Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História, área de especialização em História Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a orientação científica dos Professores Doutores Pedro Cardim e João Paulo Oliveira e Costa.

O CONSELHO DA ÍNDIA E O SEU PAPEL NO PROVIMENTO DAS PRINCIPAIS FORTALEZAS DO ÍNDICO

(1604-1614)

Ana Teresa Hilário

Resumo

Esta dissertação pretende, num primeiro plano, inserir o Conselho da Índia no complexo polissinodal português e compreender este organismo no âmbito da conjuntura ibérica e do império português. Criado no reinado de Filipe III de Espanha com o intuito de promover um aconselhamento que garantisse o bom governo do espaço ultramarino português, o Conselho da Índia funcionou durante dez anos (1604-1614), durante os quais se ocupou de todos os assuntos que diziam respeito aos espaços portugueses do Atlântico e do Oriente. Para o compreender, é necessário compreender a conjuntura em que foi criado, mas também quem o compôs e como foi pensado e recebido tanto por parte das autoridades castelhanas como dos organismos de administração pré-existentes em Portugal.

Num segundo plano, mais direccionado para a vertente da história da Expansão portuguesa, revela-se a importância de estudar o fenómeno da nomeação dos capitães da Índia e de o compreender quando comparado com conjunturas anteriores, e fases diferentes do império português. Através do estudo do grupo de homens que durante os seus dez anos de funcionamento o Conselho da Índia escolheu para capitanearem as fortalezas de Goa, Diu, Ormuz, Malaca e Baçaim podemos perceber a vertente social deste império, bem como encontrar pontos em que esta se alterou, ou não, com o passar dos anos, e relacionar estas rupturas e/ou continuidades com as conjunturas vividas.

Palavras-chave: União Ibérica, Estado português da Índia, Conselho da Índia, Fortalezas do Índico, Capitães do Índico.

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ABSTRACT

This dissertation intends, in the foreground, enter the Council of India in the portuguese polissinodal complex and understand this organism within the Iberian and the portuguese empire context. Created during the reign of Philip III of Spain in order to promote counseling to guarantee the good government of the portuguese overseas area, the Council of India worked for ten years (1604-1614), during which engaged in all matters that it concerned with the portuguese spaces of the Atlantic and the Indian Ocean. To understand that Counsil, we must understand the environment in which it was created, who composed it and how it was conceived and received both by the Castilian authorities as pre-existing administrative bodies in Portugal.

In one second place, more focused on the aspect of the history of portuguese expansion, this thesis reveals the importance of studying the phenomenon of naming captains to the Indian fortresses and understanding that when compared with previous situations, and different stages of the portuguese empire. By studying the group of men during his ten years of operation the Council of India chose to command the fortresses of Goa, Diu, Hormuz, Malacca and Bassein we can see the social aspect of this empire, and find points on which it is changed, or not, over the years, and relate these disruptions and / or continuities with the lived circumstances.

Key-words: Iberian union, Indian Portuguese State, Counsil of India, Indian Fortresses, Captains of Indian fortresses.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço ao Professor Pedro Cardim o facto de ter aceite o convite para orientar este trabalho. Em seguida, devo uma palavra de especial apreço ao Professor João Paulo Oliveira e Costa, co-orientador desta dissertação, com quem aprendi antes em aulas e aprendo hoje em conversas. Um obrigado não chega.

Agradeço também às Professoras Alexandra Pelúcia, Ana Isabel Buescu e Susana Münch, pela forma interessada com que desde cedo acompanharam o meu trabalho. Ao Nuno Camarinhas, ao João Ferreira e à Graça Borges, pela partilha de informações. Aos Professores Daniel Alves e Paulo Jorge Fernandes, que mesmo com uma distância de dois séculos se mantiveram presentes.

O trabalho de investigação e de escrita é, tendencialmente, um trabalho solitário. No entanto, diariamente o nosso percurso vai sendo adoçado pela presença de familiares, colegas e amigos. A estes, que apesar de não terem contribuído com informações e parágrafos para esta dissertação, ajudaram a sua autora a manter a lucidez, através do riso e de momentos de descontracção que tantas vezes permitiram o necessário esquecimento momentâneo do trabalho que havia em mãos. Assim, agradeço à Aline Martinho, ao Tiago André, ao João Santos, ao João Sérgio, à Marisa Gomes, ao António Campos, ao Diogo Gomes, à Manuela Abreu, à Filomena Martins, à Elis Gomes, à Isabelle e ao Julien Valente.

Ao André Neto, ao Tomás de Albuquerque, ao Tiago Simões.

Agradeço ainda à Inês José e à Cláudia Joaquim. A primeira, minha companheira desde o primeiro almoço na FCSH até ao jantar de comemoração pela finalização das nossas dissertações. A segunda, grande amiga e historiadora, sempre presente em todos os momentos desta jornada, com contribuições preciosas. Sem vocês, não teria sido tão bom.

À Avó Gi e ao Avô Zé. Ao meu pai. À Canina.

À minha mãe, a melhor parte de mim.

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Índice

Introdução p.1

Capítulo I. Revisitar o Conselho da Índia p.10

Capítulo II. O Conselho da Índia: Dinâmicas de centralização e adaptação p.23

II. 1. Um império em crescimento no Atlântico p.23

II. 2. A continuidade do sonho oriental p.28

II. 3. O gradual abandono do Norte de África p.36

II. 4. A solução castelhana para o problema português p.37

Capítulo III. O processo de institucionalização p.43

III. 1. Desígnios do Regimento (Julho de 1604) p.43

III. 2. Conflitos jurisdicionais p.45

III. 3. A rota dos papéis p.47

III. 4. A revisão do Regimento (Abril de 1613) p.49

Capítulo IV. Dimensões socio-políticas do Conselho da Índia p.57

IV. 1. Presidentes p.59

IV. 1. 1. Fernão Teles de Meneses p.59

IV. 1. 2. D. Francisco de Mascarenhas p.63

IV. 1. 3. D. Francisco da Gama p.66

IV. 2. Conselheiros de Capa e Espada p.75

IV. 3. Conselheiros Letrados p.82

Capítulo V. O Conselho da Índia e o provimento das capitanias do Índico p.86

V. 1. A importância das fortalezas e capitanias no império português p.86

V. 2. Critérios e Metodologia p.88

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V. 3. O tempo longo: de D. João III a Filipe III p.93

V. 4. O tempo curto: o Conselho da Índia (1604-1614) p.100

V. 4. 1. Motivos de escolha p.103

V. 4. 2. Enquadramento social do grupo p.109

V. 4. 3. Os nomeados p.112

a) Capitães de Goa p.112

b) Capitães de Ormuz p.114

c) Capitães de Malaca p.116

d) Capitães de Diu p.120

e) Capitães de Baçaim p.122

Conclusão p.126

Referências Bibliográficas p.132

Anexos p.144

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Siglas e Abreviaturas

ANTT - Instituto do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa)

BA - Biblioteca da Ajuda (Lisboa)

BNP – Bilioteca Nacional de Portugal (Lisboa)

FCSH-UNL – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

FL-UL – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

DRI – Documentos remettidos da Índia ou Livros das Monções, direcção de Bulhão Pato (dos volumes 1 ao 6) e António da Silva Rego (dos volumes 7 ao 10), Lisboa, Academia Real das Sciencias. Citado sempre segundo a fórmula: “Tipo de documento, Local, Data, DRI, Volume, Página”

Nota: Por motivos de fluidez da leitura, na transcrição de documentos optámos por adaptar a linguagem às regras actuais de escrita e pontuação.

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Introdução

O presente estudo foca a sua atenção no Conselho da Índia, órgão criado na governação de Filipe II de Portugal, III de Espanha, comummente visto como um primeiro passo no sentido da centralização dos negócios e assuntos do espaço ultramarino português.

Se o processo expansionista iniciado no século XV por Portugal e Castela trouxe consigo novos conhecimentos do mundo exterior, sendo esse o prisma pelo qual, comummente, é estudado, trouxe também novos desafios aos regentes destas coroas, criando a necessidade de administrar territórios tão distantes, e gerir conjunturas económicas, políticas e sociais tão díspares daquelas que estes soberanos encontravam nos seus reinos. Por tal, requeria-se a criação de novos mecanismos de governo.

Em Portugal, o primeiro organismo de apoio à governação dos territórios ultramarinos foi a Casa de Ceuta, que não conta até à data com qualquer estudo aprofundado sobre a sua história e funcionamento. Ao contrário do afirmado por Francisco Mendes da Luz, autor cujos estudos, como adiante se verá, se revelam de enorme importância para o tema que nos ocupa, que aponta a sua criação para Lagos1, esta instituição terá sido fundada em Lisboa, em data até hoje desconhecida, pela ausência de qualquer documento que comprove o momento exacto da sua criação. Supõe-se, no entanto, que terá sido nos momentos imediatos à conquista da cidade, o que nos mostra a consciência que tinha o Infante D. Henrique, a quem por Carta Régia de 18 de Fevereiro de 1416, D. João I entrega ao infante a tarefa de gerência “de todas as cousas que cumprem para a dita nossa cidade de Ceuta”2, de que para a manutenção da nova conquista e organização dos assuntos que lhe diziam respeito, era essencial um organismo especializado. Desse modo, depressa esta instituição passou a contar com “um intrincado corpo de funcionários, desde o tesoureiro-mor a indivíduos com funções não especificadas, passando por escrivães, recebedores, vedores da Fazenda, contadores e fiéis”3. A Casa de Ceuta estabelece-se então praticamente de imediato como órgão de

1 Cf. Francisco Mendes da Luz, “Casa de Ceuta”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, Volume I, p. 560. 2 João Paulo Oliveira e Costa, Henrique, O Infante, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2013, p. 116. 3 Paulo Drumond Braga, “A expansão no Norte de África”, in Oliveira Marques e Joel Serrão (coord.), Nova História da Expansão Portuguesa, Volume II, A expansão quatrocentista, 1998, p. 314. 1 enorme relevância na tarefa de ligação entre Portugal e as primeiras conquistas no norte de África.

Independente da Casa de Ceuta surge em 1455 a feitoria de Arguim, com funcionamento em Lagos, constituíndo-se como centro comercial de todos os tratos com a ilha de Arguim”4. Em 1463 passa a estar sedeada em Lisboa e, ainda que Arguim não perca a sua relevância comercial e económica, os negócios da Guiné começarão gradualmente a sobrepôr-se, transformando a feitoria de Arguim em Casa da Guiné, “depósito não só de mercadorias europeias, destinadas ao resgate com os negros, mas também das matérias da costa da Guiné (...) e igualmente centro organizador desse mesmo intercâmbio”5.

Com o avanço dos portugueses pela costa africana e com a consolidação da sua presença nessas partes, a Casa da Guiné passará a abarcar também os negócios da Mina, tendo passado a ser designada Casa da Guiné e Mina, ou apenas Casa da Mina.

No que toca aos assuntos da Índia, estes encontraram-se, numa primeira fase, a cargo da Casa da Guiné e Mina, surgindo as designações Casa da Guiné e Índia, Casa da Mina e Índias ou Casa da Guiné, Mina e Índia. Não é explícito se estamos perante uma ou duas instituições. No entanto, como argumenta Carlos Alberto Geraldes, esta é uma discussão secundária, uma vez que, fosse como fosse, “esta instituição surge como um todo, centralizada a acção directiva na pessoa do Feitor, comum às duas Casas se assim se considerarem, e a acção monetária na do Tesoureiro do dinheiro”6. Fruto de uma constante necessidade de especialização e divisão do trabalho relacionado com os assuntos ultramarinos, a Casa da Índia irá em pouco tempo constituir-se como “centro de negócios de tudo o que se relaciona com o Oriente assim como da administração ultramarina, embora de início servisse apenas de depósito de mercadorias e alfândega”7.

Além destes organismos, especializados nos assuntos ultramarinos, encontramos outros, cujo funcionamento não se restringia ao império, mas onde a sua jurisdição também chegava. Falamos, por exemplo, do Desembargo do Paço, das Vedorias da

4 Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, Volume III, p. 301. 5 Ibidem, p. 301. 6 Carlos Alberto Geraldes, Casa da Índia – Um estudo de estrutura e funcionalidade (1509-1630), Tese de Mestrado apresentada à FL-UL, 1997, p. 5. 7 Ibidem, p. 7. 2

Fazenda – posteriormente transformadas, como repetiremos adiante, num Conselho – e da Mesa da Consciência e Ordens.

É esta a resposta administrativa dos reis portugueses a um império que se vinha construindo com bases essencialmente marítimas e comerciais, no qual a Coroa exerce um papel central desde a morte do Infante D. Henrique. Deve em primeiro lugar ser destacado o cariz de adaptação da administração portuguesa ao avanço das descobertas e da presença portuguesa no exterior. Encontramo-nos perante políticas que vão sendo adaptadas a novas conjunturas e novos conhecimentos, num processo “marcado por várias reestruturações e por um crescimento gradual da máquina administrativa”8. Em segundo lugar, refira-se a dispersão associada aos assuntos das possesões ultramarinas portuguesas, que mais tarde será queixa largamente apontada pelas autoridades portuguesas ao rei castelhano e promoverá, como veremos, a criação do Conselho da Índia.

No ano de 1503 é dada ordem para a fundação de uma Casa da Contratação em Sevilha9, na qual se pode ler expressamente o desejo de fundação de uma Casa “similar” às Casas existentes em Lisboa10. No entanto, apesar de ter como base, numa primeira fase, o exemplo português, a Casa da Contratação acaba por se tornar algo diferente, como fruto de um processo fomentado pelas tradições castelhanas, pelos particularismos da própria expansão castelhana e pelo conhecimento e influência de métodos de governo utilizados pelas restantes coroas e territórios da monarquia hispânica. Há que ter em conta que após a morte de Isabel, a Católica, e devido à consequente conjuntura de incerteza relativamente ao governo da monarquia, encontramos a Casa da Contratação e os restantes assuntos da expansão castelhana em funcionamento quase autónomo do poder real. Com uma estabilidade política relativamente sólida entre os reinados de D. João I e D. Sebastião, e sem mais domínios europeus além daqueles definidos logo no reinado de D. Fernando, o espaço ultramarino tem para o reino português uma relevância imediata, contribuindo largamente para criar uma identidade

8 João Paulo Oliveira e Costa, Mare Nostrum, Lisboa, Temas e Debates, 2013, p. 111. 9 A escolha de Sevilha em detrimento de outras cidades portuárias não terá sido linear, havendo projectos concorrentes ao seu, como é o caso de Cádiz ou da Corunha. Opta-se, no entanto, pela instituição de uma política de monopólio – também este instituído depois de um processo não linear –, que tornava Sevilha o centro coordenador da gestão náutica, comercial e financeira de todos os assuntos relacionados com as Índias de Castela. 10 Escreve Comellas que é Francisco de Pinelo que sugere aos Reis Católicos a criação de um organismo “similar” ao que já funcionava em Lisboa. No entanto, não cita qualquer documento que o prove. Cf. José Luís Comellas, Sevilla, Cádiz y América: el trasiego y el tráfico, Madrid, Mapfre, 1992, p. 57. 3 que, a longo prazo, permitiu a manutenção da sua individualidade. Pelo contrário, com um território fragmentado e fronteiras instáveis que condicionavam a sua política interna, além de territórios em diversos pontos da Europa que conferiam a Castela o prestígio que Portugal só podia encontrar no seu império ultramarino, Castela vê durante muito tempo os seus domínios extra-europeus quase que num segundo plano das suas políticas. Além disso, as diferenças entre os territórios ultramarinos de uma e outra coroa promoveram também diferentes abordagens e diferentes necessidades de gestão, sendo os territórios das índias de Castela passíveis de ser colonizados e explorados de uma forma que requeria menos intervenção régia do que aqueles em que os portugueses se estabeleceram. O que a coroa castelhana tem necessidade de fazer, mais que controlar o seu império desde o reino, é decalcar os seus organismos administrativos e colocá-los em funcionamento no outro lado do Atlântico; pelo contrário, os portugueses encontram no Índico sociedades estabelecidas e com um elevado grau de desenvolvimento, e permitem que assim se mantenha e, no Atlântico, uma total ausência de urbanização e instâncias governativas. Tais diferenças fazem com que sejam diferentes os sistemas de governo utilizados pelas coroas, e as necessidades sentidas pelos administradores da época, o que leva à instituição de diferentes modelos governativos e políticos.

No que diz respeito à decisão política relativamente às possessões ultramarinas da coroa castelhana, esta pertenceu durante largos anos ao Conselho de Castela. No entanto, o avolumar de trabalho associado a estas partes permitiu a gradual formação de um núcleo especializado, composto por aqueles cujos conhecimentos poderiam ser úteis na gestão dos assuntos americanos, nesta primeira fase sem que tal se encontre associado a qualquer formalização institucional. Não é conhecido até então qualquer documento que nos permita ter certezas sobre a data concreta em que se formalizou a autonomia do Consejo de Índias face ao de Castela, mas aponta-se comummente o ano de 1524 como aquele em que os assuntos das Índias de Castela passaram a contar com um organismo administrativo com oficiais próprios e jurisdição autónoma, ainda que não se quebre a relação hierárquica entre ambos, uma vez que o de Castela se mantém sempre como a instância seguinte a consultar sobre os assuntos das Índias.

São estes os caminhos percorridos pelas coroas portuguesa e castelhana, e as suas respostas individuais a desafios político-administrativos que lhes foram sendo colocados pelo processo expansionista que ambas viviam. Falamos de impérios de cariz

4 díspar – o português, até meados do século XVI essencialmente marítimo e comercial, e o castelhano desde sempre direccionado para a colonização e a territorialização –, e de instituições que respondiam às necessidades concretas de um e de outro.

A este propósito, se por um lado encontramos um certo atraso na necessidade da coroa castelhana na criação de um organismo como a Casa da Contratação de Sevilha, quando comparado com a quase imediata criação da Casa de Ceuta em Portugal, uma vez que a primeira surge apenas dez anos depois dos primeiros gestos expansionistas castelhanos, enquanto a segunda se estabelece imediatamente a seguir à conquista de Ceuta, por outro lado a criação de um Conselho especializado e centralizado com vista à gestão dos assuntos ultramarinos acontece muito primeiro na administração castelhana. É por isso interessante notar que, com territórios mais distantes, dispersos e heterogéneos, os reis de Avis não tenham sentido a necessidade de criar um instrumento de governação com a mesma base que o Consejo de Indias, que teria feito sentido pelo menos desde o reinado de D. Manuel I. Tal instrumento, como vimos acima, chegaria à coroa portuguesa apenas nos primeiros anos do século XVII.

No final do século XVI a conjuntura política da Península Ibérica mudou, passando ambos os reinos e os seus respectivos impérios a estar sob a tutela de Filipe II de Espanha, I de Portugal. Em termos administrativos, este período da história de Portugal ficará marcado essencialmente por aquilo que Fernanda Olival define como uma injecção de dinamismo na vertente consultiva do sistema polissinodal português11. De facto, Filipe II e os seus sucessores tomaram uma série de iniciativas de reforma do sistema político e administrativo português, dando novo regimento ao Desembargo do Paço (1582) e à Casa da Suplicação e do Cível (1605), criando o Conselho da Fazenda em 1591 e o da Índia em 160412. Estas alterações não devem ser vistas, no entanto, como violações do Pacto de Tomar, uma vez que a base do poder exercido se continua a mesma, mantendo-se “a supremacia da forma jurisdicional da autoridade”13.

No respeitante ao poder central em Castela, é com a criação de novos Conselhos, como o de Portugal e o de Itália e com a formalização dos poderes dos restantes através de novos regimentos que, no tempo de Filipe II, se consolida um sistema que se vinha

11 Fernanda Olival, D. Filipe II: de cognome o Pio, Lisboa, Temas e Debates, 2008, p. 163. 12 Jean-Frédéric Schaub, Portugal na monarquia hispânica: (1580-1640), Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 29 13 Ibidem, p. 29. 5 desenhando desde o reinado dos Reis Católicos. Explicita Fernanda Olival que estas reformas eram práticas recorrentes, que tinham como intuito primordial “restituir a forma e estado que se perdeu ou de que se apartou” das instituições existentes14.

Contando Portugal com negócios crescentemente complexos, em territórios que se estendiam desde o Brasil ao Japão, lidando com novos inimigos, e com uma dispersão administrativa que impedia uma rápida e eficaz resolução de assuntos urgentes em locais distantes, a dispersão na resolução dos negócios era vista como largamente prejudicial ao bom governo destas partes. Por este motivo, surge a necessidade, aliada sem dúvida à tradição castelhana, de levar a cabo um processo de reunião das competências relativas ao império português, até aí dispersas, em apenas um organismo administrativo. O Conselho da Índia seria por isso composto por homens conhecedores da realidade do império, que se tornariam não apenas a única via de aconselhamento do monarca no que dissesse respeito aos negócios ultramarinos portugueses, mas também, à partida, a mais capaz.

Da mesma forma que a complexidade do império português do século XVII parecia tornar impossível a existência de uma gestão profícua sem que fosse levado a cabo um projecto de centralização, torna também impossível concretizar a tarefa de estudar aprofundadamente o Conselho da Índia em todas as vertentes que o compuseram e em todos os âmbitos da sua acção, num estudo limitado pelo tempo e pelo espaço como o que aqui apresentamos.

Por tal, a presente dissertação está dividida em duas partes. Na primeira, de cariz geral, enquadramos o Conselho da Índia no momento em que existiu, no lugar onde se posicionou e no tipo de pessoas que o compuseram e presidiram15. Para concretização de tais objectivos há pois que ter em conta a conjuntura do império português, recuando até ao início da união dinástica; perceber o processo de institucionalização do Conselho, através da análise do seu Regimento, da rota a que a burocracia passava a estar sujeita, e dos problemas jurisdicionais que advieram desta criação, uma vez que para as instituições que até aí se encontravam encarregues da análise das matérias ultramarinas, a centralização que o Conselho da Índia promoveu revelou-se como uma perda de

14 Fernanda Olival, D. Filipe II, ... op. cit., 2008, p. 216. 15 Deixamos fora da nossa análise os motivos que levaram à extinção do Conselho da Índia pelo facto de estarmos perante uma dissertação que se foca essencialmente no modo de agir deste organismo no que diz respeito a um fenómeno concreto, como teremos oportunidade de demonstrar. Por isso, mais que a sua extinção e os motivos dela, teremos em conta o seu tempo de exercício. 6 prestígio e poderes, que levantará diversos conflitos; ter em conta, no respeitante aos presidentes do Conselho, que as suas ligações profissionais e pessoais merecem ser analisadas detalhadamente. Uma vez que nos encontramos perante três homens que haviam desempenhado funções de topo no Estado da Índia, procuraremos compreender a sua governação, que medidas tomaram no Índico e como era a sua relação tanto com os reinos asiáticos como com os funcionários da coroa a desempenhar funções naqueles territórios. Por outro lado, as carreiras dos conselheiros e dos secretários permitem-nos perceber que tipo de conhecimento era privilegiado no Conselho – e, assim, que matérias se revelariam mais importantes –, mas também inserir este novo organismo na hierarquia do sistema polissinodal português.

Após compreendermos quando, onde e com quem o Conselho foi criado e funcionou, na segunda parte deste estudo, onde residirá a base essencial de originalidade do olhar sobre o Conselho, procuraremos encontrar as suas bases de acção no âmbito do provimento das principais capitanias do Estado da Índia.

Quando chega a Goa a notícia de que Filipe II de Espanha havia sucedido o Cardeal-Rei, Diogo do Couto preocupa-se de imediato com esta questão, escrevendo: “e como os mais daqueles fidalgos em sua mocidade se crearão com ele [D. Sebastião], que cada dia lhes fazia mercês, e honras, lembrando-lhes que os Reis de Portugal sempre trataram seus vassalos como filhos, e que agora, posto que El Rei D. Filipe era havido por muito Católico, e humano Príncipe, todavia primeiro que lhes viesse a saber os nomes, passariam muitos tempos”16. Este claro peso que a concessão e o recebimento de mercês tinha para os fidalgos, e o modo como este processo regulava relações e dinâmicas governativas, torna o assunto extremamente relevante.

A par da relevância da economia de mercê para perceber o que movia os homens do século XVII, está a relevância das capitanias e fortalezas do Índico para a manutenção do império português e do Estado da Índia, ainda mais tendo em conta a conjuntura de insegurança que aí se fazia sentir na época que estudamos. Por questões metodológicas, que nos impedem estudar o provimento de todas as capitanias do Estado da Índia, teremos em conta apenas as capitanias de Goa, Baçaim, Ormuz, Diu e Malaca, que se destacam do conjunto, quer pela sua dimensão, quer pelo seu posicionamento geo-estratégico.

16 Diogo do Couto, Da Ásia, Lisboa, Livraria San Carlos, 1974, Década X, Livro 1, Capítulo III. 7

A nossa principal base documental são, pois, as cartas de nomeação dos capitães das referidas capitanias, num total de noventa e nove em todo o reinado de Filipe II e de trinta e quatro no tempo do Conselho da Índia, e inseridas nos seus Livros de Chancelaria. Esta documentação permite-nos perceber as motivações de cada nomeação, a ascendência de alguns dos nomeados ou ainda que serviços teriam sido anteriormente prestados pelo nomeado ou pelos seus familiares mais directos. Apesar da relevância inequívoca das Consultas das reuniões do Conselho da Índia para quem queira perceber a sua dinâmica de funcionamento, estas não nos permitem conhecer a posição de cada um dos homens do Conselho, uma vez que não são descritivas do voto de cada um em cada posição tomada. No estudo exaustivo que fez a propósito do Conselho de Portugal, Santiago de Luxán afirma não ter encontrado casos em que as instâncias superiores do Conselho da Índia tenham remetido ao monarca opinião diferente da do Conselho17. Por tal, e uma vez que nos encontrámos impossibilitados de explorar os arquivos de Simancas e Madrid de uma exaustiva, que nos poderia permitir compreender de que forma a opinião dos conselheiros da Índia era tratada até se formalizar a decisão final, seguiremos a indicação do autor, supondo que os capitães nomeados pelo rei terão sido aqueles que foram propostos pelo Conselho da Índia, salvaguardando no entanto que um conhecimento mais aprofundado destes arquivos nos pode sempre dar respostas diferentes.

Ao longo de toda a dissertação, devemos compreender duas questões fundamentais. Em primeiro lugar, até que ponto este é um organismo pelo qual as autoridades da monarquia católica lograram, ou planeavam lograr, a promoção da castelhanização da administração portuguesa e do seu império ou, simplificando, se a criação e funcionamento do Conselho seguem as determinações das Cortes de Tomar18; e, finalmente, entender o porquê de estarmos perante um organismo que não chega a funcionar tempo suficiente para que se torne possível a consolidação do seu lugar no sistema polissinodal português.

17 Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal. 1580-1640, Madrid, Universidade Complutense de Madrid, 1988. 18 Esta é uma questão aliás largamente debatida historiograficamente, havendo, grosso modo, duas posições possíveis. Por um lado, há historiadores que defendem que Castela pretendia, de forma deliberada, castelhanizar a monarquia, impondo os seus métodos de governo e política; por outro, há quem afirme que, mais que um projecto determinado de imposição, o que aconteceu foi uma tentativa de agilizar o despacho dos negócios no seu conjunto, recorrendo-se a métodos variados e a tradições não só castelhanas, mas também de outras partes da monarquia. 8

Não se esgota aqui, portanto, o estudo do Conselho da Índia. Em trabalhos futuros será ainda necessário compreender até que ponto este organismo se poderá ter constituído como criador de medidas e políticas, ou se apenas manteve funções consultivas, numa época de crescente disputa entre defensores da promoção de um império mais territorial e efectivo e aqueles que defendiam a manutenção do seu cariz comercial e marítimo. No mesmo seguimento, perceber se este organismo desempenhou um papel de elo de comunicação entre os impérios português e espanhol, especialmente se tivermos em conta as diferenças latentes entre ambos os impérios, agora destinados a um funcionamento que, ainda que se previsse separado, deveria ser coordenado e minimamente articulado.

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Capítulo I

Revisitar o Conselho da Índia

A única obra inteiramente dedicada ao Conselho da Índia de que dispomos até hoje é a de Francisco Mendes da Luz, datada de 1952. Este estudo contem não apenas uma pormenorizada análise da vida e funcionamento do Conselho, mas também dos cargos e organismos pré-existentes, a que também já aludimos.

Mendes da Luz começa a sua análise tendo em conta a “importância dos conselhos na administração peninsular do século XVII”, aí destacando a constituição fragmentária da monarquia católica que exigia a existência dos Conselhos para que “se tornasse efectiva a centralização do poder e das suas funções” e para que houvesse “uma unidade e como tal se tornasse possível a administração dos vários reinos anexos à coroa”19. No entanto, há que ter em conta que nos reportamos à época de surgimento institucionalizado da figura do valido que, segundo Maravall, autor seguido por Mendes da Luz, surge das falhas demonstradas pelo sistema conciliar, essencialmente relacionadas com as intrigas decorrentes das lutas pela procura de um incremento de influência pessoal dos conselheiros, mas também com a lentidão associada à burocracia, que atrasava os despachos20. No que a Portugal diz respeito, Francisco Mendes da Luz refere, tal como fizemos, o esbatido relevo dos Conselhos, quando comparados com Castela.

Sem estabelecer comparações com o organismo correspondente em Portugal, Mendes da Luz resume, de forma muito breve, a evolução do modo de funcionamento do Consejo de Indias. Seguindo Ernesto Schäfer, aponta 1511 como ano de criação do Consejo de Indias e afirma que “em 1524 tendo surgido certas dificuldades de competência judicial entre aquele organismo e a Casa da Contratação de Sevilha e ainda porque a Carlos V não agradava que um mesmo indivíduo ou tribunal acumulasse várias funções, o Imperador cria uma autoridade suprema e autónoma para a administração

19 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India: contributo ao estudo da história da administração e do comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1952, pp. 13-14. 20 Ibidem, pp. 17-18. 10 colonial: o Conselho Real e Supremo das Índias”21. Refere também a perda de autonomia deste Conselho quando, no reinado de Filipe II deixa de ter “a prerrogativa da administração da fazenda e dinheiros resultantes das possessões espanholas”22 que passam a estar sob a tutela do Conselho da Fazenda, e a criação, em 1600, do Conselho da Câmara das Índias, a quem caberia a tarefa de “consultar sobre o provimento dos vários cargos e mercês dos territórios do ultramar”23, tornando-se pois um instrumento privilegiado para a manutenção da rede de poder desenhada pelo valido. Nada diferente, portanto do que anteriormente afirmámos. No entanto, nota-se por parte de Mendes da Luz, a ausência de um pensamento mais crítico e aprofundado sobre o assunto, além de da falta de estabelecimento de comparação entre este Conselho e aquele que em 1604 foi criado em Portugal, algo claramente relevante, uma vez que se trata de dois organismos que, criados pela mesma tradição administrativa, se destinavam ao tratamento dos mesmos assuntos, ainda que em reinos diferentes, e sobre territórios diferentes.

Em três capítulos distintos, Mendes da Luz analisa a estrutura administrativa em funcionamento antes de 1604 com jurisdição exclusiva sobre o império, nomeadamente a Casa da Guiné, Mina e Índias, o Armazém da Guiné e Índias e o Secretário de Estado da Índia. Tendo-nos já reportado a estes três organismos e notando-se o mesmo que foi apontado relativamente à análise que o autor faz do Consejo de Indias, no sentido de evitar repetições, não nos prenderemos a aprofundar estes três capítulos.

Seguindo a sua obra dando atenção aos órgãos previamente existentes que teriam uma relação conflituosa com o Conselho da Índia, a saber, o Conselho da Fazenda, o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens, o autor opta por traçar uma breve história dos mesmos. Escreve que o Conselho da Fazenda foi “o que mais combateu o Conselho da Índia, sobretudo quando este se pronunciava sobre qualquer assunto referente às armadas, ao comércio, ou aos rendimentos do ultramar e respectiva administração. Os membros do Conselho da Fazenda sentiam-se lesados nas suas prerrogativas e receavam perder a influência de que disfrutavam em semelhantes matérias”24. Retomará o assunto algumas páginas depois, onde estuda com mais detalhe estes conflitos. Relativamente à Mesa da Consciência e Ordens, refere que “quando pois

21 Ibidem, pp. 25-26. 22 Ibidem, p. 26. 23 Ibidem, p. 28. 24 Ibidem, p. 86. 11 pela existência de um conselheiro eclesiástico no Conselho da Índia se pretende centralizar toda a administração religiosa do ultramar, os deputados da Mesa da Consciência serão dos primeiros em criar dificuldades de atribuições ao novo Tribunal e a reclamar junto do rei pela perda de suas antigas prerrogativas”25. No que aos conflitos com o Desembargo do Paço diz respeito, nada é escrito.

Os quatro capítulos seguintes são os primeiros nos quais o autor se debruça concretamente sobre o Conselho da Índia: a instituição e definição das suas funções, o valor das suas consultas, e a divisão dos seus dez anos de funcionamento em duas conjunturas distintas, a primeira deste a sua criação até à nomeação de D. Francisco da Gama para a sua presidência, e a segunda dessa nomeação até à extinção do Conselho. Dentro da segunda conjuntura, refere questões como a reconquista de Ternate pela aliança luso-castelhana, procede à análise da Relação sobre a precedência que se deve entre os mais conselhos e tribunais deste reino26, tem em conta o Projecto de Novo Regimento e, por fim, a extinção do Conselho.

A segunda parte do trabalho de Francisco Mendes da Luz tem um cariz mais específico, analisando quatro assuntos diferentes, ainda que todos subordinados à temática da Ásia portuguesa durante o período de funcionamento do Conselho da Índia. Assim, começa por estudar as redes de comércio português na Índia, tendo depois em conta a presença dos holandeses no Índico e os efeitos desta presença nas referidas redes de comércio. Relativamente ao aumento da concorrência imposta aos portugueses no Estado da Índia, refere também a presença inglesa no Golfo Pérsico. Refira-se ainda um capítulo com a análise das Tréguas de 1609.

Apesar da extensão da obra, e da sua inequívoca relevância, nota-se, além das questões que apontámos acima, a ausência de um capítulo exclusivamente dedicado aos presidentes, conselheiros e secretários que, entre 1604 e 1614 compuseram o Conselho da Índia. As informações dadas sobre cada um encontram-se dispersas ao longo da obra, e pouco ou nada desenvolvidas. Essa é, pois, uma questão que continua em aberto e que o nosso trabalho pretende colmatar.

No ano de 1968, Marcello Caetano publicou um estudo dedicado ao Conselho Ultramarino, no qual elaborou uma síntese das instituições que até 1642 guardavam as

25 Ibidem, pp. 92-93. 26 BA, 51-VI-54, fl. 69-77. 12 jurisdições que passaram nesse ano ao novo tribunal. Nas cerca de dez páginas que dedica ao Conselho da Índia, pouco acrescenta à obra de Mendes da Luz. Nota-se neste caso, mais do que na obra dos anos cinquenta, o peso ideológico do autor, e da época em que escreve, especialmente quando se refere ao processo de união de Portugal à monarquia católica como usurpação ou dominação27.

A angústia dos vassalos portugueses ao verem chegar ao trono um rei castelhano foi durante muito tempo enfatizada pela historiografia portuguesa. De facto, como referia Fernando Bouza no final dos anos oitenta, a historiografia portuguesa tendeu durante muito tempo a perspectivar os sessenta anos da união ibérica como uma rampa para a compreensão dos motivos que levaram ao processo de Restauração28.

Actualmente assume-se que o que ocorreu não foi tanto um processo de resistência face ao poder de um rei estrangeiro – face a uma usurpação ou a uma dominação –, mas sim uma luta entre o receio dos portugueses de uma possível absorção do reino português e a capacidade de atractividade da monarquia católica. Além disso, aceita-se hoje que neste processo de anexação, as autoridades portuguesas mostram deter uma noção clara das preocupações a ter nesta união de coroas, e pelos capítulos das cortes de Tomar parecem conseguir torná-la naquilo que desejariam que ela fosse, salvaguardando a posição de Portugal e dos portugueses. A anexação tornara- se em algo confortável, permitindo ao reino português gozar de um estatuto de autonomia muito superior ao da maioria dos restantes reinos da Monarquia Católica. Para Pedro Cardim, “Filipe comportava-se não propriamente como um conquistador autoritário e implacável, mas com como um senhor justo benevolente que desejava retomar o curso ordinário dos acontecimentos em Portugal, alterando o mínimo possível os equilíbrios sociais estabelecidos”29.

Por outras palavras – as de Bouza Álvarez, no caso –, a anexação de Portugal aos domínios de Filipe II acontece num cenário entre a conquista e a negociação30,

27 Cf. Marcello Caetano, O Conselho Ultramarino: esboço da sua história, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1968, p. 27. 28 Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes de Tomar y la génesis del Portugal católico, Madrid, Universidade Complutense, 1987, pp. 209-210. 29 Pedro Cardim, “Política e identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I”, in Amélia Polónia, Jorge Martins Ribeiro, Luís Oliveira Ramos (coord.), Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001, p. 279. 30 Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica .... op. cit., 1987, pp. 220-266. 13 sendo a consertação a melhor forma de ganhar o reino31. O processo de anexação de Portugal teria então de passar pela concessão de privilégios a cada um dos estratos sociais, de modo a aumentar o poder de atractividade da monarquia hispânica e a tornar a união algo desejado e vantajoso. Deste modo, o monarca optou por conferir a Portugal um estatuto de autonomia bastante considerável, quando comparado com as situações de outras parcelas territoriais da monarquia, mas esta perda do poder real quando comparada com as vantagens que o reino português e os territórios ultramarinos deste podiam trazer ao projecto de Filipe II, parecia “comprar barato” 32.

Claro que o contentamento dos portugueses não é generalizável, da mesma forma que a sua conivência no processo de Restauração da Independência, em 1640, não o foi. Aliás, como nenhum processo histórico alguma vez conseguirá ser. Segundo o que podemos ler no Memorial de Pero Roíz Soares, “o povo lastimava com bem de lágrimas a dor que tinha e mostrava ter em sentimento de o verem a ele Rei e não a quem desejavam, e não deixaram as lágrimas do povo então de ser prognóstico das desventuras que desde então vieram a Portugal”33. Por seu turno, Afonso Guerreiro escreve-nos, a propósito da entrada de Filipe II em Lisboa, no ano de 1581, que “todo o povo grandemente se deleitava” em receber o novo rei, ou “que cada coisa representava bem o contentamento com que todo o povo geralmente o recebia” ou ainda que o rei se encaminhou para a Sé “a dar graças a Nosso Senhor (…) principalmente por o contentamento e quietação com que o seu novo povo o recebia”34.

O Conselho da Índia é referido na historiografia mais recente, nas dissertações de Santiago de Luxán Meléndez35, André da Silva Costa36, Guida Marques37 e Graça

31 Cf. Ibidem, p. 239. 32 Ibidem, pp. 240-241. As citações feitas pelo autor são retiradas de Advertimiento dado a Su Majestade por cierta persona zelosa de su serviçio sobre los negocios de Portugal a último de Mayo 1579, Archivo General de Simancas, Estado 406, Fol. 167. 33 Memorial de Pero Roíz Soares, citado por Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume IV, p. 21. A mesma ideia é enfatizada por Maria Luísa da Gama que, em Dissertação sobre o Conselho de Portugal no período pós-Restauração, refere um processo de “profunda renovação no estudo e conhecimento de determinados períodos, dos quais se destaca a União Dual e a Restauração”, proporcionada por uma revolução do “entendimento do Portugal Moderno, numa área tão vasta e diversificada como a da Monarquia e das suas instituições”, Maria Luísa da Gama, O Conselho de Estado no Portugal Restaurado - Teorização, Orgânica e exercício do poder político na corte brigantina (1640- 1706), Tese de Mestrado apresentada à FL-UL, 2011, pp. 13-15. 34 Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe primeiro em Portugal, Lisboa, Francisco Correia, 1581, Capítulo XXVII. 35 Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal. 1580-1640, Madrid, Universidade Complutense de Madrid, 1988. 14

Almeida Borges38. São quatro dissertações cujos principais focos de interesse são totalmente díspares: o primeiro foca o funcionamento do Conselho de Portugal junto dos reis castelhanos, as sucessivas reformas de que foi alvo, e o seu papel de coordenação entre Lisboa e Madrid; o segundo, por sua vez, versa sobre Os Secretários e o Estado do Rei: Luta de corte e poder político nos séculos XVI e XVII; o terceiro tem como principal tema o Brasil português durante o período da união ibérica; por fim, o último destes estudos baseia-se na conflito de Ormuz, relacionando-o com a integração de Portugal e do seu império nos territórios da Monarquia Católica.

