Você Sabe De Onde Eu Venho? O Brasil Dos Cantos De Guerra (1942-1945)
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL Maria Elisa Pereira Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945) São Paulo, SP 2009 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945) Maria Elisa Pereira Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social Do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutora em História. Orientador: Prof. Dr. Francisco Cabral Alambert Junior De acordo, São Paulo, SP 2009 Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). RESUMO I Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). Maria Elisa Pereira [email protected] RESUMO Este trabalho analisa, mais do que os cantos de guerra do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil dos cantos de guerra. Trabalha com as peças criadas pelos combatentes da FEB e da FAB na Itália, com as músicas difundidas pelos músicos militares e pelas transmissões de rádio feitas pela FEB naquele país, e com os hinos que estimularam as ações patrióticas dos brasileiros em território nacional. Também se utiliza de discos comerciais, lançados nos anos em que o país participou efetivamente do conflito (1942-1945), que revelam a matéria brasileira naquela situação de rearranjo internacional. Todas essas canções passaram pelo crivo da teoria crítica brasileira, encontrando na paródia a ferramenta mais comum à época para a estruturação social na música. Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial; FEB e FAB; música popular brasileira; cantos de guerra; paródia. Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). ABSTRACT II Do you know where I come from? The Brazil of its songs of war (1942-1945). Maria Elisa Pereira [email protected] ABSTRACT This work analyses, over and beyond the Brazilian war songs during the Second World War, the Brazil (itself) in the war songs. It uses the plays created by the FEB and FAB combatants in Italy, the music revealed by the military musicians and by radio transmissions of FEB as well as the hymns that stimulated the patriotic actions of Brazilians throughout the country. Also, commercial records, launched during the years that the country effectively participated in the conflict (1942-1945), illustrating the Brazilian viewpoint during this particular situation of international rearrangement. All these songs have passed through the sieve of Brazilian Critical Theorry, finding in the parody the most common tool at the time for show the social structures in music. Key words: Second World War; FEB and FAB; popular Brazilian music; war songs; parody. Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). INTRODUÇÃO 1 INTRODUÇÃO À primeira vista, certas realidades brasileiras manifestadas durante a Segunda Guerra Mundial parecem disparatadas. Se a crise cambial dos anos 30 contribuíra para que a economia agrário-exportadora apoiada no café embasasse a produção urbano-industrial de substituição de importações, o conflito dificultou o acesso a bens estrangeiros e promoveu as exportações, resultando em estoque de divisas (OLIVEIRA, F., [1972], p. 48-51). Assim, mesmo com grandes problemas internos, o país passou de devedor à credor das grandes potências. E enquanto a Europa era assolada, alguns centros urbanos do Brasil floresciam. Mas essas transformações não chegaram desacompanhadas de transtornos, já que a vital interligação entre as nações funda-se nas desigualdades existentes tanto no conjunto das sociedades envolvidas nesse processo quanto no cerne delas mesmas. Com seus bondes, automóveis, cinemas, rádios, teatros, cafés e sorveterias, cassinos, salões de bilhar e de bailes, grandes vitrines e muita publicidade, as principais ruas das grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, exibiam em microcosmo tanto o mundo “exterior”, competitivo e consumista, quanto, ao mesmo tempo, séculos de complexas relações sociais. Nessas cidades, além do incremento das atividades industriais e de serviços, desenvolviam-se os meios de comunicação e os negócios culturais, em cujos produtos transpareciam essas experiências contraditórias. Este ramo diversificado e articulado começara a armar-se à maneira massiva, sutil e tenazmente, desde os primeiros anos da Era Vargas. Apesar da censura e da dificuldade em obter-se papel, o mercado do livro e dos demais produtos impressos, como o das revistas e jornais, vivia um bom momento. E, embora a insuficiência de material (produtos químicos e filme virgem) seja tida como responsável pelo pequeno número de longas-metragens, acompanhando os bons ventos governamentais a quantidade de curtas nacionais, de exibição obrigatória, só crescia. Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). INTRODUÇÃO 2 A mesma prosperidade se fez notar no mercado fonográfico. Odeon e Victor, duas das três filiais há muito presentes no Brasil, seguiam dissimulando sua condição exótica fazendo- se de “parceiras” dos artistas nacionais e de seus trabalhos, cujos lançamentos, ao lado dos títulos estrangeiros destas e de outras gravadoras, cresciam ano a ano.1 O aumento das vendas de discos impeliu empresários brasileiros a criar, em plena guerra, a Continental, a partir do acervo local da extinta Colúmbia, que passara a editar pela Odeon.2 Os anos da guerra coincidem com o ápice do que foi chamado de “época de ouro” da canção popular, urbana e comercial brasileira (1927-1946), na qual se afinariam as nuances permitidas pela gravação elétrica, a profissionalização dos músicos e o amor pelas coisas do país; a partir de então as composições estariam cada vez mais influenciadas pelos gêneros internacionais. No entanto, como se sabe, devido à condição de ex-colônia a música do Brasil nunca foi de todo “pura”, como se percebe nas entrelinhas dos debates sobre o samba;3 e se a tecnologia permitiu a fixação de novas sonoridades, nem por isso deixou de selecioná-las. O desenvolvimento do eixo Rio/São Paulo foi acompanhado pela significativa ampliação do número de empresas de rádio,4 nas quais se implantara desde 1935 uma nova lógica comercial, distante da dos primeiros tempos das rádios-clubes. Desde então, um número crescente de firmas publicitárias estrangeiras,5 recém fixadas no país , anunciava em seus programas, mais do que mercadorias, a vontade de consumi-las (TOTA, 2000, p. 57), pois muitos dos objetos só poderiam chegar após o fim da guerra. A Rádio Nacional, que a partir de 1942 passou a irradiar também em ondas curtas para todo o país e boa parte do 1 A produção industrial brasileira de discos de cera saltou de 493.000 unidades em 1941 para 851.000 em 1944 (IBGE, 1946, p. 147; 1947, p. 176). 2 Sobre os interesses comuns entre cinema, rádio e indústria fonográfica, e sobre João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha), diretor da Continental e figura essencial nesse processo, ver Carvalho (2004). 3 Sobre o assunto, ver “Desde que o samba é samba: a questão das origens no debate historiográfico sobre a música popular brasileira” (NAPOLITANO e WASSWERMAN, 2000). 4 O número de estações de rádio no país passou de 69 para 136 entre os anos de 1940 e 1946 (IBGE, 1948, p. 52; 1949, p. 462). 5 Embora os termos publicidade e propaganda não sejam sinônimos, muitas vezes seus significados se confundem. Em função do período estudado, acolhe-se propaganda em seu sentido ideológico, para as atividades do estado; e publicidade para as ações mais voltadas ao mercado. Você sabe de onde eu venho? O Brasil dos cantos de guerra (1942-1945). INTRODUÇÃO 3 globo, transmitia cada vez mais radionovelas, em geral patrocinadas por indústrias de produtos de limpeza e de beleza; além desses melodramas, notícias, novidades de Hollywood, quadros humorísticos e muita música, tudo sob censura prévia. Nesta e em muitas outras emissoras, programas em português feitos por estações norte-americanas faziam parte da grade de programação, em consonância ao alinhamento brasileiro.6 Pois, pressionado por todos os lados em função da indefinição de seu apoio, Getúlio Vargas resolvera tirar proveito da situação. Crendo ter chegado o momento no qual alcançaria sua posição de direito, desdisse o que dissera na véspera, passou a defender a democracia e anunciou sua intenção de enviar tropas à luta com os Aliados. Conseguiu assim, entre outras coisas, empréstimos para dar início à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e condições para equipar o exército e formar um contingente misto de voluntários e militares, a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Com isso, se antes de 1942 os meios de comunicação intermediavam as relações entre o público e o privado, funcionando como vias de justificação das ações do Estado perante as massas urbanas (ZAN, 2001, p. 105), a partir de então a vitalização do sistema como um todo passou a ser prioritária.7 As questões desses tempos não podem ser vistas isoladamente, pois dizem respeito às relações internacionais; mais ainda no caso brasileiro, desde sempre integrado à economia capitalista. Entre as ações estatais na área cultural que a opção pelos Aliados deflagrou, grande parte acabou por inserir a música entre as iniciativas de formação do front interno, 8 da 6 Após 1942 as rádios brasileiras mantidas pelo nazifascismo foram fechadas ou confiscadas pelo governo, mas a contrapropaganda, mesmo na ilegalidade, fazia-se ouvir no Brasil e na Itália. 7 Sobre a questão da guerra, meios de comunicação e mercado, ver Tota (2000), que analisou as ações no Brasil da agência norte-americana presidida por Nelson Rockefeller, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA).