UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

JULIANA VEGAS CHINAGLIA

UM PERCURSO GAMER PARA O ENSINO DE ESCRITA

CAMPINAS, 2020

JULIANA VEGAS CHINAGLIA

UM PERCURSO GAMER PARA O ENSINO DE ESCRITA

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Linguística Aplicada na área de Linguagem e Educação.

Orientador (a): Prof(a). Dr(a). Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela aluna Juliana Vegas Chinaglia e orientada pela Profa. Dra. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

CAMPINAS, 2020 Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem Leandro dos Santos Nascimento - CRB 8/8343

Chinaglia, Juliana Vegas, 1992- C441p ChiUm percurso gamer para o ensino de escrita / Juliana Vegas Chinaglia. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

ChiOrientador: Márcia Rodrigues de Souza Mendonça. ChiTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Chi1. Jogos eletrônicos. 2. Material didático. 3. Escrita. I. Mendonça, Márcia Rodrigues de Souza. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: A gamer route for teaching writing Palavras-chave em inglês: Electronic games Teaching materials Writing Área de concentração: Linguagem e Educação Titulação: Doutora em Linguística Aplicada Banca examinadora: Márcia Rodrigues de Souza Mendonça [Orientador] Roxane Helena Rodrigues Rojo Jacqueline Peixoto Barbosa Nukácia Meyre Silva Araújo Júlio César Rosa de Araújo Data de defesa: 12-11-2020 Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-9723-545X - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7490881051489581

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) BANCA EXAMINADORA:

Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

Roxane Helena Rodrigues Rojo

Jacqueline Peixoto Barbosa

Nukácia Meyre Silva Araújo

Júlio César Rosa de Araújo

IEL/UNICAMP 2020

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha querida orientadora Márcia Mendonça pela parceria incrível que estabelecemos ao longo desses anos, que me ajudou a crescer como pesquisadora e como profissional. Sou grata por todas as aulas, as orientações, os eventos e os trabalhos que realizamos juntas. Espero que possamos nos encontrar novamente nessa jornada que se inicia em minha vida.

Às professoras Roxane Rojo, Nukácia Araújo, Jacqueline Barbosa e ao professor Júlio Araújo pela participação na banca de defesa. Todos são verdadeiras inspirações para mim na Linguística Aplicada. Em especial, sou muito grata à Roxane por ter me iniciado na pesquisa científica ainda na graduação.

Aos meus pais Carmen e Nildo e à minha irmã Renata por sempre estarem presentes e por me apoiarem em cada momento da minha vida. Muitos dias são difíceis, mas vocês sempre me incentivam a continuar, com amor e compreensão. Sou muito grata por ter professoras maravilhosas na família, com as quais posso dialogar sobre educação.

Ao meu amor Rafael por todo carinho, amizade, alegrias e também companhia na Unicamp. Obrigada por todos os momentos especiais e pelas conversas que me ajudam a seguir em frente.

A todos os professores do IEL, que fizeram parte da minha formação nesses dez anos que estive na Unicamp. Em especial, agradeço à Patrícia Aquino, Cynthia Neves, Victória Vivacqua e Cláudia Rocha, com as quais pude aprender muito ao auxiliá-las em aulas ou ao participar de cursos, encontros e formações.

A todos os funcionários do IEL, especialmente aqueles que trabalham na Pós- Graduação, por toda a ajuda sempre que necessário.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

RESUMO

Esta tese de Doutorado, inserida no campo de investigação da Linguística Aplicada, tem como objetivo geral refletir sobre as interfaces entre os games e as atividades de escrita em práticas de letramentos escolares, em uma aplicação de um material didático desenvolvido em lógica gamer. Para isso, criamos e aplicamos em sala de aula um modelo novo de material didático para o ensino de escrita, que chamamos de “percurso gamer”, intitulado “ nos templos do Camboja”, com base nas teorias de letramentos, gamificação e Aprendizagem Baseada em Jogos. Um percurso gamer é um conjunto de atividades didáticas, que mobiliza estratégias de games para a sua utilização, como: 1) a interação com um espaço virtual; 2) a vivência de ações em um mundo imersivo, que proporciona a mobilização de determinadas práticas de letramentos e gêneros de uma esfera social; e 3) a encarnação de um personagem e assunção de seu ethos discursivo. Seu principal diferencial é, portanto, a priorização da lógica dos games para a realização das atividades e mobilização da leitura e escrita de textos, a partir da simulação de ações em uma narrativa e a encarnação de um personagem, o que se contrapõe à mera aplicação de mecânicas de jogos em atividades já existentes. O material é baseado na série de jogos autênticos , no qual o aluno deve se colocar na posição da personagem Lara Croft, uma arqueóloga, e, portanto, ler e produzir gêneros científicos e de divulgação científica. Para a geração dos dados, utilizamos o modelo metodológico da pesquisa-ação e os seguintes instrumentos de geração de dados: questionário, videogravação das aulas, captura de imagens no computador, diário de pesquisa e entrevista. A partir dos dados gerados, construímos duas categorias de análise: 1) Engajamento e interações em sala de aula; 2) Situação de produção dos textos, mundos imersivos e encarnação de personagens. Como principal resultado concluímos que, para os alunos que se interessam pela narrativa proposta, o percurso gamer pode se mostrar muito produtivo para oferecer aos estudantes a oportunidade de vivenciar práticas de letramentos de uma determinada profissão, em nosso caso, arqueólogo, escrevendo textos a partir de um ethos previamente delimitado pelo personagem escolhido. Em vez solicitar apenas que o estudante imagine ser alguém para escrever um texto, a exemplo de

tantas tarefas de produção textual solicitadas na escola, em livros didáticos e exames vestibulares, o percurso gamer constrói a cena de enunciação a partir do mundo imersivo, permitindo aos estudantes ter experiências mais concretas antes da escrita. Em nosso caso, os alunos não imaginaram apenas ser um arqueólogo, mas tiveram experiências incorporadas de ser um, em movimentos de pesquisa, descoberta, catalogação e divulgação. Para que isso ocorresse, a caracterização visual e sonora do material foi fundamental para a experiência de imersão. Como ponto frágil, os estudantes apontaram o excesso de textos para ler e escrever e a necessidade de ampliar as tarefas “lúdicas”, como pequenos jogos que não se relacionam somente a atividades de Língua Portuguesa.

Palavras-chave: Jogos eletrônicos. Material Didático. Escrita.

ABSTRACT

This Doctoral thesis, inserted in the field of Applied Linguistics research, aims to reflect on the interfaces between games and writing activities in school literacy practices, in an application of a teaching material developed in gamer logic. For this, we created and applied in the classroom a new model of teaching material for writing, which we call the “gamer route”, entitled “Lara Croft in the temples of Cambodia”, based on literacy, gamification Game-based Learning theories. A gamer route is a set of didactic activities, which mobilizes game strategies for its use, such as: 1) interaction with a virtual space; 2) the experience of actions in an immersive world, which provides for the mobilization of certain literacy and genres from a social sphere; and 3) the incarnation of a character and the assumption of his discursive ethos. Its main differential, therefore, is the prioritization of the logic of games for carrying out activities and mobilizing reading and writing texts, based on the simulation of actions in a narrative and the incarnation of a character, which is in contrast to the mere application game mechanics in existing activities. The material is based on the series of authentic games Tomb Raider, in which the student must put himself in the position of the character Lara Croft, an archaeologist, and, therefore, read and produce scientific genres and scientific dissemination genres. For data generation, we used the methodological model of action research and the following data generation instruments: questionnaire, video recording of classes, image capture on the computer, research diary and interview. From the data generated, we constructed two categories of analysis: 1) Engagement and interactions in the classroom; 2) Situation of production of texts, immersive worlds and incarnation of characters. As a main result, we conclude that, for students who are interested in the proposed narrative, the gamer route can prove to be very productive in order to offer students the opportunity to experience literacy practices in a given profession, in our case, archaeologist, writing texts from an ethos previously delimited by the chosen character. Instead of just asking the student to imagine being someone to write a text, like so many textual production tasks requested at school, in textbooks and entrance exams, the gamer route builds the enunciation scene from the immersive world, allowing students to have more concrete experiences before

writing. In our case, the students did not just imagine being an archaeologist, but they had experiences incorporated of being one, in movements of research, discovery, cataloging and dissemination. For this to happen, the visual and sound characterization of the material was essential for the immersion experience. As a weak point, the students pointed out the excess of texts to read and write and the need to expand “playful” tasks, such as small games that are not only related to Portuguese activities.

Keywords: Eletronic games. Teaching Materials. Writing.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 13

1. GAMES E SUAS DEFINIÇÕES ...... 17

1.1. O que são games e as suas principais características ...... 17

1.2. A origem e os principais tipos de games ...... 32

2. GAMES E EDUCAÇÃO...... 46

2.1. Potenciais dos games para a educação ...... 46

2.1.1. Aprendizagem por imersão e experiência ...... 46

2.1.2. Encarnação de personagens ...... 54

2.2. Gamificação ...... 60

2.2.1. Gamificação para resolução de problemas ...... 67

2.2.2. Gamificação para o ensino de determinado conhecimento .. 75

2.3. Aprendizagem Baseada em Jogos ...... 79

3. GAMES E ENSINO DE ESCRITA: O PERCURSO GAMER “LARA CROFT NOS TEMPLOS DO CAMBOJA” ...... 89

3.1. A série de games Tomb Raider e sua heroína Lara Croft ...... 91

3.2. Espaço virtual: mecânicas de games ...... 109

3.3. Mundo imersivo: práticas de letramentos e gêneros ...... 124

3.3.1. Missão 1 - Mistérios do Sudeste Asiático ...... 141

3.3.2. Missão 2 - No templo da floresta: Mahendraparvata ...... 146

3.3.3. Missão 3 – Um dos maiores complexos arqueológicos do mundo: Angkor Wat ...... 153

3.3.4. Missão 4 – Entre árvores e ruínas: Ta Prohm ...... 162

3.4. Encarnação de um personagem: ethos discursivo ...... 170

3.5. Em busca de um material didático na lógica dos games ...... 190

4. A METODOLOGIA DA PESQUISA ...... 194

4.1. O campo de investigação da Linguística Aplicada e a pesquisa- ação 194

4.2. O corpus da pesquisa ...... 198

4.3. O campo e os participantes da pesquisa ...... 200

4.3.1. Perfil de acesso aos aparelhos eletrônicos ...... 204

4.3.2. Perfil de acesso à internet ...... 206

4.3.3. Perfil de acesso aos games ...... 208

4.3.4. Perfil de acesso às redes sociais, aos aplicativos, aos sites e às práticas na internet ...... 211

4.3.5. Perfil geral dos participantes ...... 215

4.4. Os objetivos da pesquisa ...... 216

4.5. As categorias de análise ...... 218

5. A EXPERIÊNCIA COM O PERCURSO GAMER EM SALA DE AULA 220

5.1. Engajamento e interações em sala de aula ...... 220

5.1.1. “A atividade é hard, achei que a gente ia ficar pulando, saltando, rolando” 220

5.1.2. “Pode fazer em casa, professora?” ...... 229

5.1.3. “Ah, como era amigo, muitas vezes dava mais ponto porque merecia” 233

5.1.4. “Olha lá nossa pontuação!” ...... 238

5.2. Situação de produção dos textos, mundos imersivos e encarnação de personagens ...... 244

5.2.1. “Eu nem imaginava que existia o Camboja” ...... 244

5.2.2. “Lara Croft é uma aventureira e não tem tempo para pensar em artigos científicos” ...... 271

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 285

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 291

ANEXOS ...... 296

ANEXO 1 - TERMOS DE CONSENTIMENTO...... 296

ANEXO 2 - TERMO DE ASSENTIMENTO ...... 302

ANEXO 3 - AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA UNICAMP ...... 305

ANEXO 4 - QUESTIONÁRIO: USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS ... 313

ANEXO 5 - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ...... 320

13

INTRODUÇÃO

Quando as pessoas aprendem a jogar videogames, elas estão aprendendo um novo letramento (GEE, 2014, p. 20).

Lara Croft abre o mapa e verifica novos caminhos. Em meio à sua ação, encontra um documento, lê em voz alta, analisa-o. Mais adiante, uma caixa guarda uma relíquia antiga. Lara pega o artefato, gira-o, observa-o mais de perto, faz apreciações sobre a aparência, o estado de conservação e a cultura a que pertence. A arqueóloga anda mais um pouco e então encontra um local onde faz um acampamento. Nesse local, registra reflexões em seu diário de pesquisa, que podem ser conhecidas pela leitura em voz alta. Essa descrição pode parecer uma tarefa comum de um arqueólogo ou até mesmo uma atividade escolar, já que envolve leitura, análise e escrita. Mas se trata da ação de uma personagem, no game Tomb Raider: Definitive Edition (2013), contrariando aqueles que acreditam os games são apenas desperdício de tempo, pois não apresentam conteúdo e nada de importante a aprender. Lara Croft é uma arqueóloga fictícia, personagem principal de uma das séries mais populares de games, criada em 1996. Como podemos ver, ao jogar esse game, estamos também lendo e analisando textos junto à personagem, o que nos leva a aprender outras práticas de letramento, já que não somos arqueólogos, mas vislumbramos como é ser, mesmo com certo toque de aventura e ficção. Tal possibilidade de simulação, para Gee (2014), é uma das potencialidades dos games para a educação, já que eles permitem que se assuma a identidade de alguém e, então, passe a agir, interagir, sentir e usar vários objetos e tecnologias como o personagem, reconstituindo a prática social envolvida na ação. Como gamer1, pesquisadora e professora de Língua Portuguesa, percebendo isso ao jogar Tomb Raider, passamos a refletir sobre a hipótese de como isso poderia ser aproveitado no ensino, especialmente de Língua Portuguesa, já que um dos nossos objetivos é ensinar os alunos a escrever, mobilizando práticas sociais de letramentos, no lugar da produção escolarizada. Fomos também inspirados por um material já existente: o Aventuras Currículo +, da Secretaria de Educação do Estado

1 Denominam-se gamers todas as pessoas que possuem afinidade por jogos, de quaisquer tipos. 14

de São Paulo, que buscava engajar os estudantes em uma narrativa gamer de invasão alienígena, para fazer atividades de Língua Portuguesa e de Matemática. A partir disso, definimos, então, nossa pergunta de pesquisa: Os games podem trazer contribuições para o ensino de escrita em contexto escolar? Levar um game como Tomb Raider para a sala de aula pareceria uma ideia absurda para alguns, até mesmo do ponto de vista tecnológico, já que exigiria um computador mais bem equipado ou um console2. Mas, consideramos que o potencial pedagógico do jogo não está na sua aparência ou em sua mecânica sofisticada, repleta de gráficos 3D e efeitos sonoros, mas na lógica gamer3 que mobiliza, em movimentos de leitura, análise e reflexão, a prática (trabalho) de uma arqueóloga. Foi com essa ideia que criamos um material didático digital com a inspiração no game Tomb Raider, mesmo sem qualquer programação sofisticada, que foi aplicado em uma sala de aula de um curso popular de Ensino Médio, em uma experiência na qual atuamos como professora e pesquisadora. Esse material foi intitulado “Lara Croft nos templos do Camboja” e a isso chamamos de “percurso gamer”, um conceito que será mais bem explorado ao longo da tese. Em resumo, o principal diferencial do percurso gamer é a priorização da lógica dos games para a realização das atividades e a mobilização da leitura e escrita de textos, a partir da simulação de ações em um mundo imersivo permeado por uma narrativa e a encarnação de um personagem, o que se contrapõe à mera aplicação de mecânicas de jogos em atividades já existentes, como é possível encontrar em algumas atividades gamificadas. Buscamos nos afastar desse modelo de gamificação voltada apenas para aspectos formais dos games, por considerar que esta não proporciona uma experiência autêntica de jogo. Em outra direção, sob a ótica social e enunciativa, defendemos que a simulação de atividades em um mundo virtual possibilita maior imersão em determinadas práticas de letramentos, assim como a encarnação de um personagem permite a construção mais efetiva de um ethos discursivo (MAINGUENEAU, 2008) de uma produção de texto. Como Lara Croft é uma arqueóloga, decidimos que o foco no percurso gamer seria o ensino de leitura e escrita de gêneros científicos e de divulgação científica, já que são os textos com os quais a personagem lida em Tomb Raider.

2 Consoles são aparelhos específicos para executar videogames. Atualmente, funcionam de forma semelhante a computadores e devem sempre ser ligados a uma televisão ou monitor de vídeo. 3 Mais adiante, explicaremos o que é a lógica gamer, que envolve princípios e atitudes típicas de jogar. 15

Assim, criamos uma história, baseada em outras da série, em que Lara precisa retornar ao Camboja, para encontrar seu amigo perdido Carter Bell. Para isso, ela lê ou assiste a notícias de divulgação científica, reportagens e fotorreportagens, artigos enciclopédicos, relatórios de pesquisa, artigos de divulgação científica, entre outros. É importante mencionar que alguns desses gêneros, como notícias e reportagens com temas científicos, poderiam ser considerados por alguns como gêneros jornalísticos e, por outros, como gêneros de divulgação científica, afinal, estão entre o campo do jornalismo e da ciência. Boa parte da produção científica é considerada inacessível aos leigos, por envolver conteúdos especializados, conceitos e termos técnicos próprios de cada área do saber. Dessa maneira, alguns consideram que objetivo do jornalismo científico é “‘traduzir’ com competência e fidelidade, de tal forma a ser compreendido pelo público leigo, um específico conteúdo científico” (TEIXEIRA, 2002, p. 134). Outros acreditam que não se trata de simplificar o discurso científico, mas reconfigurá-lo em outra esfera discursiva, já que se trata de outra enunciação não mais feita pelo cientista. (MENDONÇA; BUNZEN, 2012). Independentemente do debate tradução versus nova enunciação, consideramos que os gêneros mencionados são de divulgação científica, em razão de serem matérias jornalísticas com a finalidade de disseminar conhecimentos científicos. Para responder à pergunta de pesquisa sobre as contribuições dos games para o ensino de escrita em contexto escolar, delimitamos, então, o objetivo geral: refletir sobre as interfaces entre os games e as atividades de escrita em práticas de letramentos escolares, em uma aplicação de um material didático desenvolvido em lógica gamer. A fim de cumprir esse objetivo, temos os seguintes objetivos específicos:

a) Investigar como podem ser aproveitados os elementos da mecânica dos games, como espaço, tempo e regras em atividades escolares; b) Produzir um material didático piloto baseado na lógica do game Tomb Raider, no intuito de mobilizar, em um mundo imersivo, letramentos envolvidos em atividades arqueológicas; c) Apresentar e discutir os pressupostos teórico-metodológicos do material didático piloto, para trazer contribuições a um futuro delineamento de novos materiais didáticos similares; 16

d) Examinar de que maneira se dá a interação com o mundo imersivo da arqueologia, em interface com a mobilização de práticas de letramentos, na apropriação da escrita científica; e) Analisar a influência da encarnação da personagem nas atividades de escrita e suas relações com a assunção de um ethos discursivo.

A partir desses objetivos, realizamos uma pesquisa-ação, no campo da Linguística Aplicada, que deu origem a esta tese de Doutorado. Ao longo do processo de redação, nos deparamos com a dificuldade de como “encaixar” os capítulos em certa ordem, pois não tínhamos partes estritamente teóricas e partes analíticas. Todos eles buscam, de certa forma, discutir e analisar os games e o percurso gamer, com o objetivo de apontar caminhos possíveis para a sua utilização no ensino, especialmente o de escrita no âmbito escolar. Ao contrário de escrevermos os suportes teóricos, para depois analisar os dados, tivemos que primeiramente olhar para os dados e refletir sobre quais teorias poderiam dar conta de analisá-los, em um movimento que nos fez repensar, a todo instante, as literaturas das áreas que buscávamos. Esse movimento é próprio da Linguística Aplicada, que busca de maneira “indisciplinar” entender problemas sociais, a partir de categorias que emergem dos dados. Mas, para facilitar a leitura, de forma didática, buscamos separar os dados de criação e desenvolvimento do percurso gamer dos dados de sua aplicação, embora eles dialoguem entre si. A tese está organizada da seguinte maneira: no primeiro capítulo, apresentamos o conceito de game, suas principais características e tipos. Em seguida, no segundo capítulo, discutimos quais são os potenciais dos games para a educação e avaliamos o uso de duas estratégias: a gamificação e a Aprendizagem Baseada em Jogos. No terceiro capítulo, apresentamos e discutimos o conceito de percurso gamer enquanto novo modelo de material didático, a partir de dados de sua elaboração. No quarto capítulo, esclarecemos a metodologia utilizada, partindo-se de pressupostos da pesquisa-ação e do campo de investigação da Linguística aplicada. No quinto capítulo, analisamos a aplicação do percurso gamer em uma sala de aula no Ensino Médio, no qual atuamos como professora e pesquisadora. Por fim, no sexto capítulo, tecemos as considerações finais.

17

1. GAMES E SUAS DEFINIÇÕES

Este capítulo tem como objetivo apresentar o conceito de game utilizado na tese, que adota a perspectiva cultural dos jogos. Para isso, vamos explorar os diferentes conceitos de games, sua origem histórica e a classificação dos principais tipos existentes.

1.1. O que são games e as suas principais características

Muitos termos como “jogos”, “videogames” e “games” são utilizados para se referir ao mesmo artefato cultural, portanto, é preciso investigar se há diferença conceitual entre eles. Huizinga (2000), um importante historiador e linguista holandês, em sua obra seminal Homo Ludens, já em 1938, estudou o que era o jogo e como ele estava relacionado à cultura humana, definindo-o como:

uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes (HUIZINGA, 2000, p. 13-14).

Para entender o que isso significa, vamos explicar brevemente cada um dos pontos mencionados pelo autor. Segundo Huizinga, o jogo é um conceito amplo e complexo, impossível de se definir completamente, a não ser pela aproximação de suas principais finalidades e características. O historiador acredita que, ao longo do tempo, atribuiu-se diferentes finalidades para o jogo como: descarga de energia vital, necessidade de relaxar, preparação do jovem para a vida adulta, exercício de autocontrole, impulso para exercer certa faculdade, escape para impulsos prejudiciais e até mesmo a realização de desejos obscuros. Apesar de a reflexão ter sido feita na década de 1930, tais finalidades existem até hoje no imaginário das pessoas, por exemplo, ao temerem que os jogos funcionam como escapes para atitudes violentas, que podem se manifestar na vida real. O que todas essas 18

finalidades têm em comum, de acordo com Huizinga, é que o jogo é visto como uma atividade biológica e não cultural. Adotando a perspectiva do autor, não nos interessa o enfoque biológico acerca das funções dos jogos, que podem ser discutidos em pesquisas de outras áreas, mas os aspectos culturais, em diferentes práticas de letramentos proporcionadas pelos jogos. Em uma perspectiva cultural, Huizinga argumenta que o jogo se distingue de outras tarefas humanas por ser uma atividade voluntária, feita apenas por prazer. O autor defende que as crianças, por exemplo, jogam porque gostam de brincar. Da mesma maneira, o homem adulto joga para se divertir em suas horas de lazer e ócio. Para o linguista, essa atividade proporciona prazer porque é uma fuga temporária da vida real e pode ser realizada de forma livre, sem compromisso. Além da satisfação proporcionada pelo jogo, Huizinga também afirma que ele sempre tem regras, isto é, princípios que valem no mundo temporário criado num jogo. Elas são fundamentais, segundo o autor, pois permitem ao jogador provar algumas de suas principais qualidades, como força, tenacidade e coragem. Quando são quebradas, costuma-se dizer que o jogo foi estragado por um “desmancha- prazeres”, afinal, ao quebrar uma regra, retira-se o jogo da ilusão, ou seja, do mundo imaginário criado. O jogo também, de acordo com o autor, tem limite de espaço e de tempo, pois ocorre sempre em um lugar delimitado (como uma arena, mesa de jogo, campo) e tem um “fim”, isto é, todo jogo acaba, embora possa ser repetido a qualquer momento. Para finalizar, Huizinga afirma que o jogo cria uma comunidade de jogadores, pois as pessoas se reúnem pela sensação de estarem praticando algo coletivamente. Esses grupos tendem a se manterem mesmo após o fim do jogo, de forma semelhante a sociedades lúdicas chamadas pelos antropólogos de “fratrias”. Além disso, o autor também afirma que, em um jogo, frequentemente são feitas coisas diferentes das habituais, como assumir disfarces, isto é, personagens que não correspondem ao que indivíduo é na realidade, o que configura o encanto pelo segredo e pelo não conhecido. Portanto, em resumo, na reflexão de Huizinga, destaca-se o fato de o jogo ser uma atividade voluntária, que tem regras, tempo e espaço definidos. O autor também menciona o fato de muitas vezes haver o “faz de conta”, ou seja, simular ser alguém que não se é em uma situação diferente da vida cotidiana, além de se reunir em comunidade. Portanto, na perspectiva do historiador e linguista, podemos 19

entender que a palavra “jogo” engloba toda e qualquer atividade lúdica que tenha caráter livre, tempo, espaço, regras e a possibilidade de assumir personagens e participar em comunidade, desde as brincadeiras entre crianças, como também atividades próprias dos adultos como jogos de destreza, de sorte, de adivinhação, de tabuleiro etc. Até o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, essas atividades lúdicas se resumiam a jogos como xadrez, dominó, cartas ou mesmo competições esportivas. Nesse período, nos Estados Unidos, surgiram os primeiros jogos eletrônicos, que dependiam de um monitor de vídeo para ser utilizados, razão pela qual se optou em inglês pela criação da palavra “videogame”, ou seja, “vídeo” + “game” (“vídeo” + “jogo”, em português). Para Poole (2004), um grande estudioso dos jogos na atualidade, o termo “videogame” serve para abarcar todos os jogos que dependem desse aparelho, sejam os games arcade (jogados em máquinas de fliperama, ver figura 1), quanto os de consoles (figura 2) ou de computadores.

Figura 1. Arcade ou fliperama. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arcade. Acesso em: 23 mar. 2020.

20

Figura 2. Consoles. Fonte: https://www.terra.com.br/diversao/games/evolucao-dos- consoles,023d03db9599b1317e2e5bfa881c91d8znqnyor4.html. Acesso em: 23 mar. 2020.

De maneira semelhante, Gee (2014) defende que a palavra “videogame” ou simplesmente “game” designa os jogos digitais utilizados em consoles (como Xbox e Playstation) ou computadores. Acrescentaríamos também à discussão dos autores os jogos para celular, afinal, também necessitam de uma tela e são digitais, apesar de precisarem de certas adaptações, devido ao tamanho da imagem e da capacidade de processamento. Em português, Santaella (2007) afirma que o termo mais adequado parece ser “jogo eletrônico”, mas é comum que se mantenha a nomenclatura em inglês, preferindo-se chamá-lo de “videogame” ou “game”, em contraposição aos jogos que não são digitais. Embora essa diferenciação de nomenclatura seja frutífera em alguns sentidos, acreditamos que sejam jogos para computadores, consoles ou dispositivos móveis, jogos de campo, de cartas ou tabuleiro, conceitualmente, não há diferencial essencial entre eles, tal como defende McGonigal (2012), ao afirmar que as tecnologias e as culturas mudam, mas suas finalidades e características continuam as mesmas, apenas com algumas adaptações, conforme argumentaremos adiante. Portanto, podemos dizer que se chamam de “jogos” todas as atividades lúdicas do ser humano, enquanto de “videogames” ou “games” os jogos que necessitam de aparelhos eletrônicos, como consoles, computadores ou celulares. Defendemos que todo game é um jogo, mas nem todo jogo é um game. Feita essa distinção, esclarecemos que, por estarmos estudando especificamente os jogos 21

eletrônicos, optaremos por dar preferência para a nomenclatura “videogame” ou “game”, mas “jogo” também poderá ser utilizado como sinônimo, sem prejuízo em sua definição. Para além da nomenclatura, vejamos como as finalidades e características dos jogos funcionam, quando passam a ser digitais. Certos autores preferem enfocar o fato de o game ser um sistema e discutem quais características técnicas fazem parte ou não de sua definição. Em uma visão tecnicista, Salen e Zimmerman (2004, p. 80, tradução nossa) definem: “um game é um sistema em que jogadores se engajam em um conflito artificial, definido por regras, que resultam em um resultado quantificável”4. Isto é, nessa definição os elementos principais são engajamento, conflito artificial, regras e resultados quantificáveis. Estes últimos são, por exemplo, os pontos e as recompensas. Nota-se, portanto, a ênfase em elementos mecânicos, como regras e pontos, integrados a um sistema digital. São ignoradas características dos jogos apontadas por Huizinga (2000), como a participação voluntária, a delimitação de espaço e tempo, a participação em comunidade e a assunção de um personagem. Na mesma linha de raciocínio tecnicista, Koster (2005, p. 34, tradução nossa) afirma: “um game é um sistema em que os jogadores se engajam em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback, que resulta em um resultado quantificável, muitas vezes provocando uma reação emocional”5. Nessa outra definição, destacam-se os mesmos elementos anteriores, com a adição da interatividade, do feedback e da reação emocional. A interatividade corresponde à interação com o sistema, o conteúdo do jogo e outros jogadores. O feedback é a resposta que o jogador pode ter do sistema, sobre seu avanço ou não nas tarefas, por exemplo através da dinâmica de pontos. Por fim, a reação emocional é a emoção provocada pelo game, como o sentimento de vitória ou derrota. Essa perspectiva, assim como a anterior, privilegia elementos mecânicos, regras, pontos e feedback e ainda acrescenta o elemento motivacional, muito estudado pela área da psicologia dos jogos, mas que aqui não nos cabe discutir, por não ser a área de conhecimento da tese.

4 “A game is a system which players engage in na artificial conflict, defined by rules, that results in a quantifiable outcome” (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 80) 5 “A game is a system which players engage in an abstract challenge, defined by rules, interactivity, and feedback, that results in a quantifiable outcome often eliciting an emotional reaction” (KOSTER, 2005, p. 34) 22

Ainda em uma perspectiva tecnicista, McGonigal (2012) defende que, assim como os jogos tradicionais, os games também têm regras, no entanto, argumenta que as regras existem para que uma meta seja cumprida. O quão perto se está de atingir a meta é medido por um sistema de feedback, como pontos, níveis, placar e barra de progresso. Na visão da autora, os videogames têm basicamente quatro características: meta, regras, sistema de feedback e participação voluntária. McGonigal, então, apresenta elementos mecânicos, resgata a característica de os jogos serem voluntários, como propôs Huizinga (2000), mas descarta as demais apontadas por esse autor, como apresentaremos a seguir. A respeito da participação em comunidade, por exemplo, McGonigal (2012, p. 31) afirma que “jogos multiplayer e para multidões podem tornar a experiência de jogar mais imprevisível e prazerosa”, mas defende que ela não é uma característica essencial dos games, devido à possibilidade de se jogar sozinho. Nesse ponto, acreditamos que a autora comete um equívoco, pois o modo de jogo conhecido como single player, isto é, individual, não anula o fato de que jogar seja uma atividade feita em comunidade. Mesmo jogando individualmente, podemos interagir com outros jogadores em chats, fóruns, comunidades virtuais, redes sociais, sites, vídeos etc. Aliás, esta é uma das práticas culturais mais vivas nas comunidades gamers e no universo digital contemporâneo da Web 2.0, na perspectiva das diferentes formas de participação comunitária na internet. O ato de jogar de forma individual, portanto, não se relaciona com a inserção do jogador em uma comunidade. A autora também defende que a experiência imaginativa do fazer de conta é opcional, afinal, “uma história envolvente torna a meta mais sedutora” (MCGONIGAL, 2012, p. 31), porém não é essencial para que ela exista. Para confirmar seu ponto de vista, a autora analisa Tetris (figura 3), um dos mais famosos games de todos os tempos. A pesquisadora argumenta que esse game não tem narrativa, não permite a assunção de um personagem e não é jogado em comunidade, no entanto, ainda assim é um jogo, pois apresenta as quatro características mencionadas. Defende McGonigal que Tetris é uma atividade voluntária, a meta é empilhar as peças de quebra-cabeças que caem na tela; a regra é não deixar lacunas; e o sistema de feedback é visual (ver as peças se encaixando), quantitativo (pontuação no placar) e qualitativo (o desafio aumenta, com peças caindo cada vez mais rápido). 23

Figura 3. Tetris. Fonte: https://www.microsoft.com/pt-br/p/tetris- classic/9mx81ffr2cw6?activetab=pivot:overviewtab. Acesso em 29 mar. 2019.

Apesar de não concordarmos completamente com a definição de game de McGonigal, por entender que desconsidera especificidades culturais dos jogos digitais, reconhecemos que os elementos levantados pela autora são suficientes para analisar de forma simples se algo é um jogo. Os games podem ser entendidos como atividades voluntárias, que apresentam metas a ser cumpridas, sistema de feedback e não necessariamente têm narrativas. De fato, como mostra a autora, Tetris mobiliza o jogador a cumprir o objetivo bem específico de empilhar peças que caem na tela, o que em games contemporâneos aparece de forma complexa, ao solicitar que o jogador cumpra uma série de missões, como podemos ver em uma missão de Shadow of Tomb Raider (figura 4), o mais novo jogo da saga que inspira a tese. Nesta missão, intitulada Missão de San Juan, o game orienta a meta a ser cumprida: “Vá até a biblioteca”.

24

Figura 4. Missão de San Juan, em Shadow of Tomb Raider. Fonte: https://seugame.com/como-fazer- a-missao-investigue-o-cemiterio-e-o-desafio-hasteie-as-bandeiras-de-shadow-of-the-tomb-raider/. Acesso em: 23 mar. 2020.

O sistema de feedback também aparece em muitos jogos, na forma de pontos, que geram consequências para o game. Por exemplo, em The Witcher 3, o jogador ganha pontos (também chamados de XP, nas comunidades gamers), que podem ser convertidos em atributos do personagem Geralt de Rívia, um bruxo que combate monstros. Geralt possui três atributos principais: combate, magia e alquimia. Ao ganhar os pontos, é possível abrir a árvore de habilidades do personagem e decidir como distribuí-los, o que trará impactos para o jogo, como descreveremos a seguir. Nessa árvore, os atributos são reconhecidos por cor: combate é vermelho, magia é azul e alquimia é verde. A primeira possibilidade é investir nas habilidades de combate, deixando o bruxo mais forte para as lutas com espadas. A segunda é focar nas habilidades de magia, aumentando o poder dos feitiços que Geralt pode lançar. A terceira é desenvolver melhor a habilidade de alquimia, que consiste na maior capacidade do personagem de elaborar poções e misturar elementos químicos. Ainda existem habilidades gerais, que melhoram Geralt em todos os atributos. A figura 5, por exemplo, mostra um jogador que optou por privilegiar as habilidades de combate, marcadas pelas sete caixas em vermelho, no esquema ao lado direito da imagem. No lado esquerdo, ficam as habilidades que podem ser escolhidas e, no direito, as já que foram contempladas. Isso significa que seu personagem é eficaz em lutas, mas pode não saber fazer tantos feitiços, embora tenha escolhido três deles, marcados em azul. 25

Figura 5. Árvore de habilidades, The Witcher 3. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=mcrP8mrWgLs. Acesso em: 25 mar. 2020.

Em relação à narrativa, como argumenta McGonigal, Tetris não tem uma e ainda assim é um game, algo de que não podemos discordar. Diversos outros jogos, especialmente aqueles voltados para a combinação de peças (por exemplo, joias ou bolhas), como Bejeweled (figura 6) e Bubble Shooter (figura 7), dentre outros de raciocínio lógico, não são guiados por uma narrativa. Basta fazer o comando solicitado, como juntar três ou mais peças iguais para eliminá-las. Quanto maior o número de combinações, maior o número de pontos. Para trazer algum elemento de dificuldade, é comum estabelecer um número limitado de movimentos ou tempo.

Figura 6. Bejeweled. Fonte: https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2011/03/gdc-10-coisas-que- voce-nao-sabia-sobre-popcap-e-bejeweled.html. Acesso em: 25 mar. 2020. 26

Figura 7. Bubble Shooter. Fonte: https://www.1001jogos.com.br/habilidade/bubble-shooter. Acesso em: 25 mar. 2020.

Porém, apesar de reconhecer essas características como verdadeiras, acreditamos que a autora não explora bem as potencialidades dos jogos digitais, do ponto de vista cultural. Para isso, aderimos ao discurso de Santaella (2007), que concorda que os games têm todas as características dos jogos descritas por Huizinga (2000), mas as amplia para o contexto digital. Na visão de Santaella (2007), os games são atividades voluntárias, que apresentam regras, tempo, espaço definido e são capazes de mobilizar os jogadores em narrativas e reuni-los em comunidade. Segundo a autora, assim como também defendemos, o grande diferencial dos games está na forma que o jogo assumiu em nossa cultura, a partir da influência das novas tecnologias digitais, ao absorver linguagens de outras mídias e incorporar recursos semióticos e estéticos, o que configura sua natureza intersemiótica. Os games, como argumenta Santaella, também têm um espaço circunscrito, só que agora não se trata mais de um tabuleiro ou uma arena, e sim um espaço virtual, que é navegável e possibilita a imersão e a interatividade do jogador. A autora afirma que o espaço dos jogos eletrônicos pode ser desde uma interface computacional qualquer, um espaço simulado tridimensional (3D) ou um espaço de realidade virtual. O espaço, por sua vez, na visão de Santaella, possibilita um grau de imersão do jogador, variando entre leve, intermediária e alta. Quanto mais alta a imersão, maior a sensação de simulação, a partir da representação dos objetos e da 27

forma como os humanos “agem, reagem, movem-se crescem, evoluem, pensam e sentem” (SANTAELLA, 2007, p. 411). Para compreender isso melhor, vejamos os exemplos a seguir. Um game de raciocínio lógico como 2048 (figura 8), no qual a única meta é formar o número mencionado a partir de diferentes combinações, apresenta uma interface simples, composta por blocos numéricos. Os recursos visuais são apenas as cores e a interação se dá pela movimentação de blocos. 2048 é semelhante à Tetris, Bejeweled e Bubble Shooter, afinal, não há uma narrativa que guie as ações. Nesse sentido, a imersão é leve. O jogador sabe apenas que está em um espaço virtual específico, realizando uma ação que, por algum motivo, é considerada prazerosa para o seu lazer.

Figura 8. 2048. Fonte: https://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2014/03/2048-aprenda- jogar-o-viciante-game-de-raciocinio-para-android-e-pc.html. Acesso em: 23 mar. 2020.

Já games como Shadow of Tomb Raider e The Witcher 3, mencionados anteriormente, apresentam um espaço simulado tridimensional (3D) rico do ponto de vista gráfico. Shadow of Tomb Rader nos permite visualizar em detalhes o ambiente que Lara Croft está. É possível ver com clareza certos monumentos arqueológicos, como no exemplo da figura 9. Ao jogador também é dado o poder de interagir com as cenas em 360º e aproximar-se dos objetos de interesse. Assim, diferentemente de 2048, esse espaço proporciona uma imersão alta no contexto em que se propõe, fazendo-nos sentir exploradores junto à personagem, o que pode ocorrer principalmente pela ficcionalização existente no game, com cenário, tempo, ações etc. Além do cenário, podemos perceber como a imersão se dá pelas condições da 28

personagem, que são representadas em traços realistas nos desenhos. Por exemplo, se Lara Croft passou por certa dificuldade, podemos ver seus arranhões e sangramentos. Também podemos conhecer seus pensamentos e sentimentos, o que nos proporciona a possibilidade de pensarmos e agirmos como ela.

Figura 9. Espaço de Shadow of Tomb Raider. Fonte: https://www.microsoft.com/pt-br/p/shadow-of- the-tomb-raider-o-preco-da-sobrevivencia/bnp0rpdxvss5. Acesso em: 25 mar. 2020.

De acordo com a autora, esse espaço, por ser virtual, também permite a interatividade do jogador, que pode ser meramente reativa (quando o jogador reage aos parâmetros das regras do jogo), ou de alto nível (quando permite ao jogador a liberdade de participação, de intervenção e de criação). Assim, quanto mais complexa, a interatividade “não será apenas como experiência ou agenciamento do interator, mas como possiblidade de cocriação de uma obra aberta e dinâmica, em que o jogo se reconstrói a cada ato de jogar” (SANTAELLA, 2007, p. 411). Podemos citar como exemplo dessa característica os games chamados de “mundo aberto”, nos quais o jogador pode explorar livremente o mapa do jogo e construir a sua própria história, sem a previsão total da linearidade dos acontecimentos. The Witcher 3, já mencionado, é um exemplo de jogo desse tipo. Apesar de a narrativa indicar ao jogador a ordem mais natural para a realização de certas missões, o mapa do game (figura 10) é aberto e o personagem pode ficar livre para explorar o que desejar.

29

Figura 10. Mapa aberto de The Witcher 3. Fonte: https://www.ligadosgames.com/the-witcher-3-mods/. Acesso em: 25 mar. 2020.

Conforme avança pelo desconhecido, o jogador encontra novas missões e pode até mesmo mudar o rumo da história, de acordo com uma decisão feita em certo momento. Um exemplo de como isso acontece nesse game está relacionado às decisões tomadas por Geralt em relação à Ciri, sua filha adotiva, que corre perigo ao longo da história. Em determinadas missões, tratar Ciri como uma pessoa imatura, que não tem o poder de fazer suas próprias escolhas, pode deixá-la fraca para enfrentar seus inimigos, o que ocasiona sua morte. Já apoiá-la em suas decisões, incentivando-a a ter coragem, pode trazer um final positivo para a personagem. Diversos outros fatores também estão relacionados ao desfecho de Ciri, mas essa situação demonstra que certos games atuais, como The Witcher 3, proporcionam a interatividade no sentido de cocriação da obra. Essa interatividade, como exemplificamos, tem grande influência sobre a narrativa, pois permite que sejam construídas narrativas hipertextuais, isto é, não lineares, que podem ter diferentes desfechos. Como afirma Santaella, “a narrativa encontra no game um hábitat fértil” (SANTAELLA, 2007, p. 412), sendo a narratividade outra característica produtiva dos games citada pela autora. Como mencionamos anteriormente, nem todo game apresenta uma narrativa, mas percebemos nessa característica grande potencialidade dos jogos atuais. Games como Shadow of Tomb Raider, The Witcher 3, dentre outros tantos títulos famosos, como Assassins Creed, World of Warcraft, Diablo, League of Legends, The Elder Scrools, Metal Gear, The Legend of Zelda, apresentam uma narrativa complexa, não-linear, que envolve o jogador. Até mesmo jogos inspirados nos clássicos 30

Bejeweled e Bubble Shooter trazem narrativas para dar novos ares aos games. Por exemplo, Bubble Witch 3 (figura 11) mobiliza o mesmo princípio de Bubble Shooter: estourar bolhas da mesma cor. No entanto, por trás desse movimento, Bubble Witch 3 traz a história de uma jovem bruxa, Stella, que precisa enfrentar inimigos que tomaram conta de sua cidade. Nesse sentido, os desafios de bolhas estão atrelados à narrativa, como a possibilidade de libertar um amigo que está preso nas bolhas liberadas pelos personagens maus.

Figura 11. Bubble Witch 3. Fonte: https://puregames.io/2018/07/03/download-bubble-witch-3-saga- mod-apk-android-/. Acesso em: 35 mar. 2020.

A maneira como os jogadores interagem com a narrativa está relacionada ao princípio que a autora chama de identificação encarnada, isto é, a possiblidade de assumir um personagem através de um avatar virtual, o que intensifica o envolvimento emocional e afetivo do jogador. Grandes títulos de jogos são famosos não só por suas histórias, mas também pelo envolvimento dos fãs com os personagens principais. O sucesso da saga Tomb Raider, por exemplo, ocorre por conta da identificação com a famosa personagem Lara Croft, que tem uma verdadeira legião de fãs. Conforme afirma Poole (2004), foi a sua figura que fez com que o console Playstation se consolidasse no mercado, afinal, a personagem ficou tão famosa que saiu até mesmo do mundo dos games para o cinema e os comerciais. Além disso, Santaella (2007) também menciona que a capacidade dos jogos de unir as pessoas em comunidade foi ampliada com os games, com a formação de comunidades virtuais, nas quais os jogadores trocam dicas e 31

experiências, além da criação de games multiusuários em ambientes on-line, os chamados MMOs (Massively Multiplayer Online) como World of Warcraft (figura 12).

Figura 12. World of Warcraft. Fonte: https://www.gamereactor.pt/criadores-de-world-of- warcraft-regressam-para-jogar-wow-classic/. Acesso em: 25 mar. 2020.

Atualmente, muitos MMOs são do tipo RPG (jogos de interpretação de papeis), o que leva à criação da sigla MMORPG. Como afirma a autora,

a grande magia desses tipos de jogos está no fato de que eles não são apenas jogos, mas comunidades virtuais de pessoas de todo o globo, com desejos, anseios, objetivos. Neles, pode-se fazer amigos e inimigos, ficar famoso pelo que se faz; enfim, neles cada um pode ser o que bem entender (SANTAELLA, 2007, p. 417).

Portanto, após apresentar esses diferentes posicionamentos sobre os jogos, podemos concluir que, embora concordemos com McGonigal (2012) que as características mais básicas de um game são as metas, as regras e o sistema de feedback e que nem todos os jogos eletrônicos necessitam de uma narrativa para serem considerados como tal, a exemplo de Tetris, Bejeweled, Bubble Shooter, 2048, entre outros, consideramos que essa definição deixa de lado a complexidade e o potencial de muitos games, como Shadow of Tomb Raider e The Witcher 3, que instauram novos paradigmas de interação com o espaço virtual e a narrativa, através da imersão, da interatividade e da identificação encarnada, descritas por Santaella (2007). Fazemos essa escolha porque tais paradigmas nos parecem mais interessantes para pensarmos a relação com a educação e o ensino de Língua 32

Portuguesa, especialmente no âmbito da escrita, conforme argumentaremos mais adiante. A nosso ver, assim como Huizinga (2000), acreditamos que os games também são atividades voluntárias, com regras, tempo e espaço definido, que permitem aos jogadores assumirem papéis em narrativas e se reunirem em comunidade, com a diferença de que, assim como argumenta Santaella (2007), os espaços e as comunidades são virtuais, o que torna a experiência do jogador mais imersiva e interativa. A imersão e a interatividade, por sua vez, possibilitam até mesmo um maior envolvimento pelos personagens, que deixam de ser imaginários e passam a ser visíveis ou “vivíveis”, por exemplo, em jogos de realidade virtual, nos quais, através de um par de óculos e um equipamento especializado, é possível ver o cenário de um jogo e interagir com ele, literalmente no lugar do personagem. Definido o que é um game, no próximo tópico iremos explorar a sua origem e os principais tipos existentes.

1.2. A origem e os principais tipos de games

Em 1958, nos Estados Unidos, no Brookhaven Nation Laboratory, um laboratório de pesquisas nucleares, conforme nos esclarece Poole (2004), William A. Higinbotham teria criado o primeiro videogame. Para entreter o público visitante, William criou um jogo digital rudimentar de tênis, para dois jogadores, controlado apenas por um botão de pressionar e puxar. No entanto, na época, Higinbotham não reconheceu o valor de sua criação e não a patenteou, razão pela qual não é considerado o grande inventor dos games. Assim, a origem dos videogames é atribuída ao programador Steve Russell que, juntamente com seus colegas do MIT, em 1962, criaram no computador PDP-1 o jogo Spacewar. O game apresenta duas espaçonaves que lutam uma contra a outra e, ao mesmo tempo em que disparam torpedos, precisam também evitar a atração gravitacional ao sol. De acordo com o autor, Spacewar é muito importante, pois inaugurou nos videogames:

regras simples com inúmeras combinações de possibilidades; o desejo competitivo de destruir a nave espacial do oponente; o prazer de dominar um sistema bem definido e consistente; o desafio de reagir instantaneamente ao princípio físico da inércia; e a satisfação 33

de brincar com padrões animados de luz (POOLE, 2004, p. 39, tradução nossa).6

Russel e sua equipe decidiram que não deveriam vender o game, deixando-o em código aberto para quem se interessasse. Aproveitando-se da situação, a Digital Equipment Corporation utilizou o jogo para fazer demonstrações comerciais de seu computador, mas como os computadores ainda eram inacessíveis para a população na época, Spacewar não se tornou um sucesso. Ainda nos anos 1960, outras comunidades de programadores também influenciaram para que os games sejam como conhecemos hoje. Em 1968, Doug Dyment desenvolveu Hamurabi, o primeiro jogo de estratégia, em que era preciso administrar um reino feudal, plantando grãos e cobrando impostos da população. Mais tarde, em 1972, foi criado Advent, a primeira versão computadorizada de uma narrativa interativa, na qual era possível se mover no mundo virtual, recolher objetos e solucionar enigmas. Como podemos observar, Spacewar, Hamurabi, Advent, entre outros, contrariam o senso comum de que os jogos arcade, isto é, aqueles executados em grandes máquinas apelidadas de fliperama, são anteriores aos jogos de computador. Segundo Poole, o primeiro jogo arcade foi Computer Space, criado em 1970 por Nolan Bushnell, um programador da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Bushnell tinha Spacewar em seu computador, mas como esse dispositivo ainda não era acessível para as pessoas, Nolan desenvolveu uma versão comercial de Spacewar, que poderia ser jogada em máquinas disponibilizadas em lojas especializadas. A princípio, o jogo gerou estranheza no público que nunca havia jogado um game, pois era necessário apertar muitos botões e seguir instruções complicadas. Então, Bushnell resgatou a ideia de William A. Higinbotham e criou Pong, uma versão simplificada de um jogo de tênis, que poderia ser jogado apenas com uma mão, através de um controle capaz de dominar a raquete. Após o sucesso de Pong, considerado o primeiro videogame de sucesso, em 1972, Bushnell fundou a famosa companhia Atari, que 4 anos depois foi vendida para a Warner por 28 milhões de dólares.

6 simple rules with innumerable combinational possibilities; the competitive urge to destroy your opponent’s spaceship; the pleasure of mastery over a well-defined, consistent system; the challenge of reacting instantly to craft governed by inertial physics; and the sensual buzz of playing with animated patterns of light (POOLE, 2004, p. 39). 34

Assim, conforme argumenta Poole, foi Pong que fez com que as máquinas de fliperama se tornassem um sucesso no mercado, até que, em 1978, o japonês Taito criou outro fenômeno: o famoso jogo Space Invaders (figura 13), que consistia em atirar em inimigos, com uma arma a laser. Space Invaders é considerado um marco para a história dos games, pois foi o primeiro a criar personagens animados, assim como uma tabela de líderes de pontuação, que estimulava um jogador sempre a superar o outro. Ele também foi o primeiro jogo “sem fim”, pois apresentou o conceito de fases, em que cada uma se tornava mais difícil que a anterior.

Figura 13. Space Invaders. Fonte: http://escolabrasileiradegames.com.br/blog/porque-space- invaders-foi-tao-importante. Acesso em: 07 fev. 2020.

Somente nos anos 1980 e no início dos anos 1990 é que os videogames para casa começaram a aparecer, com o surgimento de duas gigantes japonesas: a Nintendo e a Sega. A Sega lançou o console Megadrive, com o icônico personagem Sonic (figura 14) e a Nintendo criou o Super NES e o famoso personagem Mario (figura 15). Segundo Poole, apesar do sucesso dos fliperamas, foi com a influência da Nintendo e da Sega que muitos adolescentes dos anos 1980 e 1990 se tornaram fanáticos por games, consolidando uma cultura do videogame, que se torna mais complexa à medida que as companhias fazem inovações tecnológicas. Em 1989, a Nintendo criou o Game Boy, um videogame portátil, que se tornou verdadeiro sucesso com os jovens dos anos 1990. Nesse mesmo ano, a companhia também decidiu trocar a pequena fita cassete do Super NES por um CD-ROM, inaugurando uma nova era dos videogames, que poderiam oferecer jogos muito maiores em termos de arquivo. 35

Figura 14. Personagem Sonic, Sega. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=WxMskhDXLYg. Acesso em: 14 abr. 2020.

Figura 15. Personagem Mario, Nintendo. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ZnC0VAe2pFc. Acesso em: 14 abr. 2020.

A Nintendo e a Sega, no entanto, não tinham a experiência em hardware da Sony, que passou a ocupar o primeiro lugar no mercado dos videogames, com a criação do console Playstation, em 1995. No mesmo ano, a Sega criou o Saturn e, dois anos depois, a Nintendo lançou o Nintendo 64, mas nenhum deles foi capaz de combater o sucesso da Sony. De acordo com Poole, isso aconteceu porque os jogos do Playstation, do ponto de vista artístico, trouxeram um realismo virtual superior ao que já havia no mercado, lançando sucessos como Sould Blade, WipEout 2087 e Tomb Raider. A grande aposta da Sony, além do investimento em hardware e design, foi a consideração de que os videogames não eram somente entretenimento para crianças, como a Nintendo e a Sega acreditavam, mas também eram para adultos. Como aponta Poole, nos anos 2000, nos Estados Unidos, 61% dos jogadores tinham mais de 18 anos, sendo que 21% deles tinham mais de 36 anos. A 36

razão dessas estatísticas é o fato de que, com a cultura do videogame, muitas pessoas passaram a preferir jogar games a assistir televisão, por exemplo. Porém, segundo o autor, o grande sucesso do Playstation se deu por conta da personagem Lara Croft, do game Tomb Raider, lançado em 1996. Caindo no gosto popular, Lara se tornou um verdadeiro ícone dos games e de outros produtos, aparecendo em comerciais da Lucozade e da Nike. De acordo com o autor, em 1999, Lara podia ser vista em anúncios nos ônibus de Londres, assim como em outdoors nos Estados Unidos, recebendo o tratamento de uma verdadeira estrela. O fenômeno de Lara Croft fez com que o mercado publicitário passasse a ver nos games um cenário propício para a publicidade. No jogo WipEout 1097, do Playstation, ao longo do cenário, é possível ver anúncios da marca de jeans Diesel, assim como dos energéticos Red Bull. No jogo Crazy Taxi, da Sega, é possível ver personagens pedido comida na Pizza Hutt. A indústria musical também viu oportunidades de divulgar seus artistas nos videogames. A banda britânica de rock Ash fez uma canção para a trilha sonora do jogo Gran Turismo. Já David Bowie fez um álbum para trilha sonora completa do game Omikron: The Nomad Soul. Também é possível encontrar a presença do cinema no universo dos games. Segundo Poole, o famoso jogo Final Fantasy: The Spirits Within contou com atores de Hollywood para fazer a dublagem dos personagens, como Steve Buscemi, Jame Woods e Donald Sutherland. Dessa maneira, as ambições dos consoles de videogames foram aumentando, tornando-se máquinas para além dos jogos. O Playstation 2, da Sony, por exemplo, prometia ser um único aparelho para a sala de estar, já que ele era capaz de reproduzir CDs, DVDs e se conectar a câmeras digitais, impressoras, scanners e outros dispositivos. Em 2002, uma nova versão do mesmo console ainda permitia o acesso à internet, portanto, no mesmo aparelho o usuário poderia jogar, usar o e-mail, fazer download de músicas e filmes, entre outras possiblidades. Na mesma época, em 2001, a Microsoft lançou o Xbox, um console que nativamente já apresentava essas capacidades. Desde o estudo de Poole, cada vez mais inovações tecnológicas são incorporadas aos consoles. O atual Playstation 4 e o Xbox One são capazes de reproduzir também blu-rays7 e caminham cada vez mais

7 Formato de disco com grande capacidade de armazenamento, considerado o sucessor do DVD. 37

na direção de serem uma plataforma integrada à internet, permitindo que os usuários joguem online, compartilhem suas partidas, conversem em tempo real, assistam a filmes, entre outras funcionalidades. Além disso, os jogos em mídia física (CDs, DVDs e blu-rays) estão desaparecendo, pois os usuários podem comprar seus games nas lojas virtuais e apenas baixá-los em seus consoles. O consumo sob demanda também tem sido alvo de investimento por parte das empresas. Em uma espécie de Netflix dos jogos, através de uma assinatura mensal, o Xbox oferece um catálogo de games para o usuário, sem a necessidade de comprá-los individualmente. Para entender de forma mais completa a evolução dos games ao longo da história, Poole também os categoriza em nove tipos principais, a saber: tiro, corrida, plataforma ou exploração, luta, simulação, estratégia em tempo real, esporte, quebra-cabeças e RPGs, as quais exploraremos a seguir. O autor também menciona a possibilidade de hibridização entre os gêneros, conforme também comentaremos ao final da categorização. De acordo com Poole, os games de tiro são aqueles em que “você está com o dedo sobre o gatilho, foca em um inimigo e dispara” (POOLE, 2004, p.46, tradução nossa)8. Citado anteriormente, Space Invaders não é o primeiro jogo de tiro, mas é considerado o mais revolucionário do gênero para a sua época, dando origem a outros títulos nos anos 1980, como Asteroids, Robotron, Defender, Galaxian, Scramble, Tempest, entre outros. A partir disso, esses games foram se tornando cada vez mais complexos, e, nos anos 1990, a representação de “tiro em primeira pessoa” foi criada em Doom, com a visão em que observamos apenas a arma do personagem, como se fôssemos nós mesmos. Em 1998, Poole também argumenta que Half-Life inovou ao incluir outras atividades além de atirar, como explorar e resolver enigmas. Hoje, podemos citar alguns outros títulos famosos no gênero, como Battlefield, BioShock, Call of Duty, Halo, Counter-Strike, entre outros. Já os games de corrida consistem em “um único prazer: a sensação de se andar em um veículo ao redor de um ambiente realista, em velocidades suicidas” (POOLE, 2004, p. 52, tradução nossa)9. Segundo o autor, o primeiro game do gênero foi o arcade Pole Position, lançado em 1982, no qual era necessário

8 You’ve got yout finger hovering over the trigger, you line up na enemy and you fire (POOLE, 2004, P. 46). 9 unique pleasure: the feeling of hurling a vehicle around a realistic environment at suicidal velocities (POOLE, 2004, p. 52). 38

controlar o carro através de uma máquina que apresentava um volante e pedais. Na tela, via-se a pista rolando, sem qualquer realismo. Hoje, as imagens estão cada vez mais sofisticadas, dando maior autenticidade à sensação de velocidade, como no famoso game Gran Turismo. De acordo com Poole, uma das novidades inauguradas pelos games de corrida foi a possibilidade de competir entre duas pessoas ao mesmo tempo, através de dois controles. Ainda de acordo com o autor, nessa categoria, podemos perceber vários subtipos de jogos de corrida. Há aqueles que não têm compromisso com a realidade e o jogador pode escorregar na pista, colidir com outros competidores, fazer manobras arriscadas, sem se preocupar com a integridade do carro ou do personagem. Já outros consideram os danos reais que o carro sofreria, assimilando- se mais aos simuladores de direção. Há também os que criam competições não tradicionais, em cenários e carros fantasiosos, como Super Mario Kart, no qual é possível coletar objetos na pista, como bananas, e usá-los para que outros oponentes escorreguem. Além dos videogames citados por Poole, atualmente se destacam os títulos Need for Speed, Forza Horizon, Forza Motorsport e Project Cars. Em seguida, Poole apresenta os games de exploração e nos esclarece que o primeiro título do gênero foi Donkey Kong, criado em 1981, por Shigeru Miyamoto. O videogame apresentava dois personagens: um carpinteiro barbudo e um macaco gigante. No jogo,

o carpinteiro, sob a direção do jogador, tinha que começar na parte inferior da tela, pulando para evitar os barris lançados pelo enfurecido símio, subir escadas e atravessar plataformas para chegar ao topo, onde poderia derrotar o macaco e resgatar a princesa (POOLE, 2004, p. 56, tradução nossa)10.

Assim, Donkey Kong deu origem a um novo gênero chamado por muitos de jogos de plataforma. O carpinteiro do primeiro game foi transformado no famoso encanador Mario, que ganhou seu jogo como personagem principal. Foi o jogo Mario Bros (figura 16), lançado em 1983, que introduziu o conceito mais aceito de plataforma: “os inimigos são destruídos, não por armas de projétil, mas por um método caricatural de saltar para plataformas embaixo deles para derrubá-las, e, em

10 The Carpenter, under the player’s direction, had to begin at the bottom of the screend and, jumping to avoid barrels thrown by the infuriated simian, climb ladders and move across platforms to reach the top, where he could defeat the monkey and rescue a princess (POOLE, 2004, p. 56). 39

seguida, subir em cima delas enquanto ainda estão confusos” (POOLE, 2004, p. 57, tradução nossa)11. Super Mario Bros, de 1985, também trouxe outra novidade aos jogos: a possibilidade de adquirir poderes, ganhar vidas extras e lutar a tradicional batalha com o “chefão” ao final de cada fase ou nível.

Figura 16. Mario Bros. Fonte: https://www.terra.com.br/diversao/games/criador-de-mario-revela-por- que-luigi-e-verde,8a41a56c52fed310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html. Acesso em: 07 fev. 2020.

