A Presença Nobre No Douro Sul Séc. Xiii

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A Presença Nobre No Douro Sul Séc. Xiii Arqueología en el valle del Duero. Del Paleolítico a la Edad Media. 6 ISBN: 978-84-947952-1-3, pp: 563-573 A PRESENÇA NOBRE NO DOUROSUL SÉC. XIII: BREVE APRESENTAÇÃO DE UM ESPAÇO DE TRANSIÇÕES E CONTINUIDADES Rui Miguel Rocha CH-ULISBOA [email protected] RESUMO O Douro- Sul, território mais setentrional do atual distrito de Viseu, foi ao que tudo indica, palco da atuação profunda de inúmeras linhagens nobres medievais. Neste breve estudo, além de averiguar as dimensões dessa atuação, pretendemos essencialmente identi car a existência de espaços de continuidade (com o Norte profundamente senhorializado) e de transição (com o Sul fortemente municipa- lizado). É muito possível que durante a idade média, este vasto território, per- tencente ao Vale do Douro, se tenha identi cado muito melhor com a realidade nortenha, do que com o “Sul” ao qual a historiogra a, num sentido global, parece associar. Em suma, assente primordialmente na análise dos textos das Inquirições de 1258, conhecida fonte portuguesa do século XIII, iremos, a partir de três veto- res distintos, determinar as dimensões e características da presença nobre no Dou- ro-Sul, que pode ter estado na génese das transições e continuidades detetadas no espaço. São esses vetores a distribuição de património; a posse de direitos de padroados; e a distribuição espacial de honras, a partir dos quais iremos também delimitar os principais polos patrimoniais e os espaços mais atrativos do Dou- ro-Sul para a comunidade nobre em meados da centúria de duzentos. Palavras-chave: Nobreza; Douro-Sul; Séc. XIII; Continuidades; Transições. 563 A D. D P E M. ABSTRACT e Douro-Sul, the norther territory of Viseu, was apparently the stage for the profound activity of countless noble medieval lineages. In this brief study, in ad- dition to ascertaining the dimensions of their performance, we intend to identify the existence of spaces of continuity (with the deeply seigneurial North) and transition (with the strongly municipalized South). It is quite possible that du- ring the Middle Ages this vast territory, belonging to the Douro Valley, identi ed itself much better with the northern reality than with the “Southern” to which historiography, in a global sense, seems to strongly associate. In sum, based pri- marily on the analysis of the texts of the “Inquisitiones of 1258”, a well-known Portuguese source of the thirteenth century, we will, based on three distint vec- tors, determine the dimensions and characteristics of the noble presence in the Douro-Sul, which may have been in the genesis of transitions and continuities detected in the territory. ese vectors are the distribution of noble’s patrimony; the parishes patronage rights; and the distribution of “honors”, from which we will also delimit the main patrimonial poles and the most attractive places of the Douro-South for the noble community in the middle of the thirteenth century. Keywords: Nobility; Douro-Sul; XIII century; Continuity; Transition. INTRODUÇÃO o âmbito da dissertação de mes- Viseu, no interior do país, bem como da nobreza que trado em Estudos Medievais, pela circulava no espaço foi Armando de Almeida Fernandes, N cujo papel não se pode deixar de destacar. De entre as Faculdade de Letras da Universidade do dezenas de obras e artigos que produziu destacamos Porto, decidimos investigar a presença da aqui apenas alguns: A. DE ALMEIDA FERNANDES: nobreza no território de Viseu durante o Dom Egas Moniz de Ribadouro. Editorial Enciclopédia, Lisboa: 1946; Os Bezerra e a torre senhorial de Ferreirim: século XIII, por ser um tema de resto bem episódios da deposição de Sancho II. [s.n.], Braga: 1950; estudado, mas sem nunca se debruçar de Esparsos da História (sécs. XII e XIII): com 143 docu- mentos inéditos (73 do séc. XII). [s.n.], Porto: 1970; A forma sistemática no espaço que agora honra de Gouviães e a sua estirpe. Livraria Cruz, Braga: propomos. De facto, muito se conhece 1971; A história de Lalim. Câmara Municipal de La- sobre a nobreza do Entre Douro e Minho mego, Lamego: 1990; Tarouca na história de Portugal. Câmara Municipal de Tarouca, Tarouca: 1990; As dez e do litoral português, mas muito pouco freguesias do concelho de Tarouca: história e toponímia. sobre as dinâmicas e comportamentos da Câmara Municipal de Tarouca, Tarouca: 1995; A histó- aristocracia do interior do reino1. Após ria de Britiande. Câmara Municipal de Lamego/Junta de Freguesia de Britiande Lamego: 1997; “Povoações uma primeira análise, muito rapidamen- do distrito de Viseu”. Revista Beira Alta LXI LXII LXIV LXV LXXI (2001-2012); Tabuaço: Toponímia. Câmara Municipal de Tabuaço, Tabuaço: 2002; Toponímia do 1 Não obstante, um autor que deu passos importantes concelho de S. João da Pesqueira. Associação da Defesa para o aprofundamento do conhecimento da região de do Património Arouquense, Arouca: 2003; entre outros. 