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A inserção dos rios na paisagem urbana

Norma Regina Truppel Constantino Universidade Estadual Paulista - UNESP [email protected]

Kawani Yuri Nishimura Universidade Estadual Paulista - UNESP [email protected]

Luana Ripke da Costa Universidade Estadual Paulista - UNESP [email protected]

Viviane Gasparini Mota Universidade Estadual Paulista - UNESP [email protected]

8º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018) Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018

A INSERÇÃO DOS RIOS NA PAISAGEM URBANA

N. R. T. Constantino, K. Y. Nishimura, L. R. da Costa e V. G. Mota

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar como se dá a relação entre o rio Tietê – importante rio que cruza de leste para oeste todo o estado de -BR – e seis cidades situadas ao longo de suas margens. Os procedimentos metodológicos compreenderam o levantamento bibliográfico e fotográfico, percursos de observação ao longo do Rio Tietê e entorno próximo; pesquisa documental nos arquivos municipais, incluindo legislação, planos e projetos, além da sistematização dos dados coletados. Estes procedimentos possibilitaram descrever a relação de interferência entre as duas variáveis – rio e cidades - observando alguns aspectos: a questão das permanências, a forma de ocupação, a sua inserção nos Planos Diretores Participativos e outras legislações municipais e as relações existentes entre os habitantes das cidades e o rio Tietê.

1 INTRODUÇÃO

As cidades formadas no Oeste Paulista no final do século XIX e início do século XX apresentam, ainda hoje, uma paisagem bastante homogênea, não só quanto ao aspecto da paisagem natural, mas também quanto à forma de ocupação e o desenho urbano. Observa- se que uma série de cidades foi implantada próxima aos rios, e outras no espigão divisor de bacias hidrográficas. A pesquisa “A Construção da Paisagem de Fundos de Vale em Cidades do Oeste Paulista” vem sendo realizada desde 2012, enfocando no período de 2016-2017 algumas cidades implantadas ao longo do Tietê, importante rio que cruza o Estado de São Paulo-BR. O recorte geográfico escolhido para o desenvolvimento da pesquisa foi o estudo das cidades de Barra Bonita, , Ibitinga, Igaraçu do Tietê, Sales e , com diferentes relações com o rio Tietê: praia, represa, área urbana.

O espaço urbano pode ser enfocado como variável dependente, sendo determinado pelos condicionantes naturais e sociais do meio em que se realiza. No entanto, também pode ser enfocado como variável independente, pois é capaz de determinar o modo de vida e alterar o meio natural. Considerando estas questões, o objetivo principal do artigo é apresentar como se processa nos dias atuais a relação de interferência entre as duas variáveis: rio e cidade. Os procedimentos metodológicos compreenderam o levantamento da bibliografia pertinente ao tema e à história da formação das cidades; levantamento fotográfico e percursos de observação ao longo do Rio Tietê nos centros urbanos e entorno próximo; pesquisa documental nos arquivos municipais, incluindo legislação, planos e projetos, além da sistematização dos dados coletados e confecção de mapas e tabelas. Estes procedimentos possibilitaram descrever a relação de interferência entre as duas variáveis, observando alguns aspectos: a questão das permanências, a forma de ocupação, a sua inserção nos Planos Diretores Participativos e outras legislações municipais e as relações existentes entre os habitantes da cidade e o rio Tietê.

