampirismo ... A ‘morte de Deus’ significa que a humanidade já não tem o apoio da sabedoria divina. O sobrenatural se foi por já não haver lugar para ele. Na visão de Nietzsche, e de muitos de seus contemporâneos, a idéia de Deus como realidade objetiva não era compatível com o moderno conhecimento científico. Mas ele percebeu, talvez mais que qualquer outro, as assustadoras conseqüências disso. Como Deus está morto, a humanidade tem de seguir sozinha. Como Deus já não existe, temos de moldar nossa própria vida a ferro e fogo. Os seres humanos não podem viver sem valores, mas não há agora outra fonte ou direção dos valores que a própria humanidade. Nietzsche não é contra a moral; ele revela uma passional preocupação com os padrões e a direção; mas os velhos valores perderam a força. Sua missão é introduzir a ‘transvaloração dos valores.’200

De acordo com o filósofo alemão, todo tipo de visão moral e metafísica do mundo é inaceitável, ao levar-se em conta o inevitável desenvolvimento das ciências particulares. O ponto de vista da probabilidade intelectual e do poder de legitimação desafiam estes tipos de visão do mundo. Assim, sendo, Lopes afirma que Nietzche

200 William RAEPER. Introdução ao estudo das ideias, p. 117 50

Concentra os seus esforços no sentido de tornar explícito o caráter desnecessário e anacrônico dos padrões interpretativos fornecidos pela religião e pela metafísica. A tese de Nietzsche é que as carências de ordem metafísica seriam carências historicamente circunscritas e passíveis de serem eliminadas mediante uma adequada estratégia filosófica.201

Matos sugere que Nietzche descreve em sua crítica à religião institucionalizada as relações, muitas vezes tácitas, entre religião e a subordinação do indivíduo aos preceitos tradicionais da sociedade. Para o filósofo alemão, no parecer de Matos, o sentido do culto religioso é “incutir na Natureza uma regularidade que ela não tem a priori.” Tudo o que é natural, estaria, então, relacionado ao “mau” e ao “erótico”. Na concepção de Nietzche, portanto, o alvo da religião seria fazer o homem se sentir “pecaminoso por natureza”. Assim, a natureza torna-se suspeita, fazendo com que os indivíduos sintam-se em falta por não conseguirem se desassociar da natureza considerada “má”. Percebendo-se, então, pecaminoso, o ser humano passa a exigir a intervenção de forças sobrenaturais e uma necessária redenção. Matos conclui que, na concepção de Nietzche, o intuito da religião é fazer com que o homem sinta-se “o mais pecaminoso, o mais frágil e o mais dependente possível das forças sobrenaturais.” As religiões seriam, no pensar do filósofo alemão, comparáveis às “filosofias niilistas” que, dentre outras coisas, mistificam a morte e a união com Deus. Consequentemente, a religião constituir-se-ia numa aspiração ao nada.202

1.3 Plausibilidade do darwinismo

Segundo Numbers e Stenhouse,

Desde a publicação de ‘A Origem das Espécies’, de Charles Darwin, em 1859, uma tempestade de controvérsias tem grassado entre teólogos e cientistas. Alguns proponentes da teoria de Darwin elevaram-na à posição de um paradigma a ser usado para reinterpretar a experiência humana. Outras pessoas têm identificado a teoria da evolução como obra do diabo, sem qualquer mérito científico. A maioria das pessoas se posiciona em algum lugar entre estas duas opiniões. 203

O final do século XIX trouxe diversos desafios de ordem intelectual e sociocultural para os batistas e demais protestantes na Grã-Bretanha e América do Norte. Tais desafios

201 Rogério Antônio LOPES. Elementos de retórica em Nietzsche, p. 177 202 Marcus Vinícius A. CÂMARA. Reich, grupos e sociedade, p. 78 203 Ronald L. NUMBERS & John STENHOUSE. Disseminating darwinism, p. 176 51

representaram um forte impacto que abalou todo o edifício de sua teologia. Segundo Garrett, Charles Darwin “introduziu um conceito de evolução biológica que impactou não apenas as doutrinas cristãs da criação e do homem, mas também as disciplinas a elas relacionadas.”204 Talvez a aceitação da plausibilidade da teoria evolucionista nos EUA possa ser considerada a mais importante mudança ocorrida no âmbito da teologia cristã naquele país. O darwinismo causou um impacto direto no teísmo, na concepção apresentada pela Bíblia a respeito da origem do homem e do mundo, bem como no próprio modo cristão de compreender a natureza e o destino humano. O forte impacto do darwinismo nos EUA pode ser constatado nas palavras de Charles Eliot, professor da Universidade de Harvard, que em 1909 concluiu que a partir do darwinismo “os cristãos não teriam mais o monopólio da verdade, pois as idéias dos cientistas, dos secularistas ou dos que professavam outra fé seriam igualmente válidas”.205

Como sabemos, a teoria da evolução tal como concebida por Darwin pautou-se por tentar explicar a mudança e o surgimento das diferentes espécies vivas. Em sua obra A Origem das Espécies, que popularizou esta teoria, Darwin afirma que os seres humanos bem como o todo da vida animal, evoluíram através de um longo período de tempo como resultado de um processo gradual de seleção natural. Como podemos perceber, a idéia da seleção natural darwiniana investia diretamente contra a concepção segundo a qual haveria uma inteligência projetando e regulando o mundo, a vida e as suas variações. A concepção de Darwin era de que a natureza não possuía nenhum propósito pré-estabelecido, o que evidentemente contradiz de modo frontal a compreensão tradicional baseada nos registros do livro de Gênesis, de acordo com o qual a humanidade e o mundo tiveram sua origem num ato voluntário e consciente de Deus. 206 Desde a publicação desta obra de Darwin houve uma mudança na relação entre ciência e religião nos EUA. De acordo com Queen, Prothero e Shattuck, “Apesar dos Protestantes desde o século XVII terem suposto que fé, razão e ciência eram compatíveis, a disseminação das teorias de Darwin sobre evolução orgânica nas décadas da Guerra Civil desafiou a síntese anterior.”207

204 James Leo GARRET. Baptist theology, p. 218 205 Charles W. ELIOT. The religion of the future, p. 20 206 Ronald L. NUMBERS & John STENHOUSE. Op. cit., p. 176 207 E. L. QUEEN. Op. cit., p.388 52

1.4 Estudo das religiões comparadas

O quarto passo básico em direção à teologia liberal foi o estudo de religiões comparadas. 208 Segundo Queen, Prothero e Shattuck,

O estudo acadêmico da religião recebe outros nomes como: estudos da religião, religiões comparadas, ciência da religião (uma tradução literal de sua nomenclatura em muitas línguas européias como o francês, Science de La Religion, e do alemão, Religionswissenschaft), e ocasionalmente nos Estados Unidos, particularmente entre aqueles influenciados pela obra de Mircea Eliade, recebe a denominação de ‘história das religiões.’ A maioria desses nomes captura apenas parte do escopo completo do estudo acadêmico da religião, no qual a religião é considerada como um objeto de analise crítica pouco (se for assim) diferente de outros objetos acadêmicos. Se há qualquer diferença, reside no fato da religião ser analisada de uma variedade de perspectivas metodológicas e disciplinares, incluindo a histórica, antropológica, literária, sociológica e psicológica.209

Este campo de estudos surgiu juntamente com a antropologia, em conseqüência da influência dos estudos evolucionistas de Darwin, “para contar a história da evolução gradual de todas as sociedades e religiões, dando decididamente valor relativo ao clamor de verdade do cristianismo – e do catolicismo romano.”210 Ladd afirma que o estudo das religiões comparadas considera que “a religião bíblica, no Velho e Novo Testamentos, passou por estágios de crescimento e evolução como todas as religiões antigas e nesta evolução foi altamente influenciada pela interação com seu ambiente religioso.” 211 O estudo acadêmico da religião só se tornou um campo de estudo reconhecido no final do século XIX. Conforme Queen, Prothero e Shattuck, Max Müller, um dos líderes deste campo de pesquisa, primeiro professor de Religiões Comparadas na Universidade de Oxford, teria afirmado que era “o dever daqueles que tinham devotado sua vida ao estudo das principais religiões do mundo em seus documentos originais, e que valorizam e reverenciam isto em qualquer forma que possa se apresentar” era tomar posse deste novo campo de estudo, em nome da verdadeira ciência. 212 Nos Estados Unidos o estudo comparado das religiões só começou a ter maior aceitação no decorrer do século XX. No contexto particular da comunidade batista norte-

208 James T. DRAPER & Kenneth KEATHLEY. Op. cit., p. 12 209 E.L. QUEEN et al. Op. cit., p.104 210 L. NUMBERS & John STENHOUSE. Op. cit., p. 176 211 George Eldon LADD. Op. cit., pp.195-196 212 E.L. QUEEN et al. Op. cit., p.104 53

americana, seus teólogos tiveram acesso a estas novas tendências a partir da leitura de diversos trabalhos alemães traduzidos para o inglês. Com o interesse despertado pela nova perspectiva de estudo, viajaram para universidades alemãs como as de Berlin, Halle e Leipzig com o objetivo de aprofundar seus próprios estudos. Por volta de 1910 novos cursos sobre crítica bíblica, doutrina histórica e religiões comparadas já estavam sendo oferecidos nos catálogos das universidades norte-americanas como as de Newton, Rochester, Colgate e Crozer.213 Na década de 1960 o estudo de religiões comparadas tornou-se comum em muitos departamentos de faculdades e universidades daquele país. Em face desta disseminação que ocorreu entre as décadas de 1960 e 1980, departamentos de teologia passaram a ser preteridos em relação aos departamentos de estudos das religiões. Na realidade, a abordagem crítica no que se refere ao estudo das religiões, somado ao tratamento igualitário de todas as religiões, valorizava de fato o pluralismo, ou seja, valorizava o ponto de vista segundo o qual “todas as religiões são caminhos válidos de culto dentro de seus respectivos ambientes sociais e culturais.” Em outras palavras, os pluralistas afirmavam que “Deus usa o Islam para salvar os muçulmanos, o hinduísmo para salvar os hindus e Cristo para salvar os cristãos.” 214 Segundo Ladd, o método histórico de estudo das religiões,

Envolve a aplicação consistente do princípio da analogia à religião bíblica: a história e desenvolvimento da religião bíblica deve ser análoga à história e desenvolvimento de outras religiões antigas. Este método não tem qualquer interesse na verdade da Bíblia ou na revelação. A religião dos hebreus é estudada simplesmente como uma de muitas religiões antigas do Oriente próximo, e a religião da igreja primitiva é vista com um movimento sincretista que teve sua origem última com os ensinamentos de Jesus de Nazaré e que se apropriou e combinou elementos importantes das religiões judaica e greco-romana do primeiro século. Esta abordagem foi popularizada na erudição do século XIX por Julius Wellhausen em seu Prologomena to the History of Israel. Wellhausen tratou a religião de Israel não como um veículo de revelação divina, mas como uma desenvolvimento religioso resultante de princípios evolucionários manifestando-se na história religiosa. Esta abordagem inibiu os estudos da teologia bíblica por uma geração inteira e resultou na produção de uma pletora de livros traçando a evolução da religião bíblica. Um dos mais populares foi A Guide to the Understanding of the Bible, publicado em 1938, de autoria de Harry Emerson Fosdick.”215

As controvérsias que surgiram em conseqüência do acatamento da abordagem histórico-crítica, da filosofia existencialista, do darwinismo e dos estudos de religiões

213 M. E. WILLIAMS & W. SHURDEN. Op. cit., pp. 81-82 214 James T. DRAPER & Kenneth KEATHLEY. Op. cit., p. 12 215 George Eldon LADD. Op. cit., pp.195-196 54

comparadas chegaram aos seminários protestantes em geral e batistas, em particular, causando simpatia em alguns e aversão em outros.216 Não é difícil perceber, por exemplo, que os resultados dos estudos de religião geraram fortes resistências e rejeição por desconsiderarem a suposta superioridade da religião cristã. Nesse sentido, os conflitos foram mais acirrados em centros acadêmicos diretamente filiados a denominações religiosas. Como podemos deduzir, as administrações destas entidades passaram a ter que se importar continuamente com a exigência de manter um compromisso com a erudição e o academicismo e ao mesmo tempo responder aos questionamentos apresentados por suas denominações, que exigiam um discurso de supremacia da religião cristã.217

2. A situação da SBC antes da emergência fundamentalista

Devido à nova visão teológica e acadêmica potencializada pelo recente estudo das religiões comparadas e pelas novas concepções da teologia proporcionadas pelo contexto modernista de interpretação da Bíblia, a SBC viu-se particularmente questionada pela sua corrente liberal, sobretudo no que se refere à ortodoxia teológica e à própria administração institucional. As relações dos atores tradicionais da SBC com os novos seguidores do liberalismo teológico podem ser percebidas através de alguns momentos significativos do confronto entre eles no âmbito desta Convenção, que passamos a indicar.

2.1 The Message of Genesis

Os primeiros tremores do terremoto religioso que viria a ser qualificado como “ressurgimento conservador” datam do início da década de 1960, quando ocorre a denominada “Controvérsia Elliot”. 218 Esta, que ficou conhecida como a primeira crise em relação à concepção e interpretação tradicional da Bíblia entre os batistas do Sul dos EUA, veio à tona através da publicação, em 1961, pela Broadman Press (editora oficial da SBC), da obra de Ralph H. Elliot, The Message of Genesis. No prefácio, Elliot afirma que o seu livro “é um esforço para combinar mente e coração usando os destacados conhecimentos da erudição

216 Robert A. BAKER & John LANDERS. A summary of Christian history, p. 351 217 E.L. QUEEN et al. Op. cit., p.104 218 William Glenn JONAS. Op. cit., p. 63 55

moderna para desvendar e ressaltar os princípios teológicos e religiosos constituintes das histórias do livro de Gênesis”219 Elliot, então professor do Midwestern Baptist Theological Seminary, foi imediatamente criticado por defender as novas idéias apresentadas oito anos antes por C. H. Toy a respeito da natureza da Bíblia. 220 Segundo Sutton

Elliot trabalhou com um método histórico-crítico de interpretação no qual, em essência, divorciava a mensagem da Bíblia da história literal. (...) Citando Alan Richardson, ele concluiu que ‘as histórias simbólicas ... não são para serem tomadas como verdade literal.’ Na conclusão de seu modelo hermenêutico, Elliot argumentou que os primeiros onze capítulos de Gênesis eram ‘um prefácio teológico para o restante do livro.’ Ele pressupôs que os escritores bíblicos tomaram emprestado e adaptaram mitos e lendas anteriores, que Adão e Eva não foram personagens históricos, que o dilúvio foi meramente local, que a destruição de Sodoma e Gomorra ocorreu como um fenômeno natural e que Abraão, de fato, não ouviu a voz de Deus instruindo-o a matar Isaque (...) A conclusão a que muitos chegaram durante este tempo foi de que o liberalismo tinha começado a se infiltrar na academia batista do Sul e algo precisava desesperadamente ser feito a respeito disso antes das coisas se tornarem piores.221

Elliot afirmou que muitas das estórias do Gênesis eram parabólicas e tinham como objetivo “expressar insight histórico profundo”.222 Dentro desta perspectiva, elas não narravam eventos verdadeiros, históricos223. Portanto, enquanto veículo literário, a Bíblia continha erros, mas isto “não necessariamente significa que a mensagem de fé ou o propósito de Deus na mensagem estava errado.”224 Muito embora esta concepção fosse predominante entre os estudiosos da Bíblia que ensinavam em seminários e faculdades, essa não era a assumida pela maioria dos batistas do Sul. Conseqüentemente, Elliot ficou reconhecido como liberal para uns e neo-ortodoxo para outros.225

2.2 Comentário Bíblico Broadman – O livro de Gênesis

219 Ralph M. ELLIOT. The message of Genesis, p. vii 220 Crawford Howell Toy foi o primeiro professor batista do Sul a perder sua posição como docente em uma instituição de ensino teológico da SBC em virtude de apoiar e difundir o método histórico-crítico no estudo da Bíblia. Ver C. Douglas Weaver. Op. cit., p. 172 221 Jerry SUTTON. Op. cit., pp.7, 9 222 Arthur Emery FARNSLEY II. Southern Bapstist politics, p.19 223 Ralph M. ELLIOT. The message of Genesis, p. 15 224 James C. HEFLEY. The conservative resurgence in the SBC, pp. 29-30 225 Arthur Emery FARNSLEY II. Op. cit., p.19 56

Se por um lado a publicação em 1961 do livro de Elliot sinalizou o primeiro round do conflito e a recepção do viés modernista em teologia, a década de 1970 viu a Southern Baptist Convention experimentar momentos opostos. De acordo com Sutton, o período foi

O que alguns definiram ter sido um ressurgimento evangélico com seu bordão born again, recebendo aclamação e presenciando a eleição de um Batista do Sul para a Casa Branca. O ponto focal da meta proposta pelos Batistas do Sul para os anos 70, residiu no surgimento da Bold Mission Thrust (plano de 25 anos da SBC com o objetivo de levar o evangelho a cada pessoa no planeta Terra até a virada do século).” (...) Em contraste com esse lado positivo da Southern Baptist Convention nos anos 70, um lado negativo também estava presente. O que deveria ter sido um monumento para a erudição Batista do Sul, provou ser um pesadelo. 226

O segundo round das controvérsias teológicas entre os batistas do Sul no final da década de 1960 teve novos atores, novo palco, mas o mesmo enredo. Desta feita o alvo das críticas foi o primeiro volume do The Broadman Bible Commentary, que contemplou a análise dos livros de Gênesis e Êxodo. Publicado em 1969, este comentário foi acusado de ser uma verdadeira “aberração doutrinária”. 227 O autor deste volume foi Gwynne Henton Davies, diretor do Regent’s Park College, em Oxford, na Inglaterra. De acordo com Kell, Davies defendeu em seu texto a tese segundo a qual Moisés não teria sido o autor de Gênesis. 228 Lançando mão de uma abordagem hermenêutica hitórico-crítica, ele interpretou o capítulo 22 de Gênesis afirmando, então, de acordo com Sutton, que “não acreditava que Deus havia ordenado Abraão matar Isaque”, mas que “a convicção de Abraão de que o seu filho deveria ser sacrificado é o clímax da psicologia da vida.” 229

2.3 Continuidade do liberalismo teológico na SBC

Esta nova tendência teológica de cunho liberal teve prosseguimento nas décadas seguintes por meio de casos protagonizados por atores que aderiram ao pensamento modernista em teologia. Este foi o caso envolvendo o professor do Southern Baptist Theological Seminary, E. Glenn Hinson, que em 1977 publicou o livro Jesus Christ, no qual questiona registros dos

226 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 11 227 Ibid, p. 11 228 Carl L. KELL. Against the wind: the moderate voice in Baptist life, pp.42-43 229 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 11 57

Evangelhos, convencido de que a Bíblia não provê relatos confiáveis da vida de Jesus Cristo.230 Como se isto não bastasse, em 1981 ele publicou outro livro polêmico, intitulado The Evangelization of the Roman Empire. Na conclusão deste livro, Hinson afirma que

Sentimentos negativos surgem do caminho no qual o cristianismo primitivo demarcou estritamente os limites para o povo de Deus. Sua explanação foi relacionada a um exclusivismo e intolerância à qual eu não posso subscrever. O cristianismo primitivo cresceu devido à mesma razão básica pela qual as igrejas conservadoras americanas estão crescendo agora.231

Neste contexto, Hinson perguntava-se, efetivamente, se “O pacto tem que ser estritamente definido e aplicado através da vida institucional do cristianismo” 232 No seu entendimento,

Hoje, pareceria que o pacto, e então a missão da igreja, devem ser definidos com uma medida maior de tolerância. Isto não implicaria no abandono do monoteísmo ou da convicção de que algum tipo de revelação especial ocorreu por meio de Israel, de Cristo e da Igreja. Implicaria, no entanto, no reconhecimento de que o único Deus revelou-se de formas particulares através de outras culturas e religiões (...) Assim, como se pode perceber no pensamento do Vaticano II, o cristianismo pode entender sua missão não como em competição com outras religiões do mundo, mas em cooperação ou em conjunção com elas. Juntas, as religiões do mundo poderiam seguir, tal como Arnold Toynbee sugeriu em sua publicação octogenária, Experiences, ajudando as pessoas modernas a redescobrirem a base do seu ser e a impedir sua natureza pessoal de ser futuramente erodida pela civilização tecnológica. Pode também estabelecer conexões com outros grupos humanísticos ou humanitários que tenham objetivos comuns. Repensar a missão desta forma não significaria necessariamente um abandono dos antigos moldes eclesiásticos e teológicos. Por outro lado, engajar-se em um esforço comum com outras religiões ou movimentos humanísticos não requereria um sincretismo superficial, como muitos dos oponentes do cristianismo primitivo exibiram. As religiões mundiais certamente podem aprender umas com as outras, mas a maioria delas irá provavelmente ter seu maior significado quando elas retiverem suas próprias expressões culturais. Caso o cristianismo retenha formas que são constitutivas de sua tradição cultural ele pode, consequentemente, prover uma maneira de inculcar uma nova e mais tolerante consciência de comunidade e missão (...) Esta missão redefinida pode ou não implicar em conversão e incorporação à igreja (...) No entanto, todas as religiões do mundo deveriam acreditar que possuem algo para oferecer às pessoas que buscam seus insights, e que o fato de pertencer ativamente a estas comunidades supre necessidades básicas do ser humano.233

230 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 18 231 E. Glenn HINSON. The evangelization of the roman empire, p. 287 232 Ibid, p. 287 233 Ibid, p. 288 58

Neste livro de 1981, Hinson posiciona-se claramente fora dos compromissos da teologia normativa batista do Sul.234 Outro personagem responsável pela “infiltração” do pensamento liberal nas instituições da SBC foi Temp Sparkman. Em seu livro The Salvation and Nurture of the Children of God: The Story of Emma, publicado em 1983, este, então, professor do Midwestern Baptist Theological Seminary, expõe uma teologia de caráter universalista e, dentro desta perspectiva, afirma, dentre outras coisas, que todas as pessoas são filhas de Deus, não havendo necessidade de que elas escolham isso e peçam a Deus que as aceite como filhas. Segundo Sparkman, “Deus não está limitado por alguma decisão que tomemos, porque isso também seria contraditório ao nosso entendimento de que a salvação é dada por Deus, e limitaria Deus ao nossos desejos e decisões.”235 Outro autor que contribuiu para a controvérsia foi R. Kirby Godsey. Em sintonia com as concepções da teologia liberal ele publica em 1996 o livro intitulado When Talk about God ... Let’s Be Honest. Como não poderia deixar de ser, Godsey, que na ocasião era presidente da Mercer University, buscou aplicar os conceitos da teologia modernista às doutrinas históricas. Porém, ele se deteve aqui em outra questão, ou seja, tratou de descrever a orientação fundamentalista para a qual, no seu entendimento, estava sendo conduzida a teologia oficial da SBC. Na sua avaliação, esta orientação era debitaria de uma vivência religiosa histórica cujas raízes pudessem ser reconduzidas à própria Reforma. Assim sendo,

Ao procurar base para firmar suas convicções, muitos cristãos, especialmente a partir do período da Reforma, enfatizaram demasiadamente a Bíblia. Os cristãos freqüentemente se definiram como o ‘povo da Bíblia.’ ‘Crente na Bíblia’ tornou-se um ‘chavão’ para denominar um verdadeiro cristão. É um grande erro a tentativa de impor ao texto bíblico uma função que a Bíblia nunca exigiu de si mesma.236

Porém, Godsey se opõe a esta perspectiva que, no seu entendimento, confirma a orientação conservadora e a orientação fundamentalista na SBC. Ao contrário, ele é do parecer que

Nossa confiança na Bíblia como Escritura Sagrada não deve estar baseada na ideia de que seja um livro miraculoso, dado por ditado divino, em que seus escritores apenas serviram a Deus como gravadores. Os escritores da Bíblia foram pessoas de

234 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 18 235 G. Temp SPARKMAN. The Salvation and nurture of the child of God, pp. 25,31 236 R. Kirby GODSEY. When we talk about God… let’s be honest, p.57 59

Deus inspiradas, não secretários sem vontade, visão e insight. Eles escreveram porque ouviram a verdade e viram a luz. Os eventos, os relacionamentos dos quais seus escritos dão testemunho, são dádivas que têm por trás o Espírito Santo (...) a noção de infalibilidade da Bíblia ao invés de honrá-la, na verdade conduz a uma idolatria traiçoeira da Bíblia. O entendimento de uma pessoa sobre a Bíblia torna- se o teste ácido da fé. Devemos restabelecer o nosso pensamento. Na fé cristã, a Bíblia não é o foco da fé; Jesus é o foco da fé. Se a Bíblia está além de toda crítica e análise, ela se torna absoluta em si mesma ao invés de apontar para Deus que é o Absoluto. Além do erro religioso de atribuir infalibilidade a algo além de Deus, a noção de inerrância também titubeia na falibilidade das pessoas. Um livro infalível pode ser infalível apenas se houver uma leitura infalível. Então, em adição a escritores cuja inspiração foi infalível, tem que haver copistas infalíveis, tradutores infalíveis e mesmo leitores infalíveis. 237

Por isto mesmo é que Godsey, ao refletir sobre a situação própria do cristianismo em relação aos demais grupos religiosos do mundo – e dentre eles os batistas – conclui que os cristãos, em sua jornada de fé atual podem

Confessar que Jesus completa e ilumina a percepção de Deus que veio através de todas as outras perspectivas religiosas. Nosso chamado é para dar testemunho da presença de Deus em Jesus e ouvir àqueles que seguem um caminho diferente. Eles, também, são filhos de Deus. O falar de Deus irá conduzi-los e a nós, através do ato de nos ouvirmos mutuamente, a uma mais alta e clara visão de Deus. Nós agora vemos apenas através dos olhos obscurecidos da humanidade, mas todos nós somos vistos e entendidos e mesmo amados por Deus incondicionalmente. A realidade final do amor de Deus é a revelação de Deus em Jesus. Nós recebemos a palavra de Deus sem nunca fechar a janela à luz de Deus.238

O texto de Godsey reforça, no âmbito da SBC, a tese segundo a qual, por serem criaturas de Deus, todos os seres humanos estão a priori em um relacionamento correto com seu criador. Conseqüentemente, não há necessidade alguma de busca de salvação, a qual, no entanto, segundo os conservadores, e, sobretudo os fundamentalistas batistas, é uma experiência indispensável para um correto relacionamento com Deus. Em vista desses argumentos que traduzem a influência da teologia liberal na SBC antes da emergência fundamentalista, podemos afirmar que a presença de religiosos que aceitavam e difundiam os ensinamentos da chamada teologia moderna fazia com que os alunos enviados às instituições teológicas fossem instruídos de acordo com esta forma de compreensão da religião. Ao retornarem às suas igrejas, ao assumirem a liderança pastoral ou

237 R. Kirby GODSEY. Op. cit., p.57 238 Ibid, p.57 60

no exercício de funções burocráticas na SBC, os oriundos dos seminários aplicavam o que haviam aprendido nos bancos dessas instituições no cumprimento de suas atividades. Os seminários e faculdades da SBC, portanto, funcionavam como centros de difusão e expansão do pensamento religioso liberal no âmbito da denominação. Igualmente, com as reflexões sobre o livro de Gênesis publicadas na primeira edição do The Broadman Bible Commentary, bem como em outras obras mencionadas, o pensamento da teologia liberal começava a alcançar de forma mais direta não apenas os bancos dos seminários, mas também os participantes leigos das igrejas da SBC. Através destes textos, de forma mais imediata, as concepções baseadas no método histórico-crítico chegaram aos batistas do Sul em suas igrejas em todo o país.

