Revista Eletrônica. Artigo
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.REVISTA ELETRÔNICA . TEMPO HISTÓRICO - ANO I NÚMERO I - JUN -DEZ/2005 ARTIGO TRADIÇÃO OLIGÁRQUICA E MUDANÇA Michel Zaidan Uma visão panorâmica de Pernambuco no início do século 20 nos levaria a considerar o peso da herança socioeconômica da industria sucroalcooleira na vida do Estado. A economia dos engenhos e usinas resultou de uma simbiose entre o velho e novo: nos canaviais, ao lado do trabalho assalariado, sobreviviam inúmeras relações de trabalhos remanescentes do cativeiro negro ou a ele associadas. O tom geral que caracteriza a atividade agrícola na Zona da Mata, Agreste e Sertão é determinado pelo velho, pelo anacronismo das relações sociais, transpostas para as cidades, através da influencia política e econômica dos ‘coronéis, ' dos usineiros e dos altos comerciantes. Da mesma forma, aquelas relações delimitam o espaço político das cidades sempre no sentido da exclusão do povo. Recife, capital do Estado de Pernambuco, se apresenta como um centro natural de atração para todos aqueles que, no Nordeste, querem se aperfeiçoar nos estudos, para os exilados políticos regionais ou para quem busca simplesmente melhores oportunidades econômicas ou sociais. O velho porto comercial e financeiro da região, a exemplo de outras metrópoles, sobrevive principalmente como escoadouro de toda a produção agrícola exportável (café, açúcar, algodão, mamona, etc)do Estado e de zonas agrícolas adjacentes. Suas industrias são escassas, desconcentradas e caracterizadas por formas artesanais de produção (resumem-se a umas poucas fabricas de tecidos e cigarros, alem, é obvio, de duas usinas de açúcar), e uma parte substancial de seu proletariado urbano está nos serviços portuário e ferroviário, bem como nos transportes urbanos – os ferrocarris. De sua parte, não é desprezível o contingente de funcionários públicos, sobretudo os médios e baixos. Há, também uma grande quantidade de profissionais liberais. O comercio recifense acha-se, em grande parte, nas mãos de ingleses, portugueses, alemães americanos e outros estrangeiros. Só o pequeno comercio encontra-se, de fato, sob o controle de grupos nacionais. Pernambuco ainda não entrou no século 20. comunga o sonho modernista de um Estado habitado por uma população bela, forte e saudável, seguindo os padrões higienistas e sociais da ‘Belle Époque' européia. Mas tem que conviver a todo instante com bondes de burro, iluminação a gás, falta de saneamento, epidemias, óbitos e muita sujeira nas ruas. A reforma urbana e sanitária de Otavio de Freitas e Saturnino Braga será obra da década seguinte, bem como a reforma do porto do Recife. O torpor oitocentista do Estado só será com a campanha sucessória estadual de 1911, com a chegada do general Dantas Barreto. É quando o sono dos conselheiros do império será interrompido pelo alarido das massas urbanas, aproximando a praça do palácio e fazendo do Carnaval o estribilho da revolução. Esse episódio – conhecido como ‘salvação' – foi a porta de entrada de Pernambuco na modernidade, acabando o longo reinado da oligarquia do conselheiro Rosa e Silva e trazendo o povo para o proscênio da política. Depois dele, Pernambuco não seria mais um condomínio de velhos oligarcas. O sonho republicano de Martins Júnior voltaria a se corporificar. Como a França, também tivemos a queda da bastilha e o nosso 1789... O povo não sairia tão cedo das ruas. II A derrota da oligarquia chefiada pelo conselheiro Rosa e Silva, em 1911, não foi definitiva. E os interesses remanescentes do império só esperavam uma oportunidade para se estabelecerem na cena política do Estado. Essa oportunidade foi criada com a luta entre Dantas Barreto e o futuro governador Manuel Borba, seu aliado de véspera. Borba vai se compor com os correligionários de Rosa e Silva, resultando dessa aliança outro divorcio entre a praça e o palácio. A década de 10 em Pernambuco será palco de imensa agitação política e social. 1914 é a data chave para se entender a criação da federação operaria do nosso Estado. Obra de um incansável militante social pernambucano, o estivador José Elias, enviado especial do 2 o Congresso Operário Brasileiro para a reorganização da classe trabalhadora da região. Importante também será o eco da Revolução Russa em nosso Estado e particularmente sua influencia sobre as ‘sociedades de resistência' dos trabalhadores urbanos (estivadores, ferroviários, portuários, condutores de bondes etc). Associada ao eco da revolução Russa, terá, no interior do Estado, uma grave ocorrência política conhecida pelo nome da ‘hecatombe de Garanhuns': uma violenta briga entre famílias que acaba num banho de sangue, mas que assinala a longa e dolorosa transição do patriciado rural da região para um novo patriciado urbano, ligado ao núcleo agroexportador da economia de Pernambuco. Contudo, o acontecimento de maior repercussão do Estado e mesmo além de suas fronteiras é a greve dos operários da Pernambuco Tramway. Essa grandiosa paralisação, que se iniciou como uma mera disputa corporativa entre a empresa e seus funcionários, terminou assumindo uma dimensão regional, graças à habilidade de um assessor