2 RIO TIETÊ: RECONHECENDO A PAISAGEM

A paisagem é o território construído pelo homem, um lugar ou uma região na qual a história dos homens é explicada e onde foram deixados traços, memórias de uma atividade produtiva, sinais de infraestruturas, monumentos arquitetônicos ou espaços. Traços que não só permanecem por muito tempo, mas que afetam e condicionam decisivamente os processos de crescimento e de transformações das cidades, do território e da paisagem. Assunto (2011) considera território como uma extensão mais ampla da superfície terrestre; ambiente como o território marcado com características biológicas, históricas e culturais significativas; e paisagem como a experiência viva no ambiente, sendo os dois primeiros de caráter mais abstrato, enquanto o último seria o concreto, aquele que é habitado. Para Assunto (2011, p.129), “a realidade que devemos estudar e sobre a qual, se necessário, devemos intervir é sempre a paisagem”. Portanto, estudar a paisagem é entender o espaço em contato com o homem. A leitura primordial a ser feita para estudar a paisagem é a organização do espaço. A paisagem é um espaço social; então, para compreendermos a ocupação urbana ao longo do rio Tietê é preciso observar as formas espaciais e sua diversidade, elementos estruturantes e as dinâmicas, morfologias e fluxos, descontinuidades do espaço e circulações (Besse, 2014). No processo de construção e de transformação da paisagem urbana, pode-se revelar e valorizar ainda mais os seus significados e atributos, tornando-os visíveis.

Elemento da paisagem natural e da paisagem urbana, o rio foi intensamente transformado, muitas vezes por falta de conhecimento, por não ser visualizado ou pela incapacidade de compreendê-lo. No entanto, muitos lugares vêm perdendo sua própria identidade. Os conflitos entre os processos fluviais e os processos de urbanização têm sido de um modo geral, enfrentados através de drásticas alterações na estrutura ambiental do rio.

O rio Tietê foi fundamental na geografia e na história de São Paulo, pois atravessa o estado de leste a oeste, descendo das vertentes da serra do mar e desaguando no rio Paraná. O rio nasce na Serra do Mar, no Município de Salesópolis, distante 22 quilômetros do Oceano Atlântico e em uma altitude de 1030 metros, e não segue em direção ao mar, mas avança no sentido do interior de São Paulo. Corta a capital, identificando-se com seu desenvolvimento, mas modificando-se completamente pois a poluição doméstica e industrial se incorpora às águas do rio e as modifica. Em razão das diversas transformações que capital enfrentou ao longo do século XX, o rio que antes era marcado por meandros foi sendo modificado radicalmente.

Até meados do século XIX o Oeste paulista era considerado nos mapas como “sertão desconhecido habitado por indígenas”. Em função desse cenário de desconhecimento foi criada a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo em 1886, quando foram elaborados mapas, relatórios, artigos científicos e demais materiais considerados “fundamentais na transformação da forma de representar; ver e utilizar as águas do sertão” (Corrêa & Alvim, 1999, p.37). A partir disso, o poder público passou a ver os rios tanto como forma de penetração em São Paulo como para o escoamento de café.

A forma como os rios eram vistos como via de comunicação perdurou até meados do século XIX quando São Paulo começou a viver um intenso processo de industrialização e modernização financiado pelo café, criando infraestrutura para expandir economicamente. Foi nesse período que a implantação das ferrovias ganhou força e os investimentos destinaram-se ao transporte terrestre. Nesse contexto, a ótica dos rios modificou-se e estes passaram a ser vistos como fonte de geração de energia elétrica.

Mesmo com a crise de 1929, a agricultura paulista continuou expandindo. Segundo Corrêa & Alvim (1999) o estabelecimento das indústrias destinadas ao processamento de produtos primários no interior paulista foi gerador de grandes transformações na economia. Destacou-se, nesse período, a expansão algodoeira com o surgimento das primeiras indústrias têxteis produtoras de tecidos destinados às vestimentas e ao ensacamento dos produtos agrícolas de exportação. Além disso, essas indústrias exigiam a proximidade com os rios para o aproveitamento de quedas d’água, o que fez mudar a relação com a população ribeirinha.

A industrialização teve seu auge entre os anos 1956 e 1960. Nesse período, o fornecimento de energia elétrica intensificou-se e diversas usinas geradoras e distribuidoras de energia hidroelétrica foram criadas em São Paulo. Ao mesmo tempo, a atividade petrolífera teve um grande crescimento, o que gerou um desenvolvimento da indústria automobilística e construção de rodovias, ocasionando uma consequente consolidação do transporte rodoviário.

