UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

A ESCOLA DE DÜSSELDORF: a fotografia entre memória, documento e arte

Renato Bezerra Menezes

Dissertação

Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Carlos Pereira

2019

DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu Renato Bezerra Menezes, declaro que a presente dissertação de mestrado intitulada “A ESCOLA DE FOTOGRAFIA DE DÜSSELDORF – Entre Memória, Documento e Arte”, é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa, 20 de outubro de 2019

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo discutir as relações entre os aspectos documental e artístico na fotografia da Escola de Düsseldorf, mediadas pelos mecanismos da memória.

A Escola de Düsseldorf foi fundada em 1976 pelos fotógrafos Bernd e Hilla Becher, e foi responsável pela formação de inúmeras gerações de fotógrafos, até o ano de 1997, quando encerrou suas atividades.

Com uma orientação baseada em conceitos desenvolvidos pela Nova Objetividade, corrente estética surgida na Alemanha, durante a República de Weimar (1919-1933), a Escola de Düsseldorf apresenta uma matriz documental associada à obra dos mestres Bernd e Hilla Becher; estes fotógrafos desenvolveram uma metodologia composicional e tipológica, utilizada para o registro fotográfico de estruturas industriais desativadas em vários países da Europa.

O método desenvolvido pelos Becher em sua obra define-se, quanto à captura das imagens, por enquadramentos diretos, grande distância focal, poucas sombras, ausência de pessoas, e quase sempre ausência de horizonte, entre outras características. Os Becher organizaram sua obra em dois grupos de imagens, que chamaram de tipologias e desenvolvimentos, onde agrupavam, respectivamente, diversas estruturas tipologicamente semelhantes, e diversos ângulos de uma mesma estrutura. A sua obra, notadamente documental, dada a sua dimensão arquivística, foi reconhecida como arte, recebendo o prémio de escultura na Bienal de Veneza de 1990.

Os conceitos de arte e documento são articulados por ligações atribuídas aos mecanismos de memória, e apresentados na obra de cinco fotógrafos, alunos da primeira turma dos mestres Bernd e Hilla Becher: , Axel Hütte, Candida Höfer, , e . Os fotógrafos apresentados revelam, em comum, um rigor metodológico presente na realização e na organização de seu trabalho, com maior ou menor grau de relevância no resultado de sua obra. Cada um deles desenvolveu sua

própria fotografia, com características individuais marcantes, para além do rigor metodológico assimilado dos mestres.

A Escola de Düsseldorf parece situar-se na fronteira entre arte e documento: entre a representação do real e a criação de novas visualidades a partir do não visível, não deixando de ser documento ao assumir-se arte, nem de ser arte ao afirmar-se documento.

Palavras-Chave: Becher; Escola de Düsseldorf; Memória; Documento; Arte

ABSTRACT

This paper aims to discuss the relations between the documentary and artistic aspects of the Düsseldorf School, mediated by the memory mechanisms.

The Düsseldorf School was founded in 1976 by photographers , and was responsible for training countless generations of photographers until the year 1997, when it ended its activities.

With a specific orientation on concepts developed by the New Objectivity, aesthetic current emerged in Germany, during the Weimar Republic (1919-1933), the Düsseldorf School presents a documentary matrix associated with the work of masters Bernd and Hilla Becher; these photographers developed a typological and composite methodology, used for the photographic recording of decommissioned industrial structures in various European countries.

The method developed by Becher in their work is defined as the capture of images framing, large focal length, few shadows, absence of people and almost always absence of horizon, among other characteristics. The Becher organize their work into two groups of images, which they called typologies and developments, where they group together, respectively, several typologically related structures, and several angles of the same structure. Their work, notably documentary, given its archival dimension, was recognized as art, receiving the sculpture prize at the 1990 Venice Biennale.

The concepts of art and documents are articulated by links attributed to the mechanisms of memory, and presented in the work of five photographers, students of the first class of masters Bernd and Hilla Becher: Andreas Gursky, Axel Hütte, Candida Höfer, Thomas Ruff and Thomas Struth. The photographers presented reveal, in common, a methodological rigor present in the realization and organization of their work, with greater or lesser degree of relevance in the result of their work. Each of them developed their own photography, with striking individual characteristics, beyond the methodological rigor assimilated by the masters.

The Düsseldorf School seems to be situated on the frontier between art and document: between the representation of the real and the creation of new visualities from the unseen, it is noneless a document in assuming art, nor an art in affirming itself as document.

Keywords: Becher; Düsseldorf School; Memory; Document; Art

Para Lucia e Renato, ao seu encontro que se fez memória.

Agradeço ao Professor Doutor José Carlos Pereira, pela orientação precisa, gentil e acessível.

Agradeço a Humberto Menezes, pelas longas conversas sobre fotografia, a Renata Victor e Julianna Torezani, e também a Betty Lacerda, importantes mediadoras de sonhos e projetos fotográficos, nos tempos em que a fotografia tornou-se caminho. Agradeço também a Fred Jordão e João Rogério Filho, parte do caminho, amigos indispensáveis ao meu olhar de fotógrafo, e a Leonor Maia, pela ajuda perspicaz e objetiva.

Agradeço o afeto de Luís Pavão, inesgotável fonte de inspiração e conhecimento, Maria Morais, e Martha Tavares: minha Lisboa em três pontos cardeais.

Agradeço também a Rui Xavier, por suas ideias, contribuições e histórias.

A todos os que fazem parte dessa jornada pessoal e profissional, o meu muito obrigado.

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...... 01

1. AS ORIGENS: O PICTORIALISMO E A NOVA OBJETIVIDADE...... 05

2. A ESCOLA DE DÜSSELDORF – BERND E HILLA BECHER...... 15

3. ENTRE MEMÓRIA, DOCUMENTO E ARTE...... 25

4. OS FOTÓGRAFOS...... 34

4.1 – ANDREAS GURSKY...... 35

4.2 – AXEL HÜTTE...... 43

4.3 – CANDIDA HÖFER...... 50

4.4 – THOMAS RUFF...... 59

4.5 – THOMAS STRUTH...... 72

CONCLUSÃO...... 81

CRÉDITOS DAS IMAGENS...... 85

BIBLIOGRAFIA...... 88

INTRODUÇÃO

Ver é um dos mais recorrentes desafios da humanidade. O filósofo grego Platão (428 a.C – 348 a.C.), no livro VII da República, recorre à luz e à sombra, para simbolizar a verdade e a ilusão, respectivamente, e descreve o quanto a imagem, e sua construção, somente possível através da luz, tem um importante significado para a compreensão da realidade pelo homem, que a ela atribui um caráter de verdade. O desafio de ver, quase tão remoto quanto o desejo de reter a imagem, foi responsável pela descoberta da fotografia. A fotografia, resultado da união entre conhecimentos óticos e químicos, refere-se não apenas ao ato de ver, mas à retenção da imagem, portanto, da verdade a ela atribuída.

Os papéis desempenhados pela fotografia, nos quase dois séculos que se passaram desde a sua descoberta, são inúmeros. Seu caráter de verdade transformou-se com o tempo, em razão de aperfeiçoamentos técnicos, e da função que desempenha na sociedade, a cada momento dessa história secular, indo do registro documental, à tentativa de equiparação às artes pictóricas, até alcançar uma linguagem própria, mostrando-se hoje um meio flexível e adaptável. A razão de sua existência não está, aparentemente, ligada apenas a questões técnicas ou a sua função social, mas à capacidade de produzir novas visualidades, situadas entre documento e arte.

Este trabalho tem por objetivo discutir as relações entre documento e arte na fotografia, a princípio estabelecidas por intermédio de mecanismos de memória, no intervalo de tempo e espaço representado pela Escola de Düsseldorf, fundada em 1976 pelo fotógrafo Bernd Becher em parceria com sua esposa, a fotógrafa, Hilla Becher.

O interesse pelas relações entre documento e arte na fotografia surgiu a partir da necessidade de estabelecer critérios metodológicos para a elaboração de uma crítica à fotografia e, posteriormente, ao exercício da curadoria em coleções de fotografias. Situar uma fotografia ou coleção entre o universo do documento ou da arte pareceu, a princípio, uma questão definidora para a construção de uma crítica, ao se mostrarem características aparentemente opostas, mas de fato complementares.

1

A contínua presença dessa relação no fazer fotográfico sugeriu a necessidade de um recorte histórico, no tempo e no espaço, que resultou na escolha do objeto de estudo. Dentre as inúmeras razões que levaram à Escola de Düsseldorf, a primeira delas, e não menos importante, é o fato de a Escola de Düsseldorf ser uma escola de bases documentais, que existiu dentro de uma escola de artes, a Academia de Belas Artes, Kunstakademie, de Düsseldorf, o que a situa como uma escola preocupada com o método documental, embora ligada à perspectiva da expressão artística. É, ao mesmo tempo, um espaço de produção de fotografia, e uma estrutura de educação. A segunda razão está em seus resultados, uma vez que, dentre seus alunos, encontram-se hoje alguns dos mais reconhecidos artistas da fotografia contemporânea. Esse binômio, de imediato, fez surgir a pergunta, que mostra-se presente ao longo de todo o trabalho: como se dá a relação entre documento e arte na trajetória artística dos alunos da Escola de Düsseldorf?

Estabelecido o assunto e também o intervalo de espaço e tempo a ser explorado, o principal objetivo ganha a perspectiva de situar a fotografia da Escola de Düsseldorf na delicada zona limítrofe entre documento e arte, e procurar transpor a invisível e aparente fronteira entre esses dois territórios, por onde transita a fotografia desde os primórdios de sua existência.

Ao estudo do caso da Escola de Düsseldorf, associou-se uma revisão de literatura com o propósito de compreender melhor as particularidades da fotografia enquanto documento e enquanto arte, e identificar pontos de aproximação ou afastamento entre eles. A memória mostrou-se como o mecanismo mais eficiente para intermediar a relação entre essas duas características da fotografia ao responder a questões relacionadas à maneira como são vistas as imagens e como a elas são atribuídos significados.

Desta forma o trabalho divide-se em quatro capítulos, que abordam o contexto histórico da Escola de Düsseldorf; a apresentação de seus fundadores, os mestres Bernd e Hilla Becher; a discussão das relações entre o observador, as imagens, e seus significados; e a apresentação de cinco de seus fotógrafos, a saber, Andreas Gursky, Axel Hütte, Candida Höfer, Thomas Ruff e Thomas Struth. Ao identificar

2

características individuais, como também aspectos em comum, entre os fotógrafos de Escola de Düsseldorf e seus princípios artísticos e metodológicos, vislumbra-se respostas para questões ligadas à relação entre documento e arte na fotografia, mediadas pelos mecanismos da memória.

Há, aparentemente, dois importantes pontos de ligação entre a matriz metodológica documental, que deu origem a Escola de Düsseldorf, e o resultado alcançado por seus alunos: um de origem histórica, que se situa anos antes de sua fundação, com origens na Nova Objetividade, estética desenvolvida na Alemanha durante a República de Weimar, período compreendido entre os anos de 1919 e 1933; e um outro relacionado à maneira como a formação documental foi transmitida, pelos Becher, a seus discípulos, e como estes desenvolveram individualmente sua linguagem, mas mantiveram características em comum, que são estruturadoras de sua obra.

Após a I Guerra Mundial (1914-1918) surge, na Alemanha destruída pelos efeitos da guerra, uma manifestação artística que pode ser vista como um desdobramento do expressionismo alemão, e caracteriza-se por uma arte realista, que recusa abstrações. O movimento foi designado Nova Objetividade, em 1923, pelo historiador de arte Gustav Hartlaub (1884-1963), ao manifestar o desejo de realizar uma exposição sobre a “realidade positiva”. A exposição de Hartlaub aconteceu dois anos mais tarde, em Munique, em clima de denúncia social, e tecia uma crítica à sociedade burguesa e à guerra.

Na fotografia, uma importante manifestação da estética da Nova Objetividade foi o projeto do fotógrafo August Sander (1876-1964), que pretendia, de acordo com a historiadora Pepper Stetler, “compor um quadro abrangente da sociedade alemã de seu tempo. Pretendia publicar o projeto, intitulado Gente do Século XX, com uma coletânea de 600 retratos” (STETLER, apud HACKING, 2009, p.301). O projeto da Sander, inacabado, resultou no livro Antitz der Zeit: 60 Fotos Deutscher Menschen (Rostos de Nossa Época: 60 Fotos de Alemães). Publicado em 1929, trata-se de um trabalho de arquivo, que apresenta uma metodologia desenvolvida com o objetivo de registrar a conflituosa realidade social da época.

3

A metodologia desenvolvida pelos mestre Bernd e Hilla Becher resgata princípios da Nova Objetividade, como o olhar sobre uma sociedade em crise, e aproxima-se da obra de Sander por seus pontos de vista centralizados, seu padrão de repetição, e sua relação com o tempo e o espaço, como que “subtraídos” da composição, a fim de realçar o objeto fotografado.

Os alunos dos Becher parecem ter encontrado na metodologia documental dos mestres, o ponto de partida para a construção de suas trajetórias individuais na fotografia. Em comum à obra dos discípulos dos Becher, nota-se o desenvolvimento de um método que serve de suporte para a construção de suas narrativas, o que afirma a importância do viés metodológico dos mestres na formaçao de uma nova geração de fotógrafos. Como resultado estético das variantes metodológicas adotadas por cada um individualmente, todos parecem utilizar os recursos do método e da objetividade assimilada de seus mestres para produzir uma relação de aproximação com o observador. A ausência de expressão nas pessoas, ou a ausência de pessoas, aparentemente, dá permissão ao observador para que penetre na obra e elabore seus próprios significados, efetivando a construção de novas realidades visuais através da fotografia: “ao mundo das coisas, sucede o das imagens, e as próprias imagens tendem a tornar-se mundo”(ROUILLÉ, 2009, p.145)

O nome Escola de Düsseldorf transcendeu seus domínios e tornou-se uma denominação comum àqueles fotógrafos que, ao desenvolver seus talentos sob a orientação dos mestres Bernd e Hilla Becher, não abandonaram o aspecto documental de suas imagens, mas cultivaram uma linguagem própria e autônoma.

4

1. AS ORIGENS: O PICTORIALISMO E A NOVA OBJETIVIDADE

A discussão sobre o caráter documental e o caráter artístico da fotografia remete às suas origens, uma vez que essa discussão esteve sempre presente desde o seu surgimento. Esse marco inicial situa-se entre 1826, quando foi realizada a imagem fotográfica mais antiga que se tem preservada até hoje, “Vista da Janela em Le Gras”, de autoria do francês Joseph Nicéphore Niépce(1765-1833), e 1839, quando vieram a público não apenas a heliografia (como foi chamado o processo fotográfico desenvolvido por Niépce, por utilizar a luz do sol), como também a daguerreotipia, desenvolvida por Louis-Jaques-Mandé Daguerre(1787-1851). As primeiras discussões em torno do lugar da fotografia na sociedade e dos questionamentos entre o seu caráter documental e artístico tem origem na ameaça que os artistas sentiam diante dessa nova forma de representação, questionando se a fotografia ocuparia o lugar da pintura, e pouco a pouco chegaria a torná-la sem valor. A discussão entre o caráter artísitico e documental da imagem fotográfica reforça a ideia de que “a fotografia pertence tanto a esfera da realidade quanto a da imaginação. Embora por vezes favoreça uma em detrimento da outra, nunca abre mão de nenhuma das duas completamente”(HACKING, 2012, p.8).

Antes de discutir os conceitos de arte e documento na fotografia, em especial na fotografia da Escola de Düsseldorf, algumas questões parecem importantes para sua a compreensão; primeiramente, um recorte histórico que permita situar as origens formais da Escola de Düsseldorf, em seguida, as razões pelas quais ela surge como foco central dessa discussão, a apresentação de seus autores, da metodologia desenvolvida e aplicada, e de alguns fotógrafos que ao abrigo das suas coordenadas estéticas, nela desenvolveram a sua obra.

No final do século XIX vivia-se nas artes visuais o expressionismo, movimento artístico e cultural nascido na Alemanha, presente nos círculos artísticos e intelectuais durante as duas primeiras décadas do século XX. O expressionismo caracterizava-se por uma extrema subjetividade figurativa, pessoal e intuitiva, que valorizava mais a interpretação da cena, que a cena em si. Manifestou-se inicialmente na pintura,

5

coincidindo com o fauvismo francês, mas foi um movimento de abrangência transversal, passando pelo teatro, música, arquitetura, pintura, escultura, desenho e pela fotografia. No expressionismo predominava a visão do autor, ou expressão, em oposição à mera observação da realidade. Nesse ambiente, a fotografia guardava certa relação de simbiose com a pintura, seja por proximidade ou por distanciamento.

Por mostrar exatamente aquilo que estava diante da lente, a fotografia era então vista como um dispositivo mais ligado à documentação que à expressão artística. Era vista de fato mais como técnica, que como arte onde a imaginação poderia ter também um papel fundamental. Entretanto, a imagem que é construída através da câmera é diferente daquela que possui uma relação direta com o olho. A câmera como entreposto do olhar era o que conferia à fotografia um significado diferente de tudo aquilo que era, até então, arte. A mediação da câmera faz surgir uma espacialidade consciente, profundamente distinta daquela que está ao alcance do olho nu, feita de instinto, sentido, reflexo e reação. Esse olhar consciente foi o caminho para uma nova compreensão da imagem fotográfica. Sem afastar-se por completo da condição documental que lhe fora atribuída nas origens, a fotografia apropria-se da câmera e, através dela, assume pouco a pouco o caráter de expressão.

Suas características técnicas, indissociáveis da máquina, reforçavam até certo ponto seu distanciamento da arte, ligada ao fazer manual, embora se possa afirmar que “a fotografia nunca esteve totalmente dissociada do seu aspecto expressão,[...] pois a fotografia não é, por natureza, documento”(ROUILLÉ, 2009, p.27).

Ainda assim, a discussão em torno do caráter artístico da imagem fotográfica já ganhava espaço ao afirmar que a fotografia poderia agregar tanto valor artístico quanto uma pintura. Essa ideia era defendida através da manipulação de negativos e provas, e fazia com que a fotografia se aproximasse da pintura em seu resultado.

A persistência pictorialista na ideia de aproximar a fotografia da pintura, se por um lado procurava agregar à fotografia características que não eram suas por essência, serviu para abrir caminho a uma outra perspectiva: a da apropriação da câmera, não apenas como a ferramenta do fazer (assim como o pincel, na pintura) mas para a legitimar como um instrumento do olhar.

6

Em 1857, o pintor sueco Oscar Gustav Rejlander (1813-1875) expôs pela primeira vez uma imagem fotográfica em pé de igualdade com a pintura. Sua fotografia Os Dois Caminhos da Vida,de fato uma montagem feita a partir de várias fotografias, obedecia a uma estética muito semelhante à da pintura acadêmica, não apenas pela composição, mas também pela pose das figuras retratadas, que lembravam estátuas Greco-romanas.

