Revista O Partido Comunista do Brasil (PCB) Tempo no Amazonas: da fundação do diretório Amazônico estadual ao golpe civil-militar

Fernanda Fernandes da Silva*

Resumo A trajetória do Partido Comunista do Brasil (PCB) é marcada pela luta constante por legalidade junto ao Tribunal Superior Eleitoral, afinal a maior parte da história do partido foi vivida na ilegalidade. Durante uma breve experiência de legalidade, que ocorreu de 1945 a 1947, ocorre o processo de fundação do Diretório Estadual do PCB no Amazonas, juntamente com a fundação do Diretório Municipal em , capital do estado. Com a clandestinidade a partir de 1947, diante do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, pouco se encontra sobre o PCB do Amazonas nos jornais, o que nos impôs lacunas que só serão analisadas a partir de outras fontes, e referências. Com o golpe civil-militar, contexto pouco debatido na historiografia do estado, o PCB reaparece diante de um cenário de ampla perseguição política, que causará a prisão preventiva de militante históricos do PCB no Amazonas. Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é construir uma primeira narrativa sobre a trajetória do PCB no estado do Amazonas, e mesmo diante das ausências, apresentar informações que ajudarão a traçar análises sobre a História Política do estado. Palavra-Chave: Ditadura Militar; PCB e Brasil; Golpe Civil-Militar.

Abstract: The trajectory of the Communist Party of (PCB) is marked by the constant struggle for legality at the Superior Electoral Court, after all most of the party's history was lived in illegality. During a brief legality experiment, which took place from 1945 to 1947, there was the process of founding the PCB State Directory in Amazonas, together with the foundation of the Municipal Directory in Manaus, the state capital. With the hiding from 1947, under the government of President Eurico Gaspar Dutra, little is found about the PCB of Amazonas in the newspapers, *Graduanda em Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Atualmente participa no Programa de Iniciação Científica - PIBIC. Atua em pesquisa e ensino na área de História, com ênfase em História Política.

which imposed gaps that will only be analyzed from other sources, and references. With the civil-military coup, a context little debated in the state's historiography, the PCB reappears before a scenario of widespread political persecution, which will cause the preventive arrest of historic PCB militants in Amazonas. In this sense, the general objective of this article is to build a first narrative about the trajectory of the PCB in the state of Amazonas, and even in the face of absences, present information that will help to trace analyzes about the political history of the state. Keywords: Military dictatorship; PCB and Brazil; Civil- Military Coup.

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1. Introdução

A segunda metade da década de 1940 traz consigo um processo de redemocratização, onde partidos foram criados, e antigos partidos são legalizados, como é o Partido Comunista do Brasil (PCB). Além dessa questão partidária, o próprio processo eleitoral passa por uma grande transformação com a instituição Justiça Eleitoral e novos mecanismos de fiscalização eleitoral. Diante dessa conjuntura nacional, o PCB no Amazonas é fundado, são construídos seus diretórios estaduais e municipais com a presença de Ivan Pinheiro, personagem de prestígio na História do PCB, e que na época era secretário nacional do partido. Esse processo no Amazonas acontece também com as novas siglas partidárias, que é o caso do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN). A principal questão que norteou esse processo de pesquisa foi perceber que figuras que hoje são nomes de rua, de escolas, de instalações públicas, e que são muitas vezes desconhecidos pela população, tiveram um papel fundamental ou um espaço de prestígio nesse campo político estadual. Porém, mesmo esses personagens, ou partidos, terem construído a sua legítima trajetória política, foram esquecidos na História do Amazonas. 45 O Partido Comunista do Brasil (PCB) é um exemplo desse processo, pois na conjuntura da década de 1940, o partido formou-se no estado, teve importante papel na construção de uma alternativa a oligarquias políticas, foi perseguido a nível estadual, e hoje os próprios militantes do partido não tem conhecimento dessa trajetória do PCB no estado, e por quais desafios o partido passou para se manter enquanto um organismo. Como nossa proposta era compreender o PCB na conjuntura do golpe e ditadura no Amazonas, começamos então investigando a historiografia que trata sobre o contexto, para assim nos localizar nosso objeto na pesquisa. Dentre as discussões sobre conceitos, começamos com os próprios termos que iriamos nos apropriar durante nossas análises: “golpe civil-militar” ou “golpe militar”? Nesse debate, Carlos Fico1 pontua que a ditadura foi militar, embora uma classe específica tenha se beneficiado, muitos dos sujeitos e instituições dos que ajudaram no processo de construção do golpe, não tiveram participação ativa nas decisões e ações dos militares durante a ditadura. No entanto, no que tange o golpe, quem aponta a análise que melhor compreende o conceito é a do

1 FICO, Carlos. "Ditadura Militar Brasileira: aproximações teóricas e historiográficas”. In: Tempo e Argumento, Santa Catarina, Vol. 9, n° 20, 2017.

