UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

MAIARA FELIPPE MORAES

O SOPRO DE COPINHA: REFLEXÕES SOBRE A FLAUTA NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

THE SOUND OF COPINHA: DISCUSSIONS ABOUT THE FLUTE IN THE BRAZILIAN POPULAR MUSIC

CAMPINAS 2017 MAIARA FELIPPE MORAES

O SOPRO DE COPINHA: REFLEXÕES SOBRE A FLAUTA NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

THE SOUND OF COPINHA: DISCUSSIONS ABOUT THE FLUTE IN THE BRAZILIAN POPULAR MUSIC

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Dissertation presented to the Faculty/Institute of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master.

ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MAIARA FELIPPE MORAES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS

CAMPINAS 2017 Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Moraes, Maiara Felippe, 1985- M791s MorO sopro de Copinha : reflexões sobre a flauta na música popular brasileira / Maiara Felippe Moraes. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

MorOrientador: Antonio Rafael Carvalho dos Santos. MorDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Mor1. Copinha, 1910-1984. 2. Flauta. 3. Música brasileira. I. Santos, Antonio Rafael Carvalho dos,1953-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The sound of Copinha : discussions about the flute in the brazilian popular music Palavras-chave em inglês: Copinha, 1910-1984 Flute Brazilian music Área de concentração: Práticas Interpretativas Titulação: Mestra em Música Banca examinadora: Antonio Rafael Carvalho dos Santos [Orientador] Leandro Barsalini Antonio Carlos Dias Carrasqueira Data de defesa: 24-08-2017 Programa de Pós-Graduação: Música

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

MAIARA FELIPPE MORAES

ORIENTADOR: PROF. DR ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS

MEMBROS:

1. PROF. DR. ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS 2. PROF. DR. LEANDRO BARSALINI 3. PROF. DR. ANTONIO CARLOS DIAS CARRASQUEIRA

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

DATA DA DEFESA: 24.08.2017

AGRADECIMENTOS

Ao Rafael dos Santos, pela orientação cuidadosa.

Ao José Roberto Zan, pelas reflexões.

Ao flautista e professor Eduardo Neves, primeiro incentivador desta pesquisa.

Aos familiares de Copinha, em nome de Rubens Sperandio, Flavia Sperandio, Maria Helena Copia (in memoriam) e Sula, pela confiança e disponibilidade.

À Casa do Choro e IMS pela disponibilidade e atenção em minhas buscas nos respectivos acervos.

Às minhas mestras e aos meus mestres flautistas: Antonieta Kraus, Silvia Beraldo, Lea Freire, Eduardo Neves, Toninho Carrasqueira, Paulina Fain, Edson Beltrami e Rogerio Wolf.

Aos amigos, companheiros de vida e música, Gaia Wilmer, Gabriela Silveira, Paola Gibram, Paulo de Tarso, Eva Figueiredo, Marina Beraldo, Romy Martinez, Gustavo Bonin, Luiz Claudio Souza, Chungo Roy, Carlos Lamarque, entre tantos outros que me acompanharam e acompanham na vida afetiva e musical.

Aos parceiros musicais Daniel Muller, Salomão Soares, Marcos Paiva, Richard Metairon.

Ao Pedro Henning por todo amor, incentivo e paciência sem fim.

Agradeço e dedico este trabalho especialmente à minha família, pelo amor, apoio e incentivo desde sempre.

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo estudar as gravações feitas pelo flautista Nicolino Copia, conhecido como Copinha, entre 1957 e 1981. Para identificar os traços estilísticos do instrumentista e como promoveu o diálogo entre diferentes gêneros, foram feitas análises comparativas entre gravações de copinha, Altamiro Carrilho, Benedito Lacerda e Herbie Mann. Palavras-chave: Copinha; flauta transversal; música popular brasileira

ABSTRACT

This research aims to study the recordings made by the flutist Nicolino Copia, known as Copinha, between 1957 and 1981. In order to identify the stylistic traits of the instrumentalist and how he promoted the dialogue between different genres, comparative analyzes were made between recordings of Copinha, Altamiro Carrilho , Benedito Lacerda and Herbie Mann. Key-words: Copinha; flute; brazilian popular music.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 9

CAPÍTULO I – NICOLINO COPIA...... 11 1. Dados biográficos...... 11 2. Discografia ...... 22 3. Composições...... 30

CAPÍTULO II – O ESTILO DE COPINHA...... 31 1. Contextualização histórica: entre a modernidade e a tradição...... 31 2. Análises...... 36

2.1 Copinha e Herbie Mann: Diálogos com o jazz...... 36 2.1.1 Considerações sobre a flauta no jazz...... 36 2.1.2 As gravações...... 38 2.1.3 Aspectos interpretativos...... 42 2.1.4 Improvisação...... 50 2.2 Copinha, Altamiro Carrilho e Benedito Lacerda: Diálogos com o choro...59 2.2.1 O improviso no choro...... 60 2.2.2 “Naquele tempo” e seus intérpretes...... 62 2.2.3 Aspectos interpretativos...... 65 2.2.4 Improvisação...... 74

CAPÍTULO III – COPINHA X COPINHA...... 76 1. Comparação das gravações de Copinha...... 76 2. Conclusões...... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 84 REFERÊNCIAS...... 85 ANEXOS...... 90

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INTRODUÇÃO

A motivação para realizar esta pesquisa sobre o flautista Copinha veio primeiramente de uma busca pessoal. Desde muito cedo ouvi este nome ser mencionado como uma espécie de mito, um instrumentista conhecido por ter sido único em sua forma de tocar a flauta brasileira, mas mesmo assim muito pouco conhecido. O fato de haver pouco material sobre ele, principalmente em relação à sua discografia como solista, aumentava ainda mais a aura de mistério em torno de sua figura. Quando comecei a fazer aulas com o flautista e saxofonista Eduardo Neves, Copinha tornou-se mais próximo, já que Eduardo foi um de seus poucos alunos e por ele recebeu grande influência na sua vida musical, especialmente no que diz respeito à flauta. Foi através dele que tive contato com familiares que me abriram a porta de suas casas e me forneceram amplo acesso a todo o arquivo pessoal deixado por Copinha e guardado cuidadosamente por sua nora, Maria Helena Copia (falecida no ano de 2016), quem se encarregou de organizá-los. O que sempre me chamou muito a atenção em Copinha foi justamente o fato de que, apesar de ser relativamente pouco conhecido entre os músicos desta geração, foi sem dúvida o flautista mais atuante em gravações de seu tempo. Ou seja, por mais que seu nome não tenha permanecido conhecido depois de sua morte, que se deu em 1984, as gravações que realizou continuam sendo ouvidas constantemente desde então. De uma forma quase que anônima esta maneira de tocar a flauta tornou-se praticamente inerente à música popular brasileira e é inegável a importância deste legado e a influência que exerceu sobre esta. A medida que a pesquisa foi se desenvolvendo, uma quantidade imensa de material sobre este personagem foi sendo encontrada. Entre fotos, matérias de jornal, contratos com gravadoras e outras empresas, cartas de colegas músicos, entrevistas em jornais e programas de TV, foi sendo revelada a importância que teve este músico e a consagração que recebeu ainda em vida. Por ter tido uma longa carreira profissional, foram quase 60 anos atuando no mercado da música, atravessou décadas de profundas mudanças na sociedade e por consequência na música: começou tocando nas orquestras dos cinemas-mudos passando pelas serestas, cassinos, rádios, bossa nova, sambajazz, ressurgimento do choro, sempre com protagonismo. No tratamento que recebia por seus contemporâneos, o que chama a atenção é o fato de Copinha ter sido reconhecido – especialmente nas décadas de 1960 e 1970 – por ser um músico arrojado, moderno, ao mesmo tempo em que sua figura representava uma 10 ponte com o passado, ou seja, era legitimado pela sua história musical que se iniciou nos “primórdios” da música brasileira. Assim, embora o foco da pesquisa seja a análise musical das gravações, desde o princípio houve o interesse em compreender e relacionar questões musicais com outras mais amplas ligadas à sua trajetória e ao ambiente cultural em que esteve inserido. Por isso a decisão de comparar as gravações de Copinha com as de outros flautistas de choro (Altamiro Carrilho e Benedito Lacerda) e de jazz (Herbie Mann), ou seja, relacioná-lo com os que na época eram representantes dos símbolos da tradição e da modernidade, respectivamente.

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11

CAPÍTULO I – NICOLINO CÓPIA

1 – Dados biográficos

Nicolino Copia foi flautista, clarinetista, saxofonista e maestro, atuando intensamente nos diversos meios da música popular brasileira em sua extensa carreira de músico, de 1924 a 1981.

Nasceu no dia 3 de março de 1910, na rua Santa Ifigênia, cidade de São Paulo. Filho de Ana Durazzo Copia e Bartolomeu Copia - imigrantes italianos vindos da região da Sicilia - Copinha foi o sexto dos nove filhos do casal. Bartolomeu era acordeonista amador e apreciador da música, sendo um grande incentivador nos estudos musicais dos filhos. Vicente Cópia, o irmão homem mais velho, foi o primeiro músico da família, tendo começado seus estudos na flauta transversal. Foi quem iniciou Copinha na música, primeiramente dando-lhe aulas de teoria - quando este tinha apenas 7 anos de idade - e dois anos depois, ensinando-lhe flauta transversal. Seus outros 8 irmãos, dos quais 6 também eram músicos, foram: Josefina, Joaquim (violonista e baterista), João, Alexandre (violinista), Claudio (violoncelista e trombonista), Osvaldo (pianista) e Arlindo (pianista)1.

Suas primeiras atuações como músico foram em idade precoce, aos 9 anos já fazia serenatas e festas em clubes ao lado dos irmãos mais velhos. Aos 14 teve seu primeiro emprego acompanhando filmes mudos no cinema Pathés Palacio, localizado no centro de São Paulo. Sua estreia foi curtíssima, pois na ausência do maestro o jovem Nicolino Copia não sabia ao certo quando entrar com a flauta: foi despedido no dia seguinte. Porém, logo foi contratado para tocar na orquestra de um outro cinema - o grande mercado para os músicos da época2 - e por fim estabilizou-se na profissão. Atuou em cinemas como cine- teatro Brás Politeama – maior teatro da capital paulista na época – e no Cine República, em São Bernardo do Campo/SP. Para se ter uma ideia dos instrumentos que compunham

1 Não foram encontradas referências das datas de nascimento e morte dos irmãos. 2 Segundo Copinha, nesta época em São Paulo havia entre 60 a 70 cinemas com suas respectivas orquestras. 12 estes grupos musicais, no Cine República Copinha atuava com um conjunto de câmara formado por flauta transversal, clarinete, piano, contrabaixo, dois violinos e violoncelo.

Durante 6 anos tocou acompanhando filmes em cinemas diversos, sendo que em 1929, no cinema Santa Helena – “casa de primeira categoria, com plateia elegante, exigente e, portanto, merecedora de música atraente e bem executada”3, atuou junto a uma jazz band. Novidade esta que, segundo Copinha, foi seguida por outros cinemas da cidade – embora não por muito tempo, já que os conjuntos musicais nestes estabelecimentos desapareceriam no ano seguinte.

Figura 1: Jovem Copinha com sua flauta Arquivo da família

Nicolino, também formado em engenharia elétrica, exerceu a profissão de engenheiro por pouquíssimo tempo, já que, como músico das orquestras de cinema, muito cedo conseguiu estabilizar-se financeiramente. Por ainda não serem popularizados os

3 Citação de Copinha em matéria de jornal (arquivo da família). 13 aparelhos de reprodução musical, a presença de músicos tocando ao vivo em festas, bailes e confeitarias era imprescindível, tornando o mercado musical bastante favorável para os músicos da época. Além disso, Copinha atuou ao lado dos irmãos na Orquestra Irmãos Cópia, dirigida pelo irmão mais velho Vicente Copia, porém não por muito tempo, já que foi contratado por outras orquestras maiores e deixou de acompanha-los.

Depois de estudar com o irmão Vicente, Copinha seguiu seus estudos na flauta transversal com Ferruccio Arrivabene, segundo conta, um dos maiores flautistas da época. Ferruccio era italiano, formado pelo Conservatório de Milão4 e dava aulas particulares na capital paulista. Em 1924, ainda muito jovem, ingressou no Centro Musical de São Paulo5, associação que reunia instrumentistas e maestros paulistanos (BESSA, 2012). A exigência para a entrada nesta entidade era a competência no instrumento, prescindindo- se de diplomas, já que a formação dos músicos se dava prioritariamente através de professores particulares, majoritariamente estrangeiros.

Seu debut nos estúdios se dá também muito cedo, com 19 anos, em 1929, realiza a primeira das incontáveis gravações que iria fazer em vida. Não foi encontrado registro, pois Copinha em entrevista apenas menciona a data e o fato de ter tocado saxofone tenor e de ter sido pela gravadora Columbia, mas não se recorda com quem atuou. Mais tarde ao longo de sua carreira, seria reconhecido por ser um excelente músico de estúdio, por não se limitar a gravar apenas um ou outro gênero, além de ser extremamente competente para todas as situações que lhe apareciam. Certamente sua vasta experiência lhe proporcionou um grande know-how em estúdios de gravação, alguns jornalistas, aparentemente de maneira exagerada, calculam que o músico realizou entre 4000 e 6000 gravações.

4 Nos anos 1920, a elite paulista, em franca ascensão econômica, procurava libertar-se de qualquer ranço provinciano, guiando-se por padrões estéticos europeus. No caso da música eram os italianos ou descendentes, assim, havia na capital um grande número de afamados professores de música, entre eles, estava Ferruccio Arrivabene (ALMEIDA, http://www.ernestonazareth150anos.com.br/Chapters/index/484) 5 “Além de estabelecer uma tabela de honorários para o trabalho musical, a associação tinha por finalidade melhorar as ‘condições morais e econômicas da classe’, criar um fundo de reserva para o exercício de beneficência mutua e promover espetáculos para aumentar seu patrimônio” (BESSA, 2012, pg. 139) 14

A “primeira crise na música” que acompanhou como profissional foi quando do advento do cinema falado, em 1930. Com o fim do cinema mudo, e por consequência das orquestras que o acompanhavam, muitos músicos ficaram sem trabalho; tendo que procurar outras profissões, a grande maioria acabou por abandonar a carreira de músico. Os que tinham mais “bossa”, segundo o flautista, passaram dos instrumentos da orquestra clássica – cordas de orquestra e madeiras - aos instrumentos da música popular – metais, cordas dedilhadas e percussão. Exemplifica citando o caso do próprio irmão, Claudio Cópia, que neste momento deixou o violoncelo para tornar-se trombonista. Copinha, que já tocava saxofone, não teve grandes problemas e passou a tocar com maior frequência em bailes, serenatas, gafieiras, etc,

Até este momento a flauta era seu instrumento principal, tocando não só no cinema, mas em grupos de câmara e orquestra sinfônica6. Porém segundo ele próprio, a flauta se prestava mais à música clássica e o que ele “gostava mesmo era de música popular”. Assim, com o fim do cinema mudo, já tocando saxofone tenor e clarinete7, suas atuações na flauta foram ficando cada vez mais esporádicas - até fim dos anos 1950, como veremos mais adiante.

Em 1929 tocava em uma orquestra típica no Bar Nacional, cujo repertório era só de tango. Junto a ele, o pianista Vadico - futuro parceiro de - que ainda residia em São Paulo neste momento.

Nos anos 1930 começa a se abrir uma nova perspectiva de atividade profissional aos músicos: as emissoras de rádio. Foi no início desta década que Copinha começa sua atuação neste segmento que por muitos anos foi uma de suas principais atividades como instrumentista e maestro. A primeira foi na Rádio Paulista Educativa, fundada em 1923, onde conheceu e tocou com o violonista Augusto Aníbal Sardinha, o Garoto.

Em 1931 empreende uma viagem com o maestro e compositor Spartaco Rossi, tocando a bordo do Navio Bagé. Quando chegaram em Hamburgo o navio ficou retido no

6 Não foi encontrado nenhum registro como músico de orquestra, mas em entrevista Copinha cita eventos em que atuava como flautista em orquestras sinfônicas. 7 Começou a tocar saxofone em 1928, enquanto que o clarinete veio quando começou a atuar em orquestras de jazz (big bands) e se deparava com partes para o instrumento. 15 porto por problemas de documentação, por isso ficaram 4 meses na Alemanha, onde tocaram em cabarés e onde Copinha conta que conheceu pessoalmente o trompetista Louis Armstrong. Quando volta a São Paulo, continua trabalhando em rádios e nas principais casas de espetáculos da cidade.

