Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

João Leopoldo e Silva

A construção midiática do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) através do documentário The Islamic State (2014) e da revista Dabiq (2014-2016)

Mestrado em História Social

São Paulo 2018

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-Graduados em História

João Leopoldo e Silva

A construção midiática do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) através do documentário The Islamic State (2014) e da revista Dabiq (2014-2016)

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência para obtenção do título de Mestre em História.

Núcleo de Pesquisa: História Social.

Orientadora: Profa. Dra. Mariza Romero.

São Paulo 2018

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BANCA EXAMINADORA

______Profa. Dra. Mariza Romero – PUC-SP

______Prof. Dr. Reginaldo Nasser – PUC-SP

______Prof. Dr. Salem Hikmat Nasser – FGV

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Bolsista contemplado pelo fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 134169/2016-6.

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Agradecimentos:

Em primeiro lugar gostaria de agradecer minha família: meus pais Marcos e Mônica e meu irmão Victor por todo o apoio e carinho, sempre me incentivando a perseguir meus sonhos e a superar quaisquer obstáculos. Dedico este trabalho não só a eles como também à minha companheira Paola, cujo suporte foi indispensável para a realização da presente pesquisa. Gostaria de agradecer também todos os professores do Departamento de História da PUC-SP, em especial à profa. Mariza Romero pela grande contribuição e orientação; à profa. Vera Lucia Vieira pelos ensinamentos e carinho desde o fim de minha graduação; ao prof. Lauro Ávila pelas conversas e contribuições positivas ao trabalho; ao prof. Luiz Alberto Schneider por me apresentar a ‘História do Presente’; aos profs. Fernando Londoño e Álvaro Alegretti pela amizade; ao prof. Amailton de Azevedo e à profa. Antonietta Antonacci pelos ensinamentos em salas de aula; e a todos os funcionários da PUC-SP por todo o suporte prestado à comunidade. Agradeço também o CNPq pelo financiamento da pesquisa através de bolsa de estudo, apoio decisivo para a realização desta pesquisa.

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Resumo:

A presente pesquisa busca analisar duas produções jornalísticas sobre o fenômeno recente da expansão do grupo paramilitar islâmico Daesh em um ‘Califado’, o chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Diversas companhias de comunicação enviaram correspondentes e jornalistas que, através de notícias, buscaram manter seus espectadores conectados e informados sobre a guerra em andamento. Duas produções dentre o grande emaranhado de informações disponíveis na internet se destacam neste sentido: o documentário The Islamic State (2014), produzido pela companhia norte- americana de notícias Vice, e a revista Dabiq (2014-2016) realizada e produzida pelo próprio EIIL. Ancorada nos estudos perante fontes audiovisuais e jornalísticas, a pesquisa visa ir ao encontro da ‘História do Presente’ abordando questões voltadas à construção midiática do EIIL de maneira a discutir as nuances, aproximações e distanciamentos das produções em foco.

Palavras-chave: Estado Islâmico do Iraque e do Levante, Representação, Guerra, Identidade, História do tempo presente.

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Abstract:

This research aims to analyze two journalistic productions regarding to the recent phenomena that led to the expansion of the paramilitary group Daesh into a 'Caliphate', the so-called Islamic State of Iraq and Syria (ISIS). Several media companies sent correspondents and journalists who, through news, sought to keep their viewers connected and informed about the ongoing war. Two productions among the great tangle of information available on the internet stand out in this matter: the documentary The Islamic State (2014), produced by the American news company Vice, and the magazine Dabiq (2014-2016) produced by the ISIS itself. Tied with the studies of audiovisual, journalistic and recent sources, the research seeks to follow the 'History of the Present', addressing issues focused on the media construction of EIIL in order to discuss the nuances, approximations and distancing of both productions in focus.

Keywords: Islamic State of Iraq and the Levant, Representation, War, Identity, History of the present.

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Sumário de imagens:

Imagem 01 - Gráfico sobre os números de usuários conectados em rede a partir de 1993. Cada ano, neste levantamento, é contado no dia 01 de julho...... 20 Imagem 02 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:00) – Um combatente do EIIL atira em um alvo aéreo enquanto outro filma a ação...... 32 Imagem 03 - Captura de cena do documentário (tempo: 05:23) – Dois combatentes do EIIL atiram na posição do ‘17º Batalhão sírio’...... 33 Imagem 04 - Captura de cena do documentário (tempo: 05:33) – Assim que os soldados sírios retornam fogo, os dois combatentes do EIIL rapidamente voltam para a trincheira...... 34 Imagem 05 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:47) – Imagens da passeata militar do EIIL: foco em um míssil balístico de grande porte...... 47 Imagem 06 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:50) – Imagens da passeata militar do EIIL: foco em um veículo blindado...... 47 Imagem 07 - Captura de cena do documentário (tempo: 06:34) – Imagens de corpos dos soldados sírios expostos em praça pública...... 50 Imagem 08 - Captura de cena do documentário (tempo: 11:59) – Pai e filho conversam, Abdullah (filho) olha desconfiado para Medyan Dairieh...... 55 Imagem 09 - Captura de cena do documentário (tempo: 12:19) – Com grande emoção, Abdullah Al-Belgian (pai) direciona a palavra à câmera e ao espectador...... 56 Imagem 10 – Captura de cena do documentário (tempo: 33:48) – Dentro de um centro de recrutamento do EIIL, um adolescente se dirige à câmera...... 57 Imagem 11 – Captura de cena do documentário (tempo: 15:10) – Homem segura estandarte com a bandeira do EIIL no meio a uma comemoração da consolidação do ‘Califado’...... 59 Imagem 12 – Captura de cena do documentário (tempo: 17:56) – Filmagem das ruas de Raqqa em que o EIIL pintou seu símbolo e bandeira em uma construção...... 62 Imagem 13 – Captura de cena do documentário (tempo: 18:26) – Carro do Hisbah. Tradução: “desfrute do ‘bom’ e proíba o ‘mal’”...... 64 Imagem 14 – Captura de cena do documentário (tempo: 30:43) – O juiz Abu Abdula procura mostrar alternativas para aqueles que não são muçulmanos...... 71 Imagem 15 – Captura de cena do documentário (tempo: 33:25) – Combatentes cantando uma música contra os EUA...... 73 Imagem 16 – Captura de cena do documentário (tempo: 36:07) – Representação do território controlado pelo EIIL, em cor vermelha, feito pela própria Vice...... 74

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Imagem 17 – Captura de cena do documentário (tempo: 36:57) – Momento, no documentário, em que o EIIL sugere a eliminação da fronteira Iraque-Síria...... 75 Imagem 18 – Mapa representativo do acordo Sykes-Picot de 2016 feito pela Encyclopaedia Britannica, Inc...... 76 Imagem 19 – Captura de cena do documentário (tempo: 41:30) – Abu Laith Al Jarzerwe e outros dois combatentes falam diretamente para a câmera...... 79 Imagem 20 – Captura de cena do documentário (tempo: 40:57) – Imagem que corresponde à visão de um operador norte-americano têm ao pilotar um drone ...... 82 Imagem 21 – Gráfico sobre os ataques realizados pela coalizão encabeçada pelos EUA contra as posições do EIIL no Iraque (azul) e na Síria (vermelho) de agosto de 2014 a setembro de 2017 ...... 83 Imagem 22 – Gráfico comparativo sobre mortes causadas pelos ataques aéreos feitos pela coalizão liderada pelos EUA versus mortes confirmadas pelos militares...... 84 Imagem 23 – Mapeamento da rede de comunicação do EIIL feito por Winter (2017). Estão listados cada “centro midiático” e organizados de acordo com seu país/área de atuação...... 89 Imagem 24 – DABIQ, v.06, 2014, p.02; DABIQ, v.07, 2015, p.02; e DABIQ, v.14, p.02...... 92 Imagem 25 – Quadro feito pelo pesquisador com a relação entre volume, título, data de lançamento, número de sessões e páginas dos quinze volumes da revista Dabiq...... 94 Imagem 26 – DABIQ, v.01, 2014, p.01; DABIQ, v.02, 2014, p.01; e DABIQ, v.03, 2014, p.01...... 98 Imagem 27 – DABIQ, v.04, 2014, p.01; DABIQ, v.05, 2014, p.01; e DABIQ, v.06, 2014, p.01...... 99 Imagem 28 – DABIQ, v.07, 2015, p.01; DABIQ, v.08, 2015, p.01; e DABIQ, v.09, 2015, p.01...... 99 Imagem 29 – DABIQ, v.10, 2015, p.01; DABIQ, v.11, 2015, p.01; e DABIQ, v.12, 2015, p.01...... 99 Imagem 30 – DABIQ, v.13, 2016, p.01; DABIQ, v.14, 2016, p.01; e DABIQ, v.15, 2016, p.01...... 100 Imagem 31 – DABIQ, v.13, 2016, p.55; e DABIQ, v.08, 2015, p.17...... 106 Imagem 32 – DABIQ, v.02, 2014, p.19...... 107 Imagem 33 – DABIQ, v.10, 2015, p.05...... 108 Imagem 34 – DABIQ, v.08, 2015, pp. 28-29...... 116 Imagem 35 – DABIQ, v.03, 2014, p.18; e DABIQ, v.09, 2015, p.31...... 118 Imagem 36 – DABIQ, v.09, 2015, p.25...... 122

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Imagem 37 – DABIQ, v.01, 2014, p.19...... 123 Imagem 38 – DABIQ, v.07, 2015, p.01...... 126 Imagem 39 – DABIQ, v.15, 2016, p.80...... 128 Imagem 40 – DABIQ, v.02, 2014, p.34; e DABIQ, v.03, 2014, p.21...... 132 Imagem 41 – Obra “Dead troops talk (a vision after an ambush of a Red Army Patrol, near Moqor, Afghanistan, winter, 1986)”, 1992, de Jeff Wall...... 134 Imagem 42 – Obra “News painting: The Gunman After Shooting the Russian Ambassador, New York Times, 12/19/2016/2017”, 2017, de Reiner Ganahl...... 135 Imagem 43 – DABIQ, v.07, 2015, p.05...... 138 Imagem 44 – DABIQ, v.12, 2015, pp.64-65...... 142 Imagem 45 – DABIQ, v.12, 2015, p.64...... 142 Imagem 46 – Mapa da região da Síria e do Iraque em julho de 2014, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto, as zonas controladas pelo EIIL; em vermelho suas áreas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte...... 148 Imagem 47 - Mapa da região da Síria e do Iraque em setembro de 2015, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto suas zonas de controle; em vermelho suas zonas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte...... 149 Imagem 48 – Mapa da região da Síria e do Iraque em dezembro de 2016, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto suas zonas de controle; em vermelho suas zonas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte...... 150

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Sumário

Introdução ...... 12

CAPÍTULO 01: O documentário The Islamic State (2014) ...... 29 1. O ‘Califado’ através das lentes de Medyan Dairieh ...... 29 1.1 A câmera no campo de batalha ...... 29 1.2 A produção do documentário ...... 36 1.3 A estrutura argumentativa ...... 41 2. A consolidação e a organização do ‘Califado’ ...... 45 2.1 A violenta conquista de Raqqa ...... 45 2.2 A batalha pelos ‘corações e mentes’...... 52 2.3 O Hisbah e o controle da população ...... 62 2.4 A destruição de símbolos e de “antigas” fronteiras nacionais ...... 72 3. O ‘Califado’ após o documentário ...... 80

CAPÍTULO 02: A revista Dabiq (2014-2016) ...... 88 1. A estrutura da revista Dabiq ...... 88 1.1 A Dabiq e o AlHayat Media Center ...... 88 1.2 As capas da Dabiq ...... 97 2. A experiência da guerra através da Dabiq ...... 103 2.1 A figura do mártir ...... 103 2.2 O chamado para a Hijrah ...... 111 2.3 Expansões e conquistas ...... 117 2.4 O ‘Califado’ sob proteção de Allah ...... 124 3. A violência presente no papel e em pixel ...... 131 3.1 A linguagem imagética da Dabiq ...... 131 3.2 Os prisioneiros do EIIL ...... 137

Considerações finais ...... 145

Fontes e bibliografia ...... 156

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Introdução

O começo do século XXI configura-se como um momento de intensos avanços tecnológicos, deslocamentos de pessoas, rápidas trocas de informações e, principalmente, da expansão de diversos conflitos internacionais ao redor do mundo. Estudos apontam que “em apenas um ano, 2011, o número de guerras e conflitos no mundo triplicou e foi o mais alto desde 1945: saltou de seis guerras e 161 conflitos armados, em 2010, para 20 guerras e 166 conflitos, em 2011, tendo como cenário, sobretudo, o Oriente Médio, a África e o Cáucaso” (BANDEIRA, 2017, p.233). Apesar dos confrontos possuírem distintas razões e características, a situação atual da geopolítica mundial assemelha-se muito ao período denominado ‘Guerra Fria’. O término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, modificou a balança política mundial como um todo: a hegemonia militar e econômica passou das mãos dos europeus para os norte-americanos proporcionando novos olhares e estratégias para a Ásia e para o Oriente Médio, em especial às regiões ricas em petróleo. O domínio econômico e militar sobre estes territórios tornou-se chave para a manutenção do poderio militar e econômico sobre o globo. O conceito de ‘Guerra Fria’ é amplamente utilizado em toda bibliografia contemporânea que pretende explicar as relações econômicas e militares que ocorreram no momento pós-Segunda Guerra Mundial até a Queda do Muro de Berlim em 1989. A Guerra Fria, portanto, definiu-se como uma situação de polarização do mundo em dois blocos: o norte-americano e o soviético. As diversas disputas que seguiram entre estes blocos não tiveram como palco seus territórios nacionais, mas os confrontos entre as potências ocorreram de maneira indireta em diversas localidades do mundo, sendo a Guerra da Coréia (1950-1953), do Vietnã (1955-1975) e do Afeganistão (1979-1989) grandes exemplos. A presente onda de expansão de conflitos armados após o fim da URSS e a queda do Muro pode ser compreendida como uma continuidade da Guerra Fria, ou até mesmo como uma ‘Segunda Guerra Fria’. Para Bandeira (2017), a partir dos EUA de George W. Bush, que governou entre 2001 e 2009, e da Rússia de Vladmir Putin, no poder entre 2000 e 2008 e de 2012 até o atual momento, há o renascimento da disputa indireta entre as duas potências.

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A expansão do grupo paramilitar islâmico Daesh e sua consolidação como um ‘Califado’ em junho de 2014, o chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL)1, está diretamente relacionada com a atual configuração geopolítica. Para compreender sua ascensão é preciso discutir que as interferências estrangeiras na região do Oriente Médio, principalmente dos EUA e da Rússia, foram decisivas para seu desenvolvimento, mas não são o único fator. A partir de 2011 o Daesh participou ativamente das rápidas e violentas mudanças na região do Oriente Médio e do norte do continente africano, destacando-se como um forte agente local com projeções internacionais. A queda do ex-ditador da Tunísia Zine El Abidine Ben Ali em 2011 representou o início de um momento histórico. Ben Ali estava no poder há 24 anos quando um comerciante tunisino, Mohamed Bouazizi, ateou fogo em seu próprio corpo em forma de protesto a seu governo, iniciando um processo que tomou enormes proporções. A justificativa para o ato suicida de Bouazizi pode ser compreendida não apenas devido à

falta de liberdades civis e políticas, mas também as reformas neoliberais, determinadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e pelos Estados Unidos, iniciadas nos anos 1990, a corrupção, a capacidade do governo, em que o clã de Ben Ali se enriquecia ao intermediar as privatizações e o comércio de importação e exportação, o alto nível de desemprego, a elevação dos preços dos alimentos, devido à eliminação dos subsídios e diversas outras questões que tornaram a ditadura cada vez mais impopular (BANDEIRA, 2017, p.237).

As manifestações na Tunísia mostraram-se um grande exemplo à população de diversos outros países árabes que começaram a sair às ruas com o mesmo objetivo de mudança política – dentre eles a Líbia, o Egito, a Argélia, o Marrocos, o Iêmen, a Jordânia e a Síria. O conjunto destas manifestações foi denominado de ‘Primavera Árabe’2. Os protestos ocorridos na Síria, como reflexo dos ocorridos na Tunísia, tiveram como foco a derrubada do governo de Bashar Hafez Al-Assad, sucessor e filho de Hafez Al-Assad (1930-2010). O cenário, entretanto, evoluiu de maneira trágica para uma violenta guerra civil entre as forças do governo de Assad e opositores. Com o aumento da violência nos protestos, diversos grupos paramilitares – entre eles o Daesh – também passaram a afrontar o exército sírio ensejando a queda de Assad. Muitos deles chegaram

1 Em inglês, o EIIL é conhecido como Islamic State of Iraq and Syria, ou pelo acrônimo ISIS. 2 O nome “Primavera Árabe” possui relação com os movimentos políticos de 1848 ocorridos na Europa e denominados de “Primavera dos Povos” (GOLDSTONE, 2011).

13 a receber armas e treinamento militar, especialmente da Rússia e dos EUA, e dinheiro de “doadores na Arábia Saudita, no Qatar, no Kuwait, e nos Emirados Árabes Unidos” (BANDEIRA, 2017, p.235). É necessário ressaltar que o entendimento histórico crítico da década anterior à ‘Primavera Árabe’, a década de 2000, é importante para a compreensão do desenvolvimento e ascensão dos grupos paramilitares que, na Síria, tomaram a frente dos manifestantes civis. Um dos fatores neste sentido foram as ações militares empregadas pelos EUA contra o Iraque em 2001 e posterior ‘Guerra ao Terror’3. A atual estratégia empregada pelos EUA é caracterizada por pesquisadores (BANDEIRA, 2016, 2017; RISEN, 2014; SCAHILL, 2017; WILLIES, 2008; ZIZEK, 2003; 2014) como uma ‘força policial’ em que os norte-americanos, a partir do desenvolvimento da ‘Guerra do Terror’, procuram expandir e manter sua influência e domínio sobre regiões de seu interesse, destinando US$ 580 milhões a 680 projetos em 18 países que visavam ‘fortalecer’ os processos políticos locais (BANDIERA, 2017, p.238). Suas estratégias militares tiveram poucas alterações entre os governos de George W. Bush e Barack Obama, que governaram o país entre 2001 e 2017, sendo possível afirmar que Obama intensificou as políticas iniciadas por Bush a partir da invasão do Iraque em 2001 após os ataques de 11/09 às Torres Gêmeas:

Obama [...] encontrou um estado de segurança que havia crescido muito durante o mandato de Bush e o fez seu. No processo, Obama normalizou as medidas pós-11/09 que Bush implementou em uma situação de emergência. O maior orgulho de Obama – ou seu maior pecado – foi de tornar o estado de segurança nacional permanente4 (RISEN, 2014, p.xiii).

Partindo deste prisma, a atual situação da geopolítica mundial quando focada no Iraque e na Síria demonstra que o conflito ultrapassou questões internas, e expandiu-se de maneira a configurar-se como uma guerra internacional. Diversos atores locais e estrangeiros disputaram entre si, durante a ‘Primavera Árabe’, quem iria derrubar e

3 A chamada ‘Guerra ao Terror’ faz parte da extensa campanha militar iniciada pelos EUA em resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas (World Trade Center). Como ponto inicial de ação os EUA invadiram e ocuparam o Iraque e o Afeganistão. A campanha ainda se estende em 2017 na região do Oriente Médio e do continente africano. 4 Texto original: “Obama [...] took the national security state that had grown to such enormous size under Bush and made it his own. In the process, Obama normalized the post-09/11 measures that Bush had implemented on a haphazard, emergency basis. Obama’s great achievement – or great sin – was to make the national security state permanent”

14 assumir o vácuo de poder que seria deixado pela possível queda do governo sírio de Bashar Hafez Al-Assad – o que não ocorreu até 2017 –, e os EUA e a Rússia não ficaram de fora, treinando e financiando grupos armados de seu interesse (BANDEIRA, 2016, 2017; COCKBURN, 2015). De acordo com Bandeira (2017), os EUA realizaram diversas doações ao ex- ditador tunisino Zine El Abidine Ben Ali que, mesmo parecendo contraditórias em primeiro momento, demonstram a força dos EUA e sua vontade de se manter hegemônico, influenciando questões internas de países e regiões fora de seu território nacional:

Entre 2006 e 2010 a Tunísia recebeu dos Estados Unidos, a título de assistência, um total de US$ 69,28 milhões, dos quais apenas US$ 15,69 milhões para a promoção da democracia e dos direitos humanos e o restante, US$ 53,59 milhões, para a assistência “military and security”. Entre 1987 e 2009, as vendas de armamentos somaram US$ 359 milhões e, em 2010, a administração do presidente Obama solicitou ao Congresso a aprovação de US$ 282 milhões para o fornecimento de “12 SH- 60F Multi-Mission Utility Helicopters Sikorky-made” à Tunísia (BANDEIRA, 2017, p.236).

Em relação à Síria a estratégia foi outra, com ações diretas visando a desestabilização do governo sírio: “instrutores das forças especiais da Grã-Bretanha continuavam igualmente a cooperar com os rebeldes [sírios], enquanto a CIA e contingentes das U.S. Spec Ops [...] forneciam e operavam equipamentos de comunicações, orientando os ataques contra as tropas do governo [sírio]” (BANDEIRA, 2017, p.407). Muitos dos combatentes e grupos treinados por estas forças eram considerados ‘moderados’ por Washington e, assim, aliados. Entretanto com o desenrolar do conflito muitos dos grupos rebeldes que foram apoiados e treinados passaram a fazer frente aos EUA, dificultando a campanha norte-americana contra o EIIL iniciada em setembro de 2014. Ainda que tivesse o mesmo objetivo dos EUA em acabar com o EIIL, o governo russo, que há muito tempo é aliado da família al-Assad – desde o tempo em que Hafez Al-Assad (1930-2010) estava no poder –, entrou na guerra ao lado do governo sírio procurando, ao contrário dos norte-americanos, reestruturar sua governança a fim de manter sua aliança e interesse local. Desta maneira, ainda que as configurações da ‘antiga’ Guerra Fria pareçam se repetir, elas adquirem novos contornos no cenário contemporâneo. Os dois blocos

15 reconfiguram e traduzem seus conflitos através do apoio que dão aos rebeldes (EUA) e ao governo sírio (Rússia). Assim, o conflito pode ser compreendido como uma “guerra por procuração”, ou seja, um confronto armado em que há interferências e financiamentos de grupos internos de um país por grupos e/ou agentes externos, de modo similar aos que ocorreram na segunda metade do século XX. A rede e organização Al-Qaeda, que participou e desenvolveu-se na guerra do Iraque entre 2003 e 2006, aproveitou-se da complexidade e fragilidade da situação e expandiu-se também para a Síria. O líder da organização, Ayman al-Zawahiri, inclusive realizou um vídeo chamando muçulmanos de diferentes localidades a se juntarem contra o regime de Assad (BURKE, 2012). É possível dizer que o EIIL, entre 2006 e 2014, na época Daesh, a partir da figura de então seu líder, Abu Musab al-Zarqawi, foi um braço da Al-Qaeda na Síria:

“[o Daesh] é filho da guerra. Seus membros buscam redesenhar o mundo a partir de si mesmos, por atos de violência. Sua combinação tóxica, porém eficaz, de crenças religiosas e extremas com capacidade militar é produto da guerra no Iraque desde a invasão norte-americana em 2003 e da guerra na Síria, desde 2011” (COCKBURN, 2015, p.49).

As diversas conquistas do grupo, a partir de 2011, de territórios e cidades iraquianas e sírias conduziram o Daesh, sob liderança de Abu Bakr Al-Baghdadi, à proclamação de um ‘Califado’ em junho de 2014. O Daesh transformando-se em Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) e reivindicando seu próprio território provocou a maior mudança política de fronteiras na região desde o término da Primeira Guerra Mundial e fim do Império Otomano entre as décadas de 1910 e 1920 (COCKBURN, 2015; NAPOLEONI, 2015). Todos estes acontecimentos foram acompanhados de perto pelos meios de comunicação que divulgaram suas interpretações dos fatos. Duas produções chamam grande atenção por seu conteúdo e posicionamento: o documentário The Islamic State (2014) produzido pela Vice e a revista Dabiq (2014-2016) realizada por um grupo de mídias do EIIL, o AlHayay Media Center. * * * As questões aludidas possuem relações com a construção historiográfica da ‘História do Presente’, muito marcada pelas inquietações atuais em relação à chamada aceleração do tempo e à percepção de um futuro que, ao contrário da noção otimista que

16 se tinha no começo do século XX, apresenta-se no começo do século XXI como trágico (HARTOG, 2014). O momento histórico do fim século XX e começo do XXI, para Hartog (2014), configura-se como presentista, ou seja, um momento em que o presente possui uma força maior que o passado e que o futuro em nosso cotidiano. Sua análise está centrada a partir do estudo da percepção da sociedade ocidental em relação ao tempo, identificando uma última mudança das percepções perante tempos históricos após a queda do Muro de Berlim em 1989:

o presente estendeu-se tanto em direção ao futuro quanto ao passado. Em direção ao futuro: pelos dispositivos da precaução e da responsabilidade, pela consideração do irreparável e do irreversível, pelo apelo à noção de patrimônio e a de dívida, que reúne e dá sentido ao conjunto. Em direção ao passado: pela mobilização de dispositivos análogos. A responsabilidade e o dever de memória, a patrimonialização, o imprescritível, já a dívida. Formulado a partir do presente e pesando sobre ele, esse duplo endividamento, tanto na direção ao passado quanto ao futuro, marca a experiência contemporânea do presente. Pela dívida, passa-se das vítimas do genocídio às ameaças à espécie humana, do dever de memória ao princípio de responsabilidade. Para que as gerações futuras tenham ainda uma vida humana e para que se lembrem também da inumanidade do homem (HARTOG, 2014, p.258).

A percepção sobre um futuro inglório, recheado de problemas, está ligada ao extenso quadro de violência do século XX que marcou o fracasso do projeto Iluminista do século XVIII em relação ao progresso (HOBSBAWN, 1999; SAID, 2011). Todas as esperanças de um futuro próspero ancorado no avanço científico dissolveram-se diante os horrores das guerras coloniais, das guerras mundiais e da destruição de duas cidades japonesas com bombas atômicas:

nós vivemos no retorno do recitativo, do descontínuo, do factual, do pessoal e do idealizado, num século XX que, no entanto, proclamou tão forte a marcha forçada do progresso, a construção acelerada do homem novo, a densificação inelutável dos fenômenos e da inflexibilidade da lei do número: este paradoxo está no bojo de uma história do presente, ele dá a ela uma singular aptidão para provocar retrospectiva sobre o trabalho do historiador e à desconstrução das filosofias da história muito apressadas (RIOUX in CHAVEAU, 1999, p. 49).

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A construção histórica também se modificou a partir da importância dos meios de comunicação e seu “papel decisivo [...] na transcrição, na representação e até na produção de acontecimento e, portanto, na respiração da História (RIOUX in CHAUVEAU, 1999, p.121)”. Até a segunda metade do século XX, não havia consentimento entre os historiadores de que materiais produzidos pela imprensa poderiam ser considerados ‘documentos históricos’,

recomendava-se que os historiadores profissionais ficassem distantes das controvérsias contemporâneas, pois as paixões políticas ou religiosas eram consideradas responsáveis pelo progresso insuficiente da disciplina. Além da recusa de temas contemporâneas, também eram definidas as fontes válidas para a pesquisa histórica e a imprensa, por ser uma atividade considerada subjetiva, superficial e ligada ao presente, não fazia parte do rol de documentos considerados capazes de permitir o conhecimento dos fatos históricos de forma objetiva. No entanto, a partir das grandes revisões historiográficas que se iniciaram na década de 1970, as novas posturas teórico- metodológicas colaboraram para o enfraquecimento das resistências quanto às possibilidades de análise da história recente e, também, abriram caminhos para a aceitação do uso de novas fontes para conhecimento do passado, entre elas, a imprensa (CAPELATO in DELGADO; FERREIRA, 2014, p.300).

A construção de uma ‘história do presente’ está diretamente relacionada, assim, com a própria percepção que o(a) historiador(a) tem sobre seu objeto de estudo e, portanto, também sobre o momento histórico no qual está inserido. O(a) historiador(a) do tempo presente está em contato direto com seu tema e “imprime, como qualquer outro, esperanças e inquietações de seu tempo sobretudo porque não está instruído pelo futuro” (CHAUVEU, 1999, p.26), sendo igualmente ator – sujeito histórico – de seu objeto de estudo. Ao abordar um acontecimento ele modifica seu significado e transforma “as perspectivas segundo os quais os consideramos, procurando no passado novos objetos de estudo em função das preocupações do presente” (BERSTEIN; MILZA in CHAUVEAU, 1999, p.129). A mesma ação é realizada diariamente por jornalistas que escolhem falar de determinados temas em detrimento de outros. O papel do jornalista na criação e transmissão de informação é, desta maneira, chave para a compreensão histórica da presente pesquisa. A ascensão do EIIL como forte ator no Oriente Médio, através da extensa cobertura jornalística, se transformou através

18 do mass media, da aceleração do tempo e da criação de espetáculos, em um acontecimento e fator histórico (NORA, 1976). O jornalista de guerra, desta maneira, aproxima o espectador de sua experiência e aborda, mesmo que indiretamente, tanto o horror como o espetáculo do campo de batalha. A abordagem histórica de um tema do presente não possui direções delimitadas sobre seus desdobramentos, sobre o futuro dos fatos problematizados, o que implica ao historiador guiar sua pesquisa não por um sentido “preestabelecido, mas um sentido que emerge do fato que lhe dá origem” (DOSSE in LAPUENTE; GANSTER; ORBEN (Orgs.), 2017, p. 34). O historiador do tempo presente, por não ter uma bússola artificial só pode ganhar com isso (RÉMOND in CHAUVEAU, 1999). Entretanto, cabe ressaltar que “o historiador do presente deve ter prudência, para não se arriscar na prospecção em torno de um presente que não pode ser senão provisório e sem prejulgar o futuro (LAPUENTE in LAPUENTE; GANSTER; ORBEN (Orgs.), 2017, p.73). * * * Com o surgimento, desenvolvimento e consolidação da internet como um importante recurso para troca de informações e diante de seu impacto no mercado consumidor e na vida cotidiana da sociedade global, novos problemas, teorias, metodologias e fontes abrem-se ao historiador(a), possibilitando-lhe abordagens virtualmente infinitas5. O número de usuários interfere de maneira decisiva na produção de dados, notícias, documentos, fotos, filmes (etc.) disponíveis na rede. De acordo com o site Internet Live Stats6 cerca de 46% da população mundial tem acesso à rede atualmente, contra 01% em 1995. Quando observado ano a ano, de 2000 a 2016, é possível ver que o crescimento foi constante: o número de usuários7 cresceu à medida que a população mundial aumentou:

5 De acordo com DOSSE (2017): “Enquanto em 1992 o fato que gerou polêmica foi a utilização de fontes orais, em 2011, o fato que está no cerne dos debates é o aumento de fontes imagéticas, dos recursos relativos a informática e a inflação arquivística que produz um excesso de documentos” (DOSSE in LAPUENTE; GANSTER; ORBEN (Orgs.), 2017, p. 15) 6 O site pode ser acessado no link . Acesso em 2017. 7 O ‘usuário de internet’, para o site Internet Live Stats, é categorizado como o “indivíduo que pode acessar a Internet, via computador ou dispositivo móvel, dentro da casa onde o indivíduo vive”. Texto original: “individual who can access the Internet, via computer or mobile device, within the home where the individual lives”.

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Imagem 01 - Gráfico sobre os números de usuários conectados em rede a partir de 1993. Cada ano, neste levantamento, é contado no dia 01 de julho.

Fonte: Retirado do site: . Acesso em 2017.

Devido à natureza virtual deste tipo de informação, é difícil determinar a quantidade de dados que são produzidos por segundo, bem como seu tamanho e peso – o que ocorre com documentação material. Esses pontos são cruciais pois fazem o historiador refletir sobre a questão de fluxo e armazenamento de informação. O começo do século XXI configura-se como um momento no qual a velocidade em que as informações são passadas é muitas vezes mais importante do que a própria informação, não importando sua veracidade. De acordo com a matéria jornalística publicada no jornal The Economist, em maio de 2017, a commodity mais valiosa do mundo não é mais o petróleo, mas ‘informação’ (THE ECONOMIST, 2017). Impactando diretamente na vida cotidiana, o mundo cada vez mais conectado aproxima pessoas ao mesmo tempo que armazena informações sobre cada ação tomada:

Os smartphones e a internet tornaram os dados abundantes, onipresentes e muito valiosos. Se você está correndo, assistindo TV ou mesmo sentado no trânsito, praticamente todas suas atividades criam um rastreamento digital – mais matéria-prima para as destilarias de dados. [...] Algoritmos podem prever se um consumidor quer comprar, se um motor a jato precisa de reparos

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ou se há risco de doenças para uma pessoa8 (THE ECONOMIST, 2017).

É necessário chamar atenção para o fato de que o espaço da internet é um espaço novo para o(a) historiador(a), configurando-se tanto como um espaço de ampliação de vozes como também de silenciamento e controle, dependendo da situação analisada. Do ponto de vista historiográfico e documental, o estudo e a abordagem dos dados produzidos por usuários abre diversas possibilidades ao pesquisador: desde mapeamentos societários a levantamentos sobre os mais diversos interesses pesquisados pelos usuários na rede. Seguindo esta linha, através de estatísticas referentes às buscas realizadas na plataforma de pesquisa do Google no ano de 2014 (GOOGLE, s.d.) – dados disponibilizados pela própria empresa – os temas que ganharam mais destaque em termos de ‘Notícias Globais’ foram a crise em relação ao vírus Ebola e questões voltadas ao EIIL. Ainda que a internet tenha possibilitado o acesso a uma ampla gama de informações de diversos tipos, percebe-se que a imprensa ainda atua como importante propulsora e divulgadora do conhecimento. A rede atua como ‘controladora’ e ‘filtro’ entre a situação e o espectador, consolidando-se como formadora de opinião, ou seja, portadora de poder: “sentimos com razão medo de um forte crescimento do poder da mídia, enquanto é precisamente a mídia que desmaterializa todo poder – para bem ou para o mal” (BAUDRILLARD, 1999, p. 27). * * * Considerando o que foi posto, este trabalho busca ir ao encontro de duas narrativas midiáticas produzidas em um tempo histórico recente, entre 2014 e 2016, que possuem pontos-de-vista diferentes perante o mesmo assunto: o documentário produzido pela Vice, The Islamic State (2014), e a revista eletrônica do próprio Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), entitulada Dabiq (2014-2016). Sua escolha se deu por seus posicionamentos e informações diferentes sobre a guerra que assola a Síria e o Iraque a partir da consolidação do EIIL em junho de 2014. Ambas fontes publicadas somente na internet abrem portas para que qualquer um que tenha acesso à rede tenha também acesso a elas e, na vastidão da mesma, ainda que possa haver um “controle” da navegação, os

8 Texto original: “Smartphones and the internet have made data abundant, ubiquitous and far more valuable. Whether you are going for a run, watching TV or even just sitting in traffic, virtually every activity creates a digital trace—more raw material for the data distilleries. […] Algorithms can predict when a customer is ready to buy, a jet-engine needs servicing or a person is at risk of a disease”.

21 usuários estão sujeitos a produzir o que querem e encontrar o que procuram. Este fato possibilita a existência e o encontro de fontes de duas naturezas e conteúdos diferentes no mesmo espaço, trazendo questões metodológicas importantes sobre como compreendê-las historicamente e como relacioná-las. As fontes tratam não apenas do EIIL em si, mas possibilitam uma compreensão da movimentação geopolítica ocorrida no Oriente Médio a partir da Ascenção do EIIL, aumentando sua importância como veículos de comunicação e como construtoras de olhares diferentes sobre uma mesma questão. Para a análise da revista Dabiq e do documentário The Islamic State, faz-se necessária a abordagem dos ‘Estudos pós-coloniais’. Através de seus questionamentos e interpretações inaugurados a partir da “década das independências” em 1960, esta corrente abriu portas para as ciências humanas enxergarem o mundo diante da perspectiva do pós-colonialismo, ou seja, para abordar as relações históricas e sociais partindo da colônia e não da metrópole. Dentre diversos pesquisadores, dois autores se destacam: Edward Said e Stuart Hall. Ambos voltaram suas atenções para as maneiras de representação das ex-colônias pelas ex-metrópoles, “alavancando discussões em torno de lutas culturais sob dinâmicas interdisciplinares” (AZEVEDO; ANTONACCI, 2016, p.03). Enquanto Hall desenvolveu principalmente questões voltadas à diáspora africana, Said voltou-se para o Oriente Médio, em especial para o mundo árabe e suas relações com o Ocidente. Buscando uma certa história das relações entre os chamados ‘Ocidente’ e ‘Oriente’, Said (2007) encontrou nos relatos de viagens de europeus (britânicos, franceses e posteriormente norte-americanos) e em artigos acadêmicos sobre a Ásia (Extremo Oriente) e o Oriente Médio (Oriente Próximo) um padrão na construção analítica e de linguagem. Ele denominou este padrão e perspectiva, de Orientalismo:

O Orientalismo, portanto, não é uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente, mas um corpo elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, tem-se feito um considerável investimento material. O investimento continuado criou o Orientalismo como um sistema de conhecimento sobre o Oriente, uma rede aceita para filtrar o Oriente na consciência ocidental, assim como o mesmo investimento multiplicou – na verdade, tornou verdadeiramente produtivas – as afirmações que transitam do Orientalismo para a cultura geral (SAID, 2007, p.34).

