UINJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DELAC – DEPARTAMENTO DE ESTUDOS DE LINGUAGEM, ARTE E COMUNICAÇÃO CURSO DE DESIGN – HABILITAÇÃO PRODUTO

A CULTURA INDÍGENA COMO REFERÊNCIA PARA A CRIAÇÃO DE JÓIAS

ANDRÉ HENRIQUE SPILMANN FRIEDRICH

IJUÍ (RS) 2010 1

ANDRÉ HENRIQUE SPILMANN FRIEDRICH

A CULTURA INDÍGENA KAINGANG COMO REFERÊNCIA PARA A CRIAÇÃO DE JÓIAS

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Design – Habilitação Produto da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Design.

Orientadora: Natália Isaia da Costa

IJUÍ (RS) 2010 2

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me iluminado e dado forças nas situações de dificuldade e também nas conquistas que tive até aqui. A minha família, principalmente aos meus pais Flávio e Valduzi, por estarem sempre presentes durante toda esta caminhada, dando conselhos, total apoio e conforto em todos os momentos. Pessoas importantes como a família foram fundamentais nas horas de desânimo e cansaço, fazendo-me percebesse a importância de enfrentar as dificuldades que surgiram e que ainda irão surgir no percurso que tenho pela frente. Agradeço também a minha professora orientadora Natália Isaia da Costa pelo esclarecimento, dedicação, atenção e paciência.

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A CULTURA INDÍGENA KAINGANG COMO REFERÊCIA PARA A CRIAÇÃO DE JÓIAS

ANDRÉ HENRIQUE SPILMANN FRIEDRICH Orientadora: Natália Isaia da Costa

RESUMO

Tendo em vista a problemática envolvendo a cultura dos índios , partindo de tempos antigos até a atualidade, abrangendo preconceitos relacionados aos costumes e valores da sua etnia, percebe-se que este povo vem perdendo a sua identidade cultural. Muitas vezes esta perda de identidade parte dos próprios membros deste grupo, geralmente envolvendo questões de sobrevivência e adaptação aos dias de hoje. Este estudo monográfico se constitui uma tentativa de resgatar a identidade cultural dos índios Kaingangs, tendo o etnodesign como ferramenta de criação de novos produtos. Desenvolveu-se, pois, um conjunto de jóias baseado no artesanato dos índios Kaingangs, mais especificamente na sua cestaria, visando contribuir para a valorização e o resgate cultural deste povo, mostrando possibilidades de criação de produtos interessantes baseados na cultura indígena.

Palavras-chave: etnodesign, índios Kaingangs, identidade cultural, conjunto de jóias. 4

INDIGENOUS CULTURE AS KAINGANG REFERENCING FOR THE CREATION OF JEWELRY

ABSTRACT

In view of the problems involving the culture of the Indians Kaingangs, from ancient times until today, covering prejudices related to the customs and values of their ethnic background, one sees that this people has been losing its cultural identity. Often this loss of identity from their own members of this group, often involving issues of survival and adaptation to today. This monographic study constitutes an attempt to rescue the cultural identity of Indians Kaingangs, taking etnodesign as a tool for creating new products. Developed, a set of jewelry based on Indian crafts Kaingangs, more specifically in its basket, to contribute to cultural appreciation and rescue these people, showing possibilities of creating interesting products based on indigenous culture.

Key-words: etnodesign, Indians Kaingangs, cultural identity, jewels. 5

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Metodologia da monografia ...... 16

Figura 02 – Colar inspirado na cultura indígena e africana ...... 21

Figura 03 – Pulseira e brincos texturizados da coleção Purãngaw, H. Stern ...... 21

Figura 04 – Cabana de palha do índio Kaingang ...... 24

Figura 05 – Casas construídas na aldeia Kaingang ...... 29

Figura 06 – Mapa das áreas habitadas pelos Kaingang ...... 32

Figura 07 – Atividades femininas Kaingang (recolher alimentos e lavar roupas) ..... 36