Apesar do termo “plataforma” ter consolidado esse tipo de game, Poole acredita que a palavra já esteja desatualizada, pois a expressão se refere a bordas sólidas, como algo feito de tijolo, madeira ou aço. A partir de Super Mario 64, lançado em 1996, os jogos passaram a ser tridimensionais (3D), portanto, o que os agrupa não é a sua característica estética, mas a sua finalidade principal: explorar o ambiente sem saber o que se encontrará adiante. Atualmente, o gênero se destaca por trazer novas versões que revivem os famosos personagens Mario e Sonic. Seus elementos também podem ser encontrados em jogos diversos, como Tomb Raider. Dando continuidade à categorização, os games de luta são aqueles em que os oponentes se enfrentam em uma batalha utilizando movimentos de artes marciais e, algumas vezes, poderes mágicos. De acordo com Poole, os primeiros videogames famosos do gênero foram Street Fighter, lançado em 1991, e Mortal Kombat, em 1992. Nesse tipo de game, é possível escolher dentre uma série de

11 enemies are destroyed, not by means of projectile weapons, but by the cartoonish method of jumping into platforms underneath them to knock them over (POOLE, 2004, p. 57) 40

personagens, de acordo com suas habilidades e fraquezas. O autor argumenta que os jogos de luta são um dos mais inclusivos, pois costumam retratar personagens de diferentes origens étnicas, por exemplo, uma lutadora de jiu-jitsu coreana. No entanto, reiteramos que apesar da visão idealista de Poole, esses jogos também podem apresentar estereótipos dessas etnias, por exemplo, o fato de um lutador de capoeira ser necessariamente negro. Porém, para além das dimensões étnicas que não nos cabe aqui discutir, conforme o autor destaca, esses jogos exigem um domínio mais complexo dos controles, pois são necessárias algumas combinações especiais para a realização dos chamados “combos”, isto é, golpes especiais. Esse gênero também não exige muita criatividade do jogador, já que basta que ele saiba como criar estratégias táticas para que vença a luta. Anos depois, os títulos mais famosos de luta continuam sendo novas versões de Street Fighter e Mortal Kombat, mas também se destacam alguns outros títulos como EA Sports UFC e Dragon Ball FighterZ. Na sequência, Poole apresenta os games de simulação, também chamados de God games (tradução livre: jogos de Deus), que consistem em administrar cidades, através da construção de prédios, parques, museus, casas, escritórios, para, em seguida, povoá-las com habitantes. A referência ao jogador como “Deus” ocorre pelo fato de ele ser colocado na posição daquele que tudo controla. Segundo Poole, há dois tipos de atração por esses videogames. A primeira é a possibilidade de cuidar de uma população, assim como se cuida de um animal de estimação. A segunda é o instinto narcisista do jogador de controlar algo e obter reconhecimento pelo sucesso, como uma forma de fama. Apesar de considerá-los tediosos, o autor afirma que eles têm obtido muito sucesso entre os jogadores, pois há aqueles que preferem ter uma experiência mais relaxante, ao contrário da tensão exercida por outros gêneros de jogos, como os de tiro ou de luta, por exemplo. O game mais expressivo do gênero até os dias de hoje é SimCity, que posteriormente deu origem a The Sims, outro clássico dos jogos. Enquanto no primeiro o foco é a cidade, no segundo há maior envolvimento pelas pessoas que a habitam, de maneira que o jogador pode criar personagens que trabalham, dormem, cozinham, relacionam-se entre si, entre outras atividades. Além de cidades, jogos desse tipo também podem solicitar que se administrem outros tipos de empreendimentos, como indústrias, fazendas, parques de diversão etc. 41

Os games de estratégia, de acordo com Poole, são similares aos de simulação, pois também há uma posição de “Deus”, no entanto, o objetivo é diferente. Ao invés de administrar uma cidade ou um empreendimento, é preciso comandar tropas em campos de batalha, tomando decisões como se mover, atacar ou defender. Assim, o principal elemento desse gênero é fazer estratégias, a partir de cálculos táticos, que demandam mais ações cognitivas que os demais gêneros de jogos já descritos, afinal, é necessário pensar de forma lógica e combinar pensamento e ação. Segundo o autor, o primeiro jogo do gênero foi Missile Command, lançado em 1980 para Atari, mas um dos grandes títulos de sucesso foi Command and Conquer. Também podemos destacar os clássicos Age of Empires, Civilization e League of Legends. Além disso, videogames de outros gêneros como Halo (tiro) também podem apresentar elementos de estratégia. O próximo gênero explorado são os games de esporte, que, conforme o próprio nome indica, são jogos em que o jogador pode ser uma estrela do basquete, do tênis, do futebol, ou de qualquer outro esporte. Devido à popularidade desses esportes, esse tipo de game também é bastante popular e apresenta uma vantagem sobre os demais: os jogadores já conhecem as suas regras. Apesar disso, o autor argumenta que se trata de uma atividade muito diferente de praticar o esporte na vida real, pois nesses jogos é possível assumir o papel de um atleta profissional ou até mesmo de um ídolo. Assim, os jogos de esporte não substituem a atividade física, mas trazem outra possibilidade de interagir com os esportes favoritos, para além da televisão. Poole menciona que o primeiro jogo do gênero foi Pong. Hoje, podemos destacar alguns títulos como FIFA e NBA Live. Já os games de quebra-cabeça são aqueles que desafiam a mente do jogador, pois demandam reflexos, velocidade, reconhecimento de padrões e imaginação espacial. Embora todos os videogames tenham desafios, estes são mais abstratos e representacionais. Um dos marcos do gênero foi a criação do famoso Tetris, mencionado anteriormente, idealizado pelo matemático soviético Alexei Pajitnov. Nesse jogo, como já vimos, combinações diferentes de blocos caem pela tela e o objetivo é que o jogador encaixe perfeitamente cada um deles em relação aos que já caíram. Diferentemente de outros tipos de jogos, em Tetris não há personagens, assim, ele é puramente abstrato e simbólico. Outra representação comum do gênero são aqueles em que se deve lançar bolhas coloridas que eliminam outras da mesma cor, conhecidos como “bubbles”, também já 42

mencionados Podemos citar como exemplo a saga famosa de redes sociais Bubble Witch. Além disso, destacam-se também os jogos de combinar peças iguais para eliminá-las, conhecidos como “bejeweled”, por exemplo, Candy Crush. Além disso, Poole também destaca que muitos outros gêneros podem utilizar elementos de quebra-cabeças ao trazer enigmas a serem resolvidos, como manipular certos objetos do cenário para desbloquear passagens secretas, tal como Tomb Raider, por exemplo. Para finalizar a classificação, Poole apresenta os RPGs ou games narrativos. De acordo com autor, nesse gênero é comum a existência de uma aventura épica, permeada por uma série de mitologias, que envolvem mágica e criaturas sobrenaturais como dragões, elfos, magos e trolls. No entanto, Poole alerta que, apesar de o gênero ter ficado famoso pelas criaturas mitológicas de Tolkien – autor dos livros O Senhor dos Anéis e O Hobbit –, a essência de um RPG é se tornar um personagem em um mundo ficcional, através de uma narrativa interativa, isto é, aquela em que é possível tomar decisões. Além disso, também é comum a possibilidade de customização do personagem, tanto em sua aparência, como em relação ao desenvolvimento de suas habilidades. Poole afirma que o primeiro game do tipo foi Advent, mas faz a consideração de que os RPGs já existiam antes dos videogames, como o famoso RPG de mesa Dungeons & Dragons, fenômeno entre os jovens dos anos 1970. Apesar disso, o primeiro título de sucesso no mundo dos videogames foi Final Fantasy (figura 17) que teve seu primeiro jogo da série lançado em 1987 e continua a cativar fãs até hoje, com suas novas versões. Outro sucesso, criado por Shigeru Miyamoto, autor de Mário Bros, é a série The Legenda of Zelda, que marcou a exploração do desenho em 3D em jogos. Além disso, podemos destacar alguns outros títulos importantes, como Diablo, World of Warcraft e The Elder Scrolls. 43

Figura 17. Final Fantasy. Fonte: http://contemgames.com.br/historia/jogos/1987-Final-Fantasy.aspx. Acesso em: 07 fev. 2020.

Apesar dessas classificações, o autor argumenta que a tendência é que, com o tempo, cada vez mais os gêneros de games se hibridizem, por exemplo, um RPG, que também pode ser considerado um videogame de tiro. Sua organização sistemática também não é consenso entre as lojas virtuais de jogos. A loja do Xbox, por exemplo, considera os seguintes gêneros: ação e aventura, luta, indie, crianças e família, corrida e voo, RPG, atirador, esportes e estratégia. Já a loja do Playstation categoriza os jogos em: ação, aventura, arcade, família, combate, terror, festa, quebra-cabeça, corrida, RPG, tiro, esportes e estratégia. Temos nesses exemplos algumas categorias novas não descritas por Poole, como ação e aventura, indie, corridas e voo, crianças e família, terror e festa. “Indie” são aqueles jogos criados por pessoas comuns ou pequenas equipes sem apoio financeiro. “Corridas e voo” é uma extensão da categoria “corrida”, a qual passa a considerar também jogos não somente de corrida de carros, mas também de aviões e naves espaciais. “Crianças e família”, como o próprio nome indica, são jogos destinados ao público infantil. “Terror” são jogos que inspiram medo e “festa” os que inspiram alegria, como divertir-se em um parque de diversões, por exemplo. Já “ação e aventura” necessita de um olhar mais atento. A categoria “ação e aventura” é um exemplo de hibridização, pois costuma envolver jogos que misturam diversas características de outros gêneros, por exemplo, a série Tomb Raider. Nesse jogo, que também é nosso objeto de inspiração, podemos encontrar elementos dos jogos de tiro, de luta, de exploração, de quebra-cabeças e de RPG. Embora não tenhamos trazido essa faceta para 44

nosso material, Lara Croft (figura 18), a personagem principal, é famosa por suas pistolas (e nas versões atuais, também por seu arco e flecha), já que uma de suas atribuições no game é eliminar ou abater inimigos, o que nos remete aos jogos de tiro. Lara também é muito habilidosa em lutar, podendo enfrentar um inimigo sem armas, o que configura um elemento de luta. A personagem, por ser arqueóloga, é uma exploradora nata e nunca sabemos o que vamos encontrar adiante no cenário, característica dos games de exploração (ou plataforma). Além disso, os enigmas de Tomb Raider são verdadeiros ícones da saga, afinal, Lara precisa explorar tumbas, atravessar passagens secretas, encontrar relíquias e documentos escondidos, entre outras tarefas que demandam que o jogador solucione enigmas, o que se assemelha muito ao gênero quebra-cabeças. Não é raro que seja necessário combinar determinados objetos do cenário para conseguir desobstruir uma passagem bloqueada, por exemplo.

Figura 18. Lara Croft, em versão antiga e atual. Fonte: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2016/11/lara-croft-completa-20-anos-e-segue- como-personagem-feminina-mais-famo.html. Acesso em: 07 fev. 2020.

Apesar de não ser propriamente um RPG, por não apresentar possibilidades de interferir diretamente na narrativa, Tomb Raider também traz uma aventura épica e incentiva que o jogador se torne um personagem no mundo virtual, no caso, Lara Croft, uma arqueóloga britânica. Outro elemento dos RPGs, também amplamente utilizado nas novas versões de Tomb Raider, é a possibilidade de atribuição de pontos para a customização da personagem. Em Rise of the Tomb Raider, lançado em 2015, por exemplo, o jogador pode direcionar pontos para que Lara seja Combatente, Caçadora ou Sobrevivente. 45

As habilidades de Combatente incluem melhorar seus ataques de combate corporal, como eliminar inimigos de forma furtiva, realizar contra-ataque, esquivar-se e melhorar sua capacidade de cura, como tornar-se mais resistente a quedas, ferimentos e danos causados por inimigos. Já as habilidades de Caçadora são aquelas relacionadas ao domínio do arco e flecha e das suas armas, como recuperar flechas, aprimorar a mira, disparar simultaneamente duas ou três flechas, dar tiros certeiros, dominar certo tipo de arma, entre outras. Por fim, as habilidades de Sobrevivente permitem criar bombas explosivas e armadilhas, encontrar objetos mais facilmente, escalar com maior habilidade etc. Dessa maneira, games híbridos como Tomb Raider se tornam cada vez mais comuns. The Witcher III, por exemplo, é também um videogame de ação e aventura que mescla elementos de luta, de quebra-cabeça e RPG. Muitos títulos famosos também são híbridos, como Uncharted, Far Cry, Horizon Zero Down, Monster Hunter World, Gof of War, Metal Gear Solid, entre outros. Essa classificação aqui exposta, embora possa ser questionada, ajuda-nos a perceber algumas semelhanças no modo de funcionamento de certos jogos e nos auxiliam a explicar algumas escolhas do percurso gamer, conforme exploraremos mais adiante. É importante pontuar que, para o uso educacional de games, não há modelos melhores ou piores, mas nesta pesquisa buscamos soluções que permitiam as aprendizagens pretendidas, no caso, relativas à escrita nas esferas científica e de divulgação científica.

46

2. GAMES E EDUCAÇÃO

Neste capítulo, vamos apresentar primeiramente os potenciais dos games para a educação, do ponto de vista da imersão e da encarnação de personagens. Em seguida, abordaremos as principais utilizações dos games em contexto educacional, a partir de dois campos de estudo: a gamificação e a Game-Based Learning, conhecida no Brasil como Aprendizagem Baseada em Jogos. Mostraremos quais são seus principais embasamentos teóricos e aplicações. Refutaremos alguns princípios de certas perspectivas de gamificação, por considerarmos que algumas delas defendem prioritariamente a aplicação de mecânica de jogos, embora outras apresentem alguns elementos que podem ser aplicáveis no ensino, como a resolução de problemas, por exemplo. Em relação à Aprendizagem Baseada em Jogos, aproveitaremos o potencial de utilizar os games como mundos imersivos.

2.1. Potenciais dos games para a educação

Para apresentar os potenciais dos games para a educação, embasaremos-nos principalmente no referencial teórico de Gee (2007; 2014). Para o autor, os jogos digitais apresentam 36 princípios que podem ser aproveitados para a aprendizagem. No entanto, utilizaremos essencialmente dois deles: o Princípio do Significado Situado e o Princípio da Identidade, organizados de acordo com nossa visão sobre o assunto.

2.1.1. Aprendizagem por imersão e experiência

Um dos potenciais dos games para a educação, de acordo com Gee (2014), é o fato de que o jogador pode aprender por imersão e experiência, enquanto a escola insiste que o estudante aprenda teoricamente primeiro, para depois atuar, aplicar e praticar. Isso acontece porque, segundo Gee, as visões tradicionais de aprendizagem consideram a mente e não o corpo. Isto é, nessas perspectivas, a aprendizagem está relacionada a generalizações, princípios, regras, abstrações e lógicas, como se a mente humana fosse um grande computador. No 47

entanto, outra visão sobre a aprendizagem humana e o pensamento entende que os humanos aprendem, pensam e resolvem problemas a partir da reflexão de suas experiências prévias vivenciadas no mundo, chamadas pelo autor de experiências incorporadas (embodied experiences), em uma metáfora da mente como uma rede de computadores. Nessa perspectiva, os seres humanos não somente armazenam suas experiências na mente, mas também fazem conexões e associações delas, que são cruciais para aprender, pensar e resolver problemas. O autor explica que, nesse processo, quando as pessoas encaram uma nova situação, alguns elementos as fazem se lembrar de experiências que já tiveram no passado. Esses elementos, por sua vez, são chamados de “padrões” armazenados na mente. Um exemplo do que são “padrões” é dado por Gee ao mencionar o que ocorre quando alguém solicita que se pense em um quarto. Imediatamente, a pessoa imaginará a figura de um quarto típico para ela. Essa “figura” não é exatamente uma imagem, mas sistemas neurais que representam um conjunto de conceitos associados a quartos, como camas, tapetes, abajures, entre outros, formando um padrão de quarto na mente de cada indivíduo. Desse modo, para o autor, é possível pensar a mente como um conjunto de nós ligados uns aos outros, o que corresponde a noção de “frame”, utilizada na linguística. O quão forte esses nós estão associados é que formam um determinado padrão. Apesar de a mente humana ser uma poderosa reconhecedora de padrões, o autor defende que nem tudo acontece somente nela, pois há padrões que são sistematizados e normatizados pelos grupos sociais e, dessa maneira, não estão armazenados em nenhum sujeito específico. Para entender como isso acontece, Gee dá um exemplo de um clube de observação de aves, certo tipo de grupo de afinidade. Os integrantes desse clube são bons em observar pássaros, através do reconhecimento de certos padrões, que permitem associar o animal visto a um determinado tipo de ave. Assim, a primeira coisa que esse grupo de afinidade precisa fazer é garantir que todos os seus membros tenham tido experiências prévias que permitam formar tais padrões. Por exemplo, é possível que certa pessoa nunca tenha visto um pássaro em um campo aberto, o que poderia levá-la a formar um padrão equivocado de que não existem aves que vivem nesse tipo de ambiente. Por essa razão, os membros do clube precisam checar cada informação cuidadosamente, para que não sejam repassadas informações erradas a outros participantes. 48

O que Gee pretende demonstrar com esse exemplo é que os padrões não estão apenas nas mentes dos indivíduos. Os membros do clube, como seres humanos individuais, têm uma série de padrões em suas mentes sobre os tipos de pássaros. No entanto, o clube, como um grupo social, tem normas e valores que determinam certos padrões como ideais e aceitáveis. Nesse sentido, não há padrões certos ou errados, apenas padrões aceitos ou não por alguns grupos de afinidades. Esse padrão considerado “ideal” também não é definitivo e pode mudar de acordo com o tempo, o que faz com que essas normas sejam contestadas e negociadas a todo instante. Desse modo, posicionando-se a favor da perspectiva da mente social, Gee argumenta que os videogames encorajam formas situadas, experimentais e incorporadas de aprender e pensar. Para entender isso, o autor utiliza exemplos do game (figura 19). Esse jogo combina dois diferentes gêneros de videogame: é um jogo de tiro em primeira pessoa, pois o jogador deve eliminar uma série de inimigos, mas também é um RPG, pois é necessário tomar decisões que afetam a narrativa e constroem o caráter do personagem.

Figura 19. Deus Ex. Fonte: https://www.denofgeek.com/us/games/deus-ex/250705/deus-ex-mankind- divided-delayed-by-six-months. Acesso em: 10 fev. 2020.

Antes de começar o game, é preciso escolher o nome e a aparência do personagem. Apesar de poder escolher qualquer nome real, o codinome sempre será J. C. Denton, um agente especial secreto da UNATCO (Coalização Anti- Terrorista das Nações Unidas). Denton não é completamente humano, pois ele e seu irmão, Paul, foram “melhorados” a partir de uma tecnologia que permite desenvolver habilidades avançadas, através do uso de “organismos nanites”, 49

pequenos robôs que podem se incorporar a células humanas. Após escolher o nome real e a aparência de J.C., é necessário distribuir certo número inicial de pontos entre 11 habilidades (computação, eletrônica, treinamento de campo, desbloqueio de travas, medicina, natação e habilidades com diferentes armas, incluindo dispositivos de demolição, armas pesadas, pistolas, rifles etc.). Cada uma dessas habilidades está disponível em quatro níveis de domínio (não treinado, treinado, avançado e mestre), assim, conforme o jogo avança, é possível ganhar pontos adicionais e incrementá-las. A escolha por certas habilidades afeta diretamente como o jogador interage com o game. Por exemplo, se o personagem tiver desenvolvido a habilidade de desbloqueio de travas, poderá facilmente entrar em determinados locais. Caso não a tenha, é preciso encontrar a chave. O mesmo acontece com a habilidade de armas de demolição, caso não seja avançada, certamente o personagem morrerá quando tentar desarmar uma bomba. No entanto, as habilidades não são a única forma de personalizar J.C., pois ele é “nano-melhorado”. Há espaços no personagem para que sejam colocadas peças de nano-melhorias, que podem ser encontradas ao longo do jogo. Elas também influenciam na maneira como o personagem age, o que permite ganhar vantagens em desafios e lutas contra inimigos. Além das habilidades e nano-melhorias, as decisões do jogador também afetam o destino do personagem, pois, ao longo do jogo, Denton conversa com outros personagens e há diferentes possibilidades de resposta e tomadas de decisão, o que afeta quem ficará a favor de J.C. ou contra ele. Quando o jogo começa, o personagem entra em um mundo futurístico, no qual o crime, o terrorismo e as doenças estão fora de controle. Uma terrível praga, chamada de Morte Cinza, está tomando as cidades e matando milhares de pessoas. Há apenas uma cura, a rara e secreta vacina Ambrosia, criada pela Corporação VersaLife. Uma das missões da UNATCO é levar a Ambrosia para políticos e bilionários, já que não há interesse em que ela seja conhecida publicamente. Então, na primeira missão, na Estátua da Liberdade (Nova York, EUA), J.C. Denton deve eliminar um grupo terrorista chamado NSF, que descobriu a existência da vacina e pretende replicá-la e fazê-la publicamente conhecida. A partir desse enredo, Gee analisa que Deus Ex envolve uma série de dilemas morais, pois descobrimos que os integrantes da NSF não são os vilões e os da UNATCO não são os heróis, já que estes últimos querem beneficiar uma 50

pequena elite global que controla o governo e ajudar a devastar o mundo, lucrando com isso. Portanto, em determinado momento, o jogador é forçado a decidir se unir a seu irmão contra a UNATCO ou continuar em sua missão. Ao final do game, três personagens tentarão convencer o jogador a tomar determinadas ações, que levam a três finais diferentes. O primeiro diz que J.C deve se infiltrar na pequena elite corrupta e egoísta, e, com a ajuda de aliados, substituí-la por uma elite mais bondosa e não corrupta. O segundo diz que a elite corrupta controla o mundo através das redes de comunicação, então encoraja o jogador a destruir as tecnologias, para que a humanidade possa retornar a um mundo primitivo. Por fim, o terceiro diz que o mundo sempre será governado por uma elite corrupta e passional, pois essa é a natureza humana, então sugere ao jogador que o planeta seja governado por inteligência artificial. Gee argumenta que, semelhantemente a outros bons videogames, Deus Ex permite que o jogador tenha múltiplas soluções para um mesmo problema, ou seja, é possível fazer escolhas que combinem com o jeito de aprender, pensar e agir de cada pessoa. Acreditamos que essa possibilidade de escolha pode ser muito importante para a aprendizagem de escrita. Na visão do autor, isso seria diferente dos livros e filmes, pois nestes a história começa em um episódio inicial e, após uma série de acontecimentos, chega-se ao final. Nessa perspectiva, o leitor e/ou o espectador não tem poder de interferência, pois a ordem dos eventos já está pré- determinada pelo “autor” da narrativa. Entendemos que a postura de Gee sobre a narrativa dos games é ingênua, pois sabemos que os livros e filmes nem sempre apresentam narrativas lineares. Tradicionalmente, a crítica literária considera que o leitor sempre tem a possibilidade de ler um livro como desejar, inclusive, de forma não linear. Entretanto, isso ainda não é suficiente para entender o fenômeno das narrativas nos jogos digitais. Nesse sentido, Aarseth (1997) argumenta que os games podem ser considerados como literatura ergódica. Esse tipo de texto extrapola a possibilidade metafórica de manipulação do leitor na narrativa, através da criação concreta de novos caminhos na estrutura textual. O fenômeno, como argumenta o autor, é antigo e não está relacionado ao surgimento do computador e da internet, como se costuma pensar. Livros como o milenar I Ching, da cultura chinesa, já operam na lógica que hoje se chama hipertextual. Ao manipular três moedas, forma-se um hexagrama que combina três textos diferentes de maneira inédita, em 4.906 51

possibilidades. Outro exemplo é o famoso Jogo da Amarelinha, de Júlio Cortazar, no qual o escritor indica diferentes sequências textuais para ser feita pelo leitor, o que permite entendimentos diversos sobre a mesma narrativa. Para Aarseth, assim como também acreditamos, os games apresentam o mesmo fenômeno, porém ainda com a possibilidade da criação de novos caminhos em um mundo virtual, o que gera uma nova dinâmica espacial. Essa dinâmica narrativa dos videogames é chamada por Gee (2014) de histórias incorporadas (embodied stories), que representam as experiências vivenciadas no mundo virtual, permeadas por percepções, ações, escolhas e simulações de ação e diálogo. É preciso se preocupar com questões como “onde estou?”, “o que preciso encontrar?”, “o que preciso fazer?”, isto é, as metas do jogo constroem progressivamente a narrativa, de acordo com as escolhas do jogador, que podem ser mais ou menos direcionadas pela estrutura prévia do jogo. Como já apontamos anteriormente em outros momentos, há games de mundo aberto que permitem maior liberdade de escolha ao jogador, enquanto outros encaminham o jogador para uma determinada história relativamente fixa. Mais adiante, mostraremos como as metas contribuem para a criação das condições de produção de atividades escritas. Por conseguinte, de acordo com Gee, enquanto os videogames apostam nesse tipo de aprendizagem baseada em experiências e histórias incorporadas, que permitem a postura ativa do jogador, a escola praticamente a desconsidera. A aprendizagem nos games se dá no que Gee chama de ciclo de sondagem, formulação de hipóteses, (re)sondagem e reconsideração (figura 20). Em um bom videogame, de acordo com o autor, o jogador pode sondar o mundo virtual, o que envolve procurar objetos, interagir com personagens e se engajar em determinada ação. Em seguida, baseado em sua reflexão enquanto sondava o espaço, o jogador pode criar uma hipótese sobre algo, por exemplo, os significados de um texto, um objeto, um artefato, uma ação, para a continuidade da história. Isso faz com que o jogador possa (re)sondar o mundo a partir de sua hipótese e, então, verificar o que acontece. Após fazer isso, o jogador tem uma resposta para suas ações, o que lhe permite repensar sua hipótese original, reconsiderando-a.

52

Sondagem

Formulação de Reconsideração hipóteses

(Re)sondagem

Figura 20. Ciclo da aprendizagem materializada, segundo Gee (2014). Fonte: original.

Para entender o que Gee propõe com esse ciclo, podemos dar um exemplo concreto de como isso acontece em um game. Em Rise of Tomb Raider (figura 21), por exemplo, quando Lara Croft encontra uma tumba secreta, ela não consegue acessar todos os seus locais, pois estão com certas barreiras de passagem. É preciso, então, desvendar enigmas para conseguir prosseguir no ambiente. O ambiente apresenta alguns objetos soltos, como baldes, cordas, pedras, carrinhos de mão, escadas, ferramentas, entre outras possibilidades. O jogador precisa, então, sondar esse espaço para entender como esses objetos podem ser combinados e utilizados para acessar o local pretendido. Por exemplo, ele formulará uma hipótese de que quebrando uma pedra a personagem conseguirá subir em uma parte que outrora estava inacessível na escada. A hipótese será colocada em ação e o jogador poderá (re)sondar o ambiente para ver se ela funcionou. Caso funcione, poderá prosseguir, caso não funcione, deverá reconsiderar o que fez e iniciar uma nova sondagem. 53

Figura 21. Um dos jogos da franquia: Rise of Tomb Raider. Fonte: https://www.eurogamer.pt/articles/digitalfoundry-2015-rise-of-the-tomb-raider-analise-tecnologica. Acesso em: 07 fev. 2020.

Segundo Gee, isso não acontece somente nos games, mas também é a maneira como nós, humanos, aprendemos a sobreviver no mundo. Por exemplo, uma criança aprende através da ação e reflexão de seus próprios atos, criando redes de associações mentais de atitudes, palavras, gestos, que constituem aspectos de sua identidade como ser cultural que pertence a uma família, a um grupo social e a uma comunidade. Como esclarece o autor, essas associações não são definitivas e as pessoas podem transformá-las, através de novas experiências. Nessa perspectiva, é necessário mobilizar os padrões já estruturados na mente para utilizá-los de maneira apropriada em cada situação, adaptando-os. Essa visão social da mente, como argumenta Gee, é muito diferente da visão tradicional da psicologia. Nesta última, a mente pensa através de “fatos” armazenados e grandes generalizações. Já na outra visão, a mente pensa com base em imagens armazenadas de experiências, isto é, tipos de simulações que estão interligadas umas as outras de maneira complexa, mas que sempre são adaptadas às novas experiências que temos no mundo. Essas duas visões da mente têm consequências em como as escolas agem com os alunos:

se você acredita na visão tradicional [armazenamento de fatos], acha que as escolas devem ensinar as crianças a memorizar os fatos e que devem lhes dizer explicitamente generalizações importantes. Se você acredita na outra visão [mente social], você acha que as escolas devem proporcionar às crianças experiências incorporadas e, por meio delas, formar redes de associações que são 54

continuamente testadas no mundo (GEE, 2014, p. 101, tradução nossa)12.

Portanto, de acordo com o autor, o grande problema de algumas escolas é que as práticas pedagógicas não favorecem que o aluno descubra e teste padrões, como nos games, mas apenas armazene fatos e conteúdos. Porém, se as pessoas apenas tiverem listas de fatos em suas mentes, elas não serão capazes de enfrentar situações novas, já que não saberão como aplicá-los. Concluimos, a partir da argumentação de Gee, que os games podem contribuir para a aprendizagem por imersão, pautada em experiências incorporadas, nas quais o jogador é colocado em posição ativa para fazer sondagens, hipóteses, (re)sondagens e reconsiderações. Pode-se pensar que esse ambiente de simulação é favorável para que os estudantes façam estudos de caso, busquem resolver problemas, analisem situações, colocando-se na situação apresentada, conforme veremos mais adiante, a partir de exemplos de aplicações educacionais dos games. Para que a simulação ocorra de forma mais produtiva, é importante que o jogador assuma um personagem.

2.1.2. Encarnação de personagens

Conforme vimos no Capítulo 1, a partir da argumentação de Santaella (2007), embora não seja característica essencial dos jogos, muitos games proporcionam a encarnação de personagens. A esse respeito, Gee (2007) defende que os games apresentam a possibilidade de assumir uma postura projetiva, de natureza dual: eles colocam o jogador em um mundo imposto, mas que ao mesmo tempo permite que o jogador possa se impor ao mundo, ao projetar seus desejos, valores e objetivos. Para entender melhor esse conceito, o autor explica que, em um game, o jogador “habita” o personagem virtual, que vive em um mundo virtual. Os personagens virtuais têm mentes e corpos virtuais, baseados na história do game,

12 If you believe the traditional view, you think schools should teach children to memorize facts and should overtly tell them important generalizations. If you believe the other view, you think schools must give children embodied experiences in and through which they can form networks of associations that must continually be rechecked against the world. (GEE, 2014, p. 101) 55

isto é, têm certas crenças, valores, sentimentos, atitudes, atributos e habilidades que lhe são próprias. Por “habitar”, Gee entende que o personagem passa a ser controlado pelo jogador, como se fosse ele mesmo. Isto é, ao assumir o personagem, o jogador passa a ter que pensar e agir como ele. Em outra faceta, o mundo virtual está repleto de objetivos a serem cumpridos. Logo, ao encarnar o personagem, os objetivos dele se tornam do jogador. É durante essa dinâmica que é preciso lidar com a natureza dual da postura projetiva. Por exemplo, no game Thief (figura 22), mencionado por Gee, o jogador incorpora Garret, um ladrão muito habilidoso. Portanto, é necessário roubar, infiltrar- se e passar despercebido pelos guardas e outros personagens da história. O mundo virtual do jogo é projetado para que o jogador interaja com os poderes e as limitações de Garret. Por exemplo, o jogo se passa somente à noite e há diversos locais para se esconder, pois ele tem que aguardar o momento correto de agir. Logo, ele não deveria entrar em lutas corporais diretas ou andar sob a luz, já que isso o faria ser visto. No entanto, o autor argumenta que, embora seja esperada essa atitude ideal do jogador, é possível decidir como agir. Em outras palavras, o jogador pode escolher jogar de maneira não furtiva, enfrentando os inimigos diretamente e expondo Garret ao perigo. Isto é, o jogador projeta no personagem suas intenções, valores, desejos e objetivos.

Figura 22. Thief. Fonte: https://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2014/03/thief-saiba- como-jogar-nova-aventura-de-ladroes.html. Acesso em: 07 fev. 2020.

Podemos dizer que o mesmo acontece em diversos outros games. Nos games da franquia Tomb Raider, como já vimos, o jogador incorpora Lara Croft. Lara é uma arqueóloga, teimosa, obstinada, curiosa e corajosa. O mundo virtual do jogo 56

convida o jogador a explorá-lo como faria a personagem. Exemplo disso é que estão distribuídos pelo mundo diversos artefatos, relíquias, documentos e tumbas misteriosas para serem exploradas. Muitas vezes, esses objetos e locais não estão evidentes no mapa, mas necessitam que o jogador se aventure para encontrá-los, algo coerente com a personalidade de Lara. Apesar disso, o jogador pode decidir como agir, projetando nela seus desejos e objetivos. É possível, por exemplo, dar continuidade na história sem explorar as tumbas opcionais ou coletar os objetos disponíveis. Essa dinâmica de interação entre o personagem virtual e o jogador também pode ser pensada em termos de identidade. Para entender como isso funciona, Gee (2014) utiliza o exemplo de um game de RPG chamado Arcanum: Of Steamworks and Magick Obscura (figura 23). O game se passa em um mundo chamado Arcanum, composto por uma série de países e cidades. Em tempos remotos, a magia (chamada de “magick”) dominava o planeta, mas depois da chegada da tecnologia, Arcanum se transformou em um local de antigas ruínas, misturadas a complexos industriais. Nesse mundo, várias raças vivem em tensão, entre elas humanos, elfos, gnomos, anões, orcs, ogros, assim como meio-elfos, meio-orcs e meio-ogros (todos híbridos com humanos). O enredo é centrado principalmente nos diversos conflitos entre a magia e a tecnologia.

Figura 23. Arcanum: Of Steamworks and Magick Obscura. Fonte: https://store.steampowered.com/app/500810/Arcanum_Of_Steamworks_and_Magick_Obscura/. Acesso em 16 jan. 2019. 57

Cada personagem tem diferentes níveis de força, constituição, destreza, beleza, inteligência, força de vontade, percepção e carisma. Esses elementos determinam como o personagem se comporta e dialoga com outros no mundo. Por exemplo, um personagem que não é muito forte pode utilizar a inteligência para resolver um problema. Aqueles que são carismáticos podem conseguir ajuda dos outros e assim por diante. O game começa dando ao jogador cinco pontos que podem ser distribuídos entre essas características, com a finalidade de customizar o personagem. Conforme o jogo progride, esses atributos podem ser melhorados, através dos pontos recebidos em missões. Assim, cada jogador pode escolher evoluir seu personagem de uma determinada maneira, orientando-o mais para a magia ou para a tecnologia, posicionando-se diante do conflito existente em Arcanum. Também é possível ganhar dinheiro, para comprar roupas, armas e equipamentos. A história de Arcanum começa com uma catástrofe, na qual o personagem principal, controlado pelo jogador, é um passageiro do Zephyr, um dirigível que é atacado, perde o controle e cai no chão. Os únicos sobreviventes são esse personagem e um homem idoso, que entrega um anel. Na fala do senhor, é necessário entregar o anel ao “garoto”, ou um mal irá destruir o mundo. Dessa maneira, a jornada começa quando é preciso cumprir uma série de objetivos para encontrar o menino mencionado. Além da missão principal, o jogador também pode fazer missões secundárias, que ajudam a ganhar mais pontos, que podem ser trocados por atributos, por exemplo. Em sua experiência ao jogar Arcanum, Gee reflete que é possível pensar acerca de uma série de relações identitárias entre a pessoa real que joga (no caso, James Paul Gee) e o personagem virtual (no caso escolhido por Gee, Bead Bead, uma meio-elfa). Segundo o autor, é possível pensar em três tipos de identidade: a virtual, a real e a projetada. A identidade virtual é aquela do personagem virtual. Nesse exemplo, trata-se da meio-elfa Bead Bead, que de acordo com seus atributos (inteligência e persuasão) pode fazer certas coisas ou não. Já a identidade real é daquele que joga o game, levando em consideração que cada pessoa possui múltiplas identidades. Nessa perspectiva, Gee se descreve como ao mesmo tempo professor, linguista, anglo-americano, homem de meia idade, pai, ávido leitor, católico devoto, amante de filmes, entre outras. 58

A partir disso, o autor reflete que cada uma dessas identidades reais pode influenciar na maneira como ele escolhe construir Bead Bead, por exemplo, a decisão por ela ser mulher, meio-elfa e boa. Desse modo, a identidade projetada é aquela que pode ser vista como “James Paul Gee como Bead Bead”, isto é, a interface entre a pessoa real e o personagem virtual, na qual os valores de Gee (sua personalidade e sua história, por exemplo) são projetados em Bead Bead. Na prática do jogo, Gee dá dois exemplos de como isso pode acontecer. Devido a sua formação católica, Gee não faz com que Bead Bead vá ao bordel presente no game, pois isso entra em conflito com os valores de sua identidade real. Em outro exemplo, Gee conta que, em determinado momento do game, é possível vender o anel que lhe foi dado, como forma de ganhar dinheiro, porém, gerando más consequências. Como Gee acredita que isso seja uma atitude errada, ele decide não vender o anel, pois não quer que Bead Bead seja má. Portanto, “os jogadores projetam uma identidade em seu personagem virtual com base em seus próprios valores e a partir do que o jogo lhes ensinou sobre o que tal personagem deve ou pode se tornar” (GEE, 2014, p. 65, tradução nossa)13. Podemos citar que algo semelhante acontece em outros jogos, especialmente do tipo RPG, em que é possível fazer determinadas escolhas sobre o futuro dos personagens. Em The Witcher 3 (figura 24), já mencionado anteriormente, o jogador precisa assumir o lugar do bruxo Geralt de Rívia. No mundo fantástico e medieval do game, os humanos dominaram um mundo que não lhes pertencia, fazendo com que subjulgassem outras raças, como elfos, anões, orcs, entre outros. Durante o episódio mágico que trouxe os humanos ao planeta, uma fenda permitiu que viessem também monstros de diversas espécies. Assim, determinados homens foram treinados para combater os seres monstruosos, tornando-se bruxos, que utilizam tanto a habilidade com espadas, como a magia. Nesse treinamento, é dito que os bruxos perdem a capacidade de ter sentimentos, pois precisam ser frios e cruéis para lidar com os monstros que surgem no caminho.

13 Players are projecting an identity onto their virtual character based both on their own values and on what the game has taught them about what such a character should or might be and become. This tripartite play (GEE, 2014, p. 65) 59

Figura 24. The Witcher 3. Fonte: https://xboxplay.games/po/news/the-witcher-3-como-encontrar- arenaria-5568. Acesso em: 07 fev. 2020.

Entretanto, o jogo sugere que Geralt não parece ter seguido totalmente esse ensinamento. Em determinados momentos, o jogador se depara com ditos “monstros” pela sociedade, que, na verdade, são seres perseguidos pela humanidade, mas que não apresentam maldade ou desejo de atacar. Isto é, trata-se apenas de seres excluídos pela sociedade, em uma metáfora das diferenças sociais e raciais. Nesse momento, o jogador pode escolher se Geralt será impiedoso, ou se demonstrará sua capacidade de ter empatia. Desse modo, de acordo com a constituição de nossa identidade real e nossa visão sobre o mundo que nos é apresentado (e até mesmo sobre o mundo real, já que podemos pensar nos monstros como metáforas), podemos projetar nossas crenças e valores na identidade virtual de Geralt, fazendo com que ele assuma uma identidade projetada. Essa discussão acerca das identidades serve como base para a argumentação de Gee de que as pessoas não podem aprender algo, se não se envolverem ativamente em termos de identidade. Para entender como isso acontece em sala de aula, o autor descreve que, em uma aula de Ciências, por exemplo, os estudantes devem se engajar na linguagem, nas interações e nas ações de um cientista. Nesse sentido, a identidade virtual que devem assumir é, portanto, a de um cientista. Para isso, devem aprender uma série de valores, interações e representações próprias desse grupo social. No entanto, todos os estudantes trazem para a aula de Ciências suas múltiplas identidades reais, por exemplo, uma mesma criança pode ser menino, de classe média, negro norte-americano, fanático por 60

Pokémon14 e gostar de rap. Todas essas múltiplas identidades influenciarão na maneira como esse estudante construirá sua identidade como aprendiz na aula de Ciências, isto é, sua identidade projetada de estudante como cientista. Nesse sentido, podemos concluir que os games permitem que o movimento de se colocar no lugar do outro seja muito mais evidente. O jogador deve assumir o personagem, mobilizando as três identidades mencionadas, e observar todas as consequências de suas ações no mundo virtual. Embora os exemplos mencionados possam parecer distantes de uma utilização em sala de aula, até mesmo devido a uma temática polêmica, como é o caso de Thief, essa potencialidade dos games pode ser utilizada na educação, para que o estudante simule uma determinada profissão, coloque-se no lugar do outro para aprender a ter empatia ou encare uma situação sob um ponto de vista diferente. Agora, veremos como os games têm sido utilizados na prática para propósitos educacionais, avaliando se os princípios de aprendizagem por imersão e experiência e a encarnação de personagens são aproveitados de forma produtiva.

2.2. Gamificação

A gamificação é uma das tendências atuais para incorporação das chamadas metodologias ativas em sala, que buscam o protagonismo do aluno, colocando-o em posição daquele que “aprende a aprender”. Em vista disso, tornou- se objeto de interesse de muitos pesquisadores e professores, que buscam através dela uma inovação. Entretanto, é preciso observar que nem sempre seus princípios trazem, de fato, uma nova perspectiva de aprendizagem, como argumentaremos nesse capítulo. Embora tenha sido aplicada para situações de ensino-aprendizagem, não se restringe a esse escopo, sendo a sua definição mais comum “a utilização da mecânica dos games em cenários non games” (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014, p. 76). Nesse sentido, Alves, Minho e Diniz (2014) apontam que ela já é amplamente utilizada através de programas de pontos e recompensas em: 1) empresas, para treinamento de funcionários; 2) programas de televisão, para aumento da venda de

14 Famoso anime japonês. 61

produtos; 3) companhias áreas, restaurantes e salões de beleza, para fidelização de clientes. Com a expansão dos dispositivos móveis, os autores também mencionam como ela tem sido explorada pelos aplicativos. Um exemplo é o aplicativo Waze, que tem como objetivo mapear o trânsito, baseado no compartilhamento de informações dos usuários, alertando os motoristas a respeito de acidentes, perigos e engarrafamentos em tempo real. Na lógica do aplicativo, para incentivar os usuários a compartilharem informações, quanto mais contribuições são feitas, mais pontos o usuário ganha, o que aumenta a sua credibilidade na comunidade. Também podemos mencionar o programa de recompensas Local Guides, do Google. O objetivo do programa é fazer com que os usuários se tornem guias locais, ao avaliarem lugares como bares, restaurantes, lojas comerciais, praças, pontos turísticos etc., através de resenhas e fotos. Para promover o incentivo dessa ação, o usuário ganha pontos e selos, que podem chegar até 100.000 pontos no nível 10. Segundo a empresa, os níveis mais altos oferecem recompensas especiais, como acesso antecipado aos recursos do Google. Os autores também citam o aplicativo Duolingo, que tem como objetivo fazer com que os usuários aprendam línguas, enquanto traduzem a Web, a partir da seguinte lógica:

os alunos são desafiados pelas lições e são recompensados com pontuação e medalhas. Além disso, é possível fazer uma análise da progressão dentro do curso, você pode escolher os textos que vai trabalhar e testes de nivelamento (ALVEZ; MINHO; DINIZ, 2014, p. 82).

Esclarece-nos o site do Duolingo, em sua versão mais atual, que “cada lição é um jogo”, pois há a correção imediata das respostas, contagem de ofensivas (dias consecutivos em que o usuário passa estudando um idioma) e vidas (perdidas a cada resposta errada). Além disso, ao explorar sua interface, podemos perceber que há metas diárias, exibição de coroas e o ganho de “lingots”, moedas virtuais que podem comprar benefícios na loja como: “bloqueio de ofensivas” (não perder ofensivas ao ficar inativo um dia), “dobro ou nada” (dobrar a aposta de cinco lingots ao manter sete dias de ofensiva) e “prática com cronômetro” (responder as questões com limite de tempo). 62

Conforme analisa Leffa (2014), embora Duolingo seja um exemplo de ensino gamificado, sua eficácia está mais em divertir do que em aprender um idioma, já que o aplicativo apresenta problemas sérios na concepção de aprendizagem de língua estrangeira, pois fragmenta a língua alvo e faz uso do mesmo corpus para todas as línguas, constituído apenas por palavras e frases soltas, sem atividades de leitura, compreensão e produção de textos. Em todos os exemplos mencionados, utiliza-se a mecânica dos games em cenários non games, através da atribuição de níveis, pontos, conquistas, recompensas e tempo. Isto é, coloca-se a ênfase em aspectos funcionais do jogo. No entanto, esse modelo de gamificação baseado apenas em mecânicas é muito criticado por alguns autores, com os quais concordamos. Domingues (2018, p. 17), por exemplo, afirma que “há uma série de iniciativas que são taxadas de gamificadas, mas que, na realidade, só aplicam um ou poucos aspectos ludológicos no processo, não proporcionando a força necessária para cacterizá-las como soluções gamificadas”. Uma das mais famosas críticas à gamificação, nesse sentido, é feita por Bogost (2011), em seu famoso texto “Gamification is bullshit”. O autor acusa empresas e instituições de estarem utilizando a gamificação apenas como uma estratégia de marketing pelo uso de pontos, distintivos e rankings, perdendo a essência do que é realmente um jogo. Chou (2014) chama esse tipo de gamificação pautada em mecânicas de PBL: Points, Badges and Leaderboards (Pontos, Insígnias e Classificação), que significa adicionar pontos a algo, oferecer insígnias (como selos de conquista, por exemplo) e realizar um placar de líderes que favorece a competição, acreditando-se com isso transformar algo “chato” em excitante. Conforme afirma o autor, essa estratégia mobiliza apenas a camada superficial dos jogos e não configura uma experiência gamer. De acordo com Burke (2015), por exemplo, gamificar é um movimento complexo, que envolve desenvolver um modelo de engajamento, no qual a experiência do jogador é projetada como uma jornada, a partir de diversos elementos lúdicos do design de jogos, de maneira integrada, e não apenas a aplicação de mecânicas isoladas. Nesse sentido, Kapp (2012, p. 10, tradução nossa) argumenta que “a gamificação é usar a mecânica, a estética e o pensamento baseado em games para 63

engajar pessoas, motivar ação, promover aprendizado e resolver problemas”15. Ou seja, o autor propõe que se utilize mais do que a mecânica dos jogos, ao incluir também a sua estética e dinâmica. A estética é a interface digital apresentada pelos jogos, essencial para a experiência imersiva. O pensamento baseado em games é o elemento mais importante da gamificação, pois traz a dinâmica de elementos gamer, como competição, cooperação, exploração e envolvimento em uma narrativa. Na visão do autor, esses aspectos são capazes de engajar as pessoas (aprendizes, consumidores ou jogadores) a fazerem algo, isto é, a realizarem uma ação. Por fim, essa ação realizada por tal engajamento pode promover aprendizado ou ainda ter o potencial de resolver um problema da sociedade. Verifica-se, portanto, o conceito de engajamento como pilar central nessa visão de gamificação. Conforme nos esclarece Kapp, um equívoco comum é a consideração de que a gamificação seja uma novidade, o que está incorreto, já que o conceito de aplicar elementos dos games em outros cenários, segundo o autor, já tem sido utilizado há décadas pelos militares em simulações para treinamentos de guerra. Além dos militares, Kapp também menciona que diversos professores já utilizam simulações para que seus alunos façam estudos de caso ou treinem suas habilidades em um ambiente seguro. Logo, o que é “novo” é apenas a ênfase em trazer vários desses elementos de forma conjunta e integrada para engajar determinada ação. Um bom exemplo para o autor de como se dá um engajamento de uma ação através dos elementos integrados dos games é o aplicativo Zombies, Run! (figura 25). Embora a maioria das pessoas saiba que é bom praticar atividades físicas, poucas se exercitam. Para modificar essa atitude, o aplicativo propõe que seus usuários corram, mas não de forma convencional. Para engajá-los, uma narrativa gamer foi criada, na qual o mundo foi invadido por zumbis. Assim, o objetivo do usuário é correr para fugir das criaturas e coletar suprimentos para a sua base aliada, a fim de se proteger. O aplicativo indica onde estão os itens fictícios a serem coletados, de acordo com a geolocalização do usuário, solicitando que ele realmente vá até certos pontos próximos ao local para cumprir a tarefa. Assim, podemos verificar que Zombies, Run! utiliza elementos da mecânica e da estética dos games, mas seu atrativo principal está na dinâmica gamer, isto é, no

15 Gamification is using game-based mechanics, aesthetics and game thinking to engage people, motivate action, promote learning, and solve problems (KAPP, 2012, p. 10). 64

pensamento baseado em jogos, que é capaz de engajar seus usuários, através da cooperação e envolvimento em uma narrativa.

Figura 25. Zombies, Run! Fonte: https://www.alphr.com/business/1005907/getting-fit-with-the-undead- the-zombies-run-story. Acesso em 22 jun 2019.

Como podemos concluir a partir desse exemplo, um conceito-chave da gamificação é a motivação, que pode ser extrínseca ou intrínseca. De acordo com a psicologia, a motivação extrínseca é aquela que nos leva a fazer algo em busca de uma recompensa, por exemplo, prêmios, certificados, dinheiro, admiração, reconhecimento social etc. Já a motivação intrínseca é aquela que nos leva a fazer algo em benefício de nossa própria satisfação pessoal, por exemplo, ler um livro por prazer. Nesse sentido, uma teoria muito utilizada no campo da gamificação e dos estudos dos jogos é a do flow (fluxo, em português), criada por Csikszentmihalyi (1975), para explicar os motivos pelos quais os jogadores se sentem tão envolvidos emocionalmente em continuar a jogar, mesmo após a derrota. Em seus estudos, Csikszentmihalyi argumenta que isso acontece devido ao “fluxo”, um estado mental específico em que a pessoa se sente completamente imersa e focada em uma tarefa. Para que isso ocorra, a tarefa a ser feita não deve ser nem tão simples a 65

ponto de causar tédio, nem tão complicada a ponto de gerar frustração, conforme destaca a figura 26 a seguir:

Figura 26. Teoria do flow, segundo Csikszentmihalyi (1975). Fonte: https://www.fabricadejogos.net/posts/artigo-entendendo-a-diversao-nos-jogos-digitais/. Acesso em 01 jul. 2019.

Segundo Kapp (2012), os games utilizam os dois tipos de motivação, mas a criação de uma experiência gamificada deve se focar na motivação intrínseca, já que é ela que levará os jogadores-aprendizes a se engajarem na ação. Acerca disso, Da Luz (2018) argumenta que é preciso entender as dinâmicas da motivação para não cair em armadilhas encontradas em muitas estratégias de gamificação. De acordo com o autor, gostamos dos jogos principalmente por cinco motivos: aprendizado, desafio, feedback, significado épico e prazer autotélico. O pesquisador defende que aprendizado e desafio estão conectados, pois “gostamos de nos sentir desafiados e precisamos aprender novas habilidades para superar esses desafios” (DA LUZ, 2018, p. 40). Em relação ao feedback, os jogos nos proporcionam uma devolutiva rápida e constante se estamos melhorando ou piorando em algo, algo que não acontece de forma tão evidente na vida real. O significado épico é o sentimento que os games nos dão de sermos especiais, pois neles podemos fazer coisas “cheias de significados grandiosos e heroicos” (DA LUZ, 2018, p. 41). Por fim, o prazer autotélico é a motivação intrínseca de jogador, isto é, jogamos de forma 66

voluntária apenas porque é divertido e nos causa prazer, assim como apontou Huizinga (2000), já em 1938. Dessa maneira, Da Luz (2018) acredita que um bom jogo deve sempre se pautar em prazer intrínseco, o que nem sempre acontece em algumas estratégias de gamificação. O autor menciona que muitas atividades gamificadas, como aquelas que utilizam a técnica PBL, focam somente na motivação extrínseca, o que acaba por banalizar o processo e, do ponto de vista educacional, cria uma consequência mais grave: a valorização do behaviorismo. O behaviorismo é um campo da psicologia que busca estudar o condicionamento do comportamento humano, a partir do reflexo condicional. Por exemplo, a ideia de que ganhar um reforço positivo ou negativo leva o ser humano a moldar comportamentos futuros. Sabe-se hoje que a aprendizagem não se dá nesse processo, mas sim por influência de uma série de fatores cognitivos, sociais, culturais e históricos, entendidos de maneira conjunta, tal como propõe o sociointeracionismo, por exemplo. Em pesquisa anterior (CHINAGLIA, 2016), já notamos a tendência behaviorista em muitos chamados jogos educacionais digitais, que acompanham livros didáticos. São chamados de jogos apenas por atribuírem pontos e recompensas a atividades múltipla-escolha, que cobram conteúdos tradicionalmente escolares. Isto é, aplicam a técnica PBL, mas não engajam a experiência completa de jogo. Portanto, buscamos para esta tese trazer os games para o ensino de Língua Portuguesa de forma mais autêntica, sem aderir ao discurso da gamificação mecânica. Na tentantiva de romper com esta visão limitada da gamificação, Kapp (2012) traz uma reflexão interessante sobre a potencialidade dos games para resolver problemas, o que pode ser aproveitado em partes por nós para pensarmos em um material que pode mobilizar a lógica gamer. Para escolas, faculdades, universidades, cursos e treinamentos de empresas, embora existam diversas finalidades, o autor acredita que os dois grandes potenciais educacionais da gamificação nesta área são para a resolução de problemas e o ensino de determinado conhecimento (como aprender fatos, conceitos, regras e procedimentos), conforme veremos a seguir.

67

2.2.1. Gamificação para resolução de problemas

O autor esclarece que a resolução de problemas acontece quando um indivíduo precisa aplicar um conhecimento prévio para resolver um problema. No entanto, não se trata apenas de encarar uma situação difícil, mas também de criar algo, desenvolver um produto, criar uma campanha, fazer uma sequência de proteínas, gerar ideias em um brainstorming etc. Isto é, “qualquer atividade que envolva um pensamento inédito para desenvolver uma solução, resolver um dilema ou criar um produto” (KAPP, 2012, p. 144, tradução nossa)16. Para isso, há dois tipos de gamificação: aquelas que ensinam a resolver problemas ou aquelas que, de fato, resolvem problemas. Abordando o primeiro tipo, Kapp argumenta que ensinar a resolver problemas é transformar novatos em especialistas. De acordo com o autor, diante de um problema, os novatos tendem a utilizar o senso comum para resolvê-los, encarando-o de forma superficial. Já o especialista busca utilizar o conhecimento especializado que possui, compreendendo o problema em níveis estruturais mais profundos. Um exemplo prático de como isso funciona, segundo o autor, é a diferença entre um vendedor novato e um especialista. O novato foca em fazer uma venda a qualquer custo, já o especialista em desenvolver uma relação com o cliente em longo prazo, o que garantirá compras futuras. Kapp lista como transformar novatos em especialistas através da gamificação. O primeiro passo, segundo o autor, é fazer com o que o aprendiz assuma um papel, isto é, “o aluno deve pensar ativamente sobre suas ações, decisões e escolhas de uma perspectiva que não seja dele ou dela mesma” (KAPP, 2012, p. 148, tradução nossa)17. Trata-se da encarnação de personagens, já notada por Santaella (2007). Portanto, nesse aspecto, podemos dizer que a gamificação pode ser interessante para permitir que o aluno se coloque no lugar do outro e, então, possa pensar e agir como o personagem que assume, o que traz de fato oportunidades para simular determinada atividade fora do alcance da realidade dos estudantes.

16 Problem solving is any activity that involves original thinking to develop a solution, solve a dilema, or create a product (KAPP, 2012, p. 144) 17 Assuming a role means the learner must actively think about his or her actions, decisions, and choices from a perspective ohter than him ou herself (KAPP, 2012, p. 148). 68

Esse processo pode ocorrer em sala de aula, em módulos online ou em ambientes virtuais 3D. No entanto, Kapp (2012) analisa que, embora os alunos possam imaginar papeis e personagens em sala de aula, um ambiente virtual 3D permite que o indivíduo possa manipular um avatar, tornando a experiência mais autêntica, pois as habilidades podem ser utilizadas de forma mais imersiva em um ambiente simulado. Podemos dizer que essa potencialidade está intimamente relacionada à imersão proporcionada pelos games, conforme também apontou Santaella (2007). Quanto maior a imersão, maior a sensação de estar vivendo naquele espaço virtual e encarnando determinado personagem. Kapp (2012) considera importante que, além de manipular seu próprio avatar, o estudante também possa interagir com outros personagens chamados no mundo gamer de NPCs (non-player characters, personagens não jogáveis) para que, através de diálogos significativos, os aprendizes possam ter oportunidades adicionais de pensar e refletir. Conforme apresentamos no capítulo 1, Santaella (2007) afirma que uma das características dos games atuais (não todos, como argumentamos) é a narratividade, isto é, a presença de uma narrativa não linear, hipertextual, que permite ao jogador co-construir a história, a partir da possibilidade da escolha de diálogos, por exemplo. Sabe-se que, nos games, os NPCs são responsáveis por incitar esses diálogos, que devem ser respondidos pelo jogador. Assim, pode ser interessante pensar em como eles podem se integrar a uma gamificação, para incentivar que os estudantes tomem posições e ajudem a construir a narrativa. Retornando à argumentação de Kapp (2012), o autor também menciona não só a interação com NPCs, mas com o ambiente, isto é, o espaço virtual. Essas interações devem também ser significativas, permitindo que o estudante examine o ambiente e cumpra objetivos. Em uma atividade de resolução de problemas, isso pode ser feito através da tarefa de encontrar itens específicos e combiná-los para resolver um enigma, por exemplo. Conforme apresentamos no capítulo 1, McGonigal (2012) defende que todo game apresenta uma meta a ser cumprida, o que pode configurar desde objetivos mais simples, como combinar peças coloridas, até completar missões complexas, como salvar um personagem e encontrar artefatos perdidos. Nesse sentido, parece-nos interessante a reflexão de Kapp sobre a necessidade de incluir objetivos, pois isso realmente se assemelha a uma característica dos games autênticos. 69

Também alerta Kapp (2012) que, a depender da situação proposta a ser ensinada, é essencial que o ambiente seja o mais realista possível, por exemplo, em games que tenham como objetivo fazer treinamentos, tais como os de formação de pilotos de avião, nos quais é necessário simular o voo e os possíveis problemas de forma precisa. Também pode ser interessante permitir que o aprendiz refaça o game, a fim de que, a partir de escolhas diferentes, o jogador possa visualizar outras consequências de suas ações. Para finalizar, o autor acredita que tudo isso deve ser feito pelo fio condutor de uma narrativa complexa, já que “uma história bem projetada coloca os aprendizes em um estudo de caso em que eles não leem de forma passiva, eles são parte integral de uma ação” (KAPP, 2012, p. 151, tradução nossa)18. Isto é, o aprendiz não precisa se perguntar o que faria em uma ação, ele é um personagem da história e precisa fazer escolhas. Conforme nos esclarece Kapp (2012), embora nem todos os jogos tenham narrativas, como Tetris, mesmo games muito simples contêm uma história por trás, algo também notado por nós no Capítulo 1. Como já mencionamos, em jogos de combinar três ou mais joias, por exemplo, não é raro haver uma narrativa em que algum personagem procure pelas joias. A narrativa não apenas engaja o jogador, como também traz um contexto para as metas do game. Portanto, podemos concluir que o potencial da narrativa é a possibilidade de aumentar o grau de imersão do jogador e contextualizar ainda mais a encarnação de personagens, já que tudo passa a ser uma ação realizada em uma história. Uma das técnicas mais utilizadas para a construção de narrativas de jogos, de acordo com Kapp, é a utilização do modelo de “jornada do herói”, descrito por Campbell (1997[1949]). A história da jornada do herói apresenta alguns acontecimentos característicos. No início, o herói ou a heroína é uma pessoa comum, com uma vida simples e ordinária, até que algo acontece e o convoca para a ação. Geralmente, ele(a) resiste a ir para a ação, até que algo ou alguém (como um mentor, por exemplo) lhe convença. Então, deixa sua vida ordinária e passa a viver uma aventura, na qual encara vilões, cumpre desafios e, algumas vezes, faz aliados. A jornada nunca é fácil, portanto, precisará confrontar seus medos e aprender conhecimentos e habilidades novas, encarando a quase morte para vencer o vilão principal. Após derrotar o vilão, retorna à sua vida comum, mas muitas vezes

18 A well-designed story places the learners into a case study they are not passively reading, they are an integral part of the action (KAPP, 2012, p. 151). 70

sem ter resolvido completamente a crise, o que faz com que a narrativa tenha uma reviravolta. Depois de resolver a crise definitivamente, a jornada chega a seu fim, quando o herói ou a heroína se torna uma pessoa mais forte e sábia, capaz de enfrentar novos perigos. Esse tipo de gamificação, pautada na encarnação de personagens, envolvimento em uma narrativa e cumprimento de metas em um espaço virtual, de acordo com Kapp (2012), é produtiva para a resolução de problemas, o que concordamos, pelos motivos mencionados acima, como a possibilidade se colocar no lugar do outro ao cumprir uma atividade, por exemplo. Tais princípios relaciona- se ao que apontamos no capítulo 2, a respeito da potencialidade dos games de permitir a simulação e assunção do ponto de vista de um personagem, com base nas ideias de Gee (2007; 2014). Nesse modelo de gamificação, poderia ser interessante ter um estudo de caso com foco na narrativa, não precisando necessariamente da mecânica de pontos, tempos e recompensa. Isto é, privilegiaria- se muito mais a exploração, a testagem de hipóteses, a simulação e a reflexão através de um avatar. Um exemplo de aplicação dessa técnica, para Kapp (2012), é o game Firefighter Training Simulation: REVAS Process (figura 21), da companhia Designing Digitally, para formar bombeiros novatos. O jogo faz com o que o aprendiz assuma o papel de um bombeiro profissional, ao entrar em uma casa em chamas. Na casa, é preciso tomar decisões rápidas e certas. Para isso, o jogador deve interagir com o cenário, que traz variáveis realistas, como temperatura, hora do dia e local. Após a sua finalização, é possível jogar novamente e fazer outras escolhas, para observar outros resultados.

71

Figura 27. Firefighter Training Simulation: REVAS Process. Fonte: https://www.designingdigitally.com/portfolio/training-simulations/firefighter-training-simulation-revas- process. Acesso em 19 jun. 2019.

Esse tipo de jogo, embora tenha propósitos bem definidos para um tipo de formação, a nosso ver, é ainda uma aplicação incipiente dos princípios de gamificação para resolução de problemas, mencionados pelo autor. O game assemelha-se mais a um treinamento profissional em ambiente virtual, mas carece de explorar a narrativa. Não há, de fato, uma narrativa complexa e hipertextual, que conduz as ações do personagem e que pode ser modificada pelo jogador. A narrativa é simples: a casa está em chamas. Ao jogador são demandadas escolhas, o que permite a situação de se colocar no lugar do outro, mas também não há um personagem que tenha a complexidade psicológica de um ser humano, para que o jogador possa assumir diferentes perspectivas do outro. Kapp também apresenta a possibilidade de gamificações que não somente ensinem a resolver problemas, mas que têm o potencial de solucionar um desafio real, enquanto aprendem algo. Nesse sentido, o autor menciona jogos que podem contribuir para o mundo, como criar potenciais vacinas ou alinhar o DNA para mapear doenças do genoma humano. Foldit (figura 28), por exemplo, é um game que apresenta uma série de proteínas em 3D. O objetivo é fazer com o que o usuário compacte estruturas proteicas, através de conceitos de repulsão eletrostática. No jogo, os jogadores podem prever sequências de proteínas ou até mesmo criar novas, o que permite o desenvolvimento de novas vacinas e enzimas para reparar o DNA.

72

Figura 28. Foldit. Fonte: https://fold.it/portal/info/about. Acesso em: 18 jun. 2019.

Phylo também é outro game do gênero, no qual os jogadores ajudam pesquisadores a identificar seções do DNA que são similares, o que facilita o mapeamento de certas doenças genéticas. O objetivo é que o usuário alinhe blocos coloridos que representam as letras do código genético (A, C, G e T), em certo limite de tempo. Quando os alinhamentos são concluídos, a informação é analisada e armazenada no banco de dados dos pesquisadores. Assim, esses games fazem com que o aprendiz resolva problemas, contribuindo para a ciência. Podemos concluir que, nesse caso, diferentemente do que foi mencionado antes, não há uma narrativa ou encarnação de personagens, o foco está na meta a ser cumprida. A contextualização da meta se dá por uma “história”, digamos assim, do mundo real: a necessidade de prever sequências de proteínas ou identificar seções de DNA. Kapp menciona que, em games como esses, é preciso considerar um sistema de pontos e recompensas, algo que justifica a mecânica. Por exemplo, em Phylo, criar uma sequência errada de DNA tem um impacto grande, pois não contribui como informação relevante para os pesquisadores. Portanto, o jogador deve ser penalizado, para que tenha a consciência de seu equívoco e tente novamente, enquanto aquele que consegue fazer sequências de forma correta deve ser recompensado, para que continue jogando. Kapp destaca que gamificações desse tipo são interessantes para permitir ações em grupo, nas quais os aprendizes resolvem problemas como parte de um time, de forma cooperativa. Por essa razão, o autor acredita que uma boa estratégia é criar uma comunidade do game, na qual os jogadores podem discutir estratégias para resolver o problema em questão. 73

A partir dos exemplos Foldit e Phylo, admitimos a potencialidade de gamificações desse tipo, que, mesmo sem uma narrativa, podem apresentar propósitos interessantes e produtivos para um campo científico. No entanto, é importante observar que isso ocorre devido à natureza do conhecimento envolvido, pertencente às ciências biológicas. Por exemplo, jogos de Língua Portuguesa que não apresentam narrativas e tendem a se concentrar em metas pontuáveis costumam ser superficiais e a reproduzir o paradigma do impresso, conforme notamos em pesquisa anterior (CHINAGLIA, 2016), sobre objetos educacionais digitais. Nesses objetos, como já comentamos, é muito comum transformar questões de múltipla-escolha sobre classificações gramaticais em “metas” de um jogo, com pontos e tempo. Percebemos que em jogos como esses não há o engajamento em uma meta realmente produtiva para um game, o que nos induz a acreditar que gamificações com narrativas e encarnação de personagens tendem a ser mais interessantes para nossa área, por apresentar o potencial de construção de uma história e a assunção de um ponto de vista do enunciador, algo que exploraremos mais adiante. Como bons exemplos de estratégias gamificadas para resolver problemas do mundo podemos destacar alguns Alternate Reality Games (ARGs), jogos de realidade alternativa, desenvolvidos pela pesquisadora McGonigal (2012). Conforme nos esclarecem Alves, Minho e Diniz (2014), esses jogos foram criados para resolver problemas reais, através de elementos de cooperação e colaboração. O ARG World Without Oil, desenvolvido em 2007, tinha como objetivo “criar um ambiente para os participantes experienciarem um mundo sem combustíveis derivados do petróleo” (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014, p. 79). Nessa experiência promovida por McGonigal (2012), os jogadores deveriam tentar, de fato, simular a vida real sem petróleo. A cada semana, enviavam vídeos, áudios ou postagens de blog que anunciavam suas realizações e angústias. A partir das reações dos jogadores, os parâmetros do jogo mudavam e a história poderia mudar de rumo. Nesse exemplo, elementos dos games como narrativa e meta são utilizados para envolver o jogador em uma atividade com impacto real, o que pode ter propósitos educacionais bastante interessantes. No caso mencionado, busca-se a visualização de um mundo mais sustentável, que promova o consumo consciente. Esse é, por exemplo, um dos princípios valorizados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2018. Outros jogos desse tipo poderiam ser 74

desenvolvidos para metas diversas, como promoção dos direitos humanos, diminuição das desigualdades sociais, redução do desmatamento, controle da poluição, incentivo a uma vida mais ativa fisicamente, entre outras possibilidades. A partir de uma narrativa de game, os estudantes cumpririam metas em suas vidas reais, tornando-se personagens ativos. Find The Future, outro ARG idealizado por McGonigal (2012), realizado em 2011, na biblioteca pública de Nova York, tinha como objetivo que “500 pessoas escrevessem em uma noite um livro, tendo como base pistas espalhadas pela biblioteca” (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014, p. 79). Nesse outro exemplo, não notamos a preocupação com problemas sociais ou socioambientais, mas, novamente, uma narrativa guia uma meta do mundo real, em que os jogadores se tornam personagens ativos. Seu potencial é a possibilidade de construção coletiva de uma narrativa, demonstrando o poder da cooperação e colaboração, algo que poderia ser aproveitado para o ensino de Língua Portuguesa. Não utilizamos a estratégia dos ARGs para a construção do material que apresentamos nessa tese, porém, acreditamos que o conceito tenha potencial para ser mais bem estudado em outras oportunidades e pesquisas. No Brasil, um exemplo bem sucedido de aplicação da gamificação é o projeto Aventuras Currículo +, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que inclusive inspirou o material criado para esta tese. Trata-se de um conjunto de atividades de recuperação escolar para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental até a 3ª série do Ensino Médio, que busca mobilizar os alunos de forma lúdica, no ensino de Língua Portuguesa e Matemática. As atividades tem como fio condutor uma narrativa, em que a Terra é ameaçada por uma invasão alienígena. Para isso, os estudantes devem cumprir missões, de modo a impedir este evento e aprender a reconhecer quando os alienígenas já estão infiltrados, por exemplo, ao reconhecer notícias falsas escritas por eles, no contexto da história fictícia criada. Pontos, insígnias e recompensas são dados de acordo com a evolução do jogador, conforme o aprendizado. Como é possível observar, o aluno é engajado em uma experiência de jogo, que ao mesmo tempo tem objetivos pedagógicos de Língua Portuguesa, sem o uso de meras mecânicas.

