BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 BOLETIM DE ANO 02 - Nº 21 - DEZEMBRO 2017 ANÁLISE DA CONJUNTURA

GOLPE CONTRA O ESTADO INTERNACIONAL

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA SOCIAL ECONOMIA TERRITORIAL COMUNICAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS

1 2 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 APRESENTAÇÃO A edição de dezembro do Boletim de Análise da Conjuntura da Fundação Perseu Abramo faz uma retrospectiva de 2017. A seção Golpe contra o Estado mostra por que este ano será provavelmente lembrado no futuro como o das privatizações e das desnacionalizações, ten- do o país experimentado o mais acelerado processo de vendas e negociações do patrimônio brasileiro para os capitais privado e estrangeiro em setores fundamentais e estratégicos, o que compromete em grande medida a soberania nacional e a capacidade de impulsionar políticas de desenvolvimento.

A parte Internacional resgata os principais fatos políticos ocorridos ao longo dos meses e evidencia que o mundo atravessa um período de grandes instabilidades.

No tema de Política e Opinião Pública, destacam-se a Reforma Trabalhista, que trouxe o des- monte da CLT e já passa por alterações por meio de emendas ou MPs. A Reforma Política aprovada sem a devida discussão, em outubro, e MPs que perdoam dívidas de grupos empre- sariais e demonstram para quem os golpistas governam. Somado à isso, o governo agonizou mergulhado em escândalos de corrupção.

No capítulo Social, registram-se enormes perdas tanto no campo da política social quanto no mercado de trabalho, seja pelo desmonte de políticas (por meio do fim de diversas políticas ou da redução aguda do financiamento delas), seja pela adoção de novas regulamentações que prejudi- cam os trabalhadores e os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira.

Em Economia, o ano termina da mesma forma que começou: com os analistas de mercado alinhados às autoridades econômicas do governo Temer anunciando que nos próximos meses tudo vai melhorar. Previsões e equívocos à parte, o fato é que a economia brasileira andou de lado e deve registrar uma oscilação positiva do PIB muito próxima da taxa de crescimento da população, o que significa que a renda per capita tende a ficar estacionada em um patamar quase 10% abaixo do que era em 2014.

Na análise Territorial, o boletim destaca que o período pós-golpe foi caracterizado por um conjunto de medidas que representaram retrocesso para a política agrária e rural brasileira. Essas mudanças se manifestaram pela movimentação da bancada ruralista do Congresso Na- cional por meio de um conjunto de instrumentos (medidas provisórias, decretos e projetos de lei) que visam favorecer o agronegócio e os grandes proprietários de terra.

Na seção de Comunicação, analisa-se o comportamento dos grandes grupos de comunicação em 2017, que se dedicaram a proteger o governo golpista atingido por denúncias de corrup- ção, fizeram propaganda enganosa sobre o pífio resultado da economia e em troca foram contemplados com aumento da verba publicitária federal. Também trata dos principais fatos que mobilizaram as redes sociais e da cobertura feita por veículos internacionais sobre temas da política brasileira, que vem perdendo espaço.

Por último, na parte de Movimentos Sociais, a opinião pública e a capacidade estratégica de lidar com uma democracia falida indicam a impressão geral sobre 2017. Aqueles que conseguiram re- sistir e vislumbrar um horizonte da construção de um projeto para o Brasil deram o tom das mobi- lizações neste ano. Dessa forma, cresce na sociedade a defesa pela construção de um modelo de Estado capaz de mudar o Brasil de novo.

3 4 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 GOLPE CONTRA O ESTADO

A seção Golpe contra o Estado mostra por que este ano será provavelmente lembrado no fu- turo como o das privatizações e das desnacio- nalizações, tendo o país experimentado o mais acelerado processo de vendas e negociações do patrimônio brasileiro para os capitais privado e estrangeiro em setores fundamentais e estratégi- cos, o que compromete em grande medida a so- berania nacional e a capacidade de impulsionar políticas de desenvolvimento

PRIVATIZAÇÕES E DESNACIONALIZAÇÕES TEMERÁRIAS Do ponto de vista da estrutura do Estado e do juros mais altos em algumas linhas de crédito. En- sistema de empresas estatais, o ano de 2017 tal- tre os cinco maiores bancos do país, o Banco do vez possa ser lembrado no futuro como o ano das Brasil teve o maior juro no financiamento de veí- privatizações e das desnacionalizações. Em uma culos, enquanto a Caixa operou a segunda maior retrospectiva, é difícil encontrar um setor econô- taxa no rotativo do cartão de crédito. A função pú- mico com protagonismo do Estado que o governo blica desses bancos foi substituída pela lógica da Temer não tenha buscado desmontar. Isso ocorreu gestão privada. com os grandes bancos públicos federais, Banco Além disso, o Banco do Brasil anunciou uma rees- Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social truturação envolvendo a demissão de cerca de (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Fede- ral. E ainda com as grandes empresas estatais do dezoito mil funcionários, o fechamento de cerca setor de energia e petróleo, Eletrobras e Petrobras. de 402 agências, a transformação de 379 agências em postos de atendimento, além do encerramen- Mas o processo não foi menos dramático em se- to das atividades de 31 superintendências. tores como os de rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, estradas, estrutura logística, terminais de A Caixa, por seu turno, estabeleceu como meta cargas, saneamento, mobilidade urbana, resíduos, demitir em torno de onze mil funcionários com iluminação pública, entre outros. Em 2017, o go- o encerramento das atividades em cerca de cem verno Temer não abriu mão de tentar tocar todos agências, além de ter realizado estudos para via- os espaços onde houvesse o indício de existência bilizar em 2017 a abertura de capitais da empresa. de alguma empresa pública, financeira ou produti- O programa Minha Casa, Minha Vida sofreu uma va. Façamos o quadro geral em retrospecto. redução de 9% em 2017. No sistema nacional de empresas estatais finan- O BNDES, por fim, passou por uma descapitaliza- ceiras, Banco do Brasil e Caixa passaram a cobrar ção antecipando 100 bilhões de reais ao Tesouro, 5 GOLPE CONTRA O ESTADO

além disso o banco converteu o financiamento de ração dos cinco contratos existentes, com a MRS grandes empresas em linhas de crédito para pe- Logísitica, Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), Estrada quenas e médias empresas, e mais ainda: o gover- de Ferro Carajás, Vitória-Minas e Malha Paulista. no converteu a taxa de juros de longo prazo (TJLP) Há ainda a previsão da realização de leilões para em uma taxa normal de juros de mercado (TLP). A os trechos de Porto Natal (TO) e Estrela D`Oeste prioridade do financiamento de longo prazo e do da Ferrovia Norte-Sul (SP). Ao todo essas ferrovias investimento industrial foi paulatinamente sendo representam mais de 90% do fluxo total de cargas substituída pela priorização da operacionalização ferroviárias do país. No setor portuário o governo das privatizações e concessões, ambas com forte abriu o debate sobre a privatização das compa- caráter desnacionalizante. nhias docas, iniciando pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). No sistema nacional de empresas estatais produ- tivas o desmonte tem sido ainda mais intenso. No No setor aéreo teremos a privatização de dezoi- setor de petróleo e gás, o atual governo patrocinou to unidades dos aeroportos de Congonhas (SP), a retirada da Petrobras das áreas de petroquími- Vitória (ES), Macaé (RJ), Recife (PE), Maceió (AL), cos, biocombustíveis, refinarias, além de diminuir João Pessoa (PB), Campina Grande (PB), Aracaju o papel da empresa na exploração e produção do (SE), Juazeiro do Norte (CE), Cuiabá (MT), Sinop pré-sal e encolher ao máximo a política de con- (MT), Alta Floresta, Rondonópolis (MT) e Barra das teúdo local. Garças (MT), além disso haverá a venda da partici- pação acionária de 49% da operação da Infraero Houve ainda a realização da terceira e da quarta em quatro aeroportos: Guarulhos (SP), Galeão (RJ), rodadas de venda de campos do pré-sal pelo re- Brasília (DF) e Confins (MG). gime de partilha, além do indicativo para a realiza- ção da quinta rodada de licitações para os campos No setor logístico e de terminais há um calendário maduros e da décima quinta rodada de vendas de de leilões previsto para todo o ano de 2018, com blocos de exploração e produção de petróleo e gás. a venda de catorze terminais: Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), três terminais de gás Em energia elétrica o governo trabalhou em estu- liquefeito de petróleo (GLP), cinco terminais de dos para a privatização das seis distribuidoras da granéis líquidos em Belém (PA), três terminais de Eletrobras (Amazonas, Acre, Alagoas, Piauí, Ron- grãos em Paranaguá (PR), um terminal de granéis dônia e Roraima), cuja soma da receita estimada líquidos em Vila do Conde (PA), um terminal de atinge cerca de 10,8 bilhões de reais. Além disso, granel líquido em Vitória (ES), além da antecipação sinalizou para o desmonte do Sistema Eletrobras, de leilões para o terminal de fertilizantes de Itaqui que, se ocorrer, deve começar com a venda da usi- (MA) e da autorização de estudos para a venda do na hidrelétrica de Jaguara e o leilão de onze lotes terminal Agrovia do Nordeste em Suape (PE). de linhas de transmissão. No setor de águas, em 2017, o governo Temer come- Em rodovias, o governo preparou a licitação de três çou a empreender o maior programa de privatização novos conjuntos de estradas: BR-364 e 365, entre de que se tem notícias. A priorização da segurança Minas Gerais e Goiás, a BR-101, em Santa Catari- e autossuficiência hídricas, bem como da universali- na, as BRs-101, 290, 386 e 448, entre Rio Grande zação do acesso à água e saneamento, foram subs- do Sul e Santa Catarina. De forma concomitante o tituídas pela priorização da atração de capitais pri- governo iniciou processo de relicitação da Via Du- vados, nacionais e internacionais, e pela conversão tra (que liga São Paulo e Rio de Janeiro), da Concer desse bem comum em commodity. A transformação (que liga Rio de Janeiro a Juiz de Fora) e da CRT (no da água em mercadoria encontra-se em três frentes Rio de Janeiro) e anunciou para 2018 o leilão da do atual governo: na pressão para a privatização das BR-153 entre Anápolis (GO) e Palmas (TO) e da BR- companhias estaduais de água e esgoto; na insinua- 364 entre Comodoro (MT) e Vilhena (RO). ção de venda dos principais aquíferos brasileiros; e Em ferrovias, o governo trabalhou na reconfigu- na mudança dos marcos regulatórios do setor. 6 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

Mais ainda, com o objetivo de acelerar concessões • o projeto que busca acabar com restrições ao ca- e PPPs em estados e cidades, o Ministério do Pla- pital externo nas companhias aéreas, desnaciona- nejamento criou um fundo que será gerido pela lizando um setor estratégico; Caixa e que deverá mobilizar cerca de 100 milhões • a flexibilização da lei que proíbe a venda de terras de reais para apoiar a contratação de projetos de modelagem econômico-financeira para entes fe- nacionais para estrangeiros, afrontando a sobera- derativos que desejem privatizar as áreas de sa- nia nacional; neamento, mobilidade urbana, resíduos e ilumina- • a criação de critérios para indicação de diretores ção pública. dos fundos de pensão, privilegiando quem tem Na lista de privatizações apresentadas pelo gover- trajetória profissional no mercado financeiro e de no em 2017 há ainda a indicação de uma parce- capitais; ria público-privada (PPP) para a Rede de Comu- • a formulação de um projeto de lei que assegure nicações Integradas do Comando da Aeronáutica (Comaer) e a desestatização da Lotex, da Casa da o socorro estatal e estatização de dívidas privadas Moeda, da Companhia Silos e Armazéns e do Cea- em casos de falências e recuperação judicial para sa, ambos de Minas Gerais. as empresas; Por fim, ainda este ano, o governo articulou a • a flexibilização das regras de licenciamento am- construção de uma agenda de reformas microe- biental para obras de infraestrutura, podendo sig- conômicas do Estado que também precisa ser ob- nificar uma intensificação de formas predatórias servada com atenção. Ela se iniciou com a imple- do uso meio ambiente; mentação da Lei de Responsabilidade das Estatais, • a aceleração de uma Medida Provisória em curso sancionada em junho de 2016, e avançou com a mudança nos marcos regulatórios da operação do que busca criar uma nova agência reguladora para pré-sal, sancionada em outubro de 2016. o setor de mineração, visando aproximar as deci- sões do Estado dos interesses do mercado; a ela- Em função da crise política intensificada depois boração de uma Medida Provisória mudando o sis- da delação preventiva da J&F e em decorrência da concentração das forças governistas na apro- tema de cotas para usinas hidrelétricas, alterando vação da Reforma Trabalhista em 2017, a agenda o sistema de comercialização da energia de Itaipu de mudanças nas estruturas estatais permaneceu de modo a ampliar a presença do mercado livre. em certa suspensão, mas ela deve ser retomada Infelizmente, em 2017, o Programa de Parcerias e de forma mais contundente no próximo ano. Investimentos (PPI) do governo federal conseguiu Nesse escopo merecem observação atenta em 2018: formular e implementar aquele que talvez seja o • a proposta de criação de uma lei geral das agên- maior Plano de Metas às Avessas da história eco- cias reguladoras visando aumentar a autonomia nômica do país, destruíram décadas em apenas decisória e orçamentária desses órgãos, o que, na um ano. O projeto de desmonte do Estado ora em prática, pode significar maior poder de pressão das curso fere de maneira muito intensa o poder de forças do mercado sobre os marcos regulatórios atuação do Estado e, com isso, diminui sobrema- do Estado; neira os instrumentos necessários para nossa re- • a criação de uma nova legislação de licitação em cuperação econômica no futuro. Tal quadro talvez substituição à lei 8666/93, o que pode significar um nos imponha a necessidade de refletirmos estra- maior laxismo nas contratações da iniciativa privada; tegicamente sobre qual é o Estado que temos e • a mudança no regime de contratação das conces- qual deve ser o Estado que queremos, daí a im- sões das empresas de telecomunicações, abrindo portância de uma Reforma do Estado de caráter o setor para o capital internacional; popular, democrático e nacional. 7 INTERNACIONAL

O texto de conjuntura internacional é uma re- trospectiva dos principais acontecimentos no mundo em 2017.

O ano político internacional começou em janeiro Rutte do Partido Liberal foi reeleito, mas o desta- com a posse do novo presidente dos Estados ni- que foi a fragorosa derrota do PVdA (Partido So- dos, Donald Trump, que, sob a consigna “América cial Democrata) que obteve apenas 7% dos votos, First” (Estados Unidos Primeiro), ao longo do ano quando normalmente alcançava entre 20% a 30% faria várias tentativas de impedir migrantes, prin- chegando a governar o país em várias ocasiões. Foi cipalmente muçulmanos, de ingressar no território um castigo de seu eleitorado por haver participado estadunidense, além de retirar o país de organiza- do governo anterior à eleição, liderado por Rutte, ções internacionais como a Organizacão das Na- cuja política foi de austeridade e redução de direitos ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura sociais. No Equador, o candidato da esquerda, Le- (Unesco), romper acordos como o de Paris sobre nin Moreno, venceu as eleições e substituiu o presi- mudanças climáticas e retirar-se de negociações dente Rafael Correa no governo, no entanto, pouco como o do Pacto de Migração. tempo depois eles romperam e suas relações polí- ticas e pessoais se deterioraram fortemente. Os meses de março e abril foram marcados por protestos sociais no Chile contra os Fundos de Pen- Ainda em abril, houve uma greve de fome de 1.500 são privados, introduzidos por Pinochet e que não prisioneiros políticos palestinos detidos em Israel, oferecem rendimento suficiente para os aposenta- entre eles treze parlamentares, reivindicando o dos, bem como por greves gerais na Argentina e no fim dos maus tratos e o aumento da frequência Brasil contra os ajustes promovidos pelos respecti- de contatos com seus familiares. No mês de maio vos governos. chegou-se a um acordo que atendeu parcialmente as reivindicações dos prisioneiros. Estes meses registraram também as eleições para chefes de Estado, respectivamente, na Holanda e Em maio houve eleição presidencial no Irã, onde no Equador. No primeiro, o primeiro-ministro, Mark o presidente Hassan Rohani foi reconduzido ao 8 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

cargo, enquanto na França o presidente eleito no O anúncio da explosão de uma bomba de hidro- segundo turno foi Emmanuel Macron, disputando gênio pela Coreia do Norte em agosto, além de com a direitista Marie Le Pen. Ele chegou a ocupar testes com mísseis, levou o Conselho de Seguran- o Ministério da Economia por algum tempo no go- ça da ONU a aprovar novas sanções contra o país, verno de François Hollande, mas saiu para criar um enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald novo partido político, “En Marche” (Em Marcha). No Trump, prometia reagir com “fogo e fúria” contra a mês seguinte ele também conseguiu que sua coa- Coreia do Norte, colocando a humanidade mais pró- lizão política elegesse a maioria dos deputados do xima de uma hecatombe nuclear. Em novembro, os Congresso Nacional, rompendo a tradicional maio- norte coreanos realizaram mais um teste de míssil e ria bipartidária dos republicanos e socialistas. Mais anunciaram que seu programa de armamento nu- uma vez, os castigados foram os social-democra- clear estava completo e que já possuíam condições tas, pois o Partido Socialista teve sua votação mais de atingir os Estados Unidos em qualquer parte de baixa das últimas décadas e perdeu dezenas de seu território. cadeiras no parlamento francês. Uma das primei- No mês de julho, o governo de Nicolás Maduro ras medidas do governo Macron foi a aprovação de realizou a eleição para compor uma Assembleia uma reforma das leis trabalhistas francesas, redu- Nacional Constituinte (ANC) para atualizar a insti- zindo ou permitindo uma série de flexibilizações tucionalidade da Venezuela e retomar a ofensiva dos direitos existentes, o que o caracterizou como política, frente à oposição e aos entraves colocados sendo um político de direita e não progressista, pelo parlamento do país onde a oposição é majo- como tentava se apresentar. ritária. Apesar da pressão, inclusive internacional, a No mês de junho, a primeira-ministra da Inglater- ANC foi eleita, e uma de suas primeiras medidas foi ra, Thereza May, convocou eleições antecipadas a de antecipar as eleições para governadores para o alegando que necessitava de mais respaldo para mês de outubro. conduzir as negociações do “Brexit” com a União O mês de agosto deu início a uma sequência de elei- Europeia, imaginando que era um bom momento ções de chefes de Estado em várias regiões do mun- para tentar ampliar a bancada dos “Tories” (Con- do, a começar pela de João Lourenço em Angola servadores). Entretanto, foi um “tiro no pé”, pois o para substituir o presidente José Eduardo dos Santos vitorioso foi Jeremy Corbyn, líder do Partido Traba- após 38 anos no poder. Na sequência, houve elei- lhista, que ampliou sua bancada por meio de uma ções parlamentares na Alemanha e Noruega em se- campanha pela esquerda, enquanto a dela se redu- tembro, de governadores na Venezuela em outubro ziu, obrigando-a a compor com um pequeno parti- e, em novembro, ocorreram as eleições dos delega- do regional de extrema direita da Irlanda do Norte, dos municipais em Cuba, que deram início à escolha o Partido Democrático da União (DUP na sigla em de delegados das províncias e posteriormente da inglês) para permanecer como primeira-ministra. Assembleia Nacional, bem como o primeiro turno Foi também no meio do ano que o rei da Arábia das eleições presidenciais no Chile. Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, trocou o Na Noruega, a coalizão liberal (direita) manteve a príncipe herdeiro Mohamed bin Nayef, seu sobri- maioria parlamentar e na Alemanha a extrema di- nho, por seu filho Mohamed bin Salman. Este su- reita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) elegeu biu o tom na política externa de forte disputa com parlamentares pela primeira vez, enquanto a coa- os países do chamado eixo xiita como o Irã, Iraque, lizão CDU-CSU, liderada por Angela Merkel, foi a Síria e Líbano e centralizou o poder internamente. mais votada, porém sem atingir maioria parlamen- Na política externa, uma das primeiras medidas foi tar. Ela deu início a negociações com os partidos a de bloquear o vizinho Catar, por se recusar a rom- liberal e verde visando compor o novo governo. per relações com o Irã, embora a justificativa oficial Estas negociações fracassaram em novembro, e fosse que o governo deste país se recusava a inter- o partido social-democrata (SPD), que participou romper o apoio ao terrorismo islâmico. duas vezes da gestão Merkel e obteve o pior resul- 9 INTERNACIONAL

tado eleitoral de sua história, começou a reconside- seus vice-presidentes, o brasileiro Paulo Nogueira rar seu anúncio de não participar do governo. Seu Batista Júnior, por ter criticado o governo golpista congresso realizado no início de dezembro autori- do Brasil. Neste país, em outubro, aconteceu o XIX zou sua liderança a negociar esta possibilidade com Congresso do Partido Comunista Chinês que re- Merkel sob a justificativa de que a convocação de conduziu Xi Jingpin ao cargo de secretário-geral do novas eleições poderia acarretar resultados ainda partido e presidente do país. piores para o partido e favorecer a AfD. Neste mesmo período, houve o plebiscito na Ca- Na Venezuela, o resultado das eleições para gover- talunha para discutir a proposta de declarar a in- nadores favoreceu o governo e o Partido Socialista dependência desta província da Espanha, iniciativa Unificado da Venezuela (PSUV) ao elegerem de- duramente reprimida pelo governo espanhol, que zoito dos 23 cargos em disputa. Quatro governa- chegou a intervir diretamente depondo as autori- dores eleitos pela oposição reconheceram a legiti- dades catalães e colocando alguns líderes pró-in- midade da ANC e assumiram seus cargos, mas um dependência na prisão. dos eleitos ligado a Henrique Capriles se recusou e Em novembro realizou-se a Jornada Continental pela sua posse foi negada. Devido a esta divergência de Democracia e Contra o Neoliberalismo em Monte- posições no interior da oposição, Capriles retirou- vidéu, Uruguai, organizada por várias organizações -se da “Mesa de Unidade Democrática” (MUD). sindicais e sociais reunindo em torno de duas mil Enquanto isso, o resultado do primeiro turno das pessoas para debater e encaminhar propostas. Este eleições chilenas levou os candidatos Sebastián evento ocorreu ao mesmo tempo em que o presi- Piñera da coalizão “Vamos” de direita e Orlando dente do Zimbábue renunciava ao governo após 37 Guillier pela “Nova Maioria” ao segundo turno. O anos no poder, pressionado pelo exército do país. destaque nesta eleição foi que a direita cantava vi- O ano vai terminando com a realização de uma tória já no primeiro turno, mas seu candidato obteve Conferência Ministerial da Organização Mundial do pouco mais de 30% dos votos e o resultado de 20% Comércio (OMC), em Buenos Aires, Argentina, onde para a candidata Beatriz Sánches da “Frente Amplio” o destaque foi a repressão do governo argentino às com 20% dos votos, um pouco menos do que Guil- atividades da sociedade civil que se contrapõe ao lier, sendo que as pesquisas somente lhe davam em livre comércio, inclusive recusando o ingresso no torno de 8%. O resultado do segundo turno depen- país de aproximadamente sessenta ativistas sociais derá do percentual de participação do eleitorado, de outros países. pois o voto não é mais obrigatório no Chile. Assim como esta retrospectiva se iniciou regis- O último trimestre do ano registra fatos como o trando a posse do presidente dos Estados Unidos, massacre e êxodo da população Rohingya em My- Donald Trump, termina condenando seu imperial, anmar que chama ainda mais atenção por ocorrer desastroso e infeliz anúncio de que mudará a em- no país do Prêmio Nobel da Paz, Aun San Suu Kyi, baixada dos Estados Unidos de Telaviv, em Israel, hoje uma autoridade importante. para Jerusalém, capital da Palestina ocupada, pro- O banco dos Brics, o Novo Banco de Desenvolvi- vocando enorme revolta e mobilização no mundo mento (NDB) com sede na China, demitiu um de muçulmano.

10 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

A Reforma Trabalhista aprovada às pressas, em julho, trouxe o desmonte da CLT e já passa por altera- ções via emendas ou MPs. A Reforma Política aprovada sem a devida discussão, em outubro, rejeitou o Distritão, implementou cláusula de barreira e o fundo público para campanha, mas foi insuficiente e textos complementares à PEC já tramitam no Congresso. MPs que perdoam dívidas de grupos empre- sariais foram aprovadas e demonstram para quem os golpistas governam. Somado a isso, o governo agonizou mergulhado em escândalos de corrupção. Chega ao final do ano com base de apoio insufi- ciente para aprovar o pacote de maldades que ainda tem para a população.

Agenda golpista em 2017 balhistas sobre o mercado de trabalho será subs- Em meados de março, o governo golpista e sua tancial. A proposta autorizou o regime de trabalho equipe econômica davam como certa a aprovação intermitente, acabou com o Imposto Sindical, ins- da Reforma da Previdência. À época, o ministro da tituiu a preponderância do negociado sobre o le- Fazenda chegou a dizer que não havia possibilida- gislado e foi sancionada sob protestos de juízes do de de abrir mão de pontos polêmicos, afirmando Trabalho e especialistas. Em novembro, o governo que alguns aspectos estavam fora de negociação. editou MP para modificar a nova lei, com mudan- Nos meses que se sucederam, o governo se enfra- ças na contribuição previdenciária do trabalhador queceu após as delações da JBS e as denúncias da sob regime intermitente, entre outros pontos. PGR. Sem os 308 votos necessários para aprovar a Também se destacam as MPs 756 e 758, de 2016, reforma, apresentada por meio de uma PEC, a ma- que redesenharam e alteraram limites de áreas de téria ficou suspensa até o final do ano, quando foi preservação ambiental, parques e florestas nacio- retomada. Ao alterar o texto para reduzir o custo nais nos estados do Pará e Santa Catarina, apro- político da Reforma, o governo centrou o projeto vadas neste ano, mas alteradas sob pressão de no ataque ao regime previdenciário do setor pú- ambientalistas. Foram promulgadas MPs que dis- blico. As negociações seguem e o governo admite põe sobre perdões de dívidas bilionárias de grupos deixar a votação para 2018. empresariais e entes federativos: os Refis, instituí- O governo aprovou a Reforma Trabalhista a toque dos pelas MPs 766/2017, 780/2017, 783/2017 de caixa em julho. A nova lei entrou em vigor em e 778/2017, foram objeto de negociação política novembro e o impacto do desmonte das leis tra- para beneficiar grupos empresariais ligados a de- 11 POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

putados em troca de votos. Em julho, o governo Claudio Melo, executivo da empreiteira Odebrecht, aprovou no Congresso a Lei de Diretrizes Orça- delatou que Temer pediu dez milhões de reais a mentárias de 2018, a primeira sob a vigência do Marcelo Odebrecht para doação ao PMDB, além de teto de gastos. outros setenta executivos da empresa que delata- ram como o esquema de financiamento de cam- No âmbito da Reforma Política, as principais pautas panha funcionou durante as últimas décadas. Com foram a alteração no sistema eleitoral e mecanis- a denúncia, o então procurador-geral da República, mos de financiamento de campanha. O Distritão, Rodrigo Janot, pediu abertura de inquérito contra defendido por Temer e por partidos do centrão, foi Temer, os senadores Renan Calheiros e Romero rejeitado. O Congresso aprovou, no começo de ou- Jucá, José Sarney e o ex-presidente da Transpetro, tubro, um fundo público eleitoral para campanha, Sérgio Machado, por tentativa de obstrução à Ope- além de uma cláusula de barreira. Em agosto, os tu- ração Lava Jato e repasse de mais de cem milhões canos defenderam em rede nacional, no programa de reais ao PMDB, (32 milhões para Calheiros, 21 partidário de agosto, a adoção do parlamentarismo milhões para Jucá e 18,5 milhões para Sarney). como sistema de governo. O presidente do Tribu- nal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Em abril, o ministro do STF Edson Fachin autori- Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes entregou aos zou a investigação de 98 políticos citados na Lava presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Jato. As delações atingiram um terço do ministério do Senado Federal, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de Temer (oito dos 28 ministros), 24 senadores e um texto que complementa a PEC 09/2016, edi- 39 dos 513 deputados, incluindo os presidentes do tada pelo então senador e atual ministro das Re- Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, lações Exteriores (PSDB-SP), que Rodrigo Maia (DEM-RJ). As investigações atingiram tramita no Congresso e dispõe sobre o tema. dezessete partidos políticos, catorze da base de apoio ao governo. Em maio, a divulgação da gravação de conversa en- O desmanche da coalizão do golpe tre Temer e Joesley Batista, da JBS, mostrou o apoio Em janeiro de 2017, Teori Zavatscki, ministro do de Temer ao empresário para continuar pagando Supremo Tribunal Federal (STF) relator da Lava mesada pelo silêncio de Eduardo Cunha. O minis- Jato, foi vítima de acidente de avião. O ministro Ed- tro Fachin pediu abertura de inquérito contra Temer son Fachin ocupou sua vaga e assumiu a relatoria para apurar crimes de obstrução à Justiça, corrupção do processo. Temer indicou passiva e formação de organização criminosa. (PSDB-SP), então ministro da Justiça, para ocupar Com as denúncias da JBS, os ministros Romero a vaga de Fachin no Supremo, e nomeou para mi- Jucá (PMDB-RJ), do Planejamento, Fabiano Silvei- nistro da Justiça o deputado (PM- ra, da Transparência, Henrique Alves (PMDB-RN), DB-BA), ligado a Eduardo Cunha. do Turismo, (PSDB-RJ), da Cultura, O governo recriou a Secretaria-Geral da Presidên- e (PMDB-BA), da Secretaria de cia, para a qual indicou (PMDB-RJ), Governo foram afastados. Os principais articulado- o “Angorá”, das delações da Odebrecht, garantin- res do golpe Moreira Franco (PMDB-RJ), secretário do seu foro privilegiado; e a de Direitos Humanos, da Presidência, e , ministro da Casa nomeando Luislinda Valois (PSDB-BA). Antonio Civil, foram acusados. O ministro da Fazenda, Hen- Imbassahy (PSDB-BA), ocupou a vaga de Geddel rique Meirelles (PSD-SP), estava à frente do Conse- Vieira Lima (PMDB-BA) na Secretaria de Governo lho Consultivo do holding J&F, que controlava a JBS, e José Serra (PSDB-SP), citado em delações da entre 2012 e 2016. Odebrecht, se demitiu e foi substituído por Aloysio Ainda em maio, o ex-deputado federal Rodrigo Nunes (PSDB-SP) no Ministério das Relações Exte- Rocha Loures (PMDB-PR), homem de confiança riores. Com essa reestruturação, o PSDB ficou com de Temer, foi filmado recebendo uma mala da JBS cinco ministérios, um a menos que o PMDB. contendo quinhentos mil reais após combinar pa- 12 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