No ano seguinte, o fotógrafo inglês Henry Peach Robinson (1830-1901) utilizou cinco negativos para revelar a sua fotografia intitulada Fading Away, que retratava o sofrimento de uma jovem com tuberculose acompanhada de sua família. Embora fosse possível alcançar o resultado com apenas um negativo, Robinson queria demonstrar a possibilidade de um resultado artístico por meio da combinação de várias impressões.

Fig. 1 – Oscar Gustav Rejlander – Os Dois Caminhos da Vida – 1857 – Impressão em carbono, 40,6 cm x 76,2 cm – National Media Museum, Bradford, UK

Fig. 2 – Henry Peach Robinson – Desaparecendo – 1858 – Impressão em albumina e prata a partir de negativos de vidro – 23,8 x 36,2cm National Media Museum, Bradford, UK

7

Eram as primeiras manifestações em defesa do que iria se configurar como o movimento pictorialista, que eclodiu na França, Inglaterra e nos Estados Unidos a partir da década de 1890. O pictorialismo reunia fotógrafos que desejavam produzir aquilo que consideravam fotografia artística, e por essa razão reivindicavam o mesmo prestígio e o mesmo espaço na sociedade que era conferido aos artistas tradicionais.

Os pictorialistas procuravam aproximar o resultado da imagem fotográfica à pintura, à gravura ou ao desenho e, assim, desterritorializavam a fotografia, ao invés de afirmá-la através de uma linguagem própria, mais próxima da máquina e da ciência, que realmente era. Em função dessa trajetória conceitual, o movimento que durou até os anos de 1920, seguiu estigmatizado durante muito tempo, até perceber que “a fotografia tem novos segredos a conquistar, novas madonas a inventar e novas ideias a imaginar” (FABRIS, apud HELMUT, 2011, p.18).

Durante a República de Weimar, um período de extrema crise política e social estabeleceu-se no país, em contraste com um surpreendente florescimento da cultura. A transformação do pensamento, o que tem efeitos diretos nas manifestações artísticas, não poupou a fotografia.

A Nova Objectividade, movimento artístico que equivale, em tempo, ao período da República de Weimar, abrangeu as artes visuais, a literatura, a música, a arquitetura e particularmente a fotografia. Caracterizou-se por um olhar objetivo e seco, por vezes áspero, sobre a realidade, em reação à poética expressionista que a antecedeu.

Na fotografia, Albert Renger-Patzsch (1897-1966) surge como um fotógrafo que contrapõe-se a condição poética, e realiza uma fotografia de foco nítido, perspectivas diretas, e olhar essencialmente documental. Renger-Patzsch corresponde a uma das primeiras expressões dessa mudança de paradigma e defende que a fotografia deveria estar subordinada ao que considerava a função primordial da câmera: documentar a realidade. Para Renger-Patzsch, por exemplo, o observador não deveria estar sujeito à visão subjetiva do fotógrafo, ou a estratégias de composição visualmente chamativas, sendo o papel do fotógrafo realçar a apreciação de um objeto reproduzindo- o em detalhes realistas e sutis. Para isso colocava-se o objeto no centro de um quadro

8

perfeitamente proporcional, não restando ao observador senão refletir sobre o próprio tema, como na imagem A muda de árvore, de Renger-Patzsch.

Fig. 3 - Albert Renger-Patzsch – A Muda da Árvore – 1929 – Impressão em gelatina e prata -

22,6 cm x 16,3 cm – Coleção particula – Alemanha

A árvore está centrada no quadro contra a linha do horizonte, enquanto as linhas crescentes formadas pelos galhos são refletidas pelas linhas de neve na metade inferior da composição. O fundo vazio força o observador a se concentrar na forma da árvore, na variedade de tons de cinza no tronco e nas linhas superpostas dos galhos. Segundo Walter Benjamin “torna-se evidente que este novo olhar terá muito pouco que ir buscar àquele âmbito a que antes se recorria com a maior facilidade: o do retrato fotográfico. [...] Por outro lado, a renúncia à figura humana é, para a fotografia, a mais inadmissível de todas”(BENJAMIN, apud TRACHTENBERG, 2013, p.219).

Renger-Patzsch acreditava que a fotografia era uma forma de arte independente, e formulou uma estética direta para a fotografia, cuja influência foi considerada entre seus contemporâneos e alguns fotógrafos posteriores. Tratava-se de estratégias visuais que tinham por finalidade desnudar o objeto fotográfico. Ao promover essa nudez, ao afastar-se de toda a subjetividade pictorialista, afirmava-se como uma nova linguagem, feita de enquadramentos diretos, por vezes duros, realce de detalhes e geometrismos, e uma evidente valorização da forma e do espaço.

9

Os mais expressivos resultados dessas transformações artísticas, contudo, não se percebe de imediato. Segundo o historiador de arte André Rouillé, o pictorialismo na arte fotográfica mostra-se nos anos posteriores à Grande Guerra: “no início dos anos 1920, a Grande Guerra não parece ter afetado a supremacia do pictorialismo sobre a arte fotográfica.”(ROUILLÉ, 2009, p.261). Somente em 1925 desponta uma mudança de paradigma, incentivada por dois eventos ocorridos na Alemanha: a publicação da obra de László Moholy-Nagy(1895-1946) Peinture, Photographie, Film (Pintura, Fotografia, Filme) e a organização da exposição de pinturas Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), na Kunsthalle (Galeria de Arte) de Mannheim. Nenhum deles estava diretamente ligado à fotografia, mas à arte propriamente dita.

Fig. 4 – Lazló Moholy-Nagy – Benevolent Gentleman - 1924 - Fotomontagem – 28cm X 20cm

Fig. 5 – Lazló Moholy-Nagy – Human Mechanics - 1924 - Fotomontagem – 28cm X 20cm

10

Inovador na tipografia, escultura, pintura e também na fotografia, Laszló Moholy-Nagy não é apenas fotógrafo, mas artista e teórico. Sobre Moholy-Nagy, afirma Rouillé que “se atribui um papel de primeira importância à fotografia, é estritamente do ponto de vista da arte, para inventar imagens inusitadas e suplantar o limite do olho.”(ROUILLÉ, 2009, p.261). Contudo, sua obra Pintura, Fotografia, Filme, em conjunto com a exposição Nova Objetividade, terão repercussões na fotografia, tanto do ponto de vista do discurso, quanto da imagem propriamente dita.

A exposição em Mannheim não inclui nenhum fotógrafo (apenas pintores), mas o retorno à figuração, e a proposta formal de uma fria precisão, servirão de bases para uma revisão conceitual na fotografia que se apresentará com o modernismo, e que situa a fotografia como arte, porém no limite do documento, ao considerar a máquina e a técnica características indissociáveis de sua linguagem.

Mais ligada à técnica, pela máquina, que à arte, pela mão do artista, a fotografia foi a forma de expressão ideal para a sociedade em rápida modernização no século XX. A aparente neutralidade da fotografia da Nova Objetividade, no entanto, esconde mal os jogos de poder. Ela não somente restitui objetivamente as coisas do mundo, de volta ao mundo, mas glorifica o universo da máquina, da indústria, da mercadoria, e de toda a estrutura econômica da sociedade industrial. Segundo Walter Benjamin “não seria de admirar que as práticas fotográficas que nos remetem para essa época de ouro pré- industrial tivessem ligações subterrâneas com a crise que abala a indústria capitalista”(BENJAMIN, apud TRACHTENBERG, 2013, p.219)

Com a mudança de paradigma, trazida pela Nova Objetividade, prevalece a concepção de uma fotografia que identifica-se com ela própria, e não mais com a pintura. Uma fotografia que afirma-se por meio de procedimentos que lhe são próprios, e não os que imitava na pintura. A fotografia que aproximava-se dos efeitos na pintura, eminentemente passa a encontrar uma razão própria de existir, graças justamente às suas qualidades fotográficas. Já não se faz passar por arte, e assim é, autenticamente, arte. “Daí em diante, as qualidades fotográficas não são mais contrárias, mas sim favoráveis ao valor artístico de uma prova”(ROUILLÉ, 2009, p.263). O que passa a ser decisivo para a fotografia deixa de ser a questão de pertencer(ou não) ao universo artístico, e

11

passa a ser a relação de cada um dos fotógrafos com a sua técnica. E nesse ambiente desenvolve-se a expressão. Sem a pretensão de contextualizar ou interpretar o objeto, a Nova Objetividade ressignifica a forma.

Aquilo que sempre fora considerado um defeito, e por isso afastava a fotografia da condição de arte, agora a torna superior aos outros meios de expressão: a forma como resultado do olhar intermediado por uma máquina. “A fotografia modernista caracteriza-se por uma aliança completamente diferente daquela do pictorialismo [...] a uma aliança máquina-coisa harmoniosa, colocada sob a soberania da fotografia.[...] Do pictorialismo à Nova Objetividade, a máquina adquire a soberania artística que lhe foi obstinadamente negada, enquanto a mão é suplantada pela coisa”(ROUILLÉ, 2009, p.263). A fotografia coloca-se como soberana ao fotógrafo, este subordinando-se à técnica e à câmera. Tem lugar a arte como fotografia, e não a fotografia como arte.

Essa inversão da natureza da fotografia, ao se assumir como uma arte da engenharia, do fazer, acontece num momento em que o mundo volta-se para a sociedade industrial, e cresce o entusiasmo pelas máquinas. A fotografia na Nova Objetividade caracteriza-se, de fato, por uma aliança distinta daquela estabelecida com a pintura no pictorialismo. A câmera fotográfica é o novo meio de criação artística. É uma relação mecânica por essência, e desconhece, ou desconsidera, a parte da fotografia determinada pela revelação e impressão, que é essencialmente química, artesanal e manual. A máquina parece suplantar a mão nessa relação com com o objeto fotográfico. “Na hierarquia da Nova Objetividade, o fotógrafo-artista não mais se confronta com a máquina, não procura mais, como os pictorialistas, submetê-la: é ele que, por sua vez, transforma-se em máquina de ver, identifica-se completamente com ela e aí se entranha modestamente, despojando-se integralmente de si mesmo”(ROUILLÉ, 2009, p.264). A fotografia assimila a relação entre o fotógrafo e a máquina como algo único, e por isso autoral (e não mecânico). E para assimilar essa transformação no foco, do olhar tecnicista para o olhar autoral, é necessário reduzir: os métodos de captura da imagem, que implicam por sua vez numa técnica de redução, e por isso permitem um grau de domínio da obra. Sem essa relação de dominação intelectual, os processos fotográficos perderiam a razão de ser. É da tensão existente entre a idealização, a concepção e a

12

realização fotográfica que resulta a arte na fotografia. Poderá ser também essa tensão a responsável pela relação entre arte e documento na fotografia, estabelecida com tanta fluidez.

Tecnicamente, a Nova Objetividade vê tudo aquilo que o pictorialismo recusava- se a enxergar: os planos próximos, a nitidez, os detalhes e a estrutura gráfica dos enquadramentos que criam uma nova estética. Permitem à fotografia a apropriação de uma linguagem.

Versões opostas em sua essência, o pictorialismo e a Nova Objetividade reafirmam, cada um a seu tempo, a multiplicidade do universo da fotografia. Sem ser mais ou sem ser menos: apenas como é.

Do ponto de vista da linguagem fotográfica, a Nova Objetividade apresenta-se não apenas como uma nova maneira de pensar e realizar a fotografia, mas também como a construção de uma nova metodologia que ao serviço desse novo paradigma.

Embora a fotografia tenha sido incluída no seu currículo em 1929, foi na Bauhaus de 1919, fundada em Weimar por Walter Gropius, que alguns dos novos princípios foram experimentados e começou-se a desenvolver uma nova metodologia para a sua realização. “Fotógrafos associados à Bauhaus na década de 1920 criaram métodos novos de fotografar temas, condicionando o observador a visualizar a realidade de uma maneira revolucionária. Outra característica da fotografia da Nova Objetividade foi o uso de quadros de “ação congelada”. Eles costumavam mostrar pessoas em meio ao movimento, realçando a capacidade da fotografia de, acima de outras formas de arte, captar o movimento. Não apenas a imagem no quadro era significativa, mas também a forma como a própria câmera tornava possível a composição”.(BRACEGIRDLE, apud HACKING, 2012, p.217)

Anos depois, em 1959, os fotógrafos Bernd e Hilla Becher, então colegas na Kunstakademie (Academia de Belas Artes) de Düsseldorf, passaram a fotografar juntos desenvolvendo uma metodologia para suas imagens que resgatava vários conceitos da Nova Objetividade, com uma rigor e uma proximidade à obra de Renger-Patzsch, de quem herdaram a estética e o olhar. Seu trabalho, de acordo com Sol LeWitt, é “a ideia que se transforma na máquina que produz a arte”(LEWITT, apud HACKING, p.412).

13

A República de Weimar e a Nova Objetividade surgem como origem da Escola de Düsseldorf. Justificam alguns episódios e sugerem uma relação de certo modo parental com a escola alemã nascida na segunda metade dos anos de 1970, através do trabalho de Bernd e Hilla Becher. Segundo o historiador de arte Stefan Gronert(1964) “a Escola de Düsseldorf está ligada a, e é resultado de uma emancipação artística do meio, que em termos idealizados pode ser categorizado como um desenvolvimento histórico-artístico”(GRONERT, 2009, p.10). À semelhança da Nova Objetividade, a Escola de Düsseldorf trata da fotografia enquanto linguagem, o foco dessa investigação, mas também enquanto técnica.

Fig. 6 – Bernd Becher – Winding Tower – 1962 – Gelatina e prata, imagem escolhida para a capa do livro Mineheads, de Bernd e Hilla Becher

14

2. A ESCOLA DE DÜSSELDORF: BERND E HILLA BECHER

Düsseldorf erigiu o primeiro marco na história da arte no século XIX, entre 1819 e 1859, com a fundação da sua Kunstakademie (Academia de Belas Artes), sob a direção de Peter Von Cornelius e seu sucessor Wilhelm Von Schadow, que desenvolveram a Escola de Pintura de Düsseldorf, inicialmente voltada para os Nazarenos e Românticos, mais tarde para os Realistas e Naturalistas, que com suas pinturas de paisagens se tornaram famosos e propagaram mundialmente a escola alemã.

Com a imagem abalada durante o período de 1914 a 1945, a década de 1950 viu a Düsseldorf Kunstakademie ressurgir e ganhar reputação como um centro de educação respeitado internacionalmente. Uma parte desse sucesso está associada a um episódio que aconteceu algum tempo depois: a fundação da escola de fotografia, em 1976, por Bernd e Hilla Becher.

Bernhard “Bernd” Becher (1931-2007) nasceu em Siegen, distrito industrial da Alemanha. Nessa região, a economia estava estruturada na mineração e na indústria siderúrgica, e foi nesse ambiente que viveu toda a sua infância e adolescência. Sua infância foi acompanhada pelo cheiro dos fornos, e os pátios das indústrias eram seu parque de diversões. Despontava como um provável sucessor do pai num atelier de restauro de igrejas e edifícios públicos quando começou a estudar desenho. Logo descobriu o seu talento para o desenho e tornou-se um ilustrador de livros. Antes de concluir seus estudos, Becher dedicou vários meses a uma viagem pela Itália, onde fez inúmeros desenhos de paisagens urbanas que retratavam os edifícios inseridos na história, para além de obras isoladas de arquitetura.

Em 1953, ingressa na Staatliche Akademie der Bildenden Künsten, em Sttutgart, como estudante de artes gráficas, pintura e tipografia, mudando-se quatro anos depois para Dusseldorf. Suas primeiras fotografias, feitas em 1957, são dessa época, e retratam o mesmo vocabulário formal a que estava acostumado desde a infância em Siegen, os velhos edifícios industriais. Seus desenhos, aquarelas e pinturas também não se afastavam desse assunto.

15

Desde o início do encerramento do distrito industrial de Siegerland, vizinho a Siegen, em 1953, Bernd demonstrou interesse em documentar os edifícios industriais da região.

Fig. 7 – Bernd Becher – sem título – 1953 – desenho realizado durante o período em que Bernd Becher foi estudante de artes gráficas

Fig. 8 – Bernd Becher – Forno de carvão, Pennsylvania - 1974 - gelatina e prata, 40cm x 30cm

16

Hilla Wobeser (1934-2015) nasceu em Potsdam, Alemanha, e, ao contrário de Bernd, descobriu seu interesse pela fotografia muito cedo. Aos treze anos já fotografava e aos catorze passou a operar seu próprio laboratório, que lhe foi deixado por um tio que mudara para outra região. Sua mãe, que havia estudado fotografia em Berlim, nos anos 1920, foi uma inegável influência para sua fotografia e sua carreira profissional.

Em 1951, Hilla inicia um período de três anos de aprendizado num estúdio de fotografia em Potsdam, sob orientação de Walter Eischgrun, e a partir dos princípios da tradição fotográfica do século XIX. A despeito de uma formação tradicional, o principal interesse de Hilla na fotografia estava nos objetos, ou “objetos silenciosos”, como ela própria os chamava.

Bernd e Hilla encontraram-se durante o período em que estudaram juntos na Staatliche Akademie de Dusseldorf, em 1957. Começaram a fotografar juntos em 1959, e casaram-se em 1961. Doravante, Hilla Wobeser passa a assinar Hilla Becher, e ambos passam a assumir, juntos, a autoria do trabalho realizado.

O casal Becher começou, em 1959, a fotografar as estruturas industriais inativas de Siegen, onde Bernd passara a infância. Seu ambicioso projeto era registrar, de modo quase enciclopédico, os edifícios da era industrial, primeiro na sua região, depois bem além dela. O equipamento fotográfico dos Becher era sempre uma câmera de grande formato. Inicialmente uma câmera com estrutura de madeira, depois uma Plaubel 13⁄18. Assim eles conseguiam obter imagens com ótima definição.

No norte da Europa, o final da década de 1960 marca o encerramento do reino do carvão e do ferro. Siderúrgicas e minas fecham uma após a outra. É uma transformação radical da sociedade e da paisagem. A sociedade industrial, que fora ao mesmo tempo razão de ser e objeto para a fotografia da Nova Objetividade, mostrava ali evidentes sinais de decadência. Cidades vazias e grandes equipamentos industriais abandonados , destruídos posteriormente, alteravam gradativamente a paisagem.

Para registrar esse mundo em extinção, os fotógrafos alemães Bernd e Hilla Becher decidiram fotografar sistematicamente as instalações industriais que seriam demolidas. Eles dedicaram-se a percorrer a Alemanha, a Bélgica, a França e a Inglaterra, gerando milhares de imagens de fornos de siderúrgicas, torres de

17

resfriamento, e outras estruturas industriais. Sua obra, que inicialmente tinha o objetivo de documentar, transcende a perspectiva do arquivamento, por meio do resultado visual obtido através da metodologia desenvolvida. Os Becher fotografaram as instalações desativadas, não desejaram mostrar o que eram: conjuntos cuja forma é ditada apenas pela função, de uma beleza estranha porque totalmente involuntária, produto do arranjo de engrenagens que os faziam funcionar. Assim eles cruzaram a fotografia com a escultura, ao produzir um acervo fotográfico bastante particular da paisagem do século XX.