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Portanto, para uma primeira abordagem das fontes, é necessário ao pesquisador(a) procurar distanciar-se de análises que, direta ou indiretamente, estão permeadas por uma lógica e raciocínio que compara ‘nós’ e ‘eles’:

Opor-se à anormalidade e ao extremismo embutidos no terrorismo e no fundamentalismo [...] significa também defender a moderação, a racionalidade, a centralidade executiva de uma moralidade designada “ocidental” [...] essa dinâmica “nos” imbui com uma defensividade e fúria farisaica que acaba vendo os “outros” como inimigos, dispostos a destruição da nossa civilização e modo de vida (SAID, 2011, p.473).

O objetivo da presente pesquisa é, desta maneira, compreender os dois discursos presentes no documentário e na revista que tratam do EIIL e de sua atuação como um forte agente internacional, procurando questões que ultrapassam a simples representação do EIIL e que vão ao encontro de seu significado como documento histórico. O documentário The Islamic State (2014), realizado pela Vice, e a revista eletrônica Dabiq (2014-2016), produzida pelo EIIL, tratam da guerra que seguiu após a ‘Primavera Árabe’, momento de expansão do EIIL e que se deu de maneira extremamente combativa e bélica. Ambos materiais jornalísticos captaram os acontecimentos em andamento, levando ao espectador/leitor sua experiência sobre esta guerra. O jornalista Medyan Dairieh, da Vice, conseguiu permissão para filmar o EIIL, e o próprio EIIL organizou um centro de mídia, AlHayat Media Center, para organizar sua produção publicitária. As duas fontes são, assim, testemunhas deste conflito. * * * Uma das principais diferenças entre o documentário The Islamic State e a revista Dabiq é a maneira pela qual se apresentam: enquanto o documentário é audiovisual, a revista é composta por textos, imagens e fotografias. Tal diferença de linguagem requer abordagens historiográficas e metodológicas diferentes. As fontes audiovisuais são muito ricas para o historiador pois cada cena filmada, produzida e editada contém diversas informações e pistas para construção histórica do tema, sobre quem e com quais interesses o produziu, e sobre o momento histórico que foi filmado. Sendo composto também por som, o cinema cria uma impressão de realidade sobre aquilo que está sendo projetado. O advento de uma máquina no final do século

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XIX9 capaz de capturar movimento e ação abriu novas possibilidades de outras visões sobre o mundo. Até mesmo as Artes se transformaram a partir do cinema e sua fácil reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1994), que inclusive pode ser chamado de ‘arte da ilusão’: o que é projetado é uma representação, não podendo ser entendido como uma projeção completamente fiel da situação ou do fato. As relações entre o Cinema e a História surgiram logo no início do século XX quando os primeiros diretores buscaram poduzir filmes que retomavam questões históricas ou tentavam reconstruir acontecimentos históricos (BERNARDET, 2000). Estes retratos, no entanto, ou essas tentativas de se aproximarem do real, não podem ser abordadas pelo(a) historiador(a) apenas como uma falsa ideia sobre o acontecimento ou uma tentativa proposital de modificá-lo (FERRO, 1992), mas devem ser analisadas em sua conjuntura maior, procurando dentro da narrativa fílmica e/ou em seus desdobramentos, questões que ultrapassam o próprio cinema:

os filmes são uma criação humana e como tal não têm compromisso com a verdade histórica, mas carregam uma linguagem metafórica e uma simbologia intrínseca à ficção que garantem a sua inserção social (ALVES in SILVA; LEÃO; LAPSKY (Orgs.), 2015, p.08).

A relação entre o Cinema e a História deve ser compreendida para além de seu viés artístico, incorporarando reflexões sobre contexto de realização, o local no qual foi transmitido, quem o produziu e o porquê. Cabe ao historiador(a) “buscar os elementos narrativos que poderiam ser sintetizados na dupla pergunta: “o quê um filme diz e como o diz?” (NAPOLITANO, 2005, p. 245) e, desta maneira, expandir sua narrativa para além da tela (KORNIS, 1992). Essa concepção está diretamente relacionada aos produtores que realizam suas narrativas como qualquer outro sujeito histórico inseridos no tempo e espaço. Sua linguagem, desta maneira, sempre é planejada e possui um propósito. Assim, tanto os personagens como a narrativa são carregados de significados que, por sua vez, constroem um discurso sobre a temática abordada. Os elementos constitutivos da linguagem cinematográfica

9 O cinema de fato foi inventado em 1895 pelos irmãos Lumière, sendo a primeira máquina o Cinematógrafo.

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não têm em si significação predeterminada: a significação depende essencialmente da relação que se estabelece com outros elementos. Este é um princípio fundamental para a manipulação e compreensão dessa linguagem (BERNARDET, 2000, p.40).

As produções jornalísticas e midiáticas são as principais responsáveis pela criação de variados discursos sobre o tema que permeiam a criação e manutenção do EIIL, e, portanto, o conflito não se limita apenas às questões militares, políticas e econômicas mas adentra o campo da representação. Entretanto, as grandes companhias internacionais não são as únicas responsáveis pela produção de notícias sobre o EIIL, sendo ele também um organizador, produtor e divulgador de notícias e posicionamentos que visam passar ao leitor/espectador seu ponto de vista. O EIIL aliou a propaganda à guerra assim como diversos Estados ao longo do século XX fizeram – em especial os fascistas alemães e italianos – unindo a guerra ao espetáculo fotográfico e cinematográfico, combatendo seus inimigos em mais um campo de batalha. Entre os anos de 2014 e 2016 o EIIL produziu diferentes tipos de materiais midiáticos e propagandísticos, de diversos filmes até a revista Dabiq, consagrando-se como um grande divulgador de suas ações e um especialista em propagar o terror (COCKBURN, 2015). A partir da organização de uma equipe voltada à divulgação de notícias no Iraque e na Síria, o AlHayat Media Center, o EIIL passou a fazer frente aos grandes meios de comunicação e condensou nas páginas da Dabiq seu ponto de vista sobre os acontecimentos. A análise do discurso presente na revista, entretanto, implica uma abordagem historiográfica diferente das fontes audiovisuais. Para o historiador que procura analisar este tipo de fonte

a primeira coisa é lembrar que os materiais da imprensa não existem para que os historiadores e cientistas sociais façam pesquisa. Transformar um jornal ou revista em fonte histórica é uma operação de escolha e seleção feita pelo historiador e que supõe seu tratamento teórico e metodológico no decorrer de toda pesquisa desde a definição do tema à redação do texto final. A Imprensa é linguagem constitutiva do social, detém uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e compreendida como tal, desvendando, a cada momento, as relações imprensa /sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que esta relação propõe (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p.260).

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Assim como qualquer outro periódico, suas páginas foram construídas através de um processo e com uma estratégia de publicação. Assim, compreender de quem são seus produtores e como é o ‘universo ao redor’ da revista é de grande importância para uma análise histórica crítica:

a categoria abstrata “imprensa” se desmistifica quando se faz emergir a figura dos seus produtores como sujeitos dotados de consciência determinada na prática social. A imprensa não é espelho da realidade, mas um espaço de representação do real, ou melhor, de momentos particulares de realidade (CAPELATO, 1994, pp.21-25 apud ROMERO, 2011, p.28).

Desta maneira é preciso ao historiador(a) procurar encontrar em suas fontes pistas que possam contribuir para compor uma visão ampla sobre seu objeto de estudo, escovando a História a contrapelo como orientava Walter Benjamim (LÖWY, 2005). * * * Para a análise das fontes, que trazem diferentes olhares sobre o mesmo momento histórico e sobre assuntos da mesma natureza, optou-se pela divisão em dois capítulos: cada um dedicado à análise de um tipo documental. O primeiro capítulo busca analisar a narrativa do documentário The Islamic State (2014) produzido pela companhia norte-americana Vice. A produção possui um considerável número de visualizações, atingindo cerca de 12,4 milhões no YouTube10, site em que está hospedada. Sua abordagem permite compreender de que maneira o ‘Califado’ é representado quando visto de fora: quais os assuntos são levantados e discutidos, como a produção foi realizada e sob qual ponto de vista a produção está ancorada. Para tal foram abordadas discussões relacionadas ao jornalismo de guerra e sobre a presença da câmera no campo de batalha, possibilitando adentrar nas discussões possibilitadas pelo: a expansão do EIIL, seu domínio sobre cidades e populações, a imposição de sua maneira de pensar e a relação do EIIL com a geopolítica contemporânea. O segundo capítulo aprofunda-se na revista Dabiq, produzida entre 2014 e 2016, pelo próprio EIIL a partir da organização de seu próprio grupo de mídia: o AlHayat Media Center. Em um primeiro momento é necessário chamar atenção para o fato de que

o uso criativo das estratégias de comunicação por grupos salafistas-jihadistas não é algo novo. De fato, a mídia audiovisual

10 Informações retiradas do contador de visualizações do YouTube. Acesso no dia 02/10/17.

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sempre esteve presente em suas operações, transformando-se nas últimas cinco décadas para refletir as mudanças de paradigmas nos conflitos e nas tecnologias – sendo que a mais notável é o advento da internet. Na década de 1980, os afegãos mujahideen utilizaram revistas impressas, fitas cassetes de áudio e vídeo para atrair combatentes e para garantir doações; na década de 1990 esse simples tipo de propaganda funcionou e se transformou em uma indústria artesanal de alcance global com o surgimento de filmes de campos de batalhas da Bósnia, de provas de áudio da Caxemira e panfletos sobre a situação da Rohingya; na década de 2000, as mensagens salafistas-jihadistas finalmente alcançaram os meios de comunicação de massa, caracterizando-se por vídeos granulados disseminados em fóruns na internet mostrando sangrentas decapitações, atentados suicidas e ridicularizando discursos de velhos ideólogos. Não foi, no entanto, até os anos de 2010 e ascensão do Estado Islâmico [EIIL] que a marca salafistas- jihadista se tornou convencional, um resultado do fato de que, para o Califado de Abu Bakr al-Baghdadi, a propaganda não é apenas importante – é intrínseca à sua jihad11 (WINTER, 2017, p.06).

O AlHayat Media Center acompanhou de perto as perdas e conquistas do EIIL ao longo dos dois anos da publicação da revista Dabiq. Seu nome está relacionado ao nome da cidade em que foi produzida, cidade também tida como um local em que haveria uma grande batalha entre o EIIL e inimigos, mas com a perda da cidade a revista também acabou. Sua análise teve como foco a narrativa das notícias de expansão do EIIL, a chamada de novos integrantes civis e combatentes e em relação à construção de uma identidade através de seus artigos. A linguagem visual, recheada de fotos sobre a guerra, também foi explorada de modo a procurar compreender os motivos e objetivos do EIIL em produzir uma revista eletrônica em diversas línguas, incluindo o inglês.

11 Texto original: “the creative use of strategic communications by salafi-jihadists is not new. Indeed, audiovisual media have always branded their operations, transforming over the last five decades to reflect shifts in both the conflict paradigm and technology – the most notable being the advent of the Internet. In the 1980s, the Afghan mujahideen used printed journals, audio cassettes and videotapes to attract fighters and secure donations; in the 1990s, this smattering of propaganda transformed into a global cottage industry, with the emergence of battlefield films from Bosnia, audio wills from Kashmir and pamphlets on the plight of the Rohingya; in the 2000s, salafi-jihadist messaging finally met mass media, becoming characterised by grainy clips disseminated on Internet forums showing gory beheadings, suicide bombings and stultifying statements from senior ideologues. It was not, however, until the 2010s and the rise of the Islamic State that the salafi-jihadist brand went truly mainstream, a result of the fact that, for Abu Bakr al-Baghdadi’s caliphate, propaganda is not just important – it is intrinsic to its jihad”

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Desta maneira, a pesquisa visa compreender a projeção da guerra e de sua produção midiática de maneira crítica, aliando o estudo historiográfico das fontes à abordagem crítica dos ‘Estudos pós-coloniais’ e com questões da ‘História do Presente’. É necessário chamar atenção para o fato de que a guerra na qual o EIIL esteve inserido após a proclamação do ‘Califado’ em 2014 continuou ao longo de 2017. Diversas batalhas foram travadas nestes três anos e ambas as fontes contribuem decisivamente para a criação de percepções sobre a guerra. Assim, a análise dos discursos presentes em ambas as fontes, passando por questões históricas, visa contribuir para um melhor entendimento sobre o momento histórico do ‘presente’ trazendo reflexões para futuros pesquisadores e para o público em geral. Todos os termos que se encontraram em árabe, especialmente ao longo da leitura da revista Dabiq, foram traduzidos através do dicionário Oxford Islamic Studies Online. As traduções de passagens originalmente em inglês foram traduzidas pelo autor, indicando o texto original em notas-de-rodapé.

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CAPÍTULO 01: O documentário The Islamic State (2014)

1. O ‘Califado’ através das lentes de Medyan Dairieh

1.1 A câmera no campo de batalha

A produção em foco, The Islamic State (2014), é composta por uma série de filmagens e entrevistas que o jornalista egípcio Medyan Dairieh realizou ao longo das três semanas que esteve em território controlado pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), localizado entre a Síria e o Iraque, em 2014. O documentário, publicado pela empresa norte-americana de jornalismo Vice, é um dos mais impactantes trabalhos sobre o tema pois além de tratar das questões mais conhecidas e abordadas sobre o EIIL, tal como seu direcionamento radical em relação ao Islã, também aborda questões de âmbito interno e geopolítico. Tratando-se de uma produção audiovisual, ela propõe abordar, através de imagem e som, a transformação e a consolidação do grupo paramilitar islâmico Daesh em um Estado, denominando sua área de controle como ‘Califado’. A produção possui duas línguas: o árabe, falado por Medyan, por civis entrevistados e pelos combatentes do EIIL, e o inglês, falado pelo narrador e utilizado nas legendas das entrevistas e dos dicursos proferidos à câmera12. O documentário aproxima o espectador de algumas questões intimamente ligadas ao processo de expansão e consolidação do EIIL até o mês de junho de 2014 e sua narrativa está intimamente ligada ao ambiente no qual Medyan Dairieh estava inserido: um ambiente completamente arrasado pelo confronto bélico. The Islamic State foi filmado literalmente em meio à batalha pela cidade de Raqqa, fator que une as câmeras – fotográfica e de filmagem – com o campo de batalha. A união entre as câmeras e o campo de batalha originou-se na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) onde um dos grandes usos da fotografia, e posteriormente do cinema, foi o de reconhecimento aéreo de posições inimigas. De maneira a obter vantagem tática sobre os inimigos, máquinas fotográficas foram posicionadas em aviões

12 As falas do narrador, em inglês, não possuem legenda.

29 de patrulha para tirar fotos de suas posições geográficas e estratégicas13 possibilitando, quando reveladas, o estudo tanto para o ataque quanto para a defesa (VIRILIO, 2005, p.45). A Primeira Guerra Mundial é considerada, além de um grande confronto bélico entre diversos países europeus e norte-americanos, como o conflito que levou o front de batalha para o quintal dos civis e para as praças das cidades europeias. É a partir dela que a experiência do horror e do medo vivenciado por soldados passou a fazer parte do imaginário mundial. Estes sentimentos, entretanto, não são provenientes apenas de seus relatos, mas de uma ampla produção imagética e audiovisual do confronto bélico. Foi durante as primeiras décadas do século XX que houve a união entre o ‘horror da guerra’ e o ‘espetáculo do campo de batalha’. As recém-nascidas indústrias cinematográficas (principalmente a russa, a alemã, a italiana e a norte-americana), começaram a produzir filmes e narrativas que possuíam como foco principal, ou como plano de fundo, a guerra14. Diversas propagandas a favor do conflito, provenientes principalmente de agentes Estatais, e contra o conflito, realizadas por grupos anarquistas e socialistas15, começaram a circular na sociedade civil, ampliando o campo de batalha para além das armas. A partir de panfletos, cartazes, revistas e filmes a guerra também passou a ser travada pela conquista da opinião pública, fator que se tornou cada vez mais decisivo na entrada, na continuidade ou na saída de um país em um conflito. Entretanto foi durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que houve a consolidação e a intensificação do uso de tecnologias que, além de registrar o combate, proporcionavam a vantagem da visão do campo de batalha. Foi neste contexto que exércitos, companhias de infantaria e de aviação, passaram a contar com fotógrafos e cinegrafistas que registravam o combate:

o exército alemão passou a contar com um cinegrafista em cada uma de suas unidades. Esses operadores de talento e coragem

13 A questão é bem abordada no longa metragem Fog of War: Eleven Lessons from the Life of Robert S. McNamara (2003). Nele, há um militar analisando com uma lupa uma fotografia tirada de uma localidade industrial no Japão que seria um dos alvos dos inúmeros bombardeios realizados pela força aérea norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial. 14 Um dos casos mais conhecidos é de D.W. Griffith (1875-1948) o “único cineasta norte- americano autorizado a ir ao front a fim de rodar um filme de propaganda para os aliados” (VIRILIO, 2005, p. 34). Ele, no entanto, desiludiu-se com o confronto pois os soldados em suas trincheiras “raramente viam seus próprios adversários” (VIRILIO, 2005, p. 97), e a ideia do filme foi descartada. 15 Um dos grandes exemplos é o periódico Mother Earth produzido por, entre outros(as), Emma Goldman.

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serão bem-sucedidos onde Griffith fracassou, em 1914, pois cada regimento tinha sua PK (Companhia de Propaganda), uma coordenação entre cinema, exército e propaganda – ou seja, entre imagem técnica e roteiro – cujo objetivo era reunir e tratar instantaneamente a informação (VIRILIO, 2005, p.142).

Além do uso estratégico e militar, fotógrafos e cineastas armados com suas câmeras foram ao front com o objetivo de registrar combates e operações militares. As filmagens realizadas por Medyan Dairieh seguiram este princípio e transformaram-se, através da Vice, numa produção audiovisual de quarenta e dois minutos disponível no YouTube, plataforma de vídeos on-line que possibilita o acesso livre ao documentário a todos aqueles possuem acesso à rede. A presença de Medyan no campo de batalha, no entanto, possui um objetivo diferente do militar ou do puramente estético: ele esteve em território controlado pelo EIIL para filmar o que depois se transformaria em um documentário, ou seja, para produzir informação sobre o local e situação. O fio condutor da narrativa do The Islamic State é a comemoração dos combatentes do EIIL devido à recente proclamação do ‘Califado’ em junho de 2014, dois meses antes de sua produção. Um dos grandes desafios que Medyan enfrentou durante as filmagens foram os intensos combates entre as forças do governo sírio e o EIIL pois a cidade de Raqqa ainda não estava totalmente sob o controle do ‘Califado’. A captura de imagens de tanques em meio às ruas da uma cidade, combatentes mascarados atirando com rifles kalashnikovs para o céu, caminhões passando com mísseis, prédios pegando fogo e um mapa feito de sangue, presentes logo nos dois minutos introdutórios16, descrevem o ambiente bélico no qual Medyan se encontrava naquele momento. Em uma cena específica, um combatente do EIIL atira para o céu com uma arma de grande porte instalada na traseira de uma pick-up. Nela há a presença de um homem, munido com uma câmera, que espera filmar o alvo sendo abatido:

16A introdução decorre no tempo no documentário: 00:41-02:34. Utilizaremos este tipo de marcação para nos referirmos às cenas abordadas.

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Imagem 02 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:00) – Um combatente do EIIL atira em um alvo aéreo enquanto outro filma a ação.

A cena retrada a união entre a guerra e a produção de material audiovisual, demonstrando o processo de espetacularização deste conflito: a presença direta da câmera no campo de batalha. Não são raras as filmagens espalhadas pela internet, em sites como LiveLeak17, produzidas por membros do EIIL ou por outros grupos, que mostram aviões ou helicópteros de guerra sendo abatidos. Elas transformam a situação desesperadora da guerra em um espetáculo e, neste sentido,

a guerra não pode jamais ser separada do espetáculo mágico, porque sua principal finalidade é justamente a produção deste espetáculo: abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá- lo, é infligir-lhes, antes da morte, o pavor da morte (VIRILIO, 2005, p.24).

Estas filmagens, entretanto, também ensejam uma visão pessimista dos atuais conflitos armados presentes ao redor do mundo e sobre o momento histórico contemporâneo. As cenas levam a crer que o futuro da cidade de Raqqa continuará sendo violento e sem esperanças de melhora, como afirmam autores(as) e pensadores(as) que se debruçam sobre os diversos conflitos do século XXI (ARANTES, 2007; BANDEIRA, 2016, 2017; ZIZEK, 2003). O jornalista Medyan Dairieh, como mostra o documentário, passou por duas situações reais de risco de vida, arriscando-se na atmosfera bélica do conflito para, assim

17 O domínio pode ser acessado através do link .

32 como vários outros jornalistas ao longo da história, conseguir o melhor ângulo e/ou sequência de cenas. Na primeira situação, logo no início do documentário18, Medyan acompanha Abu Mosa, identificado como “Oficial de imprensa do Estado Islâmico [EIIL]”19, e um motorista que, de carro, se direcionam ao front que se configurava – até o momento da filmagem – como a última posição do ‘17º Batalhão sírio’. Abu Mosa alerta que a estrada que estão seguindo é vigiada constantemente por um atirador do governo sírio, o que faz deles um possível alvo de ataque. Um segundo momento de tensão é quando Medyan se encontra em meio a uma troca de tiros. A cena se desenvolve após sua chegada a uma posição próxima do ‘17º Batalhão sírio’ em que alguns combatentes do EIIL decidem alvejar a posição síria. Porém, quando os soldados sírios retornam fogo, os combatentes do EIIL rapidamente voltam para a trincheira e recuam20. As imagens abaixo demonstram a movimentação da cena:

Imagem 03 - Captura de cena do documentário (tempo: 05:23) – Dois combatentes do EIIL atiram na posição do ‘17º Batalhão sírio’.

18 Tempo no documentário: 02:36-04:17. 19 Texto original: “Islamic State Press Officer“. 20 Tempo no documentário: 05:23-06:20.

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Imagem 04 - Captura de cena do documentário (tempo: 05:33) – Assim que os soldados sírios retornam fogo, os dois combatentes do EIIL rapidamente voltam para a trincheira.

O documentário mostra uma tática muito utilizada pelos combatentes EIIL no combate contra os soldados sírios nos arredores de Raqqa: a de atirar e de se esconder. Essa movimentação demonstra que os combatentes do EIIL não desejavam prolongar o confronto direto, pois retornam às trincheiras logo após os disparos. Quando analisadas em conjunto com a cena anterior (Imagem 02), é possível ver que o documentário explora algumas nuances do confronto militar entre o EIIL e seus inimigos. Ao invés de ser uma guerra caracterizada por forças que utilizam táticas e equipamentos similares, as cenas de combate explicitam a irregularidade dos confrontos que podem acontecer a qualquer momento, ao passo que também comprovam que Medyan se encontrava de fato em uma zona de guerra. As duas cenas demonstram que a força militar do EIIL é limitada ao plano terrestre e o fato do combatente atirar para o céu em um alvo aéreo é um exemplo da disparidade tecnológica entre o ‘Califado’ e alguns de seus inimigos. Enquanto os exércitos regulares da Síria e do Iraque possuíam tanques, helicópteros, e soldados bem equipados, o documentário mostra uma pick-up com uma arma adaptada e os combatentes usando roupas civis, sem capacetes ou coletes à prova de bala, durante a troca de tiro. Esta diferença, entretanto, não foi suficiente para frear o avanço do EIIL. Um dos principais motivos para sua vitória sobre os exércitos regulares sírio e iraquiano foram estratégias de entrincheiramento em meios urbanos:

os combatentes do EIIL atiram nas tropas do governo de dentro de casas e escapam rapidamente através de buracos que

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ordenaram as pessoas a cavarem nas paredes de suas casas, deixando-os para enfrentarem os tiros de retaliação pelo ataque. Nesta semana [março de 2017] 237 civis foram mortos em um único distrito de Mossul por ataques aéreos, 120 deles apenas em uma casa, de acordo com as agências de notícias curdas21 (COCKBURN, 2017).

Este tipo de combate, entretanto, acabou atingindo principalmente civis e moradores das cidades em que o EIIL procurou se estabelecer, causando a morte de milhares de pessoas. A situação evoluiu de forma drástica tornando-se uma das principais causas da crise humanitária nas regiões atingidas pela guerra. Assim, os momentos introdutórios do documentário, apesar de rápidos, mostram ao espectador que, apesar de consolidado, o ‘Califado’ continuava em guerra.

21 Texto original: “Isis fighters shoot at government troops from houses and then escape quickly through holes they have ordered people to cut in the walls of their homes, leaving them to face retaliatory fire. In a single district of Mosul this week 237 civilians were killed by air strikes, including 120 of them in one house, according to a Kurdish news agency”.

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1.2 A produção do documentário

O documentário The Islamic State (2014) aborda situações e acontecimentos que ocorram de fato, mas não deixa de ser uma representação sobre os mesmos. Assim, pode ser considerado uma fonte histórica que expressa, dentro de suas concepções, uma visão específica sobre o momento retratado. A partir de sua utilização como fonte histórica, cabe o(a) historiador(a) perceber que

o filme não é um texto, mas a junção de vários textos simultâneos, representados pelo roteiro (muitas vezes considerado como o único texto de um filme), pela iluminação, pelo guarda-roupas, pela trilha sonora e pela fotografia. Da capacidade de tais múltiplos textos conversarem coerentemente entre si dependem em grande medida a beleza e a harmonia do filme, ou o seu completo desastre. Neste sentido, qualquer trabalho com o cinema implica a observação detalhada de todos estes textos superpostos e simultâneos, ultrapassando a análise do roteiro expresso em “falas” dos personagens em cena (DA SILVA, 2004, p.02).

Assim, para uma compreensão maior do que está sendo transmitido pela produção é necessário atentar para as diversas 'camadas' de informação contidas em suas cenas e em sua narrativa, sendo a primeira delas sua identificação como um documento audiovisual que se enquadra no gênero ‘documentário’ e não ‘ficção’ e/ou ‘drama’. Apesar de ambos os gêneros fazerem parte da chamada ‘indústria cinematográfica’, eles possuem aproximações e diferenças:

o cinema de ficção dispõe de uma soberania para criar e ordenar os signos que sustentam um mundo representado (à maneira de um duplo), ainda que a imaginação criadora se depare, no trato com as formas expressivas, com limitações que são histórica e socialmente definidas. Já o documentário dispõe apenas de uma autonomia parcial no uso de seus procedimentos narrativos e plásticos, atravessado que é por situações, eventos e condições que nele inscrevem materialmente os vestígios de um mundo social e histórico (concebido como um feixe de relações intersubjetivamente construídas, e não simplesmente como um estado de coisas acabado e desprovido de devir) (GUIMARÃES, 2011, p.72).

Os dois gêneros, entretanto, passam por diversos processos de contratação de equipe, escolha de tema, edição e investimentos. Suas linguagens e mensagens estão

36 diretamente ligadas àqueles que o fizeram. Desta maneira a Vice, produtora do documentário, possui grande relevância em relação à sua construção e direcionamento. Fundada em 1994 por três amigos canadenses, Gavin McInnes, Suroosh Alvi e Shane Smith, com o objetivo de ser uma revista voltada para promover serviços à sociedade canadense de Montreal, a Vice foi comprada por Richard Szalwinski no fim da década de 1990 e transferida para Nova York. Nos EUA, rapidamente ganhou reputação ao falar de temas provocativos e politicamente incorretos22 – diretriz que mantém até os dias de hoje. Após a chamada ‘Bolha da internet’, um evento de grande especulação financeira e de quebra de diversas companhias que apostaram no setor da internet em março de 2000 (GEILER, 2015), a Vice retornou a seus primeiros donos, porém ainda com a mesma força e posicionamento jornalístico. Diferentemente de companhias mais usuais, como a Rede Globo ou a BBC, a Vice tem seu foco nas artes, cultura e ‘mundo jovem’, distinguindo-se pelo tratamento dado às suas notícias. Basta acessar sua página principal para notar que suas notícias, e a própria maneira de dirigir-se ao leitor, é mais informal e adaptada ao mundo digital da internet. A Vice, como empresa de jornalismo, obteve um crescimento exponencial desde sua criação em 1994 chegando a operar, em 2015, em 36 países ao redor do mundo, sendo considerada hoje um dos gigantes das comunicações. Sua receita girava, em 2014, em torno de 500 milhões de dólares e valia em torno de 2,5 bilhões (YAKOWICZ, 2014). Em oposição às companhias mais usuais, o segredo de seu sucesso não se limita à sua linguagem, mas à maneira como ela opera:

Embora a empresa tenha vários sites dedicados a notícias sobre inovações tecnológicas e outros tópicos, seu verdadeiro motor de crescimento tem sido o seu domínio sobre o vídeo [audiovisual] – particularmente sobre o tipo que atrai millennials [geração nascida após a virada do milenio] e os anunciantes que desejam alcançá-los23 (INGRAM, 2015).

Em uma entrevista, Shane Smith, um dos cofundadores, salienta a força da Vice como veículo de informação através das tecnologias que abarcam toda a produção jornalística da empresa:

22 Como matérias sobre o uso de drogas , de cunho sexual explícito ou ainda estranhos e cômicos para o grande público. 23 Texto original: “Although the company has a number of websites devoted to technology news and other topics, the real engine for growth has been its command of video—and particularly the kind that appeals to millennials and the advertisers who want to reach them”

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‘Temos celular, temos on-line. [As redes de TV] não têm nada disso. Eles perderam toda uma geração’, diz ele [Shane Smith]. Em 2013, quando Charlie Rose perguntou se a Vice se tornaria o Time Warner das ruas, Smith não titubeou. "Nós já somos o Time Warner das ruas". Ele mesmo comprova – a Vice alega que 76% de sua audiência tem menos de 34 anos, os mesmos números do BuzzFeed – mas os números são quase irrelevantes porque a Vice e o BuzzFeed já convenceram o mundo que são os porta-vozes dos milenares [Geração nascida entre 1990 e 200024]. Os anunciantes digitais acreditam que, em 2014, a da Vice foi estimada em US$ 500 milhões25 (GRIFFITH, 2015).

Em relação ao jornalista que produziu o documentário, Medyan Dairieh, ele nasceu no Egito e atualmente reside na Grã-Bretanha. Estudou jornalismo na Universidade de Bagdá e fotografia na Universidade de Mármara, na Turquia. Acumulando diversos prêmios ao longo de seus mais de quinze anos de carreira, ele se aproxima daquilo que deseja filmar mesmo que isso lhe coloque em situações de extremo risco de vida. Medyan foi o primeiro jornalista de uma companhia midiática que conseguiu acesso ao território do EIIL, fato que se torna relevante ao comparar experiências de outros jornalistas que também procuraram realizar o mesmo trabalho, mas que acabaram capturados e/ou mortos. No entanto, para compreender melhor a relação que tanto o documentário como a Vice possuem com o EIIL e o mundo ao seu redor, é necessário relacioná-los com a tecnologia informativa do início do século XXI. Publicá-lo em uma plataforma de vídeos on-line conhecida mundialmente e com um grande potencial para atingir os mais variados públicos, definitivamente ampliou sua atuação na criação de uma percepção imagética e informativa não só sobre o EIIL, como também sobre o âmbito geopolítico global que a presente guerra possui. Um dos desdobramentos mais recentes da Vice foi a criação, em 2013, de um departamento voltado à produção de documentários: a Vice News. Na conta de usuário da

24 Concepção desenvolvida por William Strauss (1947-2007) e Neil Howe (1951-), dois historiadores e sociólogos norte-americanos, em seus trabalhos sobre a teoria das gerações. 25 Texto original: “We have mobile, we have online. [TV networks] don’t have any of that. They’ve lost a whole generation,” he says. In 2013, when Charlie Rose asked if Vice would become the Time Warner of the street, Smith didn’t blink. “We already are the Time Warner of the street.” His proof is self-reported—Vice claims 76% of its audience is under the age of 34, same goes for BuzzFeed—but the numbers are almost beside the point, because Vice and BuzzFeed have convinced the world they’re millennial whisperers. Digital advertisers believe: Vice’s 2014 revenue was estimated to be $500 million”.

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Vice News no YouTube26 é possível ver diversas produções, feitas por Medyan Dairieh ou por outros jornalistas e correspondentes, que abordam desde tensões locais, como por exemplo as manifestações brasileiras contrárias à Copa do Mundo de 2014, a conflitos internacionais como o confronto de manifestantes e forças do governo ucraniano em Kiev, ou ainda, outros lados e perspectivas da guerra que assola a Síria27 desde 2011. É possível identificar a Vice, desta maneira, como uma agência de notícias engajada não somente com o mundo jovem mas com a geopolítica global. O documentário sobre o EIIL, no entanto, foi o que angariou maior sucesso à companhia sendo inclusive “citado nas sessões de imprensa da Casa Branca”28 (GRIFFITH, 2015). O alcance da produção é, numericamente falando, muito grande: em números de visualizações no YouTube, local onde o documentário está hospedado, possui cerca de 12,4 milhões de visualizações. Isto não apenas demonstra a força jornalística da Vice como também mostra que há uma grande demanda e interesse por parte da população mundial em saber mais sobre o EIIL. Inclusive há uma grande gama de comentários de pessoas de diversas partes do planeta sobre a produção, o que confirma tanto o interesse do público em saber mais, como o alcance e impacto do documentário diante dos espectadores. O canal da Vice no YouTube, entretanto, não é o único que disponibiliza material sobre guerras e conflitos atuais; há diversos outros que explanam sobre o assunto com as mais diferentes perspectivas. Todo este universo ao redor do documentário atua de maneira decisiva sobre a percepção do espectador diante do tema, abrindo portas para pensar o direcionamento que o documentário em foco assume. A narrativa da produção se passa na cidade de Raqqa – que fazia parte do território sírio até sua captura pelo EIIL –, e foi realizado em quatro etapas: a primeira delas foi a obtenção, por Medyan, de um contato dentro do próprio ‘Califado’ que o pudesse manter em segurança durante sua viagem e estadia de três semanas em Raqqa; a segunda etapa foi de obtenção de apoio e suporte da Vice e, a terceira etapa, sua viagem e estadia de três semanas no território controlado pelo EIIL. A edição de todo o material filmado por

26 A conta de usuário da Vice News na qual é possível achar o vídeo se encontra através do link . Acesso ao longo de 2015, 2016 e 2017. 27 O documentário Syria's Unending Rebel Conflict: Wolves of the Valley (2014), por exemplo. Ele também está disponível no YouTube e o acesso pode ser feito através do link . Acesso em 22/05/2017. 28 Texto original: “was cited in White House press briefings”.

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Medyan, a quarta e última etapa de sua realização, foi feita por editores e funcionários da Vice, estando intimamente ligada com a construção de uma narrativa sobre o EIIL como também à sua estrutura argumentativa.

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1.3 A estrutura argumentativa

O documentário The Islamic State, produzido com grande qualidade imagética e cinematográfica, tem um tom informativo e condensou em quarenta e dois minutos toda uma gama de informações que busca mostrar ao espectador o que estava acontecendo em Raqqa, logo após a proclamação do ‘Califado’ em junho de 2014. Ele pode ser encontrado em duas versões no YouTube: uma de quarenta e dois minutos corridos e outra versão de cinco vídeos de aproximadamente nove minutos cada. Juntos, os cinco vídeos compõem o documentário completo de quarenta e dois minutos, não havendo alterações em seu conteúdo. A partir desta segunda versão é possível ver que a narrativa e a estrutura do documentário foram divididas em cinco eixoso temáticos, cada qual abordando um tópico diferente:

1) A expansão do Califado29; 2) Criando crianças para a Jihad30; 3) Reforçando a Sharia em Raqqa31; 4) Cristãos no Califado32; 5) Destruindo a fronteira entre o Iraque e a Síria33.