Assim, encontramos dois estudos de história institucional, um deles focado nos reinos de Portugal e Castela e o outro num grupo concreto da administração e influência na corte, e dois estudos sobre o império português no século XVII, um focado no Brasil e outro no Índico. Desta forma podemos ver como abordagens diferentes podem ser feitas ao mesmo assunto, consoante o tema base que prende o olhar dos seus autores. Em qualquer um dos casos, o Conselho da Índia é apenas um tema de passagem dentro dos trabalhos destes autores, mas não deixa de ser relevante perceber de que forma se tem escrito sobre o Conselho nos últimos anos.

No caso de Santiago de Luxán, as informações relativamente ao Conselho encontram-se ao longo de todo o seu trabalho. De particular relevo são as linhas referentes à opinião de Cristóvão de Moura relativamente à manutenção do Conselho da Índia em funcionamento, parte de uma Consulta remetida ao rei em 1608, a propósito da agenda do Conselho de Portugal. Para o antigo vice-rei de Portugal, e de acordo com Luxán, “su existencia, era una complicación burocrática y hacendística que no tenía justificación, y cuyo cometido podían realizar perfectamente las antiguas instituciones. No había porqué quitar competencias al Consejo de Estado, en el que podían entrar hombres prácticos de aquellas tierras, en el terreno de la decisión, ni al secretario de Estado para la repartición de la Índia, en el aspecto burocrático. Igualmente, tampoco se restarían competencias al proprio Consejo de Portugal”39. Segundo este historiador,

36 Cf. André da Silva Costa, Os secretários e o Estado do Rei: Luta de corte e poder político (sécs. XVI- XVII), Tese de Mestrado apresentada à FCSH-UNL, 2008. 37 Cf. Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies, Gouvernement et pratiques politiques de l’Amérique portugaise dans l’union ibérique (1580-1640), Tese de Doutoramento apresentada à École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, 2009. 38 Cf. Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado, A união ibérica, o Golfo Pérsico e o império ultramarino português, 1600-1625, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Europeia de Florença, 2014. 39 Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 210-211. 15

Filipe III terá mesmo concordado com esta posição de Cristóvão de Moura no sentido da extinção do Conselho da Índia40, ainda que não tenha tomado diligências nesse sentido e que, inclusivamente, alguns anos mais tarde, tenha requerido um novo Regimento para o Conselho. Santiago de Luxán afirma ainda que a existência do Conselho da Índia é também consolidada pela nomeação de João Furtado de Mendonça para a sua presidência. Apesar de ser uma conclusão pertinente, uma vez que, de facto, no ano de 1608 se procede à nomeação de novo presidente para o Conselho, e que de facto esta nomeação deve ser vista desta forma, a informação está incorrecta, uma vez que o nomeado não é Furtado de Mendonça, mas sim D. Francisco da Gama, 4º Conde da Vidigueira. Além disso, Furtado de Mendonça é também, de facto, nomeado para integrar o Conselho no mesmo ano de 1608, mas enquanto Conselheiro de Capa e Espada, em substituição de Pedro de Mendonça Furtado.

Por sua vez, versando o seu trabalho sobre os secretários, André da Silva Costa foca-se essencialmente na relação destes com o Conselho da Índia e, em particular, no projecto do Novo Regimento do Conselho, na medida em que este previa um aumento significativo do poder dos secretários, quando comparado com o Regimento de 1604. Refere a criação deste Conselho como “parte de um movimento mais vasto de recrudescimento dos conselhos mas também como resposta à necessidade de voltar a criar correspondência entre os órgãos da Monarquia em Valhadolid e o “despacho” em Lisboa”41. Além disto, André Costa foca a sua análise do Conselho em três momentos- chave. O primeiro, no ano de 1604, quando se dá ordem a Diogo Velho para que entregue ao Conselho todos os papéis relacionados com a administração do império português; o segundo entre 1610 e 1614, durante o qual Rui Dias de Meneses, nomeado Secretário de Estado da Repartição da Índia, Brasil, Mina e Guiné, “remetia habitualmente ao Conselho da Índia para “despacho” as “matérias de Estado” relativas às conquistas, controlando de perto a informação sobre contratos e arrematações”42. Em terceiro lugar, o ano de 1614, quando “foi recuperado provisoriamente o cargo de

40 Exige, no entanto, que se recompensasse os Conselheiros do Conselho da Índia pela cessação de funções do Conselho. Assim, “en la propuesta Moura, los dos caballeros de capa y espada pasarían al Consejo de Estado, que vería aumentada de este modo, su capacidad en este tipo de asuntos. Los letrados se despacharían enviando a Sebastião Barbosa a ocupar la plaza de Canciller de la Relación de Oporto, y manteniendo el ordenado a Francisco Vaz Pinto, mientras se le buscaba mejor acomodo”, ibidem, p. 213. 41 André da Silva Costa, Os secretários .... op. cit., 2008, p. 116. 42 Ibidem, p. 119. 16

“Secretário do Estado da Índia”, exercido por oficiais como Pedro da Costa, António Velles de Cimas ou António Campelo”43.

No que diz respeito à dissertação de Guida Marques, a informação relativa ao Conselho da Índia encontra espaço em capítulo próprio, dedicado ao funcionamento deste organismo. Refere um importante documento, sob consulta na Biblioteca de Londres, onde Don Juan de Borja sugere de forma explícita, logo em 1601, “que huviesse en Portugal un consejo que tratasse particularmente de las cosas de la India adonde desde que las naos llegan se tratasse de los negocios que se offrecen que hazer y del despacho y respuesta de las cartas de negocios que de aquellas partes se escriven”, porque pelo sistema de governo vigente até então “no se responde tan particularmente a los negocios como convenia al servicio de Vmgd”44. Guida Marques colmata duas das falhas que acima apontámos a Francisco Mendes da Luz. Em primeiro lugar, estabelecendo comparação entre o Conselho da Índia e o seu homólogo castelhano, na mesma medida em que, em estreita relação com a questão anterior, chama a atenção para o debate sobre ter sido – ou não – o Conselho da Índia uma forma de concretização de um projecto de castelhanização de Portugal e do seu império45. Em segundo lugar, tendo em conta, de forma pormenorizada, os conflitos jurisdicionais que condicionaram o funcionamento do Conselho da Índia, ainda que se foque essencialmente naqueles propiciados pelo Conselho da Fazenda46.

Por fim, tenhamos em conta o trabalho de Graça Borges, que dedica todo um capítulo ao Conselho da Índia e à forma como este organismo serviu como meio de integração do império português no seio da Monarquia Católica. Antes de abordar concretamente a criação do Conselho, a historiadora ocupa-se da caracterização de outros meios da cadeia decisória que se encontrava entre Portugal e o centro político da

43 Ibidem, p. 117. 44 Biblioteca de Londres, Add.28424, fl. 143, citado por Guida Marques, L’invention du Bresil .... op cit., 2009, p. 257. 45 “D’aucuns ont considéré l’émergence de ce conseil, comme une preuve de l’hégémonie castillane au Portugal, en considérant qu’il avait été érigé sur le modèle du Consejo de indias castillan. En réalité, le Conselho da India diffère de son homologue castillan, tant dans sa composition que dans son mode de fonctionnement. Une distinction fondamentale entre les deux institutions réside notamment dans la prééminence que conserve le conselho da fazenda portugais, en matière de finances”, Ibidem, p. 258. 46 A este propósito, cita documentação até então ainda não referida, como é o caso, por exemplo, de uma relação sobre a jurisdição do Conselho da Índia com o da Fazenda datada do Verão de 1609 e passível de ser consultada em Archivo General de Simancas, SP, 1500, fl. 62v; ou de uma consulta do Conselho da Fazenda onde se apresenta a queixa de que o Conselho da Índia se encontrava “furtando o rosto” do da Fazenda, esta datada de Novembro de 1613, e presente igualmente em Archivo General de Simancas, SP, 1472, fl. 442. 17

Monarquia Hispânica: o Vice-Rei, o Conselho de Portugal e as Juntas de Governo. Foca-se também na reforma e adaptação das finanças do império e da monarquia, e na forma como se lidava politicamente com a ausência do rei.

Chegando ao Conselho da Índia, Graça Borges define como seu principal objectivo “enquadrar esta instituição no modo como Filipe III e o seu ministro favorito, o Duque de Lerma, contemplaram o império ultramarino português na sua política externa”47. No que diz respeito à acção concreta desse organismo, além dos sempre referidos conflitos jurisdicionais – a que haveremos também de aludir –, a autora preocupa-se em perceber “a relação entre o Conselho da Índia e a problemática do descobrimento, exploração, conquista, ocupação e povoamento de alguns espaços do território brasileiro durante as duas primeiras décadas do século XVII”48. Para a concretização deste objectivo, tenta perceber em primeiro lugar as diferenças entre os dois sistemas coloniais e as motivações que levam à instauração de um e outro em cada território e, posteriormente, utilizando o exemplo concreto da resposta do Conselho da Índia ao processo de exploração das Minas de São Vicente, no Brasil, enquanto exemplo de um dos muitos projectos individuais de descobrimento, povoamento e desenvolvimento económico de novos espaços no Brasil.

Conclui, então, que há um maior investimento nos territórios atlânticos, quando comparados com o índico português, ainda que não veja este aumento como fruto de “uma tentativa de absorção deliberada e consciente do modelo colonial português pelo modelo colonial castelhano”49, não lhe parecendo sequer que “a utilização de algumas características do modelo espanhol fosse uma tentativa de enfraquecer o peso da concepção colonial portuguesa ou, em última análise, a própria autonomia de Portugal no modo como o reino concebia o seu império”50. As suas conclusões a propósito da instauração do Conselho, dos seus objectivos e da forma como foi posicionado no sistema português e no seio da Monarquia Católica, teremos em conta adiante, quando retirarmos as nossas conclusões a propósito do mesmo assunto.

Desde os anos cinquenta, altura em que foi editada a obra fundadora sobre o Conselho da Índia, a historiografia sofreu inúmeras revisões com o surgimento de novas

47 Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 83. 48 Ibidem, p. 93. 49 Ibidem, p. 103. 50 Ibidem, p. 104. 18 correntes de análise, novas visões e novas teorias. Por esse motivo, chamamos a atenção não só para a necessidade de ser levada a cabo uma revisão deste estudo de Mendes da Luz, mas também para o facto de que, enquanto obra fundadora, não deva ser colocada de lado, mas sim analisada cuidadosamente e aos olhos das correntes historiográficas actuais.

Podemos notar um esforço crescente no sentido da promoção de uma tendência para pensar e escrever uma história agora menos centrada em pontos individuais e em conjunturas e actores políticos particulares de cada reino, e mais enquanto partes de um todo, onde centros e periferias se multiplicavam e influenciavam mutuamente. A este propósito, tenha-se como exemplo a obra Portugal na Monarquia Hispânica: Dinâmicas de integração e conflito51, na qual se discute o processo de integração de Portugal na monarquia católica, não apenas pelo ponto de vista da relação entre Portugal e Castela, mas analisando também as relações existentes entre Portugal e outros pontos do complexo territorial hispânico, como é o caso da Itália e da Flandres, além dos contactos entre ambos os impérios, bem como os conflitos e focos de tensão que existiram ao longo dos sessenta anos de união na Europa e nos territórios ultramarinos. Conta com a participação de autores com reputadas carreiras e obras de relevância sobre as temáticas por nós a abordar, como Santiago Martinez Hernandéz, que tem vindo a dedicar-se ao estudo do processo de ascensão e manutenção do poder de Cristóvão de Moura junto dos reis castelhanos52, Guida Marques, Fernanda Olival, como já referimos, autora da biografia de Filipe II, que se tem dedicado também ao estudo de um fenómeno tão característico das relações de poder existentes na época em estudo como a economia de mercê53.

51 Cf. Pedro Cardim, Leonor Freire Costa; Mafalda Soares da Cunha (coord.), Portugal na monarquia hispânica: dinâmicas de integração e conflito, Lisboa, CHAM- CIDEHUS-GHES, 2013. 52 Cf. Santiago Martínez Hernández, El Marqués de Velada y la corte en los reinados de Felipe II y Felipe III: nobleza cortesana y cultura política en la España del Siglo de Oro, Valladolid, Junta de Castilla y León, Consejería de Cultura y Turismo, 2004. Idem (coord.), “Aristocracia y gobierno: aproximación al cursus honorum del Marqués de Velada, 1590-1666”, in La declinación de la monarquía hispánica en el siglo XVII: Actas de la VIIa Reunión Científica de la Fundación Española de Historia Moderna, Volume 1, Cuenca, Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2004, pp. 155–158. Idem (coord.), Governo, Política e Representações do poder no Portugal Habsburgo e nos seus territórios ultramarinos (1581-1640), Lisboa, CHAM, 2011. 53 Cf. Fernanda Olival, D. Filipe II: de cognome o Pio, Lisboa, Temas e Debates, 2008. Idem, “La economia de merced en la cultura política del Portugal Moderno”, in Francisco José Aranda Pérez, José Damião Rodrigues, (coord.), De re publica Hispaniae: una vindicación de la cultura política en los reinos ibéricos en la primera modernidad, Madrid, Sílex, 2008, pp. 389-408. Idem, “Economía de la merced y venalidad en Portugal (siglos XVII e XVIII)”, in El poder del dinero: ventas de cargos y honores en el Antiguo Régimen, Madrid, Biblioteca Nueva, 2011, pp. 345–357. 19

Há que referir também a forma como o poder central passou a ser estudado. Na década de oitenta, escrevia António Manuel Hespanha que “a perspectiva tradicional – que, ao estudar o poder central, centrava toda a atenção sobre a pessoa do rei – deixava perder uma série de enfoques de extraordinária riqueza no plano da explicação histórica”54. De facto, nos últimos anos temos vindo a assistir a uma inversão da tendência de olhar para o rei como única fonte de poder, passando-se a perspectivá-lo como “pólo onde se cristalizam ou por onde se canalizam as pretensões de poder de grupos”55. Seguindo a mesma ordem de ideias, refere Maria Luísa da Gama, acima citada, que “Conselhos, Tribunais, Secretarias e cargos palatinos afiguram-se como importantes polos de poder e de grande destaque dentro da corte, dando aos que neles tinham assento grande protagonismo não só político mas também social, permitindo- lhes, deste modo, intervir nas questões governativas”56. É por esse motivo que os órgãos da administração central que funcionavam ao lado do rei, ou com este à sua cabeceira, têm ganho gradualmente a atenção dos historiadores, aumentando a “tendência para procurar definir tipologias da organização e da acção administrativas”57. Tal ganha particular relevo se estivermos a falar da dinâmica de poder do século XVII, uma vez que até aí, apesar da existência de órgãos consultivos, era ainda a vontade pessoal do rei que prevalecia.

Neste âmbito, destaque-se o estudo de Arrigo Amadori sobre as políticas do Consejo de Indias no tempo de Olivares, a relação deste órgão e dos territórios que tutelava com o valido e a sua acção junto dos vice-reinos americanos em questões de guerra e fazenda. Trabalho paralelo desenvolve Edval de Sousa Barros, cuja dissertação se debruça sobre a gestão dos assuntos de guerra no Atlântico e no Índico pelo Conselho Ultramarino entre os anos de 1643 e 166158. Refira-se também a extensa obra de António Manuel Hespanha, que há muito tem vindo a dedicar-se ao estudo das instituições da administração central e local portuguesas59.

54 António Manuel Hespanha, História das instituições: épocas medieval e moderna, Coimbra, Almedina, 1982, p. 332. 55 Ibidem, pp. 332-333. 56 Maria Luísa da Gama, O Conselho de Estado .... op. cit., 2011, pp. 16-17. 57 António Manuel Hespanha, História das instituições .... op. cit, 1982, p. 333. 58 Cf. Edval de Souza Barros, Negócios de tanta importância: o Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661), Lisboa, Centro de História de Além-Mar, 2008. 59 Cf. António Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político Portugal, séc. XVII, Coimbra, Almedina, 1994. Idem, História das instituições: épocas medieval e moderna, Coimbra, 20

A historiografia recente dos impérios ultramarinos português e castelhano no Índico conta com obras de relevância, como a de Rafael Valladares sobre o funcionamento individual e coordenado de ambos os impérios, que nos permite entender de que forma a união de coroas modificou a conjuntura política e militar nestes lugares, como o Estado da Índia foi encarado pelos monarcas hispânicos e como se relacionaram as entidades governativas lusas e castelhanas no Índico60. Sanjay Subrahmanyam, na mesma linha, deixa-nos uma obra completa, abrangendo cerca de dois séculos da história política, social, económica e militar dos portugueses na Ásia61. Também João Paulo Oliveira e Costa se tem dedicado ao estudo da construção – e dos construtores – do império português no século XVI, com especial incidência nos territórios asiáticos, contribuindo com obras como a História da Expansão Portuguesa, a colectânea de estudos Mare Nostrum e, com Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente: el proyecto indiano del rey Juan62.

No que toca ao período de inserção de Portugal no seio da Monarquia de Filipe II, destaquem-se os nomes de Jean-Frédéric Schaub, em cuja obra Portugal na monarquia hispânica (1580-1640) se propõe a estudar os anos da união de coroas através “dos factores que favorecem a união e dos que podem explicar a desunião”, a saber: a polissinodia portuguesa, questões militares, questões religiosas e a relação existente entre as elites de um e outro reino, num e noutro reino63; e Fernando Bouza, que tem dedicado parte da sua carreira ao estudo do reinado de Filipe II e do reino português nos anos da união de coroas e que contribui para um maior conhecimento destas temáticas com obras com a biografia de Filipe I de Portugal e a sua dissertação,

Almedina, 1982. Idem, História de Portugal moderno político e institucional, Lisboa, Universidade Aberta, 1995. 60 Cf. Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia, 1580-1680: declive imperial y adaptación, Leuven, Belgium, Leuven University Press, 2001. 61 Sanjay Subrahmanyam, O império asiático português, 1500-1700, Uma história política e económica, Lisboa, DIFEL, 1995. 62 Cf. João Paulo Oliveira e Costa, Henrique, o Infante, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2013. Idem, Mare Nostrum, Lisboa, Temas e Debates, 2013. Idem (coord.), História da expansão e do Império português, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2014. Idem, Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente: el proyecto indiano del rey Juan, Madrid, Mapfre, 1992. 63 Cf. Jean-Frédéric Schaub, Portugal na monarquia hispânica: (1580-1640), Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 10. Veja-se ainda Idem, “La Monarquía Hispana en el Sistema Europeo de Estados”, in Antonio Feros; Juan Gelabert (coord.), España en Tiempos del Quijote, Madrid, Taurus, 2004, pp. 97-128. 21

Portugal en la Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes de Tomar y la génesis del Portugal católico64.

Com trabalhos influentes sobre a cultura política hispânica do começo do século XVII, devemos focar nomes como Antonio Feros ou Bernardo José García. Enquanto o primeiro se debruça sobre o valimento de Lerma e o impacto desta nova figura da corte nos espíritos e nas estruturas político-administrativos da época65, o segundo, por sua vez, numa obra de 1996, cumpre o objectivo de analisar a política externa da monarquia hispânica no tempo do Duque de Lerma, tendo como balizas cronológicas a Paz de Vervins e o começo da Guerra dos Trinta Anos66. Refira-se ainda Pedro Cardim, tendo- se especialmente em conta o seu trabalho a propósito da importância das cortes no conjunto decisório do reino português no Antigo Regime e do corpo político e social e, de data posterior, o artigo inserido na colectânea Estudos em homenagem a João Francisco Marques, sobre o corpo político e social português no tempo de Filipe II67.

São estes os principais autores que nos últimos anos trouxeram à estampa novas ideias historiográficas e novas maneiras de analisar e escrever o passado, e que hoje se revelam fulcrais para que possamos revisitar a obra de Mendes da Luz.

64 Cf. Fernando Bouza Álvarez, D. Filipe I, Lisboa, Temas e Debates, 2008. Idem, Portugal en la Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes de Tomar y la génesis del Portugal católico, Madrid, Universidade Complutense, 1987. Idem, Portugal no tempo dos Filipes: política, cultura, representações (1580 - 1668), Lisboa, Cosmos, 2000. Idem, Felipe II y el Portugal “dos povos”: imagenes de esperanza y revuelta, Valladolid, Universidad de Valladolid, Secretariado de Publicações e Intercâmbio Editorial, 2011. Idem, Antonio Feros, Juan Eloy Gelabert González (coord.), España en tiempos del Quijote, Madrid, Taurus, 2004. 65 Cf. Antonio Feros, “Twin Souls: Monarchs and Favorites in Early Seventeenth-Century Spain”, in Richard L. Kagan, Geoffrey Parker, Spain, Europe and Atlantic World, Essays in Honour of John H. Elliott, Cambridge University Press, Cambridge, 1995, pp. 27-47. Idem, Kingship and favoritism in the Spain of Philip III, 1598-1621, Cambridge, Cambridge University Press, 2000. Idem, Realeza y Privanza em la España de Felipe III, Madrid, Marcial Pons, 2002. Idem, “”Por Dios, por la Patria y el Rey”: el mundo político en tempos de Cervantes”, in Idem, Juan Gelabert (coord.), España en Tiempos del Quijote, Madrid, Taurus, 2004, pp. 61-96. Idem, “El duque de Lerma: Valimiento y Construcción de un Nuevo Paradigma Político”, in Antonio Escudero (coord.), Los validos, Madrid, Dyckinson, 2004, pp. 63- 80. 66 Cf. Bernardo José García, La Pax Hispánica: Política Exterior del Duque de Lerma, Lovaina, Leuven University Press, 1996, p. IX. 67 Cf. Pedro Cardim, Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1998; Idem, “Política e identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I”, in Amélia Polónia, Jorge Martins Ribeiro, Luís Oliveira Ramos (coord.), Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001; Idem, Tamar Herzog, José Javier Ruíz Ibáñez, Gaetano Sabatini (coord.), Polycentric Monarchies. How did Early Modern Spain and Portugal Achieve and Maintain a Global Hegemony?, Eastbourne, Sussex Academic Press, 2012; Idem, Leonor Freire Costa, Mafalda Soares da Cunha (coord.), Portugal na monarquia hispânica: dinâmicas de integração e conflito, Lisboa, CHAM-CIDEHUS-GHES, 2013; Idem, Jean-Frédéric Schaub, Portugal unido y separado: Felipe II, la unión de territorios y el debate sobre la condición política del Reino de Portugal, Valladolid, Edições da Universidade de Valladolid, 2014. 22

Capítulo II

O Conselho da Índia

Dinâmicas de Centralização e Adaptação

Apesar de não haver qualquer documento que, de forma explícita, declare as razões da criação do Conselho da Índia, é de crer, pela leitura do próprio Regimento deste tribunal, que o seu principal objectivo fosse garantir “a brevidade e bom expediente” das matérias relacionadas com o espaço ultramarino português. De facto, como demonstrámos na nota introdutória da presente dissertação, o despacho dos negócios do espaço ultramarino português encontrava-se marcado por uma profunda dispersão, que impedia o rápido e eficiente despacho dos assuntos de um território tão vasto e ainda em desenvolvimento, e a enfrentar problemas militares, comerciais e financeiros tão complexos como em seguida se verá.

Tal como ilustram as palavras de Guida Marques, “La conjoncture internationale de la fin du XVIe siècle, les difficultés croissantes de la couronne portugaise dans l’Océan Indien, et le développement de la colonisation dans l’Atlantique, augmentent considérablement le volume des affaires d’outre-mer à traiter”68. Incidindo o nosso estudo na dinâmica de actuação do Conselho da Índia no Índico, parece-nos pouco profícua uma repetição exaustiva do que muitos autores têm vindo a escrever nas últimas décadas, tanto a propósito da situação do Atlântico português como da conjuntura externa da monarquia católica.

II. 1. Um império em crescimento no Atlântico

No que ao Atlântico diz respeito, há essencialmente que notar a existência, desde o reinado de D. João III, de diversas iniciativas com vista ao incremento da presença portuguesa no Brasil. Refiram-se o estabelecimento do Governo-Geral em 1549, a formação de enclaves do poder português ao longo de toda a zona costeira do Brasil

68 Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies, ... op. cit., 2009, p. 257. 23 compreendida entre São Vicente e a Foz do Amazonas, a fundação de São Paulo, a definitiva expulsão dos franceses da Guanabara em 1565 e o avanço para o sertão com o desenvolvimento dos movimentos bandeirantes e o consequente aumento da zona explorada pelos portugueses. O Brasil é, a partir dos anos vinte do século XVI, um espaço em evolução, que começa a demonstrar o seu dinamismo.

Este processo será posteriormente acelerado e consolidado no tempo da união ibérica, em parte devido à tradição da expansão castelhana e à conjuntura externa da monarquia hispânica69, mas também pela atracção dos negociantes portugueses relativamente à prata que vinha da América espanhola70. Foi esta uma preocupação claramente visível nos capítulos apresentados pelo Terceiro Estado nas Cortes de Tomar. Reivindica-se, por um lado, que o ouro ou prata advindos de qualquer território da monarquia hispânica pudessem ser cunhados em Portugal, com as armas do reino71 e, por outro, que os portugueses passassem a estar habilitados a ir às conquistas ultramarinas de Castela72. A resposta do monarca a ambas as petições não é negativa, mas sim ambígua. De qualquer das formas, é inequívoco que o poder de atractividade do Atlântico aumentou consideravelmente após a anexação de Portugal à coroa de Filipe II, e a verdade é que Potugal foi inserido nos territórios da monarquia hispânica numa fase em que o Estado da Índia oferecia demasiados problemas, quando comparado com a florescente América espanhola, que dava e prometia soluções73.

Por associação, simultaneamente causa e efeito desta fixação, a produção agrícola no Brasil entra numa fase de expansão, com a produção açucareira a tornar-se cada vez mais relevante na balança comercial da coroa portuguesa. O mesmo é dizer que para falar de economia e produção agrícola é fundamental que se fale dos homens e do peso do seu número, uma vez que estes são simultaneamente consumidores e produtores.

As fontes de que o historiador dispõe para estudar este substracto demográfico, apesar de mais completas que as que se referem às populações indígenas, africanas e mestiças, são ainda de difícil análise e percepção, tornando-se impossível avançar com

69 Cf. João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 172. 70 Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica .... op. cit., 1987, p. 639. 71 Cf. Ibidem, p. 640. 72 Cf. Ibidem, p. 640. 73 Cf. Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia, 1580-1680: declive imperial y adaptación, Leuven, Belgium, Leuven University Press, 2001, p. 2. 24 um número concreto. Tenhamos em conta as obras de Gândavo (1570) e Anchieta (1585).

Total de vizinhos Baía Pernambuco Itamaracá Gândavo (1570) 3400 1100 1000 100 Anchieta (1585) 4010 2000 1100 50

Em primeiro lugar, há que explicar que o termo “vizinhos” é um termo que, não tendo por detrás qualquer intuito de contabilidade demográfica efectiva, remete-nos apenas para aqueles que detinham responsabilidades militares e de governança e, nesse sentido, deve assumir-se que o número de vizinhos seria certamente inferior ao da população efectiva, uma vez que exlui as mulheres, as crianças e os mais idosos.

De um modo geral, o que podemos extrair da leitura destas fontes é o facto de serem consensuais relativamente à existência de uma tendência evolutiva da população, mas também no que toca às tendências de concentração populacional. Nos quinze anos que separam ambas as obras, a população de origem europeia aumenta no Brasil quer no seu total, quer nas capitanias mais povoadas da Baía e de Pernambuco. Por outro lado, encontramos Gândavo e Anchieta em concordância também no que diz respeito aos casos de insucesso, sendo o despovoamento de Itamaracá, Ilhéus e Porto Seguro algo assumido.

A tendência ascendente é também encontrada no substracto demográfico composto pelos africanos, sendo na mão-de-obra escrava que estava assente o funcionamento dos engenhos de açúcar. Para James Walvin, o primeiro momento em que encontramos escravatura negra com uma expressão suficientemente relevante nas Américas é coincidente com o desenvolvimento do comércio do açúcar brasileiro74. As plantações de açúcar são vistas pelo autor supracitado como “uma conjunção inovadora de processos agrícolas e industriais interdependentes, impulsionados por uma nova forma de trabalho: a escravatura (...) numa forma altamente organizada e disciplinada”75. Apesar das dificuldades relativas à contagem demográfica deste grupo – contando ainda com menos fontes coevas do que o caso dos indígenas –, no início do

74 Cf. James Walvin, Uma história da escravatura, Lisboa, Tinta da China, 2008, p. 108. 75 Ibidem, p. 109. 25 século XVII havia já quem dissesse que se estava a criar uma nova Guiné no território brasileiro, pela “grande multidão de escravos vindos dela”76.

Contrariamente, o grupo autóctone do Brasil sofrerá uma grande diminuição. Traçar um número preciso da população indígena não é tarefa fácil, dada a inexistência de fontes directas e a raridade de vestígios arqueológicos. Havendo teorias que apontam para a existência de pouco menos de dois milhões e meio de índios aquando a chegada dos portugueses ao território, este número desceu bastante, em virtude quer das campanhas de subjugação de índios, quer das doenças epidémicas que chegaram ao território com as populações europeias, como a varíola e o sarampo. Entre 1560 e 1580, segundo dados fornecidos por uma carta atribuída ao padre Anchieta, a população indígena aldeada passou de cerca de quarenta mil para três mil e quinhentos.

Resultaria destes três grupos demográficos – indígenas, europeus e africanos – a formação de uma sociedade luso-brasileira, resultante de um processo de moldagens étnicas derivadas, por um lado, de uniões estáveis (entre grupos étnicos não brancos) e, por outro lado, de uniões essencialmente extra-maritais temporárias, mas também as havendo estáveis, entre o colonizador europeu e os restantes grupos étnicos. Ainda que do ponto de vista exclusivamente demográfico esta miscigenação tenha fornecido contingentes essenciais à população brasileira no século XVI, não se cansaram os jesuítas de combater e censurar moralmente o hábito da mancebia entre portugueses e índias. Quando o Padre Manuel da Nóbrega chegou à Baía em 1549, constatou que grande parte da população branca que aí morava – essencialmente referindo-se aos homens – tinha cedido àquilo que considerava ser um pecado mortal.

Como se nota, todo o processo de povoamento da América portuguesa se desencadeou em estreita associação com o desenvolvimento agrícola, algo que é evidenciado, por exemplo, por uma desigual distribuição populacional, estando cerca de 70% da população concentrada nas capitanias de Pernambuco e da Bahía, onde no final do século XVI, segundo as informações que nos são dadas por Fernão Cardim, se encontravam em funcionamento 102 dos 115 engenhos de açúcar do Brasil77. O que encontramos, pois, é uma dinâmica de concentração produtiva em torno de dois grandes

76 Joaquim Romero Magalhães, “A construção do espaço brasileiro”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 35. 77 Stuart Schwartz, “A “Babilónia” colonial: a economia açucareira”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 214. 26 centros78, associada a um decréscimo do crescimento populacional e produtivo de capitanias como Itamaracá, Ilhéus, Porto Seguro e São Vicente. Segundo nos mostram textos coevos, entre 1570 e 1583 o número total de engenhos no Brasil sobe de 60 para o dobro. Chegando a 1612, os engenhos em funcionamento seriam já perto de duzentos, dos quais 140 se encontravam nestas duas capitanias. Nota-se nesta altura um grande desenvolvimento no Rio de Janeiro, que passa de 3 engenhos em 1583 para 14 em 161279. Nas vésperas da invasão neerlandesa em Olinda, os engenhos de açúcar seriam totalizados em cerca de 350, dos quais a maior parte continuaria em Pernambuco, com 150 e na Bahia, com 80 engenhos80.

Podemos então perceber que a presença portuguesa no Brasil, bem como a economia do cultivo e exportação de açúcar, se encontravam ainda em crescendo nos primeiros anos do século XVII, apesar de ser uma tendência que se vinha desenrolando desde as primeiras décadas do século anterior. O mesmo é dizer que esta vertente territorial e atlântica do império português é uma nova realidade, num império até então essencialmente assente nas águas do Índico e numa cuidada rede de fortalezas e feitorias. Nova realidade essa que, pouco mais de cinquenta anos volvidos sobre o lançamento das suas bases, vinha ainda sendo experimentada, procurando o seu lugar no sistema político-administrativo português e, posteriormente, da monarquia hispânica, mas também nas redes de comércio do açúcar e do tráfico de escravos que lhe estava associado. Situação contrária, pois, à do Estado da Índia, que contava desde muito cedo com um sistema de representação do rei português e de funcionamento político e administrativo que no século XVII se encontrava já consolidado81.

78 Esta concentração acontece, em grande parte, por três factores decisivos. Em primeiro lugar, por motivos de defesa, uma vez que quanto maior o núcleo português, mais facilmente seria defensável; de ataques de índios; em segundo lugar, para evitar processos de dispersão da população portuguesa em solo americano, uma hipótese que sempre preocupou as autoridades portuguesas, uma vez que a dispersão da população pelo território punha em causa o projecto português de domínio territorial naquele espaço, uma vez que impediria a formação de redutos portugueses e eventualmente fomentaria a aculturação dos portugueses junto dos indígenas; por fim, há que ter em conta a existência de uma cultura urbana, que se reproduziu naturalmente no Brasil. 79 Cf. Stuart B. Schwartz, “A «Babilónia» colonial .... ”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 215. 80 Ibidem, p. 215. 81 Tal discrepância em termos de desenvolvimento acontece não apenas devido ao imediato interesse das autoridades lusas na Índia, com o qual o Brasil só competirá mais tarde, mas também em grande parte devido à distância de que um e outro território se encontravam do centro de decisão política, tornando muito mais necessário na Índia o estabelecimento de bases efectivas que pudessem funcionar tendo em conta a demora de fecho do circuito da rota dos papéis e, por isso, de forma mais autónoma do rei. 27

Estamos por isso perante anos em que o volume dos negócios associados ao império português cresceu significativamente, com o desenvolvimento de uma nova economia e de um novo bem de produção que rapidamente se tornou muito relevante, mas também com o início de um trabalho sistemático por parte dos jesuítas, com o aumento populacional em terras distantes, e com a própria dilatação territorial.

II. 2. A continuidade do sonho oriental

Neste processo de aumento do peso do Atlântico na balança imperial portuguesa, há então que posicionar o Índico. Filipe II rapidamente percebeu, tal como D. Manuel havia percebido anos antes, o potencial do Estado da Índia como “área de pressão contra o Mediterrâneo oriental”82 e, consequentemente, passível de ser utilizado contra o avanço do poder otomano na Europa. Nas palavras de João Paulo Oliveira e Costa, tal demonstra que “o respeito pela individualidade lusa não impedia o monarca de encarar os seus novos domínios como peças de uma estratégia maior, onde o império português podia ser usado, e sacrificado, em prol dos interesses maiores da Monarquia Católica”83. A execução desta política foi de novo tentada no reinado de Filipe III. Em nenhum dos casos as autoridades de Goa acataram as ordens do poder central, percebendo que as consequências – negativas – da reabertura da guerra contra os Turcos serviam um interesse que não o seu.

De facto, ainda que se afirme uma certa falta de capacidade por parte dos monarcas hispânicos para conceberem o Estado da Índia como uma peça individual, incapazes de aí encontrar os benefícios advindos do seu império americano, a verdade é que aquando a anexação de Portugal à monarquia hispânica, era aí que “donde residía el simbolismo planetario de la casa de Avís”84. O mesmo é dizer que, ainda que a territorialidade ganhasse peso e o Atlântico se tornasse cada vez mais dinâmico, a Índia continuava a constituir-se, para os portugueses, como a jóia da coroa, que significava

82 João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente: el proyecto indiano del Rey Juan, Madrid, Mapfre, 1992, p. 322. 83 João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 170. 84 Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia .... op. cit., 2001, p. 2. 28 muito mais que o interesse erudito ou a respeitosa indiferença que significava para os castelhanos85.

Além disso, não foi apenas no Atlântico que o paradigma da territorialidade ganhou relevo. No Índico, seguindo as palavras de Luís Filipe Thomaz, “a tendência para a territorialidade acentua-se, porém, gradualmente (...). A extensão dos territórios (...) ampliara-se, pelo que não podia deixar de ser maior o seu peso no conjunto; amentara, devido à política de casamentos mistos, o número de portugueses radicados na terra, enquanto a acção dos missionários integrara, por assimilação religiosa, na comunidade portuguesa vultosos núcleos da população local”86. Para Maria Augusta Lima Cruz, esta crescente territorialização no Índico encontrava-se essencialmente ligada a uma mudança do paradigma de império, iniciada no reinado de D. João III e seguida por D. Sebastião. Defendia-se cada vez mais o afastamento da coroa relativamente às actividades comerciais e mercantis e, por tal, sentia-se a necessidade de tornar o império menos marítimo e mais semelhante ao castelhano, ou seja, mais territorial, prevendo-se “o controlo das populações locais, e logo da mão-de-obra, da produção agrária e das reservas mineiras”87.

Esta não é uma tese que anule ou entre em confronto com a de Filipe Thomaz, que defende que o incremento do poder territorial português no Estado da Índia acontece numa tentativa de compensação pelo aumento da concorrência e, em ligação directa, pela sua crescente perda de poder naval88.

Por sua vez, esta crescente perda de poder naval marcará definitivamente a conjuntura no Índico ibérico logo desde o final dos anos de quinhentos. Contrariamente à tendência de crescimento que encontramos no Brasil e nas redes de comércio de escravos africanos, às décadas de sessenta e setenta, as de maior sucesso tanto para a Carreira da Índia como para a Nau do Trato, nas quais se contaram pouquíssimas perdas, seguiram-se eventos que, na década de noventa trouxeram consigo “perdas materiais e económicas”89 bastante relevantes, bem como a perda de grande parte do comércio marítimo que os portugueses controlavam até então. Não estando o império

85 Ibidem, p. 3. 86 Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor, s.l., Difel, 1994, p. 217. Cf. João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 135. 87 Maria Augusta Lima Cruz, D. Sebastião, Lisboa, Temas & Debates, 2009, p. 179 88 Cf. Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor .... op. cit., 1994, p. 217. 89 João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 173. 29 português dependente apenas dos potentados asiáticos e africanos e do resgate dos produtos de que estes dispunham, mas também da rede de consumo europeia, e da aquisição de produtos europeus a ser utilizados como moeda de troca nos mercados africano e asiático, as boas relações com a Europa precisavam de ser mantidas, em nome dos lucros que os reis portugueses retiravam do comércio asiático-africano- europeu. Tanto que assim é, que os portugueses preferiram ignorar a “heresia” dos Países Baixos, de forma que pudessem manter os seus contactos comerciais90. A manutenção desta posição por parte das autoridades portuguesas tornar-se-á impossível após a união ibérica. Na verdade, não podemos afirmar que o estabelecido por Tordesilhas em 1494 não tenha sido contestado, e até desafiado, mas a verdade é que poucos efeitos concretos tiveram estas contestações, e raramente se materializaram. Só assim se compreende que até 1580, a estabilidade do comércio, a segurança da navegação e o poder territorial português no Índico tenham estado em grande parte assentes numa quase total ausência de concorrência.

Escreve Manuel Faria e Sousa que a união de coroas que em 1581 se consolidou parece ter tido o poder de, nos Países Baixos, apagar “as memórias do antigo decoro com que ela [a Holanda] costuma reverenciar os seus nomes e agradecer os seus benefícios”. Continua, frizando que os Países Baixos haviam sido até à união ibérica senhores de uma economia essencialmente agrícola, com cujos produtos “vinha [a Holanda] procurar os nossos em nossas casas e as drogas orientais nas nossas alfândegas”, adoptando então uma postura diferente, convertendo “os arados em proas, as aguilhadas em piques e as sementes em balas para sulcar os nossos mares e para infestar as nossas conquistas asiáticas, africanas e americanas”91.

Não obstante ser necessário um esforço para relativizar esta afirmação, que quase nos leva a supor que a viragem da Holanda dos campos para o mar acontece apenas depois da união de coroas e exclusivamente com o propósito de atacar o império português, não contando o autor que ainda antes de 1581 já os holandeses se encontravam nos mares e detinham diversas feitorias, a verdade é que a união de Portugal a Castela alterou substancialmente o método de alianças dos portugueses, até aí tendentes a procurar amizades com quem Castela tinha querelas. Será fácil constatar que

90 Cf. Joaquim Romero Magalhães, “Os limites da expansão asiática”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., Volume 2, 1998, pp. 10-11. 91 Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, editado por M. Lopes de Almeida, 6 Volumes, Porto, Civilização, 1945, Volume 5, p. 178. 30

Portugal não se encontrava preparado para ver contra si as forças daqueles que sempre se encontraram do seu lado92.

