“O MUNICÍPIO DE JAGUARI, RS, NA PERSPECTIVA RURAL: OS SISTEMAS DE CACHAÇA E DE TABACO” Aportes teórico-metodológicos para o trabalho de Extensão Rural Ensaio Leliani Valéria de Souza Silvia Orsini de Assis Pedro Selvino Neumann Universidade Federal de Santa Maria Brasil Email: [email protected] – Fone: (55)32170300 RESUMO Os sistemas produtivos baseados na produção artesanal de cachaça do município de Jaguari têm passado por uma transformação que vem sendo consubstanciada em uma estratégia experimentada por diversas famílias agricultoras, que testemunham diretamente o progressivo enfraquecimento do tradicional sistema de produção de cachaça e a ascensão do sistema integrado de produção de tabaco em substituição ao primeiro. Esta investigação objetiva alçapremar e analisar os possíveis fatos desta realidade que têm impelido os agricultores familiares, em seu processo decisório, a trilhar o caminho contrário ao de políticas públicas como o Programa de Apoio à Diversificação Produtiva das Áreas Cultivadas com Fumo. Para tanto, utilizou-se a metodologia da análise-diagnóstico de sistemas agrários e métodos complementares à realização de ações que visem o desenvolvimento rural. Como considerações, pode-se inferir que a qualidade duvidosa, embalagens reutilizadas, preços reduzidos e fiscalização constante, entre outros, vêm reduzindo a demanda pela cachaça a cada ano, levando as unidades familiares de produção a dependerem cada vez menos do seu processamento. Também é verídica a crescente dependência tanto do município em relação aos tributos originados pelo cultivo do tabaco quanto dos agricultores em relação à indústria tabacaleira, sendo que o tabaco se apresenta hoje como uma espectável alternativa de reprodução social e econômica para os agricultores familiares da região estudada. Devido a estes e outros aspectos, considera-se que há um extenso caminho a ser percorrido no processo de diversificação das áreas cultivadas com tabaco que efetivamente potencialize a implementação de um modelo sustentável de agricultura (familiar) em Jaguari. Torna-se, portanto, indispensável o verdadeiro interesse e comprometimento dos gestores e autoridades em trabalhar as políticas públicas em conjunto com as forças e saberes locais, ajustando aos programas de governo as dinâmicas sociais, econômicas e produtivas regionais, para atender tanto as atuais demandas, quanto às futuras circunstâncias que emergirem. Palavras-chaves: Sistemas Produtivos, Agricultura Familiar, Diversificação Produtiva, Políticas Públicas, Desenvolvimento Rural, Desenvolvimento Local. 1. Introdução Desde a primeira Revolução Agrícola na Europa, viu-se o desfavorecimento daqueles que se encontravam em condições desvantajosas para acompanhar o processo de aceleração produtiva da agricultura. Não se entendia os mecanismos de diferenciação na época, o que acabava concebendo abordagens genéricas dos sistemas produtivos. O objetivo de uma análise-diagnóstico que visa ao desenvolvimento rural é basicamente conhecer as verdadeiras necessidades e problemas dos agricultores desde a criação dos projetos. Em congruência às ideias de Dufumier (2007), para saber formular, conduzir ou avaliar estes projetos não é suficiente ser um bom técnico, mas conhecer e compreender a sociedade em que se deseja intervir é essencial. “A história dos programas e projetos de desenvolvimento agrícola mostra que não pode haver intervenções eficazes para a transformação da agricultura sem um conhecimento científico prévio das realidades agrárias nas quais se pretende intervir” (DUFUMIER, p. 57, 2007). O que torna uma realidade mais nítida e mais clara? O que impede a realidade de ser mostrada como ela é? Perguntas simples não implicam respostas simples. Indagações como estas foram levantadas por Santo Agostinho em “Confissões” e, neste caso, fazem todo sentido, embora em questão esteja se discutindo o desenvolvimento rural. Diagnósticos em bases filosóficas a exemplo das confissões de Agostinho poderiam anular o risco de se formular ações desajustadas à realidade de intervenção, uma vez que os fatos, sejam eles aprazíveis ou não, seriam revelados na sua total veracidade. Não restam dúvidas de que o atual sistema agrícola brasileiro é dominado por externalidades, contribuindo e sustentando o desenvolvimento capitalista na agricultura e a apropriação industrial de suas atividades que vão desde a produção de insumos e maquinários até o processamento e beneficiamento da produção. Mudam governos e governantes e as principais políticas públicas para o meio rural continuam tendo por objetivo a manutenção do homem no campo, a diversificação da matriz produtiva da pequena propriedade e a garantia de rentabilidade e qualidade de vida à família agricultora. Logo, torna-se imprescindível refletir sobre os resultados que o desenvolvimento