Fronteiras Sul-Americanas
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Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 http://unbral.nuvem.ufrgs.br/ | E-mail: [email protected] ____________________________________ ____________________________________ Redes e divulgação do Unbral Fronteiras Fronteiras Sul-americanas: História, formas e processos contemporâneos Adriana Dorfman & Karla Maria Müller Adriana Dorfman, Arthur Borba Colen França & Marla Barbosa Assumpção Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras, vol. 2, p.79-123, 2016. DOI 10.21826/2525-913X-2015-2p97-123 Versão online disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/150150/001008410.pdf ____________________________________ ____________________________________ Publicado por: Unbral Fronteiras – Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Limites e Fronteiras; Instituto de Geociências/UFRGS; Editora Letra1. http://unbral.nuvem.ufrgs.br Porto Alegre, 2016 Porto Alegre, 2016 Fronteiras Sul-americanas: História, formas e processos contemporâneos Adriana DorfmanI Arthur Borba Colen FrançaII Marla Barbosa AssumpçãoIII RESUMO O presente trabalho visa traçar um panorama das fronteiras sul-americanas. Para tanto, foram analisados os processos de formação dessas fronteiras desde o período da conquista do subcontinente pelos reinos europeus, no final do século XV e início do XVI, e da colonização que se estendeu por três séculos. Em seguida, examinou-se o processo de independência dos países da região, no século XIX. Além disso, elencamos os principais conflitos que marcaram, no passado e no presente, a história desses países, sobretudo contendas envolvendo disputas territoriais na conformação das fronteiras da região. As principais formas assumidas pelas fronteiras sul-americanas (frontera, fronteira, frente) são sumarizadas. Por fim, foram abordadas as iniciativas recentes de integração regional. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira, América do Sul, Conflitos, Integração Regional I Professora do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do projeto Unbral Fronteiras – Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Limites e Fronteiras. Líder do GREFIT – Grupo de Pesquisas Espaço Fronteira Informação Tecnologia. E-mail: [email protected] II Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Membro da equipe de pesquisa do projeto Unbral Fronteiras – Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Limites e Fronteiras e do GREFIT - Grupo de Pesquisas Espaço Fronteira Informação Tecnologia. E-mail: [email protected] III Licenciada e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Técnica em Assuntos Educacionais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] -DOI https://doi.org/10.21826/2525-913X-2015-2p97-123 Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 APRESENTAÇÃO O território hoje conhecido como América do Sul foi conquistado e colonizado pelos reinos da Península Ibérica, Portugal e Espanha, a partir do final do século XV e início do XVI. A primeira divisão entre as possessões das duas coroas foi estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas (1494), no qual as terras já ou a serem descobertas no Novo Mundo foram divididas entre Portugal e Castela. O tratado estabelece o meridiano 370º para o Ocidente dos Açores como o limite entre futuras possessões de Portugal (a leste da linha) e Espanha (a Oeste) (mapa 1). A exploração formal dessas possessões terminou depois de mais de três séculos. Hoje, existem doze países na América do Sul, embora colônias e outras dependências ainda possam ser encontradas no continente. A colonização foi baseada na extração de metais preciosos e em plantações (plantations), cuja produção era enviada principalmente para os mercados metropolitanos. Entre as características da colonização da América do Sul está a dizimação dos povos indígenas. Outro traço importante foi o lucrativo comércio de escravos, que ligava a Europa, a África e a América através do Oceano Atlântico. Muitas fronteiras entre as coroas ibéricas, e mais tarde entre os países independentes, foram construídas seguindo a experiência Ibérica / Moura. Na Baixa Idade Média (período que se estendeu do século XI ao XV), o termo frontera (fronteira, em Português) já era amplamente conhecido: práticas de intercâmbios e alianças que se fundiram com ações ofensivas e defensivas foram constitutivas das relações entre os cristãos e os reinos muçulmanos (ZUSMAN, 2000). Na América do Sul, bem como na Península Ibérica, as cidades de fronteira, muitas vezes, agiram como pequenos fortes, sendo na sua origem uma linha de front e, hoje, as muitas cidades-gêmeas. 