Estrada De Ferro Campos Do Jordão, Uma Abordagem
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ESTRADA DE FERRO CAMPOS DO JORDÃO, UMA ABORDAGEM Marly Rodrigues 1 SUMÁRIO ESTRADA DE FERRO CAMPOS DO JORDÃO, UMA ABORDAGEM Parte 1: A modernização das formas de vida O contexto 2 A “peste branca” e as políticas de saúde 3 Campos do Jordão, entre a cura e o lazer 5 Parte 2: Os trilhos de uma estrada Trilhos, cura e lazer 10 Nem sempre fácil... 13 Em busca da solução 14 Sob nova direção 15 Outra energia 17 Outros ventos 22 Redefinindo 24 Revendo 27 No século XXI 29 Referências 30 2 Parte 1: A modernização das formas de vida O contexto A criação da hoje centenária Estrada de Ferro de Campos do Jordão está relacionada ao aumento da população e à expansão da vida urbana, fenômenos sociais que caracterizaram a modernização das formas de vida no estado de São Paulo. Em 1890, viviam no território paulista 1.384.753 pessoas, e dessas, cerca de 65 mil na cidade de São Paulo. O crescimento populacional também se verificou em cidades do interior, à medida que avançavam as frentes pioneiras da cafeicultura e os trilhos das companhias ferroviárias. Segundo o IBGE, em 1900 a população do estado chegou aos 2.282.279 habitantes, e vinte anos depois, a 4.592.188. Parte dessa população se aglomerava nos centros urbanos de maior porte e enfrentava longas jornadas de trabalho em indústrias, sem condições de salubridade. O caso da cidade de São Paulo é exemplar. Boa parte da população era composta por imigrantes e brasileiros pobres, muitos vindos de outros estados da federação, atraídos pelo trabalho gerado pela expansão física e econômica que ocorria desde a década de 1870, quando a cidade se tornou ponto obrigatório de passagem da produção cafeeira para o porto exportador, o que implicou a expansão das atividades financeiras, mercantis, de serviços, e fabris. A concentração populacional, aliada às precárias condições de saneamento e higiene das cidades e moradias populares, provocaria a emergência de inúmeras endemias e epidemias, como as de febre amarela, varíola e febre tifoide, e a proliferação de outras doenças contagiosas. A insalubridade também atingia as áreas rurais. Nesse contexto, ganharia realce o saber científico, em particular o dos engenheiros e médicos sanitaristas que atuaram no sentido de sanear as cidades, ainda que a custo de profundas intervenções no cotidiano das populações mais pobres, e controlar a expansão das doenças, essas vistas como sintoma de desordem, sujeira e desvios morais. Entre 1891 e 1896, o recém-instalado regime republicano promoveria reformas administrativas no setor da saúde pública e procuraria disciplinar o funcionamento da vida urbana. Tratava-se de regulamentar a configuração espacial das cidades por meio de obras de saneamento e impor, sobretudo à população pobre, hábitos de higiene que garantissem o que o pensamento higienista predominante no país acreditava imprescindível à manutenção da salubridade: a circulação do ar, a iluminação e a limpeza, uma vez que esses fatores eram vistos como condição para combater os miasmas, esses ainda tidos como responsáveis pela contaminação, embora desde meados do século XIX as experiências de Pasteur já houvessem demonstrado que os micro-organismos eram os responsáveis pela transmissão de doenças mediante o contato. A postura impositiva das políticas públicas de saúde começaria a ser modificada no período entre 1898 e 1917, em que a Diretoria do Serviços Sanitário esteve sob a responsabilidade de Emílio Ribas. Segundo Telarolli Jr.,1 ampliaram-se então as atribuições da administração 1 Telarolli Júnior, 1996, p.224. 3 estadual, e entre elas adotou-se a educação higiênica, isto é, um conjunto de ações educativas que apontavam práticas cotidianas a serem seguidas visando a profilaxia de doenças. A assistência individual aos doentes, porém, continuava um tópico secundário na estrutura pública de saúde, embora na década de 1910 a reforma no setor tenha criado serviços ambulatoriais permanentes e incluído ações sobre as endemias que afligiam as populações rurais. Procurava-se assim atender a eliminação daquilo que o pensamento nacionalista que se desenvolveu no período considerava um fator de atraso do país, as endemias e a miséria. A “peste branca” e as políticas de saúde A partir de 1898, a tuberculose, doença cuja incidência era grande entre a população urbana pobre, passou a ser a maior causa de morte no estado de São Paulo. Desde então, a “peste branca”, já conhecida na Antiguidade, mostrou-se como um perigo para a manutenção da força de trabalho urbana e rural, uma vez que a alta incidência da doença ameaçava prejudicar o fluxo imigratório para o país. Uma pesquisa realizada entre os pacientes do Dispensário Clemente Ferreira entre 1907 e 1909 indicou que dos 2.650 atendidos havia 1.197 tuberculosos, a maior parte do sexo feminino. As profissões exercidas pelos doentes eram modestas: domésticas somavam 279; costureiras eram 99; lavadeiras, 59; operários fabris, 92; e empregados no comércio, 53. A maioria vivia em habitações coletivas e superpovoadas, classificadas como “medíocres” e “malsãs”.2 No decorrer do século