“O MUNICÍPIO DE JAGUARI, RS, NA PERSPECTIVA RURAL: OS SISTEMAS DE CACHAÇA E DE TABACO”

Aportes teórico-metodológicos para o trabalho de Extensão Rural

Ensaio

Leliani Valéria de Souza Silvia Orsini de Assis Pedro Selvino Neumann

Universidade Federal de Santa Maria

Brasil

Email: [email protected] – Fone: (55)32170300

RESUMO Os sistemas produtivos baseados na produção artesanal de cachaça do município de Jaguari têm passado por uma transformação que vem sendo consubstanciada em uma estratégia experimentada por diversas famílias agricultoras, que testemunham diretamente o progressivo enfraquecimento do tradicional sistema de produção de cachaça e a ascensão do sistema integrado de produção de tabaco em substituição ao primeiro. Esta investigação objetiva alçapremar e analisar os possíveis fatos desta realidade que têm impelido os agricultores familiares, em seu processo decisório, a trilhar o caminho contrário ao de políticas públicas como o Programa de Apoio à Diversificação Produtiva das Áreas Cultivadas com Fumo. Para tanto, utilizou-se a metodologia da análise-diagnóstico de sistemas agrários e métodos complementares à realização de ações que visem o desenvolvimento rural. Como considerações, pode-se inferir que a qualidade duvidosa, embalagens reutilizadas, preços reduzidos e fiscalização constante, entre outros, vêm reduzindo a demanda pela cachaça a cada ano, levando as unidades familiares de produção a dependerem cada vez menos do seu processamento. Também é verídica a crescente dependência tanto do município em relação aos tributos originados pelo cultivo do tabaco quanto dos agricultores em relação à indústria tabacaleira, sendo que o tabaco se apresenta hoje como uma espectável alternativa de reprodução social e econômica para os agricultores familiares da região estudada. Devido a estes e outros aspectos, considera-se que há um extenso caminho a ser percorrido no processo de diversificação das áreas cultivadas com tabaco que efetivamente potencialize a implementação de um modelo sustentável de agricultura (familiar) em Jaguari. Torna-se, portanto, indispensável o verdadeiro interesse e comprometimento dos gestores e autoridades em trabalhar as políticas públicas em conjunto com as forças e saberes locais, ajustando aos programas de governo as dinâmicas sociais, econômicas e produtivas regionais, para atender tanto as atuais demandas, quanto às futuras circunstâncias que emergirem.

Palavras-chaves: Sistemas Produtivos, Agricultura Familiar, Diversificação Produtiva, Políticas Públicas, Desenvolvimento Rural, Desenvolvimento Local. 1. Introdução Desde a primeira Revolução Agrícola na Europa, viu-se o desfavorecimento daqueles que se encontravam em condições desvantajosas para acompanhar o processo de aceleração produtiva da agricultura. Não se entendia os mecanismos de diferenciação na época, o que acabava concebendo abordagens genéricas dos sistemas produtivos. O objetivo de uma análise-diagnóstico que visa ao desenvolvimento rural é basicamente conhecer as verdadeiras necessidades e problemas dos agricultores desde a criação dos projetos. Em congruência às ideias de Dufumier (2007), para saber formular, conduzir ou avaliar estes projetos não é suficiente ser um bom técnico, mas conhecer e compreender a sociedade em que se deseja intervir é essencial. “A história dos programas e projetos de desenvolvimento agrícola mostra que não pode haver intervenções eficazes para a transformação da agricultura sem um conhecimento científico prévio das realidades agrárias nas quais se pretende intervir” (DUFUMIER, p. 57, 2007). O que torna uma realidade mais nítida e mais clara? O que impede a realidade de ser mostrada como ela é? Perguntas simples não implicam respostas simples. Indagações como estas foram levantadas por Santo Agostinho em “Confissões” e, neste caso, fazem todo sentido, embora em questão esteja se discutindo o desenvolvimento rural. Diagnósticos em bases filosóficas a exemplo das confissões de Agostinho poderiam anular o risco de se formular ações desajustadas à realidade de intervenção, uma vez que os fatos, sejam eles aprazíveis ou não, seriam revelados na sua total veracidade. Não restam dúvidas de que o atual sistema agrícola brasileiro é dominado por externalidades, contribuindo e sustentando o desenvolvimento capitalista na agricultura e a apropriação industrial de suas atividades que vão desde a produção de insumos e maquinários até o processamento e beneficiamento da produção. Mudam governos e governantes e as principais políticas públicas para o meio rural continuam tendo por objetivo a manutenção do homem no campo, a diversificação da matriz produtiva da pequena propriedade e a garantia de rentabilidade e qualidade de vida à família agricultora. Logo, torna-se imprescindível refletir sobre os resultados que o desenvolvimento capitalista produziu no campo, especialmente na agricultura familiar, onde, embora haja sucessos pontuais (localizados) que foram obtidos especialmente junto aos “mais aptos” a adequar-se às exigências do modo de produção capitalista, o meio rural sofreu uma enorme transformação que acabou excluindo e expulsando a maioria, ocasionando ainda uma enorme diferenciação social entre aqueles que conseguiram permanecer na atividade agropecuária. O desenvolvimento (rural) sustentável no campo proporcionaria o equilíbrio entre o crescimento econômico, a preservação do meio ambiente e o bem- estar social. Dessa forma, a sustentabilidade poderia transformar a realidade do cenário agrícola e social de uma região, trazendo benefícios para o produtor, bem como para o consumidor. Esta investigação se justifica pela necessidade de registrar a realidade que vem sendo transformada e consubstanciada em uma estratégia experimentada por muitas famílias agricultoras do município de Jaguari, diretamente testemunhas do progressivo enfraquecimento do tradicional sistema de produção de cachaça e pela rápida ascensão do sistema integrado de produção de tabaco no processo de sucessão do primeiro.

