A Região Administrativa Especial de e o legado de

EDIVALDO MACHADO BOAVENTURA

O diálogo Ocidente/Oriente vai por certo con- tinuar. No próximo século assistiremos ao agigan- tar do Oriente, orgulhoso das suas culturas mile- nares, pujantes na suas economias. Poderemos todos, se soubermos gerir o presen- te, manter cativo ali o nosso lugar. Quase diria que não há povo ribeirinho nesse grande espaço que não os conheça: de a Nagasaki, se um dia dis- tante se falou em português, hoje – sabe-o bem quem conhece essas paragens – restam as recordações, a saudade e a memória de uma cultura oriunda das praias lusitanas e que pelo mundo se foi enrique- cendo, dando e recebendo. Jorge Rangel

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. O legado político e jurídico de Portugal e a tradição romanístico-germânica do Civil Law. 3. A Lei Básica da Região Administrati- va Especial de Macau (RAEM). 4. O governo autô- nomo de Macau. 5. A soberania da presença. 6. A fórmula Macau. 7. Uma fórmula de convivência. 8. Macau e . 9. A triangulação econômi- ca. 10. O sistema educativo. 11. Uma universidade trilíngüe. 12. Conclusão: Macau, plataforma para o Brasil.

1. Introdução A Declaração Conjunta entre Portugal e a China, assinada em abril de 1987, e a Lei Bá- sica da Região Administrativa Especial de Macau, promulgada em 1993, traçaram as di- Edivaldo Machado Boaventura é docente livre retrizes do período de transição da passagem e Doutor em Direito, Mestre e PhD em Administra- deste território chinês sob administração de ção da Educação, Professor da Universidade Fede- Portugal à China. ral da Bahia, Procurador autárquico, membro da OAB/BA, do Instituto dos Advogados da Bahia e da Os acordos assinados reafirmaram a cria- Academia de Letras Jurídicas da Bahia. ção da Região Administrativa Especial de Ma- Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 323 cau (RAEM). Com base no princípio “um país, no oceano do Direito chinês tal como o estado dois sistemas”; essa região será dotada de alto de New Orleans, nos Estados Unidos da Amé- grau de autonomia, mantendo-se os atuais sis- rica, e a província do Québec, no Canadá, que temas social e econômico e a maneira de viver. convivem com o sistema do direito de base cos- Desse documento, partiu-se para a Lei Básica tumeira e jurisprudencial. da futura RAEM. Esse diploma legal assegu- rou a autonomia dos poderes Executivo, Le- gislativo e Judiciário (art. 2º) e, além da lín- 3. A Lei Básica da Região Administrativa gua chinesa, o uso do idioma português será Especial de Macau (RAEM) também oficial (art. 10º). A par das relações de amizade e entendimento entre estas duas Em suma, a Lei Básica da Região Admi- nações, os fundamentos políticos e sociais são nistrativa Especial de Macau da República Po- assentados no conjunto das relações institucio- pular da China, promulgada em 31 de março nais entre os organismos da soberania portu- de 1993 pela primeira sessão da oitava legisla- guesa e chinesa, estruturadores do governo de tura da Assembléia Popular Nacional, é a Cons- Macau. tituição de Macau, que entrará em vigor em 20 Com plena autonomia judiciária, Macau de dezembro de 1999, quando a China assumi- tem a responsabilidade de um Estado de direi- rá a soberania plena do Território, por força da to moderno, com a peculiaridade histórica de Constituição, cujo preâmbulo assim prescreve: território cedido a Portugal por mais de quatro “Macau, que abrange a península de séculos. A Declaração Conjunta Sino-Portugue- Macau e as ilhas da Taipa e de , sa deixou evidente a autonomia do Poder Judi- tem sido parte do território da China ciário e a garantia de que a competência não desde os tempos mais remotos. A partir ultrapasse a jurisdição dos tribunais da Região de meados do século XVI, foi gradual- Administrativa Especial de Macau. A Lei Bá- mente ocupado por Portugal. Em 13 de sica estabeleceu três instâncias: tribunais de abril de 1987, os governos da China e de primeira instância, um de segunda e um tribu- Portugal assinaram a Declaração Con- nal de última instância. Como no Brasil, há junta sobre a Questão de Macau, afir- um centro de formação de magistrados. mando que o Governo da República Po- pular da China voltará a assumir o exer- cício da soberania sobre Macau em 20 2. O legado político e jurídico de de dezembro de 1999, concretizando-se Portugal e a tradição romanístico- assim a aspiração comum de recuperar Macau, almejada pelo povo chinês des- germânica do Civil Law de longa data. Pelo legado cultural de Portugal, juridica- “A fim de salvaguardar a unidade na- mente, Macau pertence ao sistema do direito cional e a integridade territorial, bem escrito, da lei-código, dentro da tradição ro- como favorecer a estabilidade social e o mano-germânica do Civil Law com relevância desenvolvimento econômico de Macau, da lei sobre a jurisprudência, o oposto do siste- tendo em conta o seu passado e as suas ma Common Law. Perfeitamente dentro dessa realidades, o Estado decide que, ao vol- linha dedutiva e teórica, foram promulgados tar a assumir o exercício da soberania os códigos: Civil, Comercial, Penal, Processu- sobre Macau, cria-se a Região Adminis- al Civil e Processual Penal. Conservou Macau trativa Especial de Macau de acordo com a herança portuguesa do direito escrito que vem as disposições do artigo 31 da Constitui- dos romanos, o qual, embora sistematizado no ção da República Popular da China e que, Código de Napoleão e no Código Civil alemão, de harmonia com o princípio ‘um país, enriqueceu-se com o direito canônico e com as dois sistemas’, não se aplicam em Ma- práticas comerciais na Idade Média. cau o sistema e as políticas socialistas. O Direito chinês, como boa parte dos paí- As políticas fundamentais que o Estado ses do Oriente, não possui o desenvolvimento aplica em relação a Macau são as já ex- que atingiu o Direito português ou o francês. postas pelo Governo Chinês na Declara- Em face de mais essa herança cultural de Por- ção Conjunta Sino-Portuguesa. tugal, Macau é, do ponto de vista do direito, “De harmonia com a Constituição da uma ilha do sistema continental, do Civil Law, República Popular da China, a Assem-

324 Revista de Informação Legislativa bléia Popular Nacional decreta a Lei ou desenvolvimento. Os rendimentos daí Básica da Região Administrativa Espe- resultantes ficam exclusivamente à dis- cial de Macau da República Popular da posição do Governo da Região Adminis- China, definindo o sistema a aplicar na trativa Especial de Macau”. Região Administrativa Especial de Ma- cau, com vista a assegurar a aplicação das políticas fundamentais do Estado em 4. O governo autônomo de Macau relação a Macau”. Com tal entendimento da Lei Básica, o Ter- Os seus princípios gerais assim disciplinam ritório tem governo próprio, autônomo, cons- a RAEM: tituindo-se do Poder Executivo, tendo à frente “Art. 1. A Região Administrativa Es- o Governador; do Legislativo, exercido pela pecial de Macau é parte inalienável da Assembléia Legislativa; e do Poder Judiciário, República Popular da China. representado pelos tribunais. “Art. 2. A Assembléia Popular Naci- O Governador, auxiliado por sete secretá- onal da República Popular da China au- rios adjuntos, representa os componentes da toriza a Região Administrativa Especial soberania da República Portuguesa e é politi- de Macau a exercer um alto grau de au- camente responsável perante o presidente da tonomia e a gozar de poderes executivo, República. Conforme texto de informação legislativo e judicial independentes, in- (1996): cluindo o de julgamento em última ins- “O Governador é nomeado, empos- tância, de acordo com as disposições sado e exonerado pelo Presidente da Re- desta Lei. pública, após consulta à Assembléia Le- “Art. 3. O órgão executivo e o órgão gislativa e aos organismos representati- legislativo da Região Administrativa vos dos interesses sociais de Macau”. Especial de Macau são ambos compos- Já a Assembléia Legislativa, com 23 depu- tos por residentes permanentes da Re- tados, é um órgão de representação mista, com- gião, de harmonia com as disposições pondo-se de oito deputados eleitos pelo voto aplicáveis desta Lei. direto, oito pelo sufrágio indireto representati- “Art. 4. A Região Administrativa Es- vo de diversos organismos associativos e os pecial de Macau assegura, nos termos da outros sete nomeados pelo Governador. lei, os direitos e liberdades dos residen- Os poderes Executivo e Legislativo são tes da Região Administrativa Especial apoiados por um conselho consultivo, formado de Macau e de outras pessoas na Região. de cinco membros nomeados pelo governador “Art. 5. Na Região Administrativa e de outros cinco eleitos indiretamente. Especial de Macau não se aplicam o sis- O governo local compreende o Município tema e as políticas socialistas, manten- de Macau, isto é, a península e a cidade pro- do-se inalterados durante cinqüenta anos priamente dita, e o Município das Ilhas da Tai- o sistema capitalista e a maneira de vi- pa e Coloane. Cada município é administrado ver anteriormente existentes. por uma Câmara Municipal, tendo à frente, “Art. 6. O direito à propriedade pri- exercendo as funções executiva e legislativa, vada é protegido por lei na Região Ad- um presidente de nomeação do governador. Os ministrativa Especial de Macau. demais membros são eleitos pelo voto direto e indireto. O notório Leal Senado é a Câmara “Art. 7. Os solos e os recursos natu- Municipal de Macau. rais da Região Administrativa Especial de Macau são propriedades do Estado, Com os típicos organismos de transição há salvo os terrenos que sejam reconheci- o Grupo de Ligação e o Grupo de Terras Luso- dos, de acordo com a lei, como proprie- Chinês. O primeiro, para consulta e troca de dade privada, antes do estabelecimento informações entre os governos de Portugal e da Região Administrativa Especial de da República Popular da China, no que con- Macau que é responsável pela sua ges- cerne à aplicação da Declaração Conjunta e seus tão, uso de desenvolvimento, bem como anexos. Compondo-se de dez membros, cabe a pelo seu arrendamento ou concessão a cada uma das partes a designação de um líder, pessoas singulares ou coletivas para uso em nível de embaixador, e mais quatro mem-

Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 325 bros permanentes com perito de pessoal de mento dos chineses; por isso afirmam os ma- apoio. Igualmente, como previsto, funciona o caenses que Grupo de Terras Luso-Chinês, constituído de “o consenso é a trave-mestra do sistema três membros de cada parte e incumbido dos político e social de Macau que, à luz da contratos de concessão de terras em Macau e Declaração Conjunta, entre Portugal e a assuntos correlatos. China, assinada em abril de 1987, é ter- “Artigo 11. De acordo com o artigo ritório chinês sob administração portu- 31 da Constituição da República Popu- guesa”. lar da China, os sistemas e políticas apli- O secretário Jorge Rangel confirma as di- cados na Região Administrativa Especial retrizes educacionais e, em especial, a situação de Macau, incluindo os sistemas social do ensino da língua portuguesa, conforme do- e comércio, o sistema de garantia dos cumentos da área de comunicação social do direitos e liberdades fundamentais dos governo. Fechado o ciclo de construções da seus residentes, os sistemas executivo, infra-estrutura, incrementam-se cada vez mais legislativo e judicial, bem como as polí- a educação, a cultura e a ação social para a ticas com eles relacionadas, baseiam-se melhoria do padrão de vida da população. nas disposições desta Lei”. A situação da língua e cultura lusas mere- Nenhuma lei, decreto-lei, regulamento ad- ceu, logicamente, um lugar especial. Tenha-se ministrativo ou ato normativo da Região Ad- em vista o seu ensino atual, no momento de ministrativa Especial de Macau pode contrari- transição e, projetivamente, no futuro. Atinen- ar esta Lei. te “à última flor do Lácio plantada”, a Lei Bá- sica sentencia: “Além da língua chinesa, pode- se usar também a língua portuguesa nos ór- 5. A soberania da presença gãos Executivo, Legislativo e Judicial da Re- gião Administrativa Especial de Macau, sendo Para o alcance do bom entendimento da também o português língua oficial” (art. 9º). Declaração Conjunta e da Lei Básica entre Em bem lançada comunicação ao Liceu Lite- China e Portugal, desenvolveu-se muita paci- rário Português do Rio de Janeiro, Rangel ex- ência nas negociações. planou exatamente acerca de “A língua e a cul- O modo de discussão não foi o ocidental, tura portuguesa em Macau e as instituições ao no qual as duas partes se sentam uma defronte seu serviço no presente e no futuro”, de cujo da outra, de cada lado da mesa. Para o secretá- discurso, merece registro o seguinte excerto: rio Jorge Rangel, o efeito de encontros e mais ‘Para se perceber a situação da lín- encontros com oportunidade para comer e via- gua portuguesa em Macau, forçoso é lem- jar juntos antecede às reuniões formais. Portu- brar que, apesar de velha de mais de qua- gal soube usar de muito jeito e paciência para trocentos anos, a forma de estar dos por- fechar os principais pontos da Declaração Con- tugueses sempre assumiu características junta. do que poderemos designar por uma ‘so- A própria imprensa ressaltou o sentimento berania de presença’. A comunidade por- de harmonia e conciliação com os portugueses tuguesa, numericamente muito pequena em oposição às dificuldades encontradas com se comparada com a chinesa, nunca im- os ingleses na discussão sobre o retorno de Hong pôs a sua língua à população local; as Kong. Nas entrelinhas, percebe que as princi- comunidades em presença, embora coe- pais questões da Declaração Conjunta não fo- xistindo lado a lado e respeitando-se, ram acertadas na formalidade das reuniões. viveram, durante muito tempo, por im- Chineses e portugueses realizaram encontros, posições das circunstâncias, como que apresentaram propostas; viajavam para depois fechadas sobre si mesmas e de acordo retornarem à discussão. com as suas heranças culturais que, ape- A paciência parece ter sido o segredo das sar de tudo, aqui e ali se foram interpe- negociações. Leve-se em consideração que a netrando. Daqui deriva que, além da pe- cultura chinesa é milenar e tem fundamento quena comunidade portuguesa, ali radi- em Confúcio. E lembre-se que, historicamen- cada ou nascida, muito poucos eram os te, Macau resultou de um entreposto comercial outros habitantes que falavam e apren- engendrado pelos portugueses com o entendi- diam o português, sendo também pou-