Os Becher viam naquele ambiente industrial algo de escultórico, e era isso o que queriam documentar. Na arte, um número surpreendente de coisas pode receber a denominação de escultura, embora muitas delas não expliquem a categoria escultura. A compreensão do termo escultura frequentemente está ligada à história, mas a categoria escultura “assim como qualquer outro tipo de convenção, tem sua própria lógica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam ser aplicadas a uma variedade de situações, não são em si próprias abertas a uma modificação extensa”(KRAUSS, 1979, p.131). Assim, o casal Becher dedicou-se a desenvolver suas próprias regras, sua lógica interna de registro e documentação, “reduzindo” aqueles objetos, contando-os e organizando-os em tipologias.

Escolhiam cuidadosamente suas locações, e aplicavam com rigor o método que desenvolveram: nas suas fotografias não aparecem as atividades, a história humana, a cor, ou sequer a linha do horizonte. Evitam os efeitos de primeiro plano, o desfoque, os jogos de reflexos, os efeitos artísticos, o enquadramento descentralizado, os detalhes estranhos, as composições abstratas ou pitorescas, a distância focal curta (que distorce a perspectiva), e o enquadramento inclinado. O objeto deve ser enquadrado na íntegra. Para evitar distorções, a posição da câmera deve ser centralizada vertical e horizontalmente. As fotos são feitas no inverno, com o céu enevoado, para evitar o sol, a interferência de sombras, e também as nuvens, que destacam o fundo em detrimento da legibilidade do objeto. Por uma questão de objetividade, renunciam a tudo o que agrada na chamada fotografia subjetiva.

18

A maneira de agrupar e apresentar seu conjunto de imagens, condizentes com sua proposta de registro documental, remetia também às imagens de identidade judiciária, de frente e perfil. Seguindo esse modelo, os Becher retratam edifícios a partir de oito posições, separadas por ângulos de quarenta e cinco graus. Reunidas em uma

única folha, as oito imagens formam o que chamaram de desenvolvimento.

Fig. 9 – Bernd Becher – Coal Bunker – Desenvolvimento – 1973 - gelatina e prata – 50cm x 60cm

Fig. 10 – Bernd Becher – Water Towers, Tipologia – 1967 – gelatina e prata 50cm x 60cm

Em outro arranjo ou combinação de imagens, eles reúnem fotografias com construções do mesmo tipo ou família, lado a lado, a que chamam de tipologias. As composições são infinitas e a elegância da composição importa mais que o rigor

19

científico. São ordenados de modo que, apesar de pertencerem a uma mesma “família” de formas, e se parecerem uns com os outros, ao mesmo tempo guardam possuem características que os tornam únicos.

O trabalho de documentação realizado com a fotografia apresenta-se como um inventário e sugere uma reflexão sobre a forma e a função, suas semelhanças e diferenças. A sequência em que as fotografias são apresentadas exprime a relação de variações da forma básica que deu origem à tipologia. Aparentemente frio, distanciado, o trabalho dos Becher reveste-se de uma afeição pela estrutura enquanto volume, e, por isso são capazes de desvendar as sutis e diversas formas em que as soluções vernaculares se manifestam nas estruturas industriais. Poder-se-ia dizer que seu trabalho seria atemporal, não revelasse o tempo em pormenores, por meio da estrutura ali feita escultura. E nesse tempo a escultura revela, então, as ideias por trás da era industrial. Reis absolutos do tempo em suas imagens, é como se os Becher exigissem do observador mais que o olhar: exigem-nos que, como afirmou Umberto Eco, “[...] lhes tomemos o peso de cada objeto, para através dele, sentirmos o próprio peso do tempo”(ECO, 2016, p.125).

A obra de Bernd e Hilla Becher pode ser caracterizada, tecnicamente, por uma percepção das estruturas industriais, enquanto volume, que viriam a desaparecer e por seu registro sistemático segundo a metodologia, desenvolvida por eles, a fim de enfatizar semelhanças e diferenças entre as diversas estruturas e isolando-as de seu contexto urbano e social. Apesar de uma organização técnica e documental rigorosa, os Becher ultrapassam os limites da documentação, realizando um trabalho artístico ao transformar o significado original das estruturas industriais, criando para cada uma delas uma composição que o olho não vê . De acordo com Walter Benjamin em Pequena História da Fotografia, a obra de Bernd e Hilla Becher conduz o observador “por um impulso irresistível de procurar numa fotografia dessas a ínfima centelha do acaso [...] com que a realidade consumiu a imagem”(BENJAMIN, 1931, p.222). De um outro modo poderíamos afirmar que descobriram nas obsoletas estruturas industriais do passado o potencial criativo do novo.

20

A compreensão que tinham das estruturas industriais enquanto escultura é decisiva nos critérios de suas escolhas, e os farão atravessar a ponte que os levará à margem, nem sempre oposta, onde habita a arte como fotografia. O inventário fotográfico desenvolvido por eles assemelha-se a uma “estratégia para reduzir tudo o que nos é estranho, tanto no tempo como no espaço, àquilo que já conhecemos e somos”(KRAUSS, 1979, p.131). Se a escultura é por natureza a redução de uma realidade a um momento, a câmera fotográfica é o instrumento de mediação do olhar, que permite reduzir a realidade a um plano de enquadramento, ou seja, a um espaço.

Os Becher são, por essência, observadores. Etnógrafos com maior ou menor consciência, revelam em suas imagens o que não é mostrado. Ao dissociar as construções do seu entorno, de suas funções sociais e da presença humana, ao reduzir cada um daqueles conjuntos à condição de escultura, eles não contam a verdade: criam uma nova realidade. Não reproduzem lugares solitários, ou sem atmosfera. O que revelam em suas imagens são estruturas esvaziadas, como uma casa à espera de um novo inquilino. São basicamente estruturas arquitetônicas industriais, em que o anonimato é imposto como um princípio estético, como se fosse necessário dissociá-las da paisagem, das pessoas e da vida para, então, desnudar-lhes a forma, como esculturas. A compreensão de que escultura, como afirma Rosalind Krauss, era tudo aquilo que “estava na paisagem e não era paisagem”(KRAUSS, 1979, p.132) confere à obra de Bernd e Hilla Becher um significado especial.

Bernd e Hilla Becher desvendaram a forma como forma, mais que como função. Os Becher queriam não apenas fotografar as estruturas industriais, convertendo-as em esculturas, mas também libertar a fotografia dos hábitos expressionistas, buscando rigorosa objetividade documental. Para compreender o real, como ele é, em sua verdade, e não pelo prisma distorcido do olhar do fotógrafo, eles desenvolveram o método que foi aplicado sem distinção a todo o trabalho. Com a ambição de um profundo rigor documental, o casal Becher acabou por desenvolver uma estética a partir da Nova Objetividade, associada a referências como o fotógrafo norte- americano Walker Evans (1903-1975), e suas imagens frontais dos EUA nos anos 1930,

21

e August Sander (1876-1964), fotógrafo da nova objetividade alemã nos anos 1920, e sua série de arquétipos do homem do século XX.

Fig. 11 – August Sander – Boxers – 1928 – gelatina e prata, 30,3cm x 23,8cm, da série Pessoas do Século XX.

Fig. 12 - Walker Evans – Houses as Billboards, Atlanta – 1936 – Gelatina e prata, 55,9cm x 71cm

Embora seu objetivo fosse documentar as estruturas industriais, o que se evidencia através da sua metodologia, a obra do casal Becher nunca esteve dissociada do caráter de expressão artística que lhe conferiu, pouco tempo mais tarde, reconhecimento e visibilidade no âmbito das artes visuais. Mesmo tendo o arquivo como propósito, os Becher sabiam que “tudo conectado com a produção de uma imagem pode ser artístico”(BECHER, apud GRONERT, 2009, p.413). Essa convicção foi responsável por tornar a Escola de Düsseldorf, inicialmente uma escola do ofício da

22

fotografia documental, numa estrutura para a formação do artista da imagem fotográfica no século XX. Foi na Escola de Düsseldorf que a fotografia artística encontrou, pela primeira vez, o abrigo de uma instituição.

Na década de 1960, as tipologias ganham a notoriedade de obras de arte quando passam a ser expostas em museus e galerias de arte. Na Bienal de Veneza de 1990 eles recebem o prêmio da categoria de escultura.

A Escola de Düsseldorf, fenômeno artístico que teve origem no último quarto da década de 1970, produziu efeitos que perduram até hoje. A escola propriamente dita existiu de 1976 a 1997, um ano depois que Bernd Becher se aposenta do seu cargo de professor, mas alguns marcos temporais reportam o alcance de sua existência de forma mais ampla.

Em 1976, Bernd Becher passa a lecionar fotografia na Escola de Belas Artes de Düsseldorf. Juntamente com Hilla, forma várias gerações de fotógrafos. E se inicialmente a proposta da escolar era formar fotógrafos a partir da metodologia de base documental desenvolvida pelos Becher, o sentido artístico rapidamente transcendeu a linguagem documental e conduziu cada um de seus alunos por um caminho autoral. Esse grupo informal, chamado de Escola de Düsseldorf, é formado pelos primeiros alunos, que até certo ponto tornaram-se discípulos, sucessores ou multiplicadores dos conceitos desenvolvidos na Kunstakademie. Os alunos dos Becher, apesar da diversidade de sua abordagem, guardam desse ensinamento alguns traços em comum: principalmente os sinais visíveis de objetividade, a frontalidade, a retidão das linhas, uma distância considerada fria, entretanto aquecida com o uso frequente da cor. A maioria deles prefere o cenário grandioso, onde a figura humana tem papel secundário. Finalmente, é um trabalho sistemático, em grandes formatos, que graças à tecnologia, permite que a fotografia ocupe o espaço de obra de arte em galerias e museus. Segundo o historiador alemão Fabian Knierim (1976) “o rótulo Escola de Düsseldorf costuma ser atribuído a cinco de seus primeiros alunos”(KNIERIM, apud HACKING, 2012, p.440). São eles: Candida Höfer (1944), Axel Hütte (1951), Thomas Struth (1954), Andreas Gursky (1955) e Thomas Ruff (1958). Não foram os únicos, entretanto, a desfrutar dos ensinamentos dos Becher.

23

As grandes criações desses artistas somente foram possíveis porque partiam de uma estrutura que não pretendia o envolvimento ou a sugestão, mas a experimentação e o didatismo. Associar o método ao potencial criativo, assim como fizeram em sua própria obra, foi o que fez dos Becher os responsáveis pela formação de uma geração de artistas da fotografia. Embora todos tenham desenvolvido sua própria linguagem artística, compartilhavam algumas preferências: impressões maioritariamente a cores, câmeras de grande formato e pontos de vista objetivos. A maioria deles prefere o cenário grandioso, onde a figura humana tem papel secundário. Realizam um trabalho sistemático, em que cada um desenvolve seus próprios métodos utilizando quase sempre impressões em grande formato.

24

3 – ENTRE MEMÓRIA, DOCUMENTO E ARTE

O que se coloca a seguir é uma discussão a respeito dos aspectos documental e artístico na fotografia da Escola de Düsseldorf, tanto na obra dos mestres Bernd e Hilla Becher, como na dos fotógrafos apresentados a seguir, e nas suas trajetórias individuais, como resultado de sua formação sob a orientação dos mestres.

Questionar os significados da imagem, nesse caso, conduz às infinitas mediações existentes entre o que é fotografado, as imagens e as pessoas. Essas relações de mediação, em que a fotografia se coloca como ponto central da atenção, são estabelecidas no tempo – que é também a matéria-prima da fotografia. O caminho percorrido pelo olho do fotógrafo tem como destino a imagem, e desde o momento do olhar, até que seja capturada, e em seguida fixada, estabilizada, exposta ou armazenada, essa imagem está relacionada com o tempo. A fotografia é um ato de escolha e percepção desenvolvido em intervalos de tempo, e, como afirma Umberto Eco, “toda obra de arte, sendo objeto de percepção, instaura uma relação particular com o tempo”(ECO, 1985, p.121).

É no tempo que a fotografia acontece, pois é nele que ela é concebida e realizada, desde a captura até o momento em que ganha a condição de objeto final, acabado. No fazer fotográfico estão implícitas algumas relações temporais: o tempo da concepção da imagem, o tempo do objeto fotografado, o tempo de exposição necessário à captura da imagem, o tempo da revelação e da impressão da fotografia, e, por fim, o tempo a que ela se refere. Nenhuma dessas medidas é necessariamente contada em unidades concretas, possíveis de mensurar. O resultado dessa equação é que a fotografia refere-se sempre a um instante pretérito, e por isso, segundo André Rouillé, “o fotógrafo está condenado a nunca poder ver, juntos, a coisa e sua imagem: a contiguidade física deles é acompanhada por uma disjunção de olhar” (ROUILLÉ, 2009, p.299).

A fotografia insiste na ideia de que “isso foi”, posto que no instante seguinte “isso pode já não ser”. Assim, seus significados podem ser vistos sob o ponto de vista das construções das imagens feitas através da memória.

25

Há também tempo no olhar do espectador, e no significado que cada indivíduo empresta àquilo que vê. No tempo cada significado transforma-se, atualiza-se, torna-se presente. Um quadro num museu, ainda que retrate uma cena do passado, fala-nos sempre no presente, por proporcionar em cada um de seus observadores algum tipo de associação que tem origem na memória. A memória, na relação entre o observador e a fotografia, funciona como um dispositivo estereoscópico. Tome-se, por exemplo, uma imagem qualquer, e, ao falar dessa imagem, está-se a referir a um momento passado. Ao rever essa imagem do passado, não é a cena que revela-se ao indivíduo, e sim o significado a ela atribuída no momento presente, que equivale à soma das impressões anteriores com o registro atual.

A visão, ou revisão, de uma fotografia proporciona um novo registro, uma nova imagem atualizada pela memória no presente. Ao descrever os mecanismos de memória, Ian Farr afirma que “para lidar com qualquer objeto de percepção nós precisamos de, no mínimo, duas impressões dessa coisa. Uma imagem, um presente, não é o bastante, porque uma imagem ou impressão única não se sustenta sozinha, não tem dimensão no tempo, passa quase despercebida pela mente, só pode ser resgatada por uma memória voluntária ou pela pura (e pouco criativa) repetição do hábito”(FARR, 2012, p.32). Ainda sobre as associações de memória, o autor refere que “memória, no sentido de Proust, refere-se a uma consciência estereoscópica, que vê o objeto de memória simultaneamente (e por isso fora do tempo real) ao objeto do presente. Lembrar-se de algo é sem significado, a menos que a imagem resgatada combine-se com um momento presente, proporcionando uma nova maneira de ver, tanto o objeto do passado quanto o do presente. Como nossos olhos, a nossa memória requer uma visão dupla, em que as duas imagens convergem, a formar, então, uma realidade particular e aumentada […]. O ato da memória involuntária, em momentos pontuais, e o ato do reconhecimento, mais permanentemente, desprendem-se do tempo cronológico e encontram uma nova perspectiva na memória, vasta o suficiente para amparar toda a nossa experiência presente”(FARR, 2012, p.33).

Se há uma fotografia, ela diz respeito a um episódio passado. Sob o ponto de vista da fotografia, aquilo que se vê ali não é a cena, em si, mas a sua representação. Se

26

há uma representação na fotografia, ela está sujeita às escolhas e à percepção do seu autor em um determinado tempo.

Sob o ponto de vista da memória, não é menos temporal a relação estabelecida com a fotografia. A cena ali representada, ao ser revista, funde-se ao registro ou aos registros anteriores, evocando uma nova representação, carregada de um novo significado presente. Esse registro anterior não é necessariamente um registro de imagens análogas àquele atual. As associações entre a memória e a visão presente são individuais e particulares a cada indivíduo, e como afirma uma vez mais Ian Farr “a prática da lembrança ou do esquecimento mira na diversidade de relações entre as expressões artísticas e as associações da memória”(FARR, 2012, p.33). A memória é uma sucessão de imagens, retidas de modo desigual, e vistas sem uma clareza uniforme ou consciente. Aquilo que convencionamos chamar de realidade situa-se, portanto, num território limítrofe e muito tênue entre a percepção do momento atual e as lembranças a ele associadas.

Uma compreensão mais completa configura-se apenas quando todas as imagens armazenadas são resgatadas e repousam num único plano. Por aproximação, pode-se inferir que o cinema é o meio que nos oferece um simulacro mais perfeito desse mecanismo da memória. Também André Rouillé, afirma neste sentido que “o princípio do cinema é o resultado mais imediato do trabalho da memória, numa sucessão de insignificantes diferenças que proporcionam a ideia de movimento, pelo resgate simultâneo da imagem anterior e da atual. A passagem ou o fluxo criado entre elas é de responsabilidade da memória, composta não apenas das imagens ali exibidas, mas de todas as outras responsáveis pelo imenso baú de lembranças e esquecimentos a que somos submetidos ao nascer” (FARR, 2012, p.34). No cinema, a sequência de imagens é vista num curtíssimo lapso de tempo, o que permite que a imagem presente associada à anterior, possa ratificar a ideia de movimento, num exercício de memória praticamente imediato, ao unir sucessivas impressões do passado num significado presente, e repetir esse ato sucessivas vezes.

É o mesmo que acontece com a fotografia, sendo que numa outra dimensão de tempo, pois a fotografia responde pelo fenômeno de revisita como um mecanismo de

27

ativação da memória, o que a situa num território amplo e de limites pouco definidos, e dá margem a discussão sobre o sentido documental ou artístico da imagem. Por meio das associações da memória, a fotografia evoca, simultaneamente, formas e situações reais do passado, e por isso presta-se tão bem ao documento; refere-se também a conteúdos de contornos essencialmente subjetivos, o que facilmente a situa no campo das artes.

A memória é um dos agentes responsáveis por estabelecer, na fotografia, as relações, ora de aproximação ora de afastamento, entre documento e arte. É no âmbito da memória onde pode ser encontrado o sentido da fotografia, a sua razão de existir. Para discutir o lugar da fotografia no espaço entre arte e documento, através da memória, é importante descrever arte e documento, e associá-los ao recorte espaço- temporal da Escola de Düsseldorf.

A fotografia surgiu como uma metáfora da modernidade e, fiel à modernidade, a ela serviu durante mais de um século, a documentar, com valor de verdade, tudo o que acontecia à humanidade. Desde guerras sangrentas a retratos aristocráticos, da nova sociedade industrial às grandes formações urbanas, a fotografia foi cúmplice de uma sociedade em transformação. E ao assumir o espaço da verdade, afirma Rouillé: “apoiava-se em uma tripla negação: a da subjetividade do fotógrafo; a das relações sociais ou subjetivas do fotógrafo com as coisas; e a da escrita fotográfica” (ROUILLÉ, 2009, p.161)

Na Alemanha derrotada pela I Guerra Mundial, durante a República de Weimar, surge a Nova Objetividade como uma reação à poética do expressionismo, e à perspectiva de imitação do pictorialismo, que procurava aproximar a fotografia da arte, não por características próprias, mas por sua capacidade ou desejo de incorporar-se à arte pictórica. A Nova Objetividade atua por subtração: elimina contextos, pormenores, emoções ou qualquer sugestão a elas. Tecnicamente, caracteriza-se por imagens nítidas, com extremo rigor ao foco, e composições “quase cartesianas” de tão objetivas. Algumas décadas mais tarde são os princípios da Nova Objetividade que dão origem a metodologia desenvolvida pelo casal Bernd e Hilla Becher para documentar estruturas

28

industriais em obsolescência e abandono, o que lhes valeu a oportunidade de fundação da Escola de Fotografia de Düsseldorf.

O que situa a fotografia como um princípio documental é seu papel de informar e inventariar. Essa foi, historicamente, a função mais atribuída à fotografia, que, para tal, beneficiou-se de um grande trunfo: a sua proximidade com o mundo. A fotografia representa, a partir da metade do século XIX, o alcance do olhar sobre a vida para além da aldeia, a possibilidade de avistar lugares ou situações nunca vivenciadas. Segundo Rouillé, àqueles que permanecem na aldeia e acessam o mundo por meio das imagens, coube um preço: “a relação, às vezes perigosa, vivida com o mundo, é delegada ao fotógrafo e substituída pela relação visual com as imagens” (ROUILLÉ, 2009, p.100). E completa: “ao mundo das coisas sucede o das imagens, e as próprias imagens tendem a tornar-se mundo”(ROUILLÉ, 2009, pág 145), o que dá origem a uma visão do mundo através das imagens.

Quando o observador é levado a acreditar na fotografia como verdade, esquece- se que na fotografia está representada uma nova realidade, criada pelo olhar do fotógrafo. Ainda de acordo com André Rouillé, “o menor enquadramento é ao mesmo tempo inclusão e exclusão, o mais ordinário ponto de vista é tomada de posição, o registro mais espontâneo é construção, é preciso insistir nisso: que informar é, sempre, de uma certa maneira, “criar o acontecimento”, representá-lo.” (ROUILLÉ, 2009, p.144). Mas o reconhecimento dessa autonomia, por si só não foi suficiente para que a fotografia pudesse transcender a condição de documento em direção à expressão artística. A fotografia precisou encontrar na sua própria linguagem o significado artístico que tanto buscou, outrora, na linguagem da arte pictórica.

Tudo aquilo que informa com verdade, objetividade e credibilidade é considerado pela humanidade como documento, e não foi de outra forma com a fotografia da Nova Objetividade ou a realizada posteriormente pelo casal Becher. Embora desde o seu surgimento, na primeira metade do século XIX, a fotografia tenha sido vista historicamente pela sociedade como documento, seu aspecto documental não deve ser totalmente dissociado do seu caráter de artístico posto que “a fotografia nunca esteve totalmente dissociada de seu aspecto expressão, pois a fotografia não é, por

29

natureza, um documento”(ROUILLÉ, 2009, p.27). Dessa proximidade entre documento e arte resultou a obra de Bernd e Hilla Becher, de origem documental, que alcança a dimensão artística.

O que Bernd e Hilla Becher fizeram ao fotografar fornos e torres de resfriamento de fábricas desativadas foi retirá-las de sua relação física com o mundo, e propor uma mediação entre as coisas e sua imagem. Sua fotografia cumpria, assim, a função documental a que se propunha, ao levar ao observador uma realidade desconhecida, mas verossímil. Os Becher assumiram o caráter documental em sua obra ao trabalhar por subtração, como os fotógrafos da Nova Objetividade. Anulavam a continuidade do visível ao extrair dele suas imagens. Ao planejar um enquadramento, apresentavam apenas uma parte do visível, como faz a fotografia documental: opera sobre a escala das coisas, numa perspectiva de ampliação ou de redução do visível, através das escolhas do fotógrafo. Assim, com olhar antropológico, os Becher reinventaram aquilo que viam. Ao ter sua obra reconhecida e premiada na categoria de escultura, na Bienal de Veneza em 1990, torna-se evidente que o caráter artístico associado à sua obra está além da documentação, e alcança a criação de uma nova realidade visual.

Desde o seu surgimento, em 1826, a sociedade preocupa-se mais com as características técnicas da fotografia do que com seus significados. A discussão entre o aspecto documental da fotografia ou seus atributos, enquanto expressão artística, algo que teve espaço a partir do início do século XX, a situa pela primeira vez ao nível do consumo, e não da produção da imagem. Segundo Alan Trachtenberg, “a fotografia aspira ser arte, de cada vez que, na prática, põe em causa a sua essência e os seus papéis históricos, cada vez que desvenda o caráter contingente dessas coisas” (DAMISCH, apud TRACHTENBERG, 2012, p.315).

Ver é desafiador, mas para ver precisamos da razão. É na busca pela razão de ver que a fotografia encontra a expressão artística, e torna-se mais autoral e singular. Seja documento ou arte, a fotografia revela uma escolha original: a decisão de que aquilo que se vê é digno de registro. A discussão entre documento e expressão parece intimamente ligada com a decisão do fotógrafo em exibir suas escolhas com a verdade, a objetividade e a credibilidade próprias do documento, ou transformar o que vê, criando

30

uma nova imagem capaz de desvendar aquilo que o olho não vê mas que a memória resgata e associa, tal como afirma Rouillé: “o principal projeto da fotografia dos artistas não é reproduzir o visível, mas tornar visível alguma coisa do mundo, alguma coisa que não é, necessariamente, da ordem do visível” (ROUILLÉ, 2009, p.287).

Indissociável de um processo de registro, a fotografia modifica o papel do artista, afirma André Rouillé: “sua ação não consiste mais em fabricar, porém em encontrar uma coisa, selecioná-la, registrá-la e tentar dirigir para ela a atenção de um conjunto de atores – autores, críticos, editores, vendedores, clientes, etc.” (ROUILLÉ, 2009, p.297). A fotografia, ao assumir o posto de arte, perde sua característica originalmente mais apreciada, a sua capacidade de representação do real, e torna-se uma produção autônoma, circunscrita nela mesma. Na arte, a fotografia liberta o autor e o assunto de qualquer compromisso com o documento. Entre a fotografia, enquanto documento, e as obras de artistas como Andreas Gursky ou Thomas Ruff, que empregam o material fotografia em suas obras, os elos com o mundo se distenderam. As relações entre as pessoas, as coisas e as imagens passaram por um novo processo de mediação que transcende a verdade documental e alcança a verdade artística. Ao tentar mapear o espaço da fotografia na sociedade do século XXI, André Rouillé refere mais uma vez: “a fotografia dos artistas tem poucos pontos em comum com a fotografia dos fotógrafos, que continua polarizada na questão de representação: ou ela se esforça para, literalmente, reproduzir as aparências (como a fotografia-documento) [...] ou deliberadamente as transforma (como a fotografia-artística)”(ROUILLÉ, 2009, pág 287).

A multiplicidade de recursos tecnológicos, aliados a uma compreensão contemporânea de imagem, entre documento e expressão, permitiram ampliar a linguagem fotográfica, e unir o aspecto documental à expressão artística, ao ponto de tornar-se difícil, para não dizer impossível, dizer a qual dos lados desse muro inexistente estão algumas imagens contemporâneas; é o caso da obra de Thomas Ruff, que utiliza processos analógicos, associados a processos digitais, e a imagens que por muitas vezes nem são de sua própria autoria. Em comum, a fotografia documental e a

31

fotografia artística parecem alimentar-se de uma mesma utopia: exprimir o mundo em imagens.

A fotografia da Escola de Düsseldorf, com origens claramente documentais por meio da metodologia desenvolvida por Bernd e Hilla Becher, se não recusa por completo a finalidade documental, que a gerou, permite outras vias de acesso às coisas. O seu formato, metodológico e documental, funcionou como o substrato para que cada um de seus alunos, fotógrafos feitos artistas, desenvolvessem um vocabulário próprio, e criassem narrativas individuais com resultados absolutamente distintos entre si. Dentre os alunos dos Becher, a obra de Candida Höfer talvez seja a que guarda uma maior proximidade com sua metodologia documental, transcendendo o documento pela forma como realiza seu sistemático registro: da escolha do conteúdo à objetiva valorização do pormenor, suas imagens transitam entre a arte e o documento. São facilmente sistematizadas do ponto de vista do arquivamento, e podem muito bem se prestar à documentação iconográfica de espaços, ao mesmo tempo em que oferecem um olhar crítico sobre a sociedade e sua relação com o conhecimento.

Mesmo o trabalho documental de artistas como Axel Hütte ou Thomas Struth são vistos pelos teóricos contemporâneos como uma prática plenamente artística: “a nitidez, a visão mecânica, ou a impessoalidade, consideradas como ‘especificidades do medium’, transformam-se em componentes de uma concepção modernista de estética, que fundamenta toda arte dentro do estrito respeito aos seus meios técnicos próprios” (ROUILLÉ, 2009, p.103).

No que diz respeito à fotografia, e na estreita relação entre documento e arte, a Escola de Düsseldorf situa-se como uma referência para a fotografia do século XXI. Não se pode esquecer que foi uma escola de bases documentais nascida dentro da Kunstakademie, a Academia de Belas Artes de Düsseldorf. Se nunca abriu mão de sua metodologia documental, foi responsável por abrir o caminho da arte até a imagem, percorrido por cada um de seus alunos. Os cinco artistas apresentados continuaram sua trajetória após sua formação sob a orientação de Bernd e Hilla Becher, e estão entre os mais reconhecidos artistas da fotografia da atualidade. Essa mudança de paradigma, que

32

a Escola de Düsseldorf ratifica, e por que não dizer protagoniza, produziu efeitos decisivos para a construção de uma identidade artística na fotografia.

A discussão em torno do caráter artístico da fotografia não surgiu em Düsseldorf, é verdade. Como afirma Alan Trachtenberg, “há mais de um século que os fotógrafos e seus defensores afirmam que a fotografia merece ser considerada uma das belas-artes” (BERGER, apud TRACHTENBERG, 2012, p.317). Parece evidente que a fotografia merece ser considerada: arte ou não, a sua presença ao longo da história recente da humanidade confere-lhe valor de testemunha da sociedade moderna. A compreensão da fotografia pode ligar-se à compreensão da arte por sua linguagem própria. Como afirma Rouillé, “a compreensão das artes visuais não mais está fundamentada numa estética tradicional, mas centrada em ideias significativas, que podem variar entre o corriqueiro e o estranho, entre o psicanalítico e o político, entre a lembrança e o esquecimento” (ROUILLÉ, 2009, p.31). E entre lembranças e esquecimentos, as associações eficazes da memória estabelecem para cada indivíduo, ou cada cultura, o papel exato das imagens em seu contexto e a seu tempo.

Em meio à discussão entre documento e arte na fotografia, o principal ganho da sociedade é a revisão do seu regime de verdade – não mais dependente do mundo real, visível e verossímil, mas aberta ao mundo real nunca visto, não verificável.

33

4 - OS FOTÓGRAFOS

Foram abordados inicialmente os fotógrafos Bernd e Hilla Becher, os fundadores da Escola de Düsseldorf. Com o objetivo de melhor caracterizar a produção através de seus alunos, foram eleitos cinco fotógrafos, segundo uma escolha feita anteriormente pelo historiador Fabio Kinierim, que afirma que “o rótulo ‘Escola de Düsseldorf’costuma ser atribuído a cinco de seus primeiros alunos: Andreas Gursky (1955), Axel Hütte (1951), Candida Höfer (1944), Thomas Ruff (1958) e Thomas Struth (1954)”(KINIERIM, apud Hacking, 2012, pág 440). Os alunos dos Becher foram muito mais numerosos que estes, e o critério de escolha não foi outro senão o de fazer caber nos limites da investigação uma determinada quantidade de fotógrafos que não prejudicasse a compreensão da Escola de Düsseldorf, e também pudesse apresentar uma ampla gama de trabalhos, afirmando, assim, a diversidade de fotógrafos e obras que tiveram como ponto de partida os ensinamentos dos Becher.

34

4.1 – ANDREAS GURSKY

O mais famoso aluno de Bernd Becher, Andreas Gursky nasceu em 1955, em Leipzig, na Alemanha Oriental, e cresceu em Düsseldorf, onde seu pai, Willy, e seu avô Hans Gursky, trabalhavam como fotógrafos comerciais. Da terceira geração de fotógrafos da família, Andreas Gursky foi o primeiro a construir uma carreira como artista da fotografia.

Em 1977, Gursky passou a estudar fotografia na Folkwang-Schule, em Essen, uma importante escola de fotografia influenciada pela estética do fotógrafo Otto Steinert(1915-1978). Depois de um curto período dedicado ao fotojornalismo, Gursky foi admitido na turma dos mestres Becher, em 1981, ali estudando até 1987. Após concluir seus estudos, Gursky continuou desenvolvendo uma linguagem fotográfica independente, que lhe valeu o reconhecimento da crítica. No fim da década de 1980, passou a ampliar suas fotos nos formatos murais pelos quais é mais conhecido. Em 1992, começou a descobrir as possibilidades da tecnologia digital para suas composições fotográficas e desde então vem trabalhando com elas.

Gursky parece não ser tipicamente um fotógrafo da Escola de Düsseldorf, e alguns críticos até julgam não haver uma grande conexão entre seu trabalho e a obra dos Becher. Em uma entrevista em 2001, ele afirmou que o objetivo do seu trabalho era criar uma “enciclopédia da vida”, o que para Gursky não envolve tipologias comparativas, ou um grande número de imagens em série. Ao invés disso, ele dedicou- se a imagens monumentais, individuais, e em quantidade relativamente pequena – é um fotógrafo de poucos disparos, se comparado a seus colegas da Escola de Düsseldorf. Gursky, entretanto, desenvolveu seus métodos próprios, dentro de uma estética pictórica que pode ser considerada uma marca presente em toda a sua obra.

As imagens produzidas por Andreas Gursky têm provocado comparações com a pintura em razão de seu enorme formato, às composições complexas e ao uso da cor: “Gursky abandonou o trabalho em série de seus professores no início da carreira, concentrando-se na obra individual, que aborda com o mesmo esmero. Seus temas recorrentes são os emblemas de uma cultura ocidental globalizada. O elemento humano

35

na fotografia de Gursky costuma se reduzir a uma figura minúscula, sobrepujada por uma paisagem sublime, uma estrutura arquitetônica enorme ou uma vasta e anônima multidão” (KINIERIM, apud HACKING, 2012, p.441)

Fig. 13 - Andreas Gursky – Airport II – 1994 - impressão cibachrome, 1.85m x 2.32m

Fig. 14 - Casper David Friedrich – The Monk in the Sea – 1810 - óleo sobre tela, 1.10m x 1,71m

Entre outros artistas de sua geração, Gursky rejeitou a ênfase na estética da fotografia de arte em prol de uma investigação sobre como a imagem fotográfica é usada na sociedade contemporânea. Dos Becher, talvez tenha assimilado mais o seu sentido etnográfico e seu experimentalismo que a metodologia ou a técnica fotográfica propriamente ditas. Assim, Gursky constrói uma trajetória artística ao criar novas perspectivas e uma outra relação com o observador, mas também mantém-se ligado ao discurso documental ao resgatar a memória de estruturas espaciais próprias de uma sociedade e de um tempo.

36

À medida em que tornava-se evidente que o recém-encontrado status de arte na fotografia, no século XX, dependia de uma renúncia a seu passado, um número cada vez maior de fotógrafos estava interessado nas possibilidades conceituais, não dos temas mas das técnicas fotográficas. Eram as técnicas da fotografia que permitiam um novo posicionamento conceitual ao artista. E isso envolvia todo o processo fotográfico a que a imagem é exposta desde a sua captura até o momento em que é franqueada ao observador. Gursky ressignifica o conteúdo na fotografia por meio da técnica, muitas vezes não desvendada por completo ao olho do espectador. A técnica, no caso de Gursky, está a serviço de uma linguagem cuidadosamente desenvolvida, e passa por permanente elaboração.

Ao contrário dos Becher, que tinham a preocupação de fotografar estruturas arquitetônicas esvaziadas da pessoas, Gursky no início de seu trabalho dedicou especial atenção à figura humana. Não cultivou interesse pela figura humana como objeto principal de sua fotografia (como seus colegas Axel Hütte e Thomas Ruff), mas por sua inserção num enquadramento mais amplo, numa cena mais ampla. De fato, as pessoas frequentemente aparecem tão pequenas que apenas servem para justificar ou enfatizar a imagem, por meio da cena ou do enquadramento. Foi através da presença humana nas suas imagens que Gursky começou a trabalhar a relação entre o micro e o macro, entre uma visão mais ampla e um pormenor, característica que passa a ser uma marca na obra do autor. Apesar de preferir as grandes ampliações, em formato mural, o que a princípio requer uma distância entre o observador e a imagem a fim de apreender o conjunto, na obra de Gursky o espectador não apenas é mantido à distância: ele é, sobretudo, induzido a observar os detalhes, num eterno jogo de sobreposição entre o micro e o macro. Cada imagem parece conter duas gamas de significados, sempre a relativizar a relação entre observador e imagem, entre a visão geral e o pormenor.

A obra Paris-Montparnasse, de 1993, oferece uma visão de um grande conjunto residencial no 14º arrondissement de Paris, projetado pelo arquiteto francês Jean Dubuisson. Concluído em 1964, fez parte da renovação urbana “Maine-Montparnasse”, que tentou catapultar o velho bairro para a modernidade. Paris-Montparnasse foi a maior cópia fotográfica de Gursky à época, e também a primeira a utilizar uma

37

montagem digital. Como o prédio era grande demais para caber num único enquadramento, Gursky fez duas imagens de diferentes pontos de vista e as combinou digitalmente em uma espécie de fachada panorâmica. Como efeito colateral, a foto ganha nitidez nos detalhes, permitindo mais uma vez a relação micro-macro. Outro efeito da técnica de montagem é que a foto de ângulo aberto e sem distorções não dá nenhum indício da posição da câmera. A perspectiva pouco vulgar contribui para a impressão de objetividade destacada. Paris-Montparnasse inclui vários dos temas abordados por Gursky em sua carreira: a relação entre massa e indivíduo, o contraste estético entre uma composição abrangente, e quase pictórica, e os detalhes minúsculos, que se podem visualizar com nitidez graças ao seu método fotográfico, bem como o interesse pelas manifestações de uma cultura globalizada, que aqui toma forma no estilo internacional de uma unidade residencial coletiva. Vista à distância, a imagem se dissolve na abstração. A grade de apartamentos, com as cores de seus interiores, forma um padrão de colcha de retalhos. Vistos mais de perto, os móveis, os aparelhos e os vários pormenores das casas permitem ao observador penetrar no espaço de cada uma dessas unidades. Apesar do enorme formato, Gursky cortou as bordas do prédio, fazendo-o parecer maior, como se a arquitetura transbordasse para além do plano da fotografia.

Andreas Gursky é um fotógrafo de extremos. Do exagero do vazio, ou do excesso da multidão. Utiliza a manipulação digital de forma invisível, e expõe a verdade do objeto, mas não da construção da imagem. Gursky subverte as proporções sem cerimônia ao alterar a escala de alguns elementos, a fim de valorizar a composição. Utiliza a realidade como matéria prima, para iludir a visão, ao contrário de Thomas Ruff, que faz questão de deixar à vista qualquer manipulação.

