UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO

OLÍVIA DE ALMEIDA CAMPOS

O NOVO CÓDIGO E OS AGRICULTORES FAMILIARES: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PORTO FIRME (MG).

VIÇOSA – 2014

OLÍVIA DE ALMEIDA CAMPOS

O NOVO CÓDIGO FLORESTAL E OS AGRICULTORES FAMILIARES: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PORTO FIRME (MG).

Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Universidade Federal de Viçosa, como requisito para a aprovação na disciplina DIR 499 - Monografia II.

Orientador: Davi Augusto Santana de Lelis Coorientadores: Raíssa de Oliveira Murta Rennan Lanna Martins Mafra

VIÇOSA – MINAS GERAIS 2014

AGRADECIMENTOS

Agradecer a todos os que colaboraram para a elaboração dessa monografia não é tarefa fácil, já que ela representa não só uma obrigação acadêmica, mas o fechamento de um ciclo. Por isso, peço de uma vez minhas desculpas por eventuais esquecimentos. Agradeço ao Rennan e à Raíssa o trabalho conjunto e as animadas orientações. Ao Davi, pelo acolhimento sempre entusiasmado desta proposta. Aos membros do Ministério Público de Piranga, pelo acesso aos documentos e informações prestadas, aos agricultores familiares entrevistados por abrirem suas casas para nós. Gostaria de agradecer também aos companheiros de estágio do Ministério Público de Viçosa, onde tive contato com as primeiras reflexões sobre a aplicação da legislação ambiental. Por fim, agradeço a todos os amigos (re)conhecidos nesses anos de UFV, aos companheiros de Movimento Estudantil da velha e da nova guarda, ao companheiro e aos familiares que, diversas vezes, entenderam minha ausência por conta dos compromissos do final do curso. Dedico esta monografia a Tia Wilma, com quem li meus primeiros livros e de quem guardo a mais doce memória de alguém que via no ensino e na universidade espaços de pensar a vida com sabedoria e liberdade.

Muito recentemente nos inteiramos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos; e soubemos que, como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala em submeter a natureza; agora até os seus verdugos dizem que temos que protegê-la. Mas num ou noutro caso, natureza submetida ou natureza protegida, ela está fora de nós.

A civilização que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

Eduardo Galeano

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 Autoria das infrações à legislação ambiental – Procedimentos 28

Cíveis – 2013. Gráfico 2 Tipo de infração à legislação ambiental – Procedimentos 28

Cíveis – 2013. Gráfico 3 Processos ativos por Crimes Ambientais – 2013. 29

Gráfico 4 Processos por Crimes Ambientais baixados – 2013. 29

Gráfico 5 Percepção dos Agricultores Familiares de Porto Firme/MG 41 acerca de legislação ambiental e efeitos da lei no cotidiano dos indivíduos entrevistados – 2013.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACP Ação Civil Pública ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ARPA Associação Regional de Proteção Ambiental – Alto e Vale do Piranga CAO-MA Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais. CAR Cadastro Ambiental Rural CNJ Conselho Nacional de Justiça CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente DADOC Diretoria de Atendimento às Denúncias do Cidadão e de Órgãos de Controle EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IEF Instituto Estadual de Florestas MP Ministério Público MPMG Ministério Público do Estado de Minas Gerais PGR Procuradoria-Geral da República PRAD Plano de Recuperação de Área Degradada PRONAF Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar PSD-TO Partido Social Democrático – Tocantins PSOL-SP Partido Socialismo e Liberdade – São Paulo SISEMA Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos STF Supremo Tribunal Federal SUPRAM Superintendência Regional de Regularização Ambiental TAC Termo de Ajustamento de Conduta

RESUMO

Este trabalho analisou, através de um estudo de caso no município de Porto Firme (MG), os limites e possibilidades do Novo Código Florestal, tendo em vista a garantia de tratamento diferenciado aos agricultores familiares. Em uma sociedade marcada por diferentes formas de se enxergar e utilizar a natureza, um consenso em torno da proteção do meio ambiente tem sido difícil de alcançar. No contexto brasileiro, o recente processo de alteração do Código Florestal trouxe à cena midiática alguns problemas da legislação ambiental nacional, entre os quais a falta de um tratamento diferenciado que possibilitasse a igualdade material entre os diferentes grupos presentes no meio rural. Assim, pretendeu-se, inicialmente, ilustrar como se deu o processo legiferante da nova lei, evidenciando a promessa dos defensores da mudança de que a nova legislação seria capaz de abarcar a complexidade social. Em seguida, realizou- se o estudo de caso através de dois atores sociais envolvidos na temática, de um lado o Ministério Público, que tem a atribuição de defesa do meio ambiente, e de outro os agricultores familiares, grupo que supostamente seria afetado de forma direta pela lei ambiental. Após colhidos e organizados os dados, concluiu-se que a norma não tem sido capaz de abarcar as diferenças existentes entre os sujeitos do meio rural, o que se deve a fatores diversos, tais como a falta de apoio do Estado, a estrutura insuficiente dos órgãos de fiscalização e a falta de aceitação e compreensão da norma por parte dos agricultores.

Palavras-chave: Código Florestal; Agricultores Familiares; Eficácia.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 8 2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A REGULAMENTAÇÃO DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE...... 11 2.1 COMPLEXIDADE SOCIAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...... 11 2.2 A BUSCA DO CONSENSO EM DIREITO AMBIENTAL ...... 13 2.3 LEGISLAÇÃO FLORÍSTICA EM DEBATE: ARGUMENTOS PARA ALTERAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL E ARRANJO FINAL DA NOVA LEI...... 15 3 ESTUDO DE CASO EM PORTO FIRME (MG): CONJUNTURA ATUAL DE APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO E ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL...... 22 3.1 ESTUDO DE CASO: O MUNICÍPIO DE PORTO FIRME (MG) ...... 22 3.2 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ...... 23 3.2.1 O posicionamento do Ministério Público diante da nova legislação...... 24 3.2.2 Aplicação da Lei 12.651/2012 pelo Ministério Público em Porto Firme...... 27 3.2.3 Atuação em relação aos pequenos agricultores diante das alterações legais...... 31 4 ESTUDO DE CASO EM PORTO FIRME (MG): OS AGRICULTORES FAMILIARES E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL...... 33 4.1 AGRICULTORES FAMILIARES DE PORTO FIRME (MG): ASPECTOS GERAIS...... 34 4.2 RELAÇÃO COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ...... 37 4.3 O NOVO CÓDIGO FLORESTAL E A REALIDADE DOS AGRICULTORES FAMILIARES DE PORTO FIRME...... 41 5. CONCLUSÃO ...... 45 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 48 7 ANEXO I - ROTEIRO PRELIMINAR DE ENTREVISTAS COM AGRICULTORES ...... 51

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1 INTRODUÇÃO

O debate em torno da proteção do meio ambiente tem ganhado importância nos últimos anos, fazendo com que o tema ecoasse também para o ambiente do Direito, ambiente este que, cada vez mais, é solicitado para regular situações que exigem a busca da cooperação em torno de bens coletivos. No entanto, na sociedade atual, marcada pela complexidade e pela coexistência de distintas formas de se utilizar e conceber a natureza, um consenso em torno do tema não tem sido alcançado com facilidade. No contexto brasileiro, apesar da presença de uma legislação ambiental inovadora, há diversos problemas para a concretização dos efeitos jurídicos das normas na realidade social, argumento este que tem sido utilizado para possibilitar algumas alterações legislativas. Dentre essas mudanças, destaca-se a recente aprovação do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que teve um processo legiferante polêmico, marcado pela pluralidade de visões existentes no país acerca da proteção da vegetação, trazendo à cena midiática diferentes atores sociais, como os setores ligados à produção agropecuária e às organizações de defesa do meio ambiente. Durante a disputa pelo conteúdo da nova lei, também foi evidenciado um aspecto crucial da legislação de proteção ambiental, que é o fato de limitar o interesse daqueles que utilizam recursos naturais, conciliando-os com o ideal coletivo de preservação. Nesse contexto, muitos dos defensores da mudança afirmavam que os pequenos agricultores eram o grupo que mais sofria prejuízos em virtude das supostamente severas exigências do código antigo, que limitava excessivamente o modo de viver e produzir desse grupo já caracterizado pela hipossuficiência. No presente trabalho, aborda-se o Novo Código Florestal, especialmente quanto à eficácia de suas disposições relativas à agricultura familiar, tendo em vista que a garantia de tratamento adequado a este grupo foi um argumento importante para impulsionar a alteração legislativa. Pretende-se, assim, através de um estudo de caso no município de Porto Firme (MG), investigar a seguinte questão: a legislação aprovada, que muitos afirmam ter sido construída democraticamente, está sendo capaz de abarcar a complexidade social existente no contexto rural brasileiro, materializando-se na realidade vivenciada pelos sujeitos? Parte-se, para tanto, da hipótese de que a pluralidade existente na sociedade não tem sido considerada como uma questão fundamental no momento da aplicação do Código Florestal. Para análise do problema, parte-se também do pressuposto teórico de que a eficácia da lei depende não apenas da ação do Estado, através dos meios de controle e aplicação de

9 sanções, mas também da aceitação dos sujeitos envolvidos, que entendem tais normas como justas e as apoiam. O objetivo geral consiste, portanto, em analisar as possibilidades e os limites do Novo Código Florestal, sobretudo quanto à garantia de tratamento diferenciado à agricultura familiar, tendo como base de estudo a realidade do município escolhido. Busca-se, assim, compreender, através da prática dos operadores do direito e do cotidiano dos agricultores, o que essas normas têm garantido ou podem possibilitar quanto ao respeito à pluralidade. Inicialmente, no primeiro capítulo, pretende-se aprofundar o debate em torno da complexidade social e das distintas formas de se enxergar a natureza no Estado Democrático de Direito, bem como contextualizar o processo de construção da Lei Federal nº 12.651/2012, demonstrando os argumentos que fundamentaram a proposta de alteração legislativa, evidenciando, neste processo, a presença de discursos que se pautaram pela defesa do agricultor familiar. A partir deste enfoque, ressalta-se o fato de a nova legislação ter tido como uma de suas principais promessas a tentativa de abarcar a pluralidade de práticas vivenciadas no campo, o que deu origem a disposições normativas específicas destinadas a garantir igualdade material entre os sujeitos. Em seguida, é finalmente apresentado o estudo de caso realizado no município de Porto Firme (MG), que, considerando o lapso temporal percorrido desde a alteração legal, pretende investigar em que medida a norma tem sido capaz cumprir os objetivos que a fundamentaram, dando conta das diferentes práticas sociais encontradas no meio rural, especialmente quanto aos pequenos agricultores. Como a implementação da norma depende, dentre outros fatores, da atuação das entidades responsáveis por aplicá-la, o estudo é iniciado no segundo capítulo com análise da conjuntura atual de aplicação da legislação florística pelo Ministério Público Estadual atuante no município, de modo a evidenciar em que medida a nova lei tem dado condições para que a prática dos operadores do direito abarque a complexidade social. Para isso, são avaliados dados obtidos através de visitas à Promotoria de Justiça local, onde foram analisados diferentes documentos e procedimentos relacionados à legislação florística, como inquéritos civis e modelos de petição. Na segunda parte do estudo de caso, presente no terceiro capítulo, são analisadas entrevistas realizadas com agricultores familiares da zona rural do município, no intuito de ilustrar os impactos gerados pelo Novo Código Florestal na vida dessas pessoas, a visão que elas têm acerca da legislação ambiental em geral e, mais especificamente, do código, bem como o modo como se veem em relação às normas.

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Embora seja feita referência a dados quantitativos, a análise que se pretende é preponderantemente qualitativa. A partir dos dados obtidos, são elaboradas reflexões sobre as promessas do Novo Código, considerando as poucas mudanças já verificadas no mundo fático, bem como os possíveis entraves à concretização da norma, especialmente no que tange aos dispositivos que visam garantir igualdade material entre os atores sociais. O referencial teórico utilizado para análise dos dados compreende autores diversos, sobretudo da Sociologia do Direito e do Direito Ambiental. Por fim, é importante ressaltar que, devido à complexidade do tema e à riqueza dos dados obtidos através do trabalho de campo, não se pretende esgotar as questões ligadas à eficácia da legislação ambiental, tampouco desenvolver soluções para a problemática, o que iria além dos objetivos desta monografia. Deste modo, o presente trabalho pretende trazer mais reflexões do que respostas, evidenciando problemas cotidianos decorrentes da aplicação da lei que nem sempre são refletidos criticamente pelos operadores do direito.

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2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A REGULAMENTAÇÃO DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.

