Recebido em: 15/05/2014 Aprovado em: 13/06/2014

A MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA: Uma discussão em torno das origens da Ordem (OPERATIVE AND ESPECULATIVE : A discussion around origins of Order)

Luiz Mário Ferreira Costa ¹

Resumo O intuito deste artigo é introduzir o leitor ao longo e intenso debate em torno da “verdadeira” ori- gem da Maçonaria. É um texto rápido e com breves referências a alguns dos mais importantes estu- diosos da temática.

Palavras-chaves: Maçonaria Operativa; Maçonaria Especulativa; Origens.

Abstract The purpose of this article is to introduce the reader to the long and intense debate around the "true" origin of Freemasonry. It is fast and brief text references to some of the top experts in the thematic.

Keywords: Operative Masonry; Especulative Freemasonry; Origins.

1 Luiz Mário Ferreira Costa é Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Huma- nas - ICH / da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Doutorando Visitante do Instituto de Ciências Sociais - ICS / Universidade de Lisboa – UL. Graduação (2006) e Mestrado (2009) pela UFJF. Tem experiência na área de História Con- temporânea, com ênfase nas seguintes temáticas: maçonaria, integralismo, intelectuais e teoria da história. E-mail: [email protected]

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Introdução mens e as nações a uma busca incessante pela O debate em torno das origens da Maçonaria antiguidade de origem (MENDONÇA, 1833, p.19). sempre atraiu enorme interesse por parte dos especialistas maçons e não maçons e dos leigos de uma maneira geral. Contudo, determinar as Em busca de uma origem para a Maçonaria: verdadeiras raízes históricas da Ordem sempre Inglaterra ou Escócia? foi um obstáculo aparentemente insuperável, Em seu livro As origens da Maçonaria: O sé- pois fatos verídicos muitas vezes aparecem fun- culo da Escócia (1590 – 1710), o historiador Da- didos a uma enorme variedade de elementos vid Stevenson (2005) lançou-se ao desafio de re- lendários. Deste modo, como sugeriu o historia- constituir a estirpe maçônica. Para isso estabele- dor Alexandre Mansur Barata (2006), o primeiro ceu, inicialmente, uma distinção entre a fase me- exercício, no sentido de uma melhor compreen- dieval e a fase moderna da Ordem. A primeira são da procedência da Ordem, é adotar um novo fase, também ficou conhecida como operativa, já olhar para a vasta literatura produzida, em sua que neste período a função da Loja estava dire- maioria, pelos próprios maçons desde o início do tamente vinculada ao ofício da construção. A se- século XVIII. Para legitimar sua atuação, os ma- gunda foi denominada de especulativa, uma vez çons buscavam em “tempos imemoriais” o inicio que a corporação passou a aceitar membros que da instituição, o que era reforçado pela ritualísti- não estavam ligados à arte da construção, como ca e simbolismo utilizados em suas reuniões. filósofos, políticos, alquimistas, dentre outros Desta forma, os maçons do século XVIII se auto- (STEVENSON, 2005). retratavam como herdeiros diretos dos egípcios antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, Na operativa, a palavra maçom ou mason era de Salomão, das tradições herméticas, da Cabala, utilizada no sentido de pedreiro, um profissional dos Templários, etc. (BARATA, 2006, p.23). ligado à arte da construção. O termo indicava um artesão hábil para trabalhar com pedra de canta- Um exemplo dessa atitude pode ser encon- ria, um indivíduo plenamente qualificado, dife- trado nas Cartas sobre a Framaçonaria publica- rente dos assentadores de pedras comuns. Além das no início do século XIX e cuja autoria é atri- disso, a palavra Maçonaria – em sua forma ingle- buída ao jornalista e maçom Hipólito José da sa freemasonry – não possuía significado misteri- Costa Pereira Furtado de Mendonça (1833). Nes- oso (STEVENSON, 2005, p.26). tas Cartas... , o autor demonstrava a existência de pelo menos quatro versões bem conhecidas so- Entretanto, pelo menos em um sentido, pode bre as origens maçônicas: -se dizer que a arte do pedreiro era incomum mesmo na Idade Média. Pois enquanto o modo 1°) No Reinado dos primeiros faraós do Egito, de vida da maioria dos artesões era fixa, produ- as formalidades utilizadas pelos maçons nos di- zindo os bens para venda local ou por meio de ferentes graus e iniciações, seriam criações dos intermediários em mercados distantes, o ofício antigos egípcios. 2º) No Reinado de Salomão à dos construtores exigia mudanças de um empre- aproximadamente 1000 anos a.C , o rei hebreu go para outro. Comparada com a vida regular e teria sido um reformador da Maçonaria; 3º) No estática da maioria dos artesãos, a do pedreiro Reinado de Felipe, o Belo, na França em 1300, ou maçom costumava ser móvel e imprevisível atribuindo a criação desta instituição aos Tem- (STEVENSON, 2005, p.31). plários; 4º) - No Reinado de Carlos I, na Inglater- ra em 1640, onde Cromwell seria um dos princi- Foi, exatamente, devido à especificidade do pais fundadores. Nas palavras de Hipólito da oficio do “mação”, em termos de organização e Costa a utilização de um passado “perdido” não relações profissionais, que surgiu a distinção com era uma característica excepcional da Maçonaria, os outros artesãos. A fraternidade maçônica re- mas sim “uma mania geral”, que conduzia os ho- presentava, nas palavras de Stevenson, “uma es- pécie de família artificial”, unidos não por san-

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COSTA, L. M. F. A MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DAS ORGINES... gue, mas por interesses comuns reforçados por junto a uma estrutura institucional baseada em meio de juramentos e rituais. Nessa época ope- Lojas, além de rituais e procedimentos secretos rativa, a Maçonaria mantinha uma relação estrei- para reconhecimento, conhecidos como a Pala- ta com a Igreja Católica, a corporação maçônica vra do Maçom (STEVENSON, 2005, p.22). era uma espécie de “confraternidade ou irman- A fase especulativa ou moderna da Maçona- dade religiosa”. Geralmente, empregava-se um ria, apesar de melhor conhecida, é também re- padre e festejava dentro das igrejas locais os pleta de indefinições e contradições entre os es- santos padroeiros das artes, com a celebração de pecialistas. Conforme sugeriu o pesquisador missas especiais e procissões. Naquele contexto, português Oliveira Marques (1989) durante muito as autoridades procuravam controlar e regula- tempo os historiadores acreditaram que a Maço- mentar a arte e o ofício dos artesãos através das naria especulativa derivava diretamente, por evo- guildas e a afiliação deveria ser um privilégio lução, das antigas Maçonarias medievais. Entre- guardado com ciúme pelos maçons tanto, atualmente esta tese foi superada por hi- (STEVENSON, 2005, p.32). póteses muito mais elaboradas, como a de que a Em seu sentido original, a Loja de um maçom Maçonaria moderna disfarçou-se na “aparência significava simplesmente uma construção tem- de uma corporação”, com o intuito de encobrir porária onde se realizava alguma obra importan- atividades e ideias que na época não poderiam te. Talvez fosse uma estrutura montada contra a ser assumidas abertamente. Ou que a origem da parede de um edifício já existente ou em cons- Maçonaria atual remontasse às associações de trução ou um barracão separado, onde os pe- socorros mútuos, mais ou menos laicas, deriva- dreiros podiam esculpir e moldar a pedra longe das do convívio interprofissional conseguido em do sol ou da chuva. Entretanto, as Lojas se de- tabernas, botequins e outros locais onde pudes- senvolveram e passaram a ser um local onde os sem desenvolver-se novas formas de socialização maçons comiam, descansavam e até dormiam, (MARQUES, 1989, p.17). quando estavam em outra cidade e não podiam Para D. João Evangelista Martins Terra (1993), voltar para a casa todas as noites. Com o passar por exemplo, foram os partidários dos Stuarts do tempo, a Loja se tornou o centro da convivên- destronados e refugiados na Escócia – na guerra cia temporária dos maçons. Referências às Lojas contra a Casa de Hanover – que criaram a Maço- nesse sentido podem ser encontradas na Ingla- naria. Para ele a organização maçônica foi copia- terra e na Escócia no final da Idade Média. Na da e introduzida nos regimentos militares para fase operativa, igualmente aos outros ofícios me- transformá-los em facções políticas. Imitando es- dievais, a Maçonaria também possuía seus docu- sas Lojas militares, surgiram as Lojas civis. Esta mentos históricos, onde neles enfatiza-se a anti- seria a origem da Maçonaria escocesa, que se es- guidade, a importância religiosa e a moral de seu palhou pela França juntamente com os stuardis- trabalho (STEVENSON, 2005, p.33). tas refugiados, cujos fins, eram apenas imediatos, Pelo menos em um sentido os maçons esco- não possuindo organização central e muito me- ceses do século XV eram peculiares, pois a histó- nos declaração de princípios. Mesmo a restaura- ria mítica de seu ofício, contida nos Antigos De- ção dos Stuarts tendo se mostrado impraticável, veres, era extraordinariamente elaborada. Esse essas Lojas conseguiram perpetuar-se conservan- legado daria uma significativa contribuição para do uma vinculação geral com ideais maçônicos a Maçonaria, por sua ênfase na moralidade, sua comuns (TERRA, 1993, p.135). identificação da arte do pedreiro com a Geome- Existe, porém, uma forte corrente, dentro e tria, e a importância que dava ao Templo de Sa- fora da Maçonaria que rejeita completamente a lomão e ao antigo Egito no desenvolvimento do hipótese das Lojas stuardistas e considera, ape- ofício do pedreiro. Nessa época, aspectos da Re- nas, o movimento iniciado na Inglaterra em 1717, nascença foram inseridos às lendas medievais, quando as quatro Lojas de Londres se uniram pa-

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COSTA, L. M. F. A MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DAS ORGINES... ra formar a Grande Loja da Inglaterra, o marco sem muito de outros tipos de artesãos, exceto fundador da fase especulativa. O pioneirismo in- pelo fato de que, como já foi dito, eram obriga- glês é bem difundido, principalmente porque em dos a se deslocarem em busca de novos traba- 1723, o clérigo presbiteriano James Anderson lhos. Contudo, em 1598, William Schaw – primei- publicou nas Lojas de Londres a “Carta Magna” ro Mestre-de-Obras do rei – elaborou um regula- dos maçons: The Constitutions of the Freema- mentado para a organização e a conduta dos sons. Containing the History, Charges, Regula- maçons (STEVENSON, 2005, p.24-25). tions, & c. of the most Ancient and Right Wors- Daí em diante, no decorrer do século XVII, hipful FRATERNITY (SUPREMO, 2006, p.6). Tam- homens de todos os níveis da sociedade pareci- bém conhecido como as “Constituições de An- am fascinados pelos segredos dos maçons, o que derson”, este documento pode ser dividido em fez com que a Ordem adquirisse um status inte- três partes: a História da Ordem dos maçons, isto lectual único. Foi quando maçons operativos, pe- é, da fraternidade dos primitivos construtores – dreiros trabalhadores, começaram a ter compa- ditos maçons operativos; as Obrigações dos nhia de “não-operativos”, homens de outros mo- Franco-Maçons; e o Apêndice, uma pequena co- dos de vida (STEVENSON, 2005, p.26). Em outras letânea de hinos maçônicos a serem entoados palavras, a Maçonaria tornou-se uma associação pelos irmãos nas suas Lojas (SUPREMO, 2006, muito distinta das suas congêneres, porque pas- p.7). sou a ser organizada com rituais singulares e Em concordância com esta origem inglesa, o muito mais elaborados. Deste modo, o segredo, historiador André Combes (1998), demonstrou cercando a Palavra do Maçom, rapidamente des- que foi o primeiro grão-mestre pertaria o interesse de homens que não eram li- eleito e que no ano seguinte, as- gados à arte da construção, dentre eles, muitos sumiu o grão-mestrado, sendo sucedido, em cavalheiros. 1719, pelo Reverendo John T. Desaguliers. Em No início do século XVIII a Inglaterra assumiu seguida, a Maçonaria se tornaria aristocrática e o a liderança no desenvolvimento da Maçonaria, grão-mestrado passaria a ser exercido por mem- mesmo assim, a influência escocesa permaneceu bros da nobreza como o Duque de Montagu ainda muito forte. Para o autor a fase escocesa (1721) e o Duque de Wharton (1722). Embora es- ou renascentista da Maçonaria – tanto na Escócia se episódio tenha sido supervalorizado, sobretu- como na Inglaterra – só foi superada quando va- do pela historiografia inglesa, naquele dia 24 de lores Iluministas foram incorporados ao movi- junho de 1717, dia de São João Batista, a grande mento. Na medida em que a “Idade da Razão” novidade foi a criação de um organismo central alvorecia, a Maçonaria – nascida na Renascença – que iria dirigir os trabalhos dos maçons londri- era adaptada para se acomodar a um novo clima nos (COMBES, 1998, p.13). intelectual. No bojo das influências medievais, Por outro lado, segundo a tese de Stevenson renascentistas e iluministas, surgia uma institui- (2005), foi na Escócia, em fins do século XVI e iní- ção que parecia refletir o espírito progressivo da cio do século XVII, que surgiram alguns dos in- época, com ideais de irmandade, igualdade, tole- gredientes essenciais para a formação da Maço- rância e razão. O resultado foi que a Maçonaria naria moderna: o primeiro uso da palavra Loja no se transformou num pólo de atração de numero- sentido maçônico moderno; as primeiras atas e sos ocultistas, magos, alquimistas, cabalistas, outros registros; as primeiras tentativas de orga- dentre outros. Assim, a Maçonaria surgida e di- nizar Lojas em âmbito nacional; os primeiros fundida como um movimento mundial diversifi- exemplos de “não-operativos” (homens que não cava-se rapidamente (STEVENSON, 2005, p.23). eram pedreiros trabalhadores) e outros mais. Até O caráter pluralista da Maçonaria especulativa o fim do século XVI, não existem provas circuns- proporcionou uma estrutura institucional excên- tanciais de que os obreiros da Escócia divergis- trica, onde as mais diversas religiões e crenças

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COSTA, L. M. F. A MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DAS ORGINES... políticas podiam ser acolhidas. Parecia que aque- alguns dos maçons se transferiram para a le sistema de Lojas, encoberta pelo mistério, ide- primeira Loja (MARQUES, 1989, p.23). ais de lealdade e modos secretos de reconheci- Uma terceira Loja haveria de ser fundada em mento, havia criado uma organização perfeita, Lisboa, em 1741, pelo lapidário de diamantes em que os membros podiam incorporar novos , nascido na Suiça, naturalizado valores e adaptá-los para usos pessoais. Devido à inglês. Durante os dois anos em que a Loja abrangência institucional e a variedade de seus funcionou, foi constituída de estrangeiros componentes, a Maçonaria nunca foi capaz de residentes em Portugal, alguns dos quais atingir plena homogeneidade interna. Sendo as- franceses, ingleses, um belga, um holandês e um sim, muitas vezes era o posicionamento particu- italiano, mas também por portugueses letrados e lar de seus membros que determinavam os ru- gente da alta sociedade lisboeta. John Coustos mos da Ordem. desempenhou um papel central na constituição Desta maneira, com o tempo, os desacordos dos primórdios da Maçonaria portuguesa, sendo se multiplicaram e as partes divergentes forma- alvo desde cedo do interesse do Santo Ofício. A ram obediências maçônicas próprias. Um com- desconfiança da Igreja foi despertada pelas plexo movimento de mútua excomunhão se se- indicações da Imperatriz austríaca e católica guiu no interior da Maçonaria. A primeira grande Dona Maria Teresa, obstinada na perseguição e cisão da Maçonaria ocorreu ainda em solo inglês, ilegalização das associações de franco-maçons. alguns anos após a segunda edição das Consti- Para a imperatriz a Maçonaria e suas ramificações tuições de Anderson. Os maçons ditos “antigos” era considerada um centro de influência acusavam os “modernos” maçons de descristiani- protestante inglesa, por isso, contrária aos zação do ritual maçônico e traição do verdadeiro interesses das famílias dinásticas européias, de sentido da instituição. Em 1751, o grupo descon- orientação católica (MARQUES, 1989, p.33). tente fundou a Grande Loja dos antients ou ma- A perseguição iniciada em 1743 com a prisão çons antigos, em oposição à Grande Loja da In- de vários Pedreiros-Livres conduziria ao glaterra (HORTAL, 2002, p.17). desmantelamento desta primeira tentativa de instalação maçônica em Portugal. A própria Loja Passos incertos da Maçonaria Luso-brasileira dos Hereges Mercantes entraria em fraca atividade, “adormecendo” em 1755. Em 1751, o No que se refere ao mundo luso-brasileiro, Papa Bento XIV, a pedido dos reis da Espanha e segundo Oliveira Marques (1989), a Maçonaria foi de Nápoles, lançou uma nova bula contra os instalada por volta do ano de 1727, sendo maçons, Providas Romanorum, reiterando a registrada nos arquivos da Inquisição como Loja posição de seu predecessor Clemente XII. A bula dos Hereges Mercantes. Essa primeira Loja seria seguida de decretos reais dos dois portuguesa, era basicamente formada por monarcas suprimindo a Maçonaria nos comerciantes britânicos protestantes que viviam respectivos países, o que favorecia as condições em Lisboa. Em 1733, por iniciativa do maçom para incitar o Santo Ofício à vigilância e à inglês George Gordon, seria fundada uma perseguição (MARQUES, 1989, p.35). segunda Loja com o nome de Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia composta por A Maçonaria portuguesa só se libertaria desta irlandeses, mercadores, mercenários do exército pressão na década de 1760-70, com o Marquês português, médicos, um frade dominicano e um de Pombal. Durante o “pombalismo” não se tem estalajadeiro. Não obstante, ao ser promulgada a nenhum registro de maçom nas listas bula condenatória de Clemente XII, In Eminenti condenatórias da Inquisição nem nos relatórios Apostolatus Specula (1738), a Casa Real dos da intendência da polícia. Pombal nunca permitiu Pedreiros-Livres da Lusitânia foi dissolvida, mas que a Inquisição perseguisse os franco-maçons, defendendo assim os direitos do Beneplácito