3. A burocracia institucional da SBC

3.1 Compreensões e tradições da SBC

A nova tendência teológica liberal na SBC precisava também ser sustentada pela burocracia institucional de modo a preservar e expandir seu raio de ação dentro da denominação. A SBC havia crescido e institucionalmente “acrescentando comitês, comissões, instituições e juntas. Em 1917 o Comitê Executivo foi criado. Uma década mais tarde, sua função seria redefinida e ampliada. O Programa Cooperativo foi introduzido em 1924 e colocado em prática em 1925. Uma nova Confissão de Fé foi adotada em 1925 e revisada mais tarde em 1963.”239 Esse crescimento da SBC fica mais claro quando nos aproximamos da segunda metade do Século XX. Como nos faz saber Oran P. Smith, cientista político da Universidade da Carolina do Sul, afirmando que

O período pós-guerra foi uma era estimulante para a SBC. A Convenção assistiu um crescimento passar de apenas cinco milhões de membros, em 1940, para quase dez milhões, em 1960. Por sua vez, os Batistas do Norte (...) tinham parado de crescer em comparação com o crescimento populacional na era da Primeira Grande Guerra Mundial. A expansão da SBC, no entanto, em taxa mais rápida do que da população do Sul, infundiu grande confiança em sua máquina institucional, programa, métodos e riqueza, bem como na cultura que a fez desenvolver-se e prosperar.240

239 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 33 240 Oran P. SMITH. The rise of Baptist republicanism, p. 38 61

No que se refere às mudanças administrativas, Arthur Farnsley II, em sua obra Southern Baptist Politcs, de 1994, proporciona uma significativa contribuição ao comentar as modificações ocorridas no âmbito da Convenção naquele momento.

A SBC, então, seguiu o padrão comum para a maioria das instituições da época, tal como Max Weber notou pela primeira vez. O poder investido em indivíduos carismáticos – os grandes pregadores – transferiu-se gradualmente para as mãos dos grandes organizadores; o poder tornou-se um assunto mais de escritório do que de pessoa. Houve uma racionalização dos métodos para lidar com um ambiente em transformação: eles se tornaram regulares e previsíveis, moldados pelas forças que maximizavam resultados. Em curto prazo, as mudanças graduais que começaram após a Guerra Civil (...) introduziram a possibilidade de uma maior e crescente burocracia governada por regras e padrões. No meio do século XX a SBC era verdadeiramente uma enorme organização responsável por tarefas específicas. Como tal, ela parecia algumas vezes espelhar sua cultura ao redor. Como resultado da Grande Depressão o governo nacional [dos EUA], tinha [então um] pequeno e vagaroso poder de consolidação federal, estabelecido na esteira da Guerra Civil, transformou-se em uma organização burocrática de alcance sem precedentes.241

Em outro trabalho de sua autoria, Farnsley, tratando do mesmo tema, analisa a implementação do método de inspeção e balanços adotado pela Southern Baptist Convention. No seu parecer, um dos fatores dessa ampliação do poder burocrático na SBC

Foi o estabelecimento de um conselho diretor, através do qual a Convenção pudesse exercer mais diretamente controle sobre seus muitos seminários e juntas, e de um complicado sistema de comissões responsável por nomear aqueles que serviriam nas juntas. Se o encontro dos mensageiros na Convenção anual não podia controlar diretamente suas várias empresas, eles podiam, no mínimo, manter um sistema meticuloso para eleger e inspecionar aqueles que o faziam.242

Como era de se esperar, esta renovada máquina burocrático-institucional foi utilizada, em primeiro lugar, para possibilitar e proteger o avanço da teologia liberal na Convenção, e, posteriormente, para promover a emergência fundamentalista mesma. Segundo Bennis e Biederman,

241 Arthur Emery FARNSLEY II. Op. cit., pp.51,52 242 Arthur Emery FARNSLEY II. Judicious concentration: decision making in the Southern Baptist Convention. In: Nancy Tatoom AMMERMAN (ed.). Southern Baptists observed, pp. 47-70. O termo “mensageiros” refere-se aos membros das igrejas batistas locais, eleitos por elas como seus representantes junto às assembléias anuais da SBC. Estes mensageiros têm o poder de votar nas reuniões deliberativas e serem votados para cargos e funções na denominação.

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Organizações com líderes visionários freqüentemente requerem alguém para liderar, coordenar e motivar, mas também uma segunda pessoa que serve como protetor. Para falar a verdade, Bennis destacou que grandes grupos, que tendem a ser dissidentes, ‘freqüentemente necessitam de alguém para desviar não apenas a crítica, mas também a atenção dos burocratas e pensadores convencionais para outro lugar na organização’. Há os líderes, e também há os protetores. Na matriz Batista do Sul, alguns pensadores teológicos ultrapassaram os limites da teologia Batista do Sul. Eles ultrapassaram os limites e teriam sido confrontados e abruptamente corrigidos se não tivessem sido os protetores – líderes denominacionais, administradores de seminários e outros na burocracia denominacional que auxiliaram a proteger e blindar estes pensadores e autores teológicos da crítica e de uma subseqüente remoção de suas posições.243

Como vemos nesta citação, no caso específico da burocracia da SBC, os “protetores” não eram atores declaradamente liberais mas lideranças denominacionais de vários níveis, isto é, líderes que adotavam como lema “unidade em meio à diversidade”. Como exemplos desse perfil temos, Herschel H. Hobbs, ex-presidente da Southern Baptist Convention, e Robert E. Naylor, ex-presidente do Southwestern Baptist Theological Seminary, A preocupação maior destes chamados denominacionalistas era com a Convenção, e não com um ponto de vista doutrinário específico. Tal como afirma o historiador Bill J. Leonard,

Os denominacionalistas aprenderam como permitir suficiente poder ou especificidade doutrinária a grupos dissidentes para mantê-los dentro da Convenção, e ao mesmo tempo aprenderam também como reter o poder suficiente para evitar o seu choque com as crenças e práticas de outras tradições na SBC (...) Aos ideólogos não foi permitido desviar a atenção da Convenção de sua agenda programática maior. Esta forma de procedimento manteve a SBC teologicamente conservadora e historicamente Batista enquanto permitia surpreendente diversidade nas igrejas.244

Podemos perceber com base nestas afirmações que a intenção principal dos denominacionalistas era convencer os fundamentalistas de que havia batistas do Sul de todos os tipos o que, conseqüentemente, concorria para uma variedade de interpretações bíblicas. Em face deste contexto, tais fundamentalistas estavam sendo instados a ser tolerantes com ideias diferentes das suas. É óbvio, no entanto, que tal posicionamento não correspondia às expectativas daqueles que tinham exigências de caráter eminentemente doutrinário.245

243 Warren BENNIS & Patricia Ward BIEDERMAN. Organizing genius: the secrets of creative collaboration p. 22 244 Bill J. LEONARD. God’s last and only hope, p. 39 245 Arthur Emery FARNSLEY II. Op. cit., p. 21 63

A cooperação em missões e evangelismo, vista pelos liberais como o “coração” da vida batista do sul, foi, de fato, o tema utilizado pelos denominacionalistas para obterem a desejada unidade em meio à diversidade. No entanto, “os fundamentalistas Batistas do Sul optaram por afirmar a concordância doutrinária e a responsabilidade como características definidoras da cooperação Batista.”246

3.2 Forma de controle da máquina convencional

A SBC era e continua sendo a denominação norte-americana controlada de maneira mais rígida pelos seus líderes. Isto não é de se espantar quando levamos em consideração que no âmbito desta Convenção havia sido implantada uma cultura burocrática de posse.247 De acordo com Cal Guy, conforme sugere Sutton, o sistema de controle da SBC funcionava baseado em cinco componentes essenciais, a saber,

Primeiro, ao contrário da percepção popular, sempre houve alguém, ou mais de uma pessoa, controlando tanto as indicações como as nomeações [para cargos e funções da SBC] com o objetivo de manter um perceptível equilíbrio de poder. Segundo (...) os conselheiros, na maior parte, funcionaram como avalisadores das administrações. Terceiro, a imprensa denominacional reforçava e mantinha o status quo. Quarto, executivos denominacionais exerciam influência desproporcional. E quinto, mesmo quando o Ressurgimento Conservador começou a ganhar espaço, havia um contínuo esforço dos moderados com o objetivo de controlar o maquinário denominacional da SBC.248

a) Os “Kingmakers” ou os controladores de nomeações

A expressão anglo-americana kingmaker (“criador de rei”) é usada para designar aqueles que têm o poder de influenciar na escolha de um candidato ao exercício de uma função pública. A SBC sempre possuiu em suas fileiras os seus próprios kingmakers, isto é, uma pessoa ou grupo que controla as indicações e nomeações para manter um perceptível equilíbrio de poder na denominação. Sobre os kingmakers da SBC, James C. Hefley nos faz saber que

246 William Glenn JONAS. Op. cit., p. 65 247 A cultura burocrática de posse da SBC diz respeito à forma como um grupo de coalizão na denominação controlava, por meio da burocracia organizacional, a máquina da convenção para manter o status quo. 248 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 49. Cal Guy é um professor aposentado do Southwestern Baptist Theological Seminary, da SBC. Sutton usa a expressão “ressurgimento conservador” para referir-se àquilo que entendemos em nossa pesquisa ser melhor definido como uma inédita emergência fundamentalista no âmbito da SBC e não uma renascença do antigo conservadorismo da denominação. 64

Por muitos anos um grupo informal de líderes da SBC trabalhou nos bastidores para manter ambos os ‘campos’ [fundamentalistas e liberais] operando juntos na denominação. Eles chamaram isso ‘unidade em meio a diversidade’. Era exatamente o que ocorria, exceto pelo fato de que a maioria dos Batistas do Sul não tinha conhecimento de quão ampla era essa diversidade. Esses bem-intencionados kingmakers agiram politicamente de maneira informal, mas bem-sucedida, para conseguir eleger pessoas para a presidência [da SBC], cujas indicações à Comissões de Comissões pudessem ser controladas pelos executivos das agências e outros que fossem adeptos da filosofia da unidade em meio à diversidade. Então, era esta Comissão de Comissões que propunha a Comissão de Indicações (...) a qual nomeava novos conselheiros. E eram estes conselheiros que estabeleciam políticas e elegiam a equipe executiva das agências e dos seminários. 249

Apesar de sempre bastante ativos entre os batistas do Sul, estes kingmakers nem sempre foram claramente percebidos no exercício de sua atividade de controle. b) Os “Rubber Stampers” ou os avalizadores da administração

Um rubber stamper (“carimbador”) é uma pessoa que aprova ou endossa algo de uma forma rotineira, sem pensar. Os conselheiros das agências não cumpriam cem por cento suas funções de supervisionar a administração das agências e dos seminários, mas atuavam de modo muito próximo a um “carimbador”. Na maior parte das vezes apenas acatavam as imposições e desejos das administrações das organizações. Sutton descreve que

Cal Guy apresentou este problema e usou como exemplo o seu próprio caso ao apresentar-se à junta de conselheiros da Foreign Mission Board [Junta de Missões Estrangeiras]. Ele notou que a mentalidade prevalecente era ‘Se você é meu camarada, então vou recomendá-lo para o conselho da Foreign Mission Board’. Ele disse que muitos membros da junta não sabiam nada sobre missões, mas ser

249 James C. HEFLEY. Truth in Crisis: The Winning edge, pp. 17-18. Geralmente o processo descrito nos regimentos da SBC é, como se segue: 1) O presidente da Southern Baptist Convention indica a Comissão de Comissões, 2) a Comissão de Comissões propõe uma Comissão de Indicações [composta de dois membros de cada estado ou região qualificados] aos mensageiros presentes ao próximo encontro anual da Convenção, 3) Durante o ano seguinte a Comissão de Indicações analisa a qualificação de potenciais candidatos ao preenchimento de vagas como conselheiros e membros de comissões da SBC, cujos nomes lhes são apresentados por batistas do Sul interessados na questão, 4) a Comissão de Indicações indica aos mensageiros presentes ao encontro anual seguinte da Convenção os candidatos que acredita serem os mais aptos para a eleição, e 5) a Convenção, então, elege seus conselheiros e membros de comissões para períodos estipulados pelos seus regimentos e outros documentos próprios de administração. Como podemos perceber, estratégica neste processo é a Comissão de Comissões diretamente indicada pelo presidente da SBC. Ela é responsável por dar continuidade às indicações que resultarão na eleição aos desejados cargos de conselheiros das juntas. Disponível em: Acesso em 21.12.2011. 65

conselheiro era uma posição de alto prestígio. ‘Conselheiros como estes’, ele lamentou, ‘nunca deram qualquer orientação para a Junta.’250

Em seu livro Baptist Battles, Nancy Ammerman descreve semelhante atitude de “carimbador” dos conselheiros da SBC, ao afirmar que:

A Junta de conselheiros da Sunday School Board (...) não entendia que era obrigada a fazer exatamente como os mensageiros [representantes das igrejas] haviam instruído. Eles não compartilhavam o mesmo sentimento conservador que havia sido expressado nas bases da Convenção [deliberações votadas pelos representantes das igrejas nas assembléias anuais da SBC]. Ao invés de começar partindo do zero, eles [os conselheiros da junta da Sunday School Board] pediram aos autores originais do comentário de Gênesis e Êxodo (Davies e Honeycutt, professor do Seminário) para que revisassem seu trabalho. Quando os conservadores questionaram severamente a situação na Convenção de 1971 [por não ter sido cumprida a deliberação da assembléia anual anterior], a Junta administrativa finalmente redirecionou a autoria do comentário para Clyde Francisco.251

Os “carimbadores” eram elementos importantes na manutenção do status quo denominacional. Eles recebiam poder ao serem nomeados como conselheiros das organizações internas da SBC, pois tal posição concedia prestígio aos que possuíam o cargo que poderia ser denominado como um tipo de “baixo clero”. No entanto, para manter-se neste prestígio oriundo da função, precisavam acatar posicionamentos, inclusive teológicos, que muitas vezes desconheciam ou até mesmo discordavam. Conforme descreve Ammerman, ao agirem como rubber stampers, os conselheiros, em alguns casos, contrariavam frontalmente as deliberações convencionais, que deveriam ser sempre cumpridas de maneira inquestionável. c) A Imprensa denominacional A imprensa batista, não apenas no formato da , a agência oficial de notícias da SBC – mas igualmente no formato dos jornais batistas estaduais, era uma poderosa ferramenta nas mãos dos que controlavam a denominação. Esta agência oficial de notícias, que funciona na sede da SBC, em Nashville, no Tennessee , foi originalmente organizada por

250 Jerry SUTTON. Op. cit., pp. 52-53 251 Nancy Tatom AMMERMAN. Baptist battles, pp. 67-68 66

sugestão de editores de jornais batistas estaduais, em 1946. Desde então ela cresceu a ponto de ser considerada o maior serviço de notícias religiosas nos EUA. Ledbetter, editor do jornal Southern Baptist Texan, em um artigo alusivo aos 60 anos da Baptist Press, apresenta o comentário do vice-presidente de comunicações do Southern Seminary, Lawrence Smith, que descreve a agência oficial de notícias da SBC como um serviço vital para batistas do Sul, bem como uma voz significativa na arena pública. No seu entendimento,

A Baptist Press é um meio pelo qual os membros da igreja local podem se manter informados sobre o que está acontecendo nas entidades que sustentam. Ela também provê uma janela através da qual a mídia secular e o público em geral podem ver o que os Batistas do Sul estão fazendo e pensando. 252

A Baptist Press exerce atualmente grande influência em assuntos políticos dentro dos EUA e também no exterior, sendo uma significativa formadora de opinião. O seu direcionamento editorial opera a partir de tomadas de decisão baseadas em princípios religiosos defendidos pela imprensa batista, confrontando-se com temas tais como o debate entre a teoria do Design Inteligente e a teoria da evolução, o uso ético de células tronco, a crise da AIDS na África, a importância da abstinência sexual antes do casamento, fidelidade conjugal e homossexualismo, dentre outras. O historiador Bart Barber considera os jornais religiosos como uma das mais poderosas influências na vida batista.253 Por um lado esta influencia levou os moderados denominacionalistas a utilizarem essa ferramenta como fator de manutenção do status quo e da mentalidade de “unidade dentro da diversidade”. Por outro lado, todavia, esta mesma capacidade mobilizadora da Baptist Press estava no cerne da árdua disputa entre liberais e fundamentalistas pelo controle desta agência, com o objetivo mais do que óbvio de difundir suas respectivas ideias, pontos de vista e concepções teológicas.254 d) Os executivos das agências da SBC A complexa administração da SBC é formada pelas seguintes instituições: a) seis seminários de formação teológica: Golden Gate, Midwestern, New Orleans, Southeastern,

252 Tammi Reed LEDBETTER. Baptist Press, at 60-year mark, continues to expand its reach. Southern Baptist Texan. October 16, 2006, p. 12 253 Ibid, p.12 254 Walter B. SHURDEN e Randy SHEPLEY. Going for the jugular, p. xix; Jerry SUTTON. Op. cit., pp.54-56 67

Southern e Southwestern; b) a Comissão Executiva, que dirige a Baptist Press, entre outros setores; c) Divisão de Seminário de Educação Externa; d) a Fundação SBC; e) as três maiores juntas – Missões Internacionais, Missões na América do Norte e de Escola Bíblica Dominical; f) uma comissão - Comissão de Ética e Liberdade Religiosa; g) o órgão auxiliar União Feminina Missionária. Ao todo estas agências empregam milhares de pessoas, sendo mais de 1.500 apenas na Sunday School Board. 255 Estas agências são muito bem financiadas. As igrejas locais cooperam para a SBC mensalmente através do denominado Plano Cooperativo, e parte destes valores é destinado às suas agências. Em 1985-86 este valor chegou a 120 milhões e 600 mil dólares, podendo ter alcançado, por meio de outros procedimentos a quantia de 150 milhões de dólares no ano fiscal acima mencionado. Somando-se a outros valores o recurso operacional financeiro disponível para todas as agências chegou à quantia de 400 milhões de dólares no ano fiscal seguinte (1986-87).256 É interessante notar que no âmbito do processo de crescimento da SBC que, como já indicamos anteriormente, se dá de modo contínuo a partir de 1960, a própria mudança nos títulos dos administradores sinaliza um aumento de poder dos executivos das agências. Os termos “ancião”. “missionário associado” e “secretário correspondente” eram comumente aplicados aos “servos” denominacionais no século XIX. Com o passar do tempo, sobretudo no momento “liberal” da Convenção, o termo “secretário” tornou-se “secretário executivo”, e, posteriormente, “secretário executivo –tesoureiro”, em reconhecimento às responsabilidades em face da gestão financeira. Em anos recentes termos tais como “diretor”, “diretor executivo”, e “presidente” (embora líderes dos seminários sempre tenha sido denominados “presidentes”) tornaram-se norma. As mudanças destes títulos indicam, na realidade, que o “servo” denominacional, mormente após 1960, é, na realidade, o homem no topo, ou seja, os administradores que gerenciam a estrutura corporativa. Os executivos das agências da SBC sempre foram muito bem remunerados, com salários maiores do que a média de remuneração paga às pessoas em similares posições executivas em destacadas organizações para-eclesiásticas norte americanas. O poder e recurso auferidos fizeram com que essas posições fossem desejadas e mantidas com afinco.

255 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 236 256 Ibid, p. 15, 168-170 68

Além disso, os ocupantes desses cargos eram freqüentemente consultados a respeito de quem eles queriam que substituíssem os conselheiros com mandato vencido no sistema de rotação das juntas que eles dirigiam. Caso não fossem consultados, era presumido que teriam o poder de veto sobre qualquer indicação apresentada pela Comissão sobre as Juntas – antes que os nomes fossem apresentados à reunião anual da Convenção para eleição pelos mensageiros das igrejas. Certamente toda equipe de executivos (diretores executivos das agências e presidentes de seminários da SBC) desejava conselheiros que apoiassem seus programas. Desta forma a equipe de executivos era que verdadeiramente controlava a denominação.257 Era uma liderança forte, capaz e importante, mas que enfrentou problemas à medida que contrariou deliberações do plenário de sua Convenção (tomadas em suas assembléias anuais) e difundiu ideias contrárias às convicções dos conservadores e, sobretudo, dos fundamentalistas.258 e) O poder da presidência

A função de presidente da SBC é normalmente exercida por pastores. Desde o início da Convenção, em 1845, apenas dois leigos foram eleitos para a maior posição na denominação: Brooks Hays em 1958-59, e Owen Cooper em 1973-74. O poder principal da presidência da SBC reside na indicação de pessoas para a Comissão de Comissões que tem uma função importante no que se refere ao poder da Convenção. Antes de 1979 os liberais influenciavam diretamente a indicação do nome do presidente de modo a direcionar a indicação da Comissão sobre Comissões, que, por sua vez, indicava a comissão de Juntas, a qual, por fim, controlava a nomeação dos conselheiros das agências. Desta forma os diretores das agências controlavam quais seriam os membros de seu conselho administrativo, conseguindo perpetuar-se no poder.259 Dentro desta perspectiva, como nos faz saber Al Shackleford, toda luta na Southern Baptist Convention é, no fim das contas,

Pelo controle (...) o melhor na SBC é o controle dos conselheiros das agências e instituições da SBC. A chave para este sistema é controlar a presidência e seu poder de nomear a Comissão sobre Comissões, que nomeia a Comissão sobre as Juntas, que nomeia os conselheiros.260

257 James C. HEFLEY. Truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, pp. 137,138 258 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 57 259 James C. HEFLEY. Truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, p.137 260 Al SHACKLEFORD. News Wrap-up of the 1982 SBC. Baptist Press, 8 July 1982. In: SHURDEN, Walter B. & SHEPLEY, Randy (ed.). Going for the jugular, p. 77 69

3.3 O resultado do controle sobre a burocracia institucional

Vale mencionar quatro resultados destacados por James C. Hefley em relação ao controle dos liberais sobre a burocracia da SBC: Em primeiro lugar, muito poucos fundamentalistas eram, proporcionalmente falando, indicados para compor as juntas e agências da SBC. Segundo Nancy Ammerman,

Os moderados admitem ter anteriormente excluído os fundamentalistas da possibilidade de exercer cargos de liderança na SBC. No entanto, [afirmavam] que viam isso como um tipo de processo de seleção natural, [dizendo ser normal que] pessoas que fizeram um curso juntas, se apeguem. Como um moderado nos contou, ‘eles [os fundamentalistas] apenas não faziam parte do grupo. Eles não cursaram o Southern [Seminary] junto conosco. Eles não faziam parte da nossa amizade (...) Já o que os fundamentalistas estão fazendo é algo bem intencional, sem inocência. [A atitude deles] é eticamente diferente. A maneira como os moderados excluíam os fundamentalistas (...) era diferente da maneira como eles estão agindo.”261

Consequentemente, em segundo lugar, a influência liberal era desproporcional nestes órgãos denominacionais. Em terceiro lugar, devido à sua estratégia de “unidade em meio à diversidade”, os liberais, à medida que se encontravam no poder, controlavam a denominação sem abrir qualquer possibilidade para um tipo de gestão diferente. Sutton descreve uma entrevista de Richard Land, onde ele teria feito o seguinte comentário:

Você participa de um jogo (...) denominado ‘o vencedor-leva-tudo’. Quando você perde, você perde realmente. A liderança moderada deixou claro desde o começo que iria jogar o jogo ‘o vencedor-leva-tudo’. [Mas,] eles não imaginaram que poderiam perder esse jogo.262

Por último, era costumeiro que, antes de 1979, os fundamentalistas ganhassem em público (nas votações realizadas nas assembléias anuais da SBC), mas perdessem em privado, pois os liberais conseguiam manter-se na liderança das agências da Convenção através da influência denominacional que possuíam, decorrente do controle que exerciam sobre o sistema de indicação dos conselheiros.263

261 Nancy Tatoom AMMERMAN. Op. cit., pp. 122-123 262 Jerry SUTTON. Op. cit., p, 57. Richard Land é o presidente de The Ethics & Religious Liberty Commission desde 1988. Esta entidade oficial da SBC trata do impacto de questões sociais, morais e éticas na fé e famílias norte-americanas. 263 Michael W. NOLEN. “A Critical evaluation of the historiography surrounding the Southern Baptist Convention controversy, 1979-1996”, pp. 297-98,313 70

SEGUNDA CONCLUSÃO PARCIAL

A Southern Baptist Convention, organizada em 1845 com base em uma perspectiva teológica protestante e conservadora, natural para o contexto histórico de sua fundação, vivenciou ao longo de sua história modificações sócio-culturais e religiosas que inevitavelmente investiram sobre seu modo de ser e de se organizar, afetando-o, modificando- o e moldando-o. A teologia normativa da SBC, originalmente ortodoxa e conservadora, viu-se obrigada a dividir espaços e a conviver com a nova teologia de matriz modernista já no final do século XIX. A paulatina adesão às concepções do método histórico-crítico à filosofia existencialista, à teoria evolucionista e ao estudo das religiões comparadas abriu profundos questionamentos à interpretação batista ortodoxa do texto bíblico e implicou até mesmo em uma rejeição do sentido de parte ou de todo de seu conteúdo, uma vez que tal adesão investe sobre a base sustentadora mesma da visão fundamentalista (e da conservadora também): a inerrância, o literalismo e a inquestionabilidade da Bíblia. Os simpatizantes e defensores do modernismo teológico, após estudarem nos principais centros de difusão do pensamento liberal (principalmente a Alemanha), retornaram aos EUA, e passaram a ensinar nos seminários teológicos financiados pela SBC a nova perspectiva teológica. Não é demais lembrar que esses professores eram remunerados pelos batistas do Sul através do Plano Cooperativo da SBC e escreviam textos publicados pela editora desta denominação. O suporte para esta atividade docente e literária foi dado pela burocracia institucional, adepta da nova teologia liberal, mas que através da estratégia de manter a “unidade em meio à diversidade”, abriu-se à uma variedade maior de opções teológicas visando assim manter o status quo denominacional. Os fundamentalistas mostraram-se anteriormente insatisfeitos com tais atitudes e posturas no âmbito da SBC e encontraram dificuldade para solucionar o que entendiam ser um problema teológico e religioso, pois a máquina denominacional estava rigidamente administrada e hermeticamente fechada a mudanças em sua ideologia. Aparentemente a situação era imutável. No entanto, surpreendentemente, a ala fundamentalista da SBC conseguiu mobilizar-se no sentido de reverter o quadro reinante e tomar o poder da Convenção. A situação aparentemente irreversível seria revertida por meio da execução de um rigoroso planejamento estratégico levado a cabo em um período de 20 anos que recebeu de seus idealizadores o nome de ressurgimento conservador, mas que, demonstraremos, foi efetivamente uma verdadeira emergência fundamentalista. 71

CAPÍTULO 3 - A REAÇÃO E EMERGÊNCIA FUNDAMENTALISTA

Temos um câncer em nossa denominação. Este câncer é que um pequeno grupo [de professores, escritores e líderes] acredita que a Bíblia contém sérios erros. Este câncer destruirá a nossa grande denominação, a não ser que seja removido (...) E certamente haverá um número suficiente de Batistas para se levantar e ajudar a remover estes liberais de nossas folhas de pagamento e posições de liderança [na SBC].264

O que é fundamentalismo religioso? Qual a sua origem e características principais? Quais as características e peculiaridades do fundamentalismo entre os batistas do Sul dos EUA? Como eles reagiram à expansão e domínio da perspectiva modernista-liberal nas instituições da SBC ao longo do século XX? Qual a estratégia utilizada pela ala fundamentalista da Convenção para assumir a influência ideológica e prática na denominação? Que influência exerce a Convenção Batista do Sul na política norte-americana, e como isso se demonstrou no período do cisma intra-denominacional? Tais questões serão confrontadas no texto a seguir, numa tentativa de encontrar respostas que levem em consideração o contexto que favoreceu a tomada de poder pelos fundamentalistas na maior denominação cristã não católica da América do Norte. A reação dos liberais aos fundamentalistas será considerada somente no que for necessário para a compreensão do que é o cerne do presente capítulo, ou seja, a emergência ao poder dos auto- denominados batistas conservadores na SBC, e por nós vistos como verdadeiros fundamentalistas. As questões em pauta serão tratadas a partir de uma tríplice divisão. Na primeira parte, discorreremos sobre o fundamentalismo religioso, como surgiu e como se manifesta entre os batistas do Sul e indicaremos também as peculiaridades gerais do cristianismo protestante na região denominada “o cinturão da Bíblia”. Na segunda parte, indicaremos como os fundamentalistas se organizaram eficazmente com objetivo de, em longo prazo, assumir o controle da SBC, retirando seus oponentes das posições de influência da denominação. Na terceira e última parte, consideraremos as pretensões fundamentalistas de captura do poder político do Estado, que os seus proponentes buscam defender em seu

264 James C. HEFLEY. The truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, p. 59 72

discurso, mas que se encontram em franca contradição com as posições ético-políticas que marcaram o início da denominação batista nos EUA.