A presente pesquisa se debruçou na versão corrida, porém segue a divisão temática já proposta pelos produtores da Vice. A produção pode ser interpretada sob dois prismas diferentes de análise, o que a torna relevante quando relacionada à abordagem da ‘História do Presente’ e em relação à sua estrutura argumentativa. Seu foco argumentativo, em última instância, é de denúncia das atrocidades e atos violentos do EIIL contra inimigos e contra civis (população de Raqqa), sendo possível identificá-la como uma produção que argumenta ‘contra’ o EIIL. Entretanto há de se ressaltar que durante todo o tempo em que Medyan esteve no ‘Califado’ ele foi acompanhado por Abu Mosa (“Oficial de imprensa do Estado Islâmico

29 Título original: The Spread of the Caliphate. 30 Título original: Grooming Children for Jihad. 31 Título original: Enforcing Sharia in Raqqa. 32 Título original: Christians in the Caliphate. 33 Título original: Bulldozing the Border Between Iraq and Syria.

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[EIIL]”34) ou por algum funcionário do EIIL, onde muitas das situações filmadas, se olhadas com olhos críticos, parecem ter sido ‘montadas’, ou seja, há forte indícios ao espectador que Medyan só filmou aquilo que lhe foi permitido ou indicado. A produção possui o claro posicionamento de definir o território controlado pelo EIIL como um ‘Califado’ e, ao colocar o entrevistado frente-a-frente ao espectador, transmite sua mensagem por completo, abrindo portas para que o espectador possa interpretá-la como ‘a favor do EIIL’. Este último fator pode ser exemplificado em uma entrevista que Medyan Dairieh concedeu a uma rede de televisão em que ele teve que rebater afirmações do apresentador que o questionava sobre o documentário, dizendo que ele supostamente faz 'propaganda' do EIIL35. Medyan responde ressaltando que sua presença em terras do ‘Califado’ não teve como objetivo fazer propaganda, mas um documentário. Um segundo ponto de grande importância é que, como fica claro nos créditos, o material filmado por Medyan passou, antes de ser publicado, pelas mãos dos editores e profissionais da própria Vice voltados especialmente à produção de uma ‘narrativa’, identificados como “Produtores de estória”36. Assim, a construção argumentativa de todos os temas está relacionada a questões que deixam clara a visão do EIIL que a Vice procurou construir através desta produção: eles dizem respeito tanto à modificação sofrida em relação ao modo de vida daqueles que viviam, em 2014, sob o domínio do EIIL, mas também como seu cotidiano foi, a partir da chegada do EIIL, afetado de maneira negativa por suas regras, dando grande enfoque à imposição da Sharia37. Esta, no entanto, não é uma visão exclusiva da Vice. Diversas notícias foram publicadas ao redor do mundo sobre o Daesh e a consolidação do ‘Califado’. Em grande parte elas abordam o EIIL “como um grupo irracional que age sem motivos políticos, movido apenas pelo ódio religioso” (NASSER in COCKBURN, 2015, p.15). O diferencial do documentário produzido pela Vice, entretanto, é que ele tenta compreender o EIIL no âmbito da organização interna e do contexto geopolítico.

34 Texto original: “Islamic State Press Officer“. 35 Vídeo intitulado “VICE Reporter Medyan Dairieh speaks about his stay in the Islamic State [English Subtitles]”, publicado no YouTube em outubro de 2014 e disponível no link . Acesso em 05/10/2016. 36 Texto original: “Story producers”. 37A Sharia é um conjunto de leis islâmicas baseadas nos ensinamentos do Alcorão. Faz parte do cotidiano cívico e religioso das populações muçulmanas, algumas a segue mais à risca e outras menos. De acordo com o raciocínio do EIIL quem não as segue deve ser punido severamente (COCKBURN, 2015).

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Neste sentido os produtores e suas relações com o documentário se tornam fatores relevantes a serem considerados diante da presente abordagem. Shane Smith, cofundador da Vice, ao falar sobre processo de construção do documentário, desvenda o modus operandi da companhia:

A série ‘EIIL’ não nasceu em uma sessão de brainstorming ou em uma planilha de dados. As decisões editoriais são feitas principalmente por instinto, diz Smith, porque a Vice não faz ‘conteúdo por consenso’. ‘Nós sabemos o que funciona, o que não funciona, e como uma produção internacional exclusiva sobre o EIIL vai funcionar’, ele diz. ‘Nós vamos realizá-la com nossos instintos’. As histórias sobre maconha tendem a ser populares também, adiciona ele [Smith] com uma risada38 (GRIFFITH, 2015).

Fica clara a ideia de que Shane Smith, e assim a empresa Vice, enxerga a produção The Islamic State como uma estória comparável a outras que já foram produzidas, mas com um enorme potencial midiático por ser pioneira em conseguir uma autorização para filmar a guerra dentro do território do EIIL. Assim, o documentário cria um discurso sobre a questão do EIIL com enfoque em temas que acreditam ser de grande importância e repercussão midiática: o extremismo religioso islâmico e o excesso de violência. Dessa forma, o primeiro tema: A expansão do Califado, ilustra uma ameaça ao ‘equilíbrio’ geopolítico do Oriente Médio a partir da expansão de um grupo paramilitar islâmico que se consolidou como um ‘Califado’, abordando principalmente questões relacionadas à guerra. O segundo tema, Criando crianças para a Jihad, traz à tona a questão da guerra marcada também pela presença de civis, especialmente crianças. A produção procura mostrar que o confronto da expansão e consolidação do EIIL atingiu várias gerações e que ainda se perpetuará. O terceiro e o quarto temas, Reforçando a Sharia em Raqqa e Cristãos no Califado, trazem a problemática do EIIL em relação à religião, ou seja, sobre como o Califado procura impor à população de Raqqa sua visão do Islã. Enquanto o terceiro aborda questões relacionadas à laicidade do Estado e à interferência governamental e/ou

38 Texto original: “The ISIS series was not born in a brainstorming session or on a data spreadsheet. Editorial decisions are mostly made on gut instinct, says Smith, because Vice does not do ‘content by consensus’. ‘We know what works, what doesn’t work, and a world-wide exclusive on an embed on ISIS is going to work’, he says. “We’re going to go with our gut on that.” Stories about weed tend to be popular, too, he adds with a chuckle”.

43 policial (Hisbah) em atividades do cotidiano, o quarto traz a problemática do surgimento do Califado em relação aos não-muçulmanos, tendo como foco os cristãos, de modo a mostrar o quão intolerante o EIIL é com a diversidade religiosa. Já o quinto e último tema, Destruindo a fronteira entre o Iraque e a Síria, trata da destruição da fronteira entre o Iraque e a Síria desenhada por franceses e ingleses no acordo Sykes-Picot (1916) após do fim da Primeira Guerra Mundial e o fim do Império Otomano, simbolizando o fim da dominação imperial na região (pelo menos sob influência europeia).

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2. A consolidação e a organização do ‘Califado’

2.1 A violenta conquista de Raqqa

O foco deste tópico está nos dois primeiros temas do documentário The Islamic State (2014): 1) A expansão do Califado e 2) Criando crianças para a Jihad. Vale lembrar que a produção foi realizada em junho de 2014, logo após o ‘Califado’ conquistar a cidade iraquiana de Mossul, “uma vitória espantosa, alcançada por uma força de 1300 homens contra outra que nominalmente teria 60 mil, incluindo o exército iraquiano e as polícias locais” (COCKBURN, 2015, p.53). Ambos os temas abordam como foi ‘a expansão do Califado’ e como ‘as crianças são criadas para a jihad’ e principalmente como a violência está presente no cotidiano do EIIL, argumentantdo que ela não se expressa somente através de forma física mas também psicológica. A compreensão desta temática perpassa pela discussão realizada nos tópicos anteriores, ressaltando o esforço por parte da Vice e de Medyan em construir uma narrativa sobre este aspecto: a violência. Para analisar as cenas iniciais do documentário, é necessário reconhecer que, ao abordar um assunto como a guerra, é preciso cautela. À quase todo o momento o documentário procura expor (incluindo imagens fortes de corpos de pessoas mortas), as diversas atrocidades cometidas pelo EIIL, deixando clara sua posição antagônica aos massacres realizados pelo EIIL contra civis e prisioneiros de guerra. O aspecto violento do ‘Califado’ pode ser entendido como um meio encontrado pelo EIIL para alcançar seus objetivos. Em momento algum isso deve ser entendido como uma ação ‘louvável’, mas é necessário constatar que, através das cenas, a violência é demonstrada pelo documentário como um fator motor para a realização de seus objetivos. A violência, entretanto, não pode ser vista apenas através de um viés combativo por parte do pesquisador, mas seu entendimento de uso e aplicação deve ser expandido e compreendido também como

um evento heurístico de excepcional significação. Revela o visível e o invisível, o objetivo e o subjetivo, no que se refere ao social, econômico, político e cultural, compreendendo o individual e o coletivo, a biografia e a história. Desdobra-se pervasivamente pelos poros da sociedade e do indivíduo. É um evento heurístico de excepcional significação, porque modifica as suas formas e técnicas, razões e convicções de conformidade com

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as configurações e os movimentos da sociedade, em escala nacional e mundial (IANNI, 2004, p.169).

É importante, assim, abordar o fator ‘violência’ não apenas como algo negativo, mas como um infeliz fator de mudança e ação: seu uso deve ser compreendido através de uma perspectiva e consequência histórica, inclusive como um agente impulsionador de transformações em âmbito local e global. O documentário aborda que a formação do EIIL não foi de forma alguma um movimento pacífico e de mútua compreensão entre todos os agentes envolvidos. Seu território, que se localiza justamente entre o Iraque e a Síria, foi conquistado após confrontos diretos entre suas forças militares e forças regulares sírias e iraquianas. Nas primeiras cenas do documentário há uma breve explicação, através da figura de um narrador, sobre a criação e ascensão do EIIL como poderio militar geopolítico tido como 'mundial'. Ele argumenta, através de trechos retirados de noticiários norte- americanos, que o ‘Ocidente’ (norte-americanos e europeus) foi pego de surpresa pelos bem-sucedidos ataques do EIIL. Há grande ênfase na velocidade dos ataques do EIIL que, equipados com fortes carros e utilizando de táticas militares, atingiram seus objetivos. As falas dos jornalistas e âncoras de televisão transbordam tom de surpresa e espanto diante dos fatos, e inclusive chegam a comparar o avanço do EIIL com o avanço nazista de 1939, a Blitzkrieg39. Esta comparação com táticas da primeira metade do século XX, apesar de anacrônica, também exemplifica o despreparo das forças sírias e iraquianas frente ao poder do EIIL. Foram os ataques realizados em território iraquiano que consolidaram e transformaram o Daesh em ‘Califado’, principalmente entre janeiro e junho de 2014. Responsáveis por um ponto de mudanças de poder na região, “os militantes do EIIL superaram a Al-Qaeda como o mais poderoso e eficaz grupo de jihadistas do mundo” (COCKBURN, 2015, p.43). Nas cenas seguintes à breve explicação do narrador, o documentário se apropria de imagens de uma passeata militar do EIIL feita em uma cidade (não é possível saber qual cidade pois não há identificação). O documentário ressalta o forte poderio bélico do EIIL mostrando seus veículos, tanques de guerra, mísseis e até mesmo equipamentos norte-americanos:

39 Tempo no documentário: 01:30. Porém não são os únicos a fazerem tal comparação. O jornalista Patrick Cockburn (2015) também a faz em seu livro.

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Imagem 05 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:47) – Imagens da passeata militar do EIIL: foco em um míssil balístico de grande porte.

Imagem 06 - Captura de cena do documentário (tempo: 01:50) – Imagens da passeata militar do EIIL: foco em um veículo blindado.

Ainda que o governo iraquiano apresentasse vantagem tecnológica em relação aos equipamentos dos combatentes do EIIL, não conseguiram frear sua ofensiva à Mossul, segunda maior cidade iraquiana, no primeiro semestre de 2014: “foi uma vitória espantosa, alcançada por uma força de 1.300 homens e contra outra que nominalmente teria 60 mil, incluindo o exército iraquiano e as polícias locais” (COCKBURN, 2015, p.53). O motivo desta vitória foi o colapso das forças regulares iraquianas, principalmente quanto a seu nível de corrupção que impediu sua organização: “apenas um em cada três de seus homens estava de fato presente em Mossul. Os demais pagavam até metade de seus salários a supervisores para ficar em permanente licença” (COCKBURN, 2015,

47 p.53). Com Mossul sob seu domínio, o EIIL assaltou bancos, capturou armas e equipamentos do exército iraquiano que foi fortemente financiado e treinado pelos EUA, aumentando exponencialmente seu poderio bélico para continuar expandindo. A expansão do EIIL como um forte poder militar internacional pode ser vista na conquista da cidade de Raqqa, na Síria, e de Mossul, no Iraque. Ambas cidades foram conquistadas quando o EIIL ainda era conhecido como Daesh, ou seja, antes da proclamação do ‘Califado’. Raqqa caiu sob seu controle ainda em 2013, mas após a tomada de Mossul em junho de 2014, a cidade transformou-se, como o próprio narrador do documentário indica, na ‘capital do mais novo Estado do mundo’. Porém apesar de consolidado como ‘Califado’, a batalha pela cidade síria ainda não havia acabado e é neste ambiente que o jornalista Medyan Dairieh encontra-se para filmar o documentário. É em uma das primeiras falas de Abu Mosa, “Oficial de imprensa do Estado Islâmico”, logo antes de uma das cenas de tensão (a troca de tiros com soldados sírios abordada no tópico anterior), que a produção aborda a questão de como a guerra na qual o EIIL estava inserido em 2014 foi travada. Sentado com o fuzil na mão ele se direciona à câmera, e ao espectador:

Abu Mosa: Eu falo para a América, que o Califado Islâmico foi estabelecido. E nós não vamos parar. Não sejam covardes atacando-nos com drones. Enviem seus soldados, aqueles que humilhamos no Iraque. Nós vamos humilhá-los em qualquer lugar, se Deus quiser, e nós vamos alçar a bandeira de Allah na Casa Branca40.

A cena é interessante, pois ela dá voz à Abu Mosa, que direciona a palavra aos EUA. Através desta fala, o documentário também aborda questões intimamente ligadas às estratégias da guerra adotadas pelos EUA: o emprego de tecnologias, no caso o drone, contra o tipo de inimigo que o EIIL representa41. Enquanto o governo de George W. Bush empregou uma política voltada à ocupação física de Bagdá (entre 2003 e 2004), foi na administração de Barack Obama (2008-2017) onde houve grande aumento na utilização

40Texto original: “I say to America, that the Islamic Caliphate has been established. And we will not stop. Don’t be cowards and attack us with drones. Instead send your soldiers, the ones we humiliated in Iraq. We will humiliate them everywhere, God willing, and we will raise the flag of Allah in the White House”. Tempo no documentário: 04:40-05:07. 41 Diversos outros grupos espalhados pelo Oriente Médio e pelo continente Africano, enquadrados sob a nomenclatura ‘terrorista’, são combatidos pelos EUA através das mesmas táticas e tecnologias (SCAHIL, 2017).

48 de drones e/ou aviões não-tripulados em operações de guerra e espionagem (SCAHILL, 2017). Abu Mosa também trata da continuidade e das consequências da invasão e ocupação dos EUA na região do Oriente Médio, em especial o Afeganistão e o Iraque. Seguindo seu raciocínio, os americanos teriam sido humilhados durante a Guerra do Iraque ocorrida na primeira década de 2000, e ao dizer que o ‘Califado Islâmico foi estabelecido’, ele refere-se ao “fim de um período particular da história do Iraque, que começou com a derrubada de Saddam Hussein pela invasão dos Estados Unidos e Grã- Bretanha, em março de 2003” (COCKBURN, 2015, p.35)42. Com a queda de Saddam, a coalizão EUA-Grã-Bretanha tentou criar um “novo Iraque, no qual as três comunidades compartilhassem do poder em Bagdá. A experiência fracassou desastrosamente, e parece que será impossível ressuscitar o projeto, porque as linhas de batalha entre os curdos, sunitas e xiitas são hoje [2015] muito mais rígidas e amargas” (COCKBURN, 2015, p.35). Os danos causados pela ocupação à infraestrutura estatal e à população civil iraquiana são fatores cruciais para a ascensão e compreensão histórica da ascensão e transformação do Daesh no EIIL. Para Chomsky “a escala da catástrofe no Iraque é tão extrema que mal pode ser relatada” (CHOMSKY, 2009, p.64). Além da falta de alimentos, houve a destruição da infraestrutura e queda do rendimento médio iraquiano, “de 255 dólares em 2003 para cerca de 144 dólares em 2004” (CHOMSKY, 2009, p.64), além do fato que “quase cem mil iraquianos morreram com a invasão” (CHOMSKY, 2009, p.65). Apesar de extremamente custosa para os iraquianos, as empresas norte-americanas vinculadas à produção de petróleo e fornecimento de armas se beneficiaram dessa invasão e ocupação (BANDEIRA, 2016, p.177)43.

42 O confronto direto entre a coalizão EUA-Grã-Bretanha e o Iraque, ocorrido em 2003, durou apenas duas semanas (de vinte de março a primeiro de maio). Após intensos bombardeiros à capital, Bagdá, as tropas norte-americanas e seus aliados capturaram Saddam Hussein (1937- 2006), então líder do governo. Saddam foi condenado por crimes contra a humanidade, especificamente contra os curdos, sendo enforcado pouco tempo depois, em 30 de dezembro de 2006. As causas do conflito são até hoje controversas, sendo que a principal justificativa para a derrubada de Saddam era a de que ele possuía armas de destruição em massa, fato nunca comprovado. 43 O governo de Barack Obama (2009-2017) retirou as tropas norte-americanas do país em 2011, finalizando assim uma primeira etapa do conflito. Com a escalada da força militar do EIIL (então Daesh) e com a proclamação do ‘Califado’ em 2014, uma nova onda de bombardeios e intervenções militares foram lideradas pelos norte-americanas no Iraque. É interessante ressaltar que os bombardeios iniciados em 23 de setembro de 2014 (COCKBURN, 2015, p. 32) ocasionaram a morte de Abu Mosa (THORNHILL, 2014).

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O documentário não tem como foco abordar tais questões, mas elas são necessárias para compreender os atos do EIIL após a tomada das posições do ‘17º Batalhão sírio’44 em julho de 2014. O narrador salienta que os soldados do regime sírio foram capturados e mortos, sendo seus corpos (alguns decapitados) expostos em uma praça pública na cidade de Raqqa de forma a mandar a mensagem que a “cidade está firmemente sob o domínio do EIIL”45, expondo a maneira brutal como o EIIL trata seus inimigos, vivos ou mortos.

Imagem 07 - Captura de cena do documentário (tempo: 06:34) – Imagens de corpos dos soldados sírios expostos em praça pública.

A segunda parte do documentário, intitulada Criando crianças para a jihad, procura demonstrar um outro tipo de ação praticada pelo EIIL. Este tema do documentário inicia-se com um diálogo entre Medyan, Abu Mosa e o motorista do carro em que estão. A conversa trata da vida cotidiana durante a guerra, e Medyan pergunta à Abu Mosa se ele dispõe de tempo para voltar para casa e ficar com sua família e ele responde que não:

Abu Mosa: Eu não volto para casa por prazer, só vou quando é importante ou quando estou doente. Eu não, eu não vou por nada. Medyan Dairieh: Isso significa que você vive para a guerra? Abu Mosa: Sim. Honestamente falando, a família é menos importante. Há um propósito maior. Ninguém defenderia os

44 Tempo no documentário: 06:28-06:40. 45 Tempo no documentário: 06:38.

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muçulmanos se todos nós ficássemos em casa com nossas famílias46.

Esta pequena conversa possui um ponto de grande importância: a família, para Abu Mosa, é algo secundário perante a gravidade da situação em que se encontra e frente aos próprios desafios que o EIIL ainda teria de enfrentar. Sua visão está intimamente ligada à ideia da jihad, e seu sacrifício é justamente sua abstenção dos prazeres familiares. A presença da guerra em sua vida não parece ser algo ruim, mas extremamente necessário. Ainda que a produção exponha as atrocidades e violências que a ‘Expansão do Califado’ tenha causado, Abu Mosa não entra em detalhes sobre o ‘fazer guerra’ mas justifica como algo que deve ser feito acima de qualquer coisa. A fala de Abu Mosa demonstra que o momento pós-proclamação do ‘Califado’ não foi um momento de paz, mas de início de novos desafios para o EIIL principalmente em relação à manutenção das fronteiras conquistadas. Ao afirmar que vive para a guerra em todos os momentos, Abu Mosa também demonstra que ela é “um local de construção social não só de luta, mas principalmente de valores, civilizações e de pensamentos e realidades sociais, políticas, econômicas e culturais” (ALVES in SILVA; LEÂO; LAPSKY, 2015, p.10). Através da fala de Abu Mosa é possível identificar uma das construções realizadas pelo documentário sobre o ‘Califado’: um local na qual a guerra pode vir a ser perpétua enquanto ‘há um propósito maior’. E, desta forma, a primeira parte do documentário trata dos membros do EIIL como combatentes que não estavam preocupados com um futuro imediatamente feliz, mas dispostos a realizar diversos sacrifícios para atingirem seus objetivos, sendo o confronto armado a principal maneira.

46 Texto original: Abu Mosa: “I don't return home for pleasure, I only go when it's important or I'm sick. I don't', I don't go at all” Medyan Dairieh: “Does that mean that you live for war all the time?” Abu Mosa: “Yes. The family, honestly, is the least important thing. There is a higher purpose. No one would defend Muslims if we all sat at home with the family”. Tempo no documentário: 09:20- 09:40.

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2.2 A batalha pelos ‘corações e mentes’

Na transição entre a primeira e a segunda parte do documentário a produção se apropria do vídeo de um discurso de Abu Bakr Al-Baghdadi realizado em 04 de julho de 2014. Al-Baghdadi é identificado como “Líder do Estado Islâmico”47, e a produção chama atenção para sua seguinte fala:

Abu Bakr Al-Baghdadi: De fato, Allah é muito poderoso, e garante sucesso aos seguidores que combatem seus inimigos, capacitando-os a cumprir seus propósitos. E se você deseja o que Allah prometeu, então parta em jihad pela sua causa, que é poderosa48.

A partir das imagens de seu discurso, tido pelo narrador como sua única aparição pública, o documentário passa então a mostrar as estratégias do EIIL em mais um front que é como o próprio narrador diz, o da conquista de “corações e mentes” das populações sírias e iraquianas sob seu controle. É sob este tom que o documentário então inicia as outras quatro partes, que vão ao encontro de questões internas do EIIL. A fala de Al-Baghdadi demonstra ainda – para além do tom otimista com suas próprias ações – a união entre o Islã e a Guerra através do conceito da jihad, palavra amplamente utilizada por outros grupos paramilitares islâmicos, e pelos atuais meios de comunicação. A palavra

é muitas vezes traduzida como ‘guerra santa’, mas, em um sentido puramente linguístico, a palavra significa luta ou esforço. Em sentido religioso, como descrito pelo Alcorão, ‘jihad’ tem muitos significados. Pode se referir aos esforços pessoais para ser um bom muçulmano ou crente, bem como o trabalho para informar as pessoas sobre a fé no Islã. Assim, é preciso considerar a interpretação e o uso arbitrário que os diferentes grupos islâmicos fazem do conceito de jihad (NASSER in COCKBURN, 2015, p.18).

47 Texto original: The Islamic State Leader. Tempo no documentário: 07:04-8:25. 48Texto original: “Indeed, Allah is powerful and exalted in might and in combat with the enemies of Allah he granted [his followers] success, and empowered them to fulfill their purpose. And if you desire what Allah has promised then set out in jihad for his cause”. Tempo no documentário: 06:44-07:00.

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O documentário, desta maneira, procura demonstrar a partir de três situações a jihad interna do EIIL, indicando que a influência de Abu Bakr Al-Baghdadi só estava aumentando. Isso pode ser visto ainda na primeira parte – A expansão do Califado –, onde ocorre o juramento de lealdade feito por civis e crianças ao líder do ‘Califado’. A produção procura mostrar que muitas pessoas (homens e meninos) vão a centros religiosos ou a locais montados pelo próprio EIIL a fim de jurar lealdade a Al-Baghdadi. Como posto anteriormente, a realização e produção do documentário partiu principalmente de Medyan Dairieh, que esteve acompanhado, ao longo de toda sua viagem por algum membro ou agente do EIIL, principalmente por Abu Mosa. Para uma compreensão maior sobre a narrativa da produção é necessário chamar atenção para o fato de que a composição de todas as situações presenciadas e filmadas por Medyan passaram, portanto, por planejamento e crivo do próprio ‘Califado’. Este é um fator importante, pois mostra a própria relação do EIIL com a realização do documentário onde fica clara a ideia de que é Abu Mosa que leva Medyan para filmar combatentes atirando em soldados sírios, e não o contrário. Abu Mosa, assim, é tanto um guia como um regulador da câmera de Medyan. Porém, são nas cenas compostas por entrevistas que é necessário um olhar mais crítico pois a presença e o acompanhamento de Abu Mosa, ou de qualquer outro agente do EIIL, influencia diretamente as perguntas e as respostas que Medyan recebe do entrevistado. Como posto, não é possível saber se Medyan teve autonomia para filmar e entrevistar quem quisesse e, este, portanto, é um dos grandes não-ditos da produção. A segunda parte do documentário, Criando crianças para a jihad49, é composta por duas situações organizadas pelo EIIL e filmadas por Medyan Dairieh. A primeira é uma entrevista com um homem belga e seu filho, em que a relação entre combatentes e agentes do EIIL e a educação das crianças permeia toda a conversa; a segunda situação é um evento comemorativo que acontece em meio às ruas de Raqqa. Em ambos os casos há a percepção de que Medyan não se deparou com elas aleatoriamente, mas foram organizadas para que fossem filmadas por ele. Ao mesmo tempo que elas direcionam para uma visão radical do EIIL, as cenas também podem ser compreendidas como divulgadoras de suas ações. Da mesma maneira que mostram as estratégias empregadas pelo ‘Califado’ para a conquista dos ‘corações e

49 Título original: “2) Grooming Children for Jihad”.

53 mentes’ da população, elas também buscam atestar que suas estratégias para angariar apoio estavam funcionando. A própria abordagem deste tema tem o objetivo de mostrar uma educação fechada e regrada, voltada apenas para seus próprios preceitos e verdades. Esta questão, também trata de um futuro próximo ainda violento, indicando que este tipo de educação é decisivo para a perpetuação da guerra do amanhã. O documentário, desta maneira, também tem como uma temática a ausência de perspectiva para uma saída pacífica para a situação, alertando o espectador de que o conflito não cessará em um curto espaço de tempo. A primeira situação abordada na segunda parte do documentário inicia-se com Medyan Dairieh, Abu Mosa e um motorista dentro de um carro. Através de um rádio o motorista do carro chama Abdullah Al-Belgian, identificado pela produção como ‘Membro do Estado Islâmico’, a comparecer durante a gravação para conversar com Medyan. Este é um ponto muito importante pois mostra um agente do ‘Califado’, no caso o motorista, como um intermediário entre Medyan (e assim a Vice), e agentes e civis que moram em Raqqa. As cenas que compõem a entrevista de Abdullah Al-Belgian e seu filho, que aparenta ter entre 08 e 12 anos de idade, chamam atenção pois mostram alguns elementos importantes para a compreensão sobre como são educadas as crianças que moram no território controlado pelo EIIL. Um primeiro ponto é o momento em que Abdullah Al- Belgian chega ao local em que foi realizada a filmagem, às margens do rio Eufrates, com um carro que utiliza para pregar50, o que demonstra que ele possui alguma autoridade ou conhecimento religioso. Um segundo ponto diz respeito à sua nacionalidade: ele é belga e imigrou para Raqqa a fim de prestar suporte à causa do EIIL. O terceiro ponto, o mais importante para este momento, é a entrevista entre Medyan, Abdullah Al-Belgian e seu filho, Abdullah. A cena da entrevista se desenvolve com uma série de perguntas que Abdullah Al- Belgian faz a seu filho: “Você quer voltar para a Bélgica? Por que? O que tem lá?”51. A criança prontamente responde: “Infiéis”52. Logo em seguida, o pai faz outra pergunta: “O

50 Texto original: “preaching van”. 51 Texto original: “Do you want to go back to Belgium? Why? What's over there [in Belgium]?”. 52 Texto original: “Infidels”.

54 que você quer ser, um jihadista ou executar uma operação de mártir [suicídio]?“53, e ele responde “um jihadista”54.

Imagem 08 - Captura de cena do documentário (tempo: 11:59) – Pai e filho conversam, Abdullah (filho) olha desconfiado para Medyan Dairieh.

A entrevista no rio Eufrates continua e Abdullah Al-Belgian pergunta ao seu filho: “O que os infiéis fizeram?”55, e ele responde “Eles mataram muçulmanos […] os infiéis da Europa, todos os infiéis”56. A conversa entre pai e filho sugere uma doutrinação. Abdullah, envergonhado, está quase sempre olhando para seu pai como se esperasse alguma aprovação ou sinal de que o que acaba de falar é correto. Na contrapartida, o pai sempre toma a frente das respostas do filho, como se fosse mais uma oportunidade de ensinar ao seu filho como deveria pensar. Assim como muitas outras crianças, Abdullah está crescendo e vivenciando uma situação de guerra e a violência está presente em sua vida não apenas através de armas e explosões, mas principalmente da impossibilidade da ampliação de seu horizonte para outras questões. A produção soube explorar muito bem a entrevista de modo a mostrar os ensinamentos que os membros do EIIL procuram passar para as crianças com o objetivo de perpetuar um tipo de pensamento de negação do outro, no caso aqueles que discordam de sua linha de raciocínio. A justificativa para o uso da violência está diretamente ligada à consolidação de um sentimento de vingança perante ‘os infiéis’, como o próprio

53 Texto original: “What do you want to be, a jihadist or to execute a martyrdom [suicide] operation?”. 54 Texto original: “a jihadist”. 55 Texto original: “What have the infidels done?”; 56 Texto original: “They kill muslims […] The infidels of Europe, all the infidels”.

55 discurso emocionado de Abdullah-Al-Belgian demonstra: “nós vamos invadí-los assim como vocês nos invadiram”57.

Imagem 09 - Captura de cena do documentário (tempo: 12:19) – Com grande emoção, Abdullah Al- Belgian (pai) direciona a palavra à câmera e ao espectador.

A violência e a guerra presentes na educação das crianças do ‘Califado’ se concretizam ao passo que o documentário expõe a opinião de outros três meninos também presentes no momento da filmagem. Um deles, tem por volta de 14 anos e parece já possuir um pensamento consolidado, fala com grande determinação para a câmera, de maneira muito parecida com os membros e agentes do EIIL:

Em nome de Deus, meu nome é Daoud e tenho 14 anos de idade. Eu gostaria de me juntar ao Estado Islâmico no Iraque no Levante [EIIL] e matar com eles porque eles lutam contra infiéis e apóstatas. O Estado Islâmico não fez nada de errado e Deus queiia não irá fazer. Nós amamos o Estado Islâmico58.

Abu Mosa, então, explica como é a educação destas crianças: os menores de 15 anos vão para um ‘campo’ aprender sobre a Sharia e sobre religião, e quando fazem 16 anos podem ir para o treinamento militar59. Se estiverem aptos, poderão participar de operações militares. Ele embasa esta escolha de educação por parte do EIIL usando como

57 Texto original: “and we are going to invade you as you invaded us” 58 Texto original: “In the name of God, my name is Daoud and I'm 14 years old. I'd like to join the Islamic State in Iraq and Syria and to kill with them because they fight infidels and apostates. The Islamic State, they haven't done anything wrong and God willing they will not. We love the Islamic State”. Tempo no documentário: 14:07-14:26. 59 Tempo no documentário: 13:36-14:07.

56 exemplo Usama Ibn Zaid (615 - 673), filho adotivo de Maomé (570 - 632), que entre seus 17 e 18 anos liderou um exército para lutar contra os romanos. Esta questão retorna para o foco do documentário em sua quarta parte, Cristãos no Califado, em que Medyan se depara com um discurso bastante elaborado e inclusive bélico proferido por um adolescente. Na cena Medyan encontra-se em uma antiga igreja católica, transformada em centro de encontro do EIIL e local de ensinamento do Alcorão “para ensiná-las [crianças] como se transformarem, um dia, em líderes que mandarão no mundo, para liderarem os muçulmanos no caminho da Sharia”60. Dirigindo-se à câmera o adolescente diz em tom firme:

Imagem 10 – Captura de cena do documentário (tempo: 33:48) – Dentro de um centro de recrutamento do EIIL, um adolescente se dirige à câmera.

Nós lhes prometemos carros-bomba e explosivos. Hoje, declaramos o Califado. É Ramadan e o Profeta disse, ‘Vitórias vêm de Deus no Ramadã’. O Estado Islâmico [EIIL] está conseguindo vitórias no Iraque, na Síria e em todos os lugares. Juro por Deus que quebraremos a América. E destruiremos os inimigos da religião, todos eles, todos os que lutaram contra o Estado Islâmico!61

60 Texto original: “To teach them how to become, one day, leaders who rule the world and lead Muslims on the path of Sharia”. Tempo no documentário: 32:24-32:33. 61 Texto original: “We promise you car bombs and explosives. Today, we've declared the Caliphate. It's Ramadan and the Prophet said, “Victories come from God in Ramadan”. The Islamic State is making victories in Iraq, Syria, and everywhere. I swear to God we will divide America in two. And we'll destroy the enemies of the religion, all of them, all who fought the Islamic State”. Tempo no documentário: 33:46-34:10.

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Ao fundo, um homem completa sua fala: “E o Califado”62, e ele continua: “O Califado permanecerá até o fim do mundo, e se Deus quiser, vamos lutar por Abu Bakr al-Baghdadi. Takbir!”63 Estas cenas demonstram que os meninos são treinados através de uma visão militar e religiosa, com o objetivo único de se tornarem futuros combatentes, como se este fosse seu único possível futuro. A produção argumenta que essa educação não é apenas do EIIL, mas é passada também de pai para filho, sendo a entrevista um exemplo sobre como são ‘criadas as crianças para a jihad”. A segunda situação presenciada por Medyan, ainda na segunda parte do documentário, é uma pequena comemoração organizada pelo EIIL. O narrador indica que outras comemorações parecidas com esta estavam ocorrendo simultaneamente em Raqqa. O objetivo das comemorações seriam, além de fazer propaganda, recrutar novos combatentes, jovens que queiram se unir à sua causa. O viés propagandístico pode ser considerado um outro front da guerra em que o EIIL esteve inserido em 2014, pois foi através da propaganda que recrutaram novos combatentes para manter seu exército. Os participantes do evento, organizados em círculo, ficam em torno de uma mesa na qual há funcionários e agentes oficiais do EIIL. Alguns homens escolhidos pelo próprio EIIL dirigem-se ao meio do círculo para darem depoimentos e direcionam a palavra à plateia. Um homem canta louvando Abu Bakr Al-Baghdadi: “Oh, Abu Bakr Al- Baghdadi, você aterroriza os inimigos. Lindas virgens estão chamando, inscreva-me como mártir”64. Durante o evento serve-se comida ao público, um soldado ferido carrega uma bandeira e anda pelo centro do círculo. A câmera mostra ora o público, ora o ‘palco’, mas o foco diversas vezes passa por nos meninos que portam bandeiras do EIIL e seguram fuzis. É através dos detalhes que a produção mostra a inserção dos mais jovens e crianças, em um ambiente de guerra.

62 Texto original: “And the Caliphate”. Tempo no documentário: 34:11. 63 Texto original: “The Caliphate will remain until the end of the world, and God willing, we will fight for Abu Bakr al-Baghdadi. Takbir!”. Tempo no documentário: 34:12-34:21. 64 Texto original: “Oh Abu Bakr Al-Baghdadi, you terrify the enemies. Beautiful virgins are calling, enroll me as a martyr”. Tempo no documentário: 15:50-16:03.

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Imagem 11 – Captura de cena do documentário (tempo: 15:10) – Homem segura estandarte com a bandeira do EIIL no meio a uma comemoração da consolidação do ‘Califado’.

A comemoração oscila entre momentos de descontração e momentos de depoimentos, fatores bem explorados pela produção. Após a fala de um senhor, abordada adiante, a comemoração torna-se um pouco mais ‘leve’, como afirma o narrador, quando o foco passa a ser o entretenimento: o combatente mais alto e o mais baixo são postos lado a lado e brincadeiras como ‘quem tem a maior mão’ e ‘quem é mais alto’ são direcionadas aos dois. As crianças riem como se estivessem em um circo. O ponto alto abordado pela produção é a fala de um senhor que aparenta ter entre 60 e 70 anos, que assume o centro do espaço reservado e fala, direcionando-se à plateia, sobre sua experiência de vida. Sua narrativa tem um tom firme. Segurando o microfone numa mão e um fuzil na outra, ele conta um pouco de sua vida:

Eu morei na Europa por 25 anos, mas sempre quis ir a terras muçulmanas. Nós deixamos nossas crianças e as mulheres lindas, nós dissemos adeus a elas, e viemos para a terra da honra e da jihad, e aqui me sinto totalmente feliz. Eu notei que apenas as crianças nos cumprimentam e mandam beijos. Enquanto as pessoas mais velhas nos olham com um olhar assustado. Eles não sabem que somos as melhores pessoas do mundo. Depois dos profetas vêm os Mujahideen 65.

