ESTRADA DE FERRO CAMPOS DO JORDÃO, UMA ABORDAGEM

Marly Rodrigues

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SUMÁRIO

ESTRADA DE FERRO CAMPOS DO JORDÃO, UMA ABORDAGEM

Parte 1: A modernização das formas de vida O contexto 2 A “peste branca” e as políticas de saúde 3 Campos do Jordão, entre a cura e o lazer 5

Parte 2: Os trilhos de uma estrada Trilhos, cura e lazer 10 Nem sempre fácil... 13 Em busca da solução 14 Sob nova direção 15 Outra energia 17 Outros ventos 22 Redefinindo 24 Revendo 27 No século XXI 29

Referências 30

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Parte 1: A modernização das formas de vida

O contexto

A criação da hoje centenária Estrada de Ferro de Campos do Jordão está relacionada ao aumento da população e à expansão da vida urbana, fenômenos sociais que caracterizaram a modernização das formas de vida no estado de .

Em 1890, viviam no território paulista 1.384.753 pessoas, e dessas, cerca de 65 mil na cidade de São Paulo. O crescimento populacional também se verificou em cidades do interior, à medida que avançavam as frentes pioneiras da cafeicultura e os trilhos das companhias ferroviárias. Segundo o IBGE, em 1900 a população do estado chegou aos 2.282.279 habitantes, e vinte anos depois, a 4.592.188.

Parte dessa população se aglomerava nos centros urbanos de maior porte e enfrentava longas jornadas de trabalho em indústrias, sem condições de salubridade. O caso da cidade de São Paulo é exemplar. Boa parte da população era composta por imigrantes e brasileiros pobres, muitos vindos de outros estados da federação, atraídos pelo trabalho gerado pela expansão física e econômica que ocorria desde a década de 1870, quando a cidade se tornou ponto obrigatório de passagem da produção cafeeira para o porto exportador, o que implicou a expansão das atividades financeiras, mercantis, de serviços, e fabris.

A concentração populacional, aliada às precárias condições de saneamento e higiene das cidades e moradias populares, provocaria a emergência de inúmeras endemias e epidemias, como as de febre amarela, varíola e febre tifoide, e a proliferação de outras doenças contagiosas. A insalubridade também atingia as áreas rurais. Nesse contexto, ganharia realce o saber científico, em particular o dos engenheiros e médicos sanitaristas que atuaram no sentido de sanear as cidades, ainda que a custo de profundas intervenções no cotidiano das populações mais pobres, e controlar a expansão das doenças, essas vistas como sintoma de desordem, sujeira e desvios morais.

Entre 1891 e 1896, o recém-instalado regime republicano promoveria reformas administrativas no setor da saúde pública e procuraria disciplinar o funcionamento da vida urbana. Tratava-se de regulamentar a configuração espacial das cidades por meio de obras de saneamento e impor, sobretudo à população pobre, hábitos de higiene que garantissem o que o pensamento higienista predominante no país acreditava imprescindível à manutenção da salubridade: a circulação do ar, a iluminação e a limpeza, uma vez que esses fatores eram vistos como condição para combater os miasmas, esses ainda tidos como responsáveis pela contaminação, embora desde meados do século XIX as experiências de Pasteur já houvessem demonstrado que os micro-organismos eram os responsáveis pela transmissão de doenças mediante o contato.

A postura impositiva das políticas públicas de saúde começaria a ser modificada no período entre 1898 e 1917, em que a Diretoria do Serviços Sanitário esteve sob a responsabilidade de Emílio Ribas. Segundo Telarolli Jr.,1 ampliaram-se então as atribuições da administração

1 Telarolli Júnior, 1996, p.224.

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estadual, e entre elas adotou-se a educação higiênica, isto é, um conjunto de ações educativas que apontavam práticas cotidianas a serem seguidas visando a profilaxia de doenças.

A assistência individual aos doentes, porém, continuava um tópico secundário na estrutura pública de saúde, embora na década de 1910 a reforma no setor tenha criado serviços ambulatoriais permanentes e incluído ações sobre as endemias que afligiam as populações rurais. Procurava-se assim atender a eliminação daquilo que o pensamento nacionalista que se desenvolveu no período considerava um fator de atraso do país, as endemias e a miséria.

A “peste branca” e as políticas de saúde

A partir de 1898, a tuberculose, doença cuja incidência era grande entre a população urbana pobre, passou a ser a maior causa de morte no estado de São Paulo. Desde então, a “peste branca”, já conhecida na Antiguidade, mostrou-se como um perigo para a manutenção da força de trabalho urbana e rural, uma vez que a alta incidência da doença ameaçava prejudicar o fluxo imigratório para o país.

Uma pesquisa realizada entre os pacientes do Dispensário Clemente Ferreira entre 1907 e 1909 indicou que dos 2.650 atendidos havia 1.197 tuberculosos, a maior parte do sexo feminino. As profissões exercidas pelos doentes eram modestas: domésticas somavam 279; costureiras eram 99; lavadeiras, 59; operários fabris, 92; e empregados no comércio, 53. A maioria vivia em habitações coletivas e superpovoadas, classificadas como “medíocres” e “malsãs”.2

No decorrer do século XIX, as concepções naturalistas do universo criaram, por meio de criações literárias, a imagem do tuberculoso como “herói sofredor”. Em 1882, o cientista Robert Koch descobriu o bacilo causador da doença. Ao contrário do esperado, por apontar como causa da doença um fator externo, a descoberta científica fez crescer o medo da contaminação e a estigmatização dos doentes e fez ruir o mito romântico construído em torno dela: antes vista como castigo divino, como provação individual, passou a ser um risco coletivo, aponta Ornellas.3

A explicação racional da origem da tuberculose a tornaria um “flagelo social” que provocava reações profiláticas de afastamento do contaminado. A partir de então, o poder público e os setores privado e filantrópico conceberam ações coletivas: isolamento em locais apropriados, de clima conveniente, construção de sanatórios, campanhas educativas... enquanto a discriminação motivada pela doença levava seus portadores a mantê-la em segredo tanto quanto possível.

O tratamento da população carente portadora de tuberculose, até a década de 1930, esteve relacionado à assistência filantrópica, nas Santas Casas e nas Ligas Contra Tuberculose criadas em vários estados brasileiros. Entre 1917 e 1941, foram tentadas algumas medidas governamentais que só alcançaram caráter nacional com a reestruturação do Departamento Nacional de Saúde, promovida por Getulio Vargas em 1938, que daria ênfase ao controle das doenças transmissíveis. As ações específicas contra a tuberculose se consolidariam em 1941, quando criado o Serviço Nacional Contra Tuberculose.

2 Conferência do Dr. J. de Oliveira Botelho. O Estado de S. Paulo, 11.6.1909, p.2 e3. 3 Ornellas, 1995, p.125. 4

São Paulo foi pioneiro na organização de instituições filantrópicas de assistência aos tuberculosos. Em 1899, O Dr. Clemente Ferreira, importante figura na luta contra o mal, criou a Associação Paulista de Sanatórios Populares, desde 1903 denominada Liga Paulista Contra a Tuberculose, que presidiu até 1945, mantendo como referência principal de suas ações, o dispensário para a assistência aos doentes. Neles eram realizados o diagnóstico, o tratamento ambulatorial, a distribuição de medicamentos, e mesmo de roupas e alimentos, além de educação higiênica.

Não obstante, Ferreira encabeçaria também uma campanha para a construção de um sanatório em Campos do Jordão, sob financiamento do governo do estado, e com administração subordinada às entidades filantrópicas. A proposta, não aceita por Emílio Ribas, geraria uma polêmica da qual fez parte uma publicação datada de 1899, assinado pelos médicos Victor Godinho e Guilherme Alvaro, com apresentação de Ribas, na qual o médico defendia ser a luta contra a tuberculose um encargo exclusivo do Serviço Sanitário. Os médicos autores do texto recomendavam que o estado construísse, em regime de urgência, um nosocômio em Campos do Jordão, não apenas pelo clima adequado ao tratamento dos fimatosos, mas, também, por ser um local de difícil acesso, o que isolaria os doentes e protegeria os sadios contra a contaminação bacilar.4

Em texto publicado no ano seguinte, Clemente Ferreira procuraria acomodar os ânimos, embora não poupasse críticas à proposta do Serviço Sanitário de tratamento dos tuberculosos em isolamento domiciliar. Sugeria, porém, outra divisão de atribuições entre o poder público e as entidades assistenciais particulares; caberia ao primeiro construir e administrar um sanatório em Campos do Jordão e solicitar ao estado a construção de uma estrada de ferro para ligar a estação de cura a um ponto do Vale do Paraíba. À Liga caberia patrocinar os serviços de dispensários na cidade de São Paulo e levar avante o projeto de criação de um orfanato para os filhos de tuberculosos, além de estudar a possibilidade de estabelecimento de um sanatório nas cercanias da capital paulista.5

Emilio Ribas enviou então Victor Godinho para a Europa com a finalidade de conhecer o funcionamento de sanatórios para tuberculosos na Alemanha, na França e na Suíça. Em 1902, o médico voltaria com uma sugestão relativa à arquitetura hospitalar: a criação de sanatórios pré-fabricados e de teto móvel, visando facilitar o aproveitamento da ação desinfetante dos raios solares e viabilizar a rápida transferência da casa de saúde de um local para outro. Nesse mesmo ano, Clemente Ferreira continua a divulgar suas convicções sobre o tratamento da tuberculose na publicação Defesa Contra a Tisica, que entre 1902 e 1914 foi órgão oficial da Associação que presidia. E também receberia o apoio de outros profissionais experientes, como o Dr. J. de Oliveira Botelho, que em conferência realizada em São Paulo no ano 1909 exaltaria o importante papel da Liga, cujos métodos aplicados no Dispensário eram inspirados em congêneres europeus.6

Em 1904, a já denominada Liga Paulista Contra a Tuberculose realizou uma ação pioneira no país ao instalar na cidade de São Paulo um dispensário destinado ao atendimento dos fimatosos pobres. Pouco depois, criara a Obra de Preservação dos Filhos dos Tuberculosos Pobres, movimento apoiado pelas damas da sociedade paulista, com o objetivo de patrocinar a

4 Bertolli Filho, 2001, p.63. 5 Ferreira, 1900, segundo Bertolli Filho, 2001 6 Na conferência o Dr. J. de Oliveira Botelho discorreu sobre os métodos para diagnóstico da tuberculose por ele observados na Europa, os dispensários europeus, os sanatórios e a liga Paulista contra a Tuberculose. O Estado de S. Paulo, 11.6.1909, p.2 e 3. 5

construção de um albergue para os filhos dos infectados, estabelecimento preventório que foi instalado em Bragança Paulista. Na década de 1920, coube ainda à Liga a construção e manutenção do Sanatório São Luiz, em , desativado em 1931 por insuficiência de verbas.7

Campos do Jordão, entre a cura e o lazer

A Serra da Mantiqueira já era percorrida pelos índios da região e nos tempos coloniais seria atravessada pelos que iam em busca de ouro. A partir do Vale do Paraíba ela era vencida, preferencialmente, na Garganta do Embaú, passagem natural localizada em Lorena, pela qual passaram os povoadores de Minas oriundos de São Paulo e as tropas de muares que alimentaram a região mineradora e propiciaram o desenvolvimento do comércio interno, a partir do século XVIII.

Campos do Jordão, localizado na Mantiqueira, nasceu de um povoado que se tornou distrito de São Bento do Sapucaí. Já composto por três vilas, Jaguaribe, Abernéssia e , ganharia autonomia administrativa em 1934.8

Antes mesmo de 1879, a região da Mantiqueira era conhecida pelos bons efeitos de seu clima, como atesta uma matéria publicada na imprensa paulista: “Já é muito conhecida a excelência dessa localidade para habitação de tuberculosos e convalescença de pessoas que sofreram moléstias graves”. E completava informando a recente instalação do “Hotel do Salto”, talvez o pioneiro, naquela localidade.9

Inúmeras publicações continuariam a divulgar as qualidades curativas e a beleza do lugar. A excelência do clima local seria comprovada pela observação médica e, assim, ganharia a credibilidade proveniente da ciência. Em 1881, o Dr. Arthur Azevedo, de Lorena, assinou um artigo no qual narrou os efeitos do clima local sobre alguns doentes que examinou, afirmando que em Campos do Jordão “a incurabilidade da tísica pulmonar sofreu, pois, um golpe profundo e decisivo. [...] A nenhum afetado do pulmão é licito morrer, sem tentar aquele inefável recurso”.10

As dificuldades de acesso a Campos do Jordão começaram a ser contornadas em 1889, ano em que se completou a abertura da ligação rodoviária com Pindamonhangaba. Em 1896 um jornal carioca classificou Campos do Jordão como “Suíça brasileira”. As estações climáticas da Suíça eram então bem visitadas pela elite brasileira em busca de repouso e lazer, assim como o eram as estações de águas alemãs. Segundo vários estudiosos da história do turismo, nesse período, as condições climáticas propiciadoras de boa saúde foram importantes para o desenvolvimento do turismo, uma vez que iam ao encontro do discurso médico- higienista que incluía a importância das estações termais e da “mudança de ares” como fatores de cura e de manutenção de boas condições de saúde.11

A relação entre bom clima e desenvolvimento do turismo parece ter ocorrido no caso de Campos do Jordão. O processo de formação das imagens sociais referentes à cura e ao lazer

7 Bertolli Filho, 2001, p.66. 8 Decreto n.6.501, de 19.6.1934. 9 A Província de S. Paulo, 23.10.1879, p.2. 10 Dr. Arthur Azevedo. “Campos do Jordão e a tísica pulmonar”. A Província de S. Paulo, 15.7.1881, p.2 . 11 Hammerl, 2007, p.10-23. 6

nessa localidade foi concomitante e a consagraria como um lugar de turismo. Campos do Jordão se tornaria uma estância de cura institucionalizada pelo saber médico e um lugar de temporadas de lazer e descanso de pessoas sadias, pela excelência de seu clima e beleza de suas paisagens naturais. Desde a década de 1910, a cidade localizada na Mantiqueira era frequentada por membros de destacadas famílias, como atestam as fotografias de “grupos de elegantes” publicadas, entre outras revistas de grande circulação dedicadas à crônica do mundo social, na Fon-Fon, do .12

Para isso concorreram diversos fatores, entre os quais a divulgação das qualidades climáticas da região, os investimentos imobiliários e a regulamentação de uso dos espaços, que permitiu separar áreas exclusivas para os visitantes sadios e para os que buscavam curar-se do “mal do século”. A década de 1920, período de crescimento da tuberculose no estado de São Paulo, pode ser tomada como o tempo em que Campos do Jordão também se firmou como atração para temporadas de descanso.

A propagação das qualidades climáticas de Campos do Jordão, iniciadas na segunda metade do século XIX, se prolongaria. A prestigiada publicação paulista A Cigarra trouxe, em 1924, um artigo do Dr. Clemente Ferreira a respeito do trabalho sobre as estações climatéricas de São Paulo, elaborado pelo Dr. Belfort de Mattos Filho para a Secretaria de Agricultura, em que retomava os louvores ao clima de “elevada transparência atmosférica, fraca nebulosidade e pois de farta insolação, procurado pelos enfermos, fracos, fatigados e aproveitado mesmo pelos que desejam fazer ampla provisão de força e robustez”.13

Em outubro de 1916, meses após o governo do estado haver encampado a Estrada de Ferro Campos do Jordão, A Tribuna do Norte estampou a notícia de um empreendimento que os médicos Emílio Ribas e Victor Godinho, que haviam tomado a iniciativa de implantação da ferrovia, pretendiam instalar em Campos do Jordão, uma Vila Sanitária. A construção desse, ou de outro tipo de estabelecimento de saúde, sanatório, ou estação climatérica, era uma das exigências de lei de 1910, que autorizara o governo estadual a contratar a construção da ferrovia com os mencionados doutores ou empresa por eles organizada.14

O terreno para a construção da Vila fora por eles adquirido em 1911, mesmo ano em que haviam recebido a concessão para implantar a linha férrea. A gleba situava-se em Capivari e fizera parte da antiga Fazenda Natal, pertencente à Societé Comerciale Franco-Bresilienne. O projeto da Vila, de autoria do Dr. Henrique Rufin, incluía 28 ruas e outros logradouros públicos, 100 casas, edifícios de uso público, entre os quais um hotel, e quadras esportivas, constituindo um bairro planejado no qual foram obedecidos os preceitos do higienismo então vigente.15

O projeto não prosseguiu e a propriedade foi vendida em 1918. Grandes empreendimentos imobiliários seriam implantados após 1920, ano em que José Carlos de Macedo Soares, proprietário de grandes glebas em Campos do Jordão, constituiu a Companhia Campos do Jordão.16 Tais empreendimentos valeram-se da atração exercida pela natureza sobre o turista,

12 Ver, por exemplo, as edições de 1912, n.27, n.45 e n.47; 1913, n.17; 1914, n. 44. 13 A Cigarra n.227, mar. 1924, p.22-3. 14 Art. 8o, Lei n.1.221, de 28.11.1910. 15 A Tribuna do Norte, 29.10.1916, in Paulo Filho, 1986, p.172 16 Criada em 1920, a empresa passaria a ser denominada Companhia de Melhoramentos de Campos do Jordão em 1941. Paulo Filho (1986, p.179) indica que essa se tornara concessionária dos serviços de toda a rede de fornecimento de água e canalização de esgotos, direito que, quando do projeto da Vila Sanitária, havia sido concedido a Ribas e Godinho, com alcance limitado a esse empreendimento. Aponta também duas outras empresas 7

nesse caso, a qualidade do clima e a imponência da paisagem, ambas propaladas pela imprensa desde o final do século XIX. Além disso, valeram-se da melhoria do acesso propiciada pela via férrea e da descoberta de qualidades terapêuticas em fontes de água natural.

Ainda em 1924, A Cigarra estampa um longo artigo, “Campos do Jordão, o que será dentro em pouco a Suíça brasileira”, em que o autor compara o lugar com os congêneres europeus e explicita as vantagens climáticas por ele oferecidas. Mas, também, as dificuldades para que se tornasse uma atração para os brasileiros que então ainda procuravam as estações de descanso europeias: “faltam os sanatórios, os grandes hotéis, as pensões modelos, as habitações apropriadas, as obras municipais de embelezamento e higiene, as redes de esgotos, abastecimento d’água...”. A matéria termina apontando um futuro promissor, que resultaria da eletrificação da estrada de ferro e do aumento do número de viagens; das ações urbanizadoras promovidas pela Companhia Campos do Jordão; e, sobretudo, da criação da Prefeitura Sanitária, por meio da qual o governo do estado poderia tomar medidas de promoção de melhoramentos urbanos, de higiene e outras, como a concessão para instalação de sanatórios, hotéis, pensões e divertimentos, oferecendo o “conforto e prazer indispensáveis à vida moderna”.17

Entre os loteamentos realizados pela Companhia Campos do Jordão, destacou-se o da grande gleba “na ponta dos trilhos”, denominada Vila Capivari, com “arruamento cuidado, e construída de preferência para pessoas abastadas de S. Paulo”, segundo a revista A Cigarra.18 Em Capivari seriam erguidas luxuosas casas de temporada, cujos proprietários, assim como o próprio investidor, não pouparam empenho para o estabelecimento de regras de uso que resultaram na segregação espacial dos enfermos. Os doentes foram proibidos de se instalar nas vilas Jaguaribe e Capivari; a eles foi reservada apenas a Vila Abernéssia. Por tradição oral afirma-se que até mesmo nos carros de passageiros da ferrovia havia separação entre as áreas para doentes e passageiros sadios. Procurou-se assim aliar a possibilidade de cura com a fruição do ambiente da montanha, sem que o perigo da contaminação afugentasse os turistas sãos.

A Prefeitura Sanitária foi instalada em 1926 correspondendo à área do distrito de paz de Campos do Jordão, então ainda integrado a São Bento do Sapucaí.19 O prefeito, obrigatoriamente médico especialista, seria nomeado pelo governo do estado e suas atividades deveriam seguir um plano de conjunto que permitisse o desenvolvimento harmonioso e higiênico da área.

A lei previa que para o desenvolvimento das obras de saneamento o governo poderia emitir apólices no valor total de três mil contos de réis, quantia que, segundo o art. 9o, poderia ser emprestada mediante juros de 6% ao ano, por meio de um contrato com empresa idônea. Essa deveria se comprometer a construir, organizar e manter um sanatório modelo para tuberculosos, um hotel para repouso ou convalescença, rede de abastecimento de águas, de esgoto, retificar e sanear trecho do Rio Capivari e arborizar a avenida que liga as três vilas do então distrito.

imobiliárias de porte que atuaram em Campos do Jordão, a Companhia Melhoramentos de Capivari e a Companhia de Terrenos em Campos do Jordão. 17 A Cigarra n.239, out.1924, p.38-40. 18 Ibidem. 19 Lei n.2.140, de 1.10.1926. 8

Assim, mais uma vez, o poder público pretendia solucionar a falta de lugares para hospedagem de doentes de tuberculose e convalescentes. Desde 1899 corria no legislativo de São Paulo um projeto para autorizar o governo a estabelecer um sanatório em Campos do Jordão que, em terceira discussão, foi alvo de argumentos que exigiam a comprovação das qualidades terapêuticas do clima da cidade para a tuberculose por meio de estudos científicos.20

Por fim, o governo estadual adotaria a política de subsídios para instalação de instituições privadas que, além dos doentes a pagamento, recebiam doentes impossibilitados de sustentar o tratamento. Nesse sentido, em 1908, um decreto do legislativo autorizado por Albuquerque Lins, presidente do estado, estabeleceu a subvenção anual de sessenta mil contos de réis por vinte anos, para a empresa organizada pelos doutores Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, ou a outra que melhores condições oferecesse, para auxílio e manutenção de um ou mais sanatórios para o tratamento da tuberculose no estado de São Paulo. A lei, que acabaria por não ser cumprida, exigia que a primeira unidade fosse instalada em dois anos, a partir da assinatura do contrato, e o governo disporia de trinta leitos para tratamento gratuito; findo o prazo da subvenção, disporia dos leitos por metade do preço fixado.21

A maior parte dos sanatórios e pensões exclusivas para tísicos era particular e se expandiu no final da década de 1920, assim como também se criaram instituições filantrópicas. Parte dessas foi construída por campanhas públicas em terrenos doados pela Companhia de Campos do Jordão nas áreas reservadas para enfermos. Paulo Filho cita diversos testemunhos sobre a situação dos tuberculosos carentes que procuravam cura em Campos do Jordão em períodos anteriores à década de 1930. Era comum permanecerem perambulando pelas ruas ou nos bancos da estação ferroviária de Abernéssia, onde os socorria a ação caridosa de Sebastião Leitão e João Maquinista; este os recebia em uma serraria de sua propriedade, onde faleceram vários doentes.22

Em 1934, no contexto político de centralização administrativa e proteção às riquezas naturais brasileiras que caracterizaram o período Vargas, um decreto do interventor de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, estabeleceu novas regras para o funcionamento das prefeituras sanitárias que o governo pretendia criar nas estações climatéricas do estado. A Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão passou a ser regida por essa determinação, o que significaria a autonomia política do município. O decreto previa a concorrência do Instituto de Higiene e do Serviço Sanitário nas atividades da prefeitura, respectivamente, com as funções de avaliar o poder curativo das fontes d’água e controlar as normas de higiene e saneamento, incluindo-se nessas as de edificações senatoriais, hospitalares e de hospedagem.23

Na década de 1940, a convivência entre as atividades de cura e de turismo estava organizada. A partir de então, a descoberta de novas drogas e a predominância do tratamento ambulatorial da tuberculose, bem como mudanças na política de subsídios públicos para as instituições particulares de saúde causaram a desativação de várias unidades de tratamento. Ampliaram-se, porém, as possibilidades de criação de estruturas turísticas no município. Os investimentos tinham agora mais uma motivação, a possibilidade de legalização do jogo no país, o que acabaria por não ocorrer. Nessa fase se instalam em Campos de Jordão hotéis de luxo, incluído o Grande Hotel, construído pelo governo do estado, realizaram-se obras públicas

20 Terceira discussão do projeto n.24, de 1899. O Estado de S. Paulo, 8.11.1900, p.1. 21 Lei n.1.163, de 30.12.1908. 22 Paulo Filho, 1986, p.279-83. 23 Decreto n.6.501, de 19.6.1934. 9

de embelezamento − calçamento, ajardinamento e arborização − e, também, se iniciou ampla divulgação das atrações turísticas locais.

Paralelamente, desenhava-se um novo papel para o município, também baseado em seu clima, o de produtor de frutas, o que não conflitava com o perfil turístico em vias de consolidação e até o presente mantido. Para isso, contribuíram diversas iniciativas públicas como, na década de 1970, a criação do Festival de Inverno de Campos do Jordão, evento musical que hoje tem repercussão internacional, e a criação de atrações, como o teleférico. No lento e constante processo de transformação de Campos do Jordão de estação de cura em lugar de lazer e turismo, a Estrada de Ferro, de início pensada como meio de transporte de doentes, função que nunca foi exclusiva, gradativamente foi se tornando uma das atrações locais.

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Parte 2: Os trilhos de uma estrada

Trilhos, cura e lazer

Em meados da década de 1830 começou a ser criada a estrutura legal necessária à ampliação de obras e serviços públicos executados e explorados pela iniciativa particular mediante a concessão de favores dos governos. Em 1836, a Província de São Paulo concedeu o primeiro privilégio para a exploração de uma ferrovia, mas a empresa que deveria assumir o empreendimento não chegou a se constituir.

Em 1852, uma nova lei tornaria a implantação de ferrovias um bom negócio e daria início à era ferroviária no país.24 O governo do Império passou a conceder às empresas interessadas a garantia de juros de 5% sobre o capital empregado, isenção de impostos na importação de materiais necessários e privilégio de zona de 5 léguas (30 km) em cada lado da linha férrea. Além disso, as províncias ofereciam, em média, ainda mais 2% de juros sobre o mesmo capital.

A implantação da ferrovia no Brasil fez parte do ideário do progresso, no qual se incluía a crença na ciência e na técnica como fatores da constante evolução da sociedade; nele se orientou a busca da modernização, o que incluía a adoção de tecnologias contemporâneas, mecanização da agricultura, implantação de fábricas, o rompimento do regime escravista e, segundo algumas opiniões correntes na época, também do regime monárquico.

Desde 1850 um conjunto de novas leis passou a regular a organização comercial e o funcionamento de companhias e sociedades, segundo o modelo capitalista internacional. Entre 1870 e 1875, boa parte das empresas de transporte ferroviário instaladas em São Paulo foi constituída por investidores nacionais, o que revela já haver suficiente acumulação de capital gerado nas atividades agrícolas disponível para empreendimentos em outros setores e, ainda, que aqui já se formara uma mentalidade capitalista moderna, fato que também se revela na Lei de Terras de 1850, que determinou a demarcação de propriedades agrícolas para legalização da posse, o que pouco depois se estenderia para o solo urbano.

A implantação das ferrovias em São Paulo, assim como no restante do país, foi um dos aspectos da estruturação interna do capitalismo industrial e estabeleceu um forte vínculo com a dinâmica capitalista internacional. A velocidade, símbolo dessa dinâmica, resultaria no desenvolvimento de uma nova relação das pessoas com o espaço e o tempo.

A ideia de construção de uma ferrovia entre Campos do Jordão e a estrada de ferro que atravessava o Vale do Paraíba apareceu na imprensa em 1891, no início do período republicano. A notícia indicava que a linha sairia de Lorena e que já havia sido assinado o contrato entre o governo e alguns capitalistas. Observava ainda prestar-se Campos do Jordão “muito bem ao desenvolvimento da empresa pastoril, sendo além disso, muito férteis e muito afamados pela sua salubridade”. Caberia aos contratantes, além da instalação da ferrovia, a criação de diversos “burgos agrícolas, estabelecimentos industriais, e por fim, uma nova cidade sob todas as condições de estética, da higiene e do conforto”.25 Por meio de ferrovias

24 Lei n.604, de 26.6.1852, a Lei Cockrane. 25 O Estado de S. Paulo, 3.7.1891, p.1. Segundo Paulo Filho (1986, p 308), em 1880 Álvaro Pestana e Francisco Natividade solicitaram privilégio para instalação de estrada de ferro entre Pindamonhangaba e São Bento do Sapucaí, passando por Campos do Jordão; quatro anos depois, a Companhia de Bondes de Tremembé pretendeu 11

pretendia-se garantir a ocupação de áreas de povoamento ainda difuso, ao mesmo tempo que se criavam condições de escoamento da produção.

Vivia-se então o fim do “encilhamento”, período de medidas econômicas malsucedidas que visavam estimular a industrialização por meio de créditos garantidos pela emissão de moeda. O resultado dessa política foi uma enorme especulação nas bolsas de valores e um grande número de falências e de empresas existentes apenas no papel. O empreendimento anunciado era arrojado, tendo em vista tratar-se de um local com características econômicas marcadamente rurais, com grande parte da produção voltada ao consumo de alimentos. É possível que a divulgação na imprensa fosse apenas um ato de especulação, um jogo para valorização de terras, o que seria coerente com a dinâmica financeira então vigente.

A ferrovia como forma de tirar a região serrana do isolamento reapareceria apenas em novembro de 1900, quando entrou em primeira discussão na Assembleia do estado de São Paulo o Projeto de Lei n.105, que autorizava o governo a conceder 7% de juros à empresa que se formasse para construir uma estrada de ferro entre Campos do Jordão e um lugar mais próximo da Estrada de Ferro Central do Brasil.26

O projeto foi “estudado com simpatia” pela Comissão da Fazenda e Contas do Legislativo que, diante da situação de baixa do preço do café, a principal fonte dos recursos orçamentários, aconselhava os deputados a não autorizarem o gasto naquele momento.27 A construção da ferrovia voltaria a ser aventada apenas em 1908, por ocasião da publicação da lei que permitia ao governo conceder aos doutores Emílio Ribas e Victor Godinho a subvenção para construção de um sanatório em Campos do Jordão.28 De acordo com uma notícia vinculada na Tribuna do Norte, jornal de Pindamonhangaba reproduzida em O Estado de S. Paulo, nessa ocasião eles haviam enviado à Câmara daquela cidade um pedido de concessão para construir uma estrada de ferro daí até Campos do Jordão.

[...] o melhoramento projetado é condição que está dependente a empresa de sanatório para tuberculosos, pois sem meio de transporte rápido e cômodo não será possível aos enfermos gozarem das condições climatéricas que ali se procura aproveitar.29

Em 1910, uma lei estadual autorizou a contratação dos médicos, ou empresa por eles organizada, para a construção de uma estrada de ferro entre Pindamonhangaba e São Bento do Sapucaí, município no qual se situava o então distrito de Campos do Jordão.30 Previa-se na lei a garantia de 5% ao ano, até o capital de três mil contos de réis, durante vinte anos; o privilégio de zona de 15 Km em cada lado dos trilhos, respeitados os direitos de terceiros, além do direito de desapropriação, caso fosse necessário para a instalação do leito, estações e armazéns ou outras dependências da estrada.

ligar essa localidade a Campos do Jordão; e, em 1893, Benjamim Franklin de Albuquerque Lima propôs a criação de uma empresa férrea para ligar Campos do Jordão a Pindamonhangaba, passando por Cunha, com ramal para Guaratinguetá e terminando no Rio de Janeiro. Finalmente, em 1890, o deputado Esteves da Silva apresentou à Câmara dos Deputados um projeto, que seria rejeitado, de construção de estrada de ferro entre Campos do Jordão e um ponto de Estrada de Ferro Central do Brasil. 26 O Estado de S. Paulo, 24.11.1900, p.1, Congresso Legislativo. 27 O Estado de S. Paulo, 19.4.1901, p.1, Congresso Legislativo, sessão de 18.4.1901. 28 Lei n.1.163, de 30.12.1908. DOESP, 9.1.1909, p.1. 29 O Estado de S. Paulo, 6.1.1909, p.1. 30 Lei n.1.221, de 28.11.1910. Disponível em: . Acesso em: 30 out.2013. 12

Como era comum, o contratado obrigava-se a promover o estabelecimento de núcleos coloniais na região atravessada pela linha, cuja bitola seria de 60 centímetros, e a construir sanatórios, para tratamento de tuberculosos e uma vila sanitária ou estação climatéria.31 Previa-se, por fim, o emprego de sessenta mil contos de réis, a serem restituídos ao governo no fim de cinco anos, para realização dos estudos técnicos necessários à construção da estrada que, após sessenta anos, seria restituída ao Estado, com suas benfeitorias, material fixo e rodante. A verba destinada a estudos estaria disponível por meio da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.32

O direito de Ribas e Godinho construírem a estrada só seria concedido em 1911,33 e com alterações: a linha passou a ser métrica, definia-se a forma de tração − elétrica ou a vapor – e determinava-se que o tronco ligaria Pindamonhangaba a Campos de Jordão, nas proximidades da Vila Jaguaribe, e dele, no ponto mais conveniente, deveria sair um ramal que, passando por São Bento do Sapucaí, atingiria o limite com . Também foi ampliado o capital a ser empregado e aumentada a porcentagem de juros sobre ele. Os concessionários passaram a ter o direito de desapropriação de quedas d’água, caso a tração utilizada fosse a elétrica, tendo em vista que essas permitiriam gerar força. As cláusulas modificadas foram aprovadas em decreto34 e, possivelmente, resultaram conclusões do estudo de viabilidade técnica iniciados em maio de 1911 pelos engenheiros Abel Leite de Souza, João Lindemberg e Roberto Ried,35 aprovados pelo poder público em janeiro de 1913, que reavaliaram as recomendações do responsável por um estudo anterior, o engenheiro Mario Roxo.36

Os concessionários constituíram a Sociedade Anônima Estrada de Ferro dos Campos do Jordão, em maio de 1912, e em outubro desse mesmo ano passaram a negociar suas ações na Bolsa de São Paulo. As obrigações ao portador e debêntures eram no valor de 100$000 e a garantia oferecida era o próprio ativo social da empresa, naquele momento em vias de construção.37

As obras da estrada tiveram início em outubro de 1912, após um almoço comemorativo oferecido pela diretoria da empresa em Pindamonhangaba, na casa de madeira em que estava instalado o escritório técnico, e contou com a presença das autoridades locais e estaduais, além da imprensa e de colaboradores. A cerimônia de início dos trabalhos foi realizada no local onde meses antes fora fincada a primeira estaca da linha férrea. O projeto previa a travessia da serra em rampas de 10% intermediadas por plataformas, o que dispensaria o uso dos sistemas de cremalheira ou funicular. A força de tração era por eletricidade. A imprensa comentou: “Os carros serão confortáveis e terão todos a sua força motora própria, podendo, todavia, funcionar como comboio, de acordo com as exigências do tráfego”.38

31 Art. 8o, Lei n.1.221, de 28.11.1910. 32 Decreto 2.035, de 18.4.1911. Disponível em: . Acesso em: 30 out.2013. 33 Lei no 1.265-A, de 28.10.1911. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 34 Decreto 2.156, de 21.11.1911. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 35 O Estado de S. Paulo, 28.4.1911, p.7, e 1.5.1911, p.6. 36 Decreto n.2337, de 15.1.1913. 37 O Estado de S. Paulo, 29.10.1912, p.16. Paulo Filho (1986, p.311) aponta que a constituição da sociedade anônima para a implantação da ferrovia foi registrada em 25.5.1912 no Livro 20, fl.42 e 42v; livro 18, fl.97, do 7o Tabelião da Capital. Os estatutos foram publicados no Diário Oficial do Estado n.118, de 4.6.1912. 38 O Estado de S. Paulo, 2.10.1912, p.4. A colocação da estaca deu-se em 27.4.1912 (Paulo Filho, 1986, p.312). 13

A responsabilidade técnica pela implantação da ferrovia foi encabeçada por Antonio Prudente de Moraes, com o apoio dos também engenheiros José Antonio Salgado e Guilherme Winter; a empreitada foi assumida pelo construtor português que já trabalhara em trechos de grandes ferrovias paulistas, Sebastião de Oliveira Damas.39

Nem sempre fácil...

A construção da estrada pode em parte ser reconstituída pelo depoimento de Floriano Rodrigues Pinheiro, nascido em Portugal, que, entre outras tarefas, realizou os trabalhos de cantaria da ponte sobre o Rio Paraíba e, mais tarde, trabalhou na edificação do Palácio Boa Vista.40

No início das obras, informa Pinheiro, foram construídos barracões de madeira para acomodar os trabalhadores vindos de outras localidades, para servir de depósitos de ferramentas e material e de armazéns onde o pessoal se abastecia. O trecho inicial das obras, de Pindamonhangaba à Fazenda Mombaça, exigiu cortes de pouca altura e não foi difícil, diz ele; porém, nas proximidades do Paraíba, as condições de trabalho se tornaram mais difíceis por ser uma região alagadiça, com muitos mosquitos e cobras. Os doentes eram atendidos por um médico e um farmacêutico que percorriam a linha já instalada, até os acampamentos das turmas.

Inicialmente para a passagem do bondinho de transporte fez-se uma ponte de madeira sobre o Rio Paraíba – continua o entrevistado; em 1916 essa foi carregada por uma enchente obrigando a travessia dos veículos de passageiros por uma balsa.41 Quando foi completado o trecho até Bonsucesso começou a trafegar uma máquina a vapor, a Prudente de Moraes, adquirida da Companhia Mogiana. Essa locomotiva movimentava uma gôndola que provisoriamente transportou pessoas, além de pedras e pesados materiais, como trilhos, fornecidos por uma importadora do Rio de Janeiro, de propriedade de alemães, a Casa Almeida, de M. Almeida & Cia., que durante a Grande Guerra viria a falir.

A construção das fundações da ponte definitiva do Paraíba exigiu muito esforço dos trabalhadores e o uso de uma técnica apurada, explica Pinheiro. Uma caixa de chapas de aço do tamanho do pilar era fincada no fundo do rio; nela entravam cerca de vinte ou trinta operários que cavavam a areia do leito, retirando-a com pás e andaimes, de modo a permitir a descida da caixa até que essa se apoiasse em solo firme. Começava-se então a encher as caixas de concreto betão, feito com cimento que vinha da Dinamarca e da Inglaterra. No período noturno o trabalho era feito com iluminação de carbureto, o que intoxicava diversos operários que, com frequência, suspendiam os trabalhos. Aproveitando uma antiga máquina, Sebastião Damas conseguiria instalar um dínamo para produzir eletricidade e diminuir as dificuldades de prosseguimento das obras. O serviço de alvenaria era posterior. Com grandes blocos de pedra saídos dos cortes necessários à construção da estrada, foram realizados os trabalhados de cantaria que iriam suportar a ponte de ferro hoje existente.42

39 Paulo Filho, 2007, p.51. A contratação de Damas data de 1912; O traçado da estrada foi aprovado pelo Decreto Federal n.2.337, de 15.1.1914. 40 Citado por Paulo Filho, 1986, p.316-18 e Paulo Filho, 2007, p 53. O Palácio Boa Vista, residência de inverno dos governadores paulistas e, desde 1970, também um espaço cultural onde estão expostas importantes obras de arte e mobiliário, foi inaugurado em 1964. 41 Paulo Filho, 2007, p.63. 42 Citado por Paulo Filho, 1986, p.316-18, e Paulo Filho, 2007, p.53. Depoimento de Floriano Rodrigues Pinheiro. 14

Em julho de 1914 uma comitiva formada por deputados membros da Comissão de Finanças da Câmara estadual, da qual fazia parte Washington Luis, então líder da maioria, foi conhecer as obras, tendo em vista avaliar o pedido de encampação da ferrovia pouco antes encaminhado pelos acionistas da Sociedade. Acompanhados de autoridades de Pindamonhangaba, diretores e engenheiros da Estrada, verificaram a construção da ponte do Rio Paraíba e seguiram até a raiz da serra. O trecho foi descrito por um jornalista como “uma zona cultivada, coberta de cafezais e plantações de arroz”.

Após verificarem as três pontes do Rio Piracuama, em um local denominado Bicudinho, seguiram para o trecho de serra em um vagão puxado pela “Prudente de Moraes” que vencia as rampas de 10% que escalavam a serra e, como comenta o registro jornalístico, em menor velocidade do que aquela que seria conseguida com a “tração elétrica, devidamente projetada e preparada”. Examinando bueiros, muros de arrimo e cortes, a comitiva chegaria ao ponto máximo alcançado pelos trilhos, então no quilometro 37,5 da ferrovia e daí, pelo leito já preparado, seguiu a cavalo até Jaguaribe e, depois, para Capivari, onde “devem ser construídos sanatórios para tuberculosos e a Vila Sanitária para convalescentes, pessoas fracas e veranistas”.43

A situação de guerra – continua Floriano Rodrigues Pinheiro – levaria o empreiteiro a não conseguir pagar sequer os trabalhadores. A falta do salário, aliada à de direitos do trabalho e à carestia da vida, justifica o movimento registrado na imprensa, em 1915. Em 4 de maio os operários declararam-se em “greve pacífica” e o tráfego da Estrada foi suspenso. A situação provocou o envio de um reforço de dez homens para o policiamento local, enquanto as câmaras municipais de Pindamonhangaba, Guaratinguetá e São Bento do Sapucaí solicitavam ao governo do estado que impedisse o movimento de assumir “proporções agressivas”.44

Em busca da solução

A Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914, trouxe dificuldades às finanças da Sociedade Anônima Estrada de Ferro dos Campos do Jordão, por impossibilitar a obtenção de empréstimos no exterior e dificultar a venda de debêntures que vinham sendo realizadas desde sua constituição.

Em setembro de 1914, os trilhos haviam chegado até Capivari e a estação do Alto da Serra, atual Eugênio Lefèvre, estava por concluir; as pontes sobre os rios Paraíba e Piracuama ainda eram provisórias, de madeira, assim como as estações de Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Não obstante as obras não estivessem finalizadas, em 15 de novembro de 1914, a Estrada de Ferro dos Campos do Jordão foi inaugurada oficialmente. Então utilizava para embarque e desembarque uma das plataformas de estação da Central do Brasil, em Pindamonhangaba.

Com a chegada de carros adaptados, registra Paulo Filho, no início de 1915 o serviço de transporte de passageiros passou a ser regular, embora restrito a quatro dias da semana. A frota, inicialmente composta por duas máquinas a vapor, bondes a gasolina, um caminhão Bugatti e uma automóvel Berliet adaptados para rodar nos trilhos, foi acrescida de dois lócus a

43 O Estado de S. Paulo, 15.7.1914, p.6. O registro da visita foi reproduzido na revista especializada Ferro-carril,de 23.8.1914, p.255. 44 O Estado de S. Paulo, 3.3.1915; 4.3.1915; e 8.3.1915, p.4. 15

vapor, oito automóveis adaptados, três carros de bagagem e um vagão coberto, com dois eixos, um vagão trucado e vinte troles de linha.45

Apenas em outubro de 1916, o serviço de tráfego seria oficialmente autorizado.46 No ano anterior haviam se completado as negociações de encampação da Estrada pelo governo do estado.47 Esse longo processo tivera início em maio de 1914, quando, em assembleia geral, os acionistas decidiram solicitar a medida ao governo estadual. Esses abririam mão de seus direitos societários, cabendo ao erário público saldar as dívidas de construção e pagar as debêntures. O empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas, o maior credor da Sociedade Anônima, recebeu o pagamento do capital empregado até o final de setembro de 1914, quando completada a abertura da via até Capivari, em dois anos, pago em apólices, sem juros.48 De modo a não sofrer a perda total do capital que investira e da remuneração do trabalho já realizado, durante esse período explorou os serviços da ferrovia cujo funcionamento impôs a conclusão de obras já iniciadas.

A encampação foi comentada em seção da Câmara Legislativa paulista:

[...] Com a encampação da estrada de Ferro dos Campos do Jordão e, portanto, com a garantia de sua conclusão e funcionamento, vão os poderes públicos assegurar a solução de um duplo problema social e econômico, para o qual os nossos homens de ciência e os nossos estadistas vêm de há muito chamando a atenção do poder legislativo [...]49

Sob nova direção

A encampação pelo estado data de dezembro de 1915, em cumprimento de uma lei promulgada por Rodrigues Alves, então presidente do estado,50 e foi o marco inicial de uma nova fase, não menos atribulada que a anterior, da Estrada de Ferro Campos do Jordão, como desde então passou a ser denominada.

O governo assumia a estrada com todo o seu material fixo e rodante, para o que poderia despender até quatro mil e quinhentos contos de réis, a serem pagos em apólices da dívida pública pelo valor nominal, com juros de 6% amortizáveis no prazo de quarenta anos. A escritura seria lavrada somente quando houvesse a aceitação expressa de todos os credores preferenciais e os componentes da sociedade. Do documento constaria, além de outras cláusulas, a renúncia aos direitos dos concessionários estabelecidos anteriormente em lei e em contratos com o governo. A imprensa registra algumas representações judiciais e protestos de portadores de debêntures contra a encampação, que acabariam por ser rapidamente resolvidas.51

Outra lei, de 1916, assinada pelo governador de São Paulo, Altino Arantes, declarava que a estrada seria trafegada por conta do estado, o que significa que a escritura já fora lavrada.

45 Paulo Filho, 2007, p.51 e p.61-2. 46 Lei n.1.500, de 24.10.1916. 47 Em 30.11.1915, o Congresso estadual autorizou o governo a encampar a estrada, o que foi efetivado pela Lei n.1.486, 15.12.1915; a ferrovia recebeu a denominação Estrada de Ferro Campos do Jordão. 48 Paulo Filho, 2007, p.66-7. 49 O Estado de S. Paulo, 1.1.1916, p.4. 50 Lei n.1.486, de 15.12.1915. 51 O Estado de S. Paulo, 5.10.1916, p.12. 16

Estabeleciam-se assim as competências: a fiscalização e superintendências estavam a cargo da Diretoria de Viação da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas; a administração caberia a um engenheiro-chefe contratado para essa finalidade e, também, ao estado caberia a contratação do pessoal. O art. 6o declarava aprovados os atos do governo relativos ao tráfego e administração provisória da estrada, desde a efetiva incorporação ao patrimônio público.52

Em relatório referente ao ano 1916, a Secretaria da Agricultura apontou que a construção da estrada não fora ainda concluída; as estações de Bom Sucesso e Raiz da Serra estavam prontas, mas, as de Pindamonhangaba e Campos do Jordão permaneciam provisórias, e a do Alto da Serra, inacabada. A via tinha quinze desvios e a frota mínima: uma locomotiva a vapor alemã para o tráfego de mercadorias na serra, outra que operava nos trechos de nível e rampas fracas, denominada Piracuama; um automóvel Berliet, que fazia o transporte de passageiros entre Pindamonhangaba e a Raiz da Serra; e carros, “os mesmos recebidos do empreiteiro”, dois de passageiros, sendo um fechado, e um vagão de mercadorias, coberto, de quatro rodas.53

Entre maio e dezembro de 1916, a Estrada apresentou um déficit de 73:553$453, afirma a mensagem do presidente do estado de São Paulo. E conclui: “Somente depois de passada a crise atual, se poderá cuidar da ultimação dos trabalhos de construção e do aparelhamento da estrada para um serviço de tráfego regular”.54

O montante do déficit em parte se deva, possivelmente, ao pagamento das dívidas. Então também haviam se iniciado investimentos para melhoria da ferrovia. Em outubro de 1916, o engenheiro José Mascarenhas assumiu a direção da Estrada e promoveu a construção da ponte do Rio Piracuama, projeto de Mário Whately executado por José Antonio Salgado; e instalou o controle de tráfego por meio telefônico, forma de comunicação que depois se estendeu para os municípios cortados pelos trilhos.55

Os serviços, porém, deixavam a desejar. Em 1918 um viajante enviou seu protesto a um jornal de São Paulo, no qual apontava o desleixo da direção da Estrada: falta de higiene, o exíguo número de carros que trafegavam na linha em relação ao número de passageiros, a falta de comodidade nos vagões apinhados de gente e os atrasos que resultavam na perda de conexões ferroviárias com a Central.56 Nesse ano os trens ainda não eram diários, corriam apenas três vezes por semana e o trajeto de pouco menos de 48 Km chegava a durar 12 horas.

Ainda em 1918, a Campos de Jordão, juntamente com outras pequenas ferrovias sob a responsabilidade do estado, seria objeto de uma lei que autorizava o governo a arrendá-la ad referendum do Congresso estadual.57 A baixa rentabilidade possivelmente tenha sido a principal razão dessa medida, uma vez que já em 1915, em mensagem apresentada a Altino

52 Lei n.1.508, de 24.10.1916. 53 Relatório 1916, Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2013. 54 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1917, pelo Dr. Altino Arantes, presidente do estado de São Paulo, p.56. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 55 Paulo Filho, 2007, p.70. 56 O Estado de S. Paulo, 30.12.1918, p.3. 57 Lei n.1.644, de 31.12.1918. 17

Arantes, recomendava-se a eletrificação da linha da Campos do Jordão como medida de economia, desde que se verificasse a inconveniência de arrendamento ou venda.58

Em 1919, um relatório do governo mostrou que as instalações da ferrovia eram ainda precárias. Em Pindamonhangaba, mantinha-se um galpão de madeira coberto de zinco onde estavam instaladas as oficinas e dependências administrativas e a estação; em Campos do Jordão, do mesmo material, havia dois abrigos, para os funcionários e para os automóveis. Outras estações, ao que parece de alvenaria, estavam prontas em Bonsucesso, Piracuama e Eugênio Lefèvre, e a de Abernéssia estava em construção. As oficinas da ferrovia estavam equipadas com plainas, forjas, bombas hidráulicas, tornos, serras e polias.59

Outra energia

A década de 1920 foi um período de melhoria técnica e modernização da estrutura da Estrada de Ferro Campos do Jordão e da qualidade de seus serviços, o que demandou investimentos públicos também para finalização das obras ainda inconclusas.

Esforços de grande monta foram concentrados na gestão de Washington Luis, governador de São Paulo entre 1920 e 1924, durante o qual foram fortes as pressões dos investidores imobiliários de Campos do Jordão para os quais o transporte ferroviário era essencial ao desenvolvimento dos negócios, tendo em vista que, embora a ideia de meio de transporte moderno já começasse a se voltar para a circulação rodoviária, as dificuldades para a construção de uma estrada de rodagem entre aquela cidade e o Vale do Paraíba eram grandes.

Em 1920, a mensagem de Washington Luis à Câmara legislativa aponta para uma mudança na política de circulação do governo paulista na qual a rodovia começava a despontar como alternativa à ferrovia. O presidente mostra-se preocupado com o combustível utilizado; o carvão, como resultado do conflito mundial, era produto de difícil importação e sua substituição pela lenha vinha causando a devastação das matas e exigindo constante reflorestamento para que a madeira não se tornasse escassa e cara. E recomendando a utilização das abundantes quedas d’água existentes no estado, o presidente concluía: “Na substituição do carvão pela eletricidade está a solução econômica do problema”.60

A ideia já havia sido veiculada pela imprensa em setembro de 1919, quando concluídas as obras da usina hidroelétrica de Campos do Jordão. Além de relacionar o fato ao crescimento e à modernização do lugar, a notícia mencionava que em razão do crescente movimento da Estrada de Ferro, essa não poderia manter o uso da gasolina como combustível de seus veículos.61

58 Mensagem apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Altino Arantes Marques em 1o de maio de 1916 pelo Exmo. Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, p.47-8. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 59 Relatório da Superintendência das Vias Férreas da Administração Estadual, 1919, citado por Paulo Filho, 2007, p.72. 60 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1920, pelo Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, presidente do Estado de São Paulo, p.13. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 61 O Estado de S. Paulo, 18.9.1919, p.4. Conhecida como Usina Velha de Abernéssia, ou Usina de Baixo, a Usina Evangelina Faria Jordão foi construída por Alfredo Jordão que assim a nomeou em homenagem à sua mãe. Suprida pelas águas dos ribeirões Brejo Grande e da Lagoa, foi uma das fornecedoras de energia elétrica para iluminação dos bairros de Campos do Jordão e funcionou até o final da década de 18

A eletrificação da ferrovia era reconhecidamente necessária, mas não poderia ser suprida apenas pela energia então gerada em Campos do Jordão. Em 1921, durante uma visita, o então presidente do estado, Washington Luis, ouviu os proprietários de grandes glebas que reivindicavam a intensificação do tráfego ferroviário e a construção de uma estrada de rodagem que, sem prejuízo da estrada de ferro, facilitasse o desenvolvimento do turismo naquela localidade. Em sua mensagem de julho do mesmo ano, ele se referiria ao crescente déficit da ferrovia e apontaria a necessidade “de trens diários e transporte de materiais em proporções mais amplas”. Afirmou também: “Torna-se, por isso, necessário aparelhar a estrada com material rodante indispensável, além de executar obras inadiáveis no leito e dependências”.62

Na mensagem de 1922, Washington Luis comenta que, embora houvesse aumento do número de viagens, que subira 6,88% em relação ao ano anterior, e do movimento financeiro, esse continuava a apresentar déficit considerável. E identificava as causas dessa situação: as condições técnicas, com rampas de 10%, o que era um ônus constante ao tráfego; o pequeno percurso, situado em uma região pobre, sem produção para exportação; e o sistema de tração precário e caro, com automóveis.63 O mesmo documento refere-se ao inventário geral da ferrovia realizado em dezembro de 1921; esse mostrara regularidade no transporte de passageiros e bagagens, mas o de mercadoria foi deficiente em razão da falta de material rodante. Por longo tempo, a , única locomotiva que fazia o trecho da serra, esteve em reparo, o que prejudicara a chegada de materiais de construção a Campos do Jordão.64

A menção específica aos materiais de construção aponta para a importância da regularidade de seu fornecimento para a expansão dos negócios imobiliários na cidade e a importância da ferrovia para esse abastecimento. As solicitações dos investidores dirigidas a Washington Luis, quando de sua estada em Campos do Jordão, provavelmente não se limitaram à melhoria do transporte tendo em vista apenas o afluxo de visitantes, mas, também, eliminar um dos entraves ao sucesso de seus empreendimentos. O presidente menciona ainda as obras mais urgentes a serem feitas: instalação da ponte metálica sobre o Rio Paraíba; construção de prédios definitivos para as oficinas e armazéns de carga; construção de abrigo para material de tração, depósito para material de custeio e prédio para escritório. E insistia: “A eletrificação é uma obra que não pode ser protelada e impõe-se como meio mais fácil e conveniente de solucionar a questão de insuficiência de transportes”.65

Em 1922, ainda deficitária, a Estrada de Ferro de Campos do Jordão aumentou o total de passageiros transportados, quatro mil viajantes, e de bagagens, cem mil quilos, naquele ano. O

1940, quando passou a ser subestação da Usina de São Bernardo, situada em Itajubá (MG); hoje integra a Cesp. Em 1921, Robert Reid adquiriu a parte de Alfredo, criou a Empresa Elétrica de Campos do Jordão e expandiu as possibilidades de geração de energia iniciando no final da década de 1920 a construção da Usina do Fojo. Ver, a respeito, Kühl, 1992. Disponível em: . Acesso em: 7 jan. 2014. 62 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1921, pelo Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, presidente do Estado de São Paulo, p.96. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 63 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1922, pelo Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, presidente do Estado de São Paulo, p.130-2. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 64 Ibidem. 65 Ibidem. 19

tráfego de mercadorias permanecia ineficiente e diminuíra com o fim do contrato de fornecimento de lenha para a Estrada de Ferro Central do Brasil. Permaneceria também a necessidade de construção de novos edifícios. Fora, porém, inaugurado o tráfego mútuo para transmissão de telefonemas entre a Estrada e a Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company e o material rodante foi acrescido de um autocarro com capacidade para trinta passageiros, motor de 90 a 110 HP, marca Fiat; e um autocarro para dezesseis pessoas. Ambos haviam sido totalmente adaptados nas oficinas da Estrada e o veículo menor teve o motor substituído por outro, também Mercedes. No final de 1922, encontrava-se quase terminada a adaptação de um autocaminhão para transporte de bagagens. Washington Luis informava também estar incluída na Lei n.1.904, de 29 de dezembro de 1922, a autorização para eletrificação da ferrovia.66

O uso da tração elétrica fora incluído no projeto inicial da ferrovia, o que, caso houvesse se concretizado, a teria tornado pioneira na utilização dessa energia em São Paulo; porém, a adoção da eletricidade se efetivou após dez anos de funcionamento da Estrada. Em junho de 1923 o governo paulista contratou a The English Electric Company para realizar o serviço de eletrificação da Estrada de Ferro Campos do Jordão, que se iniciaria no mesmo mês. Em sua última mensagem como presidente do estado, Washington Luis argumentava tratar-se de “obra humanitária” tendo em vista “a pobreza da zona e a crescente procura por seu clima, pelos enfermos, vindos de toda parte”. Indicava também que com a medida esperava diminuir ou extinguir os constantes déficits apresentados pela Estrada e “fornecer ao público transporte fácil, rápido e seguro”.67

Em julho de 1924, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que, depois de algum tempo “sem grande animação”, as obras de eletrificação estavam sendo de novo atacadas e o maquinismo deveria chegar ao fim daquele mês.68 Em 19 de novembro foi realizada a primeira experiência de tração elétrica; um carro de mercadorias, com algumas pessoas, correu de Pindamonhangaba até o quilômetro 26, lugar denominado “Botequim”.69 E, em 21 de dezembro, a eletrificação – considerada pela imprensa um fator positivo para a continuidade do desenvolvimento da região – foi inaugurada solenemente, com a presença do presidente do estado, Carlos de Campos, e outras autoridades.70

Nesse dia, um longo artigo publicado em O Estado de S. Paulo71 descreveu as características da eletrificação, a partir de um relatório do engenheiro Luis Marinho de Azevedo, autor dos estudos preliminares, do projeto e do orçamento do serviço, contratado à English Electric Company, também fornecedora dos materiais, depois de uma concorrência pública da qual participaram igualmente a Haupt & Cia, a Byington & Cia. e a Companhia Sul-Americana de Eletricidade. O custo dos serviços superou dois mil contos de réis e esteve a cargo do engenheiro T. K. Williamson, que coordenou o grupo formado por R. H. Harris, G. Baddley, Alberto de Carvalho Drummond e Herman Lott.

66 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1923, pelo Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, presidente do Estado de São Paulo, p.83-86. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 67 Mensagem apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Carlos de Campos, em 1o de maio de 1924, pelo Exmo. Sr. Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, p.28-9. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013 68 O Estado de S. Paulo, 7.6.1924, p.4. 69 O Estado de S. Paulo, 25.11.1924, p.5. 70 O Estado de S. Paulo, 20.12.1924, p.6. 71 O Estado de S. Paulo, 21.12.1924, p.6. 20

O relatório do engenheiro referia-se às características do traçado da via permanente, em 1910 preliminarmente proposto pelos engenheiros Abel Leite de Souza e Carlos Alberto Pereira Leitão, e pouco mais tarde desenvolvidos definitivamente por Theophilo de Souza Carvalho e João Lindemberg. Grande parte do trajeto era em rampa de 10,5%, o que, somado ao número de curvas, levou Luis Marinho a concluir a inadequação dos sistemas de cremalheira, cabos ou terceiro trilho, todos dispendiosos. E a recomendar a eletrificação da ferrovia e a utilização de aparelhamento moderno com dispositivos de segurança de tração.