326 Revista de Informação Legislativa cos os portugueses que falavam e escre- Kong, que séculos depois, em 1842, passou a viam o chinês”. ser colônia britânica, por imposição do Trata- A Lei Básica assegura o uso da língua por- do de Nanquim, conseqüência da Guerra do tuguesa e a palavra “Macau” no emblema: Ópio. Ocupação de mais de um século que se refletiu nas negociações para o seu retorno à “Art. 9. Além da língua chinesa, pode China. usar-se também a língua portuguesa nos órgãos executivos, legislativo e judiciais Macau teve toda uma outra história. De- da Região Administrativa Especial de pois de algumas tentativas, como a de Tomé Macau, sendo também o português lín- Pires, a pequena península no delta do Rio das gua oficial. Pérolas e do Rio do Oeste foi cedida aos portu- gueses. Considere-se que a China sempre este- Art. 10. Além da bandeira nacional ve mais voltada para o interior do que para o e do emblema nacional da República exterior, sem negligenciar, contudo, o seu solo. Popular da China, a Região Administra- E Macau permaneceu sempre lusitana, em ple- tiva Especial de Macau pode também no Pacífico, junto ao Império do Meio, o cen- exibir e usar a bandeira e o emblema re- tro do mundo; de um lado, a Europa e do ou- gionais”. tro, a América. O melhor entendimento é con- A bandeira regional da Região Adminis- siderar o Reino do Meio colocado entre o Céu trativa Especial de Macau é verde, tendo ao e a Terra; então, não resultou de nenhuma con- centro o desenho de cinco estrelas, flor de ló- quista, não teve estatuto de colônia ou de pro- tus, ponte e água do mar, circundado pela ins- tetorado. É, juridicamente, um território chi- crição “Região Administrativa Especial de nês administrado por Portugal, tornando-se Macau da República Popular da China” em corriqueiro ouvir-se falar, administrativamente, chinês, e a palavra “Macau”, em português. no “Território”. Em conclusão, essa “soberania de presen- Macau manteve sua lealdade a Portugal, ça” explica muito do entendimento e do relaci- mesmo quando o país e todos os seus domínios onamento entre dois povos de raízes e culturas caíram no jugo espanhol, de 1580 a 1640. Ins- tão diversas. Portugal sempre virado para o mar, tala-se a questão dinástica sucessória de Portu- com seus descobrimentos e novas terras a con- gal, que conduziu Felipe II, da Espanha, ao tro- quistar. A China sempre muito mais virada para no português, em virtude de ser ele neto de dom o interior do que para o exterior, continua Luís Manuel I, o Venturoso. Felipe II, como filho de Durão (1995): Carlos V e Isabel de Portugal, reivindicou e “(...) negligenciando por isso o seu lito- obteve, pela linha direta de parentesco com a ral, cujos mares se encontravam por isso família real portuguesa, a primazia na suces- mesmo infestados de piratas, e muito são régia. É a chamada União Ibérica, pela reu- embora possa consistir numa explicação nião de Portugal e Espanha sob a tutela dos aceitável do fenômeno, o certo é que os Habsburgo. Macau quedou-se fiel. Pela lealda- chineses sempre prezaram o seu solo, e de, a Câmara Municipal foi intitulada de Leal a aceitação de estrangeiros nela, mesmo Senado, por Dom João IV, restaurador da so- na periferia, é questão que ultrapassa berania portuguesa. uma explicação única”. A união ibérica trouxe conseqüências béli- cas imediatas, tanto para Macau como para o Brasil. O Leal Senado lembra o antigo Senado 6. A fórmula Macau da Câmara, casa de Câmara e cadeia da época colonial, importantíssima na efetivação da in- Segundo Afonso Camões, diretor do gabi- dependência do Brasil, na Bahia. Para Carlos nete de Comunicação Social do governo de Moraes José: Macau, a Cidade do Nome de Deus de Macau nunca foi conquistada. Serviu, sim, de porto “Outro aspecto tem de ser também de abrigo para fugir de tempestades e secar tido em consideração. O modo ímpar na mercadorias, passando a entreposto comercial História como os portugueses se fixaram entre a China e o Japão a partir da segunda em macau, sem guerra, apenas com es- metade do século XVI. porádicos sobressaltos, explanando no Por isso, Macau é trânsito e abrigo. Não foi terreno uma política de sedução e não de conquistada dos chineses, ao contrário de Hong confrontação. Claro que na palavra se-

Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 327 dução está implícita uma característica “Do meu ponto de vista como histo- bem portuguesa: a mimesis com os ou- riador, isto é algo de grande importân- tros povos, na medida em que o sedutor cia, pois significa quatrocentos anos de mima e se transforma nos desejos do seu coexistência entre duas etnias. Ao longo objecto. Esta é uma capacidade bem na- destes quatro séculos houve algumas oca- cional e que, no caso de Macau, nos va- siões em que ambos os lados tiveram al- leu uma presença de quatro séculos. Não gum atrito mútuo, mas para tanto tempo deixa, contudo, de haver mérito da parte tivemos muito poucas desavenças. Não chinesa pelo modo como souberam aco- chegou a morrer uma centena de pesso- modar os portugueses, abrindo assim, com as de ambos os lados nessas ocasiões de esta experiência, um novo capítulo na his- atrito”. tória das suas relações diplomáticas”. Conclui, então: “Logo, é muito importante para nós 7. Uma fórmula de convivência aprender com esta história da coexistên- cia humana: como é que duas etnias con- Atinente à convivência sino-portuguesa, seguiram viver em tal harmonia ao lon- passados mais de quatrocentos anos de relaci- go de um período tão prolongado? É uma onamento, em entrevista a Francisco Belard, experiência importante não só do ponto “Propostas para o Século XXI”, Kai Cheong de vista das relações sino-portuguesas, Fok (Expresso, Lisboa, 6 maio de 1995), pro- ou do futuro de Macau, mas enquanto fessor universitário e consultor para projetos experiência geral para toda a humani- culturais, em relação a Macau, opina: dade”. “Começaria pelo que chamamos a ‘fórmula Macau’ na história. Os portu- 8. Macau e Hong Kong gueses foram os primeiros europeus a chegar à China, pelo que os chineses Diferindo bastante da presença inglesa em compreendem bem que os portugueses Hong Kong, Kai Cheong Fok cita o exemplo influenciaram com sua atitude e com a do governador Henessy, que em finais do século sua política os restantes países ociden- XIX, em relatório para Londres, apontava: “A tais. Assim, este primeiro encontro en- forma como os portugueses se têm comportado tre Portugal e a China constitui uma ex- em Macau e como conseguiram ganhar a con- periência muito importante para mim fiança da população chinesa durante tanto tem- como historiador das relações sino-oci- po, é algo com que temos que aprender”. E dentais. E nessa perspectiva, Macau de- muito! sempenha um papel muito importante: De fato, os portugueses souberam incremen- pouco depois da chegada dos portugue- tar o comércio, trazendo impostos e benefici- ses, estes transformaram Macau num ando a economia local sem constituir ameaça verdadeiro centro de intercâmbio cultu- para a segurança nacional da China. A fórmu- ral entre o Ocidente, particularmente la, segundo Fok, funcionou muito bem durante representado nessa época pela cultura quatrocentos anos sem ameaça à soberania chi- ibérica e a China. Macau transformou- nesa e, raramente, os chineses interferiram na se, também, num porto internacional flo- atividade dos portugueses. A administração rescente. Podemos dizer que se tornou pelo Senado da Câmara, o Leal Senado, de- rico, no século XVI e até no início do sempenhava com autonomia o poder local. século XVII. O sucesso deste mini-esta- Dadas as circunstâncias históricas, a maneira do (ou enclave português em solo chi- como a China trata os problemas de Macau é nês) dependeu muito do facto de ambos bastante diferente de Hong Kong: os lados terem tentado encontrar uma “Macau nasceu de uma fórmula bem fórmula de coexistência. E penso que esta sucedida para congregar as necessidades fórmula tem muito a ver com a posição de ambas as partes (...) penso que deve- de Macau e com a sua herança cultural e ríamos capitalizar as excelentes relações histórica absolutamente singular e dis- sino-portuguesas a fim de conseguirmos tinta”. mais para Macau”. Insiste o professor Fok: Exemplifica Fok que, nas negociações, os por- 328 Revista de Informação Legislativa tugueses conseguiram a aprovação imediata timentos no Sul da China. para a construção do aeroporto de Macau, o Macau é uma península com 21km2, situa- mesmo não sucedendo com os ingleses. É a da no Sul da China, precisamente no delta for- hábil estratégia da paciência ou que outro nome mado pelo Rio das Pérolas (Zhu Yiang) e pelo tenha a tolerância. Rio do Oeste (Xoi Yang), junto à província Ressalte-se a abertura de Macau para o chinesa de (Cantão província). mundo exterior, principalmente durante o con- Dista 70 quilômetros rio acima de Guanzhou flito bélico com o Japão quando Hong Kong (Cantão cidade). foi tomada pelos nipônicos, na Segunda Gran- O Território é constituído pela península de de Guerra. Macau funcionou como uma janela Macau, que se liga ao continente chinês por aberta da China, traço de união entre os emi- um istmo, fronteira a seco, onde se encontra o grantes – chineses ultramarinos – e a terra na- arco simbólico das . Além da tal. Freqüentemente, voltam a Macau, a exem- península, Macau compreende as ilhas da Tai- plo do congresso das comunidades macaenses. pa e Coloane, que formam outro município. A Organizações culturais tentam preservar a he- primeira é bastante povoada, ligando-se à pe- rança histórica como o Instituto de Estudos nínsula por duas pontes. Na ilha da Taipa lo- Latinos, criado pelo governador Vasco Rocha calizam-se a Universidade de Macau e o Jo- Vieira, e sugestões outras de estudos sino-lu- ckey Club. Já a outra ilha, a de Coloane, co- sos, ensino do idioma português e da língua munica-se com Taipa por um istmo de dois chinesa que, escrita da mesma forma, é pro- quilômetros, cujas terras estão em pleno pro- nunciada de diferentes maneiras. cesso de consolidação. Nela se erguem a igreja Há uma estratégia do desenvolvimento que de São Francisco Xavier, com relíquias deste conduziu ao ciclo das obras de infra-estrutura: santo, um templo budista, parques e praias. o aeroporto internacional, a Ponte da Amiza- Coloane, com proteção ecológica, mantém uma de, o Porto de Ká-Hó, a central de incineração certa tranqüilidade. Em frente à ilha da Taipa, do lixo e a de tratamento de águas residuais. encontra-se o aeroporto internacional de Ma- Para tanto, a República Popular da China par- cau, construído sobre um aterro e conectado ticipa financeiramente dos grandes investimen- por duas vias, para cuja construção houve a tos tanto em Hong Kong como em Macau, con- participação financeira da China. Existe um tando com volumosa poupança pública e pri- projeto de unir as duas ilhas por aterramento. vada. A moeda macaense, cujo nome é muito conhecido dos brasileiros – pataca –, estável e Macau conta com, aproximadamente, 450 autônoma, é cotada ao câmbio do dólar de Hong mil habitantes; todavia, os que vivem no exte- Kong. Recorde-se a antiga moeda portuguesa rior tornam este número bem maior. Do ponto de prata, do valor de 320 réis, que circulou por de vista demográfico, é preciso levar em consi- muito tempo no Brasil até o Império. Pois bem, deração que boa parte dos emigrantes, chine- é a pataca a unidade monetária no Território, ses ultramarinos, estão presentes em todo o Pa- dividida em cem avos. Os brasileiros da gera- cífico – Filipinas, Indonésia, Cingapura, Ma- ção que nos sucede, na sua maioria, não co- laca – e são eles os agentes do movimentado nhecem a pataca. Os que nos antecederam, comércio dessa região. Transações econômicas poucos talvez se lembrem. A sua geração (e lideradas pelos de fala chinesa alcançam o ou- minha) não lidou com a pataca. Ou será que já tro lado do Pacífico, notadamente na costa oeste a esqueceram no tempo? dos Estados Unidos e do Canadá e, especial- mente, na província da Columbia Britânica, em Vancouver, onde se encontram euro-asiáticos 9. A triangulação econômica (principais indicadores demográficos anexos). Macau tem a oferecer ao Brasil uma série Com US$ 17.000,00 de renda per capita, de serviços, em especial a sua experiência co- evidentemente que só se pode compreender o mercial. Em face das facilidades da mesma lín- dinamismo de Macau, como influenciada pela gua e cultura, Macau aparece como uma pers- economia de Hong Kong, no conjunto forma- pectiva clara de ingresso do Brasil no promis- do pela província chinesa de Guangdong (Can- sor mercado chinês e efetivação da presença tão província). A abertura da República Popu- ativa no Pacífico. Usando as palavras dos ma- lar da China para a economia de mercado, não caenses, o Território pode vir a ser uma plata- obstante ser um país socialista, permitiu a for- forma financeira e de marketing para os inves- mulação de políticas em três primeiras zonas Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 329 econômicas especiais: , na fronteira con- Produção e Transferência de Tecnologia, o Ins- tígua a Macau, do outro lado das Portas do tituto de Promoção do Investimento e o World Cerco; Shezhen, perto de Hong Kong e Shan- Trade Center; para tanto, eficiente sistema edu- tou, logo depois, Xiamen. cacional vem desenvolvendo. Macau “cresceu com os vizinhos”, confor- me Ho Wai Hey (Macau, 1995, 4). Tais inicia- tivas foram inspiradas nas Export procession 10. O Sistema educativo Zones e nas Free Trade Zones. Demarcadas Amplo sistema de formação de quadros em geograficamente, são tidas como estufas de todos os níveis de ensino – fundamental, mé- desenvolvimento econômico e servem de ex- dio e superior – foi desenvolvido. Macau tem periência para a China ganhar em conhecimen- no ensino regular quase cem mil alunos que, tos, maneiras e atitudes a fim de atuar no siste- se agregados àqueles que freqüentam os pro- ma capitalista. Enfim, são laboratórios empí- gramas de educação profissional e de educa- ricos que comprovam o princípio “um país, dois ção de adultos, alcança-se um terço da popula- sistemas”, segundo a fórmula cunhada pelo ção. São três conjuntos curriculares tendo por pragmatismo de Deng Xiaoping. Os chineses base a língua correspondente: o chinês, o in- ultramarinos, originários da província de Can- glês e o português, que, evidentemente, acom- tão, são motivados a investirem na mãe-pátria, panha o sistema de ensino luso. a China, contribuindo para a sua melhoria e obtenção de lucros: são os “capitalistas patrió- Do informe Educação e ensino, pôde-se ticos”. retirar alguns parágrafos atinentes ao sistema A principal realidade econômica da Ásia/ educativo. Pacífico é a emergência do que os especialistas “Ensino superior – O desenvolvimen- designam por “triângulos de crescimento”, zo- to do ensino superior, com uma ampla nas transfronteiriças ou economias de proxi- diversificação e uma aposta na qualida- midade, que buscam vantagens em comum na de, a criação e consolidação de um siste- colaboração econômica e no entrelaçamento ma educativo próprio e a extensão da financeiro, comercial, tecnológico e de recur- escolaridade gratuita ao ensino privado sos humanos. têm sido as grandes prioridades da área Para Jorge Nascimento Rodrigues, Macau de educação. tem o privilégio de ser parte de um desses cha- “O ensino particular – O ensino pri- mados “triângulos de crescimento”, precisa- vado está especialmente desenvolvido em mente do triângulo formado com Hong Kong e Macau, abarcando mais de 90% da po- Cantão-cidade, no delta do Rio das Pérolas, no pulação escolar, razão por que o Gover- Sul da China: no decidiu estender o ensino gratuito às “Tais minirregiões adquirem massas escolas particulares. Aderiram já, volun- críticas que as afirmam na cena mundi- tariamente, a este importante projecto al como placas giratórias de mercadori- educativo, introduzido no ano lectivo de as e fluxos de informação e de pessoas, e 1995/96, mais de 60% das escolas parti- como pontos de entrada privilegiados culares. Ao mesmo tempo, com o envol- para a economia global dos dias de hoje” vimento activo e participado de todos os (Macau, 1995, 24). sectores ligados ao ensino, foi-se operan- do, desde 1991, uma profunda reforma Macau, como produtora de serviços, desta- educativa, visando dar ao Território o seu ca-se em turismo, jogo, indústria têxtil, vestu- próprio sistema de ensino, agora em fase ário, calçado, brinquedo e na construção civil. de consolidação. A movimentação econômica de Hong Kong, “A formação docente – A formação de Macau e das zonas econômicas especiais docente é outra área que tem merecido transformaram Cantão na mais rendosa pro- particular atenção, ao mesmo tempo que víncia com salários e lucros os mais elevados. se desenvolve um novo programa de Para tanto, contando com a Universidade de construções escolares. Presentemente, Macau, o Instituto Politécnico, Macau vem-se cerca de 700 docentes servem nas esco- preparando, científica e tecnologicamente, com las oficiais e 3.000 estão nas instituições outras entidades acadêmicas para o melhor educativas particulares dos ensinos bá- desempenho em negócios com o Centro de sico e secundário. 330 Revista de Informação Legislativa “Recursos financeiros – Ao longo dos ente e do Centro de Difusão de Línguas últimos anos, a Administração de Ma- da Direcção dos Serviços de Educação e cau, beneficiando de contrapartidas no Juventude, com milhares de alunos a âmbito dos contratos de desenvolvimen- aprenderem português, a Televisão Edu- to da habitação e das concessões de ter- cativa emite diariamente, em horário renos, tem estado a realizar um vasto pós-laboral no canal chinês, aulas de programa de novas construções escola- português. O objetivo é dotar os residen- res, ao mesmo tempo que canaliza im- tes de língua materna portuguesa do co- portantes verbas para o reapetrechamen- nhecimento mínimo da língua chinesa, to das atuais escolas. sobretudo para os que pretendem conti- “Ensino superior – Uma atenção es- nuar no Território depois de 1999 e pos- pecial tem vindo a ser dada ao ensino sibilitar aos residentes de língua mater- superior, com a criação, em 1991, da na chinesa a aprendizagem do português, Universidade de Macau e do Instituto que continuará a ser língua oficial após Politécnico de Macau. A Universidade 1999. ministra mais de duas dezenas de cursos “Declarada como área prioritária da de licenciatura e está a desenvolver as acção governativa, mais de 10% da des- suas acções de pós-graduação (mestrado pesa pública (incluindo os planos de in- e doutoramento) e o ensino superior po- vestimentos da Administração) é assu- litécnico, enquanto via profissionalizan- mido pela área educação”. te, complementa a sua actividade. Neste Para o pleno crescimento da oferta de ensi- nível, as medidas levadas à prática tra- no, foi instituída a Universidade de Macau. duzem-se num significativo avanço no sentido da formação e valorização de quadros locais, muitos dos quais obtêm 11. Uma universidade trilíngüe também formação superior fora do Ter- A Universidade de Macau (UM) é um con- ritório, através de bolsas de estudo, cada junto de oito edifícios, situados na Ilha da Tai- vez em maior número. pa, com seis unidades: Faculdade de Gestão de “As outras instituições públicas de Empresas; Faculdade de Ciências Sociais e ensino superior do Território são a Es- Humanas; Faculdade de Ciências e Tecnolo- cola Superior das Forças de Segurança gia; Faculdade de Direito; Faculdade de Ciên- de Macau, que forma os oficiais para a cias da Educação e o Instituto de Estudos Por- Polícia de Segurança Pública, Polícia tugueses, equivalente a uma faculdade. Tem um Marítima e Fiscal e Corpo de Bombei- Centro de Estudos Pré-Universitários e outros ros, e o Instituto de Formação Turística, de Extensão Educativa. Do ponto de vista ar- que procura dotar Macau de quadros su- quitetônico, é uma construção vertical. Ofere- periores no âmbito desta importante ac- ce cursos de bacharelado, licenciatura, mestra- tividade do Território. do e conta com mais de três mil alunos. Como “Também funcionam no Território um toda universidade moderna, investiga, mantém Instituto de Estudos Europeus e o Institu- intercâmbio internacional com outros países, to Internacional de Tecnologia de Softwa- associa os estudantes e oferece serviços de com- re da Universidades das Nações Unidas. putação. A Universidade distribui bolsas de “A administração do Território apoia estudos aos descendentes de chineses ultrama- também duas instituições privadas de rinos, incluindo brasileiros. ensino superior: a Universidade Aberta Um problema curioso é o ensino do Direi- Internacional da Ásia (Macau), que mi- to; com a linguagem técnico-jurídica derivada nistra cursos de ensino à distância, e o do latim, como transmiti-lo em língua chine- Instituto Inter-universitário de Macau e sa? Para Rufino Ramos, administrador e mem- pela Universidade Católica Portuguesa. bro do conselho de gestão da Universidade de “No campo do ensino das línguas têm Macau, quando é ministrado em língua chine- sido dados passos importantes, estando sa, tinha apoio de tradutores para os termos as línguas oficiais do Território incluí- específicos, em face da peculiaridade da termi- das nos planos curriculares das escolas. nologia do sistema continental do direito. Igual “Além do Instituto Português do Ori- esforço de adaptação do vocabulário era tam- Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 331 bém realizado quando o Direito é lecionado em las, vai mais além na bacia do Pacífico e, por português para chineses. Em síntese, há licen- isso, a Universidade cultiva a língua inglesa, ciatura em Direito, em língua portuguesa, e li- como acontece nos cursos de Gestão de Em- cenciatura em Direito, em língua chinesa. O presa, Economia, Engenharia e outros. Obser- ensino jurídico tem a colaboração dos profes- ve-se a expressão lingüística conforme as ci- sores das Universidades de Coimbra, Técnica ências, confirmando Lavoisier: de Lisboa e Nova de Lisboa. Em face do futuro “qu’on ne peut perfectionner le langua- de Macau, o objetivo é “adotar quadros com ge sans perfectioner la science, ni la sci- formação jurídica adequada aos desafios do ence sans le language, quelques certains período de transição, nomeadamente os relaci- que fusset les faits (...)”. onados com a permanência dos valores garan- Para concluir, com o reitor: tidos pela Declaração Conjunta” (Universida- “A comunidade que constitui a Uni- de de Macau, 1996). versidade reflete a singular diversidade Como no Brasil, a origem do ensino supe- étnica de Macau (chineses, portugueses, rior de Macau remonta aos jesuítas no século macaenses, americanos, ingleses e ou- XVI, com o Colégio de São Paulo. Foi o pri- tros). Essa situação contribui para que a meiro estabelecimento de ensino a conferir UM seja uma instituição verdadeiramen- graus superiores, em Letras e Teologia, em todo te internacional e multicultural. A UM o sudeste da Ásia. No Brasil, como em Macau, pode, assim, assumir o papel tradicional a expulsão dos padres da Companhia de Jesus, de Macau, onde se fundem civilizações no século XVIII, provocou o fim da educação e culturas”. superior. A visão do campus vertical, dos laboratóri- Na nota introdutória escrita pelo reitor, pro- os de informática e da biblioteca satisfez a mi- fessor doutor Mário Nascimento Ferreira nha curiosidade acadêmica. A biblioteca é (1996), recolhi mais informações acadêmicas. 100% informatizada e tem classificado o seu Já neste século, uma empresa privada de Hong acervo de acordo com a Biblioteca do Congres- Kong fundou a Universidade da Ásia Oriental so. O diretor, Rodolfo Azedo, publicou A abe- (UAO). Com o desenvolvimento social e eco- lha da China, edição fac-similar da coleção de nômico, surgiu a idéia de se criar uma Univer- jornais de 1822 e 1823, uma edição do próprio sidade para Macau. Na década de 80, o gover- Centro de Publicações da UM. no comprou a UAO, transformando-a confor- me as exigências da comunidade macaense. Criou-se a Universidade de Macau, em 1991, 14. Conclusão: Macau, plataforma uma entidade pública de inspiração européia com o objetivo de servir aos estudantes do Ter- para o Brasil ritório durante e após o período de transição, cuja Universidade, considerando as caracterís- Respondendo ao convite do Presidente Fer- ticas culturais de Macau, mantém os cursos em nando Henrique Cardoso, o governador de três línguas: português, chinês e inglês. Macau, general Vasco Rocha Vieira, visitou o Acrescenta o reitor, na esclarecida introdu- Brasil de 18 a 29 de abril de 1997. O objetivo ção: não era firmar contratos. A vinda de uma co- mitiva de empresários macaenses que o acom- “É primordial manter vivas as nos- panhou deveria ter chamado a atenção dos bra- sas relações com o mundo português, cuja sileiros para as possibilidades oferecidas por presença em Macau durante mais de qua- Macau, principalmente a proximidade com trocentos anos deu a esta cidade longas Hong Kong, Zuhai e outras zonas econômicas tradições e uma distinta herança cultural”; especiais de comércio da China que podem pro- justifica, assim, a promoção de cursos em lín- porcionar negócios lucrativos para os investi- gua portuguesa, como o Direito, Língua e Li- dores brasileiros. teratura Portuguesa. Igualmente, integra-se Rocha Vieira visualizou Macau na ligação Macau na China com vários programas lecio- Ocidente e Oriente, servindo de plataforma, no nados em língua chinesa – Ciências da Educa- Pacífico, para os países de cultura européia, em ção, Língua e Literatura Chinesas. especial aqueles de cultura lusófona, como o E, também pela sua vocação internacional, Brasil, interessados em investir ou em comer- Macau, situando-se no delta do Rio das Péro- cializar com a China. Macau sempre foi abri-

332 Revista de Informação Legislativa go e trânsito, alternativa e porta, em sintonia tinuar como língua oficial até 2049, um claro de propósitos e de intenções entre China e Por- facilitador nas transações comerciais de acor- tugal. do com o romanístico sistema do direito conti- A Declaração Conjunta estabeleceu gran- nental adotado em Macau, Portugal e Brasil. des linhas, projetos ambiciosos a longo prazo. É preciso ter bem claro que todo investi- Além do que Macau conta com uma universi- mento realizado em Hong Kong, Macau e na dade trilíngüe – português, inglês e chinês – e província de Guangdong (Cantão) integrar-se- faz parte de várias organizações internacionais: á ao enorme mercado chinês depois de 1999. Organização Mundial de Comércio (COM); Assim, as oportunidades a partir de Macau, Comissão Econômica e Social das Nações Uni- situada no estuário do Rio das Pérolas, têm fu- das para a Ásia e Pacífico (ESCAP); Conselho turo, são alvissareiras. de Cooperação Aduaneira (CCA); Organiza- ção das Nações Unidas para a Educação, Ciên- Os empresários brasileiros têm dois anos e cia e Cultura (Unesco); Organização Mundial meio para desenvolverem suas atividades den- tro de um esquema de livre mercado. Os acor- do Turismo (OMT); Associação de Turismo da dos assinados entre Portugal e China privile- Área do Pacífico; Associação de Turismo da giaram a Região Administrativa Especial de Ásia Oriental; Organização Mundial de Saúde Macau (RAEM) por um período de cinqüenta – Comitê Regional para o Pacífico Ocidental anos e será regida por um estatuto autônomo, (OMS-CRPO); Organização Marítima Interna- permanecendo a atual estrutura política repre- cional (IMO); Instituto Internacional de Esta- sentativa com os poderes Executivos, Legisla- tística (ISI); Comitê Olímpico Asiático (COA); tivo e Judiciário. União Internacional dos Organismos Familia- Em síntese, em face da presença de Macau, res (UIOF) (Macau 2: 1995). na China e no Pacífico, é preciso que os brasi- É evidente que o Brasil não precisa de Ma- leiros não percam as facilidades dessa partici- cau para penetrar em Hong Kong e na China, pação econômica no Oriente, como procedem mas o custo de produção e a competição são no Canadá, nos Estados Unidos e no Chile, país menores; bem assim, a mão-de-obra é mais com o qual o Brasil não tem fronteiras físicas, acessível em Macau. Além do português con- mas tem uma amizade sem limites.

Anexo I – Indicadores

Principais indicadores demográficos 1993 1994 1995

População em 31 de dezembro milhares 395,3 410,5 424,4 Taxa de crescimento efetivo % +3,8 +3,9 +3,4 Homens milhares 192,9 200,0 205,4 Mulheres 202,4 210,5 219,0 Com menos de 15 anos % 23,9 25,4 25,0 De 15 a 64 anos 69,5 67,5 67,8 Com 65 e mais anos 6,6 7,1 7,2

Estatísticas vitais Nascimentos unidades 6.267 6.115 5.876 Óbitos 1.531 1.330 1.351 Casamentos 3.397 2.742 2.146 Divórcios 190 253 249 Taxa de crescimento natural % 1,2 1,2 1,1 Nascimentos por 1.000 hab. unidades 16,2 15,2 14,1 Óbitos por 1.000 hab. 8,8 6,8 5,1 Divórcios por 1.000 hab. 0,5 0,6 0,6

Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 333 Nacionalidade Tempo de residência 62,2% nacionalidade chinesa 36,5% residiram sempre em Macau 26,7% nacionalidade portuguesa 49,6% viveram em outros países 4,1% outras nacionalidades Local de nascimento Língua 40,2% nasceram em Macau 95,7% utilizam a língua chinesa 50,4% nasceram na China 2,8% utiliza a língua portuguesa 9,4% nasceram em outros países

Fonte: Macau informações, Governo de Macau, Gabinete de Comunicação social, 1996, p. 5 e 6.

Anexo II – Informações sobre educação e ensino

Só no ensino curricular Macau tem quase cem mil alunos nos vários graus de ensino e, se lhes juntarmos os que freqüentam cursos de formação profissional e de educação de adultos, verificaremos que quase um terço da população do Território está na escola.