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COSTA, L. M. F. A MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DAS ORGINES... contra a usurpação dos eclesiásticos. Deste tem de sua natureza a maior modo, a Maçonaria retomou sua força e o seu importância Política, por que vigor, desenvolvendo-se sobretudo no exército, inclui em si três motivos tão na aristocracia e nas classes instruídas. É provável poderosos, que devem formar que Pombal antes de ser ministro de D. José, a desconfiança da sua existên- cia dentro de qualquer Estado: tivesse contato, enquanto embaixador em estes são Silêncio, união e obe- Londres, com meios e círculos aristocráticos diencia. favoráveis à Maçonaria, mas não existe prova documental de que ele fosse iniciado na “Arte Qualquer Corporação de indiví- duos, que combina um sistema Real”. Além disso, o recrutamento pelo Marquês qualquer, não poderá unir três de Pombal de vários cidadãos estrangeiros, pontos em ligação política, que designadamente de países protestantes, para o faça estremecer os alicerces do exército, para a indústria e outras atividades mais poderoso Governo do econômicas propiciou condições para a Universo, debaixo de um escu- expansão das Lojas (MARQUES, 1989, p.37). do tão impenetrável, como es- No caso específico do Brasil, segundo o ma- te, de que escolhem os Pedrei- ros Livres por base da sua Soci- nifesto de José Bonifácio, a primeira Loja simbóli- edade. Estas terminantes Leis ca regular foi instalada no Brasil somente em Constitucionais da mencionada 1801, com o título de Reunião, filiada ao Grande Corporação são tão encadea- Oriente da Ilê de France. Quando o Grande Ori- das na segurança do objeto, a ente Lusitano soube da existência, no Brasil, de que ela se proporem, ou os uma Loja regular, vinculado a uma Obediência maiores Cargos dela, que per- francesa enviou, em 1804, um delegado a fim de suade ao homem racionavel, garantir a adesão e a fidelidade dos maçons bra- que debaixo desta cautela exis- sileiros. Mas não foi feliz o delegado lusitano no ta uma mascarada conjuração, modo como queria impor suas pretensões. As- a qual não pode o Soberano de sim, resolveu deixar fundadas duas novas Lojas, um país deixar de desconfiar com suma razão, que é tenden- submissas ao Oriente do Reino: eram as lojas te a pertubar o seu socego este Constância e Filantropia (BARATA, 2006, p.71). oculto conluio, e maiormente Desta forma, a Maçonaria ao chegar às terras quando se aumentam as forças brasileiras – oficialmente nos primeiros anos do dele debaixo de um segredo século XIX – trazia em sua bagagem acusações e impenetrável no centro de Es- desconfianças tanto das autoridades civis quanto tados bem regulados... (CARTA, eclesiásticas. Ao mesmo tempo em que se inau- 1816) guravam novas Lojas maçônicas, particularmente, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, tam- Ao que parece as reclamações de José Ansel- bém crescia o número de documentos e cartas mo Correa Henriques foram contempladas, enviadas pelos súditos ao rei D. João VI pedindo quando em 30 de março de 1818, D. João VI emi- o fechamento de tais corporações. Isto pode ser tiu um Alvará Régio proibindo quaisquer socie- corroborado na carta escrita por José Anselmo dades secretas, de qualquer denominação, no Correa Henriques datada de 10 de janeiro de território luso-brasileiro. 1816.