75

2.2.2. Gamificação para o ensino de determinado conhecimento

Além da resolução de problemas, Kapp (2012) também aborda como a gamificação pode servir para ensinar determinado conhecimento em um âmbito da aprendizagem, ao argumentar que os estudantes também precisam aprender fatos, conceitos, regras e procedimentos, o que requer um tipo diferente de abordagem. Segundo o autor, a gamificação nesse caso precisa ser adequada ao tipo de conhecimento: declarativo, conceitual, baseado em regras ou procedural. Como é possível perceber, trata-se de um enfoque cognitivo, que não pretendemos abordar. No entanto, traremos os principais tópicos para entender melhor como os jogos têm sido utilizados como ferramenta educacional nessa perspectiva. Conforme nos esclarece Kapp, o conhecimento declarativo, também conhecido como conhecimento factual, é uma informação que pode ser memorizada pelo aprendiz, por exemplo, através de fatos, jargões, terminologias e acrônimos. Assim, algumas estratégias utilizadas para ensinar fatos são: relacionar informações novas com conhecimentos prévios, organizar fatos em grupos lógicos (como tabelas, diagramas e listas), ligar uma imagem a uma palavra ou termo, repetir o conteúdo, colocar o conteúdo no local correto, entre outras. Boa parte delas, portanto, envolve associação, classificação, combinação e repetição. Kapp defende que esses movimentos podem ser realizados de forma mais imersiva em uma gamificação, na qual o aprendiz realiza as ações, a partir de uma narrativa, em um ambiente simulado. Para entender isso melhor, o autor traz um exemplo de um jogo desenvolvido pela Kaplan-EduNerring, no qual o aluno se torna um inspetor e deve identificar os potenciais problemas em um ambiente de produção de uma indústria. Conforme o estudante explora o ambiente, ele pode aprender os nomes dos equipamentos e das máquinas, além de conhecer os principais problemas que podem encontrados. Nesse caso, assim como no jogo mencionado pelo autor para o treinamento de bombeiro, não enxergamos o potencial narrativo e de encarnação de personagens. Pode-se dizer que a única vantagem nesse exemplo é a imersão em um mundo virtual, que permite a simulação de parâmetros do mundo real. Já o conhecimento conceitual, de acordo com Kapp, parte do pressuposto de que um conceito é um conjunto de ideias similares, que possuem atributos em comum. De acordo com o autor, a gamificação serviria para proporcionar metáforas 76

verbais ou visuais, fazer analogias e comparações, dar exemplos e não exemplos, atribuir classificação, combinar e classificar ou experimentar um conceito. Novamente, não vemos nenhuma mudança no paradigma de ensino tradicional, apenas a possibilidade de simulação em um mundo virtual. Um exemplo de game que utiliza essa estratégia, segundo Kapp, foi desenvolvido pelo Bloomsburg University’s Institute for Interactive Technologies, baseado em um famoso jogo infantil norte-americano chamado “acerte a raposa”, em que o jogador deve acertar o maior número possível de raposas com um martelo de borracha, conforme elas aparecem aleatoriamente. O game (figura 29) utiliza a mesma lógica para ensinar atributos de ácidos e bases na área de química. Certas raposas são rotuladas como “ácidas” e outras como “básicas”. De acordo com o critério fornecido, o aluno deve associar se o item apresentado é um ácido ou uma base e clicar sobre a raposa correta.

Figura 29. Game estilo “acerte a raposa” para ensinar ácidos e bases, Bloomsburg University’s Institute for Interactive Technologies. Fonte: KAPP, 2012, p. 174.

Embora o autor considere esse jogo um bom exemplo, a nosso ver, demonstra como a gamificação pode ser aplicada de maneira artificial. Nesse caso, sua utilização se justifica apenas pela motivação de aplicar elementos de game a uma atividade qualquer, não pela relevância pedagógica ou social das estratégias mencionadas. O game mencionado “acerte a raposa” para o ensino de química desconsidera a lógica gamer e suas práticas sociais, aplicando de forma artificial 77

uma ação realizada em outro contexto. Afinal, qual a relação entre raposas e ácidos ou bases? Por que o ato de clicar sobre elas, no intuito de “bater”, corresponde à ação de encontrar a resposta correta? Em sua argumentação, Kapp insiste sobre a importância de trazer os elementos dos games de forma integrada, o que significa não dar primazia a pontos e recompensas, mas sim criar uma experiência significativa para o aprendiz, a partir da dinâmica, da mecânica e do pensamento baseado em jogos. No entanto, esse exemplo deixa evidente quão descontextualizada pode ser aplicação dos elementos dos jogos em certas atividades. Em “acerte a raposa”, o objetivo nada mais é que acertar a resposta, em um modelo de ensino transmissivo, que prioriza a memorização e a repetição de fatos e regras. Há também, de acordo com Kapp, o conhecimento baseado em regras. Segundo o autor, as regras expressam as relações entre conceitos e apresentam parâmetros, que permitem visualizar resultados previsíveis. Uma representação comum é o esquema “se/então”, no qual é possível observar as relações de causa e efeito. Para Kapp, é possível utilizar a gamificação para ensinar regras através da encarnação de personagens e da experimentação das consequências. Desse modo, através de um game, os aprendizes podem observar a demonstração de como as regras podem ser aplicadas de diferentes formas, ao assumir um papel em uma situação em que a regra deve ser aplicada e ainda, a partir da simulação, verificar como aplicar as regras de maneiras diferentes leva a resultados diversos, com certos impactos. Um exemplo de jogo desse tipo, de acordo com o autor, é o game desenvolvido pela Designing Digitally para ensinar ética. O jogo tem como objetivo ensinar quais são as regras relacionadas ao assédio sexual em um ambiente de trabalho. Para isso, é possível assumir tanto a posição da vítima quanto do agressor e verificar quais são as consequências de suas ações, permitindo aprender quando as regras são aplicadas apropriadamente. Nesse caso, observamos um uso mais produtivo da gamificação, que permite a alteração de parâmetros, para que possam ser verificadas diferentes consequências. Isso pode ser interessante do ponto de vista educacional, já que permite ao estudante simular diferentes cenários para uma mesma situação, ou ainda enxergar diferentes perspectivas de um mesmo acontecimento, a partir da assunção de outros personagens. 78

O conhecimento procedural, por sua vez, é aquele relacionado a procedimentos ou instruções necessárias para realizar uma tarefa. Segundo Kapp, os games podem permitir que um procedimento seja demonstrado de forma completa para que, em seguida, o aprendiz pratique sozinho. De acordo com o autor, jogos desse tipo começam com uma demonstração do procedimento completo, para que os jogadores possam observar como ele é realizado. Em seguida, em uma espécie de tutorial, o aprendiz pode ser colocado para praticar o procedimento, porém ainda não de forma livre, mas com o auxílio do game, que oferece ajuda e sugestões. O próximo passo pode ser o modo jogo, no qual não há mais assistência e o aprendiz deve se mover, interagir e tomar decisões, realizando o procedimento de maneira autônoma. Nesse caso, não vislumbramos possibilidades imediatas relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, dada a natureza dos conhecimentos linguísticos, mas percebemos que é possível aplicar esse tipo de gamificação em conhecimentos de outras áreas. Por exemplo, ensinar estudantes de medicina a fazer um procedimento cirúrgico, através de uma simulação guiada. A partir do que apresentamos sobre o conceito de gamificação, reconhecemos que essa estratégia traz para o ensino as dimensões da simulação e da encarnação de papeis ou personagens, o que pode ser interessante do ponto de vista educacional, como, por exemplo, para a resolução de problemas, conforme argumenta Kapp (2012). No entanto, em muitos casos, como em alguns exemplos apresentados pelo autor, os jogos não mobilizam dinâmicas próprias dos games: apenas propõe a aplicação artificial de elementos dos jogos, sem mobilizar a complexidade desses artefatos culturais e as práticas sociais envolvidas por eles. Dessa maneira, entendemos que é preciso não somente a aplicação de elementos dos jogos, mas o envolvimento do aprendiz em uma lógica gamer. Nesse sentido, uma abordagem que se aproxima mais dos nossos objetivos é a Aprendizagem Baseada em Jogos, que exploraremos a seguir.

79

2.3. Aprendizagem Baseada em Jogos

Há décadas, segundo De Freitas (2006), as simulações19 são utilizadas por militares, cirurgiões e empresários, para propósitos de treinamento. As simulações militares norte-americanas, por exemplo, ficaram tão famosas que inspiraram o que hoje conhecemos como games de tiro em primeira pessoa, disponíveis do mercado. Esse fato fez com que surgisse o campo de estudo da Game-Based Learning (Aprendizagem Baseada em Jogos), que tem interesse em como a experiência imersiva pode auxiliar em práticas educacionais, a partir do uso de games para aprendizagem. Na década de 1970, esses jogos foram chamados de serious games (em tradução livre: jogos sérios, mais conhecidos no Brasil como jogos educacionais digitais), isto é, games que têm propósitos “sérios”, educativos, e não somente para lazer e entretenimento. De acordo com a autora, há duas definições recorrentes de jogos, conforme vimos no Capítulo 1. A primeira valoriza o jogo como um sistema baseado em regras e mecânicas específicas. Já a segunda acredita que o jogo é uma atividade livre e voluntária, que nos coloca no âmbito da fantasia, fora de nossas vidas ordinárias. Assim, de acordo com esta última concepção, chamar esses jogos de “sérios” seria uma contradição à própria definição de jogo, já que seu diferencial está na dimensão lúdica. Por essa razão, a autora propõe adotar uma definição mais ampla, chamando-os de games para aprendizagem, que podem ser definidos como “aplicações que usam as características dos jogos de videogame e computador para criar experiências de aprendizado envolventes e imersivas para fornecer metas, resultados e experiências de aprendizado específicas” (DE FREITAS, 2006, p. 9, tradução nossa)20, o que pode envolver tanto o desenvolvimento de jogos educacionais digitais, quanto o uso ou a adaptação de games comerciais para propósitos educacionais. Isto é, o foco para a autora não está em utilizar uma mecânica específica, mas em entender os games como mundos imersivos, que podem proporcionar situações de aprendizagem.

19 De acordo com de Freitas (2006), as simulações podem ser entendidas como modelos do mundo real, nas quais é possível alterar variáveis e prever comportamentos. 20 applications using the characteristics of video and computer games to create engaging and immersive learning experiences for delivering specified learning goals, outcomes and experiences (DE FREITAS, 2006, p. 9) 80

Nesse sentido, a autora acredita que os games podem ser facilitadores de experiências virtuais em micromundos. Esse conceito foi introduzido por Minsky e Papert (1971) para se referir a ambientes que podem ser explorados por estudantes, de forma relativamente livre, o que inclui também interações com artefatos e objetos. Nos games para aprendizagem,

crianças e adultos podem utilizar a encarnação de personagens e formas narrativas para imaginar, criar empatia com outras pessoas, explorar eventos históricos ou potenciais cenários do futuro e experimentar e ensaiar habilidades em ambientes seguros e protegidos (DE FREITAS, 2006, p. 26, tradução nossa)21.

Dessa maneira, conforme também sinalizado por Squire (2006), um dos principais potenciais dos games para a educação está na cultura da simulação, na qual é possível construir, investigar e interrogar mundos hipotéticos. Nesses micromundos, segundo De Freitas (2006), ocorre a aprendizagem exploratória em mundos imersivos, conceito criado a partir da aprendizagem experiencial de Kolb (2014), que segue um ciclo composto por: 1) Experiência concreta; 2) Observação e reflexão; 3) Formação de conceitos abstratos; e 4) Testagem em novas situações, conforme podemos ver na figura 30.

Experiência concreta

Testagem e Observação e novas reflexão situações

Formação de conceitos abstratos

Figura 30. Ciclo da aprendizagem experiencial. Fonte: Kolb (2014).

21 children and adults can utilize role play and narrative forms to imagine and empathize with other people, explore events from history or potential scenarios from the future and to experiment and rehearse skills in safe, protected environments. (DE FREITAS, 2006, p. 26). 81

Tal ciclo de aprendizagem se assemelha muito ao que Gee (2014) propõe sobre a aprendizagem que ocorre nos games, conforme relembramos a seguir (figura 31):

Sondagem

Formulação de Reconsideração hipóteses

(Re)sondagem

Figura 31. Ciclo da aprendizagem materializada, segundo Gee (2014). Fonte: original.

Portanto, unindo as duas perspectivas, podemos concluir que, nos games, o estudante pode sondar um mundo imersivo e ter experiências concretas, que levam à observação, reflexão e formulação de hipóteses. Em seguida, essas hipóteses são reaplicadas no mundo virtual em novas ações através da (re)sondagem, que gera a formação de conceitos abstratos. Para finalizar o ciclo, o aluno reconsidera suas hipóteses, através da testagem e vivência de novas situações, o que o leva para uma nova experiência concreta que necessita ser sondada. Para entender como isso ocorre na prática, De Freitas (2006) traz uma série de exemplos. O primeiro citado pela autora é Grangeton: The Sims School, produzido por Richard Gerver, professor da Grange Primary School Head, no Reino Unido. Gerver, baseado na pedagogia dos multiletramentos (THE NEW LONDON GROUP, 1996), decidiu explorar com as crianças como seria o futuro, em uma nova lógica de economia global, em que muitos trabalhos atuais já não existirão mais e a criatividade e a solução de problemas serão a maior demanda para os profissionais. 82

Para isso, Gerver escolheu o game The Sims e criou a cidade virtual Grangeton, na qual os alunos precisam controlar lojas, uma emissora de TV, uma estação de rádio, um café parisiense (onde devem conversar em francês) e um museu. Essa cidade permitiu aos estudantes ter oportunidades práticas de reflexão e problematização de atividades em um mundo imersivo, no qual podiam correr riscos, em um ambiente seguro. Além disso, o projeto criado promoveu o senso de independência, responsabilidade e o engajamento em atividades com diversas mídias diferentes. Outro exemplo semelhante trazido pela autora, a nível universitário, é o game Ardcalloch (figura 32), criado pela Glasgow Graduate School of Law (GGSL), na Universidade de Strathclyde, na Escócia. A universidade possui um curso de pós- graduação que objetiva desenvolver nos estudantes já graduados em direito os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores requeridos em advogados e procuradores do país. Isto é, o desafio é promover a transição dos estudos acadêmicos para a prática profissional jurídica. Para auxiliar seus alunos, conforme relata a autora, os professores Paul Maharg e Karen Barton desenvolveram uma cidade virtual chamada Ardcalloch, na qual os estudantes devem ter experiências simuladas de prática jurídica, como analisar documentos jurídicos, participar de discussões, comunicar-se com empresas etc. Nesse caso, assim como no anterior, há a simulação de atividades em um mundo imersivo, que permite a encarnação de personagens. As atividades, por sua vez, permitem o desenvolvimento de práticas profissionais e seus letramentos, o que nos parece interessante do ponto de vista educacional.

Figura 32. Ardcalloch. Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/zoomable-map-of- Ardcalloch_fig1_242295699. Acesso em: 22 mai. 2020. 83

Outra iniciativa destacada pela autora é Supercharged! (figura 33), um projeto criado por Barnett et al. (2004) e Jenkins et al. (2004), para ensinar física conceitual. O objetivo do game é pilotar uma nave espacial em um mundo virtual 3D. Para isso, é necessário que os estudantes entendam alguns conceitos de carga elétrica e de partículas do espaço, além de precisarem planejar as suas trajetórias. Dessa maneira, o game auxilia os alunos a aprenderem conceitos científicos complexos, de forma prática, através da experimentação e da simulação. Esse exemplo já se configura como um uso mais tradicional dos games para a educação, no sentido de proporcionar uma simulação de parâmetros, assim como vimos no jogo de treinamento de bombeiros, na seção sobre gamificação. No entanto, em Supercharged!, há uma narrativa que conduz a história e os estudantes podem planejar suas trajetórias, o que aparentemente garante maior autonomia. Entendemos que tais procedimentos também se ajustam aos propósitos de ensino de Física, embora não sejam tão aproveitáveis para o ensino de Língua Portuguesa.

Figura 33. Supercharged!. Disponível em: http://web.mit.edu/mitstep/projects/supercharged.html. Acesso em: 22 mai. 2020.

De maneira semelhante, porém em outra área do conhecimento, De Freitas (2006) cita o game Savannah (figura 34), criado pelo Futurelab, em parceria com a BBC National History Unite, para introduzir conceitos de história natural a jovens aprendizes. No jogo, os estudantes precisam assumir papeis de leões em uma savana aberta. Para isso, é necessário sair ao livre e interagir com elementos do cenário que aparecem nos dispositivos criados para o protótipo. Esses elementos, por sua vez, são criados através de um sistema de GPS que mapeia 84

informações do espaço físico real em que as crianças se encontram. Isto é, algo muito semelhante ao que hoje é apresentado nos jogos de realidade virtual aumentada, a exemplo de Pokémon Go e Harry Potter: Wizards Unite. Essa aplicação dos games na educação é bastante inédita e interessante, a nosso ver. Há a encarnação de personagens não humanos, o que pode ser apropriado para entender o reino animal nas ciências naturais. A visualização de elementos em realidade virtual, ainda incipiente nesse projeto, hoje ganha grande notoriedade com o avanço de certas tecnologias. Acreditamos que a realidade virtual pode ser amplamente utilizada no ensino, como forma de visualizar personagens, objetos e cenários em tamanhos e condições próximas do real, o que potencializa a imersão no mundo virtual, misturando-a com o mundo real.

Figura 34. Savannah. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AoKaF_xJ_jg. Acesso em: 22 mai. 2020.

Também é mencionada pela autora a adaptação do game comercial Neverwinter Nights, um jogo de aventura, que se passa em um mundo mítico, com bárbaros e bruxos, desenvolvido pela Bioware. Através da estratégia de modding22, isto é, “quando um software ou hardware é modificado para executar uma função que não é originalmente pretendida” (DE FREITAS, 2006, p. 20, tradução nossa)23, o MIT, nos Estados Unidos, sob a direção de Henry Jenkins, criou o game educacional

22 Segundo de Freitas (2006), no contexto dos games, os chamados “mods” podem ser tanto adaptações para criar novos conteúdos, quanto conversões totais que mudam o game significativamente. O modding é um movimento comum no universo gamer, sedo incentivado pelas desenvolvedoras dos jogos, como uma forma de reviver o mesmo jogo, de diferentes formas. 23 when software or hardware is modified in order to perform a function not originally intended (DE FREITAS, 2006, p. 20) 85

Revolution (figura 35), com o objetivo de ensinar a história da Revolução Americana24. Na adaptação, os estudantes devem assumir personagens e estudar os aspectos sociais do momento histórico. Uma das possibilidades, por exemplo, é assumir o papel de um escravo do século XVIII.

Figura 35. Revolution. Disponível em: http://web.mit.edu/mitstep/projects/revolution.html. Acesso em: 22 mai. 2020. Segundo Francis (2006), que investigou o uso desse game em sala de aula, o jogo permite aos aprendizes explorarem eventos históricos e, através da encarnação de um personagem, refletirem sobre o posicionamento de determinada figura histórica e sua realidade social. Percebemos aqui o grande potencial dos games ao permitir a assunção de personagens, em um mundo imersivo. É possível não somente entender o outro, mas também vivenciá-lo, entendendo como pensa, age e sente. Compreender o ponto de vista de um sujeito escravizado é entender de perto como se deu a escravidão, sensibilizando-o para determinadas questões que podem passar despercebidas apenas no estudo teórico em sala de aula. Para sua pesquisa, Francis utilizou como inspiração os movimentos de ensino-aprendizagem propostos pelo The New London Group (1996), na pedagogia dos multiletramentos, a saber: 1) Prática Situada; 2) Instrução Explícita; 3) Enquadramento Crítico; e 4) Prática Transformada. Os estudantes vivenciavam a Prática Situada através da encarnação de um personagem no mundo virtual de Revolution. A partir disso, eles podiam desenvolver empatia com seus avatares virtuais e entender as relações sociais envolvidas naquele ambiente. Na Instrução Explícita, o professor liderava discussões e encorajava análises reflexivas sobre as

24 A Revolução Americana foi o movimento histórico que culminou na independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776. 86

situações vivenciadas pelos personagens. No Enquadramento Crítico, os estudantes precisavam estudar criticamente as relações sociais do contexto em questão. E, para a Prática Transformada, os estudantes eram convidados a capturar imagens do game e produzir diários em forma de vídeo, como uma maneira de expor o ponto de vista de cada personagem em particular. A pesquisa de Francis demonstra que, para além do que é explorado no próprio game, a atuação do professor é fundamental. Revolution permitia a encarnação de um personagem histórico, mas a análise crítica e a produção de uma prática se deram para além do game, a partir da mediação do professor. Esse uso nos parece muito interessante, até mesmo para a utilização de games comerciais. O professor pode selecionar um jogo que mobilize certas questões próprias da área de estudo e propor a reflexão, a análise e a produção de atividades. Muitos jogos permitem a abordagem de temas como estereótipos de gênero, preconceito, conflitos políticos e sociais etc., o que pode gerar trabalhos produtivos em sala de aula. No Brasil, esses games para aprendizagem, mais conhecidos como jogos educacionais digitais, foram amplamente produzidos em um projeto chamado CONDIGITAL, lançado em 2007, como iniciativa do Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Secretaria de Educação a Distância (SEED), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Nesse projeto, diversas universidades e instituições brasileiras produziram games educativos como, por exemplo, O que vem a seguir, mencionado por Araújo, Ribeiro e Santos (2012). Nesse jogo, o aluno é colocado na posição de um detetive e

partir-se-ia da ideia de que os bons leitores são ‘detetives’ do texto: procurariam adivinhar o conteúdo a partir das pistas que já teriam (pistas que se encontram no texto, mas também estão relacionadas com os conhecimentos prévios do leitor e com os objetivos de leitura) (ARAÚJO, RIBEIRO, SANTOS, 2012, p. 9)

Esses jogos provenientes do projeto CONDIGITAL alimentaram grande parte dos repositórios brasileiros de objetos de aprendizagem, que hoje estão disponíveis na Plataforma Integrada MEC RED (Recursos Educacionais Digitais)25. Muitos games para aprendizagem também foram produzidos no âmbito do Programa

25 Disponível em: https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home. Acesso em: 15 out. 2019. 87

Nacional do Livro Didático (PNLD), que desde a edição de 2014, solicita que os livros sejam acompanhados de OEDs (Objetos Educacionais Digitais) ou algum tipo de material digital (para o professor ou aluno, a depender da edição), dentre os quais, um dos tipos é o jogo educacional digital. Assim, as editoras produziram e ainda produzem uma série de games com propósitos educativos. No entanto, em trabalho realizado anteriormente (CHINAGLIA, 2016), como já mencionado, concluímos que certos jogos apenas reproduzem atividades escolares já tradicionais, com contagem de pontos e tempo. Ou seja, não há o trabalho com mundos imersivos, na perspectiva apontada pela Aprendizagem Baseada em Jogos. A partir dos exemplos mencionados, podemos concluir que a Aprendizagem Baseada em Jogos pode ser produtiva para estudar os games na educação como mundos imersivos, que proporcionam uma aprendizagem exploratória, baseada em problemas, ao garantir maior autonomia ao aluno, além de possibilitar o trabalho com novas mídias e tecnologias, em diversos letramentos. No entanto, como aponta De Freitas (2006), são necessárias mais pesquisas para comprovar empiricamente a eficácia da abordagem, bem como mais materiais didáticos que possam auxiliar nessas práticas em sala de aula. Para que isso possa ser realizado de maneira mais efetiva, segundo a autora, é necessário que os professores se envolvam mais na criação desses tipos de games e não deixem isso nas mãos somente de desenvolvedoras especializadas, algo que tentamos propor com essa pesquisa. A autora acredita que isso requer a superação de alguns desafios, como o acesso e a familiaridade do professor com jogos, tempo para preparação das atividades e suporte técnico das escolas. Porém, já há pesquisas que indicam que isso pode ser feito sem a necessidade de programação, como apontam Assunção e Araújo (2019). Nesse trabalho, os autores criaram o jogo educacional digital Aventura das Letras Mágicas, para o ensino de ortografia, em conjunto com uma professora de Língua Portuguesa, em uma escola pública de Fortaleza (CE). Não foi necessário o uso de programação, já que foi utilizada uma plataforma que pode ser explorada por qualquer leigo: o RPG Maker MV. Conforme apresentam os autores

a narrativa do jogo acontece em um universo de fantasia e gira em torno de fadas aprisionadas em cristais mágicos. Esse aprisionamento ocorre devido à disputa entre um feiticeiro maligno, chamado Oberon, e a rainha as fadas, Titânia. Oberon decide capturar as fadas em cristais mágicos para absorver seus poderes. O papel do jogador é o de libertar as fadas de dentro dos 88

cristais, através das respostas certas dadas aos diferentes desafios de cada fase (ASSUNÇÃO; ARAÚJO, 2019, p. 1161-1162).

Nesse exemplo, vemos como sem grandes recursos tecnológicos foi feita uma atividade com propósitos claros para o ensino de Língua Portuguesa, guiada por uma narrativa, que embasa desafios aos estudantes. Nossa intenção com essa tese é também apresentar algo que aponta para essa direção, isto é, a possibilidade de o professor construir por si mesmo atividades que mobilizem a lógica gamer, sem programação, de acordo com os propósitos educacionais de uma área específica. Pretendemos explorar como os games podem contribuir para o ensino de escrita, algo que não costuma ser abordado na Aprendizagem Baseada em Jogos, visto que os games proporcionam o trabalho mais evidente com atividades de resposta automática, devido à natureza de sua mecânica, que oferece rápido feedback, conforme vimos nas características dos jogos no Capítulo 1. O entendimento de como os games podem se relacionar ao ensino de escrita, em Língua Portuguesa, é o assunto do próximo capítulo, no qual apresentamos o conceito novo de percurso gamer, a partir da discussão do material que criamos.

89

3. GAMES E ENSINO DE ESCRITA: O PERCURSO GAMER “LARA CROFT NOS TEMPLOS DO CAMBOJA”

Neste capítulo, pretendemos abordar o conceito de percurso gamer, a partir da apresentação do desenvolvimento do material feito para esta tese. Embora os estudiosos da gamificação insistam em dizer que essa estratégia não compreende a produção de jogos educacionais digitais, observamos que a maior parte dos exemplos mencionados no Capítulo 2 são games educativos, pois são jogos criados unicamente com objetivos educacionais. Algumas vezes, os elementos dos jogos são aplicados de maneira artificial, sem relação com o contexto oferecido. Portanto, é necessário não perder de vista a lógica gamer e quais as suas relações com as intenções pedagógicas. Já a Aprendizagem Baseada em Jogos, por sua vez, propõe uma abordagem mais próxima da lógica dos games, pois entende que seu potencial está na simulação de ações em um mundo imersivo, o que pode ser aproveitado por nós. O game educativo Revolution, por exemplo, mostra o potencial de modificar um jogo já existente (Neverwinter Nights), para que estudantes assumam personagens e estudem aspectos sociais de um momento histórico, como simular ser um escravo no século XVIII, algo também bastante produtivo para o ensino. Nesse exemplo, os cenários e as encarnações de personagens se mostram mais relevantes para um determinado objetivo educacional. Entretanto, em ambas as abordagens, os games educativos se restringem a seus propósitos internos, têm finalidade única, independente e não propõem um projeto educacional mais bem elaborado e consistente, como fazem os materiais didáticos já reconhecidos, por exemplo, livros e sequências didáticas. Essa é a razão pela qual são pensados no Brasil como Objetos Educacionais Digitais (OEDs) integrados a livros didáticos. Isto é, são sempre materiais didáticos complementares, mas nunca configuram o material didático efetivamente utilizado, devido às suas limitações. A partir disso, podemos pensar: como ensinar escrita a partir dos games? Nos moldes até então apresentados não há uma interface compatível para tal atividade. A maior parte dos games para aprendizagem oferece uma interface interativa de cliques em botões, que pode exigir a leitura do jogador de diferentes textos, mas não costuma solicitar uma produção de texto. Isso acontece porque a 90

integração com uma plataforma de edição de textos que salve o texto do aluno- jogador é complexa e demandaria investimentos técnicos maiores. Assim, seu uso não dispensa, por exemplo, o uso de outro material didático. Essa questão também nos remete a outra problemática. Tanto a gamificação, quanto a Aprendizagem Baseada em Jogos, aproveitam certos princípios educacionais para a criação dos games, porém, são necessários outros conhecimentos específicos das áreas de ensino para que esses jogos possam contemplar competências e habilidades próprias de cada campo do saber. Voltando ao exemplo anterior, é preciso pensar em que estratégias podem ser produtivas para o ensino de Língua Portuguesa, visto que a natureza do conhecimento linguístico não permite simulações tão evidentes como aquelas de outras áreas, tais como manipular o DNA nas Ciências Biológicas, ou planejar a trajetória de uma nave espacial na Física. Portanto, para que os games deixem de ser materiais complementares e possam abordar questões específicas de nossa área, propomos a criação de um novo tipo de material didático chamado de percurso gamer, que utiliza a lógica dos games. Para entender melhor o conceito que criamos, apresentaremos nesse capítulo a proposta do material didático desenvolvido para esta tese. O percurso gamer é intitulado “Lara Croft nos templos do Camboja”, o que nos remete a uma personagem muito famosa do universo gamer. No intuito de compreender quem é a personagem e os motivos pelos quais foi escolhida, embora já tenha sido mencionada algumas vezes, iremos descrever com mais detalhes a saga de games Tomb Raider, ao longo de suas diferentes edições, e apresentar a biografia fictícia de Lara Croft, que passou por diversas mudanças. A partir da descrição desses jogos, poderemos entender o que se trata a lógica gamer mencionada. Em seguida, discutiremos o material sob o ponto de vista de três características, que apresentaremos e explicaremos como próprias do percurso gamer: 1) Espaço virtual: mecânica de games; 2) Mundo imersivo: práticas de letramentos e gêneros; e 3) Encarnação de um personagem: ethos discursivo.

91

3.1. A série de games Tomb Raider e sua heroína Lara Croft

Para a descrição da saga Tomb Raider, utilizamos principalmente os vídeos de análises26 feitas pelo gamer e youtuber Thiago Silva, conhecido na internet pelo apelido Zangado. Thiago Silva, conforme apontam entrevistas27, é engenheiro civil, mas prefere manter sua identidade anônima, através do uso de uma máscara inspirada em Guy Fawkes, do filme V de Vingança (2005). A escolha da máscara se justifica pela intenção de preservar sua identidade, para não atrapalhar sua profissão. Zangado, como é conhecido na internet, é um dos youtubers mais influentes em canais de games e sua página já conta com mais de 4 milhões de inscritos. O objetivo de seu canal é apresentar vídeos de gameplay28, em três categorias: “A primeira meia hora”, “Vale ou não a pena jogar” e “Sagas”. Em “A primeira meia hora”, Thiago mostra como são os primeiros 30 minutos de um jogo, apresentando ao público suas primeiras impressões. Já em “Vale ou não a pena” apresenta resenhas completas de jogos, compostas por análises do enredo, do tempo de campanha (horas de jogo) e da jogabilidade. O critério jogabilidade inclui as experiências do jogador em sua interação com o game, como a mecânica do jogo, as ações possíveis dos personagens, o tempo de resposta a determinadas ações, a qualidade gráfica e sonora etc. Por fim, em “Sagas”, apresenta séries de games famosas, como Tomb Raider. Além das resenhas de Zangado, também

26 Saga Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar – Parte 1/4. Disponível em: . Saga Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar – Parte 2/4. Disponível em: . Saga Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar – Parte 3/4. Disponível em: . Saga Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar – Parte 4/4. Disponível em: . Rise Of The Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar. Disponível em: . Shadow Of The Tomb Raider: Vale ou não a pena jogar. Disponível em: . Acessos em: 09 abr. 2019. 27 E aê? 10 fatos sobre Zangado, um dos maiores youtubers do Brasil. Disponível em: ; Conheça Zangado, o youtuber com mais de 3 milhões de fãs. Disponível em: . Acessos em: 09 abr. 2019. 28 Gameplays são transmissões online de um determinado jogo. Eles podem oferecer partidas ao vivo, tutoriais para outros jogadores ou análises na forma de resenhas. 92

utilizamos como base as análises29 feitas pelos sites LaraCroftBR e Showmetech para os jogos mobile, não realizadas por Thiago Silva. Tomb Raider, conforme nos esclarece Thiago, foi desenvolvido pela e distribuído pela Eidos Interactive, em outubro de 1996, para computador, Sega Saturn e Playstation. Nesse game, a personagem principal é Lara Croft, criada por Toby Gard, com inspiração no arqueólogo Indiana Jones (1981), um herói fictício de filmes de ação, idealizado por George Lucas e Steven Spielberg, famoso por viver aventuras em cidades antigas e repletas de mistério. Até então, em uma sociedade machista, os jogos eletrônicos costumavam apresentar somente protagonistas masculinos, mas, em suas pesquisas, Toby percebeu que, nos jogos em que era possível customizar a personagem, as personagens femininas eram frequentemente escolhidas, até mesmo pelo público masculino, o que lhe deu a ideia de criar uma protagonista. A personagem original era Laura Cruz, uma norte-americana de ascendência latina, mas como na época o principal mercado de games eram os Estados Unidos e o Japão, a desenvolvedora optou por chamá-la de Lara Croft, por considerar que a personagem não seria bem aceita, devido aos preconceitos e aos estereótipos em relação aos latino-americanos. Ela também passou a ser britânica, a partir da inspiração no personagem James Bond, o agente secreto fictício dos filmes 007 (1953). Assim, da união entre Indiana Jones e James Bond, nasceu a primeira heroína dos videogames, como um símbolo do poder feminino até então nunca visto no universo dos jogos. Como nos alerta Thiago Silva, Toby era contra Lara ser feita como um símbolo sexual, pois desejava que ela fosse vista como uma mulher poderosa e inteligente. Porém, isso não aconteceu e, apesar da inovação em trazer uma protagonista feminina, a equipe de produção da Core Design fez inicialmente Lara ser apelativamente sexual, aumentando os seus seios em 150% em relação ao desenho original, como podemos comparar entre as figuras 36 e 37.

29 Análise: Lara Croft Go. Disponível em: ; Game Review: Lara Croft – Relic Run (iOS/Android). Disponível em: . Acessos em 11 abr. 2019. 93

Figura 36. Concepção original de Lara Croft. Fonte: https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/10/tomb-raider-saiba-como-surgiu-e-veja-mais- curiosidades-sobre-franquia.htm. Acesso em: 13 fev. 2020.

Figura 37. Lara Croft (1996). Fonte: https://www.pinterest.ch/pin/591027151069269385/. Acesso em: 13 fev. 2020.

Toby também afirma em entrevistas que projetou originalmente a personagem como um anti-heroína ou até mesmo uma vilã, mas devido ao sucesso com os fãs, ela se tornou uma heroína. Sua justificativa parte da origem de Lara e das motivações para a sua atividade profissional, como explicaremos a seguir. Lara é filha de aristocratas milionários e, aos 21 anos, sofre um acidente de avião com seus pais nas montanhas do Himalaia. Após sobreviver sozinha, consegue chegar até um vilarejo e ser salva. Diante desse acontecimento, ela decide mudar sua vida, desejando viver aventuras e não mais usufruir de luxos de sua vida de aristocrata. Assim, Lara desenvolve seu interesse por arqueologia e passa a treinar seu corpo para que fique forte. Para sobreviver financeiramente, ao conquistar algum objeto, lança um livro e conta ao mundo como foi a sua experiência, passando a viver de seu próprio dinheiro e não mais da herança 94

milionária de seus pais. Portanto, embora boa parte dos fãs discorde de Toby Gard, ele afirma que Lara era um vilã, pois, em sua história original, Lara é uma caçadora de relíquias antigas, isto é, vai até os locais de seu interesse e simplesmente rouba aquilo que quer, por diversão e desejo de aventura. Em contrapartida, os fãs não compartilham essa visão, pois acreditam que Lara sempre acaba por salvar o mundo, em atitudes heroicas. Após mostrar sua origem, o primeiro game (figura 38) também apresenta o enredo principal do jogo. Lara é contratada por Jaqueline Natla, uma rica empresária, que solicita que ela encontre um artefato antigo conhecido como Scion. Ao longo de sua aventura, a personagem passa pelo Peru, Grécia, Egito e o lendário continente perdido de Atlântida. As principais funcionalidades de Lara são: correr, nadar, saltar, recolher objetos, acionar alavancas e atirar. Nessa época, era necessário fazer comandos precisos, por exemplo, saltos milimetricamente calculados, ou a personagem não conseguiria subir onde era necessário. Diferentemente dos games atuais de tiro, Lara também não apresentava mira, sua arma apontava sozinha para o alvo e bastava utilizar um botão de ação para disparar.

Figura 38. Tomb Raider. Fonte: https://store.steampowered.com/app/224960/Tomb_Raider_I/. Acesso em: 11 abr. 2019.

Lara ainda podia se curar utilizando kits médicos encontrados pelo chão, entrar em passagens secretas e resolver os famosos enigmas, que no futuro se tornariam um dos elementos mais icônicos da saga. Nesses enigmas, também chamados de atividades de quebra-cabeça, o jogador deveria desvendar mistérios, por exemplo, abrir uma porta, combinando diversos objetos disponíveis no cenário. 95

Thiago ainda analisa que o primeiro Tomb Raider apresentava pouca trilha sonora, para criar a sensação de envolvimento e de mistério, e que 90% dos seus inimigos eram animais, como morcegos, ursos, lobos e até mesmo dinossauros. Nessa época, Lara ainda não enfrentava muitos humanos e o jogo chegava a ser politicamente incorreto ao permitir que o jogador matasse animais, sem qualquer motivação. O jogo foi um sucesso de vendas, porém, descontente com os rumos da personagem que foi transformada em símbolo sexual, Toby Gard decidiu deixar a equipe, o que não impediu a produtora de continuar a saga e produzir, em 1997, Tomb Raider II e, logo no ano seguinte, em 1998, Tomb Raider III, ambos para computador e Playstation. Em 1999, a Top Crown editou 52 histórias em quadrinhos (HQs) de Lara, narrando sua aventura em busca da Máscara da Medusa, uma antiga lenda grega. Lara também se tornou uma figura conhecida em diversos anúncios publicitários e seu sucesso estava longe de acabar. Apesar disso, os roteiristas acreditavam que a sua origem era controversa, pois não havia explicações suficientes para o fato de Lara se interessar por arqueologia. Também não consideravam plausível que ela tenha treinado e aprendido tudo sozinha. Foi então que, naquele mesmo ano, foi lançado Tomb Raider: The Last Revelation (figura 39), em que a história de Lara foi modificada pela primeira vez ao longo da saga. O game se inicia em 1984, quando Lara tinha apenas 16 anos. Filha de aristocratas milionários, a personagem estudava na melhor escola da Inglaterra. Certo dia, ela encontrou uma revista National Geographic que apresentava logo na capa um famoso arqueólogo austríaco, o Professor Werner Von Croy. Fascinada por ele e seu estilo de vida, com apoio de seus pais, ela decide segui-lo em uma expedição ao Camboja, como sua aprendiz.

Figura 39. Tomb Raider: The Last Revelation. Fonte: https://store.steampowered.com/app/224980/Tomb_Raider_IV_The_Last_Revelation/. Acesso em 11 abr. 2019. 96

Assim, The Last Revelation apresenta a primeira aventura de Lara, ao lado de seu tutor, que lhe ensina diversos truques. Nessa expedição, Lara segue Von Croy em busca do artefato chamado Iris, pertencente a uma civilização antiga local. Conforme analisa Thiago, a jogabilidade é igual aos games anteriores. Quanto aos gráficos, há maior interação com o cenário, expressões faciais melhoradas e efeitos visuais mais realistas, como gotas d’água que pingam do corpo de Lara quando ela termina de nadar. Mais uma vez, o jogo é um fenômeno de vendas e este título em especial é considerado um divisor de águas, pois realiza importantes mudanças na história, dando uma nova biografia à Lara Croft. Por essa razão, não é considerado parte da trilogia original, mas uma nova fase de Tomb Raider. No entanto, o sucesso alcançado pelos primeiros quatro jogos estava perto do fim. Em 2000, foi lançado Tomb Raider: Chronicles (figura 40) para computador, Playstation 1 e DreamCast. Chronicles se passa semanas após The Last Revelation. Esse título, conforme nos apresenta Thiago, teve vendas abaixo da expectativa comercial. A principal justificativa é o fato de ter sido considerado previsível, sem inovação e uma espécie de expansão de The Last Revelation, o que desagradou aos fãs. Desse modo, pela primeira vez, o futuro de Lara passou a ser questionado.

Figura 40. Tomb Raider: Chronicles. Fonte: https://store.steampowered.com/app/225000/Tomb_Raider_V_Chronicles/. Acesso em 11 abr. 2019.

Mas Tomb Raider não chegou ao fim. Em 2001, foi lançada outra série de HQs: Tomb Raider Journeys. Ainda no mesmo ano, foi lançado o filme Lara Croft: Tomb Raider (figura 41), no qual Lara luta contra os Illuminati, em busca de uma relíquia chamada Triângulo da Luz. Dando continuidade, em 2003, apresenta-se o 97

filme Lara Croft Tomb Raider: A origem da vida, no qual agora ela busca a lendária Caixa de Pandora. Ambos os filmes foram estrelados por Angelina Jolie, uma famosa atriz do universo cinematográfico, que passou a ser muito importante para a saga, porque os jogos futuros se empenharam cada vez mais em deixar Lara parecida com a atriz. Novamente, apesar das críticas em relação à adaptação, como a falta de fidelidade aos games, os filmes foram sucesso comercial.

Figura 41. Lara Croft: Tomb Raider, filme estrelado por Angeline Jolie. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lara_Croft:_Tomb_Raider. Acesso em: 13 fev. 2020.

Após um período de pausa de três anos nos jogos, em 2003, com o surgimento de uma nova geração de tecnologia para consoles, é lançado Tomb Raider: The Angel of Darkness (figura 42), para Playstation 2 e computador. O jogo apresentava um novo visual de Lara e foi considerado muito diferente em relação aos demais, pois o cenário deixou de lado as tumbas, templos e florestas e passou a mostrar cidades sombrias, inspirando certo clima de terror e não de exploração. No enredo, Von Croy procura por Lara e afirma estar sendo perseguido por um serial killer apelidado de “Monstro”, que mata suas vítimas com indícios de que seja para um ritual. Os gráficos se tornaram mais realistas, deixando o jogo mais fluído e a personagem menos robótica. No entanto, o jogo obteve a pior avaliação da saga e foi um fracasso de vendas, devido à descaracterização de Tomb Raider. Para muitos, isso significou o fim de Lara Croft, o que levou a Eidos a decidir que a Core 98

Design não desenvolveria mais os seus jogos, contratando uma nova empresa: a .

Figura 42. Tomb Raider: The Angel of Darkness. Fonte: https://store.steampowered.com/app/225020/Tomb_Raider_VI_The_Angel_of_Darkness/. Acesso em 11 abr. 2019.

Alguns anos se passaram e se iniciou uma nova fase de Tomb Raider e Lara Croft. Em 2006, foi lançado Tomb Raider: Legend (figura 43), o primeiro jogo da série feito pela Crystal Dynamics, para computador, Playstation 2, Playstation portátil, Xbox, GameCube, Nintendo DS e Game Boy Advance. Uma das principais mudanças em relação à personagem foi a volta de seu criador, Toby Gard, para a equipe. Toby retornou à sua ideia original de Lara ser uma moça inteligente, refinada e gentil, mas muito forte e poderosa. Assim, mais uma vez sua biografia foi alterada. Lara Croft, aos 9 anos, está viajando com sua mãe, Amelia Croft, quando há um acidente e o avião cai no Himalaia. As duas sobrevivem por determinado tempo até que encontram um templo antigo. Nesse templo, há uma antiga espada, a Excalibur (pertencente à lenda do Rei Arthur) e, ao tocá-la, a mãe de Lara se desintegra na sua frente, sem que se saiba se ela morreu ou simplesmente desapareceu por alguma razão mágica e sobrenatural.

99

Figura 43. Tomb Raider: Legend. Fonte: https://store.steampowered.com/app/7000/Tomb_Raider_Legend/. Acesso em 11 abr. 2019.

Após 10 dias, Lara é resgatada e, ao voltar, decide viajar ao lado de seu pai, Richard Croft, um famoso arqueólogo, em busca de alguma pista do que aconteceu com sua mãe. Dessa maneira, quem motiva Lara na arqueologia e a treina é seu pai e não mais Von Croy ou sozinha, como nas edições anteriores. Isto é, Legend anula os acontecimentos de The Last Revelation, Chronicles e Angel of Darkness, e Lara deixa de ser uma caçadora de relíquias por diversão e passa a se tornar uma mulher com razões fortes, como a busca de justiça em relação ao que aconteceu com sua mãe. É a partir desse momento que, para Toby, Lara se tornou uma heroína de verdade. Nesse game, Lara não faz mais tudo sozinha, agora tem uma pequena equipe, composta por Zip, um especialista em computadores e Alister Fletcher, um pesquisador de artefatos antigos. Os gráficos foram aprimorados e as atividades de exploração e de resolução de enigmas dos games clássicos voltaram, agradando muito aos fãs. Legend, portanto, trouxe o sucesso de Lara de volta e, no ano seguinte, em 2007, foi lançado Tomb Raider: Anniversary (figura 44), uma nova versão do clássico de 1996 para computador, Playstation 2, Playstation portátil, Xbox 360 e Nintendo Wii. Em seguida, em 2008, foi lançado Tomb Raider: Underworld (figura 45), para computador, Playstation 2 e 3, Nintendo Wii, Nintendo DS e Xbox 360.

100

Figura 44. Tomb Raider: Anniversary. Fonte: https://store.steampowered.com/app/8000/Tomb_Raider_Anniversary/. Acesso em: 11 abr. 2019.

Figura 45. Tomb Raider: Underworld. Fonte: https://store.steampowered.com/app/8140/Tomb_Raider_Underworld/. Acesso em 11 abr. 2019.

Apesar do sucesso consolidado, seus desenvolvedores acreditavam que a história da saga Tomb Raider tinha finalmente chegado ao fim. Embora a saga tenha tido um fim – provisório, como veremos adiante – sem dar continuidade à história de Tomb Raider, pequenas aventuras independentes de Lara Croft foram lançadas, em uma subsérie chamada apenas de Lara Croft. Em 2010, foi lançado Lara Croft and The Guardian of Light (figura 46), para computador, Xbox 360 e Playstation 3, um jogo de cooperação entre jogadores, com algumas diferenças significativas em relação à Tomb Raider. O jogo foi desenvolvido pela Crystal Dynamics e não mais distribuído pela Eidos e sim pela . No enredo, Lara está à procura de um espelho asteca, que também é um item desejado por 101

mercenários. O foco desse game não é a ação e exploração e sim as atividades de quebra-cabeças e resolução de enigmas. É preciso buscar relíquias escondidas que possibilitam evoluir a personagem e encontrar tumbas secretas (opcionais), nas quais há itens raros e desafios para serem solucionados.

Figura 46. Lara Croft and The Guardian of Light. Fonte: https://store.steampowered.com/app/35130/Lara_Croft_and_the_Guardian_of_Light/. Acesso em 11 abr. 2019.

Em 2014, outro jogo da sub-série Lara Croft foi lançado: Lara Croft and the Temple of Osiris (figura 47), para computador, Xbox One e Playstation 4. Nesse game, Lara e seu rival Carter Bell exploram uma tumba no Egito, quando acidentalmente despertam Seth, um deus egípcio que tem o desejo de destruir o mundo, o que nos lembra da história de Tomb Raider: The Last Revelation. O game apresenta as mesmas características e funcionalidades do anterior.

Figura 47. Lara Croft and The Temple of Osiris. Fonte: https://store.steampowered.com/app/289690/LARA_CROFT_AND_THE_TEMPLE_OF_OSIRIS/. Acesso em 11 abr. 2019. 102

Ainda na mesma subsérie, dois jogos para dispositivos móveis foram lançados, em 2015. Lara Croft: Relic Run (figura 48) foi desenvolvido pela Simutronics e Crystal Dynamics, distribuído pela Square Enix e está disponível de forma gratuita para Android, iOS e . Segundo a análise do site Showmetech, a história se passa pouco tempo depois dos acontecimentos de Lara Croft and the Temple of Osiris. Seu agora amigo Carter Bell desaparece no Camboja, no sudeste asiático, e Lara precisa encontrá-lo e descobrir o que aconteceu. Para isso, deve passar em meio a ruínas e florestas, repletas de relíquias e inimigos.

Figura 48. Lara Croft: Relic Run. Fonte: https://laracroft.com.br/noticias/blog-lcbr/lara-croft-relic-run- impressoes-imagens-videos. Acesso em 11 abr. 2019.

Quanto à jogabilidade, Lara corre infinitamente e o jogador precisa apenas mudá-la de direção para coletar moedas e artefatos pelo caminho, além de saltar obstáculos e atirar em inimigos, como tigres, monstros e dinossauros. No total, são 140 fases, em três grandes cenários (Templo da Selva, Ruínas do Deserto e Passagem da Montanha) que se passam no Camboja, no Deserto do Saara e no Tibete. Em cada uma delas, é preciso cumprir um objetivo diferente, por exemplo, 103

encontrar um artefato específico. Além disso, elas avaliam o desempenho do jogador de 1 a 3 estrelas e as moedas servem para comprar melhorias dos equipamentos, ou vantagens, como continuar jogando após morrer. Apesar de ser gratuito, assim como em outros jogos mobile, é possível comprar essas vantagens através das joias, que podem ser obtidas com pagamento em dinheiro real. Já Lara Croft Go (figura 49) é um jogo desenvolvido e publicado pela Square Enix, para Android, iOS, Windows Phone e, posteriormente, também lançado para computador, Playstation 4 e Playstation Vita. De acordo com o site LaraCroftBR, o game possui inspiração em Go, outro jogo da Square Enix, além de fazer referências ao clássico Tomb Raider de 1996. No enredo, Lara está nas ruínas de uma antiga civilização e precisa desvendar um segredo em torno de uma serpente chamada Rainha do Veneno. Diferentemente de Lara Croft: Relic Run, esse jogo é focado em tarefas de quebra-cabeça, assemelhando-se a um jogo de tabuleiro, como xadrez.

Figura 49. Lara Croft Go. Fonte: https://store.steampowered.com/app/540840/Lara_Croft_GO/. Acesso em 11 abr. 2019.

Retornando ao ano de 2013 e às análises de Thiago Silva (Zangado), nesse ano, foi lançado Tomb Raider: Definitive Edition (figura 50) uma nova releitura (chamada de reboot na comunidade gamer) de Tomb Raider, mudando a história de Lara mais uma vez e trazendo novidades gráficas jamais vistas na série. O game foi produzido pela Crystal Dynamics e distribuído pela Square Enix, para computador, Xbox 360, Xbox One e Playstation 3 e 4. Nessa nova origem, Lara não é mais filha de aristocratas milionários, mas de dois arqueólogos comuns. Seu interesse por 104

arqueologia e seu treinamento físico ocorreu pelo fato de acompanhar seus pais em suas aventuras. Na história, seus pais estão desaparecidos ou mortos.

Figura 50. Tomb Raider: Definitive Edition. Fonte: https://store.steampowered.com/app/203160/Tomb_Raider/. Acesso em 11 abr. 2019.

Dessa maneira, aos 18 anos, Lara fica sozinha e precisa começar a trabalhar em vários empregos para bancar sua faculdade de arqueologia, em Londres. Dentre esses trabalhos, está o de marinheira em um grande navio, a bordo do qual sonha em fazer uma expedição. Lara, diferentemente dos outros jogos, é introvertida, tímida e passa boa parte do seu tempo estudando. Durante a faculdade, fez apenas uma amiga: Samantha Nishimura, ou Sam, uma estudante de cinema. Após se formar, aos 21 anos, Lara encontra uma oportunidade de fazer uma expedição com seu ex-professor James Whitman, um arqueólogo que também apresenta um reality show de arqueologia na televisão. Com seu programa em baixa audiência, Whitman decide fazer uma aventura considerada impossível: encontrar o reino perdido de Yamatai. Para isso, uma equipe é formada e, além dos arqueólogos Lara e James, há Roth, o capitão do navio e amigo da família Croft; Joslyn Reyes, a mecânica do navio; Jonah Maiava, o cozinheiro da tripulação; Angus Grimaldi, o responsável pelo controle do navio; Alex Weiss, o especialista em tecnologia (para encontrar objetos em locais remotos); e Sam, a responsável pela filmagem do reality de James. Em uma forte tempestade ao mar, o navio naufraga e o grupo se separa. Lara então chega a uma ilha desconhecida e inicia uma busca por seus companheiros. Quanto à jogabilidade, muitas mudanças foram inseridas. Lara é capaz de andar de diversas formas, pular, escalar, esquivar, atacar, mirar, atirar, 105

mas parte dessas habilidades é desbloqueada apenas com o tempo. Conforme as ações são feitas no game, ganham-se XP (pontos de experiência) e, através deles, é possível fazer melhorias das capacidades da personagem em uma árvore de habilidades. É possível ganhar habilidades de luta, de contra-ataque, do domínio de certas armas, do instinto de caçadora, entre muitas outras. Esse instinto é muito importante, pois brilha quando ela encontra algo interessante, como um animal, um inimigo, uma relíquia, um documento etc. Aproveitando alguns elementos da série clássica de Tomb Raider e da subsérie Lara Croft, o game apresenta quebra-cabeças e tumbas secretas, nas quais é preciso desvendar enigmas para coletar objetos raros. A cada trecho do jogo, é possível encontrar uma fogueira na forma de checkpoint, a qual oferece possibilidade de acesso aos mapas para viagens rápidas e melhorias de equipamento e da árvore de habilidades. Na fogueira, também é possível ouvir os pensamentos de Lara, enquanto preenche periodicamente o seu diário, no qual descreve suas aventuras e faz reflexões dos acontecimentos recentes. Diferentemente dos jogos clássicos, o desafio maior não está mais na exploração e sim nos combates com inimigos. Para isso, Lara apresenta armas novas, como um arco e flecha, novidade na série. Os gráficos foram aprimorados e, de maneira muito sofisticada, é possível ver os fios de seus cabelos se movimentarem, cicatrizes e até mesmo a sujeira em sua pele. É preciso mencionar também que a atriz Angelina Jolie deixa de ser referência para a personagem e no seu lugar fica Camila Luddington (figura 51), uma atriz britânica que representa os movimentos de Lara para a produção do game e dubla a sua voz em inglês.

Figura 51. Camila Luddington interpretando Lara Croft para a produção do game Tomb Raider (2013). Fonte: https://www.voxel.com.br/noticias/camilla-luddington-conta-interpretar-lara- croft_804224.htm. Acesso em: 13 fev. 2020. 106

Dando sequência ao reboot, em 2015 é lançado Rise of The Tomb Raider (figura 52), desenvolvido pela Crystal Dynamics e distribuído pela Microsoft, para Xbox One. Em seguida, em 2016, a Square Enix também distribui o título para computador e Playstation 4. O enredo se passa após os acontecimentos do último game, e podemos ver uma Lara já transformada, marcada pelos sofrimentos e pelas lutas realizadas anteriormente. Os movimentos de Lara são os mesmos e as funcionalidades são similares, afinal, é necessário resolver quebra-cabeças e enigmas, procurar documentos, artefatos e relíquias, além de enfrentar inimigos.

Figura 52. Rise of The Tomb Raider. Fonte: https://store.steampowered.com/app/391220/Rise_of_the_Tomb_Raider/. Acesso em 11 abr. 2019.

Até o presente momento, o jogo mais recente da saga foi lançado em 2018. Trata-se de Shadow Of The Tomb Raider (figura 53), desenvolvido pela Eidos Montreal e Crystal Dynamics e distribuído pela Square Enix, para computador, Xbox One e Playstation 4. Nesse game, Lara está com Jonah, um dos únicos sobreviventes de Yamatai. Ao explorar uma caverna, conseguem localizar as últimas tumbas e ruínas que ainda não foram destruídas pela Trindade. Em meio à sua exploração, ela descobre que seu pai não se matou, mas teria sido por morto pela organização.

107

Figura 53. Shadow of The Tomb Raider. Fonte: https://store.steampowered.com/app/750920/Shadow_of_the_Tomb_Raider/. Acesso em 11 abr. 2019.

Também em 2018, foi lançado um novo filme da saga, Tomb Raider: A Origem (figura 54). Baseado no enredo dos jogos do reboot, Lara é filha do milionário Richard Croft, dado como morto, após ter desaparecido. O filme é estrelado por Alicia Vikander e já há uma sequência do filme em desenvolvimento, sem previsão de lançamento.

Figura 54. Tomb Raider: a origem, filme estrelado por Alicia Vikander. Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-142913/. Acesso em: 13 fev. 2020.

Portanto, conforme pudemos acompanhar, a história de Lara Croft mudou diversas vezes ao longo dos anos, assim como a sua aparência, de acordo com a 108

evolução gráfica dos videogames (figura 55), mas podemos considerar que, seja filha de aristocratas ou de arqueólogos, ela é uma arqueóloga britânica, que antes se interessava apenas em caçar relíquias históricas, mas que, em sua biografia atual, busca a justiça por seus pais e salva o mundo de diversos artefatos cobiçados por mercenários com más intenções. Suas aventuras são sempre repletas de atividades de ação, exploração e resolução de enigmas, desafios e quebra-cabeças, em cenários instigantes e históricos. Lara algumas vezes tem uma equipe para auxiliá-la, outras vezes faz sua aventura sozinha, mas alguns de seus itens sempre a acompanham ao longo da saga, como suas armas e seu diário, onde faz reflexões dos acontecimentos.

Figura 55. Evolução de Lara Croft. Fonte: https://www.dvsgaming.org/women-in-gaming-promoting- inclusion-to-combat-sexism/evolution-lara-croft/. Acesso em 11 abr. 2019.

A história de Lara Croft é algumas vezes controversa, já que chegou a roubar relíquias antigas (algo que não acontece mais nas versões atuais) e utiliza armas. Como menciona Gee (2014), existe uma preocupação exagerada sobre a violência nos jogos, como se eles fossem capazes de influenciar nosso comportamento de forma negativa. Segundo o autor, em nossa sociedade, lemos livros e assistimos a diversos filmes e séries que apresentam cenas violentas, até mesmo os considerados mais juvenis, como os de super-heróis. Além disso, não é raro, por exemplo, que as pessoas gostem de narrativas policiais. Nem por isso todas as pessoas agem de maneira violeta, por influência de livros e filmes. Logo, o culto à violência, na visão de Gee, é um fenômeno da sociedade como um todo e não algo exclusivo aos jogos. Embora essa influência direta das narrativas violentas sobre o comportamento humano não tenha sido comprovada, não devemos, por outro lado, banalizar esse tipo de atitude, no intuito de contribuir para uma sociedade mais 109

justa, igualitária e democrática, que respeite os direitos humanos. Observamos que, principalmente nos jogos atuais, Lara age como uma arqueóloga, analisando e documentando artefatos históricos, que fazem parte das narrativas, algo que nos pareceu interessante do ponto de vista da simulação para a aprendizagem de gêneros científicos e de divulgação científica, em um mundo imersivo da arqueologia. Dessa maneira, focamos em nosso material apenas nos movimentos de Lara arqueóloga, deixando de lado a violência. Tendo esclarecido nossas inspirações na saga e na personagem, apresentamos então o percurso gamer. A seguir, analisamos como foi planejado e concebido o espaço virtual.

3.2. Espaço virtual: mecânicas de games

De acordo com o que apresentamos sobre a definição dos games no Capítulo 1, de acordo com Huizinga (2000), todo jogo apresenta espaço, tempo e regras. No caso dos jogos eletrônicos, como observa Santaella (2007), o espaço passa a ser virtual, com maior possibilidade de imersão e interatividade. Portanto, consideramos ser interessante que, em um percurso gamer, também seja criado um espaço virtual para o material. Esse espaço, a nosso ver, deve proporcionar diferentes tipos de interação e não precisa se restringuir somente ao que se encontra em jogos educacionais digitais. Vejamos a seguir como esse elemento foi construído no percurso gamer “Lara Croft nos templos do Camboja”. Criamos o material na plataforma gratuita de construção de sites Wix30. Produzir um material desse tipo em um site não é o formato mais adequado, pois seria interessante que existisse uma plataforma que já trouxesse elementos de criação de games, aliados a recursos educacionais. No entanto, escolhemos esse formato, pois tivemos dificuldades com algumas opções já disponíveis na internet e não tivemos financiamento que permitisse contratar desenvolvedores para isso. Existem plataformas que permitem a criação de jogos, por exemplo, o Scratch31. A partir de comandos de programação, é possível montar cenários, personagens, fases, níveis, troféus, pontuações, entre outros recursos. Porém, esse tipo de

30 Disponível em: https://pt.wix.com/. Acesso em: 02 out. 2019. 31 Disponível em: https://scratch.mit.edu/. Acesso em: 02 out. 2019. 110

plataforma nos permitiria apenas construir um jogo simples, sem a complexidade do material que desejávamos reproduzir, muito menos a integração com as atividades de leitura e escrita esperadas. Isto é, nessa plataforma, poderíamos produzir um jogo educacional digital, mas não um percurso gamer, repleto de atividades integradas. Por outro lado, já existem plataformas prontas para gamificar atividades, em sua maioria pagas, como a LudosPro32. Porém, plataformas desse tipo, além de não serem gratuitas, oferecem apenas sistemas de metrificação, rankeamento e pontuação. Não queríamos gamificar nossas atividades tendo como base a mecânica de jogos, mas construir um percurso em uma lógica mais livre e próxima dos games autênticos. Portanto, optamos pelo formato site por algumas razões. Em primeiro lugar, a plataforma Wix permite ao usuário comum personalizar as páginas de forma gratuita, oferecendo uma infinidade de opções de cores, figuras e formatos. Isso nos ajudaria, por exemplo, a criar uma imersão no percurso gamer, de acordo com uma identidade visual que nos remetesse aos jogos Tomb Raider e, especificamente, ao game Lara Croft: Relic Run, no qual nos baseamos. No game mobile, como é possível observar na figura 56, por se passar no Camboja, há o predomínio de cenários com folhagens e vegetações, típicas das florestas tropicais do país, além de construções arqueológicas, com esculturas, como podemos ver ao fundo do primeiro quadrante da imagem. Quanto às cores, predominam o verde e o marrom, com detalhes em vermelho, amarelo e azul. O verde, como já indicamos, está relacionado à natureza, já o marrom nos parece remeter aos artefatos antigos, danificados pelo tempo, isto é, aos objetos de estudo da arqueologia.

32 Disponível em: https://www.ludospro.com.br/blog/plataforma-de-gamificacao. Acesso em: 02 out. 2019. 111

Figura 56. Aspecto visual do game Lara Croft Relic Run. Fonte: https://www.windowscentral.com/lara- croft-relic-run-windows-phone-game-review. Acesso em: 14 out. 2019.

Dessa maneira, produzimos o site com uma paleta de cores similar e tentamos reproduzir o cenário das florestas do Camboja, com um plano de fundo de folhagens tropicais. A cor marrom também foi utilizada para as fontes e fundo das atividades, como podemos ver nas figuras 57 e 58.

Figura 57. Aspecto visual do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft. Acesso em: 14 out. 2019.

112

Figura 58. Aspecto visual do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-1. Acesso em: 14 out. 2019.

Além da ambientação visual, também inserimos trilha sonora em algumas páginas, disponíveis em sites gratuitos, que ajudaram a construir a narrativa, enaltecendo momentos de clímax e desfecho. A trilha poderia ser desligada pelo aluno-jogador, através de um botão de play e pause, no canto superior direito das páginas. Escolhemos a Wix, pois a plataforma nos permite agregar diversos recursos multimídia, como textos, hiperlinks, fotos, vídeos, áudios, mapas, menus, faixas, botões, caixas de comentários, códigos HTML, entre outros. Isso nos ajudou a compor de forma relativamente livre o espaço interativo que imaginamos, com certa diversidade de aplicações. Os hiperlinks, por exemplo, foram utilizados de duas maneiras diferentes, conforme podemos ver nas palavras sublinhadas da figura 59.

113

Figura 59. Hiperlinks em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-1. Acesso em: 14 out. 2019.

Primeiramente, tal como registrado em “leia mais aqui sobre o que é um diário de pesquisa”, fizemos links internos para que o aluno pudesse ter mais informações sobre o personagem, o tema ou o gênero em questão, remetendo às janelas pop-up do próprio site, isto é, aquelas que se sobrepõem à tela principal. Por exemplo, a série de pop-ups que trazem instruções sobre o gênero diário de pesquisa (figura 60):

114

Figura 60. Hiperlinks de pop-ups em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-1. Acesso em: 14 out. 2019.

Além disso, também produzimos links para acesso aos conteúdos externos ao percurso gamer, como pode ser visto em “você abriu seu diário de pesquisa” e “Avalie o texto de um colega e, para descobrir seus pontos, espere seu texto ser avaliado”. No primeiro caso, o link nos remete ao site do Google Docs, onde o aluno pode produzir seu texto e, no segundo caso, o link nos remete ao formulário de perguntas do Google Forms, no qual os alunos devem avaliar os textos uns dos outros, conforme explicaremos melhor mais adiante. Outros conteúdos externos e funcionalidades do site também foram indicados na forma de botões. Como podemos acompanhar na figura 61, o botão “tour virtual” faz o direcionamento para uma página externa do percurso, no caso, a página “Angkor Wat”, do Google Arts & Culture, na qual os alunos podem ver fotos sobre o local e até mesmo fazer passeios em 360º. Já o botão “quiz” direciona o aluno a uma série de tarefas que estão estruturadas no Google Forms, com o objetivo de ampliar o trabalho com o gênero e/ou o assunto abordado. Podemos ver também, nessa imagem, o botão “clique aqui para abrir”, que remete a um conteúdo externo, uma fotorreportagem da BBC Brasil. Por fim, ainda visualizamos os botões “voltar” e “próximo”, que permitem ao aluno-jogador retornar ou seguir adiante na atividade, configurando-se como uma funcionalidade comum de um site, para ligar uma página à outra. Neste último ponto, reconhecemos que não há a interatividade ideal, que permitiria ao jogador seguir por múltiplos caminhos e fazer suas escolhas. Mas, assim o fizemos por duas razões. A primeira é que Tomb Raider não é um 115

RPG, e sua narrativa se passa de maneira mais linear para o jogador, sem muitas possibilidades de escolha, em um mundo relativamente fechado. A segunda é que a plataforma, própria para sites e não games, não nos permitia fazer muito mais do que isso. Portanto, essa é uma das lacunas a serem ainda desenvolvidas e pesquisadas em outros tipos de percurso gamer.

Figura 61. Botões em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fotorreportagem-3. Acesso em: 14 ou. 2019.

Por fim, ainda foi integrado ao site o recurso de mapas online do Google Maps (figura 62), no qual os alunos deveriam traçar rotas, indicadas de acordo com o contexto da narrativa, que exploraremos mais adiante.

116

Figura 62. Mapas em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/google-maps-3. Acesso em: 14 out. 2019.

Quanto ao tempo, assim como em muitos games atuais, o importante é cumprir o objetivo, mas não há um tempo determinado para que o aluno-jogador faça cada tarefa, pois cada um deve seguir a seu ritmo. Isso faz com que, em uma mesma sala de aula, os jogadores possam estar simultaneamente em diferentes atividades, exigindo maior atenção do professor. No entanto, calculamos algumas expectativas esperadas, para um aluno-jogador ideal, de acordo com o quadro 1 a seguir, considerando aulas de 50 minutos.

117

Eixo de Missão Aula Gênero Atividade ensino Pesquisar sobre o 1 Leitura Diversos Camboja Ler sobre a cidade Leitura Notícia perdida de Mahendraparvata 2 Identificar Leitura Notícia informações da 1 notícia 1 Relatar o que 1 aconteceu com 3 Escrita Diário de pesquisa Carter Bell e as informações encontradas Descobrir a próxima Leitura Enigma localização 4 Traçar uma rota a Leitura Mapa Mahendraparvata Descobrir uma pista Leitura Diário de pesquisa de Carter Bell 1 Conhecer o povo Leitura Artigo enciclopédico khmer Sintetizar o 2 Escrita Resumo conteúdo do artigo enciclopédico Escolher descrições Leitura Diário de pesquisa adequadas para o 2 diário de pesquisa 2 Relatar e 3 documentar a escultura de Escrita Diário de pesquisa elefante encontrada em Mahendraparvata Descobrir a próxima Leitura Enigma localização 4 Traçar rota a Leitura Mapa Angkor Wat Conhecer Angkor Leitura Videorreportagem Wat e o povo cambojano 1 Conversar com o Conversa em professor Von Croy Escrita aplicativo de sobre a mensagens videorreportagem 3 Descobrir quais

locais do Brasil são Leitura Galeria de fotos Patrimônios Mundiais 2 Conhecer mais sobre o Camboja e Leitura Fotorreportagem a ditadura do Khmer Vermelho 118

Relacionar imagens Leitura Fotorreportagem a temas Construir um tema Escrita Fotorreportagem sobre Angkor Wat Relatar e documentar Escrita Diário de pesquisa escultura de apsarás encontrada 3 em Angkor Wat

Escolher o relato mais adequado Leitura Diário de pesquisa para um diário de pesquisa Descobrir a próxima Leitura Enigma localização 4 Traçar rota a Ta Leitura Mapa Prohm Produzir plano de Escrita Comentário de blog emboscada para os 1 inimigos Traçar rota a Leitura Mapa Londres Ler modelos de Leitura Relatório de pesquisa relatórios de pesquisa 2 4 Analisar as 4 Escrita Relatório de pesquisa descobertas encontradas Artigo de divulgação Ler modelo de Leitura científica com artigo científico com infográfico infográfico 3 Divulgar ao mundo 4 Artigo de divulgação as descobertas Escrita científica com arqueológicas infográfico encontradas Quadro 1. Distribuição das aulas no planejamento do percurso gamer – tempo, gêneros e objetivos.

Como podemos observar, previu-se que cada missão poderia ser cumprida, em média, em 4 aulas de 50 minutos, totalizando 16 aulas para todo o percurso gamer. Como toda atividade escolar, é possível que a turma não acompanhasse esse ritmo e fossem necessárias mais aulas, cabendo ao professor adequar o tempo necessário. Em relação às regras, conforme já mencionamos na revisão da série Tomb Raider, diferentes mecânicas já fizeram parte dos games da saga, mas como nos baseamos em Lara Croft: Relic Run, também utilizamos regras similares às desse jogo mobile. Nesse game, Lara pode coletar moedas de ouro, que tanto lhe conferem estrelas para passar de fase (por exemplo, são necessárias 80 moedas 119

para ganhar uma estrela), quanto para comprar vantagens e benefícios, que melhoram a experiência do jogador. Em nosso percurso gamer, o aluno-jogador também recebe fictícias moedas de ouro a cada atividade feita, que são convertidas em pontos necessários para se passar de uma missão a outra. Vejamos como isso foi pensado para o material, a partir do quadro 2 a seguir:

Moedas de Método de Missão Atividade Pontos ouro pontuação Pesquisar sobre o 50 5 automático Camboja Ler sobre a cidade perdida de - - - Mahendraparvata Identificar informações da 50 5 automático 1 notícia 1Relatar o que aconteceu com Carter Bell e as 100 10 manual informações encontradas Descobrir a próxima - - - localização Traçar uma rota a - - - Mahendraparvata Descobrir uma pista de - - - Carter Bell Conhecer o povo khmer - - - Sintetizar o conteúdo do 100 10 manual artigo enciclopédico Escolher descrições adequadas para o diário 50 5 automático 2 de pesquisa 2 Relatar e documentar a escultura de elefante 100 10 manual encontrada em Mahendraparvata Descobrir a próxima - - - localização Traçar rota a Angkor Wat - - - Conhecer Angkor Wat e o - - - povo cambojano Conversar com o professor Von Croy sobre 100 10 manual a videorreportagem Descobrir quais locais do 3 Brasil são Patrimônios 30 3 automático 3 Mundiais Conhecer mais sobre o Camboja e a ditadura do - - - Khmer Vermelho Relacionar imagens a 40 4 automático temas 120

Construir um tema sobre 100 10 manual Angkor Wat Relatar e documentar escultura de apsarás 100 10 manual encontrada em Angkor Wat Escolher o relato mais adequado para um diário 30 3 automático de pesquisa Descobrir a próxima - - - localização Traçar rota a Ta Prohm - - - Produzir plano de emboscada para os - - - inimigos Traçar rota a Londres - - - Ler modelos de relatórios - - - de pesquisa 4 Analisar as descobertas 200 20 manual 4 encontradas Ler modelo de artigo - - - científico com infográfico Divulgar ao mundo as descobertas 300 30 manual arqueológicas encontradas Quadro 2. Distribuição dos pontos no percurso gamer.

Em geral, as atividades de leitura não recebem pontuação, apenas as de produção de texto. Como exceção, temos o quizzes, que são tarefas que auxiliam na interpretação do texto e na compreensão do gênero. Assim, quizzes são opcionais e garantem entre 3 a 5 pontos extras (30 a 50 moedas de ouro), enquanto produções de texto garantem entre 10 a 30 pontos (100 a 300 moedas de ouro). Os quizzes foram produzidos em formulários do Google Forms e, portanto, apresentam pontuação automaticamente atribuída ao aluno-jogador, de acordo com respostas corretas ou equivocadas, previamente configuradas pela pesquisadora-professora. Já as atividades de escrita, que podem ser feitas no Google Docs, apresentam pontuação manual, isto é, dependem da correção de outros colegas e/ou do professor. Esse recado é dado ao aluno-jogador da seguinte maneira (excerto 1):

Avalie o texto de um colega e, para descobrir seus pontos, espere seu texto ser avaliado. Excerto 1. Instrução para atribuição de pontos, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/resumo-2. Acesso em: 02 out. 2019. 121

Nesse recado apresentado no excerto 1, há um link para ser clicado, que direciona o aluno-jogador a uma ficha de avaliação de texto. Criamos uma ficha de avaliação específica para cada atividade, que, de acordo com alguns critérios de avaliação, atribui pontos à produção. Apresentamos a ficha de avaliação do resumo, na missão 2, conforme o excerto 2 a seguir:

Missão 2: Resumo

Endereço de e-mail: ______

De quem é o texto que você está avaliando? ______

O texto contextualiza a qual artigo se refere? Por exemplo, “No artigo ‘Povo Khmer’, do site ‘História do Mundo’, UOL...”. 2 pontos □ Sim. □ Não.

O texto traz quantas informações do artigo? 2 pontos □ Nenhuma informação. □ Uma a duas informações. □ Três ou mais informações.

O texto articula as informações escolhidas ou apenas estão soltas no texto? 2 pontos □ Sim, as informações escolhidas tem coerência entre si e estão conectadas no texto. □ Não, o texto parece uma lista de informações retiradas do artigo.

O texto apresenta paráfrases do artigo (escrever com as próprias palavras) ou muitos trechos são copiados? 2 pontos □ O texto é uma cópia total. □ O texto apresenta mais trechos de cópia do que paráfrase. □ O texto apresenta mais paráfrases do que cópia ou é complemente escrito em paráfrases. 122

É possível entender o texto sem ler o artigo original? 2 pontos □ Sim. □ Não.

Justifique o que precisa ser melhorado no texto: ______Excerto 2. Ficha de avaliação do resumo, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeoZ4XTocSiWq2ToLSrQex2EpEyl- PY5Luo5TaWHIiCgLEKWQ/viewform. Acesso em: 02 out. 2019.

Nesse exemplo, a ficha de avaliação solicitava a quem corrigisse que identificasse aspectos formais do gênero, como a referência ao artigo resumido; a coesão do texto; e a qualidade das paráfrases desenvolvidas, identificando possíveis cópias, um equívoco muito comum ao se produzir resumos. Os principais pressupostos acerca da escrita de um resumo aqui envolvido eram, portanto, as capacidades de: a) sintetizar informações; b) produzir paráfrases discursivas; e c) referenciar outros discursos, na forma de citação direta ou indireta. Certas questões, por exemplo, de “sim” ou “não”, podem atribuir 2 pontos ou nenhum. Outras questões, como a da paráfrase, podem atribuir 2 pontos, 1 ponto ou nenhum. De acordo com as respostas selecionadas, o formulário atribui o número de pontos a cada texto. Nesse caso, a pontuação máxima era 20 pontos. É preciso lembrar nesse momento que, apesar da dinâmica de pontos estabelecida entre os alunos- jogadores, a correção dos textos pelo professor também é essencial, devido à importância formativa do aluno. Assim, os educadores também podem ler os textos dos alunos e, independentemente dos pontos, fazer devolutivas sobre aspectos estilísticos, estruturais e temáticos sobre o gênero, bem como questões gramaticais e ortográficas. Ao chegar ao final da missão 1, é possível ter até 20 pontos, sendo necessário ter no mínimo 10 pontos para prosseguir na missão 2. É importante mencionar aqui o conflito entre os objetivos do game e os objetivos do ensino de Língua Portuguesa. Embora do ponto de vista do jogo o aluno possa ter realizado apenas os pontos mínimos possíveis, sem a produção textual (por exemplo, com pontuação máxima na pesquisa e no quiz opcional), do ponto de vista pedagógico, 123

esperamos que ele tenha cumprido todas as atividades, inclusive a produção do diário. Dessa maneira, a margem entre os 10 pontos mínimos e os 20 pontos máximos estaria prevista apenas para eventuais dificuldades na realização das tarefas, por exemplo, não ter alcançado 10 pontos na produção textual, o que equivaleria a uma nota 10. Porém, devido à interatividade própria dos games, é difícil controlar essa possibilidade, cabendo ao professor escolher como mediar a questão. No próximo capítulo, abordaremos como essa dinâmica se deu em sala de aula, em nossa aplicação em duas turmas de Ensino Médio. Na missão 2, é possível conseguir até 25 pontos, dos quais é necessário ter acumulado, desde a missão anterior, no mínimo 20 pontos para continuar na missão 3. Já na missão 3, é possível obter até 40 pontos, e a pontuação mínima acumulada deve ser de 50 pontos para prosseguir até a última missão, a missão 4. Como podemos ver, foi pensada uma progressão de pontos, de maneira que cada missão se tornasse mais difícil, tal como acontece em um game. Devido às limitações da plataforma em que criamos o percurso gamer, por não ser, de fato, um jogo, não há maneiras de impedir o acesso do aluno-jogador à missão seguinte, apenas pelo número de pontos, cabendo ao professor indicar que os alunos com pontuação inferior refaçam certas atividades. Nesse sentido, podemos comparar a pontuação às avaliações tradicionais já feitas em sala de aula. Caso não tenha obtido notas médias, é possível que o aluno faça atividades que o coloquem no nível esperado para a turma. Para contornar essa facilidade do jogo, colocamos um enigma como uma forma de barrar o acesso à missão seguinte. Nos jogos autênticos de Tomb Raider, como vimos, Lara sempre se depara com uma série de enigmas e atividades de quebra-cabeça para resolver. Logo no início de Shadow of The Tomb Raider (2018), por exemplo, Lara precisa desvendar a inscrição de um monumento maia que trazia o seguinte enigma: “Para encontrar a cidade oculta, siga para o sul ao longo da costa até encontrar o peixe rosa”. Também é muito comum que Lara encontre diversos objetos no cenário, que devem ser combinados ou modificados até que realizem a ação esperada. Em nosso percurso gamer, trouxemos enigmas que estavam relacionados às leituras feitas pelos alunos ao longo de cada missão, pois para respondê-los era necessário ter compreendido bem os textos disponibilizados nas missões. Por exemplo, o enigma da missão 1 solicitava que o aluno desvendasse o que seria algo 124

que nasceu no século IX e morreu no século XV. A resposta correta era “Império Khmer”, isto é, tratava-se da duração desse império na história cambojana, algo a que tiveram acesso ao longo da atividade de pesquisa. Ao conseguir responder corretamente o enigma, é necessário digitar a resposta como senha da próxima missão. A utilização de senha foi obtida através de um dos recursos disponíveis no site Wix. Para tornar a atividade mais lúdica e próxima dos games, é possível utilizar as moedas adquiridas pelos pontos para comprar dicas dos enigmas. O enigma da missão 1 custa 100 moedas de ouro, o enigma da missão 2 custa 200 moedas de ouro e o enigma da missão 3 custa 300 moedas de ouro. Novamente, por falta de recursos, as dicas não podem ser compradas no site, cabe ao professor oferecê-las aos alunos que assim solicitarem. Essas, portanto, são as mecânicas do percurso gamer, que oferecem pontos e moedas de ouro, como forma de avaliar as atividades e torná-las mais lúdicas. Porém, nosso objetivo não é apenas mecanizar atividades através de pontos e recompensas, mas sim criar um mundo imersivo (no caso, o universo da arqueologia), onde devem ser mobilizados letramentos e gêneros, assim como ser assumida uma identidade e um ethos discursivo, como a posição enunciativa de Lara Croft, uma arqueóloga. Esses assuntos serão abordados nos próximos tópicos.

3.3. Mundo imersivo: práticas de letramentos e gêneros

Todo game apresenta um espaço virtual, desde os mais simples, como um ambiente abstrato em que caem peças, em Tetris, até os mais complexos, repletos de verdadeiros cenários históricos, como em Tomb Raider. Entretanto, para além do espaço virtual, como defendemos anteriormente no Capítulo 2, a partir de Gee (2014), um dos grandes potenciais dos games para a educação é a aprendizagem por imersão em experiência, em um mundo virtual que permite a vivência de experiências incorporadas. Na perspectiva da Aprendizagem Baseada em Jogos, de acordo com De Freitas (2006), isso pode ser aproveitado para trabalhar com os games como mundos imersivos, por exemplo, o que foi feito com o jogo Revolution, para estudar a Revolução Americana, exemplo que acompanhamos anteriormente. 125

Para o ensino de escrita, vamos argumentar nessa seção sobre a possibilidade de esses mundos imersivos proporcionarem a mobilização de determinados letramentos e gêneros em uma dada esfera social, levando em conta a perspectiva teórica de gêneros discursivos de Bakhtin (2000[1952-53/1979]), como tipos relativamente estáveis de enunciados, que trazem semelhanças quanto ao tema, à forma composicional e o estilo (recursos linguísticos e, hoje, também semióticos). Jogar games, na visão de muitos autores (ALVES, 2010; BUCKINGHAM e BURN, 2007; DE PAULA, 2011; DE PAULA, HILDEBRAND e VALENTE, 2014; GEE, 2014), é considerado um novo letramento. Segundo Gee (2014), não letramento em seu sentido mais restrito, relacionado apenas à leitura e à escrita de um texto verbal, mas em seu sentido mais amplo, ao considerar também a multimodalidade presente em imagens, símbolos, gráficos, diagramas, artefatos e outras representações visuais, conceito chamado pelo The New London Group (1996) de multiletramentos, para se referir às múltiplas semioses e linguagens dos textos contemporâneos, aliadas à diversidade cultural. Porém, é preciso diferenciar dois tipos de letramentos que podem ser mobilizados pelos jogos digitais: aqueles que são próprios da atividade de jogar e aqueles que são relacionados ao mundo imersivo criado pelo game. Estes últimos é que podem ser os mais produtivos para o ensino de Língua Portuguesa, como veremos a seguir. No intuito de explicar como funcionam esses letramentos, podemos aproveitar a reflexão de Gee (2007), que afirma sobre a existência de dois tipos de games. Em Castlevania: Symphony of The Nigh (figura 63), exemplo apontado pelo autor, o jogador deve assumir Alucard, um meio-humano, filho de Drácula, que deve entrar em um castelo para derrotar o pai. Alucard anda, corre, pula, quebra blocos e faz determinados ataques. Para jogar bem esse game, é necessário apenas definir estratégias de tempo e coordenar certos cliques nos botões. Isto é, é necessário ter uma experiência em jogos de ação. Caso o jogador não a tenha, é possível adquiri- la ao jogar o título, o que lhe proporcionará maior intimidade com outros jogos do gênero no futuro. Além disso, Alucard é um caçador de vampiro, mas ele não possui habilidades específicas dessa “profissão” fictícia, portanto, o jogador de Castlevania não tem que pensar ou agir como um caçador de vampiros. 126

Figura 63. Castlevania: Symphony of The Nigh. Fonte: http://melhorfinal.blogspot.com/2011/07/castlevania-symphony-of-night-retro.html. Acesso em: 10 fev. 2020.

Na mesma linha de raciocínio, podemos citar o game atual Super Lucky’s Tale, que faz referência aos games de plataforma antigos, em visual renovado 3D. No jogo, o personagem principal é Lucky, uma raposa. Ele acaba preso no Livro das Eras junto com os vilões Los Gatitos, que pretendem dominar o mundo. Para escapar deste mundo em que está aprisionado, o herói precisa percorrer algumas fases, que envolvem coletar itens, pular, correr, acertar inimigos. Nesse tipo de jogo, os letramentos envolvidos estão relacionados a interagir com os personagens, que indicam o que é preciso ser feito ou parabenizam sobre o que já concluído (figura 64). Há também placas indicativas que indicam o que o jogador pode fazer, como clicar em um botão para produzir uma ação, direções que pode tomar, entre outras possibilidades. É fundamental saber associar certos símbolos a funções, como letras mágicas que garantem uma nova vida.

127

Figura 64. Super Lucky’s Tale. Disponível em: https://www.portallos.com.br/2018/01/08/super-luckys- tale-simplicidade-arriscada-impressoes/. Acesso em: 06 ago. 2020.

Games como esses mencionados proporcionam apenas uma experiência técnica em um gênero de jogo. Os letramentos mobilizados no game são relativos ao ato de jogar, como ler textos instrucionais que indicam o que deve ser feito, iniciar, sair, realizar algum comando para prosseguir, entre outras possibilidades. Nesse modelo, poderíamos citar diversos outros títulos, como Donkey Kong, Sonic, Alladin, entre tantos jogos que ficaram famosos como “jogos de plataforma”. De maneira semelhante, a dinâmica desses games exige certas habilidades de pular, quebrar blocos, coletar moedas etc. Embora sejam divertidos, possivelmente são esses jogos que endossam a ideia de que os games não tem “conteúdo”, são um desperdício de tempo e não servem para propósitos educacionais, já que o ato de jogar é encarado como uma habilidade específica de apertar botões, para que determinada ação aconteça. No entanto, de acordo com Gee, existe outro tipo de game, como Full Spectrum Warrior (figura 65). Neste jogo, o jogador deve controlar dois (às vezes, três) grupos de quatro soldados. Para isso, são ensinadas atitudes, práticas, estratégias e táticas de comando, como mover os soldados de maneira rápida ou cuidadosa. Isto é, o game demanda que o jogador pense e atue como um verdadeiro comandante oficial de um esquadrão. Assim, ao encarnar o personagem, o jogador não aprende apenas a controlar botões, mas adquire autêntica experiência profissional, já que passa a entender a mente e as ações de um comandante militar. Gee reconhece que o exemplo, é claro, não é adequado para a escola, mas demonstra como a expertise de uma determinada profissão pode ser mobilizada em um game. 128

Figura 65. Full Spectrum Warrior. Fonte: https://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/full-spectrum- warrior.html. Acesso em: 10 fev. 2020.

Na mesma linha de raciocínio, podemos citar Tomb Raider, especialmente os títulos mais recentes da série, como um dos grandes exemplos da mobilização de experiência profissional. Como vimos na revisão da série, Lara Croft é uma arqueóloga e boa parte de suas ações está relacionada a essa profissão, como encontrar documentos, relíquias e outros artefatos históricos e analisá-los posteriomente. Nesse sentido, ao assumir essa personagem, o jogador deve pensar e agir como um arqueólogo. Tomb Raider apresenta mapas, diários, documentos, relatos, entre outros textos, que fazem parte de um mundo imersivo, no qual práticas de letramentos de arqueólogos estão envolvidas. Por exemplo, Lara Croft lê documentos históricos que encontra, questionando-se sobre sua origem, época e validade, tal qual um arqueólogo faria. Se fizermos uma associação com o conceito de esferas ou campos da atividade humana, de Bakhtin (2000[1952-53/1979]), podemos pensar que games como Tomb Raider mobilizam essas instâncias, ao envolver o jogador em determinadas práticas de letramentos e seus gêneros. Por exemplo, um arqueólogo lê um documento histórico – gênero –, mas não de qualquer maneira: afinal, ele faz usos da escrita e atribui significados a ela, de acordo com seu grupo social. Todo esse processo é simulado na interface do game e assumido pelo jogador, quando encarna o personagem. Vejamos com mais detalhes como isso funciona na série, fazendo uma comparação com universo da Arqueologia. A Arqueologia é uma área de estudo e investigação, que tem como objetivo desvendar com era a vida das pessoas que já habitaram determinado lugar. 129

Nesse sentido, é comum que os arqueólogos afirmem que a Arqueologia é uma ciência com foco no ser humano e não nos objetos, como pode comumente se pensar. Isto é, os vestígios arqueológicos encontrados são apenas pistas para remontar o passado de determinado povo ou civilização. De acordo com Oliveira et al (2013), também é comum que os arqueólogos discutam se certos sítios são decorrentes de fenômenos naturais ou artificiais (consequentes da ação humana). Assim, a discussão natural versus artificial é uma das temáticas recorrentes nesse campo científico. Além disso, assim como toda ciência, as pesquisas podem seguir linhas investigativas bastante distintas, influenciadas por diferentes teorias e metodologias, que não nos cabe aqui aprofundar, por não ser nossa área de conhecimento. Em relação à linguagem, o texto científico arqueológico é multissemiótico, pois é fundamental a utilização de imagens para fins de documentação e registro. Segundo Oliveira et al (2013), é importante que os diários de campo incluam desenhos, croquis e fotografias, para representar visualmente as descobertas encontradas. Os pesquisadores comentam a importância do registro fotográfico sistemático, mas também argumentam sobre a necessidade de fazer croquis, um tipo de desenho técnico que detalha “aspectos de objetos ou áreas, considerados importantes pelo pesquisador” (OLIVEIRA et al., 2013, p. 525), tal como o exemplo a seguir (figura 66): 130

Figura 66. Exemplo de croqui arqueológico, Olimpíada Nacional em História do Brasil. Fonte: https://www2.olimpiadadehistoria.com.br/6-olimpiada/documentos/documento/7. Acesso em: 10 set. 2019.

Como podemos ver na imagem, detalha-se como está disposto o vestígio encontrado, seu tamanho, localização e descrição. Outras formais visuais também incluem mapas e plantas topográficas, que ajudam a compreender melhor o sítio arqueológico. Da mesma maneira que os diários de campo, os artigos científicos da Arqueologia também costumam apresentar alguns desses desenhos e fotografias, como forma de divulgar e analisar as descobertas encontradas. Esclarece-nos Gomes (2013) que a Arqueologia por muito tempo foi “consumidora de teorias e métodos originários no mundo anglo-saxão” (GOMES, 131

2013, p. 513). Tal visão é, inclusive, reafirmada pelo game Tomb Raider, no qual Lara Croft é uma arqueóloga britânica. Segundo a pesquisadora, a comunidade latino-americana, por exemplo, não era considerada produtora desse tipo de ciência, reproduzindo os valores e crenças desses povos, o que para o estudo de sítios arqueológicos brasileiros gerava generalizações e produções científicas pouco reflexivas. É importante mencionar também que os profissionais que lidam com descobertas arqueológicas não são somente arqueólogos, mas também é necessário ter na equipe engenheiros, arquitetos, geólogos, bioantropólogos, botânicos, entre outros, pois pode ser necessária outra especialidade para compreender os vestígios. Com relação aos letramentos envolvidos nessa prática profissional, parece-nos interessante descrever como se realiza a metodologia arqueológica. Segundo Schober (2003), inicia-se pela identificação de um sítio arqueológico, isto é, a verificação de vestígios superficiais em determinado local, que podem ser registrados com fotografias e filmagens. Em seguida, os pesquisadores fazem o levantamento de informações sobre o sítio, o que envolve levantamento bibliográfico, coleta de informações orais com a população local e sondagem (com tecnologia GPS, fotografias áreas e imagens por satélite). A coleta de informações com a população local é fundamental, já que eles podem ter conhecimento sobre certas gerações que ali habitaram no passado, assim como os artefatos arqueológicos utilizados por elas. As sondagens também são necessárias para verificar os sítios arqueológicos não visíveis. Por exemplo, Mahendraparvata, no Camboja, foi encontrada por equipamento com tecnologia a laser chamado LIDAR, já que a cidade estava “escondida” em meio às florestas do país. Após o levantamento de informações, os arqueólogos dão início ao trabalho de campo, que muitas vezes envolve escavação. A Arqueologia é fundamentalmente uma ciência que envolve o trabalho de campo e “para nortear a recuperação de dados em campo, assim como para as análises e interpretações posteriores, é necessário o uso de documentação apropriada” (OLIVEIRA et al, 2013, p. 523). Primeiramente, segundo Oliveira et al (2013), em uma metodologia chamada de “arqueologia estratégica”, é importante que os pesquisadores levem formulários, que “contêm atributos descritivos e servem tanto para orientar a observação quanto para sistematizar as descrições e nortear procedimentos” (id. ibid., p. 523). De acordo com os autores, a Arqueologia possui unidades de estudo. 132

O primeiro nível já mencionado é o sítio, que representa a área total. Os sítios podem ser divididos em diferentes loci, portanto, o locus é o segundo nível da hierarquia. O terceiro nível são unidades de estudo mais específicas, como quadras, sondagens, perfis e trincheiras. Por fim, a última unidade de estudo é o nível estratigráfico, que “situa materiais, estruturas e feições no espaço vertical do sítio” (id. ibid, p. 524). A partir disso,

todo vestígio coletado no sítio, é então identificado por meio dessas unidades para que possa ser contextualizado espacialmente, permitindo, assim, interpretações sobre áreas de atividade, formação, função, variações intrasítio, processos pós-deposicionais, entre outros (id. ibid., p. 524).

Nesse processo, é fundamental o uso do diário de campo. Segundo os autores,

o diário de campo é o recurso utilizado para documentar as atividades diárias de cada escavador e fornecer impressões individuais das pessoas diretamente envolvidas em diversas intervenções, além de complementar as informações dos formulários específicos. Inclui descrições, observações, desenhos e croquis, e comentários do sítio como um todo, estabelecendo uma narrativa sobre as atividades desempenhadas (id. ibid., p. 524-525)

O diário de campo é, portanto, um gênero da esfera científica, essencial para o trabalho arqueológico. Observamos como característica dele o movimento próprio das ciências humanas de não distanciar o objeto de estudo do pesquisador, permitindo que sejam feitos registros de impressões individuais, de forma mais subjetiva. Também é mencionado seu caráter multissemiótico, conforme mencionamos anteriormente. Após o trabalho de campo, que envolve todo o processo de documentação e registro, conforme nos esclarece Schober (2003), os objetos devem ser coletados e levados aos laboratórios para análises. O processo de coleta e análise é diferente para cada peça arqueológica, de acordo com o tipo de material e as condições de conservação:

fragmentos de cerâmica com pintura, por exemplo, são guardados sujos e envoltos em folha de papel. "Cerâmica úmida deve ser seca 133

à sombra antes de ser guardada em sacos de papel", lembra Hilbert. Já objetos em decomposição recebem tratamento químico antes de serem encaminhados ao laboratório. As ossadas, dependendo do caso, devem ser revestidas com gase parafinada ou pulverizadas com goma arábica ou cola solúvel em água. No caso de objetos de madeira, couro, têxteis ou cestaria, a pulverização é feita com goma laca. E por aí vão os cuidados dos arqueólogos com suas descobertas, antes mesmos delas serem encaminhadas ao laboratório, para, finalmente, serem acondicionadas em caixas de papelão com a ficha de catálogo. (SCHOBER, 2003, s/p)

Finalizado o tratamento dos artefatos, eles são submetidos à análise, através de relatórios, que posteriormente podem dar origem a artigos científicos e de divulgação científica, bem como a publicação de livros. Assim, observamos que faz parte dos letramentos dos arqueólogos a extensão documentação, registro e divulgação dos artefatos encontrados, através de gêneros como formulários, diários de campo, relatórios e artigos científicos. Todo esse processo e os gêneros envolvidos podem ser resumidos no quadro 3 a seguir:

Passo Movimento arqueológico Gêneros envolvidos 1 Identificação de um sítio Álbum de fotografias arqueológico Filmes 2 Levantamento de informações Artigos científicos sobre o sítio arqueológico Dissertações Teses Ensaios científicos Entrevistas Mapas 3 Trabalho de campo Formulário de observação Diário de pesquisa 4 Coleta, tratamento e análise dos Relatório de pesquisa artefatos arqueológicos 5 Divulgação das descobertas Artigo científico encontradas Artigo de divulgação científica Quadro 3. Movimentos arqueológicos e os gêneros envolvidos. Fonte: original.

134

No universo do game Tomb Raider, essas práticas de letramentos são reproduzidas, com certo toque de aventura e ficção. Como analisamos anteriormente, Lara teve a sua biografia modificada uma série de vezes ao longo da saga Tomb Raider, além da existência da subsérie Lara Croft. Em todas elas, Lara viaja em uma expedição, isto é, um trabalho de campo, para um local de interesse histórico e lá ocorrem diversas aventuras, que envolvem encontrar artefatos e enfrentar inimigos. É importante mencionar que, nos primeiros games, Lara viajava sozinha, mas como vimos na revisão da saga, uma equipe passa a ser adicionada nos games mais atuais. Em Tomb Raider: Definitive Edition, conforme já exploramos, temos Sam, responsável pela filmagem; James Whitman, professor e arqueólogo; Roth, capitão do navio; Joslyn Reyes, mecânica do navio; Jonah Maiava, cozinheiro da tripulação; Angus Grimaldi, responsável pelo controle do navio; e Alex Weiss, especialista em tecnologia. Seja qual for a sua origem e a sua motivação em cada versão da saga, Lara Croft é uma arqueóloga e algumas práticas dessa profissão estão sempre sendo mobilizadas. Em sua primeira biografia, dos games clássicos, Lara publicava livros de suas descobertas para se manter financeiramente, sem a herança de seus pais. Também na biografia apresentada em Rise of The Tomb Raider, Lara publica um livro sobre Yamatai, mas é desacreditada pela mídia e pela comunidade científica, devido ao apagamento de suas provas. Isto é, assim como uma pesquisadora de Arqueologia, Lara faz trabalhos de campo e posteriormente divulga sua pesquisa ao mundo. Para conseguir as provas de suas expedições, o processo arqueológico de exploração e documentação de vestígios também é abordado na saga. Os principais artefatos possíveis de serem encontrados nos jogos atuais são de três tipos: relíquias, documentos e murais. Ao encontrá-los, Lara os analisa de perto, fazendo apreciações e reflexões sobre o objeto. Vejamos alguns deles, com exemplos de Shadow of The Tomb Raider (2018). No México, ao explorar as ruínas de uma tumba, Lara encontra, por exemplo, uma jarra de cerâmica maia (figura 67 e excerto 3) e faz a seguinte observação:

135

Figura 67. Relíquia “Jarra de cerâmica” em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

JARRA DE CERÂMICA MAM Uma jarra de cerâmica pré-colombiana que parece representar dois deuses conversando. Não consigo entender os glifos entre eles.

Examine para encontrar informações escondidas

DIMINUIR ZOOM – AUMENTAR ZOOM – GIRAR – RESTAURAR – FECHAR – MOSTRAR COLEÇÃO Excerto 3. Transcrição da relíquia “Jarra de cerâmica” em Shadow of the Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

Conforme podemos ver, há a imagem do objeto, sua descrição e ainda é possível diminuir ou aumentar o zoom, girar o objeto e mostrar a qual coleção pertence. O próprio jogo sugere ao jogador que “examine para encontrar informações escondidas”. Isto é, quando aproximamos e giramos o objeto, podemos encontrar informações antes não percebidas por Lara. Da forma como se apresenta, essa tela do jogo se configura como um híbrido entre o momento em que o arqueólogo encontra o objeto e seu registro no diário, na forma de um croqui. 136

Podemos explorar o artefato, como se ele estivesse em nossas mãos (mãos de Lara), por exemplo, girando-o ou trazendo-o mais perto de nós. Mas, ao mesmo tempo, como em um diário, Lara faz observações sobre sua aparência e origem, tal qual em “Uma jarra de cerâmica pré-colombiana que parece representar dois deuses conversando” e registra suas impressões individuais, assim como em “Não consigo entender os glifos entre eles”. A maneira como esses elementos se dispõem na tela também se assemelha ao que vimos sobre o croqui arqueológico, pois se documenta o artefato, com imagem e descrição. Seguindo o mesmo procedimento, podemos encontrar outros tipos de vestígios. Os documentos são artefatos textuais que revelam informações históricas ou sobre a narrativa do jogo, como o exemplo a seguir, chamado “Relatório da Retaguarda” (figura 68 e excerto 4). Apôs lê-lo, Lara faz a seguintes observações:

Figura 68. Documento “Relatório da Retaguarda” em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

RELATÓRIO DA RETAGUARDA MAM Um segundo grupo, há alguns dias da peregrinação principal, relatou coisas estranhas no caminho, as feras tinham se tornado mais ferozes, e a própria selva 137

mais perigosa. As árvores e vinhas retorciam-se e trançavam-se, espinhos tão longos quando os dedos de um homem e afiados como lâminas brotavam delas.

FECHAR – MOSTRAR COLEÇÃO Excerto 4. Transcrição do documento “Relatório da retaguarda” em Shadow of the Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

Por fim, os murais são pinturas ou obras pictóricas localizadas em muros ou paredes. Um exemplo é o mural “Coração da Serpente” (figura 69 e excerto 5) encontrado por Lara no México:

Figura 69. Mural “Coração da serpente” em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em: 16 abr. 2019.

CORAÇÃO DA SERPENTE MAM Esse documento descreve um tipo de viagem ou peregrinação feita pelos Maias. Parece que eles carregaram um item de grande importância e viajaram para o sul, em direção à fonte dos peixes rosas.

O Rio Amazonas, bem como o Jonah disse.

138

FECHAR – MOSTRAR COLEÇÃO Excerto 5. Transcrição do mural “Coração da serpente” em Shadow of the Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em: 16 abr. 2019.

É importante mencionar que, nos primeiros games, Lara apenas coletava objetos, sem qualquer preocupação, afinal, era uma caçadora de relíquias. No entanto, nas versões mais atuais, nas quais a profissão de Lara é levada mais a sério, a personagem encontra os artefatos, analisa-os e posteriormente os cataloga em sua coleção, como fazem, de fato, os arqueólogos. Shadow of Tomb Raider (2018) ainda aprimora essa catalogação, mostrando que a heroína não somente analisa os objetos, mas também tira fotografias deles (figura 70), como vimos anteriormente ser uma prática comum nesse grupo de afinidade.

Figura 70. Lara fotografando um objeto de interesse em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

Algumas vezes, essas fotografias são analisadas por Lara e suas observações a respeito do objeto encontrado são feitas na forma de um diário, que contém reflexões sobre o objeto, sobre o acontecimento relacionado a ele e sobre como deve prosseguir adiante, conforme podemos ver no exemplo a seguir, ao encontrar o “Distintivo da Trindade” (figura 71 e excerto 6):

139

Figura 71. Fotografia de “Distintivo da Trindade” em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em: 16 abr. 2019.

DISTINTIVO DA TRINDADE A Trindade é uma organização secreta antiga que existe desde antes de Cristo e é governada por um alto conselho. Eles estão determinados a encontrar e explorar todos os artefatos antigos do mundo. Desde que descobri que eles mataram o meu pai, meu objetivo é ir atrás deles. Eu e o Jonah já identificamos várias divisões da Trindade, mas todas as outras ruínas e tumbas que encontramos foram destruídas, exceto a de Cozumel. Preciso saber qual é o objetivo deles e o que eles estão procurando para poder impedi-los.

DIMINUIR ZOOM – AUMENTAR ZOOM – GIRAR – RESTAURAR – FECHAR – MOSTRAR COLEÇÃO Excerto 6. Transcrição da fotografia “Distintivo da Trindade em Shadow of the Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em: 16 abr. 2019.

Para auxiliar o jogador na localização das tarefas do jogo e de todos esses artefatos, é possível consultar o mapa (figura 72), outro texto mencionado como extremamente útil para os arqueólogos. O mapa do game não somente aponta a localização de Lara, mas também indica quantos itens podem ser descobertos na 140

área. Caso o jogador encontre um mapa do tesouro (complementar), ainda é possível ver no mapa geral a localização exata de cada um dos artefatos.

Figura 72. Mapa em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

Nesse exemplo de mapa, temos a área a ser explorada (Cozumel), a localização da personagem na área (símbolo da bússola, em laranja), o objetivo a ser realizado (“Explore as ruínas”) e diversas informações sobre os artefatos disponíveis. Nesse local, por exemplo, podemos identificar a presença de uma relíquia (símbolo de taça). Há também informações sobre o inventário, que contém materiais que podem ser coletados. Portanto, podemos concluir que games como a série Tomb Raider mobilizam letramentos e gêneros de uma dada esfera social, neste caso, reproduzindo de forma bastante fiel o que fazem os arqueólogos. Julgamos, portanto, este um diferencial para ser trabalhado no ensino de Língua Portuguesa, conforme mostraremos o que fizemos para o material didático. Os movimentos de exploração, catalogação de artefatos, elaboração de diários e a resolução de enigmas foram as principais atividades de Lara aproveitadas para a produção do percurso gamer, permeadas por uma narrativa, similar a uma já existente. Ao invés de utilizar a narrativa dos jogos para consoles de última geração, que podem não ser acessíveis para todos os alunos, preferimos usar 141

a história contada em Lara Croft: Relic Run, o jogo gratuito para dispositivos móveis. De acordo com o que já apontamos anteriormente, o mote narrativo desse game é o desparecimento de Carter Bell, um arqueólogo amigo de Lara. Para encontrá-lo, Lara precisa correr, coletar artefatos e enfrentar inimigos. Dessa maneira, criamos uma história original paralela à do jogo mobile, porém com elementos dos outros jogos da saga. Lara Croft acorda sem memória, em um hospital. Quem a acolhe é Professor Von Croy, seu grande mestre presente em games como Tomb Raider: The Last Revelation, Tomb Raider: Chronicles e Tomb Raider: Angel of Darkness. Ele lhe conta que ela retornou de uma expedição ao Camboja, sem Carter Bell, portanto precisa retornar ao país para descobrir o que aconteceu com o amigo e poder encontrá-lo. Ao longo dessa jornada, ela precisa fazer pesquisas, ler textos para descobrir mais informações, desvendar enigmas e documentar os artefatos arqueológicos que encontra no caminho, em seu diário de pesquisa. A catalogação de artefatos e a elaboração de diários de pesquisa fazem com que o aluno possa produzir textos como um arqueólogo, lidando diretamente com gêneros da esfera científica. As ações de exploração e resolução de enigmas, por sua vez, além de exigerem a localização de informações, comparações e a retirada de conclusões, foram utilizadas para tornar a atividade mais lúdica e proporcionar o envolvimento pela narrativa. Vejamos como isso foi produzido no percurso gamer “Lara Croft nos templos do Camboja”, na descrição de cada uma das missões.

3.3.1. Missão 1 - Mistérios do Sudeste Asiático

Na missão 1, quando Lara acorda sem memória no hospital e precisa retornar ao Camboja para procurar Carter Bell, temos a primeira atividade proposta para o aluno, conforme o excerto 7:

Ainda se recuperando, você chegou em casa, abriu o notebook e digitou no Google: “Camboja”. Que pistas sobre o local você encontrou? Excerto 7. Instrução para pesquisa, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-1. Acesso em: 25 set. 2019.

142

Nessa atividade, o aluno deve primeiramente fazer uma pesquisa geral sobre o país que Lara deve visitar, em um movimento similar ao levantamento de informações sobre o sítio arqueológico. Para isso, após fazer a pesquisa, deve responder um formulário de respostas automáticas33, que confere a qualidade da leitura e da curadoria de informações feita pelo aluno-usuário. Não basta apenas a leitura dos primeiros resultados disponíveis na Web, é preciso assinalar quais informações geográficas, históricas, políticas e culturais sobre o Camboja são verdadeiras, além de identificar quais imagens de templos são esteticamente identificadas como templos cambojanos. Em seguida, após fazer a pesquisa, Lara começa a se lembrar do que aconteceu e então busca por “cidade perdida Camboja” no Google, encontrando uma notícia, que deve ser lida pelo aluno-jogador. A notícia se intitula “Cidade perdida há 1200 anos é encontrada em florestas do Camboja”34, escrita por Júlia Matravolgyi, para a Superinteressante, uma revista de divulgação científica. Nessa notícia, temos a informação de que um grupo de pesquisadores encontrou uma cidade perdida em meio às florestas do Camboja. Tal descoberta foi possível pela ajuda de uma tecnologia a laser chamada LIDAR, muito utilizada para escanear sítios arqueológicos, capaz de encontrar até mesmo objetos enterrados. Os pesquisadores descobriram através de inscrições antigas que a cidade se chamava Mahendraparvata. Ainda podemos descobrir pelo texto que a cidade está localizada no topo da montanha Phnom Kulen, na região de Siem Reap, no nordeste do país. Na sequência da leitura, o aluno-jogador pode fazer um quiz opcional (excerto 8). Enquanto do ponto de vista do game isso garante ao jogador mais informações e pontos extras, do ponto de vista do ensino de Língua Portuguesa, essa atividade auxilia o jogador em habilidades de leitura, como identificar informações explícitas no texto, bem como relacionar as principais funções sociais do gênero notícia de divulgação científica, como a sua finalidade e público-alvo:

Os pesquisadores descobriram a cidade através de: □ Escavação arqueológica.

33 Disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfJkrRJO9XNmoR1buKaKAFap_N88driOJisFDOUy6LGf6 n-2w/viewform. Acesso em: 24 out. 2019. 34 Disponível em: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/mahendraparta. Acesso em: 25 set. 2019. 143

□ Expedição na floresta. □ Imagens feitas por satélite. □ Tecnologia a laser.

Segundo o texto, o templo mais antigo citado é: □ Angkor. □ Jayavarman. □ Mahendraparvata. □ Phnon Kulen.

A partir da leitura do texto, pode-se dizer que a sua principal finalidade é: □ Alertar sobre os perigos do Camboja. □ Contar a história dos templos antigos. □ Explicar o que é a tecnologia LIDAR. □ Informar uma descoberta arqueológica.

Através da análise da linguagem utilizada, é possível dizer que o texto se destina: □ Aos arqueólogos profissionais. □ Aos estudantes de arqueologia. □ Aos estudantes do ensino médio. □ Aos leigos interessados em ciência.

Portanto, ele foi publicado em uma revista de: □ Arqueologia. □ Divulgação científica. □ Entretenimentos. □ Pesquisas acadêmicas. Excerto 8. Quiz, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdt80jardaKCuyeWzKQgZSR_K2Cr92Wt39PiGhpsVjpogP 5bg/viewform. Acesso em: 25 set. 2019.

Prosseguindo, Lara decide ir à Mahendraparvata, mas para isso precisa se preparar. Então abre seu diário e faz o primeiro registro, de acordo com as seguintes instruções (excerto 10): 144

Você abriu seu diário de pesquisa, registrou a data e fez um pequeno relato do acontecido com Carter. Em seguida, escreveu um resumo sobre as principais informações encontradas na pesquisa e na notícia, anotando os dados mais importantes sobre o Camboja e a cidade perdida, além de enriquecer também seu texto com imagens sobre o tema (10 pontos – 100 moedas de ouro). Leia mais aqui sobre o que é um diário de pesquisa. Excerto 9. Diário de pesquisa, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-1. Acesso em: 25 set. 2019.

O texto deve ser feito em uma plataforma à parte, como o Google Docs, com link sobre a tarefa. O enunciado da tarefa também inclui outro link, que abre uma janela pop-up (excerto 10), a partir do clique em “aqui”. Essa janela oferece uma orientação para o aluno sobre gênero, que é aprimorada em cada uma das missões:

Diário de pesquisa O diário de pesquisa é um dos instrumentos do pesquisador, utilizado, principalmente, em pesquisas de campo (aquelas em que o cientista vai até o local). Ele ainda não é produto final de uma pesquisa científica, mas parte da documentação do processo, servindo como base para ensaios, artigos científicos, relatórios de pesquisa, monografias, teses, dissertações e outros estudos. Nele, o pesquisador registra dados, faz anotações e reflexões para si mesmo, portanto, ainda não precisa utilizar linguagem técnico-científica. É importante destacar que, por ser pessoal, os diários costumam trazer o objeto estudado sob a ótica do pesquisador, portanto, ele não revela “verdades científicas”, mas certa visão de mundo de determinado cientista. Um mesmo acontecimento pode ser relatado de maneira muito diferente por duas pessoas, principalmente se suas áreas científicas forem distintas. Os diários também revelam o tom pessoal através da linguagem. Cada pessoa tem um jeito próprio de escrevê-lo: alguns utilizam o tom narrativo, ao descrever acontecimentos, outros produzem pequenos ensaios científicos, outros ainda escrevem apenas em tópicos, fazem esquemas e anotam ideias isoladas. É possível ainda agregar fotos, mapas, infográficos e outros documentos que venham a contribuir com a pesquisa. Excerto 10. Pop-up sobre diário de pesquisa, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-1. Acesso em: 25 set. 2019. 145

Para criar essa orientação sobre o gênero apontada anteriormente, apropriamo-nos das características específicas do diário de campo do arqueólogo, descritas por Oliveira et al. (2013), portanto, foram incentivadas as descrições, registros de impressões pessoais e composição com imagens (como registros fotográficos ou croquis). Como podemos observar, destacamos nesse momento que o diário é um instrumento de reflexão do pesquisador e ainda não constitui um texto a ser publicado, por essa razão, é incentivada a subjetividade do enunciador. Várias maneiras de escrevê-lo, isto é, diferentes formas composicionais, são dadas ao aluno-jogador, como o fato de poder fazer pequenas narrativas ou ensaios científicos, escrever em tópicos, produzir esquemas etc. Próximo ao fim da missão, Lara decide traçar uma rota no Google Maps do aeroporto do Camboja até Mahendraparvata, a partir da seguinte instrução (excerto 11):

Após explorar o mapa e as imagens de satélite, você precisa criar uma rota “aeroporto do Camboja” a “Mahendraparvata”. Faça isso clicando em “Google”, no canto inferior esquerdo, pois abrirá a área para maiores interações. Excerto 11. Exploração de mapa, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/google-maps-1. Acesso em: 25 set. 2019.

O mapa foi integrado ao site através do recurso Google Maps. Os mapas de Tomb Raider, como vimos, podem ser consultados a qualquer momento pelo jogador, para que se guiem no objetivo desejado e encontrem artefatos e pontos de interesse. Em nosso caso, ao final de cada missão, o aluno-jogador deve consultar a sua localização no Google Maps e planejar sua rota, de acordo com a narrativa. Para finalizar, Lara decide então partir em viagem, dando início à Missão 2. No entanto, antes de prosseguir para a próxima missão, o aluno-jogador precisa resolver o seguinte enigma, como podemos ver a seguir, no excerto 12:

Além disso, a missão 2 está bloqueada com uma senha. Para descobri-la, responda: Eu nasci no século IX e morri no século XV. Durante centenas de anos fiz templos no Camboja para minha morada. Quem eu sou? Excerto 12. Enigma, missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fim-1. Acesso em: 25 set. 2019. 146

O enigma resgata uma das mecânicas de Tomb Raider relacionadas aos desafios puzzle e, de forma lúdica, personifica o Império Khmer, para deixá-lo mais desafiador. As datas correspondem ao seu início e final e o ato de fazer templos corresponde ao fato de que os templos cambojanos foram construídos pelo Império Khmer.

3.3.2. Missão 2 - No templo da floresta: Mahendraparvata

Na missão 2, Lara chega à Mahendraparvata, cidade perdida do Camboja, e encontra o diário de Carter Bell (figura 73 e excerto 13) no chão. Esse diário deve ser lido pelo aluno, pois, assim como nos jogos autênticos, contém pistas sobre os acontecimentos da narrativa, isto é, o motivo pelo qual Carter está desaparecido. Em especial, esse texto baseado em informações reais sobre a cidade foi criado para o percurso gamer, para que o aluno-jogador pudesse ter um exemplo de diário de campo, de acordo com a proposta narrativa. O estudante, em outras oportunidades, também pode ler outros textos autênticos, como notícias, reportagens, artigos enciclopédicos etc.

Figura 73. Diário de Carter Bell, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-2. Acesso em: 11 set. 2019.

Dia 27 de novembro, 2016. Hoje, chegamos à cidade perdida. Lara e eu montamos um pequeno acampamento próximo ao templo. Nossas primeiras explorações arqueológicas da área nos 147

relevaram indícios temporais de que o templo descoberto é mais antigo que Angkor Wat. Isso nos leva a crer que ele é a origem do Império Khmer.

Dia 28 de novembro, 2016. Descobrimos inscrições na parede do templo. Lara, com seu conhecimento de sânscrito, traduziu uma delas e pudemos descobrir que o monte que hoje Phnom Kulen, outrora foi o monte Mahendraparvata, razão do nome da cidade. À noite, em nosso acampamento, é possível ouvir sons estranhos vindos da montanha.

Dia 29 de novembro, 2016. Descobrimos que Jayavarman II foi o construtor do templo perdido de Mahendraparvata. Por que o chamavam de Deus-Rei? Encontramos uma escultura de elefante no meio da floresta, que será documentada amanhã, pois hoje sairemos em expedição até o topo da montanha, para conferir os sons que ouvimos ontem. Será que lá habita uma civilização também perdida? Excerto 13. Diário de Carter Bell, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-2. Acesso em: 11 set. 2019.

Após ler o diário de Carter, Lara percebe que não se lembra de nada sobre o Império Khmer, então, precisa pesquisar melhor sobre o assunto. O resultado da pesquisa já é oferecido para o aluno, pois a personagem encontra um artigo enciclopédico sobre o Povo Khmer35, pertencente ao site História do Mundo (UOL), que o aluno-jogador também deve ler. O artigo aborda origem do Império Khmer no século VIII, quando esse povo dominava os atuais territórios do Camboja, Mianmar e Laos. Em seguida, apresenta a sua consolidação no século IX, quando os khmer organizaram exércitos para conquista de territórios e superaram a seca da região, com um complexo sistema de irrigação para as colheitas de arroz. O texto destaca ainda a criação da cidade de Angkor, considerada um importante centro comercial, e o papel das mulheres, que ocupavam posições de destaque. No entanto, a partir do século XIII, disputas em torno da monarquia e ataques feitos por povos vietnamitas e tailandeses começaram a promover a ruína do império, que chegou ao seu colapso no século XV. Esses conflitos levaram a população a

35 Disponível em: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/povo-khmer-2. Acesso em: 25 set. 2019. 148

abandonar os templos e as cidades, razão pela qual ficaram abandonados na floresta, como hoje se encontra. Após a leitura do texto, Lara conversa com Von Croy sobre o diário e o artigo enciclopédico. O Professor, então, alegando não ter tempo, solicita que Lara lhe mande um resumo do artigo, o que nos leva à seguinte instrução para o aluno jogador, no excerto 14:

Você precisa fazer um resumo do artigo lido para Professor Von Croy. Para isso, você deve selecionar as principais informações do texto e organizá-las de modo coerente. (10 pontos – 100 moedas de ouro) Excerto 14. Resumo, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/resumo-2. Acesso em: 25 set. 2019.

Como podemos ver, o enunciado já dá o direcionamento para o aluno-jogador sobre como o resumo deve ser realizado, tratando-se de uma síntese do texto lido. Depois de compreender mais sobre o Império Khmer e os motivos pelos quais a cidade está abandonada, Lara decide procurar pela escultura de elefante referenciada no diário de Carter Bell, quando finalmente a encontra (figura 74). Depois de algumas instruções que apresentaremos a seguir, o aluno-jogador precisará documentá-la em seu diário de pesquisa, mais uma vez utilizando o Google Docs.

Figura 74. Escultura de elefante, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-2. Acesso em: 11 set. 2019.

149

Espantada por Carter não ter documentado a descoberta, Lara decide fazê-lo, a partir das seguintes tarefas, como podemos ver no excerto 15:

- Como Carter não documentou essa descoberta!? A escultura é maravilhosa e uma grande relíquia histórica. Tenho que fazer isso agora mesmo. Como posso descrevê-la? (5 pontos – 50 moedas de ouro) QUIZ

Você, então, registra em seu diário de pesquisa a escultura, descrevendo-a e documentando como foi a descoberta (local, data, condições etc). Além disso, você também escreve uma pequena reflexão sobre o assunto, já pensando em um possível artigo científico (10 pontos – 100 moedas de ouro). Leia mais aqui sobre como fazer descrições e reflexões em um diário de pesquisa. Excerto 15. Diário de pesquisa, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-2. Acesso em: 25 set. 2019.

A atividade traz um quiz opcional para o aluno. O quiz (excerto 16) consiste em uma atividade extra que ajuda o aluno a construir sua documentação no diário, funcionando como um formulário de observação, tal como descrito por Oliveira et al. (2013) para a metodologia arqueológica. Além disso, pensamos nessa atividade como apoio para a produção de texto, pois a escrita pode ser aprimorada, se for pensada em atividades que trabalhem cada uma de suas partes. Um texto em certo gênero se faz com base em tema (em nosso caso, a descoberta arqueológica), construção composicional (a forma de apresentação do diário: narrativas, ensaios científicos, tópicos, esquemas) e estilo (escolha de recursos lexicais e gramaticais para a caracterização das condições da descoberta arqueológica). O quiz apresenta o trabalho com o tema, a construção composicional e o estilo, a partir das seguintes questões solicitadas:

Onde a escultura foi encontrada? □ Baentay Srei. □ Angor. □ Mahendraparvata. □ Bayon.

150

Escolha melhor descrição para o que é a escultura: □ A escultura retrata um animal muito encontrado no Camboja: o elefante. Isso revela que antiga civilização khmer que habitou Mahendraparvata tinha apreço pelo animal. □ A escultura retrata um elefante, o que demonstra que os cambojanos gostam desse animal.

Escolha a melhor descrição de como foi feita a escultura: □ A escultura foi esculpida em pedra. □ A escultura foi esculpida em barro. □ A escultura foi esculpida em madeira.

Escolha a melhor descrição de onde está localizada: □ A escultura está na floresta, mas não dá para saber mais detalhes. □ A escultura está perdida na mata. □ A escultura está localizada em meio à selva, assim como a cidade perdida de Mahendraparvata. Provavelmente, o que hoje está tomado pela floresta, antes era habitado.

Escolha a melhor descrição para as condições em que se encontra a escultura: □ A escultura está parcialmente coberta por musgo, o que revela que estava abandonada em meio à floresta. □ A escultura está totalmente destruída, o que revela os impactos da Guerra do Vietnã. □ A escultura está bem-conservada, o que revela o cuidado de povos locais em preservá-la. Excerto 16. Quiz, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdIvRuDI- CN_XNi4d05Gwa3v3AH6gFTTRkOYCnuEXvUhSboyg/viewform. Acesso em: 25 set. 2019.

Como podemos observar, o quiz tem como objetivo auxiliar o aluno a construir suas descrições para o diário, incentivando-o a pensar como um arqueólogo. De acordo com o que mencionamos antes, um arqueólogo precisa descrever como é o vestígio encontrado, para poder remontar os hábitos da 151

civilização que ali habitou. Para isso, é importante fazer descrições da localização, do material utilizado, das condições da escultura e da sua possível representação para o povo que a construiu. Ele também fornece uma alimentação remática, isto é, indica para o aluno sobre o que ele deve escrever. Para a tarefa do diário, diferentemente dos jogos em que a análise e a catalogação de Lara já aparecia pronta para o jogador, bastando apenas lê-la, em nossa atividade, com a finalidade de incentivar a produção de texto, solicitamos ao aluno que escreva o diário de Lara, descrevendo e documentando a descoberta, além de fazer outras reflexões sobre suas impressões pessoais, tal como vimos ser o objetivo do diário de campo (ou de pesquisa) do arqueólogo. Enquanto na missão 1 os registros eram mais genéricos sobre o Camboja, na missão 2, é preciso descrever e documentar a escultura, informando o local, a data e as suas condições. Também é necessário fazer uma pequena reflexão sobre a descoberta e seus impactos científicos. A descrição da tarefa também inclui um link, que abre uma janela pop-up (excerto 17) em “aqui”. Essa janela oferece mais uma orientação para o aluno sobre o gênero, em progressão em relação à missão anterior. No pop-up da missão 1, focamos na finalidade social do gênero e em suas possíveis formas composicionais, como a escrita de pequenas narrativas, ensaios científicos, tópicos, esquemas etc. Agora, na missão 2, concentramos-nos na qualidade da descrição em um diário de pesquisa, a partir do trabalho com algumas questões estilísticas, como o uso de expressões adjetivas, como podemos ver a seguir.

