C-oleção Debates Dirigida por J. Guinsburg

METALINGUAGEM &OUTRAS METAS

ENSAIOS DE TEORIA E CRÍTICA LITERÁRTA

l-opes e Maria Prata; Equipe de realização - Revisáo: Afonso Nuncs EDITORA PERSPECTIVA Produçáo: Ricardo W. Neves e Sylüa Chamis. SUMÁRIO

EBnÁcroÀrnnotÇÁo. .. 11 llEnÁctclÀ+uePtÇÁo.... L3 !âEtg l; METALINGUAGFM 1s

L7 l, A Nova Estética de Max Bense ' l, Dr Trrdução como Criação e como Crítica ' ' ' ' 3t 4. e ampliada edição reústa l, Btummond, Mestre de Coisas 49 l, A Llnguagem do Iauaretê 57 t, Mulllu c o Mundo Substantivo 65 . . 77 Direitos rcservados à Ü, 0 {leômctra Engajado. EDITORA PERSPECTIVA S.A. 89 Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3025 ?. Llrlrrn,, c ParticiPação. . . . 01401 - São Paulo - SP - Brasil 97 Telefones: 885- 8388/885-6878 l, Efilllrtlce Miramarina 1992 7 9. Bandeira, o Desconstelizador. 109

PARTE II: OUTRAS METAS LLl

10. Sobre Roland Barthes 119

11. Iracema: uma Arqueografia de Vanguarda L21 12. Tópicos (Fragmentários) para uma Historiografia do Como.... 747

L3. Mário de Andrade: a Imaginação Estrutural . . . . 1.61

14. Introdução à Escritura de . . . . 183 15. Mário Faustino ou a Impaciência órfica 189 procedi' A novidade, novidade do material e do n11 rcda obra poética' 16. Uma Leminskíada Barrocodélica. . . . L L.1 mento, é indispensável para Vr.eoíuln M.ltaxÓvsrc 17. Arte Pobre, Tempo de Pobreza, Poesia Menos. . 221 acréscimo à civilização sob a 18. Da Razão Antropofágica: Diálogo e Diferença na A inovação é um Cultura Brasileira 23t forma de informação. M,l.x BeNse 19. Minha Relação com a Tradição é Musical 257 A difamada palavra acperímento deve ser empre- 20. Do Epos ao Epifânico (Gênese e Elaboração das gada em sentido positivo; somente enquanto a(pen- 'rnentaçõo, Galúxias) 269 não como algo posto a salvo do perigo' tem a arte, afinal, ainda uma chance' 21. Ficção como Fundação. . . 279 T. w. ADoRNo 22. Poesia e Música ?-83 23. Da Crítica Antecipadora: Evocação de Sérgio Buarque de Holanda 289

ÍNnrcB oNoMÁsrrco 299 -Í',r í

18. DA RAZAO ANTROPON-ÁGICE: DÉLOGO E DIFERENÇA NA CULTURA BRASILEIILA* ** Lt* rc,c,À l)s #€ {a'vw f 't § 'Echte Potemí* nimm.t ein Buch sich so liebevoll vo.r, wie ein Kanniba[e sích einen SdugtÜtgurüstet"' (Á polênica verdadeira apotleta-se de um lhT o tão ailorosament€ quttnto um canibal que preparo para si uma críancinln-)

ller-rcn BeNlaun

1. Vanguartla e/ou Subdesenvolvimento

A questão do nacir:nal e do universal (notadamente do europeu) na cultrtra latino-americana, que envolve o[tras mais específicas, como a da relação entre patrinrônio cultu- ral universal e peculiaridade.s locais, ou ainda, mais deter-