38

Fig. 15 – Andreas Gursky – Paris, Montparnasse, 1993 – Colorprint, fotomontagem, 2,05m x 4,21m

Fig. 16 – imagem digital pertencente ao acervo do National Art Center, Tokyo, Japão - visitante do museu diante da obra Paris, Montparnasse, de Andreas Gursky.

Fig. 17 – Lindsay Piffer – pormenor da obra Paris, Montparnasse, de Andreas Gursky.

39

Fig. 18 - Andreas Gursky – Cathedral I – 2007 – colorpint, fotomontagem

Na sua fotografia Cathedral I, de 2007, título que omite o nome do lugar – de fato trata-se da Catedral de Chartres – pode-se ver uma vista oblíqua de nove vitrais de uma igreja, surpreendentemente sem cor (a famosa estrutura caracteriza-se exatamente pelo exuberante colorido dos seus vitrais), e na parte inferior direita da imagem um grupo de cinco pessoas, fotografadas a cores, a operar uma câmera de vídeo. Curiosamente, trata-se do cineasta Wim Wenders e sua equipe. A escala humana foi alterada, de maneira a subverter a relação entre os vitrais e a equipe de filmagem, numa metáfora “da arte dentro da arte dentro da arte”, por meio da ênfase aos elementos geométricos. Desta maneira, fazem-se presentes o cinema, a fotografia e a Catedral, a arquitetura propriamente dita. Extremamente complexas como linguagem pictórica, com uma combinação de macro-micro, normalmente unidas por Gursky através de um ponto de vista elevado, suas imagens frequentemente oferecem uma visão geral da cena retratada, sem distanciar-se de pormenores igualmente importantes.

No permanente vai-e-vem do olhar, entre a visão geral e a atenção roubada por um pormenor, o trabalho de Gursky fideliza o observador. Embora enfatize a natureza construída da imagem, não ameaça totalmente o sentido de realidade daquilo que vemos. Ele estabelece uma relação de proximidade com o observador através de paradigmas ou símbolos da sociedade, ao subverter a forma “nessas composições

40

altamente individuais, onde a realidade não é substituída, mas é interpretada de maneira inimitável”(GRONERT, 2009, p.58). De maneira etnográfica, fotógrafo e observador ora contemplam a cena retratada ora aproximam-se tanto que dela parecem fazer parte. O método, na obra de Gursky, não está na repetição da imagem, mas na repetição da ideia que nela está contida.

Em 1981 Andreas Gursky, junto com Axel Hütte e Thomas Ruff, criam um laboratório colorido, em uma usina de geração de energia desativada, em Düsseldorf. Em 1988 Gursky, junto com Candida Höfer, Axel Hütte, Thomas Ruff e Thomas Struth participam da exposição “Klasse Bernd Becher” na Galerie Johnen & Schöttle, em Colônia, dedicada aos alunos de Becher.

Em 1999, Gursky produz Chicago, Câmara de Comércio II, fotografia manipulada digitalmente abordando questões relativas à globalização, concentrando-se no potencial tecnológico e industrial do fenômeno. Ele manipula digitalmente suas imagens, a fim de criar superfícies planas, construídas a partir de uma sucessão infinita de detalhes que compõem imagens idealizadas da realidade.

Fig. 19 Andreas Gursky – Chicago, Câmara do Comércio II – 1999 – colorprint 1,85m x 2,41m

41

Em 2001 o MOMA (Museum of Modern Art Museum of New York) produz uma exposição individual de Gursky.

Em 2007, em New York, a obra 99 Cent II – Diptychon, de Andreas Gursky, é leiloada pelo valor 3,3 milhões de dólares, preço recorde de uma fotografia à época. A imagem foi realizada em 1999 e, posteriormente, manipulada em meio digital, a fim de enfatizar a visão geral em perspectiva. A impressão, entretanto, manteve suas características estritamente químicas.

Fig. 20 - Andreas Gursky – 99 Cent – 1999 – colorprint, fotomontagem 2,07m x 3,37m

42

4.2 AXEL HÜTTE

O fotógrafo alemão Axel Hütte nasceu em Essen em 1951, e iniciou seus estudos na Düsseldorf Kunstakademie em 1973, sendo um dos primeiros alunos dos Becher quando da fundação da Escola de Düsseldorf de Fotografia em 1976, onde estudou até 1981, quando recebeu uma bolsa do Serviço Alemão de Intercâmbio Académico para estudar em Londres. Em 1985, recebeu uma bolsa de estudos no Centro de Estudos Alemães no Pallazzo Barbarigo della Terrazza, em Veneza.

Embora seja mais reconhecido por suas fotografias de paisagens, a variedade de temas presentes na obra de Axel Hütte é vasta. Constantemente envolvido com a paisagem em diferentes níveis, desde o edifício, a cidade, e os limites urbanos até o ponto onde a paisagem natural começa, a obra de Hütte voltou-se inicialmente para um tipo de imagem, o retrato, que traria lhe não traria a fama, mas aos colegas de formação, Thomas Ruff e Thomas Struth. Hütte foi o primeiro aluno dos Becher a optar por esse gênero de fotografia, em 1978, antes de interessar-se por fotografia de paisagem. Ao escrever sobre Hütte, Stefan Gronert afirma que “os retratos de Axel Hütte não causaram o menor impacto, enquanto que os de Thomas Ruff foram recebidos com grande sucesso. Especialmente quando os retratos de Hütte e Ruff eram vistos lado a lado – e eles eram muitas vezes do mesmo indivíduo – esse resultado é extraordinário, e não explica-se apenas pelo fato de um fotografar em preto-e-branco e o outro em cores. Esse fato enfatiza as razões pelas quais o retrato foi a plataforma de lançamento da carreira internacional de Thomas Ruff, enquanto que Axel Hütte explorou uma gama mais diversa e mais ampla de assuntos.”(GRONERT, 2009, p. 29)

Axel Hütte retornou ao retrato algumas vezes: entre 1985 e 1988, ao fotografar amigos e artistas, e mais uma vez entre 2001 e 2003. Em seus retratos, as pessoas foram orientadas a olhar diretamente para a câmera, e abster-se de qualquer expressão possível. Quando realiza retratos, fotografar pessoas é o centro do trabalho, mas as pessoas propriamente ditas, não. Destituídas de expressão, Hütte as vê como imagem. De sua última imersão no universo do retrato teve origem a série Portraits, em que fotografa superfícies de água com a câmera invertida, de modo que o reflexo no espelho

43

de água apareça na posição “correta” na fotografia. Nessa série aparecem pessoas, ou vestígios da presença humana, presentes de forma quase incidental, refletidos em imagens impressas em grande escala, quase sempre 1,50 x 2,00m.

Fig. 21 - Axel Hütte – Portrait 9 – 2005 – chromogenic colorprint, 1,57cm x 2,37cm

Fig. 22 - Axel Hütte – Portrait #22 – 2005 – colorprint 1,57m x 2,37m

Com o tempo, as estruturas visuais do espaço tornam-se o núcleo central da obra de Axel Hütte. Inicialmente atento aos espaços interiores, onde a arquitetura evidencia- se como objeto, mais tarde dedicou-se a fotografar os espaços exteriores, abertos – onde a paisagem é abordada mais como uma espacialidade do que como uma cena da

44

natureza propriamente dita – com ênfase nas conexões entre o espaço edificado e a natureza ao seu entorno. Assim como fez ao fotografar pessoas, Hütte fez com os espaços: não reproduz nada para além da situação alcançada pela câmera, evitando qualquer expressão possível. Não há nenhum tipo de história por trás das pessoas ou espaços fotografados. A partir dessa ausência, abre uma via de acesso ao observador, que penetra em sua obra isento de subjetividades, livre para experimentar as próprias sensações. Como o próprio fotógrafo afirma: “No meu trabalho, lido com o vazio, evitando quaisquer sinais de civilização ou indicação narrativa, de modo que, no melhor dos casos, o observador está perdido no tempo e no espaço […] despertar a fantasia ou a imaginação do observador é o meu objetivo”(MOURE, 2000, p. 19). Através desse processo, um vínculo é criado entre Hütte e aqueles que entram em contato com a sua obra.

Enquanto discípulo dos Becher na Escola de Düsseldorf, Axel Hütte integra uma geração de artistas que oferece uma resposta ao pictorialismo na fotografia, por meio de uma objetividade proporcionada, em parte, pela metodologia documentarista dos seus mestres. Sua obra, do mesmo modo como atua o mecanismo da memória, ocupa-se de diluir os limites entre realidade e fantasia. Faz prevalecer a percepção e a vivência do espaço, sem nenhuma evidência que não tenha sido intencional: céu, terra, água e florestas são elementos frequentes nas paisagens de Axel Hütte. As fotografias encenam um jogo sobre a diferença entre natureza e paisagem: "natureza" é o mundo físico que nos rodeia, enquanto "paisagem" é a natureza que aparece para o observador, quase sempre estéril e não habitada. Em enquadramentos planejados, elementos naturais formam composições com base em estruturas geométricas, em verticais, em horizontais, em reflexos, luz e sombra.

45

Fig. 23 - Axel Hütte – Underworld 3 – 2008 – chromogenic print, 1,57m x 2,37m Na década de 1990, Hütte dedicou-se a fotografar grandes paisagens, incorporou estruturas arquitetônicas como elementos de composição ou enquadramento. Ao definir sua obra, Stefan Gronert afirma uma vez mais que “Hütte adota um ponto de vista sem elementos fixos e que, portanto, permanece em constante mudança.”(GRONERT, 2009, p.29). Assim, ele faz-se valer de princípios semelhantes aos dos mestres Bernd e Hilla Becher, mas para evidenciar o oposto: enquanto os Becher mostravam as estruturas industriais presentes no espaço mas retiradas dele numa intencional descontextualização, Hütte aproxima-se do que parece intocável, temporariamente livre da influência humana, aproxima-se do espaço natural, afastando-se do edifício. Nenhum vestígio de ocupação é mostrado em suas paisagens, a não ser a arquitetura, quase sempre esvaziada de pessoas ou significados, reforço da composição fotográfica.

Fig. 24 - Axel Hütte – San Miniato – Itália – 1990 – chromogenic print,58,5cm x 74cm

46

Fig. 25 - Axel Hütte – Furkablick – 1994 – chromogenic print, 1.80m x 2.30m

Em toda a sua obra, Axel Hütte não utiliza as possibilidades técnicas da imagem digital. Por um distanciamento clínico, evita a manipulação de negativos e provas. Utiliza uma câmera analógica de grande formato. Depois, dependendo do processo de impressão desejado, os negativos são digitalizados e, às vezes, apenas para realçar efeitos, a luz e as sombras são retocadas digitalmente. Suas imagens são frequentemente impressas em tamanhos grandes, uma característica comum aos alunos da Escola de Düsseldorf.

Ainda sobre seus métodos, pode-se afirmar que o recorrente uso de uma grande distância focal faz com que o observador tenha que ajustar constantemente sua perspectiva. Atraído à imagem por um elemento de forte importância visual na composição, “o olhar percorre um caminho que se inicia num primeiro plano quase sempre restrito, em direção à longa distância, frequentemente ao horizonte sem

47

fim”(GRONERT, 2009, p. 29). Disso resulta que algumas partes da imagem podem se dissolver no fundo, e estabelecer uma ligação entre os planos.

Fig. 26 - Axel Hütte – sem título(Poggiponsi) – 2011 – chromogenic print, 42,3cm x 57,3cm

Fig. 27 – Stratosphere Tower, Las Vegas – 2003 – 1,03m x 1,34m

Nas imagens noturnas, Axel Hütte cria uma experiência semelhante. Em imagens submersas em vastas áreas escuras, as áreas iluminadas funcionam como um ponto de identificação ou um convite. Em suas fotografias feitas em Las Vegas, New York, Tóquio, Berlim, Veneza e Londres, que resultaram na exposição As Dark as Light e no livro homônimo, em 2001, encontra-se uma parte significativa de sua obra. Todas as

48

imagens foram capturadas à noite – em ambientes interiores ou exteriores – e a longa exposição é uma característica comum a todas elas. Assim, o artista enfatiza a noção de paisagem como sendo o espaço que é oferecido ao observador através da fotografia.

Fig.28 – Axel Hütte – National Galerie 2, Berlin - 2001 - Duratrans, 1,57m x 2,57m –

imagem da série As Dark As Light

49

4.3 – CANDIDA HÖFER

Nascida em 1944, na pequena Eberswalde, numa Alemanha devastada pela Segunda Guerra Mundial, Candida Höfer, apenas dez anos mais jovem que Hilla Becher, tem uma trajetória pouco linear na sua formação. Antes de ingressar na Escola de Düsseldorf, já havia vivido importantes experiências, e iniciado a construção de uma linguagem fotográfica que iria, mais tarde, consolidar a sua obra: uma nova perspectiva social através da fotografia de espaços. Para compreender o significado dessa nova perspectiva social, Shelley Rice reforça que “é importante lembrar que Candida Höfer nasceu numa Alemanha dilacerada pela guerra: um país destruído cujas estruturas de pedra jaziam em montes de entulho em toda a sua volta” (RICE apud HÖFER, 2006, p.13). O esforço de reconstrução, próprio da geração de Höfer, materializa-se em sua obra pela apropriação e nova significação dos espaços públicos, particularmente os espaços interiores. Candida Höfer contrapõe, em sua obra, a solidez do edifício à fragilidade da ordem social, evocada pelo vazio.

Desde muito jovem, Candida Höfer já fotografava. Entre 1963 e 1972 fez vários cursos de fotografia, um deles com Karl-Hugo Schmolz (1917-1986), fotógrafo que notabilizou-se por suas imagens da reconstrução da Alemanha no pós-guerra, onde retratava cinemas, casas de ópera, galerias de lojas, e revelava uma sociedade otimista, confiante no progresso. Antes de tornar-se aluna dos Becher, Candida Höfer também trabalhou no estúdio do fotógrafo Worner Bokelberg (1937), que apontou suas lentes para artistas como Pablo Picasso, Salvador Dalí ou Andy Warhol, e esteve envolvido com campanhas publicitárias de grandes empresas em ascensão, como o Deutsche Bank e a Lufthansa. Antes de iniciar seus estudos na Escola de Düsseldorf, Candida Höfer já havia reunido um grupo de fotografias de Liverpool, realizadas no final da década de 1960, e que permaneceriam inéditas por trinta anos (fig.29), e uma série que tornou-se bastante conhecida, realizada nas décadas de 1970 e de 1980 e exibida pela primeira vez em 1975, em que fotografou trabalhadores turcos na Alemanha (fig.30). Em ambas, a objetividade documental de Höfer é uma característica preponderante.

50

Fig. 29 – Candida Höfer - Liverpool XVI – 1968 – Gelatina e prata, 20,3cm x 20,3 cm

A nova sociedade, que surgia, reconstruída, no pós-guerra foi o território onde Candida Höfer construiu a sua narrativa. Dos Becher, ela trouxe para o seu trabalho a estabilidade dos espaços vazios, quase sempre destituídos da presença humana que os perturba. “Um vazio que se nos apresenta acompanhado do silêncio. O silêncio serve-se do vazio para tornar-se mais profundo. O vazio serve-se do silêncio para tornar-se absoluto. O vazio, o silêncio.”1 Ali, as pessoas não são excluídas por completo, mas surgem ocasionalmente de forma quase incidental.

Höfer ingressou na Kunstakademie (Academia de Belas Artes) de Düsseldorf em 1973, dedicando-se, durante os três primeiros anos, ao curso de cinema de Ole John. Para a sua inscrição no curso de Bernd Becher, no qual ingressou em 1976, ela apresentou uma série de fotografias de trabalhadores turcos na Alemanha (fig.30), sob a forma de uma projeção de slides. Essas imagens, exibidas pela primeira vez em 1975, faziam parte de uma exposição na Galeria Konrad Fischer, em Berlim, cujos artistas incluíam os Becher.

1 - SARAMAGO, in HOFER, 2006, pág 12 – em texto escrito para a apresentação da exposição “Em Portugal”, de Candida Höfer, no Centro Cultural de Belém (CCB), Lisboa, em 2006.

51

A transposição da técnica para uma forma de expressão artística na fotografia é algo que se observa na obra de Candida Höfer desde o início, e com mais ênfase do que os seus colegas da primeira turma de alunos dos Becher; estes percorreram um caminho inicialmente mais ligado à técnica para, então, construir um discurso artístico independente. Pode-se perceber este fato através de sua exposição Öffentliche Innenräume (Interiores Públicos), no Museu Folkwang, em Essen, no outono de 1982, imediatamente após a conclusão de seus estudos na Escola de Düsseldorf. A partir desta exposição, a sua obra estava reconhecidamente associada a imagens de espaços interiores. Na década de 1990, Höfer descreve sua abordagem ao assunto: “Eu tiro minhas fotografias em espaços públicos e semipúblicos de diferentes períodos. Estes são espaços acessíveis a todos. São locais de encontro, comunicação, aprendizado, relaxamento, contemplação. São salas de tratamento, hotéis, salas de espera, museus, bibliotecas, universidades, bancos, igrejas e, nos últimos anos, jardins zoológicos. Todos os espaços têm uma função, e os objetos dentro do espaço geralmente têm uma função também.” (Höfer, apud GRONERT, 2019, p.26).

Fig 30 – Candida Höfer - Trabalhadores Turcos em Alemanha – 1974 – parte integrante de uma projeção de slides com duração de 7 minutos, 80 imagens de dimensões variáveis.

Candida Höfer realizava suas imagens, até 1997, com uma câmera de pequeno ou médio formato, uma exceção entre os alunos dos Becher, que priorizavam as câmeras de grande formato. Também outra característica de seu trabalho era o uso da

52

impressão a cores, fato peculiar já que a Kunstakademie adquiriu seu primeiro equipamento de processamento de cor em 1983, ano seguinte à sua formatura. Ainda sobre seus métodos, é importante referir que Höfer trabalha apenas com condições de luz existentes no ambiente a fotografar, o que oferece, como resultado, uma mistura de luzes naturais e artificiais. Assim, ela mantém uma aparência documental, embora não tão rigorosa quanto os Becher quanto ao aspecto documental; tampouco tem a pretensão de uma organização tão rigorosa quanto a de seus mestres.

Fig 31 – Candida Höfer - Collegium Helveticum ETH, Zurich – 2005 – Chromogenic print, 1.77m x 2,00m

A escolha dos espaços, e seus enquadramentos, são claramente estruturados (fig.31), de forma a oferecer uma visão contínua – e estabelecer uma relação de proximidade com o observador, como se ao depararmo-nos com uma foto de Candida Höfer, fosse possível penetrar naquele espaço, naquele exato momento. As suas imagens são independentes entre si, e mesmo aquelas séries de fotografias tiradas de um mesmo local não são compostas por imagens associadas umas às outras, nem guardam entre elas qualquer relação de dependência necessária à sua percepção ou apreensão. As

53

imagens de Höfer acolhem o observador como a um visitante. Oferecem, num primeiro olhar, uma visão ampla do espaço. Com o tempo, sugerem uma intimidade que antes parecia impossível, para, então, revelar uma especial atenção aos pormenores. A abundância de pontos de interesse na fotografia de Candida Höfer parece desculpar-se pela ausência humana. A única presença humana aceita é a de cada observador, por ela transformado em visitante.