Descrição e reflexão em um diário de pesquisa

É muito importante, para o arqueólogo, descrever com riqueza de detalhes como é o artefato histórico, pois é isso que o faz ser original. Relatos vagos e genéricos podem fazer com que o pesquisador não se lembre do que encontrou. Além disso, a descrição é muito importante para a catalogação da descoberta, em um museu virtual, por exemplo. Expressões como “coberta por musgos” e “esculpida em pedra” contribuem para essa descrição. A partir dessa descrição, é possível que o pesquisador faça deduções sobre o momento histórico e sobre características dessa civilização. 152

Por exemplo, “a escultura está coberta por musgos, pois o local foi abandonado há muitos séculos”. Excerto 17. Pop-up sobre diário de pesquisa, Missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-2. Acesso em: 25 set. 2019.

Nessa instrução, assim como apontado por Oliveira et al. (2013), aborda-se a importância da catalogação, para que o trabalho do arqueólogo seja bem realizado. Caso não haja uma documentação adequada, não será possível fazer análises e interpretações posteriores. Do ponto de vista do ensino de escrita, isso pode ser concretizado pela riqueza de detalhes ao longo da descrição, tal como os exemplos propostos, “coberta por musgos” e “esculpida em pedra”. Prosseguindo ao fim da Missão 2, o aluno-jogador se depara com mais um enigma. Lara encontra um pequeno papel com uma pista deixada por Carter Bell, contendo o seguinte enigma (excerto 18):

Os sons da montanha revelam o caminho para aquele que será o maior templo do Império. Excerto 18. Enigma, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/google-maps-2. Acesso em: 25 set. 2019.

Tal enigma exige que, a partir das leituras anteriores, o aluno identifique que o maior templo do Império Khmer é Angkor Wat, o que configura a senha da próxima missão. Tendo estabelecido que esse é o próximo ponto de parada, novamente é necessário traçar uma rota no Google Maps de Mahendraparvata a Angkor Wat. Para continuar na Missão 3, é preciso seguir essa instrução (excerto 19):

Além disso, a missão 3 está bloqueada com uma senha. Para descobri-la, responda: Qual é o próximo templo que você irá visitar? Excerto 19. Continuação do enigma, missão 2, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fim-2. Acesso em: 25 set. 2019.

153

3.3.3. Missão 3 – Um dos maiores complexos arqueológicos do mundo: Angkor Wat

Na Missão 3, enquanto Lara está a caminho de Angkor Wat, a personagem assiste à uma videorreportagem, em seu celular. Assim, o aluno- jogador deve também assistir a um trecho da videorreportagem36, que foi produzida pelo programa de televisão Globo Repórter. Primeiramente, a reportagem apresenta o aspecto mais explorado do Camboja: o turismo em seus templos, criados pelo Império Khmer. A repórter Glória Maria mostra Ta Prohm, Bayon e Angkor Wat. O templo de Ta Prohm é caracterizado como um local que instiga medo e mistério, devido às enormes árvores centenárias que invadiram o templo. Comenta-se também o fato de o templo ter ficado muito famoso, pois Angelina Jolie ali gravou cenas de Tomb Raider. Em seguida, Bayon é mostrado como o templo repleto de faces esculpidas em pedras, que tudo parecem observar. Para finalizar, apresenta- se Angkor Wat, um templo em homenagem aos deuses hindus e também local sagrado para os budistas atualmente. Além disso, o templo é definido pela repórter como o maior monumento religioso do mundo. Nesse contexto, a repórter afirma que muitos turistas buscam o país para vivenciar o “exótico” e o “diferente”. Após apresentar os templos do Camboja e a capital Siem Reap, também procurada pelo turismo, a reportagem segue para apresentar “o Camboja pelos cambojanos”, isto é, mostrar como é a cultura e a vida de seus habitantes. Glória Maria conta ao telespectador que metade da população do Camboja é muito pobre e ganha apenas o equivalente a 100 reais por mês. Em seguida, a repórter mostra as pequenas casas de madeira construídas na beira de um rio e conversa com uma família. Para explicar a miséria vivida pela população, o programa contextualiza os anos de guerra vividos pelo Camboja, durante a ditadura do Khmer Vermelho, que obrigou a população a sair das cidades e a viver no campo. Tal memória é ainda relembrada por músicos cambojanos vítimas da guerra que, apesar de tudo, tocam felizes para os turistas em Angkor Wat. Concluída a videorreportagem, o aluno-jogador recebe a seguinte instrução de atividade (excerto 20):

36 Disponível em: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-3. Acesso em: 25 set. 2019. 154

Você ficou intrigada com a videorreportagem e decide conversar sobre ela com o professor Von Croy, no Whatsapp, já que ele também se interessa pelo assunto. Veja o diálogo e complete os espaços faltantes. (10 pontos – 100 moedas de ouro) Excerto 20. Atividade sobre videorreportagem, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-3. Acesso em: 25 set. 2019.

A tarefa consiste no seguinte formulário (excerto 21), diagramado para o aluno como um diálogo do aplicativo de mensagens mencionado:

‒ Oi, professor! Tudo bem?

‒ Oi, Lara, tudo bem e você? Onde você está?

‒ Estou a caminho de Angkor Wat. Veja a reportagem que estou assistindo: https://www.youtube.com/watch?v=DXc8nqkJ8uQ

‒ Vou ver, só um instante.

‒ Voltei, assisti.

‒ E aí, o que você achou?

‒ Achei [edite aqui].

‒ Você reparou que há dois grandes momentos na reportagem? Um que eles falam sobre o lado turístico do Camboja e o outro sobre [edite aqui].

‒ Sim, percebi. Na primeira parte, eles mostram os templos de [edite aqui], [edite aqui] e [edite aqui]. Achei curiosa a escolha das músicas de fundo. Você reparou que a música tem um tom de [edite aqui]? Em alguns momentos, a música dá uma ideia de aventura também.

‒ É mesmo! Ajuda a criar o clima do lugar.

‒ E, realmente, como a repórter disse, as árvores milenares parecem mãos que seguram os templos, dá até medo! Eu também não sabia que Angkor Wat era o [edite aqui] templo do mundo e que era uma homenagem [edite aqui]. O que você acha da estética desses templos?

‒ Acho [edite aqui]. 155

‒ E a parte em que eles falam do Camboja pelos cambojanos?

‒ Nossa, me surpreendi. Não sabia que [edite aqui].

‒ Fiquei espantando com a pobreza do país. O interessante é como isto se relaciona com o turismo. A reportagem não mostra que, apesar do turismo ser uma fonte de dinheiro, os próprios cambojanos [edite aqui].

‒ Você reparou que essa reportagem mostrou o “diferente” como “exótico”. Você concorda com isso?

‒ [edite aqui].

‒ Na parte em que mostra a família cambojana, parece que há um certo desejo de mostrar que apesar de pobres, são “felizes”.

‒ Por falar nisso, você viu sobre a Guerra? Ela foi resultado de [edite aqui].

‒ Mas as pessoas não esquecem os momentos de terror. Exemplo disso, no final da reportagem, é a [edite aqui].

‒ Verdade. Falando no final...

‒ Achei que a escolha de mostrar Angkor e o por do sol, ao fundo, traz uma certa mensagem: apesar da pobreza e guerra, o Camboja [edite aqui].

‒ Concordo. Esses são recursos que a videorreportagem pode trazer, diferente da reportagem comum.

Excerto 21. Diálogo do Whatsapp, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfkEbI3UmwuNaZsy4gJvZ76uDFrGtHCjJMYj5QhOjpUVls snw/viewform. Acesso em: 25 set. 2019.

Como podemos ver, nessa tarefa, os alunos-jogadores devem identificar algumas informações explícitas da videorreportagem, como os templos mencionados, o tamanho de Angkor Wat, o motivo da guerra do Camboja, entre outras. Também devem identificar informações implícitas, que aparecem através dos recursos multissemióticos, como a escolha da trilha sonora, que confere ar de mistério e a composição de imagens, por exemplo, a relação entre o sol e a esperança de que o Camboja se torne um país melhor. Por fim, a atividade ainda incentiva o letramento crítico dos alunos que, após assistirem ao vídeo, têm a 156

oportunidade de expressar seus posicionamentos a respeito da reportagem no geral, da estética dos templos e da opinião da repórter de que o “diferente” é “exótico”. Por se tratar de um diálogo em aplicativo de mensagens instantâneas, as respostas dos alunos poderiam ser múltiplas e, diferentemente de outras atividades, seria admitido o uso de linguagem informal, já que se tratava de uma conversa privada entre dois personagens. Em seguida, Lara Croft chega a Angkor Wat e fica maravilhada com sua beleza, então decide tirar fotos do local, para uma futura fotorreportagem. Refletindo como pode produzir uma fotorreportagem, Lara busca por um exemplo na internet, que também é oferecido para a leitura do aluno-jogador. A fotorreportagem se intitula “Dois homens contam como sobreviveram à prisão no Camboja”37, e é produzida pela BBC Brasil. Ela apresenta 10 fotos, acompanhadas de legendas. Entre as fotos, podemos conhecer Chum Mey, de 83 anos, e Bou Meng, de 74, ambos sobreviventes da prisão de Toul Sleng, onde as pessoas eram torturadas durante a ditadura do Khmer Vermelho, no Camboja, na década de 1970. A reportagem explica esse regime ditatorial, liderado por Pol Pot, e mostra como era a prisão e as formas de tortura, apresentando também o museu que hoje está instalado no local, para contar a história do genocídio e homenagear os mortos no regime. Esse texto é indicado como exemplo para que o aluno-jogador observe que a fotorreportagem não é apenas uma galeria de fotos, pois mostra fotos sobre um tema específico e, ao mesmo tempo, apresenta legendas informativas, que ultrapassam a mera descrição da imagem e ajudam a construir o tema, relacionando o verbal ao visual. Na sequência, retornando à ideia de produzir uma fotorreportagem sobre Angkor Wat, podemos ver uma galeria de fotos ficcionalmente produzida por Lara Croft. As fotos reais pertencem à galeria de UNESCO38, a qual o aluno-jogador pode ter acesso de forma completa. Como são muitas fotos, o aluno deve escolher algumas para a sua produção, escolhendo um tema como foco. A seguinte fala de Lara auxilia nessa tarefa (excerto 22), acompanhada de um quiz opcional:

37 Disponível em: https://noticias.bol.uol.com.br/fotos/entretenimento/2015/06/14/dois-homens- contam-como-sobreviveram-a-prisao-no-camboja.htm#fotoNav=1. Acesso em: 30 set. 2019. 38 Disponível em: http://whc.unesco.org/?cid=31&l=en&id_site=668&gallery=1&maxrows=69. Acesso em: 26 set. 2019. 157

- Quantas fotos! Preciso selecionar apenas algumas para a minha fotorreportagem. Acho que seis já são suficientes. E é claro, preciso produzir legendas que ajudem a explicitar o que eu estou pensando. Qual tema posso escolher? Pensei em alguns: 1) A conservação e restauração dos templos; 2) As antigas árvores que nascem em meio aos templos; 3) O turismo nos templos e; 4) As esculturas dos templos. Qual tema devo escolher? (4 pontos – 40 moedas de ouro) – QUIZ Excerto 22. Tema da fotorreportagem, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fotorreportagem-3-cont. Acesso em: 26 set. 2019.

O quiz apresenta as seguintes questões, que ajudam o aluno a identificar imagens relacionadas aos temas propostos e a desenvolver as capacidades de comparação de informações e generalização como estratégias de leitura (excerto 23):

A qual tema de fotorreportagem a imagem abaixo poderia pertencer?

□ A conservação e restauração dos templos. □ As antigas árvores que crescem em meio aos templos. □ O turismo nos templos. □ As esculturas dos templos.

A qual tema de fotorreportagem a imagem abaixo poderia pertencer? 158

□ A conservação e restauração dos templos. □ As antigas árvores que crescem em meio aos templos. □ O turismo nos templos. □ As esculturas dos templos.

A qual tema de fotorreportagem a imagem abaixo poderia pertencer?

□ A conservação e restauração dos templos. □ As antigas árvores que crescem em meio aos templos. □ O turismo nos templos. □ As esculturas dos templos.

A qual tema de fotorreportagem a imagem abaixo poderia pertencer? 159

□ A conservação e restauração dos templos. □ As antigas árvores que crescem em meio aos templos. □ O turismo nos templos. □ As esculturas dos templos. Excerto 23. Quiz, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdY_bstjUFBm3LEfwHd5SiIcuh9ZbDy1Ta7fiZ62gFJ- vRh6w/viewform. Acesso em: 26 set. 2019.

Após a escolha do tema e realização do quiz opcional, o aluno recebe a seguinte tarefa (excerto 24):

Você escolhe um tema e produz uma fotorreportagem sobre Angkor Wat. Clique aqui para fazê-la. (10 pontos – 100 moedas de ouro) Excerto 24. Fotorreportagem, missão 3, em Lara Croft nos templso do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fotorreportagem-3-cont. Acesso em: 26 set. 2019.

Dando continuidade à história, Lara encontra uma escultura de apsarás (figura 75) em uma das paredes de Angkor Wat:

160

Figura 75. Escultura de apsarás, Missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-3. Acesso em: 26 set. 2019.

Então, o aluno-jogador precisa fazer a seguinte atividade (excerto 25), que corresponde a mais um registro no diário de pesquisa:

Pesquise o que são “apsarás” e, em seguida, documente sua descoberta, em seu diário de pesquisa. Mas espere, você está cansada da desorganização de seu diário. É preciso arrumá-lo, já! Quais dos textos a seguir é mais indicado para iniciar seu relato, no diário? Escolha o mais adequado (3 pontos – 30 moedas de outro) e continue a escrever (10 pontos – 100 moedas de ouro). Leia mais aqui sobre como fazer relatos em seu diário de pesquisa Excerto 25. Diário de pesquisa, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-3. Acesso em: 26 set. 2019.

Os trechos a serem escolhidos correspondem a essa atividade (excerto 26):

Qual dos trechos a seguir é mais adequado a um diário de pesquisa? □ “Na parede, tem figuras de apsarás, famosas figuras do budismo e hinduísmo. A obra é muito bela e representa mulheres dançando livremente, uma verdadeira riqueza histórica.” □ “Encontrei, no dia 01 de dezembro de 2016, uma escultura na parede do templo Angkor Wat, no Camboja. Trata-se de uma linda escultura, feita sobre a pedra, em friso de baixo-relevo, representando apsarás. Fiquei espantada como a escultura é antiga, mas ainda se preserva no tempo.” 161

□ “Hoje, achei uma escultura na parede do templo, elas são lindas, fiquei encantada! Preciso mostrar ao Carter e meus amigos. Trata-se de uma excelente descoberta! Vou aproveitar e colocar umas fotos delas, também.”

Justifique o motivo pelo qual os outros trechos não são adequados: ______Excerto 26. Escolha de trechos do diário de pesquisa, missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLScPOfmjns18esIPhS5HwIHdX20gFFjpbE_5sxG- 3VdpG6yjzQ/viewform. Acesso em: 26 set. 2019.

O objetivo dessa tarefa mencionada era que o aluno-jogador percebesse a necessidade não só de descrever a descoberta com riqueza de detalhes, algo já apontado na missão anterior, como também a importância de situar a descoberta no tempo-espaço, para que a documentação arqueológica seja adequada. Assim, nesse quiz trabalhamos com questões estilísticas, como o uso de adjetivos e advérbios de espaço e tempo, que configuram questões importantes para a constituição do gênero, já que este deve informar as condições da descoberta arqueológica. A atividade também busca dar exemplo de como a subjetividade é permitida no gênero, a partir do uso da primeira pessoa, algo que configura uma escolha de estilo do autor. Tais orientações também aparecem na janela pop-up que, em progressão, faz novas orientações sobre o diário de pesquisa (excerto 27):

Relato e subjetividade em um diário de pesquisa

Em um diário de pesquisa, é preciso que o pesquisador situe no tempo-espaço o que está relatando, afinal, se não o fizer, não terá como recuperar as informações, após a pesquisa de campo. Expressões como “no dia 01 de dezembro de 2016”, “no Camboja”, “no templo Angkor Wat” contribuem para essa caracterização. No relato, adjetivações como “linda escultura” são permitidas, pois mostrar a subjetividade do pesquisador. Pequenas narrativas também são permitidas, como “Fiquei espantada como a escultura é antiga, mas ainda se preserva no tempo”. Dois tempos verbais costumam compor o diário: - Pretérito: referente aos relatos. Por exemplo: “encontrei uma escultura”. 162

- Presente: referente às descrições. Por exemplo: “a obra apresenta”, “a escultura tem como característica”. Excerto 27. Pop-up sobre diário de pesquisa, Missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/diario-de-pesquisa-3. Acesso em: 26 set. 2019.

Chegando ao fim da missão, Lara encontra uma nova pista de Carter Bell, também deixada em enigma (excerto 28):

13 26 N 103 53 E Excerto 28. Enigma, Missão 3, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/google-maps-3. Acesso em: 26 set. 2019.

Tais códigos correspondem a uma coordenada geográfica, que, ao ser pesquisada na internet, leva-nos a Ta Prohm, próxima parada de Lara e senha da próxima missão. Novamente, assim como nas missões anteriores, o aluno deve traçar uma rota no Google Maps.

3.3.4. Missão 4 – Entre árvores e ruínas: Ta Prohm

Na Missão 4, Lara chega a Ta Prohm e descobre que Carter Bell está mantido refém por bandidos que fazem contrabando de relíquias arqueológicas. Nesse momento, então, o aluno-jogador precisa fazer a seguinte tarefa (excerto 29):

Monte um plano de emboscada para prender os bandidos e deixe-o nos comentários abaixo. Regra: você não está com armas e não pode matá-los, portanto, faça um plano inteligente! Excerto 29. Plano de emboscada, missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-4. Acesso em: 26 set. 2019.

Como podemos ver, essa atividade não está diretamente relacionada às práticas de letramentos dos arqueólogos, embora toque em um tema sensível para a área: o furto de artefatos de suas comunidades de origem. O plano de emboscada se trata 163

de uma tarefa mais próxima ao contexto de ação de Lara Croft em suas aventuras de Tomb Raider. Após finalmente salvar Carter Bell, Lara e Carter precisam voltar para casa, em Londres, na Inglaterra. Para isso, o aluno-jogador deve fazer a última rota no Google Maps. Na sequência, reencontram o professor Von Croy que, apesar de toda a complicação envolvendo Carter Bell, solicita que eles façam um relatório de pesquisa sobre as descobertas encontradas no Camboja, para que sejam analisadas posteriormente, conforme a metodologia arqueológica (excerto 30):

Assim que se se recuperarem, você e Carter precisam fazer um relatório de pesquisa para o professor Von Croy, baseado em suas anotações do diário de pesquisa. Para isso, devem fazer uma pequena apresentação da pesquisa de campo, relatar o que foi feito e, em seguida, trazer reflexões e comentários sobre o que encontraram. Veja aqui exemplos de relatórios adequados e inadequados, produzidos a partir de uma proposta de redação da Unicamp (texto 1) e leia mais sobre o que é um relatório e como transformar seu diário de pesquisa em um deles (20 pontos – 200 moedas de ouro). Excerto 30. Relatório de pesquisa, missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/relatorio-de-pesquisa-4. Acesso em: 26 set. 2019.

Como se trata de um relatório de pesquisa no nível médio e não acadêmico, consideramos como exemplo para o aluno o modelo de relatório solicitado pela prova da Redação Unicamp 2014, que contém a seguinte instrução (excerto 31):

Você e um grupo de colegas ganharam um concurso que vai financiar a realização de uma oficina cultural na escola. Após o desenvolvimento do projeto, você, como membro do grupo, ficou responsável por escrever um relatório sobre as atividades realizadas na oficina, informando o que foi feito. O relatório será avaliado por uma comissão composta por professores da escola. A aprovação do relatório permitirá que você e seu grupo voltem a concorrer ao prêmio no ano seguinte. 164

O relatório deverá contemplar a apresentação do projeto (público-alvo, objetivos e justificativa), o relato das atividades desenvolvidas e comentário(s) sobre os impactos das atividades na comunidade. Excerto 31. Prova Redação Unicamp 2014 (Texto 1). Fonte: https://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2014/download/comentadas/redacao.pdf. Acesso em: 26 set. 2019.

Assim, de maneira semelhante, também solicitamos a apresentação da pesquisa, o relato das atividades desenvolvidas (no caso, as descobertas arqueológicas) e os comentários sobre os impactos das atividades, que correspondem a uma reflexão da arqueóloga sobre a pesquisa de campo. Esse documento referenciado da Unicamp39 apresenta ainda os modelos de redação acima e abaixo da média, para que os alunos-jogadores tenham exemplos de relatórios. Ainda oferecemos duas janelas pop-ups ao jogador. A primeira (excerto 32) corresponde ao gênero relatório de pesquisa:

Relatório de pesquisa O relatório tem como finalidade relatar cientificamente uma pesquisa / um evento / um acontecimento / um experimento / uma descoberta etc. Seus destinatários normalmente são um ou mais professores, colegas de pesquisa e a comunidade acadêmica, em geral. A estrutura de um relatório pode variar, mas é essencial que se apresente a pesquisa e quais foram seus objetivos e, em seguida, faça-se um relato das atividades do pesquisador, acompanhado das reflexões dos resultados encontrados. Em nosso caso, Lara deve apresentar seu campo de pesquisa (o Camboja e seus templos), relatar as descobertas das esculturas e refletir sobre a importância arqueológica de cada uma delas, como contribuição para a ciência e a humanidade. Em relatórios de pesquisa de nível superior, é comum encontrar estruturas mais detalhadas como: Introdução; Objetivos; Justificativas; Fundamentação Teórica; Análise de Resultados e Conclusões. Porém, isso não será necessário, já que nosso relatório será mais simples. Excerto 32. Pop-up sobre relatório de pesquisa, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/relatorio-de-pesquisa-4. Acesso em: 26 set. 2019.

39 Disponível em: https://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2014/download/comentadas/redacao.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020. 165

Como podemos ver, tais informações ampliam e reforçam as instruções do enunciado da atividade, apresentando a função social do gênero e a sua forma relativamente estável, adaptada a essa etapa da escolarização. O outro pop-up auxilia o aluno-jogador na tarefa específica de transformar os dados do diário de pesquisa em um relatório (excerto 33):

Como transformar seu diário em um relatório O diário tinha como objetivo registrar, relatar e descrever, com detalhes, as descobertas feitas por Lara. Já o relatório deve resumir esses relatos, escolhendo as principais informações de cada uma deles.

O relatório, assim como o diário, deve conter a data e o local onde as relíquias foram encontradas. Além disso, também deve conter reflexões da pesquisadora, porém, agora, utilizando linguagem técnico-científica, evitando o uso da voz ativa, com 1ª pessoa do singular (eu), dando preferência à 1ª pessoa do plural (nós) ou à voz passiva analítica (ser + particípio) e sintética (verbo na 3ª pessoa + pronome apassivador "se"). Exemplos:

Diário: VOZ ATIVA - 1ª PESSOA DO SINGULAR: “Fiquei espantada como a escultura é antiga, mas ainda se preserva no tempo”.

Relatório: VOZ ATIVA - 1ª PESSOA DO PLURAL: "Consideramos que, apesar de a escultura ser antiga, ainda está preservada no tempo" VOZ PASSIVA ANALÍTICA (SER + PARTICÍPIO): "A escultura foi considerada antiga, embora ainda esteja preservada no tempo" VOz PASSIVA SINTÉTICA (3ª PESSOA + PRONOME APASSIVADOR "SE"): “Considerou-se a escultura preservada no tempo, apesar de sua antiguidade.” Excerto 33. Pop-up sobre relatório de pesquisa, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja (2). Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/relatorio-de-pesquisa-4. Acesso em: 26 set. 2019.

166

Dessa maneira, o foco a instrução é mostrar ao aluno as possibilidades da escrita científica, na qual se deve evitar a 1ª pessoa do singular, permitida no diário. Para isso, exemplos são mostrados de como se utilizar a 1ª pessoa do plural ou ainda a voz passiva analítica ou sintética, dimensões estilísticas do gênero. Para finalizar o percurso gamer, Lara e Carter Bell decidem divulgar ao mundo as descobertas encontradas, assim como fazem, de fato, os arqueólogos, conforme podemos ver nas mais diversas revistas de divulgação científica. Para isso, Lara forma uma equipe com alguns pesquisadores colaboradores, e Carter forma outra, indicando um trabalho em grupo, no qual os alunos-jogadores devem produzir um artigo de divulgação científica, acompanhado de infográfico (excerto 34):

Lara e sua equipe devem escrever um artigo de divulgação científica, de forma colaborativa, sobre Angkor Wat, acompanhado de infográfico e da fotorreportagem já feita. (30 pontos – 300 moedas de outro)

Carter e sua equipe devem escrever um artigo de divulgação científica, de forma colaborativa, sobre Mahendraparvata, acompanhado de infográfico. (30 pontos – 300 moedas de ouro) Excerto 34. Artigo de divulgação científica, com infográfico, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/divulgacao-cientifica-4. Acesso em: 30 set. 2019.

Com o objetivo de tornar a produção mais embasada, oferecemos ao aluno janelas pop-up que explicam os gêneros artigo de divulgação científica e infográfico, além de oferecer um exemplo da Revista Galileu40 e orientar quais plataformas podem ser utilizadas para a construção do blog, como podemos ver no excerto 35:

Leia mais aqui o que é um artigo de divulgação científica e veja um exemplo da Revista Galileu. Atente-se não somente ao seu texto, mas também para os

40 Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/o-que-muda-agora-que- podemos-ouvir-ondas-gravitacionais.html. Acesso em: 30 set. 2019. 167

infográficos. Leia mais aqui sobre infográficos. O blog pode ser feito na plataforma Blogger ou Wix. Excerto 35. Instruções sobre artigos de divulgação científica e infográficos, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/divulgacao- cientifica-4. Acesso em: 30 set. 2019.

O pop-up do artigo de divulgação científica traz a seguinte explicação (excerto 36):

Artigo de divulgação científica O artigo de divulgação científica tem como objetivo divulgar uma descoberta científica para o público leigo. Enquanto os diários de pesquisa, relatórios, teses e dissertações circulam por entre os próprios pesquisadores da área, a divulgação científica dissemina conhecimento para a população em geral, de maneira que as pessoas comuns possam entender a informação, mesmo sem conhecimento especializado.

Para isso é comum a utilização de imagens, infográficos, gráficos, vídeos e outros recursos visuais, que facilitam o entendimento do leitor. A linguagem utilizada não precisa ser técnico-científica e, algumas revistas, como Galileu e Superinteressante apostam, inclusive, em certa informalidade, ao conversar diretamente com o leitor.

Fazer certas comparações também pode ser outro recurso para facilitação do entendimento do leitor leigo a respeito de certo conceito. Veja esse trecho da revista Galileu, em que o autor compara os “Interferômetros” a ouvidos humanos: “Chamados de interferômetros, foram desenhados exatamente para detectar interferências no espaço-tempo, a malha estrutural do universo descrita pela Teoria da Relatividade de Einstein, a mesma que previu a existência das ondas gravitacionais em 1916. Os “ouvidos” são, na verdade, dois observatórios gêmeos que ficam um em cada ponta dos Estados Unidos: em Hanford (Washington) e em Livingston (Louisiana)”. (O que muda agora que podemos ouvir as ondas gravitacionais? GALILEU, 29 abr. 2016). Excerto 36. Pop-up sobre artigos de divulgação científica, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/divulgacao-cientifica-4. Acesso em: 30 set. 2019. 168

Como podemos ver, nessa janela explicamos ao aluno-jogador as finalidades sociais do gênero, sua esfera de circulação e a linguagem utilizada, marcada por certa informalidade e o uso de comparações como uma de suas principais estratégias textuais. Já o pop-up sobre os infográficos apresenta a seguinte explicação (excerto 37):

Infográficos O infográfico é um tipo de arte gráfica, que alia imagem ao texto e tem como objetivo oferecer ilustrações explicativas, tornando de mais fácil entendimento informações e conceitos complexos. Em certos infográficos, outros recursos podem ser acrescentados como: interatividade, imagem em movimento e som. Eles estão presentes tanto na esfera de divulgação científica, como também na jornalística, sendo amplamente utilizados, inclusive, na televisão, por exemplo, em telejornais. Excerto 37. Pop-up sobre infográficos, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/divulgacao-cientifica-4. Acesso em: 30 set. 2019.

Dessa maneira, o infográfico é apresentado como um gênero multissemiótico, que pode agregar imagem e som ao texto verbal, com o objetivo de facilitar o entendimento do leitor a respeito de informações complexas, algo muito próximo do objetivo da divulgação científica, razão pela qual é tão utilizado nessa esfera. Unindo o infográfico ao artigo, os alunos em grupos devem abrir e editar o blog. E, assim, com a publicação do blog, chega-se ao fim do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Podemos resumir, então, as atividades do percurso no quadro 4 a seguir, que mostra também como cada atividade do jogo no mundo imersivo se articula às práticas profissionais do universo arqueológico:

Missão Eixo de Gênero Atividade Prática profissional do ensino universo arqueológico 1 Leitura Diversos Pesquisar sobre Levantamento de o Camboja informações sobre o sítio arqueológico 1 Leitura Notícia Ler sobre a Levantamento de cidade perdida informações sobre o sítio de arqueológico Mahendraparvata 169

1 Leitura Notícia Identificar Levantamento de informações da informações sobre o sítio notícia arqueológico 1 Escrita Diário de pesquisa Relatar o que Levantamento de aconteceu com informações sobre o sítio Carter Bell e as arqueológico informações encontradas 1 Leitura Mapa Traçar uma rota Levantamento de a informações sobre o sítio Mahendraparvata arqueológico 2 Leitura Diário de pesquisa Descobrir uma Levantamento de pista de Carter informações sobre o sítio Bell arqueológico 2 Leitura Artigo Conhecer o povo Levantamento de enciclopédico khmer informações sobre o sítio arqueológico 2 Escrita Resumo Sintetizar o Levantamento de conteúdo do informações sobre o sítio artigo arqueológico enciclopédico 2 Escrita Diário de pesquisa Escolher Trabalho de campo descrições adequadas para o diário de pesquisa 2 Escrita Diário de pesquisa Relatar e Trabalho de campo documentar a escultura de elefante encontrada em Mahendraparvata 2 Leitura Mapa Traçar rota a Levantamento de Angkor Wat informações sobre o sítio arqueológico 3 Leitura Videorreportagem Conhecer Angkor Levantamento de Wat e o povo informações sobre o sítio cambojano arqueológico 3 Escrita Conversa em Conversar com o Levantamento de aplicativo de professor Von informações sobre o sítio mensagens Croy sobre a arqueológico videorreportagem 3 Leitura Galeria de fotos Descobrir quais - locais do Brasil são Patrimônios Mundiais 3 Leitura Fotorreportagem Conhecer mais Levantamento de sobre o Camboja informações sobre o sítio e a ditadura do arqueológico Khmer Vermelho 3 Leitura Fotorreportagem Relacionar Divulgação das imagens a temas descobertas encontradas 3 Escrita Fotorreportagem Construir um Divulgação das tema sobre descobertas encontradas 170

Angkor Wat 3 Escrita Diário de pesquisa Relatar e Trabalho de campo documentar escultura de apsarás encontrada em Angkor Wat 3 Leitura Diário de pesquisa Escolher o relato Trabalho de campo mais adequado para um diário de pesquisa 3 Leitura Mapa Traçar rota a Ta Levantamento de Prohm informações sobre o sítio arqueológico 4 Escrita Comentário de blog Produzir plano de - emboscada para os inimigos 4 Leitura Mapa Traçar rota a - Londres 4 Leitura Relatório de Ler modelos de Coleta, tratamento e pesquisa relatórios de análise dos artefatos pesquisa arqueológicos 4 Escrita Relatório de Analisar as Coleta, tratamento e pesquisa descobertas análise dos artefatos encontradas arqueológicos 4 Leitura Artigo de Ler modelo de Divulgação das divulgação artigo científico descobertas encontradas científica com com infográfico infográfico 4 Escrita Artigo de Divulgar ao Divulgação das divulgação mundo as descobertas encontradas científica com descobertas infográfico arqueológicas encontradas Quadro 4. Resumo das atividades do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: original. Esclarecido como foi criado o mundo imersivo da arqueologia, suas práticas de letramentos e trabalho com gêneros, juntamente à narrativa, passamos agora à terceira característica do percurso gamer: a encarnação de um personagem e a assução de um ethos discursivo.

3.4. Encarnação de um personagem: ethos discursivo

Conforme vimos no Capítulo 1, de acordo com Santaella (2007), uma das características dos grandes jogos da atualidade é a possibilidade de encarnar um personagem. Na área de estudos dos jogos digitais, quando o jogador assume a identidade de um personagem, é comum dizer que ele é representado por um 171

avatar. Segundo Araujo (2014), a palavra “avatar”, de origem sânscrita, vem do contexto religioso do hinduísmo e significa as diversas formas que o deus Vishnu vem ao mundo. Emprestando tal ideia da religião hindu, Neal Stephenson, em 1992, utilizou pela primeira vez o termo para se referir às diferentes personalidades que um usuário pode assumir em um ambiente virtual, possibilitando até mesmo que ele viva outra vida. De acordo com Araujo (2014), do ponto de vista enunciativo, ao assumir um avatar, estamos sempre nos colocando na posição de um “eu-avatar”. Segundo Benveniste (1988[1966]), como bem estuda Fiorin (1996), na enunciação, instância linguisticamente pressuposta pelo enunciado, há sempre um “eu”, que dialoga com um “tu”, em determinado espaço e tempo, categorias chamadas de ego, hic et nunc (eu, aqui e agora, em latim), que pertencem a todas as línguas. A categoria de pessoa, para Benveniste (1988[1966]), é essencial para que a linguagem se torne discurso, pois todo o espaço e o tempo se organizam em torno do sujeito. O “aqui” é dependente do espaço do “eu” presente, assim como o “agora” é o tempo em que o ato de enunciação acontece. Como exemplo, Fiorin (1996) mostra a frase “Pedro saiu daqui agora”. Não é possível saber quando é “agora”, sem conhecer o momento da enunciação. Assim, signos como “aqui” e “agora” são não referenciais e só adquirem sentido quando um locutor os assume em determinada situação. Como bem se sabe, tais signos foram chamados pela linguística de “dêiticos”. No entanto, alerta Fiorin (1996) que não necessariamente o “eu”, “aqui” e “agora” são realmente a pessoa, o espaço e o tempo físicos da enunciação, afinal, é possível fazer uma projeção, tal como ocorre, por exemplo, na literatura. Da mesma maneira, os actantes da enunciação (eu e tu) não precisam ser apenas humanos, pois

a enunciação permite que todo ser, num processo de personificação torne-se enunciador e se instaure como enunciatário, bastando para isso que se dirija a ele, qualquer outro ser, concreto ou abstrato, presente ou ausente, existente ou inexistente. A enunciação tem o poder de convocar aqueles a quem diz tu e instaurar como pessoa aqueles a quem dá a palavra (FIORIN, 1996, p. 42).

Isso nos ajuda a compreender, por exemplo, como em um texto literário ou, em nosso caso, em um jogo, é possível que os actantes da enunciação sejam apenas personagens, humanos ou não. 172

Além disso, esclarece também Fiorin (1996) que há vários níveis de enunciação, de acordo com Courtés e Greimas (2008). O “eu” pressuposto de toda enunciação é o enunciador, representado pelo autor. Já o “eu” colocado no interior do enunciado é o narrador, isto é, aquele que fala ou conta a história, que não se confunde com o enunciador. Por exemplo, o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas não é Machado de Assis. Da mesma maneira, quando dizemos que Machado de Assis é o autor, também não estamos nos referindo à pessoa de carne e osso, mas à imagem de Machado que é criada por sua obra. Por fim, há ainda mais um nível de enunciação, que acontece quando o narrador dá a palavra a um personagem em discurso direto. Assim, no discurso direto, o “eu” é o interlocutor. Seguindo a lógica de que na enunciação só existe um “eu” que dialoga com um “tu” (mesmo que o “tu” seja a mesma pessoa, por exemplo, quando falamos sozinhos), para cada nível de enunciação, há também um “tu” correspondente. Para o enunciador (autor) há um enunciatário (leitor); para o narrador há um narratário (leitor inscrito no texto); para o interlocutor há um interlocutário (aquele a quem o interlocutor se dirige), conforme o quadro 5 a seguir nos esclarece:

Níveis da enunciação 1º Enunciador Autor Enunciatário Leitor 2º Narrador Narrador em 1ª ou 3ª Narratário Leitor “ideal” inscrito do pessoa inscrito no texto texto 3º Interlocutor Personagem que fala Interlocutário Personagem que em discurso direto responde em discurso direto Quadro 5. Níveis da enunciação, segundo Fiorin (1996). Fonte: original.

Nesse sentido, se refletirmos o funcionamento da enunciação em um game, podemos dizer que o enunciador é o designer41 do game, isto é, seu autor. O enunciatário, por sua vez, é o jogador. Se relacionarmos essa ideia às identidades propostas por Gee (2014), conforme apresentamos no Capítulo 2, poderíamos dizer que, no enunciatário, estão as identidades reais do jogador. Em certas ocasiões, encontramos uma peculiaridade em relação ao enunciador, pois o jogador também

41 Aqui é importante mencionar que, diferentemente de uma obra literária, que costuma ter somente um autor, os autores de um game são muitos, desde aqueles que trabalham com a roteirização, até aqueles que constroem graficamente os personagens e o jogo. Portanto, quando dizemos “designer”, estamos nos referindo a uma figura ideal, tal como proposto na reflexão de Fiorin (1996). 173

pode assumir essa posição. Isso acontece quando o jogador manipula o design do game, criando mods, isto é, modificações do game que podem ser baixadas por outros usuários. Ao criar novos mapas, aparências de personagens, extensões do jogo, o jogador também se coloca na posição de designer e coautor do game. No nível seguinte da enunciação, encontramos outra peculiaridade, agora em relação ao narrador. Em geral, na maior parte dos games, o narrador é “invisível” ou “implícito”, assim como acontece nas narrativas cinematográficas. De acordo com Cardoso (2003), no cinema, há dois tipos de narrador. O primeiro é o narrador intradiegético, isto é, o narrador é simultaneamente um personagem do mundo ficcional criado, algo que também chamamos de narrador em 1ª pessoa na literatura. Já o narrador extradiegético é aquele externo, equivalente ao narrador em 3ª pessoa, no entanto, no cinema ele “regula registros visuais e sonoros e se manifesta através de códigos cinematográficos e distintos canais de expressão e não através de um discurso verbal” (CARDOSO, 2003, p. 58). De maneira semelhante, na maior parte dos games, o narrador é extradiegético e nos conta a história através dos acontecimentos do jogo. Um dos momentos em que mais temos acesso à narrativa de um game são as cutscenes. As cutscenes são cenas animadas, semelhantes às de filmes, nas quais o jogador não pode fazer nenhuma ação, apenas assistir. Elas costumam aparecer no início dos jogos e em momentos determinantes para a história. Na primeira cutscene de Shadow of Tomb Raider, por exemplo, vemos Lara Croft e Jonah em um avião em pane, prestes a cair. O avião se parte ao meio e Jonah cai junto a ele. Enquanto isso, Lara aperta seu cinto e então a cena escurece, sem que o jogador possa saber o que aconteceu. Na tela, a frase “dois dias antes” aparece e dá início ao jogo. Isto é, a cutscene apresenta um acontecimento posterior ao momento em que se joga, portanto, só é desvendado depois como se chegou a tal situação, recurso narrativo muito utilizado tanto pelos filmes, como também pelos jogos. Ainda no segundo nível da enunciação, nos games, há também uma voz peculiar que dá instruções ao jogador, apontando o que deve ser feito, conforme também notou Gee (2014) ao mencionar as etapas instrucionais que ensinam a jogar, como podemos ver no exemplo a seguir (figura 76 e excerto 38):

174

Figura 76. Voz instrucional em Shadow of Tomb Raider. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0&t=2606s. Acesso em: 16 set. 2019.

MOVIMENTAÇÃO BÁSICA Use LS para se mover e APERTE A para pular ou se puxar para plataformas baixas ou obstáculos.

VER MAIS INFORMAÇÕES NO GUIA DE SOBREVIVÊNCIA Excerto 38. Voz instrucional em Shadow of Tomb Raider. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0&t=2606s. Acesso em: 16 set. 2019.

Nesse caso, a voz indica ao jogador o que é necessário fazer em seu joystick para realizar determinada ação, como se mover, pular ou se puxar. Essa instrução não é relativa à narrativa do game, mas também é essencial para que o jogo tenha continuidade. O narratário, por sua vez, é o jogador inscrito no jogo, ou seja, aquele que é implícito, na forma de um jogador “ideal”. Esse jogador “ideal”, esperado pelos produtores dos jogos, é aquele que cumprirá de forma satisfatória os percursos imaginados para o game. Como o jogo é interativo e permite uma série de escolhas de caminhos e ações, podemos articular essa noção de diferentes possibilidades de narratários aos quatro tipos de jogadores possíveis, evidenciados por Bartle (1996), especialmente em games do tipo RPG. São eles:

175

a) Conquistadores: são aqueles que gostam de agir no mundo do game. Seu principal objetivo é cumprir o maior número de missões, ganhar troféus e batalhas, acumular pontos e conquistas. b) Exploradores: são aqueles que gostam de interagir com o mundo do game. Seu principal objetivo é descobrir áreas secretas, mapear toda a área do jogo e encontrar itens raros. Atraem-se pela descoberta. c) Socializadores: são aqueles que gostam de interagir com outros jogadores. Seu principal objetivo é conversar e comentar as ações do game. d) Assassinos: são aqueles que gostam de agir com outros jogadores. Seu principal objetivo é competir e mostrar sua superioridade em relação aos outros.

Por fim, há ainda o nível do interlocutor e do interlocutário. Muitos games apresentam diálogos dentro do jogo, similar ao discurso direto em um texto literário, quando o narrador empresta a voz a um personagem. Nessas situações, a personagem principal, por exemplo, Lara Croft, dialoga com outros personagens secundários, como professor Werner Von Croy. Nesse caso, teríamos então Lara como interlocutor e Von Croy como interlocutário. Mas, é claro, as posições também podem se inverter, de forma que todos podem ser interlocutores e interlocutários. Esse jogo apresenta diálogos fixos, porém, podemos perceber outro fenômeno que merece a nossa atenção, especialmente nos jogos de RPG ou com elementos de RPG. Games desse tipo permitem que o jogador faça escolhas durante os diálogos. Assim, o interlocutor não é somente o personagem, mas também o jogador, na posição de “eu como personagem”, isto é, “eu-avatar”. A escolha por uma determinada resposta, como já exploramos anteriormente, está muito vinculada à identidade projetada, isto é, ao que projetamos de nossos valores no personagem, embora saibamos de sua personalidade. Em resumo, percebemos que o game proporciona novas posições enunciativas, em que o jogador pode assumir a função de enunciador e também de interlocutor, diferentemente de outros artefatos culturais que não permitem a interatividade (no sentido de manipulação de parâmetros), como obras literárias e filmes. Essas posições podem ser resumidas no quadro 6 a seguir: 176

Níveis da enunciação em um game Designer do game

1º Enunciador Enunciatário Jogador Jogador (quando cria mods, por exemplo) Narrador extradiegético, “invisível”, que se manifesta especialmente nas cutscenes Jogador “ideal” inscrito 2º Narrador Narratário no game

Voz instrucional que dá indicações ao jogador sobre o que deve ser feito

Personagem principal Personagem principal ou demais personagens ou demais personagens

3º Interlocutor Interlocutário Jogador quando assume um personagem, a partir do Outros jogadores “eu-avatar” Quadro 6. Níveis da enunciação em um game. Fonte: original.

Ao assumir essa posição enunciativa do “eu-avatar”, segundo Araujo (2014), o jogador está inserido em determinados formações discursivas, isto é, o que pode e o que não pode ser dito em uma determinada situação. Os avatares “determinam um conjunto de enunciados, bem como ações que são condizentes em suas características de armadura a ser assumida pelo jogador, durante determinado jogo” (ARAUJO, 2014, p. 109), o que, nos termos de Gee (2014), configura a identidade projetada. Podemos dizer que essas novas enunciações que são criadas e modificadas no jogo estão relacionadas à construção do ethos discursivo do personagem. Segundo Amossy (2019, p. 9) “todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si”, que está relacionada ao estilo, às competências linguísticas e enciclopédicas, e às crenças implícitas. E isso não se resume a uma técnica, pois ela é frequentemente revelada nas trocas verbais, mesmo sem 177

qualquer intenção. De acordo com a autora, os antigos chamavam de ethos essa construção da imagem de si, motivada pela intenção do orador em causar uma boa impressão para a sua audiência, objeto de estudo da Retórica. Com o passar dos anos, as perspectivas de estudo da linguagem atuais, como a Análise do Discurso e a Pragmática resgataram esse princípio da retórica e reformularam a noção de ethos, ampliando-a para outros contextos. Amossy (2019) contextualiza que, mesmo sem utilizar a palavra ethos, Benveniste (1988[1966]) foi o primeiro a discutir a construção de uma imagem de si no discurso, através da Linguística da Enunciação. De acordo com o autor, como já vimos, há duas “figuras” da enunciação, o “eu” e o “tu”. Quando o locutor mobiliza a língua para produzir um enunciado, ele coloca a sua subjetividade na língua, o que configura o ethos. Da mesma maneira, Amossy (2019) afirma que Pêcheux (2014[1969]) também discutiu essa questão, ao estudar a construção especular da imagem dos interlocutores, chamados de A e B, pois “o emissor A faz uma imagem de si mesmo e de seu interlocutor B; reciprocamente, o receptor B faz uma imagem do emissor e de si mesmo” (AMOSSY, 2019, p. 11). Na Pragmática, Amossy (2019) também demonstra que a noção de ethos foi implicitamente desenvolvida. No lugar da noção de interlocução, utiliza-se a interação, na qual diferentes participantes chamados de interactantes exercem influências mútuas. Assim, “dizer que os participantes interagem é supor que a imagem de si construída no e pelo discurso participa da influência que exercem um sobre o outro” (AMOSSY, 2019, p. 12). Nesse sentido, como nos mostra a autora, Goffman (1995[1973]) passa a estudar a imagem de si nas interações, através dos ritos de interação e sua influência na análise das conversações. Para o autor, em uma metáfora teatral, toda interação é marcada por atores, que têm comportamentos voluntários ou involuntários para influenciar seus parceiros, o que é chamado de representação. Os atores também seguem determinado papel ou rotina, que é um modelo de representação adequado para cada ocasião, por exemplo, o papel de um diretor em uma reunião, de um juiz em um tribunal, de uma enfermeira no contato com o doente, de um pai durante uma refeição em família. Isto é, a apresentação de si mesmo não é aleatória e espontânea, mas está relacionada a uma série de papéis sociais que devem ser cumpridos. Como bem nota Amossy (2019), nem Benveniste (1988[1966]), nem Goffman (1995[1973]) utilizaram o termo ethos, que foi aplicado pela primeira vez na 178

teoria polifônica da enunciação de Ducrot (1977[1972]), dando origem à Semântica Pragmática. Segundo Amossy (2019, p. 14), “ao designar por enunciação a aparição de um enunciado, e não o ato de alguém que o produz, Ducrot evita relacioná-lo preliminarmente a uma fonte localizada, a um sujeito falante”. Ele faz essa distinção, pois acredita que as instâncias internas do discurso são apenas ficções discursivas, isto é, no discurso, não precisamos analisar o ser empírico que se situa fora da linguagem. Nesse sentido,

a pragmático-semântica abandona o sujeito falante real para se interessar pela instância discursiva do locutor, mas o faz colocando radicalmente em xeque sua unidade. Ela diferencia o locutor (L) do enunciador (E) que é a origem das posições expressas pelo discurso e é responsável por ele; ela divide o locutor em “L”, ficção discursiva, e em "λ”, ser do mundo, aquele de quem se fala (“eu” como sujeito da enunciação e “eu” como sujeito do enunciado). Analisar o locutor L no discurso consiste não em ver o que ele diz de si mesmo, mas em conhecer a aparência que lhe conferem as modalidades de sua fala (AMOSSY, 2019, p. 14-15).

Para a autora, é no locutor L que o ethos pode ser identificado, mas Ducrot (1977[1972]) não chegou a desenvolver essa reflexão. Portanto, a primeira elaboração da noção de ethos de forma mais efetiva foi apresentada nas obras de Maingueneau, que desenvolveu a noção de ethos articulada à cena da enunciação, ampliando as discussões de Benveniste (1988[1966]) e de Ducrot (1977[1972]). Conforme argumenta Maingueneau (2008), seus trabalhos foram os primeiros a inserir o ethos na Análise do Discurso, ultrapassando o quadro da argumentação. Para o autor, a concepção antiga de ethos, proposta por Aristóteles, considerava o ethos como a boa impressão que se constrói de si mesmo no discurso, isto é, o ethos estaria ligado à enunciação e não a um saber extra- discursivo. No entanto, Mainguenau (2019) argumenta que “se o ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, não se pode ignorar, entretanto, que o público constrói representações do ethos do enunciador antes mesmo que fale” (MAINGUENEAU, 2019, p. 71). Essas representações, por sua vez, estão ligadas aos estereótipos construídos nos mundos éticos. Sendo assim, segundo Maingueneau (2008), é preciso distinguir entre o ethos discursivo, tal como concebido por Aristóteles, e o ethos pré-discursivo, que são as atribuições feitas ao enunciador. O ethos discursivo também pode ser dividido entre o ethos dito e o 179

ethos mostrado. O ethos dito é aquele em que o enunciador evoca sua própria enunciação, já o ethos mostrado é aquele em que o enunciador se constrói em sua cena enunciativa. Todos esses ethe constituem o que o autor chama de ethos efetivo, tal como a figura 77 a seguir:

Figura 77. Ethos efetivo. Fonte: Maingueneau (2008, p. 19).

A respeito das atribuições feitas ao enunciador no ethos pré-discursivo, Maingueneau (2019) pondera que há tipos de discurso em que o coenunciador não dispõe de representações prévias do ethos do enunciador, por exemplo, em um romance. Mas, mesmo nesses casos, é possível construir certas representações baseadas no gênero do discurso, bem como a certo posicionamento ideológico expresso no texto. Isto é, para o autor, qualquer discurso tem uma vocalidade específica, mesmo os escritos, sendo possível sempre relacioná-lo a uma fonte enunciativa por meio do tom. Dessa maneira, a leitura faz emergir uma origem enunciativa, na figura de um fiador, que tem caráter e corporalidade. O caráter está ligado aos traços psicológicos, já a corporalidade é a compleição corporal e a forma de vestir-se ou mover-se no espaço social. Em todos os casos, o caráter e a corporalidade do fiador apoiam-se nas representações sociais e nos estereótipos criados nos mundos éticos, mas, especialmente nos textos escritos, o fiador deve ser construído pelo leitor com base em indícios textuais. Assim, “a qualidade do ethos remete, com efeito, à figura desse ‘fiador’ que, mediante sua fala, se dá uma identidade compatível com o mundo que se supõe que ele faz surgir em seu enunciado” (MAINGUENEAU, 2019, p. 73). Portanto, para o autor, é preciso considerar que, diferentemente da concepção aristotélica, o ethos não é somente um meio de persuasão, mas é parte 180

constitutiva da cena da enunciação, que pode ser dividida em cena englobante, cena genérica e cenografia. A cena englobante está associada ao tipo de discurso (por exemplo, literário, religioso, filosófico etc.). Já a cena genérica está associada ao gênero do discurso (por exemplo, editorial, sermão, guia turístico etc.). Por fim, a cenografia “não é imposta pelo gênero, ela é construída pelo próprio texto: um sermão pode ser enunciado por meio de uma cenografia professoral, profética etc.” (MAINGUENEAU, 2019, p. 75). Conforme nos mostra Maingueneau, há gêneros que não admitem cenografias variadas, como listas telefônicas e receitas médicas, enquanto há outros que exigem a escolha de uma cenografia, como acontece em geral com os gêneros publicitários, literários e filosóficos. Como exemplo, o autor menciona o discurso de um político, em que sua cenografia pode envolver falar como tecnocrata, operário, homem experiente etc. Entre esses dois extremos, o autor pondera que a maior parte dos gêneros segue uma cena genérica rotineira. Em relação a essas cenas, Maingueneau (2010) faz uma importante distinção entre a situação de comunicação e a cena da enunciação. A situação de comunicação, para o autor, é a abordagem externa, correspondente ao contexto social de uso, produtores e leitores reais, a função social do texto e as esferas de circulação. Já a cena da enunciação é a abordagem interna, na qual se encontra a cena englobante, a cena genérica e a cenografia, como exploramos anteriormente. Nos games, ao possibilitar a encarnação de um personagem e, portanto, a assunção da posição enunciativa de um “eu avatar”, os games apresentam a potencialidade de trabalhar com o ethos mostrado de forma mais ativa. Ao utilizar o game Tomb Raider como base para uma produção de texto, os estudantes teriam que escrever como Lara Croft, isto é, assumir sua identidade e, consequentemente, seu ethos discursivo de Lara, por exemplo, como arqueóloga, constitutivo de uma cena da enunciação que exige a escrita científica arqueológica. No entanto, mais do que imaginar essa posição enunciativa, é possível ocupá-la de fato, a partir da encarnação da personagem. Dados disponíveis no mundo virtual, como a história e a aparência de Lara permitem construir seu caráter e corporalidade, assim como suas interações verbais permitem conceber o tom necessário para a cenografia escolhida. Vejamos como isso foi pensando para o percurso gamer proposto. O enunciador é o produtor de “Lara Croft nos templos do Camboja”, no caso, a própria pesquisadora, que também atuou como professora. O enunciatário é o aluno-jogador, um estudante do ensino médio, com sua identidade real. Já o 181

narrador, por não ser um game de fato, mas um percurso game, na forma de material didático, apresenta certas semelhanças com o texto literário, pois se inscreve no texto e apresenta os fatos a partir da perspectiva de 3ª pessoa, como podemos ver no exemplo a seguir (excerto 39), em que o narrador é onisciente, já que conhece os sentimentos e emoções de Lara, como o fato de sua visão estar turva e sua cabeça doer:

MISSÃO 1: MISTÉRIOS DO SUDESTE ASIÁTICO Inglaterra, 2016. - Lara? Lara? – chamava a voz. Aos poucos, Lara Croft abria seus olhos. Sua visão estava turva, sua cabeça doía. - Lara, você está bem? - Professor Von Croy? É você? Onde estou? Minha cabeça dói. O que aconteceu? - Lara, você precisa acordar, com urgência. Você está no hospital. Onde está o Carter? - Carter? Carter Bell? Eu não sei, do que você está falando? - Você não se lembra de nada? - A última coisa que me lembro é de estar na minha casa, quando ouvi o telefone tocar. - Lara, o Carter sumiu... - Como assim!? - Vocês dois saíram em uma expedição para o Camboja há dois dias, quando você voltou ferida, sem o Carter. - Não é possível, eu não me lembro de nada disso! Será que ele está ferido? – Gritava Lara. - Não sei, Lara, mas a situação é grave! Precisamos procura-lo. Ele ainda perdido lá. - Vou começar a procurá-lo imediatamente. – Disse Lara, se recompondo e levantando. Ainda se recuperando, você chegou em casa, abriu o notebook e digitou no Google: “Camboja”. Que pistas sobre o local você encontrou? (5 pontos – 50 moedas de ouro) Excerto 39. Diálogo entre Lara Croft e Professor Von Croy, Missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-1. Acesso em: 16 set. 2019. 182

Ainda nesse mesmo excerto, podemos ver a criação da voz instrucional própria dos jogos, pois, em seguida ao trecho narrativo, similar a uma cutscene de um game, o aluno-jogador recebe instruções sobre o que deve ser feito. Essas instruções não são somente relativas à mecânica, como acontece na maior parte dos jogos, mas indicam o que o aluno-jogador deve fazer como tarefa de Língua Portuguesa. Nesse caso, ainda no início do percurso, sua primeira atividade é fazer uma pesquisa na internet sobre o Camboja. O narratário, por sua vez, é o aluno-jogador “ideal” inscrito no percurso gamer. Por exemplo, quando criamos o material piloto, nosso aluno-jogador “ideal” era um estudante do ensino médio, que gosta ou tem facilidade com jogos digitais e que deveria cumprir todas as atividades propostas para aprender leitura e escrita de gêneros científicos e de divulgação científica. No entanto, como todo jogo é interativo, sabemos que isso pode não acontecer, portanto, alunos-jogadores não ideais podem tomar outras decisões, de acordo com os arquétipos de Bartle (1996). É possível que alguns não queiram, por exemplo, fazer uma atividade de produção de texto. Essa ação seria esperada em um game comum, mas precisamos nos questionar: e para o percurso gamer que tem como objetivo ensinar escrita? Deixar de fazer uma atividade de produção textual não impacta a narrativa do game, mas impacta o ensino-aprendizagem da língua, portanto, ainda precisamos pensar em como podemos equilibrar esses dois objetivos, de forma que o aluno-jogador tenha autonomia, mas ao mesmo tempo aprenda o que esperamos. Por fim, o interlocutor e os interlocutários são ocupados pelos personagens, como podemos ver nos diálogos já estabelecidos no percurso gamer, tal como nesta cena em que dialogam Lara, Carter Bell e Professor Von Croy (excerto 40):

- Lara! Carter! Que bom vê-los e que estão bem! O que aconteceu? – disse Von Croy. - Obrigada, professor! É uma longa história, mas fomos pegos por um grupo de contrabandistas de relíquias. Eu consegui fugir, mas Carter não. Minha perda de memória se deve a uma pancada que eles me deram na cabeça. – disse Lara. - Sim, eles queriam que eu os ajudasse a encontrar relíquias, escondidas nos templos. O império khmer escondeu muitas delas em câmaras secretas. Talvez eles tenham lido minha entrevista “Relíquias secretas do Camboja”, uma especulação 183

que fiz há uns meses atrás. Nunca achei que fosse real, mas as relíquias realmente existiam. Espero que agora voltem ao local e possam ser vistas em um museu. – contou Carter. - Carter, eu consegui seguir todas as suas dicas, dos papeis no chão. Como conseguiu deixa-las e por que estava escrevendo em enigmas? – perguntou Lara. - Quando os bandidos me pegaram eu tinha um pequeno papel comigo e um lápis. Quando eles me pediam para vasculhar as relíquias, eu escrevia rapidamente e deixava em um lugar que você pudesse encontrar. Escrevi em enigma para que eles não descobrissem que eu estava deixando pistas. - Uau, bela ideia! – disse Lara. - Que aventura, meus amigos! Eu sei que não é exatamente a hora, mas... precisamos relatar todas essas descobertas! Vocês fizeram diários de pesquisa, certo? Não me digam que não! – disse o professor entusiasmado. Excerto 40. Diálogo entre Lara Croft, Carter Bell e Professor Von Croy, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/relatorio-de- pesquisa-4. Acesso em: 16 set. 2019.

Mas aqui também encontramos uma peculiaridade. Em um game, o jogador pode assumir a posição de interlocutor, a partir do “eu avatar”. No percurso gamer, levamos essa ideia mais adiante. Em geral, como já comentamos, alguns jogos permitem que o jogador faça escolhas de diálogo. Para nosso material, decidimos ampliar essa possibilidade, a partir das produções textuais. O aluno- jogador precisa escrever textos completos como o personagem, assumindo totalmente sua posição enunciativa. Em nosso caso, é preciso escrever textos como Lara Croft. Para isso, também é necessário estar atento a quem são seus interlocutários. No exemplo a seguir (excerto 41), já mencionado na seção anterior, Lara e Carter devem escrever um relatório de pesquisa para o professor Von Croy. Isto é, devem escrever um texto como um arqueólogo, destinado à comunidade científica arqueológica, representada pelo professor orientador.

Assim que se recuperarem, você e Carter precisam fazer um relatório de pesquisa para o professor Von Croy, baseado em suas anotações do diário de pesquisa. Para isso, devem fazer uma pequena apresentação da pesquisa de campo, relatar o que foi feito e, em seguida, trazer reflexões e comentários sobre o que encontraram. 184

Veja aqui exemplos de relatórios bons e ruins, de acordo com uma proposta de redação da Unicamp (texto 1) e leia mais sobre o que é um relatório e como transformar seu diário de pesquisa em um deles (20 pontos – 200 moedas de ouro). Excerto 41. Relatório de pesquisa, Missão 4, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/relatorio-de-pesquisa-4. Acesso em: 16 set. 2019.

No entanto, essas figuras podem confundir-se, como acontece em qualquer produção textual escolar. É muito comum que os estudantes acreditem que seus interlocutários são somente os professores, devido ao processo de modelização dos gêneros, como apontado por Schneuwly e Dolz (2004). Ao ensinarmos um gênero, ele deixa de ser o gênero que circula socialmente, para ser também objeto de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os gêneros na escola criam interlocuções específicas, para além da prática de referência, como entre o aluno e o professor. Em nosso percurso gamer, isso não é diferente. Na posição de alunos e não somente jogadores, do ponto de vista ficcional, o interlocutário é Von Croy, mas isso não significa que os estudantes deixem de pensar que a professora é sua leitora e que avaliará seus textos. Portanto, isso pode e deve ser esperado em um percurso gamer. Para evitar que somente a pesquisadora fosse a interlocutária implícita, também criamos uma dinâmica em que os demais alunos poderiam corrigir os textos uns dos outros, apontando o que poderia ser melhorado. O texto final a ser produzido, o artigo de divulgação científica para blog, também deveria ter interlocutários autênticos, já que o blog deveria ser publicado na internet. Assim, podemos resumir todos esses níveis da enunciação do percurso gamer no quadro 7:

Níveis da enunciação no percurso gamer “Lara Croft nos templos do Camboja” Designer do percurso Aluno-jogador 1º Enunciador gamer (a pesquisadora) Enunciatário (estudante do ensino médio) Narrador onisciente em 3ª pessoa, que se Aluno-jogador “ideal” manifesta em textos 2º Narrador Narratário inscrito no percurso semelhantes às gamer cutscenes

185

Voz instrucional que dá indicações ao aluno- jogador sobre o que deve ser feito

Lara Croft ou demais Lara Croft os demais personagens, como personagens, como Von Croy e Carter Bell Von Croy e Carter Bell 3º Interlocutor Interlocutário

Aluno-jogador quando assume Lara Croft, a Professora e outros partir do “eu-avatar” alunos-jogadores

Quadro 7. Níveis da enunciação no percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: original.

Em nosso percurso gamer, para assumir a posição de “eu avatar”, isto é, “eu como Lara Croft”, nos termos da identidade projetada, é preciso que o aluno- jogador se construa como Lara na cena enunciativa, através do ethos mostrado. Lara deve ter uma vocalidade específica, influenciada pelo seu caráter e corporalidade. Esses traços podem ser observados por indícios tanto dos games, quanto pelas informações do percurso gamer. Para aqueles alunos que já conhecem a série de jogos Tomb Raider, é possível reconhecer o caráter e a corporalidade de Lara Croft pelas cenas dos games. Como descrevemos anteriormente, ao comentar a história da saga, os traços psicológicos de Lara são a curiosidade, a teimosia, a obstinação, a persistência e a coragem. Já a sua corporalidade é tema de muita polêmica, discussão e mudança. A sua maneira de mover-se envolve agilidade e habilidades de luta. A sua maneira de vestir-se é composta por roupas simples e casuais, como regata, calça e botas. Assim, o caráter e a corporalidade de Lara nos jogos ultrapassa o estereótipo dos cientistas, usualmente representados por corpos frágeis e roupas sóbrias ou formais. Por outro lado, vemos a aproximação do estereótipo do aventureiro, presente em filmes como Indiana Jones, que inspiraram a série. Indiana Jones, apesar de arqueólogo, também se veste com roupas não esperadas para um cientista, como jaqueta, chapéu, cinto e chicote. Ele também se comporta com traços psicológicos semelhantes, sendo corajoso, persistente, esperto. 186

No percurso gamer, não trouxemos imagens específicas de Lara em Tomb Raider, pois não desejávamos que algum estereótipo dos jogos fosse mobilizado imediatamente, mas que o aluno-jogador pudesse conhecer e construir melhor a personagem. Em uma janela pop-up (excerto 42), logo no início da Missão 1, trazemos a biografia de Lara Croft, feita por um site de fãs. Para nossa atividade, escolhemos a biografia utilizada em Tomb Raider: The Last Revelation, em que Lara é mentorada pelo Professor Von Croy:

Lara Croft

Personagem dos jogos da franquia Tomb Raider (Core Design, 1996 – atuais).