Com a Revolução de 1964, houve um declínio do investimento industrial. Contudo, anos depois foram realizadas reformas fiscais e financeiras, criando condições para a retomada do crescimento econômico, sobretudo em áreas de energia elétrica. Com o intuito de racionalizar o fornecimento de energia, a Companhia Energética de São Paulo foi responsável por centralizar diversas usinas paulistas nesse período.Com isso, o Oeste Paulista foi ocupado pela presença de diversas barragens, sobretudo no Rio Tietê, levando à descaracterização do rio, que resultou em diversas alterações no meio ambiente. Com a construção das barragens, parte da população teve que se deslocar de suas cidades, fazendo com que as relações entre as pessoas e os rios fossem interrompidas. “Consequentemente desapareceu a cultura relacionada à vivência do rio que, reduzida apenas à memória daqueles que o conheceram, transformou-se em elemento de história oral para as futuras gerações.” (Corrêa & Alvim, 1999, p.137).

A Lei Nº 7.633, de 30 de dezembro de 1991, também conhecida como Lei das Águas Paulistas, estabeleceu normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos e ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos objetivando assegurar o controle e uso da água em padrões de qualidade satisfatórios em todo o território do Estado de São Paulo. O Plano Estadual de Recursos Hídricos apresenta um diagnóstico a respeito da situação atual dos recursos hídricos do estado de São Paulo. Esse diagnóstico foi realizado de acordo com a estrutura da rede hidrográfica paulista que utilizou a bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de referência para o planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos.

Segundo o mapa das Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Instituto Geográfico e Cartográfico, as cidades de Sales e Sabino encontram-se na unidade de gestão UGRHI-16, que é a bacia do Tietê/Batalha; e as cidades de Pederneiras, Barra Bonita, Igaraçu do Tietê e Ibitinga na UGRHI – 13 que é a bacia do Tietê/Jacaré.

Outro aspecto importante foi a criação da Hidrovia Tietê-Paraná, ligando os estados de Goiás, , Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo com um total de 1.653 km de vias fluviais navegáveis. A Hidrovia começou a ter utilização comercial em 1981 devido à crescente necessidade de escoamento da produção de cana de açúcar, materiais de construção e calcário. Ao longo da hidrovia observam-se vinte pontes, dez eclusas e seis projetos de terminais. As eclusas foram construídas juntamente com as barragens das Usinas Hidrelétricas pois “assim, abastecem o estado de São Paulo de energia ao mesmo tempo em que possibilitam a navegação, a irrigação de culturas agrícolas, o turismo fluvial, os esportes náuticos e o lazer.” (ANTAQ, 2011). Apesar de conectar importantes centros do país a Hidrovia Tietê-Paraná não possui atualmente conexão direta com o mar o que faz com que o transporte seja realizado por outros meios além dos hidroviários.

3 CIDADES AO LONGO DO RIO TIETÊ

Para o presente artigo destacamos as cidades de Barra Bonita, Igaraçu do Tietê, Pederneiras, Ibitinga, Sales e Sabino, evidenciando sua relação com o rio Tietê. Na Figura 1 encontram-se localizadas as cidades no mapa do Estado de São Paulo.

Fig.1 Cidades analisadas ao longo do Rio Tietê no Estado de São Paulo

3.1 Barra Bonita e Igaraçu do Tietê

Barra Bonita e Igaraçu do Tietê são cidades banhadas pelo trecho médio superior do Rio Tietê. A cidade de Barra Bonita caracterizou-se inicialmente como um entreposto de parada dos bandeirantes. Analisando a história da cidade destacamos algumas fases que definiram o cenário atual do município. A primeira fase é marcada pelo início do povoamento da região com a criação do primeiro porto na área de várzea do rio, importante elemento para o desenvolvimento do povoado. A segunda fase, caracterizada pelo crescimento do setor cafeeiro associado ao fortalecimento das atividades portuárias, é responsável pela explosão populacional e oficialização de Barra Bonita como cidade. Entretanto, só foi possível o crescimento cafeeiro na região, pelo estabelecimento do Porto de Barra Bonita pela Navegação Fluvial Ytuana, que efetuava o transporte das sacas de café. A ferrovia tem papel secundário durante toda a formação da cidade, sendo utilizada principalmente para suprir as necessidades de despacho dos produtos agropecuários durante os períodos de seca do rio.