Figura 08 – Mulher Kaingang carregando o filho ...... 37

Figura 09 – Material de caça dos índios Kaingang ...... 40

Figura 10 – Tanga usada pelos homens Kaingangs ...... 46

Figura 11 – Pintura corporal Kaingang ...... 47

Figura 12 – Representação do ponto no espaço ...... 51

Figura 13 – Diferentes formas de pontos ...... 51

Figura 14 – Formato geral da linha ...... 52

Figura 15 – O corpo da linha ...... 52

Figura 16 – Extremidades da linha ...... 53

Figura 17 – Pontos formando uma linha ...... 53

Figura 18 – Formas planas ...... 54

Figura 19 – Formas positivas e negativas ...... 54 6

Figura 20 – Relação figura-fundo ...... 55

Figura 21 – Tipos de distribuição de cor em preto-e-branco ...... 56

Figura 22 – Contorno da forma ...... 56

Figura 23 – Distribuição de cor com utilização de quatro elementos ...... 57

Figura 24 – Inter-relação de formas circulares ...... 58

Figura 25 – Similaridade de unidades de forma ...... 60

Figura 26 – Rotação de plano de unidades de forma ...... 60

Figura 27 – Progressão de planos de unidades de forma ...... 61

Figura 28 – Rotação espacial de unidades de forma ...... 61

Figura 29 – Progressão espacial de unidades de forma ...... 61

Figura 30 – União ou subtração de unidades de forma ...... 62

Figura 31 – Tensão e compressão de unidades de forma ...... 62

Figura 32 – Anomalias em unidades de forma ...... 63

Figura 33 – Posicionamento de unidades de forma anômalas em um desenho ...... 64

Figura 34 – Divisão de unidades de forma regulares e anômalas ...... 64

Figura 35 – Rompimento de regularidades de unidades de forma ...... 65

Figura 36 – Visualização de forma com linhas ...... 65

Figura 37 – Visualização de forma com planos ...... 66

Figura 38 – Visualização de forma com linha e plano ...... 66

Figura 39 – Visualização de forma com pontos ...... 67

Figura 40 – Visualização de forma com textura ...... 67

Figura 41 – Forma figurativa ...... 68

Figura 42 – Forma natural ...... 68

Figura 43 – Forma feita pelo homem ...... 68

Figura 44 – Forma verbal ...... 69

Figura 45 – Forma abstrata ...... 69

Figura 46 – Cestaria “Kre Téi” e “Kre Ror” ...... 70 7

Figura 47 – Cesto Kaingang com formas alongadas ...... 71

Figura 48 – Cesto Kaingang com grafismos quadrangulares ...... 72

Figura 49 – Cesto Kaingang sem grafismo com alças laterais ...... 73

Figura 50 – Peneira fabricada por índios Kaingangs ...... 73

Figura 51 – Cesta Kaingang com formato retangular ...... 74

Figura 52 – Cesta Kaingang confeccionada com cipó ...... 75

Figura 53 – Cesto Kaingang feito com cipó sem acabamento ...... 75

Figura 54 – Exemplos de confecções Kaingangs com trançados ...... 76

Figura 55 – Tendências da joalheria baseada na natureza ...... 79

Figura 56 – Tendências da joalheria inspirada no estilo urbano ...... 80

Figura 57 – Tendências da joalheria na religiosidade e romantismo ...... 80

Figura 58 – Tendência da joalheria masculina ...... 81

Figura 59 – Tendência da joalheria nas gemas e pedras ...... 81

Figura 60 – Minérios de extração de prata ...... 82

Figura 61 – Anéis em prata 950 ...... 83

Figura 62 – Pepita de ouro amarelo ...... 84

Figura 63 – Anel de ouro amarelo 18 quilates ...... 85

Figura 64 – Anel de ouro branco 18 quilates ...... 86

Figura 65 – Minério de extração de titânio ...... 86

Figura 66 – Possíveis colorações do titânio ...... 87

Figura 67 – Jóias de ouro amarelo com detalhes em titânio ...... 88

Figura 68 – Pedra ametista ...... 89

Figura 69 – Pedras Citrino ...... 89

Figura 70 – Pedra ágata ...... 90

Figura 71 – Mocape do par de brincos ...... 98

Figura 72 – Mocape do anel ...... 99

Figura 73 – Mocape do pendente ...... 99 8

Figura 74 – Teste dos mocapes com relação ao conforto na usabilidade ...... 100

Figura 75 – Teste com relação à aparência das peças em conjunto ...... 101 9

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Porcentagem de votos da peça brinco ...... 95

