A LUTA DOS CAMPONESES DO ALTO RIO PARDO-NORTE DE PELO DIREITO AO TERRITÓRIO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

¹ SANTOS, Fernanda F (UFRB) ² GARCIA, Rosineide Pereira Mubarack (UFRB)

Resumo: No processo de luta para garantir os direitos dos povos, a educação do campo tem um papel fundamental. Neste sentido os camponeses do Território Alto Rio Pardo- Norte de Minas Gerais, sofrendo na pele as consequências do desenvolvimento para região fundado na monocultura de eucalipto, resolvem se organizar em movimentos sociais e sindicais. Apresentamos aqui dois importantes resultados dessa organização, a implantação da política de territórios do MDA e a construção da proposta da Escola Família Agrícola Nova Esperança. O Alto Rio Pardo se consolidou como um importante espaço de diálogo para as políticas públicas. Esta capacidade de diálogo proporcionou o debate sobre a Educação do Campo e a construção da EFA Nova Esperança como ferramenta para fazer as lutas necessárias no campo deste território. Este artigo foi publicado inicialmente no e-Book do II SIEC. Palavras-chave: Território, Educação do Campo, Escola Família Agrícola

Resumen: En el proceso de lucha por garantizar los derechos de las personas, el campo de la educación tiene un papel clave. En este sentido los campesinos del norte de Rio Pardo territorio superior de Minas Gerais, sufriendo las consecuencias del desarrollo de la piel para la región basada en el monocultivo de eucalipto, deciden organizarse en sindicatos y movimientos sociales. Presentamos aquí dos resultados importantes de esta organización, la implementación de la política de la MDA y la construcción de la propuesta escuela esperanza familia agrícola. El Alto Río Pardo se consolidó como un importante espacio de diálogo para las políticas públicas. Se proporciona capacidad de diálogo el debate sobre la educación y la construcción de la nueva esperanza de la EPT como una herramienta para hacer los combates necesarios en el campo de este territorio. Palabras-clave: terrenos, educación del campo, escuela familia agrícola

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Introdução

Procuramos neste artigo analisar o processo de implantação da política de 1Território do MDA no Alto Rio Pardo e a construção da proposta da Escola Família Agrícola Nova Esperança. Estas ações acontecerão por iniciativa e luta dos camponeses daquele lugar, como estratégia para resistir no seu território.

Para tal compreensão dividimos o texto em partes: Na primeira parte faremos um breve histórico da questão agrária no Alto Rio Pardo, desde sua colonização pelos povos originários que tinham sistemas de produção agrícola e reprodução social adaptada a natureza da região até a chagada a partir da década de 60 dos grandes projetos de “desenvolvimento” trazendo diversos ônus sociais e ambientais, dentre eles a expropriação territorial destas populações.

Na segunda parte aprofundaremos nos processos de organização destes camponeses frente aos impactos causados pela ação das reflorestadoras na região. Uma das ações apontadas neste texto foi a luta coletiva pelos direitos dos camponeses através dos Sindicatos dos Trabalhares Rurais e outras entidades de luta pelos povos do campo. Estas entidades organização viram na implantação da política de território do MDA, uma estratégia de resistência e possibilidade do diálogo e implantação de políticas públicas que promovessem um outro desenvolvimento no Alto Rio Pardo.

Na última parte apresentaremos um dos resultados do diálogo pelas políticas públicas no Território, a proposta de construção da Escola Família Agrícola Nova Esperança. O debate será feito a acerca dos motivos e das expectativas com a construção de uma escola do campo

1 Estudante do Mestrado Profissional em Educação do Campo da Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB. Coordenadora Geral da Escola Família Agrícola Nova Esperança\MG. [email protected] ² Profa. Adj. do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas. Tutora Grupo PET - Educação e Sustentabilidade MEC/CAPES. Professora permanente do Programa Mestrado Profissional em Educação do Campo. [email protected]

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que de fato atende as necessidades deste. Este artigo foi publicado inicialmente no e-Book do II SIEC.