2. Procedimentos Metodológicos O local de estudo desta pesquisa é o município de Jaguari, especificamente o seu meio rural. Jaguari se localiza na microrregião de Santa Maria, . É dividido em quatro distritos (Sede, Santo Isidro, Ijucapirama, e Taquarichim) e situa-se a 400 km da capital aproximadamente. Em geral, a região do município está superposta a um relevo ondulado, há 160 metros acima do nível do mar; apresenta clima ombrófilo – caracterizado pela falta de um período seco – e pela alta intensidade e regularidade pluviométrica; o clima predominante é o temperado, com temperaturas variando de 3°C a 38°C. Figura 1 – Representação cartográfica do município de Jaguari-RS. Fonte: Leandra Dutra (Prefeitura Municipal de Jaguari-RS)

A metodologia utilizada inspirou-se na Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (ADSA). Em geral, a ADSA é um método dedutivo que visa analisar a realidade rural de forma escalar, partindo do geral para o especifico. Neste caso, a sequência metodológica utilizada partiu da análise do Sistema Agrário do município de Jaguari (Etapa A), seguido do diagnóstico das suas Microrregiões (Etapa B) até chegar ao estrato denominado Unidade de Produção Agrícola – UPA (Etapa C).

Figura 2 – Diagrama das etapas metodológicas de análise do sistema agrário de Jaguari-RS.

A Etapa A, consistiu em: a) caracterização agroecológica e sócio-econômica, utilizando fontes secundárias (IBGE, FEE) como técnica de coleta de dados; b) análise da trajetória histórica, em que foram utilizadas fontes secundárias de informação coletadas em literatura especializada e em entrevistas com pessoas conhecedoras da história local; c) zoneamento da região, construído com base em mapas temáticos (geológico, solos, relevo, vegetação, distribuição de chuvas), fontes secundárias e imagens aéreas para diferenciar os espaços.

Em suma, de acordo com Dufumier (2007), à Etapa A está encarregada as funções de identificar e descrever os grandes modos de exploração e de beneficiamento dos ecossistemas, bem como identificar os elementos históricos que mais contribuíram para as suas recentes transformações e localizações. Visitas sistemáticas a campo são indicadas de modo a complementar o levantamento de dados com as leituras de paisagem agrária; como estas visitas foram reservadas às etapas posteriores, as leituras de paisagem foram feitas por algumas fotografias das principais regiões de Jaguari, tiradas por técnicos do município. Dufumier (2007) afirma que aliar a análise dos documentos cartográficos à leitura das paisagens e às pesquisas exploratórias pode ajudar a delimitar as zonas relativamente homogêneas do ponto de vista da dinâmica da evolução da agricultura. Desta forma, esta primeira etapa foi importante para que toda a equipe pudesse visualizar a diversidade das condições nas quais os produtores rurais estão sendo levados a modificar as suas práticas agrícolas e, a partir disso, estratificar o município em zonas homogêneas para a continuação da pesquisa nas etapas seguintes. As Etapas B e C foram investigadas in loco. Dada a visão geral do município, na Etapa B, as zonas homogêneas encontradas apontaram três microrregiões (delimitadas na Figura 1). Cada uma destas foi caracterizada por uma equipe a fim de levantar as especificidades e reconstruir sua história visando demarcar a evolução dos sistemas agrários. Nesta etapa, utilizou-se a técnica da entrevista semiestruturada com informantes qualificados de cada localidade (representantes da administração pública, de cooperativa, antigos moradores) dentro das microrregiões, as quais podem ser visualizadas na Figura 3. Isso facilitou a diferenciação dos produtores por atividades produtivas. Na última etapa (Etapa C), foram utilizadas entrevistas estruturadas em UPAs que expressassem com afinco a localidade. Nesta fase, precisou-se o entendimento da realidade local compreendendo a racionalidade que imprime a dinâmica econômico-produtiva na UPA, observando a estrutura, o funcionamento dos sistemas produtivos, as condições de reprodução, entre outros. Além disso, permitiu também detectar problemas e dificuldades pelos quais passam os grupos familiares na gestão da propriedade. Por fim, todos os registros foram sistematizados e utilizados para analisar os sistemas produtivos visados: fumo e cachaça. O esquema abaixo (Figura 3) situa especificamente os passos percorridos deste estudo, que se inicia na coleta e análise dos dados secundários do município e finda nos sistemas produtivos a serem analisados.

