Faculdade De Humanidade Programa De Pós-Graduação Em História Mestrado Em História
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FACULDADE DE HUMANIDADE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA JOÃO ANTÔNIO BATISTA BORTOLOTTI UALALAPI: NGUNGUNHANE E A DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO DE GAZA ENQUANTO RELATIVIZAÇÕES DO PROJETO NACIONAL DA FRELIMO E DA GUERRA CIVIL (1982-1987) Porto Alegre 2020 JOÃO ANTÔNIO BATISTA BORTOLOTTI UALALAPI: NGUNGUNHANE E A DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO DE GAZA ENQUANTO RELATIVIZAÇÕES DO PROJETO NACIONAL DA FRELIMO E DA GUERRA CIVIL (1982-1987) Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Hostória, à Escola de Humanidade da Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. Marçal de Menezes Paredes Porto Alegre 2020 JOÃO ANTÔNIO BATISTA BORTOLOTTI UALALAPI: NGUNGUNHANE E A DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO DE GAZA ENQUANTO RELATIVIZAÇÕES DO PROJETO NACIONAL DA FRELIMO E DA GUERRA CIVIL (1982-1987) Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Hostória, à Escola de Humanidade da Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovado em ________ de_________________ de _________. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ Prof. Dr. Marçal de Menezes Paredes (Orientador – PUCRS) ________________________________________________ Profª. Drª. Fernanda Bianca Gallo (Unicamp) ________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Beleza Pinto (Newcastle University) Porto Alegre 2020 RESUMO Passados dez anos de uma violenta guerra de libertação, a independência de Moçambique foi oficializada em 25 de Junho de 1975, sendo o controle do Estado entregue unilateralmente à Frente de Libertação de Moçambique, movimento presidido por Samora Machel. Nos anos pós- independência seria iniciada uma guerra civil, a partir do surgimento da Resistência Nacional Moçambicana, movimento que operaria grave oposição armada contra as políticas do Estado. Com o gradual agravamento da guerra civil, ao longo da década de 1980 o Estado-Frelimo imaginou e incentivou um projeto de construção de uma nova nação socialista, bem como de uma nova identidade nacional moçambicana concebida a partir da realidade étnica de populações do sul do território, portanto pouco representativa de outras etnias. Tal projeto foi alicerçado na reformulação do significado político de Ngungunhane, último soberano do Império de Gaza, convertido em herói nacional moçambicano e aproximado de lideranças da Frelimo, como o próprio Samora Machel. No que dizia respeito a questões culturais, o discurso oficial por trás do projeto nacional foi modelado a partir de uma retórica de combate revolucionário, a qual caracterizaria o papel exigido de escritores moçambicanos na construção do socialismo. Com esse cenário em mente, na presente dissertação propomo-nos à interpretação de Ualalapi (1987), de Ungulani Ba Ka Khosa, tomada como uma obra literária a relativizar determinados aspectos do contexto de sua produção, nomeadamente a guerra civil e, principalmente, a iconização de Ngungunhane. Buscamos apoio interpretativo em obras publicadas por Ungulani após 1987, mas principalmente em seus textos publicados na Revista Charrua (1984-1986) periódico publicado por um grupo de jovens escritores reunidos com intenções de relativizar as retóricas de intelectual revolucionário e literatura de combate tão caras ao projeto nacional do Estado-Frelimo. Palavras-chave: Moçambique. Ngungunhane. Ualalapi. Ungulani Ba Ka Khosa. ABSTRACT After ten years of a violent liberation war, the independence of Mozambique was officialized in June 25th 1975, and the control of the state was unilaterally given to Mozambique’s Liberation Front, a movement leaded by Samora Machel. During those post-independence years a civil war was initiated, with the emergence of Mozambican National Resistance, a military movement which would operate grave armed opposition against the state policies. With the escalation of the civil war, along the decade of 1980 the State-Frelimo imagined and encouraged a project of constructing a new socialist nation, as well as a new Mozambican national identity conceived from the ethnic reality of the southern populations, therefore little representative of other ethnicities. Such project was based on reshaping the political significance of Ngungunhane, last ruler of the Gaza Empire, to be converted to a Mozambican national hero and approximated to Frelimo’s leaderships like Samora Machel himself. In what related to cultural matters, the official discourse behind the national project was marked by a rhetoric of revolutionary combat which would characterize the role demanded from Mozambican writers in the construction of socialism. With this scenario in mind, in the present dissertation we propose to interpret Ualalapi (1987), of Ungulani Ba Ka Khosa, taken as a literary work that relativizes certain aspects of the context of its production, namely the civil war and, mainly, the iconization of Ngungunhane. We found interpretive support in works of Ungulani published after 1987, but primarily in his texts published in Revista Charrua (1984-1986), magazine published by a group of writers reunited with intentions of relativizing the rhetoric of revolutionary intellectual and combat literature so dear to the national project of Frelimo. Keywords: Mozambique. Ngungunhane. Ualalapi. Ungulani Ba Ka Khosa. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEMO Associação dos Escritores Moçambicanos ANC African National Congress DEI Direção de Educação e Inspeção DNEC Direção Nacional de Educação e Cultura DNAEC Direção Nacional de Educação e Alfabetização de Adultos FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique GD Grupos Dinamizadores MANU Mozambique African National Union ONU Organização das Nações Unidas RENAMO Resistência Nacional Moçambicana UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique UNAMI União Nacional de Moçambique Independente URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ZANLA Zimbabwe African National Liberation Army ZANU Zimbabwe African National Army ZAPU Zimbabwe African People’s Union SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 7 2 AS POLÍTICAS CULTURAIS DA FRELIMO A SERVIÇO DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO: A ICONIZAÇÃO DE NGUNGUNHANE ......... 14 DA INDEPENDÊNCIA À GUERRA CIVIL ............................................................ 14 O ESTADO DE GAZA E O PROJETO NACIONAL DA FRELIMO ..................... 22 2.2.1 Os Nguni e a formação do Estado de Gaza ............................................................ 23 2.2.2 A transformação do significado político de Ngungunhane ................................... 25 AS POLÍTICAS CULTURAIS DA FRELIMO ......................................................... 34 3 UNGULANI BA KA KHOSA EM SEU CONTEXTO (1975-1987) .................... 39 A ASSOCIAÇÃO DOS ESCRITORES MOÇAMBICANOS E A POESIA DE COMBATE: O PAPEL DO INTELECTUAL NA REVOLUÇÃO SOCIALISTA .. 39 A GERAÇÃO CHARRUA E O ACORDO DE NKOMATI (1984) ......................... 43 UNGULANI BA KA KHOSA ................................................................................... 74 4 UALALAPI OU A FICCIONALIZAÇÃO DA GUERRA CIVIL – NGUNGUNHANE COMO REPRESENTAÇÃO DE SAMORA MACHEL ..... 97 A ESTRUTURA DE UALALAPI: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS .... 97 FRAGMENTOS DO FIM (1) E UALALAPI ............................................................. 99 FRAGMENTOS DO FIM (2) E A MORTE DE MPUTA ........................................ 114 FRAGMENTOS DO FIM (3) E DAMBOIA ............................................................ 123 FRAGMENTOS DO FIM (4) E O CERCO OU FRAGMENTOS DE UM CERCO .... .................................................................................................................................. 128 FRAGMENTOS DO FIM (5) E O DIÁRIO DE MANUA ........................................ 138 FRAGMENTOS DO FIM (6) E O ÚLTIMO DISCURSO DE NGUNGUNHANE148 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 159 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 162 7 1 INTRODUÇÃO Ao olharmos para o passado recente de alguma nação, que lugares podem ter sido reservados à literatura nos processos políticos de se criar ou instituir uma identidade nacional? Ou então, de que maneiras a literatura pode ter sido utilizada para relativizar alguma pretensão de nacionalidade? A presente dissertação foi escrita a partir de indagações como essas, após dois longos e trabalhosos anos de pesquisa acerca dos significados políticos do livro Ualalapi, publicado em 1987 pelo escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa. Para cumprir a tarefa de interpretar os significados de Ualalapi (1987) lido como um texto entrelaçado ao seu contexto de produção, a agir sobre tal contexto e constituí-lo, apoiamo-nos em diferentes perspectivas teórico-metodológicas de história intelectual. Dominick LaCapra (1998) defende a existência de uma historiografia transdisciplinar que busque apoio em outras áreas das ciências humanas, como a filosofia e a teoria da literatura, a título de se ler e interpretar o que o autor chama de “textos complexos”, em sua relação com os diferentes contextos subjacentes. Pensando sobre como se interpretam tais “textos complexos”, LaCapra distingue entre dois enfoques historiográficos, que chama de “documentário” e “ser-obra”. Segundo suas formulações, o enfoque documentário concebe o texto apenas a partir de suas dimensões factuais e literais, as quais limitam-se a transferências do real empírico