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Revista Tempo Amazônico historiador René Dreifruss2, afirmando que o golpe foi militar, mas com o apoio civil de uma classe específica, a classe empresarial, ou seja, o golpe pode ser caracterizado por civil-militar, mesmo que com ressalvas. Segundo Fico, a ditadura não é uma consequência do golpe, essa só se consolida diante do primeiro Ato Institucional/ AI-1, que extinguiu os partidos e cassou mandatos. Autores Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira3, vão debater sobre o golpe apontando que ele aconteceu por conta dos equívocos de análise e de estratégia da própria esquerda, que, segundo eles, se essa estivesse mais preparada para a conjuntura, não haveria golpe. Embora exista muitos apontamentos importantes nessa obra, nós entendemos que essa tentativa de olhar o passado através das conclusões e desdobramentos dos acontecimentos, posteriores ao fato analisado, limita o nosso olhar diante da compreensão do contexto debatido. A trajetória do PCB foi marcada pela luta pela legalidade, e em especial na década de 1960, onde obteve grande possibilidade de alcançá-la. No período pré-golpe, o PCB teria construído bases fortes na luta sindical, estudantil e cultural, tendo o seu apogeu na militância brasileira, e colocando-se enquanto uma força política importante nas experiências de construções democráticas coletivas4. Ao se desenrolar o golpe, o 46 partido estava entrelaçado em sua relação política com João Goulart, buscando ativamente pressioná-lo para que as reformas de base pudessem ser um sonho concretizado, e a sua legalidade enquanto partido fosse acatada. No caminhar dos acontecimentos históricos, vemos que não aconteceu, pelo contrário, o PCB teve boa parte de sua construção destruída com o golpe civil- militar e foi amplamente perseguido durante toda a ditadura militar brasileira. Muitos de seus militantes foram presos, torturados, exilados e mortos pela ditadura que se seguiria. Os jovens estudantes sonhadores da União Nacional dos Estudantes, trabalhadores sindicalizados da Central Geral dos Trabalhadores, artistas do Conselho Popular de Cultura, todos que lutaram por um país mais democrático e menos desigual entraram na clandestinidade não só partidária, mas também na clandestinidade de suas identidades, vidas e rotinas. Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é analisar a trajetória do PCB no estado do Amazonas desde a fundação do Diretório Estadual do partido – após o processo de

2 DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes; 1981. 3 FERREIRA, Jorge; GOMES, Ângela de Castro. 1964: O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. 1° Ed. : Civilização Brasileira, 2014. 4 SANTANA, Marco Aurélio. Homens Partidos: Comunistas e Sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Boitempo, 2001.

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redemocratização no pós-1945 –, passando por sua atuação diante da repressão e da perseguição política no contexto da clandestinidade até o golpe de 1964.

2. Da fundação à clandestinidade

Em dezembro de 1945, o eleitorado brasileiro foi às urnas e, pelo voto secreto e sob a fiscalização do Poder Judiciário, elegeu o presidente da República, deputados federais e senadores. A eleição é considerada a primeira efetivamente democrática ocorrida no Brasil. Os parlamentares formaram uma Assembleia Nacional Constituinte, livremente eleita e politicamente soberana, inaugurando, no Brasil, o regime de democracia representativa.5

O ano de 1945 foi um momento importante para a discussão política sobre a democracia representativa no Brasil, não porque estávamos diante de uma oportunidade real de construção democrática – mesmo com a possibilidade de livre escolha, é possível observar uma estrutura com raízes ligadas a um regime autoritário anterior –, mas porque algumas instituições como a Justiça Eleitoral e os partidos políticos estavam tomando espaço para um debate mais plural, e com um certo nível de fiscalização.6 Os partidos que se articulam nesse contexto vão se construindo não só na capital: muito embora as sedes costumassem ser no Rio de Janeiro (DF), esses passam a se ramificar pelos estados 47 brasileiros, onde muitos dos políticos influentes vão utilizar-se de algumas das siglas para unificar pessoas em um mesmo projeto de poder. Em agosto de 1945, reuniam-se pela terceira vez os militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) no Amazonas, com o objetivo de acompanhar a apresentação do relatório de seus dirigentes que haviam sido empossados na reunião anterior, Lycurgo Cavalcante7 como secretário geral e João Moreira. Esses tinham como tarefa construir o processo eleitoral para a direção da coordenação estadual e municipal do PCB, processo esse que acontece durante plenária8. O comitê estadual do partido passou a ser composto por Lycurgo Cavalcante como secretário geral, João Moreira como secretário de organização, Júlio Vianna9 como sub-secretário de organização, Romeu Pimenta de Medeiros como secretário de finanças, Cícero Almeida como sub-secretário de finanças,

5 FERREIRA, JORGE. Apresentação: Dossiê 1946-1964: A experiência Democrática no Brasil. In: Revista Tempo, Niterói, n° 28, 2010. 6 FERREIRA, JORGE. Apresentação: Dossiê 1946-1964: A experiência Democrática no Brasil. In: Revista Tempo, Niterói, n° 28, 2010. 7 ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura política anticomunista no estado do Amazonas (1935-1937). Manaus: UFAM, 2019. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Amazonas. 8 Jornal do Commercio, 26 de agosto de 1945, pág. 4. 9 Idem

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Osvaldo Bezerra como secretário sindical, Ernesto Soares como sub-secretário sindical, Lauro Gurgel de Oliveira como secretário itinerante, Nicodemos Braule Pinto como secretário eleitoral, Domingos Queiroz como sub-secretário eleitoral, Francisco Alves dos Santos como secretário de imprensa e propaganda, Hebert Palhano sub-secretário de imprensa e propaganda, Maria Cabral como secretária do feminino, Edith Braule Pinto como sub-secretária do feminino. O comitê municipal foi composto por Francisco Lamego Rodrigues como secretário geral, Campos Dantas como secretário de organização, Francisco Cesar Leal como sub-secretário de organização, Cid Cabral como secretário de finanças, João Cândido Ramalho como sub-secretário de finanças, Auracy Carneiro da Cunha como secretário sindical, Agesilau Lamego como sub-secretário sindical, José Mendonça como secretário itinerante, Argentino da Silva como sub-secretário itinerante, Manuel Ricardo Pereira como secretário eleitoral, Hider Correia Lima como diretor de imprensa e propaganda, Augusto Braude Pinto como secretário de imprensa e propaganda, Creusa Paixão Vieira como secretária do feminino, e Aldenora Gurgel de Oliveira como sub- secretária do feminino. O evento de posse dos novos diretores foi articulado como parte da tarefa de 48 inaugurar o partido no Amazonas, estimava-se a presença de um secretário nacional para que acompanhasse o processo. Assim, inicialmente, o evento foi divulgado nos jornais na data de 5 de setembro de 1945 e seria realizado no Teatro Amazonas. Porém, para conseguirem construir o evento com a presença de um secretário nacional, mudaram a data para o dia 15 de setembro a pedido de Luiz Carlos Prestes10, e articularam uma agenda para os representantes da nacional do partido11. Para fortalecer a divulgação de tal evento Luiz Carlos Prestes, que era Secretário Geral do partido, concede entrevista falando sobre a importância da inauguração do partido no Amazonas12. Para acompanhar o evento, Ivan Ribeiro13 se desloca para o estado, e tem algumas agendas, dentre elas a participação em um “Comício Monstro Pró-Constituínte”14 convocado na Praça da

10 Sobre o Prestes nesse contexto ver em: PRESTES, Anita Leocádia. Os Comunistas e a Constituinte de 1946. In: Estudos IberoAmericanos. PUCRS, v. XXXII, n. 02, p. 171-186, 2006. 11 Jornal do Commercio, 05 de setembro de 1945, pág. 4 12 Jornal do Commercio, 13 de setembro de 1945, capa 13 Ivan Ribeiro nasceu em São Paulo, mas viveu em Manaus com sua família. Ivan Ribeiro participou da Aliança Nacional Libertadora e suas ações armadas, foi também um dos líberes da tomada da Escola de Aviação Militar no Rio de Janeiro, motivo pelo qual foi preso. Em 1943, o Ivan Ribeiro é solto e se declara publicamente como comunista após a Conferência de Mantiqueira, torna-se também membro suplente do Comitê Central do PCB. 14 Jornal do Commercio, 28 de setembro de 1945.

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Saudade, além de uma entrevista à rádio Baré15. A partir desse momento, o PCB vai organizar uma série de comícios e vai se pronunciar publicamente sobre processos eleitorais, além de articular atividades em outros municípios do estado, com o objetivo de construir atividades políticas16. A solenidade foi presidida pelo sr. Licurgo de Souza Cavalcante, secretário do Comitê Estadual, decorreu num ambiente de absoluta ordem, constituindo uma bela demonstração de disciplina política do povo que ali compareceu. Falaram vários oradores, incluindo o capitão Ivan Ribeiro, todos desenvolvendo, dentro das diretrizes do Partido Comunista, temas relacionados com o momento nacional e os magnos problemas da coletividade brasileira. Depois da sessão que foi encerrada com o Hino Nacional, ouviram-se vivas a Luiz Carlos Prestes, ao Partido Comunista, ao Brasil, ao Capitão Ivan Ribeiro e ao Amazonas.

Em 1946, Prestes é questionado sobre a possibilidade de guerra entre a URSS e o Brasil e, se esse cenário fosse real, qual seria a posição dos comunistas brasileiros. Diante de tal questão, Prestes responde que os comunistas brasileiros se oporiam a qualquer ameaça imperialista sobre a URSS, se preciso se armariam para enfrentar as forças fascistas no Brasil, e construiriam um processo de libertação. Diante da fala do dirigente comunista, ocorre a saída de militantes PCB no Amazonas, como é o caso de Alzerino Correia e João Zêde17. A saída de Licurgo de Souza Cavalcante18 da Secretaria Geral do 49 partido no Amazonas também acontece no mesmo ano, e o cargo passou a ser de responsabilidade de toda a Comissão Estadual. Em carta ao Jornal do Commercio, Jayme Olympio19 comunica seu afastamento da célula “Francisco da Chagas Aguiar”, as justificativas reais para esses acontecimentos últimos não foram publicitadas. Nesse mesmo ano, as edições dos jornais voltam a reproduzir um discurso anticomunista, que segundo o historiador Davi Monteiro20, é um discurso que vai se consolidar no Amazonas como resposta a atuação da Aliança Nacional Libertadora-ALN, em 1935. Com a presença anticomunista forte nos jornais, as matérias tanto a nível internacional quanto nacional, passam a atacar fortemente o PCB e a URSS, possivelmente como uma estratégia de acabar de vez com qualquer movimentação do partido no estado. Tal discurso não aparece de maneira espasmódica nos periódicos, são também uma

15 Jornal do Commercio, 23 de setembro de 1945; Jorna do Commércio, 26 de setembro de 1945, pág.4 16 Jornal do Commercio, 25 de outrubro de 1945; Jornal do Commercio, 12 de novembro de 1945, capa; Jornal do Commercio, 29 de novembro de 1945, pág.4; Jornal do Commercio 5 de fevereiro de 1945. 17 Jornal do Commercio, 9 de abril de 1946, capa. 18 Jornal do Commécio, 21 de abril de 1946. 19 Jornal do Commercio, 19 de maio de 1946. 20 ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura política anticomunista no estado do Amazonas (1935-1937). Manaus: UFAM, 2019. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Amazonas.

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Revista Tempo Amazônico reprodução do processo eleitoral ocorrido em 1946 que elegeu Eurico Gaspar Dutra, o primeiro presidente eleito por voto direito após o conhecido Estado Novo. Um militar que vai ter um importante papel na construção do discurso anticomunista no Brasil, afinal Dutra tinha total proximidade com o governo norte americano, e com isso vai passar a perseguir o Partido Comunista do Brasil (PCB) pela representação que o partido tem enquanto um espaço de luta contra o imperialismo estadunidense. O interventor do General Gaspar Dutra no Amazonas era Júlio Nery21, figura política vinculada à União Democrática Nacional. Quando o representante do estado chegou ao Rio de Janeiro, foi questionado pela imprensa sobre o Partido Comunista do Brasil (PCB), sua infiltração e influência no Amazonas, e o interventor comentou que não há comunistas no Amazonas, que não existe qualquer expressão dos “vermelhos” nesta terra. Pois então, em 1947, o partido participou no processo eleitoral estadual com os seguintes candidatos: Aldo Moraes, Osvaldo Bezerra de Albuquerque e Silva, Moacyr Paixão e Silva, Lycurgo Cavalcante, Domingos Alves Pereira de Queiroz, Etelvina Mesquita da Silveira, Letício Campos Dantas, Ferdinando Desideri, Romeu Pimenta de Medeiros, Dorval de Magalhães, Francisco Alves dos Santos, Wilson Mota da Silveira, Sebastião Gomes de Lima, Arnaldo dos Santos Alves, Joaquim Francisco de Paula 50 Sobrinho, Milton Lessa Marinho, Francisco Alves da Silva, Mario de Souza Magalhães, Abelardo Pereira dos Santos, Artur Cesar Meireles Pucú, Manoel Rodrigues da Silva, José Aristeu de Almeida Guimarães, Adelardo Vieira de Aguiar, Diógenes Varas da Silva, Ernesto Costa, José Rodrigues Freire, Inocêncio Vasconcelos, Leônidas Pereira dos Santos, Francisco Cesar Leal22. Nessa eleição, o Partido Comunista do Brasil (PCB) apoiou as candidaturas de Leopoldo Amorim (PTB) para governador23; Manoel Severiano Nunes (UDN) para senador; Felismino Francisco Soares (PTN) para deputado federal. Leopoldo vence as eleições, assim como Manoel Severiano Nunes, e Felismino perde. Mesmo o PCB declarando apoio à coligação PTB-UDN no Amazonas, a coligação se pronunciou publicamente rejeitando tal apoio24, inclusive o bispo da igreja católica local deu uma entrevista ao Jornal do Commercio afirmando que no Amazonas os candidatos ao governo não são vermelhos, e que em Belém o PCB havia apoiado a candidatura do PSD, que não rejeitando tal apoio, a Igreja havia condenado o candidato da sigla. Porém,

21 Jornal do Commercio, 19 de julho de 1946, pág. 4. 22 Jornal do Commercio, 14 de janeiro de 1947, pág. 4. 23 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. A experiência democrática no Amazonas: a formação do PTB e a consolidação do Trabalhismo (1945/1964). In: Mundos do Trabalho, Santa Catarina, vol. 12, 2020. 24 Jornal do Commercio, 17 de janeiro de 1947, capa.

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Revista Tempo Amazônico mesmo com um esforço claro das mídias pelo isolamento político do PCB, nesse processo eleitoral, o partido obteve 574 votos na legenda estadual, o que configura que o partido teve uma importante participação no processo, mesmo não conseguindo eleger seus candidatos25. A primeira Conferência Estadual do Partido Comunista do Brasil (PCB) no estado do Amazonas acontece exatamente no dia em que o resultado da eleição de 1947 é divulgado, 27 de abril, onde o PCB convida o Jornal do Commercio a participar do evento que acontecera na sede do partido, rua Epaminondas, número 433, às 20h26. No entanto, neste mesmo ano, foi cassado o registro do PCB pelo Supremo Tribunal Eleitoral, e assim que a notícia circula na capital do Amazonas, a Assembleia Legislativa se reúne e discute sobre a necessidade de prestar solidariedade ao STE pelo enfrentamento ao comunismo no Brasil, mas diante de uma discussão, onde inclusive deputados como Plínio Ramos Coelho se opõe por achar a cassação do partido um processo antidemocrático, os deputados votam por prestar solidariedade ao Presidente Dutra por seus feitos contra os agentes do comunismo27. A cassação dos mandatos do PCB não era unânime entre os partidos, por exemplo a UDN foi compra a cassação dos mandatos, não por ser um partido com perspectiva de 51 democracia, mas porque tinha dentro das elites um receio de que se o PCB passasse a agir na clandestinidade, poderia ser pior para desarticular as agitações políticas28. Mesmo diante das preocupações com relação a cassação, a nível estadual os partidos votaram pela cassação dos mandatos. Infelizmente, não foi possível encontrar nos jornais os nomes dos políticos cassados, ou quando foram eleitos. Mas era recorrente a atuação do Partido Social Democrático (PSD) no tencionamento por novas eleições para o preenchimento das vagas dos candidatos eleitos pelo PCB, assim como solicitavam a cassação do registro do PTB por sua aproximação com o PCB29. A questão é que diante do cenário de ampla perseguição, são cassados os mandatos do PCB e todos os representantes do Amazonas na Câmara votaram a favor da cassação. No dia 24 de abril de 1947, depois de mais de um ano sem o jornal citar a existência de uma organização comunista no estado, em sessão da Assembleia

25 Jornal do Commercio, 27 de abril de 1947, capa. 26 Jornal do Commercio, 27 de abril de 1947, capa. 27 Jornal do Commercio, 21 de março de 1947. 28 SILVA, Heber Ricardo da. A DEMOCRACIA AMEAÇADA: repressão política e a cassação do PCB na transição democrática brasileira (1945-1948). Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de São Paulo, n° 39, 2009. 29 Jornal do Commercio, 10 de junho de 1947, capa; Jornal do Commercio, 9 de novembro de 1947.

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Legislativa, Plinio Ramos Coelho faz uma fala memorável denunciando as prisões dos redatores e vendedores do jornal “A Luta”, do PCB-AM, rememorando a Constituição que assegura o direito à imprensa e os demais direitos. Plínio denuncia as violências que os integrantes do PCB estão sofrendo no estado, “tratamentos inquisitoriais e desumanidades estavam sendo praticadas”, afirma o então deputado. Apresenta ainda que Aldo de Moraes, que se encontrava preso até a manhã do mesmo dia, havia elaborado o Manifesto ao Povo para denunciar as violências sofridas através da polícia. Diante de falas contra Aldo de Moraes, o deputado Plínio alega, em resposta, casos graves de agressão a cidadãos sob o julgamento de serem comunistas, Plínio deixa claro que nunca foi e nunca será comunista, mas que é contra tal tipo de ação do estado, que as prisões são inconstitucionais.30

3. Clandestinidade e Repressão: a luta dos comunistas no Amazonas Após a cassação do registro eleitoral do PCB e a extinção de todos os mandatos eletivos, o partido volta a atuar na clandestinidade e vira alvo de forte perseguição por parte do aparelho repressivo do Estado. No dia 24 de agosto de 1948, a prisão de Geraldo Campelo31 foi noticiada no Jornal do Commercio, onde constava que todos os editores 52 do jornal “A Luta” estavam com mandato de prisão preventiva há mais de uma semana, porém a dificuldade da polícia era que muitos dos militares eram envolvidos com os militantes do partido32. Geraldo Campelo foi preso no “bar São Paulo”, na av. Eduardo Ribeiro, número 466, onde se escondia desde que sua prisão preventiva foi decretada33. Embora Geraldo Campelo não tenha aparecido nos jornais como vinculado ao PCB até então, ele fez parte do processo de construção do partido no estado. A prisão de Geraldo Campelo deu-se por sua função na edição do jornal “A Luta”, periódico que tinha como principal objetivo propagandear a linha política do partido. Ao prenderem Geraldo, encontraram uma carta que foi a ele destinada por um militante do PCB do Pará. O jornal não publicou a carta na íntegra porque não foi autorizado, mas publicou trechos que o jornalista que teve acesso à carta memorizou. Na carta, o militante do Pará parabenizava aos militantes do PCB de Manaus pela atuação

30 Jornal do Commercio, 23 de abril de 1948 31 Geraldo Campelo é militante do PCB desde sua fundação juntamente com sua esposa Maria Pucú. O casal morava na cachoeirinha, lugar central de encontro dos comunistas em Manaus. 32 Sobre a atuação dos militares no PCB ver em: CUNHA, Paulo Ribeiro da. O ANTIMIL: o setor militar – origens de uma organização. Revista Lutas Sociais, São Paulo, 2012. 33 Jornal do Commercio, 24 de agosto de 1948, p. 6.

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Revista Tempo Amazônico mesmo diante da conjuntura de perseguição política e atualizava Geraldo com relação às estratégias para circulação tanto do jornal “A Luta” entre os comunistas do Pará, quanto a elaboração do jornal “A Tribuna do Pará”, que era também um periódico que tinha como função propagandear as ideias do partido. O comunista paraense também citou codinomes para saudar os militantes de Manaus: o Filhote de Tigre, que era Aldo de Moraes; Leão do Circo, Francisco Alves; Buck Jones, Alfredo Aguiar; Índio Boca Negra, Antonio Angarita; Pincel Proletário, Arlindo dos Santos Porto; Cara Feia, Campos Dantas; Mascote, Maria Pucú; Noite Invisível, Geraldo Campelo; por fim, citou Cid e Arnaldo.34 Mesmo com tantas perseguições e prisões, a atuação do PCB vai crescer ao longo da década de 1950, através da atuação sindical de seus militantes. Essa atuação dialogará com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que neste período estará construindo oposição à oligarquia de Álvaro Maia, e elegendo trabalhistas tanto para o legislativo quanto para o executivo35. Os sindicatos36 serão espaços de disputa entre os dois partidos37 e, neste momento, um importante espaço de organização da luta sindical era a Casa do Trabalhador do Amazonas (CTA). Porém, o PCB só vai assumir a direção da CTA em 195838, com a participação de Manuel Amâncio como presidente e Maria Pucú como 53 secretária da organização. Durante a gestão do PCB, os trabalhistas vão tencionar a direção devido a suas divergências estratégicas e, mesmo assim, em 1960, o PCB assume novamente a gestão do CTA, causando um racha que vai resultar na fundação de outra organização sindical, a Casa dos Sindicatos de Manaus (CSM). Em 1962, diante de uma tentativa de unificar o movimento sindical, Aviz valente (CSM) e Luiz Barros Santana (CTA) vão articular uma assembleia que resultou na criação da Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas (CGT/AM), construindo uma direção com membros do PCB e trabalhistas.39

4. O golpe civil-militar e a perseguição aos ‘comunistas’ no Amazonas

34 Jornal do Commercio, 24 de agosto de 1948, p. 6. 35 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. A experiência democrática no Amazonas: a formação do PTB e a consolidação do Trabalhismo (1945/1964). In: Mundos do Trabalho, Santa Catarina, vol. 12, 2020. 36 Sobre a atuação do PTB nos sindicatos ver em: BENEVIDES, Maria Victória. O velho PTB paulista (partido, sindicato e governo em São Paulo -1945/1964). Revista Lua Nova, n 17, São Paulo, 1989. 37 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Que fizeram com meu pai?”: sindicalismo e ditadura no Amazonas. Escritas Do Tempo, 2(4), 2020, pág. 183-206. 38 Idem. 39 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Que fizeram com meu pai?”: sindicalismo e ditadura no Amazonas. Escritas Do Tempo, 2(4), 2020, pág. 183-206.

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Com um espaço de silenciamento sobre a atuação do partido na clandestinidade, voltamos aos jornais para compreender a narrativa que se colocava no estado com a conjuntura do golpe. O intrigante foram as recorrentes matérias sobre a necessidade de limpar do estado e de Manaus os subversivos comunistas. É que em poucas delas aparece a sigla do Partido Comunista. Durante a pesquisa, percebemos que o Jornal do Commercio reproduz o discurso de que não existia o PCB no Amazonas e apresenta o PCB, enquanto partido nacional, apenas para forjar parcerias entre o partido e figuras públicas que eram contrárias à ditadura com intenção de “manchá-las”40. E claro, também aparece de modo recorrente a alegação de que a figura política A ou B do PCB, isso a nível nacional, foi pega em algum caso grave de corrupção. Um caso de análise importante é o processo de cassação do mandato do vereador Nathanael Rodrigues, vereador eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas que, segundo o jornal, era filiado ao extinto PCB no Amazonas. No index do extinto PCB o edil de Nathanael Rodrigues O que tudo indica de breves dias dar-se-á uma nova vaga na Edilidade de Manaus. Segundo é do conhecimento publico, 1 vereador petebista e o primeiro suplente daquele partido, Manuel Rodrigues e Othon Mendes, já tiveram os seus mandatos cassados. Agora de conformidade com informações chegadas a nosso conhecimento, a proxima degola deverá atingir o vereador Nathanael Rodrigues também 54 pertencente às hostes do PTB. Comenta-se que esse edil é fichado no extinto Partido Comunista, já tendo conhecimento disso a Comissão Especial da Câmara e, ao que parece, as autoridades da Comissão de Sindicancia do Comando Revolucionário. Em decorrência disso a Comissão Especial da Camara deverá reunir-se secretamente para apreciar o assunto e, se comprovada aquela situação do vereador petebista, preparará o dossier que orientará o processo de cassação do seu mandato.41

O governador do Amazonas na época, Plínio Ramos Coelho, divergia dessa relação aparentemente amistosa, mesmo pertencendo ao PTB, e como foi apresentado, ter defendido militantes do partido das perseguições que sofreram no final da década de 1940. É possível observar nos jornais que antes mesmo do golpe, o então governador, já tomava posições de ataque aos comunistas envolvidos nos sindicatos e se pronunciava a favor da moral e da ordem. Esse processo começou a se configurar a partir da greve dos

40 Sobre o anticomunismo no Brasil ver em: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo :vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese (Doutorado em História Econômica). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2000. 41 Jornal do Comercio, dia 02 de junho de 1964, pag. 8

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Revista Tempo Amazônico estivadores em 1963, categoria que vai enfrentar o governador Plínio Coelho, e que por ser liderada pelo PCB, gerou fortes tensões entre o governador e o partido.42 Com o golpe, Plínio Coelho se alia aos militares na tentativa de se manter no poder, posição diferente da que tinha antes, quando Goulart estava correndo riscos de perder o cargo de Presidente da República através do golpe civil-militar43. Mas então, será que não houve perseguição política no Amazonas? O então governador, no dia 23 de abril de 196444, decreta a constituição de uma comissão para proceder a investigação dos servidores do estado e suas relações com o que era intitulado subversivo, comissão que agirá até posteriormente à cassação do mandato do próprio Plínio. Essa comissão era integrada pelos seguintes nomes: Dr. Mirtyl Fernandes Levy, Dr. Carlos Genésio Machado Braga, Ten. Coronel Alfredo Barbosa Filho. Seguindo o mesmo modelo, constituiu-se também uma comissão municipal a mando do prefeito Josué Claudio de Souza que, assim como Plínio, era petebista. A Comissão Municipal tinha os mesmos fins e os resultados desse processo começam a aparecer no Jornal do Commercio a partir de junho de 1964, com a publicação dos nomes dos primeiros servidores afastados de seus cargos. Aparecem como afastados inicialmente os nomes vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, como o primeiro secretário político do partido Lycurgo de Souza 55 Cavalcanti, o militante de Araújo, e pessoas que tinham aproximações com o partido como Walter de Sousa Lima, Theonilo Siqueira e Moises Sabbá. O decreto de afastamento daqueles servidores, foi assinado pelo prefeito Josué Cláudio de Souza, logo após o recebimento do ofício que lhe enviou o sr. Walter Scott da Silva Raiol, presidente da Comissão de Inquérito e Secretário de Administração da municipalidade. A situação daqueles funcionários, no tocante às sanções que sofrerão, está ainda na dependência da conclusão do inquérito que está sendo realizado pela referida comissão.45 Evidentemente, a assembleia legislativa teve um papel fundamental nesse processo, tanto no que tange às deliberações aliadas com os interesses do golpe, quanto nas numerosas homenagens aos ministros do governo e entregas de títulos de cidadania amazonense aos militares envolvidos com o governo ditatorial46. Já as cassações dos mandatos políticos que tinham supostos vínculos com o PCB aconteciam em nível

42 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Que fizeram com meu pai?”: sindicalismo e ditadura no Amazonas. Escritas Do Tempo, 2(4), 2020, pág. 183-206. 43 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Papagaio que está trocando as penas não fala": Autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. In: História Unisinos, Rio Grande do Sul, vol. 23, n° 1, 2019, pág 77. 44 Jornal do Commercio, dia 24 de abril de 1964. 45 Jornal do Commercio, dia 10 de maio de 1964, pág. 8. 46 Ver em Jornal do Commercio, dia 09 de maio de 1964, pág. 8.