O grande catalisador do conflito directo com os holandeses foi quando em 1595 Filipe II decretou o encerramento dos portos portugueses ao comércio com os Países Baixos. Nas palavras de Joaquim Romero Magalhães, os holandeses viram aqui, naturalmente, uma oportunidade de avançar directamente para a fonte dos produtos, “cortando os altos ingressos ao soberano hispânico e trazendo os produtos asiáticos directamente para os seus países”93. Estrangulando o comércio asiático português, esperariam os “rebeldes” piorar a já por si grave situação das finanças hispânicas e dessa forma obrigar Filipe II a abrandar o ímpeto militar.

As acções dos neerlandeses que tinham em vista a concretização deste objectivo foram desenvolvidas tanto pela via do corso e da perturbação da navegação portuguesa como pelo ataque directo a possessões territoriais de domínio português e a tentativa de estabelecimento de alianças com os locais, com o intuito de enfraquecer a aceitação destes relativamente à presença lusa.

Como referimos nas páginas iniciais, a historiografia portuguesa tendeu durante muito tempo a obscurecer o período de união de Portugal à monarquia hispânica, e a história da Carreira da Índia não foi excepção, “muito em particular pelo grande acréscimo dos ataques de pirataria inglesa e holandesa ao longo da rota do Cabo e pelo início da concorrência externa no acesso ao Índico”94. No entanto, os efeitos do corso têm vindo a ser alvo de uma cuidada revisão historiográfica, concluindo André Murteira, cuja dissertação de Mestrado versa precisamente sobre o corso neerlandês e a Carreira da Índia entre 1595 e 1625, que, apesar de não ser correcto subestimar os seus efeitos, não devemos também dar-lhes um lugar central, uma vez que “os efeitos observáveis do corso, directos e indirectos, embora não negligenciáveis, foram

92 Os mecanismos de defesa do Estado da Índia estavam até então assentes numa “estrutura militar muito limitada, mas perfeitamente ajustada às [suas] necessidades (...). Desde 1498 até ao início dos anos 90, nenhum estratega português poderia ter ponderado que a rede de fortalezas e o sistema naval do Estado da Índia deviam ser organizados para enfrentar o ataque holandês”, João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 175. 93 Joaquim Romero Magalhães, “Os limites ....”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., 1998, p. 11. 94 Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso, António Lopes, Naufrágios e outras perdas da «Carreira da Índia». Séculos XVI e XVII, Lisboa, 1998, p. 107. 31 fundamentalmente esporádicos, não se justificando a importância que lhe tem sido atribuída”95.

Grande valorizador dos efeitos indirectos da presença holandesa nos mares de domínio ibérico, Magalhães Godinho não só calculou que quatro quintos das perdas totais foram causadas de forma indirecta, reservando apenas um quinto das perdas para acções directas de corso e pirataria, como elenca ainda uma completa lista dos mesmos, na qual se encontram, por exemplo, a obrigação no sentido de desvios nas rotas, as partidas tardias de Goa para Lisboa para evitar encontros da Carreira da Índia com embarcações holandesas ou inglesas, mas também os próprios bloqueios comerciais a Lisboa (1598 e 1606) e Goa (1623).

Por sua vez, Bentley Duncan acrescenta a esta lista a impossibilidade de os navios escalarem na Ilha de Santa Helena e os custos originados pela necessidade de maior proteção às embarcações da Carreira e ao desgaste financeiro da concorrência europeia96. Rui Godinho, além de referir o excessivo carregamento das naus, evoca também que o considerável poder político e comercial da VOC constituiu para Portugal e para as estruturas do seu império uma mistura explosiva e letal, considerando uma falha grave a falta de adaptação dos portugueses à mentalidade económica e a incapacidade das suas instituições administrativas para fazer face aos novos problemas97.

De uma análise dos motivos que provocaram naufrágios entre 1497 e 1650, Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso e António Lopes chegam à conclusão que o ataque directo de inimigos foi a causa de apenas 10,5% do total, mas notando-se um aumento significativo: 2,5% entre 1497 e 1550, 8,5% entre 1551 e 1600 e 21% entre 1601 e

95 André Murteira, A Carreira da Índia e o corso neerlandês, 1595-1625, Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2006, p. 160. 96 Cf. ibidem, pp. 6-8. 97 Cf. Rui Landeiro Godinho, A Carreira da Índia: aspectos e problemas da torna-viagem (1550-1649), Lisboa, 2005. 32

165098. As causas desconhecidas apresentam-se nestes três períodos como maioritárias, constituindo um total de 84%99.

Não obstante estes dados nos permitirem esbater os efeitos do corso holandês, durante muito tempo apresentados como totalmente catastróficos, convém ter em conta que os ataques holandeses e a sua presença no Oriente foram sem dúvida suficientes para preocupar os seus contemporâneos. Neste sentido, em 1609, um tenente-general nas Filipinas afirma que se aos ataques dos holandeses “no se le pone remedio, muy de raiz i com tiempo, crecerá em breve tanto, que después no le pueda tener”100.

No mesmo sentido temos a reacção do vice-rei D. Francisco da Gama quando chegam a Goa, em Agosto de 1597, as primeiras notícias da presença de embarcações holandesas em Moçambique: “com estas novas se alvoroçou o Conde e toda a cidade por ser cousa nova, e nunca estas gentes terem passado a estas partes”. Imediatamente se começa a preparação de uma armada, composta por “dois Galeões, três Galés, e dez Fustas com quinhentos homens, que era Armada bastante pera segurar aquelas partes, e buscar as naus Holandesas, e dar guarda às da China, e de outras partes”, partindo na sua missão apenas um mês após a chegada das notícias do avistamento dos neerlandeses101.

Por outro lado, a ameaça territorial ganha particular ênfase após 1602, aquando a criação da VOC, Companhia das Índias Orientais holandesa, fruto da fusão de diversas pequenas companhias comerciais que optam pela união de recursos, numa primeira fase com motivações económicas, mas havendo rapidamente um aproveitamento político do cabedal militar de que esta dispunha102.

Os ataques territoriais perpetrados pelos rebeldes da VOC podem ser divididos em duas conjunturas, diferenciadas pelo empenho dos inimigos dos portugueses na sua

98 André Murteira afirma, sobre este assunto, que “os primeiros navios das Províncias Unidas que foram ao Oriente estiveram até 1603 quase sempre proibidos de atacar sem mais os portugueses e castelhanos que encontrassem, sendo autorizados a recorrer à violência apenas em legítima defesa”, André Murteira, “O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais Neerlandesa e Inglesa no Índico Ocidental, 1600-1635”, in Santiago Hernández Martínez (dir.), Governo, Política e Representações do poder no Portugal Habsburgo e nos seus territórios ultramarinos (1581-1640), Lisboa, CHAM, 2011, p. 177. 99 Cf. Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso, António Lopes, Naufrágios e outras perdas .... op. cit., 1998, pp. 116-123. 100 Citado por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 271. 101 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro 1, Capítulo VII. 102 Cf. Cf. André Murteira, “O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais ....”, in Governo, Política e Representações .... op. cit., 2011, p. 177. 33 empresa, a primeira indo até aos anos trinta do século XVII e caracterizando-se por ataques descontinuados às possessões portuguesas. A iniciar-se segunda metade da década de trinta encontramos uma nova conjuntura, que traz consigo ofensivas mais sustentadas e continuadas, tendo resultados muito mais relevantes e consequências bem mais graves para a presença portuguesa nas terras do Oriente, como a tomada de Malaca em 1641 e o ataque a Ceilão.

O Conselho da Índia é contemporâneo da primeira conjuntura que referimos. Apesar de ser contemporâneo também do estabelecimento da Trégua dos 12 Anos, um dos resultados mais relevantes da política pragmática desenvolvida pelo monarca e pelo seu valido, os interesses hispânicos saíram frustrados relativamente às negociações de retirada dos neerlandeses do Índico, pelo que tal pacificação de relações não é estendida aos domínios do Estado da Índia. Lê-se nos capítulos quarto e quinto da paz estabelecida:

“Os sujeitos e habitantes em os lugares dos ditos senhores rei, arquiduques e Estados terão entre si toda a boa correspondência e amizade durante a dita trégua, sem se ressentirem das ofensas e danos que receberam pelo passado. Poderão também frequentar e ficar em os lugares um do outro, e exercitar ali seu tráfego e comércio com toda segurança, assim por mar e outras águas; o qual todavia o dito senhor rei entende ser restringido e limitado em os reinos, lugares, terras e senhorios que tem e possui em Europa e outros lugares e mares d’onde os sujeitos dos reis e príncipes que são seus amigos e aliados têm o dito tráfego por vontade; e quanto aos lugares, vilas, portos e surgidouros que tem fora dos limites sobreditos, que os ditos senhores Estados e seus sujeitos não poderão exercitar ali algum tráfego sem permissão expressa do dito senhor rei”103.

Assim, apesar da Trégua entre a monarquia hispânica e as Províncias Unidas, em cima da mesa de trabalho do Conselho está sempre a preocupação com as investidas dos “rebeldes”. Joaquim Romero Magalhães afirma que, ao contrário da estratégia desenvolvida pelos portugueses aquando a sua chegada à Índia um século antes – por Calecute, centro do comércio do Índico –, os holandeses deliberadamente começaram por fragilizar as periferias, “arruinando o comércio português antes de o substituir”104. Escolhem, por isso, atacar as Ilhas de Maluco, Moçambique e Malaca, mas nunca os

103 Cópia dos capítulos 4º e 5º da Trégua com as Províncias Unidas de Flandres, Bruges, 22 de Março de 1609, in DRI, Volume 1, p. 252. 104 Joaquim Romero Magalhães, “Os limites ....”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., 1998, p. 15. 34 pontos centrais do Estado da Índia, como Goa105 ou Cochim, não obstante a preocupação das autoridades portuguesas que tal pudesse vir a acontecer. A motivação dos holandeses em atacar estes locais é passível de ser facilmente compreendida se tivermos em conta a sua importância geográfica, estratégica e comercial.

Nesta primeira fase dos ataques holandeses, apenas nos territórios indonésios a empresa teve os resultados desejados pelos “rebeldes”, mantendo-se Moçambique e Malaca, pontos fulcrais do império oriental português na posse de Filipe II. Tal leva-nos a perceber que a presença lusa nesses locais se encontrava suficientemente bem consolidada para não ser demolida pela primeira investida inimiga.

Ainda assim, e não obstante a inexistência de conflitos armados recorrentes na parte Ocidental do Índico nesta primeira fase da guerra, é um facto inegável que os holandeses marcaram a sua presença, nomeadamente em territórios como Guzerate, onde mantiveram uma rede de feitorias mas não ergueram fortalezas nem contaram nesse local com forças navais permanentes, não interferindo, por isso, de forma ofensiva com o Estado da Índia106. Outra forma de ganhar terreno foi a política de alianças, já anteriormente desenvolvida pelos portugueses nos primórdios de quinhentos, com vista a consolidar a sua presença no Índico, mas agora estabelecida entre os holandeses e o reino de Calecute ou o sultanato de Johor, tradicionalmente inimigos dos portugueses107. Esta consolidação passava também por manter em boas condições o sistema de fortalezas que vinha sendo edificado desde o reinado de D. Manuel I, e no qual assentava grande parte do poder português nas águas do Índico. Tal explica que nas ordens enviadas de Lisboa para Goa, seja visível não apenas uma constante preocupação das autoridades competentes relativamente à presença dos holandeses nas ilhas de Maluco e à defesa de Moçambique e Malaca, mas também à manutenção das boas relações com os reis locais e ao bom provimento das fortalezas do Estado da Índia.

105 “É verdade que em 1604, 1607 e 1608, três das primeiras frotas enviadas a oriente pela V.O.C. bloquearam temporariamente a barra de Goa, mas fizeram-no apenas durante algumas semanas, e a sua acção não pode, portanto, ser comparada com a das frotas subsequentes, que permaneceram na barra durante a maior parte da estação do ano propícia à navegação”, http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=784, acedido a 1 de Junho de 2015, 02h13m. Sobre o assunto, cf. André Murteira, “Os primeiros bloqueios neerlandeses de Goa: expedições da VOC contra a Carreira da Índia no Índico Ocidental, 1604-1623”, in Revista de Cultura, Nº 36, Outubro de 2010, pp. 124-144. 106 Cf. André Murteira, “O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais ....”, in Governo, Política e Representações .... op. cit., 2011, p. 184. 107 Cf. Ibidem, p. 186. 35

No entanto, importa notar que mesmo perante a perda do monopólio da navegação no Índico, a multiplicação dos ataques perpretados pelos “rebeldes” às possessões portuguesas, o aumento da concorrência comercial e os problemas económico- financeiros daí advindos, o Oriente português mantinha-se nesta altura, como o grande pólo de atractividade do império.

Era no Estado da Índia que desejava servir o fidalgo que saía do reino em busca da manutenção do seu status familiar. Esta supremacia do simbolismo do Oriente relativamente ao Brasil é demonstrada, também pelo título dado aos representantes máximos do rei português num e noutro território: enquanto em Goa, a partir de 1548, encontramos sempre vice-reis em funções, excepto quando o cargo era obtido pela abertura das vias de sucessão, no Brasil houve apenas Governadores, até à data da restauração da independência108.

II. 3. O gradual abandono do Norte de África

Neste processo de crescente importância do Brasil, e de manutenção da importância ideológica da Ásia, as possessões do Norte de África passam a ocupar um lugar diferente na balança imperial portuguesa. De facto, desde o reinado de D. João III que o império português vinha vendo as suas bases serem alteradas, passando nesta altura “a ter duas áreas de intervenção prioritária, o Estado da Índia e o Brasil, o que representava também uma alteração ao modelo manuelino, em que as preocupações da Coroa estavam focalizadas (...) no Oriente e em Marrocos”109.

Esta tendência é invertida, como se sabe, no reinado de D. Sebastião. Entre as regências da avó e do tio-avô, o jovem rei esteve rodeado essencialmente pela nobreza da velha guarda, descontente com a viragem dos interesses do império português que levou à secundarização das praças do Norte de África, simbolicamente associadas à luta contra o infiel, ao momento fundador da gesta expansionista e a elevadas rendas para aqueles que lá faziam as suas carreiras. Junto de D. Sebastião estiveram sempre homens que, na sua maioria, “tinham combatido, acompanhado ou de algum modo estado ligadas com as praças de África e seus feitos militares, com a Índia e com o Oriente e

108 Cf. João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 137. 109 Ibidem, p. 137. 36 com a rudeza dos combates”110, e que terão inseminado o espírito do monarca com ideais de duas gerações anteriores, que não se encaixavam já na conjuntura que se vivia. Assim se explica, talvez, a obsessão que D. Sebastião desenvolve pela guerra no norte de África e que o leva a aproveitar a oportunidade que parece ver surgir no âmbito da crise sucessória em Marrocos.

Foi um retorno fugaz, este das fortalezas do norte de África ao centro de interesse dos monarcas portugueses. No reinado de Filipe III, “Mandou ElRey António Pereira Lopes de Berredo a visitar as Praças de África da Coroa de Portugal com ordem, e autoridade para reformar as despesas supérfluas (...)”. No que dizia respeito a Tânger, por exemplo, o projecto previa “diminuir o presídio, cortar a Cidade da porta do Campo, à porta do Mar, para que se pudesse com menos gente defender”111. Apesar de não se concretizar, a ideia de Filipe III mostra-nos que para reduzir os encargos do império português, eram as possessões norte africanas aquelas que, com mais facilidade, poderiam ver as suas guarnições diminuidas. Por um prisma exclusivamente económico, as praças do norte de África pareciam cada vez mais ser vistas como mais dispendiosas do que vantajosas.

II. 4. A solução castelhana para o problema português

A constante troca de correspondência entre Lisboa, Goa e Madrid permite-nos entender que os “muitos inconvenientes que se seguiam (…) ao bom governo do Estado da Índia, e dos mais Ultramarinos” tornavam cada vez mais necessária a criação de uma política unificada e o tratamento dos negócios do império por um pequeno conjunto de pessoas informadas, capazes de “ordenar e prover tudo o que convier ao bem daqueles Estados e ao seu acrescentamento e bom governo”112, integradas num circuito fechado de circulação de informação. Além disso, aos problemas advindos desta situação de

110 Joaquim Romero Magalhães, “D. Sebastião”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, Volume 3, Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, p. 542. 111 D. Fernando de Meneses, História de Tânger durante la dominacion portuguesa, Tânger, Tipografia Hispano-Arabiga de la Mision Católica, 1940, p. 124-126. O sublinhado é nosso. 112 Regimento do Conselho da Índia, in Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India .... op. cit., 1952, p. 96. Sobre a justificação presente no Regimento do Conselho da Índia para a sua criação, cf. Anexo 1. 37 aumento da concorrência no Índico, há que juntar também “dinâmicas internas muito relacionadas com os descaminhos da administração colonial”113.

A dispersão associada aos negócios ultramarinos portugueses tornava cada vez mais difícil garantir respostas informadas, ponderadas, e capazes de chegar ao destino em tempo útil. Além de que a rota da burocracia se encontrava ela própria pouco definida, em consequência desta dispersão administrativa. Cristóvão de Moura enquanto vice-rei de Portugal queixa-se por não saber para onde dirigir os assuntos que despachava sobre o império português nem de que forma o poderia fazer de forma a que pudessem receber resposta com a brevidade necessária. Afirma: “Tenho começado o despacho da Índia e não sei aonde hei de mandar estas consultas, nem acabo de entender como hão-de tornar a tempo para se fazer provisões e assinar por S. Mg.de”114. Do mesmo ano é datada uma carta enviada por Don Juan de Borja ao duque de Lerma, alertando para a necessidade da existência de “um conselho que tratasse particularmente das coisas da Índia”, uma vez que a descentralização a que estavam sujeitas impediam a resolução dos negócios “como convem ao serviço de Vmgd”115.

Além de uma inequívoca necessidade que aponta para a criação do Conselho da Índia, devemos também ter em conta a tradição de governo por conselho, fortemente inculcada na monarquia castelhana, e que vinha sendo oficializada desde os Reis Católicos.

Como nos mostram as palavras de Edgar Prestage, “quase todos os reis do mundo, e particularmente os de Europa nas provisões, cartas, e despachos que faziam, não usavam da palavra “Eu mando, Eu resolvo”, senão “Nós mandamos, Nós rezolvemos”, nomeando-se sempre em plural por mostrar que não eram eles sós os que resolviam os negócios, senão eles, e os do seu conselho”116. De facto, inculcando-se no espírito da época, a teoria corporativa faz com que os monarcas se façam desde cedo rodear por diversos homens da sua confiança, em quem procuravam conselho sobre os

113 Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado? A união ibérica, o Golfo Pérsico e o império ultramarino português, 1600-1625, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Europeia, Florença, 2014, pp. 60-61. 114 Carta de Cristóvão de Moura para Pedro Álvares Pereira, datada de 25 de Janeiro de 1601, citada por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India .... op. cit., 1952, p. 99. 115 Carta de Don Juan de Borja ao Duque de Lerma, datada de 2 de Janeiro de 1601, citada por Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies .... op. cit., 2009, p. 257. 116 Citado por Maria Luísa Marques da Gama, O Conselho de Estado no Portugal Restaurado - Teorização, Orgânica e exercício do poder político na corte brigantina (1640-1706), Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011, p. 13. 38 mais variados assuntos. Ligado a um processo gradual de complexificação e burocratização dos negócios, este aconselhamento torna-se cada vez mais institucionalizado, com a criação de organismos que deveriam cumprir esta função, processo por sua vez associado a um número crescente de funcionários, tendencialmente letrados e especializados, que deveriam auxiliar o rei na sua função coordenadora do corpo da monarquia.

A obra de Feliciano Barrios, Los reales Consejos: el gobierno Central de la Monarquia en los escritores sobre Madrid del Siglo XVII, na qual faz um esforço de compilação dos escritos de espanhóis e estrangeiros sobre a capital e o governo da Monarquia hispânica no século XVII, mostra-nos que raro é o viajante que não insira os conselhos nos seus escritos, faça-o com maior ou menor rigor e detalhe117 ao falar de Madrid. A atenção dispendida aos conselhos do rei nestas obras dos anos de seiscentos pode mostrar-nos que, em maior ou menor grau, o sistema conciliar da monarquia hispânica constituía alguma novidade. De facto, quando estabelecida a comparação com os reinos de França, Portugal ou Inglaterra, a polissinodia espanhola apresentava algumas características ímpares, chamando particularmente a atenção o grande número de Conselhos, definidos como “organismos pluripessoais, de carácter consultivo, que por expressa delegação do monarca se encontram investidos de uma série de competências administrativas, actuando também, alguns deles, como órgãos jurisdicionais”118, com funcionamento diário junto do rei ou dos seus mais imediatos representantes. Chegados ao ano 1604, encontramos em funcionamento onze conselhos, sete destes de cariz territorial e os restantes designados como temáticos119.

Para entender esta particularidade do sistema administrativo hispânico é preciso encontrar as suas particularidades territoriais e políticas. O elevado número de conselhos em funcionamento na corte dos reis castelhanos pode de facto ser explicado pela vastidão de territórios associados aos monarcas que o tutelavam. A verdade é que nos encontramos perante um império onde o sol nunca se punha, que tornava necessário desenvolver um sistema que permitisse a salvaguarda dos foros, liberdades, privilégios, usos e costumes – como aliás se faria ler no Pacto de Tomar – de cada reino anexado e,

117 Cf. Feliciano Barrios, Los reales Consejos: el gobierno Central de la Monarquia en los escritores sobre Madrid del Siglo XVII, Madrid, Edições da Faculdade de Direito, 1988, p. 19. 118 Ibidem, p. 45. 119 No primeiro grupo inserem-se os Conselhos de Castela, Aragão, Itália, Flandres, Índias, Portugal e Índia, enquanto no segundo cabem os Conselhos das Ordens, Inquisição, Guerra e Fazenda. 39 dessa forma, promover a manutenção da paz no seio da monarquia. Por outras palavras, era necessária uma ponte de comunicação entre os centros e periferias do império, e essa ponte era encontrada nos conselhos territoriais.

Tanto assim era que, mesmo perante todos os conflitos jurisdicionais latentes entre o sistema conciliar e o favorito de Filipe III, e ainda que alguns defendessem que só uma diminuição do grau de partilha do poder do rei e o consequente aumento do poder do valido e das juntas de governo poderia permitir inverter a crise que se vinha fazendo sentir, os conselhos não perdem a sua importância, nem cedem o seu lugar na hierarquia do poder tempo suficiente para que as mudanças cheguem a consolidar-se. Como refere Arrigo Amadori, ainda que os validos tenham logrado introduzir-se na rede institucional e nas práticas políticas, e ainda que as alterações que advieram deste seu surgimento tenham marcado a política e os modos de governo, prolongando-se no tempo, não conseguiram nunca consolidar-se de forma suficientemente sólida, que permitisse a substituição do método tradicional de governo120.

A provar o mesmo surge uma relação Sobre a precedência que se deve entre os mais conselhos e tribunais deste reino, aparentemente elaborada pelo Conselho da Índia, na qual se faz ler que para o bom governo da monarquia, “importando mais a experiência que a ciência”, e “sendo as coisas muitas e a vida humana tão breve para poder alcançar esta experiência”, o sistema ideal seria aquele composto por muitos, tornando possível que “todos juntos, e comunicando o que cada um tiver alcançado, venham a formar um juizo e resolução acertada”121.

Face ao que acima foi exposto, podemos avançar com uma proposta de interpretação para a criação do Conselho da Índia.

Qualquer momento da história é passível de ser promovido e condicionado por diversos factores, sejam desejos pessoais, motivações económicas, ou necessidades políticas. A criação de um instrumento administrativo como o que nos ocupa não terá sido excepção.

120 Arrigo Amadori, Política americana y dinámicas de poder durante el valimiento del Conde-Duque de Olivares, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Geografia e História da Universidade Complutense de Madrid, 2011, p. 41. 121 BA, Cod. 51-VI-54, fls. 69-77. 40

Contem-se em primeiro lugar as necessidades específicas e crescentes da monarquia hispânica e do império português. Portugal insere-se, a partir de 1581, numa monarquia que contava já anteriormente com um território muito vasto e com problemas internos cada vez mais gritantes. Nesse ano, acresce-se-lhe um outro império, igualmente vasto e igualmente a braços com diversos problemas e novas dinâmicas evolutivas. Por tal se compreende que tenha sido sentida a necessidade não apenas de centralizar o processo decisório dos negócios do ultramar português mas também de se fazer aconselhar por aqueles que, como veremos no capítulo dedicado aos membros do Conselho, estariam mais aptos a aconselhar o monarca na sua tarefa de desenhar políticas e medidas que salvaguardassem o bom governo destes territórios. A consolidação do paradigma da territorialidade, o desafio ao poder português no Índico e o ainda crescente desenvolvimento económico, produtivo e populacional do Brasil, fazem com que apenas um órgão centralizado pudesse garantir um despacho eficiente dos negócios, tendencialmente crescentes.

Se a coroa portuguesa nunca tinha criado um órgão de cariz centralizador das decisões relativas ao seu império, a monarquia hispânica encontrava-se dotada de diversos instrumentos consultivos, que se vinham desenvolvendo e conquistando um lugar primordial na dinâmica administrativa desde as suas bases. Estando Portugal tutelado pelo monarca castelhano, parece-nos natural que tenha sofrido alterações na sua estrutura administrativa, ainda que tal não seja necessariamente contraditório com a separação estabelecida pelas Cortes de Tomar. Portanto, o que pode ser visto como uma tentativa de castelhanização do sistema polissinodal português, pode também ser justificado de uma forma essencialmente prática, se tivermos em conta que uma homogeneização das práticas administrativas entre os diversos territórios da monarquia se associa a uma diminuição da complexidade, já por si, elevada, da tarefa coordenadora do poder central.

Além disso, mesmo que nos encontremos perante a aplicação de tradições administrativas castelhanas no reino de português, as exigências de Tomar mantêm-se salvaguardadas, uma vez que as bases de actuação destes novos organismos se mantêm de tradição portuguesa. O mesmo é dizer que o cariz consultivo do exercício de poder não se constituía como uma novidade em Portugal, ainda que aí acontecesse com menor força e organização do que no reino vizinho. O que o poder castelhano nos traz, não apenas através da criação do Conselho da Índia, mas também do da Fazenda, é,

41 efectivamente, o impulsionar e o formalizar de uma tendência previamente existente, mas pouco dinâmica.

Pelo que acabámos de explicitar, sentimo-nos em condições de afirmar que o Conselho da Índia tenha surgido apenas como uma resposta de tradição castelhana a uma necessidade portuguesa e do seu império, e não como um projecto elaborado no sentido de promover a castelhanização da administração portuguesa ou do seu império. No entanto, esta é apenas uma das formas pelas quais podemos encontrar uma resposta para esta questão que, como dissemos inicialmente, se encontrará presente ao longo de toda a nossa dissertação. No capítulo em que procedemos à análise dos percursos profissionais e de vida, bem como das ligações familiares daqueles que durante o funcionamento do Conselho da Índia o presidiram e compuseram, decerto poderemos formular uma conclusão mais sólida.

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Capítulo III

O processo de institucionalização

Demonstrámos já que a criação do Conselho da Índia era algo necessário, dada a conjuntura do império ultramarino português, e algo expectável, dada a tradição consultiva da monarquia hispânica. No entanto, a sua entrada no sistema polissinodal português não foi um processo simples, nem rápido. O documento que no Verão de 1604 instituiu o novo tribunal, mostra-se eventualmente pouco preparado para a má recepção que o Conselho haveria de receber por parte dos órgãos administrativos mais antigos. A sua revisão, efectuada em 1613, por sua vez, afigura-se-nos como uma tentativa de regularizar esta presença do Conselho da Índia ao lado de organismos como o Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens e o Conselho da Fazenda. Parece-nos, no entanto, que chegou tarde demais. Ao longo das páginas seguintes abordaremos cada um destes Regimentos, bem como as condicionantes impostas ao tribunal ultramarino no tempo compreendido entre ambos.

III. 1. Desígnios do Regimento (Julho de 1604)

A primeira informação constante no Regimento do Conselho da Índia, escrito em Madrid, no Conselho de Portugal, referia-se aos funcionários que fariam parte deste novo tribunal. Definia-se então a existência de quatro conselheiros, dois secretários, dois porteiros e um presidente. Relativamente aos conselheiros, exigia-se que fossem dois nobres – ditos conselheiros de Capa e Espada – e dois letrados, sendo um destes obrigatoriamente canonista, “por razão das matérias eclesiásticas que se hão de tratar no dito Conselho”.

O sistema de votos tinha como base a antiguidade no Conselho, começando por expressar a sua opinião o conselheiro mais recente, e ultimando o Presidente, sendo que nas consultas deveria ser explicitada a posição de cada um. Em caso de ausência do Presidente, desempenhariam as suas funções os dois conselheiros mais antigos.

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No que toca aos Secretários, define-se que lhes cabe a elaboração das consultas a rubricar por todos os conselheiros, e que “não tratarão nem proporão outro algum negócio mais que os que o Presidente lhes ordenar, e terão muito cuidado dos negócios e despachos que estiverem a seu cargo, lendo os papéis e fazendo relação deles no Conselho sem poderem falar mais, senão quando perguntados”. Um destes secretários teria a seu cargo o despacho de mercês de todas as partes dos territórios ultramarinos, bem como todas as matérias de justiça, guerra e governo correspondentes ao Brasil, Guiné, São Tomé e Cabo Verde. Sob a jurisdição do outro secretário estavam todos os assuntos do Estado da Índia.

Esta divisão do trabalho dos secretários permite-nos tirar duas conclusões. Em primeiro lugar, por ela fica demonstrada a especificidade associada aos espaços do império e a existência de uma clara separação de esferas de conhecimento; por outro lado, nota-se que enquanto nas questões práticas como a divisão do trabalho, há já uma certa equidade entre os territóios do Atlântico e do Estado da Índia, a nível ideológico continua o Oriente a sobrepor-se aos territórios do Atlântico, como se nota pela associação constante entre a presidência do Conselho e o exercício do cargo de vice-rei ou governador do Estado da Índia.

Todos os membros do Conselho se encontravam sujeitos ao máximo sigilo, não se devendo conhecer no exterior o posicionamento de cada uma das personalidades nas reuniões do Conselho nem os pareceres enviados ao rei, devendo apenas ser comunicada e tornada pública a decisão final. As reuniões deveriam ter lugar diariamente no Paço da Ribeira, em Lisboa, durante três horas pela manhã, no Inverno entre as oito e as onze horas e no Verão a partir das sete.

Explicitada a jurisdição dos membros do Conselho e a sua relação no seio do mesmo, é necessário perceber que matérias cabem a este tribunal. São estas todas “as de qualquer qualidade” respeitantes aos territórios ultramarinos portugueses, exceptuando- se as ilhas dos Açores e Madeira e as praças do Norte de África, consideradas já prolongamentos geográficos do reino português. A abrangência era, como se vê, enorme, compreendendo-se a provisão tanto dos bispados como dos ofícios de justiça, guerra e fazenda, mas também o despacho de mercês daqueles que serviam ou haviam servido nos territórios ultramarinos. Daqui se excluía apenas “o despacho das naus, e armadas que de Portugal forem à Índia, nem na compra, e administração da pimenta,

44 nem nos direitos das fazendas que vierem nas ditas naus, nem na administração de minhas rendas do Brasil, Guiné e Ilhas”, mantendo-se a jurisdição destes assuntos sob a tutela do Conselho da Fazenda.

O Regimento contém ainda uma série de considerações relacionadas com precedências entre os membros do Conselho, que nos permitem entender uma possível hierarquia dentro do mesmo. À cabeceira, em cadeira de braços e costas forrados de couro e com almofada de veludo vermelho, encontramos o Presidente, ladeado por ambos os conselheiros de capa e espada: o mais recente à sua esquerda e o mais antigo à sua direita. Em caso de ausência do Presidente, tomava as suas vezes o conselheiro de capa e espada mais antigo, mas “do mesmo assento, sem tomar o lugar nem o assento do Presidente”. Pela mesma ordem se deveriam sentar os conselheiros letrados, ao lado dos de capa e espada, o mais antigo à direita do Presidente e o mais recente à sua esquerda. Na cabeceira contrária à do Presidente encontravam-se os dois secretários, “num banco também forrado de couro, e que tenha o espaldar mais baixo alguma coisa que os dos Conselheiros”.

É, como percebemos, um documento dúbio e pouco detalhado, que marca de forma indefinida as linhas de separação existentes entre o Conselho da Índia e as outras instituições.

III. 2. Conflitos jurisdicionais

Como referimos inicialmente, o trabalho na mesa do Conselho da Índia foi, desde a sua instituição, perturbado pelos conflitos de jurisdição que se abriram entre si e os órgãos que, até 1604, desempenhavam as tarefas que passaram para o Conselho. Referimos também que, no pouco que se escreveu sobre este órgão administrativo, foram sempre os conflitos jurisdicionais que receberam a atenção dos autores. Por tal, pouco podemos acrescentar sobre o assunto, num estudo com as características e condicionantes como o que aqui apresentamos.

Logo aquando a sua criação, em 1591, o Conselho da Fazenda foi dividido em quatro repartições, sendo duas delas dedicadas ao espaço ultramarino compreendido

45 pela jurisdição do Conselho da Índia a partir de 1604122. No Desembargo do Paço, por sua vez, deviam passar as matérias de justiça, enquanto a Mesa da Consciência e Ordens se encarregaria das questões religiosas, e ambos os organismos, tal como o Conselho da Fazenda, tinham a sua jurisdição alargada ao império português.

Também os vice-reis de Portugal vêem na criação do Conselho da Índia uma diminuição dos seus poderes, queixando-se em grande parte do facto de já não serem as suas as primeiras mãos a que chegava a correspondência vinda do espaço ultramarino. Além disso, se o bispo D. Pedro de Castilho requeria que a tarefa de confirmar as nomeações de oficiais para os lugares ultramarinos retornasse ao Secretário de Estado123, Cristóvão de Moura, por seu turno, e como já vimos, afirmava a inutilidade do Conselho da Índia, que considerava uma complicação burocrática e fazendística que desnecessariamente tirava competências ao Conselho de Portugal e ao Secretário de Estado da Índia124.

Poucos meses depois de criado o Conselho, em resposta às queixas dos seus membros relativamente à atitude dos restantes organismos para com o seu trabalho, Filipe III reitera que o Regimento do tribunal ultramarino “se guarde privativamente sem os outros tribunais se intrometerem em conhecer nem despachar os negócios que lhes estão cometidos e que os que corriam neles antes do dito conselho se ordenar com todos os papeis e devassas que lhe pertencerem se remetam logo a ele”125.

Concluímos que se a resistência face à instituição e funcionamento do Conselho da Índia pode ser vista, de forma mais imediata, como resistência a um eventual processo de castelhanização da administração portuguesa sentido pelos agentes portugueses, um olhar mais cuidado, pelo contrário, permite-nos perceber que as objecções levantadas se constituem como fruto do desagrado dos membros dos órgãos administrativos pré-existentes e que, com a chegada do novo tribunal à cena política, perderam poderes. Para Graça Borges, “a perda de “jurisdição ultramarina” foi um golpe bastante forte no poder das instituições tradicionais”126. Continua, afirmando que

122 Cf. Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1954, p. 81. 123 Cf. Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies, ... op. cit., 2009, p. 259; Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1954, p. 115. 124 Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 210-211. 125 Carta Régia de 7 de Dezembro de 1604, citada por ibidem, pp. 113-114, Nota de rodapé 2. 126 Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 85. 46

“a perda repentina de competências num campo tão importante como o império dificilmente poderia ser bem aceite pelos tribunais mais antigos”127.

O mesmo diz Mendes da Luz, que reforça a ideia de estarmos perante uma época em que “regra geral, se atendia antes a considerações de ordem pessoal, de interesse próprio, que ao bom funcionamento da organização estatal”128, motivo pelo qual o estudo da administração nos leva a encontrar constantes “protestos e reclamações de personagens destacadas no governo, se, pela criação dum novo organismo se lhes tira alguma das suas atribuições que redundasse em prestígio próprio”129. Tenha-se em conta, por exemplo, o valor simbólico da concessão de mercês, cuja jurisdição D. Pedro de Castilho pedia para o Secretário de Estado, e a forma como as redes clientelares se desenvolviam e condicionavam a posição dos homens desta época. Ter o poder de apresentar nomes e confirmar a atribuição de cargos proporcionava, a quem o detivesse, uma posição privilegiada, que, com certeza, seria recompensada. Era poder pessoal que se perdia.

III. 3. A Rota dos Papéis

A partir de 1604 toda a correspondência vinda dos referidos territórios passava a ser dirigida em primeiro lugar aos membros do Conselho da Índia, estando o seu presidente encarregue de a recolher, aquando da chegada dos navios ao porto de Lisboa130.

Depois de analisada a correspondência e de elaborados os pareceres do Conselho, os papéis passariam ao Vice-Rei de Lisboa, que emitiria o seu parecer e o dirigiria ao Conselho de Portugal, em Madrid. Ao Conselho de Portugal cabia então a tarefa de fazer chegar as diversas opiniões ao monarca, a quem cabia a decisão final. O passo seguinte seria o de encerrar o círculo de comunicação, com o regresso da decisão ao Conselho da Índia, a quem cabia o envio das ordens às possessões ultramarinas. Desta última fase excluiam-se “as nomeações dos bispados, que se hão de enviar a Roma”, que continuariam a ser feitas pelo secretário do monarca.

127 Ibidem, p. 85. 128 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 114. 129 Ibidem, p. 114. 130 Cf. Anexo 3. 47

Reportando-nos a um tempo em que as comunicações eram condicionadas por factores diversos, importa perceber quanto tempo este ciclo levava a completar-se, desde a saída da documentação dos diversos pontos do império até à chegada das decisões tomadas a esses mesmos espaços.

No que diz respeito ao Estado da Índia, a circulação de informações estava sempre dependente do regime de monções. Os navios deviam saír de Goa no final de Dezembro e atingir Lisboa em meados do ano seguinte. Assim, documentação urgente levaria sempre, por via marítima, pelo menos seis meses a chegar ao reino. É impossível percebermos quanto tempo a documentação levaria a ser analisada pelos conselheiros, mas facilmente podemos supor que, estando perante cartas, requerimentos e apresentação de problemas de um ano inteiro, o volume de papéis e negócios seria elevado. Há que ter em conta, também, a complexidade dos assuntos, e que qualquer boa decisão deve ser tomada conscientemente, e após cuidada reflexão. Seria, sem dúvida, um processo longo. Depois de tomada a decisão no Conselho, como vimos, esta passaria ainda pelas mãos do vice-rei em Lisboa, e só depois seria enviada para a corte. De novo, não nos é possível contabilizar quanto tempo os documentos estariam retidos junto do vice-rei, mas tendo em conta o tipo de cargo, e o volume das responsabilidades que a ele estava associado, podemos supor que, uma vez mais, o processo não fosse rápido. Talvez precisamente por esse motivo a dada altura muitas das consultas tenham deixado de ser encaminhadas ao vice-rei, passando a ser directamente dirigidas a Madrid.

A viagem da documentação de Lisboa até Madrid, e de novo de Madrid até Lisboa, por sua vez, era relativamente rápida, havendo inclusivamente registos de cartas enviadas pelo monarca para o Conselho da Índia que são apresentadas como respostas a consultas por si recebidas apenas duas semanas antes. No entanto, em Madrid, há de novo que contar com o elevado volume de trabalho a que estavam sujeitos os homens do Conselho de Portugal e, acima de tudo, o monarca.

Os navios deviam sair de Lisboa para Goa em Março ou Abril e, idealmente, os papéis que haviam chegado no Verão anterior deveriam por essa altura estar de novo em Lisboa. Na melhor das hipóteses, teria passado mais de um ano desde que o vice-rei em Goa os teria encaminhado para Lisboa. A volta deveria ficar completa em Agosto ou Setembro.

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Simplifiquemos. A título de exemplo, um documento saído de Goa em Dezembro de 1604 chegava a Lisboa em Junho de 1605 e, depois de ir a Madrid e regressar a Lisboa, iniciaria em Março de 1606 nova viagem para Goa, onde chegaria em Agosto desse ano. Falamos de um ciclo que levaria, na melhor das hipóteses, um ano e oito meses a encerrar-se.

No caso dos territórios africanos e brasileiros, a comunicação estaria, em comparação, muito facilitada, por não serem aí encontradas condicionantes como aquelas que o Índico fazia sentir. Tenhamos em conta, por exemplo, a viagem inaugural da ligação entre Lisboa e o Brasil: Pedro Álvares Cabral, saído de Lisboa no início de Março de 1500, atinge o Brasil no final do mês seguinte. A viagem inversa não levaria mais tempo.

III. 4. A revisão do Regimento (Abril de 1613)

Nove anos depois de instituído o Conselho da Índia, e em grande parte devido aos problemas jurisdicionais acima referidos, entende o rei a necessidade de “reformar, acrescentar e declarar algumas coisas mais às que se contem e declarão no ditto primeiro Regimento”131 deste tribunal. Este documento acrescenta não apenas vinte e quatro capítulos novos, feitos de raíz, como agrega também anteriores disposições régias, que foram sendo necessárias durante o tempo de funcionamento do Conselho. Dada a sua complexidade, quando comparado com a sua primeira versão, optamos por analisar os seus 78 artigos agrupando-os tendo em conta o assunto de que se ocupam.

Dada a sua complexidade, optámos por dividir os seus capítulos em sete grupos diferentes, consoante os tipo de informação que contêm: Características dos Conselheiros, Presidentes e Secretários; Tarefas do Conselho; Modo de funcionamento; Poderes do Presidente; Poderes dos Secretários; Definição de jurisdições; Política de Concessão de Mercês.

Como vimos, no Regimento de 1604, não constava qualquer informação sobre que características devia ter o Presidente do Conselho. No documento de 1613, é explícito que quem ocupasse este cargo devia ser “homem fidalguo de limpo e nobre

131 Projecto de novo Regimento para o Conselho da Índia, citado por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 524. 49 sangue prudente e de muita autoridade e experiências das coisas da Índia, e que podendo ser me tenha servido nela no cargo de vice-rei ou governador ou em outros de grande importância, aável e de bom e fácil acolhimento às partes, abastado de bens temporais para que a necessidade particular não seja causa de preverter a inteireza e constância com que a todos deve guardar justiça e igualdade” (Art. 2).

Nota-se por este desígnio que apesar de este ser um organismo admistrativo com jurisdição sobre todo o Império, o espírito da instituição está focado no Oriente132. O momento de viragem de um império baseado no Índico para um império territorial e Atlântico pode ser encontrado com base na comparação entre os currículos daqueles que presidiram o Conselho da Índia em 1604-1614 e daqueles que, trinta anos volvidos, presidiram o Conselho Ultramarino. Enquanto os primeiros, por ordem expressa, eram homens ligados à Índia e à sua governação, os segundos, por sua vez, são já homens experimentados no governo do Atlântico e, mais concretamente, do Brasil133.

No que diz respeito aos Conselheiros, o novo Regimento é também mais detalhado, explicitando as características que cada um dos escolhidos deveria ter. Sobre os de Capa e Espada, requeria-se agora que fossem ser fidalgos com serviços prestados nas partes ultramarinas; relativamente aos Letrados, mantinha-se a necessidade de um deles ser Canonista e acrescentava-se que deviam ser Desembargadores das Relações, “ou de outros letrados que sejam aprovados para meu serviço, e que nele tenham continuado alguns anos” (Art. 2).

O terceiro capítulo, por sua vez, define que a cada Secretário devia ter o auxílio de dois oficiais, “bons escrivães”, cristãos velhos, e naturais de Espanha. Abre-se aqui, eventualmente, uma brecha pela qual podemos encontrar uma contradição com o que havia sido definido no Pacto de Tomar relativamente à presença de Castelhanos nos órgãos administrativos portugueses. Apesar de tal nunca se chegar a verificar e ainda que, cremos, a expressão “Espanha” albergasse dentro de si toda a Península Ibérica, e não apenas o território que hoje lhe associamos – ou seja, não se tratava da obrigatoriedade de ser um espanhol, mas sim da abertura dessa possibilidade –, não

132 Segundo Francisco Mendes da Luz, já anteriormente, quando se procedeu à nomeação do terceiro presidente do Conselho, em 1608, os membros do Conselho preterem os restantes candidatos relativamente a D. Francisco da Gama com base numa consulta, não citada pelo autor, na qual referem uma antiga ordem régia que ia no sentido de dever o Presidente do Conselho ser fidalgo experimentado e que tivesse sido vice-rei da Índia. Cf. Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, pp. 148-149. 133 50 deixa este desígnio de ser digno de registo e análise. Pelo Regimento de 1613 se abrem as portas do Conselho da Índia a homens não portugueses, constituindo tal uma ruptura relativamente à promessa de não inclusão de castelhanos nos assuntos portugueses e do seu império, definida pelas Cortes de Tomar. A ter-se verificado, seria uma situação inédita no seio da administração portuguesa destes anos de união dinástica, uma vez que, com a excepção das juntas de governo que no início do século XVII foram estabelecidas com vista a organizar a fazenda portuguesa por meio de agentes castelhanos, não há casos de presença de homens não naturais do reino nas esferas administrativas da coroa de Portugal e do seu espaço ultramarino.

No grupo seguinte, encontramos uma dezena de artigos que, dispersos por todo o documento em análise, nos mostram de que tipo de tarefas o Conselho da Índia devia estar encarregue. Por estes, se decretava que aos Conselheiros da Índia devia ser dada notícia sobre o cumprimento ou não cumprimento das ordens por si consultadas e pelo monarca enviadas (Art. 19); é também tarefa do Conselho da India o provimento de capitanias das naus de todas as armadas de viagem e de socorro que se dirigissem para o Estado da Índia e para qualquer outro ponto do espaço ultramarino português (Art. 20), bem como “as cartas e alvarás de todos os provimentos dos ditos cargos e ofícios, e benefícios” (Art. 21).

Ao Conselho da Índia cabia também a recepção de “todas as cartas e despachos que se enviarem de todos os ministros, prelados e quaisquer outras pessoas dos ditos Estados” (Art. 29), a partilha, com a Mesa do Santo Ofício e com o Desembargo do Paço, da tarefa de revisão de qualquer obra que fosse escrita sobre as partes ultramarinas da coroa portuguesa, devendo zelar-se que “se não divulguem coisas que prejudiquem aos ditos Estados” (Art. 46), a organização e envio das vias de sucessão dos vice-reis do Estado da Índia (Art. 51), o envio dos degredados para o Brasil, São Tomé, “e outras partes para onde se costuma degredar” (Art. 64), a fiscalização das portarias dos despachos feitos para as partes ultramarinas (Art. 65) e, por fim, tirar devassas no império e, em caso de daí saírem culpados, consultar juízes “para seus livramentos, alvarás de fianças e perdões, quando os pedirem as partes” (Art. 70). Por fim, devia o Conselho da Índia garantir a sua comunicação com aqueles que serviam a coroa nos espaços ultramarinos (Art. 32).

51

No referido Regimento encontram-se ainda oito capítulos sobre as tarefas que cabiam ao Conselho, seis deles sobre a gestão de questões eclesiásticas nas partes ultramarinas: ao Conselho da Índia cabe o provimento de cargos, ofícios e benefícios eclesiásticos (Art. 12), e de que forma tal devia ser feito (Art. 14); esclarece-se como se há-de proceder em casos em que a ocupação do cargo eclesiástico não seja cumprida, uma vez que “muitas vezes sucede os presentados e providos em benefícios eclesiásticos deixarem-se ficar no Reino sem irem servir esperando outras provisões” (Art. 16); os dois outros sobre o provimento de letrados para os cargos de justiça nessas partes: as mercês e castigos que estes deviam receber diziam respeito ao Conselho da Índia (Art. 18), e a sua nomeação para estes cargos era também da sua competência, mas devia passar primeiro pelo Desembargo do Paço (Art. 17).

Se este grupo de artigos se refere, de um modo geral, a questões concretas que deviam ser resolvidas por via do Conselho da Índia, aquele a que aludiremos agora tem em conta essencialmente de que forma lhes devia ser dado despacho. Definem-se questões práticas, como o modo de agir em caso de haver grau de parentesco entre os membros do Conselho e qualquer pessoa sobre a qual fosse necessário decidir (Art. 9); a forma como devia ser gerida, organizada e guardada a correspondência (Arts. 30, 30- 45); o modo como se devia proceder nas consultas enviadas ao rei (Arts. 39, 55); como estas consultas deviam ser despachadas e arquivadas (Art. 54); e de que forma deviam seguir para as partes ultramarinas as decisões tomadas (Art. 67).

A propósito das competências do Presidente, o Regimento de 1613 é uma vez mais bastante mais detalhado que o de 1604. Explicita-se agora, que a este não apenas cabia receber todos os papéis que haviam de ser analisados no Conselho e passá-los ao Secretário como também, em caso de dúvidas jurisdicionais sobre os assuntos neles constantes, levá-los a votação ao Conselho, e encaminhá-los para onde se decidisse que estes pertenciam (Art. 23). Cabia-lhe ainda assinar as portarias dos despachos saídos do Conselho (Art. 24) e, além disso, pôr “as vistas nas cartas, patentes, alvarás e regimentos que se fizerem pelo dito Conselho” antes de passarem ao rei (Art. 25). Em caso de ausência do Presidente, mantém-se a ordem de esta tarefa passar para os dois conselheiros mais antigos.

Sobre a divisão do trabalho dos Secretário, o mais antigo é entregue a jurisdição sobre as matérias de Estado, Guerra, Justiça, Fazenda, Eclesiásticas, respeitantes a

52 qualquer um dos espaços do império. Ao outro, por sua vez, caberia o despacho das mercês e ofícios (Arts. 36, 37). Estando um deles impossibilitado de comparecer em determinada reunião do Conselho, devia o outro assegurar o seu trabalho e em caso de nenhum dos dois comparecer, será o conselheiro mais recente a fazer o seu ofício (Art. 38).

Dispondo de diversos artigos pelos quais se apela à boa relação entre o Conselho da Índia e os demais tribunais e instâncias da administração portuguesa e ao cumprimento das ordens emanadas pelo tribunal ultramarino, este segundo regimento é igualmente mais explícito na sua tarefa de delimitar espaços de poder entre os tribunais da coroa portuguesa, numa tentativa clara de evitar as questões jurisdicionais que tanto abalaram o funcionamento do Conselho da Índia desde a sua criação. Leia-se: “Mando a todos os desembargadores da Casa da Suplicação e da Casa do Porto e aos corregedores de minha Corte e cidade de Lisboa e mais justiças dela, e corregedores e justiças das Comarcas do Reino, vice-reis, governadores, Capitães, Ouvidores, Juízes, justiças e mais ministros da Guerra e Fazenda da Índia e mais partes ultramarinas de qualquer qualidade que sejam, que sendo-lhes apresentados alguns despachos cartas e alvarás passados pelo dito Conselho na forma sobredita os cumpram inteiramente e com muita deligência” (Art. 34). Acrescenta-se, no artigo seguinte que, por ser necessário ao bom expediente dos negócios, os “cartórios do Desembargo do Paço, Conselho da Fazenda, Mesa da Consciência, Casa da Índia, Armazéns, Torre do Tombo, e quaisquer outros tribunais, e cartórios, se dêem ao dito Conselho todas as certidões, treslados e alvarás, regimentos, contratos, e quaisquer outros papéis que forem pedidos” (Art. 35).

Reafirma-se que os restantes tribunais teriam a obrigação de colaborar com o da Índia. Deviam estes remeter ao tribunal ultramarino “todos os ditos negócios e matérias que por bem deste Regimento pertencem ao dito Conselho da Índia” (Art. 69). Caso contrário, era dada ordem ao Chanceler-Mor e ao Chanceler das Ordens Militares que não tomassem como válido “despacho algum das matérias que estiverem cometidas ao Conselho da Índia sendo despachadas por outro tribunal” (Art. 71).

Em pelo menos dois artigos fica explícito que o Conselho da Índia chega à tela administrativa retirando poderes aos tribunais pré-existentes. Num deles, lê-se que “as patentes alvarás e mais despachos que se costumavam registar nos livros do Conselho da Fazenda se não registem neles, e em lugar desse registo se registem nos livros do

53 ditto Conselho da Índia” (Art. 60). Adiante, reencontramos esta questão, ao lermos que “para que o dito Conselho possa proceder no despacho das matérias que por este Regimento lhe cometo com a ordem e pontualidade que convém hei por bem que nas da Justiça que dantes costumavam correr pelo Desembarguo do Paço siga e guarde os Regimentos, usos, costumes, e estilos do dito Desembargo, e nas eclesiásticas, e outras que corriam pela Mesa da Consciência e nas que corriam pelo Conselho de minha Fazenda e agora por bem deste Regimento hão de correr pelo dito Conselho da Índia sigam e guardem no despacho delas os regimentos e estilos da dita Mesa da Consciência e Conselho da Fazenda no que não encontrar neste Regimento” (Art. 68).

Por outro lado, reafirma-se que a administração dos “ofícios das fazendas dos defuntos, e ausentes, e da rendição dos cativos, e arrecadação delas” deva ser da competência da Mesa da Consciência e Ordens, e não do Conselho da Índia (Art. 11).

Por uma questão metodológica que se prende essencialmente com o tema que abordaremos no último capítulo desta dissertação, preferimos isolar os capítulos do Regimento que dizem respeito à forma de agir do Conselho relativamente à concessão de mercês e ao provimento de cargos no Estado da Índia.

Por este tribunal passavam “os despachos das mercês que pedirem as pessoas que me tiverem servido, e estiverem servindo, ou forem servir à Índia, e mais partes ultramarinas” No entanto, quando o pedido de mercê fosse aplicado apenas ao reino, mesmo que por serviços prestados no império, passava a ser jurisdição do secretário dos Despachos. (Art. 22). Chegadas as petições à mesa do Conselho, cabia ao secretário encarregue desta repartição fazer “decreto dos papéis de cada um dos requerentes declarando particularmente o que constar das certidões, vendo se estão justificadas e passadas na forma de minhas provisões e requerendo-se satisfação de serviços herdados ou doados se apresentará com eles juntamente sentença do Juíz das justificações de minha Fazenda per que conste pertencer a satisfação deles às partes que as requererem, e sempre com os papéis dos tais serviços e requerimentos se apresentará certidão do livro dos registos das mercês assim da pessoa que requerer como da de cujos serviços pedir satisfação” (Art. 52). Além de exigir esta documentação, devia o secretário também confirmar a sua autenticidade. Define-se, pelo artigo seguinte, que eram válidas apenas as petições de pessoas que tivessem servido na Índia por um espaço de tempo superior a oito anos. Eram aceites petições com menos tempo de exercício apenas em

54 casos de serem feitas por homens que se tivessem ferido em serviço nas partes ultramarinas ou quando as famílias de falecidos no desempenho de funções no Estado da Índia requeressem a recompensa pelos actos dos seus parentes (Art. 53).

Tendo-se em conta a demorada comunicação entre o reino e o Estado da Índia, define-se por este regimento que “para que se guarde inteiramente justiça às pessoas que me servirem nas ditas partes da Índia, e não percam o que lhes é devido por se não despacharem seus papéis tão depressa como os dos outros que sendo inferiores no serviço e merecimentos se antecipam na deligência do requerimento”, opta-se por dar precedência à resolução destes requerimentos quando estes tivessem de ser expedidos para a Índia e que o Presidente e os Conselheiros considerassem ter “mais e melhores serviços” (Art. 59).

Encontramos ainda dois artigos que parecem ter como finalidade controlar a ocupação de cargos nas partes ultramarinas, no sentido de garantir os bons serviços prestados fora do reino e a ocupação dos cargos pelas pessoas escolhidas. No primeiro, lê-se que em casos de pedidos de renuncia de mercês de capitanias de fortalezas, não deve o Conselho da Índia dar-lhes despacho, a menos que esses pedidos fossem no sentido de passar a dita mercê para genros ou filhos do nomeado (Art. 61). No outro, por sua vez, decreta-se a obrigatoriedade que os providos de cargos e ofícios no Brasil e na Guiné tinham de “embarcar para as ditas partes dentro de oito meses do dia em que lhe for feita a mercê cabendo-lhe entrar nos tais ofícios”. Incumprido este tempo limite, o cargo em questão seria de novo dado como vago, e novo nome seria levado a votação (Art. 66).

Este é, como fica explícito, um documento não apenas bastante mais extenso que a sua primeira versão, mas também mais claro. Os problemas de jurisdição que abalaram o funcionamento do Conselho da Índia terão sido em grande parte permitidos pela ausência de clareza no regimento que o instituiu. Passamos de um documento que nos diz que ao Conselho da Índia pertencia a jurisdição sobre todo e qualquer assunto relacionado com as partes ultramarinas portuguesas para um outro que ocupa pelo menos quatro dezenas de capítulos na definição de tarefas e modos de agir esperados e permitidos a este órgão administrativo, bem como aos que ao seu lado funcionavam.

Há que ter em conta que muitas das provisões que encontramos neste Regimento não foram tomadas apenas em 1613, havendo nestes capítulos ordens régias datadas de

55 pouco tempo depois da fundação do Conselho. Ou seja, muitas são ordens antigas, que ao longo dos nove anos de funcionamento foram sendo dadas no sentido de comlatar as falhas do primeiro regimento e que já vinham condicionando o funcionamento do tribunal ultramarino, mas que só em 1613 foram formalizadas.

No entanto, não deixa de ser importante notar que pouco tempo após a injecção de dinamismo que é materializada por este documento, e que denota um claro interesse em estabilizar o seu funcionamento, e consolidar a sua posição na polissinodia do reino, o Conselho da Índia seja repentinamente extinto.

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Capítulo IV

Dimensões socio-políticas do Conselho da Índia

Escrevia Luís Vaz de Camões, n’Os Lusíadas

Oh, quanto deve o Rei que bem governa De olhar que os conselheiros ou privados De consciência ou virtude interna E de sincero amor sejam dotados! 134

A relevância destes quatro versos, no trabalho que aqui apresentamos, é inequívoca. Percebemos através deles que o pensamento da época valorizava o conselho e o governo conjunto. No entanto, não bastava partilhar o processo decisório. Era necessário encontrar as pessoas certas para o fazer.

Quanto mais se evidencia o poder do bom conselheiro, mais autonomizada esta figura vai estar dentro do género literário denominado Espelho de Príncipes. O mesmo é dizer que o conselheiro “paulatinamente adquiriu relevo próprio no interior dos tratados, o que impeliu alguns escritores a dedicarem-lhe obras individuais, dirigidas a formar-lhe o comportamento enquanto conselheiro ou a aconselhar o rei a maneira de escolher os melhores homens de que se deveria acompanhar na tarefa governativa”135. Este fenómeno acontece, na Península Ibérica, no século XIV, pelas mãos de Mestre Pedro com a obra Libro del consejo e de los consejeros136. O autor realça que os conselheiros deviam ter sete qualidades fundamentais: a bondade, a sapiência, a experiência (o mesmo é dizer, a idade), a firmeza e a estabilidade das suas ideias, a amizade e lealdade ao seu rei, acima das suas vontades pessoais137.

134 Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, VIII, 54. 135 Márcio Ricardo Coelho Muniz, O Leal Conselheiro, de Dom Duarte, e a tradição dos Espelhos de príncipes, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humans da Universidade de São Paulo, 2003, p. 85. 136 Mestre Pedro, Libro del consejo e de los consejeros, Edição de Agapito Reuy, Saragoça, Biblioteca del Hispanista, 1962. 137 Cf. Márcio Ricardo Coelho Muniz, O Leal Conselheiro .... op. cit., 2003, p. 102. 57

Em 1559 é impresso El consejo y consejeros del príncipe, obra de Fradique Furió Ceriol138. Se o primeiro autor citado se foca nas qualidades dos conselheiros, Furió Ceriol afirma que dos conselheiros deve ser esperada a capacidade de “reavivar constantemente ao príncipe a memória dos factos passados, de maneira que a gestão do presente se faça sob a perspectiva da razão e da experiência, assegurando, com a prevenção do porvir, o êxito das acções governativas, evitando males futuros”139. Ou seja, valoriza essencialmente a experiência e o conhecimento dos homens do Conselho, para que as suas opiniões possam ser válidas e fundamentadas.

Seguindo a mesma linha de pensamento, em 1584 Bartolomeu Filipe publica em Portugal o Tractado del consejo y de los consejeros de los Príncipes140. Afirma este letrado que “os que aconselham com malícia e engano são ministros do demónio, e os castigará Deus nesta vida, e na outra”141.

Julgámos relevante fazer esta abordagem ao género literário dos espelhos de príncipes e de conselheiros no sentido em que acreditamos serem estes tratados e outros semelhantes que norteiam as escolhas de um rei no momento de nomear um conselheiro. Não excluimos, nem poderíamos, factores como a manutenção e o alargamento de redes clientelares e familiares, os interesses individuais do monarca e/ou do seu valido, ou ainda o desejo de colocar em prática qualquer projecto político, ou ainda, por questões de equilíbrio, a necessidade de favorecer determinada facção em detrimento de outra. No entanto, neste processo de escolha, sem dúvida que estavam presentes no espírito do monarca as palavras dos letrados que ao longo do tempo foram redigindo os tratados a que aludimos. E sem dúvida também que ao criar um novo tribunal com a importância e especificidade deste da Índia, o rei e o seu valido terão procurado nomes que trouxessem consigo precisamente a bondade, a sapiência, a experiência, a firmeza, a amizade e a lealdade.

Correndo o risco de tornar as próximas páginas demasiado descritivas, este exercício biográfico e prosopográfico é necessário, especialmente se tivermos em conta que foram os homens que a seguir apresentamos os escolhidos por Filipe III para

138 Fradique Furio Ceriol, El consejo y consejeros del príncipe, Edição de Henry Mechoulan, Madrid, Nacional, 1978. 139 Ibidem, p. 105. 140 Bartolomeu Filipe, Tractado del Consejo y de los consejeros de los príncipes, Coimbra, 1584. 141 Citado por Juan Manuel Forte, Bartolomeu Filipe. Consejos para príncipes en tiempos imperiosos, Biblioteca Saavedra Fajardo de Pensamento Político Hispano, s.l., s.d., p. 6. 58 compor um tribunal encarregue de questões tão relevantes como a administração do império português, e que durante dez anos foram estes que definiram – ou aconselharam sobre – as políticas aí vigentes142.

IV. 1. Presidentes

IV. 1. 1. Fernão Teles de Meneses

“Pelos Governadores, e Defensores do Reino, e Senhorios de Portugal, esta primeira sucessão da Governança da Índia feita a 26 de Março de 1580 se abrirá, sendo caso, que Deus não permita, que faleça D. Luís de Ataíde, Conde de Atouguia, Vice-Rei da Índia”143. É assim que começa, pela mão de Diogo do Couto, a história de Fernão Teles de Meneses à frente dos destinos do Estado da Índia, a 10 de Março do ano de 1581. Foi uma história curta, compreendida apenas entre Março e Outubro e talvez por isso mais livre das intrigas e dissensões originadas pelas lutas de poder tão características da Índia portuguesa.

Pouco se conhece do seu percurso até esta data, sendo desconhecido o momento em que pela primeira vez passou à Índia. Terá sido sem dúvida antes de 1568, uma vez que nessa data “não só já participava na expedição organizada pelo vice-rei D. Antão de Noronha contra a rainha de Olaha, como acompanhou D. Luís de Almeida aos mares de Surrate, quando este foi encarregado por aquele vice-rei de examinar aquela região em busca de embarcações inimigas”144.

Fernão Teles é um dos cinco filhos de D. Catarina de Brito e de Brás Teles de Meneses que, segundo Felgueiras Gaio, foi “Alcaide Mor de Moura, Camareiro Mor do Infante D. Luís, e seu Guarda Mor”145. Falamos de uma família que, embora não titulada, se encontrava bem posicionada e a ocupar cargos de relevo146. Não deixa de ser também um caso paradigmático daquilo que eram as tradições familiares da nobreza

142 Cf. Anexo 4. 143 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro 1, Capítulo III. 144 Nuno Campos, Fernão Teles de Meneses, in http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=654, consultado em 24.07.2016, 13h17m. 145 “Teve a carta de Alcaide Mor em o ano de 1551”, Felgueiras Gaio, Nobiliário de famílias de Portugal, Braga, Agostinho de Azevedo Meirelles, Domingos de Araújo Affonso, 1938-1941, Volume XXVII, p. 19. 146 59 portuguesa desta época. Encontramos o primogénito e o secundogénito com cargos de cariz militar a desempenhar no reino, o terceiro filho a ser encaminhado para a vida eclesiástica, e o quarto e o quinto a fazerem carreira militar no império português.

Pela via do matrimónio com D. Maria de Noronha, o Governador tornou-se genro de D. Fernando de Portugal e Faro, senhor do Vimieiro147 e cunhado de D. Francisco de Faro e Portugal, que em 1614 foi agraciado com o título de conde do Vimieiro, e de D. Maria Ana, mulher do capitão de Malaca, D. Luís da Silva.

Logo que foi conhecido em Goa o nome do sucessor do vice-rei D. Luís de Ataíde iniciaram-se as primeiras diligências do novo governo. Despachou-se D. Pedro de Meneses para a capitania da fortaleza de Diu, enviaram-se roupas, dinheiro, munições e outros provimentos para as ilhas de Maluco, avisaram-se as fortalezas de todo o Índico da sucessão que acontecera em Goa, proveu-se o cargo de Vedor da Fazenda das fortalezas do Norte e fizeram-se mercês aos capitães e soldados das Armadas que começavam a recolher por se começar a aproximar a entrada do Verão148.

Apenas duas armadas foram despedidas de Goa neste tempo. A primeira, depois de chegar a Goa a notícia de “como em Masulipatão estavam duas naus de Achém carregando ferro, pelouros, e outros apetrechos de guerra, que devia juntar para ir contra Malaca; e outra de El Rei de Pegú”149. Para responder a tal ameaça, o Governador mandou armar quatro navios, que saíram de Goa no início de Agosto com o objectivo de se dirigirem ao porto de Masulipatão onde deviam esperar as embarcações inimigas, e tomar a nau do rei de Pegú que de tão rica que era “podia remediar, e enriquecer o Estado”150. Enquanto o capitão-mor desta armada se encarregaria de transportar a dita nau para Goa, os restantes três navios deveriam atravessar o reino de Pegú e fazer nele toda a guerra que lhes fosse possível fazer.

A segunda armada foi expedida em meados de Setembro, depois de chegar ao Governador notícia “que pela barra de Goa passaram quatro paráus de Malabares para a banda do Norte às presas; e porque se não se acudisse logo, podiam fazer muito dano nos navios dos Mercadores Portugueses, que das fortalezas do Norte naquele tempo

147 Ibidem, Volume XIII, pp. 72-73. 148 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro I, Capítulo I. 149 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III. 150 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III. 60 vêm para Goa a buscar as naus do reino”151. Para responder a esta ameaça eminente, Fernão Teles de Meneses “mandou tomar os navios dos Mercadores, que eram vindos do Norte, por estarem mais prestes, com muitos marinheiros, e mantimentos, e mandou a Matias de Albuquerque que logo se embarcasse neles, e fosse após aqueles navios até os ensacar”152. Saindo vencedores os nossos da peleja que daqui resultou, foram recebidos em Goa pelo Governador, que “fez mercê em nome de El Rei dos navios inimigos com todo o seu recheio aos Capitães que os tomaram”153.

Matias de Albuquerque havia já antes sido provido com o cargo de capitão-mor da armada do Malabar, composta por doze galés e dezasseis fustas, preparada por Fernão Teles de Meneses mas expedida já durante o vice-reinado do seu sucessor. Não deixa de ser relevante tê-la em conta, pela sensibilidade existente relativamente a hierarquias e jurisdições. Como reconhece Cláudia Joaquim, “era menos prestigiante chegar-se ao poder por abertura de uma via de sucessão do que se sendo nomeado directamente pelo rei em Portugal”154. Tal é-nos demonstrado até pela diferenciação da titulatura utilizada num e noutro caso, pois só aqueles que saiam de Lisboa nomeados pelo rei para exercer este cargo eram denominados vice-reis, sendo apenas governadores aqueles que chegassem a ocupar o lugar por via de sucessão.

Numa sociedade como é a do século XVI, o prestígio, maior ou menor, condicionava largamente a acção dos homens. Reconhecendo a sua posição desvantajosa relativamente ao seu antecessor e ao seu sucessor, e percebendo que em pouco tempo este último chegaria para ocupar o seu cargo, Fernão Teles de Meneses equaciona a hipótese de não tomar decisões sobre a Armada do Malabar. Segundo Diogo do Couto, preferiria o Governador entregar àquele que o viesse substituir a fazenda abastada e as decisões por tomar, do que investir na armada e tomar por si as decisões, “mas desta opinião o tiraram alguns amigos, afirmando-lhe que mais estimaria o Vice-Rei que viesse achar as Armadas feitas, que dinheiro no tesouro, porque seria trabalho de que o tiraria; e que também poderiam chegar as naus tão tarde, que primeiro se enchesse o mar de corsários, ao que era necessário acudir, e prover na guarda da

151 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII. 152 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII. 153 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII. 154 Cláudia Joaquim, As vias de sucessão no Estado Português da Índia (1524-1581), Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 48. 61 cáfila que havia de ir à costa do Malabar buscar os provimentos para a cidade, e a defender que se não enchessem deles os Malabares”155.

No entanto, o momento mais significativo do governo de Fernão Teles foi, no início do mês de Setembro, a chegada das primeiras notícias sobre a sucessão do Cardeal Rei, que deixou “todos muito sobressaltados, e tristes, lembrando-lhes novamente aquela desastrada perdição de todo Portugal, e de um rei pedido a Deus com tantas lágrimas, romarias, procissões, e esmolas, acabar tão miseravelmente com um tamanho exército, em que quase todos os homens da Índia perderam pais, irmãos, parentes e amigos, e que naquele Rei moço se acabara a sucessão dos Reis naturais”156. Apesar de notarmos a referência à naturalidade do rei, a nossa interpretação das palavras de Diogo do Couto não nos leva a considerar que a tristeza e sobressalto a que este alude fossem originados pelo facto de a sucessão ter sido assegurada por um rei não português. O ocaso de uma dinastia com o valor simbólico que tinha a dinastia de Avis por certo perturbou os espíritos da época, mas não nos parece que tal esteja directamente relacionado com a nacionalidade do monarca que assegura o trono em 1581. Parece-nos sim que são os sentimentos normais face aos resultados da Batalha de Alcácer Quibir – um rei que morre em batalha, um trono sem descendência directa assegurada, uma dinastia que se extingue – e que seriam os mesmos .

Conhecidas as ligações clientelares do governador à Casa de D. Luís e, por consequência, à causa de D. António, Prior do Crato, de novo a sensibilidade de Fernão Teles é revelada pelas suas acções. Querendo “que se visse que nem obrigações particulares de criação, e amizade, nem outros alguns respeitos eram bastantes para o mudarem daquela sua antiga lealdade, nem pôr-lhe por isso culpas, que nele haviam de ser mais estranhadas que em todo outro Fidalgo, que naquele lugar estivera”157, tratou de imediato das diligências necessárias para proceder no Estado da Índia ao juramento de Filipe II como rei de Portugal.

Em Goa, segundo Diogo do Couto, as comemorações seguiram o padrão estabelecido, acontecendo logo no dia seguinte à chegada das notícias. Na Sé, reuniram- se os três Estados, o Cabido e os representantes de todas as religiões, D. Tristão de Meneses, capitão da cidade, fidalgos, capitães, vereadores, desembargadores, juízes,

155 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro I, Capítulo III. 156 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III. 157 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV. 62 mestres, cidadãos, cavaleiros, o Ouvidor Geral, o Chanceler, e pessoas do povo158. Diz o cronista que “todos por todas suas livres vontades tinham aceitado com muito contentamento, e prometido de assim o jurarem por Rei, e Senhor”159. Nisto, o capitão da cidade toma nas mãos a bandeira com as armas portuguesas e, colocando-se à direita do Governador que, ajoelhado perante o altar, repetiu as palavras de juramento que o Secretário lhe lia. O juramento é repetido pelo Padre Deão Brás Dias em nome do Estado Eclesiástico, por Tristão de Meneses em representação da nobreza, e pelos vereadores da cidade, tomando voz por todo o povo.

Entre Setembro, quando se deu esta cerimónia, e Outubro, quando o sucessor de Fernão Teles de Meneses desembarcou em Pangim, pouco mais da acção do Governador há a registar, além da já referida armada capitaneada por Matias de Albuquerque.

Depois do seu regresso ao reino foi agraciado com os cargos de Governador e Capitão-General do Algarve, General da Armada, Conselheiro de Estado e Regedor da Casa da Suplicação. No ano de 1604 é a primeira escolha de Filipe III para ocupar a presidência do Conselho da Índia. Pelo escrito na carta de nomeação de Fernão Teles de Meneses, esta era feita “pela satisfação que tenho de quão bem me tem servido nos cargos em que até agora o fez, e particularmente pela que os Senhores Reis meus predecessores tiveram dos serviços que lhe fez na Índia cujo governo teve algum tempo à sua conta, e pela experiência que tem das coisas daquele Estado, e havendo também respeito aos merecimentos e qualidades de sua pessoa e muitas e boas partes que nele concorrem”160

Exerceu este cargo por pouco tempo, pois faleceu logo no ano seguinte.

IV. 1. 2. D. Francisco de Mascarenhas

O sucessor de Fernão Teles de Meneses em Goa seria o mesmo que, anos depois, lhe sucederia na presidência do Conselho da Índia. D. Francisco de Mascarenhas é o primeiro homem a ser enviado por Filipe II, numa das primeiras medidas tomadas

158 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV. 159 Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV. 160 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 14, Fl. 149. 63 pelo novo rei de Portugal. Falamos neste caso de um homem com diversas ligações familiares a homens com experiência nos lugares cimeiros da administração do império, e a membros da nobreza titulada. É neto por via materna de D. Vasco Coutinho, 1º conde do Redondo e sobrinho por via paterna de D. Pedro de Mascarenhas, vice-rei da Índia. Uma das suas irmãs, D. Catarina, casa com Vasco Anes Corte Real, de quem tem Margarida Corte Real, futura mulher de Cristóvão de Moura. D. Francisco torna-se assim, por volta do ano de 1570, tio de um dos homens mais importantes do projecto filipino em Portugal.

A ascensão de D. Francisco é notável, tendo entre os reinados de D. João III e Filipe III passado de capitão dos ginetes a Governador do Reino. Ainda no reinado de D. Sebastião segue para o Oriente, onde é nomeado, em 1562, Capitão do Mar e Capitão de Chaul, bem como capitão de Sofala dois anos mais tarde. Encontra-se ao lado do rei em Alcácer Quibir.

Possivelmente promovido pela sua ligação familiar a Cristóvão de Moura, torna- se um dos apoiantes das pretensões de Filipe II. É escolhido como vice-rei da Índia em 1581, cabendo-lhe a si a tarefa de fazer jurar o rei nas partes ultramarinas, não se sabendo em Lisboa que tal já tinha sido feito por Fernão Teles. No momento em que se dirige à Índia para iniciar o seu vice-reinado é agraciado com o título de Conde de Vila da Horta e Santa Cruz, o primeiro desta casa, título que passa a utilizar quando a sua armada aporta em Moçambique e aí faz jurar o novo rei161. Sobre tal, escreve Faria e Sousa que lhe foram entregues “títulos, comendas, cargos, ajudas de custo, hábitos e preeminências. Tanto, enfim, em número e em substância que porventura até então não havia Espanha visto semelhante coisa deste género”162. No entanto, não eram estas mercês resultado do trabalho – merecedor, na opinião do autor – de D. Francisco, mas sim associadas à tarefa que este levava consigo aquando a sua partida para a Índia e do processo de conquista do apoio da alta fidalguia portuguesa levado a cabo pelo novo monarca.

Ainda discorrendo sobre estas avultadas concessões, continua o autor supracitado: “ficou D. Francisco com as mercês feitas, sem ter que lidar naquilo porque lhas fizeram; e D. Luís sem elas, porque estava noutra vida; também sem elas Fernão

161 Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530-1608), http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016, 22h51m. 162 Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, Volume 5, p. 19. 64

Teles, porque fez, sem esperar que lhe fizessem, aquilo porque elas se faziam”163. De facto, não deixa de ser interessante notar a generosidade de Filipe II para com D. Francisco, em tom de recompensa por um serviço que não chegou a prestar, enquanto aquele que realmente presta o dito serviço morre sem chegar a obter qualquer título nobiliárquico. No entanto, a verdade é que no pouco tempo que se encontrou no governo do Estado da Índia, Fernão Teles de Meneses pouco mais fez que jurar o novo monarca. Não teria, aliás, outras hipóteses, uma vez que ainda que pudesse haver algum reduto de apoio a D. António naqueles territórios, faltava a sua presença para possibilitar qualquer tomada de posição. Assim, a aceitação do novo monarca foi quase uma inevitabilidade, e Fernão Teles limitou-se a cumpri-la. Por outro lado, D. Francisco de Mascarenhas, apesar de não ter jurado o monarca como pretendia fazer, com certeza deve ser visto como o vice-rei que logrou concretizar a tarefa de consolidação da nova dinastia no Estado da Índia.

A sua governação foi aparentemente livre das intrigas e conflitos tão típicos da Índia portuguesa, segundo os escritos de Faria e Sousa e de Diogo do Couto. Registam- se, por outro lado, entre os anos de 1581 e 1584 em que esteve à frente do Estado da Índia, bastantes conflitos armados, tanto contra os turcos como contra potentados locais e ainda contra piratas que perturbavam a navegação portuguesa164. Em tom de balanço da sua governação, Nuno Vila-Santa escreve que D. Francisco de Mascarenhas dedicou os seus últimos esforços à cabeça do Estado da Índia a “tentar aproveitar contextos locais para adquirir novas conquistas”165. Sobre o governo de D. Francisco de Mascarenhas na Índia, escreve Diogo do Couto que com “brevidade sabia o Vice-Rei acudir às necessidades do Estado com que remediava todas, e assim teve bom sucesso em todas as cousas que empreendeu”166.

163 Ibidem, Volume 5, p. 21. 164 Cf. Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530-1608), http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016, 23h00. 165 “Assim, sucedeu no Guzerate com uma revolta do soberano deposto por Akbar, à qual o vice-rei procurou acudir, sem sucesso, na esperança de conquistar Surrate aos mogores. Em Bijapur, a guerra pela sucessão do sultanato conhecia novo desenvolvimento, mas o pretendente apoiado pelos Portugueses, acabou por ser morto pelos seus inimigos, ficando o vice-rei sem poder de intervenção naquele sultanato. Ainda assim, o Samorim de Calecute pedia as pazes definitivas, devido à exaustão da guerra no Malabar, a cargo de D. Gil Eanes que, depois foi nomeado para punir um vassalo do sultão de Bijapur, acabando por falecer em combate. O rei de Cochim também desistia dos seus intentos de controlar a alfândega da cidade, a qual trespassou para o rei de Portugal”, Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530- 1608), http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016, 23h10. 166 Ibidem, X, Livro II, Capítulo VI. 65

Do mesmo modo que a ligação familiar de D. Francisco de Mascarenhas ao projecto filipino terá tido influência para que fosse o primeiro escolhido por Filipe II para tomar o governo de Goa e jurar o seu nome no Estado da Índia, terá também pesado para que de 1593 a 1599 fosse um dos cinco governadores do reino, após o término do vice-reinado de Alberto de Áustria. A relevância de D. Francisco de Mascarenhas no seio do reino e dos apoiantes da dinastia espanhola em Portugal é denotada quando é escolhido para integrar este núcleo de governadores, e ainda mais se tivermos em conta quem estes eram: D. Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa; D. João da Silva, conde de Portalegre e mordomo-mor; D. Duarte de Castelo Branco, conde do Sabugal e meirinho-mor; e Miguel de Moura, escrivão da Puridade167.

Em Setembro de 1606 é nomeado Presidente do Conselho da Índia168, depois deste cargo ter estado vago desde a morte de Fernão Teles de Meneses, em Novembro do ano anterior. Tal como o seu antecessor, sai do Conselho apenas aquando a sua morte, passados dois anos desde que se sentara à cabeceira do dito tribunal.

IV. 1. 3. D. Francisco da Gama

A escolha de Filipe II no sentido de prover D. Francisco da Gama com a dignidade de vice-rei da Índia portuguesa fugiu à regra. Em primeiro lugar, falamos de um homem relativamente bastante jovem à data da sua primeira nomeação, contando em 1597 com apenas trinta e dois anos. Por outro lado, destaca-se do comum pela sua inexperiência, tanto a nível militar como da administração ultramarina169. Esta inexperiência do Conde da Vidigueira faz da sua nomeação, segundo os estudos de Mafalda Soares da Cunha e de Nuno Gonçalo Monteiro, um caso raríssimo, havendo apenas dois casos de escolha de uma personalidade sem este tipo de experiência170.