Sem um assunto ou objeto claramente definido, cada espaço é apresentado ao observador como um todo. Não há uma hierarquia estabelecida dentro do espaço- enquadramento de Candida Höfer. O observador é tomado por uma imagem de aparente inutilidade temporária, um estado de pausa existencial. Seu olhar é conduzido, inicialmente pelo todo, em seguida, pelos inúmeros pormenores ali presentes, para mais uma vez observar o todo. Esse jogo de aproximação e afastamento é o que define a relação entre espaço e observador, e não entre imagem e observador, como é suposto quando trata-se de fotografia. A obra de Candida Höfer transcende a dimensão fotográfica através de uma relação que estabelece com a escultura ou a própria arquitetura, posto que nos oferece uma experiência tridimensional do espaço. Candida Höfer, ao mesmo tempo revela lugares de inquestionável concretude, e cria uma nova espacialidade por meio da observação, quase vivência, da imagem tornada ambiente, situando a sua fotografia algures entre documento e arte.

Fig. 32 – Candida Höfer - Banco de Espanha, Madrid – 2000 – Chromogenic print, 152m x 1,52m

Assim como na obra dos Becher, os ângulos escolhidos por Höfer se manifestam frios e exatos. Um interesse quase etnográfico a faz penetrar em cada espaço, mas não

54

pertencer a eles. Esse esvaziamento é descrito por Martin Tschanz em seu artigo para o livro Architecture Without Shadows do seguinte modo: “na maior parte das imagens as pessoas estão ausentes, mas seus vestígios são perceptíveis, sugerindo uma aproximação quase de cotidianidade” (TSCHANZ apud MOURE, 2000, p.62). E completa: “a maior parte de suas fotos estão envoltas num halo de eternidade. Refletem a ideia de retirar dos espaços o tempo” (TSCHANZ apud MOURE, 2000, p.62).

Candida Höfer desenvolveu sua própria metodologia e, como afirmou José Saramago em texto de introdução à obra da fotógrafa, “impôs a si critérios, como limitações”2. A metodologia, que Candida Höfer nunca descreveu a não ser pela própria narrativa fotográfica, produz imagens que “poderiam servir de fonte documental para uma história cultural dos espaços retratados. As suas imagens são facilmente agrupáveis por diversos critérios: finalidade do edifício, localização, data da imagem, edifícios abandonados⁄cuidados, espaços que dialogam ou não com seus usuários, etc.”3. A fotógrafa evidencia, entretanto, que a documentação visual que realiza não tem por objetivo conservar realidades existentes. Podem ter até mesmo um caráter ficcional, ao criar constantemente novos ângulos e uma nova percepção espacial, ou ao utilizar-se dos limites metodológicos criados para dar forma ao vazio.

Através de enquadramentos em perspectiva, quase sempre em rigorosa e geométrica simetria, Sheeley Rice observa que “Höfer aponta frequentemente a sua câmera para o espaço profundo, mas fornece um ponto de fuga claro no interior da sala, focando paredes equilibradas, e chãos e tetos; o resultado é a criação de um recipiente fotográfico tridimensional sólido, para os jogos de luz e de cores quentes que caracterizam seu trabalho”( RICE apud HÖFER, 2006, p.13). Os pormenores da imagem não estão ali para produzir um espetáculo. Ao contrário, são eles que conduzem silenciosa e livremente o olhar, muitas vezes de forma oblíqua sobre o espaço. Ainda segundo Rice, “a luz é mantida como foi encontrada, numa mistura de luz natural e

2 SARAMAGO, apud HÖFER, 2006, p.12 – em texto escrito para a apresentação da exposição “Em Portugal”, de Candida Höfer, no Centro Cultural de Belém (CCB), Lisboa, em 2006.

3 RICE, in HÖFER, 2006, pág 13 – em texto escrito para o catálogo da exposição “Em Portugal” Candida Höfer, CCB, 2006. 

55

artificial. Não são retocadas as contraluzes brilhantes ou as áreas de sombra, evidenciando que a perfeição técnica não é seu objetivo.[...] Muitas de suas imagens são realizadas com câmeras pequenas, algumas vezes sem tripé. Isso não pode ser tomado como uma regra, pois em seu trabalho utiliza também câmeras de médio formato. Parece estar mais ligado à conquista de uma flexibilidade que lhe permite um trabalho mais silencioso, menos chamativo, o que assegura uma respeitosa distância e respeito para com o desconhecido”( RICE apud HÖFER, 2006, p.13).

Fig. 33 – Candida Höfer – Städelschule Frankfurt am Main – 1992 – chromogenic print, 40cm x 50cm

À primeira vista, os princípios metodológicos de Candida Höfer não parecem se aplicar a sua série sobre jardins zoológicos, realizada na década de 1990, na Alemanha, França, Holanda, Inglaterra e Espanha. Pelo modo como os animais estão presentes nessas imagens, o observador é imediatamente levado a atribuir-lhes a condição de “indivíduo”, ou de objeto central da composição. No entanto, percebe-se que o tema não é o animal em particular, mas a interação entre o animal e seu espaço (fig.34) ou, para ser mais preciso, seu fechamento. Em algumas fotografias desta série, os espaços de confinamento são construídos a partir de pinturas murais, originalmente concebidas para criar o “habitat” do animal, cujo resultado, sob as lentes de Höfer, resulta numa composição espacial com uma linguagem até certo ponto próxima das suas imagens de interiores: “a série sobre zoológicos não oferece visões da natureza ou críticas ao

56

comportamento animal, mas - assim como as imagens dos interiores - às vezes são análises muito poéticas do espaço.”(GRONERT, 2009, p.27)

Fig. 34 – Candida Höfer - Jardim Zoológico de Paris II – 1997 – chromogenic print, 25cm x 35cm

O interesse de Candida Höfer por espaços interiores é mais evidente em sua extensa série sobre bibliotecas, em que a luz é a característica central. Nessas fotografias, são as diversas fontes de luz que animam a composição das imagens de ambientes ocupados por livros, numa metáfora do próprio conhecimento. Segundo Gronert, “a atmosfera quase pictórica da cena parece transportar a luz do conhecimento de fora para dentro, com o exterior sendo indefinido e vazio: não há absolutamente nada para atrair nossa atenção, não há prédios, árvores ou nuvens; tudo coloca o foco no interior.”(GRONERT, 2009, p.27). E continua: “O interesse particular de Höfer é ainda mais aparente quando comparamos as fotografias dela com as de Andreas Gursky, cuja abordagem é bem diferente, mesmo que o assunto, por exemplo em Library (Gursky, 1999) (fig.35), seja, por vezes, idêntico ao de Höfer com o seu Stadsbiblioteket Stockholm (Höfer,1993) (fig.36)”(GRONERT, 2009, p.27). Enquanto as imagens de

57

Höfer eram ampliadas a 0,38m x 0,57m, as de Gursky, mais alongadas, eram impressas em 2,05m x 3,60m.

Fig. 35 – Andreas Gursky – Library - 1999 – cibachrome print, 0,60m x 1.20m

Fig. 36 – Candida Höfer - Stockholm Stadsbiblioteket – 1993 – chromogenic print, 38cm x 57cm

58

4.4 – THOMAS RUFF

Thomas Ruff nasceu em 1958, na pequena Zell Am Harmersbach, na Floresta Negra, na Alemanha. Em 1974, de posse de sua primeira câmera, começou a fotografar paisagens, inspirado por imagens que via em revistas de fotografia amadora. Foi aluno de Bernd e Hilla Becher de 1977 a 1985, na Escola de Düsseldorf, onde lecionou de 2000 a 2005. Também estudou na Cité Internationale des Arts, em Paris, em 1982, e na Villa Massimo, em Roma, no ano de 1993.

Ruff ocupa uma posição incomum na Escola de Düsseldorf, em parte devido à grande variedade de técnicas que explora, mas também por sua abordagem conceitual. O que melhor define a obra de Thomas Ruff é seu constante questionamento do meio fotográfico, e do quanto o meio é determinante para que o objeto seja construído através da fotografia.

Diante de uma significativa heterogeneidade de sua obra, parece alinhar a sua produção por um eixo fundamental: o trabalho realizado em séries. De fato, seugundo Stefan Gronert, “é mais preciso chamar de grupos que de séries, pois ao contrário dos mestres Bernd e Hilla Becher, ele nunca demonstrou interesse por estabelecer visões comparativas”(GRONERT, 2009, p.49), ainda que trabalhe de forma recorrente sobre determinados temas, sejam esses temas delimitados pelo assunto da fotografia ou pela técnica desenvolvida. Ainda segundo Gronert, seu conteúdo “refere-se a um exame crítico, mas também afirmativo, da fotografia como um meio que não é apenas artístico”(GRONERT, 2009, p.47), afirmação que parece não se adequar ao primeiro grupo de obras de Ruff: a série Interiors, iniciada em 1979, logo após iniciar seus estudos como o mais jovem aluno dos Becher, e que lhe valeu sua primeira exposição individual, aos 23 anos. Segundo Catherine Hürzeler, “com a naturalidade dos alunos dos Becher, Ruff começou sua carreira fotografando as salas de estar e os quartos das casas de seus familiares na Floresta Negra, que resultariam na série Interiors (1979- 1983)” (Hürzeler apud MOURE, 2000, p.81), que Thomas Ruff exibiu na Galerie Shöttle, em Munique. Em entrevista a Catherine Hürzeler, Ruff relata: “a série Interiors documenta o contexto de uma geração específica. A geração dos meus pais. Portanto, o

59

contexto em que cresci. À época em que fiz as fotografias (de Interiors) estava muito influenciado por Walker Evans (1903-1975) e pelas fotografias que lhe haviam sido encomendadas pela FSA (Farm Security Administration), para documentar a vida das pessoas na América rural durante a depressão dos anos de 1930. Se supunha que essas fotografias pudessem melhorar suas vidas. A mim, o governo não havia encomendado nada, e tampouco as casas de meus pais, tios e tias poderiam ser melhoradas. Eu já estudava na Kunstalademie de Düsseldorf e havia absorvido já algum treinamento visual, pelo que a distância era compreensível. Na série Interiors não manipulei nada. Fiz fotografias da situação que tinha diante de mim. ”4.

Fig. 37 – Thomas Ruff – Interior 7E – 1979 – chromogenic print, 20,2cm x 27,4cm

4 - Thomas Ruff, em entrevista a Catherine Hürzeler, para o livro de Gloria Moure, Arquitetura Sem Sombras, onde discute-se a fotografia de arquitetura como uma prática artística a partir da obra de sete fotógrafos: Andreas Gursky, Thomas Ruff, Hiroshi Sugimoto, Candida Hofer, Jeff Wall, Gunther Forg e Balthasar Burkhard.

60

Fig. 38 – Thomas Ruff – Interior 9B – 1979 – chromogenic print, 20,2cm x 27,4cm

Fig. 39 – Thomas Ruff – Interior 12B – 1979 – chromogenic print, 20,2cm x 27,4cm

Seu primeiro sucesso internacional data do final dos anos de 1980, com o segundo e o terceiro grupos de suas fotografias. Trata-se de Portraits, grupos compostos por retratos desprovidos de qualquer abordagem emotiva. Os retratos não falam dos retratados diretamente, mas de como os rostos assumem a função de figuras. Os primeiros retratos, realizados entre 1981 e 1985, são de amigos e conhecidos do mundo da Kunstakademie. No início, Ruff fotografou em preto e branco, e só mais tarde

61

introduziu a cor, em imagens de pequeno formato, feitas em negativos 9 x 12 cm, de edição única e com fundos coloridos, ainda que lisos. A partir de 1986, observa-se uma transformação nos seus retratos: passam a ter fundos brancos e foram utilizados dois tamanhos de impressão. Ruff manteve os pequenos formatos, mas criou uma edição limitada de imagens impressas em grande formato. A metodologia de abordagem permanece a mesma, com rostos imóveis e praticamente sem expressão. São faces de estranhos, que se mantém afastados do observador pela ausência de expressão. Segundo, uma vez mais, Gronert “eles mantêm o status dos rostos em oposição às pessoas.”(GRONERT, 2009, p.47). Nesse conjunto de retratos estão representados Jörg Sasse, que ingressou na turma da Kunstakademie em 1982, e Axel Hütte, o único de seus colegas de turma fotografado. Esse grupo de retratos é concluído em 1991, com um autor-retrato duplo. Não por acaso, o autorretrato duplo de Ruff parece uma reflexão sobre a categoria do retrato fotográfico, e também sobre o medium da fotografia, ao utilizar-se do recurso da dupla exposição. Um autorretrato duplo, de igual destaque, é o de Jeff Wall, realizado em 1979, quando ele tinha a mesma idade de Thomas Ruff, em 1991. Sobre sua obra, Ruff afirma: ”Nos Portraits coloridos queria o enfoque mais preciso que conseguisse. Por isso escolhi a câmera, a lente, a iluminação, e a película mais convenientes para os critérios de precisão e neutralidade. A única manipulação estava no corte, e por haver pedido aos modelos que não sorrissem. Em Other Portraits, utilizei a manipulação para criar rostos que não existissem, mas que fossem concebíveis. Queria mostrar a manipulação, queria que as pessoas se dessem conta de que os retratos eram uma ficção.”5

5 Thomas Ruff, em entrevista a Catherine Hürzeler, para o livro de Gloria Moure, Arquitetura Sem Sombras, onde discute-se a fotografia de arquitetura como uma prática artística a partir da obra de sete fotógrafos: Andreas Gursky, Thomas Ruff, Hiroshi Sugimoto, Candida Hofer, Jeff Wall, Gunther Forg e Balthasar Burkhard. 

62

Fig. 40 – Thomas Ruff – Portrait (Stoya) – 1986 – chromogenic print, 16cm x 12cm

Fig. 41 – Thomas Ruff – Portrait (Jörg Sasse) – 1989 – chromogenic print 16cm x 12cm

Fig 42 – Thomas Ruff – self-portrait duplo – 1991, chromogenic print, 20cm x 20cm

63

A narrativa descrita pela obra de Thomas Ruff ganha força com o grupo de retratos Other Portraits, realizado entre 1994 e 1995, e exposto na Bienal de Veneza de 1995. Other Portraits está ligado conceitualmente ao autorretrato duplo de 1991, pela dupla exposição e pelo questionamento acerca da identidade, e do real, na imagem fotográfica. Partem, entretanto, de critérios técnicos e metodológicos distintos. Os Other Portraits foram elaborados com o auxílio de uma Minolta Montage Unit, equipamento semelhante aos usados nas fotografias de criminosos em registros policiais, que Ruff conseguiu através de uma coleção policial em Berlim. As imagens de Other Portraits foram impressas em tela, mas com efeito muito próximo aos de fotografias em preto e branco, e abordam diretamente a questão da distorção da identidade visual, ao trair a identificação ou reconhecimento, uma das funções básicas desse tipo de fotografia. As sobreposições de faces de diferentes indivíduos, recurso utilizado na série Other Portraits, produzem o efeito de bloquear o mecanismo da identificação visual que as gerou, e, assim, atingem exatamente o oposto daquilo que se espera de um retrato. Com Other Portraits fica evidenciado o interesse de Ruff pelas técnicas fotográficas, e pela possibilidade de subvertê-las, como que a brincar com o papel do artista no processo de criação.

Fig. 43 – Thomas Ruff – Other Portraits – 1994/1995 – impressão sobre papel, 50cm x 35cm

64

Fig. 44 – Thomas Ruff – Other Portraits – 1994/1995 – impressão sobre papel, 50cm x 35cm

Fig. 45 – Thomas Ruff – Other Portraits – 1994/1995 – impressão sobre papel, 50cm x 35cm

Já a série Houses foi realizado entre 1987 e 1991. Os retratos de construção de Ruff são igualmente em série, e foram editados digitalmente para remover detalhes que eram incômodos ao autor: "Este tipo de construção representa mais ou menos a ideologia e economia da República da Alemanha Ocidental nos últimos trinta anos"6 ; e

6 - Thomas Ruff, em entrevista a Catherine Hürzeler, para o livro de Gloria Moure, Arquitetura Sem Sombras, onde discute-se a fotografia de arquitetura como uma prática artística a partir da obra de sete fotógrafos: Andreas Gursky, Thomas Ruff, Hiroshi Sugimoto, Candida Hofer, Jeff Wall, Gunther

65

completa: “na série Houses utilizei o computador para resolver detalhes que me incomodavam”. Os arquitetos Herzog & de Meuron tomaram conhecimento dessa forma de fotografia arquitetônica e convidaram Ruff para participar de sua exibição na Bienal de Arquitetura de Veneza, em 1991, com uma fotografia de seu prédio para as indústrias Ricola, na Suiça. Em 1999, Ruff desenvolve um grupo de fotografias digitalmente alteradas sobre a obra do arquiteto Mies Van Der Rohe.

Em suas séries seguintes, Stars (1989-1992), Newspaper Photos (1990-1991) e Night (1992-1996) ele explora as relações entre o artista e a técnica, na criação artística, valendo-se prioritariamente de critérios conceituais.

Em Stars, Thomas Ruff utiliza negativos profissionais adquiridos do Observatório Europeu do Sul, no Chile, em que aparece o céu do hemisfério sul. Ele seleciona alguns detalhes e os amplia, sem que tivesse, ele próprio, tirado sequer uma fotografia dessa série. Assim, através da apropriação ao invés do disparo, ele promove a retirada do artista da obra.

Fig. 46 – Thomas Ruff – Stars – 1992 – impressão sobre papel, 65cm x 90cm

O mesmo acontece com a série Newspaper Photos, em que Thomas Ruff cria cerca de quatrocentas imagens a partir de recortes de jornais. Os recortes, de assuntos os mais variados, são retirados do texto ao qual fazem originalmente referência, refotografados, e ampliados, ainda que em pequeno formato. A interferência de Ruff

66

evidencia a retirada da imagem de seu contexto original e a ampliação de fotografias produzidas para periódicos, e, portanto, com uma baixa resolução. A ampliação da imagem potencializa a baixa resolução da impressão original e traz um questionamento de seu significado ou do que possa transmitir. Diferentemente de seus colegas da pop- art, Roy Lichtenstein(1923-1997) e Andy Warhol(1928-1987), Ruff não acrescenta nenhum tipo de informação às imagens. Nelas não há textos incorporados ou adicionados, e é óbvia a origem de cada fotografia. E, neste contexto, Thomas Ruff afirma: “na série Newspaperphotos aproprio-me das imagens como são, exceto por ampliá-las a um tamanho duas vezes maior que o original. O sentido da imagem já se altera ao eliminar o texto. Na verdade, ampliar as imagens a um tamanho duas vezes maior tem por finalidade torná-las visíveis, porque as fotografias de imprensa são relativamente pequenas. Ao ampliar-se a fotografia, ampliam-se, também, os pontos que a compõem; em outras palavras, se pode perceber que as fotografias foram retiradas de seu contexto, que foram feitas para ser impressas em outro contexto.”7

Na série Night, uma vez mais Ruff utiliza-se de transformações sobre processos fotográficos convencionais. As fotografias, de pontes ou quintais de seu cotidiano em Düsseldorf, não são em nada espetaculares, a não ser por terem sido realizadas com uma câmera de visão noturna de 35mm. São imagens noturnas em que utiliza a mesma tecnologia de infravermelho de visão noturna desenvolvida para uso, tanto militar quanto de transmissão televisiva. O tom esverdeado sugere as imagens de câmeras de vigilância, e deixam a impressão de que relatam uma ação policial. As imagens de Ruff, entretanto, podem ser vistas no contexto da intervenção militar dos E.U.A., no Iraque, em 1991, onde tecnologias semelhantes foram utilizadas para captar imagens, que eram transmitidas pela televisão.