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Revista Tempo Amazônico federal, enquanto ordem direta do então presidente, mas também ao nível estadual, articuladas em reuniões secretas e votadas pelos deputados ou vereadores, dependendo da instância do mandato. No Amazonas, o primeiro deputado cassado pela Assembleia Legislativa do Estado foi Arlindo Porto, do PTB. Depois de prolongadas discussões e uma vez encerrada a sessão secreta, foram reabertas as portas de acesso as galerias, quando a Mesa Diretora dos Trabalhos promulgou o Decreto Legislativo de número 17., considerando cassado o mandato de deputado estadual do sr. Arlindo Augusto dos Santos Porto, eleito sob a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro, tendo em vista as provas apuradas no inquérito instaurado pela Comissão Especial da Assembleia.47

O deputado estadual Arlindo Augusto dos Santos Porto era uma figura política importante do campo trabalhista, tendo sido inclusive líder do governo de Gilberto Mestrinho na Assembleia Legislativa. Sua trajetória política foi construída na luta sindical, onde conquistou visibilidade nacional através do trabalho que desenvolvia no sindicato dos jornalistas do estado. Essa ligação com o PCB, aparentemente, foi colocada em questão por revanchismo por sua atuação política em defesa dos trabalhadores. Não é à toa que o próprio governador Plinio Coelho também foi cassado, porém a mando do Presidente, no dia 14 de junho de 196448. O fato aconteceu enquanto o então governador estava em atividade presidindo a abertura do VII Festival Folclórico. 56 Desde as 23 horas do domingo, o Dr. Plínio Ramos Coelho, deixou de ser governador do Amazonas, cujo mandato foi cassado por ato do Presidente da República, de acordo com o Ato Institucional, tendo ainda os seus direitos políticos suspensos por 10 anos.49

A cassação do Plínio não era uma novidade, afinal já estava sendo trabalhada nos jornais como uma possibilidade real, tanto devido ao envolvimento sindical quanto à sua filiação ao partido de João Goulart. Para trabalhar a ideia de que seria inevitável a cassação de Plínio Coelho, aparece nos jornais uma sequência de matérias sobre o envolvimento do político em escândalos de corrupção, argumento esse que posteriormente gerou inclusive sua prisão a mando de Arthur Reis. O processo de cassação se deu a partir da aprovação na Assembleia Legislativa de um Ato Adicional, este que funcionava como um modelo do AI-1 no Estado, e através do art. 7º, o Governador foi afastado do cargo e perdeu seus diretos políticos por 10 anos. Quem assumiu o cargo foi o historiador Arthur Cesar Ferreira Reis, que tomou posse dia 27 de

47 Jornal do Commercio, dia 07 de maio de 1964. 48 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Papagaio que está trocando as penas não fala": Autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. In: História Unisinos, Rio Grande do Sul, vol. 23, n° 1, 2019, pág 77. 49 Jornal do Commercio, dia 16 de junho de 2964, capa.

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Revista Tempo Amazônico junho de 1964 com a tarefa de finalizar o mandato de Plínio Coelho, o que na prática não aconteceu, pois este ficou no poder até 1967. Arthur Reis foi de fato o interventor da ditadura no estado do Amazonas, sendo um dos aliados próximos do Presidente Castelo Branco. Segundo Queirós, [...]Plínio Ramos Coelho foi conduzido à Chefatura de Polícia e depois à Penitenciária Estadual, acusado de ter cometido “delito contra o Estado”, passando por uma investigação sumária instalada pelo desvio de 5 milhões de cruzeiros dos cofres públicos. Na mesma noite, seu advogado entrou com um pedido de habeas corpus. Na manhã seguinte, com a presença de soldados da Polícia Militar nas escadarias do Palácio da Justiça, o tribunal se reuniu para apreciar o pedido e a decisão em favor da concessão foi unânime, tendo sido expedido alvará de soltura em favor do ex-governador.50

Arthur Reis não cumpre com a ordem judicial, mas através de uma jogada política mantém Plínio Coelho preso, agora sob a tutela Federal. Essa jogada foi justamente a carta renúncia que entregou na Assembleia onde só voltaria ao cargo se Plínio fosse mantido preso, ordem acatada rapidamente pelo Presidente Castelo Branco.51 Junto com a prisão de Plínio, outros dois debates estavam fervorosos na Assembleia Legislativa e na Câmara: o primeiro era o fechamento de dois jornais de importante circulação no Estado, “A Gazeta” e “O Trabalhista”52, que vai gerar 57 intervenções de deputados na tribuna exigindo a circulação destes em nome da liberdade de imprensa. O outro era justamente a proposta do então governador Arthur Cesar Ferreira Reis de extinguir mais de 200 municípios do Estado, proposta tal, que tinha apoio do deputado líder do governo, Andrade Neto, mas tinha também divergência com figuras como Francisco Queiroz e Joel Ferreira. No entanto, foi aprovada na Assembleia.53 Segundo César Augusto Queirós, como resposta à extinção dos municípios, os deputados aprovaram aumento dos subsídios dos parlamentares e do governador, mesmo depois do então governador ter rejeitado aumento de salários para os servidores públicos. Nesse bate e volta, no dia 10 de agosto de 1964, diante dessa conjuntura, Arthur Reis mobiliza as tropas militares para ocuparem a Assembleia Legislativa, que se situava no Instituto de Educação do Amazonas.