a Texto dâtsdo de 198fl, publicado oÍí8inâlmente na rcvísta colót1uio/lnts, Lisboa, Fundaçáo Calouste Gulbekian, nr 62, julho 1981: em espÍrnhol, em Vnelto' México, no 68, jurlro 1982, e Vuelta Stdanreicatn, Buenos Aires,-no 4, novenltrtu 27' 1986; cm Íoglês, oa ltún Ámu-cu Literuty R*iew, University of Pitlsburgh, o0 231 lugar do antigo istúatrrento das provín- minadâmente, a da possibilidade de uma literatura experi- Marx e Engels: "Err a si próprias, desenvolvem-se mental, de vanguàrda, $um país srrbdesenvolvido, foi por cias e das naçóes bastando-se universais, unra interdependência universal de uritn enfocada, nu:rt trabalho de L962l, com auxílio de uma relações ilaçõôs. E o que é verdaileiro quanto à produção material o reflexão de Engels sobre o probleura da divisâo do trabalho üo tocânte às produções do espírito. As obras in- em filoso{ia, contida numa famose carta a Conrad Schmidt é também uma na$o tornam-§e a propriedade comurn (27 out. 1890): "Enquauto domínio determinado da divisão telectuais de A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se do trabalho, a filosofia de cada época supõe uma documen- de todas. mais impossíveis; e da multiplicidade das literatu- tação intele ctual (Gectlukerutmteríal) determinada, que lhe dia a dia locais nasce uma literatura universal"3. A é transmitida por seus predecessores e da qual ela §e servs ras nacionais e oncontra, nesse texto, uma como ponto de partida. Isto explica porque pode acontecer ictéia goetheana da l|leltliterofiff do que se poderia definir como unrâ .que paíres economicamente retardatários possam, não obs- íeleitura em Íermos mundo das comunicações, a tânte, tocaÍ o primeiro violino em filosofia". A supremacia prítis interserniótica: é o u nicaçáo intersubj étiva gen e r aliza' dr: ecorrômico, para Engels, aqui, não se registra diretâmen- pressáo di alógica tla com preordena e conÍigura o signo literário universal ;uÊ-gJ"*,"':. --1.- te, mas nas "condiçóes prescritas pelo próprio domínio inte- ,1u, qr" ideológico" (no serrtido eln que Volochinov - 'lYleqt iy:*l.- ftltn* ressâdo", ou seja, ildireramente, mediada pelo material fur- co*o "signo r__.-., 20, iria tentar formular a sua telectual transrnitido. Àqueles que não eram capazes de e/ou Bakhtin -, tros anos a- sociológica", de base gq5!ry)t&"t"jryu- cotlsiderar a coniploxidaile ciosse movimeüto no plano cul- "semiótica lnaciaa-r líi/!â§r de discursos, diálogo neces§ário e nâ',§§\, reãução mecanicista, todo fatalisrno autopuuitivo, se- ta o evento histórico, e que' não obstante a postulada de- toda tírltinra qual, a um país não descnvolvido econonticamente C,.-Í^'.^*QF *d terminaião econômica em instância, não poderiam gundo o por reflexo condicionado, uma lite- * ser objeto de uma análise simplista, mecânica, como se so iambém áeveria caber, a-\lr{dr sempre me pareccü falácia de so- tratasie da mera'resolução de uma "equação de prirneiro raturâ subdesenvolvida, -{rrruxrflê (.&*-â' grau" a Joseph Bloch, 21 set- 1890). Pareceu-me eiologismo ingênuo. {carta em (Coniente Alter' v&úc\'- sempre que, em matéria de trabalho literário, tarnbém Mais tarde, encontrei aÇit*-g^* ) 1967), çstudo "Invención, Subdssarrollo, Moderni- ocorria essa lei complexificadora da transurissáo do legado na, no observações iluminadoras, que, pa'tintlo de um gran- à;f'db b-ç cultural, à qual nâo se podia furtar a produção poética e que dad", país latino-americâno, o México, li- '? pernritia identificar o surgimento do novo aincla nas con- de intelectual de outro Í1,'TDJ?' ' nas reflexões sobre o problema da si- dições de urna economia subdesenvolvida2. Morrrlente na nhanr conflrmar-me poeta brasileiro perante o universal: "Algunos ópoca atual, com a verificação factual daquela previsão de tuaçáo do críticos ,n**i.unot emplôarr la palabra 'subdesarrollo' para