7 Thomas Ruff, em entrevista a Catherine Hürzeler, para o livro de Gloria Moure, Arquitetura Sem Sombras, onde discute-se a fotografia de arquitetura como uma prática artística a partir da obra de sete fotógrafos: Andreas Gursky, Thomas Ruff, Hiroshi Sugimoto, Candida Hofer, Jeff Wall, Gunther Forg e Balthasar Burkhard.

67

Fig. 47 – Thomas Ruff – Night 1, I – 1996 – chromogenic print, 18cm x 18cm

Fig. 48 – Thomas Ruff – Night 17, III – 1996 – chromogenic print, 18cm x 18cm

Também no universo da fotografia digital, Thomas Ruff subverte as imagens. Numa série de fotografias de edifícios do arquiteto Mies Van Der Rohe, utiliza desfoques em oposição à geometria marcante da arquitetura, e o resultado são imagens que sugerem uma abstração. A partir de 1999, Ruff dedica-se às fotos pornográficas obtidas na internet, e realiza Nudes. Publicada em 2003, trata-se de sua mais extensa série de fotografias. Uma vez mais, Ruff utiliza imagens pré-existentes, e não de sua própria autoria. Seleciona imagens baseadas na pornografia disponível na internet, as

68

edita e as amplia. Processadas e obscurecidas digitalmente, sem qualquer câmera ou dispositivo fotográfico tradicional, as imagens de Nudes aproximam-se conceitualmente à série Newspaper Photos. As imagens da internet, em baixa resolução, quando ampliadas resultam nebulosas. Seu colorido perde o aspecto natural e posiciona-se entre o ficcional e o kitsch, trazendo questionamentos acerca do conteúdo divulgado pela rede e o tipo de desejo e provocação que pretendem causar ao observador. Em 7 de fevereiro de 2011, uma de suas fotos, integrante da série Nudes, foi exibida na capa de um número da revista New York Magazine, o que evidencia o interesse midiático que esse grupo de imagens criou.

Fig. 49 – Thomas Ruff – Nude ye29 – 1992 – impressão sobre acrílico, 1,38m x 1,90m

Fig. 50 – Thomas Ruff – Nude fj23 – 2000 – impressão sobre acrílico, 1,22m x 1,39m

69

Paralelamente à série Nudes, Ruff desenvolve a série Substratum (2002-2003), também a partir do universo pictórico da internet, baseado em imagens de desenhos japoneses de mangá e anime, sobrepostas e multiplicadas em várias camadas, até alcançar como resultado imagens desprovidas de significado, distanciada do material original, em mais uma crítica à enxurrada de imagens a que se tem acesso através da internet, a sua sobreposição, e a banalização de seu significado. Seguindo a narrativa conceitual de Ruff, a série Substratum faz claras referências à série Other Portraits em que o objeto fotográfico original tem seu significado adulterado, mas também estabelece um diálogo com Nudes ou Newspaper Photos através da alteração da forma por meio da técnica utilizada ou do resultado obtido, com um aspecto desfocado.

Fig. 51 – Thomas Ruff – Substat 34 – 2007 – chromogenic print, 55cm x 50cm

70

Fig. 52 – Thomas Ruff – Substat 2, I – 2002 – chromogenic print, 89cm x 65cm A série Zycles, tem origens em imagens extraídas de fontes científicas. Ruff transforma curvas matemáticas em linhas abstratas, que são associadas em composições e impressas em jato de tinta, ganhando volume quase de aspecto tridimensional. Talvez seja nesse trabalho que Thomas Ruff mais se afasta da fotografia clássica, sendo mantida a característica que une toda a sua obra: o desafio à definição de autenticidade e objetividade na fotografia. Ao contrário de seus professores, que se propuseram a criar um arquivo documental da arquitetura existente a um tempo e espaço determinados, Thomas Ruff trafega entre seus grupos no tempo que lhe apetece, sem uma lógica aparente por trás de suas escolhas, podendo retomar trabalhos iniciados em grupos passados. Ao partir de uma origem quase sempre documental, Ruff transcende o significado dos objetos de seus grupos de fotografias ao produzir mais objetos artísticos que documentos. Sua obra, dificilmente incluída em algum conceito de arquivo, tamanha a variedade de seus temas, também desafia o mercado de arte, no qual o menor número de obras é referência para seu maior valor. O resultado é uma obra que explora as funções sociais da fotografia orbitando entre a afirmação estética e a reflexão crítica. Thomas Ruff mostra que a construção da imagem é, em importância, igual ao tema, e abre os horizontes da fotografia através da liberdade com que utiliza manipulações nas imagens e apropriações nos meios.

71

Fig.53 – Thomas Ruff – Zycles 3045 – 2008 – jato de tinta sobre papel, 1,17m x 2,06m

Thomas Ruff vive e trabalha em Düsseldorf, na Alemanha, onde compartilha um estúdio com os fotógrafos alemães Laurenz Berges, Andreas Gursky e Axel Hütte. O espaço, uma antiga estação de eletricidade municipal, inclui uma galeria no porão.

72

3.5 – THOMAS STRUTH

Thomas Struth nasceu em Geldern, no Baixo Reno, em 1954 e iniciou seus estudos na Kunstakademie em 1973, inicialmente no curso de pintura com Gerhard Richter (1932). Interrompeu seus estudos entre 1977 e 1978, quando recebeu uma bolsa de estudos para os E.U.A. e em 1980.

Na pintura, seu principal interesse eram as paisagens urbanas, o que chamou a atenção de Bernd Becher, que o convidou a integrar a sua primeira turma de estudantes na Escola de Fotografia de Düsseldorf. Em função de seus interesses pela espacialidade urbana, desenvolveu afinidades com Volker Döhne (1953) e com Tata Ronkholz (1940- 1997), com quem trabalhou num projeto que documentava o porto fluvial de Düsseldorf, em 1978. Também com Axel Hütte desenvolveu um projeto, em que passaram dois meses juntos em 1977 a realizar a documentação da região operária de Tower Hamlets, em Londres.

Seu trabalho pode ser dividido em quatro grupos temáticos, embora nem toda imagem possa ser atribuída a um desses grupos. São eles as cenas urbanas, que Struth chamou de Streets; as imagens realizadas em interiores de museus, as Museums Photographs; os retratos individuais, ou de grupos ou famílias, as Family Photographs e um grupo a qual pertencem as fotografias de flores, selvas e paisagens, como a série Paradise, dedicada a florestas, e a série Winterthur, feita sob encomenda para um hospital, em que representa flores com uma metodologia semelhante a um catálogo. Struth não tem por objetivo realizar trabalhos sequenciados, com início e fim, de modo que os diferentes grupos temáticos justapõem-se ao longo do tempo.

A série de cenas urbanas Streets teve início em 1976, e inicialmente era composta de fotos em preto e branco. Foi apresentada sob a forma de um estudo na Escola de Düsseldorf, numa grade composta por 49 imagens em perspectiva centralizada, realizadas nas ruas de Düsseldorf. Mais tarde, numa conexão com sua viagem à Ásia, passou a fotografar em cores, e mostrava declarada inspiração na fotografia de Eugène Atget (1857-1927). Struth, assim como Atget, fotografam edifícios e espaços urbanos, mas não propriamente a vida urbana. Segundo Stefan Gronert, “ao

73

contrário de Atget, com sua vasta documentação de uma cidade, Struth é muito mais globalmente orientado em sua busca para capturar a atmosfera característica de cada lugar em particular. É por isso que seus alvos em suas muitas viagens não são os pontos turísticos típicos, mas as vistas espetaculares que, no entanto, causam um impacto particular.” (GRONERT, 2009, p.35).

Fig. 54 – Thomas Struth – Water Street, New York – 1978 – gelatina e prata, 30cm x 40cm

Fig. 55 – Thomas Struth – Düsselstrasse, Düsseldorf – 1979 – gelatina e prata, 66cm x 84cm

74

Com frequência, Struth parte de uma perspectiva central, em suas cenas urbanas, o que acentua a profundidade das ruas desertas, numa estrutura pictórica de composição clássica, onde equilibra áreas de maior e de menor importância no seu enquadramento. Na série Streets, a ausência de pessoas é determinante. Mais tarde, na década de 1980, quando retoma as fotografias urbanas em suas imagens realizadas na Áustria, há um grande número de pessoas nas ruas, embora não sejam elas, mas o espaço urbano, o assunto principal das fotografias. Desse momento faz parte a fotografia da Catedral de Notre-Dame, em Paris, embora essa imagem seja uma representação pouco típica das cenas urbanas, e tampouco faz parte das fotografias de museus. Exibe a catedral cortada no topo, fazendo convergir o interesse do observador para a estrutura do corpo do edifício, e em seguida para a grande quantidade de visitantes em torno do monumento. O edifício, enquanto volume, surge com maior importância que a multidão de visitantes, que parecem não observar o monumento. Desse modo Struth provoca uma observação crítica sobre a relação entre as pessoas e o monumento.

Fig. 56 – Thomas Struth – Notre-Dame, Paris – 2000 -cibachrome, 1,70m x 2,15m

75

Em 1989, Struth inicia a série Museum Photographs, que rapidamente tornou-se um marco em seu trabalho. As primeiras imagens dessa série tiveram origem um pouco antes, quando Struth fotografou, em 1987, o historiador de arte Giles Henry Robertson (1913-1987) retratado em seu ambiente doméstico, rodeado de várias pinturas, em dois retratos que antecipam, conceitualmente, a escolha que Thomas Struth faria em sua série sobre os museus. Os retratos de Robertson sinalizam a linguagem adotada por Thomas Struth em sua série Family Photographs, representando assim um importante ponto de partida na narrativa conceitual do artista.

Fig. 57 – Thomas Struth – Giles Henry Robertson – 1987 – chromogenic print, 44cm x 58cm

Fig. 58 – Thomas Struth – Eleonor e Giles Henry Robertson – 1987 – chromogenic print, 66cm x 84cm

Nas fotografias de museus, realizadas em conhecidos museus do mundo, a presença humana é fundamental. Embora possam ser facilmente incluídas em arquivos

76

sobre os museus, as fotografias de Thomas Struth não tem por objetivo criar um registro documental sobre museus e suas obras, não falam do museu, tampouco das pessoas, mas da relação que o observador estabelece com a obra em exposição. Nelas, as posturas dos visitantes do museu são de extrema importância, e estes surgem como parte da composição. Em nenhum momento Struth estabelece uma meta-linguagem acerca das imagens, ou seja, a construção de uma imagem sobre outra imagem. O que surge com ênfase nas fotografias de museus é a obra de arte, e a atitude do observador, como pode ser visto na fotografia Art Institute of Chicago II (1990), em que uma mulher com um carrinho de bebé parece entrar numa pintura de Caillebotte (1848- 1894). Também sobre essas imagens, afirma Stefan Gronert: “Nestas fotografias, a pintura e a vida estão em estado de transição, de modo que a "autonomia" da arte, que às vezes é considerada uma deficiência, não parece mais problemática. São peças de museu ideais em todos os sentidos do termo.” (GRONERT, 2009, p.36). E, assim, Struth penetra na relação de correspondências estabelecidas entre arte e observador.

Fig. 59 – Thomas Struth - Art Institute of Chicago – 1990 – chromogenic print, 1,84m x 2,19m

77

Fig. 60 – Thomas Struth - Art Institute of Chicago – 1990 - pormenor

É através da série Museums Photographs que Thomas Struth aparentemente subverte as características mais facilmente associáveis à Escola de Düsseldorf, como objetividade, neutralidade e documentação direta. Mas isso acontece apenas aparentemente, já que o que Struth faz é exatamente a construção fotográfica da realidade. Ao analisar cuidadosamente as imagens de Thomas Struth, é possível identificar boa parte dos critérios documentais transmitidos pelos Becher, inseridos num produto estético, em que o autor acrescenta ao conteúdo do tema, propriamente dito, a reflexão acerca das atitudes das pessoas em relação à obra de arte. São fotografias planejadas e criteriosamente selecionadas entre as várias imagens que tirou. Ele não passa despercebido, nem pelo observador do museu, nem pelo observador da sua fotografia. O ponto de vista evidencia a proximidade do fotógrafo com a obra de arte e o indivíduo fotografado. O tamanho das impressões realizadas por Thomas Struth pode chegar a mais de dois metros de largura, o que torna a fotografia próxima da obra de arte fotografada no museu, e que promove ainda mais a sensação de correspondência entre a fotografia e a obra ali representada, a exemplo da imagem onde aparece a pintura One: number 31, de Jackson Pollock (1912-1956), no MoMA (Modern Art Museum of New York).

No início da série Streets não havia pessoas. Em seguida, elas surgem como elemento aparentemente secundário na composição, para, então, na série sobre os museus, assumirem uma relevante importância. A introdução da figura humana em sua narrativa culmina com a série de retratos, individuais ou de família, onde os indivíduos retratados assumem o papel central na imagem. Diferentemente de seu colega Thomas Ruff, os retratos de Thomas Struth estão repletos de referências, e o indivíduo encara o

78

fotógrafo de um ambiente, com todos os objetos que os compõem. Essas referências, entretanto, não tem por finalidade identificar o retratado, como nos arquivos de documentos. Elas servem para produzir um observador ativo, que liga-se à fotografia através dos seus pormenores e, assim, estabelece uma vínculo com o indivíduo ali representado, numa situação de inquietante intimidade.

Fig. 61 – Thomas Struth – The Smith Family – Fafe – Escócia – 1989 -chromogenic print, 69cm x 96cm

Fig.62 – Thomas Struth – The Falletti Family – Firenze - Itália – 2005, chromogenic print, 1,80m x 219m

79

Uma quarta categoria de fotografias na obra de Thomas Struth compreende flores, selvas e paisagens, e caracteriza-se mais uma vez pela ausência de pessoas. As imagens de flores foram uma encomenda para os quartos dos pacientes de um hospital em Winterthur, na Suiça. As imagens de selvas, a que Struth chama de Paradise, retratam cenas de selva densa, e sugerem um olhar impenetrável, apesar de, assim como nas cenas urbanas, partirem de uma perspectiva central que acentua a profundidade. A relação entre luzes e sombras é a característica mais marcante desse trabalho, realizado em florestas de vários países.

Fig. 63 – Thomas Struth – Large Sunflower Nº4 – Winterthur – Suiça – 1991 – chromogenic print, 84cm x 66cm

Fig.64 – Thomas Struth – Paradise 9 – China – 1999 – chromogenic print, 2,70m, 2,40m

80

Fig. 65 – Thomas Struth – Paradise 9 – imagem exibida no Städel Museum – Frankfurt - 2017

O método documental presente no trabalho de Thomas Struth garante uma narrativa que une toda a obra do artista numa sinuosa linha conceitual. Sua inquestionável condição de arte não faz com que afaste-se do caráter documental, seja pelo conteúdo, ou pelos enquadramentos, ou mesmo pela maneira particular com que organiza sua obra, que sempre revela um questionamento para além da imagem.

A obra de Thomas Struth é amplamente exibida em exposições individuais ou coletivas em todo o mundo, entre elas, a 44ª Bienal de Veneza (1990), e a Documenta IX, em Kassel (1992). Sua primeira exposição individual realizou-se na Fruitmarket Gallery, em Edimburgo, em 1987. Entre suas mais famosas exposições está uma retrospectiva de sua obra realizada, em 2010, na Kunsthaus Zürich, Alemanha, e que posteriormente viajou por diversas cidades, sendo inclusive exposta no Museu Serralves por ocasião da programação comemorativa dos vinte anos da Fundação Serralves.

81

CONCLUSÃO

O presente trabalho de dissertação realizado no âmbito do Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte, teve como ponto de partida a discussão entre documento e arte na fotografia.

A fim de delimitar o estudo, foi escolhida a Escola de Fotografia de Düsseldorf, como universo onde abordar os referidos conceitos: documento e arte na fotografia. A Escola de Düsseldorf foi fundada como parte integrante da Kunstakademie – Academia de Belas Artes, em Düsseldorf, pelo fotógrafo Bernd Becher em parceria com sua esposa, a fotógrafa Hilla Becher, em 1976, e promoveu a formação de várias gerações de fotógrafos até 1997, quando encerrou suas atividades um ano após a saída do mestre Bernd Becher.

Observa-se que o pictorialismo e a Nova Objetividade foram ação e reação no processo evolutivo da fotografia e seus significados. Tudo o que o pictorialismo recusa-se a ver, a Nova Objetividade tenta reverter: “os planos próximos, a nitidez, os detalhes e a estrutura gráfica dos enquadramentos criam um conjunto surpreendente”(ROUILLÉ, 2009, p.268). A partir dos conceitos desenvolvidos e aplicados pela Nova Objetividade, movimento artístico surgido na Alemanha durante o período da República de Weimar (1919-1933), os fotógrafos Bernd e Hilla Becher desenvolveram uma metodologia que aplicaram sistematicamente na década de 1960 para documentar por fotografia estruturas industriais desativadas. Algumas características de sua metodologia, como a grande distância focal (a fim de evitar distorções), a ausência de pessoas, e por muitas vezes da linha do horizonte, o enquadramento centralizado, as sombras tênues ou inexistentes, e a linguagem objetiva que recusava abstrações, foram repetidas exaustivamente em seu trabalho de documentação. A maneira como decidiram agrupar as imagens também seguia um rigor metodológico. Suas imagens foram agrupadas segundo dois padrões, as tipologias e os desenvolvimentos, que tinham por finalidade estabelecer associações entre diferentes estruturas fotografadas. Ao criar uma nova visualidade, por subtrair de cada estrutura o seu contexto de espaço e pessoas, os Becher isolavam as estruturas industriais a as tornavam esculturas. Desse modo foram reconhecidos, ao receber o prêmio de escultura na Bienal de Veneza de 1990.

Os mestres, Bernd e Hilla Becher, fundamentaram a Escola de Düsseldorf a partir de sua metodologia de documentação. De sua primeira turma de alunos fizeram parte os cinco fotógrafos apresentados: Andreas Gursky, Axel Hütte, Candida Höfer, Thomas Ruff e

82

Thomas Struth, fotógrafos que figuram entre os mais reconhecidos artistas na fotografia contemporânea.

A obra dos Becher, assim como os ensinamentos transmitidos a seus alunos, tem como resultado uma formação de base documental, que segue a matriz do trabalho dos mestres e dos alunos durante toda a sua trajetória, mas caracteriza-se também pela possibilidade de que cada um pudesse criar sua própria fotografia, entre documento e arte, embora com um conteúdo metodológico que os une na estrutura de sua obra.

