SOLANGE MARTINS COUCEIRO DE LIMA ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ A personagem negra na

SOLANGE MARTINS COUCEIRO DE LIMA é professora da Escola ude Comunicações e Artes da USP e coordenadora- geral do Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN) da ECA-USP. 8888 REVISTA USP, São Paulo, n.48,n p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001

○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ telenovela brasileira: alguns momentos

A telenovela é hoje no Brasil, indiscutivelmente, o produ-

to de maior importância da indústria cultural. Programa de maior audiência na Rede Globo, também ela a televisão líder

de audiência no Brasil, tem sido objeto de inúmeras discus- sões em toda a mídia. A telenovela alimenta um número

razoável de publicações semanais sobre o tema, de colunas dos mais importantes jornaisc do país e de revistas dedicadas a todos os segmentos sociais. Se não se fala dela especifica-

mente, fala-se de astros e estrelas em evidência no momento e são eles que ilustram as capas e reportagens dessas revistas

com chamadas sempre alusivas às personagens e tramas do momento; pauta ainda a programação da televisão da qual

atores participam em shows, debates, competições, entrevis- tas. Pode-se dizer que grande parte da programação da te-

levisão bem como uma grande quantidade de matérias da imídia impressa, especializada ou não em telenovela, se nu- trem, de modo direto ou indireto,a desse gênero que também é o maior captador de verbas dos anunciantes. Todos sabe- mos, também, o quanto a telenovela, suas tramas, suspenses, n REVISTAREVISTA USP,USP, SãoSão Paulo,Paulo, n.48,n.48, p.p. 88-99,88-99, dezembro/fevereirodezembro/fevereiro 2000-20012000-2001 8989 intrigas ensejam conversas diárias das pes- Se talvez ainda não se possa afirmar que soas em diferentes situações e quantas ex- ela representa a “vanguarda dos costumes” pressões verbais, gestos, objetos da moda (Ribeiro, 2000) pode-se, entretanto, concor- usados pelos atores da novela do momento dar que ela tem mexido, sim, nos costumes são apropriados, permanecendo, alguns até e, se não pode ser simplistamente responsa- por longo tempo, incorporados nos hábitos bilizada pela mudança de comportamentos, das pessoas. certamente ela propõe mudanças e situações Fazendo parte integrante da cultura bra- para a sociedade refletir e discutir. Nesse sileira de modo tão profundo, não se justi- processo de reflexão e discussão podemos ficaria que a academia voltasse as costas encontrar já o germe da mudança. para o estudo desse produto por muito tem- A Escola de Comunicações e Artes da po. Apesar disso, a telenovela foi durante USP criou em 1992 o Núcleo de Pesquisa algum tempo desprezada pelos intelectuais de Telenovela (NPTN), incorporado ao como tema de pesquisa por ser considerada Departamento de Comunicações e Artes em subproduto de baixa qualidade da cultura 1994, onde está sediado. Além do acervo de massa. Quando tomada como objeto de composto de variados produtos em dife- análise, esta se dirigia mais no sentido de rentes formatos, o NPTN promove cursos, tentar explicação para o sucesso de audiên- seminários, intercâmbio científico com ins- cia e de penetração nas várias camadas da tituições do mundo todo e com redes de população, para o conteúdo ideológico das televisão. Com relação à pesquisa acadê- mesmas, para análise de sua história e pro- mica, tem dado suporte à elaboração de dução e, com alguma freqüência, para a sua inúmeras teses e dissertações, além de pes- condição de produto alienante. O cresci- quisas integradas e individuais de respon- mento do número de telenovelas levadas sabilidade de seus pesquisadores (Couceiro ao ar em diversos horários, as modifica- de Lima, Motter, Malcher, 2000). ções na produção tecnológica tornando-as No período de 1995 a 1999 desenvol- cada vez mais sofisticadas e as mudanças veu-se no NPTN o Projeto Integrado Fic- nas temáticas, entretanto, não poderiam dei- ção e Realidade; a Telenovela no Brasil; o xar por muito tempo a pesquisa acadêmica Brasil na Telenovela. Composto por nove alheia a uma análise enriquecida por outras subprojetos, coordenados por nove pesqui- perspectivas como as da Teoria da Comu- sadoras do núcleo, teve por objetivo geral nicação produzida, principalmente, por discutir as inter-relações entre ficção e rea- autores latino-americanos, entre os quais lidade no campo da telenovela, bem como destaca-se Jesus Martín-Barbero. elaborar metodologias para o estudo da A telenovela brasileira hoje está tendo telenovela brasileira. seu reconhecimento como objeto de estu- Um desses subprojetos, A Personagem do acadêmico e sendo vista como um pro- Negra na Telenovela Brasileira, foi coorde- duto peculiar. Embora tenha suas origens, nado por mim e teve por objetivo específico como se sabe, no folhetim do século XIX, analisar mudanças e permanências que ca- na radionovela que chegou ao Brasil nos racterizaram a personagem negra na teleno- anos 40, na soap-opera e no cinema latino- vela brasileira nas décadas de 70, 80 e 90. A americano, ela se caracteriza hoje como pesquisa catalogou cerca de 520 telenovelas produto especificamente brasileiro. Sem levadas ao ar desde 1963, ano que se consi- deixar de lado o conteúdo melodramático dera o do início da primeira telenovela bra- que garante o fascínio e a adesão do público sileira com características de regularidade, aos heróis e heroínas e às tramas românti- até o ano de 1998. Desse universo foram cas, busca mesclar nessas histórias temáticas identificadas cerca de 200 telenovelas das da realidade social e cultural brasileiras quais participaram atores negros, estes em questões candentes e atuais que fazem parte número aproximado de 70. Esses dados fo- do mundo real que, assim, dialoga e interage ram obtidos através da pesquisa no livro de constantemente com a ficção. Ismael Fernandes – Memória da Telenovela