Alunos de língua materna chinesa que estudam português em instituições educativas de Macau Escolas luso-chinesas de educação pré-escolar ...... 532 Escolas luso-chinesas de ensino primário ...... 2.120 Escolas luso-chinesas secundárias ...... 627 Escolas privadas de língua veicular chinesa, com o apoio do Centro de Difusão de Línguas ...... 4.890 Escolas oficiais de língua veicular portuguesa ...... 370 Total ...... 8.539

Além desses alunos, mais de seis mil outras pessoas de língua materna chinesa estudam português em cursos de língua portuguesa, nos seus variados níveis, no Instituto Português do Oriente e nas instituições de ensino superior.

Alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino 94/95 95/96 96/97

Ensino pré-escolar (totais) 92.966 94.267 97.727 Pré-escolar 20.467 19.620 18.945 Básico 45.153 46.568 46.813 Secundário 20.624 22.205 23.809 Secundário técnico-profissional 1.189 1.233 1.368 Superior* 5.533 5.641 6.792 Educação especial 349 272 833 Educação de adultos** 38.456 44.002 43.639 Total geral 131.771 139.541 142.199

* Além desses, mais de seiscentos fazem cursos superiores em Portugal, República Popular da China e outros países, como bolseiros do Território. ** Inclui cursos de formação e aperfeiçoamento de funcionários públicos, formação de trabalhadores e cursos de educação contínua. 334 Revista de Informação Legislativa Bibliografia MACAU 1 : um legado para o futuro. Macau : Di- recção dos Serviços de Turismo, 1995. A ABELHA da China, 1822-1823: Macau, 1994. Edição do exemplar original do Instituto da Bi- MACAU 2 : os desafios da transição. Macau : Di- blioteca Nacional e do Livro. recção dos Serviços de Turismo, 1995. ARCANJO, Rafael. Fim do Império; Ásia; Macau MACAU 3 : à flor da pele. Macau : Direcção dos quer ser porta de entrada no Oriente. O Estado Serviços de Turismo, 1995. de S. Paulo, São Paulo, 18 maio 1997. MACAU 4 : uma economia de charneca. Macau : ARCHER, Maria. Terras onde se fala português. Direcção dos Serviços de Turismo, 1995. Rio de Janeiro : Casa do Estudante do Brasil, 1957. MACAU 5 : a sedução da diferença. Macau : Direc- BELARD, Francisco. Macau ; Propostas para o sé- ção dos Serviços de Turismo, 1995. culo XXI; Macau, como modelo de convivência MACAU. Textos de Wenceslau de Moraes; Prefá- cultural, terá futuro? Gary Nakai e Kai Cheong cio e seleção de textos de Eugênio de Andrade ; Fok pensam que sim. Expresso, Lisboa, 6 maio Poesias de Camilo Pessanha, Fernando Pessoa ; 1995 (entrevista). Fotografias de Ana Esquível. Macau, 1995. BOAVENTURA, Edivaldo. A fórmula Macau. A Tarde, Salvador, 24 abr. 1997. Opinião, p. 6. MACAU. informação. Macau, 1996.

______MACAU oferece acesso ao imenso mercado chinês. . Macau de pedra e cal. A Tarde, Salvador, O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 abr. 1997. 30 jul. 1997, Cad. A Tarde Turismo. MARGOLIS, Mac. Hong Kong, China : a volta da CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa : Parceria filha próspera. Ícaro Brasil, Rio de Janeiro, n. Antonio Maria Pereira, 1905. 152, p. 29-41, 1997. CHACON, Vamireh. Goa e Macau: diário de uma PESSANHA, Camilo. Contos, crônicas, cartas es- viagem aos confins da luso-tropicalidade. Reci- colhidas e textos de temática chinesa. [s.l.] : Pu- fe : Fundação Joaquim Nabuco; Rio de Janeiro : blicações Europa-América, 1988: Macau e a Civilização Brasileira, 1995. gruta de Camões. CHINA. Conselho Consultivo. Lei Básica da Re- PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação : aventuras gião Administrativa Especial de Macau da Re- extraordinárias de um português no Oriente. pública Popular da China. Macau : Companhia Adaptação de Aquilino Ribeiro ; Ilustrações de de Tipografia San Ngai de Macau, 1993. Martins Barata. 12. ed. Lisboa : Sá da Costa, DURÃO, Luís António. A política da salvaguarda 1994. do patrimônio em Macau. Macau, 1997. (xe- PIRES, Benjamin Videira. Macau 5 : a sedução da rox). diferença. Macau, Direcção dos Serviços de Tu- ______rismo, 1995. p. 19-21: As influências mútuas . De pedra e cal; Macau : a sedução da dife- portuguesas e chinesas. rença. M.s., 1995, p. 5-15. QUINTO Império. Revista de cultura e literatura e FERREIRA, Mário Nascimento. Universidade de língua portuguesa, Salvador, v. 1, n. 7, 1996. Macau, Macau, 1996. Nota introdutória pelo Reitor. RANGEL, Jorge. A língua e a cultura portuguesa FREYRE, Gilberto. Aventura e rotina. Rio de Ja- em Macau e as instituições ao seu serviço no neiro, 1953. presente e no futuro. Confluência, revista do Ins- tituto de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, ______. O mundo que o português criou. Rio de [s.d.]. Separata. Janeiro, 1940. RODRIGUES, Jorge Nascimento. Macau 4 : uma HENG, Ho Wai. Macau 4: uma economia de char- economia de charneca. Macau : Direcção dos neira. Macau : Direcção dos Serviços de Turis- Serviços de Turismo, 1995. p. 10-11: Passapor- mo, 1995. p. 5-7: Macau cresce com os vizinhos. te para a China JOSÉ, Carlos Moraes. “O poeta no seu santuário SPITZCOVSKY, Jaime. Pequeno Tigre : última co- (Camilo Pessanha)”. JL/Macau, a. 16, n. 687, lônia portuguesa, no sul da China, investe em p. 10-11, fev. 1997. cassinos e turismo antes de voltar ao controle LIMA, Simone. Macau, um tigre asiático portugu- chinês. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 abr. ês. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 abr. 1997. Mundo, p. 21. 1997. UNIVERSIDADE DE MACAU. Relatório de ativi- MACANESE. Culinary Delights. [s.d.]. dades 1995. ______. Assembléia Legislativa. 20 anos da Assem- ______. Universidade de Macau. 1996. bléia Legislativa de Macau : 1976-1996. Ma- cau : Tipografia Martinho, 1996.

Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 335 336 Revista de Informação Legislativa