Gráfico 02 – Porcentagem de votos da peça anel ...... 95

Gráfico 03 – Porcentagem de votos na peça pendente ...... 96 10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 12

1 ESTUDO DO ETNODESIGN E DA CULTURA KAINGANG ...... 18 1.1 Etnodesign ...... 18 1.1.1 Cultura Brasileira e Design ...... 18 1.1.2 Etnodesign Como Forma de Criação ...... 20 1.2 Cultura Indígena Kaingang ...... 22 1.2.1 Os Séculos XVI, XVII e XVIII ...... 23 1.2.2 O Século XIX ...... 24 1.2.3 O Século XX ...... 27 1.2.4 O Grupo Kaingang e o Ambiente em Que Vivem ...... 31 1.2.5 Características e Personalidades ...... 33 1.2.6 Diferenciação Social ...... 35 1.2.7 Identificação Pessoal e Matrimônio do Kaingang ...... 38 1.2.8 Aproveitamento dos Recursos Naturais, Vestuário e Adornos ...... 39 1.2.9 A Religiosidade Kaingang ...... 47

2 ANÁLISES DO ARTESANATO KAINGANG ...... 50 2.1 Análise Formal ...... 50 2.1.1 Forma Enquanto Ponto ...... 51 2.1.2 Forma Enquanto Linha ...... 52 2.1.3 Forma Enquanto Plano ...... 53 2.1.4 Formas Positivas e Negativas ...... 54 2.1.5 Forma e Distribuição de Cor ...... 55 2.1.6 As Inter-Relações das Formas ...... 57 2.1.7 Efeitos Espaciais em Inter-Relação de Formas ...... 58 2.1.8 Unidades de Forma ...... 59 2.1.9 Gradação de Unidades de Forma ...... 60 2.1.10 Anomalias entre Unidades de Forma ...... 62 2.1.11 A Visualização da Forma ...... 65 2.1.12 Tipos de Formas ...... 67 2.2 Análise da Cestaria Kaingang ...... 70

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3 CONJUNTO DE JÓIAS ...... 78 3.1 Preparação ...... 78 3.1.1 Análise das Tendências da Joalheria Atual ...... 78 3.1.2 Pesquisa de Materiais ...... 82 3.2 Elaboração ...... 91 3.2.1 Geração de Alternativas ...... 93 3.2.2 Seleção parcial ...... 95 3.2.3 Redesenho das Alternativas Selecionadas ...... 96 3.2.4 Seleção Final ...... 97 3.2.5 Desenvolvimento de um Mocape ...... 98 3.2.6 Testes dos Mocapes ...... 99 3.3 Finalização ...... 101 3.3.1 Desenho Operacional Ilustrativo ...... 102 3.3.2 Desenho Operacional Técnico Construtivo ...... 106

CONCLUSÃO ...... 110

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 112

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INTRODUÇÃO

O estudo monográfico aqui proposto baseou-se na cultura de uma determinada etnia indígena da região sul do nosso país, possibilitando o surgimento de idéias e o desenvolvimento criativo de conjunto de jóias. Como referencial teórico foi realizado um breve estudo da cultura dos povos indígenas brasileiros de uma forma geral, desde antes do descobrimento do Brasil até os dias atuais. O foco do trabalho foi direcionado e aprofundado para a cultura dos índios Kaingangs. As análises feitas a partir do referencial teórico abrangeram costumes, crenças e principalmente o artesanato (criação e uso dos produtos e instrumentos), embasando o estudo monográfico especificamente na forma, textura, material e cor. Outro fator importante para o desenvolvimento deste projeto foi a realização do estudo do etnodesign, mostrando o entendimento daquilo que é realizado e criado pelas diferentes culturas de diferentes povos, contribuindo para a criação dos produtos que fazem parte do nosso dia-a-dia. Através deste projeto procurou-se evidenciar a possibilidade de confeccionar jóias baseadas nas formas, cores e detalhes utilizados pelos indígenas em seus trabalhos, sendo uma maneira de valorização dos mesmos. O projeto em questão se refere à criação de um conjunto de jóias (par de brincos, anel e pendente) baseado na cultura dos índios Kaingangs, mais especificamente no seu artesanato. Com a criação este produto, o público direcionado foram mulheres de classe média alta, com idade entre 25 e 35 anos, bem como proprietários de joalherias e estabelecimentos do gênero. O objetivo principal deste projeto foi incentivar a valorização da cultura indígena Kaingang através do desenvolvimento de jóias. Já como objetivos 13

secundários, salientou-se a possibilidade de criar jóias a partir do artesanato indígena, bem como a interpretação deste artesanato na criação de jóias, representando criativamente o artesanato Kaingang como forma de valorizar e resgatar a identidade cultural indígena da nossa região apresentando uma nova vertente na confecção de jóias. Constatou-se, através da interpretação dos usos e costumes que integram a cultura indígena, a possibilidade de criar jóias como formas de valorizar e colaborar na continuidade da cultura destes povos. Em todas as épocas a jóia sempre foi objeto de consumo de todos os povos. Temos exemplo das maravilhosas jóias utilizadas pelos povos da Antiguidade, como o povo Hebreu (na Arca da Aliança), além dos Egípcios e demais povos. Na Idade Média as jóias de propriedades da realeza eram de um valor inestimável. Da mesma forma na Idade Moderna, os grandes reinos possuíam imensos valores em jóias. Hoje a jóia continua sendo cobiçada por todos, de modo especial pelo público feminino que busca sempre novidades num consumismo crescente. Levando em consideração o permanente fascínio das pessoas pela jóia, optou-se por inovar na criação das mesmas, inspirada na cultura indígena brasileira. Desse modo pretende-se divulgar e valorizar os usos e costumes desses povos através da apresentação de novos produtos, como forma de resgate de sua identidade. Dentre diferentes possibilidades de opções de estudos para a realização deste projeto, foi escolhida a cultura indígena por se tratar de povos da nossa região que, com sua forma de vida, criam e desenvolvem objetos utilizados para sua sobrevivência. Para esclarecer a situação vivida pelos povos nativos na atualidade foi introduzida a história dos povos indígenas brasileiros de uma forma geral e sintetizada, desde o descobrimento até os dias de hoje, possibilitando maior entendimento da situação destes povos. Em seguida, o estudo foi direcionando para a cultura dos índios Kaingangs, mostrando seus costumes, crenças, dando ênfase para seu artesanato como forma de resgatar os valores dos povos da nossa região. Considerando esta problemática cultural, percebe-se que atualmente os povos indígenas estão perdendo cada vez mais a sua identidade étnica. Este fato iniciou há mais de 500 anos com a chegada dos europeus à América. As tribos indígenas foram dizimadas, sendo reduzidas significativamente. Por isso o incentivo 14

e a valorização da cultura indígena são fatores importantes no resgate de sua identidade. Historiadores afirmam que antes da chegada dos europeus à América havia aproximadamente 100 milhões de índios no continente. Só em território brasileiro, esse número chegava a cinco milhões de nativos. Estes índios brasileiros estavam divididos em tribos, de acordo com a língua utilizada e caracterizando cada grupo, sendo eles os Tupi-guaranis (região do litoral), Macro-jê ou Tapuias (região do Planalto Central), Aruaques (Amazônia) e os Caraíbas (Amazônia). Atualmente, segundo dados obtidos pela FUNAI, calcula-se que apenas 400 mil índios ocupam o território brasileiro, principalmente em reservas indígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indígenas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem mais como antes da chegada dos europeus. O contato com o homem branco e as mudanças ocorridas a partir daí fizeram com que muitas tribos perdessem sua identidade cultural. Com relação às línguas faladas pelos índios no Brasil, a maioria parte do tronco lingüístico Tupi. Segundo Manuela Carneiro da Cunha (1998, pg. 22):

O termo tupi remete a grupos indígenas cuja linguagem pertence ao tronco lingüístico Tupi, tronco este que abrange diversas línguas das populações indígenas que ocupavam terras brasileiras. Alguns estudiosos lingüísticos a cerca das línguas Tupi descobriram que existia certa homogeneidade quanto à fala da língua no litoral brasileiro, falando da área que atualmente corresponde ao estado do Rio Grande do Norte como território de dialeto Potiguar. Podemos dividir o estudo da língua Tupi em três categorias: o Tupi propriamente dito ou Tupi antigo, o Tupi colonial, denominado língua geral, e as múltiplas línguas tupis vivamente exercidas pelos índios brasileiros pertencentes à grande família Tupi-Guarani.