Figura 3 – Esquema dos passos progressivos da ADSA, destacado em negrito. 3. Caracterização do Município de Jaguari 3.1. Trajetória Histórica Segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, a região onde se localiza o município de Jaguari teve como primeiros habitantes os índios Guaranis, ali sediados até o século XVII. Originada de uma redução jesuítica, Jaguari – que significa rio do jaguar em guarani – foi criado em 1632 com a vinda dos padres Romero, Manuel Bertot e Luiz Ernot, que ao se reunirem com Cristovão de Mendonza e Paulo Benevides, fundaram na margem direita do Rio Jaguari a primeira redução da Província de Tape, de índios guaranis, denominada de São Tomé. São Tomé, como as demais reduções, não teve um período de duração muito longo. Elas passaram por vários transtornos como a ameaça de onças, pestes, fome e o perigo da invasão bandeirante. O território gaúcho, nesta época chamado de Colônia de São Pedro, estava reduzido às Missões espanholas. No século XVIII, objetivando a expansão econômica e o domínio político, Portugal inicia sua investida militar. Em 1750 foi assinado o Tratado de Madri, que passa para Portugal a região das Missões, dando início à demarcação de terras e o povoamento ao longo do rio Jacuí, em virtude de proporcionar melhor acessibilidade do litoral ao interior da província. As Missões foram tomadas novamente pela Espanha com o Tratado de Santo Ildefonso em 1777. Portugal busca então novas estratégias e, a partir da política de concessão de sesmarias, passa a avançar seu domínio para o oeste do território. Por volta de 1838, São Tomé foi transferido para a margem direita do Rio Uruguai, próximo à cidade de São Borja. Decorreu-se algum tempo até que novos acontecimentos surgissem no antigo berço das Missões Jesuíticas. Em abril de 1871, o Presidente da Província decretou a criação de uma colônia agrícola para nacionais e estrangeiros na encosta da Serra Geral, às margens do rio Jaguari, distrito de São Vicente, pertencente ao município de São Gabriel. Diante do processo de colonização, em 1886, o engenheiro José Manoel de Siqueira Couto (chefe da Comissão de Medição de Lotes de – a 4ª Colônia do Império) passou a medir terras em Jaguari por não haver mais terras devolutas naquele lugar. Em 1887 alguns colonos de origem italiana foram destinados a se instalarem em Jaguari, onde já haviam sido demarcados 78 lotes de 25 hectares cada um. Em 1888 foi construído um abrigo para a comissão demarcadora e para os imigrantes recém chegados. A Colônia de Jaguari foi instalada em 1889 à margem direita do rio de mesmo nome pelo engenheiro que mediu as terras. Nela estabeleceram-se em torno de 1.000 imigrantes italianos. A estes se seguiram os húngaros, poloneses, russos, brasileiros, alemães, entre outros. Os primeiros colonizadores foram organizando suas habitações e lavouras em meio à mata virgem, onde a flora e a fauna eram exuberantes e variadas. Nas muitas comunidades que iam se formando, erguia-se, no centro, a capela dedicada ao Santo de sua devoção. Ao lado, surgia o salão que, após as devoções, era ponto de reunião para conversa entre amigos e realização de festas e jogos. A religião entre os imigrantes foi sempre fator de integração. Em março de 1891, ocorreu a substituição do diretor da Colônia que possuía 1.144 famílias com 4.441 habitantes, quando Siqueira Couto passa o cargo para . Em 1892, Jaguari recebe uma nova leva de 3.934 imigrantes, sendo demarcados mais 869 lotes agrícolas e 586 urbanos. Jaguari é elevada à categoria de distrito do município de São Vicente do Sul em 1893, quando teve início a construção da Igreja Matriz, projetada por Pelegrini e decorada pelo pintor Angelo Lazzarini, posteriormente concluída em 1907. Por volta de 1894, a população daquele distrito era de 7.930 habitantes distribuídos em 2.174 famílias. Em 16 de agosto de 1920, Jaguari elevou-se à categoria de município, sendo nomeado provisoriamente e posteriormente eleito para Intendente do Município o Bel. Miguel Chimiclewski. Em setembro do mesmo ano, realizou-se a divisão do município em quatro distritos: 1° - Vila de Jaguari, 2° - Nova Esperança, 3° - Linha 14 e 4° - Boca da Picada de São Xavier. No ano seguinte, foi promulgada a primeira Lei Orgânica do município. Sendo que, até 1939, existiam em Jaguari imigrantes natos, então naturalizados brasileiros com o direito eleitoral. 3.2. Caracterização Agroecológica 3.2.1. Clima O clima mesotérmico úmido, sem estação seca, do qual o município faz parte, especifica condições de regularidade nos aspectos climáticos do Rio Grande do Sul, sob influência dos centros de ação atmosférica do Anticiclone Polar, Anticiclone do Pacífico e Anticiclone do Atlântico (NIMER, 1989). As anormalidades climáticas passíveis de ocorrência no município estão geralmente associadas ao fenômeno “El Niño”, que ao aquecer a superfície das águas do Oceano Pacífico interfere na dinâmica cíclica do sistema atmosférico. A conseqüência é o estacionamento de frentes no estado que ocasionam o aumento dos índices pluviométricos o que geralmente provoca a incidência de enchentes. O município apresenta quatro estações bem definidas, com invernos frios e verões quentes. A temperatura dos meses mais frios varia de -3º a 18ºC com ocorrência de geadas numa média pouco superior a dez dias por ano; a média dos meses mais quentes estão acima de 22ºC. As chuvas são abundantes e bem distribuídas durante o ano, com as precipitações excedendo os 100 mm mensais, registrando médias anuais em torno de 1400 a 1800 mm.

3.2.2. Hidrografia O município é banhado pelo rio Jaguari, afluente do rio Ibicuí. Possui afluentes como: Pessegueiro, Cambará, Tunas, Caracol, Taquarichim, Pinheiro, Jaguarizinho e Piquiri. O município apresenta duas situações hidrológicas distintas: nas regiões do Rebordo do Planalto há indícios de deficiência quantitativa de água, especialmente em épocas de menor índice pluviométrico, enquanto que nas áreas da Depressão Central os rios apresentam vales amplos com presença de áreas aluvionares sujeitas a enchentes.

Figura 4 – Uma destaque para a hidrografia, vegetação e, ao fundo da figura, o relevo de Jaguari-RS. Fonte: IFF, 2009.

3.2.3. Vegetação A vegetação natural do município compreende as áreas de Floresta Estacional e Savana Estépica (VELOSO et al, 1991). A Floresta Estacional Decidual recobre a maior parte da área florestal do município, principalmente nas áreas declivosas, revestindo os morros e e em áreas de contato entre a Floresta Estacional. A Savana Estépica reveste grande parte da área plana do município, formando grupamentos abertos, com arvoretas e arbustos espaçados e grande variedade de espécies de gramíneas nativas. Trechos de Floresta Ciliar ou Floresta de Galeria ocorrem em locais planos, de baixa drenagem e revestem a margem dos cursos de água e riachos existentes.