90 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 Brasileira; foram consultadas, também, re- vistas especializadas em televisão/telenove- la, sinopses da Rede Globo, jornais da gran- de imprensa e cadernos especiais semanais desses jornais, além de análise de gravações de capítulos integrais e parciais que foram editadas durante a pesquisa e somaram cer- ca de 80 horas de gravação em fita cassete (Couceiro de Lima, 1998). A pesquisa selecionou para análise 24 telenovelas. Os critérios para esta seleção foram, primeiramente, a importância das personagens e quantidade de atores negros, o que resultou num recorte ainda não ideal. Novos critérios foram sendo cruzados,

como a escolha da emissora – a TV Globo ação – que, além de ser a maior e mais importan- te produtora e exportadora desse gênero de ficção, foi também a escolhida para estudo pela maioria das pesquisas do projeto Fic- ção e Realidade. Foram excluídas as tele- nic novelas de temática escravocrata por apre- sentarem uma imagem recorrente das per- sonagens negras e, também, por já terem sido analisadas em pesquisa de mestrado (Couceiro de Lima, 1983). O corpus principal da pesquisa concen- trou-se nas novelas do que se convencionou chamar núcleo das oito. A Rede Globo tem, até o momento, mantido diferentes propos- tas para as novelas nos horários das seis, das sete e das oito horas. Neste último cos- tuma-se tratar com mais freqüência e ênfa- se as chamadas temáticas sociais que in- cluem na trama discussões sobre alcoolis- mo, doenças sexualmente transmissíveis, política agrária, homossexualismo, aids, drogas, crianças desaparecidas, prostitui- ção, meninos de rua e outros temas de rele- vância social. Nessa perspectiva procurou- se examinar como a questão racial se inse- re, ou não, nessa agenda temática de cunho social. Foram focalizadas, também, algu- mas novelas do horário das sete e das seis, que têm uma proposta de serem mais leves, menos dramáticas e mais descompro- missadas com a realidade social. Elas ser- viram de contraponto para a novela das oito. O corpus foi dividido em dois períodos: o primeiro compreende as novelas exibi-