É em 1932, durante uma apresentação na Rádio Record que Nicolino Copia passa a ser conhecido “Copinha”. Cesar Ladeira – locutor que apelidou artistas como Francisco Alves (“O Rei da Voz”) e Carmem Miranda (“A Pequena Notável”) - quando o viu, disse: “Mas isso não é um Copia, é um Copinha! ”, devido a sua baixa estatura, tocando um saxofone tão grande. Nesta rádio permaneceu de 1930 a 1934. Logo, na Rádio Cruzeiro do Sul, formou parte da Orquestra Jazz Sinfônica, dirigida pelo pianista e maestro Odmar Amaral Gurgel – o Gaó. A emissora representava no Brasil a gravadora Columbia e tinha no seu cast nomes já consagrados na época como Orlando Silva, Castro Barbosa, Carlos Galhardo, Del Rio e Moreira da Silva. Esteve nesta rádio até 1935.

Figura 2: Conjunto musical do Navio Bagé em viagem a Hamburgo/Alemanha (Copinha em destaque - 1931). Arquivo da família

Foi o convite de Gaó – que já estava residindo no – que o levou a mudar-se para a capital federal, em 1936, para tocar na Rádio Ipanema. Poucos meses após sua inauguração a Radio Ipanema foi fechada e Copinha recebeu convite para tocar na orquestra de Romeu Silva, no Cassino Atlântico, onde também não ficou por muito 16 tempo. Lá tocou ao lado de Booker Pittman, saxofonista e clarinetista norte-americano que, antes de morar no Brasil, havia tocado nas orquestras de Count Basie e Louis Armstrong (segundo Copinha, era um deleite ouvi-lo tocar). Pouco tempo depois foi convidado para tocar na Rádio Nacional, participando de sua inauguração em 1936, atuando ao lado dos maestros Radamés Gnattalli e Romeu Ghipsman.

Dentre outros lugares que tocou nesta primeira estadia no Rio de Janeiro está o Dancing Eldorado, casa noturna onde apresentava-se também o conjunto de . Segundo Copinha, quando terminava a apresentação do conjunto de jazz (formado por Copinha, Dedé, Centopéia e Pernambuco8) entrava o conjunto de choro liderado por Pixinguinha: “Era um conjunto de choro excelente, e ele era o culpado de eu perder quase toda noite o lanche, porque eu ficava ouvindo o homem tocar. Era um flautista..., eu ficava encantado, era fabuloso” (COPIA, 2000, pg. 65).

Neste momento, por não ter se adaptado à cidade carioca, demitiu-se da Rádio Nacional e voltou a São Paulo. De volta à cidade natal, foi convidado outra vez pelo Maestro Gaó para trabalhar com ele, desta vez na Orquestra Columbia. Ficou até 1939, quando recebeu uma proposta para retornar ao Rio de Janeiro como integrante da orquestra do cassino do Copacabana Palace, onde ficou por quatro anos sob direção de Simon Bountman. Também foi contratado como músico da gravadora Odeon entre 1939 e 1944 realizando inúmeras gravações – tinha de 5 a 6 sessões por semana trabalhando em estúdio. Carmem Miranda, Francisco Alves, , Mario Reis, Silvio Caldas, Carlos Galhardo, Aracy de Almeida são alguns dos artistas com quem gravou neste período.

Do Copacabana Palace saiu em 1943 para assumir a direção da Orquestra Marajoara, na Rádio Tupi. Nesta orquestra permaneceu por apenas 8 meses, pois logo foi chamado para atuar na orquestra de Carlos Machado no Cassino da Urca onde ficou até o ano de 1946, ano da proibição dos jogos de azar no Brasil pelo presidente Dutra. Foi a segunda crise no cenário musical profissional no Brasil, afinal os grandes cassinos mantinham, cada um, duas ou três orquestras, vários conjuntos menores e solistas, para

8 Não foram encontradas maiores informações sobre estes músicos. 17 produzir música de dança, de fundo e de acompanhamento. As orquestras eram compostas de naipes completos de trompetes, trombones, saxofones, além de piano, contrabaixo, violão, bateria, ritmistas e dois crooners – todos de primeira linha. Na de Carlos Machado, segundo Ruy Castro (2015), se destacavam o pianista Dick Farney, o violinista Fafá Lemos, o violonista Laurindo de Almeida, o trompetista Barriquinha, o guitarrista Betinho e no ritmo Russo do Pandeiro.

Castro não menciona Copinha, porém é fato que estava entre os integrantes da orquestra, inclusive porque foi com alguns destes músicos que formou um conjunto em que estavam: Dick Farney, Laurindo de Almeida, Betinho, Walter Rosa (sax tenor), Bill (baixista norte-americano). Como este grupo atuava também na Rádio Mayrink Veiga, quando são fechados os cassinos, Copinha conseguiu manter-se e continuar sua carreira de músico em mais essa crise. Músicos como Romeu Silva ou Carlos Machado, por exemplo, não tiveram a mesma sorte e seguiram outras carreiras profissionais.

Em 1946 foi convidado para dirigir a sua própria orquestra no Copacabana Palace, “Cópia e sua orquestra” onde permaneceu por 13 anos. Neste momento o maestro Zacarias comandava uma orquestra também no Golden Room do hotel e juntos transmitiam um programa ao vivo diariamente. Chamava-se Ritmos do Copacabana.

Figura 3: Copia e Sua Orquestra no Golden Room do Copacabana Palace (sem data) Arquivo da família

Por estar dando prejuízo ao CP, o salão Golden Room foi fechado e para substitui- lo, foi inaugurada a boate Meia Noite: 18

“(...) um salão menor, austero, mais intimista e acolhedor. Tecnicamente foi a primeira boate do Rio, com suas mesas espalhadas, iluminação a velas e babados nas cortinas. (...) Sua porta se abria à meia noite e a música, a cargo do flautista Copinha e seu quarteto, tinha que ser romântica, amorosa, de morna e úmida sensualidade”.(CASTRO, 2015, pg. 30)

Desta boate era transmitido o programa Ritmos da Panair, com “Copia e sua Orquestra” cuja programação era diária na Rádio Nacional. Assim, maestro Copia torna- se nome conhecido nacionalmente. No ano de 1958 foi lançado o disco “Meia Noite no Meia noite”, cujo repertório era uma amostra do que se tocava na boate e nos programas. Músicas como “Unforgettable” (lançada por Nat King Cole em 1951) e o choro “Flamengo” de Bonfiglio de Oliveira, foram gravadas neste disco mostrando a diversidade de estilos que eram tocados nestes locais.

Foi também no Copacabana Palace que trabalhou junto a João Gilberto (este provavelmente como crooner), sendo Tom Jobim frequentador assíduo da boate. Foi em um desses encontros que Tom pede a Copinha que grave flauta no disco Chega de Saudade de João Gilberto. Copinha conta que a princípio não queria, pois havia mais de 25 anos não tocava flauta – segundo ele, a flauta desapareceu em um período na música popular. Porém, ao ouvi-lo tocar, o compositor insistiu dizendo que era exatamente aquela sonoridade que estava buscando para o disco, considerado marco inicial da bossa nova, em 19589.

Em 1959, por desavenças com Otavio Guinle, Copinha foi demitido do Copacabana Palace. Uma semana depois foi contratado para tocar na Boate Studium do Hotel Excelsior, onde manteve um quarteto de 1959 a 1961. Quando chamavam para festas esporádicas montava uma orquestra para baile. Foi seu último emprego tocando nas boates da então capital federal.

Concomitante aos shows e concertos, Copinha trabalhou intensamente em gravadoras. Em 1949 foi contratado pela gravadora Continental sendo, entre os anos de 1950 e 1952, diretor musical da empresa. Gravou com praticamente todos os principais artistas nacionais da época. Passou a integrar a orquestra da TV Globo no ano de 1972, onde permaneceu até 1981.

9 Sobre este episódio, marcante e inaugurador de uma nova fase da carreira de Copinha, aprofundaremos análise no capítulo 2. 19

Em julho de 1966 realizou sua segunda viagem à Europa, desta vez com um convite para tocar no Cassino Monte Carlo, em Mônaco. Alguns dos integrantes do conjunto “Copinha do Rio” de quem Copinha se recordava eram: Julio (trompete), Sergio Carvalho (piano), Wilson das Neves (bateria), Bijou (saxofone tenor), Raul de Barros (trombone), um contrabaixista, uma cantora, dois bailarinos (entre eles, Gaguinho). Tocaram também na Itália, onde permaneceramm por 3 meses.

Figura 4: Divulgação da apresentação do conjunto Copinha do Rio em Monte Carlo/Mônaco (1966) Arquivo da família

Figura 5: Conjunto Copinha do Rio (sem data) Arquivo da família

Em 1967 realiza mais uma viagem ao exterior, desta vez com Dom Salvador (piano), Chico Batera (bateria) e Sergio Barrozo (contrabaixo). O quarteto passa pelas cidades de Miami, Dallas, Kansas City e Minneapolis (EUA). 20

Figura 6: Copinha, Don Salvador, Chico Batera e Sergio Barrozo em turnê pelos EUA (1967) Arquivo da família

Em 1966 foi também o ano em que começou a tocar com e grupo. Até o fim de sua vida profissional Copinha acompanhou o sambista, participando de todos os seus discos e apresentações no Brasil e no exterior. A primeira gravação que realizou foi do disco “Sambas na madrugada” de Paulinho da Viola e Elton Medeiros, que data de 1966. Nas divulgações dos shows, Copinha sempre aparecia com destaque, sendo já nessa época músico muito respeitado pela crítica especializada e pelos músicos colegas – sendo reconhecido como um “verdadeiro chorão”, ou um “chorão que se preza”.

Nos anos 1970 houve no Brasil o que os próprios músicos da época chamaram de renascimento do choro, sendo Paulinho da Viola uma das figuras de maior importância na retomada do gênero10. Segundo conta Copinha, foi nos shows de Paulinho da Viola que começou a tocar choro nos palcos, embora antes disso já tivesse gravado um disco dedicado somente às composições de Pixinguinha (ver em “Discografia”, página 20). Copinha comenta que antes deste movimento de valorização do gênero só se tocava nos encontros informais, era “música para músico”, ou seja, segundo o flautista, não havia interesse por parte do grande público nesta música. Inclusive, comenta com certa frustação o fato de seus discos – em sua maioria dedicados ao choro - nunca terem “tocado na rádio”, mesmo com toda sua fama e reconhecimento no meio musical.

10 Sobre este movimento, ver Cazes (2005). 21

A revalorização do choro foi também um momento em que o instrumentista foi colocado em primeiro plano, e isso se deu a nível de chegar ao grande público. Os grupos de choro realizavam concertos em importantes teatros da cidade com grande receptividade da plateia e as grandes estrelas eram os músicos instrumentistas. Copinha participou de muitos destes shows, como o Sarau - dirigido e apresentado por Sergio Cabral -, que foram se tornando núcleos de resistência cultural. Este espetáculo tinha a participação de Paulinho da Viola e Conjunto Época de Ouro, além da voz em off de Jacob que se pronunciava em alguns momentos (CAZES, 2005, pg. 147).

Neste mesmo movimento em direção à revalorização do choro, diferentes projetos surgiram com este intuito: Paulinho lançou o disco Memórias Chorando de 1976; Em 1977 o Departamento de Cultura do Rio de Janeiro realizou um concurso de composições de choro para promover o gênero, enquanto que no Teatro Municipal de São Paulo neste mesmo ano realizou-se um concerto do recém-criado Clube do Choro de São Paulo, com os flautistas Copinha e João Dias Carrasqueira. Outras iniciativas no sentido da valorização da música e dos músicos brasileiros foram o Projeto Pixinguinha, criado por Hermínio Belo de Carvalho, e o programa Levanta Poeira, produzido por Sargentelli na TV Globo. É também 1977 o ano do I Encontro Nacional do Choro (ocorrido em Londrina/PR) e do show Choro na Praça que reunia seis solistas do gênero: Copinha (flauta transversal), Abel Ferreira (clarinete), (sax alto), Waldir Azevedo (cavaquinho), Joel do Bandolim (bandolim) e Zé da Velha (trombone). Este show transformou-se em um disco lançado neste prolífico ano para o choro, 1977.

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Figura 7: Waldir Azevedo, Zé da Velha, Copinha, Paulo Moura, Abel Ferreira e Joel Nascimento. Show “Choro na Praça” (1977) Arquivo da família

Em 1982 Copinha sofre um infarto que o afasta dos palcos definitivamente, sendo esta ausência sempre comentada com pesar pela imprensa. Faleceu no domingo de carnaval do ano de 1984, dia 4 de março, dia seguinte ao que completou 74 anos de idade.

2 - Discografia11

Nesta tabela apresentamos dados das gravações mais significativas da carreira de Copinha, discos nos quais aparece como band-leader do conjunto, além de atuar como arranjador e instrumentista. Abaixo da tabela, ficha técnica completa dos que consideramos mais relevantes, por serem os que lançou como solista, atuando como multi-instrumentista, arranjador e compositor. Estes são as produções em que mostra uma maior autonomia na escolha do repertório e dos músicos envolvidos, portanto, mais representativos de sua carreira artística.

Ano Artista Disco Tipo Gravadora 1952 Cópia e sua orquestra Baião de Cabo Verde/ 78 RPM Continental Choro perpétuo 1953 Cópia e sua orquestra Juras de amor/Corruira 78 RPM Continental saltitante 1953 Cópia e sua orquestra Deixa-me/ Paulista no 78 RPM Continental centenário 1954 Cópia e sua orquestra Bam-bam-biá 78 RPM Continental

1956 Cópia e sua orquestra Na Pavuna/ Mambo 78 RPM Odeon brasileiro 1956 Cópia e sua orquestra C'est à Hamburg/Abre a 78 RPM Odeon janela 1957 Cópia e seu conjunto Dançando no Copacabana LP 10’ Odeon Palace 1958 Cópia e seu conjunto/ Meia noite no meia noite LP Todamérica Moacyr Silva 1959 Cópia e seu conjunto Eu te amo LP Festa

1959 Cópia e seu conjunto Prelúdio de amor LP Festa

1961 Cópia e seu conjunto Os sucessos de LP Philips Pixinguinha

11 Em anexos disponibilizamos uma lista feita a partir do site www.discosdobrasil.com.br com algumas das gravações realizadas por Copinha na flauta. Embora sejam muitas, acreditamos que ainda exista muitas mais que não possuem registro. 23

1975 Copinha Jubileu de Ouro LP Som Livre

1976 Abel Ferreira Brasil, sax e clarineta LP Discos Marcus Pereira 1976 Diversos Choradas, chorinhos e LP CIS – Disco chorões promocional 1977 Diversos Choro na praça LP Elektra/WEA

1979 Diversos Chorando baixinho – um LP Kuarup encontro histórico 1979 Copinha e seu conjunto Bonfiglio de Oliveira LP MIS - RJ interpretado por Copinha e seu conjunto 1981 Copinha Amando Sempre LP CBS

2000 Copinha A música brasileira deste CD SESC - SP século por seus autores e intérpretes

Tabela 1 – Relação de discos mais significativos da carreira de Copinha

1961 – Copinha e seu conjunto interpretam os sucessos de Pixinguinha

Este LP foi concebido a partir de um convite feito pela Philips ao Copinha para gravar um disco como solista. Diferente dos anteriores - que foram feitos com os grupos que mantinha como maestro em boates como a Studium (Hotel Excelsior) ou Meia Noite (Copacabana Palace) - este disco apresenta Copinha em sua carreira independente. A escolha por gravar apenas composições de Pixinguinha foi do próprio músico e, o mais importante, é o primeiro disco em que se apresenta exclusivamente como flautista e tocando repertório de choro.

Este foi o primeiro disco de Copinha lançado após “Chega de Saudade”, que foi quando o músico, antes conhecido prioritariamente como maestro, consagra-se como instrumentista.

Ficha técnica:

Flauta: Copinha Saxofone tenor: Sandoval Dias Acordeom: Chiquinho do Acordeom Violão: Baden Powell Cavaquinho: José Menezes Bateria: Hugo 24

Arranjos: Pixinguinha

Repertório (todas composições de Pixinguinha):

1. O Gato e o Canário 2. Naquele Tempo 3. Um a Zero 4. Cochichando 5. Não Posso Mais 6. Proezas do Solon 7. Carinhoso 8. Segura Ele 9. Cinco Companheiros 10. Acerta o Passo 11. Vou Vivendo 12. Sofres Porque Queres

1975 - Jubileu de ouro

“Jubileu de Ouro” é lançado como comemoração dos 50 anos de carreira de Copinha. Como pode-se supor pela distância de 14 anos entre o lançamento deste e do disco anterior, sua carreira como solista não teve muito destaque entre o grande público. Apesar de bastante comentado entre a crítica especializada, Copinha revela com alguma frustração não ter nenhum dos seus discos tocado nas rádios.

Foi produzido por Elton Medeiros e não foi gravado com um só conjunto, ao contrário, conta com uma quantidade enorme de músicos que se revezam entre as faixas. O repertório é bastante variado e apresenta músicas representativas de sua carreira até o momento, diversos arranjadores e Copinha se revezando entre todos os instrumentos de sopro que tocava.

Ficha técnica: (Não foram encontradas especificações por faixa) 25

Arranjadores: Copinha, K-Ximbinho, Radamés Gnattali e Waltel Branco Produção artística: João Araújo e Elton Medeiros

Copinha: flauta, flautim, saxofone tenor, saxofone alto, clarinete Voz: Luiz Bandeira, Nora Ney

Violão: Cesar Faria Violão e guitarra: Chiquito Braga Cavaquinho: Paulinho da Viola Piano: Radamés Gnattali, Cristóvão Bastos, Eduardo Lages Vibrafone: Pinduca Baixo: Luizão Maia, Aldo Vale, Dininho Sax alto e clarinete: Jayme Araújo Sax alto: Paulo Moura, Bijú Sax tenor Cássio Loredano Sax tenor e clarone: Zé Bodega Sax barítono: Genaldo Medeiros dos Santos, Netinho Trompete: Cunhado, Formiga, Maurílio da Silva Santos, Hamilton Pereira Cruz, Odilon Caldeira Trombone: Edmundo Maciel, Waldemar Moura, Manuel Araújo,

Trombone baixo: Flamarion Bombardino: Paulo Tuba Bateria: Pascoal Meirelles, Wilson das Neves, Geraldo Walter Ritmo: Ariovaldo Contesini, Hermes Contesini, Dom Chacal, Jorginho do Pandeiro, Sérgio Mello Cordas de orquestra: Aizik Meilach, Geller, Alfredo Vidal, André Charles Guetta, Giancarlo Pareschi, Marcelo Pompeo, Nathercia Teixeira da Silva, Ricardo Benício de Abreu, Ricardo Wagner, Robert Eduard Jean Arnaud, Adolpho Pissarenko, Arlindo Figueiredo Penteado, Alceu de Almeida Reis, Márcio Eymard Mallard, Gabriel Bezerra de Melo.

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Repertório:

1. Urubatã (Pixinguinha) 2. Pout Pourri – Primavera (/Vinicius de Morais)/Chega de Saudade (Tom Jobim/ Vinicius de Morais)/ Samba de uma nota só (Newton Mendonça/Tom Jobim) 3. Saia do caminho (Custódio Mesquita/ Evaldo Ruy) 4. Cadência (Joventino Maciel) 5. Reconciliação (Copinha) 6. Lambada (Copinha) 7. Terna saudade (Anacleto de Medeiros/Catulo da Paixão Cearense) 8. Pout-pourri – Kalu ()/Derramaro o gai (/ Zé Dantas)/Trepa no coqueiro (Ary Kerner de Castro)/Chegando mais (Luiz Bandeira/Severino da Silveira Távora)/ Agora é cinza (Bide/Marçal)/O orvalho vem caindo (Kid Pepe/Noel Rosa)/O apito no samba (Luiz Antonio/Luiz Bandeira) 9. Naquele tempo (Pixinguinha) 10. Primeiro amor (Patápio Silva) 11. Notícia (Alvides Cunha/ ) 12. Mariana (Paulinho da Viola)

1979 - Bonfiglio de Oliveira interpretado por Copinha e seu Conjunto

Este disco é segundo da série “Revivendo”, lançado pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, sob a direção de Elton Medeiros. É uma homenagem ao compositor Bonfiglio de Oliveira, onde Copinha assina todos os arranjos, além de tocar flauta e clarinete.

Ficha técnica: 27

Flauta e clarinete - Copinha Trombone — Manoel Araújo Sax-tenor — Bijou Violão 7 cordas — Rafael Rabello Baixo — Dininho Cavaquinho - Jonas Bandolim — José Xavier Bateria - Hércules Pandeiro - Chaplin Arranjos / regência — Copinha

Repertório:

1. O bom filho a casa torna (Bonfiglio De Oliveira) 2. Mar d'Espanha (Bonfiglio De Oliveira) 3. A César o que é de César (Bonfiglio De Oliveira) 4. Flamengo (Bonfiglio De Oliveira) 5. Silinha (Bonfiglio De Oliveira) 6. Amor não se compra (Bonfiglio De Oliveira) 7. Glória (Bonfiglio De Oliveira - Branca M. Coelho) 8. Tudo dança (Bonfiglio De Oliveira) 9. Relembrando o passado (Bonfiglio De Oliveira) 10. Contemplando o Paraíba (Bonfiglio De Oliveira) 11. Por que choras? (Bonfiglio De Oliveira) 12. Saudade dê Guará (Bonfiglio De Oliveira)

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1981 - Amando sempre

Foi o último disco lançado por Copinha com solista. Diferente dos anteriores, boa parte do repertório são composições próprias, em sua maioria choros. Com exceção de uma só música, “Soluçando”, todas as músicas são executadas na flauta.

Não foi encontrada ficha técnica completa nem no encarte original nem em outras fontes. A formação instrumental que acompanha Copinha em quase todas as faixas é: violão 7 cordas, cavaquinho, pandeiro. Acrescenta-se em algumas músicas saxofone tenor e piano. Os únicos nomes que pudemos confirmar foram Radamés Gnattali no piano e Raphael Rabello no violão 7 cordas.

Ficha Técnica: Produção: Raimundo Fagner Regências: Radamés Gnattali e Copinha

Repertório:

1. Remexendo (Radamés Gnattali) 2. Amando Sempre (Copinha) 3. Izaura (Candinho do Trombone) 4. Margarida (Copinha) 5. Ele e eu (Pixinguinha) 6. Saudade de Carolina (Copinha) 7. Amolador (Copinha) 8. Desvairada (Garoto) 9. Flores da vida (Pixinguinha) 10. Soluçando (Candinho do Trombone) 11. Reconciliação (Copinha)

2000 - A música brasileira por seus autores e intérpretes.

Faz parte de uma série foi lançada pelo SESC SP a partir das gravações do Programa MPB Especial (TV Cultura). O de Copinha data de 1974 e apresenta um 29 importante registro sobre a vida do músico entrevistado pelo apresentador Fernando Faro. Também contém músicas gravadas ao vivo, onde Copinha foi acompanhado por um regional de choro.

Uma das faixas mais significativas é a que apresenta a valsa “Messias”, único registro sonoro desta composição que foi feita em 1934 com parceria de Adoniran Barbosa.

Ficha Técnica:

Produção: Fernando Faro Flauta e Clarinete: Copinha Violão 7 cordas: Antônio D’Áurea Violão 6 cordas: Waldomiro Marçola Cavaquinho: Jaime Soares Pandeiro: Osvaldo Bitelli

Repertório:

1. Abismo de Rosas (Canhoto) 2. Na Pavuna (Almirante/ Candoca da Anunciação) 3. Gente Humilde (/ Garoto) 4. Messias (Adoniran Barbosa/ Copinha) 5. Sofres porque queres (Pixinguinha) 6. Naquele tempo (Pixinguinha) 7. Numa seresta (Luiz americano) 8. Dinorah (Benedito Lacerda/ José Ferreira Ramos) 9. Diz que tem (Anibal Cruz/ Viente Paiva) 10. Nada Além (Custódio Mesquita/ Mario Lago) 11. Falsa baiana (Geraldo Pereira) 12. Chega de saudade (Tom Jobim/) 13. Manhã de carnval (Antonio Maria/ Luiz Bonfá) 30

3 - Composições

Copinha não teve grande produção como compositor. Da lista abaixo - feita a partir dos registros em disco e de uma lista manuscrita feita pelo próprio compositor12 - nem todas foram gravadas, algumas delas permanecem inéditas.

• A canção dos meus amores (com Luiz Bandeira) • Adeus Mocidade (com Ferreira Gomes) • Amando Sempre • O Amolador – choro seresteiro • Baião de Cabo Verde (com Edu) • Bam-bam-biá (com Ferreira Gomes) • Deixa-me (com Júlio Cesar) • Desfile Bangu - choro • Juras de Amor (com Edy e Gloz) - Bolero • Lambada • Mambo Brasileiro (com Ferreira Gomes) • Margarida (com Humberto Teixeira) • Marmelada (com Vadico) • Messias (com Adoniran Barbosa) – valsa serenata • Norma • Reconciliação • Rua largo do rosário (com Elton Medeiros) – Frevo • Saudade (de Carolina) • Século XX • Será que é isso • Vinho do Porto (com Edu da Gaita)

12 O fac-símile da lista manuscrita encontra-se nos anexos. 31

CAPÍTULO II - O ESTILO DE COPINHA

1 – Contextualização histórica: entre a modernidade e a tradição

A motivação desta pesquisa foi entender quais elementos estilísticos fizeram com que Copinha se tornasse um dos flautistas mais requisitados e reconhecidos nas décadas de 1960 e 1970. Além do número de gravações das quais participou neste período, chama a atenção sua versatilidade – acompanhou artistas de diversos estilos - e a estima que teve entre músicos e público de sua geração.

Para isso, buscamos contemplar nas análises diversos aspectos que juntos delineiam o estilo pessoal do instrumentista. Para além das transcrições, que nos forneceram dados importantes ao estudo, a escuta minuciosa com o objetivo de identificar os elementos interpretativos específicos da técnica do instrumento também foi fundamental.

Um aspecto muito importante para entender a personalidade de Copinha como flautista é seu timbre. Não apenas aspectos físicos da emissão do som no instrumento, mas determinadas escolhas estéticas que fazem com que sua sonoridade seja facilmente reconhecida quando ouvida. Algumas dessas escolhas que notamos são o uso da região grave do instrumento, a articulação branda, vibrato pouco amplo e mais lento, entre outras características que lhe eram particulares.

“Modernidade”

Procurando entender quais as influências dessa sonoridade buscamos alguns pontos de partida que nos indicassem quais seriam suas possíveis referências. O primeiro ponto levantado é referente à bossa nova e uma das razões para tal menção é o fato de Copinha revelar que a retomada do instrumento - por ele e pela música brasileira - se dá a partir do surgimento deste movimento. Em entrevista, ele conta que foi no disco Chega de Saudade (João Gilberto, 1958), a pedido de Tom Jobim, que volta a tocar o instrumento profissionalmente:

“Tom Jobim um boa praça, um boa praça. Ele tocava no Beco lá no Rio, Beco das Garrafas. Depois frequentava muito o Copacabana. Eu trabalhava lá, o 32

João Gilberto trabalhava lá comigo, também. Uma noite ele chegou: ‘Copinha, vamos fazer um disco com João Gilberto? Vamos fazer uma orquestra diferente? ’ (...). Disse: ‘Vou por uma flauta’. Eu digo: ‘Não, flauta não’. Flauta estava por fora mesmo. E ele: ‘Mas eu gostaria de uma flauta. Quem poderia ser? ’ Digo: ‘Um Altamiro, o Poyares’. E ele me disse: ‘Mas eu queria uma maneira diferente’. Naquela conversa, resolvi buscar a flauta em casa, morava perto de Copacabana, trouxe a flauta, e ele disse: ‘Mas é isso mesmo que eu quero’. Aí ficou. E de lá pra cá a flauta voltou. Desde 57 até agora, ainda tem menino que estuda flauta. Voltou mesmo a flauta por causa da bossa nova”. (COPIA, 2000, pg. 67)

Os outros motivos também são conectados a Tom Jobim, pois na obra deste compositor, eixo fundamental da bossa nova, o uso da flauta é muito marcante por ser recorrente e ter protagonismo nos arranjos. Além disso, Tom também tocava flauta e em sua biografia é mencionado o fato de Copinha ser seu flautista preferido, o que nos faz supor que pudesse existir uma estreita afinidade estética entre o instrumentista e o compositor.

Dessa forma, buscamos através da escuta da discografia de Jobim encontrar pistas sobre suas possíveis referências para a busca desta sonoridade no que diz respeito à flauta. De fato, foi confirmada a presença constante do instrumento (flauta transversal soprano, principalmente, mas também flautim, flauta contralto e flauta baixo) tanto em arranjos, como em solos e improvisos. No caso de improvisos, nos primeiros discos, a linguagem é jazzistica, já que é tocado por músicos norte-americanos. Seja por uma escolha deliberada ou por serem os únicos músicos disponíveis – já que os discos foram gravados nos EUA -, o fato é que esta sonoridade de flauta ficou associada à estética da bossa nova.

Um dado que chama muito a atenção é que, especialmente nos primeiros discos13, a maioria dos músicos que tocam flauta têm como primeiro instrumento o saxofone (no jazz há uma predominância de saxofonistas, sendo que a flauta muitas vezes aparece como segundo instrumento destes músicos). Em geral, por ser a flauta um instrumento de embocadura livre, quando o flautista é também proficiente em outros instrumentos de sopro, a técnica da flauta, no que diz respeito à sonoridade, é alterada. O som é mais

13 Nos discos The Composer of Desafinado, plays (1964), Wave (1967), Stone Flower (1970), Tide (1970) os flautistas são Leo Wright, Raymond Beckenstein, Romeo Penque, Jerome Richardson, Joe Farrel e Hubert Laws. Todos, com exceção do último citado, são também saxofonistas. 33 escuro/opaco, com menos harmônicos, a articulação com a língua pode ser menos precisa, entre outras características que foram notadas nestas gravações14. Dessa forma, há uma adequação da flauta em determinado gênero (no jazz ou bossa nova) por consequência de uma escolha estética, mas talvez também por uma questão técnica que pode gerar tal sonoridade.

Porém, além da presença da flauta com uma linguagem jazzística, em alguns discos - A Certain Mr. Jobim (Warner - 1965), Matita Perê (Philips - 1973), Urubu (Warner - 1976) - a sonoridade da flauta tradicional, ou seja, técnica clássica, também se apresenta em momentos orquestrais. Apesar de o timbre ser muito diferente desse que estamos chamando de “flauta-jazz”, o uso é parecido, já que se utiliza muito da região grave do instrumento, notas longas e articulação mais branda. No entanto, o som mais “cristalino”, com maior presença de harmônicos, confere características bem diferentes ao timbre. Dessa forma, talvez seja pertinente associar o uso da flauta na bossa nova - usando como referência a obra de Tom Jobim - não só à sonoridade do jazz, mas também ao da música erudita. Segundo alguns autores, a influência da música de compositores impressionistas na obra de Tom Jobim é notável15, como detecta por exemplo José Miguel Wisnik ao afirmar que “a bossa nova (...) revoluciona a música popular brasileira ao incorporar harmonias complexas de inspiração debussysta ou jazzista” (WISNIK, 2007, pág. 70). Apesar de não havermos encontrado nenhuma referência na literatura sobre a bossa nova que indique a influencia no que diz respeito à orquestração da música impressionista, podemos supor que exista uma relação. Em artigo sobre a influência da estética impressionista na obra de Jobim, Duarte (2010) aponta algumas citações de trechos de músicas de Debussy e Ravel usadas em composições de TJ, esta em especial nos chama a atenção:

“Outra melodia de Jobim que revela semelhança com uma obra impressionista está presente no interlúdio instrumental da canção ‘Matita Perê’, do álbum homônimo. Ela revela explícita semelhança com um trecho da ‘Pantomime’ do balé Daphnes et Chloe de Ravel. Além de o primeiro trecho das melodias coincidirem, o instrumento utilizado para executá-las é o mesmo: a flauta transversal”. (DUARTE, pg. 972, 2010)

14 Esta discussão será retomada e aprofundada no subcapítulo 2.2 15 POLETTO (2010), ROSADO (2007), SUZIGAN (2011). 34

Um outro “gênero” que surge irmanado à bossa nova e que também merece destaque nesta pesquisa, é o sambajazz16. Segundo Bastos e Piedade (2007), enquanto a BN se tornava conhecida internacionalmente, toda uma geração de instrumentistas influenciados pelo jazz se envolvia com o gênero no Brasil. Estes músicos formaram grupos que tinham em seu repertório de bossa nova e jazz instrumental. Segundo Saraiva (2007), a categoria sambajazz, embora maleável e abrangente, caracteriza-se pela mistura das musicalidades do jazz - sua harmonia e improvisação – e do samba – seu ritmo. Porém, à diferença da bossa nova que recebeu influência principalmente do cool jazz, a influência do sambajazz se deu maiormente via be bop.

Ainda que Copinha não tenha sido um músico com destaque nas gravações que hoje classificamos como pertencentes ao gênero, é importante ressaltar que, na relação de músicos e discos feita pela pesquisadora Joana Saraiva (2007) que se enquadram nesta categorização, ele aparece como único flautista. Ao lado de Copinha estão outros flautistas-saxofonistas, como Jorginho e J. T Meirelles. Os discos mais destacados em que gravou foram “Os gatos” (Polygram - 1964) e “Aquele som dos gatos” (Polygram - 1966) com o conjunto Os gatos – formado na década de 1960 por Durval Ferreira (violão), Neco (violão), Eumir Deodato (teclados), Paulo Moura (sax alto), Copinha (flauta), J. T. Meirelles (flauta), Edson Maciel (trombone), Norato (trombone), Mauricio Einhorn (gaita), Maurilio Santos (trompete) e Wilson das Neves (bateria) (o contrabaixista não é mencionado no encarte) – e o disco Coisas (1965), do maestro Moacir Santos.