jurídico da federação operaria, e imobilizou a economia do Estado durante vários dias. Mas uma vez, os trabalhadores urbanos de Pernambuco eram chamados a participar da ‘grande política', através de uma estratégia de remotas raízes na política de nosso Estado: a fusao dos interesses corporativos como uma questão nacional. O resultado dessa inteligente política foi o apoio generalizado ao movimento dos operários contra a avidez de um truste internacional. Essa experiência de mobilização policlassista, na esteira de revoluções passadas, como a Praieira e o Movimento Salvacionista, abriria definitivamente as portas da política de Pernambuco para a participação popular, nem sempre – como veremos – em beneficio do povo. III. As mobilizações policlassistas que marcaram a historia política e sociais de Pernambuco voltaram a ocorrer durante os anos 20, uma época de muitas agitações e transformações importantes: o Tenentismo, a fundação do PCB, o Movimento Regionalista, as reformas do governador Sergio Loreto. Alias, há quem diga que o fim da ‘Republica Velha' tenha começado em Pernambuco, tal o estado de ebulição social, política e cultural aqui existente na década de 20. Nesse sentido, a década se inicia com duas grandes mobilizações populares, capitaneadas pelo professor Joaquim Pimenta. Uma contra o chamado ‘orçamento monstro' – nome atribuído ao abusivo aumento de impostos decretado pelo então governador José Rufino Bezerra, em 1921, que uniu industriais, comerciantes, donas de casa, operário e o povo em geral. A outra, contra a ameaça de intervenção federal do Estado, ordenada pelo presidente da Republica, o paraibano Epitácio Pessoa. Em ambos os casos, os trabalhadores urbanos, os funcionários públicos e a população foram arregimentados pelo Dr. Pimenta para lutar por questões apresentadas como de ‘interesse geral' da sociedade. O desfecho dessas agitações será a indicação do juiz Sergio Loreto para o Governo do Estado, pacificando a disputa entre borbistas e dantistas. A assunção de Loreto assinala i inicio de uma gestão modernizadora em Pernambuco, com a reforma do Porto do Recife, a abertura de grandes avenidas, a criação do Departamento de Assistência e Saúde (sob a direção do medico Amaury de Medeiros), a reforma da Escola Normal... O perfil modernizador de Loreto se associava intimamente a um ranço autoritário e conservador, sobretudo no que diz respeito ‘as manifestações sindicais e operarias, a exemplo do que ocorreu com a ultima grande greve deste período (a dos ferroviários da Tramways), com a prisão e o exílio de lideranças políticas e sindicais. Mas os anos 20 foram, o marco de fundação de importantes iniciativas político-culturais: a criação do Centro de Estudos Sociais, embrião da seção local do Partido Comunista; a instalação do Centro Regionalista, em 1924; a coluna do intrépido tenente Cleto Campelo, que deveria se unir ‘a coluna Prestes no Sertão pernambucano; as co conspirações da Rua Velha; a criação do Diário da Manhã do futuro interventor Carlos de Lima Cavalcanti e, finalmente, a realização do congresso Regionalista. Os agitados anos 20 haveriam de ser uma época seminal em muitos sentidos politicamente, com a crise das velhas oligarquias e a radicalização ideológica que então se anunciava; administrativamente, com as profundas reformas urbanas, sanitárias e econômicas; com a criação e difusão da ‘regionalismo nordestino'. O alcance e abrangência dessa produção discursiva – ‘a brasilidade nordestina' – dos anos 20 só se explicitará anos mais tarde, com a sobrevida simbólico-cultural da saga de uma oligarquia, deslocada do poder pelos correligionários de 30. O sonho de modernidade alimentado pelo imaginário social da primeira década do século 20 iria se concretizar, ao seu modo, na década de trinta. Anos de profundas instabilidades política e grande radicalização ideológica (a luta entre fascismo e comunismo), a década se anuncia em Pernambuco – como em todo o Brasil – como um período de ruptura com o passado neocolonial do país.Ruptura, contudo, conduzida pela elites através do que passou a ser conhecido como ‘a via prussiana'do desenvolvimento capitalista, ou seja, através de uma conciliação entre o velho e o novo . Daí, a fachada de ‘pardieiro político'com que se revestirão as grandes transformações políticas do Brasil. Dessa forma, quem representará em Pernambuco a legenda da Aliança Liberal será nada menos do que a figura de um tradicional usineiro: Carlos de Lima Cavalcanti, proprietário do jornal Diário da Manhã e antigo aliado de Estácio Coimbra, o Governador de posto pela Revolução de 30 em nosso Estado. Com a vitória do movimento de 30, Carlos de Lima Cavalcante é nomeado o primeiro interventor federal do Estado.A interventoria, que se estende até o golpe de 1937, será caracterizada por um misto de inovação administrativa e repressão política aos movimentos sociais. O contraponto da ação administrativa de Carlos de Lima será a recorrente instabilidade política do período. AS organizações trabalhistas se dividirão. De um lado, a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco colaborará com o Governo; de outro,a União Proletária de Pernambuco a atacará.