A terceira fase representa a substituição do café pela produção açucareira impulsionada pelos investimentos no rio Tietê. Através da implantação das usinas de açúcar, o setor açucareiro destaca-se nas relações comerciais voltadas para produção de álcool como fonte de abastecimento interno. Com o aumento da produção sucroalcooleira, o fluxo de transporte rodoviário de mercadorias expandiu. Instalada em 1970, a Ponte do Açúcar, conectando Barra Bonita e Igaraçu do Tietê à rodovia SP-255, assegura a continuidade do desenvolvimento do município. O desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, somado aos elevados custos do transporte ferroviário, alavancou o transporte rodoviário e a decadência do ferroviário, sendo desativado o ramal de Barra Bonita em 1966.

A avenida Pedro Ometto (Figura 2) foi aberta e inaugurada na década de 1960, com intuito de modificar o trajeto de caminhões pesados que transportavam cana de açúcar para a moagem da Usina da Barra. No mesmo local, foram feitas obras que transformaram uma área de barrancos na Praça Aníbal Reginato, conhecida como praça do artesanato. O Calçadão da Beira-Rio, projeto do arquiteto Décio Tozzi, consistiu na ampliação e urbanização das calçadas da avenida Pedro Ometto, junto às áreas às margens do Rio Tietê.

Fig.2 Avenida Pedro Ornetto em Barra Bonita, 2017

A quarta e última fase reflete o atual momento da cidade reconhecida no setor de turismo, com fortes mudanças urbanas e investimentos no rio Tietê. A Hidrovia Tietê-Paraná e seus programas de desenvolvimento garantiram a abertura de múltiplas possibilidades de integração econômica, através do desenvolvimento de mercado entre os países da América Latina. A implantação da usina hidrelétrica de Barra Bonita na década de 60 trouxe à cidade mudanças no cenário físico, econômico, cultural e social. A cidade de Igaraçu do Tietê, na margem esquerda do rio, possui um pouco mais de cem anos e a sua história pode ser baseada em seis pontos: o café, as pontes, as cerâmicas, a hidrelétrica, o lazer e o açúcar. No final do século XIX o Coronel Joaquim Ribeiro loteou parte de suas terras próximas ao rio para doação, marcando então o primeiro povoamento da região. O loteamento começou a ser ocupado por imigrantes que trabalhavam nas fazendas de café da região, principalmente em Barra Bonita. Com o tempo a necessidade de travessia entre as duas cidades começou a crescer, sendo construída em 1915 a ponte Campos Salles, elemento determinante da paisagem de Igaraçu e construída com tecnologia e materiais provenientes da Alemanha.

Por volta de 1950 começam a ser instaladas na cidade novas cerâmicas, estando atualmente a maior parte desativada, mas suas chaminés constituem-se pontos focais importantes. Com a inauguração da Usina Hidrelétrica de Barra Bonita em 1963 e o consequente barramento do rio, aliado à emancipação e formação oficial do município surgiram novos usos em suas margens, criando-se assim uma praia fluvial e um parque, que valorizam a paisagem do rio e permitem o acesso da população para o lazer, o que possibilitou que a cidade se tornasse Estância Turística em 1994. As monoculturas cafeeiras formam um cinturão ao redor da malha urbana, dominando a produção agrícola municipal até os dias de hoje, sendo um elemento bem presente na paisagem da cidade.

Fig. 3 Praia Municipal em Igaraçu do Tietê, 2017

Para a análise da paisagem ao longo do Tietê foram consideradas três áreas. A primeira corresponde à região que possui maior infraestrutura. Nela está localizada a Praia Municipal Maria de Abreu Sodré e um complexo de atividades de lazer (Figura 3).