167 Cf. Fernando Bouza, D. Filipe I, Lisboa, Temas e Debates, 2008, p. 247. 168 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 16, Fl. 164. 169 Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume IV, Lisboa, Editorial Verbo, 1990, p. 15; Ivone Alves, Os Gamas e os Condes da Vidigueira: subsídios para uma genealogia, Tese de Mestrado apresentada à FL-UL, 1998, Volume 2, p. 80; José Alves, “Francisco da Gama”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Luís de Albuquerque (dir.), Volume I, s.l., Caminho, 1994, p. 448. 170 Cf. Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, “Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da Índia (1505-1834)”, in Penélope, nº 15, 1995, p. 98. O outro foi D. Constantino de Bragança. 66

Tal leva-nos a questionar as motivações que terão estado por detrás desta nomeação de D. Francisco da Gama. Julgamos importante ter em conta que nos encontramos perante uma escolha levada a cabo por um monarca conhecido pela sua prudência e ponderação na hora de tomar decisões, o que faz com que sejamos obrigados a assumir que apesar da inexperiência e tenra idade, D. Francisco teria outras características, que levaram Filipe II a considerá-lo o homem certo para ocupar cargo tão importante na hierarquia administrativa do ultramar português, especialmente porque o ataque dos holandeses às possessões portuguesas era já algo esperado, prevendo-se o eminente estalar de uma situação complexa e turbulenta no Índico. Escreve Diogo do Couto que “tanto que foi nomeado, logo assistiu a todos os Conselhos, porque sabia El Rei que tinha o Conde talento para dar neles muito bom parecer”171, reafirmando adiante que “ele não vinha bisonho, senão muito prático, e resoluto em todos os negócios, de que começou a dar aos Oficiais grande satisfação de sua suficiência”172.

Além disso, há também que notar que falamos de um rei estrangeiro, que se encontrava à cabeça de uma monarquia compósita, com vasta tradição de integração de territórios com foros e tradições dissemelhantes, que deveriam ser respeitadas no sentido de serem evitadas revoltas e conflitos. Como referimos anteriormente, Filipe II demonstrou ter uma noção exemplar de como levar a cabo a sua tutela relativamente a Portugal, para que pudesse tratar-se de uma incorporação pacífica. Neste processo de chamar a si o apoio das grandes famílias portuguesas e de as envolver na sua acção governativa podemos por exemplo atentar que em todas as investiduras de Filipe II para o cargo de Vice-Rei da Índia encontramos apelidos sonantes da nobreza portuguesa mais sistematicamente associados ao cargo de vice-rei da Índia173.

Outro dos pontos importantes deste procedimento de sedução dos corpos sociais portugueses é o do respeito pela individualidade do reino e, consequentemente, pelas figuras da sua história. A nomeação de D. Francisco pode também ser inserida neste contexto, estando Filipe II a usufruir do respeito e reverência à figura de D. Vasco da Gama, bisavô do Conde Almirante, ideia que ganha ainda mais força se for tido em

171 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo I. O sublinhado é nosso. 172 Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo III. O sublinhado é nosso. 173 Filipe II nomeia para este cargo, ao longo do seu reinado: D. Francisco de Mascarenhas (1581-1584), D. Duarte de Meneses (1584-1588), D. Manuel de Sousa Coutinho (1588-1591), Matias de Albuquerque (1591-1597) e, finalmente, D. Francisco da Gama (1597-1600). 67 conta que esta nomeação coincide precisamente com o ano em que se cumpria o primeiro centenário da viagem inaugural de Vasco da Gama174.

A ascensão social da família dos Gamas é digna de registo, tanto pela sua relativa rapidez, como pelo seu carácter de inovação. No que toca à inovação, esta tem essencialmente relação com o facto de ter sido D. Vasco da Gama o primeiro, e durante muito tempo o único homem a quem foi concedido o título condal por recompensa de serviços prestados no espaço ultramarino português175. Por tal, é a figura que melhor ser utilizada como exemplo da forma como a gesta expansionista permitiu a muita da baixa nobreza ascender dentro da hierarquia do grupo. Mais relevo ganha esta ascensão de D. Vasco da Gama se tivermos em conta o carácter esporádico de que se revestia a nomeação de um conde. A rapidez desta ascensão pode ser notada e evidenciada pela política matrimonial dos Gamas da Vidigueira, que encontramos também dotada de um certo cariz de tradição, baseada essencialmente em ligações a Ataídes e Vilhenas176.

Para além das relações matrimoniais, há que ter em conta a presença dos Gamas no império português. Neste campo, temos então de dar o devido destaque aos filhos do descobridor do caminho marítimo para a Índia, uma vez que, à excepção do herdeiro do título, todos desempenharam funções no Oriente. D. Estevão da Gama foi capitão-mor do mar da Índia durante o período de governo do pai, e posteriormente capitão de Malaca, tendo em 1540 logrado tornar-se Governador da Índia. Os restantes quatro

174 Consideramos bastante explícita a frase de Diogo do Couto: “conservando tão ilustre apelido a memória do mor feito que se fez, nem fará, enquanto o mundo durar”, Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro II, Capítulo XV. 175 Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo I. 176 Analisando de forma pormenorizada as ligações matrimoniais desta família, encontramos D. Vasco da Gama, 1º conde da Vidigueira, casado com D. Catarina de Ataíde, filha do alcaide-mor do Alvor. O seu herdeiro, D. Francisco da Gama casa com D. Guiomar de Vilhena, filha do 1º conde do Vimioso. Parece significativo que, chegado da Índia, ainda sem qualquer título nobiliárquico, Vasco da Gama consiga casar apenas com a filha de um alcaide-mor, mas que ao cabo de uma geração a sua família estivesse já ligada ao condado do Vimioso. A tendência mantém-se na geração seguinte e D. Vasco da Gama, 3º conde da Vidigueira contrai matrimónio com a filha do conde da Castanheira. Por fim, o 4º conde da Vidigueira, cuja acção aqui nos ocupa, casa em primeiras núpcias com D. Maria de Vilhena, filha de D. Duarte de Meneses, senhor de Tarouca, capitão de Arzila e de Tânger e vice-Rei da Índia. Após viuvar, em ????, D. Francisco casa com a filha de Rui Lourenço de Távora, vice-Rei da Índia. D. Francisco da Gama, por sua vez, teve quatro filhas do seu segundo casamento, que conseguiu unir pela via do matrimónio às casas tituladas da Castanheira, Vila Franca, Alvito e Lavradio - D. João de Ataíde (4º Conde da Castanheira, casado com D. Maria de Vilhena), D. Rodrigo da Câmara (3º conde de Vila Franca, casado com D. Maria Coutinho), D. Luís Lobo da Silveira (7º barão do Alvito e 1º barão de Oriola, casado com Eufrásia Maria de Távora) e D. Jorge Manuel de Albuquerque (conde do Lavradio, casado com D. Teresa Maria Coutinho). 68 foram também capitães de Malaca177. No que toca aos condes da Vidigueira, propriamente ditos, apenas o primeiro e o quarto estiveram envolvidos na gesta expansionista voltada a Oriente e, enquanto o segundo parece nunca ter saído do reino, o terceiro está, como a maioria da nobreza portuguesa, em Alcácer Quibir com D. Sebastião, onde acaba por falecer.

Sobre a personalidade do Conde Almirante parece ser possível encontrar consenso historiográfico. Muito claras são as palavras de António da Silva Rego neste sentido: “altivo, distante, bem consciente da dignidade de vice-rei, que lhe impunha respeitar e fazer respeitada; rigoroso no cumprimento dos seus deveres, era-o também para com todos os seus súbditos, fossem eles nobres ou plebeus; conhecendo a desenvoltura de costumes que se havia introduzido na Índia, não só não a aprovava, como também estava resolvido a combatê-la. Nota-se também certa severidade unida à autoridade”178.

Francisco Mendes da Luz, na mesma linha de pensamento, afirma que D. Francisco “foi inteligente, valoroso e grande homem de acção; com estas qualidades, porém, mesclava-se o orgulho, de resto apanágio da velha fidalguia portuguesa – e parece que revestiu o seu primeiro vice-reinado em Goa de grande pompa e fausto, como conviria a um nobre descendente de Vasco da Gama e ao almirante do vasto mar da Índia, embora esse fausto contrastasse vivamente com a míngua do tesouro em Goa”179.

Parece-nos que ao afirmar que o conde da Vidigueira “foi, certamente, o vice-rei mais antipático às gentes da Índia durante o domínio filipino”180, António da Silva Rego não terá intenção de desconsiderar a acção deste vice-rei, mas apenas assumir que os seus valores e, consequentemente, a forma como este desempenhou o seu trabalho durante os dois períodos em que governou a Índia foram contrários aos dos interesses das elites de Goa. Assim, importa perceber quais foram os focos de tensão abalaram os anos em que o conde da Vidigueira exerceu o seu poder e que críticas lhe foram tecidas.

177 Cf. Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, “Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da Índia (1505-1834)” .... op. cit., 1995, p. 97. 178 António da Silva Rego, “O início do segundo governo do vice-rei da Índia. 1622-1623”, in Memórias da Academia das Ciências, Tomo XIX, Lisboa, Classe de Letras, 1978, p. 323. 179 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, pp. 149-150. 180 António da Silva Rego, “O início do segundo” .... op. cit., 1978, p. 323. 69

Em primeiro lugar, há que destacar a figura de D. Luís da Gama, irmão do vice- Rei que já anteriormente havia estado na Índia, e que partiu de Lisboa despachado com a capitania de Ormuz. A esta personagem associam-se dois episódios distintos de conflituosidade, geradores de tensões para a figura do vice-rei. Em primeiro lugar, é questionada a nomeação de D. Luís como Capitão-Mor da Índia e Malabar. Segundo o cronista Da Ásia, “com pouco fundamento se murmurou da eleição que o Conde fez de D. Luiz da Gama seu irmão, porque era hum Fidalgo, que já tinha andado na Índia, e servido ElRey, e estava despachado com a fortaleza de Ormuz, e ser de trinta anos de idade, e rico”181. O facto é que consideramos estas críticas como algo a ser relativizado e postas em perspectiva, uma vez que quase indissociáveis dos cargos de relevo político e administrativo são as inimizades e críticas que têm como intuito promover a instabilidade e, em alguns casos, favorecer determinada rede clientelar em detrimento daquela que se encontra no poder. É ainda necessário ter em conta que nos reportamos a uma época na qual não era mal visto favorecer os elementos próximos da família com a entrega de cargos importantes, como o pode ser actualmente. O próprio Couto afirma que a decisão foi questionada “como ordinariamente o são todas as coisas que os Vice- reis fazem; e então o são mais, quando há pertençores às coisas de que se murmura, parecendo aos que o fazem que estivera neles melhor o que se dá a outrem, isto é muito antigo na India”182.

O segundo foco de conflito relacionado com D. Luís da Gama prende-se com uma acção falhada que teria como intuito desmembrar as forças do pirata Cunhale, que com a conivência do Samorim vinha fustigando a navegação portuguesa no Índico. Assim, a Armada enviada pelo vice-rei para o Malabar, capitaneada pelo irmão do vice- rei, tinha o intuito de “enfrentar a facilidade do Samorim em consentir piratas, especialmente os da fortaleza do Cunhale, com quem tinha interesses, sem se recordar de que o não havê-los de consentir era um dos acordos das últimas pazes”183. A derrota sofrida no seguimento deste projecto acabará por dar força aos que já antes tinham

181 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo VIII. 182 Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo VIII. Diogo do Couto é geralmente desconsiderado enquanto fonte fidedigna pelos historiadores na hora de escrever sobre os Gamas, uma vez que este teria relações de mecenato com tal família, o que o pode tornar ligeiramente tendencioso. Não obstante, seguimos a linha de pensamento de Francisco Bethencourt, que afirma que “não pode ser descartado como mera homenagem clientelar, pois o mesmo cronista é chamado a fazer o discurso de recepção dos governadores seguintes, nomeadamente D. Aires de Saldanha e André Furtado de Mendonça”, in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dirs.), História da Expansão Portuguesa, Volume 2, Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, p. 311. 183 Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, Volume 5, p. 187. 70 criticado a nomeação de D. Luís como Capitão-Mor da Índia e Malabar, cujos ânimos se incendeiam ainda mais quando, chegado a Goa, lhe entregam a capitania de Ormuz, “que eles diziam podia ser prémio de haver vencido o Cunhale, havendo-o deixado vitorioso”184. No entanto, como já aqui escrevemos, esta capitania já lhe estava destinada desde a sua saída do reino e, sendo uma disposição régia, não era refutável, não obstante o fracasso da operação contra o Cunhale, da qual D. Luís inclusivamente foi posteriormente considerado isento de culpas185.

O derrube da fortaleza do Cunhale e a captura do pirata conseguidas posteriormente sob a liderança de André Furtado de Mendonça, apesar de claramente benéficas para o Estado da Índia, originam novo conflito com o vice-rei, que não permitiu que as comemorações da captura do Cunhale fossem dotadas da pompa e sumptuosidade que a facção de Furtado de Mendonça requeria186. Sobre este assunto, Francisco Bethencourt é claro nas suas palavras: “trata-se de um típico conflito de jurisdição”187. Não só subscrevemos este autor como chamamos mais uma vez a atenção para os problemas entre facções clientelares e para a forma como estes podiam afectar o poder dos vice-reis, eternamente condenados a balançarem-se favoravelmente entre direcções opostas.

Ainda no âmbito destes focos de tensão governativa e das críticas tecidas a D. Francisco da Gama, destacamos ainda um aspecto de cariz fundamentalmente simbólico.

Por se comemorar o primeiro centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia, e aproveitando-se a presença de um Gama desempenhando o cargo de vice-rei de tal território, consideraram os vereadores de Goa que deveria ser efectuado um retrato do primeiro conde da Vidigueira, “pois nela tinham os retratos de outros varões famosos, e

184 Ibidem, p. 205. 185 Ibidem, p. 205. 186 “André Furtado de Mendonça, assim que ancorou em Goa após a conquista e destruição da fortaleza erigida pelo Cunhale junto a Calecute, mandou largar cinco prisioneiros que foram apedrejados até à morte, retendo no navio o Cunhale preso, pois pretendia levá-lo à sua frente no cortejo, como nos triunfos da Antiguidade. O Conde da Vidigueira, D. Francisco da Gama opôs-se, requerendo o envio do preso para julgamento, ordem cuja execução originou um conflito insanável: o cortejo foi cancelado e André Furtado de Mendonça resolveu embarcar numa manchua e recolher-se ao Convento dos Capuchos da Madre de Deus rio acima, não chegando a falar com o vice-rei e recusando-lhe o relato pessoal dos sucessos militares”, Francisco Bethencourt, “O Estado da Índia”, in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (coord.), História da Expansão .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 311. 187 Ibidem, p. 311. 71 benemeritos áquela Cidade”188. Um dos quadros já existentes era precisamente o de Afonso de Albuquerque, cujos familiares não ficaram agradados pelo destaque dado à nova obra, em detrimento daquela que retratava o Leão dos Mares, o que levou à alteração – aparentemente pacífica – da disposição das molduras189.

Após reflexão sobre o assunto, parece-nos possível afirmar que os conflitos supracitados não devem ser vistos como isolados, mas sim como constituindo uma reacção a outras medidas de D. Francisco que poderão ter promovido alguma conflituosidade contra a sua pessoa. Segundo Sanjay Subrahmanyam, o problema com D. Francisco da Gama seria essencialmente promovido pela existência de interesses dissemelhantes entre as várias redes clientelares que podíamos encontrar em Goa naqueles anos, teoria que não pode ser descartada, especialmente tendo em conta a presença de André Furtado de Mendonça em rede contrária ao vice-rei190.

Não desconsiderando a ideia do historiador supracitado, parece-nos também importante ter em conta a imagem que Diogo do Couto e Manuel de Faria e Sousa nos dão de um vice-rei desejoso de tocar em todos os assuntos que considerava da sua competência. Couto não apenas afirma que logo chegado a Goa, o vice-rei “foi visitar os Tribunais da Relação, e Contos, e nelas tomou informação o estado das coisas; de que ele não vinha bisonho, senão muito prático, e resoluto em todos os negócios, de que começou a dar aos Oficiais grande satisfação de sua suficiência. E assim visitou os armazéns das munições, casa da pólvora, e as ribeiras das Armadas, e Galés, e em todas tomou informação do modo de como estavam, e deu ordem a se prepararem todos os navios grandes, e pequenos, porque determinava de mandar Armadas para todas as partes, a que fossem necessárias”191, como nos dá também diversas vezes a informação de que o conde Almirante rapidamente reunia conselho e atendia a qualquer situação que necessitasse de resolução, como é o caso da preparação da Armada que teria como objectivo controlar a navegação holandesa, que começava neste período a constituir uma fonte de preocupação.

Podemos apenas especular que tal atitude possa ter interferido com os hábitos recorrentes no Estado da Índia, deixando menos espaço à ingerência geralmente

188 Diogo do Couto, Década XII, Livro I, Capítulo XV. 189 Cf. Ibidem, Década XII, Livro 1, Capítulo XVI. 190 Sanjay Subrahmanyam, O império asiático português, 1500-1700, Uma história política e económica, Lisboa, DIFEL, 1995, p. 331. 191 Diogo do Couto, Década XII, Livro I, Capítulo III. 72 praticada e assim afectando os interesses das elites locais. A propósito da firmeza das atitudes e valores do vice-rei, Diogo do Couto chega mesmo a descrever um episódio de venda de cargos públicos – prática aparentemente usual – no qual D. Francisco intervém, devolvendo o dinheiro a quem comprara o cargo e o cargo a quem tinha sido nomeado para o exercer, afirmando que “fez o Conde Almirante esta diligência, porque começou a haver murmurações, e não quiz que seus criados cuidassem que haviam de enriquecer por aquelle modo”192.

O fim deste primeiro vice-reinado de D. Francisco da Gama em Goa fica marcado por um episódio caricato, revelador de grande descontentamento relativamente aos actos do conde, e revestido de um grande cariz simbólico. Ainda que não deva ser descurado nem desprovido de significado, há que ser tido em conta que recebe maior atenção por parte da historiografia não necessariamente por ser o aspecto mais relevante, mas em grande medida por acontecer nos últimos momentos da estada de D. Francisco na Índia, numa fase em que se aguardava já a oportunidade de embarcar em direcção ao reino. Não deixará de merecer a nossa atenção, uma vez que, como refere Francisco Bethencourt, é “um exemplo extremo da violência que os conflitos entre grupos de fidalgos podiam atingir na Índia”193.

Diogo do Couto não nos dá qualquer informação sobre este incidente. Por isso, as únicas informações que temos relativamente ao assunto são escritas por Manuel de Faria e Sousa, que escolhe focar precisamente estes incidentes quando se reporta à recta final de D. Francisco no Oriente.

Falamos do bastante conhecido episódio no qual uma estátua de D. Vasco da Gama foi desmembrada e colocada em vários pontos da cidade. Segundo Bethencourt, nenhum dos locais escolhidos o foi em vão, cada um tendo o seu simbolismo, “sobretudo no que diz respeito à colocação da cabeça e de uma mão da estátua no pelourinho (representando a falta de justiça), a outra mão no espaço dos leilões (representando o interesse venal), um braço na Rua do Açougue (representando o desejo da sua morte como um animal), o outro braço na porta da cidade (simulando o ritual de esquartejamento executado nos crimes de lesa-majestade)”194. Estratégico e simbólico

192 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo III. 193 Francisco Bethencourt, “O Estado da Índia”, in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (coord.), História da Expansão .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 307. 194 Ibidem, p. 311. 73 ou não, é sem dúvida revelador das poucas simpatias que o conde Almirante granjeou durante o período em que governou a Índia portuguesa, ganhando ainda mais peso se juntarmos aqui que “no dia em que o Conde embarcava para voltar ao reino, anteciparam-se quarenta homens bem armados e, entrando na nau que o havia de trazer, com uma estátua sua ao natural no rosto e no fato, a deixaram pendurada na ponta de uma antena”195. Terá sido ao assistir a este episódio que o quarto conde da Vidigueira terá exclamado a expressão que comummente é associada à sua figura: “Não mais Índia, não mais!”.

O facto é que, ainda que aparentemente fosse essa a sua vontade, não correspondeu à verdade, uma vez que D. Francisco voltará a Goa, nos anos vinte do século XVII, para tornar a exercer o cargo que abandonava tão amargamente em 1601196. Ainda assim, o elogio é-lhe feito por Faria e Sousa, que ao comentar a rapidez e segurança com que foi feita a viagem de retorno ao reino, afirma que “pouco importa, logo, ao Conde que encontrasse nos homens as tormentas que não achou nos mares. Porque, se é quase impossível ser agradável a tudo, mais necessário será parecer valido do céu que do mundo”197. Termina a sua exposição sobre D. Francisco de forma que nos parece reveladora do que até aqui escrevemos: “O conde era, em estatura, alto e proporcionado, severo no semblante e branco de tez. Suficiente para este governo e, para qualquer, não inferior aos que dele saíram com mais crédito”198.

* * *

Duas conclusões essenciais podem ser retiradas do que acima foi escrito.

A primeira prende-se com o facto de que todas as personalidades que ocuparam o cargo de presidência do Conselho da Índia terem anteriormente desempenhado funções de topo na Índia: Fernão Teles de Meneses como governador em 1581 e D. Francisco de Mascarenhas e D. Francisco da Gama como vicereis, o primeiro entre 1581 e 1584 e o segundo de 1597 a 1600. Segundo Francisco Mendes da Luz, o Gama é mesmo escolhido entre nomes como o de D. Luís de Lencastre, Rui Lourenço de Távora ou D. Francisco de Almeida, utilizando-se para justificar a escolha uma consulta na qual

195 Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, p. 240. 196 Não teremos esse governo em conta na biografia que aqui apresentamos de D. Francisco da Gama por pretendermos apenas perceber que traços e/ou carreiras foram privilegiados pelo rei na hora de escolher quem deveria assumir a presidência do Conselho da Índia. 197 Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, p. 241. 198 Ibidem, p. 241. 74

Filipe III afirmava que o presidente do dito tribunal deveria ser “fidalgo principal de muita experiência e partes; e que haja sido Viso Rei da Índia”199. A concordância nos postos ocupados antes da chegada ao cargo de presidente do tribunal ultramarino não é, portanto, fruto de um acaso, mas sim de um desígnio régio. Não se requeria um especialista em direito, um eclesiástico ou um fidalgo entendido nas dinâmicas dos territórios africanos ou americanos, mas sim, de forma explícita, um antigo vice-rei da Índia.

Esta associação entre o desempenho do mais alto cargo de representação da coroa portuguesa na Ásia e a presidência deste Conselho deixa-nos perceber uma possível hierarquia dos territórios que se encontravam sob a alçada de Portugal. A indicação é esta provavelmente por ser aquele espaço do império português que à data da criação deste tribunal inspirava mais cuidados que, por sua vez, cuja resolução obrigaria a uma maior minúcia e know-how das gentes, políticas e negócios. Além do Estado da Índia ser ainda considerado, como vimos anteriormente, a jóia da coroa portuguesa e do orgulho luso.

Por outro lado, se falamos de três homens com carreiras coincidentes, o mesmo não se pode dizer dos seus projectos políticos. Se o primeiro se mostrava claramente afecto às pretensões do Prior do Crato, o segundo encontrava-se familiarmente ligado a um dos homens fortes do projecto filipino em Portugal, enquanto o terceiro aceita a nova dinastia sem comprometimentos. Por tal, e reafirmamos que esta é apenas uma via possível para alcançar uma resposta, não poderemos considerar que a escolha dos presidentes do conselho da Índia tenha reflectido um projecto central bem definido no sentido da castelhanização dos assuntos portugueses e do seu império ultramarino.

IV. 2. Conselheiros de Capa e Espada

O primeiro conselheiro de Capa e Espada a ser nomeado para pertencer ao Conselho da Índia foi, como vimos, Pedro de Mendonça Furtado, cuja nomeação é datada de 26 de Agosto de 1604. Sobre o seu percurso, Francisco Mendes da Luz pouco

199 Citado por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 148. 75 mais escreve além de que foi “pessoa muito dedicada ao novo tribunal e que sempre servira a seu cargo com zelo e assiduidade”200.

Pela informação contida no Nobiliário de Felgueiras Gaio, Pedro de Mendonça foi Comendador de Mourão. Casado com Dona Mariana de Mendonça, era genro de D. João de Mendonça, que havia sido vedor e mordomo-mor da infanta D. Maria, filha do rei D. Manuel I, além de ser provido da capitania de Chaul. De pouco mais dados dispomos que nos permitam conhecer e perceber a vida e a carreira deste Conselheiro.

A exercer as suas funções no Conselho da Índia em simultâneo com Pedro de Mendonça Furtado encontra-se D. Francisco de Almeida. É nomeado governador de Tânger em Julho de 1581, sendo portanto o primeiro a ser enviado por Filipe II para ocupar este cargo, depois de resolvida a sucessão de Portugal. O conde da Ericeira, na sua História de Tânger, escreve sobre D. Francisco de Almeida que “governou com grande acerto e a gosto de todos”, deixando de si “muito grata memória”201. Acrescenta, algumas páginas adiante, que “na guerra procedeu com valentia, e com prudência na paz. A seus súbditos, tratou-os mais com amor de pai que com severidade de senhor. Animou-os e consolou-os pelas perdas sofridas, realçou e aumentou a cavalaria e ergueu as armas quase à primeira reputação”202.

Os bons serviços em Tânger fazem com que no início de 1592 D. Francisco saia de Lisboa rumando a Angola, para ocupar o cargo de Governo Geral de Angola203. Segundo o texto de Elias da Silva Correia, escrito no século XVIII, ia D. Francisco “incumbido de estender a Conquista, e reduzir ao nosso inteiro domínio, as encantadas minas de prata da Serra de Cambambe, sobre que El Rei Filipe 2º de Castela, havia fixado a vista, e o desejo”204. Prossegue: “À sua chegada se exaltou a alegria, pela

200 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 153. 201 D. Fernando de Meneses, História de Tânger .... op. cit., 1949, p. 98. 202 Ibidem, p. 131. 203 Chancelaria de Filipe I, Livros de Padrões e Doações, Livro 23, Fl.138v. Sobre esta nomeação e o seu contexto, escreve Mathieu Mogo Demaret: “La principale recommandation faite par Domingos de Abreu e Brito et reprise par la Couronne du Portugal avait trait aux domaines politique et administratif. (...) Le fonctionnaire envoyé à Luanda avait suggéré que l’Angola cesse d’être une capitainerie héréditaire et qu’elle devienne un territoire administré par un représentant désigné par la Couronne pour une durée déterminée, en principe trois ans. Moins de deux ans après la rédaction du rapport, le roi du Portugal mit effectivement fin au systéme héréditaire, en nommant une figure de la noblesse portugaise, Francisco de Almeida, au poste de gouverneur d’Angola”, Mathieu Mogo Demaret, Portugais, Néerlandais et Africains en Angola aux XVIe et XVIIe siècles: construction d’un espace colonial, Tese de Doutoramento apresentada à l’École Pratique des Hautes Études, 2016, p. 109. 204 Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola, Edição de Manuel Múrias, Lisboa, 1937, Volume 1, pp. 209-210. 76 esperança de remediar os males passados”. No entanto, tal remédio tornou-se rapidamente impossível de ser encontrado. Em primeiro lugar, pelo conflito latente com os Jesuítas, “costumados a dirigir os gabinetes do Governo; e entrevindo em todas as disposições do de Angola (...) se chamaram à posse pretendendo dominar nas disposições, que D. Francisco, queria por si só resolver”205. Esta luta pela jurisdição abalou de tal forma “o religioso espírito” de D. Francisco de Almeida que este optou pelo caminho da reconciliação e da cedência.

Em seguida, tentou o Governador terminar o que Paulo Dias de Novais havia começado tempo antes, fazendo planos de subjugar o potentado de Sova, “mas antes de chegar ao teatro da premeditada guerra, teve a desgraça de ser acometido de uma epidemia tão forte que não achando meio de evitar os seus progressos se retirou apressadamente para a vila com muita perda de gente”206.

A investigação levada a cabo por Rodrigo Bonciani permite-lhe afirmar que, enquanto governador-geral de Angola, D. Francisco de Almeida “foi preso pelos moradores, com a conivência dos jesuítas que temiam o fim do sistema de amos e a vassalagem directa dos sobas ao Rei”207. Esta informação não nos é dada por Elias da Silva Correia, que escreve apenas que “quando entrou outra vez nas irrupções que os padres fomentavam em despique à sua independência de governo; eles enfim atearam com tal sopro as dissenções do seu rancor que em breve tempo se acendeu como um incêndio capaz de devorar o sofrimento de D. Francisco; e não podendo o seu génio persistir sossegado perante o flagelo de tantas desordens, nem satisfazer a sua paixão, rompeu na imprudência de abandonar o governo, e embarcar-se repentinamente para Pernambuco em 8 de Abril de 1593.

Percebemos então que D. Francisco desafiou a ordem dos poderes instituídos, motivando a má recepção que foi prestada ao seu governo. Há que ter em conta ainda que este era um cargo recentemente criado que promoveu alterações de relevo, e que os conflitos por que passou D. Francisco não serão tanto promovidos pela sua figura ou pelas suas ideias, mas apenas pela reacção natural a um novo posto e a uma nova

205 Ibidem, p. 210. 206 Ibidem, p. 211. 207 Rodrigo Faustoni Bonciani, O reinado de Filipe III e a configuração das relações de poder político e dominium em perspectiva ibero-atlântica, XXVII Simpósio Nacional de História, Natal-Rio de Janeiro, 2013, p. 6. 77 estrutura administrativa que, aumentando o poder do centro sobre as periferias, diminuía o poder daqueles que aí se encontravam anteriormente208.

Como vimos, encontramos neste conselheiro, pela carreira anterior à sua passagem pelo Conselho da Índia, o know-how necessário à boa administração dos territórios marroquinos, mas essencialmente o conhecimento relativo à dinâmica do comércio de escravos entre Angola e o Brasil e às “articulações dos agentes coloniais no Atlântico”209, cujo relevo vinha crescendo em estreita relação com o desenvolvimento territorial e económico do Brasil.

Familiarmente, D. Francisco é filho de D. João de Almeida e de Dona Luísa de Ornelas, cujo pai foi escrivão da Casa da Índia210. Deste casamento contam-se oito ou nove filhos, havendo dúvidas se realmente um dos filhos que é atribuído a D. João e Dona Luísa realmente o seria. Assim, exlcuíndo este filho – D. Diogo –, estamos perante sete irmãos de D. Francisco de Almeida, dos quais dois seguiram a vida eclesiástica, três serviram no Império – um destes tendo casado no Brasil, onde, supõe- se, estivesse a exercer qualquer cargo, e dois deles na Índia, um lá casando e outro lá morrendo sem deixar descendência – e duas mulheres, uma casada com D. João de Faro e outra com D. Francisco de Meneses, Comendador de Proença211.

D. Francisco, por sua vez, casou no Porto com Dona Isabel Brandão, filha do senhor de Avintes. Deste casamento foram gerados quatro filhos, dos quais se devem destacar D. Pedro de Almeida, que serviu na Índia, Dona Leonor, segunda mulher de Brás Teles da Silva, Capitão de Mazagão e D. João de Almeida.

Estes conselheiros são substituídos, respectivamente, em 1611 e 1612, por João Furtado de Mendonça e João Correia de Sousa. Segundo Francisco Mendes da Luz, a

208 Nas palavras de Mathieu Mogo Demaret, “un des principaux changements que devait opérer Francisco de Almeida était d’ordre politique et concernait la relation entre les colons portugais et les pouvoirs africains. Pendant son mandat, Paulo Dias de Novais avait récompensé les soldats qui l’accompagnaient en leur octroyant les terres conquises et en faisant des chefs africains qui s’y trouvaient leurs subordonnés”. No entanto, com a nomeação de D. Francisco de Almeida por um tempo limitado de anos, “le territoire africain devait passer sous l’autorité de la Couronne, ce qui impliquait la remise en cause du systéme de type clientéliste mis en place par Paulo Dias de Novais. La volonté d’instaurer cette mesure provoqua un des primiers conflits d’ampleur au sein de la communauté portugaise, entre le représentant de la Couronne du Portugal et les colons. Les jésuites, qui bénéficiaient également des tributs payés par les chefs africains, s’opposèrent au nouveau gouverneur”, Mathieu Mogo Demaret, Portugais, Néerlandais et Africains en Angola .... op. cit., 2016, p. 110. 209 Rodrigo Faustoni Bonciani, O reinado de Filipe III .... op. cit., 2013, p. 6. 210 Felgueiras Gaio, Nobiliário .... op. cit., 1938-1941, Volume II, p. 81. 211 Ibidem, Volume II, p. 81. 78 saída de Pedro de Mendonça Furtado do Conselho da Índia é coincidente com a nomeação de D. Francisco da Gama para a sua presidência, e terá estado associada ao ressentimento por não ter recaído sobre si tal nomeação, além, claro, da idade avançada e de um debilitado estado de saúde212. Acaba, portanto, por se aposentar. A saída de D. Francisco de Almeida, como se pode ler na carta de nomeação do seu substituto, deve- se também à sua aposentadoria213.

Infelizmente os Índices dos Livros de Padrões e Doações da Chancelaria de Filipe II não nos permitem chegar à carta pela qual o monarca tornou João Furtado de Mendonça conselheiro da Índia, mas podemos com certeza deduzir que nela encontraríamos as mesmas palavras que encontramos na de João Correia de Sousa: “pela satisfação que tenho do bom procedimento que João Correia de Sousa fidalgo de minha casa e do meu conselho sempre teve em meu serviço nos cargos e coisas que teve a sua conta”214.

João Furtado de Mendonça, havia já servido na Índia durante cerca de doze anos, como capitão de galés e de navios e capitão-mor das Armadas do Estreito de Ormuz e de Malaca215, ao lado do irmão, o capitão André Furtado de Mendonça, futuro governador da Índia, a quem aludimos já a propósito dos conflitos associados ao vice- reinado de D. Francisco da Gama. João Furtado de Mendonça foi ainda Governador- Geral de Angola entre 1595 e 1602.

Aquando a sua chegada a Angola, “conheceu Mendonça o triste estado da Conquista, e a consternação, que a vitória de Cafuxe havia semeado nos corações portugueses”216. Opta por vingar esta derrota lusa, mas apontando que a força das tropas estivesse preparada no mês de Março para proceder ao combate, “se enganou com a estação; pois ainda que é o princípio da frescura; é deste país a mais nociva; e dirigindo- se pelo Bengo, lugar em todo o tempo pestífero, junto às copiosas chuvas, que houveram no mesmo ano, foi tal a epidemia, que não só o Governador se retirou para a Vila perigosamente enfermo, onde sete meses se esteve curando; mas morreram para cima de 200 soldados (...) tais foram os flagelos da peste, e fome, antes que vissem

212 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 153. 213 “E por folgar de lhe fazer mercê me apraz e hei por bem de lha fazer do cargo de Conselheiro do meu Conselho da Índia e mais partes ultramarinas que nele está vago por aposento de D. Francisco de Almeida”, Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 29, Fl. 153. 214 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 29, Fl.153. 215 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 153. 216 Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola .... op. cit., 1937, p. 215. 79 guerra”217. Refeito da convalescença, opta o Governador por retomar o seu projecto bélico e fazer guerra aos Sovas. Contrariando o resultado da expedição anterior, termina esta investida de forma bem sucedida.

Posteriormente, Baltazar Rebelo de Aragão é enviado à frente das tropas portuguesas para prestar socorro a Massangano. Concluída a sua missão e reposto este presídio de munições e gente, dirigem-se os lusos para as terras do Sova Muxima, “para melhor subjugar a rebeldia destes inconstantes vassalos”218, onde após nova vitória portuguesa é dada ordem para construção de um presídio, tornando-se assim este território definitivamente uma possessão portuguesa.

Além disto, durante o seu governo, João Furtado de Mendonça defendeu a vila de Luanda da presença de quatro navios de corsários franceses, galvanizando os espíritos dos seus moradores, “depois de se fortificar no morro de S. Miguel, entricheirando com pipas cheias de areia, e faxinas, e guarnecendo de artilharia os postos por onde podiam ser acometidos”219. Nas palavras de Francisco Mendes da Luz, este governo simbolizou um alargamento considerável da presença e poder portugueses para o interior de Angola220.

Para finalizar a sua abordagem, Elias da Silva Correia afirma que após a saída de João Furtado de Mendonça do governo de Angola, este teria sido Presidente do Conselho da Índia e do Conselho de Portugal em Madrid. Nenhuma das duas afirmações é verdadeira. No que toca ao Conselho da Índia, sabemos pelo acima exposto, que este tribunal teve apenas três presidentes, aos quais já fizemos larga referência. No que ao Conselho de Portugal diz respeito, seguindo as listas contidas no estudo de Santiago de Luxán, não encontramos também qualquer ligação deste fidalgo ao Conselho de Portugal221.

217 Ibidem, p. 215. 218 Ibidem, p. 216. 219 Ibidem, p. 216. 220 Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 154. Este alargamento é em grande parte proporcionado, como escreve Mathieu Demaret, pelo clima de relativa estabilidade política vivido na colónia quando João Furtado de Mendonça aí toma posse, especialmente quando comparada com os momentos de governação de D. Francisco de Almeida e do seu sucessor, D. Jerónimo de Almeida. Assim, esta estabilidade “ce qui a permir la construction de plusieurs forteresses dans les dernières années du XVIe siècle”, Mathieu Mogo Demaret, Portugais, Néerlandais et Africains en Angola .... op. cit., 2016, p. 111. 221 Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 579-584. 80

Era casado com Dona Madalena de Távora, filha de D. Álvaro de Sousa, que “passou a servir à Índia no ano de 1537, foi capitão de Chaul e depois de assistir muitos anos, voltou para o reino e foi do Conselho do rei D. Filipe II, senhor de Alcube, onde fundou um morgado”222. D. Álvaro era, além disso, cunhado de Cristóvão de Moura, pelo seu matrimónio com D. Francisca de Távora, irmã deste fidalgo223.

João Correia de Sousa, por sua vez, antes da sua chegada ao Conselho serviu durante algum tempo na Índia. Recebe a concessão da capitania de Diu no ano de 1604. Esta capitania pertencia primeiramente ao seu tio, José (?) Gomes de Carvalho, morto no primeiro assalto à fortaleza do Cunhale, que a deixou testamentada ao sobrinho. A carta de nomeação refere também que o pai deste fidalgo, Jorge Correia de Sousa, havia servido el-rei D. Sebastião, e morrido com este na Batalha de Alcácer Quibir.

No entanto, não deixa a carta associada a esta mercê de referir que esta era concedida também pelos serviços daquele que a recebia. João Correia de Sousa havia estado em 1598 na armada que saiu de Malaca em direcção a Amboino, na qual foi “capitão de duas galeotas e de um navio de alto bordo”. Pertenceu também ao grupo de homens que, liderados por Furtado de Mendonça, lograram a já referida captura do Cunhale224.

Três anos depois de ser provido com a capitania de Diu pelo sistema de vagante, João Correia de Sousa é incumbido de capitanear dois galeões que nesse ano de 1607 foram armados para, saídos de Lisboa, irem prestar socorro às partes da Índia. Justifica o rei a sua escolha pela confiança que depositava em Correia de Sousa graças às qualidades que reconhecia a este fidalgo da sua casa225. Não temos qualquer dado que nos permita avançar que idade teria Correia de Sousa nesta altura, mas seria, por certo, homem já experiente, o que é justificado não apenas pelo facto de receber a missão de capitanear esta armada, com a responsabilidade que tal acarretava, mas também por ser escolhido apenas poucos anos depois para ingressar o Conselho da Índia. Além disso,

222 António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa ...., Lisboa, Oficina de José António da Silva, 1735-1749, Volume XII, Parte 2, pp. 720-721. 223 Ibidem, p. 721. 224 Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 12, Fl. 200. 225 Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 14, Fl. 326v. 81 logo em 1615, apenas um ano após a extinção do dito Conselho, é redigido o seu alvará de aposentadoria226.

A conclusão mais evidente que podemos retirar do grupo de conselheiros de Capa e Espada que compuseram o Conselho é, sem dúvida, o conhecimento in-loco que estes possuíam do Estado da Índia e da situação que aí se vivia. Há que notar também que tanto na primeira fase de nomeações como na segunda há o cuidado de chamar homens conhecedores também das dinâmicas do Atântico e do florescente comércio triangular, como foi o caso, como vimos, de D. Francisco de Almeida e de João Furtado de Mendonça. Tal denota, pois, que apesar da manutenção da supremacia do valor – ainda que, em grande parte, esta fosse ideológica – do oriente português, as autoridades castelhanas demonstravam também a sua preocupação com a garantia de uma administração conhecedora e consciente dos problemas e desafios apresentos pela crescente viragem do império para Atlântico. No entanto, eram homens conhecedores essencialmente das dinâmicas de Marrocos e Angola, não havendo no Conselho da Índia indivíduos cujas carreiras tivessem passado pelo Brasil.

IV. 3. Conselheiros Letrados

No caso dos conselheiros letrados, acima de tudo importa-nos perceber em que órgãos da administração do reino estes desempenharam as suas funções, tanto antes como depois de serem nomeados para o tribunal ultramarino, de forma que possamos compreender o enquadramento do Conselho da Índia no sistema polissinodal português. Ao contrário do que acontece com os homens da nobreza, com façanhas militares muitas vezes bem documentadas e até descritas pelos cronistas da época, o mundo dos letrados é ainda um mundo pouco explorado, tendo o historiador de basear a sua análise em documentação tendencialmente fragmentada e pouco descritiva.