Breve histórico da questão agrária no Alto Rio Pardo

A presença humana na região se dá partir de uma base indígena de diferentes povos do tronco linguístico Macro-Jê, entre outros que transitavam pela região. A presença dos colonizadores brancos e dos escravos negros no processo de expulsão dos nativos indígenas trouxe também índios de outras regiões nos primórdios da região norte-mineira, que teve forte miscigenação com as correntes de colonização e atividades produtivas engendradas pelos colonizadores europeus, com extrativismo, criatórios de gado, mineração e agricultura (BRITO, 2006, p. 49). Brito apresenta os povos originários que habitavam a região, destaca a presença dos povos indígenas do tronco linguístico Macro-Jê. Segundo Urban (1992) toda a rede de línguas geneticamente filiadas ao tronco Macro-Jê está concentrada na parte oriental e central do planalto brasileiro. O grupo central dos Jê, cuja radiação supomos ter-se iniciado há uns 3 mil anos, está localizado entre populações com relações mais afastadas a leste e a oeste. Ribeiro (1997) aponta a uma linha de transição de conhecimento entre os povos indígenas e os sertanejos do .

Esses estudos arqueológicos apontam assim uma linha de transmissão de traços culturais entre antigas populações do Cerrado e os povos indígenas ali encontrados pelos portugueses, principalmente no que se refere ao uso dos recursos naturais daquele bioma. Nesse processo, não só se adaptaram àquele meio ambiente, como também aturam sobre ele transformando-o através de diversas técnicas de manejo. Conforme procurei ressaltar, parte desse patrimônio cultural foi incorporado pelos sertanejos, sucessores daqueles povos indígenas na área do Cerrado. (RIBEIRO, 1997, p. 31). Ribeiro aponta para a origem de sistemas de produção adaptados ao cerrado, construídos ao logo do tempo por estes povos, como bem ressalta Mazzetto (2006):

Essas populações desenvolveram ao longo dos séculos, modos de vida com uma relação orgânica com os ecossistemas, baseados na sua produção biológica primária (extrativismo, caça, pesca) e em estratégias agropecuárias que otimizavam as potencialidades do ambiente de transformar energia solar em alimentos, carnes e fibras, utilizando de forma heterogênea e diversificada (MAZZETTO, 2006, p. 64).

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Podemos perceber a partir de Mazzetto (2006) e Ribeiro (1997) que a relação entre homem e natureza se dava de forma harmoniosa, com a pratica de sistemas de produção adequados aquele ambiente. A partir década de 60 esses sistemas de produção, bem como a populações ali residentes são fortemente ameaças pelos grandes projetos de “desenvolvimento” para a região.

Na década de 1960, a região passa a compor a área mineira da SUDENE2 – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. O vale do São Francisco passa a ser uma região de atuação da SUDENE e da CODEVASF – Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco, que constituíram um programa de incentivos fiscais e financeiros, visando carrear o desenvolvimento para o Norte de Minas Gerais, priorizando quatro eixos: industrialização, agropecuária modernizada, projetos de irrigação e monocultura de eucalipto, denominada de reflorestamento (BRITO, 2006, p.50).

A atuação da Sudene na região estava ligada a uma nova definição das relações entre agricultura e indústria Salim (1986). A agricultura tornou-se uma das prioridades do governo para a retomada do crescimento econômico fortemente ameaçado nos anos precedentes. Salim (1986) ressalta ainda que:

Neste quadro geral, ou seja, durante a década de 60, observou-se uma redefinição das relações entre agricultura e indústria, uma vez que os arranjos anteriores já evidenciavam sinais de esgotamento em razão dos problemas com o abastecimento do mercado interno, de alimentos, com as exportações, baixa produtividade etc. Em função das redefinições adotadas, o setor agrícola que se encontrava em posição desfavorável em relação a indústria, sobre mudanças no processo de produção para cada vez mais pode atender os interesses industriais emergentes (SALIM, 1986, p.298). Neste sentido a agropecuária passa a estabelecer relações de interdependência com a indústria, com o claro objetivo de fortalecer as relações capitalistas de acumulação dos meios de produção e suas riquezas. Ainda segundo Salim (1986):