Lara Croft, filha de Lord Henshingly Croft, nasceu na Inglaterra, no dia 14 de fevereiro de 1968. Ela foi criada para ser uma aristocrata desde seu nascimento. A partir dos 3 anos, Lara começou a sua aprendizagem com um professor particular. Lara estudou na escola Wimbledon para meninas de até 11 anos de idade.

Aos 16 anos, seus pais decidiram que ela deveria ampliar sua formação estudando em Gordonstoun, uma das escolas mais importantes da Grã-Bretanha. Um dia Lara se deparou com uma cópia da National Geographic sobre a mesa do salão. A capa apresentava um nome familiar – Professor Werner Von Croy. Um arqueólogo respeitado, Von Croy outrora lecionara na escola de Lara para alunos e pais.

A experiência tivera um profundo efeito sobre Lara, provocando um desejo de viajar para locais remotos em busca de aventura. De algum modo, Von Croy tinha se tornado uma figura inspiradora para Lara. Lendo mais, ela soube que Von Croy estava se preparando para um passeio arqueológico em toda a Ásia, culminando em um novo potencial de descoberta a ser feita no Camboja. Sem poder deixar esta oportunidade, Lara estourou o quarto, colocou o artigo na frente de seus pais e sem hesitação exigiu que acompanhasse Von Croy em sua expedição.

Disponível em (adaptado). Acesso em: 06 nov. 2016.

Excerto 42. Biografia de Lara Croft feita por fãs, Missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-1. Acesso em: 23 set. 2019.

187

Assim, podemos perceber que Lara é estudiosa e grande fã de revistas científicas, pois conhece o trabalho do professor Von Croy a partir de uma National Geographic. Além disso, a partir dessa biografia, o aluno-jogador pode conhecer os traços psicológicos de Lara mencionados anteriormente. Percebemos que Lara é teimosa, persistente e corajosa, quando mesmo sem a aprovação dos seus pais decide partir em uma expedição com Von Croy. No entanto, mais do que a Lara aventureira, desejávamos construir principalmente a imagem da Lara arqueóloga, algo que é revelado por indícios de suas próprias reflexões ao longo do game. Na série Tomb Raider, Lara faz o tempo todo reflexões sobre o que vê no cenário (figura 78 e excerto 43). Essas reflexões costumam ser apreciações dos locais e dos artefatos arqueológicos. Lara sempre as faz em voz alta, para si mesma ou em conversa com determinado personagem, no caso, Jonah, seu atual companheiro de aventuras.

Figura 78. Lara fazendo apreciações do cenário em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

Uma pirâmide maia... dentro de um tipo de... caverna. Fascinante. Excerto 43. Lara fazendo apreciações do cenário em Shadow of The Tomb Raider (2018). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qkbPB8kcFg0. Acesso em 16 abr. 2019.

188

No percurso gamer, isso também acontece, conforme é possível ver nos excertos 44, 45 e 46 a seguir:

- Carter abandonou seu diário? Isso é um sinal muito ruim! Império Khmer, Jayavarman II... não consigo me lembrar de nada disso. Talvez seja melhor eu pesquisar um pouco mais sobre isso, pois pode haver alguma pista do que Carter foi fazer. Excerto 44. Reflexão de Lara, Missão 2, em Lara Croft nos Templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-2. Acesso em: 23 set. 2019.

- Certo, aprendi muito sobre a história do Império Khmer e os motivos pelos quais a cidade ficou perdida e abandonada no meio da floresta, mas ainda não encontre nenhuma pista do meu amigo. Talvez eu deva procurar pela escultura de elefante a que Carter se refere em seu diário.

Excerto 45. Reflexão de Lara, Missão 2, em Lara Croft nos Templos do Camboja (2). Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-2. Acesso em: 23 set. 2019.

- Como Carter não documentou essa descoberta!? A escultura é maravilhosa e uma grande relíquia histórica. Tenho que fazer isso agora mesmo. Como posso descrevê-la? (5 pontos – 50 moedas de ouro) Excerto 46. Reflexão de Lara, Missão 2, em Lara Croft nos Templos do Camboja (3). Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-2. Acesso em: 23 set. 2019.

Nesses excertos, podemos ver que Lara tem sempre atitudes de uma cientista, pois decide pesquisar melhor tudo aquilo que encontra. Ao se deparar com o diário de Carter Bell, acha importante pesquisar mais sobre dados do seu conteúdo, como a respeito do Império Khmer. Também decide ir a busca de uma pista sobre a escultura de elefante, demonstrando seu caráter investigativo. Por fim, ainda percebemos seu olhar de arqueóloga, quando decide documentar uma descoberta, mesmo em meio ao problema de encontrar Carter Bell. Dessa maneira construímos a imagem do fiador Lara Croft, que deve ser assumido também pelo “eu avatar”. 189

Para o desenvolvimento desse ethos mostrado de Lara nas produções textuais, também é importante distinguir a situação de comunicação da cena da enunciação. Na situação de comunicação, temos um aluno do ensino médio que deverá escrever uma produção de texto em contexto escolar, para uma professora de Língua Portuguesa. Essa situação é instrutiva, mas também avaliativa. Aqui temos, portanto, os produtores e leitores reais do texto, tal como o enunciador e o enunciatário, descritos anteriormente. Já na cena da enunciação, a qual podemos comparar ao nível do interlocutor e dos interlocutários, há a construção da cena englobante, da cena genérica e da cenografia. Na cena englobante de todas as atividades do percurso gamer, temos a escrita científica, especificamente dos arqueólogos, como descrevemos na seção anterior. Na cena genérica, temos os diversos gêneros que compõem o percurso, como diário de pesquisa, resumo, fotorreportagem, relatório de pesquisa, artigo de divulgação científica etc. Por fim, na cenografia, os alunos-jogadores precisam construir especificamente a imagem de Lara Croft, colocando-se na posição de “eu avatar”. Para isso, a partir de seus conhecimentos de mundo e das características exploradas nas atividades, é possível escrever como “Lara arqueóloga”, “Lara aventureira” e ainda atribuir características suas como teimosia e curiosidade. No entanto, é preciso que o aluno-jogador verifique se o gênero solicitado possibilita ou não a construção de uma cenografia variada ou exige uma cenografia específica. Por exemplo, na proposta de produção de um resumo, durante a Missão 2, guiada pela narrativa em que Von Croy está sem tempo e pede para Lara resumir o artigo que leu sobre o Império Khmer, temos o estabelecimento da interlocução: Lara para Von Croy. A cena genérica é o resumo, no entanto, como se sabe, esse gênero não admite cenografias variadas, pois o interlocutor não deve se colocar explicitamente no texto. Assim, embora seja Lara a autora, os indícios de autoria não devem ser marcados. Já nas propostas de produção do diário de pesquisa, a cena genérica é o diário de pesquisa, que admite cenografias variadas. Como comentamos na seção anterior, é possível produzir pequenos textos narrativos ou ensaios científicos, escrever em tópicos, fazer esquemas, agregar fotos e documentos etc. Por ser um gênero em que o pesquisador coloca a sua subjetividade, é possível escrever em diversas cenografias. É nesse momento em que explicitamente os alunos-jogadores 190

podem marcar a autoria de Lara Croft, trazendo de forma mais clara alguns traços de sua vocalidade específica.

3.5. Em busca de um material didático na lógica dos games

A partir do que apresentamos sobre o material que criamos, podemos então definir o que seria um percurso gamer. Um percurso gamer é um conjunto de atividades didáticas, que mobiliza estratégias de games para a sua utilização, como: 1) a interação com um espaço virtual; 2) a vivência de ações em um mundo imersivo, que proporciona a mobilização de determinadas práticas de letramentos e gêneros de uma esfera social; e 3) a encarnação de um personagem e assunção de seu ethos discursivo. Quanto ao espaço virtual, a diferença entre um jogo educacional digital e um percurso gamer estaria no fato de que, semelhante à gamificação, podemos utilizar apenas algumas inspirações dos jogos, não sendo necessário construí-lo por completo. Em nosso caso, utilizamos uma plataforma gratuita de sites. Qualquer professor, mesmo sem ter acesso a tecnologias sofisticadas, pode desenvolver ideias de maneira semelhante, até mesmo sem utilizar qualquer tecnologia digital. A ideia do espaço de um percurso gamer é a criação de um ambiente que se assemelhe ao contexto pretendido pelo professor. Como vimos em Santaella (2007), o fato de o espaço ser digital nos proporciona algumas vantagens, como a possibilidade de interatividade e de vivenciar a narrativa e a encarnação de personagens de forma mais autêntica, já que até mesmo espaços 3D ou de realidade virtual podem ser criados. Quanto aos elementos formais do jogo, o percurso gamer pode se aproximar do que já temos em jogos educacionais digitais e atividades gamificadas. Mas, em um percurso gamer, podemos criar um mundo imersivo, tomando por base as diferentes esferas (BAKHTIN, 2000[1952-53/1979]) e os letramentos e gêneros mobilizados por elas. Nesse mundo, podemos desenvolver atividades de simulação, potencializadas por uma narrativa, de maneira que o aluno se sinta envolvido, de fato, em práticas de letramentos de determinada esfera social. Nesta pesquisa, escolhemos a esfera científica, em interface com as práticas sociais vivenciadas por arqueólogos em seu trabalho, o que proporciona ao 191

estudante a vivência de práticas de letramentos desses profissionais, que englobam a leitura e a escrita de gêneros científicos e de divulgação científica. Semelhantemente, podem ser pensados percursos gamers para diversas outras esferas e intencionalidades, como simular ser um repórter, um artista, um diretor de cinema, um médico, um engenheiro, um político etc. Esta simulação serve ao ensino de diferentes áreas do conhecimento, ou até mesmo à integração de áreas. Para nossos propósitos, o foco é o ensino de escrita, mas diferentes competências e habilidades de outras áreas podem ser desenvolvidas, de acordo com os objetivos do professor. Para que o aluno se envolva nessa simulação, é interessante que ele realmente se coloque no lugar do personagem, no movimento de mobilizar uma identidade projetada, nos termos de Gee (2014). Enquanto do ponto de vista de outras áreas, isso possa ter diferentes implicações, em Língua Portuguesa, podemos evidenciar que a encarnação de um personagem coloca o aluno em uma determinada posição enunciativa. Em nosso caso, escolhemos a personagem Lara Croft. A encarnação de um personagem faz com que não somente se imagine ser alguém, como a escola já propõe em alguns momentos, mas permite que todas as atividades sejam feitas como tal personagem. É necessário pensar, agir, tomar decisões, ler, escrever e realizar tarefas como o personagem o faria. Isso permite que o aluno vivencie ser outra pessoa, colocando-se em seu lugar, seja para simular ser um especialista, colocar-se diante de desafios éticos, compreender outros modelos culturais ou outros tempos históricos, entre outras possibilidades. Para o ensino de escrita, isso implica assumir um ethos dicursivo, como argumentamos anteriormente. Portanto, podemos resumir que, em nossa proposta de modelo de percurso gamer (figura 79) a partir de uma determina esfera social, é possível criar um espaço virtual (1º círculo), em que podem ser utilizados os aspectos mecânicos dos games, com uma dinâmica de tempo e regras, para fomentar práticas de multiletramentos em ambiente digital, planejar o tempo de realização das atividades e formalizar a avaliação através de pontos. Nesse espaço virtual, desenvolve-se um mundo imersivo (2º círculo), no qual a partir das simulações são mobilizadas práticas de letramentos e gêneros da esfera social escolhida. Dentro desse mundo imersivo, é necessária a encarnação de um personagem (3º círculo) e, portanto, a assunção 192

de um determinado ethos discursivo. Para potencializar a sensação de autencidade da imersão e da encarnação de personagem, é interessante utilizar uma narrativa, que perpasse todas as atividades, o que é representado pela linha que passa todos os círculos da figura.

Esfera social Espaço virtual: mecânicas de game

Mundo imersivo: práticas de letramentos e gêneros Narrativa

Encarnação de personagem: Ethos discursivo

Figura 79. Estrutura de um percurso gamer. Fonte: original.

Como inspiração para o percurso gamer, utilizamos uma série de games já existentes, como Tomb Raider, pois ela já trazia um mundo imersivo previamente determinado, relativo à arqueologia, e uma personagem com traços marcantes, o que facilitaria a criação de um ethos discursivo. Outros jogos podem ser utilizados, com diferentes propósitos, no entanto, é preciso avaliar a pertinência da escolha. Por exemplo, não seria muito produtivo escolher Mario Bros, em que o personagem é um “encanador” que apenas destrói blocos na tela, o que nos faz retornar à distinção proposta por Gee (2014) entre games que mobilizam uma experiência técnica e outros que promovem uma experiência profissional. Estes últimos são os mais adequados para inspirar um percurso gamer. Também é preciso se atentar para a importância da narrativa. Em “Lara Croft nos templos do Camboja”, a narrativa conduz as ações do mundo imersivo e ajuda o aluno-jogador a entender a personagem. Portanto, também pode não ser produtivo escolher games que não tenham narrativas, já que não proporcionariam 193

essa experiência. No entanto, salientamos a possibilidade de que o próprio autor pode construir uma narrativa nova e inédita, sem a necessidade de utilizar algo já existente.

194

4. A METODOLOGIA DA PESQUISA

Depois de apresentar a criação do percurso gamer, neste capítulo, apresentamos a metodologia da pesquisa, que consistiu em sua aplicação em sala de aula, na qual a professora era também a pesquisadora e, portanto, doravante professora-pesquisadora. Foi realizada uma pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, que se insere no campo de investigação da Linguística Aplicada. Discutimos também o corpus da pesquisa, o local, os participantes, os objetivos e as categorias de análise.

4.1. O campo de investigação da Linguística Aplicada e a pesquisa-ação

Durante o processo de criação de um game, uma equipe é composta por roteiristas, designers, programadores, animadores, músicos e até mesmo atores, a depender da produção do jogo. Isso significa que os games são transdisciplinares, pois sua concepção é fruto da articulação de conhecimentos de diferentes áreas do saber, aplicadas a uma nova área que se constitui a partir dessas: o campo de Game Studies, ou Estudo dos Jogos. Apesar disso, como alerta De Freitas (2006), os games são frequentemente estudados de forma fragmentada. Segundo a autora, os psicólogos voltaram a sua atenção aos problemas da violência em jogos; os teóricos culturais aos problemas de gênero, estereótipos, identidade e modelos culturais; os filósofos às noções de jogo; os neurocientistas à motivação proporcionada pelos games; finalmente, os educadores aos potenciais da aprendizagem de se utilizar os games em sala de aula. De Freitas critica essa fragmentação das pesquisas, que leva a percepções muito diferentes a respeito dos jogos entre as comunidades científicas, o que termina por dificultar seu entendimento de uma forma mais ampla e orgânica. Na visão da autora, há uma preocupação exagerada em definir e classificar os games, em detrimento da análise do processo humano e social de jogar, de forma integrada. Tal solução pode ser obtida, de acordo com De Freitas, através de uma abordagem mais geral que entenda os games como mundos imersivos, facilitadores de experiências virtuais, inclusive, para a aprendizagem. Essa abordagem pode ser encontrada na Linguística Aplicada (LA), um campo transdisciplinar de pesquisa (SIGNORINI; CAVALCANTI, 1988), algo que já 195

se tornou um verdadeiro truísmo sobre a LA, nas palavras de Moita-Lopes (2013). Segundo o autor,

é muito mais fácil seguir por caminhos cristalizados com um roteiro explícito do que é fazer pesquisa do que perscrutar sempre conhecimentos de outras áreas que possam iluminar sua investigação, tanto teórica quanto metodologicamente, sem uma fórmula do que e de como se deve fazer pesquisa e, até mesmo de um modelo (um template) de como apresentá-la em uma publicação ou em um congresso, como é o caso da pesquisa disciplinarista, principalmente a de tradição positivista (MOITA-LOPES, 2013, p. 18).

Portanto, embora esse seja um caminho mais fácil, como aponta De Freitas (2006), escolher uma abordagem disciplinar para um objeto transdisciplinar, como os games, faz com que os vejamos de forma incompleta. Dessa maneira, nessa pesquisa, assim como é objetivo da LA, buscamos suportes teóricos em diferentes áreas do conhecimento, como filosofia, mídia, psicologia, educação, linguística e em outras pesquisas da LA. Por ser nosso objeto de pesquisa um percurso gamer do universo científico da arqueologia, também buscamos nessa ciência certo apoio para o entendimento do processo de realizar e documentar descobertas arqueológicas. Como também aponta Moita-Lopes (2013), a LA não fornece uma “fórmula” ou um “template” de como fazer pesquisa, por não seguir uma tendência disciplinarista. Assim, construímos o modelo dessa tese e as categorias de análise não com base exclusivamente em preceitos da LA, em categorias estabelecidas na área, mas buscando encontrar os caminhos necessários para cumprir nossos objetivos de investigação. Segundo Noffke e Somekh (2005), um tipo de investigação que busca solucionar a divisão entre a teoria e a prática, como aqui propomos, é a pesquisa- ação, que utilizamos em nossa pesquisa. De acordo com os autores, há dois tipos de pesquisa-ação: 1) quando um profissional deseja melhorar sua própria prática; 2) quando alguém de fora negocia com os participantes uma intervenção, colocando-os como coparticipantes da pesquisa. Conforme aponta Burns (2010), no campo da educação e das pesquisas em linguagem, esse tipo de pesquisa é muito valorizado, pois coloca os professores na posição de pesquisadores de suas próprias aulas, tornando-os, assim, reflexivos diante de problemas e acontecimentos comuns 196

naquele grupo específico de alunos e aptos a promover mudanças no ensino de maneira autoconsciente e embasada. Em nosso caso, trata-se de uma hibridação dos dois tipos apontados. Diferentemente de pesquisas-ação tradicionais, em que o professor identifica um problema de sua sala de aula e então parte para ação, nossa pesquisa iniciou-se com uma hipótese que resolvemos testar em sala de aula. Há alguns anos já estamos estudando a relação entre as novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa, na interface com os materiais didáticos (CHINAGLIA, 2016), então decidimos produzir e testar um material didático, como forma de investigar como se dá a relação entre nossos pressupostos teóricos e a prática. Conforme argumentam Noffke e Somekh (2005), uma pesquisa-ação é sempre uma “pesquisa de dentro”, isto é, não se limita à mera observação para coleta de dados, mas consiste na intervenção de um pesquisador que busca entender e melhorar alguma prática, relacionando-a com as teorias científicas. Noffke (1997, apud NOFFKE; SOMEKH, 2005) define que a pesquisa ação possui três dimensões: a profissional, a pessoal e a política. A dimensão profissional está relacionada a oferecer um trabalho ou um produto melhor; a política à mudança social; e a pessoal a melhorar a sua própria prática profissional. Grundy’s (1982, apud NOFFKE; SOMEKH, 2005) associa também essas três dimensões às três categorias do conhecimento, segundo Aristóteles: o conhecimento técnico, o prático e o crítico. O técnico foca em conceber um produto ou um serviço melhor; o prático em melhorar a experiência, tornando-se um profissional autorreflexivo; e o crítico no caráter emancipatório. O caráter emancipatório de uma pesquisa, segundo Noffke e Somekh (2005), está relacionado a não somente o pesquisador refletir sobre a prática, como os participantes da pesquisa também, de maneira que o grupo todo seja capaz de discutir os resultados. Nesse sentido, a pesquisa-ação tem semelhanças com a “prática reflexiva”, proposta por Dewey (1933, apud NOFFKE; SOMEKH, 2005), que argumenta que um dos tipos de reflexão é testar hipóteses na ação. No entanto, alertam Noffke e Somekh (2005) que é preciso considerar que, embora toda pesquisa-ação seja reflexiva, nem toda prática reflexiva é uma pesquisa-ação, afinal, para que uma pesquisa se configure como tal é necessário certo distanciamento do pesquisador, capaz de ver sua própria prática sob outro ponto de vista e capaz de 197

tratar seus dados com objetividade. Portanto, embora atuássemos como professora, e também como pesquisadora, foi necessário um tratamento objetivo dos dados. Para que isso ocorra, Burns (2010) orienta que os passos de uma pesquisa-ação sejam:

a) Planejamento: é a etapa na qual o problema é identificado, então parte-se para um plano de ação. É nesse momento em que se deve pensar quais são as maneiras de intervenção e os instrumentos capazes de gerar os dados necessários. b) Ação: é o momento de colocar o planejamento em ação, fazendo intervenções “criticamente informadas”, isto é, não apenas de maneira subjetiva, mas de acordo com uma série de pressupostos teóricos. c) Observação: é nessa etapa em que são observados sistematicamente os efeitos da ação, através da coleta de informações necessárias, como documentos, entrevistas, gravações etc. d) Reflexão: é nesse ponto em que o pesquisador deve refletir e avaliar os efeitos da ação, entendendo de maneira crítica o que aconteceu.

Nosso plano de ação consistiu na criação do material didático apresentado no Capítulo 3, seguida da ação, observação e reflexão, feitas durante e após a aplicação do material em sala de aula. Esse processo é considerado por Burns (2010) e muitos pesquisadores como cíclico, isto é, aquilo que é refletido volta para a prática, na forma de uma ação agora melhorada. Isso faz muito sentido para um projeto do professor e sua sala de aula em longo prazo, porém, em nossa pesquisa, por termos que obedecer a critérios dos programas de pós-graduação, não tivemos tempo para aplicar a ação melhorada, pois isso demandaria a reformulação do material, novos participantes de pesquisa e novos dados. Ainda assim, deixaremos contribuições acadêmicas sobre como ela poderia ser feita, para que futuros professores possam utilizar o material de maneira mais crítica. Um dos desafios da pesquisa-ação, diferentemente de outros métodos de pesquisa que buscam, por exemplo, testar uma teoria em grupos de controle, é que não é possível saber ao certo, antes que a ação ocorra, quais serão os dados frutíferos para análise. Em uma sala de aula, muitas coisas imprevisíveis podem ocorrem quanto à parte pedagógica como, por exemplo, os alunos não se 198

interessarem pelo tema ou haver a necessidade de uma intervenção maior em determinado assunto. Portanto, registramos a ação como um todo, através de diferentes instrumentos de pesquisa, a fim de escolher quais dados seriam utilizados para a tese efetivamente e quais seriam usados apenas para a triangulação de dados. Assim, utilizamos os seguintes instrumentos de pesquisa, devidamente autorizados pelos participantes:

a) Questionário inicial42: sondagem dos conhecimentos prévios e das práticas de games já conhecidas dos alunos; b) Diário de pesquisa: registro das nossas impressões e reflexões críticas sobre a ação; c) Videogravação das aulas: registro das atividades e intervenções realizadas em sala de aula; d) Produções textuais dos participantes: registro das atividades feitas pelos alunos no percurso gamer; e) Software de captura de tela: registro da navegação online dos participantes; f) Entrevista semiestruturada43: registro das impressões dos participantes a respeito do percurso gamer e do seu processo de aprendizagem.

O aproveitamento desses instrumentos levou à geração de dados, que será explicada no tópico a seguir.

4.2. O corpus da pesquisa

Temos como corpus da pesquisa tanto o material didático, quanto os dados da sua aplicação. Além do material, também utilizamos um ambiente virtual de aprendizagem como apoio para as postagens de tarefas e textos. Para isso, escolhemos o Google Sala de Aula, onde os estudantes deveriam postar seus textos prontos, consultar a tabela de pontuação e também deixar recados diversos entre os colegas e para a professora-pesquisadora. A partir dos instrumentos de pesquisa anteriormente mencionados, após a aplicação, além das reflexões registradas em diário, obtivemos:

42 Conferir anexo 4. 43 Conferir anexo 5. 199

a) 16 respostas no questionário inicial; b) Aproximadamente 24 horas de videogravações das aulas, as quais foram sistematizadas de acordo com o modelo abaixo (quadro 8):

Turma _ – Aula _ – __/__/___ Participantes

Professora:

Alunos (nomes fictícios):

M Descrição das atividades Transcrição de trecho importante Minutos Vídeo nº___ 0 Quadro 8. Sistematização das videogravações de aulas.

c) 91 produções textuais dos participantes, além de outras respostas automáticas ou discursivas obtidas em quizzes; d) Aproximadamente 20.000 capturas de tela44, separadas por interação de cada participante; e) Aproximadamente 2 horas transcritas de gravação em áudio das entrevistas semiestruturadas.

Como são muitos dados, nem todos foram efetivamente utilizados, mas selecionados quando pertinentes para determinado ponto da análise. Os dados do questionário inicial, por exemplo, foram utilizados para compor o perfil dos participantes ainda nesse capítulo metodológico. Para analisar a aplicação do material didático, esclarecemos o seguinte processo analítico a partir do corpus. Tivemos como ponto de partida nosso diário de pesquisa, assim, a partir de alguma reflexão registrada no diário, buscamos nas sistematizações das aulas ou nas transcrições das entrevistas a descrição mais detalhada de como se deu tal acontecimento em sala de aula e o que foi dito efetivamente pelos participantes nesse momento. Para ilustrar a interação do aluno com o material no computador, buscamos a imagem em nosso banco de capturas de tela, se necessário. Dados que

44 O software fazia registros automáticos a cada 10 segundos, portanto, muitas são repetidas, sem registrar mudança de atividade do aluno-jogador. Assim, apenas uma parcela dessas capturas (aproximadamente 5%) são imagens realmente aproveitáveis. 200

reuniam informações relevantes sobre um mesmo assunto, foram agrupados em vinhetas, isto é, falas características dos estudantes que revelam aspectos importantes para análise. No próximo tópico, esclarecemos o local em que a pesquisa foi realizada e o perfil dos participantes, a partir de algumas constatações e do questionário inicial.

4.3. O campo e os participantes da pesquisa

A pesquisa foi realizada em um cursinho popular, da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp (PREAC/Unicamp), que tem como objetivo oferecer apoio de estudos para alunos do Ensino Médio da rede pública de ensino de Campinas. O curso oferece aulas de Português, Matemática, Física e Química, que são ministradas por voluntários da Unicamp (estudantes de graduação e pós-graduação). Diferentemente de outros projetos populares, esse curso não tem a intenção de ser preparatório para o vestibular, mas de contribuir para a formação dos alunos. Isso não significa que, no entanto, a expectativa final de alguns alunos não seja que, com essa formação, também possam ingressar em universidades. A equipe do curso conta não só com voluntários estudantes da Unicamp, mas também com professores da universidade, responsáveis por cada uma das áreas de ensino, que atuam na coordenação e planejamento das aulas, projetos e atividades. As aulas são realizadas de segunda a sexta-feira, no período noturno, das 19h15 às 22h30, no campus da Unicamp – Barão Geraldo, em salas de aula cedidas pela universidade, como as do Ciclo Básico II, que possuem carteiras, computador, data show e ar-condicionado. No entanto, para nossa pesquisa, devido ao fato de o material ser digital, reservamos um laboratório de informática no Instituto de Estudos da Linguagem para que as aulas fossem realizadas. Por essa razão, embora as aulas do curso tenham aproximadamente 3h de duração, devido ao deslocamento e ao fechamento do laboratório às 22h, nossas aulas contavam com aproximadamente 2h30 de duração. As aulas, diferentemente das escolas tradicionais, não têm a obrigatoriedade de seguir um currículo fixo, apenas um planejamento interno da equipe, que diagnostica as maiores dificuldades e necessidades em Língua 201

Portuguesa e decide, em conjunto, as esferas e gêneros discursivos que serão trabalhados naquele ano, levando em consideração as competências e habilidades esperadas para o Ensino Médio. Nesse sentido, são aulas que têm como objetivo proporcionar uma formação complementar aos alunos, não substituindo, de maneira alguma, o trabalho da escola regular. Dessa maneira, julgamos que, por serem aulas mais flexíveis e por trabalharem com o público-alvo desejado (jovens do Ensino Médio), elas seriam ideais para a aplicação da pesquisa com um material diferente dos tradicionais, inclusive, pelo fato de atuarmos como professora do curso e termos a liberdade de realizar a pesquisa-ação. Desse modo, os participantes da pesquisa foram a pesquisadora, como professora, e os alunos do curso popular. A professora-pesquisadora é estudante da Unicamp desde o ano de 2010. Formou-se na licenciatura em Letras em 2013 e no Mestrado em Linguística Aplicada em 2016, mesmo ano em que ingressou do Doutorado em Linguística Aplicada. Como já mencionamos algumas vezes ao longo da tese, desde a graduação enfocamos nosso interesse de pesquisa na relação entre as tecnologias digitais e o ensino de Língua Portuguesa, primeiramente tendo pesquisado sobre Objetos de Aprendizagem (OAs) e Objetos Educacionais Digitais (OEDs). Profissionalmente, atuou como professora do curso popular por dois anos e já estava lecionando para as turmas de participantes desde o semestre anterior à aplicação do material. O trabalho com os gêneros da esfera científica já estavam sendo trabalhados naquele ano, como resumo, relatório e artigo de divulgação científica, o que indica que os estudantes já tinham tido experiências prévias com esses três gêneros que aparecem no percurso gamer. Além de ter lecionado no curso popular, a professora-pesquisadora atua profissionalmente no ramo editoral, participando da produção de obras didáticas para o ensino de Língua Portuguesa e de Linguagens e suas tecnologias, em todos os níveis de ensino, inclusive, o Ensino Médio. O interesse pelos materiais didáticos é, portanto, também derivado dessa atividade profissional. Outra informação importante é que, em sua vida pessoal, a professora-pesquisadora é gamer, isto é, interessa-se por jogar games em suas horas vagas, já tendo completado alguns títulos da série Tomb Raider. Essas características mencionadas sobre a professora- pesquisadora foram fundamentais para a construção do percurso gamer, que teve o olhar de uma professora, autora de materiais didáticos e jogadora, ao mesmo tempo. 202

Quanto aos estudantes, o perfil de participantes estava relacionado às condições de participação no curso popular. Para participar do curso, os estudantes necessitam estar em algumas dessas situações: a) Estar cursando o 2º ou 3º ano do Ensino Médio da rede pública (exceto as escolas técnicas45); b) Ter completado o Ensino Médio integralmente em escola pública ou; c) Ter completado o Ensino Médio em Educação de Jovens Adultos (EJA), mas ter estudado boa parte da escolarização anterior também em escola pública. Estando em uma dessas condições, o aluno faz sua inscrição pelo site e aguarda a convocação para o chamado Mês da Matemática. Após passar por uma série de aulas, voltadas somente para Matemática46, os alunos fazem uma prova e uma redação diagnóstica. Os classificados, em torno de 100 alunos, são convidados a participar do curso e são divididos em duas turmas (A e B), nas quais passam a ter aulas não só de Matemática, mas também de Português, Química e Física. Dessa maneira, como atuamos nas duas turmas, os participantes também foram divididos em dois grupos diferentes: A e B. É preciso mencionar que, como é comum acontecer nos cursos populares, há um problema de evasão, portanto, o que inicialmente eram 50 alunos por turma no início do primeiro semestre do ano letivo, na época de aplicação da pesquisa, durante o segundo semestre, tínhamos:

a) Turma A: em torno de 25 alunos ativos no curso, dos quais 22 autorizaram ou foram autorizados por seus responsáveis a atuar como participantes da pesquisa; b) Turma B: em torno de 23 alunos ativos no curso, dos quais 18 autorizaram ou foram autorizados por seus responsáveis a atuar como participantes da pesquisa.

Isto é, conseguimos um total de 40 participantes, divididos em duas turmas. Aqueles que não autorizaram a participação continuaram a participar das aulas normalmente, só não tiveram seus dados registrados para a pesquisa, que foi

45 O curso não aceita estudantes de escolas técnicas, por considerar que estas oferecem um ensino de qualidade superior às demais escolas públicas regulares. Portanto, preferem deixar as vagas para aqueles que buscam uma complementação em seus estudos. 46 Embora seja questionável, isso acontece porque o curso tradicionalmente foi criado por alunos e professores da Engenharia de Computação. 203

autorizada pelo Comitê de Ética da Unicamp47. Aqueles que aceitaram, tornaram-se participantes da pesquisa e expressaram sua autorização. Quando maiores de idade, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), disponível no Anexo 1. Quando menores de idade, obtiveram a autorização de seus pais no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e assinaram também o Termo de Assentimento, disponíveis no Anexo 2, concordando em participar da pesquisa. Com a assinatura desses termos, ficaram garantidos a todos os participantes os direitos de:

a) Sigilo de identidade; b) Confidencialidade, c) Preservação dos dados; d) Possibilidade de desistência da participação a qualquer momento, sem maiores prejuízos; e) Indenização no caso de danos recorrentes da pesquisa; f) Assistência integral e imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário, em caso de danos decorrentes da pesquisa.

Para preservar a identidade de cada um deles, criamos nomes fictícios que aparecerão ao longo dessa tese. Alguns desses nomes foram escolhidos pelos próprios participantes, inclusive, com a troca de gênero. Os nomes podem ser conferidos no Quadro 9 a seguir.

Turma A Turma B 1 Agatha 1 Antônia 2 Aline 2 Arya 3 América 3 Arthur 4 Beatriz 4 Carla 5 Camila 5 Kai 6 Carol 6 Karen 7 Douglas 7 Laura

47 CAAE: 68157417.4.0000.5404. O parecer 2.124.312, do dia 19 de junho de 2017 aprovou a pesquisa. Conferir o Anexo 3. 204

8 Coraline 8 Leon 9 Giulia 9 Luna 10 Irineu 10 Mavi 11 Ivy 11 Nick 12 Jacinto 12 Rafael 13 Jorge 13 Raj 14 Josias 14 Sofia 15 Katniss 15 Tsuyoi 16 Maia 16 Vanesa 17 Maju 17 Válter 18 Mariana 18 Wagner 19 Mário 20 Valentina 21 Vinícius 22 Will Quadro 9. Nomes fictícios dos participantes – Turmas A e B.

A respeito do perfil dos participantes, em relação às práticas com tecnologias digitais e games, podemos apresentar alguns dados obtidos a partir do questionário inicial. Dos 40 participantes, 16 responderam o questionário, portanto, não podemos afirmar que se trata do perfil único, mas alguns indícios sobre os gostos e hábitos dos participantes são revelados, conforme exploraremos a seguir. O questionário, disponível no Anexo 4, foi disponibilizado online, através do Google Forms, e as porcentagens foram calculadas de acordo com as respostas indicadas.

4.3.1. Perfil de acesso aos aparelhos eletrônicos

Sobre o uso de aparelhos eletrônicos, 100% dos respondentes afirmaram utilizar computador, dos quais 81% usam notebook e 19% usam computador de mesa. Na maior parte do tempo, 94% disseram utilizar o computador em casa, enquanto apenas 6% na casa de parentes ou amigos. Todos responderam possuir celular, dos quais 94% disseram ter smartphone e apenas 6% celular comum. A respeito de outros dispositivos eletrônicos, 14% afirmaram ter tablet, 14% e-readers, 205

5% ipod ou mp3/mp4, 24% câmera digital e 43% videogames. Os dados podem ser visualizados nos gráficos das figuras 80 a 83.

Qual tipo de computador?

19% Computador de mesa Notebook 81%

Figura 80. Gráfico do questionário de pesquisa: tipo de computador. Fonte: original

Na maior parte do tempo, onde você utiliza o computador?

6% Casa

Casa de parentes ou amigos 94%

Figura 81. Gráfico do questionário de pesquisa: local de uso do computador. Fonte: original.

Qual tipo de celular?

6%

Smartphone Celular comum

94%

Figura 82. Gráfico do questionário de pesquisa: tipo de celular. Fonte: original. 206

Que outros dispositivos eletrônicos você possui?

14% Tablet E-reader 43% 14% Ipop ou mp3/mp4

5% Câmera digital 24% Videogame

Figura 83. Gráfico do questionário de pesquisa: outros dispositivos eletrônicos. Fonte: original.

Como podemos notar, os participantes tinham amplo acesso a tecnologias digitais em suas casas, e nota-se uma grande proporção de videogames. Possivelmente, podem ter se referido aos consoles ou a outros aparelhos, como o próprio celular para jogar games.

4.3.2. Perfil de acesso à internet

Com relação ao uso de internet, a totalidade dos participantes afirmou ter acesso a ela, dos quais 69% disseram na maior parte do tempo utilizá-la através de banda larga, 19% de modem 3G ou 4G e 12% de wi-fi público. Nenhum participante indicou ter conexão discada e todos afirmaram usá-la na maior parte do tempo em casa, algo que possivelmente conflita com a informação anterior a respeito do wi-fi público. 75% afirmaram ter acesso a dados móveis (3G ou 4G) em seus celulares, contra apenas 25% que disseram não ter. 87% acessam a internet prioritariamente no celular, em detrimento do computador, indicado apenas por 13% dos participantes. 44% consideram estar conectados o dia todo, 31% mais de 3 horas, 19% entre 2 e 3 horas e apenas 6% até 1 hora. Os dados podem ser visualizados nas figuras 84 a 88.

207

Na maior parte do tempo, qual tipo de conexão à internet? 0%

12% Conexão discada

19% Banda larga Modem 3G ou 4G 69% Wi-fi público

Figura 84. Gráfico do questionário de pesquisa: tipo de conexão à internet. Fonte: original.

Na maior parte do tempo, onde você acessa a internet?

Casa

100%

Figura 85. Gráfico do questionário de pesquisa: local de conexão à internet. Fonte: original.

Você possui acesso à internet no celular ou smartphone, através de dados móveis (3G ou 4G)?

25% Sim Não 75%

Figura 86. Gráfico do questionário de pesquisa: dados móveis. Fonte: original.

208

Em qual dispositivo você mais acessa a internet?

13% Celular ou smartphone Computador 87%

Figura 87. Gráfico do questionário de pesquisa: dipositivo de acesso à internet. Fonte: original.

Quantas horas por dia você utiliza a internet?

6% Até 1 hora

Entre 2 e 3 horas 19% 44% Mais de 3 horas 31% Considero estar conectado o dia todo

Figura 88. Gráfico do questionário de pesquisa: horas por dia de conexão à internet. Fonte: original.

4.3.3. Perfil de acesso aos games

A respeito dos games, 87% disseram gostar de games, em oposição aos 13% que disseram não gostar. Apesar de aparentemente gostarem, sobre a frequência do uso de games, 44% afirmaram jogar raramente, 19% algumas vezes mês, 12% algumas vezes por semana e 19% todos os dias. Possivelmente, as tarefas da escola, curso e eventuais trabalhos podem diminuir o tempo disponível para jogos. Apenas 6% indicaram nunca jogar. 42% indicaram jogar principalmente em celulares ou smartphones, 31% em aparelhos de videogame e 27% em computadores, o que nos mostra a importância dos jogos mobile para a disseminação da cultura gamer. Na maior parte do tempo, 80% disseram jogar em casa, 13% na casa de parentes ou amigos e 7% na escola. O principal meio de acesso aos games indicado pelos participantes foram os games gratuitos, indicados 209

por 81% dos participantes, contra apenas 19% dos que afirmaram acessar games pagos. Sobre os tipos de games favoritos, tivemos uma grande diversidade. 25% afirmaram gostar de games de inteligência, 25% de RPG, 13% de simulação, 13% de corrida, 6% de estratégia, 6% de plataforma, 6% de tiro e 6% de esportes. Os dados podem ser visualizados nas figuras 89 a 94:

Você gosta de games?

13%

Sim Não

87%

Figura 89. Gráfico do questionário de pesquisa: gosto pelos games. Fonte: original.

Você joga games? Com que frequência?

Nunca jogo 6% 19% Raramente

12% Algumas vezes por 44% mês Algumas vezes por 19% semana Todos os dias

Figura 90. Gráfico do questionário de pesquisa: frequência de uso dos games. Fonte: original. 210

Em quais aparelhos você joga games?

Celular ou 31% smartphone 42% Computador

Videogame 27%

Figura 91. Gráfico do questionário de pesquisa: aparelhos para jogar games. Fonte: original.

Na maior parte do tempo, onde você joga games?

7% Casa 13% Casa de parentes ou amigos 80% Escola

Figura 92. Gráfico do questionário de pesquisa: local para jogar games. Fonte: original.

Qual seu principal meio de acesso aos games?

19% Games gratuitos Games pagos 81%

Figura 93. Gráfico do questionário de pesquisa: acesso aos games. Fonte: original.

211

Qual o seu tipo de game favorito? Esportes Tiro 6% Inteligência 6% Plataforma 25% 6% Estratégia 6% Corrida 13% RPG 25%

Simulação 13%

Figura 94. Gráfico do questionário de pesquisa: tipo de game favorito. Fonte: original.

4.3.4. Perfil de acesso às redes sociais, aos aplicativos, aos sites e às práticas na internet

Sobre o uso de redes sociais (como Facebook, Instagram, Twitter, Tumblr, entre outras), 75% afirmaram utilizá-las todos os dias; 13% apenas algumas vezes por semana; 6% algumas vezes por mês e 6% raramente. 88% disseram utilizar todos os dias aplicativos de mensagens instantâneas (como Whatsapp, Messenger, Telegram, entre outros), contra apenas 12% que disseram usar algumas vezes por semana, não aparecendo ocorrências de algumas vezes por mês, raramente ou nunca, o que nos indica que há maior preferência pelos aplicativos de conversa que pelas redes sociais. A respeito dos canais de vídeos (como Youtube, por exemplo), 56% afirmaram assisti-los algumas vezes por semana, 25% todos os dias, 13% algumas vezes por mês e 6% raramente. Os serviços de streaming de televisão (como Netflix, Globosat Play, HBO GO, Net Now, entre outros) foram mencionados por 63% dos participantes que disseram utilizá-los algumas vezes por semana, 19% todos os dias, 12% algumas vezes por mês e 6% raramente. Nenhum participante indicou não usá-los nunca. Sobre os serviços de streaming de música (como Spotify, Apple Music, Play Música, Deezer, entre outros), 69% afirmaram utilizá-los todos os dias, 19% algumas vezes por semana, 6% algumas vezes por mês e 6% nunca usam. Podemos observar aqui que o streaming de música é mais acessado que o de televisão, talvez por algumas razões. A primeira pode ser efetivamente pelo 212

interesse maior em música que em televisão, mas a segunda (mais provável) é o fato de que os aplicativos de streaming de música oferecem versões gratuitas, ainda que com propagandas, diferentemente dos aplicativos de streaming de televisão. Para finalizar, solicitamos que os participantes indicassem quais coisas leem ou assistem na internet, dentre fanfics, vídeos feitos por fãs, remixes e mashups, gameplays e detonados, páginas de redes sociais, wikis, blogs, sites de notícias, literatura digital e fóruns. Em destaque, temos a indicação de 8 participantes que leem sites de notícias, 7 leem páginas de redes sociais e 6 leem fanfics. Os fóruns não foram indicados nenhuma vez, mostrando o seu declínio nas práticas na internet. A mesma questão feita sobre quais dessas coisas são escritas ou produzidas pelos participantes, receberam uma participação menor, das quais se destacam 3 participantes que escrevem literatura digital, 2 que gerenciam páginas de redes sociais e 2 que escrevem fanfics. Os fóruns se mantêm como a única categoria não indicada nenhuma vez. Podemos verificar que, nesse grupo, os participantes são mais leitores/ouvintes/espectadores que produtores desses conteúdos na internet. No entanto, há grande ênfase para o contato com narrativas, já que se interessam especialmente por fanfics e literatura digital. Os dados estão resumidos nos gráficos das figuras 95 a 101.

Você acessa redes sociais? Com que frequência? 6% 6% Raramente

Algumas vezes por 13% mês Algumas vezes por 75% semana Todos os dias

Figura 95. Gráfico do questionário de pesquisa: redes sociais. Fonte: original.

213

Você utiliza aplicativos de mensagens instantâneas? Com que frequência?

12% Algumas vezes por semana Todos os dias 88%

Figura 96. Gráfico do questionário de pesquisa: aplicativos de mensagens instantâneas. Fonte: original.

Você assiste a vídeos? Com que frequência?

Raramente 6% 25% 13% Algumas vezes por mês Algumas vezes por semana 56% Todos os dias

Figura 97. Gráfico do questionário de pesquisa: vídeos. Fonte: original.

214

Você acessa serviços de streaming de televisão? Com que frequência?

6% Raramente

19% 12% Algumas vezes por mês Algumas vezes por 63% semana Todos os dias

Figura 98. Gráfico do questionário de pesquisa: streaming de televisão. Fonte: original.

Você acessa serviços de streaming de música?

6% Nunca 6% Algumas vezes por 19% mês Algumas vezes por 69% semana Todos os dias

Figura 99. Gráfico do questionário de pesquisa: streaming de música. Fonte: original.

215

Assinale quais das coisas abaixo você LÊ/ASSISTE na internet:

Fóruns 0 (Outros) Dança 1 Literatura digital 4 Sites de notícias 8 Blogs 3 Wikis 2 Páginas de redes sociais 7 Gameplays e detonadas 2 Remixes e mashups 3 Vídeos feitos por fãs 4 Fanfic 6

Figura 100. Gráfico do questionário de pesquisa: leitura na internet. Fonte: original.

Assinale quais das coisas abaixo você ESCREVE/PRODUZ na internet

Fóruns 0 Literatura digital 3 Sites de notícias 1 Blogs 1 Wikis 1 Páginas de redes sociais 2 Gameplays e detonados 1 Remixes e mashups 0 Vídeos feitos por fãs 1 Fanfics 2

Figura 101. Gráfico do questionário de pesquisa: produção na internet. Fonte: original.

4.3.5. Perfil geral dos participantes

A partir do questionário, podemos inferir que os participantes têm amplo acesso à internet, facilitado principalmente pelas tecnologias 3G ou 4G, tendo como principal aparelho de acesso o celular ou smartphone, inclusive para o uso de games. O gosto pelos games aparece, embora muitos indiquem não ter tempo de jogar, talvez devido às tarefas do dia a dia, já que frequentam tanto a escola, como o 216

curso popular. Nota-se a importância dos games gratuitos para a disseminação da cultura gamer e a necessidade de tornar esses alunos mais produtores que consumidores de conteúdos na internet. Tendo esclarecido o perfil dos participantes, vamos abordar os objetivos da pesquisa.

4.4. Os objetivos da pesquisa

Em nossa dissertação de mestrado (CHINAGLIA, 2016), observamos, dentre outros Objetos Educacionais Digitais (OEDs), que os jogos educativos não traziam de fato a lógica dos games, mas a mera aplicação de determinados elementos formais dos jogos. Ao interagirmos com diversos games, percebemos a riqueza desses artefatos culturais na atualidade, ao possibilitarem a interação com simulações complexas e a encarnação de personagens, que demandavam diversos letramentos do jogador, conforme trouxemos nos capítulos anteriores dessa tese. Como já mencionamos, não é raro que, em um game, os jogadores tenham que lidar com uma série de textos, como documentos e mapas, que auxiliam na construção na narrativa. É muito comum também que a encarnação de personagens faça com que o jogador se coloque no lugar do outro para pensar, agir e tomar decisões. Portanto, criamos a hipótese, para essa tese de doutorado, de que poderíamos aproveitar essas características dos games para o ensino, de forma muito mais frutífera que os jogos de aprendizagem já disponíveis em repositórios. Além de mecânicas dos games que poderiam ser utilizadas de forma mais contextualizada, especificamente no ensino de Língua Portuguesa, observamos que poderia haver uma possível relação entre as simulações e as encarnações de personagens e a mobilização de determinados letramentos, gêneros e ethos discursivos ao produzir textos, como argumentamos no Capítulo 3. Tal inspiração, no entanto, nos criou o desafio de pensar como os games poderiam se relacionar ao ensino de escrita, já que a produção textual não é algo que aparece efetivamente na maior parte dos jogos. Também nos demandou a criação de um material didático novo, já que não há nenhum material de nosso conhecimento que sirva a esse propósito. Portanto, nossa pergunta inicial de pesquisa era: Os games podem trazer contribuições para o ensino de escrita em contexto escolar? Para responder essa 217

questão, delimitamos, então, o objetivo geral: Refletir sobre as interfaces entre os games e as atividades de escrita em práticas de letramentos escolares, em uma aplicação de um material didático desenvolvido em lógica gamer. A fim de cumprir esse objetivo, tínhamos os seguintes objetivos específicos:

f) Produzir um material didático piloto baseado na lógica do game Tomb Raider, no intuito de mobilizar, em um mundo imersivo, letramentos envolvidos em atividades arqueológicas; g) Apresentar e discutir os pressupostos teórico-metodológicos do material didático piloto, para trazer contribuições a um futuro delineamento de novos materiais didáticos similares; h) Investigar como podem ser aproveitados os elementos da mecânica dos games, como espaço, tempo e regras em atividades escolares; i) Examinar de que maneira se dá a interação com o mundo imersivo da arqueologia, em interface com a mobilização de práticas de letramentos, na apropriação da escrita científica; j) Analisar a influência da encarnação da personagem nas atividades de escrita e suas relações com a assunção de um ethos discursivo.

Dada a natureza inovadora do material, a pesquisa teve caráter exploratório. Por isso, não se tratou de testar hipóteses pré-estabelecidas no objetivo geral, mas de investigar as múltiplas possibilidades oferecidas pela experiência de aplicação para refletir sobre elas. O primeiro e segundo objetivo específico foram cumpridos no Capítulo 3 dessa tese, dedicado à apresentação e discussão do material didático piloto, enquanto os demais objetivos são realizados no Capítulo 4, voltado para a análise da experiência com o material didático em sala de aula. Em seguida, apresentaremos as categorias utilizadas para a análise.

218

4.5. As categorias de análise

Conforme abordamos no Capítulo 3, decidimos criar um material didático em um modelo novo, chamado de percurso gamer, baseado em conceitos de games, que apresenta as seguintes características, já discutidas (figura 102):

Esfera social Espaço virtual: mecânicas de game

Mundo imersivo: práticas de letramentos e gêneros Narrativa

Encarnação de personagem: Ethos discursivo

Narrativa

Figura 102. Estrutura de um percurso gamer. Fonte: original.

Relembrando, a partir de uma esfera social, em um espaço virtual, com mecânicas de games, como dinâmica de tempo e regras, cria-se um mundo imersivo, que mobiliza determinadas práticas de letramentos e gêneros. Nesse mundo, encarna-se um personagem e sua identidade, o que possibilita a assunção de determinado ethos discursivo. Essa experiência pode ser potencializada por uma narrativa, que contextualiza as ações do personagem. Dessa maneira, após a aplicação do material em sala de aula, levando em consideração essas características, chegamos a duas grandes categorias de análise:

a) Engajamento e interações em sala de aula; b) Situação de produção dos textos, mundos imersivos e encarnação de personagens.

219

A primeira categoria busca analisar mais especificamente como os estudantes lidaram com o uso de um material em espaço virtual, com mecânicas de games, com tempo diferenciado, regras e pontos. A segunda categoria engloba a influência do mundo imersivo e da encarnação de personagens para a produção dos textos dos alunos. Nesse sentido, letramentos, gêneros e ethos discursivo são analisados conjuntamente, já que na prática social de leitura e escrita não se separam. A separação é feita apenas para fins de teorização. No Capítulo 5, a seguir, discutimos e analisamos como o material foi utilizado em sala de aula, a partir do ponto de vista dessas duas categorias de análise.

220

5. A EXPERIÊNCIA COM O PERCURSO GAMER EM SALA DE AULA

A partir das categorias de análise já definidas anteriormente, vamos analisar como foi a experiência de utilizar o percurso gamer em sala de aula e quais são as suas implicações para futuros aprimoramentos do material. O primeiro momento abordará as interações em sala de aula, enquanto o segundo explorará em mais detalhes os textos produzidos.

5.1. Engajamento e interações em sala de aula

Neste tópico, concentramos a análise sobre como os alunos se engajaram com o material e quais foram as interações relevantes em sala de aula, do ponto de vista do espaço virtual, do tempo, das regras e dos pontos, para compreender como influenciaram o aprendizado no percurso gamer. Comentaremos, especialmente, os conflitos entre o que se espera de um game e o que se espera de uma atividade escolar. Para introduzir cada tópico, escolhemos vinhetas representativas de falas dos alunos, que, a nosso ver, sintetizam cada uma dos momentos.

5.1.1. “A atividade é hard, achei que a gente ia ficar pulando, saltando, rolando”

Em relação ao espaço virtual, composto pelo site criado para o percurso gamer, durante as aulas e em seus comentários na entrevista, os alunos chamaram a atenção para a importância da composição visual e das músicas de fundo em certas páginas, para garantir a imersão na narrativa e sentirem-se como Lara Croft. No entanto, também apontaram para a dificuldade das atividades, compostas por muitos textos e a ausência de “mini” tarefas lúdicas, como analisaremos a seguir. Logo na primeira aula da Turma B, Carla48 me questionou sobre a autoria das atividades e, em seguida, juntamente à Luna, surpreendeu-se com o visual do

48 Conforme explicitado na metodologia, são nomes fictícios atribuídos aos estudantes que foram autorizados por seus pais ou responsável a participar da pesquisa ou expressaram autorização, quando maiores de idade. 221

site (excertos 47 e 48), o que demonstra a aceitação dos alunos quanto ao espaço virtual criado para a atividade:

Carla: Quem escreveu isso aqui da Lara foi você ou tem livro? Juliana: Fui eu que escrevi. Carla: Não tem livro da Lara? Juliana: Não, não tem. Excerto 47. Interação em sala de aula com Carla sobre a autoria do percurso gamer, Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Carla: Mas ficou bonitinho o site. Luna: Nossa, ficou muito legal! Juliana: Vocês gostaram? Luna: Nossa, professora, muito criativo! Excerto 48. Interação em sala de aula com Carla e Luna sobre a estética do espaço virtual, Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Como podemos ver, as alunas surpreenderam-se com o fato de uma professora de português ter criado o material e, inclusive, as histórias contidas nele, questionando-se se haviam sido retiradas de um livro. Este movimento acontece porque não é comum que professores criem games ou similares, como apontou De Freitas (2006) anteriormente, insistindo na necessidade que estes se envolvessem mais na produção de materiais desse tipo. A aceitação do espaço virtual também aparece nos dados das entrevistas, realizadas após a aplicação do material. Muitos apontaram o fato de que o plano de fundo e as músicas conferiam a imersão necessária para se imaginar em uma aventura no Camboja, como podemos verificar nas falas selecionadas a seguir (excerto 49):

Wagner: Eu fiquei assim: "Nossa que legal, tem musiquinha!", "Nossa, cara, que da hora, tem barulhinho de selva!".

Antônia: As musiquinhas, tipo assim, combina muito com o filme, né? O negócio dela estar lá na selva, aí era verdinho... 222

Maia: Eu gostei bastante das músicas da página, porque com os diálogos que ela tinha com o professor, aí você colocava aquelas músicas, parecia que você tava naquela floresta, falando com ele e tudo mais. A imaginação ia voando...

Carol: A bordinha! A musiquinha! De jogo mesmo, cara de jogo.

Mariana: É, e as imagens dá uma noção pra gente, né, do que a gente tá pesquisando, o que é o lugar lá, que é bem bonito no caso.

Excerto 49. Comentários de Wagner, Antônia, Maria, Carol e Mariana sobre a estética do espaço virtual, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

O fundo verde a que se referem aparece nas bordas. Como já apontamos na criação do material e relembramos na figura 103, foi colocado para simular as florestas tropicais do Camboja, o que foi notado pelos alunos. Já as músicas complementam o sentido de cada momento, trazendo sensação de mistério, conflito, entre outras possibilidades.

Figura 103. Aparência do percurso gamer notada pelos alunos. Fonte: Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fotorreportagem-3. Acesso em: 14 ou. 2019

Jorge sintetiza essa experiência de forma mais clara, explicando o quanto a construção do espaço virtual do site foi fundamental não só para a imersão no 223

Camboja, mas também no universo da arqueologia, permitindo sentir-se como Lara Croft (excerto 50):

Jorge: Eu acho que foi interessante, porque, não sei como explicar isso, o modo como as páginas estavam... Tinha toda aquela caracterização, tinha até aquela... os desenhozinhos de floresta em volta, a musiquinha, sabe. Acho que tudo isso fez a gente ficar mais caracterizado, como que eu posso dizer... Aprofundado na história, no contexto da Lara, uma exploradora do Camboja, sabe, uma arqueóloga. Eu acho que isso foi muito interessante, porque ajudou a gente a se aprofundar naquilo e pensar "Nossa, que legal, a gente tá numa floresta!" e aí tem até a musiquinha... Excerto 50. Comentário de Jorge sobre a estética do espaço virtual, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Jorge aponta a importância da caracterização para que pudesse se sentir como Lara, exploradora do Camboja, uma arquéologa. Esse comentário confirma uma de nossas expectativas sobre o percurso gamer, a respeito da possibilidade de criar um mundo imersivo, em que os estudantes podem tomar decisões, ler e escrever, como se estivessem em um contexto fora de suas realidades, permitindo colocar-se no lugar do outro. No entanto, como é possível notar na opinião do aluno, não basta somente a descrição ou a imaginação, mas é preciso criar a estética do mundo imersivo para ampliar a sensação de os alunos estarem participando da história. Apesar de gostarem da configuração do espaço virtual tal como foi apresentado, os estudantes ainda apontaram algumas possibilidades de melhorias, relacionadas à ampliação da imersão, por meio da construção de cenários interativos, em que a personagem poderia, de fato, mover-se e fazer ações, como comentam Mariana e Carol (excerto 51):

Mariana: Ah, eu só queria ficar andando lá, ficar pra lá e pra cá. Ter a personagem pra ficar andando no Camboja.

Carol: Um cenário em que cada lugar que entrasse fosse uma missão. Excerto 51. Comentário de Mariana e Carol sobre a imersão no espaço virtual, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa. 224

O que Mariana e Carol requerem é a experiência autêntica de games, como vimos nas imagens da franquia Tomb Raider, em que o jogador controla a personagem em um espaço tridimensional, observando com riqueza de detalhes cenários, objetos e ações. Sabemos da importância desse tipo de imersão, que seria ideal, no entanto, o desejo das alunas torna-se distante para o professor, que não conta com os recursos e os conhecimentos técnicos para criar esse tipo de espaço virtual. Para que isso ocorresse, seria necessário programar um game, mas isso ainda ficaria distante do jogo autêntico, já que este é uma grande franquia milionária. De qualquer forma, acreditamos que uma das melhorias do material seria a criação de cenas ou espaços tridimensionais, ainda que simples, para proporcionar momentos de imersão desse tipo. Embora isso tenha faltado para alguns, a lógica gamer foi suficiente para trazer o engajamento para outros (excerto 52):

Maju: A gente prestava mais atenção, porque na aula a gente olha e nem dá tanta importância, sabe, porque às vezes fica muito cansativo de ficar olhando pra você, um texto, texto, texto. No computador não, ainda mais que era um jogo, se você não fizesse, não passava de fase, você ia ficar ali pra sempre, parece que você tinha repetido de ano. Tinha que ficar lá, fazendo de novo, de novo, de novo.

Jorge: Eu achei que foi uma experiência interessante, que fugiu um pouco da rotina daqui do curso, que é a aula mais prática, que você vem, faz a lição, copia e tal. Eu achei muito legal isso, porque a gente pôde ter uma experiência diferente do que a gente esperava, de ter só essa aula mesmo. E foi uma coisa muito boa, porque ajudou a gente a desenvolver o nosso raciocínio lógico, fez a gente pensar, a gente descobrir, a gente aprendeu sobre outras culturas, como a cultura do Camboja. Excerto 52. Comentários de Maju e Jorge sobre a lógica gamer, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Maju e Jorge destacam que o espaço virtual requeria outra dinâmica em sala de aula, exigindo a participação do aluno, o que rompe com os padrões da sala de aula tradicional, em que professor fica à frente de todos fazendo uma exposição, enquanto os alunos copiam e fazem lições. No percurso gamer, era preciso agir, como destaca Maju, ou nada aconteceria, o que é um dos princípios dos jogos. Sem 225

jogador, não há ação. Isso, para Douglas, em alguns momentos foi negativo, o que demonstra a necessidade de equilibrar a interação entre computador e entre alunos e professor (excerto 53):

Douglas: Ah, eu achei a ideia inovadora, né, de usar a tecnologia, usar a internet. Mas, eu acho que isso acaba separando um pouco a interação de aluno com aluno, aluno com professor.

Excerto 53. Comentário de Douglas sobre a interação em sala de aula, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Uma sugestão interessante dada por Jorge para resolver o problema da falta de interação entre alunos seria criar mais atividades em grupo, como a última sugerida para o percurso gamer, em que deveriam se unir em equipes de pesquisadores para publicar no blog (excerto 54):

Jorge: Se fosse pra mudar alguma coisa, eu acho que seria mais interessante ter atividades, entre aspas, em grupo, como a última, que a gente se reúne em duplas ou trios, como se fosse um grupo de exploradores. Nesse caso, pra buscar alguma informação mais complexa, porque ficaria mais interessante. Excerto 54. Comentário de Jorge sobre a interação em sala de aula, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

A lógica gamer, proposta pelo espaço virtual, também surpreendeu alguns alunos pela sua dificuldade. Durante a primeira aula da Turma B, Carla se queixou de que a tarefa era difícil e desafiadora demais (excerto 55):

Carla: A atividade é hard hein, achei que a gente ia ficar pulando, saltando, rolando. Juliana: É, essa primeira atividade é de pesquisa, tem que ler. Excerto 55. Interação em sala de aula com Carla sobre a dificuldade do percurso gamer, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

A afirmação de Carla nos permite discutir um aspecto importante. Como argumentam Gee (2014) e McGonigal (2012), os games são capazes de engajar o jogador por longas horas em tarefas difíceis, sem que este se canse ou se importe 226

em realizar uma atividade complexa. Nesse sentido, Carla associa que um game seria uma atividade fácil, que envolveria ações como pular, saltar, rolar. Mas, a partir do momento em que essa atividade envolve uma tarefa de pesquisa e leitura, ela se torna mais complexa aos olhos da aluna. Ou seja, o que a torna mais complicada é a interface com a atividade escolar, que, de certa forma, “quebra” a sua expectativa do game. Esse conflito entre o que se espera de um game e de uma atividade escolar, também apareceu nos comentários das entrevistas (excerto 56):

Maia: O tema geral, tudo, foi muito bom, só que era muito texto pra fazer, relatório, diário de pesquisa, era muito digitar. E a gente sempre queria terminar uma fase logo e eu ficava com muita raiva, porque eu parava sempre no diário de pesquisa. Falava "Mano, eu não vou conseguir", aí eu ficava com um pouquinho de raiva.

Josias: Eu achei bem legal, achei bem dinâmico pra mudar um pouco o estilo. Mas, de repente, você acaba de fazer um resumo, aí já tem que fazer um diário de pesquisa, então fica meio cansativo mesmo. Mas, no geral, foi bem legal.

Giulia: No começo tava gostando muito, mas no final da atividade foi ficando meio maçante, porque era muito texto, muita coisa, se no meio disso tudo tivesse umas atividades mais descontraídas... Excerto 56. Comentários de Maia, Josias e Giulia sobre a quantidade de textos, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Sobre as atividades “mais descontraídas”, Maju sugere (excerto 57):

Maju: Uma forcazinha, sabe: "Ah, consiga uns pontos".