A paisagem ali é atrativa devido à grande largura do rio e aos pontos focais ali presentes como a hidrelétrica e as pontes. O acesso ao rio acontece de forma direta, sem impedimentos naturais ou construídos. A segunda área é constituída por um extenso trecho ao longo do Tietê, afastado visualmente e fisicamente da população da cidade devido à localização de uma avenida com pouca infraestrutura e terrenos desocupados com vegetação densa que impede a visualização e a aproximação com o rio, tornando a paisagem fechada. A terceira e última área é marcada pela reaproximação da população com o rio, que é atraída devido à presença do parque municipal Igaraçu Park e a alguns restaurantes e pesqueiros localizados em suas margens. A partir da análise desses três trechos foi possível notar que a população de Igaraçu ainda possui forte vinculo com o rio voltado ao lazer, valorizando seus atrativos e significados.

3.2 Pederneiras

Margeando a cidade de Pederneiras, o rio Tietê é o elemento estruturante da paisagem. Tendo como elemento chave o contexto econômico, foi possível dividir ao processo histórico em quatro fases, permitindo a compreensão da formação e crescimento de Pederneiras. O vale médio do Tietê serviu como caminho de interiorização dos paulistas, sendo cenário de violência nos conflitos com indígenas. A ocupação, desenvolvimento e definição do território paulista teve como protagonista os membros da Companhia de Jesus, que corroboraram com a manutenção das primeiras povoações ao longo da costa e expansão do território através de aberturas de rotas. Neste sentido, Pederneiras teve sua formação pautada principalmente nas tentativas de catequização dos indígenas presentes na região. A partir de 1558, o trajeto pelos rios Tietê, Paraná, até o rio Prata já era comum e possibilitava trocas comerciais de produtos nativos e cultivados.

A primeira fase compreende o processo de formação de Pederneiras, desde o domínio indígena, passando pelo período das primeiras expedições rumo ao interior do país até 1848, quando foi oficializada a posse das terras denominadas Fazenda Pederneiras. Durante a segunda fase, que abrange o início do século XX, são apresentados os dois principais marcos que definem o período de progresso no município: a Estação Ferroviária e o primeiro zoneamento urbano. Ressalta-se a importância da vinda dos imigrantes para a consolidação da economia, sustentada pela produção cerâmica. A terceira fase demonstra a transformação econômica e a consolidação da malha urbana de Pederneiras. Além dos efeitos da crise na agricultura cafeeira, a mudança no contexto econômico também foi influenciada pelo declínio da produção cerâmica. Nesse contexto, vê-se a modernização da cidade com a necessidade de uma nova relação com o rio Tietê para o aproveitamento de seu curso para a construção de usinas hidrelétricas.

O Porto Intermodal de Pederneiras contribui para o funcionamento do sistema Tietê- Paraná, uma vez que a multimodalidade facilita a circulação e transporte de cargas, interligando diversos espaços. Os quatro modais diferentes - rodoviário, ferroviário, hidroviário e o aeroviário - se complementam e contribuem para o aumento do volume de cargas transportadas para o mercado externo através do Porto de Santos. A última fase engloba o cenário atual de Pederneiras e sua vocação turística, evidenciando o seu potencial histórico, cultural, econômico e arquitetônico tanto para a população local quanto para a região. A possibilidade de compreender mais sobre seu passado requer ações para readequar e conservar as construções antigas, além de valorizá-las por sua relevância para memória de seus habitantes. Seu potencial turístico passou a ser valorizado e preservado como possível fonte econômica. Em vista disso, o Plano Diretor elaborado em 2006 apresenta diretrizes para proteger o patrimônio histórico-cultural e as áreas de importância ambiental e ecológica, além de ferramentas para a criação de um polo turístico regional, tendo como foco o rio Tietê e a Praia Municipal (Figura 4), parte integrante do Parque Turístico Municipal.