1. Os batistas do Sul dos EUA e o fundamentalismo

1.1 O que é o fundamentalismo?

Não é simples qualificar o que fundamentalismo efetivamente é enquanto movimento religioso e político em virtude de sua própria complexidade. Uma contribuição a ser levada em consideração nesta qualificação é a de Karen Armstrong, para quem é importante compreender o fundamentalismo como um movimento inovador. Na sua avaliação “tem-se a impressão de que os fundamentalistas são inerentemente conservadores e aferrados ao passado, e, no entanto, suas ideias são essencialmente modernas e inovadoras.” Para Armstrong, se os fundamentalistas de fato almejaram “voltar ao ‘fundamental’, os protestantes norte-americanos agiram de um modo peculiarmente moderno”, pois, “absorveram o racionalismo pragmático da modernidade e, sob a orientação de seus líderes carismáticos, refinaram o ‘fundamental’ a fim de elaborar uma ideologia que fornece aos fiéis um plano de ação. Acabaram lutando e tentando ressacralizar um mundo cada vez mais céptico.” 265 Seguindo avaliação semelhante, Almond, Sivan e Appleby, em um texto intitulado Fundamentalism: Genus and Species, afirmam que não vêem

O fundamentalismo nem como um ‘novo movimento religioso’ (no sentido técnico do termo) nem como simplesmente uma expressão ‘tradicional’, ‘conservadora’, ou ‘ortodoxa’ de fé ou uma prática religiosa antiga ou pré-moderna. Preferencialmente, o fundamentalismo é um hibrido de ambos os tipos de modalidades religiosas, e pertence a uma categoria própria.266

Os primeiros a utilizar o termo “fundamentalismo” foram segmentos protestantes norte-americanos no início do século XX. Eles passaram a se auto-denominar

‘Fundamentalistas’ para distinguirem-se de protestantes mais ‘liberais’, que, a seu ver, distorciam inteiramente a fé cristã. Eles [os fundamentalistas] queriam voltar

265 Karen ARMSTRONG. Em nome de Deus, p. 10 266 G. A. ALMOND et al. Fundamentalism: genus and species, p. 402. In.: Martin E. MARTY & R. Scott APPLEBY. Fundamentalisms comprehended. 73

às raízes e ressaltar o ‘fundamental’ da tradição cristã, que identificavam como a interpretação literal das Escrituras e a aceitação de certas doutrinas básicas. Desde então aplica-se a palavra ‘fundamentalismo’ a movimentos reformadores de outras religiões, o que está longe de ser satisfatório e parece sugerir que o fundamentalismo é monolítico em todas as suas manifestações. Na verdade, cada ‘fundamentalismo’ constitui uma lei em si mesmo e possui uma dinâmica própria.267

No seu começo o fundamentalismo norte-americano caracterizou-se por ser primariamente um movimento religioso e centrado em questões teológicas. Foi um movimento originado entre cristãos evangélicos norte-americanos, pessoas que professavam completa confiança na Bíblia, preocupadas que eram com a mensagem de salvação enviada por Deus para os pecadores através da morte de Jesus Cristo. Estes evangélicos estavam convencidos de que a sincera aceitação da mensagem contida nos Evangelhos era a chave para uma vida virtuosa na terra e para a vida eterna no céu. Sua rejeição significava seguir o caminho largo que levaria às “torturas do inferno”.268 Dentro desta perspectiva, o típico fundamentalista norte-americano é definido pelo historiador George M. Marsden como

Um evangélico que milita em oposição à teologia liberal nas igrejas ou às mudanças dos valores culturais ou das convenções morais, como as associadas ao ‘humanismo secular’ (...) os fundamentalistas são um subtipo de evangélicos para os quais a militância é crucial à sua percepção [de mundo]. Eles não são apenas conservadores religiosos. São conservadores que se posicionam e lutam contra seus opositores.269

Assim sendo, enquanto categoria própria e movimento moderno, inovador, o fundamentalismo norte-americano em geral afirma, paradoxalmente, “estar defendendo a ortodoxia (crença correta) ou a ortopraxia (comportamento correto), e reivindica conservar e defender as tradições religiosas e os modos tradicionais de vida da erosão.” Todavia, como indicam Marty e Appleby, fazem-no

Elaborando novos métodos, formulando novas ideologias e adotando os mais modernos e recentes processos e estruturas organizacionais. Alguns desses novos métodos, estruturas, ideologias e processos parecem estar em direta violação das reais crenças históricas, práticas interpretativas e comportamentos morais das

267 Karen ARMSTRONG. Em nome de Deus, p. 10 (o itálico é nosso) 268 George M. MARSDEN. Fundamentalism and American culture, p. 3 269 George M. MARSDEN.Understanding fundamentalism and evangelicalism, p. 3 74

gerações anteriores – ou ser, no mínimo, uma saída significante desses precedentes, bem como da práxis dos crentes conservadores ou ortodoxos contemporâneos. Na realidade, fundamentalistas freqüentemente estão em falta com seus companheiros de fé que querem conservar a tradição, mas não desejam elaborar formas inovadoras de oposição contra as forças da erosão. Em outras palavras, os fundamentalistas defendem que ser ‘meramente’ um conservador ou um tradicionalista nestes tempos ameaçadores não é o suficiente. Ao mesmo tempo, eles rejeitariam a sugestão de estarem fazendo algo radicalmente novo. Um elemento crucial de sua retórica e auto-entendimento é a afirmação de que seus programas inovadores são baseados na autoridade do passado sagrado, quer esse passado seja representado por uma tradição ou texto privilegiado ou pelo ensino de um líder carismático ou oficial. Enquanto os fundamentalistas não são nem restauracionistas nem primitivistas – quer dizer, não desejam reconduzir a sociedade às condições ‘em que a grande excelência e felicidade existiam no princípio do tempo’, nem são marcados por um desejo especial e distintivo por ‘um mundo mais simples e menos complexo’ – eles são, no entanto, cuidadosos em demonstrar a continuidade entre seus programas e ensinamentos e a sabedoria recebida de sua herança religiosa. Um pronunciado enraizamento nas Escrituras e/ou na tradição ‘purificada’, associado com a relutância em aderir às filosofias da Nova Era ou às novas revelações inspiradas pelo Espírito, caracterizam o fundamentalismo como uma forma de religião. Portanto, os cristãos fundamentalistas, estritamente falando, não pertencem às igrejas ou movimentos Pentecostais que se baseiam na liderança imediata do Espírito Santo.270

Podemos inferir, portanto, que o fundamentalismo norte-americano constitui numa variação diferenciada do protestantismo evangélico, moldada de forma única pelas circunstâncias dos EUA no início do século XX. Dentre as mais comuns compreensões do fundamentalismo tem prevalecido a de vê-lo essencialmente como “a extrema e agonizada defesa de um meio moribundo de vida”271. Esta explicação basicamente sociológica foi apresentada por oponentes do fundamentalismo na década de 1920, e na geração seguinte o fundamentalismo passou a ser comumente considerado como uma manifestação de defasagem cultural que o tempo e o desenvolvimento educacional eventualmente eliminariam. Para o historiador Ernest Sandeen avaliações recorrentes e comuns como esta, pautada apenas por uma perspectiva sociológica, não são capazes de proporcionar uma compreensão mais aguda do fenômeno. De acordo com Sandeen, é preciso levar em consideração o fato que o fundamentalismo articula-se também em torno de genuínas tradições doutrinárias, ainda que criticáveis. Na sua avaliação, o fundamentalismo foi o resultado do movimento milenarista que se desenvolveu nos Estados Unidos do final do século XIX, especialmente por intermédio dos institutos e conferências bíblicas relacionados à interpretação das profecias bíblicas. Esta abordagem milenarista que se tornou mais

270 Martin E. MARTY & R. Scott APPLEBY. Fundamentalism comprehended, pp.402-403 271 George M. MARSDEN. Fundamentalism and American culture, p. 4 75

conhecida por intermédio do pré-milenarismo despensacionalista, dividia a história em eras ou dispensações distintas. A última delas seria o “milênio”, um período de mil anos do reinado pessoal de Cristo na Terra. De acordo com Sandeen, os teólogos defensores do milenarismo teriam adquirido dos conservadores presbiterianos do Princeton Theological Seminary o dogma de que a Bíblia é inerrante em todos os detalhes. 272

1.2 O fundamentalismo entre os batistas do Sul

A princípio o fundamentalismo era não mais que um nome utilizado para identificar a ala conservadora militante de certa coalizão evangélica, que incluía militantes conservadores batistas, presbiterianos, metodistas, episcopais, pentecostais e outros advindos de diversas denominações cristãs. Havia na década de 1920, portanto, uma forte coalizão de conservadores, alavancada, em grande parte, pela publicação e a ampla distribuição gratuita da obra The Fundamentals. Esta obra organizada em doze volumes, continha aquelas que seus autores – religiosos conservadores britânicos e norte-americanos – consideravam ser as doutrinas fundamentais da fé cristã.273 Por volta de 1931, após o famoso processo Scopes, o

272 Ernest R. SANDEEN. The Roots of fundamentalism, p. xviii. Desde aproximadamente 1870 até a controvérsia fundamentalista-modernista da década de 1920 muitos protestantes adotaram a teologia do final dos tempos conhecida como pré-milenarismo dispensacionalista. No início do século XX o dispensacionalismo estava se tornando uma grande força no evangelicalismo e era apontado por muitos pregadores populares como uma característica do fundamentalismo. Quase todos os evangélicos atualmente crêem em um retorno literal de Cristo à Terra, e a maioria deles é pré-milenarista, ou seja, crêem que Cristo irá retornar antes de inaugurar um reinado de mil anos na Terra. O dispensacionalismo é um tipo de pré-milenarismo, que divide a história em sete períodos chamados de “dispensações”. Estas dispensações configuram uma teologia da história com marcos irreversíveis diante dos quais o homem seria totalmente impotente. De acordo com esta teoria as dispensações, conforme as formas diferentes de relacionamento entre Deus e o homem, a partir dos relatos bíblicos, são: incocência, consciência, governo humano (começando com Noé), promessa, lei (de Moisés a Cristo), graça (a era da Igreja) e o reino (milênio). Conforme esta interpretação da história, a dispensação atual é a da graça, ou da Igreja. Barry HANKINS. Evangelicals and fundamentalism, p. 59; A. G. MENDONÇA & P. VELASQUES FILHO. Introdução ao protestantismo no Brasil, p. 141 273 Os presbiterianos conservadores da Universidade e Seminário de Princeton foram os primeiros a buscar identificar os fundamentos da fé, em 1910, em resposta à tentativa modernista de mudar a Confissão de Fé de Westminster, que era o credo doutrinário dos presbiterianos. “Em meio ao esforço de identificar os fundamentos da fé e o florescimento do fundamentalismo na década de 1920, dois milionários californianos patrocinaram a publicação de uma obra teológica de 12 volumes conhecida como The Fundamentals. Esta obra foi enviada para quase todo pastor protestante, líder de juventude e diretor de YMCA (Young Men’s Christian Association) e YWCA (Young Women’s Christian Association) no país (...) Esta obra trata de uma variedade de assuntos, como evolução, alta crítica bíblica, a relação entre cristianismo evangélico e a ciência, vida cristã cotidiana, evangelismo e missões, dentre outros. Ademais, este material popularizou o termo fundamentos, o que veio a contribuir para que, anos mais tarde, viesse a ser cunhado o termo ‘fundamentalista.’” Barry HANKINS. Op. cit., p. 5 76

movimento havia perdido o seu destaque inicial, e o termo fundamentalismo passou a ter um significado mais restrito.274 Trinta anos depois, na década de 1960, após uma gradual mudança no sentido usual do termo, ser um fundamentalista significava normalmente ser um separatista e o fundamentalismo já não mais incluía os membros advindos das principais denominações conservadoras. De acordo com Marsden, à essa altura,

Quase todos os fundamentalistas eram Batistas e a maioria era dispensacionalista. A maior exceção era a Southern Baptist Convention, na qual uma grande ala conservadora militante era freqüentemente denominada de ‘fundamentalista’, pelo menos por seus opositores.275

Analisando as características dos habitantes do sul dos EUA, Kincheloe e Pinar sugerem que as características próprias do “ser sulista” nos EUA exibem-se

Nas instituições religiosas da região – especialmente no sul fundamentalista. O desconforto com a generalização teórica é revelado no terreno religioso na forma de uma mentalidade literalista. A particularidade epistemológica e o fundamentalismo encontram-se numa relação reflexiva: o impulso da particularidade ajuda a determinar quais aspectos da tradição teológica cristã são enfatizados; a disposição fundamentalista, por sua vez, valida providencialmente a particularidade implícita, a perspectiva socialmente ateórica do crente do sul. O evangelista do sul dificilmente tem sido o proponente de uma teologia sofisticada. As congregações do sul são acostumadas a sermões feitos sob medida para os seus pecados particulares (...) Dedos são apontados, pés são batidos, e, em alguns casos, indivíduos são escolhidos para a condenação. O código de comportamento fundamentalista do sul gira em torno de uma litania de: Não Farás! Tal código evoca uma preocupação com o comportamento individual que tende para a vigilância mútua (...) O fundamentalismo do Sul, portanto, enfatizou porções de ação e de sentimento do cristianismo próprio do tempo em que esse negava o pensamento e a análise teológica. Tal ênfase conduz os pregadores fundamentalistas a exortar suas congregações a ‘dar o coração a Jesus’ sem um sério exame de quem exatamente Jesus foi e pode ser.276

274 Samuel W. CROMPTON. The Scopes monkey trial, pp. 3-4 O Processo Scopes foi o julgamento histórico de 1925 no qual o professor de biologia John T. Scopes foi acusado de violar a lei estadual do Tennessee ao ensinar a teoria da evolução. A questão central no tribunal foi sobre a legalidade do ensinamento de tal teoria em escolas públicas naquele Estado. A legislatura do Tennessee havia recentemente votado a ilegalidade desta prática. Apesar de ser um julgamento estadual, estava em jogo a condição da educação pública em outros lugares do país. A questão principal era se as juntas escolares ou governos estaduais tinham ou não o direito de decidir qual parte do conhecimento científico devia ser excluído do currículo escolar. 275 George M. MARSDEN. Understanding fundamentalism and evangelicalism, pp. 3-4 276 Joe L. KINCHELOE & William F. PINAR (ed.). Curriculum as social psychoanalysis, p. 15 77

Conclui-se, pois, que o movimento batista foi, sem dúvida, uma das maiores influências na formação da vida religiosa do Sul dos EUA. Suas características peculiares de um ambiente rural, moralmente conservadoras e anti-modernistas contribuíram de forma marcante para moldar os ideais e padrões religiosos dos sulistas norte-americanos, com um alcance também em outras regiões daquele país. 277 Assim sendo, ao perceber a prolongada perda do seu espaço de influência, os representantes das alas mais fundamentalistas da Convenção decidiram reagir e dar passos sólidos no intuito de redirecionar a denominação ao caminho que entendiam ser correto em conformidade com sua interpretação da Bíblia.

2. As “batalhas batistas” na SBC

Na década de 1980, levando-se em consideração os eventos mencionados no capítulo dois, os batistas do Sul constituíam uma denominação dividida. Originalmente havia uma forte tradição conservadora na maioria da denominação. No âmbito da SBC, todavia, haviam alas mais fundamentalistas, por um lado, e mais modernistas, por outro, com ampla diferença de concepções de interpretação bíblica e de prática da vida cristã, que encontraram espaço para crescer. Estas duas correntes diferiam dos batistas dos sul que adotavam um ponto de vista mais equilibrado, embora conservador. Enquanto estes conservadores equilibrados regozijavam-se com o desenvolvimento ininterrupto dos programas denominacionais, com o número crescente de membros e com a expansão do trabalho missionário, os batistas da ala liberal ansiavam por transformações rápidas que inserissem a denominação na vanguarda da religiosidade norte-americana, escapando, assim, dos “enclaves provinciais sulistas”. No entanto, justamente esta orientação vanguardista era fortemente temida pela ala fundamentalista da SBC, que a considerava uma patente ameaça à ortodoxia batista do sul. Estava, portanto, instalado o conflito: as metas que os progressistas da ala liberal desejavam eram justamente o alvo da resistência dos fundamentalistas. Esta tensão foi o epicentro da “batalha dos batistas”, ou seja, da disputa acirrada “pelos corações e mentes dos batistas do Sul comuns. O prêmio era a impressionante infra-estrutura organizacional da denominação – e toda a influência que essas organizações poderiam exercer dentro e fora do maior grupo protestante da nação.”278 Os batistas, cismáticos desde sua origem, encontravam

277 William L. LUMPKIN, Baptist foundations in the south , p. 147 278 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 72 78

assim mais uma ocasião para o exercício desta característica que lhes é historicamente peculiar. Faz-se necessária uma compreensão da diversidade das fontes de conflito dos batistas do Sul – cultural, teológica e ideológica – que, na realidade, afetava, de modo diferenciado, todas as denominações cristãs na década de 1960. Farnsley afirma que, neste contexto,

A tensão não resolvida da década de 1920 voltou à tona. Os batistas tinham que tolerar pontos de vista diferentes e reconhecer a autoridade de cada congregação local, mas eram comprometidos tanto formal quanto informalmente, com a autoridade total das Escrituras. A dificuldade de manter estas duas posições aumentou outra tensão existente, aquela da representação. Pontos de vista diferentes sobre as Escrituras haviam ameaçado minar o modelo anterior de ‘consenso dos mensageiros designados’[pelas igrejas às assembléias anuais da SBC]. Não era fácil para os fundamentalistas rígidos e aqueles que se opunham a qualquer aplicação de ‘ortodoxia doutrinária’ chegarem a um ‘consenso.’ A estas duas tensões foi adicionada uma terceira, produto da organização crescente: os batistas tinham a tendência de amar a cooperação mas temer a centralização. Organizações para-eclesiásticas, independência sectária e biblicismo que promovia tanto interpretação individual quanto correção doutrinária eram forçados a viver lado a lado. À medida em que as três tensões se encontraram, era óbvio que algo tinha que acontecer.279

2.1 Diferentes concepções teológicas

Apesar das suas dimensões sociais, culturais e organizacionais, a “batalha dos batistas” não será devidamente compreendida sem o entendimento das genuínas tradições doutrinárias, tal como afirma Sandeen. Neste caso, trata-se de entender melhor as diferentes perspectivas teológicas adotadas pelos oponentes neste conflito, que são correspondentes às suas crenças e informam suas respectivas ações. Ammerman afirma que uma simples verificação do ambiente batista do Sul da década de 1980 conduz à conclusão de que estes religiosos de fato conviviam com uma considerável diferença de crenças. Neste contexto, podiam ser divididos em cinco grupos atuantes no âmbito da denominação. Esta divisão que era também teológica é representada assim por Ammerman:280

279 Arthur Emery FARNSLEY II. A Southern Baptist politics, p. 19 280 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 77 79

Com base em pesquisas realizadas entre pastores e líderes leigos batistas do Sul durante as assembleias anuais da SBC de 1985 (em Dallas, Texas) e 1986 (em Atlanta, Georgia), conduzidas pelo Center for Religious Research281, Ammerman apresenta as características particulares de cada um destes diferentes grupos, como resumido a seguir: a) Fundamentalistas auto-identificados- Representavam onze por cento da SBC. Eram caracterizados por fortes crenças fundamentalistas, e se auto-identificavam como “fundamentalistas”. Este percentual era representado por pastores das chamadas “superigrejas”, por membros da Baptist Faith and Message Fellowship282 e pela maior parte

281 É o centro de estudos de religião da Emory University, uma entidade educacional privada, localizada em Atlanta, no Estado da Georgia – EUA. 282 Membros da ala fundamentalista da SBC que defendiam arduamente a interpretação da declaração doutrinária da denominação, denominada Baptist Faith and Message 1963, organizaram em 1973 a Baptist Faith and Message Fellowship, entidade para-esclesiástica que tinha por objetivo denunciar o que interpretavam ser a difusão do liberalismo nas agências da Convenção, alistar pastores e leigos no sentido de eliminá-la e evitar que igrejas conservadoras insatisfeitas com essa infiltração liberal deixassem a denominação. Os líderes denominacionais tinha sido bem sucedidos anteriormente em convencer a maioria dos batistas do Sul a desconsiderar tais acusações de liberalismo, em parte porque elas vinham de publicações fundamentalistas independentes, de pessoas não envolvidas com a denominação e que se opunham a todo programa batista do Sul. Já a publicação da Baptist Faith and Message Fellowship, adquiriu credibilidade com muitos batistas do Sul, pois seus apoiadores e contribuidores eram ativos na Convenção, batistas do Sul que promoviam o programa 80

da liderança da emergência fundamentalista na SBC. Para evitar a associação pejorativa associada ao termo, os componentes deste grupo deixaram paulatinamente de auto- denominar-se fundamentalistas, preferindo o termo “conservador”. Daí o movimento por eles levado a efeito ter sido denominado de conservative resurgence. Suas convicções teológicas encontravam-se acima de um desejo de conservação da unidade denominacional em meio à diversidade de pensamentos. b) Conservadores-fundamentalistas- Eram vinte e dois por cento na denominação. Apesar de possuírem crenças fundamentalistas muito fortes, jamais se definiram como tais, diferentemente do grupo anterior. Antes, sempre optaram pela expressão “conservadores” como apropriado à sua auto-descrição. Apesar de teologicamente inerrantistas, como os fundamentalistas, possuíam uma intensa identificação com a denominacão. c) Conservadores- Composto por cinqüenta por cento dos batistas do Sul, este grupo, apesar de possuir uma identidade teológica bastante conservadora, não estava em total conformidade como os fundamentalistas nem com os conservadores-fundamentalistas. Eram, na realidade, comprometidos com o ideal de uma denominação conservadora que sempre conheceram. d) Conservadores-moderados- Oito por cento da denominação podiam ser caracterizados como “conservadores-moderados”, já que possuíam crenças moderadas, não concordando com a interpretação fundamentalista da Bíblia. Não obstante este fato, também gostavam de ser chamados de “conservadores”. Neste grupo podia ser incluída a maior parte da administração da SBC à época. Não aceitavam conceder o título de “conservadores” aos que consideravam como “radicais” e que, portanto, no seu entendimento, situavam-se fora das tradições batistas. (e) Moderados auto-identificados - Os que se auto-denominavam como “moderados” e possuíam tais crenças, somavam nove por cento do total dos batistas do Sul. Tinham como representação o pastor texano Cecil Sherman e Roy Honeycutt, então presidente do Southern Baptist Theological Seminary. Não compartilhavam as crenças fundamentalistas a respeito da Bíblia e expunham publicamente que essa era a forma errada de concepção e interpretação.283

denominacional. Soma-se a isto o fato de que o editor do periódico era um funcionário de carreira da Home Mission Board, uma das agências da SBC. Gregory A. WILLS. Southern Baptist Theological Seminary, p. 433 283 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., pp. 78-79. Tentamos encontrar dados mais recentes sobre estas divisões no âmbito da SBC, mas infelizmente não conseguimos. 81

2.2 Os temas essenciais da controvérsia

Dentre as diversas fontes de conflito entre a ala fundamentalista e a ala liberal dentro da SBC, destacamos em nosso trabalho quatro delas, as quais entendemos fazer parte ativa do núcleo das tensões que envolveram a batalha dos batistas, e que representam bem as divergências de pensamento entre as duas alas. São elas a autoridade da Bíblia, a autoridade pastoral, a agenda política e a vida cristã. a) Autoridade da Biblia- A maneira como popularmente os batistas compreendem a função da Bíblia na vida cristã pode ser resumida pela seguinte frase: “Deus disse, nós acreditamos e está decidido”. De fato, Brackney afirma que

Reagindo contra credos e pronunciamentos episcopais e conciliares, os primeiros Batistas asseveraram somente as Escrituras como autoridade em assuntos de fé e prática. Em um sentido duplo, os Batistas ‘crêem na Bíblia e acreditam a Bíblia’ quer dizer, a posição Batista sobre as Escrituras é tanto ontológica como ética.284

Os batistas têm se destacado de longa data dentre os protestantes devido ao seu conhecimento do conteúdo das Escrituras e seu forte compromisso com a exposição bíblica por meio da pregação e ensino. As confissões de fé dos batistas apresentam suas doutrinas e incluem referências bíblicas selecionadas como confirmação de suas descrições. Os membros da igreja são sistematicamente expostos ao conteúdo bíblico por meio de organizações da igreja local, tais como, por exemplo, Escola Bíblica Dominical e outros grupos de estudo, os quais fornecem ocasião constante para a membrezia da igreja conhecer a história e conteúdo da Bíblia. Desde bem novas as crianças recebem ensinamentos bíblicos e são estimuladas a memorizar longas passagens bíblicas. De acordo com Leonard,