Por isso, os veículos automotivos deveriam ser equipados com quatro tipos de freios: de mão, de ar comprimido, eletromagnético e elétrico. Este último fazia que, nas descidas, o motor trabalhasse com geradores e as correntes fossem absorvidas por resistências, o que reduzia a marcha, enquanto os eletromagnéticos eram “suspensos nos trucks na direção da superfície dos trilhos e que para eles são puxados quando acionados pela corrente elétrica”.72 O fornecimento de energia, 1.500 volts, foi contratado com a Empresa Elétrica São Paulo e Rio, do grupo Light, cujas linhas transmissoras atravessavam a estrada de ferro próximo ao quilômetro cinco.

Com a eletrificação passaram a rodar quatro automotrizes, duas para passageiros e duas de carga; porém, recomendava Luis Marinho, após um ano seria necessário adquirir mais um veículo automotriz para passageiros, uma gôndola para animais, duas fechadas para mercadorias e duas abertas para materiais, além de promover o reforço de energia para garantir um tráfego contínuo.

No ano 1925, foram transportadas 25.883 pessoas e 1.089 toneladas de mercadorias. Entre essas, a estrutura metálica da ponte do Rio Paraíba e dormentes para o uso na própria linha. Embora a receita da estrada tenha crescido 4,65%, as despesas aumentaram 48,11%, levando o déficit para 116,92%. As despesas cresceram devido ao aumento de salários, ao custo dos materiais, à realização de serviços extraordinários, de substituição de dormentes, e a despesas com o fornecimento de energia elétrica que ainda não havia eliminado completamente a necessidade de utilização da gasolina. Em 1926, declara o presidente do estado, pretendia-se adquirir três automotrizes elétricas, uma para passageiros e duas para o transporte de mercadorias; essas seriam abertas para facilitar o transporte de materiais de construção.73

Como anunciado, os autocarros foram adquiridos em 1926; o primeiro tinha capacidade para quarenta passageiros e os de carga eram gôndolas para transporte de madeira e material de construção. Nesse ano também foram concluídas as montagens das pontes sobre o Rio Paraíba, sendo uma de 160 metros de vão. Estava em fase de acabamento o abrigo de material rodante em Campos do Jordão e concluída a casa do chefe da subestação de Eugênio Lefèvre. Estava prevista a obra de empedramento da linha de transmissão dessa subestação à Usina Hidroelétrica Izabel, da Empresa Elétrica São Paulo e Rio, então fornecedora de energia para a Estrada. Para isso já estava disponível uma pedreira e havia se adquirido um britador e o aparelho de ar comprimido. Desenvolviam-se então os estudos da linha de transmissão a ser construída em 1927, de modo a evitar a interrupção constante do fornecimento de força, causa de grandes prejuízos ao tráfego.74

72 O Estado de S. Paulo, 21.12.1924, p.6. 73 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1926, pelo Dr. Carlos de Campos, presidente do Estado de São Paulo, p.126-7. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 74 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1927, pelo Dr. Antonio Dino da Costa Bueno, presidente do Estado de São Paulo, p.116-7. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 21

Em 1926, a criação da Prefeitura Sanitária em Campos do Jordão daria ensejo a protestos contra a perda de renda sofrida por São Bento do Sapucaí. 75 Como recompensa reclamava-se a extensão da ferrovia até essa cidade, com um ramal que, saindo da estação Eugênio Lefèvre, permitisse o escoamento da produção agrícola por Paraisópolis, por meio da Rede Sul Mineira. A reivindicação já era antiga e agora ganhava mais um argumento. As leis de 1910 e 1912 que possibilitaram a criação da estrada de ferro para Campos do Jordão já previam a construção de um ramal passando por aquele município. Em 1918 a ligação ferroviária voltaria à pauta política da prefeitura local e a partir de então os projetos se multiplicaram, incluindo os que previam a ligação com São José dos Campos, Taubaté e sul de Minas.

Embora em 1927 o presidente do estado, Júlio Prestes, considerasse animadores os resultados dos investimentos realizados na Estrada de Ferro Campos do Jordão, a ampliação da linha parece não ter sido uma das prioridades do poder público para a região. Dois anos depois, foi anunciada a construção de uma estrada de rodagem entre São Bento do Sapucaí e Campos do Jordão.76 Nesse ano os custos da Estrada começavam a diminuir e também foram estabelecidas as tarifas de transporte de animais soltos e o frete para transporte de mercadorias, o que resultou no aumento da renda. No decorrer do ano foram transportados 55.929 passageiros.77

Em sua mensagem do ano 1928, Júlio Prestes classificou de auspiciosos os resultados financeiros da Estrada; essa apresentou um saldo de 502$318 e a receita aumentara em mais de 71% em relação ao ano anterior. Isso resultou do aumento de tarifas verificado no mês de abril, o que viria a gerar manifestações contrárias da população que reivindicava passagens de segunda classe, novo horário de trens de subúrbio e passagens de ida e volta.78 Os passageiros geraram a maior verba, ao mesmo tempo que o desenvolvimento da região, ainda que lento, provocava o crescimento do tráfego. Um fator positivo para obtenção desses resultados foi a adequação de carros para o transporte de animais soltos, que chegou a 4.581 cabeças contra 760 transportadas no ano de 1927. Foram também melhoradas as instalações das oficinas cujo serviço de conservação e adaptação de material rodante era fundamental para o funcionamento da Estrada.79

Apesar da crise internacional e do decréscimo das atividades econômicas, no ano 1929, a Estrada manteria a boa situação financeira. Embora decaísse o transporte de materiais de construção, aumentaram os de produtos agropastoris, como feijão, café, arroz, batata, milho, frutas e suínos, e também, de madeira e carvão vegetal, o que denota o crescimento e diversificação das atividades na área rural atingida pelos trilhos. Parte da receita vinha do serviço entre os subúrbios; nesse ano foram transportados 54.460 passageiros gerando 24:500$000.80

75 O Estado de S. Paulo, 19.3.1927, p.8. 76 O Estado de S. Paulo, 19.9.1929, p.6. 77 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1928, pelo Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, presidente do Estado de São Paulo, p.151-3. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 78 O Estado de S. Paulo, 8.6.1928, p.7. 79 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na 2a sessão da 1a Legislatura, em 14 de julho de 1929, pelo Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, presidente do Estado de São Paulo, p.114-16. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 80 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1930, pelo Dr. Heitor Teixeira Penteado, vice-presidente em exercício do Estado de São Paulo, p 120-4. Disponível em: < http://www.crl.edu/brazil/provincial/s%C3%Saopaulo>. Acesso em: 30 out. 2013. 22

Visando atender a expansão do transporte de mercadorias, a direção da Estrada encomendara duas gôndolas com quatro motores elétricos de 75HP e os equipamentos para um carro com capacidade para quarenta passageiros cuja carroceria seria construída nas oficinas da ferrovia que, com regularidade, vinha executando os trabalhos de reparo e manutenção do material rodante. Quarenta e nove homens divididos em sete turmas compunham o pessoal de manutenção da linha. Construiu-se nesse ano um desvio de pouco mais de 3 km, altura do quilômetro 45, na Vila Jaguaribe, completando um total de 25 desvios em toda a linha.81

Em 1929, em decorrência da uma reforma administrativa no governo paulista, a estrada passou ao controle da Secretaria de Viação e Obras Públicas;82 em 1929, prosseguiram os trabalhos de regularização da posse dos terrenos lindeiros aos trilhos situados na faixa de preferência. Muitos foram recebidos em doação; para regularização de posse da esplanada da estação de Bom Sucesso foi necessário adquirir uma área.83

Outros ventos

No decorrer da década de 1930, medidas político-administrativas e reguladoras trouxeram grandes transformações para a vida brasileira. Baseado no ideário corporativista, Vargas pretendia organizar uma nação forte, moderna e unida, na qual a distinção entre as classes sociais deveria ser superada pela colaboração entre elas. Assim, subordinou os sindicatos ao Estado, tornando-os agentes de políticas de assistência social, fortaleceu as demais associações de classe como via de participação e expressão das diversas vontades políticas da sociedade. Até o final de seu governo, em 1945, Vargas também agrupou e ampliou as leis trabalhistas por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), essa de 1943, que até o presente orienta as negociações entre capital e trabalho procurando eliminar os conflitos entre patrões e empregados. Assim, com a colaboração de empresários, também foram criadas instituições destinadas à formação de mão de obra especializada para o comércio e indústria.

Nesse contexto, em 1937, assim como grande parte dos demais trabalhadores das áreas urbanizadas no país, os da Estrada organizaram a Caixa de Aposentadoria e Pensões e o Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Campos do Jordão. A esse, por determinação legal, coube a manutenção de serviços de assistência médica e dentária aos filiados e seus familiares. Em 1943, foi montada a Cooperativa de Consumo dos Ferroviários da Estrada de Ferro Campos do Jordão, na qual as famílias conseguiam adquirir alimentos e bens de consumo por preços mais acessíveis.

Os trabalhadores da Estrada de Ferro Campos do Jordão estavam se constituindo como categoria profissional desde a década de 1910. Então, eram pessoas vindas de diversos pontos do país, como de Santa Catarina, e da Europa; entre esses, italianos, alemães e portugueses, muitos dos quais vieram para trabalhar na implantação da ferrovia, exercendo atividades especializadas, aí se fixaram ampliando o grupo de ferroviários que se formara em Pindamonhangaba a partir da implantação da Central do Brasil, na década de 1870. As relações

81 Ibidem. 82 Decreto n.4.595, de 17.5.1929, regulamenta a Secretaria de Viação e Obras Públicas que foi desmembrada da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, à qual a Estrada ficara subordinada quando da encampação, em 1915. 83 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1930, pelo Dr. Heitor Teixeira Penteado, vice-presidente em exercício do Estado de São Paulo, p.120-4. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013. 23

de sociabilidade construídas pelos ferroviários no cotidiano do trabalho, em 1930 se expandiriam para o lazer individual e familiar quando da fundação de uma entidade específica, a Associação Atlética Ferroviária, na qual se constituiu uma qualificada equipe de futebol. Eles também organizaram a Sociedade Cinematográfica dos Operários da Estrada de Ferro Campos do Jordão e a Associação dos Aposentados e Pensionistas da Estrada, entidades que, juntamente com a Caixa de Aposentadoria, se fundiram na União dos Ferroviários da EFCJ, em 1968.

A possibilidade de especialização em atividades ferroviárias seria ampliada em 1936, ano em que em Pindamonhangaba foi instalada a Oficina de Aprendizado do Curso Ferroviário, em 1950 tornada Núcleo de Ensino Profissional, onde se formaram gerações de trabalhadores da ferrovia.84 O edifício em que se instalou, desde 2006 ocupado pela Polícia Militar, situa-se junto a um conjunto de moradias destinadas aos trabalhadores da Estrada, provavelmente construídas entre as décadas de 1920 e 1940, na Vila Nair. Provavelmente no mesmo período, ao longo de toda a linha férrea foram construídas casas, que constituem pequenos núcleos, para trabalhadores da conservação e das estações.

A presença da ferrovia na área até o final do século XIX periférica ao núcleo central da “Princesa do Norte”, como era denominada a cidade de Pindamonhangaba, acabaria por configurar uma paisagem de características industriais, na qual ainda se destacam as estações, as linhas e os pátios ferroviários − da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Campos do Jordão −, os edicios administravos e as oficinas, o conjunto de residências e o prédio do antigo Núcleo, como testemunhos materiais de um extenso período em que a ferrovia constituía uma modalidade avançada de transporte de passageiros e de mercadorias e foi responsável pela dinamização da moderna vida urbana na cidade e pela criação de práticas sociais particulares, como a dos trabalhadores das ferrovias.

Em Campos do Jordão, a presença dos trilhos relacionou-se diretamente à urbanização, cortando a primeira vila, Jaguaribe, ou direcionando a constituição da mais recente, Capivari. Foi, portanto, a forma de transporte que facilitou a relação entre os núcleos e a criação de referências espaciais, as paradas, que se multiplicaram com a ocupação de novas áreas.

O papel da ferrovia na constituição do território urbanizado em Campos do Jordão seria reconhecido por Prestes Maia que, em 1938, presidiu uma comissão encarregada de apresentar um anteprojeto para direcionar o desenvolvimento urbano da cidade. Ele recomendou a intensificação do serviço entre as vilas, com bondes rápidos, elétricos, que correriam em vias exclusivas, com laterais floridas, abrigos, plataformas e sinalização, cujos cruzamentos, sempre que possível, deveriam ser em desnível. Recomendava também o prolongamento da estrada como forma de propiciar maior tráfego, cuja situação à época já classificava como “agravado pela concorrência rodoviária”.85

A criação de paradas que acompanharam a ocupação de novas áreas também ocorreu entre Pindamonhangaba e Piracuama, onde as linhas ficaram conhecidas como “suburbanas” e na década de 1920 já operavam e ensejavam reivindicações de seus usuários relativas ao preço da passagem e ao número de viagens.

84 A Oficina se transformaria em Núcleo de Ensino Profissional (Lei n.14.550, de 21.2.1950) e, em 1969, tornou-se Ginásio Industrial Estadual. 85 Paulo Filho, 2007, p.140. 24

A política de Vargas incluía a valorização das riquezas naturais brasileiras, quer protegendo o subsolo da exploração indiscriminada, quer promovendo a preservação de áreas de matas por meio da criação de parques nacionais. Nesse quadro coloca-se também a exploração turísticas das belezas naturais. Desde a década de 1920 o governo de São Paulo se mostrara preocupado em explorar a potencialidade natural das estações climatéricas, para o que a Secretaria da Agricultura solicitara um estudo específico ao Dr. Belfort de Mattos Filho, ao que parece publicado em 1924. Cinco anos depois, uma matéria intitulada “Estações climatéricas de S. Paulo” referia-se ao trabalho que tratava de Prata, Lindoia, Campos do Jordão e outras localidades que, possivelmente republicado, era distribuído gratuitamente.86

A primeira publicação do estudo é contemporânea à fundação, em 1923, do Touring Club do Brasil, antes denominado Sociedade Brasileira de Turismo, que tinha entre suas finalidades divulgar os recursos turísticos do país. Nessa perspectiva, também divulgaria o automóvel e valorizaria a estrada de rodagem como fatores de modernidade e liberdade de locomoção, o que ia ao encontro da perspectiva administrativa de Washington Luis em relação ao estado de São Paulo, mas, também, em relação ao Brasil, no período entre 1926 e 1930, em que exerceu a presidência da República; para ele “governar é abrir estradas”, ideia que pode ser tomada como marco do rodoviarismo no país.

Redefinindo

Alguns autores consideram que o Touring teria exercido o papel de agência de turismo para- oficial, uma vez que promovia viagens e divulgava atrações turísticas, fomentando a criação de novos hábitos de lazer entre os brasileiros.

No caso de Campos do Jordão, já na década de 1930 um lugar de turismo, embora de difícil acesso por rodovia, a ação do Touring incluiu primordialmente o transporte ferroviário. Em 1934, a imprensa paulistana publicou uma matéria com o título “Turismo em São Paulo; transportes especiais para Campos do Jordão”.87 Afirmava-se que, de comum acordo com o secretário da Viação, Francisco Machado de Campos, e com Orlando Murgel, diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão, o Touring criara um trem turístico e de viagem rodoferroviária, isto é, com transporte de automóveis em gôndolas abertas. Os passageiros podiam manter-se no interior do veículo e pagariam apenas 50% do frete e do preço da passagem; o condutor era isento de pagamento, posto lhe caber o serviço de carga e descarga do automóvel.

A iniciativa incluiu ajustes no horário e no preço das passagens. O trem turístico corria em direção a Campos do Jordão aos sábados e em vésperas de feriado, e voltava às segundas- feiras e dias seguintes aos feriados, em horários correspondentes aos do noturno da Estrada de Ferro Central do Brasil, com 50% de abatimento no preço das passagens.88 Na ocasião, a direção da Estrada manifestou a intenção de ampliar esse serviço; segundo o engenheiro Victor R. de Gouveia, seria instituído um trem de segunda classe, com redução de 30% na passagem, com ida e volta aos sábados e feriados. Tratava-se de “conquistar o grande número

86 O Estado de S. Paulo, 28.2.1929, p.9. 87 O Estado de S. Paulo, 28.3.1934, p.5. 88 Ver a pesquisa de Ayrton Camargo e Silva, Quadro de horários de operação da Estrada de Ferro Campos do Jordão entre os anos de 1932-1974. Disponível em: . Acesso em: 8 jan. 2014. 25

que se abstém de visitar a ‘Joia da Mantiqueira’ pela dificuldade, aliás, mais suposta que real, dos meios de transportes [...]”.89

O motivo para a implantação da Estrada de Ferro Campos do Jordão, transportar doentes para tratamento da tuberculose, nunca foi uma função exclusiva e tendeu a se esvaziar desde meados da década de 1940, com a descoberta de medicamentos curativos da doença e a adoção de novos métodos de tratamento. Isso apontaria para o aperfeiçoamento de funções que a Estrada já exercia, de transportar turistas para Campos de Jordão, que se tornava lugar de lazer e veraneio, e mercadorias, ainda que nos restritos limites da demanda local.

A partir de então a estrada manteria o serviço especialmente voltado ao turismo, embora com interrupções resultantes das dificuldades de renovação da frota e equipamentos necessários à melhoria das condições de atendimento.

A situação decorrente da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que se prolongou no imediato pós-guerra foi de grande contenção de gastos; a isso se somou a crise da rede ferroviária brasileira, cuja modernização e expansão foi descuidada por políticas públicas de transporte nacional e estaduais que, desde a década de 1920, vinham se definindo em favor das rodovias. A situação das pequenas ferrovias pertencentes ao estado de São Paulo tendeu a agravar-se e, entre meados da década de 1950 e de 1960, foram extintos o Tramway do Guarujá, da Cantareira, em São Paulo, e a Funilense, em .

A extinção dessas ferrovias tornaria a Estrada de Ferro Campos do Jordão uma sobrevivente. Como Fênix, o pássaro da mitologia grega, que ao morrer entrava em combustão e renovava sua capacidade de carregar cargas pesadas a cada voo, várias vezes ela pareceu estar morrendo, mas chegou aos cem anos.

O funcionamento da Estrada oscilou segundo as políticas de cada governo, o que provocaria paralisações de tráfego e inúmeras solicitações para renová-la e torná-la meio de transporte marcadamente turístico. Em 1955, diante da situação − déficits, carência de pessoal e de aparelhamento −, o governo ordenaria o planejamento da extinção da linha; essa deveria coincidir com o término da pavimentação da rodovia que ligava Pindamonhangaba a Campos do Jordão.90 Não obstante, no ano seguinte, foi dada a autorização para a construção de desvio, galpão e outros melhoramentos no pátio de Pindamonhangaba,91 e parte do material rodante da Tramway do Guarujá − inaugurado em 1893 pela Companhia Balneária da Ilha de Santo Amaro e extinta em julho de 1956 − passou a integrar o acervo da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

Essa continuaria também a fornecer o serviço telefônico, desde 1917 instalado para controle do tráfego e gradativamente estendido para a população. Em 1959 o serviço telefônico se tornou automático, continuando a ser operado pela Estrada até 1971, quando passou a ser administrado pela Companhia de Telecomunicações do Estado de São Paulo.92

89 Ibidem. 90 O Estado de S. Paulo, 28.6.1955, p.12. 91 O Estado de S. Paulo, 15.11.1956, p.16. 92 Paulo Filho, 2007, p.137. 26

Em 1966, a Estrada passou a integrar a Secretaria de Transportes,93 mas não seria incluída na reformulação do sistema ferroviário desde então planejado e promovida pelo governo do estado em 1971, quando foi criada a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa).94

Tornava-se cada vez mais inviável manter a Campos do Jordão apenas como estrada de ferro, o que levaria seu diretor a defender a transformação da Estrada em empresa turística com múltiplas atividades, a Sociedade Anônima de Melhoramentos e Turismo.95 A proposta não foi aceita pelo governo estadual, embora, assim como em outros países latino-americanos, a ideia da exploração turística das potencialidades naturais e culturais voltasse a ser uma das metas do governo brasileiro. Em 1966, juntamente com outras estruturas administrativas de turismo, foi criada a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) que procurou estruturar a atividade como “indústria turística”, por meio da qual seria possível implementar a economia nacional, ampliar o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, dar uma finalidade pragmática ao patrimônio histórico-arquitetônico, por meio de aproveitamento de edifícios de valor cultural para instalação de pousadas, hotéis e outros equipamentos.

Em São Paulo, no ano 1967, as atividades de cultura, esporte e turismo foram agregadas em uma só secretaria. Em janeiro, concretizando tratativas anteriormente iniciadas, de instalação “de um sistema de automotrizes, com serviço de buffet, vista panorâmica e transporte especializado para turistas [...]”,96 começou a circular na Estrada de Ferro Campos do Jordão um carro automotriz, adaptado em suas próprias oficinas, oferecendo viagens de turismo, que levou o prefixo de AL-1. Nesse período também foi construído um restaurante no Bosque da Princesa, em Pindamonhangaba, cujo objetivo central era o atendimento aos turistas.97

Embora desde 1934 a criação de um trem turístico entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão estivesse em consonância com o desenvolvimento das formas de turismo adotadas internacionalmente, no Brasil a possibilidade de viajar para usufruir o tempo livre era ainda privilégio de poucos. Além disso, a criação de trens turísticos esbarrou no descuido do poder público com o sistema ferroviário e na valorização das rodovias e do transporte sobre pneus, que passou a ser visto como meio mais eficiente e rápido. A reversão dessa perspectiva só teria lugar bem mais tarde.

A partir da década de 1960, a consolidação de setores sociais urbanos, inicialmente concentrada no Sudeste, propiciaria a gradativa mudança de mentalidade em relação ao aproveitamento da vida, ao mesmo tempo que iniciativas do governo buscavam estruturar formas acessíveis à prática do turismo. Nesse quadro, os trens turísticos se tornam uma via de preservação do patrimônio cultural; sua finalidade, embora muitas vezes preterida em favor da nostalgia em relação ao passado, não seria apenas transportar de um para outro lugar, mas

93 Lei n.9.318, de 22.4.1966. Entre 1915 e 1929, a Estrada esteve subordinada à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; em 1929, pelo Decreto n.4.595, de 17.5.1929, passa a integrar a Secretaria de Viação e Obras Públicas; em 1966, a Lei n.9.318, de 22.4.1966, determina sua integração à Secretaria dos Transportes, como serviço industrial; no ano 1972, Decreto.de 20.5.1972 a agrega à Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo que, em 1975 (Decreto n.5.929, de 15.3.1975) torna-se apenas Secretaria de Esporte e Turismo. Em 2002 (Decreto n.46.744, de 3.5.2002), a Estrada se integra à Secretaria de Ciência, Desenvolvimento Econômico e Turismo; em 2005 (Decreto n.49.683, de 10.6.2005) passa para a Secretaria de Turismo e, em 2011, para a Secretaria de Transportes Metropolitanos. 94 Decreto n.10.410, de 28.10.1971. 95 Adolpho Fernandes de Araujo, Uma ferrovia que não pode ser uma ferrovia, na I Semana de Transportes do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes-GEIPOT. Ele exerceu a diretoria da estrada de Ferro Campos do Jordão de 1966 a 1968. 96 O Estado de S. Paulo, 23.11.1966, p.28. 97 Paulo Filho, 2007, p.178-9. 27

transportar propiciando sensações diferentes de velocidade e fruição de paisagem, além do contato com fazeres técnicos que integram presente e passado.

Procurava-se também oferecer aos turistas novas oportunidades de diversão e lazer, como a ligação entre a estação Emílio Ribas da Estrada de Ferro Campos do Jordão e o Morro do Elefante, criada na década de 1970, com 1.700 metros de altitude, por meio de um teleférico. Essa foi uma iniciativa pioneira para o transporte de passageiros no país.98

O teleférico, projetado por Eugênio Vignoli, funciona com cabos que, apoiados em torres, sustentam cadeiras abertas volantes em um percurso de 500 metros, e exige um complexo controle do sistema elétrico que move os motores. No Morro do Elefante construiu-se a estação de ancoragem e colocou-se o primeiro trem, ainda a gasolina, que circulara pela Estrada de Ferro, e passou a atrair a atenção dos visitantes. O projeto contou com a colaboração da prefeitura municipal, à qual coube a cessão de parte do material e os serviços de concretagem da Estrada de Ferro Campos do Jordão, que executou parte das peças, e da Secretaria de Turismo.99

Outras atrações foram instaladas em 1972, tendo por eixo a via férrea: o Parque de Capivari, em torno da estação Emílio Ribas; em Pindamonhangaba, nas margens do Rio Piracuama, o Parque Reino das Águas Claras, que homenageia Monteiro Lobato, cujas personagens estão aí reproduzidas em esculturas; e, em Santo Antonio do Pinhal, um mirante. Nesse mesmo ano, a Estrada de Ferro passaria a integrar a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de São Paulo.100

Revendo

Em 1981, uma matéria denominada “Ociosidade da ferrovia” enfatizava: “A estrada de Ferro Campos do Jordão vive de novo momentos de dificuldades, ameaçada que está de paralisação por falta de manutenção adequada”. E realçava a importância dos serviços prestados à população entre os núcleos de Campos do Jordão e nos subúrbios de Pindamonhangaba, enquanto “na transposição da Mantiqueira o trem fica às moscas, só sendo mantido em tráfego graças à abnegação de uns poucos funcionários”. A matéria se encerrava sugerindo que isso se devia à concorrência das estradas de rodagem, uma antiga, mas renovada, saindo de São José dos Campos, e outra, nova, que se iniciava em Taubaté.101

Desde 1980, a situação da “Estradinha”, como carinhosamente ficou conhecida, era crítica e provocara reivindicações de ampliação dos investimentos públicos em conservação e modernização, uma vez que as condições de realização do transporte desencorajavam os turistas, o que criou boatos sobre a extinção da ferrovia.102 Essa enfrentava também a evasão de funcionários atraídos pelos melhores salários oferecidos pelas indústrias da região.103

98 Provavelmente em período de testes, o teleférico foi pré-inaugurado em outubro de 1970, por ocasião da instalação do Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba (Codivap). A inauguração oficial ocorreu em 21 de fevereiro de 1971, ocasião em que o governador Abreu Sodré também inaugurou o início das obras de um trecho da estrada de rodagem BR-383, entre Pinhal e Engenheiro Lefèvre de há muito reivindicada e considerada de grande importância turística para a região e para o sul de Minas Gerais. Ver O Estado de S. Paulo, 12.7.1970, p.4; 13.10.1970, p.1; e 23.2.1971, p.10. 99 O Estado de S. Paulo, 12.7.1970, p.4. 100 Decreto de 20.1.1972. O período de 1968 a 1977 em que Durival de Carvalho foi diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão foi de grande implemento ao turismo local. Os autores das esculturas em barro são José Soares Ferreira, conhecido como Zé Santeiro, Alarico Corrêa Leite e José Pyles (Paulo Filho, 2007, p.183). 101 O Estado de S. Paulo, 13.1.1981, p.18. 102 O Estado de S. Paulo, 19.2.1980, p.7. 103 O Estado de S. Paulo, 25.3.1980, p.22. 28

Em 1983, um deslizamento de terra, aliado ao mau estado de conservação do leito, resultaria na intermitência do serviço de transporte entre os subúrbios e, até 1986, impossibilitaria o trânsito no trecho da serra. Não obstante, buscavam-se soluções para melhoria da Estrada que incluíram a pretensão de estender-se um ramal até a cidade de Santo Antonio do Pinhal,104 o que não se efetivaria em razão de disputas jurídicas em torno de desapropriações de terras.105

No contexto do forte movimento visando à abertura política do país, a eleição para governadores de estado realizada em 1982 foi direta. Em São Paulo, a vitória de Franco Montoro, que governou entre 1983 e 1987, abriria uma perspectiva de renovação administrativa que incluiu as atividades de turismo. O momento era propício à renovação e essa atingiu a Estrada, configurando um período em que, somado àquele entre 1920 e 1924 e ao atual, se ampliaram as perspectivas de atualização das estruturas internas e de modernização e aprimoramento dos serviços.

Em 1985, tomou-se uma medida que marcou a primeira fase de restabelecimento do tráfego: foram iniciadas as obras de instalação do girador no pátio da estação Eugênio Lefèvre, em Santo Antonio do Pinhal, permitindo assim o retorno dos trens, o que ampliava o trecho da estrada possível de ser percorrido nas condições então apresentadas pelo material rodante.106 A viagem inaugural até o girador realizou-se em janeiro de 1986, com a presença de autoridades estaduais.

Ainda em 1986, o governo assinou um contrato com a Mafersa para aquisição de trucks com freios convencionais e magnéticos necessários à realização de reformas do material rodante nas próprias oficinas da Estrada. Outras ações, como a revisão completa da via permanente e remodelação de cerca de 20% dessa, também foram importantes para a retomada de operação em todo o percurso da então única ferrovia turística do estado que também alcançava a maior cota ferroviária do país, 1.743 metros de altitude, na Parada Cacique.107 Foram ainda promovidas obras de conservação em pontes, paradas, estações e residências de funcionários, na oficina geral e nos escritórios. A situação funcional dos trabalhadores também seria melhorada, assim como se criaram condições para o controle das finanças da Estrada por seus administradores, o que completaria as medidas de conservação e modernização realizadas. Outra automotriz, a A-2, retornou ao serviço em outubro de 1989.

Em 1999, quando extinta a antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), acentuou-se o processo de há muito em curso de extinção do sistema ferroviário brasileiro de transporte de passageiros. Esse tendeu à reorganização tendo como referência primordial a importância das linhas para o transporte da produção, mediante concessões a empresas particulares. Desse modo, seriam desconsiderados outros fatores, incluídos a importância da ferrovia como símbolo da constituição territorial e dos fazeres culturais da sociedade industrial instalada em parte considerável do país em meados do século XIX.

A manutenção física das estruturas ferroviárias, em especial das de pequeno porte, se tornou assim cada vez mais difícil. No caso das grandes metrópoles, como São Paulo, parte dessa estrutura seria absorvida pelo sistema metropolitano de transporte, o que a integrou na

104 O Estado de S. Paulo, 15.7.1984, p.28. 105 O Estado de S. Paulo, 8.11.1987, p.37. 106 O Estado de S. Paulo, 25.9.1985, p.15. 107 O Estado de S. Paulo, 17.1.1986, Área Oficial, p.T-3. 29

dinâmica cotidiana como um serviço público, e a faria sobreviver também como herança histórico-cultural .

Nos casos de pequenas ferrovias, como o da Estrada de Ferro de Campos do Jordão, embora desde sua criação mesclasse os serviços de transporte suburbano − no qual também sofreu a concorrência das linhas de ônibus − com o de transporte intermunicipal, que incluiu o atendimento a turistas e a concorrência das estradas de rodagem, a possibilidade de integração econômica ao presente mostrou-se mais estreita e dependente da valorização do diferencial oferecido pelo transporte ferroviário em relação ao rodoviário. Outros fatores, como as políticas de organização do turismo, também influíram nesse contexto, uma vez que essas têm sido moldadas mais por fatores pragmáticos, como a geração de receitas, do que pelo sentido das experiências sensoriais propiciadas pela fruição do ambiente ferroviário e das paisagens.

No século XXI

A perda do transporte ferroviário resultaria no empenho coletivo em recuperá-lo como memória, o que há cerca de quinze anos vem mobilizando parte considerável da sociedade por meio de associações, eventos e reivindicações. Assim, têm se difundido a importância e o uso de trens turísticos, o que vem contando com o apoio do poder público, criando-se desse modo possibilidades de definitiva afirmação da atividade no estado de São Paulo.

Em 2009, a Secretaria de Transportes Metropolitanos e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) criaram os “expressos turísticos”, serviço cujo objetivo é integrar pontos de interesse histórico e cultural. A partir de 2010 o tema “trem turístico” tornou-se mais frequente nos cadernos especializados da imprensa paulista.

Em janeiro de 2011, a gestão da Estrada de Ferro Campos do Jordão foi transferida para a Secretaria de Transportes Metropolitanos. Colocada no contexto de valorização do transporte de passageiros sobre trilhos no estado de São Paulo e de inserção na economia regional, a modernização da Estrada passaria a receber especial atenção do poder público, o que se traduziu em um amplo plano para sua recuperação e modernização.

O plano teve início em fevereiro de 2011. Fortes chuvas de verão, no entanto, causaram o desmoronamento de trechos da via permanente e a paralisação de parte da linha. De imediato foram realizadas obras de recuperação dos trechos danificados, bem como das encostas em razão dos deslizamentos e de drenagem. Nesse ano, o governador anunciou investimentos em novas obras de conservação da linha e em outras obras de emergência. Os investimentos foram também direcionados para a aquisição de máquinas e equipamentos de manutenção e na atualização administrativa da ferrovia; em 2013, foi assinada pelo governador a lei que instituiu o novo plano de cargos e salários dos servidores e foram ampliados os horários de operação do trem de subúrbio em Pindamonhangaba.

Desde então se desenvolve o amplo plano de recuperação da Estrada. Já foram executadas obras de modernização da via permanente, incluindo troca de trilhos, melhoria das redes de drenagem, e reformas das estações e paradas. Iniciou-se também a implantação da iluminação do Teleférico, o que permitirá seu funcionamento noturno. Foram ainda restaurados carros de passageiros, ação que demonstra a capacidade dos artífices que vêm mantendo vivos os saberes de há muito praticados nas oficinas da Estrada. No decorrer de 2014, ano do

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centenário da ferrovia, desenvolvem-se os projetos executivos de reurbanização do Parque de Capivari e os projetos de modernização integral da via permanente e da rede elétrica, incluindo duas novas subestações.

Reconhecendo a importância da valorização da memória para a vitalidade das instituições, as ações de recuperação incluem o desenvolvimento do projeto de restauração da Estação Emilio Ribas, incluindo as pinturas parietais, a organização arquivística do acervo documental da ferrovia, a identificação e catalogação de objetos, artefatos e instrumentos de importância técnica e histórica; e a criação de um espaço expositivo no qual se divulgará a história da Estrada de Ferro Campos do Jordão e que valorizará a experiência vivida por todos os que nela trabalharam e viajaram.

Referências

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Documentais

Jornais: O Estado de S. Paulo; A Tribuna do Norte Periódicos: A Cigarra; Fon-Fon Relatórios e Mensagens de Presidentes do Estado de São Paulo, 1916-1930

Acervos e bibliotecas:

Acervo da Estrada de Ferro Campos do Jordão Acervo do jornal O Estado de S. Paulo Acervo particular de fotografias, Ayrton Camargo e Silva Acervo particular de fotografias, Edmundo Ferreira da Rocha Arquivo Público do Estado de São Paulo Assembleia Legislativa de São Paulo Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública-USP Biblioteca Municipal Mário de Andrade Biblioteca Nacional Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina, Pindamonhangaba.

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CRÉDITOS MEMÓRIAS ASSESSORIA E PROJETOS [email protected]

Pesquisa e textos: Marly Rodrigues

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