Eu El Rei faço saber aos que este Real Senhor. alvará com força de lei virem, O objeto, de que vou tratar, que tendo-se verificado pelos

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acontecimentos que são bem Sampaio, cônego Januário da Cunha Barbosa, notórios o excesso de abuso a Jose Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo que tem chegado as Sociedades (BARATA, 2006, p.79). Secretas, que, com diversos no- mes de ordens ou associações, O historiador Marco Morel, em trabalho con- se tem convertido em conventi- junto com Françoise Jean de Oliveira Souza, culos e conspirações contra o compreende que havia uma espécie de jogo en- Estado, não sendo bastantes os tre os maçons e o poder dos príncipes. A Maço- meios correcionaes com que se naria em busca de proteção e espaço abria seus tem até agora procedido segun- “segredos” aos nobres, dando-lhes em troca a do as leis do Reino, que prohi- oportunidade de legitimação no campo das no- bem qualquer sociedade, con- vas ideias e também o controle dessa nova forma gregação ou associação de pes- de sociabilidade (MOREL & SOUZA, 2008). O soas com alguns estatutos, sem mundo ibérico não fazia exceção a esta regra, que elas sejão primeiramente por mim autorizadas, e os seus por isso a filiação de D. Pedro ao Grande Oriente estatutos approvados... do Brasil não representou uma particularidade (KLOPPENBURG, 1992, p.11) brasileira. Sendo assim, a Maçonaria em 13 de maio de 1822 conferiu o título de Defensor Per-

pétuo do Brasil ao Príncipe Regente. Pouco tem- Apesar da proibição, no início da década de po depois, em 2 de Agosto de 1822, D. Pedro foi 1820 é possível constatar uma dinamização da recebido no Grande Oriente, com o pseudônimo atividade maçônica no Rio de Janeiro, resultado de Guatimozim, e contra todas as regras, o direto da reinstalação da Loja Comércio e Artes. Aprendiz Guatimozim foi eleito Grão Mestre do Nela ingressaram funcionários públicos, militares, Grande Oriente do Brasil. eclesiásticos, homens do comércio. Muito deles acabaram por atuarem na defesa da autonomia e, posteriormente, independência do Brasil. Po- Eu, meu pai, entrei para ma- rém, era indispensável que primeiramente a pró- çom; sei que os fidalgos em pria Loja ficasse independente das orientações 1806 convidaram os maçons e que eles não quiseram en- do Grande Oriente Lusitano. No dia 28 de maio trar, e por isso o desgraçado de 1822, reuniram-se os maçons do Rio de Janei- Gomes Freire foi enforcado ro em assembleia magna, na Loja Comércio e Ar- por ser constitucional, que- tes, com a finalidade de instalar um Grande Ori- rendo eles que V. Magestade ente no Brasil. Para conseguirem o mínimo de continuassem a ser rei. Não três Lojas, fundaram naquele mesmo dia mais houve quem dissesse a V. duas: a União e Tranqüilidade e a Esperança de magestade que era preciso Niterói (BARATA, 2006, p.78). uma Constituição (eu então era pequeno). Em vingança a No dia 24 de junho de 1822 fundou-se o no- Gomes Freire rebentou a re- vo Grande Oriente do Brasil para o qual foi acla- volução do Porto em 24 de mado como primeiro Grão Mestre, José Bonifácio agosto de 1820 e, pela mes- de Andrade e Silva. O GOB adotou o Rito Francês ma razão, os maçons que es- Moderno, criado em 1783, e composto por sete tavam na Corte, tanto bate- graus. Naquela ocasião estavam presentes, entre ram os fidalgos que eles os 94 fundadores, alguns antigos maçons como agüentaram calados, até que José Bonifácio, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega pilhando-os agora debaixo, e o padre Belchior de Oliveira, além de Domin- atribuem tudo que fazem aos gos Alves Branco Muniz Barreto, frei Francisco pedreiros-livres. Porque sa- bem com que horror os por-