Na carta através da qual Francisco Vaz Pinto é nomeado membro do Conselho da Índia, ficamos a saber que os motivos que levam o monarca a escolhê-lo para integrar este novo tribunal assentam nos bons serviços por ele prestados como desembargador da Casa da Suplicação, e pela sua especialização em Direito Canónico. Naquela referente à nomeação de Vaz Pinto como Desembargador da Casa da

226 Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 39, Fl. 89. 82

Suplicação podemos apenas reler os elogios já presentes na nomeação para o Conselho da Índia. É uma escolha baseada na satisfação do monarca relativamente aos bons serviços prestados pelo licenciado Francisco Vaz Pinto até àquele momento. Acrescenta apenas que este letrado havia representado Portugal em Roma, o que, supõe-se, já o seu tio teria feito, uma vez que segundo Hugo Ribeiro da Silva “em 1584 o cardeal de Santo Estevão, datário, pedia 400 ducados para que Francisco Vaz Pinto, sobrinho do agente de Portugal em Roma, fosse confirmado no arcediagado de Olivença, no cabido de Braga”227. A consulta deste documento não só praticamente não nos acrescenta informações como levanta mais uma. Esta carta encontra-se, muito provavelmente por lapso ou do escrivão que se equivocou na escrita da data, ou do arquivista que a associou à Chancelaria de Filipe III, datada de 1596. Não podemos, assim, afirmar com exactidão se Francisco Vaz Pinto foi nomeado para a Casa da Suplicação no reinado de Filipe II ou Filipe III, ou se a data foi realmente 1596228. Era, segundo os dados recolhidos por Santiago Luxán, muito próximo de Pedro Álvares Pereira, secretário do Conselho de Portugal em Madrid, tendo por isso visto o seu nome ser afastado da lista de possíveis candidatos a ocupar o lugar de secretário desse Conselho, aquando o projecto de reforma de 1601. Argumentava-se, segundo o historiador, que nomear Vaz Pinto para tal cargo “seria parecido a deixar os papéis nas mãos do antigo secretário”229.

A 16 de Julho de 1604 é nomeado Sebastião Barbosa para com Francisco Vaz Pinto completar o quadro de Conselheiros Letrados do Conselho da Índia. A carta de nomeação segue a mesma fórmula da de Vaz Pinto. Depois da explicitação dos motivos que levaram o monarca a criar o dito Conselho, refere-se apenas que a nomeação de Sebastião Barbosa se devia ao bom serviço deste enquanto Juíz dos Agravos e Apelações da Casa da Suplicação.

Estes dois homens são substituídos, respectivamente, em 1609 e 1611 por Antão de Mesquita e Simão Soares de Carvalho, depois de ambos serem nomeados para o Desembargo do Paço. Enquanto “tribunal supremo do reino”, “centro da administração jurídica”, “cabeça do aparelho judicial português”230 e “última instância em matéria de

227 Hugo Ribeiro da Silva, O clero catedralício português e os equilíbrios sociais do poder (1564-1670), Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2013, p. 142. 228 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 2, Fl. 49. 229 Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, p. 147. 230 Nuno Camarinhas, Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 69 83 graça”231, chegar a Desembargador do Paço era atingir o topo da carreira letrada e um estatuto de relevo no seio dos juízes do reino, sendo as nomeações vitalícias e trazendo consigo benesses simbólicas e de distinção social como os títulos de fidalgo e de Conselheiro de Estado232. Francisco Vaz Pinto foi ainda agraciado, em data incerta, mas por certo após a sua saída do Conselho e do Desembargo do Paço, com o cargo de Chanceler-Mor do Reino233. Sebastião Barbosa, por sua vez, recebe a aposentadoria em Janeiro de 1615, pela sua falta de condições para continuar a servir no Desembargo234. Os novos Conselheiros tinham ambos exercido as funções de Juízes na Relação de Goa, Antão de Mesquita em 1601 e 1602235 e Simão Soares de Carvalho em datas que desconhecemos neste ponto da nossa investigação. Tinham ainda currículos concordantes pela ocupação de cargos no Tribunal da Inquisição de Goa, que originaria conhecimentos fulcrais numa época em que os portugueses viam as suas possessões no Índico prejudicadas pelas acções dos hereges. Os seus percursos não são, todavia, totalmente coincidentes. O primeiro é mencionado numa carta do rei a D. Martim Afonso de Castro, datada de 1607, na qual se diz que tinha sido Juíz dos Feitos da Fazenda e servido também o cargo de secretário236. Segundo o Memorial de Ministros, Antão de Mesquita havia também sido Visitador da Relação do Porto antes de chegar ao Conselho da Índia. Simão Soares de Carvalho, por sua vez, foi Provedor dos Defuntos em Goa. Estes dois últimos letrados que são escolhidos para pertencer ao Conselho saem do mesmo apenas aquando a sua extinção, sendo nessa altura que Antão de Mesquita é direccionado para a Mesa da Consciência e Ordens. Relativamente a Simão Soares de Carvalho não encontramos, neste ponto da nossa investigação, dados sobre o seu percurso após a saída do Conselho da Índia.

Em tom de conclusão, há que notar essencialmente a concordância de currículos existente, sendo que qualquer um destes quatro letrados havia passado por tribunais da Relação, aquando a sua chegada ao Conselho da Índia. No entanto, aumenta em 1609, e reforça-se em 1611 o conhecimento dos membros do Conselho a propósito das dinâmicas jurídicas, mas também políticas, sociais e económicas do Estado da Índia,

231 Ibidem, p. 72. 232 Ibidem, p. 71. 233 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 42, Fl. 222v. 234 Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 34, Fl. 52v. 235 Historical Archives of Goa, 1602, Janeiro, 19, cód. 855, fls. 49-50vº; 1602, Setembro, 3, cód. 3033, fls. 273-274. 236 Carta do rei Filipe III para o vice-rei Martim Afonso de Castro, Madrid, 26 de Janeiro de 1607, in DRI, Volume 1, p. 106. 84 algo que é proporcionado pela escolha de dois homens que haviam desempenhado as suas funções nas repartições da Casa da Suplicação de Goa, e não de Lisboa. Além disso, estabelecendo a comparação entre as carreiras dos Conselheiros de Capa e Espada e as dos juristas, concluímos que o Conselho da Índia constituía patamares diferentes na carreira de uns e outros. Para os primeiros, o tribunal ultramarino revelou-se como um fim – ou topo – de carreira: ou sairam dele aposentados, ou foram substituídos aquando a sua morte. Por outro lado, para os letrados o Conselho da Índia parece estar num patamar intermédio e possibilita hipóteses de ascenção profissional. Aparentemente mais jovens que os conselheiros de Capa e Espada quando chegam ao Conselho, os juristas saem deste tribunal por via de promoções, e não pela aposentadoria ou morte.

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Capítulo V

O Conselho da Índia e o provimento das capitanias do Índico

V. 1. A importância das fortalezas e capitanias no império português

Luís Filipe Thomaz define o império asiático português como o fruto do decalque de duas formas de governo diferentes, já anteriormente utilizadas noutros locaisem fases iniciais da expansão portuguesa. Em termos económicos e comerciais, reproduz-se no Índico o sistema que havia sido adoptado na Guiné; em termos ideológicos, políticos e militares, por outro lado, o projecto do Estado da Índia assemelha-se ao do sistema implantado no Norte de África237.

Aquando a chegada dos portugueses à Ásia, depressa se entendeu que para permitir a presença portuguesa na ásia era necessário criar uma rede de pontos estratégicos. Por isso, O Venturoso e os seus agentes procuraram locais nos quais através do estabelecimento do seu poder militar e dos seus homens se pudesse assegurar uma aproximação à concretização dos propósitos que levavam os portugueses ao Oriente. Nas palavras de André Teixeira, que não era o domínio territorial propriamente dito que interessava aos portugueses, mas sim “o controlo de pequenos enclaves, simples fortalezas que protegessem o essencial dos interesses portugueses”238. Dessa forma, para o estabelecimento dos portugueses foram sendo escolhidos locais que se demonstraram relevantes “enquanto escala de navegação ou ponto estratégico de domínio da circulação marítima”, “enquanto grande porto de comércio internacional ou de escoamento de produtos para os tratos oceânicos” ou enquanto espaços que traziam consigo dividendos positivos em termos político-militares239. Aquando a morte de D. Manuel I, Portugal possuía no Índico treze fortalezas construídas ou projectadas. Eram elas Sofala, Moçambique, Ormuz, Chaul, Goa, Calecute, Cochim, Cananor, Coulão, Colombo, Malaca, Pacém e Ternate. Registe-se a abrangência geográfica destes locais, que colocam os portugueses nas costas e ilhas de todo o oceano Índico.

237 Cf. Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor .... op. cit., 1994, p. 217. p. 213. 238 André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia, Arquitectura militar na construção do império de D. Manuel I, Lisboa, Tribuna da História, 2008, p. 149. 239 Ibidem, pp. 157-158. 86

Por seu turno, D. João III inicia uma política díspar da do seu pai, refreando de forma quase imediata o projecto de construção de fortalezas no Índico. Além de só se tornar a construir uma fortaleza no Índico dez anos depois da subida deste monarca ao trono, logo em 1523, 1524 e 1525, por motivos estratégicos, foram abandonadas as fortalezas de Pacém, Colombo e Calecute, respectivamente, dando o novo monarca ordem para que não fossem retomadas240. No entanto, com o aumento da pressão exercida pelos otomanos naquelas costas, D. João III vê-se obrigado a reforçar a presença portuguesa e, dessa forma, em 1532 ordena a construção de uma fortaleza em Chalé, dois anos depois em Baçaim e em 1535 em Diu.

Numa análise do tempo longo entre o início da construção da rede da presença portuguesa no Oriente e o reinado de Filipe III, comparando as treze fortalezas construídas no reinado de D. Manuel e as vinte e sete presentes no Livro das cidades e fortalezas, percebemos, em primeiro lugar, que há um contínuo crescimento do número de fortalezas, que nem com a chegada de uma nova dinastia, estrangeira, viu uma inflexão241.

Por outro lado, podemos também notar como fortalezas tidas de primeira linha de importância para a manutenção da rede de poder dos portugueses estiveram sempre presentes nas nomeações dos monarcas – por exemplo, Chaul, Cochim, Moçambique, Malaca, Goa, Diu, Baçaim –, enquanto outras, menos relevantes, desaparecem em alguns reinados, como Cananor, Coulão e Maim, e ainda, numa terceira hipóese, fortalezas que são abandonadas pouco tempo após a sua construção, como é o caso de Calecute, Chalé, Pacém e Ceilão, ainda que para esta última encontremos novamente capitães nomeados no reinado de Filipe III.

Concluímos também que apesar de ter havido uma certa continuidade no processo de construção de fortalezas no Índico ao longo de toda a dinastia de Avis, a verdade é que foi no reinado de D. Manuel I e, mais concretamente, durante o governo de Afonso de Albuquerque, que, grosso modo, se definiram os pontos-chave da rede de influência do império português e do Estado da Índia: Cochim, Goa, Malaca,

240 Ibidem, p. 153. 241 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas, que a Coroa de Portugal tem nas partes da India, e das capitanias e mais cargos que nelas há, e da importância delles, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Separata da Revista Studia, Nº6, Julho de 1960. 87

Moçambique, Ormuz e Sofala e Chaul, enquanto ponto de pressão sobre Diu, depois de uma tentativa fracassada de domínio deste ponto de interesse.

V. 2. Critérios e metodologia

Foi esta demonstrada relevância das capitanias do Índico e dos seus oficiais para a manutenção do império português no Oriente que nos levou a procurar entender de que forma foi gerido o processo de escolha dos fidalgos que durante anos de conflito e insegurança como aqueles que estudamos estiveram à sua frente ou, pelo menos, que foram nomeadas para tal. No mesmo seguimento, a tarefa de nomeação dos oficiais das capitanias era considerada “uma das coisas que mais importam ao serviço de Vossa Majestade no Estado da Índia”, dependendo deles o bom governo do império asiático, uma vez que “os erros dos que mal administram em partes tão remotas mais perjudiciais e piores de remedear”. Além disso, “consiste na provisão dos tais cargos a satisfação dos homens que servem naquelas partes, por ser esta só a que se lhes dá de seus serviços e trabalhos; e assim é muito justo que na repartição deles se tenha tal tento que não fiquem uns sem o que merecem e outros com aquilo que não cabe neles”242.

Todas as fortalezas, dentro do conjunto em que se encontravam inseridas, serviam um propósito específico, tal como todos os oficiais desempenhavam tarefas de relevo, que permitiam a sua manutenção. No entanto, o constante crescimento delas, e o elevado número deles, não nos permitem estudar todos os oficiais nomeados para todas as fortalezas. Por tal, fomos obrigados a definir critérios.

242 Ibidem, p. 3. Importa fazer um parêntesis, e chamar a atenção para o valor desta fonte para o nosso estudo. O seu autor, desconhecido, revela que servem as páginas por si escritas para dar conhecimento ao rei, que inaugurava a nova dinastia, sobre as cidades e fortalezas que a coroa de Portugal tinha, à época, no Oriente, “para que visse em verdadeira notícia da grandeza delles sem o trabalho de ver largas escripturas”. Datada de 1582, esta relação é, por isso, a fonte mais próxima que temos para o nosso período. Ainda que os anos que temos em conta na presente dissertação estejam trinta anos separados da data deste Livro, a descrição que o seu autor nos faz do Estado da Índia e as informações que nos dá sobre as hierarquias entre territórios, o valor económico e geo-estratégico de cada fortaleza ou os oficiais que em cada uma exerciam funções, está decerto mais próxima de nos retratar uma realidade mais semelhante àquela existente durante os anos em que o Conselho da Índia funcionou do que, por exemplo, a obra de Bocarro, datada de 1635. Ainda que os anos que separam uma e outra obra do Conselho da Índia sejam os mesmos, o império português foi um império relativamente mais estável entre o século XVI e o início do século XVII do que do segundo quartel de seiscentos em diante, quando, como vimos, é acentuada a guerra territorial prepetrada por holandeses e ingleses, que tem consequências graves, como a perda de Ormuz. 88

Em número de vinte e oito constantes nos Índices de Chancelaria de Filipe II, relacionando os factores do peso político e do peso geográfico, mas também pretendendo estudar o fenómeno das nomeações em diferentes zonas do Índico, com diferentes objectivos geo-estratégicos, restringimos a nossa análise a cinco fortalezas: Goa, Ormuz, Malaca, Diu e Baçaim. Abrangemos, desta forma, a costa ocidental indiana, a Pérsia e a Insulíndia. Justifique-se a ausência de Moçambique, escala principal da navegação entre Lisboa e o Estado da Índia, mas que preferimos não incluir no nosso trabalho pelo facto de se contar apenas uma nomeação para esta capitania, no Índice da Chancelaria de Filipe III.

A presença de Goa no nosso estudo é algo óbvia. Em termos geoestratégicos, Goa assumiu-se desde muito cedo como “uma das principais escápulas do comércio transoceânico”243. Destacava-se ainda pelo facto de estar situada numa ilha no centro da costa ocidental indiana, em território disputado entre os sultanatos do Decão e o reino de Vijaynagar244.

Nos painéis que decoravam a cidade de Lisboa aquando a entrada solene de Filipe II na cidade, em 1581, são representadas as características mais relevantes de cada cidade e fortaleza. Afortaleza de Goa é referida com o relevo que justamente lhe cabia, enquanto “presídio e coluna do Império da Índia”, “escala principal do mundo” e “a principal e metrópole das Índias Orientais, de onde os vice-reis governam e defendem todos os mares, com provimento das fortalezas que naquelas partes há, e fazem guerra a qualquer rei que com rebelião”245. O autor do Livro das Cidades e Fortalezas define a cidade como “uma das maiores e mais populosas da Índia e em que maior concurso e trato há de todas as mercadorias Orientais e Ocidentais, que a ela concorrem em muita abundância de todas as partes do mundo, como a um empório e feira Universal de todo Oriente”246.

“Chave de toda a Índia”247, ponto central do Estado da Índia, centro político desse Estado, em Goa encontrava-se o vice-rei, todos os oficiais de governo, e “toda a

243 João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, Conquista de Goa (1510-1512), Campanhas de Afonso de Albuquerque,Volume 1, Lisboa, Tribuna da História, 2008, p. 9. 244 Cf. André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia .... op. cit., 2008, p. 66. 245 Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe primeiro em Portugal, Lisboa, Francisco Correia, 1581, Capítulo XIV. 246 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 6. 247 Catarina Madeira Santos, Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia (1505-1570), Lisboa, CNCDP, 1999. 89 principal nobreza de Portugal, que aquelas partes vai servir seu Rei (...) entre os quais há muitos soldados veteranos e capitães muito práticos e experimentados e muito cursados na guerra daquelas partes”248.

Abaixo de Goa, cujo valor é inequívoco, o autor do Livro das cidades e fortalezas estabelece Ormuz, Malaca e Diu como as três fortalezas mais importantes do Estado da Índia, o que, só por si, justifica a presença das três na nossa análise.

Anexada aos domínios portugueses em 1507, a cidade de Ormuz era “tão viçosa, e abastada, que dizem os moradores dela, que o Mundo é um annel, e Ormuz uma pedra preciosa engastada nele”249; diz-se também que era “o mais célebre empório e escala do mundo em que maior concurso e trato há de todas as mercadorias Orientais e Ocidentais”250. Encontra-se neste estudo, no entanto, não pela sua demonstrada riqueza, mas pelo aviso que o autor do supracitado Livro das Fortalezas quando a apresenta ao novo monarca: “é a mais importante fortaleza que os Reis de Portugal têm nas partes da Índia e com que mór perda e quebra se receberia se se perdesse”, porque “alem de ser de muito rendimento para sua fazenda Real, é chave daquele estreito que por aquellas partes resiste ao Turco”251.

Não menos rica, Malaca era descrita como “centro onde concorre todo o natural que a terra cria e artificial da mecânica dos homens”, onde se encontravam diversas comunidades mercantes, especializadas no mais variado tipo de produtos252. Era assim devido à sua localização geográfica, que a tornava um ponto de comum às mais ricas navegações comerciais, uma vez que pelo estreito de Malaca passavam as rotas da Índia, da China e da Malásia e Indonésia253, sendo por isso descrita nos arcos triunfais de 1581 como “porta e chave” de todos os mares254.

248 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 7. 249 Barros, Década 2, Parte 2, p. 108. 250 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 32. Frei Agostinho de Azevedo na sua Relação do Estado da Índia apresenta as mercadorias que nesta cidade podiam ser encontradas: sedas, veludos, água de rosas, ruibarbo, pedras de bezoar, açafrão e papel, porcelanas, canela, pimenta, cardamomo, anil e têxteis, oriundos de partes tão díspares como a Pérsia, Baçorá e a Índia. Citado por Dejanirah Couto e Rui Manuel Loureiro, Ormuz, 1507-1622, Conqiuista e Perda, Lisboa, Tribuna da História, 2007, p. 69. 251 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 32. 252 Cf. André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia .... op. cit., 2008, p. 130. 253 “Concorre a ela todos os navegantes daqueles mares da Índia (que lhe ficam a Ocidente) a fazer suas comutações e comércios com os navegantes daqueles mares do Sul (que lhe ficam ao Oriente)”, Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 18. 254 Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram .... op. cit., 1581, Capítulo XX. 90

Desde cedo esteve inserida nos projectos da expansão portuguesa. Logo quando D. Manuel I envia o vice-rei D. Francisco de Almeida para o Índico, deixa explícito o seu interesse naqueles territórios malaios255, o que veio a ser concretizado por Afonso de Albuquerque em 1511. Se até esse momento Malaca era “a principal fonte de que corriam todas as especiarias e drogas para o estreito do mar Roxo e daí para Meca, Cairo, Alexandria e Veneza”256, nos primórdios da união de Portugal ao império de Filipe II, Malaca mantinha este papel, que lhe permitiu tornar-se “a mais importante e proveitosa praça que os reis de Portugal têm no Estado da Índia, assim para conservação do mesmo estado, como para bem e utilidade dos seus vassalos”257. No regimento entregue ao Conde da Feira em Março de 1608, lê-se que “a primeira e principal empresa daquelas partes, e em que deveis pôr os olhos, é a guarda e defensão da fortaleza de Malaca, e em caso que ela esteja ocupada dos inimigos (o que Deus não permita) de sua recuperação”258.

No reinado de D. João III, como vimos, acrescenta-se a fortaleza de Diu aos domínios portugueses. Em meados do século XVI foi descrita pelo italiano Cesare de Federici como “a melhor fortaleza que existe em toda a Índia”259, e no fim do século pelo inglês R. Fitch como “a cidade mais forte que os portugueses têm nestas partes”260.

O interesse geoestratégico de Diu relacionava-se com a sua posição privilegiada cujo domínio, quando conjugado com as posições já anteriormente conquistadas, permitia ao rei português garantir a hegemonia da navegação na costa ocidental da índia e o controlo das rotas comerciais do Mar Vermelho261. De facto, desta posição “se pode facilmente conquisar toda a Índia e navegar para todas as partes dela”. Por este motivo, “a partir de 1529 passou a considerar-se imprescindível deter uma fortaleza na ilha de

255 João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, Conquista de Malaca (1511), Campanhas de Afonso de Albuquerque,Volume 2, Lisboa, Tribuna da História, 2011, p.17. 256 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 18. 257 Ibidem, p. 30. 258 Regimento dado a D. João Forjaz Pereira, conde da Feira, vice-rei da Índia, sobre a armada e mais coisas relativas às partes do Sul e fortaleza de Malaca, Lisboa, 4 de Março de 1608, in DRI, Volume 1, p. 211. 259 Citado por Mário César Leão, A província do norte do Estado da Índia, Macau, Instituto Cultural, 1996, p. 114 260 Citado por ibidem, p. 114. 261 Ibidem, p. 103. 91

Diu, para evitar que os turcos ali se insalassem e fizessem dela base para a guerra contra o Estado da Índia”262.

Analisada esta tríade de fortalezas que compunham o topo da hierarquia de territórios do Estado da Índia, foquemos a nossa atenção em Baçaim. A necessidade de conquista desta fortaleza pelos portugueses aparece em estreita ligação com a conquista de Diu, uma vez que o rei de Cambaia viu na posição geográfica de Baçaim uma boa praça para substituir a perda que Diu tinha constituído para os seus projectos. Assim, tornar-se-ia Baçaim “um local preferencial de fixação dos turcos, caso estes fossem à Índia, pelo que o Estado ficaria com um inimigo muito temível em zona vizinha”263. Diz-nos o autor do Livro das cidades e fortalezas .... que “a capitania desta fortaleza só ia ser antigamente de muita reputação e das cinco melhores da Índia” mas que “depois que se conquistou a fortaleza de Damão ficou Baçaim em menor reputação e com menos proveito”264. Optámos por inseri-la neste estudo, em detrimento, por exemplo, da de Cochim ou da de Damão, de forma a podermos diversificar o nosso tipo de análise e evitar a análise de dados demasiado semelhantes e fazer um contraponto entre as capitanias de topo e esta. Desta forma, apesar de termos chegado a dados bastante heterogéneos para as cinco capitanias que estudámos, como teremos oportunidade de ver, sabemos que tal acontece por ser de facto uma realidade, e não por termos analisado apenas capitanias muito semelhantes e equiparadas em termos de relevância política, geográfica e militar.

No que diz respeito aos oficiais, optámos por cingir a nossa abordagem aos capitães, ocupantes do cargo mais alto dentro da hierarquia da fortaleza, donos de uma autonomia bastante significativa face às restantes instâncias, sendo dependentes apenas do Governador ou do Vice-rei em Goa.

Explicitados os nossos critérios, importa perceber de que forma evoluiram as tendências de nomeações para as capitanias em estudo, bem como quem foram – e por que foram – os fidalgos agraciados com a concessão destas cinco capitanias nos dez anos de funcionamento do Conselho da Índia. Depois de identificados estes capitães, procurámos enquadrá-los socialmente tendo em conta as suas ligações familiares

262 André Teixeira, Baçaim e o seu território: Política e economia (1534-1665), Tese de mestrado apresentada à FCSH-UNL, Lisboa, 2010, p. 28. 263 Op. cit., p. 30. 264 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 24. 92 ascendentes e descendentes, analisar que motivos estiveram por detrás das suas nomeações, encontrar tendências globais de nomeação e entre as escolhas para as diversas capitanias.

Este não é um percurso fácil, em especial devido à escassa informação que detemos sobre cada um dos nomeados. Em algumas cartas de nomeação são-nos fornecidos dados familiares sobre os nomeados. Geralmente tal acontece quando essas nomeações acontecem em virtude de serviços praticados não por estes mas por terceiros – pais, irmãos, tios. No entanto, estes são casos raros, e muitas vezes com base apenas no nome do capitão, não havendo na carta de nomeação referência a nomes de parentes nem informação que nos diga de forma clara qual o seu percurso profissional, e sendo isto conjugado com a falta de fontes e com a existência de homónimos, o nosso trabalho é bastante dificultado.

De facto, ao contrário de períodos anteriores, que contam com diversos trabalhos de cronistas, para o tempo que estudamos podemos apenas dispor das Décadas de Diogo do Couto. Outras fontes de relevo são o Nobiliário de Felgueiras Gaio, que nos permite conhecer a genealogia dos capitães e a colectânea Documentos Remetidos da Índia, composta por documentação trocada entre Lisboa, Goa e Madrid onde podemos procurar a presença dos capitães e, através da percecepção dos contextos em que são citados, conhecer alguns eventos das suas vidas. No entanto, não são poucos os casos em que os capitães não surgem em nenhuma destas fontes e sobre os quais pouco mais sabemos que aquilo que é escrito nas cartas de nomeação265.

Há que relembrar que os nomes e números de capitães aqui expostos são apenas aqueles que nos são fornecidos pelos Índices das Chancelarias dos reinados a que aludirmos, pelo que deve ser estabelecida uma margem de erro para a eventualidade de estarmos a lidar com índices incompletos e para a consequente possibilidade de haver capitães que não figuram do nosso estudo.

V. 3. O tempo longo: de D. João III a Filipe III

Antes de iniciarmos a nossa abordagem, duas questões devem ser tidas em conta. Em primeiro lugar, a falta de contabilização dos dados respeitantes ao reinado de

265 Cf. Anexo 5. 93

D. Manuel I, ainda que tenha sido no seu tempo que a rede de fortalezas tenha começado a ser impulsionada. Optámos por iniciar a nossa análise no reinado de D. João III apenas porque os dados de que dispomos sobre o fenómeno das nomeações durante os anos de governo d’ O Venturoso são algo escassos e deixavam pouca margem para qualquer tipo de cálculo. É assim ou porque a documentação se perdeu e foi impossível registar correctamente todas as nomeações deste monarca nos Índices de Chancelaria, ou porque o número de nomeações foi realmente baixo, por serem anos em que se faziam ainda os primeiros reconhecimentos e as primeiras construções e em que alguns dos capitães eram nomeados apenas aquando a conquista e/ou construção das fortalezas, pelas autoridades estantes na Índia, e não pelo monarca266.

Outra questão relaciona-se com o tempo de reinado de D. Sebastião. Por motivos metodológicos, colocamos sob o seu nome as nomeações efectuadas entre a morte de D. João III em 1557 e a tomada de posse de Filipe II como rei de Portugal, em 1581. Tal acontece assim não apenas por uma questão de facilitar a nossa abordagem, evitando fragmentações temporais excessivas, mas também porque a Chancelaria de D. Sebastião se encontra junta com a do tempo de reinado do rei D. Henrique e, por tal, o contido nos seus índices corresponde às nomeações feitas tanto por um como por outro monarca.

Como vimos, os entrepostos militares que nas ilhas e costas do Índico asseguraram aos portugueses a manutenção do seu império asiático receberam diferente atenção ao longo dos reinados. Por tal, julgámos importante perceber de que forma foi evoluindo, entre os reinados de D. João III e de Filipe III, a dinâmica de nomeação de capitães para as fortalezas em estudo, nomeadamente através de uma análise da média global de nomeações por reinado e por ano de reinado no total de nomeações para as cinco capitanias e, posteriormente, pela contabilização do número de nomeações feitas em cada reinado para cada uma das capitanias e do cálculo da média de nomeados por ano de reinado.

Total de nomeados Média por ano

D. João III 59 1,6 D. Sebastião 41 1,7 Filipe II 70 4,1 Filipe III 99 4,3

266 No reinado de D. Manuel as fortalezas de Baçaim e Diu, como vimos, ainda não estavam sob a tutela portuguesa, pelo que não podem existir nomeações deste monarca para nenhuma delas. No que diz respeito a Goa, Malaca e Ormuz, encontramos registadas duas nomeações para cada uma delas. 94

Na coluna da esquerda apresentamos o valor da soma de todos os nomeados para as capitanias de Goa, Ormuz, Malaca, Diu e Baçaim nos reinados de D. João III, D. Sebastião e D. Henrique, Filipe II e Filipe III. Na da direita, o valor da média de nomeações por ano, em cada um destes reinados. Conclui-se facilmente a tendência generalizada de crescimento da média do número de capitães nomeados anualmente. Entre o tempo de governação de D. João III e o de D. Sebastião o aumento foi muito pouco significativo, especialmente quando comparado com os valores do reinado seguinte, e tendo em conta que nessa altura estava já consolidada a presença portuguesa na maioria destes locais e a importância destas fortalezas no seio do Estado da Índia. Este aumento será, no entanto, particularmente acentuado entre a dinastia de Avis e os valores dos reis castelhanos.

Este considerável aumento registado entre os reinados de Avis e os reinados dos Áustrias é em grande parte explicado pela tendência crescente de nomeação de capitães pelo sistema de “vagante dos providos”. Por este sistema, a concessão das capitanias das fortalezas era feita pelo monarca não necessariamente quando surgia a necessidade de prover as fortalezas, quando o capitão em funções terminava o seu triénio de exercício, mas sim quando houvesse necessidade de agraciar determinada pessoa. Consequentemente, qualquer indivíduo nomeado pelo sistema de vagante só poderia exercer o seu cargo depois de terem exercido os seus triénios todos aqueles que tivessem sido nomeados antes de si. Criava-se assim algo semelhante a uma lista de espera, ou, pelas palavras de Mafalda Soares da Cunha, “uma bolsa de candidatos aos diferentes cargos que funcionava como uma garantia permanente para o recrutamento”267.

Para a coroa, este método tinha a vantagem de garantir o contentamento dos seus súbditos e a recompensa pelos serviços prestados sem que tal correspondesse obrigatoriamente a um aumento das despesas ou dos postos existentes268. No entanto, constituindo-se as nomeações como património pessoal daqueles que eram indigitados por via deste sistema, e sendo geralmente elevado o tempo compreendido entre a data das nomeações e o momento de exercício das mesmas, acabava por se tornar um

267 Mafalda Soares da Cunha, O império português no tempo de Filipe III. Dinâmicas político- administrativas, p. 6, Versão reduzida e em português do texto “Organización político-administrativa”, in José Martínez Millán e María Antonietta Visceglia (dirs.), La Monarquía de Filipe III: Los Reinos, Volume IV, Madrid, Fundación Mapfre-Instituto de Cultura, 2008, pp. 883-899. 268 Cf. João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente ... op. cit., 1992, p. 312. 95 inconveniente para o funcionamento e gestão do espaço ultramarino. Se tivermos em conta a tabela seguinte, percebemos de que forma se podia tornar impossível que a pessoa agraciada pela mercê chegasse efectivamente a exercer o ofício.

Número de Tempo assegurado pelas Capitania de Goa momeados nomeações D. João III 16 48 anos D. Sebastião 8 24 anos Filipe II 5 15 anos Filipe III 10 30 anos Total 38 117 anos Capitania de Ormuz

D. João III 11 33 anos D. Sebastião 10 30 anos Filipe II 21 63 anos Filipe III 28 84 anos Total 70 210 anos Capitania de Malaca

D. João III 11 33 anos D. Sebastião 10 30 anos Filipe II 13 39 anos Filipe III 11 33 anos Total 45 135 anos Capitania de Diu

D. João III 11 33 anos D. Sebastião 10 30 anos Filipe II 21 63 anos Filipe III 28 84 anos Total 70 210 anos Capitania de Baçaim

D. João III 10 30 anos D. Sebastião 7 21 anos Filipe II 18 54 anos Filipe III 23 69 anos Total 50 174 anos

96

Tendo em conta o número de capitães nomeados e multiplicando-o pelos três anos que cada um devia estar à frente da capitania que lhe correspondia, podemos perceber que no século compreendido entre 1521 e 1621, que separa o reinado de D. João III do de Filipe III, são nomeados capitães suficientes para assegurar estas cinco capitanias por um tempo sempre superior ao tempo efectivo.

O valor associado a Goa é, eventualmente, não tão elevado como podíamos esperar, e mostra-nos que não há um número tão desajustado de capitães nomeados, quando comparado com o tempo de exercício que fica assegurado pelas nomeações. Tal pode ser explicado pelo facto de neste local se encontrarem os vice-reis e governadores, bem como grande parte do aparato militar do Estado da Índia, o que tornaria menos gravosa a ausência de um capitão nesse local do que noutros mais isolados e distantes do centro governativo. Além disso, o estatuto superior de Goa quando comparado com outras fortalezas tornava-a uma fortaleza simbolicamente mais valorizada e, tanto mais, quanto menor fosse o número de homens a serem indigitados para servir nela. Não estranhamos, pois, que 1621 governador da Índia se queixasse ao rei pelo facto de se encontrar por prover a capitania de Goa “por não haver outra pessoa provida dela por Vossa Majestade senão eu [Fernão de Albuquerque] que a tenho (...) e por estar ocupado neste Governo a não posso servir”269.

Por outro lado, nos casos de Ormuz e Diu as nomeações feitas durante um século asseguravam mais de duzentos anos de exercício, o que já nos leva a concluir que o número de capitães nomeados para ambas as capitanias tenha sido excessivamente elevado. As nomeações para a capitania de Baçaim, embora com valores ligeiramente mais baixos, levam-nos a retirar a mesma conclusão. Por tal se percebe que em muitos casos já não era ao indivíduo que tinha sido agraciado que cabia o exercício das funções em questão, ou porque devido ao seu envelhecimento optava por renunciar a favor de parentes, ou porque pelo seu falecimento a mercê era herdada, ou pelos seus filhos e genros ou até pelos segundos maridos das viúvas270. Por isso, muitas vezes acabavam por estar à frente das fortalezas não aqueles que tinham feito os serviços que os

269 Carta do Governador da Índia Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 18 de Fevereiro de 1621, in DRI, Volume 7, p. 236. 270 Cf. João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente ... op. cit., 1992, p. 313. 97

30

25

20 D. João III 15 D. Sebastião Filipe II 10 Filipe III

5

0 Goa Ormuz Malaca Diu Baçaim tornavam capazes de servir proveitosamente, mas sim, em alguns casos, indivíduos sem preparação para os cargos que iam ocupar271.

271 Cf. Ibidem, p. 313. Pelo mesmo motivo, em 1608 começa a ser debatida no Conselho de Portugal a hipótese de abandonar o sistema de vagante dos providos nas nomeações para as capitanias e capitanias- mor das naus da Índia. O método de nomeações era posto em causa principalmente porque, tal como evidenciámos para o caso das fortalezas, também no caso das capitanias das naus muitas vezes acabavam por exercer o cargo não os que tinham sido nomeados, mas os herdeiros. Devido à presença de rebeldes a perturbar a navegação portuguesa, tornava-se cada vez mais crucial garantir que as viagens eram capitaneadas por homens competentes que merecessem a nomeação, e não pelos seus herdeiros, cuja prática e experiência podia não ser comprovada, ou não se revelar à altura da tarefa. Não se chegaram a efectuar alterações no sistema, mas “a discussão sobre os modelos de recrutamento estava, porém, aberta. De um lado situava-se a tradicional política garantista de defesa dos direitos adquiridos dos fidalgos amerceados a que se agregava o argumento economicista da poupança para as sempre depauperadas finanças régias; do outro surgiam as propostas de decisão política assentes em critérios de oportunidade e de utilidade que sugeriam soluções mais livres e adequadas à evolução da própria realidade”, Mafalda Soares da Cunha, O império português no tempo de Filipe III. Dinâmicas político-administrativas, p. 6, Versão reduzida e em português do texto “Organización político-administrativa”, in José Martínez Millán e María Antonietta Visceglia (dirs.), La Monarquía de Filipe III: Los Reinos, Volume IV, Madrid, Fundación Mapfre-Instituto de Cultura, 2008, pp. 883-899. 98

O primeiro gráfico mostra-nos o número efectivo de nomeações nas cinco capitanias em análise entre o reinado de D. João III e o de Filipe II. O segundo, por outro lado, mostra-nos a média de nomeações por reinado em cada uma das capitanias. A observação de ambos leva-nos a reparar, tal como já havíamos reparado quando analisámos as capitanias no seu conjunto, num aumento significativo entre as nomeações feitas pelos reis de avis e aquelas feitas pelos seus sucessores castelhanos. Salve-se, uma vez mais, a excepção de Goa, que apresenta uma diminuição entre o reinado de D. Sebastião e o de Filipe II.

4,5 4 3,5 3 D. João III 2,5 D. Sebastião 2 Filipe II 1,5 Filipe III 1 0,5 0 Goa Ormuz Malaca Diu Baçaim Note-se, além disso, uma certa ausência de padrão entre as várias capitanias, não havendo nenhuma variante de análise que nos leve a encontrar o mesmo resultado em todas as capitanias. As nomeações para a fortaleza de Baçaim, Diu e Malaca apresentam-nos números que nos mostram um constante aumento da média de nomeações por ano de reinado durante o governo destes quatro monarcas. Em Baçaim e em Diu estes valores sobem consideravelmente entre os reis da dinastia de Avis e os reis castelhanos, mas apresentam uma estagnação entre os reinados de Filipe II e Filipe III. Malaca mantém números mais baixos, mas revela-se dentro da mesma tendência. Pelo contrário as nomeações para a fortaleza de Goa apresentam uma descida constante entre os reinados de D. João III e Filipe II, que é posteriormente invertida no reinado de Filipe III. No que diz respeito à capitania de Ormuz, a oscilação de valores é constante.

99

No que diz respeito ao segundo gráfico, podemos dizer que um capitão nomeado por triénio para cada uma das capitanias seria o número ideal para que existisse um equilíbrio entre o número de nomeados e os anos assegurados pelo exercício efectivo dos cargos em questão. Contrariamente ao que esperávamos, tendo em conta as tabelas apresentadas anteriormente, esta lógica numérica é respeitada com bastante frequência. Para Goa as nomeações nunca ultrapassam a média de um nomeado por triénio. Nas restantes fortalezas só durante os reinados de Filipe II e Filipe III estes números sobem para médias de – arredondando os valores para números efectivos – três nomeações por triénio em Ormuz, Diu e Baçaim, e duas em Malaca.

V. 4. O tempo curto: o Conselho da Índia (1604-1614)

Como vimos, em todo o reinado de Filipe III este número ascendeu a um total de noventa e nove capitães nomeados entre as capitanias de Goa, Ormuz, Malaca, Diu e 14

12

10

8 1598-1604 1604-1614 6 1614-1621 4

2

0 Baçaim Diu Goa Malaca Ormuz

Baçaim. Destes noventa e nove, pelo menos trinta e quatro capitães foram escolhidos pelo Conselho da Índia272, o que corresponde a uma média de cerca de 4,7 nomeações

272 Dos nossos cálculos não consta a totalidade do nosso objecto de análise, uma vez que, ou por motivos de mau estado da documentação que nos impediram de a consultar, ou por ser imperceptível a leitura ou percepção das datas de nomeação, há quatro capitães cujas datas de nomeação desconhecemos e que, por 100 por ano nos treze anos de reinado em que não houve Conselho da Índia (os períodos compreendidos entre 1598-1604 e 1614-1621) e uma média ligeiramente inferior enquanto o Conselho esteve activo (1604-1614), de 3,4 nomeações por ano. Num primeiro olhar, somos levados a concluir que nos vinte e três anos de reinado de Filipe III, os dez de funcionamento do Conselho da Índia corresponderam a uma quebra do número de nomeações relativamente aos anos em que o Conselho não esteve activo. No entanto, se alterarmos a nossa forma de abordar o assunto e dividirmos o reinado de Filipe III em três fases distintas, cada uma correspondendo aos períodos anterior, coincidente e posterior ao funcionamento deste tribunal, percebemos que os seus dez anos de funcionamento não representaram linearmente esta quebra no número de nomeações.