Fig. 4 Praia Municipal de Pederneiras, 2017

3.3 Ibitinga

Ibitinga está inserida na margem direita do Médio Tietê. A primeira ocupação na região onde atualmente encontra-se situada a cidade aconteceu em 1858. A família Landim instalou-se em área afastada do rio Tietê, na confluência dos córregos Saltinho e São Joaquim. Em 1910 foi inaugurada na cidade a estação ferroviária que era ponta de linha do tronco que ligava a cidade de Ribeirão Bonito à Dourado. A linha férrea foi implantada no fundo de vale, cortando a parte leste da cidade. A partir desse ponto, seguia às margens do córrego São Joaquim até chegar à estação. Em 1969 a estação foi desativada e no local da linha foi construída a Avenida Ferrovia. No mesmo ano foi inaugurada a Hidrelétrica de Ibitinga.

A indústria e o comércio foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento econômico do município de Ibitinga. Os bordados e as produções voltadas aos tecidos são o grande foco da produção industrial da cidade e tiveram sua importância a partir dos anos 30. O bordado desenvolveu-se assim como seus meios de produção através da “Escola de Bordados Singer”. Desde então, o bordado tornou-se a principal fonte de renda, elevando a cidade ao posto de Capital do Bordado.

Ibitinga possui uma rede hidrográfica muito significativa. O Tietê delimita a cidade de Leste a Oeste e seus principais afluentes são os rios Jacaré-Guaçu, Jacaré-Pepira, São Lourenço e Ribeirão dos Porcos. Na área urbana da cidade encontram-se os córregos Água Quente, Capim Fino, Saltinho, Taquara do Reino e São Joaquim. Esses rios e córregos apresentam diferentes significados, usos e relações com a cidade. A paisagem, por sua vez, é distinta observando-se aspectos variados na zona urbana e rural. Na zona urbana os córregos, afluentes do rio Tietê, foram canalizados e retificados para a construção de avenidas; suas margens não possuem uma paisagem atrativa e suas águas encontram-se poluídas devido ao despejo de esgoto municipal. Os moradores que ali residem têm dificuldade de enxergá-los como possibilidade de uso. Essa dificuldade não cria permanência e conscientização, resultando em afastamento por parte da população. É principalmente no Tietê (Figura 5) e no Jacaré-Guaçu que acontece o uso efetivo das águas por parte dos moradores para atividades de lazer passivo e ativo, como pescar e praticar esportes. Há um vínculo afetivo por parte dos cidadãos pois os rios oferecem uma boa qualidade da água, uma paisagem aberta e atrativa e com vegetação muito presente, o que gera um sentimento de apropriação.

Fig. 5 Orla do rio Tietê em Ibitinga, 2017 3.4 Sales e Sabino

As cidades de Sales e de Sabino localizam-se na Bacia Hidrográfica do Tietê/Batalha, sendo o Rio Tietê o destino para onde convergem todos os rios e córregos que cortam os Municípios. No caso de Sales, destacam-se, além do Rio Tietê, quatro principais afluentes: Barra Mansa, Cubatão, Cervinho e Cervo Grande. Já em Sabino, destaca-se o Córrego do Esgotão.

As primeiras famílias instalaram-se na região de Sales entre 1900 e 1914. Com a chegada dos novos moradores, a mata original foi sendo derrubada para a implantação de fazendas. Em 1920, Ramillo Sales, fundador da cidade, comprou uma propriedade localizada entre o córrego Cervinho e o rio Cubatão e fez o traçado das ruas do povoado. Contudo, apesar da cidade ser geograficamente marcada pelos cursos hídricos, estes encontram-se afastados da área urbana. O contato das pessoas com os rios é possível nas praias de água doce que se formaram após a construção da Usina Hidrelétrica de Promissão em 1975, quando o nível da água do Rio Tietê subiu, o que condicionou seu alargamento e represamento. Até 1974, a largura do rio era de 300 metros e atualmente é de 3,5 km. Com isso, três praias municipais foram criadas: Praia do Cervinho, Praia do Torres e Praia do Richelieu.