gamento semanal no mesmo valor pelo período de cou Antonio Imabassahy (PSDB), da articulação vinte anos. política, por Eliseu Padilha (PMDB). O centrão, que cobrava mais espaço, foi contemplado pelo gover- O PSB abandonou o governo, com seus 27 deputa- no, que negocia cargos e emendas parlamentares, dos e sete senadores. O PPS entregou um de seus liberando nomeações em diversas instâncias para dois ministérios, o da Cultura, mas permaneceu na atender às demandas dos deputados insatisfeitos. base. PSDB e DEM cogitam a saída, mas, compro- Para reforçar o placar favorável na votação, Temer metidos pelas delações, evitam assumi-las como exonerou dez ministros com mandato na Câmara e verdadeiras. conseguiu 251 votos, o suficiente para barrar a se- Do PSDB, Aécio Neves, senador por MG e presiden- gunda denúncia. te licenciado do partido, foi acusado de receber ses- Durante as votações das denúncias contra Temer, senta milhões de reais para o caixa 2 de sua campa- o PSDB, rachado desde as delações da JBS, expôs nha em 2014, além de propina oriunda do esquema suas fraturas internas, com metade do partido em de Furnas, e apareceu nos áudios pedindo dois mi- defesa do desembarque do governo e a outra me- lhões de reais a Joesley. As acusações contra o PSDB tade, pela permanência. também atingiram o senador Aloysio Nunes (SP), que teria recebido quinhentos mil reais em sua cam- A convenção do PSDB, realizada em 9 de dezem- panha, e Bruno Araújo (PSDB-PE), cujo nome consta bro, elegeu Geraldo Alckmin presidente do partido como receptor de caixa 2 na delação da Odebrecht. e decidiu pelo desembarque do governo. Antonio Imbassahy (PSDB-BA), ministro-chefe da secretaria Janot pediu a prisão de Aécio Neves, julgada impro- de Governo, se demitiu na última semana e deve ser cedente pelo Supremo. Apesar de o Senado livrar substituído por (PMDB-MT). A minis- Aécio Neves do afastamento do mandato, o PSDB tra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB- o manteve afastado da presidência do partido. -BA), deve deixar o cargo nos próximos dias e ape- Em junho, a absolvição da chapa Dilma-Temer, no nas Aloysio Nunes (PSDB-SP), permanece no cargo, julgamento do TSE, por quatro votos a favor e três como titular do Itamaraty, pela cota de Temer. contra, fortaleceu Dilma, com a comprovação de Até maio, antes da gravação de Joesley vir a públi- que o impeachment foi um golpe, enquanto Temer co, o governo contava com mais de trezentos de- se manteve sob pressão, tanto do TSE quanto do putados em sua base aliada. Na primeira denúncia, STF. Janot abriu denúncia contra Temer e Loures, a base aliada do governo caiu para 263 deputados que, para ser aceita, precisava do voto de dois ter- e, após a segunda, restou ao governo apoio inferior ços (342) dos deputados. Temer conseguiu apoio à metade (251) do total de deputados, insuficiente de 263 parlamentares contra a denúncia, 227 vota- para comandar o Legislativo e aprovar PECs. ram a favor e o processo foi arquivado. Em setembro, novos escândalos atingiram o gover- no golpista. O ministro Geddel Vieira Lima foi preso Opinião pública: avaliação de governo com mais de 51 milhões de reais em um bunker, Em abril, pesquisa do Vox Populi em parceria com em Salvador. A prisão dos irmãos Joesley e Wesley a CUT mostrou que o governo Temer possuía ape- Batista e a delação do doleiro Funaro, além da nova nas 5% de avaliação positiva. Em junho, esta não denúncia de Janot contra Temer por organização ultrapassava 3%, número que se manteve em no- criminosa juntamente com os ministros Eduardo vembro, mostrando que Temer é o presidente mais Cunha, , Moreira Franco, impopular que o país já teve. Nesta última pesqui- Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha, abalaram o go- sa de novembro, Temer alcançou 76% de avalia- verno. Segundo a PGR, os denunciados receberam ções negativas. Segundo o Datafolha, em maio o ao menos 587 milhões de reais em propina e van- governo Temer era considerado ruim ou péssimo tagens indevidas. por 61%, número que subiu para 71% em novem- Para escapar às novas denúncias, o governo tro- bro, segundo esse instituto. Neste mesmo período, 13 POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

a aprovação caiu de 9% para 5%. De acordo com em novembro 18%. A terceira colocada, Marina Sil- o Datafolha, a percepção de que o governo Temer va, figurou com 15% em junho e 10% em novem- é pior que o governo da presidenta Dilma atingiu bro. O Datafolha apontou, em novembro, que 87% 62% em novembro, número que era de apenas dos entrevistados não votariam em um candidato 40% em dezembro de 2016. apoiado por . A pesquisa Vox Populi/CUT publicada em junho, após as denúncias da JBS, indicavam que 85% dos brasileiros queriam que o TSE cassasse Temer. Pes- - Evolução da preferência partidária quisa do Poder 360 apurou que 77% consideravam O Poder 360 mostrou que o PT está recuperando seu que a Câmara errou ao não aprovar o prossegui- capital eleitoral e tem potencial de voto de 34% (21% mento da denúncia da PGR contra o golpista. votariam com certeza em candidato do PT e 13% A Pesquisa Pulso Brasil, publicada pelo Instituto poderiam votar em candidato do partido). A última Ipsos em agosto, indicou que quase a totalidade pesquisa Datafolha confirma a tendência de aumen- (94%) dos eleitores não se sente representada pe- to da preferência partidária pelo PT. Em dezembro de los políticos que estão no poder nem pelos políticos 2016, 9% preferiam o PT, passou para 18%, em junho em quem votaram (86%). O Instituto Vox Populi de 2017, 19%, em setembro e em dezembro, regis- em parceria com a CUT, em pesquisa de outubro, trou 21%. Segundo a série histórica do Datafolha o PT revelou que 81% dos entrevistados desaprovavam voltou aos níveis de preferência partidária anteriores a nova lei trabalhista e 79% não votariam em depu- ao golpe: 22%, em dezembro de 2014. tados que apoiaram a reforma. Outra pesquisa Datafolha divulgada em julho mos- tra que a população está se tornando mais progres- - Intenções de voto sista. O Datafolha apurou que 40% da população se diz de direita e 41% de esquerda. Mapeando Todos os institutos mostraram, em relação aos ce- nários para a eleição presidencial de 2018, a lide- valores econômicos e comportamentais, constata rança isolada do ex-presidente Lula e a consolida- que a população tende a valores comportamentais ção de Bolsonaro no segundo lugar. De acordo com mais conservadores e valores econômicos mais o Vox Populi, em abril Lula tinha 44% de intenções progressistas. Embora, aspectos comportamentais estimuladas em cenários com Aécio ou Alckmin. estejam mais à direita (47%) que os econômicos Em junho, 45% dos entrevistados declararam voto (28%), observa-se queda de oito pontos percen- no ex-presidente. Em novembro, Lula figurava com tuais da posição conservadora, retornando aos pa- 35% de intenção de voto espontânea e 42% esti- tamares de 2013, antes da onda conservadora pré- mulada. O crescimento de Bolsonaro foi mensura- -impeachment. do pelo Vox Populi: em abril, 11% declaravam voto Quanto aos aspectos econômicos, 44% identifi- no deputado, em resposta estimulada, empatada cam-se com posições de esquerda, como que “boa com a intenção de voto em Marina Silva. Em no- parte da pobreza está ligada à falta de oportunida- vembro, Bolsonaro apareceu com 16%, nove pon- des iguais para que todos possam subir na vida”, com tos a mais que Marina. a qual 77% da população concordam, e 76% acre- De acordo com o Instituto Datafolha, em junho ditam que o governo deve “ser o maior responsável Lula possuía 30% das intenções de voto, número por investir no país e fazer a economia crescer”. que cresceu para 35% em setembro e 36% em no- vembro. O Datafolha também captou uma queda Entre aspectos comportamentais, 80% são a favor na rejeição do ex-presidente Lula: em junho era da proibição do uso de drogas e 73% querem que 46%, em setembro 42% e, em novembro, 39%. a punição para adolescentes que cometem crimes Este instituto também mostrou consolidação de seja igual à de adultos, indicando forte postura con- Bolsonaro na segunda colocação: em junho, 16%, e servadora relacionada à criminalidade e punitivismo. 14 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 SOCIAL

No ano de 2017, consolidaram-se enormes perdas no cam- po da política social e no mercado de trabalho, seja pelo desmonte, com o fim de diversas políticas ou redução aguda do financiamento destas, seja pela adoção de novas regu- lamentações que prejudicam os trabalhadores e os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira. Sem a pretensão de exaurir os retrocessos enfrentados pelo Brasil no campo social, analisaremos a seguir algumas das perdas da classe trabalhadora nos últimos meses.

Mercado de trabalho da de 2,2% em relação ao ano anterior. Por outro lado, cresceu nas duas comparações o contingente A austeridade fiscal, aplicada no Brasil desde 2015, de trabalhadores por conta própria, o que ilustra a teve um efeito devastador no mercado de trabalho. precarização do mercado de trabalho no Brasil. Desde então, ocorreu uma escalada do desempre- go, que, em 2017 transformou-se em estagnação Deve-se ponderar ainda que, segundo os últimos da taxa de desemprego no país, com aumento da dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- participação do setor informal da economia, medi- tística (IBGE), no terceiro trimestre de 2017, a taxa da em especial pela Pesquisa Nacional por Amostra composta da subutilização da força de trabalho de Domicílios Contínua (PNADC). (que agrega os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas e os que fazem parte da força Segundo os dados mais recentes para 2017 (PNA- de trabalho potencial) ficou em 23,9%, o que repre- DC), a taxa de desocupação (12,2%) no trimestre senta 26,8 milhões de pessoas. Esta estimativa caiu móvel de agosto a outubro recuou 0,6 ponto per- 0,6 ponto percentual (p.p.) em relação ao trimes- centual em relação ao trimestre de maio a julho tre anterior do mesmo ano (13,0%) e aumentou deste ano (12,8%). Na comparação anual, no en- 0,6 p.p. em relação ao terceiro trimestre de 2016 tanto (com o mesmo trimestre de 2016), que foi de (11,8%). Esse indicador também denota a crise para 11,8%, houve aumento de 0,4 ponto percentual. os trabalhadores brasileiros, que ficam mais vulne- A população desocupada (12,7 milhões) teve que- ráveis a aceitar piores condições de trabalho. da de 4,4% no confronto com o trimestre anterior Nesse contexto, como suposta resposta à crise no (menos 586 mil pessoas), mas, em relação a igual mercado de trabalho, surgiu a proposta e ocorreu período de 2016, houve aumento de 5,8% (mais a aprovação da chamada Reforma Trabalhista (Lei 698 mil pessoas). Houve também estabilidade 13.467/2017). Também no ano de 2017 foi apro- frente ao trimestre anterior no número de empre- vada a Lei 13.429/2017 (antigo PL 4.302/1998), gados com carteira de trabalho assinada, mas que- que libera a terceirização também em atividades 15 SOCIAL

fim (antes restrita a atividades meio). Tanto a Lei de campo e a redução do cardápio dos restauran- 13.429/2017 quanto a Lei 13.467/2017 baseiam-se tes universitários. Além disso, há uma ameaça de nos debates dos anos 1990, de que as leis traba- privatização das universidades públicas brasileiras. lhistas são muito rígidas no Brasil (o que contrasta, Quanto à saúde, as políticas de austeridade e de por exemplo, com a alta rotatividade da mão de descontinuidade no SUS têm promovido sofri- obra brasileira), de que na comparação internacio- mento à população. Se a saúde pública está enfra- nal o salário brasileiro é alto (mas, para a indústria, quecida, por outro lado mudanças que favorecem um trabalhador brasileiro já tem salário mais baixo o setor privado na saúde estão caminhando rapi- que um chinês) e de que a retirada de direitos (ou damente: no ano de 2017 avançou a tramitação do flexibilização) geraria empregos. No entanto, ela novo marco regulatório dos Planos de Saúde (PL contribui para criar uma sociedade mais desigual e 7419/06 e apensados), que altera a atual lei dos pode permitir a redução do consumo. Planos de Saúde (9656/98). Especialistas do cam- Assim, foram consolidadas no ano de 2017 mu- po da saúde pública apontam que o projeto tem a danças substantivas para os trabalhadores brasilei- digital das operadoras em detrimento dos direitos ros, que terão impacto no curto prazo (na piora da do povo brasileiro. Ainda em 2017, ocorreu a revi- qualidade dos empregos considerados formais) e são a toque de caixa da Política Nacional de Aten- no longo prazo (com a possível ampliação da desi- ção Básica (PNAB). Diversas entidades do campo da gualdade e da pobreza no país). saúde coletiva marcaram posição contra a revisão. E ainda em relação ao mercado de trabalho, em No campo também diversos foram os retrocessos 2017 Temer espera poder aprovar a PEC 287, a em 2017, com o corte de verbas e reestruturação chamada Reforma da Previdência. Com a Reforma de programas mundialmente reconhecidos como Trabalhista, aumenta a pressão neste sentido, já o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), can- que as mudanças trabalhistas reduzem as receitas celamento/alterações no Programa Minha Casa da Previdência, por exemplo, ao ampliar as possi- Minha Vida Rural, desestruturação do Corpo Téc- bilidades de pejotização. Ainda que seja uma re- nico para atuação na área e a redução da estrutura forma menor que a almejada pelo governo em um institucional para a diversidade no campo (povos primeiro momento, este projeto torna mais difícil o e comunidades tradicionais, dos quilombolas, dos acesso à Previdência Social. negros, das políticas de gênero, de juventude, das comunidades indígenas). Também houve sérias mudanças na concepção e condução da política Cortes em políticas sociais agrária do país, como com a MP 759, conhecida Diversos foram os campos da política social (saú- como “MP da grilagem”, que favorece os grandes de, educação, ciência e tecnologia, habitação, entre proprietários que realizaram grilagem. outras áreas) que sofreram com cortes nas políticas Como apontamos ao princípio, a lista dos retro- sociais, bem como novas regulamentações que fa- cessos aqui citados está longe de estar completa e vorecem o setor privado ou os interesses de gran- pode ainda se estender até o fim do ano de 2017. des grupos ou famílias. Com tais medidas, Temer cumpre à risca as propos- Na educação, estão sendo amplamente atingidas tas do documento “Ponte para o Futuro” e mostra pela austeridade as instituições de ensino e pesqui- de que lado está na luta de classes. Já o Brasil - que sa no país, em especial as 63 universidades federais. tinha reduzido a desigualdade social durante os go- Tornaram-se comuns o cancelamento de congres- vernos petistas - agora consolida medidas que am- sos e eventos acadêmicos, a suspensão de estudos pliam as desigualdades.

16 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 ECONOMIA

O ano de 2017 chega ao fim da mesma forma que começou: com os ana- listas de mercado alinhados às autoridades econômicas do governo Temer anunciando que nos próximos meses tudo vai melhorar. Previsões e equívo- cos à parte, o fato é que a economia brasileira andou de lado e deve regis- trar uma oscilação positiva do PIB muito próxima da taxa de crescimento da população, o que significa que a renda per capita deverá ficar estacio- nada em um patamar quase 10% abaixo do que era em 2014.

Nível de Atividade mos apontando em boletins anteriores, a ativida- de econômica só conseguiu se manter no campo O último dado divulgado do PIB, relativo ao ter- positivo graças a alguns fatores específicos ou re- ceiro trimestre do ano corrente, jogou um balde lativamente fortuitos que não deverão se repetir de água fria nas hostes governistas e de seus só- em 2018. No primeiro trimestre foram impor- cios mercado adentro. Comparado ao trimestre tantes as acelerações da agricultura e das expor- imediatamente anterior, o PIB do terceiro trimes- tações (12,9% e 5,7% respectivamente), as quais tre ficou praticamente estagnado, registrando uma induziram a indústria de transformação (1,7%) oscilação positiva de apenas 0,1% e indicando - principalmente a produção de máquinas agrí- uma trajetória de desaceleração - vinha de um colas e caminhões - e os serviços de transporte e crescimento de 1,4% no primeiro trimestre e de armazenagem (2,2%). No segundo trimestre, em 0,7% no segundo (veja tabela a seguir). grande medida como decorrência dos 44 bilhões Com esse resultado, estima-se que, a depender de reais do Fundo de Garantia por Tempo de Ser- do desempenho da economia no quarto trimestre viço (FGTS) que foram liberados entre os meses do ano, a taxa de crescimento anual do PIB ficará de março e junho, a melhora do nível de atividade muito próxima da taxa de crescimento da popu- foi puxada pelo consumo das famílias (1,2%) e, por conseguinte, pela expansão do comércio (2,2%). lação (estimada pelo IBGE em 0,7%), resultando, Ainda no que tange ao desempenho da economia portanto, em uma provável estagnação do PIB per no segundo trimestre, cabe notar que a trajetória capita em 2017, após três anos consecutivos de de crescimento das exportações (1,2%) foi tam- queda. bém um dos indutores importantes que ajudaram Analisando a evolução dos números ao longo dos a manter a atividade econômica levemente aque- trimestres de 2017, percebe-se que, como estive- cida naquele período.

17 ECONOMIA

Variação do PIB Trimestral - com ajuste sazonal (trimestre/trimestre anterior)

Fonte: IBGE/Contas Nacionais Trimestrais

Já no terceiro trimestre, período do ano em que necessários mais alguns meses com desempe- historicamente a economia apresenta os melhores nhos positivos e um pouco mais robustos para se resultados, a quase estagnação registrada (+0,1%) poder falar de forma mais segura sobre a efetiva foi sustentada em grande medida graças ao bom recuperação da economia. desempenho da indústria de transformação - em Por ora, ainda persistem alguns sinais que deno- especial pelo setor automotivo (+1,4%) - e, do pon- tam a fragilidade do quadro econômico geral. Por to de vista da demanda, pela recuperação da for- exemplo, no front externo, o terceiro trimestre re- mação bruta de capital fixo (+1,6%) e do consumo velou uma expansão das importações bem acima das famílias (+1,2%). do registrado nas exportações (6,6% contra 4%). Esses foram, sem sobra de dúvida, os melhores Se, por um lado, isso pode expressar o aquecimen- indicativos setoriais do PIB não só no trimestre, to do consumo, por outro, deverá trazer conse- mas ao longo do ano, já que poderiam estar apon- quências danosas se levar a uma trajetória de cres- tando para alguma tração mais virtuosa entre a cente vazamento da demanda agregada interna. retomada dos investimentos, o aquecimento da Outro dado preocupante diz respeito aos núme- produção industrial e alguma melhora quantitati- ros mais recentes da indústria, que foram divul- va no mercado de trabalho. Entretanto, é preciso gados posteriormente aos do PIB. De acordo com levar em conta que, depois de dois anos de forte a Pesquisa Indústria Mensal do IBGE, em outubro recessão, o patamar é muito baixo e a intensidade a variação na margem veio muito baixa (0,2%), da aceleração ainda muitíssimo modesta. Seriam influenciada negativamente por uma queda na 18 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

produção de bens duráveis (-2%) e de bens in- bro, o déficit primário já alcança de 187,2 bilhões termediários (-0,8%), apontando mais uma vez de reais (2,9% do PIB), valor bastante superior à uma tendência de desaceleração da retomada in- meta de déficit de 159 bilhões de reais. Contudo, dustrial. Já o Indicador Mensal de Consumo Apa- de acordo com as últimas projeções do Ministério rente de bens industriais, calculado pelo Instituto do Planejamento, graças a receitas extraordinárias de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontou provenientes de concessões do setor elétrico e dos em outubro um declínio de 1,1% em compara- leilões do pré-sal, os últimos dois meses do ano ção ao mês anterior, fortemente influenciado deverão apresentar uma recuperação das contas pela segunda queda consecutiva da indústria de públicas, permitindo que se encerre o exercício de transformação (ambos -0,3), principalmente em 2017 com um déficit primário dentro da meta. decorrência das contrações do consumo aparen- Por fim, cabe considerar que quando são incluí- te de alguns segmentos-chave: máquinas e equi- das na conta as despesas com o pagamento de pamentos (-7,3%); metalurgia (-3%); veículos au- juros (resultado nominal) o quadro fiscal se dete- tomotores, reboques e carrocerias (-1,6%); papel riora ainda mais, visto que a despeito da redução e celulose (-1,7%); produtos alimentícios (-8,1%). da taxa Selic ao longo do ano, os prejuízos com Embora no acumulado no ano e nos últimos doze as operações de swap cambial fizeram crescer as meses o consumo aparente de bens da indústria despesas com juros ao longo de 2017. De acordo de transformação ainda registre valores positivos com o Banco Central, o pagamento de juros al- (respectivamente 2,8% e 2,2%), os dados decli- cançou 338,4 bilhões de reais de janeiro a outu- nantes na margem preocupam e colocam em xe- que as apostas em uma aceleração da produção bro, 2,15% a mais do que foi pago em igual perío- industrial no próximo ano. do do ano passado. Ou seja, deveremos encerrar 2017 gastando com juros algo entre 6,5% e 7% Por fim, cabe assinalar que, diante de um qua- do PIB, de longe a maior despesa do setor público dro de tão baixo dinamismo e de uma economia brasileiro. que segue sendo impulsionada por espasmos e medidas de emergência, a desastrosa política de austeridade fiscal fez cair sucessivamente o con- Comércio Exterior sumo do governo ao longo do ano (-0,1%, -0,1% e Conforme mencionado acima e também assinalado -0,2%), dificultando sobremaneira o processo de na maioria dos boletins mensais do presente ano, o recuperação do PIB. comércio exterior foi fundamental para manter aque- cidos alguns setores de atividade econômica e evitar Contas Públicas que a recessão continuasse se aprofundando. No acumulado do ano até novembro, o saldo de nossa Com a recente divulgação dos números dos re- balança comercial foi de 62 bilhões de dólares, o que sultados fiscais do setor público consolidado (três representa um recorde histórico para o país. Nossas níveis de governo + estatais), soubemos que em exportações chegaram a 200,15 bilhões de dólares outubro foi registrado um superávit primário de no período (+18,2%) enquanto nossas importações 4,8 bilhões de reais, fortemente ajudado pela ar- ficaram em 138,15 bilhões de dólares (+9,6%). recadação extraordinária de 5,5 bilhões de reais oriundos dos programas de renegociação de dí- Sob a perspectiva dos chamados fatores agregados, vidas (Refis). No acumulado do ano, entretanto, o excepcional resultado das exportações brasileiras os números mostram uma grave deterioração das foi puxado em larga medida pela venda de produtos contas públicas em 2017, com um déficit primá- básicos, que atingiram a cifra de 93,8 bilhões de dó- rio de 77,4 bilhões de reais - o pior resultado da lares (+28%), enquanto os semimanufaturados (28,8 série histórica iniciada em 2001 -, ante déficit de bilhões de dólares) e os manufaturados (73 bilhões de R$45,9 bilhões no mesmo período de 2016. No dólares) cresceram em ritmo menos intenso (respec- acumulado dos doze meses encerrados em outu- tivamente +13,8% e +9%). Entre os produtos básicos,