O sambajazz e a bossa nova, embora de maneiras distintas, continham em si o embate entre as representações de tradição e modernidade, personificado entre o samba e o jazz. Daí a grande importância deste aspecto na biografia de Copinha, pois nos confirma que de fato ele ocupava uma posição única como flautista nesta época. Algo na sonoridade de sua flauta trazia a “modernidade” requisitada nestes estilos, ao mesmo tempo em que também estava associada à tradição das “raízes” da música popular brasileira. Ou seja, no epicentro do debate fervoroso entre musica estrangeira e música nacional, Copinha pareceu circular com bastante destreza e naturalidade.

16 A origem do sambajazz e sua relação com a bossa nova cria divergências entre autores. Para aprofundamento da questão, ver Saraiva (2007), Bastos e Piedade (2007). 35

“Tradição”

Além da flauta-jazz, o choro também é um ponto de partida para as investigações musicais desta pesquisa. A partir do início de meados dos anos 1960, quando começa a tocar no conjunto do sambista Paulinho da Viola, Copinha passa a ser reconhecido como flautista e como “chorão”, embora em sua vida profissional sua história no choro tenha começado apenas em 196117. Sua fama como músico “chorão” foi impulsionada pelo fato de ter havido na década de 1970 um revalorização do gênero e um de seus principais defensores ser Paulinho, quem guardava por Copinha enorme admiração. A “flauta brasileira”, presente desde os primórdios da música instrumental – representada por Joaquim Callado, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Patáppio Silva, Dante Santoro, entre outros – também tinha sua representação em Copinha. Embora possuísse uma maneira “diferente” de tocar, possuía a legitimação dada pelos “chorões” da época.

Nos anos 1940, época de ouro do choro, Copinha esteve mais ligado às orquestras que acompanhavam crooners nos programas de rádios, boates e cassinos e aos conjuntos que tinham influência do jazz. Porém, o choro de alguma forma sempre esteve presente em sua vida, segundo conta, era o que tocava nas serestas que fazia com os irmãos ou o que os músicos tocavam quando se reuniam em encontros informais. Além disso, revelava profunda admiração por Pixinguinha, considerando-o o maior músico que conheceu, e por Benedito Lacerda, seu grande amigo, sendo que o primeiro disco que gravou como solista foi só com composições de Pixinguinha. Estes fatos revelam a familiaridade que tinha com o estilo, embora profissionalmente só vá assumir essa faceta nos anos 1960, no momento em que se dá a oportunidade.

É importante destacar esta “maneira diferente de tocar”, embora fosse considerado um “verdadeiro chorão”, por músicos, público e imprensa da época. O clarinetista Paulo Moura em entrevista a um jornal diz: “Ele mudou a orientação do estilo na flauta, na forma como tocou na bossa nova. Transformou para o lado universal sem ser jazzista, mas num caminho diferente do regional de um Benedito Lacerda, por exemplo”. Nesta mesma matéria, o saxofonista e flautista Mauro Senise comenta: “Ele tem um som

17 Em 1961 lançou seu primeiro disco como solista, apenas com composições e arranjos de Pixinguinha (ver “Discografia”, página 20/21). 36 próprio, não imita ninguém. Acho que ele criou uma escola mais ‘relax’, diferente da do Altamiro Carrilho, que é mais virtuose”. Também encontramos uma citação de Sergio Bittencourt – compositor, filho de Jacob do Bandolim -, quando Copinha lança seu disco só de Pixinguinha: “Na música popular, há duas escolas em matéria de flauta: a de Copinha e a de Altamiro”18. Nas análises a seguir, trataremos de apontar quais eram essas diferenças que particularizavam Copinha.

2 - Análises

Para realizar a análise interpretativa e relacionar aspectos do estilo pessoal com questões estilísticas do jazz e do choro, o método utilizado foi o de comparar as gravações de Copinha com representantes de cada gênero: o primeiro com Herbie Mann; o segundo com Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho. Como em cada caso o foco da comparação é diferente – entre Mann e Copinha há destaque ao improviso, entre os chorões prioriza-se a interpretação – cada análise apresenta questões distintas, embora em alguns aspectos elas convirjam a um mesmo tópico. Antes de cada análise musical, os aspectos importantes de cada universo são explicitados.

2.1 Copinha e Herbie Mann – Diálogos com o jazz

2.1.1 Considerações sobre a flauta no jazz

A flauta na formação do jazz (início do século XX) foi um instrumento quase que ausente, sua participação se limitava a poucos e pontuais solos em orquestras, cabendo ao clarinete a função de instrumento ágil e agudo. Porém, nos anos 1950, devido a melhorias na tecnologia de amplificação, se fez possível o uso da flauta como solista em big bands, e por consequência flautistas importantes surgiram dando ao instrumento uma posição de destaque dentro do gênero (AFIFI in SCHIFF, pág. 4, 1993). Alguns dos pioneiros são: Jerome Richardson (1920 – 2000), Bud Shank (1926 – 2009) e Frank Wess (1922 – 2013).

18 Citação em recorte de jornal. Arquivo da família. 37

Segundo Berendt (1987). Frank Wess realizou na orquestra de Count Basie improvisos de flauta em puro “swing”, embora na época, fossem estilo e instrumento aparentemente incompatíveis entre si. Foi o início da aceitação da flauta dentro deste universo, e a partir de então o campo abriu-se para o surgimento de muitos flautistas. Um dado importante é o fato da maioria deles serem também saxofonistas, o que manteve a flauta, embora já com maior visibilidade e espaço, ainda em uma posição secundária dado o protagonismo do saxofone neste gênero em suas diversas vertentes. Alguns flautistas de destaque foram: Sahib Shihab (1925 – 1989), James Moody (1925- 2010), Leo Wright (1933 – 1991), Herbie Mann (1930 – 2003), Buddy Collette (1921 – 2010), Paul Horn (1930 – 2014), Eric Dolphy (1928 – 1964), Rahsaan Roland Kirk (1936 – 1977), Charles Lloyd (nascido em 1938), Joe Farrel (1937 – 1986), James Spaulding (nascido em 1937), Eric Dixon (1930 – 1989), Sam Rivers (1923 - 2011), Jeremy Steig (1942 – 2016) e Hubert Laws (nascido em 1939) (BERENDT, 1987).

Segundo Bob Afifi (apud BERENDT, 1987), dois estilos contribuíram para a incorporação da flauta dentro do jazz nos anos 50, o Cool Jazz e o Latin Jazz. Já nos anos 1960, a popularidade da música latina, em especial da bossa nova, colocou a flauta em lugar de destaque, já que o instrumento era tradicionalmente usado nestes gêneros. Herbie Mann foi um dos músicos de jazz que utilizou largamente gêneros latinos e sua contribuição foi fundamental na popularização da flauta no jazz, já que Mann foi o flautista de maior destaque no período entre anos 1960 e 1970, segundo a revista Downbeat (BERENDT, 1987). Além de incorporar elementos da música brasileira, Mann misturava elementos considerados exóticos de culturas como a africana, judia, turca, entre outros.

Herbie Mann teve uma importante atuação no Brasil, tendo participado de diversas gravações com músicos brasileiros: João Gilberto, Baden Powell, Romero Lubambo, Tom Jobim. Embora não seja o mais representativo do estilo, provavelmente foi o flautista norte-americano que mais se aproximou do universo da música brasileira, e consequentemente, foi uma referência no que diz respeito à sonoridade da flauta no jazz para os músicos brasileiros nesta época. Por este motivo, escolhemos fazer uma comparação entre gravações de Herbie Mann e Copinha, a fim de perceber se há alguma similaridade entre as interpretações destes músicos. Ou seja, verificar se algumas opções 38 estéticas de Copinha, para além de sua identidade musical individual, remetem ou se aproximam ao jazz.

2.1.2 As gravações19

Foram selecionadas três gravações para serem transcritas (completas ou parcialmente), duas de Copinha e uma de Herbie Mann. Em ordem cronológica:

1. “Deve ser amor” (Baden Powell) foi gravada por Herbie Mann e lançada no álbum “João Gilberto e Herbie Mann – with Antonio Carlos Jobim” (Atlantic – 1965). A composição é de Baden Powell, que também participa como violonista, além dos músicos brasileiros Gabriel (baixo) e Papão (bateria)20. A gravação foi feita no Rio de Janeiro em 1962, porém lançado nos EUA pelo selo Atlantic, em 1965. Apesar do que sugere o título, Herbie Mann e João Gilberto não gravaram juntos nas mesmas faixas, o disco é uma mescla de temas gravados por cada um deles21. Tom Jobim participa cantando em uma faixa e assina quase todos os arranjos, com exceção das duas músicas compostas e gravadas por Baden Powell (“Dever ser amor” e “Consolação”). A maior parte das músicas gravadas por Mann são executadas na flauta transversal contralto (flauta em sol).

2. “Lamentos” (Pixinguinha/Vinicius de Morais) foi interpretada por Copinha na versão gravada por Baden Powell, lançado no disco “O som de Baden Powell” (Universal – 1968). Os músicos participantes foram Milton Banana (bateria) e Sergio Barrozo (contrabaixo), além de Baden Powell (violão) e Copinha (flauta).

3. “Chega de Saudade” (Tom Jobim) data de 1974 e foi gravada por Copinha e regional, durante a gravação do programa MPB Especial, dirigido por Fernando

19 Todos os áudios, tanto das músicas completas, quanto trechos dos exemplos musicais, podem ser escutados neste link: https://soundcloud.com/mai-moraes/sets/o-sopro-de-copinha-reflexoes-sobre-a- flauta-na-musica-popular-brasileira 20 Não foram encontradas informações precisas sobre os músicos que fizeram esta gravação, pois o disco não possui ficha técnica específica de cada música e segundo pudemos encontrar no site www.discosdobrasil.com.br, cada faixa foi gravada por diferentes músicos. 21 As gravações correspondentes a João Gilberto são do disco Chega de Saudade, portanto, lançadas originalmente em 1959. 39

Faro na TV Cultura. Os músicos do regional que acompanhou Copinha foram: Antônio D’Áurea (violão de 7 cordas), Waldomiro Marçola (violão de 6 cordas), Jaime Soares (cavaquinho) e Osvaldo Bitelli (pandeiro). Cada episódio do programa era dedicado a um artista que contava sua vida e tocava sua obra. Em 2000 foi lançado a série de discos chamada “A música popular brasileira deste século por seus autores e intérpretes” pelo selo SESC - SP, contendo todas as entrevistas realizadas nos 20 anos em que o programa esteve no ar.

As duas gravações do flautista brasileiro foram escolhidas dentre as centenas das quais realizou pela seguinte razão: embora tenha gravado uma quantidade incontável de músicas, a maioria dos registros o apresentam tocando a melodia (como é o caso da maioria dos choros), partes arranjadas (introduções, interlúdios, notas de apoio) ou contrapontos melódicos (esses muitas vezes improvisados, mas cumprindo a função específica de acompanhamento). Ou seja, são poucos os momentos em que Copinha aparece improvisando de forma jazzística nas músicas em que gravou como solista ou acompanhador. Por isso, a escolha das versões de “Lamentos” e “Chega de Saudade”, ambas possuem improvisos em um formato mais próximo ao que predomina no jazz, ou seja, executa-se a melodia uma vez, logo é aberta a seção de improvisos até o retorno do tema novamente. Foram escolhidas duas por serem curtos os trechos de cada uma (se comparado ao tempo de improviso de Herbie Mann, por exemplo), e por contemplarem situações distintas: “Lamentos” foi gravada em estúdio, enquanto que “Chega de Saudade”, por ter sido gravada em um programa de entrevista, tem um caráter mais informal. Vale ressaltar que “Chega de Saudade”, mesmo tendo longas frases de improviso, não obedece exatamente ao formato de improviso jazzístico, pois alterna constantemente entre melodias do tema e melodias improvisadas. Este assunto será aprofundado na análise mais adiante. A questão da instrumentação também é fator importante, em “Lamentos” Copinha é acompanhado por uma versão “abrasileirada” do clássico trio de jazz (baixo, bateria e violão substituindo o piano) e na segunda é acompanhado por um regional de choro em seu formato tradicional (violão 7 cordas, violão 6 cordas, cavaquinho e pandeiro).

“Deve ser amor”, em versão de Herbie Mann, foi selecionada, porque além da música ser de compositor brasileiro, também foi executada por músicos brasileiros. Isso auxilia na comparação entre os dois flautistas, pois ficam mais evidentes as diferenças 40 entre um e outro quando analisados em ambientes similares. Entre “Deve ser Amor” e “Lamentos” é interessante ressaltar a diferença de apenas 3 anos do lançamento entre uma e outra. Isto abre a possiblidade de que Copinha tenha recebido influência do jazzista, embora não possamos afirmar com certeza pela ausência de registros biográficos que tragam essa confirmação. Através da análise apresentaremos indícios musicais que fortalecem esta proposição, apesar de ser muito difícil chegar a uma afirmação conclusiva.

Nesta comparação de Copinha, flautista brasileiro, com Herbie Mann, flautista norte-americano, o principal assunto que nos atrai é a improvisação, por isso a análise foi organizada de modo a destacar este aspecto das gravações.

Importante ressaltar que as transcrições das gravações de Copinha foram escritas na fórmula de compasso 2/4, enquanto que a de Mann está em 2/2. Nos momentos em que comparamos ritmicamente os trechos de um e outro deve-se considerar a transposição dos compassos.

Forma

“Deve ser amor” é uma música composta em duas partes (parte A e parte B, ambas de 8 compassos) com forma AABA. Na gravação, a estrutura é a seguinte:

Tema: Introdução – A – A – B – A Improviso em: (A – A – B – A) x 3 Variação do tema em: A – A/ Improviso em B/ Variação do tema em: A Tema: A – A – B – A Improviso em: A – A (termina em fade out)

“Lamentos” é um choro de duas partes (parte A - de 24 compassos - e parte B - de 32 compassos), normalmente tocados na seguinte ordem: A A B B A B B A Coda. Originalmente, a parte A está em Ré Maior e a parte B em Si menor, porém neste arranjo 41 a parte B, ao invés de ser tocada no tom relativo menor, é transposta para o homônimo menor, ou seja, Ré menor. A versão de Baden Powell tem a seguinte forma:

Tema: Introdução A – A – B Improviso em: A Coda

“Chega de Saudade” é também uma música em duas partes (parte A e parte B) e na versão de Copinha é tocada da seguinte forma:

Tema: Introdução A – B Improviso: A

A tabela abaixo mostra a sequência de partes em que é tocada a música e em quais delas são realizados os improvisos (grifo vermelho):

Deve ser amor Intro A A B A A A B A A A B A A A B A A A B A A A B A A A Lamentos Intro A A B A Coda Chega de Intro A B A Saudade

Tabela 2 – Estrutura formal das três gravações

É evidente o maior destaque dado ao improviso na gravação do flautista Herbie Mann em relação às duas gravações de Copinha. Por ser um tema mais curto (o chorus completo possui 32 compassos) é repetida mais vezes, porém podemos notar que mais da metade da gravação é reservada ao improviso, enquanto que em “Chega de saudade” e “Lamentos”, menos de um terço do tempo total da gravação é improvisada. Isso mostra que, mesmo incorporando um procedimento de improvisação jazzístico, ainda há um certo pudor em encarar determinado repertório de música brasileira da forma como se procede em um standard de jazz. “Deve ser amor”, ainda que composta por um brasileiro, é uma música que propicia o improviso, pois seu tema é curto e a melodia, assim como a 42 harmonia, é mais simples. Já “Lamentos” e “Chega de Saudade” possuem uma estrutura um pouco mais complexa: as seções são mais longas e com desenhos melódicos mais sinuosos, o ritmo harmônico é mais rápido, apresentam inversões de acordes, entre outras características que tornam a música menos propícia ao improviso.

2.1.3 Aspectos interpretativos

Timbre

O timbre na construção do estilo próprio de um intérprete é, sem dúvida, elemento dos mais importantes. Assim como o timbre de um cantor o faz ser reconhecido no instante em que começa a soar sua voz, um instrumentista também é reconhecido através do som que emite de seu instrumento, ainda mais se tratando de um instrumentista de sopro.

Pelo que pudemos constatar através de entrevistas dadas por Copinha, o timbre que emitia na flauta era seu diferencial em relação aos outros flautistas da época. Isso pode ter motivado Jobim a tê-lo escolhido para gravar todos os arranjos de flauta do disco “Chega de Saudade” de João Gilberto (1959). Como todas as músicas foram arranjadas por Jobim, o mais provável é que tenha sido o timbre (não o virtuosismo, ou sua qualidade como improvisador) o motivo desta preferência.