65 Texto original: “I lived in Europe for 25 years, but I always wanted to go to Muslim lands. We left our children and we left the pretty women, we said goodbye to her, we came to the land of honor and jihad, this is where I feel at ease, 100 percent. I noticed that only children say hello to us and they send us kisses from far away. When old people look at us with a frightened look. They don't know we are the best people on the planet. After the prophets, come the Mujahideen”. Tempo no documentário: 16:06-16:48.

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O esforço deste senhor em apresentar-se como um exemplo a ser seguido está ligado à ideia da jihad apresentada por Abu Mosa na cena em que estão no carro: o abandono de uma vida confortável e de prazeres em favor da luta armada. Ao direcionar a palavra aos adultos, entretanto, seu tom muda, afirmando que “olham com um olhar assustado”. A mudança de tom sugere, mesmo que não intencionalmente, a questão da dominação da cidade pelo EIIL: que nem todos os cidadãos de Raqqa, no caso os mais velhos, estavam a favor de sua causa. Ao relacionar a figura de Abdullah Al-Belgian com o senhor europeu que fala à plateia, é possível perceber que são grandes exemplos da eficiência da propaganda do EIIL no recrutamento de imigrantes estrangeiros. Moniz Bandeira (2016) indica que o contingente de estrangeiros dentro do ‘Califado’ só cresceu entre 2013 e 2015:

O número de estrangeiros entre os jihadistas elevou-se de 8.500, calculados em 2013, para mais ou menos 15.000, em 2014, e ultrapassou 25.000, quase 30.000, mais do que o triplo, em setembro de 2015 (BANDEIRA, 2016, p.388).

Estima-se que o pagamento mensal para os combatentes locais girava, em 2014, em torno de U$ 400, e U$ 800 para cada combatente estrangeiro (AGENCE FRANCE- PRESSE, 2016). O segundo tema do documentário encerra-se com o término da comemoração e um grande coro puxado por membros do EIIL é acompanhado por muitos que estavam na plateia:

Membro do EIIL: Nós prometemos fidelidade ao Príncipe dos Fieis Abu Bakr al-Baghdadi. Quando eu gritar, "O Califado", vocês dizem "Estabelecido"! Membro do EIIL: O Califado! Plateia: Estabelecido!66

Assim, é possível concluir que enquanto o primeiro tema, A expansão do Califado, expõe a guerra militar pela conquista de Raqqa, o segundo, Criando crianças para a Jihad, aborda a guerra ideológica em busca de apoio da população local. A violência

66 Texto original: Membro do EIIL: “We pledge allegiance to the Prince of the Faithful Abu Bakr al-Baghdadi. When I shout, "The Caliphate", you say "Established"! Membro do EIIL: "The Caliphate"! Plateia: “Established”!. Tempo no documentário: 17:18-17:43.

60 praticada pelos combatentes do EIIL, como mostra o documentário, não se restringe a assassinatos, roubos ou a agressões, mas também é psicológica, estruturada e direcionada de forma a atingir os ‘corações as mentes’ daqueles que vivem sob seu domínio, procurando formar uma geração voltada para a guerra, a “Geração do Califado”67.

67 Tempo no documentário: 11:25-14:35.

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2.3 O Hisbah e o controle da população

As duas partes seguintes, Reforçando a Sharia em Raqqa e Os Cristãos no Califado, possuem um direcionamento diferente das demais: elas procuram demonstrar a maneira pela qual o EIIL substituiu a organização estatal síria e, então, implementou a sua. O documentário vai ao encontro de um lado mais burocrático do EIIL representado pela polícia (Hisbah) e pelo poder judiciário, argumentando que de fato o ‘Califado’ estava organizado. As cenas da terceira parte, Reforçando a Sharia em Raqqa, passam-se principalmente em meio às ruas de Raqqa e iniciam-se com uma fala do narrador comparando a cidade em um antagonismo entre ‘antes’ e ‘depois’ da ocupação do EIIL: “o que antigamente era uma cidade bastante ocidentalizada agora é patrulhada 24 horas por dia por homens armados conhecidos como Hisbah que percorrem a cidade reforçando seu mandato”68. Através das cenas iniciais vemos que EIIL transformou o espaço público de modo a mostrar seu domínio sobre a cidade:

Imagem 12 – Captura de cena do documentário (tempo: 17:56) – Filmagem das ruas de Raqqa em que o EIIL pintou seu símbolo e bandeira em uma construção.

O grande tema que permeia toda a discussão da substituição do poder estatal sírio sobre Raqqa passa por questões de ordem religiosa, principalmente em relação à Sharia. Como o narrador argumenta, a Sharia é um conjunto de “leis islâmicas que cobrem desde

68 Texto original: “Now what was once a very westernized city is now patrolled 24 hours a day by armed men known as the Hisbah that travels throughout the city enforcing their mandate”. Tempo no documentário: 18:22-18:31.

62 grandes crimes e desacordos civis como também à economia, e até mesmo comportamentos pessoais como alimentação, oração e aparência pública”69. Fica clara a ideia, para o espectador, que ela é um instrumento utilizado pelo EIIL para controlar a vida e o cotidiano dos moradores de Raqqa. A Sharia não foi criada pelo EIIL, mas a grande questão abordada pelo documentário é sua imposição, a partir de uma visão fundamentalista e radical do islã, para a população de Raqqa. Para Stuart Hall, o fundamentalismo é um “revival do nacionalismo particularista e do absolutismo étnico e religioso” (HALL, 2011, p.94). Ele identifica, dando foco especial à Revolução Iraniana de 1979, o surgimento “em muitas sociedades até então seculares, de movimentos islâmicos fundamentalistas, que buscam criar estados religiosos nos quais os princípios políticos de organização estejam alinhados com as doutrinas religiosas e com as leis do Corão” (HALL, 2011, p.94). Tais movimentos podem ser interpretados de duas maneiras: a primeira como um retorno à ortodoxia que

têm sido, desde há muito, uma das mais poderosas fontes de contra identificação em muitas sociedades e regiões pós-coloniais e do Terceiro Mundo (podemos pensar, aqui, nos papeis do nacionalismo e da cultura nacional nos movimentos de independência indianos, africanos e asiáticos) (HALL, 2011, p.95).

Um segundo ponto vai ao encontro do “fracasso dos estados islâmicos em estabelecer lideranças ‘modernizantes’ bem-sucedidas e eficazes” (HALL, 2011, p.95). Apesar da produção não se aprofundar nestas questões, é necessário entender a imposição da Sharia diante de uma perspectiva histórica que difere da narrativa sobre o conceito de globalização:

O ressurgimento do nacionalismo e de outras formas de particularismo no final do século XX, ao lado da globalização e a ela intimamente ligado, constitui, obviamente, uma reversão notável, uma virada bastante inesperada dos acontecimentos. Nada nas perspectivas iluministas modernizantes ou nas ideologias do Ocidente nem o liberalismo nem, na verdade, o marxismo, que, apesar de toda sua oposição ao liberalismo,

69 Texto original: “Islamic laws cover everything from high crimes to civil disagreements to economics, and even personal behavior such as diet, prayer and public appearance”. Tempo no documentário: 18:11-18:22.

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também viu o capitalismo como o agende involuntário da “modernidade” previa um tal resultado (HALL, 2011, p.97).

O resultado a que Hall se refere é um certo movimento ‘contrário’ ao movimento em direção à homogeneização global: “a globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do “global” nem a persistência, em sua velha forma nacionalista, do ‘local’” (HALL, 2011, p.97). Assim, há um movimento que se fundamenta principalmente num “poderoso revival da “etnia”, algumas vezes de variedades mais híbridas ou simbólicas” (HALL, 2011, p.95), como é o caso do EIIL. As cenas que demonstram a imposição da Sharia pela polícia do ‘Califado’ (Hisbah) começam com Medyan Dairieh, correspondente da Vice, acompanhando Abu Obida, identificado como “Chefe de Patrulha”70, durante o patrulhamento das ruas de Raqqa durante o feriado do Ramadan.

Imagem 13 – Captura de cena do documentário (tempo: 18:26) – Carro do Hisbah. Tradução: “desfrute do ‘bom’ e proíba o ‘mal’”.

A atuação do Hisbah, como demonstra a produção, vai além de questões cotidianas policiais como desentendimentos, roubos e assaltos, mas também fiscaliza diversos aspectos que fazem parte da vida privada dos cidadãos. Abu Obida inclusive, ao direcionar pequenas frases a Medyan – “duvido você achar uma pessoa bêbada”, “duvido você achar álcool” – demonstra que a aspiração do ‘Califado’ vai além da luta contra os

70 Texto original: “Patrol Leader”.

64 infiéis, mas é também contra prazeres ‘mundanos’: “Nós ainda estamos lutando contra os infiéis com nossas metralhadoras, porém devemos enfrentar esses vícios também”71. Em contraste com os outros membros do EIIL, a posição de Abu Obida como ‘Chefe de Patrulha’ garante-lhe poder de procurar, abordar e fiscalizar tudo o que achar necessário. Sua vontade de fazer o que é correto é, de certa maneira, inspiradora para qualquer outro policial. Ele, como mostra a câmera de Medyan, possui total confiança em seu trabalho. O documentário, assim, mostra diferentes situações que demonstram a imposição da Sharia por parte do EIIL através do Hisbah. A primeira situação é composta por rápidas cenas em que o Hisbah atua em relação aos comerciantes, checando preços e a venda de possíveis produtos adulterados72. Elas são interessantes pois também mostram a preocupação do EIIL com a própria economia e o suprimento de produtos básicos para a população. Abu Obida entra em estabelecimentos e questiona os proprietários, que respondem de maneira defensiva e cautelosa. As demais cenas possuem uma construção interessante, pois o motorista do carro do Hisbah freia abruptamente para que Abu Obida possa abordar quem está fazendo “algo errado”, ou seja, não cumprindo algum preceito. Uma delas dá-se quando Abu Obida manda o comerciante retirar um pôster, que parece ser de uma banda ou um filme, tido como “infiel” pelo Hisbah. Sua justificativa é que se usam um pôster de alguém ou de algo não-muçulmano estão sendo infiéis. A segunda situação, mais complexa, acontece quando abordam um casal que está andando na rua e, chamando o homem para perto, Abu Obida cumprimenta-o e diz:

Em primeiro lugar, fale para ela mudar o tecido do seu véu. E, em segundo, fale para ela não segurar o vestido, pois conseguimos ver o que ela está usando por baixo. Ela é sua esposa, meu irmão, preserve-a. Deus te abençoe73.

Este é o único momento do documentário em que a presença feminina é citada.

71 Texto original: “We are still fighting infidels with our machine guns, but we have to face this vices as well”. Tempo no documentário: 19:39. 72 Tempo no documentário: 21:50-22:50. 73 Texto original: “First of all, tell her to change the fabric of her veil. And second, tell her not to hold her gown up, because we can see what she is wearing underneath. She is your wife, my brother, preserve her. Bless you”. Tempo no documentário: 20:00-20:11.

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Para compreender a atuação do Hisbah e suas estritas e elaboradas regras, é necessário adentrar sobre a orientação religiosa seguida pelo EIIL: o Sunismo-wahabita. O documentário procura demonstrar que os preceitos desta linha do Islã são utilizados pelo EIIL como um instrumento de dominação e controle da população, principalmente através da Sharia. O Islã, e a população muçulmana, são divididos principalmente em duas ramificações: os sunitas e os xiitas. A origem desta divisão deu-se ainda no século VII após a morte de Maomé, o fundador do Islã. Sua expansão pelo Oriente Médio está diretamente relacionada a um processo civilizatório e político, pois à medida que o islã se expandiu, a língua árabe e toda sua cultura também se expandiram (HOURANI, 2006, pp.77 e 252). Após a morte de Maomé em 632, dois sucessores disputaram a posição de líder, ocorrendo uma divisão político-religiosa no Islã. Os denominados Xiitas acreditavam que a liderança político-religiosa dos muçulmanos deveria ser exercida por pessoas da família de Maomé. Os próximos sucessores de Maomé e líderes muçulmanos (Califa, termo que significa 'sucessor') deveriam partir de sua família, mais especificamente de seu genro Ali ibn Abu Talib e seus descendentes, pois somente os descendentes de Maomé teriam a capacidade para conduzir os fiéis (HOURANI, 2006, p.63). Os Sunitas foram contrários a essa proposta de sucessão direta de Maomé pois, para eles, os muçulmanos estariam livres para escolher seus próximos governantes, reconhecendo a ascensão de outros líderes religiosos escolhidos pela população. Em geral, os sunitas representam grande maioria da comunidade islâmica espalhada pelo mundo. A grande maioria da população concentrada nesta região do Oriente Médio é muçulmana e o avanço e a consolidação do EIIL, em 2014, com seu pensamento radical (sunita-wahabita) afronta diretamente todas as comunidades da região. O território ocupado pelo EIIL, em 2014, estava localizado geograficamente entre a Síria e o Iraque, dois países que possuem diferenças quanto ao número de adeptos de cada linha do Islã. No Iraque a maioria da população é Xiita (HOURANI, 2006, p.596), em torno de 60- 65%, enquanto os Sunitas giram em torno de 30-40% (INDEX MUNDI, 2017). A Síria, entretanto, possui outra configuração: a maioria da população é Sunita, cerca de 70% (INDEX MUNDI, 2017b) mas outros grupos religiosos possuem expressão numérica e política. Bashar Al-Assad, atual líder do governo Sírio, segue a linha dos Alauitas – em

66 torno de 10% da população síria (INDEX MUNDI, 2017b), uma das outras ramificações do islã datada do século IX. O Sunismo-wahabita tem origem com Muhammad ibn Abd al-Wahhab (1703– 1792) que procurou durante sua vida reformar o islã, “purificá-lo”, de modo que voltasse ao que foi no século VII. Ele também foi um dos fundadores, em 1744, ao lado de Muhammad bin Saud (morto em 1765), fundador do primeiro Estado Saudita, território conhecido hoje como Arábia Saudita. Outro ponto importante para a compreensão da identidade religiosa do EIIL e, assim, do controle interno da população de Raqqa, são as ideias do egípcio Sayyid Qutb (1906-1966) que definiu “a verdadeira sociedade islâmica em termos radicais” (HOURANI, 2006, p.579). Para Qutb a criação de uma sociedade realmente islâmica

começava com a convicção individual, transformada em imagem viva no coração e encarnada num programa de ação. Os que aceitavam esse programa formariam uma vanguarda de combatentes dedicados, usando todos os meios, inclusive a jihad, que só devia ser empreendida quando os combatentes atingissem a pureza interna, mas devia então ser travada, se necessário, não apenas para a defesa, mas para destruir todo culto de falsos deuses e remover todos os obstáculos que impediam os homens de aceitar o islã (HOURANI, 2006, p.580)

Neste sentido vemos que a ideia da jihad como purificação e luta interna está diretamente ligada ao patrulhamento realizado pelo Hisbah. Abu Obida posiciona-se como policial e membro do ‘Califado’: “nós avisamos de um modo legal, porém quem não obedecer será forçado [a obedecer]”74. A repercussão imediata desta posição pode ser percebida em outra cena, em uma rápida conversa entre Medyan e um homem vestido de branco, provavelmente um vendedor:

Medyan Dairieh: O que você acha do Hisbah? Homem: Aqueles que fazem algo errado são responsáveis pelas próprias ações, por exemplo fumar ou estar atrasado para sua oração. Medyan Dairieh: Então você está de acordo com o que eles fazem?

74 Tempo no documentário 20:31-20:37.

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Homem: Sim, claro... porque não fizemos nada de errado, cada pessoa é responsável por suas ações, não o Hisbah75.

Este pequeno trecho da conversa entre Medyan e o vendedor levanta um questionamento relacionado à própria posição do Hisbah como um agente de controle, pois a resposta do homem, “Sim, claro”, é acompanhada por seu olhar preocupado e desconfiado. A composição da cena, resposta e olhar, demonstra que uma coisa é questionar a Sharia ou a imposição de regras vindo do EIIL longe do Hisbah, outra coisa é atacá-los e criticá-los frente a uma câmera e um jornalista estrangeiro. Um segundo ponto a ser ressaltado, e que fica claro através desta conversa, é em relação a filmagem do documentário e ao ambiente em torno da resposta do homem: todo o tempo que Medyan esteve no território controlado pelo ‘Califado’ ele esteve acompanhado por algum membro ou oficial e, assim, todas as perguntas que fez e respostas que ouviu provavelmente foram afetadas diretamente pela presença destes agentes, no caso desta conversa o Hisbah. Uma outra cena chama atenção durante a patrulha do Hisbah, pois a situação parece que escapou do controle de Abu Obida. Ela se desenrola quando um grupo de homens, todos com os rostos cobertos, dirigem-se a Abu Obida para pedir a libertação de um comerciante que foi preso injustamente por um carro oficial do ‘Califado’, mas não do Hisbah. O homem argumenta que sua voz de civil não será ouvida, mas a voz de um membro do Hisbah sim. Abu Obida, responde de maneira burocrática: “Ok, mas somos o Hisbah, não fomos responsáveis por aquilo. Você pode ir para o magistrado e registrar uma reclamação”76. O documentário então se desloca para uma prisão onde Medyan realiza rápidas entrevistas com pessoas que foram enquadradas como delinquentes e presos pelo Hisbah. O narrador explica que os prisioneiros foram encorajados por Abu Obida a falarem para a câmera, alertando o espectador que, talvez, por esse motivo, seus ‘testemunhos’ não sejam sinceros. Este é o único momento em todo o documentário em que é levantada a

75 Texto original: “Medyan Dairieh: What do you think about Hisbah? Homem: Those who do something wrong are responsible for their actions, for example smoking or being late for prayer. Medyan Daireh: “So, are you okay with what they do?” Homem: “Yes, sure… because we haven't done anything wrong, each person is responsible for his actions, not Hisbah”. Tempo no documentário: 21:00-21:21. 76Texto original: “Ok, but we are Hisbah, we are not responsible for that. You can go to the office of the magistrate and you make a claim there”. Tempo no documentário: 23:50.

68 questão sobre a espontaneidade das entrevistas feitas por Medyan com combatentes e civis do EIIL. A cena com os prisioneiros acontece em uma sala ampla, iluminada e relativamente confortável onde os presos são entrevistados por Medyan. Ele faz perguntas simples a fim de descobrir os motivos de se encontrarem na presente situação. Os motivos são quatro: 1) posse de álcool (bebidas alcoólicas – o que faz menção à fala de Obida sobre a ausência de bêbados nas ruas); 2) por fazer juramentos - não é especificado qual e para quem, sendo uma resposta um tanto vaga; 3) por fumar em público; e 4) por uso de drogas - também não é especificada qual substância. Os homens enquadrados nos três primeiros delitos sofrerão punições corporais, açoitamento. Um dos presos chega a explicar que sua punição está prevista no Alcorão, sem demonstrar grande surpresa. No entanto, para o quarto delito, o uso de drogas, o narrador afirma que “infelizmente, para este homem, no Estado Islâmico [EIIL] a pena para crimes relacionados a drogas é frequentemente execução”77. A produção salienta que enquanto estão presos os homens são obrigados a estudar textos religiosos a fim de se redimirem. Um deles olha para a câmera, dirigindo-se para a população de Raqqa: “Gostaríamos de avisá-los. Nós alertamos que a coisa mais importante é a fé em Allah. Aquele que não acreditar em Deus será punido”78. A frase, além de ser um alerta, também demonstra novamente a oposição entre um ‘antes’ e um ‘depois’ da chegada do EIIL: os cidadãos devem ter cuidado. Seguindo este raciocínio, o documentário procura desenvolver, no começo da penúltima parte, Cristãos no Califado, as consequências para a população cristã síria, cerca de 10% (INDEX MUNDI, 2017b), presentes nas cidades dominadas pelo EIIL. Medyan Dairieh e Abu Mosa vão ao prédio da “Corte da Sharia”79, local em que eram julgados casos e reclamações civis por juízes que possuem como base o Alcorão. A produção mostra dois grandes exemplos que demonstram que o EIIL não respeita outras religiões ou crenças. A primeira cena, composta pela conversa entre Medyan e um homem identificado como Haidara, tido como “Clérigo para julgamento

77 Texto original “unfortunalty, for this man, in the Islamic State the punishment for drug-related crime is often execution”. A pena de morte para este tipo de crime, entretanto, não é exclusiva do EIIL. Por volta de 30 países ao redor do mundo também adotam a pena. Dentre eles devemos destacar a Arábia Saudita, a China, os Emirados Árabes Unidos, a Indonésia, Irã, Kuwait, Malásia, Sri Lanka e o Vietnã (PINTO, s.d.) 78 Texto original: “We advise them, the most important thing is to believe in God. The one who does not believe in God, will be punished for sure”. Tempo no documentário: 26:21 – 26:25. 79 Texto original: “Sharia Court”.

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Abu Al-Baraa”80, chama atenção especial quando o jornalista pergunta sobre a jurisdição baseada apenas na Sharia:

Medyan Dairieh: Este critério corresponde aos parâmetros internacionais? Haidara: Claro que não. Nós queremos satisfazer Allah, por isso não ligamos para os parâmetros internacionais81.

A afirmação de Haidara vai ao encontro do fundamentalismo explorado anteriormente. A oposição aos parâmetros internacionais de julgamento, demonstra claramente um movimento em direção ao local, em oposição à globalização. No segundo momento, entretanto, há uma movimentação interessante. Inicialmente a cena apresenta um juiz, Abu Abdula, em um escritório voltado para “Assuntos Não-Muçulmanos, para os Cristãos que ainda estão aqui”82, onde ele fala diretamente para a câmera, para o espectador:

No 22º Rabi 'alAwwal 1435 Hihri [23 de janeiro de 2014, calendário gregoriano], um pacto foi feito com não-muçulmanos. Foi aprovado pelo Califa, al-Baghdadi, que Deus o abençoe. Os cristãos pediram esse pacto, pediram este contrato. Encontramo- nos com eles na presença de um representante do Califa al- Baghdadi. Ele ofereceu a chance de se converterem ao Islã. Se você não aceitar isso, você pode pagar impostos não- muçulmanos, de acordo com o Alcorão. Se você não aceitar isso, não há mais nada além de matanças e lutas. Eles disseram, queremos pagar os impostos. Juro por Deus, não os prejudicamos nem os deslocamos83.

80 Texto original “Clerk for judge Abu Al-Baraa”. 81 Texto original: Medyan Dairieh: “Does this criteria meet international standards?”. Haidara: “Of course not. We aim to satisfy God, that's why we don't care about international standards”. Tempo no documentário: 29:40-29:51. 82 Texto original: “Non-Muslim Affairs, for the Christians who are still here” 83 Texto original: “On the 22 nd Rabi' alAwwal 1435 Hihri [23 rd Jan, 2014, Gregorian calendar], a pact was made with non-Muslims. It was approved by the Caliph, al-Baghdadi, God bless him. Christians asked for this pact, asked for this contract. We met with them in the presence of a representative of the Caliph al-Baghdadi. He offered the chance for them to convert to Islam. If you don't accept this, you can pay non-Muslim tax, according to the Quran. If you don't accept this, there is nothing left between us but killing and fighting. They said, we want to pay the tax. I swear to God, we didn't harm them or displace them”. Tempo no documentário: 30:12-31:00.

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Imagem 14 – Captura de cena do documentário (tempo: 30:43) – O juiz Abu Abdula procura mostrar alternativas para aqueles que não são muçulmanos.

Ao mesmo tempo que ele argumenta que há diálogo entre o EIIL e os ‘cristãos’, percebe-se que há limites, pois a única alternativa real seria a submissão às suas regras. Logo após esta cen, de modo a corroborar com este raciocínio, são mostradas cenas de famílias cristãs fugindo. O narrador indica que cerca de 30 mil cristãos fugiram de Raqqa após sua conquista pelo EIIL em 2013, sendo suas igrejas e símbolos religiosos destruídos. Ele também alerta que mesquitas de outras linhas do Islã foram destruídas, porém deixa de comentar os números sobre os refugiados muçulmanos, que são a grande maioria84. Desta maneira é possível ver que o terceiro e o quarto tema do documentário dão enfoque aos danos causados a uma população específica, os cristãos, ao passo que também identifica a consolidação de instituições jurídicas dentro do ‘Califado’, demonstrando a ampla organização do EIIL e sua consolidação como poder local e internacional.

84 Estima-se que o número de refugiados sírios desde 2011 – após os eventos da ‘Primavera Árabe’ na Síria e o começo da guerra civil – gira em torno de 5 milhões de pessoas (UNHCR, 2017).

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2.4 A destruição de símbolos e de “antigas” fronteiras nacionais

As duas últimas partes do documentário, 4) Cristãos no Califado e 5) Destruindo a fronteira entre o Iraque e a Síria, procuram mostrar ao espectador situações que adentram sua percepção sobre, de fato, a consolidação do ‘Califado’ em um território que, antes de sua proclamação em junho de 2014, fazia parte dos territórios nacionais sírio e iraquiano. As últimas cenas do quarto tema do documentário, Cristãos no Califado, se passam dentro de um prédio que anteriormente fora uma igreja católica. Como a produção mostra, o local foi ressignificado e transformado em um centro de encontro do ‘Califado’. Um homem, não identificado pela produção, explica que: “Anteriormente, esse lugar era uma igreja na qual uma cruz era reverenciada ao invés de Deus”85. Medyan entra na antiga igreja católica e se depara com o Zakat – a tradução simplificada da palavra significa ‘caridade’, um dos cinco pilares do islã ao lado da fé (Shahada), da oração (Salat), jejum (Sawm) e da peregrinação a Meca (Hajj) – em que um oficial do EIIL distribui dinheiro a um grupo de pessoas. Outro homem diz: “esperamos que se continuarmos com o Zakat, não haverá mais pessoas pobres e então os ricos terão inveja dos pobres”86. Entretanto, há uma movimentação interessante do documentário pois ele mostra, logo na cena seguinte, homens armados cantando uma canção com entusiasmo: “Nós quebramos a América em duas e aniquilamos os países da Europa. Apesar dos tiranos nós trouxemos o Califado de volta”87. Esta sequência de cenas explora a clara diferença de tratamento do EIIL ante amigos e inimigos: ao passo que ajudam amigos querem a destruição completa dos inimigos.

85 Texto original: “Before, this place was a church where a cross was worshipped instead of God”. Tempo no documentário: 31:41-31:45. 86 Texto original: “we hope if we continue with Zakat in this way, there will be no more poor people, but then the wealthy people will be envious of the poor”. Tempo no documentário: 33:20. 87 Texto original: “We have broken America in two, and we've annihilated the countries of Europe. We have brought back the Caliphate, despite tyrants”. Tempo no documentário: 33:40- 33:44.

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Imagem 15 – Captura de cena do documentário (tempo: 33:25) – Combatentes cantando uma música contra os EUA.

O documentário se direciona, então, para a quinta e última parte, Destruindo a fronteira entre o Iraque e a Síria, cuja temática principal é a questão do território geográfico conquistado pelo EIIL. O narrador indica que o jornalista Medyan Dairieh, foi levado a 200 milhas (aproximadamente 322 km) de Raqqa para a fronteira entre o Iraque e a Síria. Um primeiro ponto abordado neste tópico é a fala inicial dos combatentes que acompanham Medyan: todos eles enfatizam o fato de estarem entrando no Iraque pela primeira vez sem um passaporte ou sem um visto de entrada, dando a entender que é assim que sempre deveria ter sido – para eles, assim como para todas as pessoas entrevistadas, o ‘Califado’ foi estabelecido. O documentário assume um papel didático para explicar o território controlado pelo EIIL. A produção utiliza-se de uma representação da região do Oriente Médio em que os países Síria, Iraque, Líbano, Jordânia, Iêmen, Israel e a Arábia Saudita estão em destaque. O narrador afirma que o território do Califado se estendia, em 2014, por cerca de 35 mil milhas quadradas (cerca de 56 mil quilômetros quadrados). A maneira como a produção representa este território imageticamente chama atenção:

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Imagem 16 – Captura de cena do documentário (tempo: 36:07) – Representação do território controlado pelo EIIL, em cor vermelha, feito pela própria Vice.

O território controlado pelo EIIL é representado de maneira que há espaços vazios em suas áreas de domínio, diferentemente dos países que estão identificados e não possuem descontinuidades territoriais como o Líbano, a Jordânia, Israel e a Arábia Saudita. Um segundo ponto de grande importância é o uso da cor vermelha para sua representação. O vermelho possui destaque diante das outras cores, tornando fácil ao espectador identificar o território em questão. Ao aprofundar a análise de maneira a relacionar a cor vermelha à forma assimétrica do território do EIIL há a impressão de que este território é, acima de tudo, uma grande mancha de sangue na região, sugerindo a relação da expansão do EIIL com violentos combates e incontáveis atrocidades. Após apresentar o mapa, o documentário segue com o narrador comentando sobre o quão ansiosos os combatentes estavam para mostrar à câmera a dissolução da fronteira entre o Iraque e a Síria. Um deles, aparentemente com um posto militar superior aos demais, dirige-se para a câmera: “Nós não acreditamos no acordo Sykes-Picot!”88. A eliminação das fronteiras é representada por uma grande máquina de construção, um bulldozer, que ao derrubar um amontoado de terra, sugere a união geopolítica Iraque- Síria.

88 Texto original: “We don't believe in the Sykes-Picot Agreement!”. Tempo no documentário: 36:49.

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Imagem 17 – Captura de cena do documentário (tempo: 36:57) – Momento, no documentário, em que o EIIL sugere a eliminação da fronteira Iraque-Síria.

Neste momento a produção assume novamente caráter explicativo e o narrador intervém na fala do combatente, e passa a explicar resumidamente o acordo Sykes-Picot feito entre a França e a Inglaterra há “quase cem anos atrás”89. A reconfiguração territorial a partir do tratado pode ser vista na imagem abaixo:

89 Texto original “almost one hundred years ago”. Tempo no documentário: 36:54.

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Imagem 18 – Mapa representativo do acordo Sykes-Picot de 2016 feito pela Encyclopaedia Britannica, Inc.

Fonte: Retirado do site . Acesso em 05/06/2017.

Através do Sykes-Picot ambas as potências imperiais, França e Inglaterra, dividiram a região do Iraque e da Síria, anteriormente controlada pelo Império Otomano (1299-1922), em zonas de influência para administrá-las como suas colônias:

O redesenho do mapa do Oriente Médio moderno teve início no período de 1918 a 1926, por intermédio da demarcação colonial realizada por britânicos e franceses, de um lado, e o surgimento dos primeiros países árabes independentes (República Árabe do Iêmen e Arábia Saudita), de outro. Foi também este evento que emoldurou as estruturas dentro das quais foram criadas as nações modernas da região, a partir de uma coleção heterogênea de povos, condições geográficas, mitos e ideologias preexistentes. Na verdade, a “grande guerra” de 1914-1918 concluiu um processo que teve início no século XIX, quando a Europa colonial implantou-se nas periferias do Império Otomano: os franceses e os italianos, no norte da África; os britânicos, no Egito, Chipre e

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Áden; e os Estados menores, no Golfo Pérsico. Mas foi após a derrota dos otomanos na grande guerra que franceses e britânicos inventaram o que depois se tornou o Iraque, o Líbano, a Síria e a Palestina (HALLIDAY, 2007 in NASSER, 2011).

Diversas outras mudanças territoriais e fronteiriças ocorreram ao longo do século XX90 mas a maior movimentação e transformação, entretanto, deu-se com a consolidação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) em junho de 2014 (COCKBURN, 2015; NAPOLEONI, 2015). Os desdobramentos desta mudança ainda estavam, no momento da produção do documentário, para serem conhecidos. Mas, como a própria mancha de sangue no mapa do documentário indica, muitas vidas ainda seriam perdidas. O narrador afirma que o local em que se encontram para destruir a fronteira entre o Iraque e a Síria era um checkpoint do exército iraquiano tomado pelo EIIL recentemente. A produção então passa a mostrar rápidas entrevistas que Medyan Dairieh fez com três homens, aparentemente civis, que estão atravessando a recém derrubada fronteira. Nenhum deles é identificado e as entrevistas foram editadas de forma a sugerir que os três homens pensam da mesma maneira. Uma primeira questão diante destas entrevistas é a presença de agentes e membros do EIIL por detrás das câmeras (nos bastidores da filmagem), questão levantada pela produção unicamente na cena da prisão no terceiro tema do documentário. Neste sentido, as duas últimas entrevistas com o segundo e o terceiro homens, chamam atenção:

Medyan Dairieh ao segundo homem: De onde você veio? Segundo homem: Baaj, Iraque. Medyan Dairieh: É a sua primeira visita após a abertura das fronteiras? Segundo homem: É a minha segunda visita. Medyan Dairieh: Como era a fronteira? Segundo homem: Nós não conseguíamos nem chegar perto. Graças a Deus, agora os países dos muçulmanos estão unidos. A fé é a única coisa que separa os árabes dos estrangeiros. Agradecemos a Deus e esperamos que ele [EIIL] se expanda a Bagdá e depois ao Irã. O Al-Maliki [ex-primeiro ministro iraquiano (2006-2014)] não conseguiu nada para nós. Eu não conseguia visitar minha família na Síria. Meu filho, minha irmã, meu tio e meu sobrinho; nunca podíamos vê-los. Porque se você

90 É possível citar, dentre outras mudanças ocorridas no Oriente Médio a criação e expansão do Estado de Israel a partir de 1948, a Crise do Canal de Suez de 1956 e a Guerra Civil do Líbano inciada (1972-1990).

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não estivesse no exército Xiita [iraquiano], você não poderia ir para a Síria. Medyan Dairieh para o terceiro homem: Como era antes e como é agora? [Medyan referindo-se à consolidação do EIIL e à dissolução das fronteiras] Terceiro homem: Nós éramos muito maltratados. Agora está tudo bem e nos sentimos confortáveis91.

As entrevistas demonstram um tom de unidade presente entre os antigos territórios do Iraque e a Síria e que agora estão sob o controle do EIIL, condizendo com a vontade do EIIL de acabar com acordo Sykes-Picot. A fala do terceiro homem é utilizada, pela produção, para fechar o ciclo destas entrevistas: ele afirma que “antes era pior” e “agora está melhor”. O documentário, então, inicia sua conclusão a partir da fala de Abu Laith Al Jazerwe, tido como “combatente do Estado Islâmico”, que direciona a palavra para a câmera e espectador92:

Abu Laith Al Jazerwe: Pelo amor de Deus, se algum dos países infiéis ou os cristãos decidirem construir uma igreja para praticar sua falsa religião, quem irá impedi-los de fazer isso? Quem irá lutar contra eles? Quem irá impedi-los? Quem irá detê-los? Nós, muçulmanos, queremos impor a Sharia nesta terra. Eu juro que Sharia não pode ser estabelecida sem armas. Quando atravessamos a fronteira, não usamos nossos passaportes. Nossas armas eram nossos passaportes. Gostando ou não, nós vamos

91 Texto original: Medyan Daireh ao Segundo homem: “Where have you come from? Segundo Homem: Baaj, Iraq. Medyan Daireh: Is it your first visit after the opening of the borders? Segundo Homem: It's my second visit. Medyan Daireh: How was it at the border? Segundo Homem: We weren't able to even get close to the border before. Thank God, now the countries of Muslims are united. Faith is the only thing that sets Arabs and foreigners apart. We thank God and hope it will expand to Baghdad and then to Iran. Al-Maliki has achieved nothing for us. I was unable to visit my family in Syria. My son, sister, uncle, and nephew; we could never see them. Because if you weren't in the Shia army, you couldn't go to Syria. Medyan Daireh para o Terceiro homem: How was it before and after? [o homem refere-se a criação do Califado e a dissolução das fronteiras] Terceiro homem: We were treated awfully before the Islamic State. Now it's very good and we feel comfortable”. Tempo no documentário: 38:09 – 39:02. 92 É necessário chamar atenção para a composição da cena: enquanto Abu Laith Al Jazerwe fala para a câmera outras imagens tomam a frente da cena, e o narrador direciona algumas palavras ao espectador. Separamos os dois momentos para uma melhor análise e compreensão dos momentos finais do documentário.

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impor a Sharia nesta terra. Takbir! Deus é bom! Takbir! Deus é bom!93

Imagem 19 – Captura de cena do documentário (tempo: 41:30) – Abu Laith Al Jarzerwe e outros dois combatentes falam diretamente para a câmera.