comu das entre 1975 e 1988. A primeira data,

REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 91 além de estar próxima do término da citada empregada mais falante e participante, que pesquisa de mestrado, também tem um sig- tem a patroa como modelo a ser imitado, ou nificado especial, do ponto de vista simbó- mesmo a sedutora que, apesar de objeto lico: nesse ano foi exibida a primeira ver- sexual do patrão, manipula de modo mais são de , novela de Janete consciente seus atributos de sedução. Os Clair, que, pela primeira vez, apresentou empregados negros, homens, aparecem uma personagem negra não subalterna, po- com freqüência, principalmente nas nove- bre ou escravo: trata-se de um psiquiatra. O las rurais, que retratam histórias do Nor- ano de 1988 também tem um significado deste nas quais os capatazes e empregados simbólico: é o ano do Centenário da Abo- são sempre os fiéis e cegos defensores de lição, considerado ano ritualístico e atípico seus coronéis/sinhozinhos. De modo equi- do ponto de vista do interesse que este tema valente ao que foi registrado para a gover- despertou e do espaço que ocupou na mídia. nanta mencionada acima, foi encontrado, Por esse motivo analisou-se com mais aten- na década de 90, um criado definido na ção a telenovela mais importante desse sinopse como “secretário particular de período que foi visto como marco divisório Rubra Rosa, extremamente fiel à patroa, desta pesquisa. Além disso, a Constituição leva recados dela para Demóstenes” (o de 88 tornou o racismo crime inafiançável, amante)… e “alcoviteiro fidelíssimo”. O o que representa uma mudança na maneira ator que desempenha esse papel, apesar de de a sociedade brasileira, no seu aspecto ser bastante conhecido, jovem e bonito, institucional e jurídico, encarar e tratar o representa um personagem subserviente, racismo. No segundo período foram anali- porém não ao estilo dos capatazes tradicio- sadas novelas de 1988 até 1998. nais. A relação de fidelidade/subserviên- O material coletado foi categorizado cia entre patrões brancos e empregados para análise em nove temas: empregadas negros, herdada da sociedade patriarcal, se domésticas, empregados homens, persona- reproduz nas tramas atuais e urbanas e cons- gens soltos, sensualidade feminina, sensua- tituiu uma das permanências encontradas lidade masculina, casais mistos, família nesta pesquisa. negra, discussão da temática racial e as so- Desde os anos 70 as telenovelas têm luções apresentadas, o autor e suas rela- apresentado personagens negros de certa ções na produção da ficção televisiva. projeção social, representados por bons Nos limites deste artigo pretende-se atores, mas que não têm, na trama, história apresentar algumas conclusões relativas a própria, nem família, nem núcleo social: cada tema e tecer observações com respei- são as personagens soltas. Estão nessa situ- to às mudanças e permanências; levantar ação uma galeria de padres, juízes, promo- algumas questões pontuais sobre as rela- tores, donos de estabelecimentos comer- ções entre a ficção e a realidade no que diz ciais, etc. O início desta pesquisa, como já respeito ao tratamento dos temas raciais. foi dito acima, elege a novela Pecado Ca- Como nas décadas de 70 e 80, as empre- pital, na qual Milton Gonçalves, ator negro gadas domésticas da década de 90 são consagrado, representa um psiquiatra, com mantidas de modo constante e recorrente. essas características mencionadas. Nas Sempre presentes nas telenovelas, apresen- palavras do ator, em depoimento pessoal tam variações: herdeiras das mucamas, das para a pesquisa, “o primeiro personagem amas-de-leite, bisbilhoteiras, irreverentes negro de terno e gravata”, mas sem identi- sem “saber o seu lugar”, submissas, objeto dade própria, situação que permanece até do desejo dos patrões. Algumas mudanças os anos 90. podem se apresentar na “roupagem”, o que Como se sabe, um dos estereótipos mais não compromete a essência da característi- conhecidos, explorados, decantados em ca das personagens: foi encontrada, por prosa e verso, é o da mulher negra sensual, exemplo, uma governanta que se apresen- a mulata, termo que se tornou um signo tava maquilada e de vestido de seda; uma para invocar sensualidade e outros atribu-

92 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 tos a ela ligados. Além da permanência de reforçar mitos racistas que vêem no negro personagens femininas que representam bom desempenho apenas no que diz res- esse tipo, em diversos momentos da inves- peito à força física, ficando a emoção e a tigação, na década de 90, surgiu um tipo inteligência como privilégio do branco. equivalente para o homem negro que refle- Desde os anos 70 casais mistos apare- te o mesmo enfoque nos atributos físicos, cem nas telenovelas sem fazer parte da tra- na sensualidade e masculinidade. ma central, embora raramente isso seja Para ilustrar essa nova situação, citamos motivo para discussões explícitas de cará- matéria da revista Contigo de 1/3/94, que ter racial. No primeiro período desta análi- tem como título “Charme a Toda Prova. A se, apenas duas novelas nuclearam confli- Sensualidade Negra na TV”. Citando: tos de relacionamento interétnico nos ca- sais mistos. Nos anos 90 permaneceram si- “O Brasil sempre cantou em prosa e verso tuações de casamentos mistos, mas tornam- os dotes sensuais de mulatas e negros fogo- se mais freqüentes as situações em que esses sos, que parecem ter na pele a chama da casamentos suscitam discussões de cunho paixão. Se no passado as novelas não sou- racial. beram aproveitar bem esse charme, isso está O início desta pesquisa, em 1995, coin- definitivamente enterrado com uma autên- cide com a apresentação da telenovela A tica linhagem de belos corpos e rostos que Próxima Vítima, apontada como a primei- chegaram para ficar no horário nobre. E ra telenovela brasileira a apresentar uma basta sintonizar Fera Ferida para compro- família negra de classe média compondo var todo esse sex-appeal. Na comissão de um núcleo na história. Durante as três dé- frente estão Norton Nascimento e Camila cadas pesquisadas, entretanto, várias no- Pitanga… formam um dos casais mais ar- velas mostraram diferentes arranjos de fa- dentes da trama e a primeira noite dos dois mílias negras: chefias femininas (arranjo ocupou um espaço tão importante quanto muito comum na sociedade brasileira entre os carinhos trocados entre Rubra Rosa famílias de estrato social baixo), ou de ca- (Suzana Vieira) e Demóstenes (José sais mistos. Wilker). Não é à toa que eles aparecem nus Se tomarmos como família negra aque- na cama da patroa de Wotan”. la em que o casal é negro, encontraremos outros exemplos nos quais essa composi- O texto é ilustrado com fotografias sen- ção fez parte da história como núcleo de suais de atrizes negras e do ator em trajes destaque: nas novelas sumários, tece comentários sobre a nova (1984) e Mandala (1988). Em nenhuma safra de atores negros jovens que, aparen- delas os atores e atrizes se sentiram gratifi- temente, vêm mudar algo na imagem do cados por protagonizar famílias negras negro na televisão. Ainda se observa que constituídas, pois, segundo depoimentos “em 1976 Lucélia Santos interpretou uma dos mesmos, o desenvolvimento da trama mestiça sem alforria em Escrava Isaura. não foi favorável à continuidade da famí- Se a novela fosse realizada hoje, certamen- lia, não permitindo que o potencial dos ato- te o papel caberia a uma negra”. Em 1998 res escalados fosse explorado. No caso de a minissérie Dona Flor e Seus Dois Mari- A Próxima Vítima, houve um cuidado mai- dos teve como casal de protagonistas dois or nesse aspecto. Entretanto, certas situa- atores brancos que precisaram submeter- ções apresentadas na novela mostraram se a bronzeamento artificial para represen- despreparo e falta de hábito dos autores de tar Flor e Vadinho, descritos por Jorge telenovela para tratar certos temas e situa- Amado como mestiços. ções quando se trata de famílias que, para A introdução do tipo homem negro sen- eles, devem ser muito diferentes das outras sual pode ter um lado positivo de valorizar que retratam. É de Sílvio de Abreu declara- um padrão de beleza até há pouco despre- ção que confirma essa impressão à revista zado, mas, no outro lado da moeda, pode Contigo de 14/2/95:

REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 93 “Mostrar em uma telenovela do horário no- sendo cenas explícitas, não suscitaram pro- bre uma família de negros de classe média testos, passando despercebidas pelo teles- sem evidenciar o preconceito racial. Este é pectador comum de telenovela e sendo as- o objetivo de Sílvio de Abreu, responsável sunto de crítica somente em círculos aca- pela novela das oito da Globo, A Próxima dêmicos (entre os poucos acadêmicos que Vítima. Ele aceitou o desafio proposto pelo prestam atenção nisso, é claro!), ou entre amigo Antônio Pitanga, que vai fazer um militantes negros, esses sim cada vez mais dos personagens do núcleo negro da nove- atentos às imagens da telinha. la. Sílvio contou que o assunto surgiu há No primeiro período estudado, duas cerca de cinco anos, nos corredores da TV novelas tiveram como tema central o racis- Globo. ‘Ele me pediu para que criasse uma mo, discussão desencadeada a partir de novela que mostrasse uma família negra de casamentos mistos em ambos os casos. Num classe média, como muitas que existem mas deles, apesar de os filhos do casal serem da nunca aparecem nas novelas. Na época eu mãe branca que, depois de enviuvar, ca- disse que era incapaz de fazer isso porque sou-se com um negro, o racismo vem da conhecia pouco da cultura negra e então o família da futura esposa do filho deles. No Pitanga retrucou dizendo que essa questão segundo caso, a reação é da família branca não tinha nada a ver. Depois, percebi que contra o casamento do filho com moça eu tinha um grande preconceito por achar negra, bonita, arquiteta e culta. Na primei- que seria preciso diferenciar o dia-a-dia de ra novela os pais da moça rica acabam por negros e brancos, sem considerar que cer- aceitar o casamento com o enteado de um tos problemas são comuns a todos’”. negro pobre depois de muitas ofensas que ele ouviu calado e humilde. A cena do ca- A pesquisa mostrou que essa dificulda- samento mostra os pais dos noivos lado a de não foi superada pelo autor, pois, no lado no altar, com roupas igualmente ele- desenrolar de diversas situações, percebeu- gantes, sem nenhuma distinção de classe, a se uma discrepância entre suas intenções e ponto de uma revista especializada comen- a concretização delas; entre esses dois tar ser um absurdo o pai pobre ter o mesmo momentos interpõem-se mediações que são terno do rico e que a mãe pobre estava ain- responsáveis na nossa cultura pelo modo da mais elegante do que a rica. Cobra-se como os indivíduos são socializados, no que a ficção reproduza a realidade mas, que diz respeito às relações raciais, não se neste caso, prevaleceu a mensagem de con- permitindo que esse tema seja abertamente graçamento racial e de igualdade que se encarado, discutido e enfrentado. Desse manifesta em todos os planos: unem-se as modo, quem resolve fazer isso, seja na fic- raças, os pobres e os ricos, a democracia ção, seja na realidade, o faz sempre com racial se concretiza. O vestuário se torna, receio de estar ofendendo, magoando e também, um signo desse congraçamento. acaba por não saber mesmo como abordar Já na segunda novela a solução se apre- assunto que lhe foi ensinado ser tabu. senta com fortes requintes de melodrama, Ao abordar o tema da discussão racial e pois o pai racista necessita de sangue para das soluções que os autores dão para se salvar e quem doa, por ser a única com- resolvê-los encontraram-se dois tipos de patível, é aquela que ele rejeitara como situação: uma delas quando o autor inten- nora. Redimido, ele, que antes não queria cionalmente quer abordar na sua história o sangue negro na família, admite que ago- preconceito, o racismo; a outra se dá quan- ra nas suas veias corre sangue negro. Sim- do cenas das telenovelas suscitam discus- bolicamente as raças foram misturadas e a sões por serem consideradas preconcei- família racista enegrecida. A mestiçagem tuosas, racistas. simbólica é a solução final que precede e Pertencem, também, a este segundo reforça a mestiçagem real que irá aconte- caso, situações que a pesquisadora identi- cer com a união. ficou como preconceituosas, mas que, não Com mais freqüência foi encontrada no