A despeito de seu compromisso com a Bíblia, os Batistas diferem sobre como interpretar o conteúdo bíblico e a natureza da própria autoridade bíblica. De fato, a Bíblia está no centro de cada debate, divisão e cisma na vida Batista. Em meio a preocupação com a autoridade bíblica há divisões sobre o significado do texto e o método próprio de interpretá-lo (hermenêutica). Os Batistas prontamente se dividem com outros cristãos e entre si mesmos com respeito às formas pelas quais a Bíblia pode ser compreendida e aplicada. Em outras palavras, os Batistas podem ser o ‘povo do Livro’ (a Bíblia), mas eles não concordam sempre sobre o que ‘o Livro’ na verdade diz ou como ele deve ser interpretado.285

284 William H. BRACKNEY. Op. cit., p. 23 285 Bill J. LEONARD. Baptists in America, p. 130 82

Para os fundamentalistas desta denominação o que se encontrava em questão no conflito com os ditos liberais estava muito bem definido: a verdade intangível da Bíblia. Aqueles que não acreditassem na Bíblia como sendo as verdadeiras e inquestionáveis mensagens de Deus não poderiam estar lecionando nas escolas da denominação, elaborando textos direcionados aos batistas do Sul ou exercendo qualquer outra posição de liderança na SBC. A maioria esmagadora dos batistas do Sul que se auto-denominam como fundamentalistas ou consevadores (noventa e cinco por cento) concorda que o critério “sonoridade doutrinária” deveria ser o mais importante na escolha de liderança para a denominação. 286 Para a ala fundamentalista da SBC ser doutrinariamente correto significa “acreditar na Bíblia” como inerrante.287 De acordo com Ammerman,

Talvez o defensor mais eloquente destas preocupações a respeito [da interpretação] da Bíblia tenha sido W.A. Criswell, que por longo tempo dirigiu a Primeira Igreja Batista de Dallas. Na conclusão da Conferência dos Pastores de 1985, realizada em sua cidade, Criswell discorreu sobre o tema ‘Quer Nós Vivamos ou Morramos’. O pregador mencionou, na introdução à sua exposição, que considerava este o seu mais importante sermão proferido em uma edição anual da referida conferência, apesar de ser aquela, talvez, sua trigésima oportunidade de falar aos pastores batistas do Sul. O pastor texano apresentou seu primeiro ponto intitulado ‘O Padrão Para a Morte de Uma Denominação,’ usando como exemplo os batistas britânicos. Em estilo de palestra, Criswell afirmou que as ideias de Darwin e da alta crítica alemã deram início aos problemas [doutrinários] entre os batistas. De acordo com o pastor texano, a aceitação de tais ideias teria levado o testemunho dos batistas na Grã-Bretanha à morte. Criswell afirmou: ‘A frequência à igreja caiu, os cultos de oração terminaram, havia cada vez menos conversões, a quantidade de batismos começou a declinar e o número de batistas britânicos está em queda constante desde os dias dourados de [Charles] Spurgeon, seu poderoso defensor. E Criswell completou, dizendo: ‘Meu irmão, se a abordagem da alta crítica às Escrituras dominar nossas instituições e nossa denominação não haverá missionários para sofrer porque eles irão deixar de existir!’ A audiência respondeu aplaudindo intensamente o orador. Então ele concluiu o primeiro ponto da mensagem afirmando que ‘assim como aconteceu com os batistas da Grã-Bretanha [acontecerá também conosco] se continuarmos a viver ou, finalmente, continuarmos a desvanecer em nossa dedicação à infalível Palavra de Deus.’ A segunda parte [da mensagem] teve como título ‘O Padrão de Morte Para Uma Instituição,’ e nela o pregador usou como exemplo a Faculdade Batista de Divindade do Norte [dos EUA], da Universidade de Chicago. Criswell afirmou que esta instituição foi organizada com o objetivo de preparar pregadores para anunciar o evangelho, mas então, completou ele, ‘teve início a infiltração, a praga, a podridão, o vírus. A corrupção da abordagem da alta crítica ao evangelho começou a operar.’ Em

286 A expressão “sonoridade doutrinária” é utlizada pelos batistas do Sul como sinônima de correção doutrinária, ou ortodoxia. Na perspectiva fundamentalistas tal expressão se aplica aos que defendem a inerrância da Bíblia. F.Leroy FORLINES. The Quest for truth, p. 167 287 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., pp. 80 83

seguida, passou a citar vários textos de autoria de docentes desta faculdade teológica, que teriam representado um ‘massacre da ortodoxia cristà.’ Criswell enfatizou que a perda de instituições [para uma visão teológica liberal] não estava ocorrendo apenas no Norte [dos EUA], mas também, disse ele, ‘no Sul, onde nós vivemos. No Sul estamos começando a testemunhar a mesma coisa.’ Quando declarou que a neo-ortodoxia era um parasita crescendo em instituições já construídas, o pregador foi novamente interrompido com aplausos, [e logo afirmou:] ‘Nenhum pastor que adotou a abordagem da alta crítica ao evangelho desenvolveu uma grande igreja, participou de um culto fervoroso ou conquistou uma cidade para o Senhor. A mensagem que eles pregam e pensam ser moderna é tão antiga quanto a primeira mentira [da história]: Foi isso que Deus disse?’ Então os aplausos se tornaram mais frequentes, [numa demonstração de que] a audiência concordava com a condenação de seus inimigos [liberais]. A parte final da mensagem de Criswell teve por título ‘O Padrão da Morte Para Um Pregador ou Professor,’ e nela narrou [como exemplo o processo que culminou com] a demissão de Crawford H. Toy do corpo docente do Seminário [Teológico] Batista do Sul [dos EUA], no século XIX. Criswell afirmou que Toy veio a tornar-se um renomado professor em Havard, no entanto, um unitariano cuja vida espiritual era morta. O pregador prosseguiu sua mensagem afirmando que havia sido publicado um artigo de intenso elogio a Toy em uma edição recente [à época] da revista teológica Review and Expositor, do Seminário [Teológico] Batista do Sul [dos EUA]. Este artigo afirmava que Toy apenas tinha sido uma pessoa à frente de seu tempo. [Ao que Criswell comentou]: ‘Quer dizer que se ele vivesse e ensinasse hoje, sua alta crítica, destrutiva abordagem à Palavra de Deus, seria perfeitamente aceitável, aprovada e defendida. Se temos que sobreviver como povo de Deus, precisamos travar uma guerra contra essa doença que, mais do que qualquer outra, irá arruinar nosso compromisso missionário, evangelístico, e ganhador de almas.’ [E continuou o pregador, dizendo] ‘Não é muito tarde (...) Deus ainda está fazendo coisas maiores e melhores e o Espírito de Deus está em nós para [nos dar ] poder, para conquista, para glória. A América permanece sob o juízo [de Deus] por seus caminhos secularistas, hedonistas, humanistas e materialistas, mas um avivamento ainda é possível. É necessária a cooperação entre os crentes, mas ela tem que ser baseada na infalível Palavra de Deus. Se apresentarmos a mensagem da inerrante Palavra de Deus, Deus virá ao nosso encontro. Nenhuma batalha jamais foi ganha por recuo, submissão ou rendição. Não devemos ceder no conflito, nem deixar a espada adormecer em nossas mãos, até que tenhamos construído [a nova] Jerusalém nesta terra justa e agradável [o sul dos EUA]. Deus garante isso!’ 288

288 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., pp. 80-83. Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) foi um pregador batista britânico que por seu talento na exposição do texto bíblico foi considerado como “O Príncipe dos Pregadores.” L. Russ BUSS & Tom J. NETTLES. Baptists and the Bible, pp. 221-223 O unitarianismo é uma corrente de pensamento teológico que afirma a unidade absoluta de Deus, rejeitando a concepção de trindade. Há dois ramos principais no unitarianismo. O unitarianismo bíblico, para o qual a Bíblia é a única regra de fé e prática, e, portanto, assemelha-se a outras correntes cristãs evangélicas, à exceção da concepção unitária de Deus. Outra vertente é o unitarianismo universalista, que afirma a liberdade de cada ser humano para buscar a sua própria verdade e a possibilidade de busca pessoal por desenvolvimento espiritual sem a necessidade de religiões, dogmas e doutrinas.Thomas R. MCKIBBENS JR. The forgotten heritage, p. 148; E. L. QUEEN et al. Encyclopedia of American religious history, pp. 1004 e 1005 A “primeira mentira” a que se refere Criswell é aquela narrada no texto do Gênesis, quando do diálogo entre Eva e o diabo, este último desejava minar a confiança em Deus daquela personagem bíblica (Gênesis 3:1-7). Segundo Criswell, a dúvida liberal sobre a inerrância da Bíblia teria como efeito minar a confiança na Palavra de Deus. 84

Esta longa citação se fez necessária justamente por nos demonstrar com clareza o enquadramento teológico e inerrantista ao grupamento fundamentalista no interior da SBC. Como podemos perceber, a eloqüência (ou paixão) de Criswell, bem como a sua determinação contra o que denominava de “perigos da alta crítica”, era marcante. Com seu carisma, talento e liderança, Criswell influenciou e contribuiu para a formação de muitos líderes da ala fundamentalista de sua Convenção. Com sua impressionante performance no púlpito, convencia os que o ouviam afirmar, caso ainda não estivessem convencidos, que a Bíblia tinha que ser completamente correta ou completamente errada, e que sem ela todas as demais crenças se encontravam em risco. De acordo com Anders, Criswell considerava que negar esta realidade era começar a descer a “ladeira escorregadia” em direção ao liberalismo.289 Não é por nada que, de acordo com James Draper, um dos discípulos de Criswell e presidente da SBC de 1982 a 1984,

Há pessoas entre nós hoje ensinando em nossas instituições, trabalhando em nossa denominação, pastoreando nossas igrejas, que não se afastaram completamente da doutrina bíblica clássica ... mas, eles não acreditam que tudo nas Escrituras é necessariamente correto e sem erro. Eles estão no limite. Eles abandonaram a revelação divina como sua base final de autoridade.290

b) Autoridade pastoral- Enquanto os liberais enfatizavam o sacerdócio de todos os crentes e a autoridade da congregação, os fundamentalistas posicionaram-se firmemente em favor da autoridade pastoral na igreja local, chegando a afirmar que o pastor é quem deveria dirigir a igreja.291 Segundo o fundamentalista Criswell, mais uma vez, “o pastor é o governante da igreja. Não há nada mais do que isso na Bíblia.” Esta concepção foi claramente exposta como posição oficial em 1988, quando a SBC aprovou a controversa resolução de número cinco, intitulada On the Priesthood of the Believer. Nela podemos ler o seguinte:

Considerando que, o Sacerdócio do Crente é um termo sujeito a compreensões equivocadas e abusivas; Considerando que, a doutrina do Sacerdócio do Crente tem sido usada para justificar equivocadamente a ideia de que o cristão pode acreditar em qualquer coisa que deseje e ainda assim ser considerado um fiel batista do Sul; Considerando que, a doutrina do Sacerdócio do Crente pode ser utilizada para justificar a atitude de minar a autoridade pastoral na igreja local, fica,

289 Max E. ANDERS. What you need to know about the Bible, p. 42 290 J. T. DRAPER & K. KEATHLEY. Op. cit., pp. 20-21 291 Walter B. SHURDEN & Randy Shepley (ed). Going for the jugular, p. 17 85

portanto, DETERMINADO, que a Southern Baptists Convention (...) afirma sua crença na doutrina bíblica do Sacerdócio do cristão (1 Pedro 2:9 e Apocalipse 1:6); e fica também DETERMINADO, que nós afirmamos que esta doutrina de forma alguma dá direito a que sejam tiradas conclusões errôneas, que se negue, demitologize ou extrapole elementos do sobrenatural da Bíblia; e fica também DETERMINADO, que a doutrina do Sacerdócio do Crente de forma alguma contradiz a compreensão bíblica do papel, responsabilidade e autoridade do pastor que é apresentado como o líder da igreja local em Hebreus 13:17 ‘Obedecei a vossos líderes, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas’, e fica por fim DETERMINADO, que afirmamos a verdade de que os anciãos, ou pastores, são chamados por Deus para liderar a igreja local (Atos 20:28).292

Esta mesma resolução autorizou cada pastor de igreja local da SBC a ser o intérprete das doutrinas bíblicas, legitimando-o assim como o guardião oficial dos assuntos doutrinários em nível local. Os mensageiros liberais presentes à assembléia que aprovou a mencionada resolução em 1988, discordaram da decisão e abandonaram o plenário da Convenção, queimando publicamente uma cópia do documento. Esses dissidentes consideraram o resultado da votação como tendo sido induzido por um grupo de pastores fundamentalistas, constituindo-se, assim, numa transgressão da liberdade dos leigos de definir a doutrina por si mesmos e, portanto, uma atitude contrária à posição histórica dos batistas.293 Os fundamentalistas, portanto, estavam convictos de que a Bíblia continha claros princípios hierárquicos. Logo, observar tais princípios resultaria em bem-aventurança, enquanto negá-los conduziria ao desastre. c) Agenda política- A partir do final da década de 1960 passa a ecoar no âmbito da SBC a ideia segundo a qual os interesses mais profundos dos fundamentalistas seriam mais teológicos do que políticos. É o que podemos deduzir da avaliação de dois importante estudiosos do fundamentalismo norte-americano. Segundo Marsden,

Em 1968 Paul Carter publicou uma revisão radical do ponto de vista que ele mesmo havia defendido na década de 1950. Referindo-se aos interesses políticos fundamentalistas, Carter agora argumenta que ‘na mais profunda essência estes interesses não constituíam o cerne do que tratava a controvérsia fundamentalista. Apesar de reconhecer que os interesses políticos eram algumas vezes importantes para os fundamentalistas, Carter argumentou que a preocupação principal deles era simples. Estavam ‘defendendo o que os fundamentalistas honestamente acreditavam, que ‘a fé entregue uma vez aos santos’ era tudo o que dava sentido à vida. Em um estudo mais detalhado Robert Wenger concordou com Carter que

292 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 88 293 Carl KELL & L. Raymond CAMP. In the name of the Father, p. 38 86

‘não podemos explicar o fundamentalismo adequadamente em termos de interesses sociais e econômicos. ’ Wenger afirmou que, levando em consideração que se pode encontrar fundamentalistas defendendo posições opostas em diversos assuntos sócio-políticos, deve-se concluir que nenhuma postura política pode ser considerada como um teste de fidelidade ao fundamentalismo. Além do mais, ele aponta que muito do conservadorismo político, que era de fato a tendência política dominante no movimento fundamentalista, era pouco mais do que a manifestação de opiniões corriqueiras norte-americanas da época. O nacionalismo fundamentalista era, além do mais, temperado por um senso do juízo de Deus, um senso ausente do patriotismo da maioria dos norte-americanos. A unidade do movimento, ele sustentou, ‘repousa em sua teologia cristã baseada na Bíblia. Esta fé ajudou a formar o ponto de vista fundamentalista de sua cultura muito mais do que sua cultura formou sua fé.’ 294

Todavia, em 1976 os batistas do Sul orgulharam-se de terem contribuído categoricamente para a eleição de seu representante, Jimmy Carter. No entanto, Carter viria a perder o apoio de sua denominação para uma possível reeleição em 1980. Isto ocorreu em virtude dos batistas do Sul terem se decepcionado com o presidente que durante a campanha afirmara ser um born again,295 porém, no exercício da presidência, desenvolveu uma versão de relação entre religião e política que não atendeu aos anseios fundamentalistas. Além disso, Jimmy Carter não só citava o teólogo neo-ortodoxo Reinhold Niebhur com era também um “bebedor social” (algo inaceitável para um batista do Sul). Ao final de seu primeiro e único mandato, o progressivismo que representava chocou-se com a visão conservadora defendida pela recém-criada Moral Majority, que apoiou Ronald Reagan à candidatura à presidência dos EUA.296 No exercício de seu mandato, Reagan envolveu-se diretamente com o fundamentalismo, sendo favorável à regulamentação de oração nas escolas públicas dentre outras posturas que revelaram um favorecimento de uma agenda cristã fundamentalista no espaço público norte-americano. Tal posição foi descrita como “demagogia desprezível” por

294 George M. MARSDEN. Fundamentalism and American culture, p. 206. Paul Carter é um dos principais historiadores do fundamentalismo norte-americano, ao lado de expoentes como George Marsden e Ernest Sandeen. De acordo com Marsden, na década de 1950, Carter pressupunha que a política conservadora fundamentalista recebia apoio financeiro de empresários, os quais teriam encontrado no movimento um tipo de religião que não tinha qualquer interesse em um evangelho com ênfase social, mas que, pelo contrário, pretendia repassar todas as reformas sociais para o Messias que retornaria ao mundo, dos céus, sobre as nuvens. Robert E. Wenger é outro estudioso do fundamentalismo norte-americano e professor emérito da Philadelphia Biblical University. http://findarticles.com/p/articles/mi_hb050/is_1_72/ ai_n28987899/ <29.12.1011>; http://pbu.edu/ academics/faculty/bio.cfm?customel_datapageid_21146=35437<29.12.1011> 295 O termo cristão inglês Born Again é uma referência a uma experiência espiritual em que o religioso descreve ter recebido uma nova vida espiritual através de arrependimento da vida pregressa e fé em Jesus Cristo que, de acordo com a Bíblia, teria ressuscitado dentre os mortos. Billy GRAHAM. How to be born again, p. 152 296A Moral Majority foi uma organização integrante do movimento da Nova Direita Cristã fundamentalista norte-americana que atuou realizando lobby político entre os anos de 1979 e 1989, com a destacada liderança do pastor batista independente Jerry Falwell, seu co-fundador. 87

James Dunn, à época diretor do The Baptist Joint Committee on Public Affairs (Comitê Misto Batista Sobre Questões Públicas) e defensor da separação entre igreja e Estado.297 De acordo com Shurden e Shepley,

Politicamente, em termos nacionais, os fundamentalistas se identificaram com a ala direita da política e os moderados tendiam a ser mais centristas. Os fundamentalistas tinham a tendência, por exemplo, de apoiar os Republicanos Reagan-Bush e os moderados geralmente se identificavam com os Democratas Carter-Clinton. Para ilustrar, após os fundamentalistas ganharem o controle da SBC e os moderados terem organizado a Cooperative Baptist Fellowship, Dan Quayle e Oliver North, Republicanos da ala direita, foram oradores celebrados na SBC enquanto Jimmy Carter falou em um encontro da CBF.298

Assim sendo, os batistas do Sul diferiam quase na mesma medida tanto em questões políticas quanto em teológicas. As interpretações diferentes sobre a natureza da Bíblia tiveram como conseqüência compreensões divergentes a respeito de temas teológicos, como por exemplo, sobre a segunda vinda de Cristo (para encerrar a história e julgar o mundo no final dos tempos) e a respeito da possibilidade de mulheres exercerem a função pastoral, mas também em relação à maneira como a ala direita e esquerda da política encontravam recepção nas alas fundamentalista e liberal da SBC.299 Podemos afirmar que a cisão na SBC não foi apenas teológica, mas também social, cultural e política, operando tanto nas atitudes políticas intra-denominacionais como também na arena política nacional. De acordo com Smith, pesquisas já demonstravam na década de 1980 que

Membros da elite batista do Sul (os pastores), embora não sejam todos alistados no exército da direita fundamentalista emergente, foram influenciados pelas tendências dela, tornando-se mais ativistas, conservadores e apoiadores nas duas eleições de Bush-Quayle. Os batistas também possuem um histórico de permitirem que seus pastores se envolvam ativamente na política. Um percentual de 60 por cento dentre os leigos e pastores batistas do Sul concordam com a declaração: ‘é bom que grupos como a Moral Majority estejam se posicionando a favor dos princípios cristãos’300

297 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 99 298 Walter SHURDEN & Randy SHEPLEY (ed), Going for the jugular, pp. xix, xx 299 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 106 300 Oran P. SMITH. Op. cit., p. 153 88

À luz desta comprovada realidade podemos afirmar que a emergência da chamada nova direita cristã, de matriz fundamentalista, a nível nacional nos EUA, teve como um de seus efeitos o despertar de um maior interesse na política entre os cristãos mais conservadores, que foram estimulados a serem sujeitos ativos no âmbito partidário republicano e eleitores participantes, formadores de opinião, especialmente à partir dos pleitos de 1980 e 1984, período em que tal emergência se dava e se consolidava também, e de forma intensa, no âmbito intra-denominacional da SBC. 301 d) Vida cristã- Defensores da rigidez na moralidade privada, os fundamentalistas entendiam ser necessário separar-se das práticas consideradas como “mundanas”, tais quais beber, dançar, ir ao cinema, fumar, jogar cartas e fazer juramentos. Algumas dessas práticas haviam tradicionalmente recebido “nãos” no âmbito da cultura do sul dos EUA, mas este posicionamento classicamente mais conservador já estava perdendo sua influência na região a partir da década de 1970.302 Por entenderem que a via proposta pelos liberais em relação à vida cristã demonstrava despreocupação com o que seria o verdadeiro sentido da prática do cristianismo, os fundamentalistas concluíram que seus oponentes não estavam afetivamente interessados em “salvar almas”, termo freqüentemente utilizado em alusão à missão de realizar evangelismo e tarefas missionárias. Logo, por conseqüência, entendiam não haver qualquer possibilidade de cooperação com os liberais para realizar tais objetivos, já que, na avaliação fundamentalista, os liberais não possuíam compromisso com a Bíblia e tampouco desejo ardente de conquistar novos adeptos dentro e fora dos Estados Unidos. Estas vozes batistas entendiam que a manutenção do cristianismo em sua forma dita “primitiva” era uma necessidade urgente, considerando a crescente influência dos que, estariam a desvalorizar a Bíblia ao não aceitarem uma interpretação literal de seu registro. A desconsideração da inerrância bíblica pelos liberais modernistas e a conseqüente e crescente tendência ecumênica eram consideradas como ameaças às “essências ortodoxas” do cristianismo evangélico.303 Na concepção fundamentalistas a missão principal da igreja era “preservar a verdade cristã contra os erros destruidores da alma”. Conseqüentemente, a “tolerância não podia ser a bandeira a tremular mais alto sobre uma instituição”. 304

301 Oran P. SMITH. Op. cit., p. 153 302 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., pp. 106-109 303 Douglas C. WEAVER. Op. cit., p. 144 304 George M. Marsden. Reforming fundamentalism, pp. 148-149 89

Somava-se a este fato a peculiaridade da religião do sul dos EUA, que possui uma identidade própria. O historiador Douglas C. Weaver afirma ser

Praticamente impossível ler a religião do Sul nas décadas após a Guerra Civil através de outras lentes que não as da raça. A religião do Sul era como um historiador colocou, ‘batizada no sangue.’ Atitudes quanto a raça impactaram as relações com o Norte, a metodologia de missões, e, essencialmente, toda a vida. A identidade regional do Sul tornou-se identificada com o compromisso religioso. Ser batista era ser do Sul.305

O fato é que os batistas do Sul tornaram-se a igreja estabelecida daquela região dos EUA. Não foi coincidência o fato de o Sul norte-americano ter sido a única região da América onde o cristianismo evangélico na sua expressão batista tornou-se a forma dominante de fé. Esta região do país ficou conhecida como Bible Belt.306 Por sua vez, os batistas brancos do Sul assumiram um compromisso de identidade cultural e religiosa que lhes conferia um senso de unidade vista pelas lentes da raça. Ser um batista era ser do Sul e ser um batista branco do Sul. De acordo com Weaver,

Ser do Sul era defender e lutar por uma ortodoxia racial da supremacia branca que prevaleceu no período anterior à Guerra Civil e continuou no mundo segregado de Jim Crow South. Questionar isso era cometer uma heresia maior do que qualquer especulação teológica. A segregação substituiu a escravidão como a resposta para o ‘problema racial’ e foi construída sobre a mesma racionalização bíblica. Deus designou as raças para serem separadas; além do mais, os afro-americanos eram considerados de natureza inferior. Pastores brancos eram líderes na defesa da supremacia branca. Henry H. Tucker, editor influente do jornal da Convenção Batista da Georgia, The Christian Index, expressou o típico sentimento dos brancos Batistas do Sul: ‘Nós não acreditamos que todos os homens foram criados iguais como a Declaração de Independência afirma que foram; nem que eles serão iguais em algum momento neste mundo.’307

305 Douglas C. WEAVER. Op. cit., p. 146 306 O termo Bible Belt refere-se a uma ampla região do sul dos EUA dominada, no que se refere à religião, pela ortodoxia protestante, pela moralidade rigorosa e pela crença na interpretação literal da Bíblia. O uso do termo coincidiu com a percepção emergente na cultura norte-americana de que o Sul e Centro-oeste do país são áreas de alta intensidade religiosa. Este envolvimento religioso deve-se em grande parte ao fato da influência protestante na fundação das coloniais que ali estavam localizadas. Esta expressão é útil como um indicação da percepção da Bíblia como autoridade inconteste pelos cristãos predominantemente protestantes da região. Historicamente a Bíblia era o principal material lido e entendido como uma fonte de estímulo intelectual pelas famílias rurais ali residentes. S. S. HILL et al (ed.). Encyclopedia of religion in the south, p. 117 307 Douglas C. WEAVER. Op. cit., p. 147. As Jim Crow laws eram leis estaduais e locais nos EUA promulgadas entre 1876 e 1965, especialmente no Sul do país. Elas exigiam a segregação racial em todas as instalações públicas, com um status supostamente de ‘separado mas igual’ para os norte-americanos negros. Na realidade isto conduziu a um tratamento e acomodações que eram normalmente inferiores às fornecidas para os brancos norte-americanos, sistematizando um número de desvantagens econômicas, educacionais e sociais. As últimas 90

A questão de fundo, de natureza filosófica e teológica que permeia todas essas diferenças é a da aceitação da confissão moderada de liberdade individual ou a aceitação de códigos severos de crença de conduta fundados na matriz religiosa da Bíblia. Enquanto os fundamentalistas afirmavam que havia necessidade de estabelecimentos de linhas demarcatórias claras entre o “ser livre” e o “ser cristão”, os liberais argumentavam pela maior liberdade individual de escolha, maior flexibilidade moral. Ao tempo em que estes últimos declaravam que historicamente os batistas foram defensores da tolerância, os primeiros afirmavam que os liberais estavam cedendo às pressões “dissolventes” do mundo moderno. Assim sendo, os fundamentalistas da SBC não estavam dispostos a aceitar o ponto de vista liberal segundo o qual “os batistas deveriam ter liberdade individual para interpretar a Bíblia por si mesmos e ser tolerantes com diferentes opiniões.”308 A ala fundamentalista da SBC tinha firme convicção de que havia pessoas nas faculdades e seminários dos batistas do Sul que não acreditavam naquilo que todo batista tinha obrigatoriamente que crer. Os fundamentalistas desejavam efetuar uma mudança gradativa que culminaria numa burocracia denominacional fundamentalista e verticalizada, capaz de aplicar e preservar a correta doutrina. Assim sendo,

Com tão ampla diferença na teologia, estilo de vida e práticas eclesiásticas, é pouco surpreendente que fundamentalistas e moderados na Convenção Batista do Sul dos EUA viessem a ver um ao outro como estrangeiro e inimigo (...) Cada lado possui ideias distintas sobre o que fazia de alguém um verdadeiro batista.309

O que aconteceu no âmbito da SBC pode ser considerado, pelo menos em parte, como um conjunto de repostas diferentes para mudanças sociais diferentemente percebidas. Conforme sugere Weaver,

Como o mundo ao redor deles [fundamentalistas] mudou, como os próprios batistas foram rearranjados, relocados, e espalhados pelo país, alguns deles abraçaram a diversidade de seus novos arredores, seguindo novas e adaptadas práticas religiosas que fizeram sentido nas novas situações em que se encontraram. Outros rejeitaram o novo, preferindo reafirmar a ortodoxia que havia prevalecido na antiga cidadezinha rural do Sul.310

Jim Crow laws foram indeferidas pela aprovação da legislação concernente aos Direitos Civis, de 1964, e pela promulgação do Ato dos Direitos Eleitorais, de 1965. 308 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 113 309 Ibid, p. 117 310 Douglas C. WEAVER. Op. cit., p. 186 91

Este último grupo reagiu e se organizou com o objetivo de assumir o controle da SBC, e, reorientá-la de acordo com os princípios fundamentalistas, que acreditava estar em plena conformidade com a Bíblia, tida por ele como autoridade incontestável e infalível.