Após o represamento das águas do Rio Tietê, a Prefeitura de Sales investiu em obras de infraestrutura para a praia formada após o alargamento do córrego do Cervinho. Atualmente, o córrego possui 8 km de extensão e 600 metros de largura, o que possibilitou o lazer nas suas águas e impulsionou o turismo na região. Também foram realizadas obras nas margens do Rio Tietê e criada a Praia do Torres (Figura 6), distante 12 km do centro da cidade, sendo muito utilizada pelos moradores e pelos turistas por conta do serviço de balsa conectando os municípios de Sales e Sabino e por apresentar infraestrutura de lazer. A Praia do Richelieu encontra-se em fase de implantação; no local estão previstos 50 quiosques, área de camping, minicampo, estacionamento, sanitários e um mirante para apreciar as águas do Rio Tietê. Alguns quiosques, estacionamento e os sanitários já foram implantados.

Fig.6 Praia dos Torres em Sales, 2017

Com a criação das praias, Sales expandiu-se para a área próxima aos rios, onde foram surgindo condomínios e loteamentos residenciais de médio e alto padrão. Atualmente, o Município conta com 24 condomínios e loteamentos fechados ou abertos. Com a valorização ribeirinha, o setor turístico vem se fortalecendo, o que levou ao desenvolvimento do setor hoteleiro.

O Rio Tietê é o marco divisor entre os Municípios Sales e Sabino. Conectando as cidades, há o serviço de balsa que realiza a travessia. A primeira balsa foi implantada em 1920 e era movida pela corredeira das águas do Tietê até 1974. Com o represamento das águas do rio, uma balsa motorizada passou a realizar o referido trajeto. Tal travessia relaciona-se com a fundação de Sabino, visto que o início de sua história foi marcado pelo registro de uma gleba de terras localizada à margem esquerda do Rio Tietê que pertencia a Antonio Sabino. Para facilitar o acesso e travessia, foi instalado o Porto Santa Cruz.

O traçado inicial de Sabino foi próximo ao Córrego do Esgotão, onde também localizavam-se a serraria e a olaria que foram de extrema importância para o desenvolvimento da cidade, possibilitando a oferta de empregos. Com a construção da Usina Hidrelétrica de Promissão e o consequente represamento das águas do Rio Tietê, a largura do Córrego do Esgotão aumentou e as edificações próximas ao córrego ficaram prejudicadas pelo alagamento ocasionado pela barragem.

Por sua vez, a nova largura do córrego impulsionou o lazer e o turismo, atraindo pescadores e banhistas, o que levou à criação da Praia de Sabino (Figura 7) que atualmente é o principal ponto de lazer e de turismo do Município. Por localizar-se inserida no perímetro urbano, tem fácil acesso aos moradores. Contudo, nos últimos anos nota-se um problema de proliferação de algas nas águas do córrego, levando à interdição da praia em alguns períodos. A presença das algas ocorre em razão do esgoto lançando nos rios por outras cidades que não realizam um tratamento adequado, afetando o turismo local.

Fig.7 Praia de Sabino no rio Tietê, 2017

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerarmos que a paisagem reflete tanto os processos biogeofísicos como os que resultam do uso e das transformações socioeconômicas dos recursos, bem como as representações culturais, emocionais ou simbólica dos espaços (Saraiva, 2005), concordamos com Besse (2014) quando diz que toda paisagem é cultural, pois é produzida no seio de um conjunto de práticas que seguem determinados valores. Nesse sentido, o Rio Tietê na sua relação com as cidades elencadas, pode assumir diversas funções: utilitárias (abastecimento, pesca, irrigação, circulação e transporte de pessoas e mercadorias, recreação esportiva, geração de energia, extração de areia); econômicas (empreendimentos imobiliários, loteamentos para chácaras de recreio, indústrias); sociais (locais de socialização, espaço para eventos); estéticas (beleza cênica) e bioclimáticas (conforto ambiental). A chave para maximizar todos os valores da paisagem dos rios é a complexidade e a resultante diversidade de características e de conteúdos da paisagem ao longo de todo o corredor bem como dos detalhes da topografia e vegetação. Para o uso e bom aproveitamento do espaço, o acesso é essencial: para o rio, ao longo de suas margens e através dele, além dos sistemas de circulação. Este acesso deve ser estendido aos pontos de contato e às travessias.