XIX, as concepções naturalistas do universo criaram, por meio de criações literárias, a imagem do tuberculoso como “herói sofredor”. Em 1882, o cientista Robert Koch descobriu o bacilo causador da doença. Ao contrário do esperado, por apontar como causa da doença um fator externo, a descoberta científica fez crescer o medo da contaminação e a estigmatização dos doentes e fez ruir o mito romântico construído em torno dela: antes vista como castigo divino, como provação individual, passou a ser um risco coletivo, aponta Ornellas.3 A explicação racional da origem da tuberculose a tornaria um “flagelo social” que provocava reações profiláticas de afastamento do contaminado. A partir de então, o poder público e os setores privado e filantrópico conceberam ações coletivas: isolamento em locais apropriados, de clima conveniente, construção de sanatórios, campanhas educativas... enquanto a discriminação motivada pela doença levava seus portadores a mantê-la em segredo tanto quanto possível. O tratamento da população carente portadora de tuberculose, até a década de 1930, esteve relacionado à assistência filantrópica, nas Santas Casas e nas Ligas Contra Tuberculose criadas em vários estados brasileiros. Entre 1917 e 1941, foram tentadas algumas medidas governamentais que só alcançaram caráter nacional com a reestruturação do Departamento Nacional de Saúde, promovida por Getulio Vargas em 1938, que daria ênfase ao controle das doenças transmissíveis. As ações específicas contra a tuberculose se consolidariam em 1941, quando criado o Serviço Nacional Contra Tuberculose. 2 Conferência do Dr. J. de Oliveira Botelho. O Estado de S. Paulo, 11.6.1909, p.2 e3. 3 Ornellas, 1995, p.125. 4 São Paulo foi pioneiro na organização de instituições filantrópicas de assistência aos tuberculosos. Em 1899, O Dr. Clemente Ferreira, importante figura na luta contra o mal, criou a Associação Paulista de Sanatórios Populares, desde 1903 denominada Liga Paulista Contra a Tuberculose, que presidiu até 1945, mantendo como referência principal de suas ações, o dispensário para a assistência aos doentes. Neles eram realizados o diagnóstico, o tratamento ambulatorial, a distribuição de medicamentos, e mesmo de roupas e alimentos, além de educação higiênica. Não obstante, Ferreira encabeçaria também uma campanha para a construção de um sanatório em Campos do Jordão, sob financiamento do governo do estado, e com administração subordinada às entidades filantrópicas. A proposta, não aceita por Emílio Ribas, geraria uma polêmica da qual fez parte uma publicação datada de 1899, assinado pelos médicos Victor Godinho e Guilherme Alvaro, com apresentação de Ribas, na qual o médico defendia ser a luta contra a tuberculose um encargo exclusivo do Serviço Sanitário. Os médicos autores do texto recomendavam que o estado construísse, em regime de urgência, um nosocômio em Campos do Jordão, não apenas pelo clima adequado ao tratamento dos fimatosos, mas, também, por ser um local de difícil acesso, o que isolaria os doentes e protegeria os sadios contra a contaminação bacilar.4 Em texto publicado no ano seguinte, Clemente Ferreira procuraria acomodar os ânimos, embora não poupasse críticas à proposta do Serviço Sanitário de tratamento dos tuberculosos em isolamento domiciliar. Sugeria, porém, outra divisão de atribuições entre o poder público e as entidades assistenciais particulares; caberia ao primeiro construir e administrar um sanatório em Campos do Jordão e solicitar ao estado a construção de uma estrada de ferro para ligar a estação de cura a um ponto do Vale do Paraíba. À Liga caberia patrocinar os serviços de dispensários na cidade de São Paulo e levar avante o projeto de criação de um orfanato para os filhos de tuberculosos, além de estudar a possibilidade de estabelecimento de um sanatório nas cercanias da capital paulista.5 Emilio Ribas enviou então Victor Godinho para a Europa com a finalidade de conhecer o funcionamento de sanatórios para tuberculosos na Alemanha, na França e na Suíça. Em 1902, o médico voltaria com uma sugestão relativa à arquitetura hospitalar: a criação de sanatórios pré-fabricados e de teto móvel, visando facilitar o aproveitamento da ação desinfetante dos raios solares e viabilizar a rápida transferência da casa de saúde de um local para outro. Nesse mesmo ano, Clemente Ferreira continua a divulgar suas convicções sobre o tratamento da tuberculose na publicação Defesa Contra a Tisica, que entre 1902 e 1914 foi órgão oficial da Associação que presidia. E também receberia o apoio de outros profissionais experientes, como o Dr. J. de Oliveira Botelho, que em conferência realizada em São Paulo no ano 1909 exaltaria o importante papel da Liga, cujos métodos aplicados no Dispensário eram inspirados em congêneres europeus.6 Em 1904, a já denominada Liga Paulista Contra a Tuberculose realizou uma ação pioneira no país ao instalar na cidade de São Paulo um dispensário destinado ao atendimento dos fimatosos pobres. Pouco depois, criara a Obra de Preservação dos Filhos dos Tuberculosos Pobres, movimento apoiado pelas damas da sociedade paulista, com o objetivo de patrocinar a 4 Bertolli Filho, 2001, p.63.