2.1 Complexidade social e Estado Democrático de Direito

O sociólogo alemão Jürgen Habermas explica que, em sociedades tradicionais, todos os domínios da vida social estão baseados em um conjunto de valores religiosos e míticos, de modo que uma visão global é compartilhada entre os sujeitos, servindo de referência para a ação. Neste tipo de sociedade, na qual a tradição é sagrada e incontestável, a discordância, quando presente, gera apenas a exclusão daquele que discorda1. Na passagem da forma social tradicional para a forma moderna de organização, o convívio social torna-se, porém, mais complexo, já que, dentre outros fatores, as formas de vida culturais são caracterizadas pela pluralidade, além de ser fortalecido o individualismo no plano pessoal e as pessoas estarem profundamente divididas entre doutrinas morais. Com o aumento do dissenso, não se pode mais legitimar a ordem social apenas com base na tradição2. Diante desse novo contexto, surge o problema de como tornar menos conflituosas as relações entre os sujeitos, estabilizando o dissenso, para que seja possível a integração social e para que diferentes perspectivas de ação possam ser canalizadas em ações comuns. Nas palavras de Habermas: Toda integração social não violenta pode ser entendida como a solução do seguinte problema: como é possível coordenar entre si os planos de ação de vários atores de tal modo que as ações de um partido possam ser engatadas nas de outro? Tal engate contínuo reduz o jogo de possibilidades de escolha, duplamente contingentes, a uma medida que possibilita o entrelaçamento menos conflituoso possível de intenções e ações, portanto o surgimento de padrões de comportamento e da ordem social em geral.3

Primeiramente, Habermas responderá a esta questão por meio do conceito de agir comunicativo, segundo o qual o entendimento surgirá por uma “linguagem intersubjetivamente compartilhada que contém critérios públicos de racionalidade”.4 Assim, a linguagem passa a ser explorada como fonte primária de integração social quando os

1 NOBRE, Marcos. Introdução. In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo (organizadores). Direito e Democracia: um guia para a leitura de Habermas. São Paulo: Malheiros, 2008, p.15-16. 2 Ibid, p. 16 e WERLE, Denílson L; SOARES, Mauro V. Política e Direito: A questão da legitimidade do poder político no Estado Democrático de Direito. In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo. Op. Cit. p. 135. 3 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. v.I. Trad: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 36. 4 MOREIRA, Luiz. Fundamentação do Direito em Habermas. 2ª Edição. : Mandamentos, 2002, p. 117.

12 participantes adotam a performance de alguém que deseja “entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no mundo”.5 Neste caso, as energias de ligação da linguagem podem ser mobilizadas para coordenação dos planos de ação, o que não ocorre quando essa linguagem é apenas medium para a transmissão de informações. A crescente necessidade de integração nas sociedades modernas, cada vez mais complexas e diferenciadas, demonstra, entretanto, um fardo maior do que os mecanismos de entendimento disponíveis podem suportar.6Assim, entendendo que a linguagem, ainda que utilizada comunicativamente, não será suficiente, Habermas encontra uma saída no Direito legítimo, criado por meio de uma política deliberativa, que servirá como medium de integração e estabilização social.7 O autor entende que a perpetuação do reconhecimento recíproco de direitos, para que ultrapasse a mera concepção de um evento a ser ritualizado, exige a instauração do poder do Estado. Além disso, haveria uma interligação conceitual entre direito e poder político da qual resultaria a necessidade de se “canalizar o poder político executivo, de organização e de sanção, pelas vias do direito”8. Assim, no modelo habermasiano: O Estado é necessário como poder de organização, de sanção e de execução, porque os direitos têm que ser implantados, porque a comunidade de direito necessita de uma jurisdição organizada e de uma força para estabilizar a identidade, e porque a formação da vontade política cria programas que tem que ser implementados.9

No Estado de Direito, a legitimidade será decorrência não da forma ou do conteúdo moral do direito, mas sim do procedimento que instaura o direito. Da mesma forma, o que legitima o exercício do poder político é a sua ligação com o direito legitimamente instituído. E, nas sociedades modernas, “só vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade”.10 Nesse contexto, a ideia de que o poder político emana do povo é decorrência dos procedimentos democráticos aos quais é submetido. No entanto, para Habermas, isso não que dizer que basta o simples consentimento dos cidadãos. O que ele defende, na verdade, é que o “consentimento dos cidadãos deve ser gerado no processo racional de formação política da

5 HABERMAS, Jürgen. Op. Cit. p. 36, grifo do autor. 6 Ibid, p. 46. 7 MIRANDA, Maressa da Silva. O mundo da vida e o direito na obra de Jürgen Habermas. Primas Jur. São Paulo, vol. 8, nº 1, p. 97-119, jan./jun. 2009, p. 99. Disponível em: Acesso em: 02 jan 2014. 8 HABERMAS, Jürgen. Op. Cit., p. 169. 9 Ibid, p. 171. 10 Ibid, p. 172.

13 opinião e da vontade, em fóruns públicos de deliberação, abertos, em princípio, a todos”11. Assim, quanto maior a participação da sociedade civil em debates públicos sobre as decisões a serem tomadas pelo Estado, maior será a base de conhecimentos envolvidos na solução do tema, o que garante, também, mais legitimidade. A partir dessa perspectiva, de uma ordem jurídica que se abre à efetiva participação dos sujeitos envolvidos, o medium “direito” será utilizado não só para regulamentação de situações problemáticas que envolvam indivíduos ou partes contrárias em um conflito, sendo também solicitado para situações que exigem a “persecução cooperativa de fins coletivos e a garantia de bens coletivos”.12 Nesta segunda situação estão os problemas ligados ao Direito Ambiental, pois aborda a utilização de bens comuns, pertencentes à coletividade, não havendo como determinar individualmente quem serão os beneficiados pelas normas reguladoras da exploração dos recursos naturais.

2.2 A busca do consenso em Direito Ambiental

Ainda que se trate de bens coletivos, as questões ambientais têm sido fonte de grande dissenso, principalmente por força dos diferentes modos de se enxergar e utilizar a natureza presentes nas sociedades contemporâneas. Este fato colabora para que os envolvidos em um debate de regulamentação do tema apresentem soluções muitas vezes inconciliáveis, impedindo a cooperação e o consenso. O conflito entre interesses individuais e o bem comum no uso de recursos finitos é trabalhado por alguns autores a partir da ideia de “Tragédia dos Comuns”, de acordo com a qual o livre acesso e a demanda irrestrita por bens naturais acabam por condenar os recursos em virtude da superexploração13. Em pequena escala, conflitos deste tipo parecem mais fáceis de solucionar, no entanto, nas sociedades atuais, compostas por milhões de pessoas com diferentes interesses, o problema se agrava. Como o impacto gerado individualmente no meio ambiente é quase imperceptível, já que são muitos os envolvidos nesta dinâmica de exploração e os laços comunitários não se mostram tão fortes, as razões para preservação

11 WERLE, Denílson L; SOARES, Mauro V. Política e Direito: A questão da legitimidade do poder político no Estado Democrático de Direito. In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo (org.). Direito e Democracia: um guia para a leitura de Habermas. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 135. 12 HABERMAS, Jürgen. Op. Cit. p. 194. 13 PERSSON, Ingmar; SAVULESCU, Julian. Unfit for the future: the need for moral enhancement. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 68-70.

14 parecem não surgir na consciência dos sujeitos com tanta facilidade.14 Autores da Ética Prática como Ingmar Persson e Julian Savulescu também apontam como dificuldades para a cooperação as controvérsias científicas ligadas às questões ambientais em geral, sobretudo quanto aos efeitos em longo prazo do aquecimento global e da emissão de gases de efeito estufa. O fato de os efeitos danosos desses fenômenos só ocorrerem em um futuro distante é algo que dificulta a sensibilização para o problema e a busca de soluções comuns15. Ademais, além das incertezas científicas e da falta de percepção dos indivíduos acerca de sua contribuição para agravamento do problema, há também interesses econômicos que, em certos casos, pressionam o poder político para a tomada de decisões contrárias ao ideal de preservação. No Brasil, o Direito Ambiental ganha força principalmente na década de 1980, quando a legislação sobre a matéria passa a ser desenvolvida com mais consistência. Até aquele momento, as leis existentes tratavam do tema de forma diluída, não se preocupando em proteger o meio ambiente de uma maneira global: Essa situação desvirtuada, que durou quase cinco séculos, começou a mudar radicalmente (...) no início da década de 1980, sob o influxo da onda conscientizadora emanada da Conferência de Estocolmo, de 1972. Como que para compensar o tempo perdido, ou talvez por ter a Ecologia se tornado tema do momento, passaram a proliferar, em todos os níveis do Poder Público e da hierarquia normativa, diplomas legais mais ambiciosos, voltados para a proteção do patrimônio ambiental do país, segundo uma visão global e mais sistêmica.16

A partir dessa época, marco de uma mudança de paradigma, a legislação ambiental brasileira passa também a enfatizar instrumentos para garantia da participação popular, sendo um dos princípios do Direito Ambiental a participação comunitária, que alguns autores trabalham como Princípio Democrático. Esta participação popular insere-se em um quadro mais amplo, não sendo exclusiva deste ramo do Direito. Ainda assim, na proteção do meio ambiente o princípio tem especial relevância, sendo contemplado no artigo 225 da Constituição da República de 1988, de acordo com o qual: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.17 (grifo nosso)

Esse princípio expressa que a solução dos problemas deve enfatizar a cooperação entre

14 PERSSON, Ingmar; SAVULESCU, Julian. Unfit for the future: the need for moral enhancement. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 72. 15 Ibid, p. 73-74. 16 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1047. 17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. Organização de Joyce Angher. 12ª.ed. São Paulo: Rideel, 2012, p. 84.

15 a sociedade e o Estado, de modo que haja participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na execução da política ambiental18. Essa participação pressupõe, ainda, o direito à informação, e conta com mecanismos diversos, dentre os quais podem ser citadas a ação popular, a ação civil pública, a participação em audiências públicas e a presença da sociedade em órgãos ambientais colegiados. Apesar de todos os esforços, que abarcam não só o aumento da proteção ambiental de fato como a democratização dos espaços de discussão e implementação da matéria, verifica- se, na prática, um grande descompasso entre os objetivos da legislação vigente e a realidade social. Pode-se dizer que este problema está ligado, dentre outros fatores, à eficácia da norma, que diz respeito ao seu grau de cumprimento dentro da prática social, bem como à adequação interna da norma, referente à capacidade da lei atingir os fins desejados pelo legislador.19 Notícias sobre violações à lei ambiental veiculadas na mídia trazem algumas indagações importantes sobre as causas desse desrespeito massivo, fazendo com que surjam dúvidas sobre a capacidade de a legislação atual cumprir os objetivos para os quais foi traçada. Nesse contexto, e tendo como principal argumento a dificuldade de cumprimento de suas disposições, foi proposto o projeto de lei nº 1.876/99, que iniciou um movimento para alteração do antigo código florestal (Lei nº 4.771/65), culminando na aprovação da lei federal nº 12.651/2012.

2.3 Legislação florística em debate: argumentos para alteração do Código Florestal e arranjo final da nova lei.

O primeiro Código Florestal Brasileiro data de 1934 (Decreto nº 23.793), quando, com o fim da República Velha, passa a predominar no campo político um ideal de intervenção estatal na economia, com o objetivo de promover o desenvolvimento.20 Dirimindo leis esparsas sobre o tema, este código tratava a flora como importante bem econômico, no entanto mostrou-se insuficiente para enfrentar os problemas surgidos pela exploração madeireira e pela crescente necessidade de proteção da natureza. Como o primeiro código não cumpriu satisfatoriamente seus objetivos, foi

18 MILARÉ, Edis. Op. Cit. p. 1080. 19 SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 63. Nesta obra, Sabadell diferencia a repercussão social das normas jurídicas em: efeitos da norma (qualquer repercussão social), eficácia da norma (grau de cumprimento) e adequação interna (capacidade de alcançar os objetivos estabelecidos pelo legislador). A autora explica que outros autores, porém, ao tratar dos impactos sociais das normas, utilizam termos como “eficácia”, “eficácia social”, “efetividade” e “eficiência” do direito. 20 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 497.

16 apresentado, em 1950, um novo projeto de lei, que, após longo debate legislativo, foi aprovado em 1965, já no contexto do regime militar21. Posteriormente, o diploma foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, sendo substituído apenas no ano de 2012, após o polêmico debate em torno da aprovação da Lei Federal nº 12.651/2012. Primeiramente, vale ressaltar que, no quadro jurídico constitucional brasileiro, o Código Florestal tem a natureza de lei geral, dispondo sobre florestas e demais formas de vegetação22. Neste diploma legal estão previstas as áreas consideradas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, normas relativas ao suprimento de matéria-prima florestal, controle da origem de bens florestais, dentre outras23. As disposições constantes nesta norma têm impacto direto na preservação da biodiversidade, porém, ao mesmo tempo, interferem na maneira como as pessoas poderão utilizar a natureza, limitando o uso da propriedade por um regime jurídico peculiar, que estabelece ao proprietário o dever de preservação do meio ambiente24. Dessa maneira, essa lei limita os interesses daqueles que pretendem utilizar os recursos naturais, obrigando-os a conciliá-los com o interesse coletivo de preservação. Em meio a este dilema que se orientou o debate para a recente alteração legal, impulsionado principalmente por aqueles que afirmavam ser muito difícil aliar a produção agropecuária com as supostamente severas exigências do Código Florestal de 1965. A partir do mapeamento realizado por Lelis25, nota-se que os principais argumentos dos defensores da mudança da legislação florestal podem ser encontrados no relatório “dedicado aos agricultores brasileiros”, de autoria do Deputado Federal Aldo Rebelo. No documento, defende-se que a lei de 1965 não teria acompanhado as mudanças sociais e econômicas, tornando-se inadequada para seu tempo, motivo pelo qual os defensores da mudança falavam em “modernização” e “atualização” do Código Florestal, que corresponderia, na verdade, à sua integral modificação. Rebelo afirma que a lei teria sofrido alterações unilaterais por parte do executivo, o que teria levado muitos agricultores à marginalidade, em decorrência de sanções excessivas. Além disso, argumentou-se também que o debate em torno da preservação ambiental e da manutenção da legislação antiga seria em grande parte influenciado por organizações não governamentais e governos de nações

21 LELIS, Davi Augusto Santana. Entre o Discurso e a Norma: Uma Análise Sobre O Procedimento Legiferante Em Torno Do Novo Código Florestal. 2011. 129f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós- graduação em Extensão Rural – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2011, p. 4. 22 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. Cit. p. 500-502. 23 Art. 1º da Lei no 12.651/2012. 24 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. Cit. p. 502-503. 25 LELIS, Davi Augusto Santana. Op. Cit. p. 59.

