Introdução a Pesca Do Atum Na Costa Do Algarve
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INTRODUÇÃO A PESCA DO ATUM NA COSTA DO ALGARVE 1. CONDIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS CLIMÁTICAS E TALASSOGRÁFICAS Portugal, o país mais setentrional da Europa, plasma-se num quadrilátero irregular que apresenta uma enorme extensão de costa, que o Atlântico banha, conferindo-lhe aspectos magnificentes de altas escarpas, enseadas bonançosas e areias finíssimas, ao longo da qual a actividade da pesca, embora difusa, é algo de muito importante como actividade económica em si, como meio de captação de mão-de-obra e como alicerce para o desenvolvimento de actividades dela decorrentes. São as condições morfológicas do litoral que determinam as zonas mais ou menos favoráveis ao exercício da actividade piscatória, sendo que, os centros pesqueiros surgem nas embocaduras dos rios que formaram extensas planícies de aluvião e nos estuários de profundidade assinalável, permitindo o aparecimento de aglomerados onde têm lugar as indústrias transformadoras da fauna íctica e as demais artes de fabrico dos aprestos de pesca. No mapa da nossa costa vários são os centros piscatórios que poderíamos assinalar, mas tendo em conta o âmbito do nosso trabalho, é ao Algarve que nos vamos ater, visto ser nesta província que as indústrias da pesca e conserva do atum tiveram local privilegiado e projecção nacional e internacional. O Algarve, região mais meridional do país que a partir do século XIII após a sua conquista definitiva, aos mouros, por D. Afonso III, passou a fazer parte do território do reino de Portugal, intitulando-se este monarca, Rei de Portugal e do Algarve , apresenta uma idiossincrasia climática que o diferencia do resto do país, devido entre outros a factores de origem orográfica, objectivados em cadeias de montanhas que posicionando- se paralelamente à costa, quebram a influência atlântica, o que faz com que o litoral algarvio beneficie a maior parte do ano da influência das altas pressões originadas pelo anticiclone dos Açores e apresente um nível de precipitações mais elevadas de Outubro a Abril, oferecendo condições climáticas mais benignas, que o discriminam, positivamente, em relação ao restante território nacional e determinando um litoral perfeitamente diferenciado. Segundo Gaetano,1 a região do litoral algarvio considera-se dividida em três zonas bastante distintas: a costa norte que se estende da ribeira de Odeceixe ao cabo de S. Vicente, a costa de Barlavento deste a Quarteira e o Sotavento até à foz do Guadiana. Esta subdivisão, que se limita à faixa costeira, é feita de acordo com a incidência dos ventos. Sotavento alude ao predomínio do levante ao longo da costa oriental; barlaventear é sinónimo de andar contra o vento, isto relativamente às embarcações que se dirijam do litoral para o cabo de S. Vicente. A costa norte é formada por uma plataforma xistosa com escarpas de 60-70 metros, de difícil acesso por mar ou por terra. Apresenta muita ondulação e é ventosa. A costa de Barlavento ainda é alta, facilmente corroída dada a natureza calcárea dos seus afloramentos, com ondulação menos intensa, dando origem à formação de enseadas como a baía de Lagos, lugares abrigados para varadouro de embarcações de pesca, franqueadas por areias de espessura variável, cobertas de material saibroso transportado pelos cursos de água, «neste troço de costa desembocam numerosos cursos 1 Gaetano Ferro, La pesca nel mare dell’Algarve , Estrato da “Annali di ricerche e studi di geografia”, X, 4, settembre-dicembre 1954, Società d’Arte Poligrafica – S. p. A. – Genova, 1954, pp.127. Em nota rodapé, citando A. A. Baldaque da Silva: Tale subdivisione, pur limitandosi alla fascia costiera, è assai viva fra la popolazione marittima; essa si referisce alla posizione dei vari tratti di costa in relazione alla prevalenza dei venti. «Sotavento» infatti allude al predominio del levante lungo il tratto più orientale della costa; «barlaventear» significa invece andare contro vento, per le imbarcazioni che dal litorale algarvio si dirigino oltre il capo de S. Vincenzo, in un’area dove prevalgono i venti da nord ovest e du sud ovest; «costa norte» infine si riferisce alle rote dal capo de S. Vincenzo verso i «pesqueros» più settentrionali. 2 de água (de que são principais a ribeira de Bensafrim e Odelouca-Arade ), que embora de modesto caudal , transportam uma quantidade relevante de material de aluvião. A costa de Sotavento é, ao contrário, inteiramente baixa e arenosa, formada por uma faixa de depósitos recentes, externamente à qual se estende uma vasta laguna de sapais e esteiros e depois um cordão de areia que se prolonga até Tavira. Esta morfologia geográfica constitui um elemento extremamente favorável ao desenvolvimento da actividade pesqueira mormente na zona da foz do Guadiana, pela abundância das espécies e pelas possibilidades que oferece o porto fluvial. A costa norte, o cabo de S. Vicente e a parte mais ocidental da zona barlaventina apresentam características climáticas, marcadamente, atlânticas com ventos de norte e de oeste, aparecendo, nos meses estivais, a chamada nortada muito intensa e a provocar ondulação intensa, acompanhada de neblina e que, por efeito da humidade oceânica, criam condições para o aparecimento episódico de chuviscos. A parte restante do Barlavento, por influência da Serra de Monchique e da Serra do Caldeirão, apresenta características mediterrânicas, mais favoráveis, ainda com vento intenso, alguma neblina, poucos dias de chuva com temperatura média anual superior à da costa precedente. A costa de Sotavento dispõe de condições climatéricas favoráveis, de natureza quase continental, com ventos de tramontana ou nortada no Inverno, e vento de levante no estio, vento seco proveniente do interior da península ibérica e do norte de África. No inverno e primavera, os ventos sopram com relativa frequência prevalecendo os do quadrante meridional e a temperatura apresenta valores médios superiores ao restante litoral algarvio. As condições climáticas do Barlavento e Sotavento são, assim, propiciadoras da actividade da pesca durante quase todo o ano. Associadas ao clima, apresenta, o mar do Algarve, certas condições talassográficas dignas de registo, por se tratar de um curso que se localiza entre o litoral 3 africano e o europeu com continuidade até ao Mediterrâneo. Sofre a influência de um ramo da “Corrente do Golfo”, vinda do Atlântico, massa de água quente, que corre à superfície até uma distância entre 8 e 10 milhas da costa algarvia, em direcção a levante, de uma outra corrente que provém das profundidades oceânicas e transporta, portanto, grande massa de água fria e ainda uma que, vinda do Mediterrâneo, é rica em salinidade, apresenta temperatura elevada e é quase desprovida de substâncias minerais nutritivas, correndo ao longo da costa a profundidades variáveis. É neste caldo de clima, condições geográficas e talassográficas que surge uma espécie piscícola, da família dos scombridios , o atum, que nas suas regulares migrações entre o Atlântico e o Mediterrâneo, passa pelo litoral do Algarve, deslocando-se, em cardumes, de ocidente para oriente, nos meses de Maio e Junho, o atum de direito , em sentido contrário, em Agosto e Setembro, o atum de revés e ainda o atum recuado , aquele que episodicamente atravessa estas águas seguindo uma direcção contrária à da migração normal para a época do ano. Nos meses de Inverno abriga-se em zonas temperadas do Atlântico e Mediterrâneo 2. As várias espécies de atum, que são cinco, das quais a mais abundante no Algarve é o atum vermelho, thunnus thinnus , são pescadas por processos diversos, como seja a fisga, anzóis, redes derivantes, redes de cerco e armadilhas ou armações fixas, que se revelam inofensivos para o meio ambiente e para as crias. A armação fixa, lançada nas águas costeiras ou litorais, é usada na costa marítima algarvia. A área de distribuição geográfica do atum passa pelo Atlântico Norte (Nova Escócia, no Canadá), pelo Atlântico Sul (Açores, Madeira, Canárias, costa africana de Angola), Baía da Biscaia, Mar do Norte, Pacífico (Califórnia e Japão), mas a zona que mais se adequa às suas características e que esta espécie mais procura é a da Europa 2 Ob. cit., pp.136. 4 meridional, Mar Mediterrâneo (Sicília, Sardenha, Tunísia, costas setentrionais de Marrocos) e também as águas de Gibraltar a S. Vicente, onde se verificam temperaturas e salinidade elevadas. «Há séculos, desde o tempo de Aristóteles, que se diz que as suas migrações do Atlântico para o Mediterrâneo, e vice-versa, obedecem às necessidades de reprodução e de nutrição»3. Na passagem de oeste para levante em Maio e Junho, eles vêm gordos, com as ovas cheias e pouco comem. Nos meses de Julho e Agosto, ao fazer o trajecto contrário, passam com as ovas esvaziadas, magros e mais vorazes e, nos fins de Agosto, regressam mais gordos. A maior parte dos naturalistas é defensor desta teoria dos deslocamentos do atum, contudo, alguns cientistas como Pavesi, os professores Roule, Fernando de Buen e outros, sustentam que há atuns que nascem e vivem no Mediterrâneo, onde dispõem de habitat próprio, fazendo deslocações até ao Mar Negro. Consideram uma população de atuns do Mediterrâneo e outra do Atlântico, com zonas de alimentação e postura perfeitamente definidas. Esta tese foi defendida e fundamentada com argumentos, pelo Dr. Buen, em 1935, no XII Congresso Internacional de Zoologia, realizado em Lisboa de 15 a 21 de Setembro 4. Segundo Buen e Roule, só aconteceria passagem de cardumes entre o Atlântico e o Mediterrâneo e vice-versa, para o atum errático , que algures no Golfo de Cádis e demais cercanias, faria a sua desova, enquanto o atum por eles designado por genético estaria apto para fazer a sua desova sem recurso a migração. O estudo das migrações do atum é um assunto alvo de muitos e interessantes estudos e enunciação de teorias por parte de naturalistas, biólogos e oceanógrafos, entre os quais devemos referir o nosso rei D. Carlos, iniciador dos estudos oceanográficos em 3 António Miguel Galvão, Um Século de Historiada Companhia de Pescarias do Algarve, Edição da Companhia das Pescarias, Faro, 1948, pp.