3.2.4. Relevo e solos O município insere-se na Depressão Central e Planalto Meridional (Rebordo e Topo). Na Depressão Central o relevo caracteriza-se por colinas baixas e pouco declivosas, de altitudes que variam de 100 a 160 metros, intercaladas por extensas planícies de material recente de origem fluvial. Na área-limite entre a Depressão Central e o Planalto Meridional, ocorrem os morros testemunhos geralmente como o topo achatado. O Rebordo do Planalto constitui a unidade de transição entre as unidades de Topo do Planalto e Depressão Periférica, com uma superfície bastante diversificada, enquadrando-se na classe de altitude entre 160 a 380 metros. O Topo do Planalto tem uma feição suavemente ondulada e constitui a superfície mais elevada do município, em torno de 380 a 400 metros de altitude, correspondendo à menor porção situada ao norte, no limite com o município de Santiago. Já os vales dos rios Jaguari e Jaguarizinho apresentam relevo plano, com altitudes em torno de 80 a 120 metros em relação ao nível do mar (PEREIRA et al., 1989). O município possui uma área agricultável superior a 20.000 hectares, onde mais de dois terços desta área apresenta solos com restrição para cultivos anuais. O quadro abaixo sumariza a distribuição dos solos do município, baseados nos critérios do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (2006).

Quadro 1- Caracterização dos solos do município de Jaguari-RS. ÁREA % DO TIPOS DE SOLOS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE INTERESSE (ha) TOTAL Argissolo Solos de baixadas, bem drenados, com acidez, alta saturação por Vermelho 26.841 39.17 alumínio e baixa fertilidade. Predomina a criação de gado. Distrófico Arênico Argissolo Bruno- Solos de baixadas, mal drenados, com acidez, alta saturação por 4.035 5.89 Acinzentado alumínio e baixa fertilidade. Predomina a criação de gado.

Planossolo Háplico Solos planos, desenvolvidos, com encharcamento superficial e 6.695 9.77 Eutrófico Arênico baixa fertilidade. Predomina o cultivo de arroz. Solos de regiões mais altas, relevo forte e pedregoso, que exigem Neossolo Litólico manejo com extremo cuidado para evitar erosão. Evitar o uso com 1.336 1.95 culturas anuais. Predomina o cultivo de tabaco. Chernossolo Solos de encosta, alta fertilidade, solos frágeis que necessitam de Argilúviso Férrico práticas conservacionistas intensas. Predomina o cultivo de 18.200 26.56 Típico tabaco. Solos de regiões mais altas, relevo forte e pedregoso, jovens, em Neossolo início de formação, ricos em nutrientes. Exige manejo com 11.423 16.67 Distrófico extremo cuidado para evitar erosão. Evitar o uso com culturas anuais. Predomina o cultivo de tabaco. Fonte: IFF, 2009.

3.3. Caracterização Sócio-Econômica 3.3.1. População De acordo com os dados do IBGE (2008), a população total de Jaguari é de 11.799 habitantes, os quais 50% são homens e 50% são mulheres. A partir de uma análise da dinâmica populacional, percebeu-se que de 1990 à 2008, o município vem apresentando a mesma tendência encontrada no território nacional – a redução da população rural e o aumento da urbana. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município há mais de 1000 habitantes do meio rural aposentados, ou seja, um pouco mais de um quinto do total destes habitantes. A população economicamente ativa se destacou recentemente representando 43% do setor terciário, mas ainda predomina no setor primário. As atividades agrícolas ocupam 84,5% de mão-de-obra familiar e outros 15,5% são contratados, parceiros ou prestadores de serviços temporários, segundo IBGE (2008).

3.3.2. Estrutura fundiária Há 1.578 estabelecimentos agropecuários que somam 51.032 hectares. A estrutura fundiária caracteriza-se por concentrar 52,2% dos estabelecimentos em unidades produtivas com área inferior a um módulo fiscal(1) do município, mas que perfazem apenas 13,59% da área total do município. Nos quadros a seguir, observa-se a distribuição das propriedades de acordo com a ocupação da área física e a distribuição do uso do solo no município. Notou-se que a pastagem natural é ainda predominante no meio rural de Jaguari e a área ocupada por matas vem crescendo nos últimos anos. Infere-se que este fenômeno pode estar sendo causado pela especialização dos agricultores em uma cultura apenas.

Quadro 2 - Estrutura Fundiária do município de Jaguari-RS. ÁREA ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS ÁREA (ha) (%) Até 4 ha 239 539 1,06 De 5 a 9 ha 226 1480 2,90 De 10 a 19 ha 360 4913 9,63 De 20 a 49 ha 503 15355 30,09 De 50 a 99 há 159 10382 20,34 De 100 ha a 199 ha 55 6954 13,63 Acima de 200 há 36 11409 22,36 Total 1578 51032 100,00 Fonte: Adaptado IBGE (2008)

Quadro 3 - Utilização do solo por atividade no município de Jaguari-RS. ATIVIDADES ÁREA (ha) (%) N° PROP.