17 desenvolvidas, que teriam interesses contrários ao desenvolvimento econômico brasileiro26. Em análise do teor das audiências públicas realizadas pelo país, Rebelo sintetiza também alguns outros problemas apontados na lei nº 4.771, entre os quais vale citar: demora nos processos de licenciamento ambiental; necessidade de aumentar a produção de alimentos; necessidade de uma lei específica para cada bioma; necessidade de a legislação promover um maior aproveitamento econômico; impossibilidade de cumprimento das disposições da lei vigente; necessidade de alteração da forma de atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); o fato de a legislação não dever criminalizar os agricultores; interesse dos agricultores em conservar e compensar em outros estados; necessidade de redefinição das competências do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); necessidade de conjugação do aspecto econômico com o aspecto ambiental27. Percebe-se que o pressuposto de que o antigo Código Florestal mostrava-se demasiadamente alheio às necessidades de seu tempo estava ligado principalmente a aspectos econômicos, relacionados com o potencial produtivo das propriedades rurais. Os defensores da alteração também utilizavam como estratégia argumentativa a ideia de que a mudança beneficiaria não só os grandes proprietários, mas também os pequenos produtores, que seriam, na verdade, os mais marginalizados pela atual conjuntura de aplicação da lei. Nesse sentido, Rebelo menciona em seu relatório que: A imensa maioria de pequenos e médios proprietários pratica ainda uma agricultura pré-capitalista ou semi-capitalista, quase de subsistência, de baixo uso de capital e tecnologia. O declínio do preço médio do que produzem não tem como ser compensado pela aplicação de ganhos tecnológicos ou de capital. Esse agricultor e criador é o mais vulnerável às restrições ambientais. Pressionado, ou mergulha na ilegalidade, ou na teia de multas e autuações dos órgãos ambientais e do Ministério Público.28 (grifo nosso).

Outra voz presente na mídia a favor da alteração legislativa foi a da senadora e pecuarista Kátia Abreu (PSD/TO), que, ao tratar do tema das áreas de preservação permanente ao longo dos cursos d’água, também demonstrou preocupação com os pequenos e médios produtores: (...) Como vamos fazer com essas pessoas que estão um pouquinho mais encostadas no rio, que são pequenos e médios agricultores? Porque eu repito aqui sempre, não canso de repetir: para os grandes agricultores, aqueles que plantam a agricultura extensiva, como a soja, como o milho, como o algodão (...), para eles tanto faz 15 metros, 30 metros, 50 metros, até 100 metros. Não faz diferença na sua vida, no

26 LELIS, Davi Augusto Santana. Op. Cit. p. 59-62. 27 Ibid, p. 68-70. 28 REBELO, Aldo. Parecer do relator deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao projeto de lei nº. 1876/99 e apensados. 2010. Disponível em Acesso em: 01 jan 2014.

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seu cotidiano e no seu plano de negócios, mas para o pequeno e médio produtor pode ser o seu fim, pode ser que ele fique sem nada, pode ser que ele tenha que vender as suas vacas de leite, pode ser que ele tenha que vender os seus carneiros, que ele tenha que desmanchar a sua pocilga, a sua suinocultura, a sua avicultura, a sua horta, a sua rocinha de milho, a sua cana, que ele produz para dar o que comer para as vacas de leite, que precisam de uma alimentação com mais gordura. (...) Então, nós nos preocupamos muito com isso29. (grifo nosso).

Um fato interessante é que o ideal de defesa dos pequenos agricultores foi também crucial na argumentação daqueles que debatiam pela manutenção da antiga lei. Em oposição ao projeto de mudança, o Deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirma que os pequenos produtores rurais e suas entidades defendiam a manutenção do Código Florestal anterior, sendo necessários apenas financiamentos e políticas públicas capazes de garantir “práticas de educação ambiental que aliem produtividade, distribuição de renda e preservação ambiental”30. A inclusão dos pequenos agricultores no discurso tanto dos defensores quanto dos opositores do projeto de lei nº 1.876/99 dá indícios de que este era um argumento com visibilidade na esfera pública, já que, ao defender os produtores rurais em condições menos favorecidas no âmbito do mercado, o falante poderia aumentar seu poder de convencimento. Além disso, essa estratégia demonstra que o entendimento dos pequenos agricultores e de suas entidades representativas quanto às propostas de alteração legal poderia estar sendo disputado pelos dois grupos, que buscavam o convencimento e apoio destes produtores. Pode ter colaborado para a utilização dessa estratégia argumentativa também outro fator, relacionado com o importante papel assumido pela agricultura familiar na dinâmica do mercado interno. Conforme Censo Agropecuário realizado em 2006, a partir dos critérios estabelecidos pela lei da agricultura familiar (Lei nº 11.326/2006)31, este tipo de agricultura está presente em 84.4% dos estabelecimentos rurais brasileiros, mesmo possuindo área equivalente a apenas 24.3% das terras. Além disso, detém 76.4% do pessoal ocupado no campo, bem como produz grande parte dos alimentos consumidos internamente, tais como a mandioca (87%), o feijão (70%), o milho (46%), o café (38%), o leite (58%), as aves (50%) e os suínos (59%)32. Para não extrapolar os objetivos do presente trabalho, não será investigado o real

29 ABREU, Kátia. Homenagem à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA –, pela passagem do seu aniversário de 60 anos. 2011. Senado Federal: Portal Atividade Legislativa, Pronunciamentos. Disponível em Acesso em: 01 jan 2014. 30 VALENTE, Ivan. Apud. LELIS, Davi Augusto Santana. Op. Cit. p. 85. 31 Os critérios utilizados para enquadrar um agricultor como familiar serão abordados adiante. 32 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Agricultura Familiar e o Censo Agropecuário 2006. Brasília, 2009. Disponível em Acesso em: 02 jan. 2014.

19 posicionamento dos pequenos agricultores ou as divisões ideológicas presentes internamente nesta categoria. O que interessa aqui é demonstrar que, no contexto de disputa pelo conteúdo da nova legislação florestal, a pequena agricultura foi abordada e supostamente defendida por todos os atores envolvidos. Com a aprovação da Lei Federal nº 12.651 em maio 2012, que instituiu o novo Código Florestal, surgem, assim, questionamentos fundamentais: terão sido realmente considerados os pequenos agricultores nesta mudança legislativa? Em que medida os problemas sofridos por essa categoria influenciaram a construção da nova lei? Essa lei traz, ao menos formalmente, algum tratamento diferenciado para os pequenos agricultores? Quanto ao aspecto formal, o código atual utiliza o conceito de pequena propriedade ou posse rural familiar como sendo: (...) aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3o da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006.33

A legislação referente à agricultura familiar (Lei no 11.326/2006), por sua vez, estabelece que: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011) IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. § 1o O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.

Assim, vê-se que, apesar de todas as discussões conceituais, o novo código trabalha com os termos “pequena propriedade” ou “posse rural familiar”, mas determina que, para serem incluídos nesta categoria, os produtores deverão atender também aos requisitos de tamanho máximo da área, mão de obra predominantemente familiar, percentual mínimo oriundo das atividades do estabelecimento e direção do empreendimento pela família, determinados pela lei referente à agricultura familiar. Diante disso, para o novo Código Florestal, quando se fala em pequenos produtores está em debate a agricultura familiar.34

33 Art. 3º, V, Lei 12.651/2012. 34 É importante mencionar que, quanto a este ponto, o Novo Código Florestal tem gerado polêmicas, já que, ao mesmo tempo em que estabelece vários requisitos para a pequena propriedade ou posse rural familiar, estende o

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Esse enquadramento legal não foi criado, porém, sem motivo. Ele vem justamente da necessidade de se estabelecer um tratamento diferenciado para os produtores que realizam atividades distintas da agricultura empresarial, o que se verifica em alguns trechos da legislação aprovada. Sem adentrar em detalhes específicos que não serão objetivo do presente trabalho, vale mencionar algumas dessas disposições. O capítulo XII da nova legislação, intitulado “Da Agricultura Familiar”, contém variadas disposições nas quais é oferecido tratamento mais adequado a este tipo de agricultores. Assim, alguns procedimentos para regularização são simplificados, tais como: o registro no CAR – Cadastro Ambiental Rural35; a intervenção e a supressão em áreas de APP (Área de Preservação Permanente) e de Reserva Legal para atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, que dependerá apenas de declaração ao órgão competente36; autorização simplificada para manejo sustentável da Reserva Legal com propósito comercial direto ou indireto37. Além disso, o registro da área de Reserva Legal dos imóveis destes produtores será gratuito, cabendo ao poder público prestar apoio técnico e jurídico38. Por fim, vale citar a permissão para que os pequenos agricultores realizem o plantio de culturas temporárias e sazonais de de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo, bem como seja protegida a fauna silvestre39. Pelo exposto, pode-se perceber que os legisladores tentaram, acima de tudo, simplificar os trâmites para adequação das pequenas propriedades à legislação florística, de modo a garantir igualdade material aos diferentes atores sociais presentes no campo brasileiro. Apesar de ter sido aumentado o número de disposições referentes à pequena agricultura, é preciso, ainda, fazer a ressalva de que alguns dos tratamentos diferenciados já existiam na lei anterior, como é o caso do dever de apoio técnico e jurídico pelo Poder Público, da gratuidade do registro (averbação) da reserva legal da pequena propriedade, dentre outros40. Contextualizado o debate, é importante atentar para o fato de que a eficácia da nova lei dependerá não só da ação do Estado, que conta com mecanismos de controle e aplicação de

tratamento dispensado a estes produtores às propriedades e posses rurais com até quatro módulos fiscais que desenvolvam atividades agrossilvipastoris (Art. 3º, parágrafo único, Lei 12.651/2012). 35 Art. 53, Lei 12.651/2012. 36 Art. 52, Lei 12.651/2012. 37 Art. 57, Lei 12.651/2012. 38 Art. 53, parágrafo único, Lei 12.651/2012. O “registro” mencionado na nova lei corresponde ao registro da Reserva Legal no Cadastro Ambiental Rural, o que é diferente do registro requerido na lei anterior, correspondente à averbação da Reserva Legal junto à matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. 39 Art. 4º, § 5º, Lei 12.651/2012. 40 Art. 16, § 9º, Lei nº 4771/65 (Código Florestal revogado).

21 sanções, mas também de processos de legitimação, mediante os quais as regras são aceitas como justas e, diante disso, apoiadas por seus participantes41. Assim, partindo dessa perspectiva e considerando que já se passou mais de um ano da aprovação do novo código, passaremos, nos próximos capítulos, a um estudo de caso no município de Porto Firme, Minas Gerais. A pesquisa terá como base a conjuntura atual de aplicação da norma, tendo como recorte metodológico dois sujeitos envolvidos, o Ministério Público estadual, que tem como atribuição a defesa do meio ambiente, e os agricultores familiares domiciliados na zona rural do município, grupo que sofreria impactos diretos com a mudança legislativa. Pretende-se averiguar se essa lei, que afirma ter sido construída democraticamente, com capacidade para abarcar complexidade social, tem relação com a realidade estudada, materializando-se, de modo que seja possível o respeito às suas disposições. Busca-se, assim, refletir: em que medida a legislação aprovada tem proporcionado condições para que a atuação dos operadores do direito, no caso o Ministério Público, possa levar em conta a pluralidade de práticas sociais encontradas no meio rural, respeitando, assim, a diversidade presente no Estado Democrático de Direito? Que efeitos essa nova legislação tem na vida das pessoas? O novo Código Florestal é instrumento suficiente para essa realidade que é plural no contexto dos sujeitos? Como os pequenos agricultores se veem em relação à norma?

41 MAIA, Rousiley C.M; SANTIAGO, Daniela. Entre o Mercado e o Fórum: o debate anti-tabagismo na cena midiática. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Política”. Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS). 2005, p.7.

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3 ESTUDO DE CASO EM PORTO FIRME (MG): CONJUNTURA ATUAL DE APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO E ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.

3.1 Estudo de caso: o município de Porto Firme (MG)

Para os fins da presente pesquisa, erigiu-se o município de Porto Firme como recorte metodológico no que se refere à amplitude da investigação. Tal escolha se justifica pelas características do município, tais como a sua população ser eminentemente rural e agrícola, já que 54 % dos habitantes estão domiciliados no campo42, bem como pela presença de 14% da cobertura original de Mata Atlântica remanescente43, com área de floresta natural de 3.871 hectares, onde, deste total, 966 hectares representam áreas de preservação permanente e de reserva legal44. A recente ocorrência de escândalos relativos ao descumprimento da legislação ambiental na cidade também torna a escolha interessante. Em 2008, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Polícia Militar de Meio Ambiente, a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual atuaram na operação denominada “Ouro Negro”, através da qual, mediante o cruzamento de dados entre o volume de carvão declarado ao IEF e aquele recebido pelas empresas consumidoras, verificou-se o uso indevido de documentos ambientais no acobertamento de carvão ilegal. Em Porto Firme, 35 propriedades rurais foram autuadas, gerando multas que chegaram a aproximadamente quatro milhões de reais, tendo sido encontrado cerca de 41m3 de carvão além das autorizações emitidas45. Na ocasião, também foram efetuadas prisões de pessoas influentes na região, como um ex-prefeito municipal e dois comerciantes46.

42 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2010: resultados do universo – Características da população e dos domicílios. Disponível em: < http://cod.ibge.gov.br/rw60> Acesso em: 05 jan. 2014. A partir dos dados obtidos na página do IBGE, verifica-se que Viçosa e têm, respectivamente, 7% e 32% da população residente em área rural, percentual que é significativamente menor que o de Porto Firme. 43 FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA. Atlas dos remanescentes florestais. Disponível em: Acesso em: 05 jan. 2014. 44 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário 2006. Cidades@: Histórico. Disponível em: Acesso em: 05 out. 2012. 45 INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Operação Ouro Negro aplica multas de R$ 4 milhões. Belo Horizonte, 17 jun. 2008. Disponível em: Acesso em: 05 jan. 2014. 46 INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Operação Ouro Negro efetua três prisões. Belo Horizonte, 19 jun. 2008. Disponível em: < http://www.ief.mg.gov.br/noticias/1/672-operacao-ouro-negro-efetua-tres-prisoes> Acesso em: 05 jan. 2014.

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Os fatos citados certamente repercutiram publicamente, fazendo com que os habitantes locais, especialmente aqueles ligados à agricultura e à atividade carvoeira, refletissem sobre as exigências da legislação e sobre a atuação dos órgãos de fiscalização.

3.2 A atuação do Ministério Público

Dentro do atual quadro jurídico brasileiro, o Ministério Público é considerado “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”47. Além disso, é atribuição da instituição promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos48. Em Minas Gerais, o Ministério Público Estadual (MPMG) tem se mostrado uma das principais instituições de defesa do meio ambiente, apresentando alguns modelos de organização inovadores, como a criação dos centros operacionais por bacia hidrográfica em 2009, que, a partir de coordenadorias especializadas, tem tentado priorizar uma atuação otimizada e uniforme, que consiga atuar extrajudicialmente resolvendo conflitos e acompanhando processos de licenciamento49. Quando iniciada a discussão do Projeto de Lei nº 1.876/99 para alteração do Código Florestal, foi criada no MPMG uma comissão composta pelas equipes do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente (CAO-MA) e das Coordenadorias Regionais das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente para acompanhar as possíveis alterações legislativas e preparar a instituição para traçar um posicionamento.50 Após a aprovação da nova lei, foi publicado pelo órgão o documento “Manual Novo Código Florestal”, onde são expostas posições que vêm sendo adotadas, com sutis alterações, por outras instituições estaduais e pelo Ministério Público Federal. Os posicionamentos defendidos no documento não são obrigatórios, já que os membros do Ministério Público têm como garantia a independência funcional51, o que lhes

47 Art. 127, Constituição da República de 1988. 48 Art. 129, III, Constituição da República de 1988. 49 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MPMG celebra dez anos das PJs de Defesa das Bacias Hidrográficas. Disponível em: Acesso em: 05 jan 2014. 50 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Manual Novo Código Florestal. Revista do MPMG. 2013. Disponível em: Acesso em: 05 jan 2014. 51 Art. 127, parágrafo 1º, Constituição da República de 1988.

24 permite uma atuação independente, a partir do livre convencimento, não havendo, assim, vínculo de subordinação hierárquica. Apesar disso, em Porto Firme tem sido adotados os entendimentos mencionados no referido documento, motivo pelo qual estas ideias terão influência nos dados colhidos e, portanto, serão abordadas nos tópicos seguintes. Para os objetivos do presente trabalho, foram realizadas visitas ao Ministério Público de Piranga/MG, comarca da qual Porto Firme faz parte, para averiguar a conjuntura local de aplicação do novo Código Florestal. Inicialmente, optou-se por fazer um recorte metodológico, de modo que somente os inquéritos civis por violação à legislação florística em curso seriam analisados. Quando da realização do trabalho de campo verificou-se, no entanto, que os dados eram insuficientes. Assim, foram acrescidos à pesquisa pareceres, modelos de petições, alguns outros documentos e informações prestadas pela equipe da promotoria. Diante do volume de informações colhidas, passaremos inicialmente à análise das estratégias de atuação do Ministério Público em âmbito nacional, restringindo-nos àqueles adotadas pelo promotor de justiça em exercício na comarca e que tenham relação direta com o objetivo da pesquisa. Em seguida, passaremos à análise dos dados colhidos por meio dos inquéritos civis e outras fontes de informação referentes à atuação do parquet52 em Porto Firme/MG na defesa do meio ambiente.

3.2.1 O posicionamento do Ministério Público diante da nova legislação.

A aprovação da Lei 12.651/2012 tem sido encarada pelo Ministério Público como um grande retrocesso na proteção do meio ambiente. Apesar de alguns promotores justiça e procuradores da república acreditarem que houve avanços diante do projeto de lei original, a norma aprovada ainda não condiz com o almejado pelos membros da instituição. Com base no princípio constitucional implícito da “Proibição de Retrocesso dos Direitos Socioambientais”, de acordo com o qual a tutela normativa ambiental deve operar de modo progressivo, não admitindo retorno a um nível de proteção inferior ao já existente, o MP faz críticas severas a algumas disposições da legislação. Os pontos mais refutados foram objeto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade53 ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR)54,

52 A expressão “parquet”, muito utilizada no Direito Brasileiro, tem origem francesa e é sinônimo de Ministério Público. 53 A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que é um dos instrumentos do controle concentrado de constitucionalidade, tem por objetivo declarar que uma lei ou parte dela é inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição da República. 54 O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público Federal e do Ministério Público da União, sua legitimidade para propor ADI está prevista no artigo 103, VI, da Constituição da República.

25 de números 4901, 4902 e 490355, que questionam dispositivos referentes às áreas de preservação permanente56, à redução da reserva legal57, à anistia para quem promoveu degradação ambiental antes de 22 de julho de 200858, dentre outros. Na ADI nº 4903, também é questionado o parágrafo único do art. 3º da lei nº 12.651/2012, que, de acordo com entendimento da Procuradoria Geral da República, estaria equiparando o tratamento dado à agricultura familiar (pequenas propriedades ou posse rurais familiares) àquele dirigido às propriedades com até 04 módulos fiscais59. Na petição inicial, é defendido que o tratamento diferenciado recebido pela agricultura familiar está presente em vários dispositivos e é justo, tendo em vista que a realidade destes produtores é distinta daquela vivenciada por quem explora a propriedade de maneira empresarial60. A controvérsia surge, porém, no ponto em que a lei estabelece: Art. 3° Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (...) Parágrafo único: Para os fins desta Lei, estende-se o tratamento dispensado aos imóveis a que se refere o inciso V deste artigo às propriedades e posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais que desenvolvam atividades agrossilvipastoris, bem como às terras indígenas demarcadas e às demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território. (grifo nosso).

Para a PGR, a parte acima grifada ofende o princípio da isonomia, pois faz uma equiparação não autorizada de duas situações substancialmente distintas:

55 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo recebe ADIs contra dispositivos do novo Código Florestal. Portal de notícias do STF. 22 jan. 2013. Disponível em Acesso em: 05 jan 2014. 56 As mudanças nas áreas de preservação permanente são mencionadas especialmente na ADI nº 4903, que discute, dentre outros dispositivos, aqueles referentes às intervenções em APP que não exigem explicitamente a demonstração de inexistência de alternativa técnica e/ou locacional (art. 3°, VIII e IX, 4°, 6° e 8°). Também são abordados nessa ação dispositivos que permitem a intervenção em APP para atividades recreativas e gestão de resíduos (inciso VIII do art. 3°), a prática de aqüicultura em APP (§6° do art.4°), a intervenção nos manguezais e restingas para a implementação de projetos habitacionais onde esses ecossistemas estejam comprometidos (§ 2° do art. 8°). 57 A redução das áreas de reserva legal é questionada principalmente na ADI nº 4901, que aborda os parágrafos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do artigo 12, cujas disposições permitiriam a redução da reserva legal quando da existência de terras indígenas e unidades de conservação de domínio público em território municipal, bem como a dispensa de constituição da reserva por empreendimentos de abastecimento público de água, tratamento de esgoto, exploração de energia elétrica e implantação ou ampliação de ferrovias. 58 O tema da anistia de multas é abordado especialmente na ADI nº 4902, na qual se questiona: o § 3º do art. 7º (permite a concessão de autorizações de supressão de vegetação para quem desmatou antes de 22 de julho de 2008, sem exigir a recuperação da área); o artigo 17 (dispõe ser obrigatória a suspensão de atividades em área de Reserva Legal apenas para quem desmatou irregularmente após 22 de julho de 2008); § 4o do art. 59 (suspende as atividades fiscalizatórias e as medidas administrativas exigíveis pelo Poder Público para infrações cometidas até julho de 2008); art. 61-A e 63 (possibilitariam a consolidação de danos ambientais ocorridos antes de 22 de julho de 2008 em áreas de preservação permanente). 59 No Brasil, o módulo fiscal é determinado pelo INCRA, considerando as peculiaridades de cada município, variando de 05 a 110 hectares. 60 PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4903. Distribuição no STF em 18 de jan. 2013. Disponível em Acesso em: 7 jan. 2014.

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Embora o tamanho da propriedade seja relevante, há outros critérios legalmente previstos para utilização do conceito de agricultura familiar como a utilização de mão de obra predominantemente familiar e, principalmente, o fato de um percentual expressivo da renda familiar advir das atividades econômicas do estabelecimento rural dirigido pela família. A indevida equiparação gera, ademais, situações incompatíveis com o objetivo de proteção ambiental, beneficiando, de forma totalmente injustificada, proprietários rurais que descumpriram a legislação anteriormente vigente. A ilustrar tal fato, da forma como redigido o parágrafo único do art. 3°, poderá ser beneficiado por disposições da lei o proprietário de um imóvel rural de até 440 hectares que o utilize apenas para lazer e, mesmo assim, tenha realizado edificações ilegais em áreas de preservação permanente.61

Além das ADIs, outras duas estratégias estão sendo utilizadas em âmbito nacional e adotadas em Minas Gerais. A primeira delas é a utilização de Ações Civis Públicas para casos concretos, nos quais é requerido que seja feito o controle difuso de constitucionalidade62, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da nova lei, com efeitos entre as partes. Em Piranga, a promotoria de justiça tem adotado essa postura, especialmente quanto ao art. 61-A63, que dispõe sobre as áreas de preservação permanente consolidadas até 22 de julho de 2008. Por fim, o Ministério Público tem entendido que, até a implantação plena e registro da Reserva Legal no Cadastro ambiental Rural (CAR)64, a obrigação de averbação da área junto à matrícula do imóvel ainda se mantém. Assim, em Piranga e várias outras comarcas foram expedidas recomendações aos Cartórios de Registros de Imóveis nesse sentido. No Estado de Minas Gerais o tema gerou algumas controvérsias, mas a questão foi resolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através de medida cautelar no Procedimento de Controle Administrativo de nº 2118-22.2013.2.00.0000, que sustou os efeitos da Orientação nº 59.512/2012 e do Provimento nº 542/2012, ambos da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que dispensavam a obrigação de averbação da Reserva Legal65.

61 PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, Op. Cit., p. 37-38. 62 Neste tipo de controle de constitucionalidade, também denominado incidental, a inconstitucionalidade de uma lei é verificada de forma indireta, através da análise de situações concretas que poderão ser analisadas tanto por juízes singulares quanto por órgãos colegiados. Caso o tribunal ou juiz verifique que a norma aplicável ao caso concreto não está em conformidade com a constituição, poderá deixar de aplicá-la naquele caso específico. 63 Lei 12.651/2012, Art. 61-A: “Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.” 64 Art. 17, parágrafo 4º da Lei 12.651/2012. 65 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Procedimento de Controle Administrativo nº 0002118- 22.2013.2.00.0000. Requerente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais e outros. Requerido: Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator: Conselheiro Representante do TST. Brasília. 19 de abril de 2013. Disponível em: Acesso em: 06, jan. 2014.

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3.2.2 Aplicação da Lei 12.651/2012 pelo Ministério Público em Porto Firme.