A discussão entre documento e arte está presente na fotografia desde os tempos de sua descoberta, embora a humanidade tenha mostrado-se sempre mais atenta aos aspectos técnicos e tecnológicos da fotografia que a seus significados. A função de informar, historicamente a mais atribuída à fotografia, confere à imagem, de maneira irrefutável, características como verdade, objetividade e credibilidade.

A fotografia como documento tem por princípio a constituição de um arquivo, e a fotografia da Escola de Düsseldorf pode ser facilmente organizada com essa finalidade, por sua base metodológica. O fotógrafo, entretanto, atua por subtração. Ao realizar um enquadramento, faz uma escolha, restringe a imagem a um limite de espaço e tempo. Ao escolher o que, da realidade visível, deseja mostrar, está a recriar a realidade numa nova dimensão, não mais a reproduzir ou representar o visível, mas a desvendar o que o olho não vê. Nesse ato de percepção reside a linguagem da fotografia, antes buscada na perspectiva de simulacro da arte pictórica. Como é por essência uma ato de percepção, a fotografia liga-se a memória, e é na memória que são mediadas as relações entre as pessoas, as coisas e as imagens, ou, de outra maneira, entre o observador, o objeto, tema da fotografia, e a fotografia propriamente dita.

De alguma maneira, a obra dos fotógrafos de Escola de Düsseldorf situa-se entre documento e arte, ao despertar no observador um mecanismo infinito de associações. Ao transcender a técnica e tornar-se arte, a fotografia encontra uma linguagem própria, que lhe permite ser documento ou arte, sem que seja completamente um ou outro, sem que o seu caráter documental anule suas potencialidades artísticas, ou vice-versa.

A obra de Andreas Gursky, caracterizada por uma redução da figura humana a pequenos pontos, por vezes imperceptíveis, até a sua completa ausência, oferece uma extrema riqueza de pormenores, permitida graças ao uso de grandes formatos. O observador é

83

conduzido a vagar entre a visão “macro”, do conjunto, e uma experiência visual do pormenor como se fizesse parte da cena. Na obra de Axel Hütte, os limites entre realidade e ficção aparecem nebulosos, e, como o próprio fotógrafo afirma, o observador é levado a perder-se no tempo e no espaço, a criar uma nova espacialidade. Por meio de grandes distâncias focais, Hütte aborda longínquas visões infinitas, aproximadas do observador por estruturas arquitetônicas em primeiro plano, numa descrição do vazio em dimensões que vão do muito próximo ao infinito.

Candida Höfer é, aparentemente, a aluna dos Becher que demonstrou mais precocemente a disposição para transcender a técnica em busca de uma forma de expressão. Dentre seus colegas, foi Höfer quem viveu mais de perto o período de reconstrução da Alemanha no pós-guerra (Candida Höfer nasceu em 1944). Provavelmente deve-se a isso o fato de ter desenvolvido desde muito cedo uma crítica social, até certo ponto otimista, através de uma análise poética dos espaços. Seus ângulos exatos, com equilíbrio quase cartesiano, produzem uma fotografia facilmente associada aos princípios do arquivo – não apenas pelas imagens, mas também pela forma como as organiza. Candida Höfer desenvolveu métodos próprios, estabelecendo a si própria algumas limitações determinantes de sua obra. Utillizando quase sempre a luz natural, os ambientes e pessoas que retrata aproximam-se do observador por se apresentarem com uma inquietante intimidade, uma proximidade quase real.

A obra de Thomas Ruff revela um fotógrafo multifacetado, com uma grande gama de interesses, e a maior diversidade de assuntos dentre seus colegas. Isso faz com que seja um fotógrafo com uma extensa produção, que organizou em séries, embora não tenha como finalidade o arquivo. Adepto incondicional do uso dos meios digitais em suas imagens, Ruff muitas vezes interfere em fotografias que não são de sua autoria, num processo cíclico de apropriação, intervenção e criação de uma nova visualidade, quase sempre associada a uma crítica social que oferece suporte contextual e conceitual ao seu trabalho, como nas séries Nights, Nudes e Abstratum.

Thomas Struth, no início da carreira, dedicou-se à série Streets, em que fotografava ruas vazias em perspectivas centrais de grande profundidade. Não muito tempo depois voltou- se para os retratos, e, dentre os fotógrafos da Escola de Düsseldorf, apresenta, também, uma específica concepção de retrato. Sejam retratos individuais ou fotografias de família, as faces retratadas por Struth são desprovidas de abordagem emotiva, mas em ângulos frontais e capturadas em cenas que aproximam-se do observador ao sugerir uma naturalidade, de fato,

84

inexistente. Uma sensação parecida é despertada em sua série Museums, em que aborda a relação do observador com obras expostas em inúmeros museus, e rompe os limites de espaço e tempo entre o observador da fotografia, e o indivíduo retratado – visitantes dos museus. Enfatizadas pelas impressões em tamanhos grandes, como as obras de arte dos museus, Struth estabelece uma nova relação entre o observador e a obra de arte: a arte, dentro da arte, dentro da arte. Sua obra, de fácil organização sob o ponto de vista do arquivo, acaba por construir uma nova espacialidade ao redefinir o papel do observador, que é levado a integrar a cena retratada de forma quase presencial.

Na fotografia da Escola de Düsseldorf, o que estabelece a relação entre documento e arte, seja por aproximação ou afastamento, parece ser o fato de subtrair o tempo das coisas fotografadas – sejam espaços ou pessoas. E assim, destituídas de seu tempo real, as coisas protagonizam uma nova visualidade, uma realidade recriada que afasta-se ou aproxima-se do real visível, e que só ganha significado quando vista como parte de um infinito mecanismo de associações.

Se, em alguns aspectos, a relação entre documento e arte na fotografia pode ser explicada pelos mecanismos de memória, em outros, parece confrontar os limites entre a mera representação do real, visível, com a possibilidade de criar uma nova realidade, a partir do real não visível e improvável. A Escola de Düsseldorf parece situar-se no território fronteiriço entre arte e documento: entre a representação do real e a criação de novas visualidades a partir do não visível.

85

CRÉDITOS DAS IMAGENS

Fig. 1. - https://www.metmuseum.org/art/collection/search/294822

Fig. 2. - https://www.metmuseum.org/art/collection/search/302289

Fig. 3 - https://www.metmuseum.org/art/collection/search/302624

Fig. 4 - http://www.brianappelart.com/art_writing_Fall_2009_photography_auctions_new_york.htm

Fig. 5 - http://www.brianappelart.com/art_writing_Fall_2009_photography_auctions_new_york.htm

Fig. 6 - https://images-na.ssl-images- amazon.com/images/I/5127K667Z2L._SX341_BO1,204,203,200_.jpg

Fig. 7 - https://www.x-traonline.org/article/new-topographics

Fig. 8 - https://www.x-traonline.org/article/new-topographics-photographs-of-a-man-altered-landscape

Fig. 9 - https://omstreifer.com/2016/03/28/bernd-hilla-and-me/

Fig. 10 - https://www.phillips.com/detail/bernd-and-hilla-becher/UK010117/10

Fig. 11 - https://www.metmuseum.org/art/collection/search/301928

Fig. 12 - https://www.artsy.net/artwork/walker-evans-houses-and-billboards-atlanta

Fig. 13 - http://www.artnet.com/artists/andreas-gursky/d%C3%BCsseldorf-flughafen-ii

Fig. 14 - https://www.art.com/products/p34988098732-sa-i9399059/caspar-david-friedrich-the-monk- by-the-sea1808-1810.htm

Fig. 15 - http://www.artnet.com/artists/andreas-gursky/paris-montparnasse- Dy8OCKAoePMj_G8uGOxQAA2

Fig. 16 - http://gadaboutmag.com/andreas-gursky-national-art-center-tokyo/

Fig. 17 - https://www.pinterest.pt/pin/243053711113999028/visual- search/?x=16&y=11&w=530&h=352

Fig. 18 - https://www.andreasgursky.com/de/werke/2007/kathedrale-1

Fig. 19 - https://www.andreasgursky.com/en/works/1999/new-york-merchantile-exchange

Fig. 20 - https://www.andreasgursky.com/en/works/1999/99-cent

Fig. 21 - http://www.artnet.com/artists/axel-h%C3%BCtte/portrait-9-from-portrait-iii- bRtuhRuV4afFs99c_PM0Lw2

86

Fig. 22 - http://www.artnet.com/artists/axel-h%C3%BCtte/portrait-22-a- Nikw9KF2gdfNrwUnRYhChg2

Fig. 23 - http://www.fondazionefotografia.org/en/mostra/axel-hutte/

Fig. 24 - http://www.artnet.com/artists/axel-h%C3%BCtte/san-miniato-italy-grassy-ledge- tM5hl0BtBet07rxIN7s6Uw2

Fig. 25 -https://www.art-in-duesseldorf.de/ausstellungen/axel-huette-night-and-day.html

Fig. 26 -http://www.artnet.com/artists/axel-h%C3%BCtte/untitled- poggiponsi_XKJeYU7QvXZq4b6yBvX9A2

Fig. 27 -http://www.artnet.com/artists/axel-h%C3%BCtte/stratosphere-tower-las-vegas- aNO9CyLZRZkD1cEZ8ibpXA2

Fig. 28 -http://www.photography-in.berlin/daniel-marzona-axel-huette-reflection/

Fig. 29 -https://www.galeriezander.com/en/artist/candida_hoefer/series/liverpool

Fig. 30 -http://artjournal.collegeart.org/?p=7992

Fig. 31 -https://www.flickr.com/photos/bekahsals/357869211

Fig. 32 -http://www.artnet.com/artists/candida-h%C3%B6fer/banco-de-espa%C3%B1a-madrid-iv- Tpk8WzEEz7r3qgRidkoQiw2

Fig. 33 -http://www.artnet.com/artists/candida-h%C3%B6fer/st%C3%A4delschule-frankfurt-am-main- ZVTdt4-V2CBI6EM-FUBLXg2

Fig. 34 -https://www.lomography.com/magazine/193604-im-zoo-mit-candida-hfer

Fig. 35 -http://www.artnet.com/artists/andreas-gursky/bibliothek-GUXTSoE7mOLDdRAvpb8Hhg2

Fig. 36 -https://artipelag.se/en/exhibition/candida-hofer/

Fig. 37 -http://www.etablissementdenface.com/in-the-past/interiors-thomas-ruff

Fig. 38 -https://www.pinterest.pt/pin/479563060291822063/?lp=true

Fig. 39 - https://www.pinterest.pt/pin/62557882299405099/visual-search/

Fig. 40 - https://www.tate.org.uk/art/artworks/ruff-portrait1986-stoya-p78091

Fig. 41 - https://www.moma.org/collection/works/50870

87

Fig. 42 - http://galerieleminotaure.net/wp-content/uploads/2015/08/crea2MINOTAURE-EDITION5-8- 3.pdf

Fig. 43 - https://maxphotography2.wordpress.com/2014/02/04/thomas-ruff/

Fig. 44 - https://maxphotography2.wordpress.com/2014/02/04/thomas-ruff/

Fig. 45 - https://paddle8.com/work/thomas-ruff/109329-anderes-portrait/

Fig. 46 - http://www.artnet.com/artists/thomas-ruff/stars-2hA8tf1ETtPiU7xI1IjTAg2

Fig. 47 - https://www.diagonalthoughts.com/?p=707

Fig. 48 - https://www.lempertz.com/en/catalogues/lot/959-1/206-night17-iii.html

Fig. 49 - https://onlineonly.christies.com/s/next-chapter-contemporary-art-important-italian- collector/nude-ye29-50/38855

Fig. 50 - https://paddle8.com/work/thomas-ruff/129696-nudes-fj23/

Fig. 51 - https://www.artsy.net/artwork/thomas-ruff-substrat34-2007-slash16

Fig. 52 - http://www.artnet.com/artists/thomas-ruff/substrate-2-i-C8lcZXCdtzf1vnEGrhLb7A2

Fig. 53 - https://artblart.com/tag/jpegs-photographs-by-thomas-ruff/

Fig. 54 - https://www.metmuseum.org/art/collection/search/284778

Fig. 55 - http://www.thomasstruth32.com/smallsize/photographs/duesseldorf/index.html

Fig. 56 - http://www.artnet.com/artists/thomas-struth/notre-dame-paris-tuezDGZMW3grfvBesxxwwA2

Fig. 57 - https://www.tate.org.uk/art/artworks/struth-the-late-giles-robertson-with-book-edinburgh1987- p77746

Fig. 58 - http://www.thomasstruth32.com/smallsize/photographs/family_portraits_1/index.html

Fig. 59 - https://www.artic.edu/artworks/117271/art-institute-of-chicago-ii-chicago

Fig. 60 - https://www.phillips.com/article/6911584/thomas-struth-museum-photographs

Fig. 61 - https://www.tate.org.uk/art/artworks/struth-the-smith-family-fife-scotland1989-p77750

Fig. 62 - http://www.thomasstruth32.com/smallsize/photos/b08931.jpg

Fig. 63 -http://www.thomasstruth32.com/smallsize/photographs/dandelion_room_winterthur/index.html

Fig. 64 - http://www.thomasstruth32.com/smallsize/photos/b07431.jpg

88

Fig. 65 - https://artblart.files.wordpress.com/2017/07/st_presse_becher-klasse_ausstellungsansicht_3- web.jpg

89

BIBLIOGRAFIA

BAUMGARTEN, Lothar – Candida Höfer: Düsseldorf – 1ª ed. Düsseldorf: Richter⁄Verlag, 2015. ISBN-10: 3941263625 ISBN-13: 978-3941263628

BECHER, Bernd – Cooling Towers - 1ª ed. Cambridge MA: The MIT Press, 2006. ISBN-10: 9780262025980 ISBN-13: 978-0262025980

BECHER, Bernd – Framework Houses – 2ª ed. Cambridge MA: The MIT Press, 2001. ISBN-10: 0262024993 ISBN-13: 978-0262024990

BECHER, Bernd – Industrial Landscapes - 1ª ed. Cambridge MA: The MIT Press, 2002. ISBN-10: 9780262025072 ISBN-13: 978-0262025072

BENJAMIN, Walter – Pequena História da Fotografia - https://seminariostecmidi.files.wordpress.com/2012/02/benjamin-walter-pequena- historia-da-fotografia.pdf

DANTO, Arthur – Após o Fim da Arte – 1ª ed. São Paulo: Odysseus, 2006. ISBN 978- 85-3140-932-5

ECO, Umberto – Sobre os Espelhos e Outros Ensaios – 1ª ed. Lisboa: Relógio D´Água, 2016. ISBN 978-989-641-595-2

FABRIS, Annateresa - Fotografia: usos e funções do século XIX – 2ª ed. 1. reimp. São Paulo: Editora Universidade De São Paulo, 2008. ISBN 978-85-314-0023-0

90

FARR, Ian – Memory – 1ª ed. Cambridge: The MIT Press, 2012. ISBN 978-0-262- 51776-8.

GRONERT, Stefan – The Düsseldorf School of Photography – 1961-2008 – 1ª ed. Munich: Scrimer⁄Mosel, 2009. ISBN 978-3-8296-0808-4

GURSKY, Andreas, GALASSI, Peter – Andreas Gursky (MoMA New York) – 1ª ed. New York: MoMA, 2001. ISBN 10: 0810962152 ISBN 13: 9780810962156

GURSKY, Andreas, HENTSCHEL, Martin – Andreas Gursky: Works 80-08 – 1ª ed. Stuttgart: Hatje Cantz, 2011. ISBN-10: 3775730222 ISBN-13: 978-3775730228

HACKING, Juliet – Tudo Sobre Fotografia – 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Geral, 2012. ISBN 978-85-7542-825-2

HÖFER, Candida et al – Candida Höfer: Architecture of Absence – 1ª ed. Ann Arbor – MI : Aperture Foundation, 2004. ISBN 1-931788-48-9

HÖFER, Candida, XAVIER, Rui – Silent Places – 1ª ed. Berlin: Distanz, 2015. ISBN- 10: 9783954761166 ISBN-13: 978-3954761166

HÖFER, Candida; PINHO, Alexandra Fonseca et AL – Em Portugal – 1ª ed. Lisboa: Schirmer⁄Mosel Verlag, Fundação Centro Cultural de Belém, 2006. ISBN 978-972- 8944-09-4

JULIO, Llamanzares – Axel Hütte - Terra Incognita: Photographien 1980-2004 – 1ª ed. Munich: Schirmer⁄Mosel, 2004. ISBN-10: 3829601174 ISBN-13: 978-3829601177

91

KRAUSS, Rosalind – A Escultura no Campo Ampliado - https://monoskop.org/images/b/bc/Krauss_Rosalind_1979_2008_A_escultura_no_camp o_ampliado.pdf (NOV’2018)

LANGE, Susanne - Bernd & Hilla Becher: Basic Forms – 1ª ed. Cambridge MA: The MIT Press, 2014. ISBN-10: 382960694X ISBN-13: 978-3829606943

LANGE, Susanne - Bernd and Hilla Becher: Life and Work – 1ª ed. Cambridge MA: The MIT Press, 2006. ISBN-10: 0262122863 ISBN-13: 978-0262122863

MOURE, Gloria – Balthasar Burkhard, Günther Förg, Andreas Gursky, Candida Höfer, Thomas Ruff, Hiroshi Sugimoto, Jeff Wall - Architecture Without Shadow – 1ª ed. Michigan: Michigan University, 2000. ISBN 84-343-0910-6

ROUILLÉ, André – A fotografia: entre documento e arte contemporânea – 1ª ed. São Paulo: Editora SENAC, 2009. ISBN 978-85-7359-876-6

RUFF, Thomas, SCHELLMAN, Jörg, et.al. – Thoma Ruff: Editions 1988-2014 – Catalogue Raisonné – 1ª ed. Stuttgart: Hatje Cantz, 2015. ISBN-10: 3775738592 ISBN-13: 978- 3775738590

SENNET, Richard – Thomas Struth: Unconscious Place – 1ª ed. Munich: Schirmer⁄Mosel, 2012. ISBN-10: 9783829606189 ISBN-13: 978-3829606189

STRUTH, Thomas - Thomas Struth: Photographs 1978-2010 – 1ª ed. New York: The Monacelli Press, 2010. ISBN-10: 1580932843 ISBN-13: 978-1580932844

TRACHTENBERG, Alan – Ensaios Sobre Fotografia de Niépce a Krauss – 1ª ed. Lisboa: Orfeu Negro, 2013. ISBN 978-989-8327-19-2

92

WESKI, Thomas, ENWEZOR, Okwui – Thomas Ruff: Photographs 1979-2011 - 1ª ed. Munich: Schirmer⁄Mosel, 2012. ISBN-10: 3829605854 ISBN-13: 978-3829605854

https://www.tate.org.uk/research/publications/tate-papers/01/photographic-comportment-of- bernd-and-hilla-becher

https://www.tate.org.uk/art/artists/bernd-becher-and-hilla-becher718/who-are-bechers

93