Assim, a agropecuária passa a ser gradativamente atrelada ao sistema da indústria do início ao final de seu processo produtivo [...] o setor agropecuário surge como um mercado para os bens industrializados dos quais depende para o desenvolvimento de suas atividades produtivas, baseada na utilização de adubos, agrotóxicos, maquinas e equipamentos. Viabilizou-se um processo, embora embrionário e setorizado, de transformação tecnológico da agricultura, isto é, na medida em que as bases de estruturação de suas atividades produtivas vindos do setor secundário da economia. Por outro lado, a adoção de novas práticas e insumos pre-estabelecidos se prende ás Entrelaçando Nº 10. Ano V (2016)- ISSN 2179.8443

crescentes exigências de padronização e qualidade impostos pelas agroindústrias processadoras de produtos e matérias-primas agrícolas (SALIM, 1986, p. 300). Salim (1986) nos ajuda a refletir sobre a existência de um ciclo de dependência entre o setor agropecuário e setor industrial apontando que:

Fecha-se assim um círculo, no qual a agropecuária entra como um setor importante, porém subordinado. Nesse sentido fica também evidente que os parâmetros tecnológicos adotados são determinados fora do setor agrícola porque verifica-se claramente uma imposição tanto na forma como no grau de sua modernização. Tal situação ocorre do fato de que atualmente não é resultante do desenvolvimento endógeno da agropecuária. Ele é um desenvolvimento exógeno, ditado em consonância com os interesses industriais. Assim o que se verifica é que ele existe, em sua essência para viabilizar o desenvolvimento dos ramos industriais produtores de insumos e de processamento de produtos agrícolas e não para resolver os problemas do campo.[...] pois da forma como se encaminham as questões relativas ao campo, está-se resolvendo apenas a questão agrícola, isto é, aquelas referentes exclusivamente á produção e produtividade. (SALIM,1986, p.300). As medidas tomadas sem considerar a questão agrária, isto a concentração fundiária, as populações existentes no campo, preocupadas apenas com a questão agrícola, ou seja, produção e produtividade financiarão grandes projetos de desenvolvimento nas áreas do cerrado consideradas como vazios demográficos e econômicos. No Alto Rio Pardo de acordo com Brito (2006):

As ações visando o desenvolvimento, implementadas no período de ditadura militar, via SUDENE e CODEVASF, tinham a concepção de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, industrialização, urbanização, justificada pela necessidade de superação da pobreza regional. A ordem desenvolvimentista se estabeleceria localmente, orientada pela modernização e desenvolvimento para a expansão capitalista via estímulos e subsídios do Estado. Uma das atividades eleitas para colaborar no processo de modernização capitalista na região foi o denominado “reflorestamento”, que contou, a partir da década de 1960, com diversos benefícios governamentais (BRITO, 2006, p.55). Como bem diz Brito (2006) o pacote tecnológico de desenvolvimento escolhido para a região foi reflorestamento, as grandes monoculturas de eucalipto que impactou diretamente nos sistemas produtivos e reprodução social das comunidades ali moradoras, Brito (2006) aponta ainda que:

O “reflorestamento”, associado ao carvoejamento, foi o processo que promoveu a mais rápida desestruturação do Cerrado na região e expropriação de terras das

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comunidades rurais. A implementação da monocultura era composta por derrubada por correntão da vegetação nativa e produção de carvão. Muitas vezes não se fazia carvão da vegetação derrubada; ateava-se fogo para implantar mais rapidamente a monocultura. Os incentivos, as facilidades de obter terras e mão-de-obra barata fortaleceram a atividade na região que se tornou a maior produtora de carvão do estado de Minas Gerais. As terras utilizadas para a implantação da monocultura muitas vezes eram cedidas às empresas na forma de arrendamento, a preços simbólicos. Tais terras eram consideradas públicas por não terem sido registradas por seus ocupantes (BRITO, 2006, p.50). A autora traz uma importante constatação do uso de terras públicas, historicamente habitada pelas comunidades tradicionais por empresas reflorestadoras para a implantação das monocultoras de eucalipto. Mazzetto (2006) revela que mesmo após o término dos incentivos governamentais para a atividade as empresas continuaram na região se utilizando de outras estratégias:

Apesar dos incentivos concedidos para o setor serem extintos na década de 1980, em meados desta, este setor conseguiu expandir sua base florestal. Só que agora com uma nova metodologia. Surgem então programas de reflorestamento em pequenas e médias propriedades agropecuárias, as chamadas "fazendas florestais" que vinculavam a terra e o trabalho de agricultores tradicionais às necessidades das empresas consumidoras. Os incentivos à expansão florestal passam a ser o principal mecanismo de ampliação da base florestal para o abastecimento de matéria-prima, principalmente para os empreendimentos dos segmentos de papel, celulose e energético. Entretanto, a nova metodologia aplicada para a expansão da base florestal, deixa em segundo plano questões conflitantes, como o ônus social e os impactos ecológicos provenientes dos monocultivos de arvores (MAZZETTO, 2006, p.189). Muitos foram os impactos sociais e ambientes ocasionados pela atuação das reflorestadoras na região destacamos aqui um deles, a sessão de terras públicas para as empresas, expropriando os agricultores tradicionais de seu território, outro ônus social e ambiental para este território foi desmatamento da vegetação na nativa, que impactou os sistemas de produção das comunidades tradicionais baseados na pesca, extrativismo, caça e criação de gado nas soltas. Como consequência deste processo muitas famílias foram expulsas de suas terras e sem ter como produzir migraram para as cidades. Outras seriam de mão de obra barata nas carvoarias da região. É diante deste contexto que os movimentos sociais e sindicais da região se unem com o objetivo de lutar pelos direitos dos agricultores. Entrelaçando Nº 10. Ano V (2016)- ISSN 2179.8443

O Alto Rio Pardo e seus movimentos sociais e sindicais

Antes de adentramos no papel dos movimentos sociais e sindicais na implementação da política dos Territórios da Cidadania na região. Falaremos sobre alguns conceitos de território que permeiam nossa discussão, compreendermos ainda a política dos territórios da cidadania.

Existem diferentes definições de território. Aqui priorizaremos duas delas. A primeira é do geógrafo Milton Santos de acordo com ele:

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas sobrepostas. O território tem que ser entendido como território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar de resistência, das trocas materiais e espirituais dos exercícios da vida (SANTOS, 2002, p.10). É este sentimento de pertencimento, essa definição de território como lugar de trabalho, de resistência, de identidade, de trocas materiais e espirituais que orienta a vida e a luta dos sertanejos.

Para Fernandes (2008), o conceito de território é utilizado, principalmente, para se referir aos espaços de governança em escala municipal, reunido um conjunto de municípios que formam uma microrregião, ele cita como exemplo os territórios da Cidadania. Como pretendemos neste artigo compreender está política cabe apresentar a definição de território para a secretaria de Desenvolvimento Territorial Rural (SDT), do Ministério do desenvolvimento agrário (MDA, 2003):

O território é um espaço físico, geograficamente definido, geralmente continuo, compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultura e territorial. (MDA, 2003, p.23).

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Para falar do Território do Alto Rio Pardo vamos resgatar aqui a concepção de Santos de que o território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar de resistência. Foi este sentimento de pertencimento e resistência aliado a identidade camponesa que fez com que as comunidades rurais desta região sofrendo na pele as consequências do projeto de “desenvolvimento” dentre elas expropriação de suas terras, escassez de água causada pelo desmatamento afetando seus sistemas de produção.

Essa realidade obrigou muitos camponeses a servir de mão de obra barata nas carvoarias, em trabalho análogo a escravidão. Todos estes foram motivos para organização e demanda das comunidades para os sindicatos dos trabalhares rurais dos municípios do território. Para compreender melhor algumas questões aqui colocadas, fiz uma entrevista aberta com o Presidente do Sindicato dos Trabalhares e Trabalhadoras Rurais de Rio Pardo de Minas, para o qual utilizaremos a sigla PSTR nas indicações de fala. Ele diz que:

Os trinta anos de uso da terra por parte das empresas causou muitas consequências econômicas, ambientais e sociais nas comunidades, muitas comunidades sem água, então partindo dessa necessidade, foi, meio que forçando o sindicato aí se organizando a partir das demandas da comunidade e as demandas surgiam partir das necessidades (PSTR, 2015). O PSTR relata o processo de organização das comunidades diante das consequências causadas pela ação das empresas reflorestadoras na região. É a partir das demandas e necessidades das comunidades que os sindicatos começaram a se organizar para encontrar estratégias de resistência para a situação.