Na Comarca de Piranga, que abrange os municípios de Piranga, Porto Firme, Presidente Bernardes e , há apenas uma Promotoria de Justiça. Assim, a equipe formada por um promotor de justiça, um oficial e um analista é responsável por atuar em áreas diversas, tais como Infância e Juventude, Cível, Meio Ambiente, Patrimônio Público e Criminal. Nos últimos anos, alguns problemas relacionados à estrutura e quadro de pessoal dificultaram a atuação local. Segundo informações repassadas pela equipe, desde a criação da Promotoria de Piranga, em 2004, até 2010 não havia promotor titular, sendo as atividades exercidas em sistema de cooperação com promotores de outras comarcas, o que tornava o trabalho menos eficaz. Em 2011 vieram os primeiros promotores titulares, mas ficaram por aproximadamente um ano cada um, período considerado curto para o desenvolvimento de um trabalho que tenha continuidade e, portanto, produza efeitos práticos visíveis. O promotor em exercício atualmente está na comarca há cerca de sete meses. Durante a pesquisa foi informado que, dentre as áreas de atuação, os procedimentos relacionados à legislação ambiental tem volume significativo, o que se justifica pelo elevado percentual de Mata Atlântica encontrado na região. Apesar disso, o trabalho na promotoria é diverso e elevado, desta forma, quando recebidos boletins de ocorrência ou denúncias, não se tem adotado a lógica de instaurar um inquérito civil para cada ocorrência. Realiza-se, antes, uma triagem, a partir da qual os casos mais graves dão origem a um procedimento investigativo cível próprio do MP, enquanto as demais denúncias são deixadas a cargo da polícia, que deverá apurar os fatos. Neste segundo caso, se em decorrência das investigações da polícia verificar-se a ocorrência de crime ambiental, o MP de Piranga tem resolvido as questões na esfera criminal, condicionando a transação penal66 à prévia recomposição dos danos67. Especificamente quanto a Porto Firme, foram encontrados sete procedimentos cíveis em curso na promotoria, sendo seis Inquéritos Civis e uma Notícia de Fato. Destes, todos têm como causa fatos ocorridos na zona rural do município, sendo quatro causados por agricultores residentes na zona rural, dois pela Prefeitura Municipal e um por político local

66 O instituto da transação penal está previsto no artigo 76 da lei 9.099/95, que permite ao Ministério Público propor ao autor do fato a aplicação de pena restritiva de direitos ou multa (penas alternativas) como forma de evitar o processo criminal e seus decorrentes efeitos. 67 Neste caso, a prévia composição do dano ambiental é decorrência do artigo 27 da lei nº 9.605/1988, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

28 residente no perímetro urbano. Cinco dentre as sete condutas denunciadas são referentes ao corte de vegetação, sendo possível verificar que, destas, três ocorrências se deram em APP e quatro faziam referência ao corte de vegetação nativa. Além disso, em três procedimentos foi verificada a presença de objetos ligados à atividade carvoeira. Como forma de facilitar a visualização de alguns dos resultados citados, foram elaborados os gráficos a seguir:

Gráfico 1 - Autoria das infrações à legislação ambiental – Procedimentos Cíveis – 2013. Autor do fato

14% Agricultores

Prefeitura Municipal 29% 57% Político local residente em área urbana

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

Gráfico 2 - Tipo de infração à legislação ambiental – Procedimentos Cíveis – 2013.

Tipo de infração Corte de Vegetação em APP

14% Corte de Vegetação em área não identificada como APP 14% 43% Irregularidades em depósito de lixo 29% Intervenção irregular em APP

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

A partir dos autos analisados, também se verificou que apenas em dois procedimentos foram firmados TAC e realizadas perícias. Em quatro dos sete autos pode-se perceber uma demora anormal na atuação ministerial por força da dificuldade na realização de perícias, restando evidente em alguns deles a presença de diversas requisições do MP para o órgão responsável. Outro aspecto interessante na realidade analisada foi a presença de três procedimentos investigatórios antigos, com data de 97 e 2001, convertidos em Inquérito Civil apenas em 2013.

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Embora a esfera criminal não fosse objeto da presente pesquisa, foram colhidos alguns dados sobre as ações por crime ambiental em virtude da estratégia de atuação adotada na promotoria. Assim, foi possível observar que, no que se refere ao município de Porto Firme, estima-se haver 98 processos ativos por este tipo de infração, sendo 326 o número total de processos por crime ambiental na comarca. Ao analisar-se uma pequena amostra aleatória de processos já baixados, verificou-se que a maioria foi arquivada por reconhecimento de prescrição68. Gráfico 3 – Processos ativos por Crimes Ambientais – 2013. Processos Ativos por Crimes Ambientais

Total da Comarca 28%

72% Estimativa do total em Porto Firme.

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

Gráfico 4 – Processos por Crimes Ambientais baixados – 2013. Processos Baixados

20%

Morte do autor do fato

80% Prescrição

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

Os dados expostos podem ser confirmados com informações apresentadas pela equipe da promotoria, de que os principais problemas na região seriam decorrentes de intervenções antrópicas em APP e da supressão de vegetação nativa para plantio de eucalipto e produção de carvão. Outro ponto evidenciado pela análise dos inquéritos diz respeito à dificuldade em se realizar perícias no curso dos procedimentos extrajudiciais, questão agravada pela aprovação

68 É importante ressaltar que estes dados, obtidos na secretaria do fórum de Piranga, não são muito precisos. Os dados de processos ativos foram obtidos através de uma estimativa calculada a partir do percentual de processos relativos ao município de Porto Firme (30% em relação ao total de processos da comarca) e do número total de processos ativos por crimes ambientais. Já a amostra dos processos baixados correspondeu a apenas cinco processos escolhidos aleatoriamente em uma lista que continha processos de 2005 a 2013. Dentre estes cinco, quatro foram arquivados em virtude da prescrição e um em virtude da morte do autor do fato.

30 da Lei delegada nº 180/2011, decretada pelo governador do Estado de Minas Gerais, que alterou a estrutura do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA). A partir desta nova lei estadual, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) passou a ter atribuições mais ligadas ao fomento de atividades de pesquisa e gestão de unidades de conservação, não mais recebendo requisições de perícias no curso dos procedimentos instaurados pelo MP69. Atualmente, para que seja realizada perícia, a promotoria deve encaminhar um pedido à Diretoria de Atendimento às Denúncias do Cidadão e de Órgãos de Controle (DADOC), localizada em Belo Horizonte, que é a responsável por centralizar todas as requisições deste tipo e, em seguida, encaminhar a demanda para algum perito técnico ou para a unidade responsável pela averiguação dos fatos. Neste caso, a requisição poderá retornar ao IEF ou à Superintendência Regional de Regularização Ambiental (SUPRAM). O Ministério Público mineiro tem severas críticas a essa reestruturação. Primeiramente, afirma-se que antes os técnicos do IEF tinham ótimo contato com as promotorias e com a comunidade, sendo as perícias realizadas em tempo hábil. Atualmente vários procedimentos investigativos estão parados esperando por perícias que, na maioria das vezes, quando realizadas, são feitas muito tempo depois, quando já nem é possível se ter a dimensão do dano ambiental70. Em segundo lugar, a equipe do MP em Piranga entende que esta mudança gera uma “triangulação” desnecessária, que onera o Estado e, ao mesmo tempo, tem se mostrado ineficaz, já que não estão sendo atingidos os objetivos desejados, o que ocorria quando as requisições eram feitas diretamente ao escritório local do IEF. Diante dessa situação, o atual Promotor de Justiça firmou um acordo de cavalheiros71 com a Associação Regional de Proteção Ambiental – Alto Paraopeba e Vale do Piranga (ARPA) para a realização de perícias. Através deste acordo, a entidade se comprometeu a contratar técnicos ambientais, que realizarão as perícias no lugar do Estado. Em contrapartida, o MP tem se encarregado de canalizar parte dos valores recebidos com multas e transações penais em casos que envolvam violação à legislação ambiental para a associação72.

69 MINAS GERAIS (Estado). Lei Delegada nº 180 de 20 de janeiro de 2011. Dispõe sobre a estrutura orgânica da Administração Pública do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais e dá outras providências. Disponível em Acesso em: 07, jan. 2014. 70 O problema foi verificado em alguns dos procedimentos ativos na promotoria. Em um procedimento, especificamente, são diversas as requisições não atendidas à DADOC. 71 Na ocasião, o termo “acordo de cavalheiros” foi utilizado para se evitar todos os procedimentos burocráticos por meio dos quais um acordo institucional entre o MP e uma associação civil deveria passar. 72 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Promotoria de Justiça da Comarca de Piranga/MG. Ata de reunião realizada em 04 de junho de 2013.

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3.2.3 Atuação em relação aos pequenos agricultores diante das alterações legais.

Já foi mencionado que, nos procedimentos investigativos cíveis em curso no MP de Piranga, quase todas as infrações cometidas por pessoas físicas foram efetuadas por agricultores. Não se menciona em quaisquer dos autos analisados, porém, se estes se tratavam de agricultores familiares ou grandes proprietários de terras.73 Da mesma forma, não há evidências de qualquer tratamento diferenciado em virtude do tipo de agricultura desenvolvida pelo autor do fato, seja pela aplicação de um dispositivo legal benéfico ou pela prestação de assistência pelo Estado. Durante as visitas à promotoria foi informado que a possibilidade de tratamento diferenciado aos pequenos agricultores é, de fato, uma questão importante, mas que a atuação ministerial não poderia tolerar comportamentos ilícitos. Assim, a diferenciação de tratamento se dá apenas em momentos muito peculiares, tal como na execução parcial de Termos de Ajustamento de Conduta quando verificada dificuldade econômica do autor do fato, casos em que não se executa a obrigação pecuniária, mas apenas a obrigação de fazer. A Promotoria de Justiça de Piranga, assim como a maioria das outras no estado, tem seguido um padrão de atuação que passa pelo recebimento da denúncia ou Boletim de Ocorrência, seguido da requisição de perícia e, depois, da realização de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou, ainda, em alguns casos, a propositura de Ação civil Pública (ACP)74. Os TACs e modelos de ACPs analisados também demonstram um padrão de atuação que não se altera muito, sendo mais comumente requisitadas: averbação da Reserva Legal da propriedade; indenização pelos danos ambientais; recomposição de eventual área de preservação permanente através da apresentação de plano de recuperação de área degradada (PRAD) ou, em alguns casos, o simples cercamento da área para regeneração natural. Em algumas curadorias do meio ambiente é comum o MP, ao promover a ação civil pública com obrigação de averbação de reserva legal em face de agricultores familiares, inserir no pólo passivo o Estado, objetivando que este cumpra seu dever de apoio técnico e jurídico. Esta não é, porém, uma postura adotada em Piranga devido ao volume de trabalho da equipe atual, que não teria condição de acompanhar tantas ações judiciais. Ademais, a opção por resolver grande parte dos conflitos na esfera criminal, já citada anteriormente, não permite a utilização dessa estratégia.

73 Utilizamos o termo “grande proprietários de terras” para fazer referência à agricultura empresarial, que, normalmente, tem como característica a utilização de áreas maiores para cultivo. O conceito de agricultura familiar foi abordado no capítulo anterior. 74 Este padrão é evidenciado pela análise dos procedimentos cíveis ativos presentes no MP de Piranga.

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Esta parte do estudo de caso revela um quadro complexo, já que o Ministério Público tem seu poder de ação engessado por outros problemas oriundos da estrutura do Estado, que, além de não prestar seu dever legal de apoio técnico e jurídico aos agricultores familiares, tem dificultado o andamento dos procedimentos que exigem perícia. A falta de coordenação entre as ações das instituições colabora, dessa forma, para que o tratamento diferenciado conferido aos pequenos produtores não seja implementado e, concomitantemente, a nova legislação não tenha materialidade. A utilização de modelos ou estratégias de atuação muito definidas pelo Ministério Público também merece reflexão, pois possibilita uma maior solução de casos em menor tempo, mas tem o aspecto negativo de causar distanciamento do operador do direito da complexidade social que o cerca. O sistema jurídico tomado dessa maneira não tem garantido seu potencial ético-pedagógico, sendo o problema da violação das normas tomado apenas por uma visão parcial, que visa à mera neutralização das expectativas de comportamento. No caso de Porto Firme, os sujeitos que compõem a estrutura do Ministério Público demonstram estar conscientes dos problemas institucionais e, diante disso, criaram meios alternativos para solução, por exemplo, do problema das perícias. Já quanto à situação dos pequenos agricultores, parece haver uma postura de que o MP teria pouco a colaborar, pois as infrações ao meio ambiente devem ser punidas e outro modelo de atuação ainda não foi imaginado pela instituição. Por todos os dados citados, há grandes indícios de que, na realidade investigada, o Novo Código Florestal, que teve como um de seus grandes argumentos a marginalidade à qual eram levados vários pequenos agricultores, não esteja sendo capaz de garantir aos operadores do direito que levem em conta a pluralidade de práticas sociais encontradas no meio rural. No próximo capítulo, esta análise poderá ser complementada a partir da visão dos agricultores familiares locais.

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4 ESTUDO DE CASO EM PORTO FIRME (MG): OS AGRICULTORES FAMILIARES E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL.