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tugueses olham para uma tão Referencias bibliográficas filantrópica instituição. BARATA, Alexandre M. Maçonaria, Sociabilidade Ilus- (MOREL & SOUZA, 2008, trada & Independência (1790 – 1822). Juiz de Fora: p.102) Ed.UFJF; São Paulo: Annablume, 2006.

CARTA de José Anselmo Correia Henriques dirigida Ainda em 1822, o próprio Grão Mestre, D. Pe- ao Rei Dom João VI, datada do Rio de Janeiro, 1816, dro I, por desentendimentos com os maçons, fe- na qual se pede que o Rei dissolva as lojas maçônicas. chou o Grande Oriente do Brasil. Entretanto com (BNL – COD 10793 – reservados) a abdicação do Imperador em 1831, este seria COMBES, André. Les trois siècles de la Franc- restaurado e novamente José Bonifácio elevado maçonnerie française. 3.ed. Paris: EDIMAF, 1998. ao cargo de Grão-Mestre. Seguiram-se novas di- KLOPPENBURG, Boaventura. Igreja e Maçonaria, con- visões e subdivisões, até que em 1863 se tornou ciliação possível? Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. mais profunda a dissidência entre algumas lide- MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria ranças, dividindo o Grande Oriente do Brasil em: em Portugal. Das Origens ao Triunfo. vol. 1. Lisboa. Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente Editorial Presença, 1989. dos Beneditinos (MOREL & SOUZA, 2008, p.15). MENDONÇA, Hipólito José da Costa Pereira Furtado Não obstante, durante todo o Segundo Rei- de. Cartas sobre a Framaçonaria. Rio de Janeiro: Typ. nado teve a Maçonaria grande prestígio e in- Imp. e Const. de Seignot-Plancher e Ca., 1833. p. 19. fluência política, contando entre seus membros MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. altas personalidades e não poucos sacerdotes. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade Infiltrou-se profundamente na Igreja, através das secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. irmandades, chegando a ter, em alguns casos, as STEVENSON, David. As Origens da Maçonaria: o sécu- chaves do sacrário, diante desse avanço maçôni- lo da Escócia, 1590 – 1710. Trad. Marcos Malvezzi co muitas autoridades clericais passaram a ado- Leal. São Paulo: Madras, 2005. tar um discurso cada vez mais radical no sentido de desmoralizar os maçons (MOREL & SOUZA, SUPREMO conselho do grau 33 para a Republica Fe- derativa do Brasil: Rito Escocês antigo e aceito. Belo 2008, p.16). Horizonte. Jan de 2006. TERRA, João Evangelista Martins. Maçonaria: Commu- Considerações finais nio 62. Lisboa: s.n, 1993. As dúvidas e as controvérsias que envolvem a história da Maçonaria, só fazem crescer o inte- resse das pessoas pelo assunto. Prova disso são os incontáveis filmes, livros, revistas, documentá- rios e sites da internet que tentam lançar novas questões e novas polêmicas em torno da temáti- ca maçônica. Infelizmente a maioria desse mate- rial não pode ser levado a sério, uma vez que ou estão impregnados por teorias absurdamente conspirativas ou são exageradamente apologéti- cos. Neste sentido, cabe aos pesquisadores uma atitude cautelar e criteriosa quando se deparar com esta grande massa de informação.

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