564 A P N D-S te caram claras uma série de diferenças Por outro lado, este segmento territorial entre a parte mais setentrional (noutros parece também ser albergue do começo termos – o Douro-Sul) e a parte meridio- de uma barreira nal desse regime, a partir nal e sul da região de análise, em torno do da qual o número e extensão dos espaços rio Vouga, não só de um ponto de vista privilegiados, bem como dos direitos dos quantitativo, no que concerne à expressão nobres tem uma queda abruta, sinal óbvia exclusivamente numérica da implantação de uma degradação do sistema senhorial e nobre, mas também qualitativo, ou seja, ascensão do regime municipal. É, portan- no tipo de famílias que se moviam no es- to, também um espaço de transição. paço. Para este artigo trataremos apenas No inicio da década de 80 do sé- da vertente quantitativa. Partindo desta culo passado, José Mattoso armou conjuntura, como não podia deixar de que “mais para o interior, na Beira ser, houve a necessidade de compreender Alta, os senhores parecem ser muito a profundidade dessas diferenças encon- menos numerosos. Aí situam-se as re- tradas entre o Norte e o Sul do espaço giões concelhias, onde as populações viseense, das quais nasce a certeza de que rurais se organizam em comunidades a identidade do território de Viseu, pela que não excluem a hierarquização so- sua complexidade, constrói-se como um cial, mas tentam resistir à penetração puzzle, encaixando modelarmente um da aristocracia de sangue, com os seus conjunto muito diversicado de peças, as privilégios e isenções”3. Menos de uma sub-identidades. Começamos por isolar o década mais tarde, o mesmo autor dizia segmento mais a norte deste vasto espaço ainda que o “espaço onde aparece uma e assim nasceu o tema que aqui apresen- rede contínua de concelhos será aquele tamos, ao qual demos o título de “A onde não se pode ter implantado den- Presença Nobre no Douro-Sul (séc. samente a área senhorial”4, anunciando XIII) – Apresentação de um Espaço de assim a incompatibilidade entre o regi- Transições e Continuidades”. Titulo este me senhorial e municipal. Este parece que exige também algumas explicações. ser o ponto de partida para algumas Quando declaramos “continuidades” desconanças relativas à margem es- referimo-nos à existência, e cremos nós querda do Douro. que isto se torna claro, de um regime De forma muito sucinta, o gran- profundamente senhorializado nos terri- de objetivo a que nos propomos é tórios da margem esquerda do rio Douro determinar a extensão da presença da – decorrente do cenário assumidamente nobreza no Douro-Sul, e deste modo nortenho do reino (que aliás passaria a ser designado por “Norte Senhorial”2) que 3 J. MATTOSO: Ricos-homens, infanções e cavalei- atravessou o rio Douro e se entranhou no ros. Círculo de Leitores, Lisboa: 2001, 56. espaço a que hoje chamamos Douro-Sul. 4 J. MATTOSO: Identicação de um País «Oposição- -Composição»: Ensaio sobre as Origens de Portugal (1096-1325). Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2 Termo este cristalizado pela obra de José Mattoso. Lisboa: 2015, 77. 565 A D. D P E M. provar que durante a idade média, este giosas, e todos os tributos que lhe eram vasto território, pertencente ao Vale devidos. Naturalmente, deste ato go- do Douro, se identicou muito mel- vernativo resultou uma lista detalhada hor com a realidade nortenha, com a da propriedade e direitos detidos pela qual é possível estabelecer um quadro nobreza, o que permite então a presen- sólido de paralelismos, do que com a te investigação. realidade do Sul. Este facto revela tam- Quanto ao espaço entende-se por bém um anacronismo latente entre a Douro-Sul o território limitado a Nor- organização espacial da época medie- te como é óbvio pelo rio Douro, e a val e do presente, no qual este espaço, Sul, pelos maciços montanhosos do marca atualmente a transição entre o Montemuro e de Leomil, a este, pelo Centro e o Norte de Portugal. Para a rio Paiva e a oeste, pelo rio Côa, gros- realização daquilo a que nos propomos so modo, de um ponto de vista ad- analisaremos de seguida três vetores, ministrativo, o espaço que engloba os que articulados acreditamos serem um atuais concelhos de Cinfães, Resende, re exo evidente do nível da in uência Lamego, Tarouca, Armamar, Moimen- que a nobreza exercia. São eles: o pa- ta da Beira, Tabuaço, S. João da Pes- trimónio; os direitos de padroados; e a queira, Sernancelhe e Penedono. Não existência de territórios privilegiados, obstante, a colocação geográca mais nomeadamente as Honras. pertinente para a análise comparativa Mas antes convém ainda esclarecer necessária à compreensão da evolução dois aspetos muito breves: as fontes e identitária do espaço, e da penetração a denição concreta do espaço. Co- da nobreza, bem como dos fenómenos mecemos pelo primeiro. Para a con- de continuidade e transição é natural- cretização dos objetivos enunciados mente todo o espaço do território de utilizamos sobretudo uma conhecida Viseu, que corresponde à totalidade do fonte do seculo XIII – as Inquirições atual distrito viseense.
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