A postura da população perante as leis é um aspecto importante para que os objetivos do direito instituído sejam atingidos, já que este é um fator que colabora para a eficácia e para a adequação interna da norma, conforme já ressaltamos anteriormente75. Como forma de complementar a análise proposta no capítulo anterior, foram entrevistados agricultores familiares da zona rural do município de Porto Firme/MG, no intuito de ilustrar os impactos que o Novo Código Florestal tem tido na vida dessas pessoas, a visão que elas têm acerca da legislação ambiental em geral e, mais especificamente, do código, bem como o modo como se veem em relação às normas. A partir dos dados colhidos, pretende-se refletir sobre como a Lei 12.651/2012 tem dado condições para que a realidade dos sujeitos seja abarcada no momento de aplicação do direito, garantindo ou não possibilidade de que os argumentos que justificaram a mudança legislativa se materializem no contexto social. Entre as diversas comunidades rurais identificadas na área, foram escolhidas nove, a partir de critérios como importância política ou econômica, tamanho e população. Assim, foram realizadas entrevistas em um núcleo familiar de cada uma das seguintes comunidades: Vinte Alqueires, Maias, Posses, Barbosa, Três Barras, , Braço Forte, Itaçu e Duas Barras. Para a realização das entrevistas, foram elaborados roteiros semiestruturados76, que permitiram aos sujeitos se expressarem com mais liberdade, já que as respostas não estavam condicionadas a um padrão de alternativas. As pesquisas empíricas conhecidas desde o final dos anos 60 como KOL (knowledge and Opinion about Law) têm como base perguntas sobre o conhecimento da população acerca das normas jurídicas em vigor, assim como as opiniões das pessoas sobre o funcionamento do sistema jurídico. Embora essas pesquisas tenham sido importantes na sociologia jurídica, este modelo de investigação tem sido criticado em virtude da instabilidade da opinião pública sobre o direito, que tende a ser influenciada momentaneamente em virtude de escândalos

75 Ver Capítulo 1, item 1.2. 76 As entrevistas semiestruturadas são realizadas a partir de um roteiro previamente elaborado, mas que garante ao diálogo a semelhança com uma conversa informal. Assim, é permitido ao pesquisador, no momento da entrevista, adicionar questões, combinar perguntas que dão margem a respostas abertas e fechadas, assim como conduzir a conversa do modo que visualizar mais oportuno para elucidação do tema.

34 políticos ou crimes bárbaros, e também pela visão parcial e incompleta que os entrevistados podem ter sobre o tema jurídico abordado77. Já considerando essas possíveis limitações, os roteiros de entrevista foram elaborados de modo que fosse obtida uma imagem mais fiel possível da realidade investigada, tratando nos diálogos não só do tema do Novo Código Florestal, mas também de aspectos mais gerais da vida dos sujeitos, relacionados com as estratégias que utilizam para sobreviver, com a relação que têm com a natureza, entre outros78. O fato de os agricultores familiares serem possivelmente influenciados de forma direta pela legislação florística também contribui para que tenham uma visão mais apropriada do fenômeno investigado. No intuito de garantir imparcialidade na transmissão das informações, optou-se, neste trabalho, por transcrever todos os diálogos gravados de modo idêntico ao falado pelos entrevistados, motivo pelo qual os trechos citados no decorrer do texto apresentarão escrita distinta do padrão.

4.1 Agricultores familiares de Porto Firme (MG): Aspectos gerais.

A partir das entrevistas, pode-se perceber um quadro predominante de pessoas um pouco mais velhas79, sendo pequeno o número de jovens no campo, já que, de acordo com os entrevistados, a maioria dos filhos adultos de produtores rurais tem emigrado para áreas urbanas. Outra característica das famílias estudadas é a sua origem rural, tendo em vista que muitos asseguraram ter nascido ou crescido no campo e sete entre as nove famílias afirmaram ter adquirido as terras onde residem, ao menos em parte, por meio de herança. As propriedades visitadas têm, em média, 32 hectares80, prevalecendo como atividades econômicas o plantio de milho, feijão, café e eucalipto, embora alguns entrevistados também tenham feito menção à criação de gado de leite ou corte, bem como à produção de carvão. Atividades específicas, não tão comuns na região, também foram citadas, tais como a criação de frango de granja e a produção de rapadura. Apesar dessas atividades agrícolas, boa parte das famílias afirmou que parte do que é produzido é utilizado para consumo próprio, sendo vendido apenas o excedente. Além disso,

77 SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 224-226. 78 O roteiro semiestruturado utilizado segue em anexo. 79 Entre os entrevistados, a pessoa mais nova tinha 36 anos e a mais velha 72 anos, mas a primeira faixa etária mais comum era entre 42 e 45 anos, havendo também considerável número de pessoas de 51 a 59 anos de idade. 80 A menor propriedade visitada tem 9 hectares e a maior delas 85 hectares. De acordo com a tabela anexa à Instrução Especial do INCRA de nº 20 de 1980, o módulo fiscal em Porto Firme corresponde a 28 hectares, assim, todas as propriedades incluídas na pesquisa têm menos de 4 módulos fiscais.

35 foi possível verificar uma pluralidade de outros cultivos destinados apenas à subsistência, tais como mandioca, cana, verduras e árvores frutíferas, assim como pequenas criações de animais com objetivo não comercial. Apenas em três das famílias entrevistadas há pessoas trabalhando fora da propriedade rural, sendo, no caso, três mulheres que trabalham na escola da comunidade e o marido de uma dessas mulheres que está em seu segundo mandato eletivo como vereador. Além disso, em seis das famílias entrevistadas há indivíduos já aposentados, o que complementa a renda obtida na propriedade. As comunidades rurais escolhidas para a pesquisa têm, em sua maioria, uma boa estrutura física, contando com escola, boas estradas e posto de saúde ou, ao menos, um local para atendimentos médicos. Um fato curioso apresentado é a diminuição crescente do número de crianças na escola, o que condiz com a reclamação dos entrevistados de que muitos têm se mudado para as cidades. Na comunidade de Maias, por exemplo, a escola fechou por falta de alunos. Em outra comunidade, a entrevistada afirma que trabalha na escola há 18 anos e que, quando começou, havia 84 alunos, sendo que atualmente esse número diminuiu para 8 estudantes. Quanto às relações comunitárias, todos afirmam ter ótimas relações com a vizinhança, o que se dá principalmente através de ajuda mútua, quando necessário, e da Igreja. A religiosidade se mostrou um fator de integração entre as pessoas, já que todos frequentam a igreja e a única manifestação cultural de destaque presente em quase todas as comunidades é a “Festa do Padroeiro”81. Apesar dessa boa convivência, apenas quatro dos núcleos familiares entrevistados afirmam ter participado de algum processo de organização coletiva, no intuito de reivindicar algo para a comunidade ou criar uma associação de produtores. Do mesmo modo, quando questionados sobre o contato com políticos ou formas de poder em geral, seis dos entrevistados afirmaram não ter qualquer contato, enquanto três afirmaram ter contato apenas no âmbito do município, sobretudo com o prefeito. O contato dos agricultores com as instituições sociais da cidade, embora não seja conflituoso82, também não é forte. A frequência de visitas à área urbana de Porto Firme varia muito, sendo que alguns chegam a ir à cidade quase todos os dias e outros apenas uma vez por semana. Entre as instituições com as quais as pessoas têm mais contato, a Empresa de

81 Festa de origem religiosa, muitas vezes organizada pela Igreja e pelos fiéis, que acontece geralmente uma vez ao ano em cada uma das comunidades rurais, de acordo com o dia do Santo Padroeiro. 82 Todos os entrevistados afirmaram não ter desconfiança ou “pé atrás” sobre a atuação de qualquer instituição social.

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Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER) é sempre citada, enquanto que outras entidades (prefeitura, banco, Instituto Estadual de Florestas, etc.) apareceram somente em algumas entrevistas. A importância da EMATER no cotidiano das famílias talvez possa ser explicada pela atuação que a entidade tem no acesso a programas do governo, como financiamentos e recursos do Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (PRONAF)83, bem como pela visita constante dos servidores às propriedades rurais, com o objetivo de dar assistência técnica, o que torna as relações mais pessoais. Embora quase todas as famílias tenham planos de continuar vivendo na área rural, são muitas as dificuldades que visualizam no campo, entre elas a falta de mão de obra84, que tem se tornado cada vez mais escassa e cara, principalmente em virtude da migração para as cidades, fenômeno mencionado em algumas das entrevistas: (...) E tamém os morador tamém que tinha mais tamém já foi pra cidade porque na roça ficano tudo difícil, então... A tendência de roça num sei o que vai acontecê amanhã ou depoi não porque os novato hoje num fica, as criança que nasce hoje num fica ni roça mais, porque vai estudá. Se estudô num vai vim pra roça memo. Aí a maioria já tá saino, otros vai ficano de idade vai saino tamém, então a gente num sabe, né? O que vai acontecê né? No final.85 (grifo nosso)

Não, é pouca gente agora, porque o pessoal aqui da comunidade saíram todos pra fora. Aqui reunia muita gente, reunia toda semana. Mas... Foi ficando só os velhos e saindo os novos. Foi saindo, né? Estudando, trabalhando, então, ficou...86 (grifo nosso)

A falta de incentivos do governo para a compra de insumos, o baixo valor da produção, a dificuldade em competir com outros tipos de agricultura de maior escala e a dificuldade nas vendas, que, para muitos cultivos, é realizada por meio de atravessador, também são preocupações comuns entre os agricultores: (...) E otra coisa, a gente fica mei desanimado porque aqui nois planta... Igual eu tô aí ó, nois tão com cento e tantos saco de feijão guardado ali ó. Já inté vi ontem. E tão coieno mais um cem aqui, tá rancano aí ó. Mais nois tem que vendê pra tercero, nois num tem onde pô nosso mantimento. Tem o empacotador lá, nós tem que vendê pra ele o preço que ele qué pagá. Se nois quisé vendê, cê entendeu? Então, eu penso assim, na roça, nois tinha que tê algum... O governo tinha que incentivá alguma coisa pra ajudá a gente ter como cê vendê seu produto. Cê entendeu? Ocê começa, qué dizê, fazê um troço aí eles já vem com uma burocracia desgraçada pra cima docê (...)87 (grifo nosso).

83 Dentre as nove famílias entrevistadas, seis afirmaram ter obtido recursos do PRONAF e as outras três disseram ter acessado financiamentos/empréstimos por meio da EMATER. 84 Nenhuma das famílias entrevistadas tem empregados. A referência à mão de obra é quanto a diaristas para período de colheita ou outros trabalhos temporários. 85 Trecho da transcrição de entrevista realizada em Três Barras. 86 Trecho da transcrição de entrevista realizada em Varginha. 87 Trecho da transcrição de entrevista realizada em Duas Barras.

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Com certeza ele tinha que ajudá a gente mais. Ajudá mais na... No adubo, tipo no adubo, numa semente... Adubo é muito caro ué, né? É... Cê vê, ele tinha que favorecê mais é... Favorecê mais um carvão... O que a gente produz ele tabelá ele num preço melhor, né? Porque o guverno, que que acontece? Ele põe... Ele põe o pessoal no geral e tira a escada fora. Ele vai e levanta o preço lá duma coisa lá. Aí libera um empréstimo. Um empréstimo pa pessoa fazê aquilo ali. É igual tipo eucalipto, ele liberô muito empréstimo pra muito plantio de eucalipto. Aí na hora que o eucalipto chega na hora de cortá ele põe o preço dele lá em baixo. É, uai. Tá todo mundo preso com ele. Deve o empréstimo, tem que cortá do preço que tivé pra pagá. Num tem o que fazê. Porque a roça... O governo tá esqueceno da roça.88 (grifo nosso).

Se a gente dependê de vendê, tem que vendê barato, né? Que as veis a gente num tem como guardá. Esperá vê se dá um aumento no preço. Que de repente, a veis... As veis de repente assim, faz a colheta e tem, né? Faz a colheta agora, de repente o preço tá baxo. Aí talvez se dexá pra vendê lá pra janeiro, dezembro, talvez melhora, dá um precim, as veis tá uma falta lá. Mas as veis num tem condições de dexá, que as veis tá dependenu de vendê aquilo pra... Mantê, né? O lugar, então, as coisa da gente...89

Aliado a todas estas questões, a falta de confiança entre os produtores também tem impedido o sucesso de associações coletivas, que poderiam melhorar as condições de todos. Essa descrença é evidente em algumas falas, de acordo com as quais, atualmente, nenhum produtor confiaria no outro pra vender e comprar em conjunto, assim como as associações existentes não tem obtido qualquer benefício: Na verdade, a gente sempre tem umas reunião aí, só que num dá em nada, entendeu? Num dá em nada. Otro dia mesmo nois teve na Piuna (...) a respeito de compra de adubo e calcário e... E tamém num chega a lugá nenhum. (...). Mas eu participo, mas num leva nada, um fala uma coisa, otro fala otra, num vai adiante não.90

Diante de todas as dificuldades citadas, bem como da eventual ocorrência de crises em virtude de mudanças climáticas ou variação brusca do preço dos produtos agrícolas, algumas famílias afirmam construir estratégias, tais como a contenção de gastos, a diversificação da produção, o plantio sempre no momento adequado, a vacinação dos animais e, quando necessário, a ajuda dos amigos.