Por esta perspectiva, percebemos que a descida do número efectivo de nomeações entre os três espaços temporais definidos é, em quatro das cinco capitanias em estudo, uma realidade. Apenas a capitania de Goa se constitui, neste caso, como uma excepção, contrariando a tendência de decréscimo, enquanto Diu apresenta valores iguais na primeira e na segunda fase, mas desce significativamente na terceira. Além disso, numa análise global, os dados mostram-nos que nos seis anos anteriores à criação do Conselho da Índia foram nomeados quarenta e oito homens para estas capitanias; no período seguinte falamos de trinta e quatro e nos últimos seis anos são nomeados treze capitães. Tal corresponde a uma média de oito nomeações por ano entre 1598 e 1604, 3,4 nomeações por ano nos dez anos seguintes e 1,8 no último período.

Pelo acima exposto, percebemos que estamos perante um processo gradual e bastante significativo de diminuição do número de nomeações nas diferentes conjunturas do reinado em questão. Percebemos assim que a quebra que referimos inicialmente não se encontra claramente associada ao funcionamento Conselho da Índia, representando sim estes dez anos uma tendência de decréscimo que se mantém após o fim do tribunal.

Notámos anteriormente que os inconvenientes do sistema de vagante dos providos foram abertamente discutidos a partir de 1608 no Conselho de Portugal.

isso, não pudemos incluir na nossa análise. Destes, três foram nomeados para a capitania de Baçaim e um para a de Goa. 101

Somos por isso levados a pensar que os receios demonstrados pelas autoridades relativamente à falta de habilitações daqueles que acabavam por herdar ou receber por renúncia as capitanias-mores das naus da Índia se estenderam à ocupação das fortalezas desse Estado. Por tal, podemos estar perante anos em que se opta pela diminuição das nomeações e da bolsa de nomeados e se entende que a complexa conjuntura vivida no Índico obrigava a um maior cuidado na hora da escolha dos capitães e a uma garantia que aqueles que exerciam as mercês eram efectivamente homens nomeados, que haviam sido considerados capazes, e não os seus herdeiros. Abrandar o ritmo de nomeações era, à partida, diminuir o tempo de espera entre a nomeação e o exercício efectivo da mesma e, assim, garantir que esta podia ser exercida por quem a tinha recebido.

Entendida a dinâmica global de nomeações ao longo dos vinte e três anos de reinado de Filipe III, foquemos a nossa atenção nos capitães que foram nomeados pelo Conselho da Índia.

Fortaleza273 Nome do capitão Nomeação Goa Manuel de Oliveira de Azevedo 1607 Simão de Sousa de Castro 1607 Tomé de Sousa de Arronches 1611 Ormuz D. Cristóvão de Noronha 1608 Cristóvão de Távora 1608 D. Duarte de Lima 1608 D. Francisco de Lima 1614 D. Jorge de Alencastro 1608 Malaca Diogo de Melo de Sampaio 1613 Diogo de Melo de Castro 1612 D. João de Mascarenhas 1612 João Pinto de Morais 1611 Luís de Melo de Sampaio 1610 Manuel da Silva de Sousa 1609 Diu D. Afonso Henriques 1613 D. António de Eça 1614 Duarte Pacheco Pereira 1613 Fernão de Saldanha 1612 D. João de Almeida 1605 João Furtado de Mendonça 1605 D. João da Silva 1608

273 Para evitarmos uma fragmentação excessiva do texto, as cotas referentes às cartas de nomeação de cada um destes capitães encontram-se no anexo 6. 102

D. Lopo de Almeida 1607 Luís Falcão 1611 Manuel de Miranda Henriques 1613 Manuel Pereira da Silva 1612 Nicolau de Castilho 1606 Salvador Pereira da Silva 1605 Baçaim Bartolomeu Pereira de Miranda 1613 Fernão de Sampaio da Cunha 1611 Francisco de Macedo de Meneses 1611 D. João de Sousa 1608 Jorge de Lima Barreto 1612 Luís de Brito de Melo 1606 Pedro de Sousa de Meneses 1610

V. 4. 1. Motivos de escolha

Para que possamos perceber a lógica de nomeações que norteou a escolha dos capitães por parte dos conselheiros da Índia, precisamos de perceber que motivos foram apresentados como justificação da entrega de tais mercês a estes homens. De facto, o que importa realmente perceber é até que ponto estas nomeações estão revestidas de cariz político, se têm o peso de linhagens e ascendentes a promovê-las, e se se destinam a alimentar redes de poder ou se, pelo contrário, é nas qualidades de cada um destes indivíduos que os conselheiros da Índia se baseiam para aconselharem o monarca no sentido de os nomear capitães das cinco fortalezas em estudo.

Os dados constantes nas trinta e quatro cartas de nomeação que consultámos encontram-se representados na tabela e no gráfico abaixo.

Serviços Serviços de Nome do capitão seus terceiros D. Afonso Henriques x

D. António de Eça x

Bartolomeu Pereira de Miranda x

D. Cristóvão de Noronha x

Cristóvão de Távora x

Diogo de Melo de Sampaio x

Diogo de Melo de Castro x

D. Duarte Lima x

Duarte Pacheco Pereira x x Fernão de Sampaio da Cunha x

Fernão de Saldanha x

103

D. Francisco de Lima x

Francisco de Macedo de Meneses x

D. João de Sousa x x D. João de Almeida x x D. João da Silva x

João Furtado de Mendonça x

D. João de Mascarenhas x

João Pinto de Morais x

D. Jorge de Alencastro x

D. Jorge de Lima Barreto x

Lopo de Almeida x

Luís de Melo de Sampaio x x Luís Falcão x

Luís Brito de Melo x

Manuel de Miranda Henriques ─ ─ Manuel de Oliveira de Azevedo x

Manuel Pereira da Silva x

Manuel da Silva de Sousa x x Nicolau de Castilho x x Pedro de Sousa de Meneses x

Salvador Pereira da Silva x

Simão de Sousa de Castro x

Tomé de Sousa de Arronches x

Pelo facto de estarmos perante cinco capitanias consideradas de topo no conjunto do Estado da Índia, não é surpreendente que a maioria dos capitães que estudámos tenha sido provida com as mesmas havendo respeito aos seus próprios serviços. Tal evidencia-se ainda mais se a esses 65% de capitães adicionarmos também os 15% que foram nomeados havendo respeito não apenas aos seus serviços, mas que também já os tinham prestado. Assim, chegamos à conclusão de que 80% dos capitães nomeados no período de funcionamento do Conselho da Índia o foram por terem até à data das nomeações desempenhado funções no Estado da Índia. Tenhamos em conta, o mais que a documentação nos permitir, cada um destes casos.

Capitães como D. António de Eça, Diogo de Melo de Sampaio, Duarte Pacheco Pereira, D. Francisco de Lima, D. João de Almeida, D. João da Silva, D. João de Sousa, Jorge de Lima Barreto, Luís Brito de Melo, Manuel da Silva de Sousa, Nicolau de Castilho e Pedro de Sousa de Meneses são nomeados com a única justificação de terem

104 prestado serviços no Estado da Índia, seguindo as cartas, na sua maioria, a mesma fórmula: “havendo respeito aos serviços que (nome do nomeado), fidalgo de minha casa, me fez/me tem feito nas partes da Índia, servindo de soldado e capitão de navios”. Não são acrescentados outros pormenores nos casos que citámos. Apenas nos casos de D. Francisco de Lima e de Manuel da Silva de Sousa se pode ler que a nomeação recai sobre eles também como recompensa por serviços – não especificados – no reino.

As restantes cartas de nomeação são bastante mais detalhadas, e por isso permitem-nos com mais facilidade situar os capitães e os seus serviços no Estado da Índia. As de Bartolomeu Pereira de Miranda, Diogo de Melo de Castro, Fernão de Sampaio da Cunha e João Pinto de Morais referem a presença destes homens ao serviço do vice-rei Martim Afonso de Castro (1605-1607). Destes, os dois primeiros são nomeados por terem estado no desembarque em Achém e no combate contra os holandeses em Malaca; por seu turno, tanto Fernão de Sampaio da Cunha como João Pinto de Morais estiveram apenas em Malaca, tendo este último capitaneado um galeão nessa ocasião. São estas nomeações quatro nomeações compreendidas entre os anos de 1611 e 1613, e para as capitanias de Baçaim e Malaca.

Um outro grupo de oficiais pode ser definido tendo em conta os motivos apresentados nas cartas de mercê para justificar as nomeações. D. Afonso Henriques, D. Cristóvão de Noronha, Lopo de Almeida, Luís de Melo de Sampaio e Manuel de Oliveira de Azevedo são nomeados como recompensa pelos seus serviços aquando os assaltos à fortaleza de Cunhale que aconteceram, como vimos, durante o vice-reinado de D. Francisco da Gama, o primeiro capitaneado por D. Luís da Gama em 1598 e o segundo em 1600, sob as ordens de André Furtado de Mendonça.

Além destes grupos de capitães nomeados como recompensa pela sua presença e bons serviços nas duas conjunturas concretas a que aludimos, há também algumas cartas que demonstram a existência de outro tipo de motivações, sendo, em alguns casos, os mesmos homens a que aludimos nos dois parágrafos anteriores. Fernão de Sampaio da Cunha, além de ter estado em Malaca com Martim Afonso de Castro, esteve também com André Furtado de Mendonça “nas ocasiões de guerra”, e é também por isso que é indigitado com a capitania de Baçaim. Igualmente, Lopo de Almeida é agraciado não apenas pela sua presença em Cunhale, mas também por ter acompanhado André Furtado de Mendonça, capitaneando um galeão na Armada do Sul; Luís Falcão é considerado

105 merecedor da capitania de Diu por ter servido com satisfação nas guerras de Baçaim e enquanto Capitão-Mor de Baçaim; Luís de Melo de Sampaio, além de presente no assalto ao Cunhale, esteve também na tomada do morro de Chaul em 1594. D. Jorge de Alencastro havia servido em Ceuta, até que passou à Índia na companhia de Rui Lourenço de Távora. Por fim, Salvador Pereira da Silva é indigitado com a capitania de Diu por ter estado presente nas Armadas do Norte e Simão de Sousa de Castro é nomeado como recompensa pelos seus serviços na Índia, desempenhados após 1584, quando seguiu para aquelas partes provido da capitania de Mangalor.

Podemos supor que nestes vinte e três casos apresentados, correspondentes a 65% do total das nomeações, sejam casos em que o peso da linhagem esteja ausente – ou suficientemente esbatido para que não lhe seja feita referência –, e que tenha sido apenas por recompensa do valor pessoal destes homens que a nomeação ocorre. No que diz respeito aos capitães em cujas cartas encontramos referências ou somente aos seus graus de parentesco com terceiros, ou aos seus serviços, conjugados com os de familiares, devemos subentender que, no primeiro caso, é apenas o peso da linhagem que conta, sendo, como veremos, nomeações herdadas e, no segundo caso, que apesar dos satisfatórios serviços prestados pelo nomeado, é também pelo seu nome pela sua família que a nomeação acontece. Analisemos ambas as situações, e as especificidades de cada uma.

A estes juntam-se os nomes de Duarte Pacheco Pereira, D. João de Almeida, D. João de Sousa, Luís de Melo de Sampaio, Manuel da Silva de Sousa e Nicolau de Castilho, nomeados havendo respeito a serviços praticados por si, mas pesando também os préstimos e influência de familiares. Já referimos, em todos estes casos, quais foram as motivações que estiveram por detrás das suas nomeações. Resta agora perceber quem foram os parentes que influenciaram ou deixaram estas mercês como herança. No caso de Duarte Pacheco Pereira, era João Pacheco o dono da mercê e após o seu falecimento recaiu a sua herança sobre D. Guiomar de Meneses, sua filha que, por sua vez, renuncia- a a favor de Duarte Pacheco Pereira que, pelo que pudemos perceber pela leitura da carta, era seu filho e, por isso, neto do agraciado. A carta de nomeação de D. João de Almeida refere serviços não especificados, praticados por si e pelo sogro, D. João de Sousa, por ser casado com D. Violante, a filha mais velha deste capitão e, por isso, aparentemente, a sua herdeira. Os serviços de D. João de Sousa são herdados depois do pai, D. António de Sousa, ter morrido sem servir na capitania de Baçaim, para a qual

106 estava indigitado, e de Dona Cecília, sua mãe, ter renunciado os direitos que tinha sobre tal mercê. Luís de Melo de Sampaio, a quem já aludimos aquando a referência ao grupo de capitães presentes na tomada da fortaleza do Cunhale, além de ser nomeado por esser serviços, é-o também por herdar a recompensa pelos serviços do irmão, Tristão de Melo, que morre solteiro e sem filhos ao serviço do Estado da Índia, depois da mãe de ambos renunciar a esta herança a favor de Luís. Manuel da Silva de Sousa, por sua vez, é agraciado por respeito aos serviços do tio, Álvaro Dias de Sousa, e Nicolau de Castilho é-o a pedido do vice-rei de Lisboa, D. Pedro de Castilho, ainda que se refiram, como vimos, não especificados serviços do mesmo no Estado da Índia.

Situação diferente é a das seis nomeações nas quais encontramos referência apenas a serviços prestados por terceiros: D. Cristóvão de Távora, D. Duarte Lima, Fernão de Saldanha, Francisco de Macedo de Meneses, D. João de Mascarenhas e Manuel Pereira da Silva. Nenhum destes homens parece ter estado na Índia, ou ter prestado serviços relevantes nessas partes, pelo menos até à data das suas nomeações, e todos foram nomeados tendo em conta os serviços de pais, irmãos e tios. D. Cristóvão de Távora é nomeado como recompensa pelos serviços do pai, Rui Lourenço de Távora, ainda em vida deste, que aliás se tornaria vice-rei da Índia no ano a seguir ao da nomeação do filho. Lembre-se ainda que este fidalgo era cunhado de D. Francisco da Gama, como vimos, duas vezes vice-rei da Índia, em exercício do cargo de presidente do Conselho da Índia no momento da nomeação de Cristóvão de Távora como capitão de Ormuz. D. Duarte Lima é nomeado pelos serviços do pai, D. António de Lima, e Fernão de Saldanha recebe a capitania de Diu depois do seu pai e de três irmãos deste terem morrido em funções no Estado da Índia. Uma vez que nenhum dos tios tinha descendência, tornou-se Fernão de Saldanha o herdeiro das mercês por eles merecidas. Não conseguimos detectar, nem no caso de Lima nem no de Saldanha a mercê já estava feita aos seus familiares e se estes homens somente a herdam, ou se lhes é feita directamente, por já não poderem ser recompensados aqueles que de facto tinham exercido funções. Francisco de Macedo de Meneses herda a capitania de Baçaim, que havia sido entregue ao seu pai em 1602, depois de este a ter também herdado de Henrique de Macedo, seu pai, nomeado em 1589. D. João de Mascarenhas herda a capitania do tio, D. Vasco de Mascarenhas, após a morte deste, e depois de renunciada pelo seu pai, que era o primeiro herdeiro do irmão. Manuel Pereira da Silva, é nomeado

107 pelos serviços desempenhados pelo irmão, Salvador da Silva Pereira, que foi agraciado com a capitania de Diu em 1605 pelos motivos que acima expusemos.

Importa diferenciar os dois casos típicos que encontramos associados a estas nomeações em que não são os serviços dos próprios nomeados a terem peso na sua escolha para serem agraciados. Em alguns casos estamos perante capitães que, não tendo folha de serviços no Oriente, são escolhidos por respeito aos serviços de parentes e tendo em conta a influência destes; noutros, são homens que herdaram capitanias com que os seus familiares estavam indigitados aquando a sua morte. Tenhamos como exemplos ilustrativos os casos de D. Cristóvão de Távora e de D. João de Mascarenhas. Como vimos, nenhum dos dois havia servido na Índia pelo menos até às datas das suas nomeações. A carta de Cristóvão de Távora demonstra-nos que, apesar da ausência de folha de serviços relevantes na Índia, é directamente a si que o rei entrega a capitania. Pelo contrário, D. João de Mascarenhas, apesar de provido, é-o apenas por herança, não lhe sendo feita directamente a si nenhuma mercê. A influência da linhagem parece clara, e dificilmente podemos considerar a hipótese de não ter sido a preeminência dos seus familiares na Índia e no reino que tenha promovido esta nomeação dos dois capitães, especialmente se tivermos em conta os cargos desempenhados pelos dois homens associados a estas mercês274.

No entanto, de um modo geral parecemos estar em condições de afirmar que as escolhas para as capitanias em estudo são baseadas essencialmente no critério do mérito pessoal de cada indivíduo. Sempre que não encontramos, nas cartas de concessão de mercê, menção ao pai ou a qualquer outro familiar, devemos supor que tal seja um sinal que há menos "legado familiar" e mais mérito pessoal absoluto por detrás da nomeação e estes casos, como vimos, constituem uma maioria. No que diz respeito aos casos em que estão referenciados serviços pessoais e serviços de terceiros, notamos que em cinco dos seis casos, a carta de nomeação se apresenta na sua forma mais básica, não referenciando nenhum momento específico da presença destes capitães no Estado da Índia. São portanto – apenas – cinco casos em que somos levados a considerar que tenha sido essencialmente o peso da linhagem a promover que as nomeações fossem feitas. Por fim, aqueles capitães que são providos sem serem referenciados serviços dos próprios, parecem-nos na sua maioria mercês herdadas, e não concedidas directamente a

274 O mesmo pode ser dito relativamente a Nicolau de Castilho, que ainda que tenha exercido funções nas partes da Índia, é nomeado a pedido do Bispo D. Pedro, de Castilho seu tio. 108 fidalgos sem experiência. Tudo isto nos leva a concluir que em tempos de instabilidade militar como foram aqueles sob a nossa análise, foi maioritariamente procurado que os homens indigitados nestas capitanias principais do Estado da Índia fossem homens competentes e com provas dadas dessa competência, e não indivíduos escolhidos para manter redes de poder ou agraciar linhagens.

V. 4. 2. Enquadramento social do grupo

Para podermos perceber qual o enquadramento social destes capitães, optámos por seguir em grande parte a metodologia adoptada por Andreia Martins de Carvalho na sua análise dos capitães das fortalezas do Estado da Índia nomeados durante o tempo de governo Nuno da Cunha275. Tal como esta autora, tivemos em conta, tanto quanto nos foi permitido, as características da ascendência destes capitães: o tipo de serviços que haviam sido desempenhados pelos seus pais, qual a sua hierarquia de nascimento e a dos seus progenitores e quais as carreiras dos seus irmãos. É neste ponto que a escassez de fontes mais condiciona o nosso trabalho. Dos trinta e quatro capitães, pudemos encontrar apenas um reduzido número destes indivíduos no Nobiliário e na História Genealógica da Casa Real Portuguesa. Por isso, não são poucas as vezes em que apesar de sabermos que cargos foram desempenhados pelos pais e irmãos dos capitães, não conseguimos distinguir as suas hierarquias de nascimento. É esta uma questão que pode futuramente ser colmatada com uma aprofundada consulta dos livros de Chancelaria, que não nos foi possível concretizar pelas condicionantes temporais associadas ao projecto de dissertação.

Quando estudou o reinado de D. João III e o governo de Nuno da Cunha, Andreia Martins de Carvalho concluiu que 43% dos capitães que estudou eram filhos segundos, aos quais se somam 11% de filhos ilegítimos. Sabendo que nos momentos iniciais da construção do império português este serviu, socialmente falando, para canalizar os filhos segundos da nobreza, que por via da instituição da primogenitura e da ausência de guerras no reino se viam impossibilitados de manter o seu status, os dados avançados pela historiadora supracitada praticamente não carecem de explicação.

275 Cf. Andreia Martins de Carvalho, Nuno da Cunha e os capitães da Índia (1529-1538), Tese de Mestrado apresentada à FCSH-UNL, Lisboa, 2006, pp. 72-106. 109

O que nos interessou perceber foi se esta característica social do império português sofreu alterações de relevo entre o segundo quartel do século XVI e o primeiro do século seguinte. Vejamos, caso a caso, as conclusões que pudemos retirar.

D. Afonso Henriques é o segundo filho de D. Jorge Henriques, caçador-mor do infante D. Luís, por sua vez filho primogénito de D. Brás Henriques, também caçador- mor do mesmo infante. Não parece que nenhum destes dois indivíduos tenha servido no império. Contrariamente, tanto D. Afonso Henriques como o seu irmão mais novo serviram na Índia, o primeiro sendo, como se viu, nomeado capitão de Diu depois de dezasseis anos de serviço, e o segundo, D. Jorge, sendo capitão de Malaca e governador da Ilha da Madeira em 1626276. Sobre o irmão mais velho, não há qualquer detalhe no Nobiliário que nos permita perceber que tipo de funções desempenhou ao longo da sua vida, mas supomos que, caso tivesse passado à Índia, tal fosse referenciado277.

Situação semelhante é a de D. Cristóvão de Noronha, filho segundo de D. Pedro de Noronha e de D. Catarina de Ataíde. D. Pedro, primogénito, herdou a casa do seu pai, tornando-se senhor de Vila Verde. Foi também Vedor da Fazenda e, como tantos fidalgos portugueses, morreu na Batalha de Alcácer, ao lado de D. Sebastião. Teve cinco filhos homens, dos quais apenas D. Cristóvão parece ter servido nas partes da Índia, uma vez que um morreu jovem, outro pereceu também em Alcácer e de um terceiro não nos são dadas informações. O primogénito, por seu turno, herdou a casa do pai, tendo servido sempre no reino.

Estamos a falar, em ambos os casos, de fidalgos oriundos de linhagens de renome, detentores de distinções no reino, em que apenas os secundogénitos serviram no império. Primogénitos com casas, terras e cargos a herdar parecem optar por permanecer no reino e não passar à Índia. Os dois casos a que aludimos são apenas dois exemplos. A verdade é que dos dez capitães cujas hierarquias de nascimento conseguimos apurar, oito são secundogénitos e um ilegítimo278. Ainda que seja uma estimativa assente numa parcela reduzida do nosso universo de estudo, a verdade é que o padrão existe, e permite-nos concluir que pouco menos de um século depois, o império ainda não havia ultrapassado a capacidade de atractividade do reino, mantendo-

276 Felgueiras Gaio, Nobiliário .... op. cit., 1938-1941, Volume XVI, p. 81, p. 103. 277 Ibidem, Volume XVI, p. 103. 278 D. Afonso Henriques, D. António de Eça (ilegítimo), D. Cristóvão de Noronha, Diogo de Melo e Castro, D. João de Almeida, João Furtado de Mendonça, Luís Falcão, Manuel de Miranda Henriques e Nicolau de Castilho. 110 se o serviço no ultramar uma opção para quem não as tinha no reino. Além disso, o único capitão que apurámos ser primogénito foi Cristóvão de Távora que, como vimos, apresenta a situação especial de ser familiarmente chegado às figuras de relevo que foram Rui Lourenço de Távora e D. Francisco da Gama.

Noutro ponto podemos estabelecer comparação com os dados obtidos pela dissertação de Andreia Martins de Carvalho, tendo em conta a ascendência dos capitães. A sua pesquisa levou-a a concluir que uma grande maioria dos progenitores dos capitães nomeados entre 1529 e 1538 eram titulares (11%), alcaides-mores (20%), senhores de terras (27%) e detentores de cargos palatinos (9%)279. Não parece que haja capitães cujos progenitores tivessem servido no Império, naquelas primeiras nomeações para as capitanias do Estado da Índia. Pelo contrário, nos dados que tivemos sob análise, encontramos um elevado número de capitães nomeados cujos pais tinham prestado serviços no império. Dos dezassete capitães cujos pais conseguimos identificar e distinguir profissionalmente, onze tinham prestado serviços no império280. Assim, se no reinado de D. João III estávamos ainda perante os primeiros passos do império português, e perante as primeiras gerações de fidalgos que aí serviam, volvido quase um século, encontramos já famílias com tradição de serviços no Estado da Índia por mais de uma geração.

V. 4. 3. Os nomeados

Para ocupar a capitania de Goa, escolheram sempre os reis de Portugal “fidalgos honrados e de serviços e merecimentos na guerra”281. No que diz respeito a Ormuz, a tendência mantém-se, e as escolhas recaíam em “fidalgos muito principais e de muita confiança e de serviços e merecimentos muito qualificados”282. Sobre Malaca encontramos um registo muito similar283, e a propósito de Diu, refere-se que deviam os seus capitães ser “dos mais principais e de maiores serviços que houvesse na Índia e de

279 Andreia Martins de Carvalho, Nuno da Cunha .... op. cit., 2006, p. 79. 280 São estes os pais de D. António de Eça, Bartolomeu Pereira de Miranda, Cristóvão de Távora, Diogo de Melo de Castro, D. Duarte Lima, Duarte Pacheco Pereira, Fernão de Saldanha, Francisco Macedo de Meneses, D. João de Sousa, Luís Falcão e Manuel Pereira da Silva. 281 Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p.6. 282 Ibidem, p. 32. 283 Ibidem, p. 18. 111 que se tivesse muita confiança”284. Por fim, em Baçaim, “foram capitães homens de muita autoridade e de muito serviço, de que muitos deles foram depois vice-reis e governadores da Índia”285.

a) Capitães de Goa

Simão de Sousa de Castro é nomeado capitão de Goa em 1607, havendo respeito a não especificados serviços que até então havia desempenhado no Estado da Índia. Na sua carta de mercê podemos ler que em 1584 havia sido despachado com a capitania de Mangalor, cargo que, pelo que podemos concluír das informações que nos são dadas pelas fontes, já teria exercido em 1607. Esta nomeação, não obstante, seria válida apenas se a sua mulher, D. Maria da Gama, renunciasse a viagem à China que havia herdado do seu primeiro marido, D. Duarte de Eça, que havia servido na capitania de Goa, e se as dívidas contraídas por este fossem saldadas. É, por via deste matrimónio, padrasto de D. António de Eça, nomeado capitão de Diu em 1614.

Nada sabemos da sua acção, além de que em 1616 era já capitão de Goa, informação que nos é dada por uma carta de Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, alertando-o para o facto de Simão de Sousa de Castro, “capitão d’essa cidade” se queixar “de que se lhe não pagam seus ordenados”286.

Sucede-lhe na ocupação do cargo, Manuel de Oliveira de Azevedo, nomeado capitão de Goa também no ano de 1607, como o seu antecessor, por serviços por si prestados no Estado da Índia. Das façanhas deste capitão muito pouco sabemos: Diogo do Couto não o refere, e Manuel de Faria e Sousa também não. Nos Documentos Remetidos da Índia, por outro lado, encontramos diversas referências mas as informações que delas retiramos têm um cariz essencialmente prático, por se tratar de correspondência entre entidades de poder, e muito menos descritivo do que as crónicas, objectos literários e propagandísticos. No entanto, pelos escritos trocados entre Goa e Lisboa percebemos que Manuel de Oliveira de Azevedo toma posse na capitania de Goa em 1619, “pela sentença que em seu favor contra Fernando de Albuquerque que a isso

284 Ibidem, p. 14. 285 Ibidem, p. 24. 286 Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 14 de Março de 1616, in DRI, Volume 3, p. 467. 112 se lhe opôs por ser também provido da dita capitania”287. Além disto, sabemos apenas que faleceu em Dezembro de 1620, e que foi substituído por Tomé de Sousa de Arronches, também capitão nomeado no tempo do Conselho da Índia, em 1611, por respeito aos serviços por si prestados na Índia, nas partes do Sul, e enquanto capitão de Colombo.

Deste homem e da sua carreira na Índia sabemos que em 1587 esteve presente na defesa de Colombo quando a fortaleza foi cercada pelas tropas do Raju, ao lado de Manuel de Sousa Coutinho, então capitão dessa cidade, mas que seria pouco tempo depois nomeado governador do Estado da Índia288. Pouco mais de uma década volvida, encontramo-lo a terminar o seu triénio como capitão desta mesma fortaleza289.

Nos anos compreendidos entre 1598 e 1619, desconhecemos o seu paradeiro e as suas acções. Em 1619, no entanto, o vice-rei apelava às entidades superiores que fosse tido em atenção o caso deste capitão, que se encontrava em Goa “cego, e muito pobre e enfermo”290. Por tal, apesar de entrar como capitão de Goa no ano de 1620, após a morte de Manuel de Oliveira de Azevedo, as “coisas em que pelo dito impedimento o não pudesse fazer” deviam ser asseguradas pelo cunhado, Rui Soares de Melo291. Este capitão acaba por falecer apenas cinco dias depois de entrar ao serviço na dita capitania, queixando-se o governador que esta se encontrava “vaga por não haver outra pessoa provida dela por Vossa Majestade senão eu [Fernão de Albuquerque] que a tenho por mercê de Vossa Majestade em vida, e por estar ocupado neste Governo a não posso servir”292.

b) Capitães de Ormuz

287 Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 185. Fernando (ou Fernão) de Albuquerque foi provido com a mesma capitania no ano de 1614 e, pela lógica do sistema de vagante dos providos, não poderia desempenhar o cargo antes daqueles que tivessem sido providos antes de si. Esta contestação, não sabemos se ocorreu por ter havido alguma alteração no sistema de nomeações, que permitisse que este tomasse posse na fortaleza de Goa antes daquele, ou se simplesmente tal requerimento não tinha possibilidade de ser aceite e por isso Albuquerque tenha perdido a sua causa. 288 Cf. Nuno Vila-Santa, Manuel de Sousa Coutinho, in http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/, consultado em 08.10.2016, 18h11m. 289 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro II, Capítulo I. 290 Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 1619, in DRI, Volume 5, p. 203. 291 Carta do da Índia Governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 18 de Fevereiro de 1621, in DRI, Volume 7, p. 235. 292 Ibidem, p. 236. 113

D. Cristóvão de Noronha, filho de D. Pedro de Noronha, senhor de Vila Verde e Vedor da Fazenda, morto em Alcácer Quibir, e de D. Catarina de Ataíde, filha do 2º Conde da Vidigueira, D. Francisco da Gama, é nomeado havendo respeito a serviços seus “assim nas armadas deste reino [de Portugal] como nas da Índia”, tendo “servido de soldado e capitão de navios” e “capitão-mor de soldados”, e com declaração de que devia servir pelo menos mais cinco anos no Estado da Índia até poder das entrada na dita capitania de Ormuz. Sobre os seus serviços anteriores à nomeação para a capitania de Ormuz, pouco conseguimos aferir. Sabemos pelo índice onomástico da obra de Diogo do Couto que esteve presente em pelejas em Cunhale, mas não o encontramos referido nas páginas do mesmo cronista. É no ano da sua nomeação que parte para a Índia como capitão de um dos navios da armada capitaneada pelo Conde da Feira. Tendo este morrido em viagem, é D. Cristóvão de Noronha que substitui na nau capitânia293. No seguimento dessa viagem, aquando a escala em Moçambique, “houve entre ele e D. Estevão de Ataíde, capitão da fortaleza, algumas desordens, e se soltaram presos, que o estavam por se quererem levantar com o dinheiro da nau Palma, que ali se levou”294. O rei pede, no seguimento deste conflito, que sejam apurados os factos e conhecidos os culpados, e D. Cristóvão não deve ter saído lesado deste episódio, uma vez que em 1613 é nomeado Provedor das Galés da Ribeira de Goa, pelos serviços feitos “depois de despachado com a capitania de Ormuz (...) e isto enquanto me servir com satisfação e não entrar na fortaleza de Ormuz”295. Assim, apesar de não termos conhecimento de quais foram os seus serviços nestes anos, sabemos que o tornaram merecedor desta mercê. Na Índia, casou com D. Catarina da Gama. Encontramos registos de ter sido ele o capitão-mor da armada que saiu de Lisboa em 1618, mas não sabemos em que data havia regressado ao reino296. Nesta viagem, cruzando-se no Cabo da Boa Esperança com um navio holandês, evitou a peleja pagando aos inimigos297. Chegado a Goa em Novembro desse ano, por esta sua atitude, foi preso298.

293 Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, Volume 3, Parte II, Capítulo IX, p. 174. 294 Carta do rei Filipe III ao vice-rei Rui Lourenço de Távora, Lisboa, 12 de Novembro de 1610, in DRI, Volume 1, p. 399. 295 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 28 de Março de 1613, in DRI, Volume 2, p. 438. 296 Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, 3 Tomos, Lisboa, Officina de Bernardo da Costa Carvalho, 1675, p. 553. 297 Cf. Ibidem, Tomo III, Parte III, Capítulo XVI, p. 338. 298 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. João Coutinho, Madrid, 21 de Março de 1619, in DRI, Volume 6, p. 253. 114

No mesmo ano de 1608 é também agraciado com a capitania de Ormuz D. Cristóvão de Távora, como vimos, um dos poucos capitães nomeados sem ser por respeito a serviços por si desempenhados. Não é de estranhar, portanto, que não haja referências à sua pessoa nem nos textos de Manuel de Faria e Sousa nem nos de Diogo do Couto. É nomeado, sim, em respeito aos serviços do pai, Rui Lourenço de Távora, ainda em vida deste, que aliás seria escolhido para exercer o cargo de vice-rei da Índia no ano seguinte. Do seu casamento com D. Maria Coutinho, Rui Lourenço de Távora tem quatro filhos. Destes, a única mulher casou com D. Francisco da Gama, 4º Conde da Vidigueira, que nos ocupou no capítulo IV. O mais velho, Álvaro Pires de Távora, herda a casa do pai, e não há registos que nos levem a pensar que tenha servido no império. Cristóvão de Távora é agraciado com a capitania de Ormuz, e pelo registo de Felgueiras Gaio, no Nobiliário, morreu na Índia, mas além desta referência, não encontramos em lugar algum indícios de que tenha passado à Índia, ou registo dos seus serviços nessas partes. Parece não ter casado, nem ter gerado descendência. Nos Documentos Remetidos da Índia surge referido apenas numa missiva datada de 1618 em que o monarca apela ao vice-rei D. João Coutinho que sejam pagas aos herdeiros de Rui Lourenço de Távora as dívidas que o Estado da Índia tinha para com este homem, uma vez que tanto Cristóvão de Távora como Álvaro Pires se queixavam desta ausência de pagamento, que os fazia serem importunados pelos credores do pai299. Pela forma como o problema é exposto, parece-nos que Cristóvão se encontrava no reino, e não no império.

D. Francisco de Lima, nomeado capitão de Ormuz em 1614, é referido em diversas cartas trocadas entre o rei e D. Jerónimo de Azevedo e Fernão de Albuquerque, mas são poucas as informações que estas missivas nos dão relativamente à prestação e conduta deste capitão. Ficamos a saber apenas que foi capitão-mor da armada que, vinda do reino, chegou a Goa em 1620300, e que nesta viagem vinha embarcado na nau Nossa Senhora da Boa Nova301. Além disso, sabemos que em 1614 o rei pedia a D. Jerónimo de Azevedo que assegurasse o correcto tratamento de um conflito entre João Caiado de Gamboa e este capitão que, juntamente com os seus “parentes e criados” e

299 Cf. Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. João Coutinho, Lisboa, 5 de Abril de 1618, in DRI, Volume 5, p. 157. 300 Cf. Carta do Governador Fernão de Albuquerque a Filipe III, Goa, 19 de Fevereiro de 1620, in DRI, Volume 6, p. 100. 301 Cf. DRI, Volume 7, Nota 2 acrescentada à carta de Filipe III ao vice-rei da Índia D. João Coutinho, Lisboa, 26 de Março de 1620, p. 20. 115 com os de D. Gonçalo de Abranches, lhe fizeram “uma notável afronta, de que se me queixou com demonstração de muito sentimento”302. Aparentemente, queixava-se este fidalgo de não lhe ter sido feita justiça neste caso, por ter sido juíz o sogro de Abranches.

De D. Duarte de Lima e D. Jorge de Alencastro não há referência em nenhuma das fontes que consultámos. No que toca ao primeiro tal não deve ser estranhado, uma vez que, como referimos, foi nomeado apenas com respeito aos serviços do pai, não havendo nada que indique que tenha passado à Índia. Relativamente ao segundo, sabemos apenas que serviu em Ceuta, e que passou à Índia na armada que levou o vice- rei Rui Lourenço de Távora à Índia.

c) Capitães de Malaca

Diogo de Melo de Castro esteve presente no desembarque em Achém e no combate contra os holandeses em Malaca com o vice-rei Martim Afonso de Castro e é por esse motivo que em 1613 é indigitado com a capitania de Malaca. Em 1600 capitaneou um navio da armada da Índia, sob as ordens do capitão-mor D. Jerónimo Manuel Coutinho. No mesmo ano da nomeação deste capitão para Malaca, Filipe III escrevia ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo dizendo que este fidalgo havia requerido “satisfação de seus servios e comutação do degredo que tinha para o Sul” e que, perante tal apelo permitia o monarca que houvesse comutação da pena e que Diogo de Melo fosse desterrado dois anos para Ceilão303. Não há qualquer explicação do motivo pelo qual esta pena aconteceu. Em 1619, numa carta de D. João Coutinho na qual o vice-rei dá conhecimento ao monarca de que “fidalgos e ministros e outras pessoas que ficam servindo V. Magde (...) para V. Magde de todos mandar ter lembrança”304. Nesta carta refere que tinha Diogo de Melo “muito gasto com criados e soldados”, além de se oferecer “muitas vezes para o serviço de V. Magde” e de ser “no acompanhar o Estado (...) um dos mais contínuos”305. No ano seguinte é capitão-mor da Armada do Norte306.

302 Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 16 de Janeiro de 1614, in DRI, Volume 3, p. 1. 303 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, Março de 1613, in DRI, Volume 2, p. 432. 304 Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 199. 305 Ibidem, p. 201. 116

Tivemos já oportunidade de perceber que serviços foram prestados pelo capitão Diogo de Melo de Castro antes de nomeado capitão de Malaca em 1612. Além das informações constantes na carta de nomeação, que são as que já tivemos oportunidade de analisar, só torna a surgir na documentação nos anos de 1620 a 1623, mais concretamente na documentação trocada entre os monarcas e os vice-reis e governadores. Sabemos que em 1620 saiu do reino, provavelmente como capitão da nau Penha de França, que chega atrasada à barra de Goa devido ao temporal sentido na costa da Guiné, já não havendo esperanças de que ainda conseguisse chegar naquela monção307. Vinha então provido com a capitania de Meliapor e com a capitania-geral da costa do Coromandel308. A este propósito queixava-se o governador ao monarca que, não havendo armada pronta para que Diogo de Melo de Castro pudesse partir para o Coromandel, “a qual não foi por ora possível dar-se-lhe por não haver cabedal nem gente para isso e eu ter que acudir a Malaca em Abril e a outras partes”309, se recusou a partir. É então proposto que o capitão siga com uma armada para Malaca e que, vendo que aí não era necessária a sua presença, encaminhar-se-ia para as partes onde deveria servir. No entanto, “se escusou também dizendo que não era competente socorro para ele ir a Malaca”310. Continua o governador a dar notícia desta situação ao monarca, escrevendo que “sucedeu logo no mês seguinte de Maio vir aqui um clérigo enviado da cidade de Meliapor com cartas em que me diziam que estavam ameaçados de um grande cerco assim de gente da Europa como dos naturais que com eles se confederavam e que conforme a isso lhes acudisse com armada e gente e mandasse que o dito Diogo de Melo que como ser capitão provido por Vossa Majestade os fosse defender”311. Devia o capitão seguir para aquela costa com dois navios e cinquenta ou sessenta homens, considerando o governador que “com estes enquanto o tempo não dava lugar para mais conseguiria pelo menos fazer-se respeitar e obedecer daqueles moradores de Meliapor”312. Recusando-se novamente a servir sob as condições que Fernão de

306 Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 7 de Maio de 1620, in DRI, Volume 6, p. 246. 307 Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 20 de Dezembro de 1621, in DRI, Volume 7, p. 132. 308 Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 10 de Janeiro de 1621, in DRI, Volume 7, p. 129. 309 Ibidem, p. 127. 310 Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1622, in DRI, Volume 7, p. 420. 311 Ibidem, pp. 420-421. 312 Ibidem, p. 421. 117

Albuquerque lhe propunha, acaba por ser preso313. Apelando ao Juíz das Ordens Militares, por ser cavaleiro de Cristo, e depois ao tribunal de segunda instância, é-lhe devolvida a liberdade, o que incomoda Fernão de Albuquerque. No mesmo sentido, em 1623 o monarca estranhava e repreendia os juízes das Ordens Militares pela decisão tomada relativamente a este caso, “por quão prejudicial ao governo da Índia”, pedindo “mais consideração nos crimes desta qualidade”314.