98 Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 Mapa 1: Meridiano de Tordesilhas: a primeira fronteira moderna da América Sul – Capitanias Brasileiras Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capitanias.jpg?uselang=pt-br> 99 Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 No final do século XVIII e início do XIX, ocorreu a primeira onda de movimentos de independência. Ela buscou a formação de confederações republicanas. O projeto não obteve sucesso, dando origem à fragmentação do território sob a colonização hispânica, especialmente quando comparado com a unidade do Império do Brasil. A delimitação e demarcação dos estados recém-formados era a principal fonte de conflitos internacionais no século XIX. Após os processos de independência, as questões territoriais e as disputas fronteiriças foram essenciais na construção de identidades nacionais distintas para cada Estado. Ao mesmo tempo, houve uma mobilização dos centros políticos de cada Estado para territorializar- se as terras ainda não incorporadas sob domínio estatal, no que é conhecido como a Conquista do Deserto (na Argentina), como “Chilenização” (no Chile, obviamente), ou como o avanço da fronteira (no Brasil e em outros países). As imagens de território não-usado, terra vazia ou espaço vazio são evocadas até hoje, com diferentes propósitos: aliviar pressões para a reforma agrária, expandir as áreas de agronegócio e mineração em larga escala, criar coesão nacional em face de alegadas ameaças externas, justificar a securitização das fronteiras representadas pejorativamente como “abertas” ou como terra de ninguém etc. Esses processos podem ser resumidos sob o conceito de frente (ou front, fronteira, frontier...) cunhado no século das Guerras de Independência latino-americanas, associado ao espaço vazio, ao futuro, à terra virgem e fértil dentro de um Estado territorial moderno em construção. Assim, a fronteira americana é um movimento descrito como a expansão da civilização, a conquista do desconhecido, a criação livre de espaço. Certamente, não havia espaços vazios na América do Sul, é trabalho da imaginação colonial desconsiderar os povos indígenas. Nesse sentido, as fronteiras americanas são muito diferentes das europeias Grenzen 100 Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 (fronteira, em alemão) e frontières (também fronteira, em francês), em que se está cara a cara com o inimigo em um diálogo de forças (DORFMAN, 2013). Líderes nacionalistas e ditaduras marcaram o século XX na maior parte do subcontinente. Governos autoritários, entre outros fatos, foram justificados pela ordem mundial bipolar. Assim, em muitos países, um estatuto especial de “áreas estratégicas de segurança nacional” foi dado a zonas fronteiriças: sua administração era uma prerrogativa do governo centralizado, as eleições foram suprimidas e meios de comunicação e partidos políticos foram silenciados com base em alegações de subversão da ordem social e influências de esquerda. Na prática, durante esse período, o conceito de fronteiras ideológicas também prevaleceu, opondo o Ocidente capitalista contra o comunismo, e permitiu a repressão da população nacional e da ação de polícia dos países vizinhos através das fronteiras, quando justificado pela luta contra a insurgência e o comunismo (ASSUMPÇÃO, 2014). Iniciativas de integração econômica estavam presentes desde o fim da II Guerra Mundial, mas tornaram-se mais relevantes após a democratização de muitos países na década de 1980. O Mercosul (Mercado Comum do Sul) representa uma tentativa de diminuir a influência política e econômica norte-americana - às vezes rotulada como imperialismo - sobre o continente. Esses acordos têm motivações econômicas e impactos sobre a gestão das fronteiras, materializados em estruturas fronteiriças unificadas para melhorar e facilitar trânsitos. Hoje, conflitos ocasionais, como Malvinas-Falklands ou as expectativas chilenas e argentinas para a Antártida, estão presentes no cenário sul-americano. No entanto, o principal conflito contemporâneo na América do Sul é impulsionado pela “guerra contra as drogas”. Fronteiras e limites se sobrepõem na expansão geográfica dos projetos transnacionais de mega-mineração. Zonas 101 Anuário Unbral das Fronteiras Brasileiras 2015 Tampão também estão presentes sob a forma de iniciativas de preservação do meio ambiente em parques naturais transfronteiriços. PROCESSOS HISTÓRICOS A conquista da América, a partir do final do século XV e início do XVI, é parte de um processo conhecido como Expansão Marítima Europeia, que teve entre suas principais causas a tentativa de quebrar o monopólio italiano no comércio de açúcar, metais e pedras preciosas, especiarias, entre muitas outras mercadorias orientais. Novos continentes entraram gradualmente na rota comercial, que teve seu eixo deslocado, paulatinamente,