4.2 Relação com a Legislação Ambiental

Dentre as nove famílias visitadas, oito têm cursos d’água passando dentro da propriedade e sete delas têm ao menos uma nascente em sua área. Em virtude destas características, pode-se afirmar que existem áreas de preservação permanente presentes em quase todas as propriedades rurais pesquisadas, o que faz com que seus proprietários fiquem

88 Trecho da transcrição de entrevista realizada em Posses. 89 Trecho da transcrição da entrevista realizada em Três Barras. 90 Trecho da transcrição de entrevista realizada em Duas Barras.

38 sujeitos às disposições do Código Florestal sobre tais áreas. Apesar disso, apenas duas famílias afirmam cumprir algum tipo de exigência, que diz respeito ao cercamento ao redor das nascentes, e outras duas declararam ter sido avisadas da necessidade de cercar nascentes, mas ainda não o fizeram91. No que se refere à área de mata da propriedade, quatro dentre os nove núcleos familiares entrevistados afirmaram utilizar recursos da área, mas apenas com a finalidade de obter lenha ou mourões de cerca. Ao serem questionadas sobre a fiscalização das infrações ao meio ambiente, oito famílias afirmaram que quando acontece é só por denúncia, por isso não é comum ver carros da polícia ambiental ou do IEF rodando na região. Apenas em uma das comunidades o entrevistado afirmou que vê a fiscalização passar com mais frequência e, por isso, acredita que atuam não só por denúncia. Quanto a este ponto, alguns entrevistados citaram que, devido a essa forma de atuar da fiscalização, alguns vizinhos que não se relacionam bem têm adotado a prática de chamar a polícia ambiental em virtude das ações do outro, mas apenas com o intuito de causar prejuízos mútuos. Sobre a atuação dos órgãos de fiscalização, as opiniões variam muito, já que um entrevistado afirmou nunca ter tido contato, dois disseram que não há problemas na maneira como trabalham e cinco apresentaram críticas. Entre os principais problemas visualizados pelos agricultores, está o suposto tratamento diferenciado conferido a algumas pessoas, bem como o fato de o profissional encarregado da fiscalização aplicar multa sem antes explicar o que deve ser regularizado ou conferir um prazo para adequações. Apesar das críticas, apenas três dos entrevistados afirmaram já ter sofrido alguma sanção em virtude da inobservância de normas de proteção ambiental, sendo que quase todas foram devido ao corte de vegetação sem autorização. Por outro lado, a maioria dos entrevistados sabe histórias de pessoas próximas e/ou da região que já tiveram problemas em virtude da lei ambiental92. Nesse contexto, ao serem questionados sobre as dificuldades que a lei impõe aos produtores, apenas três entrevistados afirmam que a lei limita o trabalho rural: um por não poder usar área de morro para plantio; outro pela dificuldade em obter licenças; o terceiro por deixar de realizar algumas atividades, já que tem medo de multas. Sobre o conteúdo da legislação de proteção ambiental, todos afirmaram conhecer ou, pelo menos, já ter ouvido falar na mesma, o que provavelmente se deu através dos meios de

91 As áreas ao redor de nascentes são consideradas de preservação permanente, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros, conforme dispõe o artigo 4º, IV, da Lei 12.651/2012. 92 Quanto a esta pergunta, um entrevistado afirmou não saber de qualquer caso e outro não respondeu a esta questão.

39 comunicação mais comuns nas propriedades rurais, que são televisão e rádio93, já que nunca houve palestras ou visitas nas comunidades sobre os direitos e deveres dos agricultores em virtude da lei94. Quanto à opinião acerca da legislação ambiental, muitos afirmam que é boa, que o meio ambiente tem que ser preservado, que se não existisse a lei “as pessoas acabariam com tudo”95. Essa opinião, no entanto, aparece em quase todas as falas acompanhada de ressalvas, como a de que algumas cobranças são excessivas, deixando a lei rigorosa demais, e de que o tratamento dispensado às pessoas não é isonômico, havendo privilégios para alguns. Este último ponto parece ser uma das maiores inquietações dos entrevistados: Ah, a lei ambiental é boa uai. Quando, né? Se cobra direito, mas eu num vejo cobrar nada. É... Cobra da gente, que cê tá ali... Cê num pode fazer isso, cê num pode aquilo, mas às vezes caba que muita gente num faz, o rio tá aqui tá chei de balsa, tirano oro, ninguém toma providência nenhuma.96 (grifo nosso).

(...) bem aquele negóço, eles vem muito pra roça. E sendo que na cidade talvez, é igual esse meio ambiente mesmo aí, ambiental aí, eles vem muito pra roça, olhá as coisa na roça, agora talvez na cidade tá pior, ta... Que na... Que na roça. Que hoje a cidade, uai, esses córregozim, essas água da cidade é... É muita poluição que tem, tem muita sujeira, né? Então, igual as nossas água aqui, pra vê essas água de cidade, a nossa aqui é limpa, né? Num tem poluição nenhuma. Maisi, eles vem muito pra roça, né? Aí a gente não pode falá nada (…)97 (grifo nosso).

(...) Então ela foi cortar as madeira, aí o vizinho denunciou, que ele tinha rincha com ela por causa de uma porteira lá, denunciou. Mas ela é pobre, humilde, sem conhecimento de nada, florestal murto ela com uma coisa que ela não tinha, aí ela teve que vendê terra pra pagar murta. Agora, o sujeito que comprô a terra limpou esse mesmo terreno... Ela tá pagando murta até hoje! O homem que tinha isto [fazendo gesto referente a dinheiro] limpou, fez o que quis, prantô banana, tá tudo lindo lá!98 (grifo nosso).

Outro ponto interessante da crítica apresentada pelos agricultores é quanto a certas exigências legais que, para alguns deles, não tem lógica, como não poder desmatar a área em torno dos cursos d’água99 e a proibição de tirar estacas para cerca na área de mata100.

93 Sobre os meios de comunicação disponíveis, todos afirmaram ter rádio e televisão, apenas alguns citaram o jornal impresso. Nenhuma das famílias tem acesso à internet em casa. 94 Ao serem questionados se alguém já teria visitado as áreas rurais para falar dos deveres e direitos conditos na lei, muitos afirmaram que não e outros, no decorrer da conversa, deram indícios de que a resposta seria negativa. 95 Palavras comumente utilizadas na resposta a esta questão pelos agricultores entrevistados. 96 Trecho da transcrição da entrevista realizada em Maias 97 Trecho da transcrição da entrevista realizada em Três Barras. 98 Trecho da transcrição da entrevista realizada em Varginha. 99 O entrevistado de Braço Forte afirma que “Antigamente cê vivia... Arroz prantava dendo brejo, né? Qué dizê, igual hoje, eu bato pasto até berada do brejo. Muitas veze té bate o brejo. Toda vida bateu. Como que cê vai tirá isso de mim hoje? Sempre que a área minha é essa.” No mesmo sentido, o entrevistado de Varginha afirma não concordar que seja necessário manter a vegetação, o que conclui pelas experiências já vividas na zona rural. 100 Sobre esse ponto, vale citar a fala do entrevistado de Varginha: “Qué dizê, a veiz eu preciso cortá um pau ali pra mim fazê uma estaca ali. Ou a veiz fazê uma régua, pra dentro da propriedade... Eles fala que eu tenho que tirá licença. Só que eu vô lá, se eu num tivé num tudo registrado, área da APP, preservação legal, mai num sei o que, cê num tira. Como que eu vô fazê isso? Entendeu?”. O entrevistado de Três Barras também faz observação

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Ademais, muitos agricultores afirmam que áreas antes utilizadas para cultivo atualmente não podem ser “tocadas” por força das exigências legais, já que a vegetação cresceu naturalmente e a obtenção de licenças é um procedimento muito difícil e demorado. Assim, os entrevistados afirmam que a legislação deveria garantir procedimentos mais simples para utilização de recursos naturais, o que beneficiaria os agricultores, ao mesmo tempo em que possibilitaria que as pessoas atuassem de acordo com a lei com mais freqüência: Ela pudia cê assim, eu tô precisano cortá um pau ali, uma tora ali. Aí eu ia ali em Porto Firme, lá no IEF, pudia tê um escritório ali. Aí falá: ô rapaz, cê podia vê, as veze cê libera pra mim cortá ela. Em vez deu cortá escondido aqui, que as veze eu ia cortá uma ou duas ou três e bagunçá, eu precisava sabê que eles ia dexá eu cortá ela. Eu muntava na moto, ia lá e cunversava com ele. Ele vinha vê. “Essa aqui? Essa aqui cê pode cortá”. Aí eu achava baum isso, que aí num tinha negóço de multa, num tinha negó de chegá "cê fez isso, cê fez aquilo outro". Se a gente dependesse de mexê a gente ia atrás do chefão pra gente... Pra ele, pra ele autorizá a gente pra gente mexê. E todo mundo, né só eu não. (...) Eu cunheço um cara, otro dia eu fui num mato dele lá, ele meteu o machado, derrubô foi muito. Tá tudo escondido no mato lá ó. Ele falô "eu corto e escondo, porque se os home vê é um perigo". Mas é porque os home num dexa cortá. Mas se tivesse um modo deles liberá pa cortá. Não, esse pau é procê usá, então eu vou lá vê cê corta pro cê. Eles vinha, apontava, marcava aquilo, era muito mior.101 (grifo nosso).

Embora os agricultores entrevistados tenham afirmando conhecer a legislação, apontando críticas de acordo com a percepção que têm da aplicação dessas normas no meio rural, ao serem questionados sobre a recente alteração do Código Florestal Brasileiro, apenas cinco famílias afirmaram ter ouvido falar do tema, algumas deixando claro que não sabem se a lei foi de fato aprovada e outras explicando que não sabem se o Estado irá realmente cobrar a observância da lei. Essa dúvida pode ser relacionada com o fato de que só um entrevistado afirmou ter percebido mudanças após a aprovação da lei, já que, segundo ele, estariam pedindo mais documentos para tirar licenças ambientais atualmente. Assim, após mais de um ano de sua aprovação, oito das nove famílias não visualizaram qualquer repercussão local em virtude da lei nº 12.651/2012. Ainda mais interessante é que, dos entrevistados que tinham alguma noção sobre a mudança legislativa, a maioria menciona que ela será prejudicial ao agricultor, pois as exigências que ouviram falar não têm como ser cumpridas: (...) Se for igual tava falano antes aí... Eu nem sei se essa lei foi aprovada, é... Mas num ia poder plantar na berada de rio, na berada de brejo, essas coisa... (...) Aí, aqui ia ficar até difícil trabaiá, viu? Tudo é berada de rio ou berada de... De brejo. Se num... Se fosse desse jeito, pra nós aqui, num ia ter jeito nem de trabaiá aqui

sobre este assunto: “(...) Só a exigência deles tamém que eu acho mei muita tamém, porque... Que nem eu falei, negócio da estaca aí, da mata, a gente tira mourão de cerca. Se eu tivé tirano um mourão de cerca ali, se eles vê, se eles tivé passano assim, eles vê, pronto, aí dá pobrema pra mim.” 101 Transcrição de entrevista realizada em Itaçu.

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mais, né? Mas eu acho que num... Que essa lei num foi aprovada não, né? Eu nem sei não, né? Acho que não. Num ouvi ninguém falar mais nada.102 (grifo nosso).

Essa percepção dos pequenos agricultores acaba invertendo a argumentação que deu origem ao Novo Código Florestal, já que, segundo seus defensores, a mudança vem justamente para resolver os problemas daqueles que não conseguiam se adequar à lei anterior. Quanto ao conhecimento dos agricultores familiares de Porto Firme acerca da legislação ambiental e seus efeitos no cotidiano dos indivíduos, temos, enfim, um quadro interessante, que pode ser representado pelo gráfico a seguir:

Gráfico 5 – Percepção dos Agricultores Familiares de Porto Firme/MG acerca de legislação ambiental e efeitos da lei no cotidiano dos indivíduos entrevistados – 2013. Novo Código Florestal - Porto Firme/MG 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Agricultores que afirmam Agricultores que afirmam Agricultores que já Agricultores que conhecer a a legislação ter ouvido falar de sofreram penalidades por perceberam mudanças ambiental. mudanças recentes no violação à legislação após aprovação da Lei Código Florestal ambiental. 12.651/12

Análise do Novo Código Florestal - Porto Firme/MG

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

4.3 O Novo Código Florestal e a realidade dos agricultores familiares de Porto Firme.

Os dados acima demonstram que, embora o processo de aprovação da Lei 12.651/2012 tenha se valido do argumento da participação, bem como da defesa dos pequenos agricultores, sob o ponto de vista destes sujeitos a legislação aprovada ainda não tem repercutido no contexto social estudado. A ausência de espaços públicos de discussão e integração para além do ambiente da Igreja, assim como a falta de contato com instâncias de poder fora do município e com organizações da sociedade civil são fatores que podem ter contribuído para esse

102 Transcrição de entrevista realizada em Vinte Alqueires.

42 distanciamento dos sujeitos. Neste contexto, o debate em torno da aprovação do Novo Código Florestal parece ter influenciado as pessoas apenas através da mídia, havendo pouca ou nenhuma participação das comunidades neste processo, o que parece repercutir, atualmente, no momento de aplicação dessa legislação. As críticas dos agricultores familiares à legislação demonstram que eles têm anseios de mudança, especialmente no que se refere à postura e ao modo de aplicação das normas pelos operadores do direito. Assim como os defensores do PL nº 1.876/99, os produtores rurais de Porto Firme desejam procedimentos mais simplificados para a obtenção de licenças ambientais, só que, curiosamente, têm a percepção de que a legislação recentemente aprovada será, na verdade, mais severa para quem vive da agricultura. Essa percepção confusa parece estar ligada a alguns fatores presentes no tópico anterior. Primeiramente, embora as pessoas afirmem conhecer a legislação ambiental, essa visão mostra-se de certa forma incompleta, já que em muitas entrevistas verificou-se incerteza quanto a aspectos abordados pela norma. Essa incompletude é evidente quando verificamos que, embora todos tenham declarado conhecer a lei, apenas alguns sabiam da alteração do código, que tanto repercutiu publicamente. Em virtude dessas dúvidas quanto às exigências da lei, muitas pessoas afirmam deixar de realizar condutas ou realizam ações já assumindo o risco de uma possível sanção. Essa relação, na qual os agricultores não têm certeza sobre as condutas consideradas infrações, não sabendo exatamente o que podem fazer e o que devem esperar da atuação dos órgãos de fiscalização, gera instabilidade e desconfiança103. Aliado a este desconhecimento, o fato de a fiscalização atuar basicamente por meio de denúncia também gera outros transtornos. Primeiramente, essa atuação faz com que o Direito Ambiental, um ramo que depende da conscientização dos sujeitos para sua eficácia, seja resumido ao contencioso, ao conflito, sendo que o “contencioso é o direito patológico e não o direito normal”104. O problema é agravado ainda mais diante da postura citada pelos agricultores, segundo a qual as pessoas responsáveis pela verificação da denúncia já aplicam imediatamente as devidas multas, não conferindo prazo para adequação ou a possibilidade de outras sanções de cunho pedagógico.

103 SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 115. 104 CARBONNIER, Jean. As Hipóteses Fundamentais da Sociologia Jurídica Teórica. In SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim (orgs). Sociologia Jurídica: Textos básicos para a Disciplina Sociologia Jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson. 2002, p. 46.

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Em segundo lugar, esse modo de atuar pode favorecer posturas inadequadas, tal como a dos vizinhos que utilizam dessa possibilidade para se prejudicar mutuamente. Ao mesmo tempo, porém, a verificação de casos mais sérios de violação à norma pode ficar prejudicada se não forem denunciados. Nesse sentido, foram vários os agricultores que afirmaram conhecer pessoas que realizam ações na ilegalidade, alguns porque não são atingidos pelas sanções da lei, outros porque, além disso, não acreditam na possibilidade de obtenção de uma licença ambiental. A visão que as pessoas têm da mudança legislativa em Porto Firme pode também ser relacionada com a possível inércia dos órgãos de fiscalização quanto à fiscalização do antigo código, já que alguns agricultores afirmaram utilizar APPs para plantio e até consideraram absurda a medida protetiva dessas áreas, que seria, supostamente, uma novidade implementada com a nova lei. O fato de os agricultores discordarem até mesmo da racionalidade de normas como a que acabamos de nos referir demonstra não que eles estejam corretos, mas sim que há um grande déficit de legitimidade dessas normas, que não são aceitas pelos sujeitos. Essa falta de aceitação, porém, envolve processos anteriores, ligados à falta de participação desses sujeitos nos debates que precederam a aprovação da norma, bem como em debates sobre a questão ambiental em geral. Não havendo consenso em torno dessas normas, as sanções são utilizadas em todos ou em quase todos os casos de violação verificados, o que só agrava a crise, já que, conforme evidenciado nas entrevistas, muitos dos casos de aplicação de sanção pelo Estado são vistos pelos agricultores como algo severo demais e injusto. A percepção de que o tratamento de alguns grupos é privilegiado em relação a outros contribui, também, para essa falta de legitimidade. O interessante é que, neste aspecto, algum tipo de corrupção dos agentes fiscalizadores não pode ser descartado, mas existe também a possibilidade de pessoas com maior poder aquisitivo terem acesso a bons advogados e técnicos, capazes de compreender as exigências legais e brechas possíveis, garantindo a legalidade das ações. Quanto a este aspecto, vale lembrar as questões citadas no capítulo anterior, de que o Estado não tem garantido seu dever de apoio técnico e jurídico, aprofundando o problema. Por todo o exposto, verifica-se que alguns dos problemas que fundamentaram a nova lei, como a demora nos processos de licenciamento ambiental, a criminalização dos pequenos agricultores e a conjugação do aspecto ambiental com os interesses econômicos ainda estão presentes na área estudada. No entanto, esta realidade parece persistir não tanto em virtude do

44 conteúdo das normas, mas sim por outros fatores, dentre eles a ineficiência do Estado, que cobra o cumprimento das normas de uma maneira inadequada, ao mesmo tempo em que não garante apoio à regularização ambiental das propriedades. Aliado a este fato, a visão incompleta que os sujeitos têm da legislação e a falta de espaços públicos para discussão do tema finalizam um quadro não desejável, onde as leis, não totalmente aceitas pelos sujeitos, acabam por não atingir seus objetivos.

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5. CONCLUSÃO

As condições sociais certamente influenciam na elaboração das normas e, talvez por isso, o processo legiferante do Novo Código Florestal Brasileiro tenha sido uns dos mais polêmicos dos últimos anos. Nossa sociedade é marcada por conflitos envolvendo elementos da natureza, visíveis, por exemplo, na disputa pela terra e nas desapropriações para construção de barragens. Assim, não causa estranhamento o fato de existiram interesses opostos impedindo o consenso em torno do tema da proteção da vegetação. Analisando a pesquisa realizada para a presente monografia, as disposições do Novo Código Florestal parecem não estar repercutindo na realidade social integralmente, já que ainda há muita controvérsia acerca de alguns dispositivos na visão do Ministério Público e os agricultores, por outro lado, ainda não perceberam mudanças por força da lei. A princípio, esta constatação seria prejudicial aos resultados deste trabalho, porém, os dados obtidos mostraram-se de uma riqueza maior do que o esperado inicialmente, revelando uma conjuntura complexa de fatores que, juntos, contribuem para a ineficácia da legislação florestal desde períodos antecedentes à aprovação da nova lei. No âmbito do Ministério Público, apesar de haver resistência à aplicação de alguns dispositivos da nova legislação, este parece um fator muito pontual em comparação com todos os outros que contribuem para a falta de materialidade do código. Conforme constatado, o MP enfrenta problemas estruturais, principalmente quanto ao excesso de atribuições conferidas à promotoria única, o que faz com que os operadores do direito optem por estratégias de ação bem definidas e que seguem um procedimento que não se altera muito de acordo com o caso concreto. Esse fator estrutural é ainda agravado pela ineficiência do Estado, que não tem garantido a realização de perícias e a prestação de apoio técnico e jurídico aos pequenos agricultores. Assim, ao mesmo tempo em que os membros do parquet adotam uma postura severa em relação às ilegalidades, acabam não obtendo um resultado prático perceptível com as ações e inquéritos, já que muitos dos inquéritos estão parados aguardando perícias que nunca são realizadas e, quanto aos processos criminais, há vários casos de arquivamento por prescrição, situação na qual o autor do fato não sofre sanção. Nesse contexto, onde poucos são penalizados por condutas lesivas ao meio ambiente, quando a sanção ocorre é tida como excessivamente severa e injusta, tal como exposto no capítulo anterior. Já os agricultores familiares, acabam sendo, de fato, a parte mais prejudicada com essa lógica. Como visto anteriormente, não há, na área objeto de estudo, quaisquer espaços de

46 conscientização ou discussão sobre a legislação ambiental. Da mesma forma, não têm as famílias recebido qualquer apoio do Estado na regularização ambiental de suas propriedades, tendo contato com a legislação florística apenas quando do recebimento de alguma sanção, na maioria das vezes apenas se denunciadas. O caráter ético-pedagógico das normas mostra-se completamente prejudicado nessa realidade, aumentando a crise de legitimidade pela qual perpassa o Código Florestal, fazendo com que as leis não sejam cumpridas por todos e não atinjam seus objetivos. Assim, se a eficácia da lei depende do poder de sanção do Estado, assim como da legitimação pelos sujeitos, que se perceberiam enquanto autores das normas, não há indícios de que esses dois fatores estejam operando corretamente no município estudado. A sanção, como expusemos, é apenas para alguns, já que a polícia trabalha na maioria das comunidades apenas por meio de denúncia e o MP tem tido problemas para aplicar medidas punitivas. Já quanto à aceitação dos agricultores, há um grande déficit de participação social e política, assim como a falta de compreensão até mesmo da lógica de alguns dispositivos da lei. A pergunta, então, sobre em que medida essa lei tem dado conta de uma realidade que é plural no contexto dos sujeitos, só pode ser respondida negativamente. Só que, refletindo de forma crítica, este não parece ser um problema meramente legal. O ideal de abarcar essa complexidade presente no meio rural é argumento crucial daqueles que defendiam a mudança legislativa e deu origem a disposições específicas, favoráveis à pequena agricultura. Só que é preciso lembrar que antes, pela lei antiga, também já existiam alguns tratamentos diferenciados, destinados a garantir a igualdade material entre os sujeitos, motivo pelo qual não se pode dizer que essa falta de materialidade tem como causa apenas o fato de a lei ser recente. Além disso, no caso do Código Florestal, certos procedimentos de regularização necessitam de conhecimentos técnicos específicos, só garantidos com a presença de um profissional habilitado, portanto, a assistência técnica garantida pelo Estado é essencial. A ineficiência do Estado em seu dever de prestar apoio técnico, aliada a outros fatores, tais como a utilização de modelos e estratégias de ação muito definidas pelo MP e a aplicação imediata de multas pela polícia, acaba por contribuir para que a prática dos operadores do direito unifique o tratamento de realidades visivelmente distintas, como são a agricultura familiar e a agricultura empresarial. Essa contradição, gerada no momento da aplicação do Direito, vai contra os próprios fundamentos que legitimam que existência da norma. Esse último aspecto merece ser ressaltado, pois demonstra uma visão parcial da realidade pelos aplicadores da legislação, que, muitas vezes, sequer visualizam tal contradição. Além disso, tudo indica a falta de alguns fatores essenciais para eficácia da

47 norma na realidade estudada, tais como o conhecimento efetivo das normas ambientais pela população afetada, a preparação dos operadores do direito para aplicação do tratamento diferenciado e a implementação, pelo Estado, da estrutura necessária às exigências legais. Os profissionais do direito devem, diante dessas questões, retomar uma postura crítica, percebendo a ciência jurídica como um fenômeno em movimento, que precisa adaptar-se aos anseios sociais, de modo a colaborar para a mudança desse paradigma de ineficácia da legislação ambiental. Esse processo só será completo, porém, com a efetiva participação dos sujeitos nos processos democráticos, nos quais possam se expressar e se entender. A eficácia da legislação florística quanto aos agricultores familiares parece depender, assim, da diminuição de seu aspecto regulador, ligado ao controle e à repressão, em favor de uma visão emancipatória do Direito, que pode ser utilizado como instrumento de transformação e conscientização dos sujeitos quanto à importância da proteção ao meio ambiente.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7 ANEXO I - ROTEIRO PRELIMINAR DE ENTREVISTAS COM AGRICULTORES

Camada I: Quebra gelo Há quanto tempo você mora neste local? Qual é o vínculo formal com aquele espaço (proprietário, posseiro, etc)?

Camada II: Uso da propriedade Como usa a propriedade? Como a divide? O que produz na propriedade? Vive apenas dos rendimentos obtidos por meio da propriedade rural (se trabalha fora ou não)? Quais as facilidades ou limitações de se produzir na sua área (o que impede e o que facilita de produzir)?

Camada III: Estratégias diante de crises Você já passou por crises durante o tempo em que está aqui? Quais? (ex. crise de produção, crise de mercado, crise de segurança pública, etc) Como lida com estas crises?

Camada IV: Relação com a Comunidade Como se dá a relação com os vizinhos? E com o restante da comunidades? Existe espaço para solidariedade mútua? Existe competitividade (como ela é)? Como é a estrutura da comunidade? Tem escola, posto de saúde?

Camada V: Relação com a cidade (foco institucional) Com qual frequência vão à cidade? O que costumam fazer lá? Qual a relação mantém com a cidade? Com quais instituições vocês mais se relacionam? Existe alguma ressalva com alguma instituição? Tem contato com políticos ou outra forma de poder?

Camada VI: Relação a legislação ambiental

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Tem curso d’água na propriedade? Já foi exigida alguma medida de regularização? Tem nascente na propriedade? Tem área de mata na propriedade? Conhece a lei ambiental? Tem alguma dificuldade em virtude da lei ambiental? (Limitação no trabalho, etc) Já teve algum problema por causa da lei ambiental? (Multas, etc) Conhece alguém que já teve problema? Ouviu falar na mudança do Código Florestal? Diante da alteração do código, mudou alguma coisa para vocês? Alguma opinião sobre a lei ambiental? Alguma opinião sobre os órgãos de fiscalização? Os órgãos de fiscalização rodam nas comunidades? Ou só atuam por denúncia? Alguém já esteve na propriedade para falar dos direitos e deveres em virtude da lei?