Descrever um timbre é quase como descrever uma cor, os adjetivos se encobrem de subjetividade e podem ser interpretados de várias maneiras. Mesmo assim, arriscamos definir o som de Copinha como opaco, airado, escuro. O que faz o som ser produzido desta maneira é uma emissão um pouco mais relaxada, resultando em uma coluna de ar menos direcionada ao orifício do bocal. Esse timbre é bastante similar a algumas referências que temos de flautistas norte-americanos como Herbie Mann, Frank Wess e Buddy Collete.

Como vimos no início do capítulo a história da flauta no jazz está intimamente ligada ao saxofone, já que eram os saxofonistas que a tocavam quando a flauta começou a aparecer nas big bands. Isso explica este timbre “escuro” por duas vias: a primeira é o fato de o saxofone no jazz (e nas músicas populares, de forma geral) também ter como 43 característica o timbre mais “fechado”, se comparado a saxofonistas que se dedicam ao repertório da música erudita. A tentativa de reprodução deste timbre na flauta, como busca estética, levaria a esta sonoridade que encontramos nos flautistas de jazz acima mencionados, o que acabou por tornar-se uma qualidade do instrumento dentro do gênero22. Outro ponto que destacamos é o fato de que, embora com digitações similares, saxofone e flauta têm embocaduras muito diferentes. O que se percebe em alguns flautistas que são também saxofonistas, é um menor controle do músculo superior do lábio - que na flauta exige muita precisão -, o que também pode resultar num som airado. Herbie Mann possuía um timbre ainda mais opaco que Copinha e ambos tocavam outros instrumentos de sopro além da flauta, o que, como já dito, pode ocasionar este tipo de sonoridade.

Para entender quais as propriedades físicas que explicam a opacidade do timbre, fizemos uma gravação tocando uma mesma nota, Si 3, com dois tipos de emissão diferentes: a primeira foi emitida de forma mais rígida, que resulta em uma nota mais brilhante, e a segunda com o músculo mais relaxado, que resulta no som airado mencionado acima.

Figura 8: Espectrograma da nota Si3, com dois tipos de emissão diferentes.

22 Existem alguns flautistas de jazz (conhecidos por serem exclusivamente flautistas) que trazem uma sonoridade diferente, que é jazzística, mas também muito vinculada a técnica da flauta a música clássica. Podemos citar Hubert Laws e Dave Valentin como exemplos de flautistas que não se enquadram neste padrão de sonoridade. 44

Como pode-se perceber através do espectrograma, na primeira nota o segundo harmônico soa muito mais alto que na segunda, sendo comparável em volume à nota do primeiro (nota fundamental). Já a segunda nota, emitida com a embocadura mais relaxada, apresenta a nota fundamental muito mais forte do que todos os seus harmônicos, sendo que apenas os dois primeiros são captados na imagem. Com isso, podemos afirmar que as notas emitidas por Copinha e Herbie Mann possuem este timbre mais escuro, pois os harmônicos agudos soam muito baixos, enquanto que o som da nota fundamental é predominante.

Vibrato

O vibrato é outro aspecto importante da sonoridade, do estilo e da técnica de cada flautista. Pode ser descrito como uma oscilação na afinação e na intensidade da nota emitida. Existem algumas teorias em relação a forma de produção do vibrato na flauta transversal: enquanto alguns flautistas e professores dizem que deve ser feito com a garganta, outros defendem o uso do diafragma na execução desta técnica. Segundo o flautista Michel Debost, estudos mostram que o diafragma não possui nenhum papel na produção do vibrato, sendo assim, ele deve ser produzido na área da garganta (DEBOST, 2002)

Embora tenha nascido como um ornamento e usado apenas ocasionalmente em notas especificas, hoje em dia é usado por muitos flautistas (especialmente na música clássica) como parte integrante do som (RONAI, 2008). Como exemplo disto, a seguir apresentamos a imagem de um espectrograma de uma melodia tocada por James Galway, onde podemos constatar o uso do vibrato em todas as notas de maneira uniforme23:

23 Este espectrograma ilustra em gráfico o que seria uma frase musical tocada com o vibrato de maneira intensa e regular. Um mesmo flautista pode realizar diferentes tipos de vibrato a depender do contexto, esta é apenas uma “fotografia” de um momento, assim como todos os espectrogramas que serão utilizados a seguir. 45

Figura 9: Espectrograma de notas emitidas por James Galway24.

Em relação aos flautistas aqui analisados, não nos cabe falar sobre a técnica utilizada por cada um ao executar o vibrato, pois através somente das gravações não seria possível evidenciá-la. O que nos interessa neste momento é destacar quais são os resultados sonoros gerados e quais as musicalidades envolvidas nele.

De forma geral, na música popular podemos perceber que o vibrato aparece como ornamento em notas específicas (normalmente as mais longas), ou seja, não é uma característica intrínseca à sonoridade de cada músico. A escolha de usá-lo ou não está associada sim ao estilo pessoal de cada intérprete, mas também fortemente relacionada à interpretação de determinada música ou estilo.

Através da análise auditiva, podemos perceber que tanto Herbie Mann quanto Copinha, fazem uso restrito desta técnica, cada um a seu modo. Com o auxílio do espectrograma melódico gerado pelo software Sonic Visualiser de uma nota emitida por Mann, podemos confirmar este fato, já que a imagem nos mostra notas com pouquíssimas variações de frequência (representada pelo eixo vertical) e quase nenhuma mudança em relação ao volume (representado pela graduação de cor):

24 Flautista irlandês, nascido em 1938. Seguindo os passos de Jean Pierre Rampal, tornou-se um dos primeiros flautistas a estabelecer uma carreira internacional a solo. 46

Figura 10: Espectrograma de notas emitidas por Herbie Mann

Figura 11: Espectrograma de notas emitidas por Copinha

No espectrograma gerado a partir de um trecho da gravação de Copinha, podemos perceber que, embora muito mais suave que o de James Galway, o som emitido pelo flautista brasileiro possui um vibrato significativo, apresentando variação de frequência, volume e constância nestas oscilações. Para contextualizar é importante dizer que este trecho foi tirado da gravação de “Lamentos”, versão esta que apresenta uma sonoridade distinta da original, ainda que a composição faça parte do repertório de choro.

Articulação

Sobre a articulação, Harnoncourt (1984, p. 49) diz que “é o nome dado ao processo técnico de falar, a maneira de proferir as diversas vogais e consoantes. Meyer (apud Harnoncourt, 1984) afirma que articular é:

“dividir, expor algo ponto por ponto; fazer com que as partes separadas de um todo apareçam claramente, sobretudo os sons e as sílabas das palavras. Na música, compreende-se por articulação o ligar e destacar das notas, o legato e o staccato, bem como a sua mistura, para a qual muitos empregam abusivamente o termo frasear”. 47

Usando os conceitos expostos acima como referência, consideramos que a articulação na música diz respeito a um processo técnico – que irá ser diferente para cada instrumento musical – e a uma linguagem, ou seja, é parte das características estilísticas de um gênero ou de um artista. Os critérios pelos quais são escolhidas e combinadas as articulações em cada frase executada se relacionam com o estilo, mas também com a personalidade e a técnica de cada intérprete.

Em relação a técnica de articulação na flauta transversal, novamente faremos um paralelo entre a fala e a música. Na flauta, segundo Debost (2002), podemos utilizar as consoantes: t para o ataque de língua simples; k para o duplo ataque de língua; d para o legato; g para o duplo ataque de língua suave; d para o duplo ataque de língua composto. Segundo Debost, até mesmo a consoante p pode ser útil para articulação suave sem o uso da língua, o importante é o resultado sonoro, e não a fidelidade a uma técnica.

Quanto tratamos de música popular, estas articulações podem ser um pouco diferentes, pois como já dito a articulação é mais que uma técnica instrumental, é recurso de linguagem, a técnica usada é decorrência de uma busca estética e não o contrário. Seguimos então com os tipos de articulação encontrados nos fonogramas analisados.

Em ambas as gravações encontramos predominantemente ataque de língua simples e legato feitos – aparentemente – com as consoantes t e d, respectivamente. Copinha em quase toda a execução utiliza uma articulação bem suave que em alguns momentos fica quase “invisível”, dando a sensação de notas ligadas, ou seja, sem articulação.

Quando Herbie Mann toca o tema de “Deve ser amor”, escuta-se uma articulação suave, porém no improviso ele utiliza uma articulação mais clara, um ataque de língua que aparentemente é produzido pela consoante t. Em algumas frases, para dar uma intenção mais rítmica, a articulação se sobrepõe à emissão sonora da nota, fazendo com que haja uma “falha”, ou seja, o ruído da articulação se sobressai a emissão da nota.

Ambos mesclam em uma mesma frase notas articuladas e ligadas dando a ela um sentido rítmico. Isso acontece, pois a nota articulada naturalmente se destaca em relação 48

à nota ligada, porém essas modulações rítmicas são bastante sutis, já que o acento não é reforçado pela coluna de ar.

Expandimos um pouco o conceito de articulação e incluímos dois recursos muito utilizado entre jazzistas que são a nota fantasma (ghost note) e o bend. Ambos procedimentos podem ser reproduzidos em diversos instrumentos e estilos da música popular, porém estão normalmente associados ao saxofone e ao jazz.

A nota fantasma se caracteriza por ser uma nota fraca, algumas vezes quase inaudível, que possui um caráter mais percussivo do que melódico (GOMES, 2013). Encontramos nas gravações dos dois flautistas nos seguintes trechos:

Figura 12: Exemplo de nota fantasma em Deve ser amor – espectrograma e partitura. 49

Figura 13: Exemplo de nota fantasma em Chega de Saudade – espectrograma e partitura.

O bend tem como resultado sonoro a variação da afinação da nota e nas gravações analisadas só encontramos na interpretação de Herbie Mann. No saxofone é produzido a partir da variação na pressão dos lábios ao tocar a nota (SAGAWA, 2014), já na flauta é pela alteração no ângulo da coluna de ar que pode ser feito com movimentos do queixo, da cabeça ou da própria flauta. Pode-se dizer que o bend executado na flauta é um pouco mais limitado que no saxofone, já que a variação de afinação que se consegue é muito menor, não sendo um recurso idiomático do instrumento. Herbie Mann utiliza em muitas passagens em conjunto com a apojatura, como vemos neste espectrograma as três notas assinaladas (as apojaturas estão circuladas em vermelho): 50

Figura 14: Exemplo de bend com apojatura em “Deve ser amor”

2.1.4 - Improvisação

Como vimos anteriormente, a improvisação é uma prática que aparece em diversos contextos e épocas tanto na música erudita, quanto na música popular. Embora Herbie Mann e Copinha tenham algumas aproximações, como o fato de ambos estarem inseridos no contexto da música popular brasileira e norte-americana, se torna um desafio realizar a comparação entre ambos, já que possuem trajetórias muito distintas e musicalmente não “falam” o mesmo idioma musical. Por essas diferenças, torna-se difícil determinar quais são os elementos musicais idiomáticos de cada gênero e quais são os frutos de escolhas pessoais de cada intérprete.

Para nos auxiliar na comparação dos improvisos dos dois flautistas, iremos utilizar a obra do arranjador e pesquisador George Russel (2001), que observa dois caminhos básicos dentro da improvisação idiomática: abordagem vertical e abordagem horizontal. A característica fundamental de uma construção vertical está baseada em arpejos e tem como principal preocupação a definição das sequências harmônicas; na horizontalidade, a construção da melodia não define claramente cada acorde e sim utiliza-se de escalas relacionadas ao centro tonal, ou seja, a mais de um acorde. Vale frisar que as abordagens podem coexistir em um mesmo improviso e as vezes é tênue a distinção entre uma e outra, 51 sendo ambígua a definição. O objetivo neste tipo de análise é verificar se há alguma predominância entre elas nos improvisos em questão.

Estes conceitos foram utilizados por Paula Valente em sua pesquisa onde analisa improvisos de Pixinguinha e K-Ximbinho e que de alguma forma se assemelha a presente análise. Valente encontra nos improvisos de Pixinguinha “importante influência das raízes do choro, das bandas militares, dos grupos regionais”, enquanto que em K- Ximbinho, “além da linguagem do choro, uma forte influência do jazz-norte americano” (VALENTE, 2011). Uma das características nos improvisos que define isso é, em Pixinguinha, a abordagem vertical, em K-Ximbinho, a abordagem horizontal, como conclui Valente:

“observamos em Pixinguinha a grande utilização desse procedimento vertical se comparado a K-Ximbinho, que normalmente não prioriza a definição de cada acorde. Este tem uma preocupação com um fraseado mais amplo, executa trabalho sobre motivos melódicos e rítmicos alterados de diversos modos, além de utilizar o tema diversas vezes com material de composição. Por isso, notamos uma preferência pela abordagem horizontal nos improvisos de K- Ximbinho. ” (pg 112)

Através destas afirmações, podemos relacionar a construção horizontal a um procedimento mais afim ao improviso dentro do jazz, enquanto que a construção melódica baseada em arpejos dos acordes associada ao improviso no choro. Apesar de não podermos afirmar isto como uma regra, já que análise contemplou apenas dois instrumentistas, vamos verificar como se dão estes aspectos no confronto entre um flautista “jazzista” e um “chorão”.

No exemplo a seguir, analisamos os primeiros 16 compassos do improviso de Herbie Mann na música “Deve ser amor” sob a perspectiva que propõe Russel: 52

Figura 15: Improviso de Herbie Mann em “Deve ser amor”

Assinalamos com o traço pontilhado as melodias construídas a partir de uma abordagem vertical e com o traço contínuo as que apresentam uma abordagem horizontal. Podemos perceber que, embora apareçam as duas formas, o que predomina são frases nas quais identificamos mais a escala do que o acorde em si. A primeira frase começa com um arpejo de Am7 (notas lá, dó, mi e sol) sobre o acorde de Am7 (II grau), o que caracteriza a A. V., porém, apesar da mudança de acorde para o V grau, Mann continua utilizando o mesmo arpejo. Este procedimento de usar uma escala relacionada ao centro tonal em questão e não aos acordes individualmente é repetido nos compassos 6-7-8, 10- 11-12, 14-15-16, ou seja, em todos os momentos onde aparece a progressão II-V-I de Sol Maior, a tonalidade da música.

Outro aspecto que revela um pensamento horizontal é a existência de motivos melódicos que se repetem, como no exemplo assinalado em vermelho (compassos 9 e 10). Um motivo melódico é apresentado e repetido literalmente em seguida, apesar da mudança harmônica (no compasso 9 está sobre G7M e E7b9, no compasso 10 sobre Am7).

53

Figura 16: Improviso de Copinha em “Chega de saudade”

Copinha inicia este trecho com o tema original da canção “Chega de Saudade”. Apenas no compasso 9 inicia de fato o improviso de Copinha e a partir de então nota-se uma tendência maior à verticalidade. Em praticamente todo o improviso utiliza notas além das contidas nos arpejos dos acordes, porém quase sempre elas gravitam em torno das notas estruturais dos arpejos dos acordes correspondentes. Como resultado sonoro, temos uma melodia que define claramente a identidade harmônica da progressão dos acordes. As notas auxiliares são o que neste trabalho chamamos de inflexões melódicas, conceito 54 que Almada (2006) aplica para análise da construção das melodias no choro. São usadas tanto em composições do gênero, quanto em improvisos.

Em dois momentos Copinha se distancia desta abordagem e apresenta melodias que não estão relacionadas com as notas estruturais dos acordes, como no compasso 13, onde executa um cromatismo descendente entre Mi bemol e Si bemol (quando o acorde é Bb), e nos compassos 22-23-24, onde antecipa o arpejo de D7, quando a harmonia ainda está em Am7(b5).

O chorus de improviso é finalizado com uma variação da melodia muito próxima à original, utilizando novamente a abordagem vertical, já que os últimos dois acordes são arpejados quase que literalmente na melodia (Bdim e A7).

No improviso de “Lamentos” encontramos algumas diferenças neste aspecto da abordagem melódica:

Figura 17: Improviso de Copinha em “Lamentos” 55

Nos quatro primeiros compassos de improviso Copinha utiliza-se de apenas uma escala para contemplar dois acordes distintos, D6 (notas ré, fá#, lá e si) e Ddim.(ré, fá, láb e si). Inclusive reitera um mesmo motivo melódico tocado sobre o acorde de D6 (compasso 3) no Ddim (compasso 4). No compasso 6 executa uma melodia que a princípio arpeja o acorde, mas que é desenvolvida a partir da escala de ré maior.