Lavouras permanentes 281 0,55 151

Lavouras temporárias 12987 25,45 1335

Pastagem natural 28186 55,23 1238

Pastagem plantada 1264 2,48 1448

Mata natural 4835 9,47 780

Mata plantada (ad. Sistemas agroflorestais) 485 0,95 227

Terras degradadas/inaproveitáveis 1837 3,60 370

Outros* 1157 2,27 1578

Total 51032 100,00 1578

*Correspondente a áreas ocupadas por lagos, açudes, construções, benfeitorias e estradas. Fonte: Adaptado Censo Agropecuário - IBGE (2006)

(1) Um módulo fiscal de Jaguari-RS corresponde a 22,4 ha segundo informações da Administração Municipal. 3.3.3. Economia Municipal A economia jaguariense é baseada no setor primário, contribuindo com 57% da receita total de ICMS e ocupando 50% da população economicamente ativa do município. Já a indústria contribui com 10% do ICMS com a área de beneficiamento de arroz e vinho, entre outros produtos e ocupa 7% da população economicamente ativa. O setor terciário por sua vez abarca 43% da população economicamente ativa, sendo que o comércio apresenta uma arrecadação de 23%, e o setor de serviços com cerca de 10% (PEDRON, 2007) O PIB total do ano de 2007 foi de R$ 105.934.000,00 o que representa um PIB per capita de R$ 8.616,00 de acordo com a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul – FEE (2007). O valor adicionado total do município foi da ordem de R$ 100.641.000,00 enquanto o valor adicionado da produção agropecuária foi de R$ 35.028.000,00, o que representou 34,8% do Valor Agregado do município naquele ano. Apesar da baixa arrecadação, os dados mostraram um alto valor adicionado à preços básicos no setor terciário correspondendo à 53%, enquanto que o do setor secundário é de 12%. As atividades primárias consistem na produção de arroz, fumo, soja, milho, uva, citricultura, e na produção/criação de bovinos de corte, suínos e outros. O município produz ainda pêssego, tangerina, batata doce, cana-de-açúcar, feijão, mamona, mandioca, melancia, aves e pequenos ruminantes (caprinos e ovinos). O mercado para a produção está baseado no município e na região central do estado, sendo que a maior parte da produção de tabaco é absorvida pelas empresas tabacaleiras.

Quadro 4 - Produção agrícola do município de Jaguari-RS no ano agrícola 2006/2007. CULTURA ÁREA (ha) PRODUÇÃO (t) VALOR (1000 R$) (%) Arroz (em casca) 2.450 17.150 6.817 19,70 Batata Doce 17 136 122 0,40 Cana-de-açúcar 900 45.000 3.095 9,00 Feijão (em grão) 210 192 278 0,80 Fumo (em folha) 2.000 4.200 16.800 48,60 Mandioca 240 2.760 420 1,20 Melancia 25 875 420 1,20 Milho (em grão) 3.500 9.450 3.046 8,80 Soja (em grão) 4.500 8.100 3.496 10,10 Trigo (em grão) 100 192 64 0,20 Global 13.942 88.055 34.558 100,00 Fonte: IBGE, 2007

3.4. A Microrregião II (M II) A abordagem sistêmica permite a realização de cortes ao ser granjeada a diferença entre os distintos sistemas existentes no ambiente. Ao definir os limites da realidade a ser estudada, é possível captar e reduzir a complexidade da realidade dada, daí a necessidade de recortar o ambiente do município em estudo. A M II está contida dentro dos limites geográficos do município de Jaguari, que após devidamente caracterizado em seus diversos aspectos, possibilita um claro entendimento do contexto onde estão inseridas as localidades de Carlos Gomes, Chapadãozinho, Fontana Freda, Linha 6, Linha 11, Linha 13, Linha 15, Marmeleiro, Panelão, Sanga D’areia e Chapadão que, com exceção deste último, compreendem os sistemas de produção em questão. 4. O Estudo Ao enfocar o desenvolvimento rural e os respectivos sistemas de produção na microrregião estudada, considerou-se a inter-relação das ações locais com o conjunto de efeitos globais pertinentes à agricultura. Acredita-se ser recomendável analisar o desenvolvimento local sob a ótica dos efeitos que produz bem como os seus avanços em direção a modelos de produção sustentáveis e viáveis para a agricultura familiar.

4.1. Cachaça versus Tabaco O avanço da cultura do tabaco em áreas típicas de agricultura familiar(2), substituindo a produção de cachaça como principal atividade econômica das famílias agricultoras da M II, assim como a crescente dependência pela atividade tabacaleira – concentrando a matriz produtiva em torno desta única cultura com todos os riscos que esse monocultivo acarreta – impeliu-nos a buscar junto a estas famílias os motivos que levam os agricultores, em seu processo decisório, a trilhar o caminho contrário ao de políticas públicas como o Programa de Apoio à Diversificação Produtiva das Áreas Cultivadas com Fumo do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

4.1.1. A cachaça A grande maioria da produção de cachaça no Rio Grande do Sul está na categoria da agricultura familiar. Na microrregião em questão, caracteriza-se como uma atividade tradicional desenvolvida em áreas não propícias ao cultivo de viníferas, desde o início da ocupação do território pelos imigrantes italianos. O processamento artesanal e pouco tecnificado é realizado preponderantemente por agricultores familiares que cultivam a própria cana-de-açúcar, ocupando a mão-de-obra da própria família, mesmo que sazonalmente. Para estes agricultores familiares, o processamento da cana-de-açúcar não se constitui em uma inovação, pois faz parte de sua história, cultura e identidade. A produção de cachaça foi destinada no princípio da colonização para o consumo da própria família e como parca moeda de troca de alguns poucos produtos; posteriormente respondeu pelo sustento destas famílias agricultoras tornando-se a principal fonte de renda das unidades de produção. Atualmente, constatamos que esta atividade perdeu representatividade e importância, já que uma “commodity”, o tabaco, está assumindo o papel principal na imensa maioria das propriedades. De todas as propriedades rurais produtoras de cachaça visitadas, nenhuma possuía qualquer legalização sanitária, ambiental ou fiscal. Segundo os agricultores, isso ocorre em virtude da falta de estrutura apropriada para a produção da cachaça, já que os mesmos não dispõem de recursos financeiros para investimentos em infraestrutura, como também devido à complexa burocracia envolvida no processo de legalização, além da elevada carga tributária incidente sobre o produto. Argumentam ainda, ser inviável investir grandes somas de capital em um processo que não garantirá maiores lucros, pois não acreditam que a legalização agregará um valor final compensatório ao produto, até porque sempre haverá um produto ilegal mais barato sendo oferecido no mercado, do que o produzido na agroindústria legalizada. Por ser produzida em pequena escala e de forma ilegal, toda a cachaça comercializada é vendida em pequenos estabelecimentos do município e região, onde tanto a garantia de qualidade do produto quanto à de pagamento se dá pelo conhecimento e proximidade entre produtores e consumidores ou revendedores, já que nenhum dos alambiques visitados possuía qualquer tipo de rótulo ou identificação do produto que o diferenciasse dos demais. Relatou-se a dificuldade encontrada por muitos produtores em comercializar sua produção, o que foi atribuído ao abastecimento do mercado por produtos com qualidade duvidosa, embalagens reutilizadas, preços reduzidos e fiscalização constante, o que vem reduzindo a demanda pelo produto a cada ano, levando as unidades de produção a dependerem cada vez menos do processo produtivo da cachaça. Foram observadas também deficiências nos canais de comercialização, a exemplo das vias principais e vicinais de escoamento da produção as quais não se encontram em condições ótimas de conservação e utilização, colocando em risco, sobretudo, a vida dos que por elas transitam em época de chuvas.