A fala de Jazerwe é importante pois exemplifica, mais uma vez, a união da violência com a proposta religiosa do ‘Califado’: a Sharia só pode ser implementada através de armas. Sua justificativa, entretanto, acaba sendo simplista, em que ele caracteriza todo o conflito como uma ‘Guerra Santa’, afirmando que os ‘outros’, tidos como ‘infiéis’, também estão lutando com armas para implementar sua religião. Sua concepção de guerra é cega, pois deixa de lado diversos outros aspectos que permeiam a situação da Síria e do Iraque ante a consolidação do EIIL. Assim, toda a movimentação presente no documentário entre o fim do penúltimo tema e ao longo do último vai ao encontro da argumentação sobre a consolidação, de fato, do ‘Califado’. Ao mostrar a instauração da Sharia como lei a todos os cidadãos de Raqqa e ao abordar a derrubada das fronteiras nacionais, o documentário demonstra a própria narrativa do EIIL, e sugere ao espectador que o ‘Califado’ foi estabelecido e que está pronto a praticar diversos tipos de violência para se firmar como legítimo.

93 Texto original: “For God's sake, if any of the infidel countries or the Christians decided to build a church to practice their false religion, will anyone stop them from doing that? Will anyone fight them? Will anyone prevent them? We Muslims are the one who want to enforce Sharia in this land. I swear Sharia can't be established without weapons. When we crossed the borders, we didn't cross them using our passports. These were our passports, our weapons. Wheter they like it or not, we will enforce Sharia in this land. Takbir! God is great! Takbir! God is great!”. O documentário termina aqui, os créditos começam a passar. Tempo no documentário: 39:26-41:43.

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3. O ‘Califado’ após o documentário

Em suas cenas finais, o documentário The Islamic State (2014) trata sobre o futuro do território e da população sob controle do EIIL. Posicionando-se contrariamente à Abu Laith Al Jazerwe, a produção procura mostrar que existem motivos econômicos, geopolíticos e militares que permeiam a guerra e utiliza-se destes argumentos para reforçar seu posicionamento em abordar o EIIL como único e principal agente responsável pelos danos materiais e humanos. A fala do narrador acaba sendo um grande resumo do que ocorreu na região controlada pelo EIIL logo após a saída do jornalista Medyan Dairieh e após publicação do documentário em agosto de 2014:

Durante os meses de Julho e Agosto, o EIIL continuou a ampliar significativamente seu território. Agora ele tem o controle de uma grande barragem, campos petrolíferos e está bem armado com pacotes de dinheiro para realizar suas ambições. Parece que não há ninguém na região capaz de frear seu avanço. O EIIL expulsou as forças Peshmerga curdas enviando ondas de choque para comunidade internacional e criando uma inundação de refugiados, milhares de cristãos fugiram por suas vidas. Uma grave crise humanitária iniciou-se quando mais de 30.000 curdos Yazidis ficaram presos no pé de uma montanha cercados por combatentes do EIIL. Esta ‘fagulha’ chamou ações internacionais para impedir um potencial genocídio94.

Novamente o futuro da região é abordado a partir de uma visão pessimista: o EIIL é muito forte e as capacidades militares dos governos sírio e iraquiano não são suficientes para confrontá-lo e combatê-lo. A fim de se posicionar novamente contrário às atrocidades cometidas pelo EIIL, a produção aborda uma possível solução através de uma fala do ex-presidente norte-americano Barack Obama sobre a violência praticada pelo EIIL contra os cristãos Yazid:

94 Texto original: “Throughout July and August the Islamic State continued to expand making significant territorial gains. There were now in control of a major dam, oil fields and well-armed looted weapons and bundles of cash to found their ambitions. It also appears that there is no one in the region capable of curving their advance. IS routed the Kurdish Peshmerga forces sending shock waves through the international community and creating a flood of refugees, when thousands of Christians fled for their lives. A massive humanitarian crisis is developed when over 30.000 Yazid Kurds trapped on a mountain side, surrounded by IS fighters. This spark called international action to revert a potential genocide”. Tempo no documentário: 39:52 – 40:41.

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Barack Obama: Quando há uma situação como essa na montanha, quando inúmeras pessoas inocentes estão enfrentando um massacre e temos a capacidade de evitá-lo, os Estados Unidos não podem simplesmente desviar o olhar95.

A fala de Obama no documentário abre portas a interpretações: uma complacente a seu governo e ao próprio Prêmio Nobel da Paz que ganhou em 2009, em que ele seria uma resposta moral e militar ao EIIL e suas atrocidades. Porém é necessário ressaltar que o governo de Barack Obama continuou a política externa agressiva iniciada por George W. Bush na primeira década do século XXI. Obama contrariou o que havia clamado quando era candidato à presidência – seu slogan de candidatura era “change” – e o trecho acima indica o modus operandi norte-americano perante o mundo (BANDEIRA, 2016, pp.87-103). Obama

pegou o estado de segurança nacional que cresceu muito sob Bush e o incorporou. Neste processo, Obama normalizou as medidas pós-09/11 que Bush implementou de forma causal, emergencial. A grande conquista de Obama – ou o grande pecado - foi tornar o estado de segurança nacional permanente96 (RISEN, 2014, p.xiii).

A grande mudança da estratégia militar de Bush para a de Obama foi o emprego de tecnologias que visam “o caminho do ‘bisturi’: operações de contra-terrorismo de pequena escala e ataques de drones”97 (SCAHILL, 2017, p.42). A maioria das bases de controle dos drones não ficam em território em que o ataque será concretizado, mas ficam a uma distância considerável, longe de seus alvos e geralmente nos próprios EUA. A tecnologia por trás destes ataques passa por questões de geolocalização e comunicação entre a base militar e o drone, fator novo na história militar mundial. Este tipo de ataque não pode ser comparado a nenhum outro empregado ao longo do século XX, nos quais os alvos também passam por um grande ‘crivo’ de informações até que sejam denominados pelos centros de inteligência como ‘suspeitos de terrorismo’

95 Texto original: When there's a situation like the one on this mountain, when countless of innocent people are facing a massacre and we have the ability of prevent it, The United States cannot just look away”. Tempo no documentário: 40:42-40:53. 96 Texto original: “took the national security state that had grown to such enormous size under Bush and made it his own. In the process, Obama normalized the post-09/11 measures that Bush had implemented on a haphazard, emergency basis. Obama’s great achievement – or great sin – was to make the national security state permanent” (RISEN, 2014, p.xiii). 97 Texto original: “the way of the scalpel: small-footprint counterterrorism operations and drone strikes” (SCAHILL, 2017, p.42).

81 ou ‘terroristas’. O governo de Barack Obama foi o grande expansor e empregador desta nova maneira de se realizar guerra (SCAHILL, 2017). Entretanto, as operações e ataques realizados pelos drones não se mostram tão precisos: o primeiro ataque, realizado em uma ‘área de guerra não-declarada’ em 2009 no Iêmen, “matou mais de quarenta pessoas, a maioria eram mulheres e crianças” (SCAHILL, 2017, p. 43). Este tipo de estratégia também demonstra grande contradição no que se diz respeito à guerra pela informação, doutrina iniciada pelos franceses na Batalha de Argel, pois muitas vezes a escolha final diante de um alvo é a morte e não a captura e interrogação. A interrogação, como demonstra a experiência de Abu Graib, não se mostrou muito efetiva e as sumárias práticas de tortura caíram nas mãos da imprensa (SONTAG, 2005; WILLIS, 2008; ZIZEK, 2014). A participação direta norte-americana na guerra contra o EIIL iniciou-se com bombardeios em setembro de 2014 e, de modo a ilustrar como seria como seria um ataque realizado por drone, o documentário incluiu imagens a partir do ponto de vista de seu operador:

Imagem 20 – Captura de cena do documentário (tempo: 40:57) – Imagem que corresponde à visão de um operador norte-americano têm ao pilotar um drone

Nos três anos que seguiram após a publicação do documentário (entre junho de 2014 a setembro de 2017) os bombardeios e ataques aéreos norte-americanos contra as posições do EIIL só aumentaram. Até 2015, o foco dos ataques era em ambos os países, porém o front iraquiano foi priorizado pela coalização antes do front sírio, que passou a sofrer pesados ataques a partir da segunda metade de 2016:

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Imagem 21 – Gráfico sobre os ataques realizados pela coalizão encabeçada pelos EUA contra as posições do EIIL no Iraque (azul) e na Síria (vermelho) de agosto de 2014 a setembro de 2017

Fonte: BBC (2017).

O narrador, após a fala de Barack Obama, conclui sua participação dando um panorama global da questão da expansão do EIIL:

Narrador: Quase três anos após a retirada do Iraque, o presidente Obama ordenou a ação militar dos EUA contra o EIIL, bem como uma missão humanitária. O bombardeio pode aliviar o tormento dos refugiados mas até agora teve um impacto mínimo sobre as capacidades militares do EIIL. Embora ninguém saiba exatamente como lidar com a escalada da crise, os combatentes do EIIL crescem ‘mais ousados pelos mortos’98

O desfecho do documentário enseja novamente sua posição pessimista diante do futuro da guerra: em que não havia perspectivas de combate ao EIIL e que seus combatentes iriam lutar até a morte. A frase “ninguém saiba exatamente como lidar com

98 Texto original: “Nearly three years after the withdrawal from Iraq, President Obama ordered the US military action against the IS, as well as humanitarian mission. The bombing may relieve the plague of the refugees but so far had minimal impact on the Islamic States military capabilities. While no one knows exactly how to deal with the escalating crisis, the fighters of the Islamic State grow ‘bolder by the dead’”.Tempo no documentário: 40:55-41:21.

83 a escalada da crise”, proferida pelo narrador do documentário, comenta sobre a calamidade da guerra em termos de condições humanas. Entre março de 2011, com a ‘Primavera Árabe’, até junho de 2014, mês da transformação de Daesh para Estado Islâmico do Levante e do Iraque (EIIL), o número de mortos no conflito na Síria girava em torno de 206 mil pessoas (GLASTONE, GHANNAM, 2015). Com o aumento dos ataques aéreos e dos bombardeios em meio à população civil, em 2016, o número mais que dobrou, subindo para 430 mil (SYRIAN OBSERVATORY FOR HUMAN RIGHTS, 2016). O número de casualidades confirmadas pelo exército norte-americano pode ser visto no gráfico abaixo:

Imagem 22 – Gráfico comparativo sobre mortes causadas pelos ataques aéreos feitos pela coalizão liderada pelos EUA versus mortes confirmadas pelos militares.

Fonte: ALMUKHTAR (2017).

Desta forma, a visão que o documentário manteve em sua construção acabou se concretizando. Ao passo que possui uma narrativa catastrófica em relação à ação dos estados iraquiano e sírio que não conseguiram conter o avanço e a consolidação do EIIL, a presença de Barack Obama prevê apoio e esperança para que a situação fosse resolvida. Ao retomar o passado histórico recente da Síria, tendo em mente que o documentário se passa em Raqqa, nota-se que o país é palco de disputas internacionais

84 desde sua independência em 1946, passando por dificuldades políticas até 1970 e assolando-se em violenta guerra civil após a chamada ‘Primavera Árabe’ em 2011:

Seguindo sua independência em 1946, a Síria virou palco de rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética. Constantes golpes militares entre 1949 e 1970 concluíram-se em 1970 com Hafez al-Assad ao lado do Kremlin. Assad, entretanto, provou-se como subordinado à benevolente superpotência. A batalha pela Síria continuou de maneira ocasional quando a Síria irritou Moscou ao flertar com os EUA no Líbano ao enviar tropas de apoio à reconquista do Kuwait em 1991. Os EUA logo voltaram à sua estratégia anterior, enquadrando a Síria como um “Estado terrorista” e condenando seu suporte ao Hezbollah no Líbano e sua aliança com o Irã. Em 2011, a batalha tornou-se uma guerra. Os EUA e a Rússia, bem como as hegemonias locais, deram suporte a lados opostos da guerra, garantindo uma balança do terror que devastou o país e desafia conclusões99 (GLASS, 2016).

A partir desta reflexão é possível entender o documentário como uma fonte histórica que aborda a guerra que o ‘Califado’ estava inserido em 2014, indicando que o conflito ultrapassou questões locais e havia se tornado internacional. Ao aproximar esta questão geopolítica ao discurso presente no documentário, é necessário ir ao encontro da discussão levantada por Said (2011). Ele aborda a configuração e sentido línguístico que a mídia internacional produz sobre os acontecimentos no Oriente Médio como um como um ‘sistema’, onde levanta questões importantes para a construção histórica do EIIL realizada pelo documentário:

Esse sistema mundial, articulando e produzindo cultura, economia e poder político, junto com seus coeficientes militares e demográficos, possui uma tendência institucionalizada de gerar imagens transnacionais desproporcionais que agora estão reorientando o discurso e o processo social internacional. Tome- se como exemplo o surgimento do “terrorismo” e do

99 Texto original: “Following nominal independence in 1946, Syria became a theater of Cold War rivalry between the United States and the Soviet Union. The stream of military coups between 1949 and 1970 concluded with the Hafez al-Assad putsch that left Syria in the Kremlin camp. Assad, however, proved anything but subservient to his superpower benefactor. The struggle for Syria continued in desultory fashion as Syria irritated Moscow by flirting with the U.S. in Lebanon and sending troops to support the American reconquista of Kuwait in 1991. The U.S. soon reverted to form, labeling Syria a “terrorist state” and condemning both its support for Hezbollah in Lebanon and its alliance with Iran. In 2011, the struggle became a war. The U.S. and Russia, as well as local hegemons, backed opposite sides, ensuring a balance of terror that has devastated the country and defies resolution”

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“fundamentalismo” como dois termos capitais da década de 1980. Em primeiro lugar é quase impossível sequer começar a analisar (no espaço público oferecido pelo discurso nacional) conflitos políticos envolvendo sunitas e xiitas, curdos e iraquianos, tamiles e senegaleses, ou sikhs e hinduístas – a lista é longa – sem recorrer às categorias e imagens do “terrorismo” e do “fundamentalismo”, totalmente derivadas das preocupações e instituições intelectuais dos centros metropolitanos como Washington e Londres. São imagens temíveis que carecem de definição ou conteúdo preciso, mas significam aprovação e poder moral para quem as utiliza, incriminação e acuamento moral para quem for assim designado (SAID, 2011, p.472).

Colocando os EUA (na figura de Barack Obama) como possível salvador do conflito, o documentário e a Vice corroboram com seu discurso e posicionamento ante a guerra. A abordagem do EIIL sob esta perspectiva salienta que, de fato, seu objetivo era a construção de um mundo, ou de um grande Estado ou ‘Califado’ através de armas e atrocidades onde ‘apóstatas’ e ‘cruzados’ não teriam vez. O posicionamento de Said (2011), entretanto, leva o(a) historiador(a) a refletir a questão de maneira não-combativa, porém, analítica e crítica. A fala de Abu Mosa ainda na primeira parte, e a entrevista do homem belga e seu filho na segunda parte, expõem um sentimento de vingança dos membros do EIIL perante os norte-americanos e europeus. A música cantada dentro da antiga igreja, abordada na quarta parte do documentário, chama atenção pois também demonstra a presença de um sentimento completamente avesso às potências ocidentais que por décadas, ou ainda centenas de anos, interferiram diretamente nas questões políticas, econômicas e religiosas da região do Oriente Médio. É possível identificar ao longo da história, seguindo a linha dos Estudos Pós- Coloniais, que o Oriente Médio e o mundo árabe como um todo sofre há séculos com invasões, ocupações e sansões dos países ocidentais (Europa e América do Norte). As mudanças nas relações mundiais no pós-45 na chamada “Guerra Fria” (1945 – 1989) e as lutas pelas independências foram momentos marcados por grandes intensificações de ideias nacionalistas e reformistas do Islã, alguns deles com posições que vão ao encontro do fundamentalismo elaborado por Hall (2011). As ideias de Sayyd Qutb e sua jihad tiveram grande impacto em grupos que, aliando seu pensamento às armas, decidiram pôr em prática suas ideias. Os membros do EIIL, como o documentário procura mostrar, justificam suas ações através da religião e expõem um sentimento de vingança. O EIIL

86 procura ganhar a ‘batalha pelos corações e mentes’ ao canalizar o sentimento de vingança da população jovem masculina local e buscar apoio frente a uma causa. A partir da análise histórica do documentário The Islamic State (2014) há de se ressaltar que houve planejamento, investimento e estratégias para sua produção (BURKE, 2017). O jornalista Medyan Dairieh e a companhia Vice souberam explorar muito bem o fato de que eram, em junho de 2014, uns dos primeiros (se não os primeiros, como eles mesmos indicam) a filmarem a cidade de Raqqa sob o domínio do ‘Califado’. A construção de sua narrativa, entretanto, prioriza alguns aspectos sobre outros: há apenas na última fala do narrador informações sobre as conquistas do EIIL sobre barragens e poços de petróleo100. É possível concluir, desta maneira, que o grande foco do documentário foi mostrar a violência praticada pelo EIIL contra inimigos e sobre a população de Raqqa, como também argumentar que, de fato, o ‘Califado’ foi consolidado.

100 Tempo no documentário: 39:53-40:08.

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CAPÍTULO 02: A revista Dabiq (2014-2016)

1. A estrutura da revista Dabiq

1.1 A Dabiq e o AlHayat Media Center

O presente capítulo visa apresentar o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) a partir de sua própria perspectiva. É importante compreender a projeção do EIIL na internet de forma a aprofundar em suas narrativas sobre a guerra e sobre o próprio ‘Califado’. A guerra na qual o EIIL estava inserido entre 2014 e 2016, a consolidação e a manutenção de seu território, não aconteceu apenas em campo físico mas adentrou no campo da propaganda. Aliado a seu corpo estratégico militar, o EIIL organizou diversos centros de mídia responsáveis por realizar e publicar vídeos contendo materiais propagandísticos com o objetivo de propagar suas próprias ações e se projetar como um forte agente internacional. Os vídeos também procuram atrair civis, combatentes ou simpatizantes para sua causa. Em recente levantamento realizado por Winter (2017) é possível ver a estrutura dos diversos centros de mídia organizados pelo EIIL em várias localidades ao redor do mundo: no Oeste da África, na Argélia, na Tunísia, na Líbia, no Egito, no Iraque, na Síria, na região do Cáucaso, no Iêmen, na Arábia Saudita e na região do Irã, Afeganistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão (área chamada de “Grande Coração”, uma região histórica da Pérsia), como visto:

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Imagem 23 – Mapeamento da rede de comunicação do EIIL feito por Winter (2017). Estão listados cada “centro midiático” e organizados de acordo com seu país/área de atuação.

Fonte: WINTER (2017).

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Os centros de mídias organizados pelo EIIL não produziram apenas vídeos, mas também outros tipos de materiais midiáticos. Através de um centro de mídia específico, o AlHayat Media Center, formado por uma equipe especializada, o ‘Califado’ publicou material escrito em forma de uma revista eletrônica chamada Dabiq. É possível afirmar que a revista foi a grande porta-voz do EIIL entre 2014 e 2016 e com seus artigos, fotos, notícias, ensinamentos e ameaças, trabalhou junto das armas. Assim, como ponto inicial, é importante compreendê-la como qualquer outro veículo midiático que apresenta fatos e divulga acontecimentos a partir de seu ponto de vista. Através da escolha de temas importantes abordados pela Dabiq, como o uso de fotografias violentas e em relação a questão da construção de uma identidade, procurou- se analisar o discurso utilizado na narrativa da revista, adentrando nas práticas e nas ideias do EIIL. Desta forma, a abordagem histórica da revista possibilitou uma compreensão da guerra partindo do ponto de vista do EIIL, ampliando o entendimento sobre a guerra na qual o ‘Califado’ estava inserido. Com o objetivo de inserir a Dabiq dentro de uma perspectiva histórica é necessário, em primeiro lugar, compreendê-la como qualquer outro documento construído por meios midiáticos, ou seja, como uma produção que foi concebida com processos estratégias de publicação. Dado este ponto, estudar os produtores e o ‘universo ao redor’ da revista é de grande importância para iniciarmos sua análise:

não é possível lidar com qualquer fragmento de um veículo da imprensa - um editorial, notícias esparsas reunidas em pasta na hemeroteca, cartas aos leitores - sem o reinserir no projeto editorial no interior do qual se articula, ou seja, sem remetê-lo ao jornal ou à revista que o publicou numa determinada conjuntura (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p.260).

Um dos pontos a serem analisados, portanto, é em relação aos responsáveis pela sua realização que aparecem apenas na última página do segundo volume. Apresentando- se como um ‘centro de mídias’, o AlHayat Media Center101 foi responsável pelos materiais midiáticos realizados no Iraque e na Síria, em especial pela revista Dabiq, e ele mesmo explica ao leitor seu trabalho e missão:

101 A tradução de AlHayat é “vida”. A tradução para o inglês é feita pela própria equipe (DABIQ, v.02, 2014, p.43).

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A missão do AlHayat Media Center é transmitir a mensagem do Estado Islâmico em diferentes línguas com o objetivo de unificar os muçulmanos sob uma bandeira. AlHayat produz material visual, de áudio e escrito, em várias línguas, com foco em tawhid [trad. ‘Unificação’], bay'ah [trad. ‘Liderança’] e jihad102 (DABIQ, v.02, 2014, p.43).

Seu objetivo e público-alvo não estão apenas voltados para a comunidade islâmica, mas pretende atingir um número maior de pessoas, inclusive seus próprios inimigos, propondo-se assim a falar com o leitor em “francês, alemão, russo, indonésio e uigure”103 (MCKERNAN, 2016). No presente estudo foi utilizada a versão escrita em inglês, mas há o extenso uso de palavras e de conceitos islâmicos, alguns traduzidos no próprio texto. Tal fato demonstra que ainda que se utilize também do inglês para propagar suas ideias, o EIIL não deixa de lado sua língua principal. A revista eletrônica Dabiq possui quinze volumes que foram publicados entre as datas de “Ramadan 1435” e “Shawwal 1437” conforme o calendário islâmico Hijri, ou seja, entre julho de 2014 e julho de 2016. Os volumes não foram publicados sempre entre o mesmo intervalo de tempo e, portanto, sua periodicidade foi irregular variando entre um e quatro meses. Os volumes que possuem o menor intervalo de publicação são o primeiro e o segundo, ambos de julho de 2014, e os que foram publicados em um maior intervalo de tempo são o décimo quarto e o décimo quinto, de abril e julho de 2016 respectivamente. Todos eles têm uma estrutura parecida, possuindo entre 40 e 82 páginas, com capa, prólogo, uma série de artigos voltados tanto para questões internas como externas do EIIL, como também uma sessão voltada para ‘notícias’. A revista, como expressão do EIIL, apresenta ao longo de seus quinze volumes a vontade de expandir suas ideias a fim de torná-las hegemônicas para as populações das cidades que estavam sob seu domínio, apontando como único objetivo, ou objetivo final, a união dos muçulmanos em um só ‘Estado’. É preciso compreender a construção da revista, e assim da sua linguagem, como resultado de uma montagem, de um “esforço das sociedades históricas para impor ao futuro, voluntária ou involuntariamente, determinada imagem” (LE GOFF, 1984, p.123 apud ROMERO, 2011, p.28).

102 Texto original: “The mission of AlHayat Media Center is to convey the message of the Islamic State in different languages with the aim of unifying the Muslims under one flag. AlHayat produces visual, audio, and written material, in numerous languages, focusing on tawhid, bay’ah, and jihad”. 103 Texto original: “French, German, Russian, Indonesian and Ugyhur”.

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Nas primeiras páginas do primeiro volume há uma sessão específica que explica ao leitor que a revista “contém fotografias de reportagens, eventos e artigos informativos sobre questões relacionadas ao Estado Islâmico”104 (DABIQ, v.01, 2014, p.03), expressando o desejo de que “Allah abençoe esse esforço e o torne um exemplo para as próximas gerações”105 (DABIQ, v.01, 2014, p.03). Há, entretanto, uma clara diferença a partir do sétimo volume, de fevereiro de 2015, em que a revista passa a conter um número maior de artigos e, consequentemente, de páginas. Em um breve levantamento até o volume seis, a revista publicou entre seis e sete sessões e, a partir do sétimo volume, o número de sessões praticamente dobra por volume. A configuração do índice também se modificou como visto:

Imagem 24 – DABIQ, v.06, 2014, p.02; DABIQ, v.07, 2015, p.02; e DABIQ, v.14, p.02.

Em todos eles há uma frase tida como proferida por Abu Mus’ab az-Zarqawi, “A chama foi acesa aqui no Iraque e continuará a crescer – se Allah permitir – até que queime o exército dos cruzados em Dabiq”106, expressando claramente a ideia da consolidação do ‘Califado’ e de uma vitória sobre seus inimigos, tidos como ‘cruzados’. O significado do nome da revista também caminha neste sentido:

104 Texto original: “contain photo reports, current events, and informative articles on matter related to the Islamic State”. 105 Texto original: “May Allah bless this effort and make it a beacon for generations to come”. 106 Texto original: “The spark has been lit here in Iraq, and its heat will continue to intensify – by Allah’s permission – ultil it burns the crusader armies in Dabiq”

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Quanto ao nome da revista, ele foi tirado da área chamada Dabiq, ao norte de Halab [cidade de Aleppo] em Sham [Síria]. Este lugar foi mencionado em um hadith [escritura contendo uma mensagem direta do profeta Maomé] descrevendo alguns dos eventos dos Malahim (o que às vezes é referido como Armageddon em inglês). Uma das maiores batalhas entre os muçulmanos e os cruzados ocorrerá perto de Dabiq107 (DABIQ, v.01, 2014, p.04).

O momento histórico vivido pelo EIIL difere quanto ao volume publicado pela revista, ou seja, enquanto os primeiros volumes buscam ressaltar sua consolidação como um ‘Califado’ em 2014, os demais são marcados pelo desafio da manutenção de seu território, ao longo de 2015 e 2016. A perda da cidade Dabiq por forças apoiadas pela Turquia entre 15 e 16 de outubro de 2016 (JOSCELYN, 2016; OSBORNE, 2016; WITHNALL, 2016) marca o fim de sua publicação108. Assim, a Dabiq durou dois anos com quatro publicações em 2014, seis em 2015 e três 2016. Os volumes foram organizados no quadro abaixo:

107 Texto original: “As for the name of the magazine, then it is taken from the area named Dabiq in the northern countryside of Halab (Aleppo) in Sham. This place was mentioned in a hadith describing some of the events of the Malahim (what is sometimes referred to as Armageddon in English). One of the greatest battles between the Muslims and the crusaders will take place near Dabiq”. Para mais informações ver: BERKOWITZ (2016). 108 Entretanto o ‘Califado’ e o AlHayat Media Center se reestruturam e começam uma nova publicação: a revista Rumiyah (MCKERNAN, 2016; JOSCELYN, 2017), parecida com a Dabiq.

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Nº Títulos dos volumes Publicação Nº de artigos e págs. 01 “O retorno do Califado”109 05/07/2014 07 sessões, 50 págs. 02 “O Dilúvio”110 12/07/2014 06 sessões, 44 págs. 03 “O chamado para Imigração”111 10/09/2014 07 sessões, 41 págs. 04 “A cruzada falha”112 11/10/2014 09 sessões, 56 págs. 05 “Permanecendo e expandindo”113 21/11/2014 07 sessões, 40 págs. 06 "A Al-Qaeda do Waziristão: um profundo testemunho"114 29/12/2014 07 sessões, 63 págs. 07 "Da hipocrisia à apostasia: a extinção da neutralidade"115 12/02/2015 14 sessões, 83 págs. 08 "A Sharia tomará conta da África"116 30/03/2015 11 sessões, 68 págs. 09 "Eles tramam e Allah também trama"117 21/05/2015 13 sessões, 79 págs. 10 “A lei de Allah e as leis dos homens”118 13/07/2015 13 sessões, 79 págs. 11 "Das batalhas por Al-Ahzāb até a Guerra das Coalizões"119 09/09/2015 14 sessões, 66 págs. 12 “Apenas terror”120 18/11/2015 17 sessões, 65 págs. 13 "Os rejeitotes de Ibn Saba' ao Dajjal"121 19/01/2016 11 sessões, 56 págs. 14 "A Irmandade apóstata"122 13/04/2016 11 sessões, 68 págs. 15 "Quebre a cruz"123 31/07/2016 14 sessões, 82 págs. Imagem 25 – Quadro feito pelo pesquisador com a relação entre volume, título, data de lançamento, número de sessões e páginas dos quinze volumes da revista Dabiq.

A Dabiq não possui grandes alterações em sua estrutura argumentativa, e pode ser dividida tematicamente em quatro grandes fases:

109 Título original: "The Return of Khilafah" 110 Título original: "The Flood" 111 Título original: "A Call to Hijrah" 112 Título original: "The Failed Crusade" 113 Título original: "Remaining and Expanding" 114 Título original: “Al Qa'idah of Waziristan: A Testimony from Within”. O “Waziristão” é o nome da região noroeste do Paquistão que faz fronteira com o Afeganistão. 115 Título original: “From Hypocrisy to Apostasy: The Extinction of the Grayzone” 116 Título original: “Shari'ah Alone Will Rule Africa” 117 Título original: “They Plot and Allah Plots” 118 Título original: "The Law of Allah or the Laws of Men" 119 Título original: “From the Battles of Al-Ahzāb to the War of Coalitions” 120 Título original: “Just Terror” 121 Título original: “The Rafidah from Ibn Saba' to the Dajjal”. Este é um dos títulos mais difícil de se traduzir: o termo “Rafidah” é termo pejorativo dado a grupos Salafistas, “ Ibn Saba' “ é o nome de uma figura política e religiosa no Islã, como também um personagem histórico, ao passo que “Dajjal” é uma figura que não aparece no Alcoorão, 122 Título original: “The Murtadd Brotherhood” 123 Título original: “Break the Cross”

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A primeira dessas fases inclui os volumes 1 e 2. Nela, a Dabiq concentra-se em temas sobre a "Construção do Califado". Estes volumes asseguram a legitimidade religiosa e funcional do projeto de construção do ‘Califado’ do Estado Islâmico e de sua liderança. A segunda fase temática da revista inclui os volumes 3 e 4. Os volumes possuem uma redução no foco sobre as questões de ‘construção do Estado’ e há uma mudança na atenção para temas antiocidentais. Os volumes 5 ao 8 constituem a terceira fase da revista, em que o foco temático difere de uma questão para outra, sem tendências claras. A Fase 4 inclui os volumes 9 a 13, que apresentam grande foco em grupos de outros lugares e nos supostos inimigos do Estado Islâmico124 (DROOGAN; PEATITE, 2017)

Os volumes 14 e 15 seguem a mesma linha da ‘Fase 4’ relacionada por Droogan e Peatite (2017). Eles, entretanto, possuem direcionamentos diferentes: grande foco do volume 14 concetantra-se em questões políticas – ao relacionar a Irmãdade Muçulmana um ‘câncer’ e chamá-los de apóstatas – enquanto o volume 15 volta-se para questões religiosas, contendo artigos que procuram justificar a união do Islã com a guerra. Ao longo de 2015 e 2016 os artigos ainda se destinam à divulgação do Islã, com palavras transcritas por ‘autoridades religiosas’, mas há grande aumento de artigos cujo conteúdo é voltado para a política em âmbito local e internacional. A revista direciona críticas tanto a líderes de Estado como Irã, Turquia e principalmente os EUA, como também para grupos paramilitares islâmicos que estavam inseridos no mesmo conflito e que ameaçavam seu território e interesses como ‘Califado'. Ou seja, por um lado a revista procura argumentar sobre a importância do EIIL na região, sobre como o grupo está libertando e ajudando as pessoas frente à invasão dos ‘cruzados’, dos ‘apóstatas’ e frente ao governo Sírio; e, por outro, chama muçulmanos e pessoas ao redor do mundo para fazerem parte do Califado. Há, portanto, uma dupla movimentação no propósito da revista Dabiq quando observada como um todo: os assuntos abordados estão diretamente relacionados com questões geopolíticas locais e internacionais, assuntos internos e externos ao EIIL.

124 Texto original: “The first of these phases includes issues 1 and 2. Here, Dabiq focuses on themes within the ‘Building the Caliphate’ organizing theme. These issues place emphasis on asserting the religious and functional legitimacy of the Islamic State’s caliphate-building project and leadership. The magazine’s second thematic phase includes issues 3 and 4. These issues see a reduction in focus on state-building matters and a shift in attention to anti-Western themes. Issues 5 through 8 constitute the magazine’s third phase, wherein the thematic focus differs on an issue-to-issue basis with no clear trends present. Phase four includes issues 9 to 13, which exhibit a strong focus on out-groups and the Islamic State’s purported enemies”.

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Desta maneira a revista Dabiq pode ser compreendida como uma ferramenta utilizada pelo EIIL para expandir sua influência para além das armas, procurando facilitar o acesso125 do leitor às suas ideias e pensamento. Grande parte de seu conteúdo possui forte caráter propagandístico, voltado para a construção de uma narrativa direcionada a atrair e convencer o leitor de que a sua causa é certa e que a guerra está a seu favor. O AlHayat Media Center, e assim o próprio EIIL, também utiliza a revista Dabiq para divulgar seus outros aparatos midiáticos, como a rádio AlBayan (DABIQ, v. 09, 2015, p. 65) que divulga “boletins, distribuídos em inglês e em árabe, detalham com calma os ataques realizados pelo Estado Islâmico, os atentados suicidas de seus combatentes e a morte de grupos de oposição”126 (SHARMA, 2015). No entanto, é a produção audiovisual que ganha maior destaque na revista, particularmente após o volume 09: em um breve levantamento numérico, vinte e duas páginas ao longo dos quinze volumes são voltadas especialmente à propaganda de “dez vídeos selecionados da “força” do Estado Islâmico”127. Nos volumes 12 e 13, publicados no fim de 2015 e começo de 2016, respectivamente, são os volumes onde há mais propaganda e divulgação destes vídeos.

125 A Dabiq inclusive publicou um tutorial (DABIQ, v.09, 2015, p.43) explicando ao leitor como fazer download dos vídeos produzidos pelo EIIL. 126 Texto original: “The bulletins, distributed in English and in Arabic, calmly detail the attacks the Islamic State carried out, the suicide bombings by their fighters and the deaths of opposition groups”. 127 Texto original: “ten videos selected frm the wilayat of the Islamic State”. O termo islâmico “wilayat” significa ‘força’, portanto são vídeos que mostram o poder do EIIL. As páginas são: DABIQ, v. 09, 2015, pp.27, 33 e 78; DABIQ, v.10, 2015, pp.25 e 65; DABIQ, v. 11, 2015, pp.15, 39 e 59; DABIQ, v.12, 2015, pp.08, 36, 42, 58 e 63; DABIQ, v. 13, 2016, pp.05, 08, 09, 12 e 27; DABIQ, v.14, 2016, pp.03 e 67; DABIQ, v.15, 2016, pp.73, 77 e 81.

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1.2 As capas da Dabiq

Logo em seu lançamento, em julho de 2014, a revista Dabiq rapidamente alcançou os meios de comunicação internacionais, sendo citada em diversos sites pela internet e compreendida como a grande porta-voz do ‘Califado’. Através de suas páginas, fica clara a ideia para o leitor de que houve um extenso trabalho para sua realização, em que a revista “retrata o Estado Islâmico como ele se vê: vangloriando-se de suas vitórias e pintando uma imagem romântica da restauração de uma ‘era de ouro islâmica’ e anunciando um ‘glorioso’ novo Califado beseado na Guerra Santa”128 (CLARION PROJECT, 2014). A Dabiq deve ser compreendida através de um olhar histórico crítico, buscando interpretá-la como uma fonte histórica e veículo formador de opinião. Assim, a abordagem dos produtores e responsáveis pela revista, que provavelmente não faziam diretamente parte do front de batalha do EIIL, é importante para compreender o ‘Califado’ como um agente que possuía entre 2014 e 2016 – anos de publicação da revista – capacidades para lutar tanto no campo militar como também no campo midiático da propaganda. É necessário, assim, adentrar em uma análise mais profunda sobre a linguagem visual do periódico, de modo a entender estratégias que o AlHayat Media Center utilizou nos volumes da Dabiq. A revista não é composta apenas por textos e praticamente todas as suas páginas contém algum tipo de imagem ou fotografia que acompanha a temática textual. Por este motivo foi reconhecida como “sofisticada, habilidosa, e lindamente produzida”129 (CLARION PROJECT, 2014). A alta qualidade imagética que a equipe do AlHayat Media Center procurou alcançar é comparável a materiais produzidos por grandes companhias midiáticas internacionais, implicando a compreensão de que sua produção passa por mãos de profissionais altamente qualificados:

128 Texto original: “portrays the Islamic State as they see themselves: boasting of their victories and painting a romantic image of the restoration of an Islamic golden age and the heralding of a “glorious” new caliphate based on holy war”. De acordo com o próprio site da Clarion Project , o “Clarion Project é uma organização sem fins lucrativos que educa o público sobre os problemas do radicalismo islâmico“ (Trad. Livre). Mais informações sobre o Clarion Project podem ser encontradas no link no qual o projeto busca fazer sua própria publicação sobre o EIIL. Esta publicação foi e ainda é até o momento da redação da pesquisa, entre 2016 e 2017, constantemente atualizada sempre que há algum novo volume da Rumiyah, a atual (2017) revista do EIIL. 129 Texto original: “is sophisticated, slick, beautifully produced”.