3. A efetivação da emergência fundamentalista

Uma das primeiras reações aos quatro vetores311 que levaram à mudança na linha ortodoxa na SBC foi, como já indicamos, um artigo publicado por K. Owen White, em 1961, intitulado Death in the Pot. Neste texto, o então pastor da First Baptist Church of Houston, no Texas, usou um fato narrado na Bíblia, em 2 Reis 4:38-41, envolvendo o profeta Elias, como comparação ao que ocorria na denominação. A sugestão de White era de que uma erva nociva havia sido introduzida no ambiente batista do Sul. O alvo imediato do autor era atingir Ralph Elliot, professor do Midwestern Baptist Theological Seminary, e seu livro The Message of Genesis, publicado em 1961 pela editora da SBC, a Broadman Press. Como já sabemos, a obra de Elliot empregou a abordagem histórico-crítica, chegando a conclusões que levaram- no a questionar a historicidade de partes do texto de Gênesis.312 A utilização do método histórico-crítico na abordagem à Bíblia foi rotulada de “liberalismo” pelos fundamentalistas, que lhe atribuíram o poder de destruir a fé de uma pessoa ou até mesmo de uma confissão religiosa. Harold Lindsell, líder intelectual dos inerrantistas radicais dentre os batistas do Sul, afirmou que o método histórico-crítico “tem em todo ele as sementes que conduzem à apostasia” e “é de fato o grande inimigo da fé evangélica.”313 Em reação à controvérsia sobre o texto de Elliot, a SBC votou no encontro anual de 1962 uma resolução que confirmava a fé na Bíblia como detentora de autoridade e inerrância, e opondo-se institucionalmente aos pontos-de-vista que poderiam supostamente minar a confiança em sua alegada exatidão histórica ou integridade doutrinária enquanto palavra de Deus.314 Essa postura foi efetivada através de uma reforma na declaração doutrinária da SBC, cujo resultado foi a Baptist Faith and Message, de 1962. Esta nova declaração doutrinária

311 Como exposto mais detalhadamente no início do capítulo II desta dissertação, os quatro vetores básicos e identificáveis que conduziram para a nova tendência liberal na Southern Baptist Convention foram: (1) O acatamento da abordagem histórico-crítica à Bíblia; (2) A absorção da filosofia existencialista; (3) A sceitação da plausibilidade do Darwinismo; (4) A implementação dos estudos das religiões comparadas. 312 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p.1 313 J.L. GARRET et al. Are Southern Baptists “evangelicals”, p. 124 314 Arthur Emery FARNSLEY II. Southern Baptist Politics, p.19 92

configurou-se como o esforço da SBC para apresentar uma resposta às diversas tradições batistas, afirmando uma postura de compreensão da Bíblia a favor do fundamental e contra o moderno. 315 Outro fato gerador de controvérsia, como já indicamos no capítulo II desta dissertação, foi a publicação do primeiro de 12 volumes da série Broadman Bible Commentary, em 1969. Hefley descreve que, quando Clifton J. Allen, que à época era o secretário executivo da Sunday School Board, anunciou que a seção que comentava o livro de Gênesis seria escrita por G. Henton Davies, o então reitor da Regent’s Park College, em Oxford, na Inglaterra, Bob Mowery, a altura pastor da Park Avenue Baptist Church, em Nashville, teria se posicionado de forma contrária nos seguintes termos:

[Davies] era conhecido por ser mais liberal do que a média dos Batistas do Sul. Eu disse, ‘Dr. Allen, os Batistas do Sul passaram pelo trauma da controvérsia Elliot. Por que você quer nos fazer passar pela mesma situação outra vez com um comentário liberal de Gênesis?’ Laundrum Leavell, que nesta época era um pastor e membro da comissão, falou em voz alta: ‘Dr. Allen, se você pensa que os Batistas do Sul irão engolir uma corrente liberal sobre a Bíblia, você não conhece os Batistas do Sul.316

Segundo Hefley, em 1970, Joe Odle, editor do periódico Baptist Record, em sintonia com este posicionamento anti-liberal, teria incentivado os protestos fundamentalistas com seu discurso intitulado The Bible and the Baptist Leadership. Este religioso em seu pronunciamento teria detectado e apresentado o que ele chamou de “sons incertos”, ou seja, certas tendências implícitas nas publicações da SBC, e com as quais ele e os demais fundamentalistas não concordavam:

(1) Permissão de questões de crítica bíblica nos materiais curriculares; (2) Afastamento da posição positiva doutrinária característica da SBC, com conseqüente dificuldade de definição de quem eram os batistas; (3) Ênfase excessiva em ação social com negligência perigosa da mensagem espiritual; (4) Ênfase na abordagem intelectual com freqüente falha em atender as necessidades espirituais do povo.

315 Carl L. KELL & L.R. CAMP. In the name of the Father, p.17 316 James C. Hefley. The truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, p. 54 93

Após argumentar sobre as doutrinas distintivas dos batistas, Odle teria afirmado ter ouvido a seguinte advertência feita por um pastor fundamentalista de outra denominação protestante em um encontro de líderes de evangelismo da SBC:

‘Eu gostaria de pegar cada um de vocês pela nuca e sacudi-los, e dizer: Ajam enquanto têm os votos. Livrem-se do liberalismo enquanto vocês podem. Se não fizerem isso, o dia chegará em que a situação estará como em minha denominação. Nela os liberais podem votar para tirar os conservadores [de nossa convenção] em qualquer dia que quiserem.’ 317

A resposta a esta advertência não tardaria a vir. Em 1967, o então advogado Paul Pressler, outro membro fundamentalista da SBC e ativista em diversos níveis da arena política, visitou o campus do New Orleans Baptist Theological Seminary com o objetivo de entrevistar candidatos a bolsas de estudo destinadas a alunos adeptos da corrente fundamentalista que necessitassem de apoio para dar continuidade à sua formação nas instituições teológicas da SBC. Para realizar este projeto, Pressler havia se unido a outros homens de negócios de Houston, Texas, e criado um fundo de recursos financeiros para dar suporte ao pagamento das referidas bolsas. Durante esta visita, Pressler conheceu o jovem seminarista Paige Patterson, e ambos conversaram longamente a respeito da situação da SBC e dos seus seminários teológicos. Segundo o próprio Patterson, eles chegaram às seguintes conclusões neste encontro:

Primeiro, um grande número de batistas do Sul estava cético a respeito de muitos líderes da denominação. Segundo, a política eclesiástica batista tornava possível um movimento popular para corrigir trajetórias erradas. Terceiro, muitos de tais esforços haviam sido empreendidos, mas haviam uniformemente falhado porque foram envidados por líderes pouco conhecidos ou por indivíduos isolados que conheciam pouco do valor da organização ou do processo político. Como tais, eles eram noviços jogando em uma liga de profissionais experimentados cujo grande talento político e, quando necessário, crueldade determinada, tornavam ser inúteis os esforços dos inexperientes [opositores]. Quarto, a constituição da Convenção era composta por no mínimo quatro grupos, que eventualmente começaram a ser designados como: conservadores ‘ativistas’, conservadores ‘intuitívos’, denominacionalistas e liberais. O último grupo incluía uns poucos liberais clássicos, mas a maioria de suas fileiras era constituída de professores neo- ortodoxos e líderes que haviam mergulhado fundo nos poços da erudição histórico- crítica. Os denominacionalistas, (...) eram na maioria conservadores, mas sobre tudo eram defensores do status quo. A denominação extremamente bem-sucedida havia sido boa para eles. Como eles disseram em West Texas, ‘Se não quebrou,

317 James C. Hefley. The truth in crisis: the controversy in the Southern Baptist Convention, pp. 55-57 94

não conserte’. Os ‘conservadores ativistas’ eram aqueles que entendiam ao menos algumas das estruturas teológicas da denominação, compreendiam a relação entre o processo político e a liderança numa denominação [composta] de igrejas autônomas, e acreditavam que todo o problema era suficientemente importante ao ponto de valer a pena sofrer pela causa, se necessário (...) Os conservadores intuitivos representavam numericamente o maior grupo. Estes eram os doces crentes que aceitavam o melhor a respeito de tudo. Eles eram doutrinariamente conservadores, mas nem sempre estavam certos do porque, e tendiam a acreditar no melhor a respeito de seus líderes, apesar das dúvidas estarem aumentando. A chave [para a emergência fundamentalista] era organizar os dois grupos de conservadores e instruir os conservadores intuitivos nos métodos disponíveis para efetivar a mudança e sobre a necessidade de fazê-la. Os dois grupos de conservadores foram estimados como sendo compostos de cerca de 90 por cento dos Batistas do Sul, com os conservadores intuitivos sendo o grupo consideravelmente maior.318

Tais conclusões, verdadeiro plano de ação, a que chegaram estes dois atores, representaram, na realidade, o início de uma colaboração que ficou conhecida no âmbito do processo de emergência fundamentalista como a “coalizão Pressler-Patterson.”319 Paige Patterson, que àquela altura tinha 25 anos de idade, viria a se tornar o principal líder do movimento, ao lado Pressler, que posteriormente tornou-se juiz da Corte de Apelação do Estado do Texas. No entanto, Patterson confessa que, no princípio, não confiava que o referido plano de ação mencionado na citação acima funcionaria. Em sua obra intitulada Anatomy of a Reformation, ele afirma que “O juiz Pressler sempre acreditou que o plano funcionaria. Eu duvidei seriamente a respeito disso. Meu pai havia sido diretor executivo da Baptist General Convention of Texas. Eu cresci em meio à burocracia denominacional e estava totalmente familiarizado com suas tendências de auto-proteção.”320 Patterson prossegue sua avaliação apresentando suas próprias motivações como sendo, acima de tudo, de ordem espiritual. Para ele

Em última análise, nós não tentamos um movimento de reforma porque pensávamos que seria bem-sucedido, mas porque sinceramente acreditávamos que estávamos certos sobre a inerrância da Bíblia e porque não queríamos dizer a nossos filhos e netos que não havíamos tido coragem para defender nossas convicções. Acima de tudo, a principal motivação persuasiva era a convicção de que a mudança contínua da Southern Baptist Convention [para uma perspectiva liberal] podia lançar condenação eterna para centenas de milhares de pessoas.321

318 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p.3 319 Arthur Emery FARNSLEY II. Southern Baptists politics, p. 58; David T. MORGAN. The New crusades, the new holy land, p. 12; Walter B. SHURDEN & Randy SHEPLEY (ed), Going for the jugular, p. 64 320 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p.4 321 Ibid, p.4 95

Como já sabemos, a Convenção Batista do Sul era e continua sendo uma enorme burocracia bem-sucedida que consistia de centenas de funcionários da denominação em nível estadual e nacional somados ao corpo docente de 56 faculdades e universidades batistas, além dos seis seminários teológicos que proviam a maioria da liderança da SBC. A convicção da coalizão Pressler-Patterson era de que nem todos tendiam ao liberalismo teológico, mas que a quase maioria desejava desconsiderar os alegados desvios doutrinários com o objetivo de proteger um bom sistema que lhes beneficiava. Por outro lado, embora Pressler e Patterson soubessem das dificuldades, não consideravam que a situação estivesse tão “corrompida” como os membros da ala fundamentalista afirmavam. A dúvida inicial de Patterson sobre o bom funcionamento do plano decorria do seu entendimento acerca da solidez dos fatores que sustentavam a hegemonia dos liberais e denominacionalistas àquela altura. Eram eles, no seu entendimento:

(1) os denominacionalistas estavam sempre apoiados por diversos editores dos periódicos estaduais oficiais dos batistas do Sul, os quais eram os maiores meios de comunicação da denominação. Estes editores trabalhavam com afinco em seu apoio ao status quo denominacional e em oposição ao movimento de emergência fundamentalista; (2) Centenas de diretores executivos dos batistas do Sul em nível local e estadual serviam à liderança nacional da ala liberal da denominação. A tarefa deles seria dupla: denunciar aos lideres estaduais os simpatizantes, em nível local, da emergência fundamentalista; e intimidar os pastores batistas locais que ousavam se opor ao sistema liberal em operação na denominação; (3) o fato da SBC ser muito bem-sucedida, enquanto a maior denominação protestante do mundo; (4) Um quarto fator era o histórico de fracassos nas avançadas fundamentalistas anteriores em relação à perspectiva liberal, como ocorrido nos casos da “Controvérsia Gênesis” e da “Controvérsia Broadman”; (5) Um último fator, mas não menos importante, estava no fato que os fundamentalistas normalmente eram deficitários em matéria de perspicácia e sofisticação política. Isto tornava quase impossível para eles superarem os experientes e bem estabelecidos líderes denominacionalistas.322

322 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p.5 96

Este contexto claramente evidenciado oferecia pouca esperança de que o avanço e a consolidação da ala modernista-liberal da SBC pudessem vir a ser contra-arrestados em curto prazo. Não é demais lembrar que, segundo Patterson, a corrente liberal usava o termo “fundamentalista” pelo qual a coalizão Pressler-Patterson passou a ser conhecida de modo pejorativo. Para os opositores da coalizão um fundamentalista era um “xiita”, um novo “batista do Sul” ou um “ignorante”. Dentro desta perspectiva, a resistência liberal era percebida pela coalizão como um fator impeditivo real, dada a própria visão dos liberais na liderança da SBC sobre a (i)legitimidade das razões espirituais da coalizão. Devido justamente a este contexto é que a coalizão passou a auto-denominar-se “conservadora”, na tentativa, que se mostrou bem sucedida – de ampliar seu raio de ação. Devido a este êxito. Na medida em que os adeptos da coalizão começaram a ganhar a disputa, foram taxados de “racionalistas”, “calculistas” e “frios”, o que na avaliação de Patterson, denunciava a fragilidade mesma dos argumentos liberais. 323 Numa auto-avaliação, a ala fundamentalista da denominação atribuiu sua vitória à intervenção de Deus, dado o contexto do efetivo controle liberal na SBC. No entanto, três fatores mais plausíveis auxiliaram a ascensão dos fundamentalistas: a política eclesiástica da SBC, o grande talento dos seus eloqüentes pregadores e a ênfase na credibilidade da Bíblia,

(1) A política eclesiástica da Convenção – O sistema da SBC, criado em 1845 e desenvolvido no decorrer do tempo, tornou possível, embora complicado, reverter a direção da denominação por meio de movimentos a partir da base. De acordo com Patterson,

O sistema funciona como se segue. Congregações autônomas que contribuem para causas da Convenção elegem até 10 mensageiros para o encontro anual da Southern Baptist Convention. Os mensageiros elegem um presidente para esta Convenção, que nomeia a Comissão de Comissões, composta de duas pessoas – normalmente um pastor e um leigo – de cada Estado. Por sua vez, esta comissão indica a Comissão de Indicações para as Juntas, que é subseqüentemente eleita pela assembléia da Southern Baptist Convention. Esta última comissão também é composta por duas pessoas de cada Estado. A Comissão de Indicações para as Juntas finalmente indica uma chapa de candidatos, que os mensageiros da Southern Baptist Convention elegem para as 12 agências e Juntas desta Convenção.324

323 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p.5 324 Ibid, p.6 97

A engenhosidade do sistema, apresentado na figura anterior,325 é deixar o poder de controle final com os mensageiros das igrejas, enquanto dá ao presidente eleito uma influência considerável caso faça suas nomeações de forma cuidadosa. Já que cada conselheiro, com dois anos de mandato nas várias Juntas, não serve à organização por mais do que 10 anos, a eleição de presidentes comprometidos com uma agenda de renovação a cada ano, por 10 anos consecutivos, poderia em teoria, redirecionar todo o sistema. E foi exatamente isso que aconteceu, a partir da eleição do pastor Adrian Rogers, declaradamente fundamentalista, em 1979. Os seguintes batistas foram os presidentes eleitos, ligados à ala fundamentalista da SBC, durante a emergência deste grupo ao poder no período abordado nesta pesquisa:

325 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 170 98

1979-80 -> Adrian Rogers 1992-94 -> Edwin Young 1980-82 -> Bailey Simith 1994-96 -> Jim Henry 1982-84 -> Jimmy Draper 1996-98 -> Tom Elliff 1984-86 -> Charles Stanley 1998-00 -> Paige Patterson 1986-88 -> Adrian Rogers 1988-90 -> Jerry Vines 1990-92 -> Morris Chapman

Utilizando de forma correta os caminhos da burocracia denominacional para alcançar seu objetivo, a ala fundamentalista da SBC conseguiu eleger ininterruptamente, a partir de 1979, “presidentes comprometidos com o movimento conservador e com a inerrância das Escrituras”326, renovando, assim, os membros dos conselhos das Juntas e de outras agências da SBC. De 1995 em diante, com a reeleição de Jim Henry, em Atlanta – Georgia, todos os candidatos fundamentalistas foram eleitos sem que um concorrente da ala liberal fosse apresentado como opção ao plenário da assembléia da SBC.327 Tal fato era um sinalizador de que os modernistas reconheciam a derrota na chamada “Controvérsia” com os seus oponentes pelo controle da maior denominação protestante dos EUA. A segunda ferramenta palpável utilizada pelos fundamentalistas para sua ascensão na SBC foi (2) O grande talento dos pregadores eloqüentes: Como bem disse Nancy Ammerman em sua obra Baptist Battles,

Estes líderes eram pregadores de habilidade notável, capazes de mover multidões com suas palavras e de evocar respostas [positivas] de seus ouvintes. Eles haviam conquistado um grupo de seguidores após anos de cultos de reavivamento e Conferências de Pastores, e eram amplamente admirados como os pregadores de destaque do momento, até por pessoas que depois vieram a se unir contra eles à causa moderada. A liderança moderada, por sua vez, havia se desenvolvido através dos canais normais de treinamentos e carreira da denominacão, com os mais destacados entre eles indo desempenhar funções institucionais. No exercício de tais funções, ironicamente, demonstraram-se incapazes de convencer os Batistas do Sul de que os fundamentalistas deviam ser desprezados. Estes pastores que empreenderam a luta moderada [até] eram muito bons pregadores, freqüentemente com linguagem polida e talento retórico. Mas um Cecil Sherman era incapaz de comover uma multidão como um Adrian Rogers conseguia fazer. E as exposições doutrinárias de Roy Honeycut não podiam comparar-se com o apelo popular de Jimmy Draper. Muitos moderados estavam relativamente distantes da maioria dos Batistas, tendo deixado pra trás a vida simples da cidade pequena. Tanto suas

326 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p. 21 327 Paul PRESSLER. Op. cit., pp. 353-355 99

posições como líderes oficiais da denominação quanto a distância de suas raízes haviam diminuído sua capacidade de liderança.328

Segundo Ammerman, a ampla superioridade na capacidade de pregação demonstrada pela ala fundamentalista-conservadora da SBC constituía uma vantagem determinante durante os 12 anos de conflito no âmbito da Convenção. Em uma denominação definida por Patterson como “orientada pela pregação”, a eloqüência e capacidade de convencimento dos principais oradores era indispensável para se alcançar os alvos estabelecidos que dependessem da votação dos mensageiros das igrejas.329 (3) A decisão de focalizar fundamentalmente um tópico: A confiabilidade da Bíblia. Esta foi a terceira ferramenta importante dos fundamentalistas em seu intuito de assumir a liderança da SBC. A crença na Bíblia como autoritativa é algo comum na fé evangélica, como afirma Hankins, ao declarar que

No centro da fé cristã está a autoridade das Escrituras. Isto não significa que os evangélicos sejam unânimes na interpretação dos ensinamentos bíblicos em todos ou mesmo na maioria dos assuntos. Na verdade, a importância das Escrituras contribui enormemente para que os evangélicos discordem a respeito de interpretações bíblicas em virtude dos muitos questionamentos que são levantados. Geralmente os evangélicos crêem que a Bíblia é produto de revelação especial e que contém o que Deus deseja que os seres humanos conheçam a respeito do pecado e da redenção. Além disso, muitos evangélicos e fundamentalistas crêem que a Bíblia é tão inerrante em questões de história e ciência quanto é em teologia e vida cristã. 330

Enquanto inseridos na tradição protestante os batistas também defendem a fé e submissão ao texto bíblico. No seu livro intitulado The Baptists, William Brackney, intitula um capítulo de maneira muito sugestiva: The Bible: Authority or Battleground? No seu entendimento,

Dizer que os Batistas ‘crêem na Bíblia’ é identificar uma ênfase básica de que ela é a única autoridade para determinar questões relacionadas à fé cristã. Todas as doutrinas e práticas, individuais e corporativas, hão de ser testadas à luz da Escritura, particularmente do Novo Testamento, porque ela é ‘uma absoluta e

328 Nancy Tatom AMMERMAN. Op. cit., p. 178 329 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p. 20 330 Barry HANKINS. Op. cit., p. 9 100

perfeita regra de direção, para todas as pessoas, de todos os tempos, a ser observada (...) Historicamente, então, os Batistas têm levado a Bíblia a sério.’ 331

Kell e Camp afirmam que “onde quer que você encontre um batista, em algum lugar próximo a ele você encontrará uma Bíblia. O batista falará com uma Bíblia em suas mãos e sempre de forma respeitosa. Os batistas são instruídos a amar e respeitar a Bíblia.”332 Em sintonia com esta declaração, Humphreys afirma que

Os batistas são orgulhosos de ser o povo do Livro, a Bíblia. Eles devem sua existência aos esforços de mulheres e homens que no século XVII sentiram ser necessário deixar a Igreja da Inglaterra com o objetivo de organizar uma [nova] igreja que pudesse ser mais fiel ao Novo Testamento. Os batistas estudam a Bíblia, lêem a Bíblia, ensinam a Bíblia, pregam a Bíblia, argumentam sobre a Bíblia e escrevem a respeito da Bíblia. Eles até cantam sobre a Bíblia: ‘Santa Bíblia, livro divino, tesouro precioso, tu és meu.’ No programa de estudo bíblico de verão denominado Vacation Bible School, dirigido por batistas (e por muitas outras igrejas) para crianças, estas normalmente fazem juramentos à bandeira norte- americana, à bandeira cristã e à Bíblia. Os batistas compartilham a convicção semelhante a todos os cristãos de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Eles amam a Bíblia porque, como diz um apreciado hino: ‘Além da página sagrada, eu busco a Ti, Senhor! Meu espírito suspira por Ti, oh, Palavra Viva.’ A Bíblia possui as ‘maravilhosas palavras de vida’ que os batistas necessitam e que proclamam a todos que as ouvirão. 333

Tendo em vista esta cultura religiosa aceita pela maioria esmagadora dos batistas do Sul, marcada por crenças conservadoras, os líderes da emergência fundamentalista trabalharam habilmente com o tema “confiança na Bíblia,” fazendo dela uma ferramenta altamente eficaz para assumir o poder da burocracia denominacional. Até então a SBC era controlada pela ala modernista-liberal da Convenção que, ao contrário desta forte tradição, não considerava a Escritura como inerrante ou infalível. Além destes três fatores mencionados outros também contribuíram para a ascensão fundamentalista ao domínio da SBC. Patterson afirma que parte do sucesso desta ala da Convenção deve ser creditada a ações da própria ala modernista-liberal. Em primeiro lugar, os liberais e denominacionalistas estavam sempre se mostrando super-confiantes, o que fez com que subestimassem a organização e capacidade de reação dos seus opositores. Em segundo

331 William H. BRACKNEY. Op. cit., p. 23 332 Carl L. KELL & L. Raymond CAMP. Op. cit., p. 132 333 Fisher HUMPHREYS. Op. cit., p. 26 101

lugar, algumas publicações dos próprios liberais confirmavam as preocupações e medos dos mais conservadores, legitimando, assim, o próprio discurso fundamentalista. Isto pode ser visto, por exemplo, nas avaliações contidas no livro denominado Called to Preach, Condemned to Survive, publicado em 1985, de autoria de Clayton Sullivan, pastor da SBC e crítico dos liberais. Narrando sua própria trajetória, Sullivan afirma que

Como um seminarista, ainda com vinte e poucos anos, me vi em estado de confusão. Eu estava mais certo a respeito do que eu não cria do que a respeito do que de fato cria. O Southern Seminary destruiu meu fundamentalismo bíblico, mas não me deu nada viável para colocar em seu lugar. O método histórico-crítico pode te dar fatos e hipóteses, mas não pode te dar uma visão (...) Como um ministro neófito em Tylertown, experimentei um choque de realidade. Minha formação no Seminário, pela qual eu ainda sou agradecido, não havia me preparado para as durezas e sofrimentos da vida. De fato, eu comecei a pensar que muito do que aprendera no Southern Seminary, em Louisville, não era relevante para o pastorado. Eu mudei para Mississippi preparado para – num piscar de olhos – discutir ‘o pano de fundo persa do Deutero-Isaías.’ Eu sabia quatorze razões porque o último capítulo de Romanos era uma carta inapropriada de Paulo à igreja em Éfeso. Mas quando você está conversando com uma mulher cujo esposo morreu numa colisão frontal com um caminhão que transportava madeira, assuntos como a autoria do Deutero-Isaías estão fora de questão.334

Como se vê, a dicotomia entre o preparo intelectual e a vivência real parece ter sido algo marcante em certos setores batistas do Sul. Com se isso não bastasse, em 1992, na obra The Genesis Controversy, Ralph Elliot, autor da controversa The Message of Genesis, descarrega sua mágoa não apenas contra os fundamentalistas, mas também contra os liberais pelo uso do que ele denominou de ‘linguagem dúbia’, afirmando que

A ‘linguagem dúbia’ tornou-se uma enfermidade traiçoeira na Convenção do Sul. Durante vários anos o programa do Southern Seminary familiarizou seus alunos com o melhor e mais atual nos campos de pesquisa. No entanto, com freqüência, isto era feito observando-se qual seria a reação da igreja. Os professores e alunos do seminário eram instruídos sobre como apresentar suas convicções numa terminologia aceitável e em um jargão santo de tal forma que apesar de pensar uma coisa, o orador calculava o que dizer para causar no ouvinte a impressão de afirmar outra. Quando há anos atrás eu integrava o corpo docente do Southern Seminary, nós, professores, freqüentemente dizíamos a um colega que era particularmente habilidoso em usar a ‘linguagem dúbia’, que caso a Southern Baptist Convention se dividisse, ele seria o primeiro [a ter oportunidade de ser] orador em ambas as novas convenções. É minha convicção pessoal que esta ‘linguagem dúbia’ concorreu no decorrer dos anos para a falta de alimento e crescimento [espiritual dos batistas do Sul] e é o fator de maior contribuição para o

334 Clayton SULLIVAN. Op. cit., pp.79, 117 102

contexto dos problemas atuais. A questão básica não é de capacidade de comunicação, mas de integridade [do orador].335

Os dados até aqui apresentados demonstram que os fundamentalistas batistas do Sul assumiram a liderança da SBC através da efetivação de um planejamento estratégico minuciosamente arquitetado e levado a cabo, apesar dos liberais se encontrarem muito bem estabelecidos em cargos de liderança da bem organizada e auto-protetora burocracia denominacional. Conhecimento da política intra-denominacional, capacidade de convencimento da base, perspicácia para perceber os pontos frágeis da oposição aliados à paciência e perseverança elevaram a ala mais conservadora da Convenção ao poder.