Excerto 57. Comentário de Maju sobre atividades lúdicas, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Esses dados demonstram uma possível fragilidade no percurso gamer para o ensino de escrita. Como nosso objetivo era trabalhar o desenvolvimento da produção textual, aliado à lógica gamer, foram proporcionados muitos momentos de leitura e escrita. No entanto, isso não agradou a alguns alunos, que consideraram a tarefa cansativa por esse motivo. O impasse gerado entre game versus atividade 227

escolar deve ser levado em consideração no desenvolvimento de novos percursos gamers, que podem eventualmente trazer momentos mais lúdicos, para além da leitura e escrita. No entanto, acreditamos que não deva ser diminuída a quantidade de textos, pois é isso que torna o material gamer, mas ao mesmo tempo de ensino de Língua Portuguesa. Ainda sobre a produção textual, foi notada a dificuldade em ter que utilizar um software e um ambiente virtual de apoio, no caso, o Google Docs e o Google Sala de Aula, pois alguns alunos consideraram complexo lidar com muitas abas abertas ao mesmo tempo, sugerindo que, em uma possível melhoria do material, seria interessante ter um editor de textos integrado, como sugere Maju novamente (excerto 58):

Maju: Tivesse seu próprio Word pra atividade, sabe. Tivesse um espacinho pra fazer lá, aí já terminou, colocava só pra salvar. Não tivesse que salvar no computador, depois enviar no grupo...

Excerto 58. Comentário de Maju sobre espaço para escrever textos, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Como o site criado não apresentava essa funcionalidade, criamos um ambiente virtual de aprendizagem para a postagem dos textos produzidos, bem como outras formas de interação e recados, conforme é possível ver nas figuras 104 e 105, com a devida proteção de privacidade do nome do curso, dos participantes e suas imagens:

228

Figura 104. Google Sala de Aula, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 105. Google Sala de Aula, Turma B. Fonte: dados da pesquisa.

A partir desses dados, podemos concluir que a estética e as funcionalidades de um percurso gamer não deve ser desconsideradas, ainda que seja difícil aproximar-se de um game autêntico. Embora a estética possa parecer secundária para os objetivos educacionais, mostrou-se como ponto importante para os estudantes, que tiveram a sensação de imersão na experiência de utilizá-lo.

229

5.1.2. “Pode fazer em casa, professora?”

Como apresentamos na criação do percurso gamer, idealizamos um material que deveria ser utilizado pelo aluno em seu próprio tempo, isto é, não era necessário que todos estivessem na mesma atividade. Tal lógica se assemelha às formas de uso dos games, em que cada jogador avança de uma maneira sobre as diferentes fases, de acordo suas facilidades e dificuldades em cada tarefa. Logo nas primeiras aulas das duas turmas, muitas dúvidas iniciais surgiram, como “Quantas tarefas vamos fazer?” e “Quanto tempo temos para fazer?”. Tais perguntas remetem não às regras de um game, pois ninguém as faria diante de um jogo, mas aos ecos da cultura escolar. Em um game, não nos preocupamos com a quantidade de tarefas, pois, como aponta McGonigal (2012), quanto mais atividades a serem feitas, melhor o game, já que ele tem o potencial de entreter o jogador por muito tempo e engajá-lo em uma tarefa desafiadora que escolheu para si mesmo. Apesar de ser um percurso gamer, os alunos pareciam conscientes sobre o fato de ser uma atividade escolar, portanto, queriam saber sobre a quantidade de atividades e o tempo para realizá-las, como acontece em uma sala de aula comum. Para surpresa deles, respondi que, assim como em um game, eles poderiam fazer as tarefas das missões no tempo desejado, cada um a seu ritmo. Essa indicação gerou certa confusão nos estudantes, já que foi a primeira vez que puderam ter essa liberdade em sala de aula, tal como demonstra a interação do excerto 59, na qual Carla afirmou não saber qual é seu ritmo:

Carla: Quantas tarefas têm? Juliana: Ah, são várias por missão. Carla: Quantas aulas? Juliana: A gente tem cinco aulas. Cada um vai no seu ritmo. Carla: Eu não tenho ritmo nenhum ainda (risos). Meu ritmo é não ter ritmo. Excerto 59. Interação com Carla em sala de aula, sobre o tempo de utilização do percurso gamer, Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Os alunos passaram, então, a se questionar sobre os limites da sala de aula e suas casas. Durante a primeira aula da Turma B, o debate sobre o “fazer em casa” surgiu. Muitos queriam saber se era permitido continuar a tarefa em seus lares. Respondi confirmando a possibilidade de realizá-la em casa, afinal, se a 230

atividade estava online, poderiam fazer como quisessem, desde que também aproveitassem o tempo disponível em sala. Foi então que Raj questionou (excerto 60):

Raj: Pode fazer em casa, professora? Juliana: Olha, vocês podem até continuar em casa. Mas a ideia é que vocês usem esse horário pra irem fazendo. Raj: É, se a gente fizer tudo em casa não vai vir mais pro laboratório. Excerto 60. Interação em sala de aula com Raj sobre utilizar o percurso gamer em casa. Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Raj percebeu que seria bom fazer a atividade em casa, mas ao mesmo tempo não queria perder o momento de ir ao laboratório de informática, ou seja, não queria voltar para a sala de aula comum. Sua fala mostra que preferia a dinâmica de interação virtual, no lugar daquela tradicional em sala de aula. Carla também apontou na entrevista a possibilidade de utilizar o material em casa, de forma independente (excerto 61):

Carla: Eu gostei, foi bem criativo o modo de você aprender de outras formas, e não sem ser só internet, livros e a professora falando, você pode estudar em casa sozinho, de modo divertido. Excerto 61. Comentário de Carla sobre utilizar o percurso gamer em casa, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Esses dados demonstram a flexibilidade de um percurso gamer, que foi pensado para contar com a mediação do professor, mas também para continuar a ser explorado pelos estudantes de forma autônoma, da maneira que desejarem, já que podem avançar, mesmo que a turma não esteja ainda no mesmo ponto de progresso. Sobre a dinâmica de cada um fazer as atividades em seu ritmo, alguns avaliaram como positiva para permitir proceder à sua maneira, sem depender de outros, o que também garantia maior liberdade e a possibilidade de ler e escrever sem pressa (excerto 62):

231

Nick: Eu acredito que foi uma coisa positiva, mesmo que aulas tinham um limite, você tinha opções de fazer em casa. Então, achei que deu pra cada um respeitar... cada um teve seu tempo de fazer, deu pra entender bem o objetivo do jogo, pra que a gente conseguisse fazer com clareza mesmo. Não foi uma coisa que foi apressada, sabe?

Wagner: Foi legal, porque cada um pensa de uma maneira diferente, então, eu achei legal isso.

Antônia: Foi bom, porque eu pude fazer no meu tempo, do jeito que eu queria, porque, às vezes, tem pessoas que fazem de outro jeito e não da sua maneira. Cada um tem um método, por assim dizer.

Valentina: Cada um no seu tempo foi bom, porque não apressava, você podia fazer calmo e, às vezes, o texto até saia melhor do que se fosse por aula e todo mundo fosse apressado. Ficou mais fácil cada um no seu tempo.

Maia: Eu achei bem legal, porque tem muita gente que é, tipo, muito apressado para fazer as coisas. Aí, eu falando dessas pessoas que acabam a atividade muito cedo, ia ficar chato pra eles ficar esperando todo mundo chegar a um nível, pra depois todo mundo partir. Excerto 62. Comentários de Nick, Wagner, Antônia, Valentina e Maia sobre o ritmo de uso do percurso gamer, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

Enquanto para a maioria isso tenha sido interessante, para outros essa característica do percurso gamer criou alguns problemas, sugerindo que as atividades fossem guiadas para que todos os alunos estivessem em uma mesma missão (excerto 63):

Maju: Foi ruim, porque, quando as pessoas... No final, meio que teve que pular fase e todo mundo ir pra última, né, porque não deu tempo. Porque muitas vezes a gente fica assim, meio sem saber, se tivesse alguém acompanhando, tipo "Pessoal, fase 2 agora", meio que dando um tempo para cada questão, acho que a gente conseguiria ter feito tudo aquilo. 232

Carol: Eu acho que se fosse mais controlado, por exemplo, nessa aula a gente vai fazer a missão 1, ou metade dela, aí todo mundo indo junto acho que seria melhor.

Coraline: Talvez seria bom todo mundo junto, porque quando a gente postava na página pra avaliar outras coisas, tinha gente que tava na missão 2, aí a gente tava na missão 3. Excerto 63. Comentários de Maju, Carol e Coraline sobre o ritmo de uso do percurso gamer, Entrevista. Fonte: dados da pesquisa.

O que Maju aponta em sua fala é verdadeiro. Planejamos quatro missões, de maneira que a última atividade deveria ser feita em grupo, como uma equipe de exploradores, para escrever um artigo de divulgação científica para o blog. No entanto, na última aula disponível para a aplicação do material, nem todos os estudantes tinham chegado à última missão. Solicitei, portanto, que fossem juntos para a atividade final, para que pudessem ter a oportunidade desse trabalho em grupo. Nossa intenção era permitir que todos tivessem uma conclusão da história proposta pelo percurso gamer49, além de proporcionar a escrita do artigo de divulgação científica. Isso, na visão de Maju, fez com que fossem puladas missões, o que poderia ter sido mais bem planejado. As sugestões de Maju, Carol e Coraline para que as missões fossem controladas por aula chegaram a ser consideradas quando idealizamos o material. De fato, esta é uma possibilidade a ser decidida pelo professor ao utilizar um percurso gamer. Entretanto, imaginamos que guiar as missões e orientar o uso, de maneira semelhante a um material tradicional, afastaria o percurso da lógica gamer pretendida, que garante este tipo de interação mais autônoma, em ritmo diferenciado, assim como acontece em um game autêntico. Podemos concluir, portanto, que o ritmo de uso do material em lógica gamer nem sempre agrada a todos, que podem preferir o tempo tradicional da sala de aula, em que todos estão na mesma atividade. Por outro lado, há evidências que indicam que aqueles que têm mais dificuldade em se adaptar a atividades coletivas, consideram interessante a possibilidade de agir de forma mais livre, adaptando-as a seus modos de agir e pensar.

49 Tivemos que fazer isso, porque as aulas do curso seriam encerradas, dando fim ao semestre. O tempo também extrapolava o informado ao Comitê de Ética. 233

5.1.3. “Ah, como era amigo, muitas vezes dava mais ponto porque merecia”

As regras de utilização do material envolviam a produção de textos indicados pelo percurso gamer e a postagem no ambiente virtual do Google de Sala, conforme apresentamos anteriormente. A dinâmica pensada para o material envolvia a correção em pares, isto é, um colega poderia corrigir o texto do outro, atribuindo pontos, de acordo com perguntas solicitadas sobre o texto, em um formulário para cada produção. Quando um estudante terminava um texto, deveria postá-lo no Google Sala de Aula e outro estudante disponível, que estivesse em etapa similar, poderia corrigi-lo. Por exemplo, no diário da missão 1, o formulário questionava (excerto 64):

Missão 1: Diário de Pesquisa

Endereço de e-mail: ______

De quem é o texto que você está avaliando? ______

O texto traz um pequeno relato do que aconteceu com Carter Bell? (2 pontos) ( ) Sim ( ) Não

O texto menciona onde fica o Camboja? (1 ponto) ( ) Sim ( ) Não

O texto traz um pequeno resumo das informações coletadas na pesquisa do Google? (2 pontos) ( ) Sim ( ) Não

O texto menciona informações da notícia, como nome da cidade perdida e como foi encontrada? (2 pontos) ( ) Sim ( ) Não

O texto possui imagens, mapas, infográficos que enriquecem as informações? (1 ponto) 234

( ) Sim ( ) Não

O texto é adequado a um diário de pesquisa? (1 ponto) ( ) Sim ( ) Não

O texto apresenta linguagem adequada e está de acordo com as normas gramaticais? (1 ponto) ( ) Sim ( ) Não

Justifique o que precisa ser melhorado no texto: ______Excerto 64. Formulário de correção, Diário de Pesquisa 1, Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/fim-1. Acesso em: 25 set. 2019.

Além da correção em pares, que atribuía pontos para o game, também sempre corrígiamos os textos dos estudantes, fazendo devolutivas sobre os mesmos aspectos mencionados, mas em caráter de avaliação formativa e não quantitativa. O texto corrigido era publicado em comentário ao estudante no Google Sala de Aula, podendo conferi-lo sempre antes do início da próxima da aula. A correção entre os alunos era uma tentativa de descentralizar a responsabilidade avaliativa somente para o professor, colocando os estudantes como protagonistas de seu processo de aprendizagem. A autonomia dos estudantes também garantiria a proximidade com o protagonismo proposto pelos games. Essa dinâmica conseguiu ser realizada de forma satisfatória nas primeiras aulas, pois os estudantes estavam quase todos nas mesmas atividades. Eles também ansiavam os pontos (aspecto que comentaremos no próximo subtópico), portanto, queriam corrigir os textos dos amigos, para que os deles também fossem corrigidos. No entanto, aos poucos, esse movimento começou a se tornar complicado, à medida que cada um estava em uma etapa diferente. Certos estudantes não queriam retornar para atividades anteriores para corrigir textos de colegas, de modo que os alunos ficavam impacientes à espera de seus pontos. Isso fez com que nas últimas duas aulas abandonássemos o sistema de correção em pares. Isto é, a avaliação passou a ser realizada somente pela professora- 235

pesquisadora, que não só fazia a avaliação formativa, mas também quantitativa ao atribuir os pontos de acordo com o formulário. Outro detalhe observado foi o fato de que os pontos atribuídos eram altos, o que muitas vezes não combinava com a qualidade do texto produzido. Já esperávamos que isso poderia acontecer, pois os adolescentes tenderiam a proteger seus amigos, mas também sabíamos que os pontos poderiam criar certo clima de competição, portanto, gostaríamos de entender como funcionaria essa dinâmica em sala de aula. Acerca desse assunto, nas entrevistas, alguns alunos apontaram que fizeram correções justas, porque não queriam prejudicar ninguém e estavam seguindo as regras (excerto 65):

Nick: Assim, no caso das outras pessoas, eu não sei, mas no meu caso eu não tenho tanta interação com todo mundo da sala. No meu caso, foi uma coisa sincera, eu avaliei, vi as perguntas e, se eu achei que estava de acordo com o que foi pedido e tava coerente, eu dava resposta à altura, sim.

Wagner: Eu avaliava sim. Tinha um... como posso dizer... uma proposta que tava pedindo, tipo, por exemplo, ele perguntou se o texto falava sobre uma cidade que aparecia, se ele citou. Se ele não citou a cidade não ia colocar que tinha citado.

Raj: Eu avaliava sim, porque era o que eu esperava que os outros alunos fizessem. Não que me dessem pontos extras ou tirassem pontos por causa de afinidade.

Valentina: O meu amigo lá da outra sala até falou bem assim, porque eu dei um ponto alto, aí ele falou "Nossa, você foi besta, sabe, de ter dado, porque se você tivesse dado pequeno, ela teria ficado atrás de você". Eu nem pensei nisso na hora, porque eu tava fazendo o bagulho lá, o negócio... Eu avaliei certo mesmo, em nenhum momento eu pensei "Nossa, ela vai ficar com mais pontos que eu". Excerto 65. Comentários de Nick, Wagner, Raj e Valentina sobre a correção em pares. Fonte: dados da pesquisa.

Outros já comentaram que deram vantagens a amigos (excerto 66):

236

Leon: Ah, como era amigo, muitas vezes dava mais ponto porque merecia.

Maia: Colocava que foi tudo bom. A Agatha falava assim "Vamos dar a nota certa". E eu "Não, Agatha, olha o que eles fizeram e tudo mais, vamos dar um pouquinho a mais". Eu tinha dó. E a Agatha ficava "Tá, beleza". Aí eu ficava pensando "Será que eu fiz certo?". Eu, particularmente, como que eu não converso com as duas garotas que fez o texto, eu falei nada, não. Eu só mandei. Eu só vi elas levantando assim e olhando pra mim e pra Agatha, porque elas sabiam que era eu e ela que tava corrigindo o texto. É, porque quando você passou o texto pra gente, ela ouviu que era o texto delas, né. Aí elas levantaram e eu fiquei tipo "Vamos dar nota boa?" [risos]

Coraline: Porque quando era eu e o Will, a gente corrigia um do outro né, aí eu pensava "Ah, do Will, vou dar a nota máxima aqui em tudo".

Excerto 66. Comentários de Leon, Maia e Coraline sobre a correção em pares. Fonte: dados da pesquisa

Como é possível verificar a partir das falas dos estudantes, houve burlamento das regras, para que fossem atribuídos pontos em benefícios de colegas. Entretanto, essa atuação ocorreu majoritariamente, de acordo com as entrevistas, para ajudar amigos, e não com o intuito de prejudicar alguém, embora Valentina tenha apontado que um colega lhe sugeriu uma atitude desse tipo. Dessa maneira, pode-se concluir que a dinâmica de correção em pares não ocorreu de forma ideal, como o esperado, mas também não incentivou na maior parte da turma um clima prejudicial de rivalidade. Pelo contrário, os estudantes tiveram a tendência de se unir, para ajudar uns aos outros. Em relação à nossa devolutiva sobre os textos produzidos pelos alunos, os alunos consideraram que ela teve papel fundamental para a melhoria dos próximos textos que deveriam produzir (excerto 67), mas muitos disseram que apenas liam os comentários e não buscavam refazer o texto. Também não tivemos tempo hábil em sala de aula para que os textos fossem reescritos, o que deve ser aprimorado em um uso futuro do percurso gamer. A qualidade dos textos será comentada em tópico mais adiante.

237

Antônia: Eu não sabia como fazer um diário de pesquisa, eu consegui aprender a fazer aquele final lá que era publicar um blog... Eu nunca tinha feito. E até os erros ortográficos você corrigia... Aí era legal, sim. Ajudou, sim. Assim que a gente chegava, na próxima vez que a gente ia, já tava corrigido, a gente sabia o que a gente errou.

Carla: Naquela parte que tava errada, a gente não esquece e não faz de novo. A gente teve devolução. Eu, pelo menos, tive. No primeiro texto, tinha muitos erros, aí esses mesmos erros não foram cometidos de novo.

Jorge: Realmente, os comentários eram muito úteis porque, pelo menos pra mim, quando eu fazia o texto, eu acho que tava faltando alguma coisa, aí você ia lá e revisava, revisava o texto e via o que tava errado. Pode ser que alguns textos eu acho que eu não reescrevi, porque eu não tava com tempo e achei que não ia conseguir acabar a tempo, foram poucas aulas, na minha opinião, para fazer isso. Então, acho que foi muito útil de verdade essa devolutiva que você fez, o feedback. Excerto 67. Comentários de Antônia, Carla e Jorge sobre devolutiva da professora-pesquisadora. Fonte: dados da pesquisa

Esses comentários mostram a importância da mediação do professor em um percurso gamer. Muitos jogos digitais educacionais podem ser utilizados de maneira independente pelo estudante. A princípio, o percurso gamer também permitiria essa autonomia, inclusive notada pelos alunos quando perceberam que poderiam fazer as atividades em casa. Entretanto, seu papel educativo somente se cumpre de maneira satisfatória se houver a devolutiva de um professor, que possa apontar se os textos estão adequados, indicando aquilo que os estudantes devem melhorar. Isto é, mesmo em um game, acreditamos que a presença do professor ainda é fundamental.

238

5.1.4. “Olha lá nossa pontuação!”

Conforme já explicitamos anteriormente sobre o desenvolvimento do material, a plataforma utilizada, própria para criação de sites e não jogos, não nos permitiu ter um sistema que retornasse automaticamente pontos ao aluno. Para contornar esse problema, utilizamos uma tabela feita por nós, representada na figura 106, com a ocultação do nome dos participantes. À medida que as atividades geravam os pontos pelos formulários Google (no caso, as questões múltipla-escola) ou pela correção em pares (produções de texto), atualizavamos a tabela, que continha uma coluna para cada atividade das missões. Entre as missões, havia uma coluna “Passou para a missão (x)?”, em que inserimos uma fórmula de funcionamento de planilhas eletrônicas, que indicava se o aluno tinha passado para a próxima missão, caso tivesse obtido os pontos suficientes.

Figura 106. Tabela de pontuação do percurso gamer. Fonte: dados da pesquisa.

Essa tabela ficava disponível no Google Sala de Aula de cada turma e poderia ser consultada por eles a qualquer momento. No entanto, para facilitar a atribuição de pontos em sala de aula, eu já a deixava em nosso computador, que estava projetado no telão. Dessa maneira, ao invés de consultar a tabela em seus computadores, os alunos criaram o hábito de conferir seus pontos no telão, como se 239

fosse um placar, trocando ideias e, algumas vezes, competindo entre si ou mesmo desejando nos desafiar, conforme veremos a seguir. Logo na primeira aula da Turma B, atribuimos as primeiras pontuações, que apareceram na tela projetada. A primeira resposta veio de Vanessa (excerto 68), sobre a atividade de pesquisa sobre o Camboja. Tratava-se de um formulário múltipla-escolha:

Vanessa: Professora, quantos pontos eu fiz? Juliana: Zero. Vanessa: Não acredito! Excerto 68. Interação de Vanesa em sala de aula sobre os pontos, Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Em uma atividade escolar comum do curso, anteriormente à aplicação da pesquisa, quando um aluno errava, ele sequer se importava em corrigi-la ou em saber qual foi seu erro. No percurso gamer, a situação foi diferente. Vanessa, por exemplo, rapidamente se animou e se sentiu desafiada a fazer mais pontos, pois não queria que sua pontuação em zero ficasse exposta no telão. O mesmo aconteceu com outros alunos. Muitos tiravam apenas um ou dois pontos, mas não se conformavam e tentavam de novo, até que conseguiam pontuações melhores, tal como comemoram Laura e Mavi (excerto 69):

Laura: Cinco de cinco! Mavi: Olha, a gente acertou tudo isso! Excerto 69. Interação de Laura e Mavi em sala de aula sobre os pontos, Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Carla, que achava tudo difícil, surpreendeu-se novamente: “Nossa professora, até a ordem das questões e das respostas é diferente!”, em uma tentativa de copiar a amiga do lado. Mas após muito pesquisar, conseguiu tirar cinco pontos, o total da atividade. Luna levantou-se da cadeira mais de uma vez, dizendo “Deixa eu conferir como estão os pontos”, ao se aproximar da tela projetada. Muitos deles olhavam para o telão para ver quais colegas já haviam enviado as respostas e quantos pontos haviam tirado. Ninguém se conformava com zero e quando alguém 240

fazia cinco pontos, era motivo de comentário. Eles também gostavam de exibir seus pontos, assim como fez Raj (excerto 70):

Raj: Olha lá nossa pontuação! Juliana: Tiraram quatro! Excerto 70. Interação de Raj em sala de aula, sobre os pontos (2), Turma B, Aula 1, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Como podemos perceber, mais do que obter a pontuação, os alunos gostavam de anunciá-la em voz alta, inclusive, para que pudessem nos surpreender com seus desempenhos satisfatórios. Era perceptível que eles estavam realmente preocupados com a pontuação, algo que não achamos que seria tão relevante, pois o mais empolgante seria a narrativa da heroína. Esse dado foi confirmado pelas entrevistas, nas quais os alunos relataram o engajamento pelos pontos, devido à sensação de competitividade e vontade de ganhar (excerto 71):

Raj: [Os pontos] me incentivaram, porque como qualquer coisa que a pessoa entre pra fazer, ela quer se o melhor. A partir do momento que tem os pontos que podem determinar pra você ser o melhor, isso te incentiva sempre.

Luna: Ah, os pontos eles incentivam mais a gente fazer, tipo, "Ah, eu quero passar de missão, porque eu quero ganhar pontos, quero ficar em primeiro". Incentiva muito você a pesquisar e fazer mais coisas.

Carla: Acho que os pontos era muito de a gente tentar saber o quanto a gente está relacionado com os outros, se a gente tá abaixo, ou tá acima.

Mariana: Eu achei legal, porque você entra, tem uma pessoa na frente, então você fala "Ah, eu to mais pra trás, então vou dar uma acelerada". Vira meio que uma disputa pra ver quem vai primeiro. Legal. Eu gosto desse negócio de competitividade, me dá um ânimo, tipo "Ai, tenho que fazer", sabe. Eu gosto. Eu refiz todos.

Excerto 71. Comentários de Raj, Luna, Carla e Mariana sobre a pontuação. Fonte: dados da pesquisa

241

Na turma A, mais tímidos que a Turma B, a atividade demorou a conquistá-los, mas, novamente, os pontos mostraram-se como foco do interesse inicial dos alunos. Assim que saíram as primeiras pontuações baixas, eles se animaram a tentar novamente. Nesse momento, explicamos sobre a tabela de pontuação e dissemos que poderiam consultá-la. Percebendo que a tabela de pontuação mostrava também os resultados da outra turma (turma B), muitos começaram a olhar a tabela e ver quantos pontos os colegas tinham conseguido. “Nossa, ninguém passou para a missão 2 ainda, que difícil!”, foi um dos comentários. Foi então que um caso curioso aconteceu. Will percebeu que, ao final da Missão 1, havia um enigma para ser solucionado, o que lhe permitiria passar para a Missão 2. Portanto, mais interessado no enigma que no restante das atividades, Will não conseguia fazer outra coisa. Tentava de todo modo solucionar o enigma, resolver o mistério. O enigma (figura 107) estava relacionado a uma das informações que eles muito provavelmente teriam encontrado na primeira tarefa de pesquisa, pois sua resposta é “Império Khmer”, algo relativo à história do Camboja.

Figura 107. Enigma, Missão 1, em Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/missao-1. Acesso em: 25 set. 2019.

Will não compreendia que fazendo as outras tarefas teria embasamento para solucioná-lo, pois preferia se concentrar no desafio. Essa atitude de Will nos revela um dos perfis de jogador. De acordo com Bartle (1996), este aluno teria o perfil de explorador, aquele que gosta de interagir com o mundo do game, descobrir áreas secretas, encontrar itens raros. Enquanto a maioria preferia seguir a 242

sequência pré-planejada, ele já explorava novos caminhos e queria vencer um desafio que para ele parecia muito mais interessante. Foi então que dissemos: “Você está vendo que se tiver cem moedas de ouro você pode comprar uma dica? Para ter cem moedas, basta ter dez pontos”. Nesse momento, ele tinha apenas nove pontos entre a tarefa de pesquisa e o quiz da notícia, portanto, bastaria fazer o texto do diário de pesquisa para conseguir mais pontos, mas ele permanecia firme, preferia solucioná-lo. A situação de Will nos mostra um impasse a respeito do conflito entre a lógica escolar e a lógica dos games. Embora o caminho de Will seja perfeitamente natural para um jogo, ele não é o caminho mais esperado pelo professor. Se ele solucionasse o enigma antes de completar a tarefa de fazer um texto para seu diário de pesquisa, prosseguiria sem fazê-lo? Embora o objetivo do game esteja sendo cumprido de forma lógica, o objetivo educacional e de Língua Portuguesa não, pois estava prevista a importância da produção textual. Depois de informar que ele poderia obter os pontos a partir da tarefa de produção textual, Will escreveu o texto (excerto 72), mas este correspondia a uma cópia do texto de Coraline, sua amiga que sempre se sentava ao lado. Depois de confrontá-lo, ele disse que havia escrito em dupla com a colega, mas foi perceptível seu interesse em apenas passar de missão. Seu objetivo era vencer o game, o que também pode ser associado ao jogador do tipo conquistador. Seguindo o ritmo de obter os pontos logo, Will costumava sempre estar à frente dos demais, tendo terminado o percurso com setenta e oito pontos. Mas, como vimos no tópico sobre as regras anteriormente, Coraline confessa que na correção em pares costumava dar mais pontos para o amigo do que seu texto realmente merecia. Também podem ser notados alguns trechos de cópia de um blog50 de curiosidades sobre o Camboja.

Quando acordei no hospital descobri que Carter Bell estava desaparecido, o professor Von Croy disse que eu o deixei no Camboja, mas não me recordo de nada. Agora, voltarei para Camboja para tentar achar Carter. Fiz algumas algumas pesquisas sobre o local, não descobri muita coisa mas sei que o Camboja é um país bem histórico, localizado no sudeste asiático, a capital e maior cidade do Camboja é Phnom Penh. Os cambojanos costumam se referir a seu

50 Disponível em: https://saber-curiosidades.blogspot.com/2020/07/15-curiosidades-e-fatos- surpreendentes.html. Acesso em: 07 set. 2020. 243

próprio país como “Terras do Khmers”. A civilização Khmer tinha fortes influências chinesas e indianas, e a sua religião predominante era o hinduísmo, atualmente o budismo é a religião predominante entre os cambojanos, ele é praticado por 95% da população. A pobreza ainda é muito grande no Camboja, parte da população vive em palafitas às margens dos rios. O alimento principal da culinária cambojana é o arroz, ingrediente presente nas três refeições diárias. Um dos pratos mais populares é o kuy teav, uma sopa de massa de arroz prepara com vegetais e carne de porco. Excerto 72. Texto de Will, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

Como vemos, no caso de Will, os pontos criaram o desejo de exploração e vencer, mas isso acabou impactando em suas produções textuais, feitas a qualquer modo, apenas para passar de fase. Isso nos indica que, em um percurso gamer, os pontos podem criar situações indesejáveis sob a ótica educacional. Por essa razão, assim como suspeitávamos, talvez não seja necessário atribuir um sistema de pontos em percurso gamer, que crie o clima de competição. Somente a história já poderia ser suficiente para promover o engajamento. Exemplo disso é que, nas entrevistas, alguns alunos apontaram não ter se importado muito com os pontos (excerto 73):

Valentina: No começo, tava me importando bastante, mas aí depois eu... Ah, sei lá, o ponto não fazia muita diferença. Eu aprendi bastante, então o ponto pra mim não fez muita diferença não. No começo eu tava me importante bastante, eu refiz um lá umas três vezes.

Jorge: Na minha opinião, sendo sincero, foi desnecessário. Eu não utilizei os pontos pra nada, eu não fiz nada com eles. Nem me importava com eles. Eu fui na aula, fiz porque eu gostava daquilo, eu não fiz por causa dos pontos. Porque o fato de você dar a dica por 10 pontos, pra mim ficava "Nossa, mas não é um desafio? A gente não tem que descobrir?". Excerto 73. Comentários de Valentina e Jorge sobre a pontuação. Fonte: dados da pesquisa

Valentina indica em sua fala a não importância com os pontos, devido ao aprendizado proporcionado. Já Jorge menciona o engajamento por gostar do 244

percurso gamer, isto é, mostra ter se envolvido com a narrativa e as missões propostas, de modo que os pontos tornaram-se objetivos secundários. Este aluno também descontrói a ideia de que os pontos podem ser úteis a alguma recompensa no game, pois acredita que dicas para os enigmas dissolveriam a sensação de resolver um desafio. Dessa maneira, tendemos a concordar com Jorge, de que os pontos não devem ter caráter principal em um material que se proponha a utilizar a lógica gamer. Especialmente para os propósitos do ensino de Língua Portuguesa, o engajamento deve ser promovido prioritariamente pela narrativa, ainda que possam existir pontos que auxiliem na avaliação. Apesar de na entrevista não ter se mostrado adepto aos pontos, em uma determinada atividade da segunda aula da Turma A, Jorge fez uma contribuição muito interessante em relação ao que poderia ser modificado na pontuação do percurso gamer. Muitos alunos pulavam as atividades de exploração do Google Maps, quando Lara Croft deveria traçar novas rotas até sua próxima missão, em mapas online do Camboja. Essas atividades não valiam pontos e serviam apenas para que os estudantes pudessem fazer uma imersão geográfica no Camboja. O aluno sugeriu, então, que essas atividades deveriam valer pontos e ser mais desafiadoras, por exemplo, pedir para que eles advinhassem, a partir de dicas e coordenadas, onde ficavam as próximas cidades. Esse foi um dos enigmas disponibilizados no material, mas Jorge acreditava que sempre deveria haver esse desafio para ser solucionado com o mapa.

5.2. Situação de produção dos textos, mundos imersivos e encarnação de personagens

Neste tópico, faremos a análise sobre as influências do mundo imersivo da arqueologia e da encarnação da personagem Lara Croft sobre a produção de textos dos alunos.

5.2.1. “Eu nem imaginava que existia o Camboja”

Já exploramos nesse capítulo como a estética do percurso gamer contribui para a imersão no mundo criado, ajudando os alunos a sentirem-se no 245

Camboja e colocarem-se no papel de Lara Croft. Agora, vamos explorar o mundo imersivo do ponto de vista das atividades educacionais, buscando analisar como elas contribuíram para que os estudantes pudessem ter a experiência profissional de arqueólogos. Parte dessa experiência estava atrelada ao envolvimento com a narrativa, que comentaremos a seguir. Apesar de o material ter sido pensado para o ensino de Língua Portuguesa, não se resumiu ao aprendizado de textos, pois a escolha da narrativa se passar no Camboja instigou os estudantes a conhecer mais esse país, distante da nossa cultura. Nas entrevistas, os alunos mencionaram que esta narrativa contribuiu para dar sentido às atividades, mas também para aprender sobre o local (excerto 74):

Wagner: Não é mais aquela coisa "Tem aqui o tema e faz as questões". Deu uma história, deu um objetivo pra gente.

Carol: É uma coisa que a gente não costuma fazer, tipo, "Ah, pra que tem a ver isso?". Lá, a gente precisou.

Coraline: A gente teve um rumo pra seguir, não ficou aleatório, a gente sabia como começar.

Raj: Foi interessante, porque o aluno que tinha que chegar a um objetivo. [...] Não é um país muito comum assim pras pessoas... pras pessoas viajarem. É um país que meio que tem no nome a aventura.

Antônia: Foi legal o negócio de Camboja, que a gente não conhece nada sobre lá. Aí você acabou vendo que tem vários daqueles negócios... aqueles desenhos. Tudo feito há muito tempo, né?

Arya: Foi bom, porque foi uma maneira também da gente conhecer o lugar, algumas coisas típicas de lá, tipo os templos. Porque é uma maneira de ela estar descobrindo um mundo, vamos dizer, do Camboja, ao mesmo ela está se divertindo e tá sempre adquirindo conhecimento.

246

Douglas: Se a gente tivesse em aula aqui e falasse sobre o Camboja, ninguém ia prestar a atenção. Excerto 74. Comentários de Wagner, Carol, Coraline, Raj, Antônia, Arya e Douglas sobre a narrativa no Camboja. Fonte: dados da pesquisa.

Wagner, Carol, Coraline e Raj apontam que ter uma narrativa deu finalidade às atividades, como se fossem tarefas do mundo real. Utilizando o conceito de Gee (2014), poderíamos dizer que o material permitiu a vivência de experiências incorporadas. O mundo imersivo criado não apresentou apenas fatos e conteúdos para os alunos memorizarem, mas os colocou para enfrentar situações novas, em posição ativa. A fala de Douglas confirma nossa análise, ao dizer que “ninguém ia prestar a atenção” se explicássemos sobre o Camboja, isto é, o interesse se deu pela imersão e não somente pelo tema. Raj ainda diz que a escolha do país proporciona a ideia de aventura, indicando a presença da lógica gamer no aprendizado, já que Lara Croft é também uma aventureira. As falas de Antônia e Arya também enfatizam a importância de ter conhecido a cultura cambojana, como os templos antigos que ali existem. Na terceira aula da turma A, Mário também fez uma consideração similar (excerto 75):

Mário: Eu achei bem legal, eu nem imaginava que existia o Camboja. Você começa a imaginar o que aconteceu com o cara lá, você começa a imaginar como era naquele tempo, como era a população, essa época em que um povo ficava querendo destruir o outro. Excerto 75. Interação com Mário em sala de aula sobre a narraiva no Camboja. Turma A, Aula 3, 25/09/2017. Fonte: dados da pesquisa.

A nosso ver, Mário resume em sua fala a experiência de imersão no percurso gamer, pois indica que, mesmo sem nem sequer saber que existia o Camboja, conseguiu imaginar o que acontecia na época de criação dos templos, assim como o que está acontecendo com os personagens no momento em que Lara Croft vive os acontecimentos, em busca de Carter Bell. Kai também sintetiza o mesmo sentimento na entrevista:

247

Kai: Eu achei legal, porque dava a impressão de que a gente tava vivendo mesmo. Excerto 76. Comentário de Kai sobre a imersão no percurso gamer. Fonte: dados da entrevista.

Como argumentamos na criação do percurso gamer, essa imersão tinha a intenção de mobilizar determinados letramentos de uma dada esfera social. Em nosso caso, criamos um mundo imersivo voltado para a arqueologia, mobilizando certas práticas profissionais do universo arqueológico, como relembramos no quadro 10, a seguir, já apresentado anteriormente:

Missão Eixo de Gênero Atividade Prática profissional do ensino universo arqueológico 1 Leitura Diversos Pesquisar sobre Levantamento de o Camboja informações sobre o sítio arqueológico 1 Leitura Notícia Ler sobre a Levantamento de cidade perdida informações sobre o sítio de arqueológico Mahendraparvata 1 Leitura Notícia Identificar Levantamento de informações da informações sobre o sítio notícia arqueológico 1 Escrita Diário de pesquisa Relatar o que Levantamento de aconteceu com informações sobre o sítio Carter Bell e as arqueológico informações encontradas 1 Leitura Mapa Traçar uma rota Levantamento de a informações sobre o sítio Mahendraparvata arqueológico 2 Leitura Diário de pesquisa Descobrir uma Levantamento de pista de Carter informações sobre o sítio Bell arqueológico 2 Leitura Artigo Conhecer o povo Levantamento de enciclopédico khmer informações sobre o sítio arqueológico 2 Escrita Resumo Sintetizar o Levantamento de conteúdo do informações sobre o sítio artigo arqueológico enciclopédico 2 Escrita Diário de pesquisa Escolher Trabalho de campo descrições adequadas para o diário de pesquisa 2 Escrita Diário de pesquisa Relatar e Trabalho de campo documentar a escultura de elefante 248

encontrada em Mahendraparvata 2 Leitura Mapa Traçar rota a Levantamento de Angkor Wat informações sobre o sítio arqueológico 3 Leitura Videorreportagem Conhecer Angkor Levantamento de Wat e o povo informações sobre o sítio cambojano arqueológico 3 Escrita Conversa em Conversar com o Levantamento de aplicativo de professor Von informações sobre o sítio mensagens Croy sobre a arqueológico videorreportagem 3 Leitura Galeria de fotos Descobrir quais - locais do Brasil são Patrimônios Mundiais 3 Leitura Fotorreportagem Conhecer mais Levantamento de sobre o Camboja informações sobre o sítio e a ditadura do arqueológico Khmer Vermelho 3 Leitura Fotorreportagem Relacionar Divulgação das imagens a temas descobertas encontradas 3 Escrita Fotorreportagem Construir um Divulgação das tema sobre descobertas encontradas Angkor Wat 3 Escrita Diário de pesquisa Relatar e Trabalho de campo documentar escultura de apsarás encontrada em Angkor Wat 3 Leitura Diário de pesquisa Escolher o relato Trabalho de campo mais adequado para um diário de pesquisa 3 Leitura Mapa Traçar rota a Ta Levantamento de Prohm informações sobre o sítio arqueológico 4 Escrita Comentário de blog Produzir plano de - emboscada para os inimigos 4 Leitura Mapa Traçar rota a - Londres 4 Leitura Relatório de Ler modelos de Coleta, tratamento e pesquisa relatórios de análise dos artefatos pesquisa arqueológicos 4 Escrita Relatório de Analisar as Coleta, tratamento e pesquisa descobertas análise dos artefatos encontradas arqueológicos 4 Leitura Artigo de Ler modelo de Divulgação das divulgação artigo científico descobertas encontradas científica com com infográfico infográfico 4 Escrita Artigo de Divulgar ao Divulgação das 249

divulgação mundo as descobertas encontradas científica com descobertas infográfico arqueológicas encontradas Quadro 10. Resumo das atividades do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja. Fonte: original.

Nas entrevistas, após a aplicação do percurso gamer, os alunos evidenciaram que o material proporcionou o aprendizado da profissão, principalmente pelo incentivo à exploração e descoberta (excerto 74):

Nick: Foi uma coisa num estilo muito diferente e acredito que a gente conseguiu aprender mais sobre a história, aprender sobre a profissão, de ver que é uma coisa importante. Eles descobriram muitas coisas, eu achei muito interessante mesmo como um todo.

Tsuyoi: Achei muito empolgante, porque estimula realmente os alunos a pesquisar e ler. Porque geralmente isso não acontece, principalmente em escolas, porque geralmente eles instruem o trabalho, mas geralmente as pessoas nem lê, copia e imprime. Então, achei interessante por essa questão de pesquisa mesmo. E ler, realmente ler. A gente tinha que ler bastante, porque acho que não era só você entrar em um site ali, ler e falar "Nossa é isso daqui". A gente tinha que saber o porquê daquilo, localização incertas, sendo que tem o Google Maps e tal.

Carla: Você fica pesquisando e tentando achar a resposta, foi bem complicado, mas esse mistério deu um "up" a mais no jogo, que diferencia, sabe, dos outros.

Luna: Foi interessante. Deixa tudo mais, sei lá, às vezes tem coisa que a gente não sabia e acabou descobrindo. Foi bem diferente. Excerto 77. Comentários de Nick, Tsuyoi, Carla e Luna sobre exploração e descoberta. Fonte: dados da pesquisa.

Nick menciona diretamente a relação com a profissão de arqueóloga, afirmando que pôde aprender mais sobre ela. Já a fala de Tsuyoi é particularmente importante, pois o aluno aponta que, muitas vezes, a escola propõe pesquisas que não incentivam os estudantes a buscar algo relevante. Os alunos acabam apenas 250

copiando, colando e imprimindo algo da internet para entregar ao professor. A seu ver, o percurso gamer proporcionou a oportunidade de realmente fazer uma pesquisa, que demandava leitura. Logo, é possível inferir, que os alunos mobilizaram um letramento da prática profissional arqueológica, comum às outras áreas científicas, o movimento de pesquisar para descobrir, conhecer e interpretar. A atividade que mais os incentivou à pesquisa estava localizada no início do percurso gamer, quando Lara Croft acorda sem memória no hospital, com a ausência do amigo Carter Bell. Como já vimos, o primeiro objetivo da Missão 1, “Mistérios do Sudeste Asiático”, consistia em fazer uma pesquisa sobre o Camboja e, em seguida, responder a um formulário que valia até 5 pontos. Essa atividade simulava o levantamento de informações sobre o sítio arqueológico. O formulário contém uma série de afirmações sobre o país, explorando sua geografia, história, cultura e arte. Para respondê-lo, era necessário marcar verdadeiro ou falso e só conseguiriam fazê-lo se aprofundassem a pesquisa no Google. Ao observar o que eles faziam no computador durante a primeira aula das duas turmas, vimos que estavam realmente empenhados em fazer a pesquisa. Naquele momento, os alunos se concentravam em acessar links sobre o Camboja. Como é de se imaginar, pensamos que adolescentes com computadores acessariam redes sociais e poderiam se dispersar da atividade. Essa atitude demonstra que o material conseguiu instigar o foco na tarefa proposta. Como em um game, o jogador se manteve concentrado em cumprir a meta. Portanto, podemos inferir que o leitor não ficou disperso, como ocorre em outras práticas da cultura digital. Apesar do foco típico de uma tarefa de game, um aspecto interessante é que eles não passavam muito tempo em cada página web. Acessavam diversos links, fazendo leituras rápidas, como faz realmente o leitor-navegador do século XXI. Eles não só acessavam as páginas de texto, como também faziam diversas pesquisas de imagem e vídeo, navegando rapidamente por uma infinidade de conteúdos. Antônia, por exemplo, como demonstram as figuras 108 e 109, optou por fazer um fichamento de textos, ao acessar o artigo sobre o Camboja na Wikipédia, selecionar trechos que julgava importantes, copiá-los para um arquivo Google Docs, para, em seguida, compará-los com as afirmações da atividade. Neste caso, a aluna 251

selecionou a afirmação “Quase a metade da população tem idade inferior a 15 anos”.

Figura 108. Antônia em pesquisa sobre o Camboja, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 109. Antônia organizando informações sobre o Camboja em um Google Docs, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

252

A mesma aluna ainda buscava também por imagens do Camboja, para tentar responder a questão sobre a estética dos templos (figura 110):

Figura 110. Antônia buscando imagens sobre o Camboja, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Além da estratégia tradicional de busca, leitura e seleção de informações, outros alunos, como Válter, utilizavam estratégias mais próprias da cultura digital, como a pesquisa direta das afirmações completas do formulário, através do recurso “Pesquisa Google” (figura 111), ao se clicar com o botão direto do mouse, e da busca por imagens, na qual era possível inserir diretamente no buscador uma das fotografias do quiz (figura 112) e então descobrir se a estética do templo era própria da cultura cambojana.

253

Figura 111. Válter em pesquisa sobre o Camboja a partir do formulário, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 112. Válter em pesquisa sobre o Camboja, utilizando o recurso de busca por imagem, Aula 1, Turma B, 21/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Cada estudante desenvolveu, portanto, suas estratégias de exploração. Preferencialmente, eram lidas páginas da Wikipédia, mas alguns alunos também 254

liam blogs de viagem sobre o Camboja, como podemos ver na captura de tela de Jorge (figura 113):

Figura 113. Jorge em pesquisa sobre o Camboja, fazendo leitura de blog de viagem, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Dessa maneira, podemos perceber que eles se envolveram especialmente com a atividade de levantar informações sobre o sítio arqueológico, motivada possivelmente pela lógica gamer de descobrir o que aconteceu com Carter Bell ou ganhar pontos, como vimos no tópico anterior de análise. Seja por um dos motivos apontados, a atividade proporcionou o interesse dos estudantes, a partir da imersão. Em relação às demais práticas do universo arqueológico, é possível comentar ainda sobre a interface com o trabalho de campo, simulado no percurso gamer a partir da descoberta de artefatos e a solicitação de escrita dos diários de pesquisa. Nas entrevistas, os estudantes comentaram o que pensaram sobre os diários e como isso se relaciona à profissão:

Luna: Eu conheci gêneros que a gente não conhecia também, por exemplo, power point, pra mim, eu nunca tinha feito. Diário de pesquisa também, eu nunca tinha feito nesse modelo. 255

Mariana: É, foi uma experiência bem legal, tipo, fazer aqueles diários, sabe. E lá precisou porque tinha "Alguém vai ler depois", "Ah, como alguém vai saber...".

Carla: Pra mim, foi muito bom, porque voltou a ideia de ter um diário, que seria voltar à minha infância e, no final, você se sente uma jornalista, sabe. Você vai escrevendo e aprende.

Jorge: Foi muito legal você poder imaginar como é ser uma historiadora, uma arqueóloga, você pode bancar, no sentido de parecer ser, desenvolver um texto como se fosse ela pra um pessoal amigo dela. Foi muito interessante você ter que pesquisar sobre as coisas pra poder resolver o mistério. Excerto 78. Comentários de Luna, Mariana, Carla e Jorge sobre diários de pesquisa e a prática arqueológica. Fonte: dados da pesquisa.

Luna indica a experiência inédita de fazer um diário de pesquisa, o que se tornou um aprendizado. Já Mariana aponta um aspecto relevante quando percebe que tinha que escrever os diários porque tinha a intenção de que “Alguém vai ler depois”. Como argumentaram Schneuwly e Dolz (2004), os textos produzidos na escola sempre serão de algum modo uma simulação daqueles que circulam na sociedade, pois são produzidos por um propósito motivado para a situação de aprendizagem. No entanto, é fundamental construir uma situação de produção em que os estudantes tenham finalidades e interlocutores bem definidos, evitando a escrita tipicamente escolar, a exemplo das antigas dissertações, narrações e descrições. De acordo com o que propõe Maingueneau (2019), podemos dizer que se trata da construção da cena da enunciação, composta pela cena englobante (tipo de discurso), cena genérica (gênero) e a cenografia (ethos discursivo51). Nesse caso, Mariana aponta que compreende a cena da enunciação, pois entende que, dentro do mundo imersivo criado e a partir da narrativa desenvolvida, ela tinha que escrever os diários com a finalidade de que depois seriam adaptados para a divulgação científica das pesquisas de Lara Croft. Carla e Jorge confirmam que a produção desses diários fez com que se sentissem como uma “jornalista”, “historiadora”, “arqueóloga”. Carla confundiu que

51 A análise sobre o ethos discursivo será realizada em maior profundidade no próximo subtópico. 256

Lara seria uma jornalista, mas sua ideia não está totalmente equivocada, já que a ideia de produzir artigos de divulgação científica ao final da jornada é também tarefa do jornalista científico. De qualquer modo, Jorge resume que o objetivo de proporcionar a imersão na prática profissional arqueológica foi cumprido, ao menos para ele. Quando diz que “Você pode bancar, no sentido de parecer ser, desenvolver um texto como se fosse ela”, Jorge aponta em suas palavras como funcionou a simulação de ter essa profissão e escrever textos como Lara Croft, aspecto que exploramos em maior profundidade no próximo subtópico. Resta-nos avaliar se tais premissas de simular ser um arqueólogo também podem ser observadas nos textos produzidos. Para isso, analisaremos os diários das missões 1 e 2 de Valentina e Douglas, que apresentaram duas condutas diferentes em relação à escrita. O primeiro diário de Valentina (figuras 114 e 115, excerto 79) teve o seguinte resultado:

Figura 114. Captura de tela de texto de Valentina, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 115. Captura de tela de texto de Valentina (continuação), Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa. 257

Diário de pesquisa Missão 1 11/09/2017

Estou a caminho de Camboja,numa cidade perdida que se chama Mahendraparvata,irei numa missão de encontrar o meu amigo Carter,eu não faço ideia do que aconteceu com ele,e estou muito preocupada. Fiz muitas pesquisas sobre essa cidade perdida,para ver o que estaria me esperando por lá. Até agora sei que nesta cidade foram encontrados vários templos antigos,esses são alguns que eu achei: (imagens) Mahendraparvata fica localizada a 40km ao norte do Angkor Wat,que é o maior e mais bem preservado templo dessa região. A língua oficial do país é a Khmer,então irei ter um pouco de dificuldades. Mas com certeza vou me virar. Camboja está localizado na Ásia e faz fronteiras com a Tailândia com o Laos e com o Vietnã. Seu clima é tropical,que é uma coisa que eu gosto muito,é melhor estar em missões onde o clima é agradável,não que eu esteja gostando de ir nessa missão,já que o ponto dela é meu amigo estar perdido. Então estou indo para essa cidade misteriosa e espero encontra-lo bem. Excerto 79. Transcrição de texto de Valentina, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

No primeiro diário de pesquisa, os estudantes deveriam fazer um pequeno relato do que aconteceu com Carter Bell e escrever um resumo das principais informações encontradas na pesquisa sobre o Camboja, assim como as lidas na notícia sobre Mahendraparvata. Analisaremos a incorporação da personagem Lara Croft no próximo tópico. Neste momento, avaliaremos a aproximação com a prática arqueológica. Também ressaltamos que não é nosso foco nesta pesquisa discutir apropriações do português padrão, como adequações às normas ortográficas e gramaticais, portanto, serão desconsiderados supostos desvios dos textos dos estudantes, em razão do nosso recorte temático52.

52 Apesar da desconsideração na análise, esse tipo de informação foi considerada na avaliação formativa dos estudantes durante as aulas e teve devolutiva da professora-pesquisadora, na forma de correção dos textos e mediações individuais nas tarefas de escrita. 258

Valentina, apesar de trazer alguns momentos de linguagem informal, como “vou me virar”, mostra ter trazido reflexões como se estivesse realmente levantando informações sobre o sítio arqueológico, pois associa dados sobre a língua e o clima ao que poderia enfrentar em sua expedição ao Camboja. Seu texto também traz imagens, como fotos de templos e um mapa de Mahendraparvata, assim como vimos em Oliveira et al (2013) ser comum nos diários de pesquisa arqueológicos, bastante multissemióticos ao incluir desenhos, croquis e fotografias. Vejamos agora o outro diário da mesma aluna (figura 116 e excerto 80):

Figura 116. Captura de tela de texto de Valentina, Diário de pesquisa, Missão 2. Fonte: dados da pesquisa.

Diário de Pesquisa 25/09/2017

Hoje enquanto estava procurando por pistas sobre Carter,encontrei uma das esculturas que ele se referiu em seu diário,e não entendi como ele não tinha documentado essa escultura! Mas talvez ele não teve tempo,nao sei. É uma escultura incrível, me deparei com ela em Mahendraparvata no meio da floresta. Ela retrata um elefante e foi todo esculpida em pedras, apesar de todo esse tempo que se passou ela ainda está em um bom estado,apenas coberta de musgos por estar no meio da floresta. Essa escultura retrata o quanto os povos antigos apreciavam esse animal. Excerto 80. Transcrição de texto de Valentina, Diário de pesquisa, Missão 2. Fonte: dados da pesquisa.

259

Em seu segundo diário de pesquisa, registrado na Missão 2, a aluna faz apreciações sobre a escultura de elefante encontrada, apontando características da documentação arqueológica como “esculpida em pedras”, “em um bom estado” e “coberta de musgos por estar no meio floresta”. Tais informações deveriam ser identificadas primeiramente em um quiz, em formato de formulário de observação arqueológico, para posteriormente serem aproveitadas no diário. A aluna conclui tais informações e as aproveitou em seu diário, fazendo ainda uma inferência não apresentada no material: “Essa escultura retrata o quanto os povos antigos apreciavam esse animal”. Valentina infere que se havia uma escultura de elefante, este animal deveria ser valorizado pelo povo que habitava a região, possivelmente uma divindade, por exemplo. O mesmo não aconteceu com todos os estudantes. Douglas assim registrou seu primeiro diário (figuras 117 e 118, excerto 81):

Figura 117. Captura de tela de texto de Douglas, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa. 260

Figura 118. Captura de tela de texto de Douglas (continuação), Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

Acordei no hospital, ainda estou meio tonta, soube sobre o sumiço de meu amigo pesquisador Carter, Professor Von Croy me informou que estávamos no Camboja em uma expedição . Preciso ir procura–lo! Em minhas pesquisas descobri que oficialmente Reino do Camboja é localizado na porção sul da península da Indochina, no Sudeste Asiático. Sua área territorial é de 181 035 km², fazendo deste o 88.º maior do mundo em área. Faz fronteira com a Tailândia a noroeste, com o Laos a nordeste, com o Vietnã a leste e com o Golfo da Tailândia na porção sudoeste. Com uma população estimada em pouco mais de 15 milhões de habitantes, o Camboja é o 68.º país mais populoso do mundo tendo o budismo como religião oficial, praticado por cerca de 95% da população cambojana. Os grupos étnicos minoritários incluem vietnamitas, chineses, chams e outras trinta tribos. A capital e maior cidade é Phnom Penh. O reino é uma monarquia constitucional, tendo Norodom Sihamoni como representante. O chefe de governo é Hun Sen, que governa o Camboja há mais de 25 anos. 261

Acredito que nos estivessimos pesquisando algo sobre as Ruinas das cidades perdidas no Pais, como por exemplo A cidade se Mahendraparvata recentemente encontrada. Excerto 81. Transcrição de texto de Douglas, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

O estudante apenas repetiu no primeiro parágrafo, com suas palavras, um trecho da narrativa criada para o percurso gamer e, em seguida, inseriu trechos de cópia da Wikipédia, que podem ser evidenciados inclusive pela presença dos links do artigo enciclopédico, que não foram retirados pelo aluno. Neste caso, não houve a reflexão de uma pesquisadora sobre os acontecimentos ocorridos e as pesquisas realizadas, apenas uma lista de informações sobre o Camboja. Apesar disso, houve progresso de Douglas, que em seu segundo diário de pesquisa (figura 119 e excerto 82) já conseguiu fazer reflexões mais aprofundadas, afinal o aluno também infere a importância do elefante para o povo khmer, assim como a razão dos musgos, devido à “grande umidade da floresta”:

Figura 119. Captura de tela de texto de Douglas, Diário de pesquisa, Missão 2. Fonte: dados da pesquisa.

262

Diário de pesquisa, dia 25 de setembro.

Acabei de encontrar em Mahendraparvata, uma maravilhosa escultura talhada em uma pedra de um elefante, animal possivelmente admirado e respeitado pelos khmer.

Localizada em meio a selva, está em ótimo estado porém cercada de musgos em função de estar perdida à séculos e a grande umidade da floresta.

Acredito que posso usar informações deste monumento histórico para um futuro artigo.

Excerto 82. Transcrição de texto de Douglas, Diário de pesquisa, Missão 2. Fonte: dados da pesquisa.

Em relação à divulgação das descobertas encontradas, última etapa da pesquisa arqueológica, os estudantes produziram dois blogs de divulgação científica: Explorando a Ciência (figura 120), na turma A; e Ciência em Foco (figura 121), na turma B. Cada turma foi dividida em dois grupos de pesquisadores. Um deveria escrever um artigo sobre Mahendraparvata e o outro sobre Angkor Wat, ambos no Camboja. Como recorte de análise, comentaremos os dois artigos sobre Mahendraparvata.

263

Figura 120. Blog Explorando a ciência, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

264

Figura 121. Blog Ciência em Foco, Turma B. Fonte: dados da pesquisa.

Para a criação dos blogs, foram utilizados modelos pré-prontos para personalizar, disponíveis no site Wix, que também utilizamos em nosso percurso gamer. Em grupos, os estudantes escreveram juntos os textos no Google Docs e, posteriormente, postaram no blog. A tarefa também consistia em agregar ao texto imagens ou vídeos e a produção de um infográfico sobre a cidade. Ao final, os alunos personalizaram o site como queriam. Ambos escreveram uma descrição “Sobre nós” em que se colocam como estudantes do curso e apresentam a “novidade” das aulas de Língua Portuguesa: “nossas aulas de português, onde o aprendizado é transmitido através de um jogo baseado em Lara Croft” (Turma A). O grupo da turma A produziu o seguinte texto, conforme figura 122 e transcrição completa em excerto 83: 265

Figura 122. Artigo de divulgação científica, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

Mahendraparvata, uma viajem cheia de aventuras e imaginação!

22.10.2017

Turma A - 2017

Olá internautas, que está lendo este artigo agora! Vamos fazer você viajar bem longe da sua casa e da sua cama, mas sem sair dela, gostou da ideia? Agora vamos começar a nossa pequena viagem, vá pra um lugar que você não seja atrapalhado na sua leitura de aventura. A cidade que vamos passear é Mahendraparvata. Ela era uma cidade que se encontrava a 40 km ao norte do complexo de Angkor Wat. A cidade foi fundada em 802 d.C. Ela precede Angkor Wat em 350 anos. Suas 266

origens podem ser traçadas até o reinado de Jayavarman II, considerado o fundador do Império Khmer. Seu reino foi consagrado na montanha sagrada de Mahendraparvata, conhecida como Phnom Kulen, no moderno Camboja. Agora vou fazer você imaginar uma montanha enorme, com uns aspectos de antiguidade na aparência! Imaginou? Vamos continuar a nossa viagem, Mahendraparvata é uma cidade esquecida no meio da floresta da Camboja, ela foi encontrada pela arqueólogo Damian Evans da Universidade de Sydney e Jean-Baptiste Chevance, da Fundação para Desenvolvimento e Arqueologia de Londres. Pensando juntos agora! Uma equipe enorme no meio de uma floresta, escavando e fazendo um monte de pesquisas loucas, pensou? A equipe deles anunciaram as descobertas iniciais em junho de 2013. Um dos equipamentos-chave para a expedição foi o Lidar, uma tecnologia a laser em um helicóptero que varreu a área de Phnom Kulen. A equipe levou sete dias operando com o helicóptero, eles demoraram muito mais para saber sobre o solo que eles estavam trabalhando. Vamos imaginar você num lugar como este, você trabalhando pra cima e pra baixo, sem parar e olhando aquela paisagem magnífica que você está em volta. imaginou? As expedições envolveram trilhas feitas por cabras, pântanos e motocicletas, além de perigos como minas terrestres. No começo foram descobertos cinco templos no decorrer das pesquisas com o uso do Lidar, foram descobertos mais 30 templos. Junto dos templos, a equipe também descobriu uma elaborada rede de estradas, diques e lagoas. Uma das coisas que foi descoberta na área era que as expedições mostravam que tinha sido desmatada e eles imaginaram que o impacto desse desmatamento teria influenciado no manejo da água, que teria levado a civilização ao declínio. Agora vamos viajar mais um pouco nesta aventura de descobertas, agora pense que estamos nessa montanha, e você descobriu que uma civilização foi desfeita completamente e você sabe como acabou esta civilização. Ah, como de costumes tudo na vida tem fim não é mesmo?!, vamos começar pensando que estamos voltando pra casa, depois de vários dias de viagem numa floresta descobrindo um monte de coisas interessantes. não é mesmo? A cidade perdida foi declarada patrimônio da humanidade pela Unesco. Seu o seu nome foi descoberto através de inscrições antigas. 267

Até a próxima, aventureiros de mão cheia, foi um prazer viajar com vocês, até a próxima aventura, estou esperando ansiosamente para encontra-lós!! Excerto 83. Transcrição do artigo de divulgação científica, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

O texto foi ilustrado com duas imagens sem legendas (figuras 123) e com um infográfico produzido por eles mesmos (figura 124):

Figura 123. Fotografias do artigo de divulgação científica, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

268

Figura 124. Infográfico do artigo de divulgação científica, Turma A. Fonte: dados da pesquisa.

Chama-nos atenção no texto a interlocução direta produzida com o leitor, uma estratégia discursiva utilizada em artigos de divulgação científica, que é explorada ao exagero pelos estudantes, em conversa com os “internautas”. Os alunos escolheram escrever o texto convidando os leitores para uma “aventura”, que fará “você viajar bem longe da sua casa e da sua cama, mas sem sair dela, gostou da ideia?”. Vemos nesse estilo um diálogo com as aventuras de Lara Croft, para além do discurso científico, que influenciaram na construção do texto. No entanto, os estudantes cumprem a atividade de divulgar as descobertas da cidade de Mahendraparvata. Desenvolvem sua história e a forma como foi descoberta, a partir de informações dos textos lidos e pesquisados no percurso gamer. Reconhece-se, por exemplo, a explicação sobre a tecnologia a laser do LIDAR, apresentada na notícia da Superinteressante lida na Missão 1. Também é mencionado o fato de a cidade ter sido declarada patrimônio da humanidade pela Unesco. Quanto às imagens, as duas aparecem sem legendas, mas podem ser encontradas na internet como fotografias do local. A primeira, em especial, mostra a equipe de pesquisadores que a descobriu. O infográfico, por sua vez, é construído a estilo de mapas mentais, dos quais a partir de um dado central (Mahendraparvata) derivam-se informações relevantes por meio de setas. Os estudantes escolheram focar nos dois primeiros dados, na parte superior, sobre a história da cidade, e nos 269

dados da parte inferior sobre a sua descoberta científica. As imagens representam a tecnologia do LIDAR e as antigas inscrições encontradas no local. A escolha pelo plano de fundo parece revelar a intenção de antiguidade, pois aparenta ser um papel envelhecido pelo tempo, o que dialoga com a Arqueologia. Já a Turma B produziu o seguinte texto, conforme figura 125 e transcrição completa em excerto 84.

Figura 125. Artigo de divulgação científica, Turma B. Fonte: dados da pesquisa.

Conheça mais Mahendraparvata, a cidade perdida do Camboja

16.10.2017 Turma B - 2017

Onde fica? imagine uma cidade abandonada a 1200 anos e que só agora soubessem da sua existência, Mahendraparvata é uma cidade cambojoana, que está localizada na 270

região do Siem Reap, onde nesta cidade foi encontrada a escultura de um elefante,o que dá a entender que seria uma imagem de uma divindade local na época . Como foi descoberta? A expedição arqueológica que encontrou Mahendraparvata teve a utilização de uma tecnologia em que um laser denominado Lidar junto a um helicóptero sobrevoou sobre a área de Phnom Kulen.Inicialmente, foram descobertos cinco templos e que mais tarde junto com a tecnologia a equipe também descobriu uma elaborada rede de estradas, diques e lagoas. E o que foi encontrado lá? Uma escultura de pedra em forma de elefante em meio a selva de Mahendraparvata em bom estado tirando o fato de estar cheio de musgo, dando a impressão que a escultura está nessa floresta há muito tempo. A escultura retrata um animal muito encontrado no Camboja, presumo que a escultura foi feita pelos antigos habitantes em homenagem a alguma divindade religiosa da época. Excerto 84. Transcrição do artigo de divulgação científica, Turma B. Fonte: dados da pesquisa.