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A alta qualidade destas publicações, todas escritas em inglês, é uma reminiscência da famosa revista on-line da al-Qaeda Inspire [entretanto] não está claro quem está por trás do AlHayat, mas acredita-se ser uma iniciativa de Abu Talha Al Almani, um ex- rapper alemão também conhecido como Deso Dogg, que deixou a Europa para lutar ao lado EIIL na Síria, de acordo com o MEMRI [sigla para Middle East Research Institute]130 (BECKER, 2014).

As capas que compõem cada volume da revista é um primeiro ponto a ser refletido, pois como qualquer outro periódico é o primeiro contato com o leitor e, portanto, a primeira impressão que o mesmo tem sobre o material. Através delas é possível encontrar pistas que indicam as preocupações do EIIL ao longo dos anos de suas publicações, assim como quais assuntos ganharam destaque durante os meses. Elas podem ser vistas a seguir:

Imagem 26 – DABIQ, v.01, 2014, p.01; DABIQ, v.02, 2014, p.01; e DABIQ, v.03, 2014, p.01.

130 Texto original: “The high-quality nature of these publications, all written in English, is reminiscent of al Qaeda's infamous online magazine, Inspire […] It is unclear exactly who is behind Al Hayat, but it is thought to be an initiative of Abu Talha Al Almani, a former German rapper also known as Deso Dogg, who left Europe to fight alongside ISIS in Syria, according to MEMRI”

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Imagem 27 – DABIQ, v.04, 2014, p.01; DABIQ, v.05, 2014, p.01; e DABIQ, v.06, 2014, p.01.

Imagem 28 – DABIQ, v.07, 2015, p.01; DABIQ, v.08, 2015, p.01; e DABIQ, v.09, 2015, p.01.

Imagem 29 – DABIQ, v.10, 2015, p.01; DABIQ, v.11, 2015, p.01; e DABIQ, v.12, 2015, p.01.

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Imagem 30 – DABIQ, v.13, 2016, p.01; DABIQ, v.14, 2016, p.01; e DABIQ, v.15, 2016, p.01.

Todas foram imageticamente bem trabalhadas pelo AlHayat Media Center que procurou unir a imagem utilizada com os temas principais de cada volume. As capas dos três primeiros, “O retorno do Califado”131, “O Dilúvio”132 e “O chamado para a imigração”133, conversam com o momento histórico de 2014: da transformação do Daesh em Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). As demais possuem um direcionamento mais simbólico em relação ao tema que cada volume aborda, afirmando a proclamação do ‘Califado’ e argumentando que ele é inevitável, que todos os muçulmanos devem unir-se a ele. A capa do primeiro volume, “O retorno do Califado”, lançado em 05 de julho de 2014 – poucos dias após a proclamação do ‘Califado – é uma das que mais conversa com todo o aspecto geopolítico que envolve a consolidação do EIIL. A imagem remete a um mapa geográfico da região Oriente Médio no qual só há distinção clara entre o que é mar e o que é terra, não havendo fronteiras políticas ou qualquer outra informação que indica distinções territoriais existentes na região. A relação entre o título da revista e a imagem pode ser interpretada como a representação do território que o EIIL buscava reconquistar, ou seja, “O retorno do Califado” seria o ressurgimento político e histórico do ‘Califado Islâmico’ iniciado pelas conquistas de Maomé entre os anos 622 e 632 (HOURANI, 2007, pp.33-43). Mais especificamente a capa enseja que o mapa representado é o território que deveria ser do EIIL.

131 Texto original: “The return of Khilafah”. 132 Texto original: “The Flood”. 133 Texto original: “A Call to Hirjrah”.

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O segundo volume, “O Dilúvio”134, lançado também em julho de 2014, possui uma capa com outro estilo, mas com grande relação com o primeiro volume. Ela não remete o leitor a nenhum assunto geopolítico, possuindo um direcionamento e uma forte apelação simbólica e religiosa. Há um grande barco em meio a uma tempestade seguido da frase “Ou é o Estado Islâmico ou é o dilúvio”135. Tanto o barco, que aparenta ser antigo, como o mar e o próprio título do volume remetem à antiga história religiosa da Arca de Noé. A capa possui um ‘tom’ de destino, implicando ao leitor que, caso não concorde e não se alie com o ‘Califado’, perecerá. Neste sentido, se Noé e sua Arca eram a última salvação frente a um mundo prestes a ser destruído, o EIIL é a última esperança em um mundo rodeado por ‘apóstatas’. Visão que, inclusive, está ligada com a própria simbologia da cidade de Dabiq: “Uma das maiores batalhas entre os muçulmanos e os cruzados acontecerá perto de Dabiq”136 (DABIQ, v.01, 2014, p.04). Ambas as capas aspiram a forte confiança que o EIIL possuía sobre seu próprio discurso, primeiramente afirmando-se como um ‘Califado’ sem fronteiras e colocando- se, a partir de um conto religioso e de fé, como um ‘salvador’ em um mundo que caminha para o apocalipse. A terceira capa inaugura uma mudança nas capas posteriores da revista, apresentando uma fotografia e não uma representação. A capa do terceiro volume traz diversos automóveis em movimento, mas não é possível afirmar se são de civis ou de combatentes. Ao relacionar a fotografia dos carros com o título do volume, “O chamado para a imigração”, e com as duas capas anteriores, é possível ver uma continuidade entre elas: a primeira afirma que ‘Califado’ foi estabelecido, a segunda vai ao encontro de uma narrativa que ele é a única salvação e, por fim na terceira, há o chamado para muçulmanos ao EIIL. Entretanto, a partir do quarto volume as capas assumem um caráter diferente dos anteriores: apesar de também conterem imagens simbólicas, as capas passam a focalizar lugares (sexto e oitavo volume), monumentos (quarto e quinto volume), políticos (nono,

134 “Sem dúvidas há ecos nele [Islã] dos ensinamentos de religiões anteriores: ideias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos de religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os terrores do julgamento e nas descrições de Céu e Inferno (mas poucas referências à doutrina ou liturgia do Novo Testamento)” (HOURANI, 2007, p.40). 135 Texto original: “It’s either the Islamic State or the flood”. 136 Texto original: “One of the greatest battles between the Muslims and the crusaders will take place near Dabiq”.

101 décimo primeiro, décimo terceiro e décimo quarto volume), figuras religiosas (sétimo volume) e ataques realizados pelo EIIL a cidades europeias (décimo segundo volume). Através das capas da Dabiq, desta maneira, é possível observar os desafios que envolvem todo o momento histórico vivido pelo EIIL entre 2014 e 2016: em um primeiro momento (volumes primeiro ao terceiro) a revista refere-se à consolidação do ‘Califado’; em seguida, volta-se à sua contínua expansão (volumes quarto, quinto, sexto e oitavo) e, por fim (volumes nove a décimo quinto) aborda temas de cunho político e religioso. A fim de aprofundar a discussão sobre como, afinal, sua alta qualidade de produção se expressa ao longo dos volumes é necessário adentrar em questões sobre a linguagem da Dabiq.

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2. A experiência da guerra através da Dabiq

2.1 A figura do mártir

De maneira a adentrar na discussão da produção propagandística do EIIL voltada à guerra, é necessário historicizar o conflito que o ‘Califado’ estava inserido entre 2014 e 2016. Ele possui diferentes fatores que, em conjunto, compõem a experiência da guerra passada pela Dabiq. Há de se ressaltar que é possível compreender as táticas de combate utilizadas pelo EIIL dentro de uma certa continuidade, um modus operandi semelhante ao Talibã137, organização que oficialmente governou o Afeganistão entre 1996 e 2001, e com a Al- Qaeda, grupo paramilitar islâmico criado durante a guerra Soviético-Afegã que, além de ser progenitora do EIIL, ainda era até 2016 uma grande potência na região. A chamada ‘Guerra ao Terror’ é uma extensa campanha militar liderada pelos EUA contra o chamado ‘terrorismo’ e só teve início oficial em 2001 após os atentados do 11/09 com a invasão norte-americana ao Afeganistão. O objetivo era o combate à organização e rede Al-Qaeda, visando a busca e captura de Osama Bin Laden. Os ataques ao World Trade Center, ocorreram durante a manhã do dia 11 de setembro de 2001 quando militantes ligados à Al-Qaeda sequestraram aviões comerciais da companhia aérea American Airlines e colidiram propositalmente contra as ‘Torres Gêmeas’, símbolo do capital e do livre comércio norte-americano (WILLIS, 2008), destruindo-as. Outras ações que estavam planejadas para o mesmo dia, como o ataque ao Pentágono e à Casa Branca138, não obtiveram o mesmo sucesso. A Al-Qaeda já havia sido responsabilizada por diversos outros ataques139 condenados pelo Departamento de Estado dos EUA, mas foi em 2001 que a organização ganhou muita notoriedade. Os ataques às ‘Torres gêmeas’ são considerados um dos maiores acontecimentos trágicos do século XXI (ARANTES, 2007; BANDEIRA, 2016, 2017; FERGUSON, 2011; WILLIS, 2008; ZIZEK, 2003, 2014, 2015), mas são louvados

137 Para saber mais sobre os Talibãs ver MARSDEN (2001). 138 É conhecido o fato de que os passageiros do avião lutaram contra os sequestradores e intencionalmente forçaram uma queda do avião antes que ele conseguisse atingir seu alvo. Há inclusive filmes (como por exemplo Voo United 93, 2006, de Paul Greengrass) que retratam a história deste avião e seus passageiros. 139 Por exemplo: na década de 1990 no Iêmen (1992), Nova Iorque (1993), no Quênia e na Tanzânia (1998); na década de 2000 em diversas localidades do mundo (inclusive o icônico ataqu ao World Trade Center em 2001); e continua atuando na década de 2010.

103 pela Dabiq em alguns momentos como “Os abençoados ataques às Torres Gêmeas de Nova Iorque”140 (DABIQ, v.09, 2015, pp.15 e 19; DABIQ, v.12, 2015, p.50). A menção aos ataques está presente em diversos os volumes da revista, que inclusive identifica a guerra como uma “ineficaz guerra por procuração”141 (DABIQ, v.04, 2014, pp.41-44). Há críticas aos funcionários do alto-escalão norte-americano diretamente envolvidos no conflito como Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado Americano e Conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, identificado na revista como “cruzado judeu e ex-Secretário de Estado dos EUA e conselheiro de Segurança Nacional dos EUA”142 (DABIQ, v.04, 2014, p.39), e a Michael Scheuer, ex-chefe da CIA. Ambos, como diz a própria Dabiq, afirmaram que o EIIL não era um grande problema. A presença da guerra pode ser sentida na revista através das sessões dedicadas a responderem artigos de inimigos diretos ou pessoas que publicaram suas opiniões nos grandes meios de comunicação sobre o EIIL. As sessões são intituladas “O Estado Islâmico nas palavras do Inimigo”143. Os principais alvos são norte-americanos144, figuras públicas governamentais145 e até mesmo o Papa Francisco (DABIQ, v.15, 2016, pp.74- 76). Um artigo desta sessão, presente no segundo volume, chama atenção pois há uma foto de um combatente (DABIQ, v.02, 2014, pp.31-32) sorrindo ao sair de um carro e, logo ao lado da foto, um texto escrito pelo ‘cruzado’ John McCain. Veterano da Guerra do Vietnã e político norte-americano, McCain foi um dos candidatos à presidência dos EUA, concorrendo contra Barack Obama em 2008. Ao mesmo tempo que a narrativa do artigo aborda a surpresa e irritação dele, McCain, diante do avanço dos EIIL – “Chego a este chão [do Senado norte-americano] com luto e com grande tristeza, preocupação e

140 Texto original: “The blessed raid on the Twin Towers in New York” 141 Texto original: “Ineffective Proxy Wars”. 142 Texto original: “jewish crusader, former US Secretary of State and US National Security Advisor”. 143 Texto original: “The Islamic State in the words of the Enemy”. As sessões podem ser encontradas: DABIQ, v.01, 2014, P.31; DABIQ, v.02, 2014, pp.31-32; DABIQ, v.03, 2014, pp.35- 37; DABIQ, v.04, 2014, pp.45-47; DABIQ, v.05, 2014, pp.34-36; DABIQ, v.06, 2014, pp.56-58; DABIQ, v.07, 2015, pp.52-53; DABIQ, v.08, 2015, pp.57-59; DABIQ, v.09, 2015, pp.60-66; DABIQ, v.10, 2015, pp.66-70; DABIQ, v.11, 2015, pp.56-60; DABIQ, v.12, 2015, pp.51-54; e DABIQ, v.13, 2016, pp.46-47. 144 Entre eles: Douglas A. Ollivant (DABIQ, v. 01, 2014), Brian Fishman (DABIQ, v. 01, 2014), Patrick Cockburn (DABIQ, v.07, 2015), e até mesmo ao The Syrian Observatory for Human Rights (DABIQ, v.12, 2015). 145 John McCain (DABIQ, v.02, 2014), Barak Obama (DABIQ, v.07, 2015), Benjamin Netanyahu (DABIQ, v.06, 2014), Michiael Morell (DABIQ, v.06, 2014) para citar alguns.

104 mesmo um profundo alarme diante dos eventos que estão acontecendo rapidamente no Iraque”146. A foto do combatente saindo do carro e sorrindo transparece um sentimento de alegria para o leitor por parte do EIIL. Ao relacionar a foto com o texto, a revista Dabiq demonstra a seu o leitor a felicidade do EIIL em saber que consegue afetar políticos norte- americanos, sendo um ator importante na geopolítica contemporânea e nas relações de poder do Oriente Médio (BANDEIRA, 2015; 2017). Em outro artigo, a resposta da Dabiq a um inimigo, é direcionada a outro norte- americano, Michael Scheuer. Ela chama atenção pelo uso da palavra ‘realidade’:

Em "8 de agosto de 2015", Michael Scheuer - ex-chefe da CIA "Bin Laden Issue Station" [enquanto o principal foco era o Bin Laden] - publicou um artigo intitulado "O Estado Islâmico está ganhando, e a América deve usar logo sua última opção". Nele, ele se dirige aos cruzados americanos, chamando-os a terminar sua desesperada guerra contra o Islã e seu Califado. Ele chama atenção à realidade [grifo nosso] de que o Estado Islâmico está ganhando e continuará se expandindo apesar de todos os esforços dos enfraquecidos Estados da América147 (DABIQ, v.11, 2015, pp.56-58).

A frase é o cabeçalho de um artigo que indica a consolidação territorial do EIIL em diversas partes do mundo: Balcãs, Líbia, Afeganistão, como também seus futuros planos de ocupação e controle de pontos chave da comunicação marítima global. Ao tratar do assunto como uma ‘realidade’, a revista Dabiq projeta o EIIL como sendo, de fato, um agente estatal consolidado. E assim, também mostra a força e o impacto internacional adquirido pelo EIIL durante os anos de 2014 a 2016. Outro fator importante a ser ressaltado são os elogios a ataques realizados ainda em 2004 (Madri) e em 2005 (Londres) (DABIQ, v.07, 2015, p.58), que também ensejam mostrar o poderio militar do ‘Califado’ que possui grande alcance e organização. O décimo terceiro volume, publicado em janeiro de 2016, traz uma página com o dizer “Apenas terror”148 (DABIQ, v.13, 2016, p.55) e o nome dos nove combatentes que

146 Texto original: “I come to the floor this morning with great sorrow and great concern and even deep alarm about the events that are transpiring rapidly in Iraq” 147 Texto original: On “8 August 2015,” Michael Scheuer – former Chief of the CIA “Bin Laden Issue Station” – released an article titled “Islamic State is winning, America must soon use its one remaining option.” In it, he addresses the American crusaders, calling them to end their hopeless war against Islam and its caliphate. He brings to their attention the reality that the Islamic State is winning and will continue to expand despite all the efforts of the weakened states of America”. 148 Texto original: “Just terror”.

105 participaram de ataques a diversas localidades diferentes em Paris em novembro de 2015. Interessante ressaltar que, ao passo que a Dabiq denomina os ataques de ‘operações’, a mídia internacional os define como ‘atos terroristas’. Em alguns momentos a Dabiq inclusive aceita e apropria-se do rótulo ‘terror’ como algo positivo, revertendo seu significado atrelado ao horror e ao sofrimento:

Imagem 31 – DABIQ, v.13, 2016, p.55; e DABIQ, v.08, 2015, p.17.

Em praticamente todos os volumes da revista há homenagens diretas àqueles que, atuando sozinho ou em grupo, morreram após realizarem ataques em cidades europeias, colocando-os como mártires e heróis, como exemplos a serem seguidos. Há elogios ao ataque de Sidney (DABIQ, v.06, 2015, pp.03-04), da Califórnia (DABIQ, v.13, 2016, p.03), em Bruxelas (DABIQ, v.14, 2016, pp.04-05), de Paris (DABIQ, v.13, 2016, p.55); à derrubada do avião russo com um explosivo improvisado (DABIQ, v.12, 2015, pp.02- 03), entre outros ao longo dos volumes da revista. Tais artigos também demonstram que a guerra que o EIIL estava empenhado em vencer aconteceu em grande parte em cidades e em meio à população civil: de um lado atrocidades foram cometidas contra sírios e iraquianos e, do outro, a europeus, norte- americanos e até mesmo australianos em forma de retaliação aos seus ataques realizados

106 no ‘Califado’. Uma das principais questões neste sentido é chamada ‘Guerra ao Terror’, e o fato de que ela não se configura como uma guerra convencional, no sentido dado por Clausewitz (2003), mas é uma guerra sem fronts delimitados, que possui uma configuração extremamente diferente das batalhas travadas ao longo da primeira metade do século XX. Muitas vezes o ‘inimigo’ não possui um uniforme militar nacional e pode ser facilmente confundido com um civil, vantagem utilizada pelo EIIL como uma das principais estratégias para realizar suas operações. Há grande preocupação por parte do EIIL em manter o moral de seus aliados e combatentes ao elogiar tais ataques e ao elevar os combatentes a título de heróis e mártires. Logo no segundo volume há uma primeira homenagem (DABIQ, v.02, 2014, p.19):

Imagem 32 – DABIQ, v.02, 2014, p.19.

Seu nome não é revelado, mas sua imagem é usada tanto como forma de divulgação como também de exemplo. Há duas fotos à direita da página, a primeira do homem vivo e a segunda de seu cadáver. Na parte esquerda da página há um texto retirado do hadith “Musnad Ahmad” (escritura contendo uma mensagem direta do profeta Maomé). O texto discorre sobre o sacrifício e a força de vontade de um homem (filho de

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Adão) que mesmo tentado a seguir o caminho dito pelo Diabo (Shaytan), continuou a trilhar o caminho do Islã até morrer durante sua jihad e ser aceito no Paraíso (Jannah) por Allah. A narrativa passa por três grandes passos: o primeiro da conversão do homem ao Islã, o segundo de sua imigração ao ‘Califado’ (hijrah) e o terceiro de sua morte através da jihad. É possível ver, assim, o esforço do EIIL em justificar a luta como ‘santa’ já que resistem ao Diabo, como também em demonstrar a todos que seguem o caminho da jihad serão aceitos no Paraíso. As homenagens a partir do oitavo volume, entretanto, passam a ser melhor estruturadas, imageticamente e textualmente, de modo que os nomes dos mártires são divulgados, como também há uma pequena história sobre sua vida e como morreu. No décimo volume, por exemplo, a revista denomina de ‘cavaleiros’ os que participaram de um ataque. Em suas fotografias, em oposição às fotografias publicadas sobre ataques a cidades em diversas localidades no mundo que contém imagem violentas (DABIQ, v.14, 2016, pp.06-07; DABIQ, v.12, 2015, pp.56-57; DABIQ, v.15, 2016, pp.70-72; DABIQ, v.08, 2015, p.18), todos os mártires apresentam-se serenos:

Imagem 33 – DABIQ, v.10, 2015, p.05.

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Através das várias homenagens é possível identificar a condição social e econômica de alguns de seus combatentes. Em uma delas a revista constrói uma narrativa de desapego e confiança: a revista conta a história de um mártir de origem rica que, com plena convicção e crença, realizou sua Hijrah e combateu ao lado do ‘Califado’:

Ele abandonou o mundo, o prestígio, a riqueza e o luxo, e saiu em busca do caminho para uma vida prístina e, seguiu em frente, migrando milhares de quilômetros em busca da jihad149 (DABIQ, v.10, 2015, pp.40-41).

Alguns destes mártires, no entanto, não morreram cumprindo sua missão como um soldado regular, mas tornarm-se homens-bomba. As narrativas possuem tom emotivo, como se seu ato fosse romântico no sentido literário:

Ele conseguiu penetrar várias camadas de segurança e entrar em um dos campos de treinamento da cidade de Abhā na região de 'Asīr onde detonou seu cinto explosivo, matando e ferindo dezenas deles150 (DABIQ, v.11, 2015, p.34).

As grandes homenagens, entretanto, são destinadas aos mártires que praticaram a hijrah. Um deles, “”151, o combatente que participou em diversos vídeos como executor de prisioneiros incluindo o jornalista James Wright Foley, ganhou duas páginas no décimo terceiro volume (DABIQ, v.13, 2016, pp.22- 23) após sua morte em novembro de 2015 por um ataque realizado por drones norte-americanos (O GLOBO, 2016). Outro combatente que ganhou atenção na revista Dabiq, após sua morte, foi Abū Jandal al- Bangālī, que imigrou ao ‘Califado’ de Bengala152 (DABIQ, v.14, 2016, pp.50-51). A revista publicou um artigo de duas páginas contando sua história de vida como também o que seria sua ‘última carta’. Uma passagem desta carta é interessante pois mostra que a Dabiq utilizou-se das homenagens aos mártires para falarem diretamente com seus combatentes, de modo a passar-lhes ensinamentos e até mesmo obrigações. Os conselhos

149 Texto original: “He had abandoned the world, prestigie, wealth, and luxury, and left in search of the path for a pristine life and Hereafter, migrating thousands of miles in search for a jihad”. 150 Texto original:” He succeeded in penetrating multiple layers of security and entering one of their training camps in the city of Abhā in the region of ‘Asīr where he detonated his explosive belt, killing and wounding dozens of them”. 151 Seu nome verdadeiro era Mohammed Emwazi, nascido no Kwait mas morador de Londres desde os seis anos de idade. 152 Bengala é uma região localizada ao norte da Índia. De 45 atentados ocorridos em Bangladesh, o EIIL assumiu 10 deles (HAYWARD, 2016).

109 presentes na carta são: obrigação da reza, da leitura do Alcorão como também a realizaçãp de exercícios físicos. Entretanto, a maneira como a narrativa se direciona aos combatentes é interessante, como visto a seguir:

A seguir alguns conselhos que estou me esforçando para seguir e que espero que vocês, meus caros irmãos, também tentem seguir. Por favor notem que este é meu dever dar conselhos sinceros a vocês153 (DABIQ, v.14, 2016, p.51).

Ao reretomar a discussão sobre a inclusão das fotogrfias dos mártires nas revistas, é importante ressaltar que seu objetivo é, antes de impactar, remeter suas imagens ao uma memória de um exemplo a ser seguido:

O fluxo incessante de imagens (televisão, vídeo, cinema) constitui o nosso meio circundante, mas quando se trata de recordar, a fotografia fere mais fundo. A memória congela o quadro; sua unidade básica é a imagem isolada. Numa era sobrecarregada de informação, a fotografia oferece um modo rápido de aprender algo e uma forma compacta de memorizá-lo (SONTAG, 2003, p.23).

As homenagens demonstram o grande esforço da Dabiq em relacionar seus combatentes com a figura do mujahideen, daquele que realiza a jihad, e procuram dar uma identidade histórica àqueles que lutam por sua causa. A revista argumenta que àquele combatente que morre realizando a jihad eleva-o a outro patamar junto a Allah em relação aos outros que não seguiram este caminho. Através das narrativas das homenagens, a Dabiq busca, ao contar a história de vida dos mártires de forma romântica, cheias de exemplos de superação, atrair novos combatentes assim como elevar o moral dos soldados.

153 Texo original: “The following are some points of nasīhah, which I am trying hard to follow and would hope that you, my beloved brothers, would also try to follow. Please note that it is just my duty to give sincere advice to you”

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2.2 O chamado para a Hijrah

Após sua expansão e, enfim, consolidação em junho de 2014, o EIIL se encontrava em um novo momento e diante de outro desafio: a manutenção de suas terras e de seu exército. Para tal, organizou o AlHayat Media Center para realizar propaganda sobre suas conquistas e expansões a fim de mostrar sua força para o mundo e atrair estrangeiros e simpatizantes. É possível identificar ao longo de todos os volumes dois direcionamentos principais que demonstram este esforço: a primeira em relação à Hijrah e a segunda em relação à identificação de seus combatentes, com grande embasamento histórico, a um tipo de combatente específico: o Muhajidin. O foco inicial da revista, principalmente nos três primeiros volumes lançados em 2014, é o chamado para a Hijrah, isto é, para a realização de propaganda com o objetivo de convocar muçulmanos para o território controlado pelo EIIL. A revista dedica atenção, neste sentido, tanto para seus combatentes como para os estrangeiros, sejam aliados, simpatizantes ou inimigos. O primeiro volume dedica uma sessão especial à questão da Hijrah: “Da imigração ao Califado”154 (DABIQ, v.01, 2014, pp.34-41), enquanto procura argumentar em tom bastante propagandístico que seu território é “um Estado para todos os Muçulmanos. A terra é para os Muçulmanos, todos os muçulmanos”155 (DABIQ, v.01, 2014, p.11). No terceiro volume o assunto é tema de capa, porém há diversas referências à Hijrah o longo de todos os outros volumes156, inclusive dando atenção especial àqueles que pretendem imigrar, mesclando preocupação – “Que Allah facilite a imigração ao Califado para os muçulmanos apesar das conspirações dos cruzados e apóstatas”157 (DABIQ, v.11, 2015, p.23) – com obrigação:

Ó muçulmanos de todos os lugares, quem é capaz de executar hijrah (imigração) para o Estado Islâmico, então faça-o, pois a hijrah para a terra do Islã é obrigatória158 (DABIQ, v.01, 2014, p.11).

154 Texto original: “From Hijrah to Khilafah”. 155 Texto original: “The State is a state for all Muslims. The land is for the Muslims, all the muslims”. 156 As referências podem ser encontradas: DABIQ, v.03, 2014, pp.25-34; DABIQ, v.08, 2015, pp.28-29; DABIQ, v.04, 2014, p.44; DABIQ, v.09, 2015, pp.37-39; DABIQ, v.10, 2015, p.05. 157 Texto original: “May Allah facilitate for the Muslims hijrah to the Khilāfah despite the plots of the crusaders and the apostates”. 158 Texto original: “O muslims everywhere, whoever is capable of performing hijrah (emigration) to the Islamic State, then let him do so, because hijrah to the land of Islam is obligatory”.

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Através dos artigos é possível ver a grande preocupação do EIIL em compor um aparato de infraestrutura estatal buscando atrair profissionais e pessoas tidas como qualificadas:

Estudiosos, fuqaha’ (especialistas em jurisprudência islâmica), especialmente os juízes, bem como pessoas com experiência militar administrativa e de combate, médicos e engenheiros de todas as especializações e campos diferentes159 (DABIQ, v.01, 2014, p.11).

O grande chamado, entretanto, é voltado para todos aqueles que queiram compor o ‘Califado’ com grande ênfase para combatentes. No primeiro volume, há uma justificativa histórica para a Hijrah (DABIQ, v.01, 2014, pp.18-26) em que o AlHayat Media Center busca, na figura de Abu Mus’ab az-Zarqawi (1966-2006), um dos antigos líderes da Al-Qaeda morto em 2006 por forças norte-americanas (KNICKMEYER; FINER, 2006), um exemplo a ser seguido. Zarqawi era jordaniano e, como tantos outros combatentes de diversos grupos paramilitares islâmicos, também iniciou sua vida na jihad durante a guerra contra os soviéticos na década de 1980. Zarqawi era um dos mujahideen que acreditava que o ‘Califado’ não poderia ser estabelecido sem grande apoio político- religioso (WRIGHT, 2007). Os primeiros mujahideen surgiram durante a Guerra Soviético-Afegã160, uma guerra ocorrida durante a Guerra Fria (1945-1989) no Afeganistão entre a URSS e combatentes afegãos e de diversas nacionalidades, muitos sem treinamento militar, que se uniram em grupos com o objetivo de atacar e confrontar os invasores soviéticos entre 1979 e 1989161 (WRIGHT, 2007). Seus feitos ganharam grande notabilidade a partir de histórias de combatentes sobreviventes. Dizia-se que os mujahideen poderiam derrubar helicópteros usando cordas ou ainda que “os corpos dos mártires não se putrefazem, permanecendo puros e com bom cheiro” (WRIGHT, 2007, p.113).

159 Texto original: “scholars, fuqaha’ (experts in Islamic jurisprudence), especially the judges, as well as people with military administrative, and service expertise, and medical doctors and engineers of all different specializations and fields”. 160 Chomsky (2007) interpreta o início da guerra como um novo momento da Guerra Fria, uma ‘Segunda Guerra Fria’. 161 Uma grande figura que se destacou neste período foi Ayman al-Zawahiri, médico egípcio, atualmente (2017) líder da Al-Qaeda, que foi ao Afeganistão ajudar no combate contra os soviéticos na década de 1980. Destacou-se também como um dos articuladores da ajuda norte- americana aos combatentes (WRIGHT, 2007).

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O poder de combate dos mujahideen na década de 1980 era terrestre, suas armas eram antigas e ultrapassadas, muitas delas de conflitos anteriores, mas o conhecimento das montanhas e das cavernas afegãs aliado a táticas de guerrilha (ataques surpresa e emboscadas a comboios), foram fatores decisivos para a sua vitória. Um ponto crucial para a derrota soviética foi o combate pelo controle do espaço aéreo, no qual a URSS, a partir de 1986, passou a sofrer grandes perdas em sua frota de helicópteros de ataque. O grande ponto de mudança na guerra foi a entrada de um aliado ao lado dos mujahideen até então não esperado: os EUA. A partir de uma visão histórica mais ampla, o confronto entre a URSS e os mujahideen pode ser entendido como uma guerra por procuração, sendo possível analisar alguns de seus aspectos da mesma maneira como se analisa a Guerra do Vietnã (1955-1975) promovida pelos EUA: um confronto indireto entre as duas potências, que financiaram treinamentos e proveram armas aos combatentes do seu lado do conflito162. Muitos grupos de mujahideen passaram a ser treinados e financiados pelo próprio exército norte-americano e pela CIA através da chamada Operação Ciclone:

A partir de 1985, a CIA forneceu aos rebeldes mujahideen um grande número de informações sobre a posição de alvos soviéticos no campo de batalha afegão feitos por satélite, planos para operações militares com base na inteligência destes satélites, interceptações de comunicações soviéticas, forneceu redes de comunicações secretas para os rebeldes, explosivos plásticos “C- 4” para sabotagem urbana e para sofisticados ataques de guerrilha, rifles de longo alcance, um dispositivo de monitoramento para morteiros que estava ligado a um satélite da Marinha dos EUA, mísseis antitanque guiados, dentre outros equipamentos. A movimentação de ajuda aos mujahideen coincidiu com a conhecida decisão de 1986 de fornecer aos mujahideen sofisticados mísseis antiaéreos americanos Stinger. Antes que os mísseis chegassem, entretanto, os americanos envolvidos nesta guerra encoberta lutaram com amplos e, por vezes, difíceis debates sobre o quão longe eles deveriam desafiar a União Soviética no Afeganistão. (...) ao todo, os Estados Unidos canalizaram mais de US$ 2 bilhões em armas e dinheiro para os mujahideen durante a década de 1980, de acordo com oficiais dos EUA. Este foi o maior

162 Os únicos beneficiados, nestes casos, foram as próprias potências que, além de lucrarem com o confronto, ele acontece em territórios de outros países e com grande envolvimento da população local, sendo sua atuação direta pouco necessária.

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programa de ação encoberta desde a Segunda Guerra Mundial163 (COLL, 2017).

Outra parte do financiamento, entretanto, vinha de um país vizinho: a Arábia Saudita, que “contribuía com uma quantia que variava de 350 milhões a 500 milhões de dólares por ano para a jihad afegã” (WRIGHT, 2007, p.122). Uma das peças chave para que o apoio ocorresse foi Osama bin Mohammed bin Awad bin Laden, filho de uma rica família saudita que, junto a seu amigo Abdullah Yusuf Azzam, decidiu ajudar no financiamento e no combate aos soviéticos. Ambos, após a guerra, foram os grandes fundadores da rede e da organização Al-Qaeda (WRIGHT, 2007), descrita pelo próprio departamento de Defesa dos EUA:

Designada como uma organização terrorista estrangeira em 8 de outubro de 1999, a Al-Qaeda (AQ) foi criada por Osama Bin Laden em 1988. O grupo ajudou a financiar, recrutar, transportar e treinar extremistas islâmicos sunitas para a resistência afegã contra a União Soviética. Os objetivos estratégicos da AQ são os de remover a influência e a presença ocidental do mundo muçulmano, derrubar os governos "apóstatas" dos países muçulmanos e estabelecer um Califado pan-islâmico governado por sua própria interpretação da lei da Sharia que, no final das contas, seria o centro de uma nova ordem internacional. Esses objetivos permanecem essencialmente inalterados desde a declaração pública de guerra do grupo, em 1996, contra os Estados Unidos. Os líderes da AQ emitiram uma declaração em fevereiro de 1998 sob a bandeira de "A Frente Islâmica Mundial para a Jihad contra os Judeus e Cruzados", dizendo que era dever de todos os muçulmanos matar cidadãos americanos, civis e militares e seus aliados em todos os lugares do mundo. AQ se uniu com o al-Jihad (Jihad Islâmica Egípcia) em junho de 2001.

163Texto original: “Beginning in 1985, the CIA supplied mujaheddin rebels with extensive satellite reconnaissance data of Soviet targets on the Afghan battlefield, plans for military operations based on the satellite intelligence, intercepts of Soviet communications, secret communications networks for the rebels, delayed timing devices for tons of C-4 plastic explosives for urban sabotage and sophisticated guerrilla attacks, long-range sniper rifles, a targeting device for mortars that was linked to a U.S. Navy satellite, wire-guided anti-tank missiles, and other equipment. The move to upgrade aid to the mujaheddin roughly coincided with the well-known decision in 1986 to provide the mujaheddin with sophisticated, U.S.-made Stinger antiaircraft missiles. Before the missiles arrived, however, those involved in the covert war wrestled with a wide- ranging and at times divisive debate over how far they should go in challenging the Soviet Union in Afghanistan (…) In all, the United States funneled more than $2 billion in guns and money to the mujaheddin during the 1980s, according to U.S. officials. It was the largest covert action program since World War II” (KATZMAN; THOMAS, 2017).

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Muitos líderes da AQ foram mortos nos últimos anos, incluindo Bin Laden e, em seguida, o segundo em comando Atiyah Abd al- Rahman, em maio e agosto de 2011, respectivamente. O substituto de Al-Rahman, Abu Yahya al-Libi, foi morto em junho de 2012. O líder Ayman al-Zawahiri164 permaneceu até o fim do ano165 (BUREAU OF COUNTERTERRORISM, 2014).

Através da jihad a figura do mujahideen se perpetuou e se consolidou no Oriente Médio. Todo este histórico recente é importante para a compreensão da identidade combativa e militarista que o EIIL, através da revista Dabiq, passa a seus leitores. Nos volumes posteriores ao terceiro, onde o foco é a Hijrah, a revista se preocupa em fazer propaganda direta ao assunto chegando a encenar a partida e a chegada de um jovem à terra do ‘Califado’. As duas grandes frases, uma em cada página, juntas, compõem uma única: “Abandone as terras da falsidade e venha para a terra do Islã”166. Como vistas abaixo:

164 Zawahiri aparece, hoje (2017), como um dos homens mais procurados no mundo. Sua foto e pôster estão no site dos “Mais procurados” do FBI. Disponível em . Acesso 11/05/2017 165 Texto original: Designated as a Foreign Terrorist Organization on October 8, 1999, al-Qa’ida (AQ) was established by Usama bin Laden in 1988. The group helped finance, recruit, transport, and train Sunni Islamist extremists for the Afghan resistance against the Soviet Union. AQ’s strategic objectives are to remove Western influence and presence from the Muslim world, topple “apostate” governments of Muslim countries, and establish a pan-Islamic caliphate governed by its own interpretation of Sharia law that ultimately would be at the center of a new international order. These goals remain essentially unchanged since the group’s 1996 public declaration of war against the United States. AQ leaders issued a statement in February 1998 under the banner of “The World Islamic Front for Jihad against the Jews and Crusaders,” saying it was the duty of all Muslims to kill U.S. citizens, civilian and military, and their allies everywhere. AQ merged with al-Jihad (Egyptian Islamic Jihad) in June 2001. Many AQ leaders have been killed in recent years, including bin Laden and then second-in-command Atiyah Abd al-Rahman, in May and August 2011, respectively. Al-Rahman’s replacement, Abu Yahya al-Libi, was killed in June 2012. Leader Ayman al-Zawahiri remained at-large at year’s end”. 166 Texto original: “Abandon the lands od shirj and come to the land of Islam”

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Imagem 34 – DABIQ, v.08, 2015, pp. 28-29.