3.1 Os primeiros passos: planejamento estratégico

A chegada dos fundamentalistas ao poder da maior denominação protestante norte- americana aconteceu mediante o exercício minucioso de um planejamento que exigiu cerca de doze anos para que suas propostas fundamentalistas conseguissem legitimar seus objetivos e metas e elegessem um presidente da SBC comprometido com os alvos estabelecidos pelo projeto inerrantista. a) Os dois atores principais

Neste processo, dois atores são reconhecidos como os principais arquitetos da ascensão da ala mais fundamentalista da Southern Baptist Convention. São eles o juiz Paul Pressler e o teólogo Paige Patterson. a.1 – Paul Pressler (1930- )

Herman Paul Pressler III, nascido em Houston, Texas, graduou-se pela Philips Exeter Academy, Princeton University e University of Texas Law School, e foi juiz da State Appeals Court em sua cidade natal 336, chegando a ser convidado em 1989 pelo presidente George Bush para ser Director of the Office of Governmental Ethics, tendo declinado do convite alegando estar impedido por obrigações profissionais, religiosas e familiares.337 Um dos melhores amigos de Paige Patterson, Pressler possui profundas raízes texanas e batistas, e é

335 Ralph H. ELLIOT. Op. cit., p. 33-34 336 James Leo GARRETT. Baptist theology: a four century study, p. 494 337 Paul PRESSLER. Op. cit., pp. 165-166 103

um diácono ativo e professor da Escola Bíblica Dominical. Ele teria sido exposto ao liberalismo teológico pela primeira vez em 1946, durante seus estudos em New Hampshire, o que, segundo Sutton, “apenas serviu para fortalecer suas convicções pessoais a respeito das Escrituras” 338 e fazê-lo desde a juventude comprometido a resistir a esta corrente. 339 Durante sua preparação acadêmica no noroeste dos EUA, Pressler concluiu que a região havia entrado em um “total colapso diante do liberalismo”. No entanto, ao entrar para a faculdade de Direito da Universidade do Texas, teria se surpreendido ao constatar que mensagens liberais estavam sendo difundidas também no ambiente batista do Sul. Segundo Sutton, ao constatar, que o liberalismo estava assumindo o controle da texana Universidade Baylor, filiada à SBC, Pressler teria dito que não iria “ficar sentado nem mais um pouco e ajudar a financiar a destruição da fé de minha juventude.” Era o período em que Ralph Elliot, do Midwestern Baptist Theological Seminary, havia escrito The Message of Genesis, e, como outros fundamentalistas, Pressler expressava sua preocupação a respeito do conteúdo da obra, o que o levou a compor, em 1964, um livreto intitulado A Message to Southern Baptists. O estudo focalizava as supostas tendências liberais na SBC e especialmente em The Message of Genesis, de Ralph Elliot.340 David Flick, ex-diretor de missões da Associação Batista do Condado de Grady, na Georgia, que foi pressionado a demitir-se da função em conseqüência de cartas anônimas enviadas a pastores de sua região, cujo conteúdo alegava que ele possuía posições doutrinárias “insustentáveis”, afirmou, em relação à autobiografia de Paul Pressler, A Hill On Which To Die, que

Cerca de 40.000 cópias têm sido enviadas a pastores e líderes batistas do Sul em todo o país [EUA]. Alguém está gastando uma grande quantidade de dinheiro para ajudar Pressler a adquirir mais notoriedade. Eu creio que ele está tentando em vão estabelecer seu próprio legado. Pressler se vê como um tipo de salvador da denominação.341

Esta constatação traduz, efetivamente, o empenho do juiz texano em denunciar a teologia liberal e seus adeptos na SBC. De Acordo com Garret, Pressler foi reconhecidamente

338 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 69 339 James Leo GARRETT. Baptist theology: a four century study, p. 494 340 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 69 341 David FLICK. Paul Pressler’s vain attempt to establish his own legacy. Acesso em: . Acesso em: 05.01.2012 104

o organizador-chefe e estrategista político maior do movimento de emergência fundamentalista na SBC, 342 movimento este que ele teria qualificado como going for the jugular.343 De fato o juiz texano exerceu função destacada na controvérsia com os liberais, compondo a denominada “coalização Pressler-Patterson”, louvada pelos mais conservadores e execrada pelos seus opositores. a.2 - Paige Patterson (1942- )

Leighton Paige Patterson, também texano, filho de T. A. Patterson, ex-diretor da General Baptist Convention of Texas, possui formação acadêmica pela Universidade Hard- Simmons e pelo Seminário Teológico Batista de Nova Orleans, tendo exercido a direção do Criswell Center for Biblical Studies (1975-1992), do Seminário Teológico Batista do Sudeste dos EUA (1992-2003) e a presidência da SBC em dois mandatos consecutivos, de 1998 a 2000. Desde 2003 preside o Seminário Teológico Batista do Sudoeste dos EUA.344 No período da Controvérsia entre liberais e fundamentalistas da SBC, em 1984, Reavis descreveu Patterson de forma peculiar, como sendo “um gladiador de W.A. Criswell na arena teológica. Um homem de 41 anos, baixinho, troncudo, de cabelos rebeldes” que, quando “começou a denunciar os batistas do Sul liberais – ameaçando demitir até mesmo os professores vitalícios – você via nele a figura de Deus irado.345 Segundo Hefley, durante seus estudos Patterson teria ficado impressionado com alguns professores que afirmavam que a narrativa bíblica da criação de Gênesis era um mito e que outras estórias bíblicas podiam ser mais fábulas do que história.346 Tal experiência teria desenvolvido em Patterson um compromisso semelhante ao de Pressler, ou seja, resistir ao liberalismo teológico e iniciar um movimento que proporcionasse a emergência

342 James Leo GARRETT. Baptist theology: a four century study, p. 494 343 Rob B. JAMES et al. The fundamentalist takeover in the Southern Baptist Convention, pp.40, 41. Rob James é professor adjunto do Baptist Theological Seminary em Richmond, em Virgínia. A declaração de Pressler “we need to go for the jugular” tornou-se o seu comentário mais famoso sobre a necessidade dos fundamentalistas conseguirem o controle da Convenção. Hefley descreve que a afirmação original de Pressler teria sido: “o sangue vital [da SBC] são os conselheiros [das Juntas]. Precisamos ir na jugular – precisamos direcionar nossos esforços em relação aos conselheiros [de nossas instituições].” Mas, de acordo com Rob James, Pressler teria completado a frase, dizendo que os fundamentalistas não poderiam permitir que os conselheiros ficassem “sentados lá como um bando de bonecos, ‘carimbando’ tudo que lhes seja apresentado.” Hefley afirma que, posteriormente, Pressler teria se explicado, dizendo: “Eu não estava me referindo a uma veia jugular real, literal de alguém (...) estava apenas tentando mostrar a fonte de força e poder, onde reside o sangue vital dos batistas do Sul.” James C. HEFLEY. The conservative resurgence, p.48; David STRICKLIN. A genealogy of a dissent, 1999 344 Howard GALLIMORE. Inventory to the Paige Patterson paper, pp.2,3 345 Dick J. REAVIS. The politics of Armagedon, pp. 245-246 346 James C. HEFLEY. The conservative resurgence, p. 31 105

fundamentalista e o controle da Convenção. E, de acordo com Garrett e Sutton, Patterson tornou-se o orador teológico e apologista deste movimento de mudança de rumo na Southern Baptist Convention.347 Em virtude da função destacada exercida por seu pai entre os batistas do Sul, Patterson teve uma formação não apenas na teologia batista, mas também na política intra- denominacional, tendo, desde cedo, oportunidades abundantes de contato com os maiores líderes da SBC. Na opinião de Sutton, o momento significativo de transfomação na vida e ministério de Patterson teria sido seu encontro em 1967 com Pressler, o que viria a ser “um prenúncio das coisas por vir.”348 Sobre o envolvimento e dedicação de Patterson na emergência fundamentalista, Pressler afirma que

A pessoa que mais sofreu durante os dias iniciais foi Paige Patterson. Ele estava constantemente sob ataque de pessoas que buscaram destruir seu ministério, para minar sua liderança no Criswell College e fazê-lo ser excluído dos compromissos como orador de eventos (...) Se existem dois notáveis heróis [do movimento de emergência fundamentalista], eles são Paige Patterson e sua esposa Dorothy, que lutaram contra tudo e todos. Ela ministrou fielmente ao lado do esposo com excelência e integridade. Eu estive no escritório de Paige em diversas ocasiões e vi os registros das ligações telefônicas daqueles dias. Cerca de trinta, quarenta ou cinqüenta chamadas por dia aguardavam o seu retorno. Fisicamente teria sido impossível atender às demandas impostas a ele, mas ele [Patterson] tem lidado bem com elas. Uma das razões pelas quais Paige e eu fomos bem-sucedidos é que, humanamente falando estávamos prontamente e totalmente à disposição de cada pessoa que desejasse contato [conosco].349

Em sintonia com Pressler, Whitley descreve um exemplo da oposição de que Patterson foi alvo, afirmando que

Apesar de Patterson dizer que sua motivação para lançar a incursão fundamentalista tenha sido simples – [a luta pela] pureza doutrinária – alguns poucos de seus críticos têm tomado isso como o valor prevalecente. ‘Eu não acho que Patterson seja dirigido por pureza doutrinária’, diz Ken [Chafin], que certa vez denominou [Paul] Pressler, [Paige] Patterson e [Adrian] Rogers de ‘três egos doentes’. ‘Ele está trabalhando a sua própria identidade, quem ele é. Quando era um seminarista, ele não era particularmente um estudioso da Bíblia. E não teria feito o curso, se não fosse a atuação de sua esposa. Paige é essencialmente um

347 James Leo GARRETT. Baptist theology: a four century study, p. 494; Jerry SUTTON. Op. cit., p. 78 348 Glenna WHITLEY. Baptist holy war, p. 63 349 Paul PRESSLER. Op. cit., p. 276 106

homem inseguro cuja insegurança o conduziu a fazer isso. Se Paige Patterson não tivesse um pai poderoso, nunca teríamos ouvido falar a respeito dele.’ 350

No entanto, conforme afirma Whitley, Patterson também possuía seus defensores. Segundo sua avaliação,

[James] Brooks, que estava na comissão de doutorado de Patterson no New Orleans [Baptist Theological] Seminary, concorda que era um briga de poder, ‘A questão teológica era apenas uma das questões.’ Mas ele não concorda com a avaliação de Chafin com relação às capacidades intelectuais de Patterson. ‘A defesa da tese de doutorado de Paige foi a mais brilhante que eu havia assistido’, diz Brooks.’351

Sem dúvida um dos atores principais da tomada de poder da ala inerrantista na Southern Baptist Convention, Patterson já tem sua biografia marcada na história da denominação. Quer seja como alvo de duras críticas de seus opositores ou por louvor dos simpatizantes de sua atuação à frente do movimento fundamentalista, que, de acordo com Sutton, lhe rendeu o título de Southern Baptist Loyalty e Southern Baptist Crown Prince 352, Paige Patterson, juntamente com Paul Pressler, conseguiu efetivar o planejamento estratégico iniciado em 1967, e que teve como um ponto marcante a assembléia anual da SBC de 1979, em Houston, Texas.

3.2 A efetivação da emergência fundamentalista

A assembleia anual da SBC de 1979, em Houston, Texas, marcou o início formal do que tem sido chamado de “ressurgimento conservador” ou “controle fundamentalista” da Convenção, de suas agências e instituições, ou, de acordo com Morgan, “The Second Crusade.”353 De certa forma, a Baptist Faith and Message Fellowship preparou o caminho para a emergência fundamentalista, funcionando como uma organização que difundia as

350 Glenna WHITLEY. Op. cit., p. 63. Ken Chafin (1927-2001) foi um líder da ala liberal da SBC que exerceu a docência no Southwestern Baptist Theological Seminary e no Southern Baptist Theological Seminary, as duas maiores instituições teológicas da Convenção. Adrian Rogers era um líder da ala fundamentalista e pastor da Bellevue Baptist Church, em Memphis, que foi eleito em 1979 como o primeiro presidente no início da implementação da emergência fundamentalista na SBC. 351 Glenna WHITLEY. Op. cit., p. 63 352 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 79 353 David T. MORGAN. Op. cit., pp.37-107 107

preocupações dos inerrantistas em relação ao status quo da denominação e arregimentava outros batistas do Sul que compartilhavam de tais preocupações. Além disso, esta organização também buscava arregimentar novas adesões aos seus ideais em todos os Estados do país. Como já sugerimos, os dois líderes fundamentalistas mais expressivos, Pressler e Patterson, rascunharam o projeto de emergência ainda em 1967, mas, de acordo com Morgan, teriam concordado que no período de 1967 a 1977 seus esforços haviam sido mínimos.354 A primeira vitória visível somente veio acontecer em 1979, em Houston, Texas, com a eleição de Adrian Rogers à presidência da SBC, em primeiro escrutínio.355 Para que conseguissem sucesso nessa empreitada, os fundamentalistas iniciaram sua ação cerca de dois anos antes do encontro dos batistas em Houston. Em 1977 foi lançada uma base importante para o alcance dos objetivos planejados. Sutton descreve que, no dia 06 de setembro daquele ano, Pressler escreveu uma correspondência a Bill Powell, líder da Baptist Faith and Message Fellowship. 356 Nesta ocasião, Pressler diria não acreditar

Em combater numa batalha a não ser que haja uma boa chance de ganhá-la. Se lutarmos e perdermos, perderemos credibilidade. Portanto, penso que é imperativo que planejemos, organizemos e efetivamente promovamos o que estamos tentando realizar antes que tentemos qualquer ação mais intensa (...) Eu acredito, portanto, que nosso planejamento e direção reais devem ser visando [a assembléia da SBC em] Houston, em 1979. Considerando isto, gostaria que formassemos uma comissão composta por duas mil pessoas comprometidas a trazer 10 pessoas além de si mesmas [à Houston]. Se tivermos a presença de vinte e dois mil de nossos mensageiros, podemos ser bem-sucedidos. Eu creio que temos que nos organizar agora, com um grupo de líderes para cada estado, cada um tendo um alvo de certo número de indivíduos que irão recrutar, os quais, então, irão recrutar dez outros. Estabeleceremos, assim, o alvo de certo número de pessoas vindo de cada Estado. Já fiz a lista das de Houston, com cinqüenta pastores ou leigos, de diferentes igrejas alistadas. Gostaria de sugerir em nosso encontro de dezembro que venhamos a adotar tal estratégia. Se adotarmos isto como um alvo específico na reunião de dezembro, poderemos começar a nos organizar imediatamente em Houston, contando com uma visita sua. Podemos selecionar vários líderes estaduais, e você teria diversos [contatos] para o próximo ano e meio [de preparação]. Se vamos realizar isto, será necessário este tipo de trabalho organizacional.357

No período que decorre entre esta correspondência de Pressler para Polwell e o inverno de 1979, ocorre uma transição neste processo de mobilização, com a Baptist Faith

354 David T. Morgan. Op. cit., p. 36 355 James Leo GARRET. Baptist theology: a four century study, p. 494 356 Morgan afirma que Pressler teria reconhecido que foi Powell que o persuadiu a se envolver na batalha para purificar a SBC do liberalismo. David T. Morgan. Op. cit., p. 36 357 Jerry SUTTON. The Baptist reformation, pp. 91-92 108

and Message Fellowship passando o “bastão da liderança” para uma coalizão informal de pastores e leigos, tendo como principais líderes, conforme já mencionado, Pressler e Patterson, então diretor do Criswell Bible Institute (mais tarde Criswell Center for Biblical Studies).358 Em março de 1978 estes dois líderes convidaram um grupo de pastores e leigos de vários Estados do Sul dos EUA para um encontro no Airport Ramada Inn, em Atlanta, Georgia, para uma reunião que lançaria o que mais tarde foi por eles qualificado como conservative resurgence. De acordo com Patterson, os

Conservadores concordavam que tinham uma escolha. Ou eles poderiam ficar esperando e assistindo a 14 milhões de membros e 38.000 igrejas da denominação ficarem cativos de uma panelinha de astutos ‘denominocratas’ político-religiosos ou então compartilhar suas preocupações com as pessoas nos bancos [das igrejas] e verificar se os programas e estruturas da denominação não deveriam ser corrigidos de acordo com uma linha ortodoxa e que estimulasse ao evangelismo. A maioria cria que se não agisse imediatamente, toda a esperança de resgatar a denominação de sua lenta e aparentemente inevitável tendência para a esquerda [liberal] seria perdida. A jangada denominacional já estava sendo arrastada pelas correntes de águas claras que impulsionaram os American Baptists, British Baptists, United Methodists e uma hoste de outras denominações para um ancoradouro bem distante dos abrigos de seus fundadores. Os participantes do encontro no Airport Ramada Inn estavam para iniciar seus esforços com o objetivo de informar aos batistas de seus Estados a respeito dos negócios da denominação, particularmente dos seus seminários. Eles iriam também estimular pessoas que se comprometessem a estar presentes na Convenção de 1979, em Houston, com o propósito de eleger um presidente conservador.359

Os presentes nos encontros da Baptist Faith and Message Fellowship, em Atlanta, em 1977 e 1978, não se revelaram publicamente por receio de que pudessem ser condenados ao ostracismo denominacional e ter suas carreiras ministeriais prejudicadas pelos líderes liberais que dirigiam a SBC. Hefley afirma que Pressler e Patterson além de serem os mentores intelectuais da emergência fundamentalista “concordaram em se tornar os alvos de um antecipado arsenal de críticas [dos liberais]. Pressler era um leigo, e não tinha ambições ministeriais. Patterson era diretor de uma faculdade independente,”360 não filiada à SBC. O grupo fundamentalista que se reuniu em Atlanta entendeu que Adrian Rogers reunia as melhores condições para ser eleito com presidente da SBC durante o encontro de Houston e,

358 Jerry SUTTON. Op. cit., p. 92 359 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, pp. 3-4 360 James C. HEFLEY. The conservative resurgence, p. 37 109

consequentemente, dar início ao processo planejado de captura do poder intra- denominacional. 361 Em maio e no início de junho de 1979, ao aproximar-se a assembléia da SBC em Houston, Pressler e Patterson intensificaram o seu lobby, enviando grande quantidade de correspondência para aqueles que haviam sido alistados para ajudar a direcionar a SBC a uma linha fundamentalista. As cartas possuíam dois objetivos. O primeiro deles, informativo, pois comunicavam o que precisava ser feito e o porque. O segundo objetivo era dar direcionamento prático sobre a participação dos batistas na assembléia. Em seu livro, Jerry Sutton expõe o texto de uma carta datada de 01 de maio de 1979, enviada por Patterson aos que haviam sido alistados para ajudar a levar mensageiros de vários Estados. Nesta carta, o líder fundamentalista escreve o seguinte:

Queridos companheiros-servos do Reino: Em menos de dois meses a mais significante assembleia de evangélicos a reunir-se neste ano acontecerá em Houston, Texas, para o 122º encontro da Southern Baptist Convention. Este ano pode ser o mais crucial encontro de todos. A maioria de nossos líderes deseja ser fiel às Escrituras. No entanto, muitos destes aparentemente acreditam que a Convenção está dividida até mesmo em relação à lealdade de nossas organizações internas às crenças históricas dos batistas na plena autoridade (inerrância e infalibilidade) da Bíblia. Finalmente, assegurar o futuro de nossas escolas, instituições e agências batistas do Sul depende de pressionarmos os líderes com o que acreditamos ser a opinião da maioria esmagadora dos batistas. Para alcançarmos isto, precisamos ter uma assembleia representativa de batistas nesta Convenção. Isto somente pode ser conseguido se nos esforçarmos árdua e diligentemente para encorajar aqueles que são comprometidos com a inerrância. Eu quero solicitar-lhes com urgência, meus irmãos, que devotem o tempo que lhes for possível durante o próximo mês para assegurar a participação de grande quantidade de leigos e pastores como mensageiros à [assembleia da] Southern Baptist Convention. Se não desejamos que a nossa denominação continue sua decadência doutrinária presente, seguindo o muito bem conhecido caminho da maioria das denominações dos EUA, precisamos agir decisivamente agora! Questões sérias em muitas faculdades, universidades e agências têm chamado a atenção de nosso povo. Talvez, pela providência de Deus, agora seja o tempo para ser exposta a convicção da maioria dos batistas do Sul. Vinte e cinco Estados têm líderes trabalhando com grandes grupos para estimular a inscrição e assegurar a eleição de oficiais da Convenção inalteravelmente comprometidos com a fé histórica do Novo Testamento e dos batistas, incluindo a Bíblia como sendo ‘sem mescla de erro.’ No entanto, tão ampla quanto nossa base para preocupação, o próximo mês é crucial. Eu percebo que você se sentirá profundamente direcionado pelo Senhor a se unir a nós neste esforço renovado com o objetivo de auxiliar a grande maioria dos batistas a expressar à nossa assembleia reunida em Houston sua determinação de manter a

361 R. Albert MOHLER. The Southern Baptist reformation – a first-hand account. Disponível em: < http:// www.albertmohler.com/2006/06/14/the-southern-baptist-reformation-a-first-hand-account/>. Acesso em 06.04.2010 110

Convenção leal a uma Bíblia inerrante como a única regra de fé e prática. Até que Ele [Jesus] venha. Paige Patterson362

Ganhar a presidência era objetivo principal dos fundamentalistas na assembléia da SBC de 1979. E dependiam do sucesso do lobby realizado para motivar, mobilizar e convencer os mensageiros do valor de sua causa. O clima era tenso, ainda mais com o número grande de mensageiros que afluiu àquele encontro, o que denotava que algo diferente estava por acontecer. O coração daquela assembleia seria a eleição do presidente, poder que se encontrava nas mãos, ou melhor, nos votos dos mensageiros designados pelas igrejas como seus representantes. Seis candidatos foram apresentados para disputar a preferência dos votantes.363 Dentre estes, o candidato da emergência fundamentalita, Adrian Rogers. No entanto, segundo Ammerman,

O que os mensageiros de fato apreciavam era o carisma de Adrian Roger. Seus belos ternos negros, sua voz aveludada e sólida fé bíblica fizeram dele o queridinho dos conservadores. O reverendo W. A. Criswell, ardente fundamentalista e patriarca da First Baptist Church of Dallas, disse a uma multidão entusiasmada de dez mil pastores conservadores no Houston Hall: ‘Nós teremos um grande momento aqui, não por outra razão senão a de eleger Adrian Rogers como nosso presidente’.364

Ao obter 51,36% dos votos, Adrian Rogers foi eleito em primeiro escrutínio, o que surpreendeu a Convenção, pois, como menciona Shurden “uma eleição presidencial da SBC decidida em primeiro escrutínio era algo raro, senão inaudito.”365 Sutton nos faz saber que em uma entrevista a Louis Moore, editor de religião do Houston Chronicle, Rogers disse que no exercício do poder, o seu gabinete presidencial iria esclarecer alguns sérios problemas doutrinários da SBC. Suas nomeações às posições de poder na Southern Baptist Convention, disse ele, seriam apenas daqueles que cressem na Bíblia como a inerrante Palavra de Deus. Segundo Sutton, Rogers prometeu “estabelecer parâmetros que irão finalmente escolher conselheiros (da Convenção, seminários e agências) que são fervorosos, evangelísticos e conservadores.” 366

362 Jerry SUTTON. Op. cit., pp. 93-94 363 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 84 364 N. T. AMMERMAN. Southern Baptists observed, p. 15 365 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 84 366 Jerry SUTTON. Op. cit., pp. 101-102 111

Avaliando a eleição de Rogers, Hefley comenta que ela

Marcou o final de uma era na qual a Convenção e seus presidentes eleitos tinham sido manipulados nos bastidores por um grupo que era mais interessado em manter a máquina denominacional funcionando sem percalços e receber o dinheiro do Plano Cooperativo do que com a pureza doutrinária. Apesar da maioria dos batistas do Sul não perceber ainda, uma nova liderança já havia adentrado suas portas. Eles não teriam a maioria dos conselheiros nas juntas e comissões denominacionais durante vários anos, mas estavam caminhando nesta direção. Na frente estava Adrian Rogers. Ao seu lado estavam Paige Patterson, o teólogo do movimento e Paul Pressler, o estrategista. Outros se juntaram rapidamente, incluindo os futuros presidentes da SBC Bailey Smith, Jimmy Draper, Charles Stanley, Jerry Vines e Morris Champman. Todos estavam comprometidos em realizar na próxima década o que incontáveis resoluções, moções e sermões haviam sido incapazes de conseguir na metade anterior do século (...). Em 1979 pouca análise foi feita em relação às razões e conseqüências da eleição de Adrian Rogers. Vários moderados e executivos de agências [da SBC] não estavam muito preocupados enquanto deixavam os hotéis. ‘Ah, isso vai passar; é semelhante ao caso antigo de Norris,’ alguns comentavam tranqüilizando-se (...). De repente um jovem professor de história da igreja, do Southern [Baptist Theological] Seminary começou a gritar: ‘Fogo! Fogo!’ Um dos líderes antigos tranqüilizou-o. ‘Walter [Shurden], você não tem idade suficiente para lembrar; nós já vimos isso antes e veremos novamente; não fique muito nervoso com isso.’ O que os líderes antigos haviam visto antes não seria comparável com o que veriam nos anos seguintes, à medida que o ressurgimento conservador invadiu cada instituição e agência [da SBC].367

Os liberais entenderam que o encontro da SBC em Houston havia apresentado dois elementos importantes que merecem destaque: o conceito de inerrância e a suposta orquestração a partir das sky boxes.368 Os batistas do Sul fundamentalistas teriam utilizado o conceito de inerrância à sua compreensão da Bíblia, algo novo no contexto da SBC. No seu entendimento, desde 1650 o termo mais utilizado pelos batistas para descrever seu ponto de vista acerca das Escrituras era “infalível”. No entanto, o termo “inerrância” já estaria implícito na declaração doutrinária de 1833, chamada New Hampshire Baptist Confession of Faith, através da frase que declarava a Bíblia como sendo a “verdade sem qualquer mescla de erro”, que também veio a ser incorporada às edições de 1925 e 1963 da declaração de fé Baptist

367 James C. HEFLEY. The Conservative resurgence, pp. 40-41. O “caso de Norris”, a que a citação faz referência, diz respeito ao ocorrido na década de 1920, envolvendo o pastor batista do Sul J. Frank Norris (1877- 1925). O fundamentalista Norris acusou de forma intensa e persistente diversas pessoas e instituições da SBC de liberalismo teológico, desafiando os lideres batistas do Sul a investigarem tal prática. A atitude de Norris causou um grande mal estar na denominação.Bill J. LEONARD. Baptist ways, p. 402 368 Sky boxes eram suítes executivas que foram emprestadas por amigos do Juiz Pressler para serem utilizadas por líderes fundamentalistas durante a histórica assembléia da SBC em Houston, em 1979, com o objetivo de articular em espaços fechados as ações realizadas no âmbito aberto da plenária convencional. James C. HEFLEY. The Conservative resurgence, p. 38 112

Faith and Message. Assim sendo, a liderança inerrantista defendeu e insistiu na importância do uso explícito do termo, o que contribuiu para que esta fase de ascensão fundamentalista viesse a ser posteriormente chamada de “controvérsia da inerrância”.369 A alegação de uma suposta orquestração do processo eleitoral em Houston a partir das sky boxes, surgiu em virtude da percepção patente de que houve uma campanha política bem organizada, usando recursos técnicos de controle de reuniões plenárias tipicamente políticas, para obter o controle da SBC. Na verdade, o batista do Sul liberal Jimmy Allen já havia utilizado tais recursos de forma aberta em sua campanha pela presidência da SBC, apenas dois anos antes. Pressler e Patterson foram acusados de estar dirigindo a participação fundamentalista em 1979 a partir das sky boxes situados no andar acima do local onde ocorria a assembleia da SBC. Pressler defendeu-se, afirmando que tais acusações eram insustentáveis.370 Desde este encontro em Houston a ala inerrantista da denominação prevaleceu nas eleições da SBC. Houve uma sucessão ininterrupta de presidentes fundamentalistas. Cada um nomeou mais pessoas fundamentalistas, os quais, por sua vez, nomearam outros que nomearam os conselheiros, e estes elegeram os líderes das agências e presidentes de instituições, incluindo os dos seminários e seus corpos docentes.371 Desta forma, os membros da coalizão Pressler-Patterson mudaram lentamente a SBC através da ocupação de cargos por pessoas de posicionamentos muito mais conservadores em diversas agendas sócioculturais e políticas. Por volta de 1989 quase cada junta da SBC era majoritariamente composta por fundamentalistas e conservadores,372 numa demonstração patente de que o planejamento estratégico da corrente inerrantista havia funcionado no prazo imaginado. Shurden nos faz saber que “A multidão de Criswell também teve ‘um grande momento’ no restante da década, elegendo de forma bem-sucedida candidatos à presidência pelos próximos onze anos (...). Estas eleições presidenciais mudaram a vida da SBC? Quase toda! Eles mudaram quase tudo porque os batistas do Sul questionaram quase tudo durante este período.” 373 Com base em sua própria vocação fundamentalista, Patterson descreve as conseqüências da ascensão dos inerrantistas ao poder nos seguintes termos:

369 S.S. HILL et al (ed.). Op. cit., p. 747 370 Paul PRESSLER. Op. cit., pp. 99,100 371 R. Albert MOHLER. The Southern Baptist reformation – a first-hand account. Disponível em: < http:// www.albertmohler.com/2006/06/14/the-southern-baptist-reformation-a-first-hand-account/>. Acesso em 06.04.2010 372 Rob B. JAMES et al. Op. cit., p. 41 373 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 84 113

Quais são os resultados? Ao final de 25 anos de avanço conservador, novos executivos comprometidos com o ressurgimento e a inerrância das Escrituras têm sido colocados em todas as agências e instituições. Cada Junta de conselheiros é decididamente conservadora. As ofertas têm alcançado os níveis mais altos dos anos recentes. Os seis seminários [da SBC] tiveram um aumento de matrículas de 10.000 para 15.000 alunos. Os programas missionários e as ofertas continuam a crescer com mais de 5.000 missionários de carreira atualmente nomeados e presentes em mais de 180 países. Dezenas de novos professores de mentalidade evangélica estão assumindo lugar nos corpos docentes dos seminários. A Sunday School Board (atualmente denominada LifeWay Christian Resources) autorizou que o The New American Commentary seja escrito somente por aqueles que possam subscrever a Chicago Statement on Bilbical Inerrancy.374

Após acrescentar a revisão completa da declaração doutrinária como o mais recente avanço do movimento que dirigiu e que levou à aprovação da Baptist Faith and Message 2000, Patterson afirma que “poucas denominações, uniões ou Convenções retraçaram seus passos e retornaram à fé de seus pais fundadores”375 como os batistas do Sul fizeram. Em discordância com a posição dos inerrantistas, Rob James propõe uma avaliação do período de ascensão ao poder dos fundamentalitas em seu livro The Fundamentalist Takeover in the Southern Baptist Convention, de 1989. No seu entendimento estes são os “desacertos” da gestão fundamentalista: uma interpretação bíblica que inferioriza a mulher, apresentando-a como inapta ao exercício da liderança eclesiástica e tendo o homem como seu superior ordenado por Deus; admissão exclusiva de batistas alinhados com a ala inerrantista nas agências da SBC; criação do Peace Committee da SBC, dominado por fundamentalistas; elevação do pastor à função de autoridade suprema para interpretar a Bíblia nas igrejas; pressão sobre funcionários liberais da SBC no sentido de que se aposentassem ou se demitissem (caso contrário, seriam destituídos de suas funções); adoção no ano 2000 de uma nova declaração de fé, a Baptist Faith and Message 2000, que transformava o documento em credo; solicitação aos missionários da Convenção no país e no exterior que subscrevessem a

374 Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, pp. 13-15. The New American Commentary é o mais recente comentário da Bíblia lançado pela Sunday School Board, publicadora da SBC, após a emergência fundamentalista. Composta de 40 volumes, a coleção parte da premissa de que a Bíblia é inerrante. Este novo comentário bíblico surgiu para substituir o polêmico The Broadman Bible Commentary, considerado pelos inerrantistas como material de tendências teologicamente liberais. James C. HEFLEY. The conservative resurgence, p. 104; David T. MORGAN. The new crusade, the new holy land, p. 187; e Nancy Tatom AMMERMAN. Southern Baptists observed, pp. 286, 287. The Chicago Statement on foi um documento formulado em outubro de 1987, em Chicago, EUA, por mais de 200 líderes evangélicos em uma conferência patrocinada pelo Concílio Internacional de Inerrância Bíblica. A referida declaração foi composta para defender a posição inerrantista da Bíblia contra concepções entendidas como teologicamente liberais em relação às Escrituras. Normas L. GEISLER. Inerrancy, p. 493 375 Ibid, p. 15 114

nova declaração doutrinária, caso contrário, seriam taxados de liberais e, conseqüentemente, demitidos; e a desfiliação da SBC da Baptist World Alliance alegando que a organização estaria apoiando consagração feminina ao ministério pastoral, tendo atitudes antiamericanas e apresentando tendências teologicamente liberais.376 Tal avaliação demonstra com clareza que a discordância entre os opositores tornou- se irreconciliável, e em função deste cenário mais uma cisão ocorreu na vida dos batistas do Sul dos EUA. Em 1986, após a reunião anual da SBC em Atlanta, Georgia, um grupo relativamente pequeno de liberais insatisfeitos concluiu que o domínio fundamentalista na SBC era irreversível e decidiu deixar a denominação. Em um encontro em Charlotte, na Carolina do Norte, decidiram organizar uma nova denominação, a Southern Baptist Alliance, com o objetivo de preservar o que entendiam ser os princípios batistas históricos.377 De acordo com Ammerman,

A Southern Baptist Alliance emergiu. A SBA descreveu-se como uma ‘aliança de pessoas e igrejas dedicadas à preservação de princípios, liberdades e tradições históricos dos batistas, e dar continuidade aos nossos ministérios e missão no âmbito da Southern Baptist Convention.’ São compromissos com a liberdade do indivíduo, a igreja local, o ecumenismo, uma liderança serva, educação teológica, evangelismo e uma igreja livre em um Estado livre.’ Em parte, a agenda foi determinada contra a ‘coalizão Pressler-Patterson-Rogers.’ Criada para ‘propiciar um tempo e espaço para os Batistas do Sul que comungam da mesma opinião se encontrarem para desfrutar de comunhão e apoio mútuo e de um refúgio de amargura e sentimentos facciosos,’ a SBA tinha mais de setenta mil membros e aproximadamente cento e vinte e cinco congregações em março de 1991.’378

Como se isto não bastasse, outro cisma na SBC aconteceu em 1991, quando, após dois encontros em Atlanta, um grupo de batistas do Sul liberais, agora em um número

376 Rob B. JAMES et al. Op. cit., pp. 12, 13, 44. Peace Committee foi uma comissão formada pela SBC em 1985 com o objetivo de investigar o conflito crescente na denominação e apresentar recomendações para solucionar o problema. De acordo com Rob James, a referida comissão, apesar de composta por lideres fundamentalistas e liberais, foi controlada pelos primeiros, e acabou falhando em seus propósitos. Paige PATTERSON. Anatomy of a reformation, p. 44. A Baptist World Alliance (BWA) é uma aliança mundial de igrejas e organizações batistas, formada em 1905, em Londres, Inglaterra, durante o primeiro congresso batista mundial. Atualmente a BWA congrega 221 grupos batistas que representam mais de 40 milhões de membros em mais de 200 países, formando uma comunidade de aproximadamente 105 milhões de pessoas, sem considerar a SBC, de acordo com estatísticas recentes da organização. Os alvos estabelecidos pela BWA são: unir os batistas de todo o mundo, liderar a evangelização mundial, atender aos necessitados e defender os direitos humanos. Stanley J. Grenz. The Baptist congregation, p. 98; Marc A. JOLLEY & John D. PIERCE. Distinctively baptist essays on baptist history, p. 47; Ronnie PREVOST. A distinctively Baptist church, p. 7 377 Alan P. NEELY. The history of the alliance of Baptists. In: Walter B. SHURDEN & Randy SHEPLEY Randy (ed.) The struggle for the soul of the SBC, pp.101-128 378 William H. BRACKNEY. The a to z of the Baptists, p. 6. 115

expressivo, formou a Cooperative Baptist Fellowship (CBF). A princípio o objetivo apresentado pelos seus organizadores era o de ser um grupo de “comunhão dentro da Convenção”, para “distinguir os batistas do Sul moderados dos batistas do Sul fundamentalitas”379. Mas esta estratégia não deu certo, e, por fim, a CBF separou-se da SBC formando uma denominação à parte, tornando-se a agência unificadora alternativa para a causa liberal no âmbito político norte-americano, em contraposição à SBC que hoje atua como catalisadora das expectativas fundamentalistas. O historiador norte-americano George Marsden faz uma observação relevante sobre o envolvimento direto de religiosos no cenário político dos EUA, ao afirmar que

Muitos observadores parecem supor que a entrada de fundamentalistas e evangélicos na política seria uma saída do American Way. De fato, no entanto, para o bem ou para o mal, a combinação de religião e política sempre foi uma parte da herança política norte-americana. Talvez, portanto, as recentes investidas políticas fundamentalistas e evangélicas possam ser mais bem entendidas como um reavivamento de uma das maiores tradições políticas da nação. Na era colonial da América supunha-se que religião e política andavam juntas. Nações ocidentais haviam organizado igrejas e a religião era freqüentemente uma parte integrante da identidade nacional de uma pessoa. Através de toda a era colonial um tema político central era a guerra fria entre protestantes e católicos. As colônias britânicas eram postos avançados do protestantismo num hemisfério predominantemente católico. A profunda rivalidade entre católicos e protestantes dominou o pensamento norte- americano da mesma forma que a Guerra Fria entre nações marxistas e não- marxistas dominou a política mundial por décadas após a Segunda Guerra Mundial.”380

Certo é que as concepções religiosas fundamentalistas exerceram papel preponderante no espaço público e no político norte-americano no período estudado em nossa pesquisa. Paul Pressler narra um fato que ilustra bem esta afirmação:

Um dia no início da década de 1980, enquanto eu jantava com um proeminente e respeitado homem de negócios de Houston, ele fez um comentário que adicionou uma nova dimensão ao meu entendimento do conflito na Southern Baptist Convention. Ele me disse acreditar que o movimento conservador que estava buscando reconduzir a SBC à suas raízes teológicas era o mais importante evento ocorrendo no mundo naquele tempo. Já que eu o conhecia como uma pessoa não dada a exageros, protestei. Ele explicou que considerava os batistas do Sul como o último grupo religioso que possuía força suficiente para evitar que nosso país se desviasse para o relativismo e falência moral que finalmente dirigiria a um colapso interno. E prosseguiu afirmando que os Estados Unidos eram o líder mundial na

379 Walter B. SHURDEN & Randy SHEPLEY Randy (ed.). The struggle for the soul of the SBC, p. 309 380 George MARSDEN. Understanding fundamentalism and evangelicalism, p. 85 116

causa da liberdade e que se falhassemos como nação, o mundo cairia sob o controle de um ou mais sistemas totalitários – quer fosse o comunismo, fascismo, fundamentalismo islâmico ou algum outro tipo de despotismo. Este foi um comentário sensato (...) O movimento conservador na SBC não foi motivado por política secular, mas à medida que ele alcançou êxito, de fato teve ramificações sociológicas e políticas. Em virtude da Southern Baptist Convention ser tão grande e todos os grupos batistas juntos somarem aproximadamente 20 por cento da população dos Estados Unidos, os fatos ocorridos nos círculos batistas não podem deixar de influenciar o resto da nação. Basta apenas que se olhe para a demografia da composição religiosa da América do Norte para que se perceba quão profundamente influentes são os batistas do Sul na região que vai da Virgínia ao Texas. Nesta área os batistas compreendem mais do que 50 por cento da população da maioria dos distritos. Embora isto inclua vários tipos de batistas, os batistas do Sul são de longe a maior e mais influente denominação. A forma como os batistas do Sul pensam é muito importante para os demais [grupos] (...) A emergência da liderança conservadora entre os batistas do Sul tem ajudado [os pastores] a compreender questões e então votar politicamente de forma mais conservadora. A revolução que mudou o Congresso em 1994 e elegeu não apenas republicanos, porém, mais importante, muito mais cristãos evangélicos, causou um efeito profundo na nação. Muito do ganho republicano ocorreu em áreas de forte influência batista. Esta revolução continuou nas eleições do congresso de 1996. A possibilidade de sua continuidade é bem maior do que alguns entendidos imaginariam. Uma mudança de pensamento de um número grande de pessoas foi a base deste levante político. Logo, um efeito imprevisto do movimento conservador na Southern Baptist Convention pode ser um longo período de mudança no clima político e no pensamento de ordem pública de alguns norte-americanos. 381

TERCEIRA CONCLUSÃO PARCIAL

Considerando o que expusemos até aqui, não deve ser motivo de surpresa o envolvimento dos batistas do Sul no cenário político e no espaço público norte-americano no período estudado. No final da década de 1970 e nos dez anos que se seguiram, período da emergência fundamentalista na SBC, diferentes segmentos estavam cada vez mais publicamente preocupados com o fato da nação norte-americana ter supostamente se afastado muito rapidamente de suas raízes e valores culturais e religiosos tradicionais, em torno dos quais gravitavam a família, o lar e a igreja. Segundo Donaldson estes segmentos “concebiam que sua nação estava sendo destruída por crimes, conflitos raciais, pornografia, ateísmo e uma queda geral em imoralidade,” que eram questões semelhantes às levantadas no ambiente intradenominacional da SBC. 382 Logo, percebemos que, concomitantemente ao esforço empreendido internamente na SBC no sentido de “purgá-la” de suas tendências teológicas (e políticas) liberais, os mesmos

381 Paul PRESSLER. A Hill on wich to die, pp. 245-248 382 Gary DONALDSON (ed.). Modern America: A Documentary history of the nation since 1945, p. 289 117

atores empreenderam uma missão semelhante no âmbito mais amplo do espaço público, objetivando ações tipicamente políticas para “purificar” a sociedade dos efeitos supostamente deletérios do modernismo e usando algumas das ferramentas semelhantes, como a suposta supremacia dos ensinamentos bíblicos enquanto orientações normativas para toda a sociedade, o carisma de seus oradores e instrumentos próprios de lobby político. Os fundamentalistas, organizados politicamente em movimentos e organizações tais como a Moral Majority, que reunia significativos e diferentes segmentos denominacionais e sociais religiosamente orientados, eram do parecer que a sociedade norte-americana encontrava-se sob a ação de “grandes males” que estariam supostamente ameaçando seu país. À luz dessa suposta realidade, concluíram pela necessidade de participação na arena política de modo explícito, guiados por um ideal teológico-político e uma orientação eminentemente ativista, que atualmente implica em uma ativa e constante inserção partidária ao ponto de poder se falar, como o faz Oran Smith, na ascensão de um “republicanismo batista” nos EUA.383 Em sintonia com a avaliação de Pressler, Smith afirma que os batistas do Sul envolveram-se de forma especial com o partido republicano, dando à luz um

republicanismo batista [que] contém tanto um elemento teológico (um amalgama de crenças religiosas conservadoras com numerosos antecedentes históricos), quanto um elemento ideológico (uma mistura de conservadorismo político e fatores culturais). Juntos eles representam um movimento para ‘restaurar’ a forma antiga da SBC (diante das reformas moderadas). Os políticos conservadores salientam os mesmos temas apresentando suas ‘reivindicações.’384

383 Oran P. SMITH. Op. cit., p. 2 384 Ibid, p. 51 118

CONCLUSÃO FINAL

Dentre as teorias apresentadas para origem dos batistas a mais plausível é a que defende que este grupo surgiu no âmbito do separatismo inglês. A aceitação da consistência desta teoria denominada “puritano-separatista” dá sustentação à afirmação de que os batistas são cismáticos desde sua origem, o que tem resultado em constantes divisões.385 Seus fundadores, John Smyth e Thomas Helwys, iniciaram sua jornada religiosa como anglicanos, optaram posteriormente pelo puritanismo e depois se tornaram separatistas. Enquanto tais foi que organizaram em Amsterdã o grupo que veio a ser conhecido como a primeira Igreja Batista da história. No entanto, ainda na Holanda desentenderam-se, e o grupo dividiu-se, com Helwys retornando à Inglaterra juntamente com aqueles que não concordavamn com Smyth, o qual, por sua vez, desejava continuar sua jornada religiosa unindo-se, agora, aos menonitas.386 Vindos do continente europeu, fugindo de perseguição da parte das igrejas oficiais, os batistas estabeleceram-se na Nova Inglaterra. Lá se desenvolveram e, após algumas cisões vivenciadas ao longo de sua existência, uma de suas ramificações, a Southern Baptist Convention, ela mesma organizada em 1845 como fruto da cisão decorrente do combate entre batistas norte- americanos escravagistas e abolicionistas, veio a se tornar uma denominação numericamente grande, poderosa e influente, inclusive no cenário político dos EUA, fato peculiar na história dos batistas que recentemente completaram quatrocentos anos. 387 Nesta pesquisa buscamos apresentar a mais recente cisão entre fundamentalistas e liberais no âmbito desta que é considerada a maior denominação cristã não-católica do mundo. Vimos que apesar do primeiro grupo chamar o seu próprio movimento de “ressurgimento conservador,” uma melhor qualificação deste evento é vê-lo como uma verdadeira “emergência fundamentalista” no âmbito da SBC, considerando que as características inéditas do planejamento, da concepção teológica e da política institucional implementados pelos inerrantistas bíblicos que articularam a coalizão Pressler-Patterson não podem ser identificadas como um simples renascimento de uma prática baseada numa

385 William H. BRACKNEY. Baptists in North America, p. 260 386 W. Glenn JONAS (ed.). Op. cit, p. 130 387 Paul PRESSLER. Op. cit., pp. 246-247 119

teologia conservadora. Mais do que isto, esta emergência significa uma reorientação teológico-política e partidária da SBC. Tendo sido organizada na metade do século XIX em um ambiente que favorecia a perspectiva teológica protestante conservadora, a SBC enfrentou no decorrer do tempo mudanças contextuais de ordem sócio-cultural e religiosa que afetaram e desafiaram seu modo de ser, seus planos de ação e suas perspectivas teológicas em face de uma nova realidade que lhe impôs a necessidade inevitável de convivência, adaptação, rejeição ou assimilação de novas concepções teológicas, sociais, morais religiosas que paulatinamente surgiram no âmbito da sociedade norte-americana, a partir do final do século XIX. Quando os batistas do Sul se depararam com a abordagem histórico-crítica, a filosofia existencialista, a teoria da evolução das espécies e o estudo das religiões comparadas, tiveram que enfrentar um contexto que questionava a até então suposta infalibilidade bíblica e superioridade da religião cristã.388 A perspectiva teológica modernista-liberal chegou aos EUA trazida pelos simpatizantes e defensores desta corrente após estudos realizados principalmente na Alemanha, tendo se expandido primeiramente no norte do país, encontrou também acolhida na região do Sul conhecida como Bible Belt, e, particularmente, na SBC. Aderindo à perspectiva teológica liberal, a burocracia desta instituição passou a difundi-la, especialmente através dos seis seminários teológicos da denominação. Até mesmo alguns conservadores beneficiados pela máquina da Convenção contribuíam para esta difusão, baseando-se na estratégia de “unidade em meio à diversidade”, permitindo, assim, a presença de opções teológicas diferentes e mantendo, por conseguinte, o status quo da Southern Baptist Convention.389 Conduzidos pela coalizão Pressler-Patterson, os insatisfeitos fundamentalistas da SBC implementaram um planejamento estratégico iniciado em 1967, mobilizaram-se e conseguiram, de forma surpreendente, reverter um quadro aparentemente imutável de rígido e longo domínio liberal. Após um período de dez anos de vitórias consecutivas, iniciado com a eleição do Adrian Rogers à presidência da denominação em 1979, em Houston, os inerrantistas bíblicos conseguiram assumir a liderança de cada organização interna da Convenção através da atuação da maioria de membros nos conselhos de suas Juntas, alinhados com sua filosofia.

388 J. T. DRAPER & K. KEATHLEY. Op. cit., p.11 389 C. Douglas WEAVER. Op. cit., p. 193 120

Qual a questão central da controvérsia fundamentalista-liberal? Cada grupo apresentou um ponto de vista. De acordo com Shurden,

Os fundamentalistas desejam que você acredite que foi simplesmente uma questão de que eles criam na Bíblia e os moderados não. Isto foi e é uma fraude. Todavia, certamente há uma diferença entre os dois grupos com respeito à Bíblia. Os moderados, por outro lado, interpretaram o conflito nos primeiros anos quase exclusivamente como uma luta política pelo poder (...) levada a cabo por pessoas que nunca haviam contribuído financeiramente para a denominacão, organizado instituições ou participado de programas convencionais. [Esta] era uma visão limitada, apesar de a história confirmar que, obviamente, continha uma grande parcela de verdade. Os fatos desmonstraram, posteriormente, que os fundamentalistas desejavam muito mais do que a paridade [com os moderados] como afirmavam nos primeiros anos [da controvérsia]. Eles queriam controlar a denominação com mão de ferro, sem [a presença] dos moderados.390

Em sintonia com a teoria desenvolvida pelo sociólogo norte-americano James Davidson Hunter, Walter B. Shurden declara que o ocorrido no âmbito da SBC pode ser pensado com base no conceito de “guerras de culturas.”391 De acordo com Shurden,

O que aconteceu foi um choque de culturas batistas (...) A batalha da SBC na década de 1980 não era meramente uma reflexão mais ampla da guerra de culturas que ocorria na América do Norte naquele tempo. Os ingredientes específicos ‘batistas’ tornaram este conflito distinto. Por exemplo, algumas pessoas que se identificaram com a causa moderada eram teologicamente confortáveis com os fundamentalistas. Por que, então, se identificaram com os moderados? A resposta: por causa dos ingredientes ‘batistas’ no conflito. Estes ingredientes (...) incluíram o que os historiadores chamam de ‘princípio voluntário’ na religião e características cardeais batistas desenvolvidas deste principio: o sacerdócio de todos os crentes, anti-credalismo, autonomia congregacional, liberdade religiosa e separação entre igreja e estado (...). Foi um ‘choque de culturas’ batistas, uma colisão frontal entre ideologias rivais e visões conflitantes. Visões conflitantes de que? De quase tudo.392

390 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 86 391 Sobre Hunter, ver . Acesso em: 31.10.2011. Consideramos o conceito de “guerras de culturas”, tal como elaborado pelo sociólogo norte-americano James Davidson Hunter, professor de Religião, Cultura e Teoria Social na Universidade de Virgínia, nos EUA e também diretor do Instituto de Estudos Avançados em Cultura, da mesma universidade. Em seu livro de 1991, Culture wars: The Struggle to Define America, Hunter faz uma análise histórica das divisões culturais que marcaram a vida e política norte- americana nas décadas finais do século XX para estabelecer sua tese segundo a qual se encontra em curso nos EUA uma guerra cultural que provoca “repercussões não apenas no âmbito da política pública, mas também no âmbito geral das vidas dos norte-americanos, estejam onde estiverem.” Para Hunter o conflito cultural nos EUA é o resultado de uma “hostilidade política e social enraizada em diferentes sistemas de entendimento moral em que cada ponto-de-vista deseja dominar os demais.” James Davidson HUNTER. Cultural wars, pp. 34, 42 392 Walter B. SHURDEN. Not a silent people, p. 86 121

As discordâncias entre os batistas do Sul fundamentalistas e liberais eram de ordem (1) ética - sobre as implicações da liberdade religiosa e separação entre igreja e Estado; (2) histórica e denominacional - pois os dois grupos disputavam a autoridade para orientar a vida batista do Sul, sua crença, intenções e propósitos. Os moderados afirmavam ser contrários a credos teológicos, controle excessivo e acreditar que o propósito da SBC era funcional. No entanto praticava a política de “o vencedor leva tudo”, na qual controlavam as notícias veiculadas pelo canal oficial da Convenção, a Baptist Press e o conteúdo da literatura publicada pela Baptist Sunday School Board, a editora da denominação. Já os fundamentalistas, que acusavam seus opositores liberais de estarem propondo o que entendiam ser, na realidade, uma “anarquia teológica” mascarada de liberdade de consciência, também se declararam como não credais. No entanto, sua concepção de inerrância teria acabado por “credalizar” a denominação, especialmente com o lançamento da Baptist Faith and Message 2000. (3) missiológica – os oponentes diferiam sobre as credenciais teológicas para a indicação e propósitos vocacionais dos missionários da Convenção. Isto levou a um conflito pelo domínio das duas agências missionárias importantes da SBC: Foreign Mission Board e Home Mission Board. (4) política - Os batista do Sul liberais interpretaram a investida inerrantista na política como uma postura que se encontrava em patente desacordo com o princípio batista de separação entre igreja e Estado. Além de divergirem nas perspectivas teológicas, os oponentes também tinham pontos de vista e preferências políticas diferentes. Percebemos que o envolvimento direto de religiosos no cenário político-partidário dos EUA é algo que faz parte da história daquele país, integrando o American Way, compondo a herança política norte-americana. Logo, não nos causa espécie o fato dos fundamentalistas daquele país terem se envolvido direta e ativamente no cenário político, buscando, a partir da captura do poder político, fazer das orientações particulares de sua concepção religiosa algo que deveria ser acatado por todos no espaço público. Tal ação foi interpretada pelos fundamentalistas como sendo benéfica a uma sociedade que supostamente encontrava-se em profunda decadência em virtude da ação de “grandes males” que precisavam ser expurgados. 393

393 Paul PRESSLER. Op. cit., pp. 245-248 Em nossa tese de doutorado intitulada provisoriamente como “Jerry Falwell e a Maioria Moral: Um Estudo Sobre a Relação Entre Religião e Política no Espaço Público Norte- americano Entre 1979 e 1989” buscaremos tratar com mais profundidade o envolvimento de representantes da denominação batista na chamada Nova Direita Cristã.