As estratégias foi tentar se articular em redes, Rede alerta contra o deserto verde. Aqui no território do Alto Rio Pardo a articulação entre os sindicatos, as comunidades e não ficar se limitando a questão do movimento sindical em si, um pouco tentando se articular com outros movimento do campo (PSTR, 2015). A luta dos camponeses para resistir e permanecer em seu território, articulou muitos movimentos sociais e entidades neste objetivo comum a todos. A primeira grande ação coletiva dos sindicatos dos trabalhadores rurais dos municípios do Alto Rio Pardo aconteceu

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por volta de 1993 com uma ação de denúncia no mistério do trabalho das condições escravas que se encontravam os trabalhadores das carvoarias da região. Vale ressaltar que estes trabalhadores em sua maioria eram os camponeses expulsos de suas terras para ceder lugar ao “desenvolvimento” trazido pelas reflorestadoras. O PSTR diz que:

Os sindicatos começaram a se organizar pela necessidade dos assalariados rurais, os trabalhadores das carvoarias, numa situação que tavá. È trabalho escravo na verdade. E aí chamava de micro nem o Mastro1, a primeira ação que eles fez coletivamente, foi meio que uma ação junto ao ministério do trabalho, fazendo uma visita nas carvoeiras, para verificar as condições dos trabalhadores, e a partir deste momento já teve a articulação, foi o movimento sindical, a Pastoral da Terra e algumas outras entidades. O movimento sindical, a partir daí começou a se organizar em ações mais coletivas (PSTR, 2015). Nestes encontros para pensar e planejar ações coletivas para garantir os direitos dos trabalhadores rurais, o movimento começa a perceber que os desafios e potencialidades dos municípios do território eram muito parecidos.

Ao perguntar ao PSTR sobre qual foi o papel do movimento sindical e social na criação do território da cidadania Alto Rio Pardo, ele me responde dizendo que:

O principal papel foi de perceber as semelhanças, tanto de dificuldade dos problemas que tinha cada município, tanto do potencial que tem né cada município. Então a partir do momento da necessidade de fazer essa luta coletiva por conta dos direitos dos trabalhadores que tava ameaçado, não tava tendo direitos garantidos. Também aí começamos a perceber que muitas coisas eram semelhantes né. Ai foi quando teve o edital do MDA de criar um território e o objetivo era justamente este, de fortalecer os laços que os municípios tinham entre si né. Foi aí que a gente percebeu que era tudo aquilo que a gente já discutia antes. Acho que o papel fundamental dos sindicatos foi isso. Como os sindicatos já se reunia, quando vimos o edital era tudo aquilo que agente já tinha conversado, de pensar uma política mais a nível de território, já que os problemas de um município era igual a de outro. Inclusive o projeto do território foi criado sem a participação do poder publico, o projeto inicial dele foi feito pelo movimento sindical e apoiado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas-CAA-NM, que fizeram a primeira proposta para o MDA de criação do território (PSTR, 2015). De acordo com o relato já existiam muitas ações coletivas a nível territorial e a criação do território através do MDA institucionalizou este espaço com o objetivo de pensar as

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políticas públicas para os municípios da região. De acordo com o relatório que apresenta o Estudo propositivo para Dinamização Econômica do Território Rural do Alto Rio Pardo (2006):

A proposta para homologação do Território Alto Rio Pardo, situado na região Norte do Estado de Minas Gerais, foi encaminhada ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável de Minas Gerais (CEDRS-MG) em setembro de 2004 [...] A iniciativa partiu de uma reunião dos sindicatos dos trabalhadores rurais que compõem a Articulação da Microrregional do Alto Rio Pardo, junto a Associação dos Atingidos pela Barragem de Berizal\MG, Associação dos Apicultores de Rio Pardo de Minas, Associação Municipal de Comunidades de , Conselho Municipal das Associações Comunitárias de São João do Paraíso, Cooperativa dos produtores de Cachaça. (MDA/SDT, 2006, p.13). Este estudo diz ainda que:

Em atuação desde de 1993, essa articulação foi formada pelos STRs e associações dos municípios da microrregião do Alto Rio Pardo com a finalidade de realizar ações coletivas em prol de melhores condições de trabalho e vida para os trabalhadores rurais e agricultores familiares, contando com o apoio de entidades como a comissão Pastoral da Terra, FETAENG, CAA e Caritas Diocesana de Janaúba. (MDA/SDT, 2006, p.13). Podemos perceber a partir das falas do PSTR e das citações do estudo propositivo para a dinamização Econômica do Território Rural do Alto Rio Pardo que se consolidou como um importante espaço de diálogo para a sociedade, principalmente a rural desta região. Foi está capacidade de diálogo que permitiu que os atores Sociais deste Território debatessem sobre seus desafios e construíssem os cinco eixos aglutinadores do Território são eles: a questão ambiental, o acesso à terra, a educação no campo, a organização da produção e da comercialização e a valorização cultural do território (Relatório de qualificação do plano territorial de desenvolvimento rural sustentável (PTDRS) do Território Alto Rio Pardo, 2006, p.35). A seguir aprofundaremos nos desdobramentos do eixo Educação do Campo, que se consolidou na construção da proposta da Escola Família Agrícola Nova Esperança.

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A luta pelo direito a Educação do Campo: Construção da proposta da Escola Família Agrícola Nova Esperança

A nucleação das escolas do campo e a distância entre a educação e a prática social e do trabalho, nos municípios do território foram alguns dos motivos que levaram a construção da proposta de implantação da Escola Família Agrícola Nova Esperança. Vale ressaltar que segundo o PSTR esta discussão começa muita antes da homologação do território com as reclamações das famílias sendo obrigadas a enviar seus filhos para estudarem na cidade. A educação ofertada na cidade ou mesmo no campo nada tinha haver com a vida e o trabalho dos camponeses.

O projeto de implantação da EFA Nova Esperança encaminhada no ano de 2007 para a SDT\MDA traz um relato sobre a realidade da educação no campo da região:

A Escola no campo é uma escola transplantada da cidade. Não é do campo. Não atende às reais necessidades das famílias, das comunidades camponesas, muito menos os anseios específicos de cada adolescente e jovem. Algumas características da atual escola rura

idades potenciais de

reflete sobre a situação dos trabalhadores nas periferias urbanas, as condições subumanas das pessoas, o risco da violência, o desespero do desemprego, a total falta de segurança em todos os níveis, sem contar a falta de infra- estrutura de moradia digna, saneamento básico, água tratada, escola, saúde

preocupa com o futuro dos alunos, das suas famílias, do meio (EFA, 2007, p.12). Nascimento (2006) afirma esta realidade dizendo: Mas qual é o tipo de escola pública oferecida à população camponesa? É uma escola relegada ao abandono, denominada, pejorativamente, de escola isolada. É uma escola que inexiste quando as prefeituras adotam uma política de redução dos custos, trazendo as crianças para estudar na cidade, em cima de caminhões de gado ou de kombis, em estradas precárias, com horas de viagem13. Além de excluir as crianças do campo, separando-as em salas Entrelaçando Nº 10. Ano V (2016)- ISSN 2179.8443

diferentes, elas devem assumir os valores da cidade, pois senão são chamadas de atrasadas pelos colegas ou pelos próprios professores (NASCIMENTO, 2006, p.873). É diante desta realidade que os atores sociais do Território Alto Rio Pardo representando e dando resposta a uma necessidade e demanda das famílias e comunidades rurais decidem lutar pela implantação da Escola Família Agrícola Nova Esperança. A proposta elaborada e encaminhada em 2007 teve como objetivo construir uma escola que promova a integração territorial, proporcionando impactos e resultados positivos na incansável busca pela construção do desenvolvimento sustentável deste território (EFA, 2007, p.5).