capitalista produziu no campo, especialmente na agricultura familiar, onde, embora haja sucessos pontuais (localizados) que foram obtidos especialmente junto aos “mais aptos” a adequar-se às exigências do modo de produção capitalista, o meio rural sofreu uma enorme transformação que acabou excluindo e expulsando a maioria, ocasionando ainda uma enorme diferenciação social entre aqueles que conseguiram permanecer na atividade agropecuária. O desenvolvimento (rural) sustentável no campo proporcionaria o equilíbrio entre o crescimento econômico, a preservação do meio ambiente e o bem- estar social. Dessa forma, a sustentabilidade poderia transformar a realidade do cenário agrícola e social de uma região, trazendo benefícios para o produtor, bem como para o consumidor. Esta investigação se justifica pela necessidade de registrar a realidade que vem sendo transformada e consubstanciada em uma estratégia experimentada por muitas famílias agricultoras do município de Jaguari, diretamente testemunhas do progressivo enfraquecimento do tradicional sistema de produção de cachaça e pela rápida ascensão do sistema integrado de produção de tabaco no processo de sucessão do primeiro. 2. Procedimentos Metodológicos O local de estudo desta pesquisa é o município de Jaguari, especificamente o seu meio rural. Jaguari se localiza na microrregião de Santa Maria, Rio Grande do Sul. É dividido em quatro distritos (Sede, Santo Isidro, Ijucapirama, e Taquarichim) e situa-se a 400 km da capital Porto Alegre aproximadamente. Em geral, a região do município está superposta a um relevo ondulado, há 160 metros acima do nível do mar; apresenta clima ombrófilo – caracterizado pela falta de um período seco – e pela alta intensidade e regularidade pluviométrica; o clima predominante é o temperado, com temperaturas variando de 3°C a 38°C. Figura 1 – Representação cartográfica do município de Jaguari-RS. Fonte: Leandra Dutra (Prefeitura Municipal de Jaguari-RS) A metodologia utilizada inspirou-se na Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (ADSA). Em geral, a ADSA é um método dedutivo que visa analisar a realidade rural de forma escalar, partindo do geral para o especifico. Neste caso, a sequência metodológica utilizada partiu da análise do Sistema Agrário do município de Jaguari (Etapa A), seguido do diagnóstico das suas Microrregiões (Etapa B) até chegar ao estrato denominado Unidade de Produção Agrícola – UPA (Etapa C). Figura 2 – Diagrama das etapas metodológicas de análise do sistema agrário de Jaguari-RS. A Etapa A, consistiu em: a) caracterização agroecológica e sócio-econômica, utilizando fontes secundárias (IBGE, FEE) como técnica de coleta de dados; b) análise da trajetória histórica, em que foram utilizadas fontes secundárias de informação coletadas em literatura especializada e em entrevistas com pessoas conhecedoras da história local; c) zoneamento da região, construído com base em mapas temáticos (geológico, solos, relevo, vegetação, distribuição de chuvas), fontes secundárias e imagens aéreas para diferenciar os espaços. Em suma, de acordo com Dufumier (2007), à Etapa A está encarregada as funções de identificar e descrever os grandes modos de exploração e de beneficiamento dos ecossistemas, bem como identificar os elementos históricos que mais contribuíram para as suas recentes transformações e localizações. Visitas sistemáticas a campo são indicadas de modo a complementar o levantamento de dados com as leituras de paisagem agrária; como estas visitas foram reservadas às etapas posteriores, as leituras de paisagem foram feitas por algumas fotografias das principais regiões de Jaguari, tiradas por técnicos do município. Dufumier (2007) afirma que aliar a análise dos documentos cartográficos à leitura das paisagens e às pesquisas exploratórias pode ajudar a delimitar as zonas relativamente homogêneas do ponto de vista da dinâmica da evolução da agricultura. Desta forma, esta primeira etapa foi importante para que toda a equipe pudesse visualizar a diversidade das condições nas quais os produtores rurais estão sendo levados a modificar as suas práticas agrícolas e, a partir disso, estratificar o município em zonas homogêneas para a continuação da pesquisa nas etapas seguintes. As Etapas B e C foram investigadas in loco. Dada a visão geral do município, na Etapa B, as zonas homogêneas encontradas apontaram três microrregiões (delimitadas na Figura 1). Cada uma destas foi caracterizada por uma equipe a fim de levantar as especificidades e reconstruir sua história visando demarcar a evolução dos sistemas agrários. Nesta etapa, utilizou-se a técnica da entrevista semiestruturada com informantes qualificados de cada localidade (representantes da administração pública, de cooperativa, antigos moradores)
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