94 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 segundo período da pesquisa a introdução e não-negras, e ameaças de processo contra de temas sobre o racismo. Em Pedra sobre o autor e a TV Globo. Após semanas de Pedra, novela de , a ques- polêmica registrada nos jornais e revistas, tão racial que começa a ser bem construída a emissora concordou com a proposta das no início da trama no decorrer dela tem sua entidades que reivindicavam desagravo e força e impacto diminuídos e acaba por se levou ao ar capítulo no qual as próprias diluir centralizada somente nas falas de uma personagens negras debatiam o racismo. beata fanática que termina internada no No final, o vilão racista se redime e pede hospício. Do mesmo autor, perdão ao jardineiro que se tornara estu- também apresenta uma vilã racista que ao dante como almejava. saber que o filho se casara com uma negra Os exemplos são muitos e não cabem rejeita a nora e os netos. Embora a persona- nos limites deste artigo. O que em linhas gem da mulher negra tenha sido desenhada gerais se pode perceber de modo quase de modo muito digno, sua atuação é curta: recorrente é que as tramas que se iniciam com a morte do marido ela vai embora da criam expectativa de uma discussão mais cidade com os filhos. Perdeu-se uma opor- séria sobre a questão racial mas, freqüente- tunidade de dar vida própria à personagem, mente, acabam por diluir, diminuir ou ate- que mais uma vez vive em função das per- nuar a proposta inicial sonagens brancas. Já se convencionou rotular a telenovela Em Por Amor, de Manoel Carlos, o ra- de “obra aberta” no sentido de que a trama cismo se apresenta na personagem de um inicial sofre mudanças ao longo dos 5 ou 6 homem branco casado com negra, bonita, meses de duração. As mudanças ocorrem artista plástica de quem ele não quer ter um por muitas interferências que advêm da filho porque tem medo de que a criança queda nos índices de audiência, dos grupos nasça negra. Quando, à sua revelia, a mu- de discussão que a TV Globo reúne para lher resolve ter um filho negando-se a abor- aferir a opinião do público e que geralmen- tar novamente, ele só a perdoa e volta a morar te são convocados no início, meio e fim de com ela quando vê que a criança é loira de cada novela, dependendo dos indicativos olhos azuis como ele. O projeto de um se- de oscilação na audiência. gundo filho negro, que constava da sinopse, Discutir a questão de autoria e de quem, não se concretiza e no final ele concorda em afinal, é o responsável pela introdução, ou casar-se oficialmente em cerimônia oficia- não, da temática racial ou do destino das da por um padre negro que faz sua única personagens negras em telenovela é uma aparição na novela para casá-los! questão complexa. As personagens, bem Uma das situações mais violentas nesse como os temas, surgem na sinopse do au- período ocorreu na novela Pátria Minha, tor. Isso quando se trata de tramas e perso- de autoria de Gilberto Braga, quando o vi- nagens mais importantes na história. Como lão protagoniza uma cena extremamente as temáticas e personagens negras, na maio- agressiva contra seu jardineiro que ele pen- ria das vezes, são introduzidas nas tramas sa ter aberto seu cofre e que culmina com a paralelas, muitas vezes elas nem aparecem personagem afirmando que o cérebro do nas sinopses originais. Renata Pallottini usa negro era inferior ao dos brancos. Na mes- uma imagem muito feliz para representar a ma época em que este capítulo foi levado trama nas telenovelas: uma árvore que tem ao ar, a imprensa escrita deu ampla cober- um tronco é a trama principal. Dela saem tura ao lançamento do livro Bell Curve de galhos que se ramificam e que são as tra- Charles Murray e Richard Hernstein, dois mas secundárias. Desses galhos podem autores norte-americanos que defendem a surgir ramos que crescem e frutificam ou tese da superioridade da inteligência dos ramos que são cortados, podados, no de- brancos sobre as outras raças. Essa cena correr do processo. A frutificação, o cres- provocou inúmeros protestos na imprensa, cimento ou a poda dependem de muitas partindo de diferentes organizações negras circunstâncias que fazem a mediação no

REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 95 processo de produção de uma telenovela. Corpo e com isso defende-se da acusação Segundo ainda essa autora, as personagens de racismo de Pátria Minha, da qual é tam- que nascem no papel (ou no computador) bém autor. Para ele suas novelas têm a ver são delineadas na sinopse, ganham uma com o que viveu e presenciou. A mesma “cara” através do ator e entre eles pode haver idéia é compartilhada por Aguinaldo Silva. compatibilidade ou não. Passam pelo dire- Diz ele: “Evidente que você só escreve so- tor e sofrem ainda interferência das rela- bre o mundo que tem a ver com você, que ções do ator com a câmera, com o som, lhe interessa pesquisar, por isso os temas com os cenários, as roupas e a maquila- são recorrentes”. Sobre seus temas preferi- gem, o cabelo, e ainda a música, signo que dos, diz que gosta de tratar do racismo e também conta algo sobre ela. Entre o que sempre que pode, intencionalmente, fala foi criado pelo autor e o que o telespectador do negro e coloca personagens negras nas vê e recria, também existem mediações suas novelas. imprevisíveis (Pallottini, 1998). Isso ex- plica por que a maioria dos autores têm “Na verdade eu sempre coloco esses perso- seus diretores preferidos para trabalhar; nagens nas minhas novelas, eu coloco inten- porque assim têm maior confiança de que cionalmente, ou seja, a discussão é exata- a interpretação de suas idéias sofrerá inter- mente esta: a da questão racial… porque acho ferências, mas não de modo a torná-las uma questão complicada no Brasil. Compli- irreconhecíveis. Aguinaldo Silva, em de- cada porque nós não temos uma divisão tão poimento pessoal para esta pesquisa, diz clara entre quem é negro e quem é branco no que a relação do escritor é com o computa- Brasil; isso não existe. Eu, por exemplo, me dor e a do diretor, com os atores e com o considero mulato, mas pessoas como eu, resto da produção até chegar ao público; geralmente se consideram brancas… atores por isso, muito do que o autor imagina não que são mulatos mas que nas novelas pas- se concretiza. Por isso, diz ele, “assisto a sam por brancos são tidos como brancos. todos os capítulos de minhas novelas para Então às vezes as pessoas dizem ‘eu ligo na ver no que deu o que escrevi”. novela e não tem negros’, aí eu olho e digo A telenovela brasileira é uma obra aberta ‘mas também não tem brancos’”. e coletiva, não é de autoria única, pois mesmo os poucos autores que ainda escre- Diz que nesse trabalho “lido com ques- vem uma novela inteira sozinhos dividem tões das quais gosto muito: o racismo, o o produto final com diretores, atores, cenó- Nordeste e sua linguagem, porque sou nor- grafos, figurinistas, responsáveis pela tri- destino”. Outro tema que gosta de desen- lha sonora, construindo um produto final volver também são as personagens femini- que ainda vai ter a colaboração do público nas porque, segundo diz, “as mulheres são que, através dos índices de audiência, vai sempre mais interessantes, cheias de nuan- direcionar os rumos da trama. Depoimen- ces que o homem não tem”. Na entrevista tos de diversos autores das novelas focali- realizada, procurou-se abordar, compara- zadas na pesquisa atestam que gostam de tivamente, o tratamento que a novela Pe- escrever sobre suas experiências e que as dra sobre Pedra deu às minorias represen- transportam para as novelas, que se inspi- tadas ali pelo padre negro e pelo homosse- ram em pessoas reais e suas histórias xual Adamastor. Foi questionado sobre o (Manoel Carlos). Esse autor é ainda quem fato de a personagem de Adamastor ter afirma que costuma fazer contato com o deslanchado bem a ponto de criar grande público para sentir sua reação. Já Gilberto empatia com o público, ao contrário do Braga diz que considera novela entreteni- padre negro que, tendo no início aparecido mento e que se aborda temas mais sérios e com uma proposta séria de discussão de faz denúncias é bom, mas no primeiro pla- racismo, se diluiu ao longo do desenrolar no está a diversão. Considera-se o primeiro da história. Ao refletir sobre essa questão, autor a falar de racismo na novela Corpo a o autor tende a concordar que isso se deveu