Este tipo de propaganda, aliado ao recrutamento on-line de novos combatentes, demonstrou-se muito efetiva pois o contingente de combatentes estrangeiros do ‘Califado’ só cresceu até 2015, elevando-se de “8.500, calculados em 2013, para mais ou menos 15.000 em 2014, e ultrapassou 25.000, quase 30.000, mais do que o triplo em setembro de 2015” (BANDEIRA, 2016, p.388).

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2.3 Expansões e conquistas

O primeiro volume da revista Dabiq anuncia o momento histórico vivido pelo EIIL em 2014 como: “Uma Nova Era de dignidade e poder chegou para os muçulmanos”167 (DABIQ, v.01, 2014, p. 08), na qual “O sol da jihad apareceu. As boas notícias estão brilhando. O triunfo está no horizonte. Os sinais da vitória apareceram”168 (DABIQ, v.01, 2014, p.09). Com grande confiança a revista afirma:

Enquanto os mujahideen do Estado Islâmico varriam o Iraque conseguindo uma vitória após a outra, ficou claro para ambos, amigo e inimigo, que não se tratava apenas de uma sequência aleatória de vitórias169 (DABIQ, v.01, 2014, p.48).

Esta ‘Nova Era’ é retratada de maneira bastante otimista onde nas fotografias sorrisos acompanham fuzis. Tais fotos, entretanto, também expressam que os esforços do ‘Califado’ estavam ligados por diversos conflitos. Este não foi um momento de paz, mas de expansão e de continuação da guerra. No quinto volume, por exemplo, há as seguintes mensagens: “Resistindo e Expandindo”170 (DABIQ, v.05, 2014, p.20) e “O Estado Islâmico veio para ficar”171 (DABIQ, v.05, 2014, p.32), expressando a vontade do EIIL de legitimar-se nas regiões conquistadas a partir desta “Nova Era”. Grande parte de toda a revista Dabiq é destinada para tratar dos ganhos territoriais obtidos pelo do exército do EIIL entre julho de 2014 e julho de 2016, durante os dois anos em que foi publicada. Em alguns volumes esta preocupação aparece logo no “Prefácio”172, mas em sua grande maioria encontra-se especialmente em sessões específicas intituladas “Notícias do Estado Islâmico”173 (DABIQ, v.01, 2014, pp.42-49; DABIQ, v.02, 2014, pp.33-42), “Uma seleção de operações militares do Estado Islâmico”174 (DABIQ, v.09, 2015, pp.29-32; DABIQ, v.10, 2015, p.26-30; DABIQ, v.11,

167 Texto original: “A new Era has arrived of might and dignity for the muslims”. 168 Texto original: “The sun of jihad has risen. The glad tidings of good are shining. Triumph looms on the horizon. The signs of victory have appeared”. 169 Texto original: “As the mujahideen of the Islamic State swept through Iraq claiming one victory after another, it became clear to both friend and foe that this was not just a random sequence of victories”. 170 Texto original: “Remaining and Expanding”. 171 Texto original: “The Islamic State is here to stay”. 172 Texto original: “Foreword”. 173 Texto original: “Islamic State News” 174 Texto original: “A selection of military operations by the Islamic State”.

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2015, pp.28-30; DABIQ, v.12, 2015, pp.25-28; DABIQ, v.13, 2016, pp.14-19) e na sessão “Operações do Estado Islâmico”175 (DABIQ, v.14, pp.20-25; DABIQ, v. 05, pp.40-45). Nas revistas, o AlHayat Media Center elenca fatos que considerou importantes, transformando-os em notícias, especialmente sobre as vitórias conquistadas pelo EIIL. As sessões constroem narrativas sobre as batalhas travadas, mesclando textos que narram as batalhas com fotografias. As fotografias chamam atenção especial por sua alta qualidade imagética, como também demonstram que a equipe do AlHayat Media Center acompanhou de perto as batalhas.

Imagem 35 – DABIQ, v.03, 2014, p.18; e DABIQ, v.09, 2015, p.31.

As narrativas dos artigos que visam discutir a expansão do ‘Califado’ são compostas tanto por elementos religiosos como geopolíticos. Um exemplo é o artigo “Avançando a Leste e Oeste”176, presente no nono volume: sua narrativa inicia-se com uma citação direta do Alcorão (“Al-Anfal: 36”), afirmando que todos aqueles que gastam dinheiro contra o Islã se arrependerão. Logo em seguida o artigo relaciona a citação com a geopolítica contemporânea indicando que mesmo gastando milhões de dólares em

175 Texto original: “Islamic State Operations”. 176 Texto original: “Advacing East and West”

118 propaganda e em armas, os ‘cruzados’ e o Irã não podem fazer nada frente o avanço do EIIL. Seu próprio título, “Avançando a Leste e Oeste”, remete a ideia ao leitor que o ‘Califado’ ainda se expande na Síria, no Iraque e em outros países. Apesar deste artigo não comentar especificamente os ganhos territoriais em termos de países, o “EIIL em 2015 expandiu-se internacionalmente, com operações na Líbia, Iêmen, Arábia Saudita, Paquistão, Egito e Afeganistão”177 (VINOGRAD, 2015). Além das notícias sobre expansões e guerras há sessões dedicadas especialmente à conquista de cidades. Um primeiro ponto a ser ressaltado em relação a este tipo de notícia é a utilização da palavra “liberada”178 (DABIQ, v.06, 2014, p.32; DABIQ, v.05, 2014, p.10) para afirmar que a cidade, agora, está sob controle do EIIL. Cada cidade é um importante ponto estratégico para o controle da região, e suas conquistas são narradas pela Dabiq como se a conquista do EIIL correspondesse a uma libertação da população das mãos dos ‘apóstatas’ do governo sírio ou do governo iraquiano:

Enquanto a campanha de Asadullah Al-Bilawi avança, os mujahideen do Estado Islâmico continuam a libertar mais e mais territórios, consolidando seus ganhos e conquistando o apoio das massas. Nas duas últimas semanas houve a libertação bem- sucedida de várias regiões, incluindo Al-Qaim, 'Anah, Rutbah e Rawah. Que Allah continue a conceder vitória a Amirul- Mu'minin Abu Bakr Al-Baghdadi e aos leões do Estado Islâmico [grifo da revista]179 (DABIQ, v. 01, 2014, p.47).

As propagandas dos ganhos do EIIL não se limitam à conquistas territoriais. A revista Dabiq também mostra ao leitor o poder do EIIL sobre populações de cidades e comunidades locais. Durante sua expansão e com o objetivo de realizar a manutenção do território conquistado o EIIL visitou comunidades locais visando, de acordo com a Dabiq, seu apoio e aliança. Alguns destes encontros foram publicados na revista. Logo no primeiro volume há uma sessão180 (DABIQ, v.01, 2014, p.12) dedicada especialmente à

177 Texto original: “ISIS in 2015 has experienced a great deal of international expansion, with operations in Libya, Yemen, Saudi Arabia, Pakistan, Egypt and Afghanistan”. 178 Texto original: “Liberated”. 179 Texto original: “As de campaign of Asadullah Al-Bilawi pushes foward, the mujahideen of the Islamic State continue to liberate more and more territory, consolidate their gains and win the support of the masses. The past two weeks saw the successful liberation of a number of regions including Al-Qaim, ‘Anah, Rutbah, and Rawah. May Allah continue to grant victory to Amirul-Mu’minin Abu Bakr Al-Baghdadi and the lions of the Islamic State [grifo da revista]”. 180 Encontramos também outra sessão no segundo volume (DABIQ, v.02, 2014, pp.35-36) porém esta é formada apenas por breves notícias e pequenas fotos.

119 narrar uma das reuniões que identifica os presentes, “os anciãos e dignitários das tribos de Albu Khamis [...], Banu Sa’id [...], Al-‘Awn [...], Al-Khafsah [...], Al-Ghanim”181, e em seguida publica a relação de benefícios (DABIQ, v.01, 2014, p.13) àqueles que se aliaram com o EIIL:

• “Devolução de direitos e de propriedades aos respectivos donos • Investimentos de milhões de dólares em serviços importantes para os muçulmanos • Segurança e estabilidade nas áreas controladas pelo Estado Islâmico • Garantia de produtos alimentícios e de commodites nos mercados, particularmente pão • Redução das taxas de criminalidade • Florescimento das relações entre o Estado Islâmico e sua população”182

Há, por outro lado, solicitações à comunidade de forma a pedir uma contrapartida183 (DABIQ, v.01, 2014, p.13), abrindo portas ao questionamento sobre as alianças, se são impostas ou partem de entendimento mútuo:

• “Coletar a Zakat [trad. ‘taxa de caridade’] e apresentá-la para os oficias através da “Wilayah” [jurisdição local]. • Preparação de listas com os nomes dos órfãos e viúvas que precisarem de ajuda através do Zakat e doações • Encorajar a juventude para se unirem ao exército do Estado Islâmico • Entregar qualquer arma adquirida do regime [sírio] ou da FSA [“Free Syrian Army” – trad. “Exército Sírio Livre”]

181 Texto original: “The elders and dignataries of the tribes of Albu Khamis [...], Banu Sa’id [...], Al-‘Awn [...], Al-Khafsah [...], Al-Ghanim” 182 Texto original: • “Returning rights and property to their rightful owners • Pumping millions of dollars into services that are important to the Muslims • The state of security and stability enjoyed by the areas under the Islamic State’s authority • Ensuring the availability of food products and commodities in the market, particularly bread • The reduced crime rate • The flourishing relationship between the Islamic State and its citizens” 183 Texto original: “number of things were requested from the tribal dignitaries”.

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• Convencer aqueles que estão armados contra o Estado Islâmico a se arrependerem antes de serem capturados”184

Há de se ressaltar as menções de âmbito militar: o pedido de incentivo aos jovens a se juntarem ao exército do EIIL e a obrigação da comunidade local em entregar armas ganhas do Exército Sírio Livre185, mostrando a preocupação do EIIL em abafar revoltas locais contra seu poder central. Ao longo de todos os volumes da Dabiq é possível identificar questões voltadas à economia e em relação às pessoas. Algumas delas podem ser encontradas em artigos que são destinados à sua própria população, especificamente às crianças e mulheres186 (DABIQ, v.13, 2016, pp.24-26). Em relação às crianças, os artigos demonstram a preocupação do EIIL com a educação dos órfãos, visando contribuir para criar os “leões do amanhã”187 (DABIQ, v.02, 2014, p.38; DABIQ, v.08, 2015, p.20; DABIQ, v.10, 2015, p.14), prontos para portarem armas e lutarem contra os ‘cruzados’ e os ‘apóstatas’. O mesmo tipo de discurso é direcionado às mulheres, transmitindo-lhes palavras sobre o quão importante são para o ‘Califado’, pois são provedoras e cuidam da nova geração de combatentes. Porém, quando a revista direciona a palavra à seus combatentes a mensagem é outra: “Escutem e obedeçam”188 (DABIQ, v.12, 2015, pp.09-10). A linguagem utilizada pelo AlHayat Media Center é dura e precisa, exigindo obediência e lealdade:

É obrigatório, meu nobre irmão, denunciar com seriedade quem desobedece ao líder, como também ajudar seu líder e seus irmãos a evitarem qualquer desobediência e erro que a Ummah [trad.

184 Texto original: • “Collecting the Zakat and presenting it to the zakah offices located troughout of the wilayah • Preparin lists with the names of orphans, widows and the needy of that zakat and sadaqah can be distributed to them • Encouraging the youth to join the ranks of the Islamic State • Turning any weapon acquired from the regime or the FSA • Urging those bearing arms against the Islamic State to repent before they are captured” 185 O Exército Sírio Livre, criado em 2012, foi financiado principalmente pelos EUA e composto por membros e ex-membros de outros grupos paramilitares islâmicos com o objetivo derrubar o governo sírio durante e após a ‘Primavera Árabe’ (BANDEIRA, 2015). 186 Artigos intulados “To our sisters” (trad. “Para nossas irmãs”). Em comparação com os artigos direcionados aos combatentes há um tom maior de ‘preocupação’ com sua integridade física como também em lhes direcionar palavras relacionadas ao matrimônio. 187 Texto original: “Lions of tomorrow”. 188 Texto original: “Listen and Obey”.

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‘comunidade’] e o mujahideen possam sofrer189 (DABIQ, v.12, 2015, p.10).

A preocupação com a segurança e saúde da população também é explorada pela Dabiq que noticia apreensões de traficantes de drogas e ações de combate ao crime, fazendo questão de frisar que as punições para crimes são severas: “Ladrões de estradas executados [...] Dois ladrões de rodovias foram executados [...] como punição por hirabah (assalto à mão armada)”190 (DABIQ, v.01, 2014, p.45). A preocupação com saúde, entretanto, soa com grande tom propagandístico, onde a partir de um artigo, a revsita apresenta dados estatísticos sobre atendimentos médicos realizados pelos médicos do ‘Califado’:

Imagem 36 – DABIQ, v.09, 2015, p.25.

A Dabiq também explora fatores de organização e controle territorial, mostrando a realização de divisões internas na criação de áreas administrativas com o nome de

189 Texto original: “It is obligatory on you, my noble brother, to harshly denounce anyone who disobeys the leader, and to assist your leader and your brothers in preventing any disobedience and mistake that the Ummah and the mujāhidīn would pay the price for”. 190 Texto original: “Highway Robbers Executed [...] Two highway robbers were executed [...] as punishment for hirabah (armed robbery)”.

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Wilayat (DABIQ, v.08, 2015, p.27), cuja tradução é “província” ou “governo”, como também campos de treinamentos (DABIQ, v.06, 2014, p.26). Estes fatores demonstram a grande preocupação do EIIL na manutenção de eventuais desgastes em determinadas regiões com comunidades locais como também seu domínio sobre o território conquistado. Este conjunto de notícias, espalhadas pelos volumes da Dabiq são diferentes dos demais pois suas construções não são por si só violentas, como a grande maioria dos exemplos abordados até o momento, mas vão ao encontro de um ‘Califado’ que tem como objetivo final sua concepção de felicidade e até mesmo prosperidade, onde crianças são fortes, as mulheres cuidam das casas e dos maridos, em um lugar no qual a saúde e a segurança pública funcionam. Este tipo de concepção, que passa por notícias de ‘libertação de cidades’, e que mostra uma preocupação com seus cidadãos, é uma grande estratégia do AlHayat Media Center em demonstrar ao seu leitor que, de fato, o ‘Califado’ configura-se como um ‘Estado’ e é um forte poder a ser temido. A foto de uma bandeira hasteada de maneira provisória já no primeiro volume da revista, presa com pedras e destroços de concreto, é um dos principais símbolos do triunfo e do comando do EIIL sobre a região:

Imagem 37 – DABIQ, v.01, 2014, p.19.

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2.4 O ‘Califado’ sob proteção de Allah

Um dos principais pontos da revista Dabiq é sua íntima ligação com o Islã. Em praticamente todos os artigos de todos os volumes, se não em todos eles, há alguma menção a alguma passagem ou ensinamento religioso. Entretanto, é necessário destacar que muitas das construções argumentativas vão ao encontro da relação entre religião e violência. O décimo quinto volume, último volume da Dabiq, é, em especial, um dos volumes em que a relação do EIIL com o Islã é mais desenvolvida. O volume possui um artigo específico, “Contemple a criação”191 (DABIQ, v.15, 2016, pp.08-13), em que seu autor, Abul-Harit ath-Thaghri, discute questões ligadas à criação do ser humano e sentido da vida, argumentando que tudo é regido e comandado por Allah. O artigo chama atenção por inserir o ‘Califado’ dentro de uma perspectiva histórica que pode ser analisada como ‘positivista’:

Esta criatura conhecida como homem e seu anseio por algo maior dividiu a criação em dois lados, um que utiliza seu amor e ódio em submissão ao seu Criador, com fé em Seu mensageiro, e outro lado que utiliza seu amor e ódio em submissão a seus desejos, com fé em suas dúvidas. Esses lados travam guerra uns contra os outros desde o tempo que Noé chamou a humanidade a adorar um único Senhor. O conflito continuou até que as seitas do lado arrogante – espalhadas por toda a terra – se uniram na Palestina, apesar de uma reunião que seria quase impossível. Enquanto isso, seus aliados se reuniram no Levante do Norte [norte da Síria], apesar da morte e destruição que enfrentaram no Iraque e no Afeganistão. Ao mesmo tempo, o lado da sinceridade reuniu-se na Síria e no Iraque e se espalhou para outros cantos da terra, revivendo assim o Califado, que havia estado ausente há séculos, desde o colapso do Estado Abássida. A batalha entre os muçulmanos e os judeus, entre os muçulmanos e os romanos, e o ressurgimento do Califado, foram todos dos sinais preditos pelo

191 Texto original: “Contemplate the creation”

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Profeta através de revelações. E, no entanto, o ‘descrente’ ainda duvida!192 (DABIQ, v.15, 2016, p.13)

Através da passagem é possível ver que, para o EIIL, a única explicação aceita é aquela que perpassa estritamente por sua concepção de mundo e teologia. Entretanto, as argumentações não ficam apenas no campo da discussão teológica, mas são ameaçadoras. Neste sentido, há outros dois artigos que explanam sobre a relação entre o EIIL, sua religião e a violência: “O Islã é a religião da espada e não do pacifismo”193 (DABIQ, v.07, 2015, p.20) e “A espada do Islã”194 (DABIQ, v.15, 2015, pp.78-80). Ambos afirmam que expansão do ‘Califado’ deve seguir junto à expansão do Islã contando sempre com o Alcorão e com a espada. No artigo “O Islã é a religião da espada e não do pacifismo”, presente no sétimo volume da Dabiq, há a argumentação de que até mesmo o sentido e o significado linguístico da palavra Islam está ligado à guerra, justificando as ações bélicas do EIIL como legítimas:

É claro que salām (paz) não é a base da palavra Islã, embora compartilhe a mesma raiz consoante (s-l-m) e é um dos resultados da espada da religião, que continuará a ser sacada, levantada e utilizada até que 'Īsā (Jesus - alayhis-salām), mate Dajjāl (o Anti- Cristo) e acabe com a jizyah [um tipo de imposto195]. Então os

192 Texto original: “This creature known as man and his longing for something greater split the creation into two camps, a camp that utilizes its love and hate in submission to its Creator, with faith in His messenger, and another camp that utilizes its love and hate in submission to its desires, with faith in its doubts. These camps have waged war against each other since the time Noah called mankind to worship their Lord alone. The conflict continued until sects of the arrogant camp – sects which were scattered before throughout the earth – gathered in Palestine despite such a gathering seeming almost impossible before. Meanwhile, their allies gathered in the northern Levant, despite the death and destruction they had faced in Iraq and Afghanistan. At the same time, the camp of sincerity gathered in the Levant and Iraq and spread to other corners of the earth, reviving thereby the Caliphate, which had been absent for centuries, since the collapse of the Abbasid state. The battle between the Muslims and the Jews, between the Muslims and the Romans, and the revival of the Caliphate, were all from among the signs foretold by the Prophet through revelation. And yet, the disbeliever doubts!” 193 Texto original: “Islam is the religion of the sword not pacifism“. 194 Texto original: “The Sword of Islam”. 195 Imposto sobre não-muçulmanos que vivem sob governo muçulmano. Acabar com o imposto é, neste sentido, não haver mais necessidade de existir pois não haverá outras religiões além do Islã.

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apóstatas e sua tirania serão destruídos; o islamismo e sua justiça prevalecerão na Terra196 (DABIQ, v.07, 2015, p.23).

O artigo, presente no sétimo volume, foi publicado logo após o ataque realizado à sede do jornal francês Charlie Hebdo, fato amplamente divulgado pela mídia internacional e também pela Dabiq, que publicou logo na capa deste volume uma foto de dois muçulmanos segurando uma placa com o dizer “Je suis Charlie” (trad. “Eu sou Charlie”), de modo a demonstrar apoio ao jornal francês. Na capa também há o título do volume “Da hipocrisia à apostasia”:

Imagem 38 – DABIQ, v.07, 2015, p.01.

196 Texto original: “It is clear then that salām (peace) is not the basis of the word Islam, although it shares the same consonant root (s-l-m) and is one of the outcomes of the religion’s sword, as the sword will continue to be drawn, raised, and swung until ‘Īsā (Jesus – ‘alayhis-salām) kills the Dajjāl (the Antchrist) and abolishes the jizyah. Thereafer, kufr and its tyranny will be destroyed; Islam and its justice will prevail in the entre Earth”.

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A composição entre a foto e a frase é uma crítica àqueles que se dizem muçulmanos mas que apoiaram o lado francês. Ao longo do artigo em questão, a revista também direciona críticas àqueles que defendem o Islã como uma religião da paz, chamando-os de “depravados”197. O artigo “A espada do Islã”, presente no décimo quinto volume, pode ser interpretado e entendido como uma certa continuação do artigo “O Islã é a religião da espada e não do pacifismo”. Nele, a revista justifica o uso da violência:

Tudo isso seria feito, não por racismo, nacionalismo ou mentiras políticas, mas para realizar a palavra de Allah. A Jihad é a demonstração final do seu amor por seu Criador, enfrentando o choque de espadas e zumbido de balas no campo de batalha, buscando matar seus inimigos - a quem deve odiar pelo ódio que tem a Allah. Uma religião sem esses fundamentos é aquela que não chama seus adeptos para se manifestarem e sustentarem plenamente o amor do Senhor198 (DABIQ, v.15, 2015, p.80).

Há, portanto, a relação intrínseca entre ‘Islã’, ‘violência’ e ‘expansão’, sendo a jihad seu ponto de união. Ambos os artigos acompanham fotografias violentas, que procuram mostrar visualmente a violência praticada pelo EIIL em nome do Islã:

197 Texto original: “Deviant” 198 Texto original: “All of this would be done, not for racism, nationalism, or political lies, but to make the word of Allah supreme. Jihad is the ultimate show of one’s love for his Creator, facing the clashing of swords and buzzing of bullets on the battlefeld, seeking to slaughter His enemies – whom he hates for Allah’s hatred of them. A religion without these fundamentals is one that does not call its adherents to fully manifest and uphold the love of the Lord”.

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Imagem 39 – DABIQ, v.15, 2016, p.80.

A linguagem utilizada nos artigos que procuram unir o ‘Califado’ ao Islã expressa o EIIL como um grupo homogêneo, enaltecendo suas ações violentas ao mostrar as consequências sofridas com quem não esteve de acordo com seus objetivos. A argumentação presente no artigo “A espada do Islã” procura em demonstrar, inclusive de maneira comparativa, que as ações EIIL são legítimas perante Allah, que não existe arrependimento e que o ‘certo’ está sendo feito:

A clara diferença entre os muçulmanos e os corruptos e desviantes judeus e cristãos é que os muçulmanos não têm vergonha de respeitar as regras enviadas pelo Senhor em relação à guerra e à aplicação da lei divina. Então, se fossem os muçulmanos, em vez dos cruzados, que houvessem lutado contra os japoneses e vietnamitas ou que tivessem invadido as terras dos nativos americanos, não haveria arrependimentos em matar e escravizar aqueles que ali viviam. E, uma vez que esses mujahideen teriam feito isso ancorados pela Lei, eles não têm necessidade de serem

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"politicamente corretos" e de se desculparem anos depois199 (DABIQ, v.15, 2015, p.80).

A violência praticada pelo EIIL não se limita apenas a danos físicos diretos à população ou a seus inimigos. Há ataques diretos às outras crenças religiosas, de maneira a desqualificá-las:

Ao contrário da concepção popular, riddah (apostasia) não significa exclusivamente deixar de se chamar um muçulmano para se chamar judeu, cristão, hindu, budista ou de outra forma. Na realidade, existem apenas duas religiões. Existe a religião de Allah, que é o Islã, e então a outra religião, que é a descrença200 (DABIQ, v.14, 2015, p.08).

Ainda no décimo quinto volume há um outro artigo sobre este assunto intitulado “Quebre a Cruz”201 (DABIQ, v.15, 2015, pp. 46-63). Nele, a revista apresenta argumentos de ordem religiosa e histórica para convencer o leitor de que sua vertente do Islã é a única vertente religiosa verdadeira, em oposição ao cristianismo. Este não é o único artigo que tem como enfoque a destruição de símbolos religiosos; há outros quanto à destruição de ruínas históricas de civilizações antigas – artigos “Destruindo o ‘falso’ templo de Baall- Shamin”202 (DABIQ, v.11, 2015, p.32) e “Destruindo o ‘falso’ templo de Bel”203 (DABIQ, v.11, 2015, p.33) –, fatos amplamente divulgados pela mídia internacional. A expansão do Islã a partir da figura de Maomé aconteceu em conjunto com iniciativas e ações militares, e é possível afirmar que diversas línguas nativas da região desapareceram com a expansão do árabe. A expansão religiosa e cultural que o EIIL propõe tem muita similaridade com os primeiros Califados, especialmente em relação aos abássidas no século IX cuja capital foi Bagdá (HOURANI, 2006). A conquista de Mossul,

199 Texto original: “The clear difference between Muslims and the corrupt and deviant Jews and Christians is that Muslims are not ashamed of abiding by the rules sent down from their Lord regarding war and enforcement of divine law. So if it were the Muslims, instead of the Crusaders, who had fought the Japanese and Vietnamese or invaded the lands of the Native Americans, there would have been no regrets in killing and enslaving those therein. And since those mujahideen would have done so bound by the Law, they would have been thorough and without some “politically correct” need to apologize years later”. 200 Texto original: “Contrary to popular misconception, riddah (apostasy) does not exclusively mean to go from calling oneself a Muslim to calling oneself a Jew, Christian, Hindu, Buddhist or otherwise. In reality, there are only two religions. There is the religion of Allah, which is Islam, and then the religion else, which is kufr”. 201 Texto original: “Break the Cross” 202 Texto original: “Destroying the shirk temple of BallShamin” 203 Texto original: “Destroying the shirk temple of Bel”.

129 em 2014, seguida da proclamação deste ‘novo Califado’ pode ser relacionada ao esforço do EIIL de retorno às raízes.

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3. A violência presente no papel e em pixel

3.1 A linguagem imagética da Dabiq

O conteúdo da revista Dabiq é repleto de discursos extremamente violentos voltados a seus inimigos, identificados principalmente como ‘cruzados’ e ‘apóstatas’. A grande maioria dos artigos possui imagem ou fotografia, e muitas delas são fotos de pessoas mortas por ataques realizados pelo governo sírio (mais especificamente nos primeiros volumes da revista), mas principalmente por atos praticados pelo próprio EIIL. A revista como um todo mostra-se como um ‘palco’ ou uma ‘extensão’ da guerra da consolidação do ‘Califado’ em 2014, e sua manutenção diária até julho de 2016. Todos os volumes trazem artigos que compõem um ‘cotidiano do combate’, ou ainda uma ‘experiência de guerra’, inserindo o leitor no climax da guerra. Ao vangloriar as execuções de inimigos e prisioneiros e ao mostrar os ataques que sofrem dos inimigos a revista chama o leitor a aceitar a visão colocada pelo EIIL. Neste sentido é necessário retomar questões voltadas ao jornalismo de guerra a fim de compreender o papel da Dabiq como produtora e transmissora de informação. Até o nascimento das câmeras fotográficas portáteis, o trabalho de transmissão sobre informações do front era realizado por agentes oficiais. Porém, a partir de sua disseminação, outras pessoas e profissões passaram a fotografar o front de guerra, levando a experiência do combate e dos horrores da guerra a diversas localidades do mundo:

Ser um espectador de calamidades ocorridas em outros países é uma experiência moderna essencial, a dádiva acumulada durante mais de um século e meio graças a esses turistas profissionais e especializados conhecidos pelo nome de jornalistas (SONTAG, 2003, p.20).

Desta maneira a atuação do AlHayat Media Center como um centro produtor de mídias e materiais jornalísticos está intrinsicamente ligada à produção imagética da guerra pela perspectiva do ‘Califado’. Principalmente através das fotografias, a Dabiq contribui de maneira determinante para passar essa experiencia ao leitor. Para Sontag (2003) a guerra não existe sem fotografia, pois ambas atividades – fotografar e atirar – se correlacionam e, neste sentido, a revista Dabiq é uma das armas de guerra do EIIL. A câmera fotográfica, desde sua invenção (1839), sempre flertou com a morte, sendo usada tanto para fins artísticos como jornalísticos. O primeiro confronto para o qual

131 de fato foram enviados jornalistas e fotógrafos profissionais, foi a Guerra Civil Espanhola, em 1939, e, deste então sua presença se intensificou (SONTAG, 2003). Diferentemente de revistas e produções jornalísticas que se utilizam da morte como um protesto contra a guerra, os produtores da revista Dabiq utilizam-na na grande maioria das vezes como um fator positivo ao publicar, por exemplo, corpos de inimigos mortos. No segundo volume há a foto do cadáver de um comandante inimigo (DABIQ, v.02, 2014, p.34) prestes a ser arrastado pelos pés por um veículo, e no terceiro volume a revista publica uma fotografia do momento exato da execução de soldados Alauitas:

Imagem 40 – DABIQ, v.02, 2014, p.34; e DABIQ, v.03, 2014, p.21.

Neste aspecto, Sontag (2003) propõe entender a câmera fotográfica como o “olho da história” que, através do perigoso trabalho dos correspondentes e jornalistas de guerra, as violências praticadas na guerra se tornam notícias e exercem fascínio sobre seu espectador. Nota-se, entretanto, que o fascínio não está ligado à corroboração do leitor com a situação exposta, mas ao fato de que tais imagens chamam e prendem a atenção. Barthes, no entanto, possui um outro tipo de abordagem perante ao que ele chama de ‘Fotos-Choque’ (BARTHES, 1972, p.67-69), ou às fotos e imagens que possam chocar quem as vê. Ele parte de uma abordagem em relação à criação de ‘mitos’, ou de

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‘narrativas’, perante fatos e situações fotografadas. Da mesma maneira que o(a) historiador(a) constrói conhecimento histórico perpassando por questões historiográficas e políticas, fotografias que expõem violência também possuem seu próprio ponto de vista. Entretanto é necessário chamar atenção para o fato de que

A maior parte das fotos-choque que nos mostraram são falsas, porque precisamente escolheram um estado intermediário entre o fato literal e o fato majorado: intencionais demais para serem fotografia e excessivamente exatas para serem pintura, falta-lhes simultaneamente o escândalo da literalidade e a verdade da arte (BARTHES, 1972, p.69).

Uma questão interessante para esta reflexão, quando relacionada com a Dabiq, é a compreensão de imagens que se utilizam de assuntos violentos como um produto de trabalho e, portanto, como um tipo de mercadoria inserida no contexto de representação capitalista atual com o intuito de ser consumida:

A tirania da mercadoria se exponencia na tirania da imagem da mercadoria. O capitalismo contemporâneo é um modo de produção de imagens. Aí, o poder político é uma espécie de despachante do modo de produção. Mais que antes, mas muito mais do que antes. Se, no século XIX, a questão era desmascarar o caráter burguês do Estado que se apresentava como universal, agora, no século XXI, a questão é compreender e decifrar os mecanismos pelos quais todas políticas, assim como toda religião e toda ciência, toda cultura e toda forma de representação, convergem para a imagem, como partes do modo de produção de imagens, e só circulam e só adquirem existência como imagem (BUCCI, KEHL, 2004, p.23).

Bucci e Kehl (2004) enxergam na constante reprodução de imagens de violência uma transformação destas em fetichismo e mercadoria. Esta percepção sobre produções com temáticas violentas é muito precisa ao relacionar a quantidade de vídeos, fotos e audios que que circulam pela internet no século XXI. A repetição do uso de imagens violentas, como também afirma Sontag (2003), acaba por acostumar o leitor/espectador a tais tipos de situações de modo que a “Foto-Choque” deixa de causar tanto impacto. Os centros de mídias organizados pelo EIIL publicaram diversas fotografias, vídeos e filmes com conteúdo violento com o objetivo de serem vistos pelo maior número de pessoas possível. E a partir destas observações, é necessário questionar a autenticidade das fotografias violentas presentes na Dabiq pois estas poderiam ter sido criadas (ou

133 recriadas) facilmente a partir de técnicas ou programas de computador, assim como inúmeras outras fotos de conflitos do passado que foram tiradas a partir de alterações das situações reais de combate. Sontag (2003) indica que na década de 1970, por exemplo, jornalistas mudavam as disposições das munições e dos corpos dos soldados mortos com o objetivo de realizar ‘grande fotografia’. Há exemplos de fotografias de guerra, tidas como obras de arte, que levantam esta discussão: a famosa fotografia de Robert Capa “Momento da morte de um soldado legalista na Guerra Civil Espanhola”, 1936, cuja veracidade é até hoje discutida; e as seguintes obras, mais recentes, que retratam momentos pós-batalha ou violência, vistas a seguir:

Imagem 41 – Obra “Dead troops talk (a vision after an ambush of a Red Army Patrol, near Moqor, Afghanistan, winter, 1986)”, 1992, de Jeff Wall.

Fonte: Retirado do site . Acesso em 27/06/2016.

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Imagem 42 – Obra “News painting: The Gunman After Shooting the Russian Ambassador, New York Times, 12/19/2016/2017”, 2017, de Reiner Ganahl.

Fonte: Retirado do site . Acesso em 27/06/2016.

A primeira obra (Imagem 37) é uma reconstrução do que seria uma cena, ou uma situação, em que soldados russos teriam acabado de sofrer uma emboscada feita por combatentes afegãos na década de 80; a segunda obra (Imagem 38) é uma produção recente que também explora as nuances entre uma fotografia, uma pintura e um ato de violência. A obra reproduz, em pintura (e, portanto, ‘arte’ em seu sentido mais clássico), o assassinato do embaixador russo Andrei Karlov (1954 – 2016) por, supostamente, um guarda-costas turco, enquanto visitava uma exposição de arte na Turquia. Na filmagem da situação, após os disparos é possível ouvir o atirador gritando: "Não se esqueçam de Aleppo, não se esqueçam da Síria". Ele também usa a frase islâmica "Allahu Akbar" (trad. "Deus é grande") como manifestação contrária às ações da Turquia e Rússia durante a batalha de retomada da cidade síria de Aleppo do controle do EIIL em 13 de dezembro de 2016. Ao questionarem os horrores da guerra, ambas produções artísticas abordam a relação entre mercadoria, morte e arte: até que ponto tais imagens são obras-de-arte e/ou expressões políticas? E, ao relacionar esta discussão com as fotografias de exposição de corpos inimigos ao longo da Dabiq, é possível fazer o mesmo questionamento?

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Ao passo que é possível discutir sobre as nuances e os limites de produões artísticas contemporâneas voltadas à crítica da guerra, é necessário salientar que os fotógrafos e produtores da revista Dabiq, no caso o AlHayat Media Center, também planejaram como iriam realizar o trabalho de acompanhar combatentes do EIIL e de organizar suas publicações. E, portanto, as fotos de cadáveres de pessoas que pereceram em consequência da guerra – ou sob sua custódia – também possuem um objetivo: implicar horror a seu inimigo e fascínio a seu amigo, como se tais imagens também fossem uma mercadoria.

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3.2 Os prisioneiros do EIIL

Um dos principais temas abordados pela revista Dabiq é a violência, a apologia às armas e à morte: sua linguagem é marcada por discursos que justificam essas escolhas, tendo como objetivo divulgar tais ações. Um dos meios mais eficazes utilizado pelo AlHayat Media Center para atrair atenção dos grandes meios de comunicação foi a construção de narrativas sobre execuções de prisioneiros de diversas nacionalidades. Ao todo a revista Dabiq divulga a prisão e execução de sete prisioneiros: dois japoneses, um piloto jordaniano, um israelense-americano, um norte-americano, um norueguês e um chinês. Os artigos que exploram suas capturas e execuções possuem grande teor emotivo, buscando prender a atenção do leitor na medida que também impressionam e chocam. Através das narrativas é possível identificar que o EIIL planejou passo a passo como seria o futuro de tais prisioneiros, especialmente como iria executá-los e como iria divulgar tal ato. O caso do piloto jordaniano, Mu’ādh Sāfī Yūsuf al-Kasāsibah, começa a ser narrado pela Dabiq no sexto volume (dezembro de 2014) com a publicação da justificativa para sua execução (DABIQ, v.06. 2014, pp. 34-37) através de uma entrevista realizada pela própria Dabiq com o piloto. Neste artigo a revista apresenta detalhes sobre sua atuação e as ações de seu país (Jordânia) juntamente com os EUA no combate contra o EIIL204. Como forma de retaliação, o piloto, tido como um ‘cruzado’ e um ‘apóstata’, é sentenciado à morte por sua ‘intromissão em assuntos alheios’. A sentença é narrada durante a entrevista, de maneira bastante cruel:

Dabiq: Você já viu os vídeos produzidos pelo Estado Islâmico? ‘Apóstata’ [piloto jordaniano]: Não. Dabiq: Fazemos questão que os carcereiros dêem a oportunidade de você assistir “Apesar do desgosto dos descrentes”. Você sabe o que o Estado Islâmico vai fazer com você? ‘Apóstata’[piloto jordaniano]: Sim... eles irão me matar…205

204 De acordo com a Dabiq, um dos bombardeios foi realizado em “Wednesday 2 Rabī’ al-Awwal 1436”, ou seja, 24 de dezembro de 2016 (DABIQ, v. 06, 2014, p.34). 205 Texto original: DABIQ: Have you seen videos produced by the Islamic State? MURTADD: No, I haven’t. DABIQ: We will make sure the jailers provide you with the opportunity to see “Although the Disbelievers Dislike It”. Do you know what the Islamic State will do with you? MURTADD: Yes… They will kill me…

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O piloto jordaniano foi morto sendo queimado vivo, e o sétimo volume da Dabiq publicado em fevereiro de 2015 expõe a foto do momento de sua execução, como também faz propaganda do lançamento do vídeo/filme completo do ato (DABIQ, v.07, 2015, p.67). A fotografia e o vídeo explicitam o objetivo do EIIL em projetar-se como impiedoso e cruel em relação a seus inimigos, como também revela a alta produção por trás das imagens:

Imagem 43 – DABIQ, v.07, 2015, p.05.

Ainda no sétimo volume, logo no prefácio, há fotos dos dois prisioneiros japoneses: Haruna Yukawa, tido como ‘mercenário’, e Kenji Goto Jogo denominado ‘cruzado’. A revista Dabiq realiza um outro movimento ao publicar suas capturas e execuções, seguindo uma narrativa diferente dos artigos sobre o piloto jordaniano, porém não menos cruel e propagandística. A revista não publica entrevistas com os japoneses, mas afirma que o EIIL tentou fazer uma oferta de troca de prisioneiros com o governo japonês que foi negligenciada e, assim, o responsabiliza pela morte dos dois prisioneiros:

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Os parentes de Kenji Goto Jogo e do piloto murtradd [trad. ‘apóstata’ - referindo-se ao piloto jordaniano] não tem ninguém mais a culpar além dos líderes políticos de suas terras que procuram apaziguar e servir os cruzados americanos”206 (DABIQ, v.07, 2015, p.04).

As narrativas das execuções de Steven Joel Sotloff, americano-israelense, e do norte-americano James Wright Foley207, são citadas logo na sessão “Prefácio” do terceiro volume (DABIQ, v.03, 2014, pp. 03 e 04). Neste ‘Prefácio’ há críticas diretas aos governos de George W. Bush e de Barak Obama, em especial às suas ações militares no Iraque, enfatizando suas campanhas militares de bombardeios e envio de tropas. Seguindo a mesma movimentação da narrativa da execução dos prisioneiros japoneses, a Dabiq indica que tentou contato com os países de Sotloff e Foley, no caso Israel e EUA, porém também foram ignorados e por isso os prisioneiros foram mortos. O norte-americano James Wright Foley ficou preso nove meses antes de ser executado e a narrativa sobre sua morte é interessante pois Dabiq chegou a publicar uma suposta carta escrita por ele, onde há uma justificativa geopolítica para sua execução. Porém, não é possível saber sobre a legitimidade desta carta:

Meus companheiros e eu não fomos capturados simplesmente para sermos mortos ou inevitavelmente presos por nenhuma razão. Assim como muitos Muçulmanos do Iraque, Afeganistão, Somália, Iêmen, Líbia, e outros países Muçulmanos, são prisioneiros do governo dos EUA, muitos deles com falhas em sua legalidade de acordo com a lei dos EUA, nós, americanos, também somos vítimas da política externa do nosso governo. Nosso governo, nos últimos 13 anos, tem espalhado militares ao redor do mundo Muçulmano para interferir em seus assuntos. Eles já mataram em nome da "preservação de vidas", torturaram e estupraram em nome da “humanidade", destruíram em nome da "reconstrução", e assim arruinaram a vida de milhões de pessoas. Eles se sujeitaram a uma grande dívida de sangue e riqueza e seremos eu e você, cidadãos comuns, que

206 Texto original: “The relatives of Kenji Goto Jogo and the murtradd pilot [se referindo a outro prisioneiro] have no one to blame but the political leaders of their lands who strike to appease and serve the American crusaders”. 207 A decapitação de James Wright Foley foi, dentre os outros prisioneiros, a que mais repercutiu nos meios de comunicação (ADAMS, 2014; JOSCELYN, 2017b).

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inevitavelmente pagaremos o preço de seus crimes208 (DABIQ, v.03, 2014, pp.39-40).

A carta tida como escrita por Foley ainda possui um forte teor apelativo e emotivo, direcionando palavras a seu irmão:

Apelo ao meu irmão John, que faz parte da força aérea dos EUA, a pensar sobre o que ele está fazendo e sobre como seu trabalho destrói a vida de muitas pessoas, incluindo a de sua própria família. Peço-lhe John, para pensar sobre quem tomou a decisão de bombardear o Iraque recentemente e de matar essas pessoas, quem quer que tenham sido. Pense John. Quem foram as vítimas? E eles pensaram sobre mim, ou você, ou nossa família e como essa decisão vai nos afetar? Eu morri naquele dia, John. Quando seus colegas derrubaram aquelas bombas, eles assinaram meu atestado de morte!209 (DABIQ, v.03, 2014, p.40)

As críticas publicadas contra os EUA são bem duras: a Dabiq os acusa de possuir um discurso que não condiz com a realidade. A revista argumenta: ao passo que os EUA dizem estar agindo em nome da “preservação de vidas” e da “reconstrução”, a revista afirma que os EUA estão matando pessoas e destruindo vidas. Este fator é muito intrigante pois é possível relacionar esta acusação com o próprio modus operandi do EIIL: ao acusar os EUA de cometer atrocidades visando um ‘bem maior’, o EIIL também fala sobre si mesmo.

208 Texto original: “My fellow inmates and I were not captured simply to be killed or held inevitably for no reason. Just as many Muslims from Iraq, Afghanistan, Somalia, Yemen, Libya and other Muslim countries are currently prisoners of the US government with many cases being of questionable legality according to US law, we, the American people are also victims of our government’s foreign policy. Our government, for the last 13 years has stretched our military around the Muslim world to interfere in their affairs. They have killed in the name of “preserving life,” tortured and raped in the name of “humanity,” destroyed in the name of “rebuilding,” and ruined the lives of millions of people. They have incurred a great debt of blood and wealth and it will be you and me, the average citizens, who will inevitably pay the price of their crimes”. 209 Texto original: ”I call on my brother John, who is a part of the US air force, to think about what he’s doing and how his work destroys the lives of many people including that of his own family. I call on you John, to think about whoever made the decision to bomb Iraq recently and kill those people, whoever they might have been. Think John. Who is it they really killed? And did they think about me, or you, or our family and how that decision is going to affect us? I died on that day John. When your colleagues dropped those bombs, they signed my death certificate!”.

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A narrativa da prisão de Foley e toda a construção de sua execução também explicitam o amplo trabalho da equipe do AlHayat Media Center em criar uma estória que gerasse bastante repercussão, pois Foley era norte-americano e sua morte pode ser entendida como retaliação às ações militares dos EUA. Ao outro prisioneiro, Steven Joel Sotloff, também foi concedido um espaço para uma carta a seus familiares, em que há o mesmo movimento de crítica aos EUA e grande teor emotivo:

Mãe, por favor, não deixe o Obama me matar. Não deixe ele fugir impunemente novamente. Por que nosso governo não entende? Não pode se envolver nos assuntos internos e externos do Estado Islâmico. Deixe eles lutarem sua própria guerra210 (DABIQ, v.04, 2014, pp.48-49).

O corpo de Steven Joel Sotloff é exposto logo na página seguinte da carta (DABIQ, v.04, 2014, p.51). Os casos dos outros dois prisioneiros, do norueguês Ole Johan Grimsgaard-Ofstad e do chinês Fan Jinghui, possuem um movimento diferente dos anteriores. Nas páginas destinadas a eles, no décimo primeiro volume (DABIQ, v.11, 2015, p.64), há a notificação de suas capturas seguida da indicação do contato para seu resgate, porém no décimo segundo volume há a foto de ambos prisioneiros mortos (DABIQ, v.12, 2015, p.64). A revista indica que o contato para os resgatar poderia ser feito através do programa criptografado de comunicação russo Telegram, e esta simples informação indica a grande atenção do EIIL com as redes atuais de comunicação. Ao indicar telefone para contato, o EIIL mostra-se disposto a negociar sobre a vida dos prisioneiros, mas não é possível saber se de fato haveria algum tipo de conversa. Assim como nos casos dos outros prisioneiros, a revista também responsabiliza os governos norueguês e chinês por suas mortes. O décimo segundo volume traz a foto de ambos os prisioneiros mortos acompanhados da frase: “O destino dos dois prisioneiros: executados após serem abandonados pelas nações e organizações kafir [trad. ‘Incrédulas’]211 (DABIQ, v.12, 2015, p.64).

210 Texto original: “Mom, please don’t let Obama kill me. Do not let him get away with murder again. What doesn’t our government understand? Don’t get involved in the Islamic State’s internal and external affairs. Leave them to fight their own war”. 211 Texto original: “The fate of the two prisoners: executed after being abandoned by the kafir nations and organizations“.

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Imagem 44 – DABIQ, v.12, 2015, pp.64-65.

Imagem 45 – DABIQ, v.12, 2015, p.64.

Através de uma breve investigação sobre as informações disponíveis na revista, não é possível determinar um padrão sobre o tempo que os prisioneiros passaram vivos sob custódia do EIIL até serem executados, mas um dos pontos em comum a eles é a roupa que estão vestindo: elas são muito parecidas às utilizadas por prisioneiros que estiveram sob custódia da ocupação norte-americana e britânica ao Iraque entre 2003 e 2004. A partir das roupas é possível adentrar no histórico de trato de prisioneiros de guerra

142 no Oriente Médio, mais especificamente no Iraque e na Síria, desde o começo do século XXI. Na sessão “Prefácio”212 ainda do sétimo volume (DABIQ, v.07, 2015, pp.03-04) a revista Dabiq transpõe uma fala de Osama Bin Laden, feita em 2001, em que ele questiona a ‘intromissão’ de países da Europa (especialmente França e Alemanha) e do Japão na guerra do Afeganistão encabeçada pelos EUA através da Operação Liberdade Duradoura – “Operation Enduring Freedom” – após os atentados ao World Trade Center de 2001. Grande parte das operações realizadas por esta coalizão tinham como objetivo a captura dos chamados ‘insurgentes’, de pessoas afiliadas a grupos paramilitares que lutavam contra a ocupação, a fim de obter mais informações sobre a localização de armas ou de alvos importantes. Os prisioneiros eram alocados em algumas prisões espalhadas pelo território iraquiano, mas uma delas, Abu Graib, teve destaque especial ao ser palco de vazamento de diversas violações aos Diretos Humanos por militares da coalização. Construída pelos britânicos na década de 1950, a prisão de Abu Graib tornou-se um grande símbolo antagônico do governo de George W. Bush, que presidiu os EUA entre 2001 e 2009. Antes de ser utilizada pela coalização EUA-Grã-Bretanha, a prisão era utilizada pelo governo de Saddam Hussein até 2002 e, com a chegada da coalização, sua administração passou pelas mãos dos norte-americanos. O trato dado aos prisioneiros de guerra, aos ‘insurgentes’, pela coalizão EUA-Grã- Bretanha, foi a de extensa utilização de torturas física e psicológica, como ficou explícita a partir do vazamento de fotos. Willis (2004) procura entender as execuções realizadas pelos grupos paramilitares islâmicos como uma forma de acusação e vingança pelo que os norte-americanos realizaram em Abu Graib. A partir do momento em que as fotos das torturas realizadas pelo exército norte-americano em prisioneiros iraquianos e afegãos vazaram para a imprensa, as fotografias expuseram o modus operandi do exército norte- americano:

De modo irrevocável e bastante dramático, as fotografias desmentiam o mito norte-americano consagrado em nossa cultura: o de cidadãos generosos, bons, honrados, tementes a Deus e ligados aos valores da família. Cidadãos que querem apenas difundir as benesses do comércio e da democracia no resto do mundo. As fotografias de Abu Graib foram um golpe avassalador em nossa santimonial autoimagem, efeito que

212 Texto original: “Foreword”.

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nenhuma outra reportagem sobre as carnificinas da guerra havia antes conseguido (WILLIS, 2004, p.106).

Willis complementa o raciocínio direcionando uma crítica a uma oficial do exército norte-americana envolvida:

Jovens e viçosas garotas norte-americanas que facilmente passariam por funcionárias da Disney aparecem sorrindo e fazendo o sinal de “positivo” com seus polegares junto a uma pilha de prisioneiros nus, enquanto iraquianos são forçados a se masturbar ou simular o ato sexual (WILLIS, 2004, p.106).

É necessário procurar compreender o uso da violência e o tratamento desumano dado aos prisioneiros de guerra no Iraque de maneira histórica. Abu Bakr al-Bagdahdi, líder do ‘Califado’, foi um dos muitos ‘insurgentes’ presos em Abu Graib (EATON, 2016) e pode ter instruído e/ou implementado as torturas que aprendeu durante sua ingrata estadia nas mãos dos norte-americanos em seus próprios prisioneiros. A decapitação e morte de indesejáveis ou de prisioneiros, no entanto, não é novidade praticada pelo EIIL, mas uma prática corrente entre diversos grupos paramilitares, organizações armadas e Estados em geral. O ato foi amplamente utilizado contra soldados e civis norte-americanos durante a invasão do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003. Um dos casos que ficou famoso ao redor do mundo foi o de Nicholas Berg (1978-2004), outro cidadão norte-americano que foi capturado no Iraque pela Al- Qaeda e decapitado por Abu Musab al-Zarqawi, então líder do grupo (BBC, 2004). O vídeo circulou pelas grandes empresas e companhias midiáticas e, assim como os vídeos feitos pelo EIIL, está amplamente disseminado e disponível pela internet. A execução filmada e divulgada mostrou-se bastante eficiente na época, como ainda é hoje. Ela atraiu grande atenção na mídia e alcançou seu objetivo de espalhar uma mensagem extremamente violenta para o mundo. No entanto, um fator chama grande atenção a este caso: ao ser convidado a falar ao vivo durante a apresentação do telejornal FOX NEWS, Michael Berg, pai do americano executado, afirma que a culpa e a responsabilidade pela morte de seu filho foi de Bush e não de Zarqawi (FOX NEWS, 2005). Assim como todos os outros prisioneiros mortos pelo EIIL, Nick Berg, em 2004, usava uniforme semelhante dos prisioneiros do EIIL ao ser decapitado.

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Considerações finais

De maneira a relacionar o documentário The Islamic State (2014) e a revista Dabiq (2014-2016) é necessário chamar atenção para o fato que devido ao contexto histórico que estão inseridas e retomando as questões que permeiam seus produtores – a Vice e o AlHayat Media Center –, ambas as fontes trazem, acima de tudo, percepções diferentes sobre o mesmo conflito. Enquanto o documentário trata da intervenção dos EUA de Barack Obama no Oriente Médio como algo necessário para superar o extremismo provocado pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), a revista Dabiq, como um veículo informativo voltado para a divulgação das ações do EIIL, visa justificar suas ações. As construções das cenas do documentário The Islamic State e a diagramação dos artigos da Dabiq mesclam cenas e fotografias de ‘ação’, que prendem e chamam a atenção do espectador/leitor de forma a desenvolverem seu ponto de vista perante o assunto tratado, seja ele voltado à expansão do EIIL ou sobre sua relação com a população local. Com o objetivo de refletir sobre as informações presentes nas fontes e procurando encontrar as relações que possuem, foi possível levantar dois pontos de análise: o primeiro ponto analisa tanto distanciamentos como aproximações de ambas as fontes quanto à representação da guerra na qual o EIIL estava inserido entre 2014 e 2016; e um segundo ponto analisa a construção de suas narrativas e argumentos sobre do território controlado pelo EIIL sendo que ambas acreditam que, de fato, o EIIL consolidou-se como um ‘Califado’. * * * Ao longo de todo o documentário o cenário que rodeia o jornalista Medyan Dairieh, correspondente da Vice, é a cidade de Raqqa devastada por uma guerra brutal e sob o domínio do EIIL. O documentário passa a imagem de que o principal causador de todos os danos materiais e humanos foram causados pela expansão do EIIL, passando a percepção para o espectador que a responsabilidade da guerra é unilateral, proveniente do radicalismo religioso unido às armas. Já a revista Dabiq possui um direcionamento diferente: também explora imagens que retratam a destruição causada pelo conflito bélico, mas diferentemente do documentário, a exposição de imagens violentas corrobora com o modus operandi do EIIL em estabelecer um ‘Califado’ através de armas. Um dos grandes exemplos neste sentido são as imagens dos atentados realizados em cidades europeias e americanas que

145 possuem o claro objetivo de transmitir medo ao leitor que mora em tais localidades, indicando que o perigo está próximo, que algo pode acontecer a qualquer momento e em qualquer localidade ou via pública. A abordagem que as duas fontes realizam sobre a guerra também difere: enquanto o documentário critica o EIIL, abordando os danos causados à população cristã de Raqqa213, a revista Dabiq questiona as diferenças de tratamento quanto à divulgação de ações de guerra. Um dos pontos mais interessantes neste sentido é a argumentação da Dabiq quanto à diferença entre as nomenclaturas ‘ataque terrorista’ e ‘dano colateral’ com relação a um ataque realizado pelos EUA214 e uma operação realizada por seus combatentes:

Os cruzados justificam tais ações para eles mesmos – sozinhos – sobre o pretexto de “dano colateral” enquanto acusa outros de “terrorismo”215 (DABIQ, v.04, 2014, p.49).

Este tipo de questionamento é interessante pois vai ao encontro do ponto-de-vista daquele com poderio militar inferior que é amplamente retratado pela mídia internacional como ‘agente do terror’, em oposição aos norte-americanos que assumem uma posição contrária ao EIIL e são retratados como ‘salvadores’. Este mesmo posicionamento é claro no documentário em seu último tema, Destruindo a fronteira entre o Iraque e a Síria, em que o documentário coloca uma fala Barack Obama, ex-presidente dos EUA, ensejando que a entrada dos EUA na guerra poderia ser decisiva no combate ao EIIL. Um segundo ponto é em relação ao momento de expansão do EIIL, em que ambas o retratam como um agente forte em contínua expansão. O momento de realização do documentário, entre julho e agosto de 2014, é em grande parte responsável por uma divulgação ‘alarmista’ sobre o que estava acontecendo na Síria e no Iraque naquele momento. Em relação ao momento histórico da produção da revista, por ser mais extenso (2014-2016), conseguiu retratar outros momentos de expansão do EIIL, embora não retrate suas perdas territoriais.

213 Especificamente no quarto tema, Os cristãos no Califado - Tempo no documentário 27:50 a 34:00. 214 De acordo com recente trabalho publicado por Scahill (2017), a cada dez mísseis disparados de um drone norte-americano, nove não atingem seu alvo ou, se atingem, inocentes também sofrem seus danos, sendo feridos ou mortos. 215 Texto original: “The crusaders justify such actions for themselves – alone – under the pretense of “collateral damage” while denouncing others for “terrorism”.

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Um dos principais motivos da perda de territórios do EIIL foi a entrada militar e pública dos EUA e da Rússia contra o ‘Califado’, iniciados em 2014 e 2015 respectivamente. Os objetivos dos dois países, apesar de combaterem um inimigo em comum foi diferente: ao passo que os EUA deram continuidade à “Guerra ao Terror” iniciada no Iraque, a Rússia entrou na guerra em apoio ao governo sírio (BANDEIRA, 2016; 2017). Sob ataque das duas potências, diversas mudanças ocorreram no território controlado pelo EIIL. A maior operação de combate ao EIIL chama-se Operation Inherent Resolve216. Iniciada ainda em 2014 e encabeçada pelos EUA, ela é composta por diversos países ao redor do mundo217. Mas foi somente a partir de 2015 que, como a própria Coalizão informa, suas ações começaram a surgir efeito contra o EIIL, visando atacar seus líderes e sua infraestrutura:

Deliberados e precisos ataques aéreos visaram a infraestrutura econômica do EIIL, degradando significativamente sua capacidade de governar. Mais de 15.000 ataques realizados pela Coalizão destruíram as capacidades militares inimigas e proporcionaram espaço de manobra para as forças locais e parceiras. A operação “Tidal Wave II” privou em 80% as capacidades petrolíferas das usinas do EIIL, assim como US$25 milhões por mês em sua receita através de venda de petróleo, impactando a campanha militar do EIIL e freando seu avanço. A adesão às regras rígidas de ataque e os princípios da necessidade, distinção, proporcionalidade e humanidade preveniram sofrimentos desnecessários dos não-combatentes nas zonas de combate. As operações seguintes resultaram em reduções dramáticas das áreas controladas pelo EIIL recuperando mais de 29.000 quilômetros quadrados na Síria e no Iraque218 (CJTF-OIR, 2017).

216 O nome completo da operação é “Combined Joint Task Force - Operation Inherent Resolve”, e seu acrônimo CJTF-OIR. 217 De acordo com o próprio site da coalizão, os países que realizaram ataques aéreos nas posições do EIIL no Iraque foram: Estados Unidos, Austrália, Canadá, Dinamarca, França, Jordânia, Países Baixos e Reino Unido; e na Síria: Estados Unidos, Austrália, Bahrein, Canadá, França, Jordânia, Arábia Saudita, Turquia e Emirados Árabes Unidos. 218 Texto original: “Deliberate and dynamic precision air strikes targeted ISIS economic infrastructure significantly degrading its ability to govern. More than 15,000 coalition airstrikes destroyed enemy military capabilities and provided freedom of maneuver to regional security and partner forces. Operation Tidal Wave II deprived ISIS of 80% of its oil collection facilities as well as $25 million a month in oil revenue which negatively impacted ISIS military operations and halted enemy expansion. The adherence to strict rules of engagement, and the principles of necessity, distinction, proportionality and humanity, prevented unnecessary suffering among non- combatants in the conflict zones. Subsequent operations resulted in a dramatic contraction of ISIS controlled areas with the recovery of over 29,000 square kilometers in Syria and Iraq”

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Os ataques surtiram efeito sobre o EIIL minando a capacidade de manutenção de suas fronteiras. Tendo em vista a expansão do EIIL em 2014, e então entrada da Rússia e dos EUA na guerra, é possível identificar dois momentos diferentes em relação à história do EIIL entre 2014 e 2016: em um primeiro momento sua expansão e consolidação, e depois o esforço de manutenção de seu território. Ao contrário das notícias sempre positivas sobre sua expansão divulgadas pela Dabiq, a realidade em relação À extensão do território controlado pelo ‘Califado’ pode ser observada nos mapas abaixo:

Imagem 46 – Mapa da região da Síria e do Iraque em julho de 2014, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto, as zonas controladas pelo EIIL; em vermelho suas áreas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte.

Fonte: ISW (2014).

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Imagem 47 - Mapa da região da Síria e do Iraque em setembro de 2015, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto suas zonas de controle; em vermelho suas zonas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte.

Fonte: ISW (2015).

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Imagem 48 – Mapa da região da Síria e do Iraque em dezembro de 2016, ressaltando a área de influência do EIIL neste momento. Em preto suas zonas de controle; em vermelho suas zonas de ataque; e em marrom suas zonas de suporte.

Fonte: ISW (2016).

Através dos mapas observa-se que o território do EIIL modificou-se ao longo dos anos, perdendo zonas de controle no Iraque mas conquistando outras localidades na Síria, mantendo suas zonas de suporte e influência. Este fator se torna interessante ao observar que as principais perdas territoriais se deram em regiões com centros urbanos como as cidades de Aleppo (Síria) e Mossul (Iraque). As batalhas por ambas as cidades causaram a morte e desaparecimento de milhares de civis que ficaram presos na linha de fogo. A batalha por Aleppo durou cerca de quatro anos, entre 2012-2016, e a reconquista da cidade219 pelo governo sírio e seus aliados foi uma grande derrota para o EIIL na Síria.

219 Ao todo, a batalha por Allepo deixou cerca de 21 mil civis mortos (SYRIAN OBSERVATORY FOR HUMAN RIGHTS, 2016b) e teve diversas episódios relacionados a questões controversas

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Já a batalha por Mossul (2016-2017)220, travada bairro a bairro, foi ganha pelo exército iraquiano e seus aliados e também abalou as capacidades militares e econômicas do ‘Califado’. Quando comparados com a narrativa apresentada pelo documentário e pela revista os mapas trazem diferentes perspectivas sobre o andamento da guerra do EIIL. Segundo o The Islamic State (2014) o futuro do Iraque e da Síria após a consolidação do ‘Califado’ continuaria sendo a guerra e, neste sentido, os mapas indicam que sua percepção estava correta. Já em relação à Dabiq, e seu o tom propagandístico, os mapas desmentem que o ‘Califado’ sempre esteve em contínua expansão entre 2014 e 2016. * * * Em relação ao ponto de convergência entre as fontes, tanto o documentário como a revista afirmam que o território controlado pelo EIIL fez parte de um território ‘nacional’. Em ambas as fontes é possível ver a organização de instrumentos públicos e a aplicação de leis sobre as populações locais: os diversos artigos da Dabiq que noticiam a conquista de uma cidade, por exemplo, passam a ideia ao leitor de que o EIIL está sobre o controle daquela cidade. O uso da palavra ‘liberated’ em tais notícias, remete a uma ideia de ‘libertação’ da população local que anteriormente estava sob a jurisdição dos governos sírio e iraquiano. Entretanto, é necessário ressaltar que não há consenso entre pesquisadores sobre a definição do território controlado pelo EIIL como um território ‘nacional’, enquanto alguns afirmam que de fato o ‘Califado’ foi consolidado, outros definem que o território controlado pelo EIIL não pode ser enquadrado dentro das concepções de Estado. Os debates e concepções sobre ‘o que é um Estado’ são antigas, perpassando por definições, do fim do século XIX e começo do século XX, que um Estado deveria ser atrelado obrigatoriamente a um território e teria, como objetivo final, ocupá-lo e defendê- lo. Há ainda pontos três essenciais: população, território e soberania (NADER, 2014). É necessário, entretanto, levar em conta um quarto fator, sua aceitação e legitimidade por parte de outras nações. Os três fatores – população, territóiro e soberania – são questionáveis quando observados em relação à composição do EIIL como ‘Califado’. Em relação à sua

de crimes de guerra, especificamente acusações sobre o uso de armas químicas pelo governo sírio contra a cidade (AMNESTY INTERNATIONAL, 2016). 220 Durante a batalha por Mossul mais de dois terços da população civil estava em perigo (MENA, 2016) e, ao fim, deixou um total de 40 mil mortos (COCKBURN, 2017b).

151 população, é possível dividí-la em duas: seus combatentes, recrutados ao redor do mundo (através da extensa propaganda realizada pela revista em relação à Hijrah), e civis das cidades que foram conquistadas por suas ações militares. O fator da população que vive sob domínio do EIIL é bastante explorado pelo documentário e pela revista: enquanto o primeiro aborda esta questão principalmente através das entrevistas realizadas com crianças e ao acompanhar o Hisbah, é possível ver na revista artigos direcionando a palavra tanto para civis quanto a seus combatentes. Os fatores ‘território’ e ‘soberania’ são mais difíceis de elencar, e a questão é muito complexa: o anúncio de consolidação do ‘Califado’, em 2014, foi feito em meio aos territórios sírio e iraquiano sem a aceitação e apoio destes países. A campanha militar de expansão do EIIL e as posteriores anexações territoriais foram essenciais para sua ascensão como um forte agente internacional. Para Lewis (2014) a manutenção de seu território estava, em 2014, intimamente ligada à sua capacidade de se expandir: o “EIIL requer o efeito da vitória bem como seu efeito dissuasivo [sobre possíveis revoltas internas] para sustentar sua campanha militar e defender o ‘Califado Islâmico’“ (LEWIS, 2014). Caso sua expansão freasse estaria vulnerável, fator que, como observado nos mapas discutidos, iniciou-se em 2015 (PEÇANHA; WATKINS, 2015). Por fim, em relação à concepção de Estado em termos de sua ‘soberania’ sobre seu próprio território, ambas as fontes trazem percepções importantes e parecidas, abordando íntima união que o EIIL possui com a religião. Como fica claro em ambas as produções, a soberania sobre seu território passa por questões de controle sobre a população e por questões militares de manutenção de fronteiras e abafamento de revoltas internas. Enquanto o documentário explora principalmente fatores que afetam o cotidiano dos moradores de Raqqa, demonstrando que a população é dominada pela radicalidade religiosa do EIIL, há diversos exemplos ao longo da Dabiq que procuram provar a seu leitor que o ‘Califado’ foi consolidado, que realiza a manutenção de suas fronteiras, converssa e realiza alianças com líderes locais, que está em contínua expansão e alinhamento com a palavra de Allah ao buscar unificar os muçulmanos em um só Estado. Ao passo que o documentário aborda principalmente a violência nesta questão, passando pela doutrinação das crianças por exemplo, a revista transparece que a relação entre ‘soberania’ e ‘religião’ está muito mais além das ações do EIIL, indo ao encontro de seu próprio modus operandi e, portanto, modo de pensar do ‘Califado’. Ambas as fontes demonstram, portanto, a religião como um fator decisivo e central no propósito de Estado do EIIL.

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* * * Através do objetivo principal da pesquisa, de procurar compreender as nuances das duas representações midiáticas sobre o EIIL, foi necessário ir ao encontro de questões que ultrapassam o documentário The Islamic State (2014) e a revista Dabiq (2014-2016). A partir de um olhar histórico crítico foi possível identificar, com apoio das fontes e bibliografias selecionadas, a atuação do EIIL como um forte ator internacional entre 2014 e 2016 e perceber que o estabelecimento de alianças e o controle territorial sobre uma região, por um agente não-estatal, não é algo propriamente novo. É possível afirmar que o modus operandi do EIIL está ligado a uma continuidade e intensificação das intervenções internacionais na região do Oriente Médio no início do século XXI, e identificar que as táticas utilizadas pelos combatentes do EIIL são estratégias utilizadas por mujahideen ainda no fim da ‘Guerra Fria’ em 1989. A ascensão do grupo paramilitar Daesh em meio à ‘Primavera Árabe’ e sua consolidação como um ‘Califado’ é um grande exemplo da contrapartida de ações internacionais sobre governos e comunidades de diversos países ao redor do mundo, sendo definido por vários pesquisadores como efeito ‘blowback’ (‘contragolpe’, ou ‘contra-ataque’), onde os norte-americanos tem grande protagonismo e responsabilidade (BANDEIRA, 2016, 2017). O conflito proveniente a partir da consolidação do ‘Califado’ não aconteceu apenas entre as forças nacionais sírias e iraquianas contra os combatentes do EIIL, mas também entre diversos outros grupos paramilitares islâmicos. Há que ressaltar que todas as questões mencionadas vão ao encontro da construção histórica da ‘História do Presente’, e a abordagem de um momento extremamente recente é um grande desafio compartilhado por historiadores(as) contemporâneos(as):

Existe um marco de início do tempo presente? Como as mudanças e o movimento da história interferem em sua delimitação temporal? Quais elementos interferem na metodologia de sua pesquisa e na seleção das fontes que serão investigadas e produzidas? [...] essas são questões que o pesquisador do tempo presente não pode desconsiderar, pois decorre dessas peculiaridades a dificuldade para estabelecer critérios precisos para definir o que é um passado recente (DELGADO; FERREIRA, 2013, p.24).

Este é um fator que possui direta relação com o(a) historiador(a) e seus métodos de pesquisa, em especial com o uso da internet. A publicação de ambas as fontes neste novo espaço para o trabalho historiográfico tanto facilitou a pesquisa como também

153 trouxe diversos desafios. A primeira facilidade foi o fácil acesso às fontes e bibliografias necessárias para a composição da pesquisa, em especial aos mapas. Como observado anteriormente, o espaço da internet se configura como amplo espaço de divulgação de informação e a abordagem de um assunto que é amplamente discutido na rede não dificultou a pesquisa. Entretanto, há fatores que devemos retomar quando abordamos a questão do acesso à informação. O espaço virtual disponibilizado pela plataforma de vídeos da Google, o YouTube, local onde o documentário The Islamic State (2014) está hospedado, é um espaço que possui um duplo movimento: ele permite tanto manifestações de qualquer pessoa, de acordo com a liberdade de expressão, mas também realiza grande controle de conteúdo baseado em diretrizes do Google. Dentre eles, a empresa tira de circulação vídeos relacionados a questões de conteúdo sexual e violências, em especial discursos controversos classificados como de ódio – entrando nas esferas religiosas, raciais, etc. Outro ponto de ação é o ‘notice and take down’ (‘notificar e derrubar’), onde o controle é rígido sobre vídeos/áudios que interferem em questões de copyright. Entretanto é necessário entender o espaço do YouTube sobre um prisma ambíguo: democrático no sentido que permite ao usuário adquirir e compartilhar informação, porém até certo ponto, pois é necessário seguir suas diretrizes e consumir sua publicidade. Partindo destas constatações é possível elucidar a razão do documentário The Islamic State (2014) possuir livre circulação na plataforma: a aposta de que algo produzido pela Vice traria muitas visualizações, o que em termos comerciais é muito relevante. Apesar de ter seu último volume publicado em julho de 2016, a revista Dabiq está disponível on-line em diversos endereços eletrônicos espalhados pela internet, e é possível compreender este fato como um grande esforço do próprio EIIL, e de seus seguidores, em deixar o material disponível de maneira a ser facilmente encontrado por qualquer usuário da rede. Outro fator que requer atenção, ainda relacionado aos desafios do espaço virtual, é em relação ao caráter midiático voltado para produção de notícias de ambas as fontes, documentário e revista Dabiq, o que implica pensar ambos como produções feitas por um aparelho de imprensa. Neste sentido é necessário chamar atenção para o fato de que

A imprensa também não é um puro e simples reflexo da opinião, mas o resultado de uma mediação em que o conhecimento do meio de comunicação é essencial (BERSTEIN; MILZA in CHAUVEAU, 1999, p.129).

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E, assim, a Vice com o documentário The Islamic State (2014) e o AlHayat Media Center com a revista Dabiq (2014-2016) são grandes formadores de opinião. Apesar de possuirem abordagens diferentes sobre o mesmo conflito, como agentes difusores de informação podem influenciar diretamente as opiniões de seus espectadores e leitores sobre o EIIL. Ambos, assim, atuam de maneira a passar ao espectador sua percepção particular sobre o EIIL sobre a guerra que assola o território sírio e iraquiano desde a consolidação do ‘Califado’, abordando também suas implicações sobre a geopolítica contemporânea. O ‘imediatismo’ presente nas notícias implica a utilização de uma metodologia (escolha, hierarquização e análise de fontes) para a construção histórica. A escolha de materiais provenientes da imprensa, indica a proximidade e a movimentação existente entre ambas: “vista como objeto a história do imediato é testemunho” (CHAUVEAU, 1999, p.24). Assim cabe ao historiador(a)

restituir a evolução na duração que permite compreender por que processo chegou-se à situação presente: ele se dedica a descrever estruturas cujas transformações dão conta da emergência factual de fenômenos cuja gênese se situa sempre a médio ou a longo prazo (BERSTEIN; MILZA in CHAUVEAU, 1999, p.127).

Desta maneira, a “reflexão histórica sobre o presente pode ajudar as gerações que crescem a combater a atemporalidade contemporânea, a medir o pleno efeito destas fontes originais, sonoras e em imagens, que as mídias fabricam, a relativizar o hino à novidade tão comumente entoado, a se desfazer deste imediatismo vivido que aprisiona a consciência histórica” (RIOUX in CHAUVEAU, 1999, p.46).

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Fontes e bibliografia

Documentário: DAIRIEH, Medyan; Vice News. The Islamic State. [Filme-vídeo]. Produção e direção de Medyan Dairieh. Nova Iorque, Vice News, 2014. Publicação no YouTube. Disponível em: , 42 min. Acesso ao longo de 2015, 2016 e 2017.

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