Nestes 14 compassos, nota-se que a abordagem horizontal predomina sobre a vertical, porém podemos perceber que Copinha não abandona completamente a estrutura melódica baseada em arpejos, como no compasso 10 onde antecipa o arpejo de Fá# maior, quando ainda soa o acorde de Em.

O único trecho em que aparece a abordagem vertical é no compasso 9, onde salienta notas fundamentais do arpejo de B7 (si, ré# e fa#), acrescentado a elas algumas inflexões melódicas. Assim como em “Chega de Saudade”, a variação melódica do tema, indica a finalização do improviso.

Em nenhum dos improvisos foi encontrado o uso recorrente de extensões dos acordes. Copinha utiliza muitos ornamentos como bordaduras (B), grupetos (GR), cromatismos (CR) que expandem a sonoridade dos acordes, porém sempre se apoiando em notas estruturais destes. Ver figura 18, exemplo de trecho de Chega de Saudade:

Figura 18 – Bordaduras e cromatismo em Copinha/ Chega de Saudade

No improviso de “Deve ser amor”, Herbie Mann utiliza em poucos momentos tensões do acorde. Alguns dos poucos exemplos que encontramos e que ocorre mais de uma vez é o uso da sétima menor em acorde maior, assinaladas nos compassos 13 e 29 (fig. 5), e a décima terceira bemol em acorde dominante, assinaladas nos compassos 9 e 25 (fig.6):

56

Figura 19 – b7 em acorde Xmaj7 – Herbie Man/Deve ser amor

Figura 20 – b7 em acorde Xmaj7 – Herbie Man/Deve ser amor

Rítmica

A rítmica é também um ponto importante na diferenciação entre os dois flautistas. Herbie Mann apresenta um improviso mais virtuosístico, com uma rítmica constante, mantendo uma sequência de colcheias e tercinas de colcheia (típicos do be bop) em praticamente todo o improviso. Também neste sentido rítmico não dialoga com a melodia da música, já que esta é construída a partir de notas longas que atravessam os compassos. Isto faz com que haja uma separação brusca entre tema e improviso, diferenciando com ênfase estes dois momentos da execução. Abaixo, a comparação entre as melodias de tema e improviso:

Figura 21 - Comparação entre tema e improviso – Herbie Mann em “Deve ser amor” 57

Copinha apresenta rítmicas um pouco mais variadas do que Mann. Isso acontece, segundo pudemos observar, pelo fato de haver um maior diálogo com o tema da música. Nota-se que quando Copinha se aproxima da melodia original a rítmica da melodia é mais variada, quando apresenta material melódico novo, distanciando-se do tema, usa uma rítmica mais constantes com semicolcheias (procedimento parecido ao de Herbie Mann em todos os chorus de improviso). Diferente de Mann, Copinha não separa tão categoricamente os momentos de tema e improviso, intercalando frases da melodia original, variações da mesma e improvisos. No exemplo a seguir buscamos destacar estes eventos, em amarelo estão as variações do tema, em lilás, os improvisos25:

Figura 22 - Comparação entre tema e improviso – Copinha em “Chega de Saudade”

25 Neste exemplo não colocamos o chorus completo por questão de espaço, a transcrição completa está em anexo. 58

Em relação a este assunto, podemos dizer que há uma ligação forte com os estilos aos quais cada intérprete possui maior afinidade. Isso é observado, por exemplo, quando Copinha usa tercinas de colcheias (fórmula de compasso 4/4), as quais são muito utilizadas nas variações rítmicas/melódicas dentro do choro e dão um caráter mais “dolente”/”choroso” à interpretação. Neste caso, as tercinas anunciam o fim do improviso e a volta ao tema, justamente por evocarem a musicalidade dos choros antigos - é como se a volta ao tema fosse também a volta a uma forma de tocar mais “chorona”. O glissando no compasso 89 também corrobora esta estética:

Figura 23 – Tercinas e glissando na volta ao tema. Copinha/ Chega de Saudade

Mann em nenhum momento executa tercinas de semínimas (fórmula de compasso 2/2), e sim tercinas de colcheia. Esta mudança rítmica ao invés de dar a sensação de atraso no tempo – como as tercinas no choro - traz mais velocidade às melodias, dando mais virtuosismo a execução. São característica da linguagem jazzística e muito comum nos improvisos, como podemos encontrar em Charlie Parker, por exemplo. Aqui destacamos parte do improviso do saxofonista em “Moose the mooche”, contido no livro Omnibook (GOLDSEN, 1978): 59

Figura 24 – Exemplo de tercinas no jazz em “Moose the Mooche” (Charlie Parker)

Figura 25 – Exemplo de tercinas em “Deve ser amor” (Herbie Mann)

2.2 Copinha, Altamiro Carrilho e Benedito Lacerda – Diálogos com o choro

Embora Copinha tenha tocado inúmeros gêneros, com diversas formações, é fato que o choro teve grande importância na sua formação como músico e, principalmente, flautista. Sua produção discográfica nos revela sua familiaridade com o gênero, quatro discos quase que inteiramente dedicados ao choro: Bonfiglio de Oliveira Interpretado por Copinha e seu Conjunto (MIS/RJ - 1979), Copinha e seu conjunto interpretam os sucessos de Pixinguinha (Philips - 1961), Amando Sempre (CBS - 1981) e Brasil, Sax e Clarineta de Abel Ferreira (Marcus Pereira - 1976).

Em entrevista para esta pesquisa, Cristovão Bastos - pianista e arranjador que tocou ao lado de Copinha durante aproximadamente 10 anos no grupo de Paulinho da 60

Viola -, conta que era quando tocava choro que o flautista mostrava “tudo o que sabia”. Ou seja, tocando este repertório demonstrava conhecimento do estilo interpretativo do gênero, se destacava. Outra questão importante em analisar a atuação do Copinha neste contexto, é o fato de a flauta fazer parte da instrumentação típica do gênero desde seus primórdios, em fins do século XIX. Grandes flautistas antecederam Copinha, como Joaquim Calado, Pixinguinha, Dante Santoro, Benedito Lacerda, dentre outros menos conhecidos. Qualquer flautista brasileiro, ainda mais se tratando das primeiras décadas do século XX, dificilmente teria passado imune às influências destes instrumentistas e deste repertório.

Para entender então em que medida se deu esse diálogo, que elementos incorporou desta linguagem em seu estilo e quais outros inaugurou, foi feita a análise exposta a seguir, que compara sua atuação com dois dos flautistas mais representativos da história da música brasileira e do choro. Altamiro Carrilho é um dos escolhidos, por ter sido contemporâneo a Copinha e flautista que dedicou sua carreira quase que exclusivamente ao choro, tendo sido reconhecido como um dos instrumentistas de maior destaque do gênero. Benedito Lacerda, parceiro de Pixinguinha no famoso duo de flauta e saxofone, também foi uma grande referência para todos os flautistas de choro que o sucederam. Não por acaso, é quem executa a primeira gravação de flauta feita de Naquele Tempo, composição que será analisada nesta exposição.

2.2.1 O improviso no choro

Antes de iniciarmos a análise, convém evidenciar o fato de que estamos em um outro território, distinto do que até agora vimos nas análises musicais. Por isso primeiramente faremos uma explanação do improviso dentro deste contexto, como é visto entre seus praticantes e estudiosos. Sem dúvida, são outros parâmetros que o norteiam – se comparado ao jazz - e há muitas contradições entre discursos sobre este assunto.

O termo improvisação tem seu conceito expandido dentro do choro e existem diferenças em seu entendimento inclusive entre chorões. Segundo Caldi (2000), em depoimento sobre as gravações no disco do duo Pixinguinha e Benedito Lacerda, Dino 7 Cordas menciona o improviso no sentido de tocar música sem partitura, já Pixinguinha, sobre o mesmo episódio, fala sobre improviso em relação a tocar sem ensaio. Nas duas 61 acepções do conceito, embora diferentes, o entendimento sobre o improviso confunde-se com a própria ideia de performance.

Assim, considerando o improviso tudo aquilo que no momento da performance esteja além da reprodução exata da composição, numa roda de choro, em maior ou menor grau, todos os participantes estão quase sempre improvisando. O que pode ser aproximadamente medido são os graus ou níveis de ousadia e criatividade individual de cada chorão.

Porém, segundo Loureiro de Sá,

“... a opção de não improvisar em determinado choro é bastante admissível e comum, principalmente quando se trata de um certo tipo de choro cuja construção melódica se constitui apenas por semicolcheias em andamento rápido. Apesar da grande importância histórica e técnica do improviso no choro, a plenitude de uma peça chorona pode ser deflagrada mesmo prescindindo de um improviso mais significativo (limitando-se apenas a algumas ornamentações), graças à riqueza melódica e rítmica que possui a maioria das composições choronas. ” (1999: 61-62)

Como evidencia Sá na citação acima, no choro a melodia é tradicionalmente a referência mais forte para as improvisações do solista, provavelmente pelo fato de que as melodias deste repertorio costumam ser longas e complexas. Dessa forma, segue Sá, “o chorão (...) manifesta sua capacidade improvisadora fundamentada muito mais na melodia do choro que está interpretando, sendo a harmonia mais um decurso do que propriamente a ideia central ao redor da qual seria realizado um improviso”. (1999:60). Cazes (1998) escreve que através da audição das primeiras gravações de choros, pode-se constatar a quase total falta de improvisação. Porém, a inexistência do improviso nas gravações não nos permite concluir que esta prática não acontecesse nas rodas, já que este era – e continua sendo - um ambiente de maior espontaneidade e liberdade do que seria o das gravações em estúdio.

De qualquer maneira, o que podemos perceber através de depoimentos e audição de diversas gravações ao longo da história do choro, é que a maior parte dos improvisos realizados são na verdade variações do tema melódico. Recursos de ornamentação como glissandos, trinados, mordentes, grupetos e apojaturas, deslocamento de tempo e reutilização de motivos são largamente utilizados. Vale destacar que é uma característica 62 de valoração do intérprete de choro sua capacidade de variar a melodia imprimindo sua própria personalidade na execução de um choro. Jacob do Bandolim, em entrevista fala sobre este tema:

“(...) há o chorão de estante, que eu repudio, que é aquele que bota papel para tocar choro e perde sua característica principal que é a da improvisação, e há o chorão autêntico, verdadeiro, aquele que pode decorar a música pelo papel e depois dar-lhe o colorido que bem entender. Este me parece o verdadeiro, o autêntico, o honesto chorão”26.

Como o conceito de improviso utilizado por chorões pode gerar algumas ambiguidades, além de ser substancialmente diferente do que vem sendo utilizado até agora nesta pesquisa (pela abordagem jazzística), iremos, nesta análise, diferenciar os dois procedimentos: a variação melódica - prática extremamente comum e intrínseca ao choro -, e o improviso - menos recorrente e vinculado mais fortemente ao jazz.

2.2.2 “Naquele tempo” e seus intérpretes

Para comparar então a atuação dos três flautistas - Copinha, Altamiro Carrilho e Benedito Lacerda - escolhemos analisar três interpretações, uma de cada flautista, da mesma composição: o choro Naquele Tempo de Pixinguinha e Benedito Lacerda.

Benedito Lacerda (1903 – 1958) foi flautista, regente e compositor. Aos 8 anos, começou a aprender flauta de forma autodidata e iniciou suas atividades musicais como integrante da banda Nova Aurora em sua cidade natal. Aos 17 anos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a residir no bairro do Estácio e onde estudou flauta sob a orientação de Belarmino de Sousa. Estudou também no Instituto Nacional de Música, diplomando-se em flauta e composição.

Altamiro Carrilho (1924 – 2012) nasceu em Santo Antônio de Pádua, RJ. Nascido em família de músicos, começou a tocar flauta aos onze anos de idade e se considerava

26 BITTENCOURT, Jacob. Depoimento ao Museu da Imagem e do Som, 24 de fevereiro de 1967. 63 um autodidata (CARRILHO, 2004). Como ele mesmo conta, suas primeiras lições foram com o flautista amador Joaquim Fernandes - um carteiro que tocava em igrejas e bandas da cidade. As aulas eram baseadas no tradicional método de flauta de Taffanel e Gaubert 27 , que em pouco tempo Carrilho já estaria executando melhor do que seu professor. Quando questionado quanto ao seu aprendizado no choro, Carrilho menciona as rodas de que participou desde os 13 anos de idade em Bonsucesso, e que estas foram fundamentais na sua formação. Inclusive vale frisar o destaque que o flautista dá à improvisação neste contexto, dizendo que era sempre aplaudido e reconhecido pelo seu estilo solto e suas improvisações que, segundo ele, eram inventados na hora (SARMENTO, 2005). Novamente aparece este termo – improvisação-, que Altamiro considera como qualquer ornamentação (“floreio”, segundo suas palavras) ou variação na melodia original que não é pré-determinada. É considerado por muitos o flautista de choro mais conhecido entre o público brasileiro em geral (músicos e amadores), tendo gravado mais de 50 discos.

Partindo de uma mesma música como referência de comparação, são salientadas as diferenças de estilos individuais de cada músico, ao mesmo tempo em que percebemos com maior clareza as escolhas estéticas que fazem parte da linguagem, do estilo pessoal de cada música ou do gênero em questão. Utilizaremos como material complementar para análise outras gravações desta música, além de uma edição da partitura impressa.

A primeira gravação de “Naquele Tempo” foi feita em 1934, com solo de Luperce Miranda ao bandolim. Esta execução é bastante diferente das analisadas nesta pesquisa, não só na questão da interpretação melódica, mas em relação ao acompanhamento. A segunda gravação desta música (primeira com flauta) é de 1964, gravada por Benedito Lacerda no solo de flauta e Pixinguinha nos contracantos ao saxofone. Apresenta uma versão bastante distinta se comparada à primeira, sendo muito provável ser esta a principal referência para as execuções posteriores deste choro, já que mesmo a partitura editada coincide com algumas das articulações e ornamentações usadas por Benedito.

27 Méthode complète de flûte é um tradicional método de técnica e sonoridade de flauta que data de 1958. Amplamente utilizado em conservatórios e no ensino da flauta na música clássica. 64

Este choro foi composto na forma tradicional em três partes (A, B e C):

Tonalidade da parte A: Ré Menor Tonalidade da parte B: Fá Maior Tonalidade da parte C: Ré Maior

As gravações 1. “Naquele Tempo” por Benedito Lacerda: É uma das antológicas gravações que realizaram Pixinguinha e Benedito Lacerda. Foram um marco na história do choro, especialmente por conta dos contrapontos realizados por Pixinguinha ao sax e entre elas está a primeira gravação de flauta de Naquele Tempo.

2. “Naquele Tempo” por Altamiro Carrilho: Foi executada pelos mesmos músicos que acompanharam Benedito Lacerda e Pixinguinha, pois o Regional do Benedito, depois da saída do flautista, transformou-se em Regional do Canhoto. Posteriormente, o grupo teve como solistas Altamiro Carrilho, Orlando Silveira e Carlos Poyares. Como nesta versão as partes não se repetem em sequência (apenas o C é tocado duas vezes), a interpretação aparece com poucas variações, afinal, a repetição de cada parte normalmente sugere o aparecimento de mais novidades melódicas e rítmicas com relação à primeira exposição do tema. Porém, mesmo sendo bastante fiel à melodia original, Altamiro apresenta variações rítmicas, melódicas e ornamentações que, assim como as de Copinha, são repetidas em diferentes trechos.

3. “Naquele Tempo” por Copinha: Foi gravada para um programa da TV Cultura São Paulo, ao vivo, onde Copinha foi acompanhado por um regional de choro. Antes de apresentar o tema faz uma introdução improvisada, com o tempo ad libitum e apenas acompanhado pelo violão. Em outra versão desta música que foi gravada no seu disco Jubileu de Ouro (1975), faz algo parecido, com a mesma harmonia, mas com pequenas variações na melodia, o que nos faz supor que a melodia da versão ao vivo foi improvisada no momento, mas com alguns pontos 65

pré-determinados. Logo começa o tema, ainda em tempo livre, com pequenas variações e na oitava grave da flauta; é só na segunda metade da parte A que começa a tocar a melodia a tempo.

COPINHA ALTAMIRO BENEDITO CARRILHO LACERDA Ano 1974 1964 1947 Disco Programa MPB Choros Imortais Pixinguinha E Benedito Especial Lacerda Músicos Antônio D’Áurea Regional do Canhoto: Regional do Canhoto: acompanhadores (violão de 7 cordas) Canhoto (cavaquinho) Canhoto Waldomiro Marçola Dino 7 Cordas (cavaquinho) (violão de 6 cordas) (violão 7 cordas), Meira Dino 7 Cordas Jaime Soares (violão 6 cordas) Gilson (violão 7 cordas), Meira (cavaquinho) Freitas (pandeiro). (violão 6 cordas) Gilson Osvaldo Bitelli Freitas (pandeiro). (pandeiro) Forma A A B B A C C A A B A C C A A B A C C A

Tabela 3: Dados referentes às três gravações.