Além do vídeo mostrado na figura 125, os alunos acrescenteram apenas uma imagem (figura 126). Eles não produziram o infográfico solicitado na atividade.

Figura 126. Fotografia do artigo de divulgação científica, Turma B. Fonte: dados da pesquisa. 271

O grupo desta turma preferiu começar seu artigo com um vídeo sobre Mahendraparvata53. Trata-se de uma filmagem que explora a cidade, com um fundo musical. São mostradas imagens interessantes para o leitor conhecer o local, no entanto, não há qualquer referência ao vídeo no texto. O texto, em si, está dividido em três tópicos, uma maneira de organização comum aos artigos de divulgação científica, para separar diferentes temas e facilitar o entendimento do leitor. O primeiro tópico contextualiza a localização da cidade, em Siem Reap. O segundo apresenta dados sobre sua descoberta, trazendo referências à tecnologia do LIDAR, lida na notícia da Missão 1. Por fim, no terceiro, os estudantes apresentam uma descoberta arqueológica do local: a escultura de elefante, explorada na Missão 2. A imagem é a mesma utilizada no material. Os estudantes da Turma B arriscam-se menos no texto, embora tenham apresentado as descobertas arqueológicas encontradas. O trecho de “E o que foi encontrado lá?”, por exemplo, é semelhante ao que os estudantes produziram nos diários de pesquisa. O texto também não traz uma conclusão ao leitor, apenas lista os tópicos mencionados. Assim, é possível dizer que a produção tem similaridades com pequenos textos de divulgação científica sobre curiosidades, publicados nas revistas com essa temática. Esses dados revelam de que maneira os estudantes se apropriaram do processo de levantamento de informações, trabalho de campo e divulgação das descobertas, envolvidos na prática profissional arqueológica. No subtópico seguinte, veremos como os alunos assumiram o ethos discursivo de Lara Croft.

5.2.2. “Lara Croft é uma aventureira e não tem tempo para pensar em artigos científicos”

Neste subtópico de análise, vamos discutir a apropriação do ethos discursivo de Lara Croft. Para isso, além de algumas considerações gerais, comentaremos particularmente o caso de Jorge, um aluno que se envolveu na narrativa e assumiu de forma mais explicíta o posicionamento da personagem; e de Maju, uma aluna que não se engajou com a narrativa e teve dificuldades em incorporar a personagem.

53 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=88&v=6wj3rExAVbg&feature=emb_logo. Acesso em: 15 set. 2020. 272

Logo no primeiro dia de aplicação do percurso gamer na turma A, América decidiu não sair para o intervalo, pois resolveu explorar o Google Maps, algo que estava previsto para a Missão 1, ao propor que o aluno faça uma rota até Mahendraparvata, seu próximo destino. Como podemos ver nos registros autorizados do computador, a aluna explorou mapas e percursos online em 360º de lugares cambojanos, a partir do recurso Google Street View (figuras 120 e 121):

Figura 127. Captura de tela de Amércia, mapa do Camboja, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 128. Captura de tela de América, percurso em 360º no Camboja, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa. 273

Além de explorar o Camboja, acessou também o Google Street View de diversos lugares do mundo, como Síria (figura 122) e Estados Unidos (figura 123):

Figura 129. Captura de tela de América, mapa da Síria, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 130. Captura de tela de América, mapa dos Estados Unidos, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

274

Apesar de este dado aparentemente parecer irrelevante, a resposta da aluna foi o que nos interessou para refletir sobre o posicionamento como Lara Croft. Ao verificar que estava explorando outros locais, desviando um pouco da atividade, questionei o que ela estava fazendo. A resposta surpreendente foi (excerto 83):

América: Lara Croft resolveu tirar férias! Excerto 85. Interação com América em sala de aula sobre Lara Croft. Turma A, Aula 1, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Esta resposta mostra que aluna estava atenta à narrativa e já tinha assumido a personagem, a ponto de inventar uma história sobre ela para responder a pergunta. Ao invés de dar uma resposta comum, América usou a criatividade, utilizando elementos da narrativa para justificar o que estava fazendo. Ainda que a estudante tenha saído do rumo inicialmente planejado para o percurso gamer, a ação da aluna mostra seu desejo em explorar países diferentes, o que condiz com a personalidade de Lara Croft. Como apresentamos anteriormente, ao assumir Lara Croft, muitas vezes o jogo incentiva que o jogador “quebre regras”, visite outros locais, saia do caminho, pois a arqueóloga é também uma aventureira e no game autêntico é esta a maneira pela qual encontra muitos objetos perdidos, relíquias extras, coisas que estavam fora do “roteiro”. No final desta mesma aula, outro caso relevante aconteceu. Ao observar Maju fazendo sua produção textual do diário de pesquisa, Missão 1, percebemos que ela utilizava um recurso online de “resumo automático”, isto é, ao invés de construir seu próprio texto, ela copiou e colou um texto da Web sobre o Camboja (figura 124) e esperava que a ferramenta gerasse o seu texto do diário de pesquisa (figura 125). A princípio, não dissemos nada para ver até onde ela iria com o recurso.

275

Figura 131. Captura de tela de Maju, texto da Web sobre o Camboja, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Figura 132. Captura de tela de Maju, gerador de resumo automático, Aula 1, Turma A, 28/08/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Foi então que ela perguntou: “Professora, o diário de pesquisa é meio que um resumo das informações mais importantes, né?”. Negamos, explicamos algumas características do gênero e dissemos que ela não havia lido as instruções da atividade de forma adequada: “Você precisa fazer um relato também, começar 276

dizendo o que aconteceu com Carter Bell”, afirmei. “Carter Bell?”, questionou Maju com espanto. Foi então que explicamos que ela não havia lido a narrativa que perpassa a missão e solicitamos que ela revisasse seu texto. Maju, sempre objetiva, indica não ter assumido a personagem Lara Croft e se interessava apenas em cumprir os objetivos, o que nos revela um dos perfis de jogador de Bartle (1996): o conquistador, aquele que não se envolve pela narrativa e só busca cumprir as missões, mesmo sem entender o que se passa. Porém, na atividade de escrita proposta, esse perfil não é muito esperado, pois se trata de um percurso gamer narrativo, a partir do qual são propostas as atividades em que se deve incorporar Lara Croft para a produção de textos. Dessa maneira, sem ler e compreender a história, é difícil seguir adiante. Além disso, as habilidades de leitura também são esperadas no ensino de Língua Portuguesa, o que não poderia ser obtido por um recurso automático. Na segunda aula desta turma, percebendo a dificuldade de Maju e de outros estudantes em concluir o diário de pesquisa da Missão 1, resolvemos então fazer uma mediação sobre o que é um diário de pesquisa, para além das instruções do material, reiterando o caráter de relato, a descrição do gênero e também a necessidade de construir o ethos discursivo de Lara Croft (excerto 84):

Juliana: Pessoal, vou dar uma orientação para todo mundo, já que está mais ou menos todo mundo na mesma etapa. Alguns de vocês estão com dúvida sobre o que é o tal diário de pesquisa. Vamos pensar. É um instrumento de reflexão dela, como pesquisadora e arqueóloga. Então, primeiro de tudo vocês têm que escrever em primeira pessoa. Vocês são a Lara Croft, certo? Então, nunca escrever em terceira pessoa. Segunda coisa, o que é para fazer? É para fazer um pequeno relato do que aconteceu com Carter, que é aquela história dele ter sumido. Em seguida, descrever um pouquinho o que vocês encontraram na pesquisa e na notícia. Lembram da aula passada? Mais ou menos ou vocês estão perdidos? Aquilo que vocês encontraram sobre a história, a geografia do Camboja, um resuminho... Tá bom? E a notícia falava sobre o quê? Vocês lembram? O que ela encontrou naquela notícia? Vamos relembrar. Jorge: Cidade perdida. Juliana: Sobre a cidade perdida de Mahendraparvata, certo? Então, é isso que vocês têm que fazer no diário: dizer o que aconteceu com Carter Bell, ou seja, 277

porque vocês estão indo para o Camboja, o que vocês já descobriram até então sobre o Camboja e essa cidade perdida para onde ela está indo. Descrever um pouquinho o que vocês descobriram na tal notícia. Então é isso que é para fazer no diário de pesquisa. Pode trazer um tom pessoal, de relato dela, de desconfiança, de pensar o que ela estaria fazendo lá. São vocês como se fossem os pesquisadores e todas as dúvidas que vocês tiverem nesse caminho. Se coloquem na posição dela sempre que vocês tiverem dúvida sobre o que escrever, tá bom? Excerto 86. Mediação da professora-pesquisadora Juliana sobre o diário de pesquisa, Aula 2, Turma A, 11/09/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Após a explicação, Maju, que havia utilizado o gerador de resumo automático, percebe que tinha feito seu texto de maneira equivocada e me chama para ajudá-la. Ela explica que acreditava que o diário era só um resumo das informações, o que está inadequado, pois envolve também colocar as reflexões do pesquisador. Em seguida, Jorge me chama para ver seu texto e eu digo que faltam algumas reflexões da pesquisadora, já que ao final da jornada deveriam publicar as descobertas em um artigo de divulgação científica. Como resposta, ele diz (excerto 85):

Jorge: Lara Croft é uma aventureira e não tempo de pensar em artigos científicos. Excerto 87. Interação com Jorge em sala de aula sobre Lara Croft. Turma A, Aula 2, 11/09/2017. Fonte: dados da pesquisa.

A resposta de Jorge é muito interessante, pois revela o quanto o aluno realmente assumiu Lara Croft e seu ethos discursivo. Na construção do percurso gamer, enfocamos nas atividades de Lara Croft como arqueóloga, mas a personagem é icônica no mundo dos games, por suas jornadas de aventura e exploração. Ao contrapor que ela não teria tempo de pensar em artigos científicos, o aluno demonstra assumir traços da identidade de Lara Croft, algo que é esperado durante uma partida de game, como entende Gee (2014) ao defender a identidade projetiva, aquela em que o jogador coloca-se como personagem. Jorge se revelou um caso interessante, pois produzia textos com entusiasmo, explorando muito a narrativa do percurso gamer, como demonstraremos mais adiante. Possivelmente, foi o aluno que mais assumiu o 278

avatar de Lara Croft. Surpresos com o envolvimento do estudante, questionamos (excerto 86):

Juliana: Você é gamer? Jorge: Sou um bom leitor, quero ser um escritor.

Excerto 88. Interação com Jorge em sala de aula sobre ser gamer/leitor. Turma A, Aula 2, 11/09/2017. Fonte: dados da pesquisa.

Essa afirmação de Jorge traz uma reflexão importante, pois mostra que o sucesso escolar em um percurso gamer não depende do contato prévio com games, mas do desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, tendo em vista o objetivo inicial de utilizar as lógicas de games para o ensino de Língua Portuguesa. Para assumir o ethos discursivo de Lara Croft, o estudante envolveu-se na narrativa contada pela professora-pesquisadora no material. Vejamos um exemplo de texto produzido pelo aluno:

Figura 133. Captura de tela de texto de Jorge, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

28/08/2017

Os últimos acontecimentos estão roubando o meu sono…. O recente desaparecimento de Carter tem me levado a uma incessante busca por respostas. Não consigo recordar muito sobre a nossa viagem ao Camboja, o professor Von 279

Croy parece tão confuso quanto eu. Não posso ficar sem fazer nada, a única pista que tenho é uma recente expedição ao camboja, devo descobrir o que aconteceu a qualquer custo! Após uma série de pesquisas descobri muitas informações relevantes sobre o Camboja (um país no sudeste da Ásia), um local misterioso, lar de vários templos antigos e com uma cultura fascinante, que já foi governado pelo antigo e poderoso Império Khmer! A recém descoberta da cidade perdida de Mahendraparvata, que foi encontrada no meio da selva na região de Siem Reap, ela foi encontrada através de um novo equipamento conhecida como “LIDAR”, que utiliza a luz refletida por lasers para detectar pequenos objetos, isso só atiça mais a minha curiosidade… Preciso manter o foco para encontrar Carter e trazê lo para casa sã e salvo.

Excerto 89. Transcrição do texto de Jorge, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

O texto de Jorge cumpre o esperado para esta atividade. O primeiro parágrafo relata o que aconteceu com Carter Bell, dialogando com a narrativa apresentada no início da Missão 1, em que Lara acorda sem memória no hospital, sem o amigo Carter Bell, perdido do Camboja. O segundo parágrafo, por sua vez, apresenta as reflexões da pesquisa realizada sobre o Camboja e as informações lidas na notícia. O registro no diário produzido pelo aluno apresenta o posicionamento em 1ª pessoa e indica a assunção do ethos discursivo de Lara Croft, pois traz reflexões da personagem, como em “devo descobrir o que aconteceu a qualquer custo!” e “Preciso manter o foco para encontrar Carter e trazê lo para casa sã e salvo”, em estilo linguístico semelhante aos pensamentos de Lara apresentados no percurso gamer:

- Sim, estou começando a me lembrar! Camboja: o lugar dos templos incríveis! Carter e eu fomos até lá fazer descobertas arqueológicas, em uma cidade perdida. Mas qual era a cidade?

Excerto 90. Trecho do percurso gamer Lara Croft nos templos do Camboja, Missão 1. Fonte: https://julianachinaglia.wixsite.com/atividadelaracroft/mahendraparta.

Ainda é preciso mencionar que o texto de Jorge indica uma característica peculiar do percurso gamer que criamos: a ficcionalização dos textos produzidos. O 280

envolvimento em uma aventura com uma personagem conhecida fez com que os textos não somente se parecessem com diários de pesquisador de um arqueólogo comum, mas um diário de Lara Croft, arqueóloga, mas também aventureira. Por essa razão, pode-se dizer que as narrativas de materiais que trazem lógicas de games podem influenciar no resultado das atividades de escrita, que podem adquirir características de textos que circulam em games. Retomando a distinção apresentada em Maingueneau (2019) entre cena englobante (tipo de discurso), cena genérica (gênero) e cenografia (ethos discursivo), pode-se dizer que ainda que o gênero seja diário de pesquisa, o ethos discursivo de Lara Croft e sua identidade mobilizada pelos games fazem com que o tipo de discurso esteja entre as fronteiras do científico e do narrativo. Embora se descrevam as reflexões da pesquisadora, há uma preocupação em continuar a história promovida pelo percurso gamer. Essa característica dos textos aparece especialmente em textos de estudantes que se engajaram na narrativa, como Jorge, mas não de maneira tão evidente em textos de estudantes que focaram em cumprir objetivos, seja possivelmente pelo desejo de pontos ou pela ansiedade de terminar uma atividade escolar, como podemos analisar no diário de pesquisa de Maju (figuras 127 e 128, excerto 89):

Figura 134. Captura de tela de texto de Maju, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa. 281

Figura 135. Captura de tela de texto de Maju (continuação), Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

Estou procurando meu amigo Carter Bell que sumiu depois da nossa expedição no Camboja que fica localizado na porção sul da península da Indochina, Sudeste Asiático. (imagens) Que faz fronteira com a Tailândia a noroeste, o Laos a nordeste, o Vietnã a leste e com o Golfo da Tailândia na porção sudoeste. Sua área é coberta por florestas tropicais e cortado por três grandes cadeias de montanhas. A cidade de Mahendraparvata esteve perdida na selva há mais de 1200 anos até que Um grupo de pesquisadores liderados por Damian Evans e Jean Baptiste Chevance a encontrou com a ajuda de uma tecnologia a laser. A civilização foi construída por Jayavarman II, o fundador do Império Khmer. Sua língua nativa é Khmer. A maior parte da população é budista. Na cidade perdida, foram encontrados templos antigos, que parecem intocados há séculos: (imagens) Estou muito aflita e preocupada com meu amigo, espero que ele esteja bem e que eu o encontre logo. Excerto 91. Transcrição do texto de Maju, Diário de pesquisa, Missão 1. Fonte: dados da pesquisa.

282

O texto de Maju tem menções pontuais ao posicionamento discursivo de Lara Croft, como em “Estou procurando meu amigo Carter Bell” e “Estou muito aflita e preocupada com meu amigo, espero que ele esteja bem e que eu o encontre logo”, o restante de seu texto é uma lista de enunciados copiados da Wikipédia, alguns até mesmo com a indicação ainda presente dos links feitos no artigo enciclopédico, marcados em azul. Não há a construção de um diário de pesquisa com reflexões da pesquisadora e a assunção do ethos discursivo de Lara é muito incipiente. Como Maju demonstrou quando utilizou um recurso de geração de resumos automático, seu engajamento não se deu pela narrativa, mas sua vontade era cumprir logo a atividade proposta. Neste caso, a cena englobante adquire menos características do discurso narrativo. Como era de se esperar, em um grupo heterogêneo de alunos, alguns se envolveriam mais com a personagem (excerto 90) e outros não, conforme é comentado nas entrevistas:

Nick: Eu achei que foi uma experiência marcante, porque a gente sempre tá acostumado a ter a nossa forma de pensar, então a gente teve que se por no lugar da outra pessoa pra poder ver como é tá no lugar dela, de perder um amigo, de ter que encontrar pistas, né? Então, acredito assim... que foi enriquecedor.

Jorge: Eu acho que foi interessante, porque proporcionou pra gente aquela experiência pronta, já tava tudo montado, a gente poderia só imaginar como seria, como aquela experiência da fuga dos criminosos lá, que a gente tinha que bolar um plano pra impedir que eles fugissem com o artefato do templo. Como já tinha a narrativa por trás, a gente podia pensar "Nossa, a Lara Croft é desse jeito", então a gente já pode montar a armadilha, o jeito que ela vai pegar eles desse jeito, ou de outras maneiras, porque ela é uma pessoa inteligente por natureza e ela vai montar coisas específicas. Se você tivesse que montar pra uma pessoa que é, entre aspas, burra, sabe, teria que montar "Tipo, ah, ela vai jogar pedra na pessoa". [...] Eu acho que ajudou a desenvolver nosso raciocínio lógico e, conforme a gente vai escrevendo, a gente tem que se por na posição da Lara, a gente já pensando de uma maneira como se fosse, entre aspas, um escritor, sabe, tendo que desenvolver cada ponto certinho naquele tema, relacionando com o parágrafo anterior. Eu acho que isso ajudou muito a gente. 283

Carol: Eu acho que é mais fácil você já ter uma personalidade lá criada pra você fazer os textos, do que você mesmo pensar na personalidade do personagem e criar uma história ou texto, né. Eu acho mais fácil. Eu criar um personagem? Eu acho que é mais fácil já ter o personagem e você só vai criando o que ele já é na verdade.

Excerto 92. Comentários de Nick, Jorge e Carol sobre o ethos discursivo de Lara Croft. Fonte: dados da pesquisa.

Nick, por exemplo, indica que o exercício de se colocar no lugar do outro foi interessante para ela, pois permitiu que se distanciasse um pouco de sua forma de pensar. Jorge, sempre envolvido, foi além, e descreveu com um exemplo exatamente como fazia para assumir o ethos discursivo de Lara Croft. Na atividade mencionada pelo aluno, quase ao final do percurso gamer, os estudantes precisavam montar um plano de emboscada para os bandidos que estavam roubando relíquias do templo, sem utilizar a violência. Jorge então descreve que, nesse momento, assim como em outros, buscava entender o que Lara Croft faria naquela situação, a partir dos traços de sua personalidade, exatamente como preveu Gee (2014) no movimento da identidade projetada propiciada pelos games. Como vimos na análise do texto do aluno, isso influenciou em sua escrita. Carol também considera que ter um personagem para assumir é interessante, pois é mais fácil já escrever um texto com uma personalidade pronta. O que a aluna tenta explicar é que, para escrever um texto em uma situação de produção dada, em que não se deve escrever como si mesmo, é interessante que seja delimitada não somente a cena englobante e a cena genérica, mas especialmente a cenografia, referente ao ethos discursivo. É possível inferir que Carol sente falta de maior contextualização quando lhe solicitam em outras situações certos posicionamentos discursivos, como “Imagine que você é um...”. A fala da estudante nos confirma, portanto, nossa ideia inicial de que o percurso gamer facilita o envolvimento em uma situação de produção de textos, dando, a partir da narrativa e dos traços do personagem, maiores indícios de como deve ser escrito. Outros estudantes, por sua vez, consideraram difícil assumir a personagem e, portanto, o ethos discursivo proposto (excerto 91):

284

Antônia: É, no começo foi mais difícil. Mas depois você vai pegando o jeitinho e vai dando mais certo. No começo, eu tive bastante dificuldade, porque aí você tem que lembrar que você tem que escrever como se fosse ela, da maneira que ela, entendeu? [...] Não sou guerreira daquele jeito (risos).

Leon: Ah, eu achei difícil. [...] Uma questão minha eu acho, por não gostar muito de games acho.

Arya: No começo, é meio estranho. É... porque você pensa que você está se passando pela outra pessoa. Pra mim, pelo menos foi meio... Depois, com o decorrer, aí foi contando a história também, aí eu fui me encaixando mais e me encontrando.

Josias: Não difícil, mas, às vezes, uma hora a gente começa falando como se não fosse o personagem, sabe. Excerto 93. Comentários de Antônia, Leon, Arya e Josias sobre o ethos discursivo de Lara Croft. Fonte: dados da pesquisa.

Antônia, por exemplo, acredita ter sido difícil escrever como Lara Croft, por não ser “guerreira” como ela, isto é, a não identificação com alguns traços de personalidade da personagem. Já Leon acredita que seu não envolvimento com games pode ter dificultado a tarefa, o que podemos inferir como um distanciamento da prática de assumir personagens. Arya e Josias, embora não tenham explicitado o motivo, comentam ter sido difícil escrever como outra pessoa, pois tendiam a querer expressar seus próprios posicionamentos. Nestes casos descritos, houve dificuldade em assumir o ethos discursivo proposto, pois não conseguiam deixar a identidade real do jogador, para assumir a identidade virtual da personagem, nos termos de Gee (2014). Não houve de forma completa a incorporação da identidade projetada, em que o jogador se sente como o personagem.

285

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciamos esta tese, apresentamos que o objetivo inicial de nossa pesquisa era refletir sobre as interfaces entre os games e as atividades de escrita, a partir da aplicação de um material didático desenvolvido na lógica dos games, o chamado percurso gamer, que foi definido como “um conjunto de atividades didáticas, que mobiliza estratégias de games para a sua utilização, como: 1) a interação com um espaço virtual; 2) a vivência de ações em um mundo imersivo, que proporciona a mobilização de determinadas práticas de letramentos e gêneros de uma esfera social; e 3) a encarnação de um personagem e assunção de seu ethos discursivo”. Como argumentamos ao longo dos capítulos, a motivação era buscar novos caminhos para a utilização dos games como forma de aprendizagem, tendo em vista a ineficácia de muitos jogos educacionais digitais já existentes em repositórios ou livros didáticos e a carência de games que ensinem a escrita, no âmbito do ensino de Língua Portuguesa. Apresentamos algumas estratégias já utilizadas em outras iniciativas e investigações, como a gamificação e a Aprendizagem Baseada em Jogos. Concluimos que a gamificação pode ser interessante para o engajamento, desde que não seja pautada somente em mecânicas. A Aprendizagem Baseada em Jogos, por outro lado, mostrou-se mais produtiva, por entender que os games podem ser pensados como mundos imersivos, facilitadores de experiências virtuais que levam à aprendizagem. Para construir nossa própria abordagem dos games no ensino de Língua Portuguesa, com base nas duas anteriormente mencionadas, utilizamos duas potencialidades dos games descritas por Gee (2007; 2014): a possibilidade de aprender por imersão e experiência, ao permitir que o jogador viva experiências incorporadas; e a encarnação de personagens, que permite ao jogador colocar-se no lugar do outro, pensando e agindo como ele, a partir da adoção de uma identidade projetada. Unimos as duas potencialidades apontadas pelo autor às teorias enunciativo-discursivas da linguagem e desenvolvemos o material didático “Lara Croft nos templos do Camboja”. Propomos que, em um percurso gamer, pode ser construído um espaço virtual, com mecânicas de games, que proporcionam a 286

imersão do estudante por meio da estética e do engajamento típico dos jogos, mas seu maior potencial está na criação de um mundo imersivo, que mobiliza práticas de letramentos e gêneros, assim como a encarnação de um personagem, o que permite a assunção de um determinado ethos discursivo. Argumentamos que games como Tomb Raider, apontados por Gee (2007) como facilitadores de expertises profissionais, poderiam ser utilizados para envolver o jogador em determinadas práticas de letramentos e gêneros de uma dada esfera social, nos termos de Bakhtin (2000[1952-53/1979]). Dessa maneira, propomos que jogo mencionado poderia ser interessante para envolver os alunos na leitura e produção de gêneros científicos e divulgação científica, já que sua personagem principal é uma arqueóloga. Assim, construímos um mundo imersivo permeado por práticas e gêneros do universo da arqueologia, adaptados de Oliveira et al (2013), como o levantamento de informações sobre o sítio arqueológico, com pesquisas na internet; o trabalho de campo, com diários de pesquisa; e a divulgação das descobertas encontradas, com o artigo de divulgação científica. Outros gêneros, como notícia, resumo, relatório, fotorreportagem também foram solicitados. Aliados à perspectiva enunciativa de “eu-avatar”, proposta por Araujo (2014), construímos a ideia de que a encarnação de personagens permite a assunção de um determinado ethos discursivo, quando o jogador se coloca no lugar do personagem. Mais do que agir e pensar, defendemos que também é possível ler e escrever como o personagem. Propomos, então, que a partir de Tomb Raider, o estudante poderia se colocar na posição de Lara Croft, para produzir textos como uma cientista. O percurso gamer “Lara Croft nos templos do Camboja” foi desenvolvido em quatro missões: 1) Mistérios do Sudeste Asiático; 2) No templo da floresta: Mahendraparvata; 3) Um dos maiores complexos arqueológicos do mundo: Angkor Wat; 4) Entre árvores e ruínas: Ta Prohm. Conforme apresentamos, ao longo dessas missões, os estudantes deveriam encontrar o amigo perdido de Lara Croft: Carter Bell. Para isso, é realizada uma expedição fictícia ao Camboja. Antes e durante sua jornada, precisam ler e produzir uma série de textos científicos e de divulgação científica, em interação com as descobertas arqueológicas encontradas. Em uma pesquisa-ação, que contou com nossa atuação como professora- pesquisadora, aplicamos o material didático em duas turmas de um curso popular na Unicamp, compostas por estudantes do Ensino Médio. Utilizamos para isso alguns 287

instrumentos de pesquisa, como questionário inicial, diário de pesquisa, videogravação das aulas, produções textuais dos partipantes, software de captura de tela e entrevista semiestruturada. Com dados obtidos na aplicação, organizamos a análise a partir de duas categorias: 1) Engajamento e interações em sala de aula; 2) Situação de produção dos textos, mundos imersivos e encarnação de personagens. Em relação à primeira categoria de análise, verificamos que os estudantes consideraram a caracterização visual e sonora do material fundamental para a experiência de imersão, pois permitiu a eles se imaginarem no Camboja. Isso indica às futuras pesquisas que não se pode desconsiderar a estética de um percurso gamer, embora ela não seja prioritária, de modo que qualquer professor possa construí-la. Algumas alunas chegaram até mesmo a apontar a falta de poder controlar a personagem em um espaço tridimensional, como em um game autêntico, algo que não nos foi possível desenvolver, por limitações técnicas. Como pontos frágeis, os estudantes apontaram o excesso de textos para ler e escrever e a necessidade de ampliar as tarefas “lúdicas”, como pequenos jogos que não se relacionam só a atividades de Língua Portuguesa. Ainda que isso possa ser considerado, reiteramos a importância de se manter a quantidade de textos, já que isso é necessário para o ensino de escrita. A dinâmica de tempo, em que cada estudante fazia as atividades conforme seu ritmo, à semelhança de funcionamento dos games autênticos, foi considerada produtiva por alguns alunos, que se sentiram mais livres e menos pressionados, especialmente para as tarefas de escrita. Por outro lado, alguns alunos notaram que esse processo tornou-se complicado, pois ao final tiveram que “pular” missões, para que chegassem à atividade final em grupo de produção do artigo de divulgação científica. Nesse sentido, aqueles que não se sentiram à vontade com essa estratégia, sugeriram que poderia ser interessante que o professor conduzisse as missões, reservando tempos específicos para serem feitas. Sobre esse ponto, acreditamos que delimitar um tempo para cada missão distancia o material da lógica gamer, embora possa ser mais cômodo para a cultura escolar, o que permite ao professor maior planejamento. Assim, defendemos que o material pode possibilitar as duas estratégias, cabendo ao professor escolher como fazê-la. Como professora-pesquisadora, apesar de termos tidos problemas em relação ao planejamento do tempo, acreditamos que a personalização do tempo é um dos 288

diferenciais do percurso gamer. Tais problemas apontados podem ser resolvidos com um maior número de aulas para a sua aplicação. Quanto à dinâmica de correção em pares, embora tenhamos imaginado que ela proporcionaria maior protagonismo do aluno, tivemos alguns problemas, devido justamente ao gerenciamento do tempo, mencionado anteriormente. Como os estudantes estavam em fases diferentes, corrigir o texto de um colega em outra missão parecia “interromper” o fluxo de atividades, o que nos levou a eliminá-la nas últimas aulas. Como suspeitávamos, embora alguns alunos tenham mencionado ter sido justos nas correções, de acordo com as questões dos formulários que auxiliavam na avaliação, certos estudantes admitiram dar pontos para os colegas, como forma de beneficiá-los, em nome da amizade. Acerca da nossa devolutiva dos textos, os estudantes a consideraram fundamental para a aprendizagem de escrita, considerando os comentários nas próximas produções que realizavam. Sobre o sistema de pontuação, tivemos comportamentos diferenciados entre os alunos. No início, especialmente motivados pelas primeiras atividades de pesquisa, os estudantes se engajaram muito pelos pontos, até mesmo refazendo tarefas na tentativa de melhorar a pontuação. Alguns alunos mencionaram que isso lhes causava ânimo, por incentivar que se aprimorassem em algo ou se destacassem em meio aos colegas. Isso chegou até mesmo a impactar certas aprendizagens, como Will, que tinha desejo apenas em descobrir enigmas e completar missões. Outros, por sua vez, consideraram os pontos desnecessários, pois se engajaram pela narrativa e pelo aprendizado proposto. Tendemos a considerar esse segundo posicionamento mais produtivo para futuros delineamentos de percurso gamer em Língua Portuguesa, de modo que os pontos possivelmente não sejam necessários. Em relação à segunda categoria de análise, que aborda o mundo imersivo criado, a narrativa influenciou para que os estudantes se interessassem mais pelo Camboja, de modo que muitos mencionaram o aprendizado histórico, geográfico e cultural como forma complementar ao de Língua Portuguesa. A imersão se mostrou tão efetiva que alguns alunos mencionaram a sensação de estar vivendo a situação proposta, o que lhes instigava a imaginação. As experiências como arqueólogos e cientistas foram variadas, de acordo com a performance dos estudantes de diferentes perfis. Notou-se um grande interesse pelas atividades de pesquisa de levantamento do sítio arqueológico, mencionadas pelos alunos como um dos 289

diferenciais do material, que ensinou a realizar pesquisas efetivas na internet. Sobre o trabalho de campo do arqueólogo, concretizado nos diários de pesquisa, analisamos dois textos, de Valentina e Douglas, que mostram resultados diferentes, representativos das turmas. Alguns estudantes se apropriaram da metodologia arqueológica, colocando-se como pesquisadores que faziam reflexões sobre as descobertas encontradas, inclusive, com marcação da subjetividade no texto. Outros estudantes, possivelmente menos interessados na proposta, não apresentaram indícios de autoria no texto, com trechos de cópias evidentes de outras páginas da internet. Quanto ao ethos discursivo de Lara Croft, alguns estudantes mencionaram ter gostado muito de que a cena da enunciação já fosse dada para que escrevessem seus textos. Jorge, por exemplo, comenta ter incorporado a personagem a tal ponto de pensar como ela agiria em cada um das situações propostas, tendo se mostrado como um dos estudantes que mais se envolveu no percurso gamer. Em um momento marcante, ele afirma que seu desempenho das atividades se dava por ser um bom leitor e não necessariamente por ser gamer, o que nos mostrou a importância da leitura para a realização das tarefas delineadas, muito além do mero interesse pelos jogos. Outros já tiveram mais dificuldade em conseguir encarnar a personagem para realizar as produções textuais, seja por distanciamento de games ou por não se identificar com Lara, colocando-se no lugar de outra pessoa. Ambos os comportamentos foram analisados em dois textos que configuraram modelos do que aconteceu nas turmas. O primeiro, de Jorge, envolvido com a narrativa, mostra a efetivação da identidade projetada, de modo que é possível identificar traços do ethos discursivo de Lara Croft na maneira como o texto foi escrito, à semelhança dos pensamentos da personagem apresentados no próprio material. Já o segundo, de Maju, uma aluna que se importava mais em cumprir as tarefas do que com a narrativa, já demonstra poucos traços de Lara, sendo majoritariamente cópia de outros textos da internet. A mesma aluna, em outro momento, chegou até mesmo a usar um recurso de “resumo automático”, em uma ferramenta virtual. Neste caso, é possível observar a não completude da identidade projetada, isto é, a aluna não conseguiu incorporar a personagem e isso se refletiu em seu texto. 290

Portanto, podemos concluir da análise que, para os alunos que se interessam pela narrativa, o percurso gamer pode se mostrar muito produtivo para oferecer aos estudantes a oportunidade de vivenciar práticas de letramentos de uma determinada profissão, em nosso caso, arqueólogo, escrevendo textos a partir de um ethos previamente delimitado pelo personagem escolhido. Em vez solicitar apenas que o estudante imagine ser alguém para escrever um texto, a exemplo de tantas tarefas de produção textual solicitadas na escola, em livros didáticos e exames vestibulares, o percurso gamer constrói a cena de enunciação a partir do mundo imersivo, permitindo aos estudantes ter experiências mais concretas antes da escrita. Em nosso caso, os alunos não imaginaram apenas ser um arqueólogo, mas tiveram experiências incorporadas de ser um, em movimentos de pesquisa, descoberta, catalogação e divulgação. Acreditamos que o modelo possa ser interessante para o desenvolvimento de muitas outras narrativas, com uma grande opção de personagens, já existentes ou não, que proporcionariam aos alunos esse tipo de vivência e contextualização para as atividades de escrita. Desse modo, a tese abre caminho para que outras pesquisas acadêmicas ou atividades pedagógicas utilizem o percurso gamer criado, a fim de aprimorá-lo; ou criem outros, para propósitos diversos. A criatividade é o limite e os professores podem construir percursos para que seus alunos se coloquem na posição de jornalistas, professores, políticos, pesquisadores em diversas áreas da ciência, escritores, entre outras tantas opções possíveis. A depender da delimitação escolhida, diferentes gêneros e práticas de letramentos podem ser mobilizados.

291

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AARSETH, E. J. Cybertext: Perspectives on ergodic literature. Baltimore: JHU Press, 1997. ALVES, L. Letramento e games: uma teia de possibilidades. Educação & Tecnologia, v. 15, n. 2, p. 76-86, 2010. Disponível em: https://www.seer.dppg.cefetmg.br/index.php/revista-et/article/view/272. Acesso em: 09 dez. 2019. ALVES, L. R, G.; MINHO, M. R. da S.; DINIZ, M. V. C.. Gamificação: diálogos com a educação. In: FADEL, Luciane Maria et al.(Org.). Gamificação na educação. São Paulo: Pimenta Cultural, 2014, p. 74-97. Disponível em: http://repositoriosenaiba.fieb.org.br/handle/fieb/667. Acesso em: 09 dez. 2019. AMOSSY, R. Da noção retórica do ethos à análise do discurso. In:_____ (Org.) Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2019. ARAÚJO, N. M. S.; RIBEIRO, F. R.; DOS SANTOS, S. F.. Jogos pedagógicos e responsividade: ludicidade, compreensão leitora e aprendizagem. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso, v. 7, n. 1, p. 4-23, 2012. Disponível em: http://ken.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/8867. Acesso em: 09 dez. 2019. ARAUJO, W. S. A construção de identidades: da leitura para o roteiro e do roteiro para a leitura-um estudo analítico de projetos de adaptação de textos literários para jogos digitais. 2014. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/14322. Acesso em: 09 dez. 2019. ASSUNÇÃO, Fábio Nunes; ARAÚJO, Nukácia Meyre. Jogo desenvolvido no RPG Maker MV para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de ortografia da Língua Portuguesa. Anais do Seminário de Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação, v. 3, n. 1, 2019. Disponível em: http://www.revistas.uneb.br/index.php/sjec/article/view/6365. Acesso em: 16 set. 2020. BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2000[1952-53/1979], p. 279-326. BARNETT, M., SQUIRE, K., HIGGENBOTHAM, T. and GRANT, J. Electromagnetism Supercharged! Proceedings of the 2004 International Conference of the Learning Sciences. Los Angeles: UCAL Press, 2004. BARTLE, R.. Hearts, clubs, diamonds, spades: Players who suit MUDs. Journal of MUD research, v. 1, n. 1, p. 19, 1996. Disponível em: http://www.arise.mae.usp.br/wp-content/uploads/2018/03/Bartle-player-types.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral I. Pontes: Campinas, 1988 [1966]. 292

BOGOST, I. Gamification is bullshit! My position statement at the Wharton Gamification Symposium. Ian Bogost Blog, aug. 8 2011. Disponível em: http://bogost.com/writing/blog/gamification_is_bullshit/. Acesso em: 04 dez. 2020. BUCKINGHAM, D.; BURN, A. Game literacy in theory and practice. Journal of Educational Multimedia and Hypermedia, v. 16, n. 3, p. 323-349, 2007. BURKE, B. Gamificar: como a gamificação motiva as pessoas a fazerem coisas extraordinárias. Tradução de Sieben Gruppe. São Paulo: DVS, 2015. BURNS, A. Doing action research in English language teaching: A guide for practitioners. New York: Routledge, 2010. CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997[1949]. CARDOSO, L. A problemática do narrador: da Literatura ao Cinema. In.: Lumina. Facom/UFJF, v. 6, n. 1/2, p. 57-72, 2003. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Luis_Miguel_Cardoso/publication/279548838_A _PROBLEMATICA_DO_NARRADOR/links/5596bf3808ae793d137ca73d/A- PROBLEMATICA-DO-NARRADOR.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. CHINAGLIA, J. V. Objetos Educacionais Digitais, multiletramentos e novos letramentos em livros didáticos de Ensino Fundamental II. 2016. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2018. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/305684. Acesso em: 09 dez. 2019. CHOU, Y. K. Actionable gamification: beyond points, badges, and leaderboards. San Francisco: Octalysis Media, 2014. COURTÉS, J.; GREIMAS, A. J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. CSIKSZENTMIHALYI, M. Play and intrinsic rewards. Journal of Humanistic Psychology, v. 15, n. 3, p. 41-63, 1975. DA LUZ, A. R. Gamificação, motivação e a essência do jogo. In: SANTAELLA, L.; NESTERIUK, S.; FAVA, Fabricio (Orgs.). Gamificação em debate. São Paulo, Blucher, 2018, p. 39-50. DE FREITAS, S. Learning in immersive worlds: A review of game-based learning. 2006. Disponível em: https://researchrepository.murdoch.edu.au/id/eprint/35774/1/gamingreport_v3.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. DE FREITAS, S.; OLIVER, M. How can exploratory learning with games and simulations within the curriculum be most effectively evaluated? Computers and Education Special Issue on Gaming. v. 46, 249-264, 2006. DE PAULA, B. H.; HILDEBRAND, H. R.; VALENTE, J. A. Jogos digitais e o letramento lúdico: a consolidação dos videogames como meio com diferentes possibilidades expressivas. Anais do XIII SBGames, p. 420-428, 2014. Disponível em: http://www.sbgames.org/sbgames2014/files/papers/culture/full/Cult_Full_Jogos%20di gitais%20e%20o%20letramento%20ludico.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. 293

DE PAULA, G. N. A prática de jogar videogame como um novo letramento. 2011. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/269458. Acesso em: 09 dez. 2019. DOMINGUES, D. O sentido da gamificação. In: SANTAELLA, L.; NESTERIUK, S.; FAVA, Fabricio (Orgs.). Gamificação em debate. São Paulo, Blucher, 2018, p. 11- 20. DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: (dizer e não dizer). Cultrix, 1977 [1972]. FRANCIS, R. Revolution: Learning about history through situated role play in a virtual environment. American Educational Research Association Conference, San Francisco, 2006b. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Editora Ática, 1996. GEE, J. P. Pleasure, learning, video games, and life: The projective stance. In: KNOBEL, M.; L., Colin (Ed.). A new literacies sampler. Peter Lang, 2007. GEE, J. P. What video games have to teach us about learning and literacy. Macmillan, 2014. GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1995 [1973]. GOMES, D. M. C. Metodologia da pesquisa arqueológica: uma introdução. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 8, n. 3, p. 513-516, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981- 81222013000300002&script=sci_arttext. Acesso em: 09 dez. 2019. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 4ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2000. JENKINS, H., SQUIRE, K. and TAN, P. You can’t bring that game to school! Designing Supercharged! In: LAUREL, B. (Ed.) Design research. Cambridge: MIT Press, 2004, p. 244-252. KAPP, K. M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeiffer, 2012. KOLB, D. A. Experiential learning: Experience as the source of learning and development. Upper Saddle River: FT press, 2014. KOSTER, R. A theory of fun for game design. Scottsdale: Paraglyph Press, 2005. LEFFA, V. J. Gamificação adaptativa para o ensino de línguas. In: Congresso Ibero-Americano de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação. Buenos Aires. Anais. 2014. p. 1-12. Disponível em: https://www.oei.es/historico/congreso2014/memoriactei/499.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. 294

MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTTA, A. R,; SALGADO, L. (Org.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11 - 29. Disponível em: https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/1306. Acesso em: 09 ddez. 2019. MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, R. (Org.) Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2019. MCGONIGAL, J. A realidade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Rio de Janeiro: BestSeller, 2012. MENDONÇA, M.; BUNZEN, C. Revistas de divulgação científica no Ensino Médio: múltiplas linguagens. In: _____ (Orgs.). Múltiplas linguagens para o Ensino Médio. São Paulo: Parábola, 2012, p. 177-206. MINSKY, M.; PAPERT, S. Progress report on Artificial Intelligence. MIT Artificial Intelligence Memo, n. 252, 1971. MOITA-LOPES, L. P. da. Fotografias da Linguística Aplicada brasileira na modernidade recente: contextos escolares. In:_____ (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola, 2013, p.15-38. NOFFKE, S.; SOMEKH, B. Action Research. In: SOMEKH, B.; LEWIN, C. (eds.). Research methods in social sciences. London: Sage Publications, 2005, p. 89-96. OLIVEIRA, M. D. B. G.; KLOKLER, D.; BIANCHINI, G. F. Arqueologia estratégica: abordagens para o estudo da totalidade e construção de sítios monticulares. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 8, n. 3, p. 517- 533, 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3940/394035001003.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019. PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014 [1964]. POOLE, Steven. Trigger happy: Videogames and the entertainment revolution. Arcade Publishing, 2004. SALEN, K.; ZIMMERMAN, E.. Rules of play: Game design fundamentals. Cambridge: MIT press, 2004. SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Pauls, 2007. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. SCHOBER, J. Metodologia depende do objeto de estudo, 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2019. SIGNORINI, I. & CAVALCANTI, M. (orgs.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. 295

SQUIRE, K. From content to context: videogames as designed experience. Educational researcher, v. 35, n. 8, p. 19-29, 2006. STEPHENSEN, N. Snow Crash. São Paulo: Aleph, 2008. STREET, B. V. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. TEIXEIRA, Mônica. Pressupostos do jornalismo de ciência no Brasil. BRITO, F.; MASSARANI, L; MOREIRA; IC (Orgs.). Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência/UFRJ, p. 133-41, 2002. THE NEW LONDON GROUP (Cazden, Courtney, Bill Cope, Mary Kalantzis et al.). A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. Harvard Educational Review, Cambridge, vol.66, n.1, p. 60-92, spring 1996.

296

ANEXOS

ANEXO 1 - TERMOS DE CONSENTIMENTO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (maior de idade)

Multiletramentos e novos letramentos para o Ensino Médio: sequência didática gamificada em gêneros científicos e de divulgação científica Pesquisadora: Juliana Vegas Chinaglia Número do CAAE: 68157417.4.0000.5404

Gostaríamos de solicitar sua autorização para participar como voluntário de uma pesquisa de doutorado da Universidade Estadual de Campinas, durante as aulas de português do Curso [x]54. Todas as atividades serão feitas durante a rotina do curso, no período previsto de agosto a outubro de 2017, com a professora de língua portuguesa, que por sua vez, é também a pesquisadora. Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar os direitos do participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos: A pesquisa tem como objetivo testar um novo material didático digital de língua portuguesa, que utiliza estratégias de jogos em sala de aula, como envolvimento em uma narrativa, atribuição de pontos, missões a serem cumpridas e atividades colaborativas. Sua importância está na contribuição do desenvolvimento de materiais didáticos que sejam compatíveis com os dias atuais, especialmente no que se refere ao uso de novas tecnologias.

Procedimentos: Participando do estudo você está sendo convidado a:

 Preencher um questionário de 38 perguntas múltipla escolha, de aproximadamente 20 minutos, sobre seu perfil de uso de computador, celular e Internet (por exemplo, com que frequência usa redes sociais ou joga online);  Eventual gravação em áudio ou vídeo de sua participação em sala de aula;  Gravação de entrevista em áudio sobre suas impressões do material e seu processo de aprendizagem;  Ter seus textos produzidos em sala de aula registrados para análise da pesquisadora;

54 Nome suprimido para proteger a identidade dos participantes. 297

 Oferecer seu perfil de navegação na Internet, somente durante as atividades de busca do material, através de software instalado nos computadores do laboratório de informática utilizado.

Todos os dados coletados manterão o sigilo de identidade do participante, serão armazenados no computador da pesquisadora por cinco anos (através do recurso de armazenamento online Google Drive) e, após esse período, serão descartados permanentemente.

Desconfortos e riscos: Não há riscos previsíveis diretamente ligados à execução da pesquisa. Todas as etapas da pesquisa serão realizadas durante a rotina de atividades do participante, que já frequenta o Curso [x] por livre e espontânea vontade. No entanto, caso você se sinta desconfortável com algum procedimento da pesquisa, poderá abandoná-la a qualquer momento, sem nenhum prejuízo.

Benefícios: O participante da pesquisa não recebe benefício direto, mas contribui indiretamente para o desenvolvimento da pesquisa em ciências humanas, nas áreas de letras e linguística aplicada, bem como contribui para a melhoria da educação do país, ao participar de uma pesquisa que tem como objetivo estudar modelos inovadores de atividades em sala de aula.

Acompanhamento e assistência: Você terá a garantia da possibilidade de desistência da participação a qualquer momento, sem maiores prejuízos. Comprometemo-nos a oferecer assistência integral e imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário, em caso de danos decorrentes da pesquisa, seja ela de natureza médica, psicológica ou afetiva.

Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

Ressarcimento e Indenização: Você terá a garantia à indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. No entanto, não estão previstos ressarcimentos monetários em caso de desistência, já que nenhum gasto, para além da rotina do estudante, será necessário, já que você participará da pesquisa durante suas aulas.

Contato: Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Juliana Vegas Chinaglia, no Instituto de Estudos da Linguagem / Unicamp, localizado na Rua Sérgio Buarque de Holanda, 571, Barão Geraldo, Campinas/SP, CEP 13083-859, ou através do telefone (19) 98353-8803 e email [email protected]. Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do 298

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas.

Consentimento livre e esclarecido: Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar e declaro estar recebendo uma via original deste documento assinada pelo pesquisador e por mim, tendo todas as folhas por nós rubricadas:

Nome do (a) participante: ______Contato telefônico: ______e-mail (opcional): ______(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)

Data: ____/_____/______.

Responsabilidade do Pesquisador: Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______Data: ____/_____/______. (Assinatura do pesquisador)

299

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (menor de idade)

Multiletramentos e novos letramentos para o Ensino Médio: sequência didática gamificada em gêneros científicos e de divulgação científica Pesquisadora: Juliana Vegas Chinaglia Número do CAAE: 68157417.4.0000.5404

Senhores pais e/ou responsáveis,

Gostaríamos de solicitar a autorização para que seu filho(a) participe como voluntário de uma pesquisa de doutorado da Universidade Estadual de Campinas, durante as aulas de português do Curso [x]. Todas as atividades serão feitas durante a rotina do curso, no período previsto de agosto a outubro de 2017, com a professora de língua portuguesa, que por sua vez, é também a pesquisadora. Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar os direitos do participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos: A pesquisa tem como objetivo testar um novo material didático digital de língua portuguesa, que utiliza estratégias de jogos em sala de aula, como envolvimento em uma narrativa, atribuição de pontos, missões a serem cumpridas e atividades colaborativas. Sua importância está na contribuição do desenvolvimento de materiais didáticos que sejam compatíveis com os dias atuais, especialmente no que se refere ao uso de novas tecnologias.

Procedimentos: Participando do estudo seu filho está sendo convidado a:

 Preencher um questionário de 38 perguntas múltipla escolha, de aproximadamente 20 minutos, sobre seu perfil de uso de computador, celular e Internet (por exemplo, com que frequência usa redes sociais ou joga online);  Eventual gravação em áudio ou vídeo de sua participação em sala de aula;  Gravação de entrevista em áudio sobre suas impressões do material e seu processo de aprendizagem;  Ter seus textos produzidos em sala de aula registrados para análise da pesquisadora;  Oferecer seu perfil de navegação na Internet, somente durante as atividades de busca do material, através de software instalado nos computadores do laboratório de informática utilizado.

300

Todos os dados coletados manterão o sigilo de identidade do participante, serão armazenados no computador da pesquisadora por cinco anos (através do recurso de armazenamento online Google Drive) e, após esse período, serão descartados permanentemente.

Desconfortos e riscos: Não há riscos previsíveis diretamente ligados à execução da pesquisa. Todas as etapas da pesquisa serão realizadas durante a rotina de atividades do participante, que já está devidamente autorizado pelos senhores responsáveis para frequentar o Curso [x]. No entanto, caso seu(sua) filho(a) se sinta desconfortável com algum procedimento da pesquisa, ele poderá abandoná-la a qualquer momento, sem nenhum prejuízo.

Benefícios: O participante da pesquisa não recebe benefício direto, mas contribui indiretamente para o desenvolvimento da pesquisa em ciências humanas, nas áreas de letras e linguística aplicada, bem como contribui para a melhoria da educação do país, ao participar de uma pesquisa que tem como objetivo estudar modelos inovadores de atividades em sala de aula.

Acompanhamento e assistência: Você terá a garantia da possibilidade de desistência da participação do seu(sua) filho(a) a qualquer momento, sem maiores prejuízos. Comprometemo-nos a oferecer assistência integral e imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário, em caso de danos decorrentes da pesquisa, seja ela de natureza médica, psicológica ou afetiva.

Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que a identidade de seu(sua) filho(a) será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

Ressarcimento e Indenização: Você terá a garantia à indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. No entanto, não estão previstos ressarcimentos monetários em caso de desistência, já que nenhum gasto, para além da rotina do estudante, será necessário, já que ele participará da pesquisa durante suas aulas.

Contato: Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Juliana Vegas Chinaglia, no Instituto de Estudos da Linguagem / Unicamp, localizado na Rua Sérgio Buarque de Holanda, 571, Barão Geraldo, Campinas/SP, CEP 13083-859, ou através do telefone (19) 98353-8803 e email [email protected]. Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 301

Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Consentimento livre e esclarecido: Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar e declaro estar recebendo uma via original deste documento assinada pelo pesquisador e por mim, tendo todas as folhas por nós rubricadas:

Nome do (a) participante: ______Contato telefônico: ______e-mail (opcional): ______

______Data: ____/_____/______. (Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)

Responsabilidade do Pesquisador: Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______Data: ____/_____/______. (Assinatura do pesquisador)

302

ANEXO 2 - TERMO DE ASSENTIMENTO

Multiletramentos e novos letramentos para o Ensino Médio: sequência didática gamificada em gêneros científicos e de divulgação científica Pesquisadora: Juliana Vegas Chinaglia Número do CAAE: 68157417.4.0000.5404

Gostaríamos de convidá-lo(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa de doutorado da Universidade Estadual de Campinas, durante suas aulas de português do Curso [x]. Todas as atividades serão feitas durante a rotina do curso, no período previsto de agosto a outubro de 2017, com a professora de língua portuguesa, que por sua vez, é também a pesquisadora. Para autorizar a participação na pesquisa, seus responsáveis devem assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que visa assegurar os direitos do participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com eles e outra com a pesquisadora. No entanto, você também deve assinar este presente documento, chamado Termo de Assentimento, para que manifeste sua vontade de participar ou não da pesquisa. Uma via ficará com você e outra com a pesquisadora. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de manifestar sua vontade. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar. Seus responsáveis poderão retirar a autorização em qualquer momento. Nesta pesquisa, pretendemos testar um novo material didático digital de língua portuguesa, que utiliza estratégias de jogos em sala de aula, como envolvimento em uma narrativa, atribuição de pontos, missões a serem cumpridas e atividades colaborativas. Sua importância está na contribuição do desenvolvimento de materiais didáticos que sejam compatíveis com os dias atuais, especialmente no que se refere ao uso de novas tecnologias. Participando do estudo você está sendo convidado a:  Preencher um questionário de 38 perguntas múltipla escolha, de aproximadamente 20 minutos, sobre seu perfil de uso de computador, celular e Internet (por exemplo, com que frequência usa redes sociais ou joga online);  Eventual gravação em áudio ou vídeo de sua participação em sala de aula;  Gravação de entrevista em áudio sobre suas impressões do material e seu processo de aprendizagem;  Ter seus textos produzidos em sala de aula registrados para análise da pesquisadora;  Oferecer seu perfil de navegação na Internet, somente durante as atividades de busca do material, através de software instalado nos computadores do laboratório de informática utilizado. Todos os dados coletados manterão seu sigilo de identidade, serão armazenados no computador da pesquisadora por cinco anos (através do recurso de armazenamento online Google Drive) e, após esse período, serão descartados permanentemente. Nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado. 303

Você não corre nenhum risco previsível ligado diretamente à pesquisa. Todas as etapas da pesquisa serão realizadas durante sua rotina de atividades no Curso [x]. No entanto, caso você se sinta desconfortável com algum procedimento da pesquisa, poderá avisar seus responsáveis e abandoná-la a qualquer momento, sem nenhum prejuízo. Em nenhum momento, seu tratamento em sala de aula será modificado por motivo de desistência. Para participar você não precisará de nenhum custo e não receberá nenhum benefício direto, mas contribuirá indiretamente para o desenvolvimento da pesquisa em ciências humanas, nas áreas de letras e linguística aplicada, bem como contribuir para a melhoria da educação do país, ao participar de uma pesquisa que tem como objetivo estudar modelos inovadores de atividades em sala de aula. Comprometemo-nos a lhe oferecer assistência integral e imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário, em caso de danos decorrentes da pesquisa, seja ela de natureza médica, psicológica ou afetiva. Você terá a garantia à indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. No entanto, não estão previstos ressarcimentos monetários em caso de desistência, já que nenhum gasto, para além da sua rotina será necessário, já que você participará da pesquisa durante suas aulas.

Contato: Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Juliana Vegas Chinaglia, no Instituto de Estudos da Linguagem / Unicamp, localizado na Rua Sérgio Buarque de Holanda, 571, Barão Geraldo, Campinas/SP, CEP 13083-859, ou através do telefone (19) 98353-8803 e email [email protected]. Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisa.

Assentimento: Eu, ______, fui informado(a) dos objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta pesquisa possa. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e o meu responsável poderá modificar a decisão de participar se assim o desejar. Tendo o consentimento do meu responsável ______já assinado, declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma via deste Termo de Assentimento e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Responsabilidade do Pesquisador: 304

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP, quando pertinente. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______Data: ____/_____/______. (Assinatura do pesquisador)

305

ANEXO 3 - AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA UNICAMP

306

307

308

309

310

311

312

313

ANEXO 4 - QUESTIONÁRIO: USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS Olá, gostaríamos de convidá-lo(a) a responder um questionário, que faz parte da pesquisa de doutorado “Multiletramentos e novos letramentos para o Ensino Médio: sequência didática gamificada em gêneros científicos e de divulgação científica”, realizada pela pesquisadora Juliana Vegas Chinaglia e orientada pela Prof.ª Dr.ª Márcia Rodrigues de Souza Mendonça, a qual você aceitou participar. O questionário tem como objetivo conhecer suas práticas no computador, no celular e na Internet, especialmente no que diz respeito aos games. Através das respostas, pretendemos entender um pouco mais sobre seu acesso às tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs), assim como as práticas de letramentos das quais você participa nesses meios. Isso nos permitirá compreender melhor o contexto de pesquisa e formular hipóteses acerca dos participantes e sua relação com a sequência didática gamificada. Lembrando que todas as respostas são confidenciais e seus dados pessoais serão preservados.

Agradecemos desde já sua participação,

Juliana Vegas Chinaglia (Doutoranda em Linguística Aplicada/Unicamp) , Márcia Rodrigues de Souza Mendonça (Professora Doutora do Departamento de Linguística Aplicada/Unicamp).

Endereço de e-mail: ______

Instruções O questionário é composto por 25 perguntas de múltipla-escolha e 3 de resposta livre, que podem ser respondidas de maneira rápida e objetiva. Assinale qual alternativa corresponde melhor ao seu perfil de uso.

Qual é o seu nome? ______

Qual é a sua idade? ______Você utiliza computador? ( ) Sim. 314

( ) Não.

Qual tipo de computador? ( ) Computador de mesa. ( ) Notebook.

Na maior parte do tempo, onde você utiliza o computador? ( ) Casa. ( ) Escola. ( ) Lan house. ( ) Casa de parentes ou amigos. ( ) Centro comunitários. ( ) Outros.

Você possui celular? ( ) Sim. ( ) Não.

Qual tipo de celular? ( ) Celular comum. ( ) Smartphone.

Que outros dispositivos eletrônicos você possui? ( ) Tablet. ( ) E-reader (Kindle, Lev, Kobo, entre outros). ( )Ipod ou mp3/mp4. ( ) Câmera digital. ( ) Videogames. ( ) Outros.

Você possui acesso à Internet? ( ) Sim. ( ) Não.

315

Na maior parte do tempo, qual tipo de conexão à Internet? ( ) Conexão discada. ( ) Banda larga. ( ) Modem 3g ou 4g. ( )Wi-fi público.

Na maior parte do tempo, onde você acessa a Internet? ( ) Casa. ( ) Escola. ( ) Lan house. ( ) Casa de parentes ou amigos. ( ) Centros comunitários. ( ) Locais públicos. ( ) Outros.

Você possui acesso à Internet no celular ou smartphone, através de dados móveis (3g ou 4g)? ( ) Sim. ( ) Não.

Em qual dispositivo você mais acessa a Internet? ( ) Computador. ( ) Celular ou smartphone. ( ) Tablet. ( ) Outros.

Quantas horas por dia você utiliza a Internet? ( ) Até 1 hora. ( ) Entre 2 e 3 horas. ( ) Mais de 3 horas. ( ) Considero estar conectado o dia todo.

Você gosta de games? ( ) Sim. 316

( ) Não.

Você joga games? Com que frequência? ( ) Nunca jogo. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. ( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Cite um game que você costuma jogar. ______

Em quais aparelhos você joga games? ( ) Celular e/ou smartphone. ( ) Computador. ( ) Tablet. ( ) Videogame. ( ) Outros.

Na maior parte do tempo, onde você joga games? ( ) Casa. ( ) Escola. ( ) Lan house. ( ) Casa de parentes ou amigos. ( ) Centros comunitários. ( ) Locais públicos. ( ) Outros.

Qual seu principal meio de acesso aos games? ( ) Games gratuitos. ( ) Games pirateadas na Internet. ( ) Games pagos.

Qual o seu tipo de game favorito? ( ) Ação (TombRaider, por exemplo). 317

( ) RPG (Warcraft, Diablo, The Witcher, Dragon Age, por exemplo) ( ) Tiro (Battlefield, por exemplo). ( ) Corrida de carros e similares (GTA, Forza, Need for Speed, Asphalt, por exemplo). ( ) Corrida infinita (TempleRun, Lara CroftRelicRun, por exemplo). ( ) Esportes (FIFA, por exemplo). ( ) Inteligência (CandyCrush, FarmHeroes, BubbleWitch, Trivia, por exemplo). ( ) Estratégia (Age ofEmpires, por exemplo). ( ) Simulação (The Sims, por exemplo). ( ) Plataforma (Sonic, Mario Bros, por exemplo) ( )Outros.

Você acessa redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Tumblr, entre outras)? Com que frequência? ( ) Nunca. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. ( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Você utiliza aplicativos de mensagens instantâneas (Whatsapp, Messenger, Telegram, entre outros)? Com que frequência? ( ) Nunca. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. ( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Você assiste a vídeos (no Youtube, por exemplo)? Com que frequência? ( ) Nunca. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. 318

( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Você acessa serviços de streaming de televisão (Netflix, Globosat Play, HBO GO, Net Now, entre outros)? Com que frequência? ( ) Nunca. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. ( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Você acessa serviços de streaming de música (Spotify, Apple Music, Play Música, Deezer, entre outros)? ( ) Nunca. ( ) Raramente. ( ) Algumas vezes por mês. ( ) Algumas vezes por semana. ( ) Todos os dias.

Assinale quais das coisas abaixo você LÊ/ASSISTE na internet: ( ) Fanfics. ( ) Vídeos feitos por fãs (paródias, webséries, AMVs). ( ) Remixes e mashups. ( ) Gameplays e detonados. ( ) Páginas de redes sociais. ( ) Wikis. ( ) Blogs. ( ) Sites de notícias. ( ) Literatura digital (ciberpoemas, hipercontos). ( ) Fóruns. ( ) Outros.

319

Assinale quais das coisas abaixo você ESCREVE/PRODUZ na internet: ( ) Fanfics. ( ) Vídeos feitos por fãs (paródias, webséries, AMVs). ( ) Remixes e mashups. ( ) Gameplays e detonados. ( ) Páginas de redes sociais. ( ) Wikis. ( ) Blogs. ( ) Sites de notícias. ( ) Literatura digital (ciberpoemas, hipercontos). ( ) Fóruns. ( ) Outros.

320

ANEXO 5 - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 1. Você gosta de games? O que você achou de um material didático utilizar estratégias de games? 2. Como você se sentiu ao ler e produzir textos como a arqueóloga Lara Croft? Foi difícil pensar como outra pessoa? Você sentiu afinidade com a personagem? 3. O que você achou das atividades serem feitas na forma de objetivos e missões, na narrativa das aventuras de Lara no Camboja? Isso fez com que você se interassse mais pelas atividades? Ou foi desnecessário? Justifique. 4. O que você achou do ritmo de uso do material? Comente aspectos positivos e negativos de cada aluno fazer a atividade a seu tempo. 5. O que você achou da dinâmica de pontos? Ela foi positiva ou negativa? 6. Ganhar pontos lhe incentivou a fazer algo que você não faria antes durante uma aula comum? 7. Em que medida vocoê considera que o material contribuiu para seu aprendizado de produção de texto, especialmente os textos científicos e de divulgação científica? As atividades eram bem orientadas? Em que momentos você ficou na dúvida sobre o que deveria escrever? 8. Comente sobre a devolutiva da correção de textos pela professora. A devolutiva foi eficiente? Você buscou refazer o que era sugerido? 9. Você considera que, para fazer as atividades coliticadas o fato de o material ser digital foi importante? Em que medida isso facilitou ou dificultou as tarefas? 10. Que tipo de busca você fazia na internet para lhe ajudar nas atividades? Por exemplo, pesquisava em algum site específico? Buscava imagens ou vídeos? Comente suas estratégias. 11. O que você achou da usabilidade do material (interatividade das páginas, facilidade de acessá-las, músicas de fundo, cores, fontes de letra)? 12. O que você mudaria no material? Recomendaria que algum colega de fora do curso o jogasse? Comente e faça sugestões, com o objetivo de melhorá-lo.