19 destacaram-se as exportações de soja (+30,2%), de minerais de ferro (+53,4%) e de óleos brutos de pe- Inflação e política monetária tróleo (+64,6%). Entre os semimanufaturados, foram importantes os avanços registrados nas exportações Como não poderia deixar de ser, a inflação bra- de açúcar (+14,4%) e de celulose (+14,1%), enquanto sileira seguiu bastante baixa ao longo de 2017. Depois de dois anos de recessão, de uma revalo- entre os manufaturados as exportações de automó- rização do câmbio, do fim dos impactos altistas veis de passageiros (+46,8%), de veículos de carga do realinhamento de preços realizados no ano de (+41%) e de máquinas e aparelhos para terraplana- 2015 e com uma excepcional safra agrícola que gem (+60%) foram os avanços mais significativos. ajudou a derrubar os preços dos alimentos, de- Já entre as importações, o resultado por fator agre- veremos terminar 2017 com uma inflação (IPCA) gado no acumulado até novembro revela que foram próxima de 3%, isto é, talvez um pouco abaixo do puxadas principalmente pelos produtos semimanu- piso da meta. faturados (+16,3%) e, em menor medida, pelos bási- Já considerados os resultados do mês de novem- cos (+14%) e manufaturados (+8,8%). Cabe salientar bro, a taxa relativa aos últimos doze meses ficou que entre as categorias de produtos que contribuíram em 2,8% e, portanto, a depender da apuração de de forma mais efetiva para aquela expansão das im- dezembro, o presidente do Banco Central precisa- portações, com exceção dos circuitos integrados e mi- rá se explicar em carta aberta à sociedade brasilei- cro conjuntos eletrônicos (+46,1%) os demais - óleos ra sobre o equívoco de manter a taxa Selic acima combustíveis (+91,5%), nafta (+42%) e de adubos e do necessário, em um país que tem 12,2 milhões fertilizantes (+29,1%) - são todos produtos derivados de trabalhadores desempregados e que registra a do petróleo que costumam responder de forma bas- mais baixa taxa de investimento das últimas déca- tante elásticas aos impulsos dos setores agrícola e/ das. Não é demais assinalar que, embora a recente ou exportadores. Ou seja, revela-se aqui um déficit redução da Selic para 7% a.a. tenha conduzido ao crônico e potencialmente crescente em nossa estru- seu menor patamar em 21 anos, nossa taxa de ju- tura de comércio exterior que se contrapõe à política ros real (pelo critério ex-ante) segue ainda muito adotada pelo governo de Temer e pela atual gestão elevada, em 2,9% a.a., isto é, ainda a quarta mais da Petrobras de realizar desinvestimentos nos seg- alta do planeta e muito acima da média mundial mentos de refino e na produção de derivados no país. que em novembro estava negativa em 0,10%.

20 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 TERRITORIAL

O período pós-golpe foi caracterizado por um conjunto de medi- das que representaram retrocesso para a política agrária e rural brasileira. Essas mudanças se manifestaram pela movimenta- ção da bancada ruralista do Congresso Nacional por meio de um conjunto de instrumentos (medidas provisórias, decretos e proje- tos de lei) que visam favorecer o agronegócio e os grandes pro- prietários de terra

O BRASIL RURAL EM RETROCESSO Desde que o presidente interino Michel Temer assu- O presente artigo visa destacar alguns instrumentos miu o governo, os ruralistas vêm pressionando para legais utilizados pela bancada ruralista no período que seus interesses sejam efetivados. Essa situação recente. Conforme se observa no quadro a seguir, os está ameaçando os direitos conquistados pelos tra- grandes proprietários de terras vêm buscando inserir balhadores rurais e pelas comunidades tradicionais. na pauta discussões em torno do porte de armas para Entre diferentes medidas tomadas por Temer para proprietários rurais, da desestruturação do programa manter sua base aliada, estão os rearranjos institucio- de reforma agrária, da abertura de reservas ambien- nais que reduzem o espaço dos indígenas e quilom- bolas, os cortes no orçamento destinado a políticas tais para exploração de mineradoras, do não reco- públicas de fomento à agricultura familiar, bem como nhecimento de terras quilombolas e indígenas, assim o uso de instrumentos legais que conferem mais po- como a regulação da venda de terras brasileiras para o der ao agronegócio. capital estrangeiro. 21 TERRITORIAL

Quadro 1 – Instrumentos legais sobre a questão agrária e rural brasileira no pós-golpe

Fonte: Elaboração própria

A seguir, de que trata cada instrumento utilizado pela Favorecimento da grilagem e ataque à reforma agrária bancada ruralista no Congresso Nacional e suas pos- A Lei nº 13.465/2017, conhecida como MP da grila- síveis consequências no cotidiano de grupos sociais gem, que formaliza em grande escala as terras pú- como os agricultores familiares e as comunidades blicas invadidas por grileiros - fato que pode levar ao tradicionais. agravamento do desmatamento e dos conflitos pela terra. Essa mesma lei também coloca em risco a Po- lítica Nacional de Reforma Agrária ao estimular a co- Porte de armas para proprietários rurais mercialização das terras dos assentamentos e reduzir O projeto de lei n° 6.717/2016, de autoria de Afonso o papel do Instituto Nacional de Colonização e Refor- Hamm (PP-RS), autoriza a posse de arma para traba- ma Agrária (Incra) no apoio das famílias assentadas. lhadores ou proprietários rurais maiores de 21 anos. A justificativa do projeto é a distância das proprieda- des de centros urbanos e a dificuldade de se conse- Extinção da Renca guir atendimento policial nesses locais. Atualmente, Além disso, se inclui nesse cenário o favorecimento o projeto está em tramitação, sendo que em 29 de dos mineradores na tentativa de extinguir a Reserva novembro de 2017 foi aprovado pela Comissão de Nacional de Cobre e Associados (Renca), situada nas Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com onze vo- unidades federativas do Pará e Amapá - área de pro- tos a favor e cinco contrários. Caso a lei seja aprova- teção ambiental que possui 47 mil quilômetros qua- da, o Estatuto do Desarmamento terá de ser altera- drados, abriga sete unidades de conservação e duas do, uma vez que prevê o porte em áreas rurais para áreas indígenas. A reserva havia sido extinta por meio maiores de 25 anos e somente para as pessoas cuja de decreto presidencial, mas o governo não aguen- sobrevivência depende de atividades de caça. tou a pressão de diversos setores da sociedade e

22 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

voltou atrás na decisão. A iniciativa visava abrir cami- de 1988. Além disso, estabelece a ocupação de terras nho para exploração privada de minérios como ouro, indígenas para fins nacionais estratégicos (militares, ferro, níquel e manganês. Caso não fosse revogada, viários, minerais e hidrelétricos) sem passar pela Fun- as consequências da extinção da Renca teriam sido dação Nacional do Índio (Funai) e demais consultas desmatamento da floresta, poluição hídrica e explo- aos povos indígenas. Também o Instituto Chico Men- ração desenfreada do ouro e de outros minérios na des de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) passa Amazônia. a controlar terras indígenas sobrepostas a unidades de conservação ambiental. O marco temporal representa um retrocesso nos di- Regulamentação de terras quilombolas reitos indígenas e um risco à preservação tanto da cul- A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.239 de tura indígena quanto do meio ambiente. A exigência 2004, requerida pelo partido Democratas, passou de que a demarcação de terras indígenas seja reali- neste ano por mais um julgamento suspenso no Su- zada apenas para propriedades ocupadas até 1988, premo Tribunal Federal. A Adin trata do decreto n° apesar de partir da Constituição, teria de ser revisada 4.887 de 2003 sobre a regulamentação das terras frente ao dever histórico com os indígenas no país. quilombolas. A Constituição de 1988 prevê a posse Somente em 1988 os indígenas passaram a ter direi- das propriedades pelos quilombolas. No entanto, os to à demarcação da terra no Brasil e, anteriormente à Democratas questionam o reconhecimento das ter- promulgação da Constituição, suas terras eram ainda ras e o marco temporal de ocupação como inconsti- mais vulneráveis aos interesses do agronegócio, prin- tucionais. cipalmente na região Norte do país. Em 9 de novembro de 2017, o ministro Dias Toffoli Além disso, o decreto retira a prerrogativa de parti- continuou o processo da Adin com o seu voto-vista. cipação dos povos indígenas sobre intervenções es- Toffoli argumentou que não há inconstitucionalidade tratégicas que afetariam seu território e seu modo de na autodefinição dos remanescentes das comunida- viver. Michel Temer reafirma com isso a intenção gol- des dos quilombos e tampouco no critério previsto pista de reduzir os canais de participação motivados na lei para a titulação das terras. Porém, o ministro pelos governos petistas. afirmou a necessidade de se estabelecer um marco temporal, que para ele só possibilitaria a titulação de terras ocupadas até a data de promulgação da Consti- Estrangeirização das terras rurais tuição. Assim, seu voto-vista foi de julgado parcial da A aquisição de terras rurais por estrangeiros no Brasil Adin, mas Toffoli pediu novamente vista dos autos. é regulada pela lei n° 5.709/1971. Essa lei prevê res- O julgamento dessa Ação Direta de Inconstituciona- trições de compra de terras rurais para pessoas físicas lidade deve ser cuidadosamente acompanhado, uma e jurídicas estrangeiras, como o tamanho das terras vez que seu resultado poderá significar perdas de di- rurais que poderiam ser adquiridas e limites de por- reitos para os quilombolas, que atualmente já sofrem centagem para estrangeiros de uma mesma nacio- inúmeras limitações para a titulação de suas proprie- nalidade. Além disso, a lei aplicava as restrições para dades. O julgamento também significaria uma nova empresas brasileiras com a maioria do capital social vitória para os ruralistas. de participação de estrangeiros com residência ou sede fora do país. No entanto, em 1994 e 1998, a Advocacia-Geral da Marco temporal para terras indígenas União (AGU) emitiu dois pareceres que permitiram O parecer da Advocacia-Geral da União 001/2017 flexibilização da regra para aquisição de terras por es- foi publicado em 20 de julho de 2017 com aprovação trangeiros. Em 2010, a AGU emitiu um novo parecer de Michel Temer. O Marco Temporal estabelece que que revogou os anteriores, voltando a valer a lei n° os indígenas tenham direito apenas às terras por eles 5.709/1971 e as restrições para pessoas jurídicas bra- ocupadas até a data da promulgação da Constituição sileiras com maioria de capital social estrangeiro. O

23 TERRITORIAL

parecer entendia que a restrição era estratégica para, A estrangeirização das terras é uma questão em de- entre outras coisas, impedir a expansão desenfreada bate mundial, devido ao aumento da demanda pela do agronegócio em locais de preservação e conser- produção agropecuária, assim como um processo de vação ambiental, o aumento da grilagem de terras, a internacionalização da cadeia de produção que leva produção sem regulação de fontes energéticas e ris- empresas a encontrarem as maiores vantagens com- cos à soberania nacional. parativas nos custos. Ou seja, a estrangeirização das terras, além de aumentar a concentração no país, Em resposta ao novo parecer da AGU, a bancada também permitiria que empresas estrangeiras de lo- ruralista escreveu o Projeto de Lei n° 4.059/2012, cais com escassez de terra e da mão de obra se insta- apresentado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, larem no país com posse da propriedade. Abastecimento e Desenvolvimento Rural, que trata da aquisição de terras rurais por pessoas físicas e ju- rídicas estrangeiras. Em fevereiro de 2017, o governo Conclusão ilegítimo de Michel Temer ensaiou uma Medida Provi- O golpe presidencial abriu caminho para ascensão sória para tratar da compra de terras por estrangeiros, dos interesses dos ruralistas na agenda do governo mas devido à pressão optou por anexar texto ao Pro- e enfraqueceu temas ligados aos direitos da popula- jeto de Lei n° 4.059/2012, que tramita desde 2015 ção do campo, das florestas e das águas. Percebe-se em regime de urgência e está sujeito à apreciação do a gravidade das medidas legais tomadas por um go- plenário. Os resultados da aprovação da lei seriam a verno ilegítimo e suas consequências. É preciso ficar flexibilização da compra de terras por estrangeiros, atento aos próximos passos desses processos e pres- abrindo as terras brasileiras e favorecendo o investi- sionar para impedir que mais direitos sejam retirados mento no agronegócio pelo capital externo. dos trabalhadores do campo.

24 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 COMUNICAÇÃO

Esta seção analisa o comportamento dos grandes grupos de comunicação em 2017, que se dedicaram a proteger o governo golpista atingido por denúncias de corrupção, fizeram propaganda enganosa sobre o pífio resultado da economia e em troca foram con- templados com aumento da verba publicitária federal. Também trata dos principais fatos que mobilizaram as redes sociais e da cobertura feita por veículos inter- nacionais sobre temas da política brasileira, que vem perdendo espaço.

Grande mídia: o real motivo do apoio ao golpe balhista que entrou em vigor para geração de em- pregos tornou-se argumento comum. Em 2017, os grandes grupos de comunicação na- cionais demonstraram com absoluta clareza os reais A análise publicada no blog Imprença no dia 6 de motivos pelos quais apoiaram o golpe contra a pre- dezembro ilustra bem a artimanha do jornal O Esta- sidenta Dilma Rousseff. Tão logo aprovado o impea- do de São Paulo para que o “pibinho” de Temer apa- chment, passaram a usar toda sorte de manipulação recesse como retomada do crescimento. À época para defender o governo golpista, esconder da so- do fim do primeiro mandato da presidenta eleita ciedade os efeitos nefastos de sua política econômi- Dilma Rousseff, o jornal noticiara “Dilma encerra ca e apoiar as reformas que fazem retroceder mais mandato de quatro anos de ‘pibinho’”. No jornal, o de um século os direitos sociais no Brasil. resultado final do PIB de 2013, de 2,5%, era apre- sentado no diminutivo. O mesmo Estadão, contu- Este posicionamento é identificado em vários edi- do, noticiou que o “Governo já vê maior avanço do toriais publicados ao longo do ano sobre alguns dos PIB em 2018 e 2019”. Na matéria recente, afirma temas que pautaram a política nacional. Entre eles, que a expectativa de alta para o PIB - e não mais a ideia de que os indicadores econômicos recen- pibinho - deste ano passou de 0,73% para 0,89%. tes demonstram a saída da recessão e sinalizam uma importante recuperação da economia, além de Permeado por um arsenal de análises alvissareiras melhores condições de vida para o povo brasileiro, em relação ao desempenho da economia com o vem sendo recorrente em textos publicados pelos governo Temer, o Estadão também publicou, em grandes grupos. Também a aprovação da Reforma 17 de outubro, o editorial “Pobres saem do sufoco”, da Previdência como único caminho de “salvar” as uma análise que ignora o gravíssimo quadro social contas públicas e o enaltecimento da Reforma Tra- do Brasil pós-golpe: “As famílias de baixa renda, 25 COMUNICAÇÃO

geralmente as mais prejudicadas quando os preços meros não consideram a publicidade das empresas disparam, estão sendo beneficiadas pelo recuo da estatais, responsáveis por cerca de dois terços da inflação. Aos poucos, e ainda com muito cuidado, publicidade federal. O texto baseia-se em dados voltam a diversificar as despesas, buscando no da Secretaria de Comunicação do governo federal comércio algo além do essencial para a sobrevi- (Secom). Assim como o governo “compra” apoio vência. Com alimentos menos caros, sobra mais dos parlamentares para aprovar medidas impopu- dinheiro para outros bens e serviços. Elevam-se, lares, aumenta os gastos em publicidade para de- portanto, os padrões de consumo. Apesar disso, fendê-las perante a opinião pública. o normal ainda é reclamar da vida, como se nada tivesse melhorado, mas o movimento nos sho- ppings e outros indicadores mostram um ambiente Redes sociais se consolidam na disputa ideológica de maior animação.” As redes sociais em 2017 não apenas se consolida- Outros editoriais publicados recentemente reafir- ram como grande seara de disputa comunicacional mam o compromisso dos grupos de comunicação e ideológica, mas também se mostraram um es- com a defesa dos interesses da elite, como aquele pelho cristalino do que é debatido fora de um con- publicado em 28 de agosto pela Folha de S.Paulo, texto digital. As ferramentas de monitoramento se com o título “Sanear o Estado”, que enaltece o pro- aperfeiçoaram tanto no presente ano que expres- jeto privatista do atual governo. “O plano de Michel sões como Big Data, algoritmos, bots e ciborgs já se Temer (PMDB) para desestatizar a economia é ple- tornaram naturais ao vocabulário de quem discute no de propósitos corretos - e tornou-se ainda mais política nas plataformas on-line. ambicioso... Além de nova e extensa rodada de Nesse contexto, ao mesmo tempo em que os usuá- concessões de serviços à iniciativa privada, que in- rios e as plataformas vão se aprimorando no uso das clui aeroportos como o de Congonhas, retoma-se redes sociais on-line, as ferramentas passam a pos- a venda de estatais, da gigante Eletrobras à Casa da sibilitar análises muito mais complexas e completas, Moeda... Além de revigorar a minguante infraestru- como é o caso da morte do ministro do Supremo tura nacional, tais projetos levariam dinheiro para Tribunal Federal, Teori Zavascki, em janeiro. cofres federais vazios. Serviriam também de im- pulso para a ainda exígua recuperação econômica.” A morte de Teori Um texto emblemático em relação ao posiciona- mento da grande imprensa é o editorial do jornal Teori, como se sabe, não só foi vítima de um aci- O Globo publicado em 27 de outubro, que defende dente aéreo em Paraty (RJ) como também de mui- a Reforma da Previdência “sob o risco de o atual tas teorias conspiratórias em torno de sua morte. movimento de recuperação da economia terminar No twitter, pudemos analisar que o volume de abortado por falta de perspectiva real de um ree- ocorrências superou com tranquilidade a marca de quilíbrio sustentado das contas públicas”. No mes- 250 mil, o que colocou seu nome [Teori] nas pri- mo texto, o jornal aproveita para atacar a iniciativa meiras colocações entre os assuntos mais falados da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça no mundo nos dias subsequentes à sua morte. do Trabalho (Anamatra), de recomendar às catego- A análise do caso nas redes sociais on-line permitiu rias que descumpram a Reforma Trabalhista que a visualização de três grupos distintos: dois deles já entrou em vigor em novembro. consolidados no embate político cotidiano, e; um Levantamento publicado em 21 de maio pelo blog agrupamento extraordinário que pouco participa O Cafezinho ajuda a explicar o posicionamento dos das pautas políticas. grandes grupos. Segundo o texto, o governo gol- O agrupamento mais conservador e alinhado à di- pista fez anúncios da ordem de 153,9 milhões de reita do espectro político se organizou em torno da reais em doze meses, o que configurava, naquele tentativa de ligar o caso tratado com a morte do período, um aumento de 21% sobre 2016. Os nú- ex-prefeito Celso Daniel, sugerindo que o PT, por 26 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

supostamente estar interessado no fim da Opera- Com mais de 850 mil menções durante o dia do ção Lava Jato, estivesse envolvido de alguma ma- depoimento, duas hashtags se digladiaram pela li- neira no acidente. derança do trending topics mundial, uma pela dire- ta [#MoroOrgulhoBrasileiro] e outra pela esquerda Este agrupamento conseguiu, em certa medida, [#MoroPersegueLula]. Como é de se esperar - re- pautar as discussões dos usuários que não costu- sultado de um volume colossal de menções ao de- mam se envolver com política, sugerindo a repli- poimento - agrupamentos costumeiramente aves- cação desta teoria conspiratória para não mais que sos ao embate político nas redes participaram com um quinto dos usuários. bastante empenho deste episódio. Já o campo progressista logrou êxito em relembrar Para além das hashtags citadas, chamou atenção o o grampo no qual o senador do PMDB (MT), Ro- volume de menções de outros termos que visita- mero Jucá, é gravado dizendo que era necessário ram a lista de assuntos mais falados do dia. “estancar a sangria”, sendo que Teori era o ministro Acusações à figura do ex-presidente e ataques com menor abertura para conversas nesse sentido. frontais à reputação da já falecida companheira Além de Romero e do PMDB, o PSDB também so- Marisa Leticia foram muito utilizados pelos grupos freu ataques nesse sentido. conservadores, enquanto, pelo campo progressis- ta, a perseguição a Lula foi o mote central. No agru- pamento cuja pauta foi regada a humor e sátiras, Depoimento de Lula para Moro em Curitiba o sex appeal do ex-presidente foi ressaltado sob o O maior acontecimento em volume de menções na seguinte contexto: “Se eu pudesse também segu- política brasileira se deu, porém, – para além do inu- raria um homem desses cinco horas conversando sitado acidente do ministro do STF – quando o ex- comigo!”, fazendo um paralelo ao longíssimo de- -presidente Lula visitou Curitiba e o juiz Sergio Moro. poimento de Lula.