A intervenção sobre a paisagem é entendida como uma combinação entre proteção, gestão e ordenamento sobre o território. Existe uma inadequação dos modelos de gestão urbana acarretando uma falta de integração entre os dispositivos da legislação ambiental e urbanística. Lendo a paisagem a partir dos modos de organização do espaço urbano e da história do lugar, constatamos que para o rio Tietê ser valorizados pela população é necessário um trabalho de conscientização e elaboração de projetos participativos que qualifiquem o lugar, mais do que a simples aprovação de leis e regulamentos. Na Tabela 1 elencamos algumas potencialidades observadas na relação entre o rio e as cidades, sendo o turismo o fator comum entre as cidades analisadas.

Potencialidades BARRA IGARAÇU PEDER- IBITINGA SALES SABINO BONITA TIETÊ NEIRAS Plano Diretor Municipal Plano Diretor de Turismo Município de InteresseTurístico Estância Turística

Tratamento de Esgoto

Coleta de resíduos sólidos Projeto de Recuperação da Orla Visualização do rio Tietê Praia

Tabela 1 Potencialidades: cidades e rio Tietê

As cidades analisadas dependem do Tietê para o desenvolvimento local. Desse modo, é extremamente importante a preservação da paisagem do rio não só por motivos ambientais como também para a manutenção da maior fonte de renda atual das cidades, o turismo. Entre os aspectos que foram analisados a partir dos resultados apresentados, salientamos que algumas das cidades pesquisadas não inserem o rio na paisagem urbana. Uma parte da história do lugar foi perdida, principalmente devido à construção de barragens no rio Tietê. O rio, apesar da degradação da paisagem, é visto como potencial turístico e econômico; no entanto, poucas ações vêm sendo realizadas visando um planejamento sustentável.

Agradecimentos Agradecemos à FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo pela concessão de bolsas de Iniciação Científica, o que possibilitou o desenvolvimento da pesquisa sobre as cidades ao longo do Rio Tietê.

5 REFERÊNCIAS

ANTAQ (2010)Agência Nacional de Transportes Aquaviários, Transporte de Cargas na Hidrovias Brasileiras 2010 Hidrovia do Paraná-Tietê.Biblioteca da ANTAQ [Online], Brasilia.Disponível:http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/Estatistica NavInterior/ Hidrovia ParanaTiete.pdf. [Acessado em outubro 2017].

Assunto, R. (2011) Paisagem, ambiente, território: uma tentativa de clarificação conceitual in A. V. Serrão, (org.), Filosofia da Paisagem: uma antologia, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Lisboa, 126-129.

Besse, J.M. (2014) O Gosto do Mundo: Exercícios de Paisagem, Eduerj, .

Costa, L.R. (2017) Cidades e Rios no Oeste Paulista. Rio Tietê e as cidades de Ibitinga e Igaraçu do Tietê, Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, .

CGG (1930) Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo. Exploração do rio Tietê-1905, TypographiaBrazil de Rothschild, São Paulo.

Corrêa, D. S. e Alvim, Z.M.F. (1999) A Água no olhar da História, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, São Paulo.

Mota, V.G. (2017) Cidades e Rios no Oeste Paulista. Rio Tietê e as cidades de Pederneiras e Barra Bonita, Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Bauru.

Nishimura, K.Y. (2017) Cidades e Rios no Oeste Paulista. Rio Tietê e as cidades de Sales e Sabino, Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Bauru.

Saraiva, M.G.A.N. (2005) Da paisagem à arquitectura: um percurso através da água in Arquitectura, Paisagem e Água, Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 20-33.