2.2.3 – Aspectos interpretativos

Timbre

Com relação ao timbre, esbarramos em uma questão técnica que diz respeito à forma como foi captado o som em cada gravação. Especialmente na gravação de Benedito Lacerda que é a mais antiga (data de 1947), a qualidade da gravação não nos permite ter uma ideia muito precisa do que realmente era o som da flauta ao vivo.

Considerando esta margem de erro, o que se pode notar é que Copinha se distancia um pouco dos outros flautistas por ter um timbre um pouco mais “sujo” (ouve-se em alguns momentos som de ar nas notas) e por, no geral, emitir notas mais opacas, ou seja, 66 com maior predominância de harmônicos graves. Altamiro e Benedito a julgar pelas gravações, possuem um timbre similar, que tende a ser mais brilhante (harmônicos agudos). Estas diferenças se dão pelo ângulo e espessura da coluna de ar e, em menor medida, pelo espaço interno da boca.

Vibrato

O vibrato, como dito na análise anterior, é característica importante na sonoridade de um flautista. Através somente da audição das gravações podemos perceber as características de cada tipo de vibrato, porém para ilustrar com mais detalhes cada um, utilizamos novamente os espectrogramas gerados pelo software Sonic Visualiser.

Copinha:

Figura 26 - Espectrograma de uma nota emitida por Copinha.

Altamiro Carrilho:

Figura 27 - Espectrograma de uma nota emitida por Altamiro Carrilho.

Benedito Lacerda:

Figura 28 - Espectrograma de uma nota emitida por Benedito Lacerda. 67

Estes três espectrogramas exemplificam graficamente o que pudemos constatar através da audição de diversas gravações de cada flautista analisado. Escolhemos uma nota de cada um para ilustrar através do espectrograma a forma como são executadas as notas: o vibrato de Copinha é pouco amplo, de rápida frequência e regular em toda a duração da nota; Já Altamiro apresenta vibrato com maior oscilação de frequência e intensidade, porém, com menos regularidade; Benedito Lacerda começa o vibrato mais lento, ou seja, com menos oscilação de frequência, e no decorrer da nota aumenta a intensidade ficando um pouco mais rápido.

Articulação

Basicamente encontramos apenas três tipos de articulação nas gravações: staccato, ligado e tenuto, porém este número aumenta se considerarmos as graduações entre staccato e tenuto, assim como entre tenuto e ligado. Por vezes é difícil identificar qual a articulação exata que o flautista está usando, para isso foram utilizados recursos de diminuição da velocidade da gravação para identificar com mais precisão.

Para uma análise técnica e de estilo, selecionamos um mesmo trecho das três gravações de Naquele Tempo, os dois primeiros compassos da parte B:

Figura 29. Comparação das articulações de Benedito, Altamiro e Copinha.

Nestes três compassos a sequência de sextinas é tocada a tempo e de forma precisa. A convenção do acompanhamento - que acontece em ambas as versões - sugere a execução do ritmo com mais precisão e com outro tipo de articulação. Benedito, Altamiro 68 e Copinha optam por notas curtas e staccato, o que dá um caráter mais alegre, “saltitante”, além de ajudar na precisão rítmica.

A articulação executada é a mesma nas três versões, porém, o que vai mudar de um flautista para o outro é como cada um as executa, ou seja, a técnica utilizada. Embora tenham escolhido usar o staccato, existem diferenças nas execuções: Benedito destaca cada nota encurtando o valor delas, seria uma forma mais aproximada da técnica clássica; Altamiro utiliza uma forma parecida no primeiro compasso, mas no segundo articula cada nota mantendo o valor completo; Copinha, apesar de também articular e destacar todas as notas, as executa com uma duração maior, deixando-as mais próximas umas das outras. Estas são características muito importantes da individualidade de cada flautista e a sonoridade gerada remete a influências diferentes de cada um. A articulação mais clara, mais “pronunciada” de Altamiro e Benedito nos lembra a flauta na música clássica, já Copinha, com sua articulação mais suave, nos faz lembrar os flautistas de jazz, como Herbie Mann, por exemplo.

Ornamentação

Neste trecho podemos perceber vários momentos em que os três flautistas utilizam a mesma ornamentação ou similar. Este fato é um indicio de que a gravação de Benedito Lacerda, a primeira das três, foi uma referência para as outras posteriores e que estes ornamentos já não eram considerados como variações, e sim, como parte constitutiva da composição.

Nota-se que as versões de Altamiro e Benedito são muito similares, em relação à ornamentação praticamente idênticas (apojaturas nos compassos 1, 2, 3, 5 e 7 e trinados no compasso 8). Já Copinha utiliza menos ornamentos e em lugares diferentes, porém, dos mesmos tipos (apojatura no compasso 1 e trinado no compasso 8, coincidindo com as outras versões): 69

Figura 30. Ornamentos nos solos de Benedito Lacerda, Altamiro Carrilho e Copinha

Na gravação de Copinha encontramos maior variedade de ornamentos. Alguns deles são: Frulatto:

Figura 31. Exemplo de frulatto em “Naquele tempo” (Copinha)

Staccato Duplo:

Figura 32. Exemplo de staccato duplo em “Naquele tempo” (Copinha)

Trinado: 70

Figura 33. Exemplo de trinado em “Naquele tempo” (Copinha)

Abaixo, alguns exemplos de ornamentos encontrados na gravação de Altamiro Carrilho:

Glissando e trinado:

Figura 34. Exemplo de glissando e trinado em “Naquele tempo” (Altamiro Carrilho)

Típica do choro: Segundo Goritzki, a “típica do choro” se caracteriza por ser uma apojatura em que “predomina o movimento descendente, em grau conjunto, sugerindo uma expressão chorada. É utilizado sempre em músicas mais melodiosas” (2002, pg. 3).

Figura 35. Exemplo de apojatura “típica do choro” em “Naquele tempo” (Altamiro Carrilho)

Variações melódicas

Copinha em sua interpretação varia a melodia utilizando inflexões melódicas típicas usadas nas construções das melodias de choros. Ou seja, executa a melodia original da composição, porém, acrescentando inflexões e notas de arpejos que fazem com que a melodia seja um pouco diferente, mas sem abandonar suas notas estruturais.

Abaixo, algumas das variações feitas por Copinha, a partir de inflexões melódicas: 71

Bordadura:

Figura 36 - Exemplo de bordadura em “Naquele tempo” (Copinha)

Figura 37 - Exemplo de bordadura em “Naquele tempo” (Copinha)

Apojatura:

Figura 38 - Exemplo de apojatura ascendente em “Naquele tempo” (Copinha)

Notas de passagem:

Figura 39 - Exemplo de nota de passagem em “Naquele tempo” (Copinha)

Aproximação cromática

Figura 40 - Exemplos de aproximação cromática em “Naquele tempo” (Copinha) 72

Na gravação de Altamiro foi encontrado um número muito menor de variações melódicas. Abaixo, um exemplo:

Repetição de nota:

Figura 41 – Exemplo de repetição de nota em “Naquele tempo” (Altamiro Carrilho)

Variações rítmico-melódicas

Como pode ser visto nas transcrições feitas a partir das gravações, constantemente a melodia sofre alterações rítmicas, em maior ou menor grau. Falamos em alterações por considerarmos a partitura impressa como referência para analisar as transcrições feitas, porém, levando-se em consideração que a escrita é apenas uma das formas de transmissão do choro28, é importante frisar a função de registro e as limitações que tem a partitura neste contexto. Ou seja, para os chorões a partitura nunca é a referência de interpretação, ela é apenas um registro aproximado da melodia e da harmonia da composição – nas primeiras partituras nem mesmo a harmonia era escrita -, não contendo indicações de articulação ou sutilezas rítmicas que ocorrem durante a execução de um determinado choro.

Sendo assim, é uma grande dificuldade a grafia das variações rítmicas que aparecem nas interpretações de ambos os flautistas, já que mesmo quando se aproximam da notação impressa, a execução não é matematicamente representada pelas figuras que representam as divisões do tempo. A dificuldade de transcrever com exatidão a rítmica

28 Pedro Aragão em seu livro “Bau do Animal” destaca o a importância que os chorões das primeiras gerações davam ao registro escrito das músicas, sendo que haviam partituras manuscritas que circulavam entre os músicos populares. Importante notar que o registro era somente da melodia, sendo que o acompanhamento rítmico-harmônico era transmitido exclusivamente através da oralidade, na prática das rodas. (Aragão, 2013) 73 executada na interpretação deste repertório é comentada tanto por Gevertz (2017) quando o autor analisa a obra de Benedito Lacerda, tanto por Sarmento (2005), que se debruçou sobre as gravações de Altamiro Carrilho.

Na figura 9 mostramos um padrão que se repete algumas vezes na interpretação de Copinha, seguido da transcrição de um dos trechos onde este aparece (figura 10):

Figura 42. Padrão de variação rítmico-melódica

Figura 43. Variação rítmica em “Naquele tempo” (Copinha)

Este mesmo padrão encontrado em Copinha aparece também nas gravações de Benedito e Altamiro, nestes momentos e também em outros:

Figura 44. Variação rítmica em “Naquele tempo” (Altamiro Carrilho)

Isso nos sugere que de fato a versão de Benedito Lacerda foi uma referência para a interpretação deste choro, já que estas alterações não estão na partitura impressa. 74

2.2.4 - Improvisação

Em poucos momentos da gravação Copinha realiza o que aqui chamamos de improviso. O que diferencia o improviso da variação melódica é o fato de que a melodia executada mantém pouca ou nenhuma semelhança com a melodia original, embora seja construída a partir dos mesmos parâmetros que são construídas as composições dentro deste gênero, como veremos a seguir. Para analisarmos estes trechos, iremos primeiramente compará-los com o tema original a fim de perceber o grau de semelhança que estes mantêm entre si, para depois analisar o improviso de acordo com os parâmetros dados por Carlos Almada para análise de melodias de choro (ALMADA, 2006).

Além disso, novamente utilizaremos os conceitos de abordagem vertical de improviso e abordagem horizontal de improviso propostos Russel (2001).

Nos dois pequenos trechos em que o procedimento de improviso é realizado por Copinha, este o faz utilizando principalmente a abordagem vertical de improviso. Em consonância com a afirmação de que o improviso no choro é preferencialmente baseado nas notas estruturais da progressão harmônica, neste trecho o flautista utiliza predominantemente esta concepção, baseando sua melodia nos arpejos de cada acorde. Nota-se que embora o acorde do compasso 123 seja o Dm (I grau), Copinha utiliza o arpejo de A7 (V7 grau), por isso consideramos a abordagem horizontal. No compasso 125 as notas são do acorde de Dm, porém intercaladas por graus conjuntos e cromatismo:

Figura 45: Improviso de Copinha em “Naquele Tempo” 75

No exemplo seguinte, o improviso é todo construído baseado nas notas estruturais dos arpejos com inflexões melódicas:

Figura 46: Improviso de Copinha em “Naquele Tempo”

76

CAPÍTULO III - COPINHA X COPINHA

1. Comparação das gravações de Copinha

Feitas as comparações entre os quatro flautistas, iremos agora comparar as três gravações de Copinha entre si. “Lamentos”, “Chega de saudade” e “Naquele tempo” apresentam situações diferentes e em cada uma dela podemos observar procedimentos específicos e procedimentos recorrentes. Acreditamos que em “Lamentos”, por Copinha estar gravando em disco de outro artista, Baden Powell, o flautista possui menos liberdade para interpretar de uma maneira mais pessoal. Isso porque a gravação dessa música tem arranjo mais definido (não foi encontrada referência do arranjador) e as partes de tema e improviso são pré-determinadas.

Em “Naquele Tempo” Copinha realiza muitos ornamentos e inflexões melódicas. Foram levadas em consideração os ocorridos durante a execução do tema. Encontramos os seguintes:

Ornamentos Qtde. Inflexões melódicas Qtde. Apojatura Orn. Asc. 12 Apojatura Infl. Asc 19 (APO) (API) Apojatura Orn. Desc. 5 Apojatura Inf. Desc. 5 (APO) (API) Glissando asc. (GL) 5 Cromatismo (CR) 5 Glissando desc. (GL) 2 Grau conjunto (GC) 2 Staccato Duplo (SC) 3 Bordadura (B) 6 Trinado (T) 4 Frulatto (F) 1

Tabela 4 – Ornamentos e inflexões melódicas em “Naquele tempo” (Copinha)

Abaixo, a terceira exposição da parte A como exemplo do uso da ornamentação e inflexões melódicas: 77

Figura 47 - Ornamentos e inflexões melódicas em “Naquele tempo” (Copinha)

Em Chega de Saudade foram encontrados os seguintes:

Ornamentos Qtde. Inflexões melódicas Qtde. Apojatura Orn. Asc. 3 Apojatura Infl. Asc 1 78

Grupeto 1 Cromatismo 4 Glissando asc. 1 Grau conjunto 3 Glissando desc. 1 Staccato Duplo 3

Tabela 5 – Ornamentos e inflexões melódicas em “Chega de saudade” (Copinha)

Abaixo, trecho exemplificando (o grifo em amarelo destaca os momentos de variação melódica):

Figura 48 - Ornamentos e inflexões melódicas em “Chega de saudade” (Copinha) 79

Na interpretação de “Lamentos” não foi encontrado nenhum tipo de ornamentação e inflexão melódica na execução do tema da música, tampouco no improviso.

Como podemos observar nos exemplos, a gravação de “Naquele Tempo” é a que apresenta maior número de ornamentações. Isto é uma característica do estilo, como não é comum haver grandes sessões de improviso (somente alguns compassos), a maneira do intérprete imprimir sua personalidade é através destes ornamentos. Isso explica a quantidade e a variedade do uso destes por Copinha. Em “Chega de Saudade” há menos ornamentos, mas há maior ocorrência de variações melódicas e de improvisos durante toda a execução. Na execução de “Lamentos”, embora seja a que tenha o improviso mais “jazzístico”, Copinha faz uma execução um pouco mais contida, tanto quando toca o tema (sem nenhuma variação rítmica, inflexão melódica ou ornamentação), tanto no improviso, que fica restrito aos 16 compassos da parte A da música.

Em relação ornamentos, um dado curioso e que merece aprofundamento é em relação às apojaturas ascendentes e descendentes. Enquanto nas gravações de Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho foram encontrados apenas apojaturas descendentes, nas de Herbie Mann apareceram apenas as ascendentes, como exemplificam os trechos abaixo:

Figura 49: Exemplo de apojaturas ascendentes em “Deve ser amor” de Herbie Mann.

Figura 50: Exemplo de apojaturas descendentes em “Naquele Tempo” de Benedito Lacerda. 80

Figura 51: Exemplo de apojaturas descendentes em “Naquele Tempo” de Altamiro Carrilho.

Nas interpretações de Copinha aparecem ambas, porém com maior incidência das ascendentes, na gravação de “Lamentos”, só aparecem as apojaturas ascendentes. Ou seja, se concluirmos que as apojaturas ascendentes são mais comuns ao jazz e as descendentes ao choro - se é que é válida essa generalização29 - pode-se dizer que Copinha transpõe um procedimento jazzístico ao repertório brasileiro.

Com relação ao timbre e ao vibrato, podemos dizer através das análises comparativas que Copinha está no meio do caminho entre os flautistas chorões – Altamiro e Benedito – e o jazzista Herbie Mann: não possui um som tão brilhante, nem vibrato tão amplo quanto os primeiros, nem um timbre tão escuro e liso quanto o terceiro.

O tema vibrato, como já dito, por si só já traz consigo muitas polêmicas e suscita discussões em diversos ambientes. Tanto em relação ao modo de produção, quanto ao modo de uso é difícil encontrar um ponto de convergência entre flautistas e musicólogos. Entramos neste assunto espinhoso, por considerarmos um aspecto muito importante e que pode nos revelar muito sobre as influências e referências de cada flautista, relacionando- os com os gêneros musicais em questão.

29 Esta hipótese surgiu a partir da análise das gravações selecionadas para esta pesquisa. Seria necessário o estudo de um repertório mais amplo e aprofundado sobre o uso das apojaturas no choro, para assegurar tal generalização. 81

Aparentemente esta foi uma questão para Copinha, pois conta que, quando tocava em orquestras no cinema-mudo, não era permitido “vibrar”. Ele diz que a escola de flauta clássica naquela época (início do século XX) impunha um som sem o vibrato, e isso pode ser confirmado por essa citação do método de Taffanel (1923) embora já na época houvessem outros flautistas que discordassem:

Em Bach, como em todos os grandes mestres clássicos, o intérprete deve observar a mais rigorosa simplicidade. Evite-se terminantemente o vibrato ou gorjeio, artifício que só serve aos instrumentistas medíocres, aos músicos inferiores. /.../ O vibrato, ao desfigurar o caráter natural do instrumento e falsear sua expressão, cansa rapidamente o ouvido delicado. É uma falha grave, uma falta de gosto imperdoável traduzir com meios vulgares os pensamentos das mais altas inteligências musicais (...)36 (TAFFANEL; GAUBERT, 1923, p. 186).