Num tom totalmente diferente são duas cartas datadas de Janeiro e Fevereiro de 1623, altura em que Diogo de Melo capitaneava uma armada de vinte navios que guardavam a barra de Goa. Numa, escreve o então vice-rei que “pelo que vi depois da minha chegada tem o dito Diogo de Melo procedido muito bem e o vejo aplicado e muito curioso do serviço de Vossa Majestade e que deseja fazê-lo não só ordinariamente, mas com se avantajar muito nele, que em todo o tempo e neste em particular é muito para estimar e agradecer”315; noutra era o próprio rei que definia este fidalgo como “capitão de confiança e experimentado na guerra e de valor conhecido”316. Note-se, no entanto que nesta altura Diogo de Melo de Castro ainda não tinha ainda assumido a capitania da costa do Coromandel nem a da fortaleza de Meliapor, três anos depois dos primeiros conflitos com Fernão de Albuquerque a propósito do exercício destes cargos317.

D. João de Mascarenhas, nomeado no mesmo ano que o fidalgo anterior, é-o, como vimos no capítulo correspondente, por herança dos serviços feitos pelo tio, D. Vasco de Mascarenhas. Dois anos depois de receber esta herança, Manuel Faria e Sousa coloca-o como capitão de um dos dezassete navios da Armada do Norte318. Em 1616, ainda estante na Índia, é-lhe feita mercê “da Comenda de São Martinho de Pindo (...) com obrigação de largar o entretimento dos 100 mil réis que tem cada ano nas ditas

313 Cf. ibidem, p. 421. 314 Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Goa, 3 de Fevereiro de 1623, in DRI, Volume 9, p. 357. 315 Carta do vice-rei D. Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, 8 de Janeiro de 1623, in DRI, Volume 9, p. 144. 316 Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Lisboa, 17 de Fevereiro de 1623, in DRI, Volume 9, p. 293. 317 Em Março de 1623 escrevia o vice-rei que andava Diogo de Melo de Castro servindo como capitão- mor da armada da barra de Goa e que quando terminasse esta sua missão, lhe ordenaria que fosse “assistir em Meliapor com o lugar e cargo de que Vossa Majestade o tem ali provido”, Carta do vice-rei D. Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, Março de 1623, in DRI, Volume 9, p. 53. 318 Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte III, Capítulo III, p. 243. 118 partes”319. Apenas alguns meses depois, numa missiva dirigida ao vice-rei, apercebemo- nos da morte deste homem, “afogado na briga que houve na barra de Surrate com os ingleses”320.

João Pinto de Morais, depois de ter estado em Malaca em 1607, é nomeado capitão de Malaca em 1611. De 1619 é datada uma carta na qual o vice-rei D. João Coutinho descreve detalhadamente a conduta deste fidalgo: “Provedor das galés com muita experiência que tem de guerra e seu valor e esforço, e ter já pelejado por vezes com os holandeses, determino encarregá-lo de capitão do galeão em que espero embarcar-me o verão que vem, e por este respeito não ocupei em outras coisas em que entendo ele poderá servir bem a V. Magde pela muita notícia que tem dos negócios da fazenda de V. Magde, fábrica e apresto das armadas”321.

Sobre Luís de Melo de Sampaio e Manuel da Silva de Sousa lográmos recolher poucas informações. O primeiro esteve nos assaltos à fortaleza do Cunhale e não entra ao serviço na capitania de Malaca em 1623 por não estar presente na altura necessária, assumindo o seu lugar Luís de Meneses, ainda que este tivesse sido indigitado depois daquele322. O segundo, por seu turno, serviu tanto na Índia como no reino, e não nos são dadas informações sobre os seus serviços além daquelas que estão discritas na sua carta de nomeação, à qual já aludimos.

d) Capitães de Diu

Dos treze capitães que os conselheiros da Índia nomearam para ocupar a capitania de Diu, apenas sobre cinco conseguimos encontrar informações de relevo adicionais àquelas presentes nas cartas de nomeação, a que já aludimos. Assim, sobre D. Afonso Henriques sabemos apenas que esteve no assalto ao Cunhale; sobre D. António

319 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 19 de Fevereiro de 1616, in DRI, Volume 3, pp. 391-392. 320 Continua, dizendo que “tendo a isso consideração, e à morte de outro irmão seu, que também mataram na entrada da cidade de Pér, houve por bem de fazer mercê ao irmão que ficou vivo, e me anda servindo nesse estado da comenda que vagou pelo dito Dom João de Mascarenhas, e da fortaleza de Ormuz, na vagante dos providos antes de 3 de Junho deste ano de 616”, Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Madrid, 14 de Junho de 1616, in DRI, Volume 4, pp. 6-7. 321 Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 205. 322 Carta do vice-rei D. Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, 23 de Janeiro de 1623, in DRI, Volume 9, p. 161. 119 de Eça que é filho de D. Duarte de Eça; sobre Duarte Pacheco, Manuel Pereira da Silva e Fernão de Saldanha sabemos que receberam a nomeação para a capitania de Diu por a terem herdado após a morte de familiares; D. João da Silva é nomeado em 1608 pelos serviços que prestou no Estado da Índia, onde aliás se encontrava quando foi nomeado; por fim, Luís Falcão é indigitado por ter servido satisfatoriamente nas guerras de Baçaim. Por seu turno, a carta de Manuel de Miranda Henriques não é perceptível, pelo que sobre esta nomeação e este capitão não podemos tirar conclusões.

Estes capitães não são citados nem por Diogo do Couto, nem por Manuel de Faria e Sousa nem sequer na correspondência compilada nos Documentos Remetidos da Índia ou, quando o são – como é o caso de D. João da Silva –, não são referências que nos permitam retirar conclusões de fundo.

Sobre João Furtado de Mendonça, nomeado em 1605, referimos já no capítulo correspondente aos conselheiros qual foi a sua carreira e quais as suas ligações familiares, pelo que agora não nos alongaremos a seu propósito.

No ano de 1605 o Conselho da Índia faz mercê da capitania de Diu a D. João de Almeida, não especificando os serviços que este havia prestado para merecer tal nomeação. Em 1617 numa carta dirigida ao vice-rei D. Francisco da Gama, o monarca dá conhecimento de que pelas informações que tinha dos bons serviços de D. João de Almeida, bem como das suas qualidades pessoais, tinha feito embarcar no navio que capitaneava em direcção à Índia, cerca de setenta homens, degredados do reino. Por qualquer infelicidade das suas acções, D. João de Almeida perde estes homens, mantendo consigo apenas dez. Pelo dano que esta acção lhe causa, o rei ordena então que este fidalgo seja julgado, e que até ser sentenciado fosse impedido de entrar em algum cargo de que tivesse mercê, bem como de ser ocupado pelo vice-rei em qualquer serviço naquelas partes323. Não sabemos qual terá sido o resultado deste julgamento, pois a única informação adicional que temos a propósito deste capitão é que morreu em viagem no ano de 1620324.

D. Lopo de Almeida, que recebe a nomeação para a capitania de Diu em 1607, depois de estar presente nos dois assaltos à fortaleza do Cunhale e de numa dessas

323 Cf. Carta de Filipe III ao governador Fernão de Albuquerque, Madrid, 13 de Abril de 1617, in DRI, Volume 4, pp. 235-236. 324 Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 16 de Dezembro de 1620, in DRI, Volume 7, p. 202. 120 ocasiões ter sido ferido, foi um dos capitães da armada que saiu do Tejo em 1608 em direcção à Índia, na qual seguia o conde da Feira325. Embarcou sob as ordens de André Furtado de Mendonça e capitaneou um galeão na armada que capitaneou os lugares do Sul do Estado da Índia durante três anos. É genro de Gaspar Ferreira, antigo capitão de Mascate e vedor da Fazenda de Monomotapa, descrito pelo vice-rei D. João Coutinho como “rico, velho e muito honrado”326. No ano de 1619 encontra-se D. Lopo de Almeida a servir como capitão de Rachol, quando se oferece para prestar socorro a Mangalor, aprestando um navio à sua custa327; quatro anos depois era o rei Filipe IV que pedia a D. Francisco da Gama, então vice-rei da Índia, que desse a este fidalgo qualquer serviço para “que se possa entreter nele enquanto não entrar na dita fortaleza de Diu”, uma vez que tinha acabado já o tempo pelo qual havia sido nomeado como capitão de Rachol328.

Nicolau de Castilho, como já referimos, era sobrinho do vice-rei de Portugal, o Bispo D. Pedro de Castilho, e foi nomeado capitão de Ormuz em 1606. Ainda que não sejam descritos os seus serviços nessas partes, diz-se na carta de concessão da mercê que já tinha servido por cinco anos nas partes da Índia até esse ano. Uma carta de Filipe III dirigida ao vice-rei da Índia Rui Lourenço de Távora, dá-nos mais informações sobre as acções deste fidalgo no Estado da Índia. Lê-se então que Jorge de Castilho, “por haver servido muito bem (...), como também o fizera o seu irmão Nicolau de Castilho, a quem em Malaca aleijaram num braço e porque é justo que se lhe agradeça o bem que serviram, vos encomendo lho façais assim em meu nome”329. Não há mais registos deste capitão que nos permitam acrescentar outras informações.

Salvador Pereira da Silva, nomeado em 1605, servia na Índia pelo menos desde 1596, quando recebeu ordem para saír do forte de Corvite, de que era capitão, para comandar um assalto contra as intenções de guerra do tirano D. João, auto-intitulado Rei de Candea, que coligado com outros potentados locais pretendia fazer guerra aos nossos, como vingança por derrotas que lhes havíam infligido. Alcançada a vitória,

325 Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte II, Capítulo XI, p. 174. 326 Carta do vice-rei D. João Coutinho para o rei Filipe III, Goa, 14 de Março de 1618, in DRI, Volume 5, p. 107. 327 Cf. Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 202. 328 Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Madrid, 11 de Março de 1622, in DRI, Volume 5, p. 282. 329 Carta do rei Filipe III ao vice-rei Rui Lourenço de Távora, Madrid, 10 de Março de 1610, in DRI, Volume 1, p. 374. 121 escreve Diogo do Couto que esta foi “tão famosa e pôs tanto espanto nos Changalás, que ficaram pondo a Salvador Pereira o sobrenome de Corvite Capitão”330. Continua em Ceilão, e em 1597, é capitão de campo numa batalha ainda contra o tirano D. João, onde “morreu a flor da gente de Candea, e os principais Modeliares, e que mais guerra faziam aos nossos que rodos”331. Não é de estranhar, portanto, que em 1607 o rei afirme ter “boa informação” dos serviços deste capitão, e que “pela experiência e conhecimento que tem daquelas partes servirá bem” faça requerimento ao vice-rei que encarregue Salvador Pereira da Silva com a capitania-mor de uma armada de fustas que era necessária para “acudir às desordens de Masulapatão”332.

Salvador Pereira da Silva é indigitado com a capitania de Diu por ter estado presente nas Armadas do Norte

e) Capitães de Baçaim

Dos sete nomeados pelo Conselho da Índia para a capitania de Baçaim, apenas quatro são referenciados pelos cronistas ou na correspondência. Sobre os três restantes, Bartolomeu Pereira de Miranda, Francisco de Macedo de Meneses e Pedro de Sousa de Meneses, não sabemos além dos dados que já referimos. O primeiro esteve no desembarque em Achém e no combate contra os holandeses em Malaca com Martim Afonso de Castro; o segundo herdou a capitania depois da morte do pai e o último, pelo que se lê na sua carta de nomeação, foi indigitado por ter servido de soldado e capitão nas partes da Índia.

Tivemos já oportunidade de referir que em 1607 Fernão de Sampaio da Cunha esteve em Malaca com o vice-rei Martim Afonso de Castro no confronto contra a esquadra neerlandesa. Segundo uma nota acrescentada por Bulhão Pato, em 1611 e 1613 este capitão foi também desembargador extravagante, e em 1612 e 1615 exerceu o cargo de provedor-mor dos defuntos333. Além disso, Manuel de Faria e Sousa coloca este fidalgo em 1616 a assumir a capitania da fortaleza de Caranja, depois do assassinato de Baltazar Rebelo de Almeida, capitão daquela praça, incentivada pelo

330 Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo VI. 331 Ibidem, Década XII, Capítulo XIII. 332 Carta do rei Filipe III para o vice-rei Martim Afonso de Castro, Lisboa, 26 de Janeiro de 1607, in DRI, Volume 1, p. 122. 333 DRI, Volume 6, Nota 2, p. 460. 122 tanador de Chaul334. Em 1620 exercia ainda esta função, e o vice-rei D. Francisco da Gama apresentava a Filipe III as queixas efectuadas pela Câmara do povo de Caranja por Fernão de Sampaio “os tiranizar e oprimir com diversas vexações ajudando-se para isso de um irmão seu Lourenço de Melo e de outros parentes a quem o dito capitão sofre muitas insolências por se fazer com eles mais poderoso, e que por eles manda por ordinário, ferir ou afrontar os ditos moradores”. Continua, dizendo que “por razão da insolência do dito capitão, que é provido em vida, tem fugido a maior parte da gente mesquinha daquela capitania para os mouros com o que tem quebrado tanto as rendas que se perdem do foro que se me paga”. Por isso, pedem os moradores daquela capitania que seja de lá afastado este fidalgo, e que se adoptasse naquele local o sistema de triénios, “por entenderem que a causa de o dito Fernão de Sampaio os tratar tão mal é por ser capitão perpétuo”335. Não há documentação que nos permita saber que medidas foram tomadas pelo tribunal da Relação para fazer face a esta situação, nem conseguimos encontrar este fidalgo em fontes que sejam posteriores a esta data.

D. João de Sousa, como vimos acima, herda a capitania de Baçaim em 1608, estando anteriormente dela provido o seu pai, D. António de Sousa, que morre sem servir nela. Na correspondência trocada entre Goa e Madrid surge referido em cartas datadas de 1619 relativas às queixas feitas a propósito da sua má conduta enquanto capitão da fortaleza de Soar336. Não temos qualquer referência que nos possa elucidar sobre se terá, ou quando terá, exercido a sua mercê na capitania de Baçaim.

Dos serviços prestados por Jorge de Lima Barreto, a quem foi feita mercê da capitania de Diu em 1612, além do que vem exposto na sua carta de nomeação, sabemos apenas que capitaneou uma das embarcações que compuseram a armada que em 1597 o vice-rei D. Francisco da Gama mandou sair de Goa ao encontro das primeiras naus

334 “Guiados por Melique BaIane, entraram nela improvisamente, a horas que o encontraram jantando e matando-o, e a uma cunhada sua, o fizeram pagar as devidas penas das culpas de estar com tanto descuido quem tem ao cuidado uma fortaleza entre gente contrária. Deixaram também mortas a sua mulher e uma filha”, Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit.,1675, Tomo III, Parte III, Capítulo I, p. 229. 335 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Francisco da Gama, Lisboa, 23 de Março de 1620, in DRI, Volume 6, pp. 460-461. 336 “Em Soar serve de capitão Paulo Castanho Aranha a que o viso-rei dom Jerónimo d’Azevedo tinha provido desta capitania, que eu lhe confirmei com parecer do Conselho de estado por me escrever dom Luís da Gama sendo capitão de Ormuz que João de Sousa que ali estava por capitão de Ormuz que João de Sousa que ali estava por capitão não procedia como convinha, e também dom Luís de Sousa me diz o mesmo deste capitão”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 182. 123 holandesas que se avistaram nas águas do Índico337. Supõe-se que seria ainda pouco experimentado nessa ocasião, uma vez que Manuel Faria e Sousa expõe os capitães que compuseram esta armada “desde o maior” e, dos catorze, Jorge de Lima Barreto é o antepenúltimo a ser referido.

Sobre os serviços de Luís de Brito de Melo que antecedem a sua nomeação em 1606 sabemos apenas que serviu nas partes da Índia desde 1591 até 1604 enquanto “capitão de navios e outras embarcações”. Não há referências ao seu nome nem nos textos de Diogo do Couto nem nos de Faria e Sousa. Pela correspondência trocada entre Goa e Lisboa, por outro lado, ficamos a saber que este capitão saiu do reino na armada capitaneada por João Correia de Sousa em 1607, sendo capitão do galeão Santo André que, chegado à barra de Goa, se perdeu338. Pede-se então que sejam apuradas culpas por esta perda. A dificuldade de comunicações faz com que em 1612 sejam ainda trocados pareceres sobre este assunto, afirmando o rei que depois de ter sido feita relação dos acontecimentos por parte das autoridades competentes, mas não ser conclusiva, dá ordem para que “se não trate mais desta matéria”339. Por uma carta do rei, datada de Março de 1618, podemos perceber que Luís de Brito de Melo foi capitão-mor da armada de Diu e que nessa ocasião tomou na barra de Surrate uma nau vinda de Meca. Por esse motivo, ou por consequências dele, que desconhecemos, o capitão ficou preso e não passou ao reino como devia ter acontecido. Pede então o monarca que “se [Luís de Brito de Melo] ainda estiver preso e a sua causa por determinar, ordeneis logo que se faça justiça com brevidade”340. Do ano seguinte são datadas duas missivas do vice-rei D. João Coutinho informando D. João III da morte deste fidalgo. Numa explicando as circunstâncias da morte341, e noutra informando que a viúva, D. Isabel Nasey, requeria

337 Cf. Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte II, Capítulo I, p. 109. 338 Cf. Carta do rei Filipe III para o vice-rei Rui Lourenço de Távora, Lisboa, 19 de Março de 1610, in DRI, Volume 1, p. 391. 339 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 26 de Março de 1612, in DRI, Volume 2, p. 250. 340 Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. João Coutinho, Lisboa, 25 de Março de 1618, in DRI, Volume 5, pp. 112-113. Datada de 20 de Fevereiro de 1619 surge uma carta dando notícia ao rei que em Outubro de 1618, juntamente com Diogo Mendonça Furtado, foi Luís de Brito de Melo em duas galés socorrer Francisco de Sousa Pereira que se havia perdido na chegada a Goa. Cf. Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 216. 341 “Chegando a Mangalor achou naquela fortaleza Francisco de Miranda Henriques que (...) estava vindo de Cochim com a pimenta e navios de mercadores (...), e por o dito Francisco de Miranda e Luís de Brito se resolverem a tomar uma fortaleza que a gente de Ventatapacanaique e Rainha de Olala tinham feito entre o tanque grande e a fortaleza de V. Magde do mesmo Mangalor e perto dela pondo-o por obra ao outro dia depois dois reis sem terem ordem minha para isso e contra o regimento que levavam e por desordens que entre eles houve sucedeu morrerem neste assalto e ocasião os mesmos Francisco de 124 que lhe fosse feita a mercê da capitania de Baçaim de que o falecido marido estava provido342.

Miranda e Luís de Brito de Mello”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, pp. 244-245. 342 “D. Isabel Nasey (...) fez também petição em que representou a morte do dito seu marido, e alegou ter- lhe gastado muito do seu dote: pedindo a V. Magde lhe fizesse mercê da capitania de Baçaim, com que o dito D. Luís de Brito seu marido era despachado (...) e por não ter o dito dom Luís de Brito pai nem mãe, e só uma filha da primeira mulher”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 213. 125

Conclusão

Notámos inicialmente a necessidade de revisitar a obra de Francisco Mendes da Luz, tendo em conta as alterações ocorridas desde que esta foi editada até aos dias de hoje. Com base em novas formas de conceber e escrever a história, tendo especialmente em conta o modo como se alterou a visão do historiador sobre o período da união ibérica, procurámos neste estudo renovar a interpretação do Conselho da Índia.

Facilmente se percebe que o momento da criação deste tribunal ultramarino corresponde a uma conjuntura particularmente complexa do império português. No Atlântico, desenvolvia-se um novo complexo económico, social e político, que obrigava a um reajustar de políticas com a crescente exploração de um território com particularidades totalmente diferentes daquelas que os portugueses tinham encontrado no Índico: um espaço vasto, por colonizar, sem economias nem estruturas políticas capazes de resistir ao modelo europeu. Eram os primeiros passos dados no sentido da territorialização de um império que durante muito tempo se manteve marítimo e assente em fortalezas construídas em pontos estratégicos e ao espaço das quais muitas das vezes se resumia o poder português. Com o Brasil desenvolveu-se então uma nova economia e um novo modelo de império até então não experimentado pelos portugueses e, como fizemos notar, esta nova realidade, ainda em processo de experimentação no início do século XVII, obrigou as autoridades governativas de Portugal a terem em conta um novo leque de questões: como governar um território tão extenso e que métodos de governo aí aplicar; como garantir a criação de uma rede de entrepostos de domínio português ao longo da costa do Brasil que permitissem a Portugal assegurar o controlo de todo este território; como desenvolver as ligações entre os principais centros de escravos em África e a economia açucareira do Brasil; onde posicionar o Brasil na balança de um império que até então tinha sido tendencialmente marítimo e oriental. Conclui-se então que com o aumento do valor do Brasil aumentou também consideravelmente o volume de negócios associados ao império português, que requeriam conhecimentos específicos para que se pudesse garantir uma boa resolução dos mesmos.

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No entanto, também no Estado da Índia acabou por ganhar espaço este paradigma da territorialidade Neste caso, acontece em estreita ligação com o aumento da presença holandesa, tanto num plano naval, pelo aumento das actividades de corso, como num plano territorial, numa primeira fase, contemporânea do Conselho da Índia, caracterizada pelos ataques feitos nas periferias do império português como os territórios indonésios de Maluco, Malaca e Moçambique. Por isso, numa tentativa de contrariar o fim da navegação e comércio sem concorrência e os efeitos advindos dessa mudança, os portugueses foram alargando a sua área de influência ao espaço exterior dos muros das fortalezas às quais estiveram circunscritos durante muito tempo. A verdade é que a situação no Estado da Índia começava também a inspirar cuidados e a procurar respostas para questões que até aí simplesmente não tinham existido. De novo, era necessária rapidez, eficiência e conhecimento para fazer face aos novos desafios que eram propostos ao Estado da Índia. Supomos que tal ganha ainda mais ênfase se tivermos em conta que o rei que tutelava estes territórios não era português e que, por isso, não seria um conhecedor profundo das dinâmicas deste império, pelo que fazer-se aconselhar por portugueses que tinham servido nestas partes era essencial para garantir o seu bom governo.

Perante estes problemas de escala global, o sistema administrativo português, ainda que durante muitos anos tenha permitido uma gestão eficiente do império, deixava de conseguir assegurar uma resposta rápida e instruída aos problemas e às novas dinâmicas que surgiam no iníco do século XVII, especialmente tendo em conta as particularidades de dois sistemas políticos, económicos, sociais e comerciais que funcionavam em paralelo. A estas se juntam as conjunturas ibéricas e europeias, complexas, belicosas e capazes de colocar em causa um sistema ideológico e político com largos anos de vigência. Sob a mesa de Filipe III estavam pois negócios de variadíssima ordem, sistemas de governo díspares, associados a territórios com características específicas. Uniformizar práticas de governo era necessário, tanto quanto garantir um bom aconselhamento sobre as matérias e um circuito claramente definido da correspondência.

E é por isso que nos vemos obrigados a concluír que o Conselho da Índia não nos parece inserido num projecto elaborado desde Castela no sentido de promover uma castelhanização dos usos e costumes político-administrativos de Portugal e/ou do seu império. Na mesma direcção nos leva o facto de não encontrarmos concordância entre

127 os projectos políticos a que eram afectos os três presidentes desta instituição. Parece-nos que, caso o objectivo final deste organismo fosse “anular” os hábitos governativos portugueses e substituí-los pelo modelo castelhano, Filipe III teria tido interesse em escolher homens claramente afectos ao seu projecto. E não o fez. Note-se ainda que apesar da tradição de política consultiva ser bastante mais vincada e institucionalizada em Castela do que em Portugal, a verdade é que também em Portugal o sistema de governo passava pela divisão dos poderes e pela valorização do conselho. Deste modo, os conflitos jurisdicionais que condicionaram durante muito tempo o funcionamento deste novo tribunal devem ser vistos não como reacções das autoridades portuguesas contra uma força castelhana mas sim como “simples” reacções à perda de poderes por parte de organismos pré-existentes, em muito permitidos por um primeiro regimento muito pouco explícito e aparentemente incapaz de deixar claras as delimitações jurisdicionais tanto do Conselho como do Desembargo do Paço, Conselho da Fazenda e Mesa da Consciência e Ordens. Portanto, a instituição deste Conselho da Índia não traz consigo nem uma inovação nem um hábito totalmente estranho ao método de governo português. Acreditamos sim que este organismo surgiu de um entrecruzar de realidades e necessidades e de uma tentativa de melhoramento e aperfeiçoamento – ainda que por certo só o tenha sido para alguns – do despacho dos assuntos do império português. Apoiada em documentos e estudos de caso diferentes daqueles que sustentam esta nossa conclusão, Graça Borges conclui o mesmo343.

Noutro ponto de análise, e tendo em conta um aparente processo de diminuição do poder português no Índico quando comparado com o florescimento da economia do Atlântico, percebemos pela nossa análise do Conselho da Índia, das pessoas que o compunham e da divisão do trabalho que lhe foi instituído, que o valor simbólico do Oriente se mantém ainda inabalado. Como referimos no capítulo correspondente, é interessante ver como a divisão do trabalho dos secretários nos mostra uma separação das esferas de conhecimento e deixa clara a equidade no volume de negócios entre o Estado da Índia e os territórios do Atlântico. Pelo contrário, quando do Presidente do Conselho, figura máxima deste organismo mas com um peso essencialmente simbólico, se exige que tenha sido vice-rei ou governador da Índia, ficamos habilitados a perceber que num plano simbólico, o Oriente é ainda a jóia da coroa portuguesa. Ainda relacionado com a divisão do trabalho no Conselho, há que ter em conta que na mesa do

343 Cf. Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 103-105. 128

Conselho da Índia estiveram sempre homens com carreiras ligadas ao Atlântico, mas nunca com serviços no Brasil. Por outro lado, o conhecimento privilegiado era claramente o das dinâmicas do Estado da Índia, onde serviu uma larga maioria dos membros do Conselho, uma tendência que é ainda reforçada aquando a segunda leva de nomeações, sendo dois dos conselheiros letrados substituídos por homens que já haviam servido na Índia.

Numa segunda parte do nosso trabalho, menos direccionada para a vertente político-institucional do Conselho da Índia, focamos acima de tudo a sua acção enquanto organismo responsável pelo provimento dos capitães que, nos diversos enclaves do poder português no Estado da Índia, defendiam a manutenção do império português no Índico. Ficou demonstrada a importância tanto das fortalezas para este complexo como de escolhas acertadas para a ocupação das suas capitanias. Uma vez que, como vimos, a tendência associada ao número de fortalezas no Estado da Índia foi sempre de crescimento, passando de treze no reinado de D. Manuel I para vinte e oito no de Filipe III, e tendo cada uma delas um papel específico dentro do complexo territorial em que estava inserida, a nossa tentativa de encontrar critérios que nos permitissem restringir o nosso objecto de estudo levaram-nos a um número final de cinco capitanias de topo. A nossa análise das nomeações de capitães para essas cinco capitanias permitiu-nos chegar a diversas conclusões.

Em primeiro lugar, observando o fenómeno das nomeações no tempo longo compreendido entre 1521 e 1621, pudemos concluir que há uma clara tendência de crescimento do número de capitães nomeados por ano, ao longo dos quatro reinados em estudo; esta, por seu turno, é bastante significativa entre o governo da dinastia portuguesa e o da dinastia castelhana. Quando calculámos o número de capitães nomeados para cada capitania, por ano de reinado, reforçámos esta conclusão: se D. João III e D. Sebastião nunca chegam a nomear mais que um capitão por triénio, os dois monarcas seguintes em quatro das cinco capitanias estudadas ultrapassam este valor ideal de nomeações, chegando a nomear três capitães por triénio.

Os problemas advindos do facto do número de nomeações ser tão superior à necessidade efectiva de provimento das capitanias, associado às crescentes questões levantadas sobre um sistema de nomeações que promovia uma perda de controlo por parte do poder central, numa fase em que a experiência se revelava fulcral para dar

129 resposta aos novos desafios, fazem com que tenhamos encontrado uma tendência de decréscimo do número de capitães nomeados para estas cinco capitanias, ao longo do reinado de Filipe III. Assim, ainda que este valor aumente quando comparado com o reinado anterior, a verdade é que, nas três conjunturas que definimos para procedermos à análise deste reinado – antes, durante e depois do Conselho da Índia –, a tendência é de decréscimo.

Relativamente ao grupo de trinta e quatro capitães que foram nomeados pelo Conselho da Índia, e fazendo o contraponto com os dados obtidos por Andreia Martins de Carvalho para o tempo de governo de Nuno da Cunha, no reinado de D. João III, concluímos que nos anos que separam os nossos focos de análise, há características que se mantêm imutáveis, enquanto noutros pontos de análise concluímos que o império português e os homens que nele serviram evoluíram e se modificaram. Quando analisámos a hierarquia de nascimento dos capitães nomeados entre 1604 e 1614 e a dos seus progenitores, e ainda que só tenhamos conseguido obter um reduzido número de resultados devido à já explicada escassez de fontes, estes permitiram-nos encontrar um padrão. Padrão esse que coincide com aquele que foi encontrado para o período compreendido entre 1529 e 1538 pela supracitada historiadora: serve no império o fidalgo que, no reino, não encontrava meios para se manter enquadrado com o status da família de que era oriundo. Ou seja, na maioria dos casos os capitães eram filhos segundos e, por isso, homens sem direito a herdar senhorios, títulos ou cargos dos pais, ou então filhos varões de homens que haviam sido secundogénitos e que por isso já haviam também sido encaminhados para o serviço no império. Conclui-se então que o poder de atractividade do reino continuava a ser aparentemente superior, quando comparado com o do espaço ultramarino. por outro lado, encontramos respostas diferentes das que esta historiadora encontrou quando analisamos as funções desempenhadas pelos progenitores dos capitães, notando-se no século XVII a existência de linhas familiares com tradição de serviço no império, uma vez que muitos dos progenitores dos capitães nomeados neste ano já tinham eles próprios servido no império, o que não era notado ainda no reinado de D. João III. Esta afirmação leva-nos ao outro ponto de comparação que estabelecemos com os dados alcançados pelo estudo sobre os capitães de Nuno da Cunha. Não se encontram para o tempo de D. João III registos de capitães cujos pais tivessem servido no império. Como mostrámos, estes homens eram maioritariamente filhos de titulares, alcaides-mores, senhores de terras e

130 detentores de cargos palatinos. Pelo contrário, no tempo do Conselho da Índia, concluímos que havia já linhagens com mais de uma geração de serviços no Estado da Índia, uma vez que grande parte dos capitães cuja ascendência pudemos apurar eram filhos de fidalgos que tinham já servido na Índia.

Por fim, pela análise das trinta e quatro cartas de nomeação, entendemos que deve ser referido o carácter de seriedade com que as nomeações para estas capitanias foram levadas a cabo pelo Conselho da Índia, sendo encontrados pouquíssimos casos em que a nomeação recaia sobre um indivíduo sem experiência, ou em que se note que o peso do nome ou da linhagem era superior ao do mérito próprio e dos serviços desempenhados por si até essa data. Como vimos, mais de metade dos capitães foram indigitados por cartas que justificavam a concessão da mercê apenas com os serviços dos nomeados, sem qualquer referência a familiares destes e, nos casos em que não há sequer referência a serviços prestados pelo indivíduo sobre o qual recaía a nomeação, notámos que eram essencialmente heranças recebidas após a morte dos verdadeiros detentores das mercês, e não escolhas feitas no momento. Por fim, nos seis casos em que as cartas referem tanto serviços dos nomeados como os dos familiares, e ainda que tenhamos concluído que em cinco destes casos, tenha sido o legado familiar a ditar a escolha daquele indivíduo e não propriamente o seu mérito pessoal, esta tendência corresponde, dentro do conjunto das nomeações feitas entre 1604 e 1614, a uma minoria. Nota-se portanto que houve consciência por parte dos membros do Conselho no sentido de prover sempre homens capazes de lidar com a complexa situação militar com que o Estado da Índia lidava neste início de século.

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Referências Bibliográficas

I. Fontes Manuscritas

I.1. Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Chancelaria de Filipe I, Livros de Padrões e Doações, Livros

Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livros 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 16, 17, 18, 20, 21, 23, 25, 26, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 44.

I.2. Biblioteca da Ajuda

Códice 51-VI-54

Códice 51-VII-15

II. Fontes Impressas

II.1 Colectâneas Documentais

 Documentos remettidos da Índia ou Livros das Monções, edição de Bulhão Pato e António da Silva Rego, 10 Volumes, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1889-1982.

II.2. Crónicas

 BARROS, João de; COUTO, Diogo do, Da Ásia, 24 volumes, Lisboa, Livraria Sam Carlos, 1973-1975.  GUERREIRO, Afonso, Das festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe primeiro em Portugal, Lisboa, Francisco Correia, 1581.  LUZ, Francisco Mendes da (ed.), Livro das cidades e fortalezas, que a Coroa de Portugal tem nas partes da India, e das capitanias e mais cargos que nelas há, e da importância delles, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Separata da Revista Studia, Nº6, Julho de 1960.

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III. Instrumentos de Trabalho

III.1. Guias, Dicionários e Enciclopédias  “Enciclopédia Virtual da Expansão Portuguesa”, in http://www.cham.fcsh.unl.pt/eve.  ALBUQUERQUE, Luís de (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, s.l., Caminho, 1994.  LEÃO, Francisco G. Cunha, O Índico na Biblioteca da Ajuda, Lisboa, Centro de Estudos Damião de Góis/Biblioteca da Ajuda, 1998.  SERRÃO, Joel (dir.), Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971.

IV. Bibliografia

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143

Anexo 1

Justificação da criação do Conselho da Índia

“Eu El Rey faço saber aos que este meu Regimento virem, que vendo eu os muitos inconvenientes que se seguiam ao serviço de Deus, e meu, e ao bom governo do Estado da Índia, e dos mais Ultramarinos de não haver no Reino de Portugal um tribunal separado para se tratarem nele os negócios daquelas partes (sendo tantos, e de tanta importância como são), e de se fazer despacho deles por ministros obrigados a outras ocupaçoes, e entendendo que esta pela qualidade de que é se requer por si só particular assistência de um Conselho me resolvi em o mandar ordenar, e prover (como fiz) de pessoas de tais qualidades e experiência que eu possa ser deles bem servido e os negócios, e coisas dos ditos estados em despachadas e governadas”

Trecho do Regimento do Conselho da Índia (1604), in Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India: contributo ao estudo da história da administração e do comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1952, p. 96.

144

Anexo 2

Carta ao Vice-Rei a dar notícia da criação do Conselho da Índia

“Dom Martim Afonso de Castro, viso-rei amigo, eu el-rei vos envio muito saudar. Posto que antes de vossa partida deste reino tinha ordenado de fazer o tribunal e conselho da Índia para nele se tratarem as matérias desse Estado e mais partes ultramarinas, e para melhor expediente dos negócios delas, vos quis nesta fazer a saber como fica assentado e por ele correu o despacho dos negócios que este ano se ofereceram. E porque o meu principal intento, no ordenar este tribunal, foi haverem- se por tratar daqui por diante os negócios desse Estado, que são tantos e de tanta importância e qualidade, como sabeis, com toda a qualidade e circunspecção possível, estando a cargo de ministros separados e desocupados de outras matérias e negócios, como vereis pelo regimento que lhes tenho dado, de que com esta se vos envia a cópia; desejando eu que em tudo se alcance este intento, e no governo desse Estado haja o cuidado e vigilância que convem a minha obrigação, e ao bem e utilidade de meus vassalos, me pareceu que, além da lembrança que vos deve sempre ser mui presente e tendes por vosso regimento e instruções de me avisar com particularidade das matérias de meu serviço e de todas as tocantes a esse Estado, vos devia nesta ocasião encomendar o façais com mais pontualidade, para que com a vossa boa correspondência possam os ministros do dito tribunal avantajar-se em meu serviço e sua obrigação, e esse Estado receber o benefício que com sua assistência pretendo se lhe haja de seguir”

Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia Martim Afonso de Castro, Madrid, 6 de Março de 1605, in Documentos remettidos da Índia ou Livros das Monções, Volume 1, p. 29.

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Anexo 3

Rota dos papéis

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Anexo 4

Membros do Conselho da Índia

Nome Cargo Nomeação

Fernão Teles de Meneses Presidente 14 de Agosto de 1604

Estêvão da Gama Secretário 1604

João Brandão Soares Secretário 1604

António Velez de Cimas Secretário 30 de Junho de 1604

Francisco Vaz Pinto Conselheiro Letrado 5 de Maio de 1604

Sebastião Barbosa Conselheiro Letrado 16 de Julho de 1604

Pedro de Mendonça Furtado Conselheiro de Capa e Espada 26 de Agosto de 1604

D. Francisco de Almeida Conselheiro de Capa e Espada 24 de Novembro de 1604

João da Costa Secretário Fevereiro de 1605

D. Francisco de Mascarenhas Presidente Setembro de 1606

D. Francisco da Gama Presidente 3 de Julho de 1608

Antão de Mesquita Conselheiro Letrado 1609

Simão Soares de Carvalho Conselheiro Letrado Janeiro de 1611

João Furtado de Mendonça Conselheiro de Capa e Espada 1611

João Correia de Sousa Conselheiro de Capa e Espada 12 de Outubro de 1612

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Anexo 5

Presença dos capitães nas fontes utilizadas

Décadas da Documentos Remetidos da Ásia Portuguesa Ásia Índia D. Afonso Henriques ─ ─ ─ D. António de Eça ─ ─ ─ Bartolomeu Pereira de Miranda ─ ─ ─ D. Cristóvão de Noronha x x x Cristóvão de Távora ─ x ─ Diogo de Melo ─ x ─ Diogo de Melo de Castro ─ x x D. Duarte Lima ─ ─ ─ Duarte Pacheco Pereira ─ ─ ─ Fernão de Sampaio da Cunha ─ x x Fernão de Saldanha ─ ─ ─ D. Francisco de Lima ─ x ─ Francisco de Macedo de Meneses ─ ─ ─ D. João de Sousa ─ x ─ D. João de Almeida ─ x x D. João da Silva ─ x x João Furtado de Mendonça x x x D. João de Mascarenhas ─ x x João Pinto de Morais ─ x ─ D. Jorge de Alencastro ─ ─ ─ D. Jorge de Lima Barreto ─ x x Lopo de Almeida ─ x x Luís de Melo de Sampaio ─ x ─ Luís Falcão ─ ─ ─ Luís Brito de Melo ─ x ─ Manuel de Miranda Henriques ─ ─ ─ Manuel de Oliveira de Azevedo ─ x ─ Manuel Pereira da Silva ─ ─ ─ Manuel da Silva de Sousa ─ ─ ─ Nicolau de Castilho ─ x ─ Pedro de Sousa de Meneses ─ ─

Tomé de Sousa de Arronches x x x Salvador Pereira da Silva x x x Simão de Sousa de Castro ─ x ─

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Anexo 6

Cotas das cartas de nomeação dos capitães

Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Fortaleza Nome do capitão Doações Goa Manuel de Oliveira de Azevedo Livro 20, Fl 270v Simão de Sousa de Castro Livro 26, Fl 93v

Tomé de Sousa de Arronches Livro 31, Fl 44

Ormuz D. Cristóvão de Noronha Livro 18, Fl 270 Cristóvão de Távora Livro 23, Fl 77

D. Duarte de Lima Livro 17, Fl 244

D. Francisco de Lima Livro 31, Fl 141v

D. Jorge de Alencastro Livro 18, Fl 315v

Malaca Diogo de Melo de Sampaio Livro 30, Fl 120 Diogo de Melo de Castro Livro 29, Fl 210

D. João de Mascarenhas Livro 32, Fl 31

João Pinto de Morais Livro 36, Fl 252v

Luís de Melo de Sampaio Livro 23, Fl 257

Manuel da Silva de Sousa Livro 21, Fl 187

Diu D. Afonso Henriques Livro 23, Fl 130 D. António de Eça Livro 31, Fl 103v

Duarte Pacheco Pereira Livro 32, Fl 61

Fernão de Saldanha Livro 32, Fl 11v

D. João de Almeida Livro 23, Fl 168v

João Furtado de Mendonça Livro 14, Fl 187

D. João da Silva Livro 20, Fl 314v

D. Lopo de Almeida Livro 18, Fl 262

Luís Falcão Livro 29, Fl 67v

Manuel de Miranda Henriques Livro 31, Fl 212

Manuel Pereira da Silva Livro 32, Fl 53v

Nicolau de Castilho Livro 14, Fl 328v

Salvador Pereira da Silva Livro 16, Fl 121v

Baçaim Bartolomeu Pereira de Miranda Livro 29, Fl 274 Fernão de Sampaio da Cunha Livro 23, Fl 252

Francisco de Macedo de Meneses Livro 42, Fl 200v

D. João de Sousa Livro 36, Fl 146

Jorge de Lima Barreto Livro 42, Fl 31

Luís de Brito de Melo Livro 18, Fl 91

Pedro de Sousa de Meneses Livro 23, Fl 328v

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