122

Tal proliferação de pontos de vista divergentes fez com que se tornasse inevitável mais uma cisão nos arraiais batistas do Sul. A partir da efetivação dos fundamentalistas no controle denominacional, não restou outra opção aos liberais senão deixar a denominação que se constituíra em um ambiente hostil para eles. Tal saída se deu em dois momentos, primeiramente através da Alliance of Baptists, e, posteriormente da Cooperativa Baptist Fellowship.394 Em meio a tantas divergências, os fundamentalistas e liberais tinha algo em comum: o desejo de “provar a racionalidade de seus sistemas.”395 Os batistas do Sul inerrantistas são ao mesmo tempo um movimento sectário que se posiciona contra a cultura secular dominante, exigindo várias formas de ortodoxia, e também um sistema protestante vinculado à cultura, que incorpora elementos desta cultura, ao tempo em que busca dominá-la.396

Atualmente muitos batistas fundamentalistas parecem não ter decidido se são dissidentes, posicionando-se contra o secularismo que acreditam ser o sistema religioso não-oficial de uma nação cada vez mais anti-religiosa, ou se são membros do sistema, demandando um certo tipo de privilégio religioso pela sua forma de crer em uma nação historicamente cristã. [Já] os moderados/liberais estão tão incertos sobre seu passado e futuro que parecem não conseguir definir o que, quando ou se devem protestar a respeito de qualquer coisa. A sua busca por um testemunho efetivo persiste.397

Apesar dos infindáveis debates e cisões recorrentes em sua trajetória de mais de quatro séculos, os batistas em geral, e os do Sul dos EUA em particular, continuam a ser uma valiosa fonte de estudos de transições institucionais e ideológicas, pela riqueza de aspectos teológicos, sociológicos, filosóficos e políticos que podem ser pesquisados no ambiente e história desta denominação.398 Um grande desafio dos batistas do Sul talvez seja o de sustentar uma “boa reputação” considerando “suas posições éticas e políticas extremadas, unidas a tendências perturbadoras e cismáticas.”399

394 William G. BRACKNEY. The a to z of the Baptists, p. 6 395 Bill J. LEONARD. Baptist ways, p. 400 396 Bill J. LEONARD. The challenge of being Baptist, p. 109 397 Ibid, p. 126 398 Oran P. SMITH. Op. cit., pp. 5-8 399 William H. BRACKNEY. Baptists in North America, p. 260 123

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ANEXOS

Anexo 1 – Respostas do Dr. Paige Patterson (traduzidas) Anexo 2- Respostas do Dr. Paige Patterson (original, em inglês) Anexo 3- Fotos de Atores da Controvérsia

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ANEXO 1

RESPOSTAS DO DR. PAIGE PATTERSON400

1) As literaturas compostas tanto por conservadores quanto por liberais apresentam o senhor e o juiz Paul Pressler como os principais atores do Ressurgimento Conservador? Qual é a sua auto-avaliação em relação à sua participação no movimento? O Renascimento Conservador na Southern Baptist Convention foi um caso clássico de um movimento maciço de bases. Os verdadeiros heróis são pastores e leigos relativamente desconhecidos, que frequentemente custeavam suas próprias despesas para ir às [assembleias] da Southern Baptist Convention e viviam nas mais difíceis circunstâncias, alguns até dormindo em seus pequenos veículos com o propósito de votar de acordo com suas convicções. Obviamente, até os movimentos de base precisam de líderes, e não há dúvida que o juiz Pressler e eu precisamos nos expor publicamente, e, então, nos tornamos os receptores de grande parte da crítica e ataque que vieram dos neo-ortodoxos e liberais da Convenção. Os pastores que foram protegidos [no período da controvérsia] encontravam-se em circunstâncias nas quais não teriam a menor condição de se defender. Havia também os pastores de megaigrejas, como Adrian Rogers, Jerry Vines, Charles Stanley, Ed Young, Jimmy Draper e outros que participaram firmemente do Movimento Conservador em todo tempo. 401 Além de apresentarmos os alvos, eu e o juiz Pressler idealizamos o movimento e como ele poderia ser bem-sucedido da forma como finalmente veio a emergir. 2) Enquanto os inerrantistas chamaram o movimento de reorientação da SBC de Ressurgimento Conservador os seus opositores o denominaram de Tomada de Poder Fundamentalista. Qual a diferença entre fundamentalismo e conservadorismo, e como a SBC pode ser definida hoje? Definir Fundamentalismo é sempre muito mais difícil do que possa parecer, porque definição, assim como a beleza, está muito mais nos olhos de quem a vê. Originalmente o termo Fundamentalismo era utilizado em referência àqueles que se apegavam aos fundamentos da fé, e esta expressão ainda é usada, por exemplo, por técnicos de esportes que insistem que

400 Respostas obtidas por e-mail, em 18.01.2011. No “anexo 2” segue o texto original , em inglês. 401 O termo “megaigreja” é utilizado para descrever igrejas numericamente grandes, com muitos recursos financeiros e prestígio na denominação e sociedade. Os pastores fundamentalistas de tais igrejas encontravam-se em posição de segurança contra possíveis tentativas de represálias da liderança liberal da SBC durante o período da “controvérsia”. Já os pastores fundamentalistas de igrejas de menor expressão ou com pretensões de crescimento na denominação precisaram ser “protegidos” pelo anonimato. 131

seus atletas primem por treinar os fundamentos. Se isto é uma definição, então todo o Renascimento Conservador na Convenção foi e continua sendo um movimento fundamentalista. No entanto, na história da igreja americana o termo Fundamentalismo gradualmente tornou-se sinônimo de um movimento mais amplo que desenvolveu uma forte tendência para o legalismo e certa fragilidade que tendia a não aceitar diferenças entre os crentes, diferenças estas que, na verdade, deveriam ser questões admissíveis à luz de perspectivas diferentes de hermenêutica. Em determinadas ocasiões, a distinção que alguns Batistas do Sul fizeram, de maneira pitoresca [durante a controvérsia], foi afirmar que os [outros] Batistas do Sul eram fundamentalistas com um “f” minúsculo, com isso indicando que [os fundamentalistas com “f” minúsculo] acreditavam basicamente nas mesmas coisas que os Fundamentalistas com “F”maiúsculo, mas não ficavam indignados com isso. Esta afirmação, provavelmente, não é totalmente justa com o Fundamentalismo com “F” maiúsculo, porém chama a atenção para [a existência de] uma distinção [entre ambos]. Se o movimento na Southern Baptist Convention foi mais bem descrito como Ressurgimento Conservador ou como Tomada de Poder Fundamentalista, depende da preferência de quem o rotulou. Mas a verdade não pode ser facilmente mudada, e o que realmente aconteceu é suficientemente claro, ou seja, através dos anos a liderança da Convenção afastou-se das doutrinas dos fundadores da Southern Baptist Convention e de seus grandes nomes, como [James Petigru] Boyce, [Benajah Harvey] Carroll, [Lee Ruthland] Scarborough e centenas de outros.402 O fato da Convenção ter se reestruturado e retornado à fé de seus antepassados é obviamente o que aconteceu. Por justiça pode ser dito que dos seis seminários teológicos da Southern Baptist Convention, dois deles, o Midwestern e Southeastern, foram organizados por pensadores liberais e neo-ortodoxos. Se houve casos que pudessem ser nomeados de “tomada de poder”, seriam estes dois. No demais, a alegação de uma “tomada de poder” não convenceu os Batistas do Sul (...) Em virtude do opróbrio geral associado ao termo Fundamentalismo, a maioria dos Batistas do Sul de hoje não desejam ser rotulados dessa maneira. Eles prefeririam ser chamados simplesmente de Batistas que creem na Bíblia. 3) Como seria a SBC hoje caso não houvesse ocorrido o Ressurgimento Conservador? Por que?

402 Boyce foi o fundador e primeiro presidente do Seminário Teológico Batista do Sul dos EUA, em Greenville, Carolina do Sul. Após a Guerra Civil, em 1877, o Seminário mudou sua sede para Louisville, Kentucky. Carrol (de 1908 a 1914) e Scarborough (de 1914 a 1942) foram presidentes do Seminário Teológico Batista do Sudoeste dos EUA, em Forth Worth, Texas. Keith COOLER (ed.). Southwestern news: special centennial edition, p. 7; Gregory WILLS. Op. cit., p. 175 132

Sem o Ressurgimento Conservador, a Southern Baptist Convention se pareceria hoje, sem dúvida, com algumas das principais denominações [norte-americanas] que continuaram a afastar-se de seus portos iniciais, como os Metodistas, Presbiterianos, Episcopais e outras. Na verdade, um caso mais próximo [dos Batistas do Sul] poderia ser a American Baptist Convention, que hoje possui pouca eficácia missionária e evangelística e permite coisas como a existência da Evergreen Baptist Association, uma associação de igrejas no âmbito da American Baptist Convention que apoia a liderança de gays, lésbicas e transexuais [na igreja]. No entanto, não é necessário chegar a tais extremos. Muitos do grupo que se opôs ao Movimento Conservador entre os Batista do Sul formaram uma comunhão no âmbito da denominação chamada de Cooperative Baptist Fellowship. Suas crenças e ações, normalmente, mostram, sem sombra de dúvida, com o que a Southern Baptist Convention se pareceria hoje, pois os líderes atuais da Cooperative Baptist Fellowship são os mesmos que lideravam a Southern Baptist Convention antes do Movimento Conservador. Esse grupo tem um posicionamento teológico que vai de neo-ortodoxo a liberal, e em todas as questões sociais tende decididamente para a esquerda. 4) Ao mesmo tempo em que acontecia o Ressurgimento Conservador na SBC, na década de 1980, movimentos da denominada Direita Cristã atuavam no ambiente político dos EUA, sob a direção de grupos como a Moral Majority, alertando para a influência negativa do modernismo na sociedade . O senhor percebeu alguma ligação direta entre a Direita Cristã e o Ressurgimento Conservador? Qual é a sua avaliação desta possível ligação? Há pouca dúvida de que as várias expressões de preocupação Conservadora, tanto socialmente quanto politicamente e teologicamente se beneficiaram mutuamente durante a década de 1980. No entanto, no que diz respeito ao Renascimento Conservador na Convenção, o mais importante desses movimentos, teria sido o desenvolvimento do Concílio Internacional sobre Inerrância Bíblica, um movimento interdenominacional correspondente no qual vários Batistas do Sul participaram e em cuja Junta de Diretores eu tive o privilégio de servir. A maior contribuição do Concílio Internacional de Inerrância Bíblica para o Movimento Conservador da Southern Baptist Convention foi no desenvolvimento de literatura acadêmica em apoio à [defesa da]fidelidade das Escrituras. No entanto, ainda que sérios movimentos políticos, sociais, teológicos e eclesiásticos tenham prestado ajuda mútua, eu penso ser incontestável que o Renascimento Conservador na Southern Baptist Convention teria acontecido ainda que nenhum desses outros movimentos tivesse ocorrido. Eu também acredito que alguns analistas políticos sugeriram e/ou admitiram que o Renascimento da 133

Southern Baptist Convention foi o mais importante de todos estes movimentos e que foi mais influenciador do que influenciado. Se não por outra razão, pela enorme quantidade percentual de Batistas do Sul no protestantismo norte-americano e pela surpresa geral causada no mundo religioso em virtude do fato fenomenal do maior grupo eclesiástico [protestante dos EUA ter conseguido] retornar à fé de seus antepassados. 5) O senhor acha possível que as diferenças doutrinárias entre calvinistas e arminianos na SBC possam vir a ser a causa de uma futura divisão na denominação? Na história Batista do Sul o conflito entre Calvinistas e Não-Calvinistas tem sido uma realidade constante, mas raramente tem causado divisões ao final. Você notará que mudei a palavra na pergunta de Arminianiano para Não-Calvinista. O mundo teológico tende a pensar em termos de apenas dois movimentos: Calvinismo e Arminianismo, mas, na verdade, poucos Batistas do Sul identificam-se totalmente com o Arminianismo. Por outro lado, a maioria dos Batistas do Sul não é Calvinista Dortiana de Cinco Pontos403 e é mais caracterizada por sua preocupação com evangelismo e missões do que com teologia Reformada. Isso, na verdade, tem sua gênese na Reforma, em que deve ser feita a distinção entre a chamada Reforma Magisterial de um lado e a Reforma Radical do outro. Os Batistas do Sul devem, na verdade, atentar muito mais para a Refoma Radical e os sonoramente bíblicos Anabatistas do que eles como os Reformadores de Geneva ou Wittenberg.404 Atualmente, no entanto, está sendo testada a antiga teoria de que os Calvinistas e Não- Calvinistas são dois afluentes que correm para o rio Batista, e, de um modo geral, têm provado ser mais úteis um ao outro do que sectários. [É verdade que] no momento há uma

403 Esta é uma expressão que faz referência ao Sínodo de Dort, realizado pela igreja reformada alemã em Dordrecht, em 1618-1619, para tratar uma controvérsia iniciada pelo surgimento do Arminianismo. O sínodo concluiu com a rejeição da visão arminiana e o estabelecimento do que ficou conhecido como “os cinco pontos do calvinismo”: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. 404 Martinho Lutero, João Calvino e Ulrich Zwínglio são considerados como Reformadores Magisteriais porque seu movimento reformador foi apoiado por magistrados ou autoridades no poder. Uma vez que o termo “magistrado” também significa “professor”, a Reforma Magisterial é também caracterizada pela ênfase na autoridade de um mestre ou professor. A Reforma Radical foi um movimento religioso do século XVI. Tratou-se de uma resposta tanto para a corrupção na igreja Católica quanto para a reforma magisterial expansiva promovida pelo protestantismo de Martinho Lutero e vários outros. Começando na Alemanha e na Suíça, a reforma radical deu origem a vários grupos protestantes radicais pela Europa. Nem todas as teses de Lutero foram aceitas por pessoas que abraçaram a Reforma Protestante. Em razão disso, aconteceu a Reforma Radical, a partir de igrejas protestantes que desejavam "voltar às raízes" (daí o termo radical). Estes consideraram que a separação da Igreja Católica não foi suficiente, e buscaram organizar uma igreja independente e autônoma. Dentre os principais destes movimentos estavam os anabatistas, considerados os mais influentes dos reformadores radicais. David L. ALLEN & Steve W. LEMKE (ed.). Whosoever will, p. 6; James Leo GARRET. Op. cit., p. 667 134

onda de Calvinismo popular que está arrastando muitos dos jovens pastores às suas fileiras. No entanto, [esta onda está sendo] fortemente rechaçada por outros de nós [Batistas do Sul]. Ambos os lados estão, na maior parte, se esforçando para evitar que a discussão se torne tão veemente que venha a causar uma cisão. Se alcançaremos sucesso, precisamos aguardar para ver. 6) Quais são os maiores desafios para a igreja cristã em geral e para os Southern Baptists em particular diante de uma sociedade denominada “pós-cristã”? Na verdade eu não estou tão preocupado com uma sociedade “pós-cristã” como alguns parecem estar. O que tem mais tem me preocupado, à semelhança dos reformadores radicais, é o surgimento de um número cada vez maior de “igrejas” que têm pouca semelhança com as do Novo Testamento (...) há desafios muito claros perante a igreja. Irei enumerá-los a seguir, sem a pretensão de apresentá-los em uma ordem específica de importância. 1. Em geral, muitas igrejas têm se sentido atraídas pelo mundo, tornando-se mundanas e, a pretexto de evitar o legalismo, acabam por comprometer as doutrina de santidade no trabalho e labor da igreja. 2. Falta de oração. A igreja contemporânea tem à sua disposição tantos recursos em termos de programas, dinheiro, meios de comunicação e etc., que se esqueceu de como buscar a face de Deus e Sua intervenção. Esta é, em última análise, a mais devastadora e negativa das influências. 3. Um ecumenismo sutil que difere do ecumenismo explícito anterior conforme foi abordado nos Concílios Mundial e Nacional de Igrejas (...). Apesar disso, o resultado será bem semelhante. 4. Uma relutância geral da parte da igreja em aceitar sua responsabilidade de levar o evangelho às nações e endossar doutrinas como exclusividade de Cristo para a salvação e o juízo eterno sobre aqueles que recusam a Cristo. Tudo isto contribui para uma igreja anêmica num mundo mau. 5. Por todo o discurso sobre o compromisso e as correspondentes obrigações associadas com o ser membro da igreja, a tendência em toda a parte é de a igreja tornar-se gradualmente um espetáculo desportivo, e, no melhor dos casos um lugar para a realização de um tipo de catarse emocional. E isto, com certeza, é muito diferente do padrão estabelecido no Novo Testamento.

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ANEXO 2

ANSWERS FROM DR. PAIGE PATTERSON

1) The books and articles about the so-called “Controversy” in the SBC, written either by conservatives or liberals, unanimously consider you and the judge Paul Pressler as the principal leaders of the Conservative Resurgence. How do you self-evaluate your participation in this movement? The Conservative Renaissance in the Southern Baptist Convention was a classic case of a massive grassroots movement. The real heroes are relatively unknown and laypeople who often paid their own expenses to go to the Southern Baptist Convention and lived in the most difficult of circumstances, some even sleeping in their small automobiles in order to vote their convictions. Of course, even grassroots movements have to have leaders, and there is no question but that Judge Pressler and I needed to be out in the open, and, therefore, the recipients of much of the criticism and attack that came from the Neo-Orthodox and the liberals within the Convention. This protected pastors who were in circumstances where they would be less able to defend themselves. There were also a number of mega-church pastors, such as Adrian Rogers, Jerry Vines, Charles Stanley, Ed Young, Jimmy Draper, and others who stood solidly with the Conservative Movement at every hand. In addition to providing the targets for the movement, Judge Pressler and I did conceive of the movement and how it could be successful in the way that it eventually emerged. 2) While the inerrantist called that movement of reorientation of the SBC a Conservative Resurgence its detractor have labeled it a Fundamentalist Takeover. What is the difference between fundamentalist and conservatism? How the SBC can be defined today? Defining Fundamentalism is always much more difficult than it might seem to be simply because definition like beauty is largely in the eye of the beholder. The original use of Fundamentalism was a reference to those who held to the fundamentals of the faith, and the expression is still used, for example, by athletic coaches who insist that their players excel in the fundamentals. If that is the definition, then the entire Conservative Renaissance in the Convention was and remains a fundamentalist movement. However, in American church history, Fundamentalism gradually became synonymous with a larger movement that developed a strong tendency toward legalism and a certain brittleness that tended not to allow for differences among the saints that, in fact, should be allowable points of hermeneutical 136

difference. Sometimes the distinction that some Southern Baptists have made in a quaint way is to say that Southern Baptists were fundamentalists with a lower case “f,” therefore indicating that they believe pretty much what a Fundamentalist with an upper case “F” believed, but they just were not angry about it. That is probably not entirely fair to uppercase Fundamentalism, but it does call attention to a distinction. As to whether the movement was best described in the Southern Baptist Convention as the Conservative Resurgence or a Fundamentalist takeover, once again one’s preferences determined how he wished to label the movement. But the fact cannot be easily altered, and what actually happened is clear enough, namely that over the years the Convention’s leadership had moved away from the doctrines of the founders of the Southern Baptist Convention and of its great names such as Boyce, Carroll, Scarborough, and hundreds of others. The fact that the Convention turned itself around and returned to the faith of the fathers is very obviously what happened. In fairness, it can be said that two of the six Southern Baptist Convention seminaries, namely Midwestern and Southeastern, were formed initially by liberal and Neo-Orthodox thinkers. If there is a case to be made for a “takeover” it would be in those two cases. Otherwise, the case for “takeover” movement failed in the minds of the Southern Baptist people (…). Because of the general opprobrium associated with the term Fundamentalism, most Southern Baptists today do not wish so to be labeled. They would prefer simply to be called Bible-believing Baptists. 3) How would be the SBC today if the Conservative Resurgence had not happened? Why? Today’s Southern Baptist Convention minus the Conservative Resurgence would doubtless look more like the other mainline denominations, namely Methodists, Presbyterians, Episcopalians, and others who have continued to move away from their initial moorings. In fact, a case closer to home would be the American Baptist Convention, which has little missionary or evangelistic effectiveness today and allows such things as the existence of the Evergreen Baptist Association, an association of churches within the American Baptist Convention committed to gay, lesbian, and transgendered leadership. However, it is not even necessary to move to such extremes. Many in the group that opposed the Conservative Movement in Southern Baptist life formed a fellowship within the denomination called the Cooperative Baptists Fellowship. Their beliefs and actions, on a regular basis, portray beyond any shadow of a doubt what the Southern Baptist Convention would look like today simply because the leaders of that movement where for the most part the leaders of the developing 137

Southern Baptist Convention prior to the Conservative Movement. This group is theologically Neo-Orthodox to liberal, and on all of the social issues decidedly leaning to the left. 4) At the same time that the Conservative Resurgence was taking place in the SBC (1980’s), some movements of the so-called Christian Right was at work within the US’ politics arena, directed by groups as the Moral Majority, warning about the negative influence of the Modernism in the American society. Did you perceive any direct connection between the Conservative Resurgence and the Christian Right? If yes, what is your evaluation about this relation? There can be little doubt but that the various expressions of Conservative concern, both socially, politically, and theologically, were mutually beneficial during the 1980s. The most important of those movements as it concerned the Conservative Renaissance in the Convention, however, would have been the development of the International Council on Biblical Inerrancy, a corresponding interdenominational movement in which a number of Southern Baptists participated and on whose Board of Directors I had the privilege to serve. The major contribution of the International Council on Biblical Inerrancy to the Southern Baptist Convention’s Conservative Movement was in the area of the development of scholarly literature supporting the idea of the faithfulness of Scripture. However, even though the serious political, social, theological, and ecclesiastical movements definitely assisted each one the other, I think it is a fact that the Conservative Renaissance in the Southern Baptist Convention would have happened even if none of the other movements had taken place. In addition, I also believe, and some political pundits have suggested and/or admitted that the Southern Baptist Conservative Renaissance was the most important of all the movements and was more influential than influenced. This was the case if for no other reason because of the enormous size of Southern Baptists as a percentage of Protestant America and because of the general astonishment in the religious world of the phenomenon of a major ecclesiastical group returning to the faith of the fathers. 5) Do you think that is possible that the doctrinal differences between Calvinists and Arminians southern baptists may cause a future split in the SBC? In Southern Baptist history, the conflict between Calvinists and Non-Calvinists has always been real but seldom ultimately divisive. You will note that I changed the word in the question from Arminianism to Non-Calvinists. The theological world tends to think in terms of just two movements, Calvinism and Arminianism, but, in fact, few Southern Baptists identify with Arminianism at all. On the other hand, the majority of Southern Baptists are not Dortian five-point-Calvinists and are characterized more by their concerns for evangelism and 138

missions than they are by Reformed theology. This actually has its genesis in the Reformation where distinction should be made between the so called Magisterial Reformation on the one hand and the Radical Reformation on the other. Southern Baptists should really look much more like the Radical Reformation and the soundly biblical Anabaptists than they do like the Reformers of Geneva or Wittenberg. Currently, however, the old theory that Calvinists and Non-Calvinists are two tributaries that flow into the Baptist River that have generally proved helpful to one another rather than divisive is being tested. At present, there is a wave of popular Calvinism that is sweeping many of the younger pastors into its ranks. This, however, is strongly opposed by others of us. Both sides are, for the most part, making efforts to prevent the discussion from becoming so vociferous that it becomes divisive. Whether or not we will succeed in that remains to be seen. 6) What do you think that are the greatest challenges for the Christian Church in general and for the southern Baptists in particular in the context of a so-called “post- christian” society? Actually, I am probably not so terribly concerned about a “post-Christian” society as some would be. What has concerned me more, like the Radical Reformers of the Reformation, has been the existence of more and more “churches” that actually bear small resemblance to the New Testament (…) There are definite challenges that face the church. I will list them as follows, but with no specific order of importance intended. 1. The general tendency in many churches to appeal to the world by becoming worldly and, under the guise of avoiding legalism, forfeit any doctrine of holiness in the work and labor of the church. 2. Prayerlessness. The contemporary church has so much available to it in terms of programs, money, media savvy, etc., that it has forgotten how to seek the face of God and His intervention. This ultimately will be the most devastating of the negative influences. 3. A subtle ecumenism that differs from the former hardcore ecumenism of the National and World Council of Churches type of approach. Nevertheless, the result will be quite similar. 4. A general unwillingness on the part of the church to accept its responsibility to take the gospel to the nations and endorse those doctrines such as the exclusivity of Christ in salvation and of eternal judgment upon those who refuse Christ. All of this works together to make for an anemic church in a wicked world. 139

5. For all the talk about the covenant relationship and corresponding obligations associated with church membership, the tendency just about everywhere is for church to become increasingly a spectator sport, and, at best, a place for some emotional catharsis. This, of course, is far different from the New Testament pattern.

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ANEXO 3

PAIGE PATTERSON (1942 - )

141

PAUL PRESSLER (1930 - )

142

ADRIAN ROGERS (1931 -2005 )

143

BILL J. LEONARD (1947 - )

144

WALTER B. SHURDEN (1937 - )