jan--jun, 1986; em Írâncê§, Leilrú ittemot;otale, Paris, n" 20, printemps 1989; cm ita- em lelaçáo com determinados períodor de lloresciruento não estão de modo algurn liauo, Leuem internaziotule, Ronra, no 20, prinravera 1989; em alenâo, Letrre inter com a base nrate- o dasenvolvimento geral da sociedade' nen, couseqüentcmenlê' nilíonal, Berlirn, n! 11, Winter 1990; republicailo Bô Br§il oa Dolaín Bíbliognlfco' os Gttgos conrpa- ria! a ossaturq pot *ttin dizeç r3e tul orgnniração Por exempto' Bibtioreca Mário de Árdrade. São Paulo, v. 44, no 14' jan.-dee. 19E3. rados aos Éoderuo§, ou, ainda, Shakespearc"' Haroldo Crmpos, "A Poesia Concrela e a Reatidade Naciooal", l. de 3- Trecho do "ManiÍeslo Conunista" {184E}' Tendáncia nê 4. B€lo Horizonte, !962; ídern, "Avangutrclia e Sincronia nella LetÍera- ja4'ka' 4, Refiro-me, eru especiul, à otrra

10. Árrgusto de Campos, ,,Aíe Fin{l parr Gregórío,,, en Uattía/lnvenç,1') râmente, pela obra Menzóias de wn Sütgefito ríe tÍítí- to. Um terto de textos. Univcrsal e difercncial. paródico. cias .,canto (1852-1853), de Manuel Aptonio de Almeida, desloca- Paralelográfico. LJm parâlelo,, de tradutor/A*oorr_ da, quase rrma antiÇuâllra, na série romanesca preferenciat dor: descentrado, excêntrico. de nosso Romantismo canônico (a que vai de Joaquim N{a- nuel Macedo de a José de Alencar). Não à toa essa nova 5. A Poesía CancreÍa: [fifla Outra Constelaçiio possibiüdade de leitura da tradiSo ocorreu ao crítico no momento da revalorização dos ronrances-invenções de Os- Na poesia brasileira contemporâneâ, a poesio concreÍa u,ald de Andrade, sobretudo do Serufinr ponte pode ..antinormativz,,,, Grande, Lg33 também reclamar essa tradição po, (experimeuto de transgressão serniolírgica uma da ordcm, de ôutra e peculiâr redistribuição dos elementos configu_ contestaSo legalidadp da e da legibilidade estatuírias, pela radores disponíveis. Há de ser constituída igualmenr" tlesordem perene, pela versatilidade i* anárquiqa),r. Iances, por Íelarces. De Gregório a SousândÃde: do ,.Bo.a Na medida em que tradição "mâlandra,, seria um outro do fnferno" da Bahia barroca ao Rornânti.o *urunhr*" üome pâra "carnavaliz-a$o", ela "maudit", retroage ao Barroco, ao cântor d,e O Infunro de íIlall.Írreet (1870). De Barroco visto por Severo Sarduy como Gregório fenômeno bakhti- a Sousândrade e deste a Osrvald: do àerriár da nialo par excelência: nobreza espaço lúdico da polifonia e da lin- do "sangue tatu,' ac oficiante do Tafiürtre, ra (nrissa guageur convulsionadat3. Nâo esqrieçamos que euevedo, o negra dos índios do Amazonas), ao recontador pau-brasílico dos Quevedo souetos concsitistas. é o mesmo autor da da crônica da descobertaia. De Oswald a Drur*nrond e h,{u_ Históría. pablos, de la vida del Buscôtt, llanrut[o Don ewnr rilo. De todos eles a João Cabrai de Mslo Neto, engenhsiro plo de vagabwtdos y espejo de tqcafios (1626). Nosso primei- de estruturas "ruondrianescâs,). fjm outro dese'hlo. Urna ro "herói" (anti-herói) nialqndro é o artropófago Gregório sutra constclação. O antidiscurso geometrízando a prolife_ de Matos (como o a,Jmite, desse novo ângulo de visaCa, o raso harroca- o Padre vieira e lúaila*né.: ambos eixa

12. Cf- H. de Campos, "Serníim: um Grande Não Livro', e .,Serafirl: análise síntagnrátiü", Suplemen{o Literário

253 Braál and Hispanic ÂmeÍica", TriQuarteell', nq 38 ("In the zes bárbaros alexandrinos. Os üwos que lia já não podiarn rvake of tbe!Vake"),1977 - pelo seÍ os mesmos, depois de manducados e digeridos cego Escrever, hoje, na América Latina como rta Europa, homeríada de Buenos Aires, quô ousara até mesrro rees- significará, cada vez mais, reescrevôr, rema§tígar. Hoi btár- crever sob pseudônimo de Pierre Menard... o Quijote, o bãroi. Os vândalos, há muito, já cruzararn as fronteiras e haveria novo, Borges, no roman Que de sem nouveau dç tumultuam o se*ado e a ágara, como preflunciado no poe- Robbe-Grillet? poderá agora ler Proust sem admitir Quem ma de Kaváfis. Que os escritores logocêntricos, que se ima- Lima? Ler Mallarmá, hoje, sem considerar as hipó- lxzama ginavam usufrutuários priülegiados de uma orgulhosa korirá teses de Trthe de Vallejo e Blanco de Octavio intertsxtuais ãe mao únicq preparem-se pârã a tarefa cada vez mais ur- Paz? Ou contribuir para o "poema universal progressivo" e redevorar o tutano diferencial dos " gente de reconhecer sem redeglutir a poesia concreta brasileira do grupo Noí- iovos bárbaros da politópica e polifônica civilização pla- " gandres'! Nathalie Sarrautq vez, em meados dos anos uma netária. Afinal, não custa repensar a advertência atualíssima 60 (lembro-me que Ungaretti, o relho carregado lJngaretti, do velho Goethe: '-Eine iede Literatur ennuyiert sich zuletzt de reminiscências brasileiras, em visita a Sáo Paulo, partici- in sich selbst, wenn sie nicht durch fremdç Teilnahme wie- pava da mesma reunião), observou-me, em conversa, que a der aufgefrischt wird" ("Toda literatura, fechada em si índole da escrita francesa não comportava um expe,rirnento mesma, acaba por definhar no tédio, se não se deixa, reno- à Joyce. Perguntei-lhe, de troco (vivos em miúa memória, va

mentos áas Galóxinr em alemão (Versucltsbuch/Galarien, "Rot" ?5, L966, editados por Max Bense e E. Walther, tra- duzidos por Anatol Rosenfeld e Vilern Flusser). Também de 1966 é, Conzpacl, de Maurice Roche, um escritor-músico, que jamais teve dúvidas quanta à viabilidade renovada do iegado rabElaisiano eru sua lí"go*. Fragmentos das Galá- xas, traduzidos para o francês, em Change ("1-a poétique la mémoire"), número de setembro, l91A. Ob,servação de Oc- tavio Paz: "Me gustaría escogÇÍ como divisa eI final del primer fragmeuto; el vocablo es nti fábula" ("le vocable est ma fable"). Considere-se, âgora, o joyceano e galático Pa- radis de Philippe Sollers, subseqüente (tacitamente tributá- rio..-) Contei essa história e retracei esse roteiro, mais cir- cunstanciadamente, ern "sanscreed latinized'. the l4/ake ín

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