(2) Aqui compreendida como a forma de produção em que o núcleo de decisões, gerência, trabalho e capital é controlado pela família. Assim, a cachaça está sendo substituída gradativamente por outras atividades agropecuárias, especialmente a cultura do tabaco, que já responde preponderantemente pela geração de renda nos estabelecimentos visitados.

4.1.2. O tabaco O cultivo de tabaco na safra 2008/2009 no Rio Grande do Sul, conforme dados do SINDITABACO (2009), envolveu 95.621 produtores, em uma área cultivada de 186.130 hectares, gerando 396.827 toneladas de produto. Em Jaguari, segundo dados da Afubra(3) (2010), 921 famílias agricultoras cultivaram 1.757 hectares com tabaco, produzindo 3.439 toneladas de produto comercializadas a 5,62 reais o quilograma. Em 2007, quando foram produzidas 3.424 toneladas comercializadas a R$ 4,16/kg, o tabaco representou 47,96% do valor da produção primária do município. Como a produção agropecuária respondeu por 34,80% do valor adicionado, o tabaco contribuiu efetivamente com 16,69% do valor adicionado total do município (FEE, 2007). Ao analisar os dados secundários e os relatos de lideranças e agricultores do município, tornou-se evidente a crescente dependência tanto do município em relação aos tributos originados pelo cultivo do tabaco – o produto comercializado legalmente contribui significativamente para a geração de receitas municipais – quanto dos agricultores em relação à indústria tabacaleira. O diálogo e posterior sistematização das informações obtidas junto às famílias agricultoras da M II nos permitiu compreender o grau de importância que o tabaco tem nas unidades de produção, onde os recursos financeiros envolvidos são considerávei. Entretanto todas as políticas e mecanismos envolvidos desde o plantio até a comercialização são monopolizados pelas indústrias, que mercantilizaram e tecnificaram o conjunto da atividade produtiva assumindo assim o total comando do processo, o que gera uma intensa relação de dependência por parte dos agricultores. AGOSTINETTO (2000, p. 171) há uma década já polemizava esta realidade ao registrar que: Pacotes tecnológicos são utilizados como base de relação entre as indústrias e os agricultores, gerando dependência dos últimos. No entanto, faltam alternativas ao pequeno agricultor, pois a baixa rentabilidade das culturas tradicionais, aliada a descapitalização e à dificuldade de acesso ao crédito conduz à produção de fumo. A remuneração da produção tem por base a classificação final do fumo. Esse sistema de classificação constitui-se em outro fator que contribui para questionamentos, principalmente por parte dos próprios fumicultores que se sentem prejudicados em muitos casos. Independente de qualquer efeito inesperado, o cultivo do tabaco consolidou-se como a principal atividade econômica, em detrimento da tradicional produção da cachaça, conforme foi relatado por um agricultor:

A - O fumo é comércio garantido, tem contrato. Eu parei com a cachaça porque não dá mais dinheiro(4). As facilidades oferecidas pela indústria tabacaleira, a garantia dos preços e da aquisição do produto são os maiores atrativos da tabacultura, conforme relataram estes produtores, que somados por outro lado aos problemas de preço e mercado para a cachaça colonial estão incentivando a monocultura do tabaco. Segundo informa o Anuário Brasileiro do Fumo de 2002, o principal desafio, tanto para os produtores como para as indústrias tabacaleiras do Brasil, é continuar aumentando a área e os volumes colhidos para abastecer tanto o mercado interno como o externo, sem reduzir a qualidade e sem que isso implique em elevação expressiva do custo de produção. Dentro deste cenário, destaca-se a incúria e a generalização da análise e intervenção realizadas nas unidades de produção da microrregião, onde o modelo de produção adotado dificilmente é correlacionado com seus reais efeitos econômicos, sociais e ambientais.

(3) Todas as informações fornecidas pela Afubra foram enviadas por e-mail em resposta às consultas dos autores neste ano presente.