Para Caldart (2004), a Educação do Campo somente se tornará uma realidade efetiva como ideário, projeto educativo e política de educação, se permanecer vinculada aos movimentos sociais. Ainda sobre a vinculação dos movimentos sociais e da Educação do Campo ela diz que:

Um dos objetivos políticos da Educação do Campo é ajudar na mobilização e organização dos camponeses em movimento sociais que fortaleçam e identifiquem sua presença coletiva na sociedade e que sejam seu espaço principal de educação para a participação e para as lutas sociais necessárias (CALDART, 2004, p.19). Comungando desta necessidade de construir uma escola cuja educação contribua para a formação de sujeitos dispostos a fazer as lutas necessárias no Alto Rio Pardo a proposta de implantação da EFA traz como objetivos:

- formar agricultores técnicos para empreender projetos de desenvolvimento na região. - desenvolver um conjunto de tecnologias alternativas, apropriadas para fomentar o desenvolvimento sustentável e solidário no semi-árido. - formar cidadãos críticos, lideranças criativas e atuantes nos movimentos sociais populares (EFA, 2007, p 05). Continuando o diálogo com Caldart (2004) e com os objetivos da formação da EFA Nova Esperança vinculados ao trabalho dos camponeses a autora diz que:

O trabalho forma\produz o ser humano. A Educação do Campo precisa recuperar toda uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como Entrelaçando Nº 10. Ano V (2016)- ISSN 2179.8443

princípio educativo, de compreensão do vínculo entre educação e produção e de discussão sobre as dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação profissional, cotejando todo este acúmulo de teorias e de práticas com experiência específica de trabalho e de educação dos camponeses (CALDART, 2004, p.20). De acordo com Caldart (2004) o trabalho deve ser um dos princípios educativos da Educação do Campo para tal deve-se construir métodos, praticas, teorias e experiências especificas para a educação dos camponeses. A compreensão desta necessidade fundamentou a escolha por uma Escola família Agrícola que tem como um de seus princípios a Pedagogia da Alternância:

A proposta pedagógica de Alternância apóia-se numa educação plena, voltada para a formação integral do ser humano e para a profissionalização dos jovens, valoriza os laços familiares e a herança cultural, dentro de um projeto de desenvolvimento baseado no resgate de cidadania e na organização comunitária. Contribui para a produção agrícola e o exercício de outras atividades rurais economicamente viáveis e de baixo impacto ambiental e propicia a vida com qualidade e dignidade no meio rural (EFA, 2007, p.13). A Alternância representa e atende as necessidades dos jovens filhos dos camponeses da região, pois promove uma formação integral, a profissionalização e valorização dos laços familiares e comunitários.

A proposta de implantação da Escola Família Agrícola Nova Esperança foi encaminhada em 2007 para a SDT\MDA, mas apenas em 2012 a escola iniciou suas atividades letivas. Com o objetivo de através da formação em alternância contribuir com a formação integral da pessoa humana e para desenvolvimento sustentável e solidário do Alto Rio Pardo.

Considerações finais

O pacote tecnológico das monoculturas de eucalipto para o Alto Rio Pardo trouxe consigo graves impactos sociais e ambientes para a região dentre estes destacamos a expropriação de terras das comunidades camponesas, o desmatamento da vegetação nativa afetando os sistemas de produção dessas comunidades. Neste período a única alternativa do

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povo era migrar para a cidade ou servi de mão de obra escrava para as empresas. Diante de tanta pressão e sofrimento estas comunidades resolvem se organizar e lutar por seus direitos.

A Escola Família Agrícola Nova Esperança nasce vinculada a luta pelo direito ao território e a Educação Campo em sua matriz de origem, ou seja, uma educação que contribua para as lutas sociais necessárias, que forme sujeitos conscientes das contradições e desigualdades existentes em nossa sociedade e que neste sentido construam um outro desenvolvimento pautado na superação das injustiças sociais.

Os camponeses do Alto Rio Pardo organizados nos sindicatos dos trabalhadores rurais e outras entidades de defesa dos povos do campo da região demonstraram sinal de muita maturidade ao perceber a Educação do Campo é uma ferramenta de luta pela defesa de seus direitos bem como para o desafio da construção e manutenção de um campo vivo, na plenitude de toda a sua diversidade de identidades, culturas e belezas.

REFERÊNCIAS

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