96 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 em parte ao desempenho dos atores, uma sência de personagens negras nos seus tex- vez que o ator que encenou o padre não tos se deve à falta de bons atores negros e pareceu aderir ao papel. Mesmo que haja de bons autores que escrevam para negros. intenção do autor de colocar questiona- Esse argumento é extremamente contradi- mentos em suas personagens, como era o tório para uma sociedade que, bem ou mal, caso desse padre, as mediações acabam por ainda se pensa racialmente democrática e definir o que realmente vai acontecer. Como homogênea, pois implica a proposta de uma diz Aguinaldo: dramaturgia e formação diferenciadas, ra- cialmente específicas e, portanto, separa- “Fica muito complicado, porque aí você das para brancos e negros. A profissão de tem o problema do Ibope, o problema do ator é um exercício: quanto mais se exerci- público e a novela afinal das contas é um ta melhor se torna o desempenho. Pois bem, produto, nada mais, nada menos, do que isso tem que valer para o negro. Ao ser um produto para ser vendido… o dono da escalado, poderá treinar e exercitar, o que novela não é você, é o produtor que é a não acontecerá se sua atuação se restringir emissora, entende? Tem muitos elementos a papéis específicos. que juntos formam uma verdadeira barrei- Os atores negros, sempre preocupados ra contra qualquer pretensão sua de tratar com o mercado de trabalho, reclamam da mais seriamente qualquer tipo de tema, falta de oportunidades. Mesmo quando fa- mesmo assim os autores conseguem fazer zem sucesso numa novela isso não signifi- isso, contra tudo e contra todos, alguns com ca contrato ou garantia de continuidade de mais habilidade outros com menos, mas se trabalho. Quando estão empregados são consegue. Mas acho que se eu tivesse que unânimes em afirmar que ganham menos dizer uma frase para você eu diria que a que os brancos que representam papéis da televisão ainda está longe, muito longe de mesma importância ou menor que o deles. ser o veículo para se discutir esse tipo de Quando instados a pensar por que o temática”. negro ainda está majoritariamente confi- nado a papéis subalternos, diversos autores Com relação à telenovela brasileira e a respondem que essa é a realidade da soci- temática racial, podemos afirmar que colo- edade brasileira na qual negros e mestiços car ou não o tema na trama de uma teleno- ocupam posições subalternas, e que mudá- vela depende muito do autor. Alguns têm la nas telenovelas comprometeria a veros- essa temática no rol de suas preocupações similhança. Por essa postura as telenovelas sociais ou de seus comprometimentos em manteriam com relação à sociedade uma retratar a realidade brasileira. Outros não. relação de homologia, reproduzindo a rea- Ainda assim, quando selecionam esse tema lidade social e atualizando, no nível sim- para discutir, nem todos os autores o fazem bólico, a exclusão social em que este seg- com facilidade ou demonstram familiari- mento vive na sociedade brasileira. Mas… dade com a questão, conforme já foi visto nem sempre! Senão, como explicar que uma acima. O autor que se dispõe a discutir ou telenovela que foi regravada em 1998, apenas introduzir personagens negras en- Pecado Capital, ambientada num subúr- frentará as inúmeras mediações que bio carioca, possa não ter incluído nenhu- nortearão os destinos dessas personagens. ma personagem negra como parte integrante O avanço na construção das personagens dessa realidade social? A imprensa levan- negras quando se comparam essas três dé- tou objeções com relação à inadequação da cadas vai depender não só da vontade do protagonista dessa novela, atriz-modelo autor, mas do modo como ele focalizará o extremamente sofisticada, ao tipo do papel tema e das mediações que atuarão durante o de moça suburbana, operária de fábrica; tempo de exibição da novela e que irão in- nenhuma observação foi registrada, entre- terferir no desenvolvimento da personagem. tanto, quanto ao fato de que apesar de ser Muitos autores argumentam que a au- localizada num subúrbio da zona norte do

REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 97 Rio de Janeiro a telenovela não apresentou duto final exibido e o público. negros nem fazendo parte da figuração. Portanto, se não se pode falar em retro- Percebe-se que a fidelidade à realidade cesso, também não se pode falar em gran- não define necessariamente a criação de des avanços nas imagens que a programa- personagens adequados a ela do mesmo ção de maior audiência da TV brasileira modo que a presença de personagens ne- transmitiu dos negros nessas três décadas. gras não se beneficia da existência de ne- A pesquisa mostrou permanências e mu- gros na realidade que se pretende retratar, danças que se alternam de uma novela para mas da sensibilidade e determinação de outra ou mesmo que aparecem concomi- alguns autores. tantemente em telenovelas de horários di- As telenovelas, em meados dos anos 70, ferentes. Quando da exibição de A Próxi- abandonaram autores estrangeiros e ma Vítima, novela aplaudida como “poli- temáticas estranhas nas quais príncipes e ticamente correta” por muitos, a TV Glo- princesas de terras longínquas e desconhe- bo levou ao ar, na mesma época, no horá- cidas eram os heróis. Cada vez mais o gos- rio das sete, a novela . to do público foi orientado e respondeu po- Nesta a protagonista, branca, se disfarçava sitivamente a temas da realidade do Brasil, de “neguinha maluca”, usando roupas e em descobrir sua identidade. A partir dessa colantes, peruca de carapinha, pintando o virada se constrói a marca característica da rosto de preto e acentuando o beiço. Assim telenovela brasileira, sem semelhante no caracterizada, subia o morro, arrebitando o mundo: a mescla da realidade, que inclui traseiro e gingando exageradamente, acom- temáticas sociais (machismo, posição da panhada e protegida por sua empregada, mulher na sociedade, alcoolismo, aborto, negra e fiel, e criando situações cômicas. A aids, corrupção, drogas, prostituição, me- proposta da emissora para esse horário é ninos de rua, crianças desaparecidas), com outra, as novelas são mais voltadas para a elementos folhetinescos de amor românti- comicidade, terreno em que os estereóti- co. Nos anos 90 as telenovelas da Rede pos tendem a germinar mais e a ser vistos Globo procuraram, cada vez mais, incor- com mais benevolência. porar temas sociais e polêmicos da realida- A telenovela é, pois, narrativa que vei- de do momento do país e do mundo, afir- cula representações da sociedade brasilei- mando-se como narrativa que procura aten- ra, nela são atualizadas crenças e valores der demandas e inquietações de um públi- que constituem o imaginário dessa socie- co heterogêneo, buscando a satisfação de dade. Ao persistir retratando o negro como um gosto médio que vai se traduzir em subalterno, a telenovela traz, para o mundo audiência considerada boa pela emissora. da ficção, um aspecto da realidade da situ- Essa busca pelas temáticas sociais, por ação social da população negra mas tam- retratar a realidade brasileira e pelo cotidia- bém revela um imaginário, um universo no, parece não ter beneficiado de modo mais simbólico que não modernizou as relações efetivo o segmento negro da sociedade bra- interétnicas na nossa sociedade. sileira. Embora a pesquisa tenha registrado A telenovela hoje pretende representar nos anos 90 um certo crescimento no nú- a moderna sociedade brasileira, discutir mero de personagens negras e maior fre- temáticas sociais candentes dessa socieda- qüência da discussão de temas raciais, de, mas não parece incluir nessas temáticas ambos dependeram de variáveis e de media- a veiculação de uma imagem mais moder- ções, conforme já exposto. Não existe um na das relações entre brancos e negros ou planejamento que coloque na pauta da agen- da situação social real desse segmento nem da de temáticas sociais da TV Globo a ques- muito menos um questionamento mais co- tão racial. Atribuímos a presença desse tema rajoso da questão racial, a não ser espora- a iniciativas individuais de autores; o bom dicamente e com equívocos. Assim como êxito, por sua vez, depende de diferentes em outras instâncias da sociedade, o deba- instâncias que atuam entre a criação, o pro- te sobre o racismo não é considerado um

98 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001 assunto prioritário. Provavelmente e ainda tência da lei se os profissionais da mídia pela persistência do nosso preconceito de não estiverem preparados para cumpri-la ter preconceito, continuamos não queren- no sentido de promover uma mudança nas do enfrentá-lo afirmando que este proble- imagens estereotipadas. ma o Brasil já resolveu ou, até mesmo, Embora, como é óbvio, não se espere que ele nunca existiu. Sabemos que a ques- resolver as questões raciais da sociedade tão do racismo não se resolve com uma lei brasileira discutindo-as na telenovela ou constitucional. As tentativas, até agora na televisão, propostas bem encaminhadas sem continuidade, de políticos negros, ou e planejadas, incluindo o tema nesses veí- não, de proporem uma legislação tornan- culos, poderiam contribuir para o debate e do obrigatória a presença de um percen- esclarecimento. Como já foi dito acima, se tual de negros na programação da mídia a telenovela não altera comportamentos de e na propaganda que corresponda apro- forma direta, ela pode ensejar a reflexão da ximadamente à população computada sociedade através dos vários canais da mídia como preta e parda pelo censo precisari- em que ela circula. am ser pensadas em relação ao que aqui Os limites entre ficção e realidade não foi exposto. É questionável que um nú- têm fronteiras definidas, o diálogo entre mero maior de negros na programação essas duas instâncias é uma constante, as contribuiria para a redefinição das ima- interferências, mútuas, daí porque as pro- gens estereotipadas. Neste caso, mais do duções ficcionais que se propuserem a tra- que na quantidade, é preciso pensar-se balhar com a questão racial precisam dia- em como essas imagens apareceriam e se logar com a realidade e trabalhar a ficção multiplicariam na mídia. Não basta a exis- de modo convincente e, sobretudo, hones- to e digno.

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27/8/2000, p. T2.

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