(4) Em alguns momentos do texto será adotado este procedimento para diferenciar de uma citação bibliográfica. Manter-se-à o autor anônimo. Começam a surgir, portanto, apesar da maioria dos agricultores não tratarem o assunto espontaneamente, a menção tímida de alguns efeitos negativos, como o elevado consumo de lenha no processo de secagem do fumo de estufa, predominante na M II, que pressiona as áreas de mata nativa; a contínua utilização de agroquímicos sem um monitoramento constante das condições do agroecossistema, embora afirmaram que as empresas esclarecem as normas e cuidados necessários para plantar o fumo pensando na questão da saúde; o uso do solo fora de sua capacidade e aptidão; a exposição dos agricultores à nicotina e agrotóxicos; a baixa remuneração da mão-de-obra familiar; a precarização das relações de trabalho quando da utilização de mão-de-obra contratada; a deterioração da renda média das pessoas ocupadas com a cultura e o endividamento dos produtores. Paulilo (1990) corrobora estes efeitos perniciosos ao afirmar que “o desenvolvimento do setor agrícola da região fumageira foi implantado pelas empresas com base no custo zero da lenha, da terra e do trabalho do agricultor”. É inegável, entretanto, que a cultura do tabaco se apresenta como uma salutar alternativa de reprodução social e econômica para os agricultores familiares da região em estudo. Acalentados pelo sonho de reunir recursos para melhorarem o padrão de vida de suas famílias, estes agricultores veem no cultivo do tabaco a solução para se manter na atividade rural sendo que, segundo diversos relatos, sem a adoção dessa cultura, a maioria das famílias já teria desistido da agricultura. Constatamos que a tabacultura suplanta muitas outras culturas em termos de rentabilidade e garantias. A substituição do tabaco por qualquer outra cultura com ampla possibilidade de mercado não gera os mesmos volumes de renda por unidade de área, tão pouco ocupa a mão-de-obra abundante nas unidades produtivas. Roche (1969) há 40 anos já afirmava que “o cultivo do tabaco fornece um produto compensador [...] seu preço é, em média, de cinco a sete vezes mais alto que o dos grandes produtos agrícolas”. Aliado a isto, a eficiência e organização do sistema integrado de produção do tabaco facilita diversas transações nas comunidades investigadas, como: a comercialização com garantia de mercado, preço e pagamento pelo produto através de contratos; o adiantamento de recursos financeiros; a prorrogação de dívidas; as bonificações; o seguro agrícola; o transporte da produção; o fornecimento de insumos; a assistência técnica, entre outros. Ao sondar os entrevistados se tinham conhecimento sobre a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), poucos manifestaram ter quaisquer informações sobre o assunto. Desconhecem ser este o primeiro tratado mundial internacional de saúde pública negociado sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde (OMS) entre 193 países, inclusive o Brasil. E que, partindo da necessidade de implementar e fortalecer ações para a prevenção e controle do tabagismo previstas no tratado, o Brasil participou da primeira Conferência das Partes (COP) - responsável pela CQCT, e apoiado pelo México, liderou o grupo de trabalho sobre a diversificação da produção de fumo, item extra introduzido na agenda, que discute, entre outras coisas, o financiamento para a substituição do cultivo do fumo por outras culturas, visando minimizar o impacto que as medidas terão sobre os trabalhadores e produtores de tabaco. Em decorrência destas ações, o MDA lançou o Programa de Apoio à Diversificação Produtiva das Áreas Cultivadas com Fumo, com o propósito de propiciar mecanismos para disponibilizar auxílio técnico, científico e de financiamento para a diversificação da produção e manutenção da viabilidade econômica dos agricultores que hoje cultivam o tabaco e que desejarem livremente dirigir-se a outras atividades. O desenvolvimento de sistemas de produção alternativos nesta microrregião tabacaleira, que permitiriam diminuir a dependência dos agricultores em relação à cultura, incrementar a renda familiar com possibilidade de estabilidade financeira a médio e longo prazo, respeitando os limites do meio ambiente pode até ser necessário e importante, mas não conta com o entusiasmo dos agricultores, revelado em uma das entrevistas:

A - Quando me formei no colégio agrícola, produzia 2.500 kg de moranguinho e vendia direto pro consumidor. Daí vieram as grandes redes, e não teve como competir; cachaça não tem comércio, por isto paramos; milho, feijão, soja e trigo não dava nem pra subsistência e foi substituído pelo fumo. Rico não tem ninguém, mas pobre demais ninguém é. Segundo o secretário de agricultura familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Adoniram Sanches Peraci, a conversão de culturas é uma prova de resistência, não é rápida. De acordo com ele, a Convenção-Quadro não "criminalizou" o plantio de tabaco, mas os agricultores brasileiros que exportam 85% da produção, devem se preparar para a queda do consumo global de cigarros, que segundo a OMS deve começar de forma acentuada daqui a cinco anos sendo que, nos últimos 10 anos, o consumo de tabaco já reduziu em 32%. Esses dados colocam em cheque o futuro dos agricultores que dependem dessa cadeia produtiva. “Cerca de 200 mil agricultores brasileiros produzem tabaco. Acreditamos que eles terão problemas”, afirma Peraci. A adoção de medidas como estas apresentam resultados importantes segundo a experiência de alguns países, todavia é provável que as ações previstas na Convenção-Quadro só repercutam sobre a demanda mundial de tabaco num prazo longo, em virtude do poderio que a antiga indústria do tabaco tem em diversos países, da particularidade de cada país em adotar medidas de controle, dos volumes consideráveis de recursos financeiros e humanos para implementar as diversas ações, bem como da falta de credibilidade das ações governamentais por parte especialmente dos agricultores. Segundo Altmann et al. (2008), não há grandes expectativas quanto a mudanças do cenário mundial para o setor tabacaleiro nos próximos anos, visto que mesmo com a redução na demanda em vários países desenvolvidos, o crescimento da população mundial, os aumentos da urbanização e da renda média da população em alguns países incrementam ou no mínimo sustentam a demanda mundial atual por tabaco. Quatro anos após a ratificação da CQCT pelo Brasil, em janeiro de 2006, a implantação de culturas alternativas capazes de substituir a principal fonte de renda de 186 mil agricultores familiares na região Sul do Brasil ainda é incipiente. Algumas experiências estão sendo conduzidas por entidades como a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) com o apoio do MDA, mas os resultados práticos ainda são poucos. Constatamos que para os agricultores da microrregião investigada a diversificação da produção funciona mais para garantir uma renda extra do que como perspectiva real de substituição das áreas cultivadas com tabaco, confirmando a afirmativa da Afubra de que o grande desafio dos programas de substituição do fumo está na tradição e na importância econômica das lavouras cultivadas no sul do país há mais de um século. É oportuno observar que os agricultores acreditam que “sempre” haverá consumidores para o fumo e, portanto, alguém terá que plantá-lo. Já a indústria tabacaleira brasileira espera ampliar ainda mais a sua participação no mercado mundial, devido à vantagem competitiva do setor fumageiro da Região Sul do Brasil em relação a outros produtores mundiais, pois Altmann et al. (2008) explica que mesmo num eventual cenário de redução do consumo mundial, a tendência é de o Brasil continuar expandindo a sua participação no mercado mundial.