TERMO MONITORADO MENÇÕES CAPTURADAS

Lula 455.089

#LulaEuConfio 111.795

#MoroOrgulhoBrasileiro 148.946

#MoroPersegueLula 126.022

TOTAL 841.842

O Brasil na imprensa internacional as convulsões sociais – que já não acontecem mais – ou medidas políticas que sejam capazes de reverberar no Os jornais estrangeiros não têm um enorme interes- mundo. O Brasil encaixa-se nesse segundo quesito. se pelo que acontece na política brasileira. Aliás, esse interesse parece ser cada vez menor em função do Ao invés de se consolidar como uma grande econo- papel do Brasil no cenário internacional, que se torna mia e como um país avançado em termos de políticas insignificante. O que atrai a atenção desses jornais são sociais, tomou o caminho contrário. O governo gol- 27 COMUNICAÇÃO

pista de Michel Temer adotou medidas que favore- Não foram feitas grandes críticas, mas o simples fato cem, única e exclusivamente, o mercado financeiro de ter sido noticiado já é significativo, porque, como já especulativo: vendeu barato o que não tinha preço. foi dito, não é qualquer fato que vale a publicação de Trata-se do pré-sal, das seguidas tentativas de en- reportagens pelos jornais estrangeiros. tregar reservas minerais, da facilitação do avanço do Para o mundo, as notícias são de que o Brasil está co- agronegócio sobre as florestas, a diminuição da fisca- locando suas riquezas à venda em uma grande pro- lização que funcionava como única protetora de tri- moção e submetendo os seus cidadãos a condições bos indígenas isoladas na Amazônia. de vida mais precárias. Há ainda outro ponto que nos Os ataques ao meio ambiente, às florestas e aos po- últimos anos se tornou uma marca registrada quando vos originários dessa terra foram noticiados pelo jor- o assunto é o Brasil e, em 2017, ganhou novos des- nal inglês The Guardian, pelo francês Le Monde e pelo dobramentos: a corrupção. Os jornais franceses que estadunidense New York Times. É evidente que esses costumam ser críticos e analíticos informaram sobre jornais não denunciam que o Brasil esteja vendendo o custo da Operação Lava Jato. As notícias foram pu- suas riquezas, e, sim, o retrocesso do país diante do blicadas pelo Libération e pelo Le Monde. Esse último caminho que a comunidade internacional vem de- ainda publicou algumas outras reportagens sobre o cidindo tomar para diminuir a emissão de poluentes assunto, sempre criticando a postura dos parlamen- e criar mecanismos para reduzir o desmatamento e tares que inacreditavelmente protegeram Aécio Ne- aumentar o respeito a todos os povos. O ataque às ves e o presidente Michel Temer. riquezas naturais do Brasil está bem longe de ser o Todos os jornais costumam lembrar que mais de dois único dos retrocessos. terços dos parlamentares são alvos da Justiça. Uma Recentemente, o periódico francês Libération publi- reportagem do Le Monde fala sobre uma expressão cou a reportagem “Brasil: o novo laboratório do neo- bem popular entre os brasileiros, a de que tudo “aca- liberalismo”. O espanhol El Mundo também se refe- ba em pizza”. O periódico lamenta que o povo brasi- riu à agenda política como sendo neoliberal. Os dois leiro já esteja tão acostumado com casos polêmicos veículos tratam da precarização da vida do cidadão que, simplesmente, não chegam ao fim. brasileiro: salários mais baixos, contratos de trabalho O mais interessante em acompanhar a cobertura que precários, possibilidade de aumento da jornada diária, a imprensa internacional faz do Brasil é comparar menos poder para negociar com os patrões e a di- com os jornais daqui. Evidentemente que como essa minuição veloz dos mecanismos de proteção social. produção dos estrangeiros é menor, as reportagens Tudo isso faz com que o cidadão, fundamental para o produzidas por eles sempre são muito mais analíticas. funcionamento de qualquer empresa por ser a força Porém, fica claro que os jornais brasileiros não ana- de trabalho, torne-se algo quase descartável. lisam nada e não geram reflexão alguma. A palavra A criação dos contratos intermitentes é algo ainda “neoliberalismo” nem passa perto das páginas da im- mais nefasto. Os trabalhadores que forem submeti- prensa brasileira, que informa mal o seu público, dei- dos a esse tipo de regime de trabalho não vão conse- xando-o sem referências e sem base para entender o guir sequer ganhar um salário mínimo ao fim do mês, que acontece na política e quais são as relações que não vão ter dinheiro suficiente para contribuir com determinam o funcionamento da economia no Brasil. a Previdência. A tentativa de alterar as regras de fis- É sempre triste dizer, mas a afirmação é necessária: os calização do trabalho análogo à escravidão foi outro veículos tradicionais da imprensa brasileira são super- tema bastante noticiado na Europa, principalmente. ficiais e não desejam investigar os problemas do país.

28 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017 MOVIMENTOS SOCIAIS

A opinião pública e a capacidade estratégica de lidar com uma democracia falida indicam a impressão geral sobre os movi- mentos sociais em 2017. Aqueles que conseguiram resistir e vislumbrar um horizonte da construção de um projeto para o Brasil deram o tom das mobilizações neste ano. Dessa forma, cresce na sociedade a defesa pela construção de um modelo de Estado capaz de mudar o Brasil de novo.

Se o jargão socialista nos impõe o pessimismo na aná- Mas não é a grande maioria das pessoas que acei- lise e o otimismo na prática, como ficamos quando, ta o processo da aliança Globo e classe média-alta na verdade, a análise é a própria prática? Responde- vestida de Confederação Brasileira de Futebol (CBF) mos com a estratégia utilizada nesse período: debater nem um processo de paralisação generalizada da narrativas. Afirmamos em diversas circunstâncias e classe trabalhadora. reafirmamos nesse balanço: a forma como as pessoas E essa diferença de projeção posterior do resultado contam as histórias dos processos de mobilização é dos processos de mobilização é o que marca o ano fundamental para atestar o quão bem sucedido ou de 2017, embora não tenham sido transmitidos nos não ele foi. meios de comunicação. O Brasil assistiu, em boa parte É simples, o Brasil vive de recordações saudosas e or- calado e fingindo que não estava acontecendo, ao re- gulhosas de grandes processos de mobilização, como nascimento de um processo de resistência democráti- as Diretas Já e os caras-pintadas. Curiosamente, no ca e mobilização popular poucas vezes tão consistente. entanto, não apontam com orgulho e saudosismo as Mas porque, ora por ingenuidade ora por má fé, boa par- manifestações amarelas da Avenida Paulista convo- te das pessoas não trata dessa forma, parece que o país cadas pela TV Globo. está num marasmo imobilizador, especialmente num E isso acontece por uma constatação muito simples: momento de ruptura democrática. Falso. Veremos. manifestação no Brasil é boa e dá resultado quando a maior parte das pessoas acorda em tratar o processo dessa forma. Quando há divergência política, não se Lula e o Brasil Que o Povo Quer conta a mesma história e aí o processo, da dúvida, vira Um golpe de Estado só tem êxito completo quando ele um fracasso. consegue derrubar a imagem e a repercussão projetada Em outras palavras, a grande maioria das pessoas por seus opositores. Nesse sentido, Lula é a maior prova aceita a ideia das Diretas Já ou de defender o Brasil. do fracasso dessa intentona liberal de quinta categoria. 29 MOVIMENTOS SOCIAIS

Isso porque a grande resposta da opinião pública ao defesa do interesse dos trabalhadores. Ambas guar- processo golpista é, nesse momento, a enorme ten- dam uma característica de radicalização política com dência de uma vitória de Lula em primeiro turno em capacidade de diálogo com as bases e intensidade de 2018. Ao analisarmos as caravanas de Lula pelo Brasil seus movimentos. podemos perceber que cresce um sentimento de re- Valendo-se das relações em frentes populares (Frente composição política popular. Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo) com diversas O próprio presidente já afirmou, em diferentes cir- instituições, essas reações dão o tom da luta contra cunstâncias, que “o Lula não é uma pessoa, que o Lula o golpe, apesar dos inúmeros retrocessos impostos é uma ideia”. E a ideia-força dessa recomposição po- pelo governo ilegítimo. pular parece passar por um sentimento de construção O que ocorre com esses movimentos, no entanto, é de condições e de escuta e diálogo, muito diálogo. uma enorme dificuldade imposta pelas mídias tra- O movimento social chamado Lula é o que constitui o dicionais, que vendem uma falaciosa conjuntura de melhor potencial agregador desse sentimento e des- imobilidade popular. Um bom exemplo desse caso foi sa prática. Foi isso o que mostraram as caravanas do a decisão da CUT de não dialogar com os golpistas na Nordeste, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro/Espírito tentativa fracassada das outras centrais de tentar nego- Santo. O processo de suporte popular em defesa de ciar uma alternativa para o financiamento sindical, em Lula (basta recordar do dia do primeiro depoimento, contraposição a uma reação forte contra as reformas. o dia que o povo parou Curitiba) gerou o acúmulo ne- cessário para uma nova empreitada de esperança e A imprensa, por seu lado, anunciou que “as centrais contato com o povo, proporcionada pelas caravanas. sindicais” possuem a estratégia central de negociar com o governo golpista uma saída para a contribui- Por outro lado, o próprio PT consolidou seu processo ção sindical. Boa parte da repercussão disso, inclusive de escolha interna de direção e com ele reposicionou entre setores progressistas, aparece no mesmo senti- o partido na disputa nacional. Parte substancial da es- do de enfraquecer a mobilização da CUT tratando da querda brasileira deu início a importantes iniciativas questão financeira. de discussão de um projeto para o Brasil. É o exemplo da iniciativa “Brasil Que o Povo Quer”, da Fundação Esse contexto prova mais uma vez que a escolha de Perseu Abramo e do PT, lançada em 2017. narrativa e a sua disputa é fundamental para a “sen- sação de sucesso” desses movimentos. Paradoxal- Em seus diversos lançamentos, estado por estado, mente, a opinião pública caminha para o resultado o “Brasil Que o Povo Quer” parece apontar uma co- dos processos de mobilização, atestando o interesse nexão nova, eficiente e popular com as necessidades popular por um Estado indutor de um modelo de de- básicas do país, mas também reflete um contexto ge- senvolvimento que diminua desigualdades. ral de que é preciso repensar o Estado brasileiro. Em um momento de severas dificuldades políticas e estruturais, MTST e CUT apresentam um roteiro de As classes trabalhadoras solução nacional não desejado pela elite. E qualquer Em 2017, assistiu-se à maior greve geral da história reação no efeito da imobilidade é parte da construção do Brasil e à construção da maior ocupação liderada de uma tática golpista muitas vezes absorvida por se- pelo MTST em sua trajetória. São números que dizem tores da própria esquerda. isso, não narrativas. O que convence do contrário é a Assim, cabe, na análise de narrativa, a compreensão grande mídia golpista. de que o sucesso dos movimentos sociais depende As mobilizações de CUT e MTST marcam um novo da forma como contamos essa história. Suas identi- processo da resistência democrática e dão a esses dades e construções históricas seguem sólidas e ca- movimentos o protagonismo das organizações em pazes de convencer.

30 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2017

EXPEDIENTE

O Boletim de Análise de Conjuntura é uma publicação mensal da Fundação Perseu Abramo. Diretoria Executiva: Marcio Pochmann (presidente), Isabel dos Anjos Leandro, Rosana Ramos, Artur Henrique da Silva Santos e Joaquim Soriano (diretoras/es). Coordenador da Área de Produção do Conhecimento: Gustavo Codas. Equipe editorial: Ana Luíza Matos de Oliveira, Alexandre Guerra e Marcelo P.F. Manzano (economistas); Kjeld Jakobsen (consultor em cooperação e relações internacionais); Vilma Bokany e Matheus Toledo (sociólogos); William Nozaki (cientis- ta social); Ronnie Aldrin Silva (geógrafo); Antonio Carlos Carvalho (advogado); Rose Silva e Pedro Simon Camarão (jornalistas). Análise de mídias sociais: Leonardo Casali- nho e Pedro Barciela. Revisão: Fernanda Estima. Editora- ção eletrônica: Camila Roma. Baseia-se em informações disponíveis até 11 de dezembro de 2017.

31 BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA

Rua Francisco Cruz, 234 - 04117-091 Vila Mariana - São Paulo - SP www.fpabramo.org.br

32