50 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Papagaio que está trocando as penas não fala": Autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. In: História Unisinos, Rio Grande do Sul, vol. 23, n° 1, 2019, pag. 80. 51 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Papagaio que está trocando as penas não fala": Autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. In: História Unisinos, Rio Grande do Sul, vol. 23, n° 1, 2019, pag. 80. 52 RIBEIRO, Jandira Magalhães. O Trabalhista: disputas políticas e o golpe civil-militar no Amazonas (1969-1964). Gnarus Revista de História – UFAM: Rio de Janeiro, 2020. (p. 46 - 54) 53 Jornal do Comércio. 21 de julho de 1964, p. 8.

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A ocupação militar da Assembleia Legislativa, foi determinada como uma advertência de que a Revolução de 31 de março no Amazonas, será cumprida, e para isso o governo está decidido a levar avante, com o apoio das mais altas autoridades militares. Foi o que deixou bem evidente o governador Arthur Reis ao responder a uma das perguntas de um dos jornalistas no encontro com a imprensa, na tarde de ontem.54

Porém, já no dia 11 de outubro, as tropas militares saem da Assembleia Legislativa55. Quem articulou esse processo foi o comandante da 8° Região Militar e do Comando Militar na Amazônia, o general Jurandir Mamede. Afinal, o estado do Amazonas estava vivenciando uma crise política diante dessa troca de desavenças entre o executivo e o legislativo. O general dialogou com o Presidente da Assembleia Ruy Araújo, que no mesmo dia chamou uma reunião na Assembleia com os deputados aparentemente para tratar sobre o ocorrido56. A atitude do governador deixou parlamentares com receio da uma intervenção militar no estado, boatos que foram negados pelo governador Arthur Reis. Agora tratando do âmbito municipal, o prefeito Josué Claudio de Souza foi indiciado em processo da Comissão Estadual de Investigação, o que, segundo o Jornal do Commercio, a corrupção lhe custou o cargo de Juiz do Tribunal de Contas do Estado. E, no dia 19 de outubro de 1964, o então Prefeito diante de tal situação renunciou ao 58 cargo, e a Câmara Municipal acatou.57 O interessante a se pensar é que o então Prefeito era filiado ao PTB, partido que será perseguido amplamente pelo governador Arthur Reis em todo o seu mandato, e que essa Comissão foi instaurada por Plínio Ramos Coelho, quando ainda governador, para caçar comunistas que serviam ao Estado. O que nos faz pensar que tal ação do prefeito está ligada também à possibilidade de uma cassação de mandato e perda de direitos políticos e, para evitar tamanha situação, a renúncia poderia ser a melhor saída. Logo após o ocorrido, quem assume o cargo de prefeito é o então Presidente da Câmara dos Vereadores, João Zany dos Reis, filiado ao PRT.

5. CONCLUSÃO As principais questões que norteiam este projeto de pesquisa são “Existe uma trajetória do PCB no estado do Amazonas?”, e se existe “Qual é a relevância dessa trajetória para a História Política do Amazonas?”. Com o desenvolver da pesquisa nos

54 Jornal do Comércio. 12 de agosto de 1964, capa. 55 Jornal do Comércio. 12 de agosto de 1964, capa. 56 Jornal do Comércio. 12 de agosto de 1964, capa. 57 Jornal do Comércio. 12 de agosto de 1964, capa.

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Revista Tempo Amazônico deparamos com a resposta da primeira questão, sim o Diretório Estadual e Municipal do PCB no Amazonas foi formado em 1945, e teve importante expressão, desde sua formação, na conjuntura de redemocratização brasileira no estado do Amazonas. Porém, com o fechamento do partido em 1947, o PCB passou por um processo repressivo que não ocorreu apenas no estado, mas em todo o país, esse processo ocorre em uma conjuntura internacional de Guerra Fria, em que o governo brasileiro, na figura do General Eurico Gaspar Dutra se alinha aos interesses estadunidenses no combate ao comunismo e aos partidos que recebiam influências da URSS. Em análise geral, com fechamento do partido não significa que aqueles que o construíram não continuaram atuando através do partido clandestinamente, muito embora essa atuação seja silenciada pelos periódicos – como o Jornal do Commercio que a partir do fechamento atua sistematicamente no silenciamento dessa organização política que só vai aparecer novamente na conjuntura do golpe civil-militar. Diante desses pontos, voltamos ao início, a segunda questão, “Qual é a relevância dessa trajetória para a História Política do Amazonas?”. Então, a relevância não depende apenas desta pesquisa, mas de uma geração de historiadores que se coloquem no desafio de investigar e construir narrativas sobre a História Política Regional. A partir desse 59 momento, compreenderemos a importância da História do PCB dentro de um parâmetro geral, construiremos conceitos, e analisaremos as conjunturas embasadas em discussões historiográficas sobre as temáticas mais variadas. Acreditamos que esta pesquisa é uma faísca, e que junto com outras faíscas possamos acender uma grande fogueira.

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