5. Considerações Finais Primeiramente, identificou-se a importância do uso de metodologias adequadas para a realização de diagnósticos e intervenções mais consequentes no meio rural, o que poderia facilitar e aprimorar o desempenho dos órgãos públicos municipais e dos serviços de extensão rural do município. Em relação ao sistema-cachaça, ao deparar com uma assistência técnica deficiente e canais de comercialização intermitentes e deficientes ou não garantidos aos que têm o produto nas mãos para vender, o fumo apresenta-se como uma alternativa real. Dessa forma, os produtores na microrregião analisada vêm substituindo a produção de cachaça pela do fumo para sobreviver e melhorar de vida. Mas por que o fumo? Será que não há alternativa ao sistema produtivo? Foram os agricultores que escolheram o fumo ou o fumo os escolheram? Essas perguntas poderiam estar no início do item 4.1.2 (O tabaco), porém se assim o fizer, estar-se-ia empregando todo o item como justificação ao sistema- fumo, fugindo portanto das nossas reflexões. Em meio à política territorial motivada pelo Estado recentemente, há intenções em desenvolver sistemas produtivos em consonância à aptidão do território bem como a diversificação produtiva. Certamente há um longo caminho no processo de diversificação das áreas cultivadas com tabaco que efetivamente potencialize a “implementação” de um modelo sustentável de agricultura familiar em Jaguari e em todo o Sul do Brasil. Não é suficiente sair de um sistema de produção de alta dependência e de monocultura para outro sistema de produção semelhante. Observamos muitas potencialidades territoriais que podem orientar a construção coletiva deste processo, sendo indispensável o verdadeiro interesse e comprometimento dos gestores e autoridades em trabalhar as políticas públicas em conjunto com as forças e saberes locais, adaptando os programas de governo para atender tanto as atuais demandas, quanto as futuras circunstâncias que emergirem, evitando retrocessos e a repetição de erros cometidos no passado, bem como o investimento em alternativas inviáveis do ponto de vista ambiental, social e econômico para a perpetuação da agricultura familiar, especialmente na microrregião em questão. Ao adotar um modelo substituto de produção, os agricultores devem analisar os possíveis cenários que podem se suceder dependendo da dinâmica do sistema produtivo adotado. Tornar reféns de inúmeras externalidades ou aumentar sua dependência de recursos exógenos à propriedade não é aconselhável, pois de longa data há constatações das consequências vistas no rural de modelos de agricultura anteriores que não trouxeram o desenvolvimento almejado e duradouro prometido. Sem dúvida, a substituição dos sistemas produtivos observada na M II de Jaguari já aponta consideráveis transformações sociais e ambientais no agroecossistema local.

6. Bibliografia Consultada AGOSTINETTO, D. et al. Caracterização da fumicultura no município de . Revista Brasileira de Agrociência. Pelotas, RS. v. 6, n. 2, p. 171-175. 2000. ALTMANN, R. (in memoriam); MIOR, L. C.; ZOLDAN, P. Perspectivas para o Sistema Agroalimentar e o Espaço Rural de Santa Catarina em 2015: percepção de representantes de agroindústrias, cooperativas e organizações sociais. Florianópolis: EPAGRI, 2008. ISSN 0100-8986. ANUÁRIO Brasileiro do Fumo. : Gazeta, 2002. DUFUMIER, Marc. Projetos de desenvolvimento agrícola: manual para especialistas. Salvador: EDUFBA, 2007. 328 p. ENCICLOPÉDIA dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. 416 p. FEE: banco de dados. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2009. GARCIA FILHO, D. P. Guia Metodológico: Diagnóstico dos Sistemas Agrários. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO. Brasília, 1999. 58 p. IBGE: Banco de Dados Agregado. Disponivel em: . Acesso em: 5 nov. 2009. NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1989. 422 p. PAULILO, M. I. S. Produtor e agroindústria: consensos e dissensos. O caso de Santa Catarina. 1990. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1990. PEDRON, F. de A. Planejamento do turismo em áreas rurais: estudo do Roteiro Nostra Colônia - Jaguari. 2007. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2007. PEREIRA, P. R. B. et al. Contribuição à geografia física do município de Santa Maria: Unidade de paisagem. Geografia e Pesquisa, v. 1, n. 3, p.37-68, 1989. ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. RUAS, E. D. et al. MEXPAR: Metodologia participativa de extensão rural para o desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte, 2006. 134 p. SEBRAE/PRODER. Diagnóstico sócio-econômico do município de Jaguari. Out. 1998. SINDITABACO. Disponível em: . Acesso em: 11 dez. 2009. VELOSO, H. P.; FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE/Projeto Radam Brasil, 1991.