Só mais tarde, na música clássica, houve a incorporação do vibrato como inerente ao som da flauta.

Essa prática era diferente do que se fazia nas serestas, quando o repertório era de música popular. Para Copinha o vibrato seria a expressão do sentimento, e para “chorar” as polcas, tangos e modinhas na flauta, era preciso usá-lo. Quanto à sonoridade, tanto na orquestra, quanto tocando na rua, os flautistas tinham que usar a região aguda da flauta por uma questão de volume, prática que perdura até os dias atuais no repertório de choro executado nas rodas ao ar livre. Em relação à flauta no jazz isso não aconteceu, justamente porque a incorporação do instrumento à formação da big band se deu com o advento do microfone, ou seja, com possibilidades de tocar também nas regiões graves e de maneira mais sutil.

Outra situação em que usou o vibrato com restrição foi quando gravou “Chega de Saudade”, de João Gilberto, conta Copinha. Para ele a estética da BN, por ser mais “enxuta”, minimalista, condizia com uma expressividade mais contida: “era necessário eliminar todo e qualquer tipo de vibração”30. Além do mais, nos anos 1950 a flauta estava tomando um protagonismo dentro do jazz e sem dúvida, esta foi uma influência para a sonoridade.

30 Citação de Copinha em entrevista a um jornal (arquivo familiar). 82

2. Conclusões

Copinha, em toda sua vida profissional, adaptou-se às situações que apareciam, mesmo as mais controversas. Quando do término do cinema mudo, deixou a flauta para tocar saxofone e clarinete; quando da proibição dos cassinos, já possuía outras fontes de renda para seguir na profissão. Ou seja, sempre conseguiu ter uma leitura do momento que lhe permitisse encontrar saídas, além de possuir a competência para fazê-lo. Sobre este assunto, em entrevista menciona que sempre temeu o futuro por ver sua profissão em ambiente inseguro, talvez daí venha sua capacidade de transformar-se e reinventar-se, atuando como multi-instrumentista, maestro, arranjador.

Isso pode ser percebido também na sua produção artística, já que Copinha sempre adaptava seu som a cada situação em que lhe era requisitado. Confirmação disso tivemos quando comparamos as duas gravações dele analisadas: “Naquele Tempo” – que está em ambiente do choro – e “Lamentos” – que na situação se apresenta com concepção mais jazzística. Na primeira, Copinha usa o vibrato com muito menos pudor, enquanto que na segunda toca notas completamente “chapadas”, como é raro de vê-lo fazer em suas gravações, por exemplo. No disco de João Gilberto também utiliza menos vibrato do que o que usualmente é seu costume.

Através das análises dos improvisos e das interpretações das três gravações de Copinha, podemos notar como se comporta de forma distinta em cada contexto. Quando toca repertório de choro praticamente não realiza improvisos, porém tem uma interpretação muito livre, ornamentando e fazendo muitas variações melódicas e rítmicas na melodia. Ao mesmo tempo, na gravação de “Lamentos” onde em uma das partes abre uma sessão de improviso, realiza um improviso curto, finalizando-o com o tema da música. Ou seja, transporta os procedimentos de uma situação a outra, através dos improvisos, das variações melódicas, estando sempre de alguma forma dialogando com a melodia do tema tocado.

Curioso notar que Copinha é identificado por ter um som mais contido, mais “relax” - como disse Senise - ou mais “moderno”, como já disse algum jornalista, e que isso tenha se dado muito por conta de sua disposição e capacidade em tocar da forma que requeria o estilo. Podemos presumir então que sua personalidade artística individual foi 83 sendo formada enquanto buscava a sonoridade para cada situação que se apresentava, e o fato de nunca ter se “comprometido” com nenhum estilo único lhe proporcionou esta liberdade. Sua marca pessoal era justamente ser um músico disponível artisticamente, sempre aberto a novas sonoridades e de uma competência profissional indubitável, o que sempre lhe garantiu um lugar reservado nos diversos contextos musicais em que atuou.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa deu um passo importante na busca pelo entendimento do estilo de Copinha, porém, apresenta um pequeno recorte, se considerarmos a produção musical que este músico realizou em vida. Ao mesmo tempo em que levantou dados importantes sobre sua vida e resultou em um entendimento maior sobre sua maneira de tocar a flauta, ainda mais questões foram suscitadas a medida em que fomos nos aprofundando no tema.

Questões referentes tanto a sua vida e obra, quanto à história social da música popular brasileira, já que sua trajetória musical abrange um período bastante longo desta. No que diz respeito à elementos estritamente musicais, ficou o interesse em analisar os contrapontos que realizava para acompanhar cantores de samba, já que foi uma prática constante em sua carreira com flautista e está relacionado tanto ao universo do choro quanto ao da improvisação. Os arranjos que tocou e escreveu enquanto conduzia seus conjuntos das boates nos anos 1950 e 1960 também intrigam por já nesta época serem considerados “modernos” e com forte influência jazzística em sua concepção.

Embora não tenha sido um compositor muito prolífico, as composições encontradas (tanto em gravações quanto em partituras) também merecem uma atenção especial e uma análise aprofundada, já que revelam muito de sua personalidade musical e das influências que recebeu, além de edições revisadas com melodia e harmonia. E em relação à sua biografia, ainda que tenhamos descoberto muitos dados concretos sobre sua carreira e trajetória, fica a necessidade de analisa-los e relacioná-los de maneira profunda com todas as complexas transformações sociais que aconteceram durante todo este período, de 1924 a 1981. Seria uma contribuição importantíssima para aprofundar os estudos acerca de Copinha, mas também para compreender a música brasileira vista sob a perspectiva de alguém que esteve trabalhando nos seus bastidores com muito afinco e sempre com o respaldo de seus contemporâneos.

Enfim, ainda há muito o que investigar a respeito deste que foi mais do que somente um artista, um operário a serviço da música brasileira. Esperamos que este seja apenas um ponto de partida para esta jornada.

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REFERÊNCIAS

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90

ANEXOS I - PARTITURAS 91

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ANEXO II - FOTOS

Copinha (sem data):

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Copinha e seu Conjunto no Copacabana Palace (sem data)

Silvério Pontes, Abel Ferreira e Copinha (sem data):

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Paulinho da Viola e grupo (sem data):

Rosinha de Valença e Copinha (sem data):

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ANEXOS III - OUTROS

Lista de composições e arranjos manuscrita, feita por Copinha:

Fonte: www.discosdobrasil.com.br Fonte: Música mim de Junto Sempreteu Mais Nunca Deixa-me você? anda Onde amor meu Amor, grande meama Ninguém emcigarro cigarro De Grande Menino Faz tempo Quanto especificadas não Músicas Amargura Companheiros Cinco Chorando Colega Cuidado Cochichando Beliscando ele Segura memóriasde Choro do adeus Serenata branca Estrada separação da Soneto eurídice Valsade desertas Aspraias amar te sei que vou Eu mais canta Canta, Modinha tarde a Cai Semvocê saudade Chega de do adeus Serenata desertas Aspraias pedra Caminho de 1949 1949 1952 1952 1973 1974 1976 1958 1958 Ano Disco Copacabana Caymmi Dorival amor meu Amor, grande MPB Mestres da aço Nervos de Alves Farney/Lucio Dick Chorando Memórias minhavida toda Por demais do amor Canção Artista Farney Dick Alves Lucio Ney Nora Ney Nora Viola da Paulinho Alves Lucio Viola da Paulinho Bruno Lenita Cardoso Elizeth Atuação Arranjador Flauta Luciana Janelas abertas semexisto não você Eu de amar Medo bela Vida Modinha demais amor do Canção saudade Chega de mais nunca Brigas Ho-ba-la-la Desafinado Morena Rosa deouro boca Morena bom Bim 1 no Coisa 1 Tem no Corcovado Vivosonhando ipanema Garota de Meditação 4 no Coisa 10 no Coisa Nanã 3 no Coisa 2 no Coisa 9 no Coisa Demais skin my under I´vegot de causa você Por barca La tristeza dia, Bom amor o encontrar quiser Quem Fimnoite de que acabou amor O Dindi de Isabel Bouquet Vivosonhando de Amor nada flor Moça 1959 1962 1964 1964 1964 1964 Chega de saudade de Chega ePowell Jimmy Pratt Baden Paisagem Inutil Coisas 1964 Maysa demais Samba João Gilberto João Powell Baden Deodato Eumir Santos Moacir Maysa Valle Marcos Canção pequenina Canção amor do Razão você Tudo de maria de Sonho carioca é Ela mais lindo Ainda umsal de deus mortede A Torto Samba DasRosas preciso você de Eu adeus preciso dizer É Corcovado Insensatez morro no Sabotagem Trêsapitos Arvoredo nem nenhuma Maioria anos 14 Sofreguidão confissão Minha nascerá sol O Injuria Mascarada Recado madrugadas Minhas lágrimas com Jurar ouro de Rosa original Samba Bonita de beber Água mais nada E roses wineand of Days pro poeta Feitinha Clichê somos Porque iguais smile The your of shadow stop Silk está como Deixa é precisa que Tudo o 1965 1966 1966 1966 The music of Mr. Jobim by Silvia Telles Silvia Mr.Jobim musicofby The de Almeida éAracy Samba Madrugada na Samba som gatos dos Aquele Sylvia Telles Sylvia Almeida de Aracy Viola da Paulinho gatos Os Blusette especificado Não de Ossanha Canto de Xango Canto Bocochê de Iemanjá Canto benção da Samba Poesia canção e Vinicius: de Abertura Carlos Lyra benção, A cinzas feira de quarta da Marcha Tempofeliz Poesia canção e Vinicius: de Abertura Semmaisadeus namorada Minha Pixinguinha Benção A Lamento Berimbau carioca Mulher astronauta O Berimbau amor por Só Sejafeliz carioca Mulher em prelúdio Samba só Hoje astronauta O Deveser amor amor do Além amor Depois tanto de éviver que Isso é saideira da cordão No janga de Corrida Rosinha de Jogo roda candeias tempos Dois Embolada e Mariana Catarina Triste Canto 1966 1966 1966 1966 1967 1967 1967 1967 It might as wellas be might spring It e vincius afro-sambasOs de baden 1 vol e canção Vinicius: poesia 2 vol e canção Vinicius: poesia Vinicius Lara eOdete Vinicius Elizeth enluarada A Edu Sylvia Telles Sylvia Powell Moraes dee Baden Vinicius Moraisde (diversos Vinicius interpretes) Moraisde (diversos Vinicius interpretes) Morais de Vinicius Lara eOdete Vinicius Cardoso Elizeth Lobo Edu Chorinho mágoa de Chorinho caminho Meu sersó aprendera Preciso encanto Seu pranchar Vamos andei Tanto (little patricia) Patricinha mim Passapor Sevocêsoubesse de xangô Canto Lamentos deouro boca Morena fúnebre Samba epedra Sol e antenor seu santinha Dona vida Depois da deusesTema dos Pablo carnaval Meu nascerá sol O Mascarada Vem mais devagar Sebastiana Vazio H Hora Sentimentos Comprimido leve mal a Não unhas as Roendo luzia Nega carnaval um de Sonho Saudações simples Músico Simon pro Um tema Marrom Retrato AveNoturna dizer eu Deixa Tens(calmaria) 1967 1968 1970 1971 1971 1973 1973 1973 1974 1974 1974 Braziliance powell sombaden Ode Barroso MPB- da Ary História Sompixinguina 1971 Viola da Paulinho peixes dos Milagre Medeiros Elton aço Nervos de Nós AveNoturna livre Modo Marcos Valle Marcos Powell Baden Diversos Pixinguinha Viola da Paulinho Nascimento Milton Medeiros Elton viola da Paulinho Alf Johnny Fagner Lins Ivan Abre alas Abre maré Essa sofrimento Fimdo ninguem chorar Pra ganhou Me 74 éportela Agora o céu eolha Corra vinda da Festa Urubatã Mariana continua vida a E bela Vida da Jaqueira Chuva se perdeu Nada rolar Deixa Capital Pecado Comum Lugar mentira da bruxa A menina Ê Bananeira ébaêde Xangô dolly Pretty Emoriô Naturalmente besteira Que Deixeirecado sofrer Meu Carapeba fé de Bandinha capitá nas joão São Picadeiro bem próprio meu Tudo pro mimpor morena Espere vez outra tudo Começaria companheiros Cinco colega Cuidado Cochichando 1974 1974 1975 1975 1975 1976 1976 1976 1976 Pra seu governo seu Pra ouro Jubileu de viola- 1975 da Paulinho comum Lugar três das raças Canto Capim vez outra tudo Começaria chorando Memórias Beth Cartola Copinha viola da Paulinho Donato João Nunes Clara Gonzaga Luiz Gonzaguinha Viola da Paulinho Beliscando ele Segura memóriasde Choro passarinho Velho força de Dança conversa Essa melancolia É aí Tôpor amolador O Mordaça Hino Bobagem Fez março de Águas preguiça da Samba ilusão Nova teus Abre olhos Perdoa do heitor Velório nega minha mundo, Coisasdo novo sapato Meu Gaúcho Cristal de Sorriso Machucando do bras Rapaziada baixinho Chorando novo de sapato André Cochichando frente da sai choro no Haroldo de coromandel Luar choras porque Saxofone Almabrasileira Ituverava Sevocême ouvisse Sempresó se que Ocor de sabe mim Falam de Fingidor Cais 1976 1976 1976 1976 1977 1977 1977 O importante ésobrevivva02 que emoção nossa- n. importante O e -alma Corpo Palco cantando Memórias eSaxClarineta Brasil noite nesta todos iguais Somos vida da botequins Nos NANA Marcia, Eduardo Gudin, P. C.Pinehiro P. Gudin, Eduardo Marcia, Diversos Viola da Paulinho Ferreira Abel Lins Ivan Carvalho Beth Caymmi Nana Sesaberqueres Modinha confidente Sombra Izabel Vila Perdão jeito tem um agora Só amigo Prezado companheiros Cinco amor meu O ele Segura Radamés pra Sarau pássaro O Mate Xeque Pivete Maria Joana Leo menino Meu bom, amigo Que recado Outro mal e o bem O teu cuidado que Tume deste caminho Meu felicidade Aquela oprimido Coração demais Foi beijos de Turbilhão ele Segura Carinhoso cavaquinho Apanhei-te vez Outra brasileira cor Da Loucura alerta de Grito jornais os sobre Amando satisfaz que preto O coração Explode trem O DesesperarJamais linha na Temboi 1977 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1979 1979 1979 1979 1979 1979 1980 Pilão + Raça = Elza + Raça Pilão obra Vida e Pixinguinha Buarque Chico municipal ao -quintal Do Choro viola- 1978 da Paulinho pássaro O fosse Seporém portanto 2 esquina da Clube Guerreria chão no pé De Zumbido histórico encontro - Um Baixinho Chorando Pedaços MEL Vida da Gonzaguinha noite A Alumbramento Elza Soares Elza Diversos Buarque Chico Coletânea Viola da Paulinho NascimentoJoel Hime Francis Nascimento Milton Nunes Clara Carvalho Beth Viola da Paulinho Vários Simone Bethania Maria Gonzaguinha Lins Ivan Djavan Sim ou não Simou prata e Dor querer bem Meu Alumbramento guanabara de Tristebaía Camisa Amarela do sapateiro baixa Na baiana da tabuleiro No Inquietação Faceira razão tem dor a não Onde Lua gente da Coração vingança quero Não esquecida Flor Pivete de Xango Canto mevêQuem sorrindo dia Sealgum Clotilde FalsoJuramento bobagem Fez março de Águas preguiça da Samba deusesTema dos de Amor nada você Tudo de amor de Razão verãode Samba Gente sersó aprendera Preciso enluarada Viola Raga Asprimaveras Carmo carmo do Hino Ruth 1980 1981 1985 1993 2000 2002 2002 2004 1977 Aquarela do Brasil do Aquarela viola- 1981 da Paulinho Clareando guitar Tristezon Musical Brasileira Enciclopédia Raridades Coletanea Antologia Carmo Gal Viola da Paulinho Fracis Hime Powell Baden Carlos Cachaça leão Nara Nascimento Milton Vale Marcos Gismonti Egberto Flautim O pássaro O 5 no Brasileiras Bachianas traição Dupla povo do voz A partida De 1978 1985 1978 1979 1981 O PássaroO Tremcaipira Djavan noite A vida ésua Essa Joel NascimentoJoel Gismonti Egberto Djavan Lins Ivan Bosco João Flauta emG Flauta