Na época do descobrimento do Brasil os índios viviam da caça, da pesca, da agricultura rudimentar e domesticavam pequenos animais. As tribos indígenas tinham uma relação social baseada em regras políticas e religiosas. O contato com outras tribos acontecia nas guerras, casamentos, enterros e em alianças contra um inimigo comum. Os índios faziam objetos retirando a matéria prima da natureza. Os primeiros contatos com os portugueses foram de estranheza e de certa admiração e respeito, em razão de suas culturas tão diferentes. 15

As principais etnias indígenas brasileiras na atualidade são: , Guarani, Kaingang, Macuxi, Terena, Aguajajara, , Ianomâmi, Patachó e , de acordo com dados fornecidos pela FUNAI. O foco deste estudo se direciona para a cultura Kaingang, que é um povo pertencente à família lingüística Jê. Esta cultura desenvolveu-se à sombra dos pinheirais, ocupando a região do atual território brasileiro entre o Rio Tietê (SP) e o Rio Ijuí (norte do RS). Os Kaingangs correspondem a quase 50% da população dos povos de língua Jê, sendo um dos cinco povos indígenas mais populosos do Brasil. Com relação à economia Kaingang, segundo Maybury-Lewis (1990, pg. 93) em sua obra O Selvagem e o Inocente, “a agricultura Kaingang constituia-se do cultivo do milho, feijão, moranga, tendo a pesca como a terceira mais importante contribuição à alimentação de seu povo”. Entre os muitos objetos fabricados pelos Kaingangs estão os artefatos de caça, guerra, coleta e agricultura (arco e flecha, lança, bastões envoltos em trançado decorados com gravação a fogo). A produção de cestaria (utilizada para guardar e transportar produtos) é arte presente na cultura destas tribos, bem como a prática da tecelagem. Embasada na arte deste povo as análises foram aprofundadas servindo como ferramentas fundamentais para o desenvolvimento deste projeto. A metodologia utilizada para a realização deste estudo monográfico, bem como o projeto, foi desenvolvida a partir das necessidades de conhecimento auxiliando no rendimento e organização das fases e etapas. A sua estrutura se divide em três grandes fases, como mostra a figura 01. 16

Figura 01 – Metodologia da monografia Fonte – Criação própria

Como primeira grande fase foi realizado um estudo mostrando a realidade dos índios no Brasil, desde antigamente até os dias atuais. O estudo do etnodesign surge com uma forma de resgatar os processos e o entendimento daquilo que é produzido por etnias que contribuíram através de seu meio de produção para a formação do universo simbólico dos materiais e produtos que fazem parte do cotidiano. O estudo do etnodesign foi focado nas jóias. Em seguida esta pesquisa foi direcionada e aprofundada na cultura da etnia indígena Kaingang, mostrando seus costumes, religião, rituais, cerimônias, alimentação e principalmente o artesanato de seu povo. Como segunda grande fase apresenta-se o artesanato Kaingang, cuja análise envolveu formas, texturas, cores, materiais, bem como o modo que é produzido. A realização da análise formal permitiu estabelecer de que maneira seria analisado o 17

artesanato indígena. Em seguida foi detalhada a sua cestaria, seu trançado e grafismos, servindo como base para a criação do projeto. Para o desenvolvimento do conjunto de jóias, primeiramente foi desenvolvida a fase de preparação para a criação do produto, onde foi realizada a análise das tendências da joalheria atual, ampliando o conhecimento sobre as novidades dos produtos, envolvendo formas, tamanhos, materiais, percebendo o que está se usando nos dias de hoje, uma vez que a tendência muda a cada ano. Também foi feita uma pesquisa dos possíveis materiais a serem utilizados no desenvolvimento deste projeto, tendo como prioridade facilidade de obtenção, custo e características físicas. Na fase de elaboração realizou-se a geração de alternativas através de desenhos manuais de rafis/esboços, criando possíveis formas para o produto a ser projetado. Depois de criadas as alternativas, foram selecionadas as mais interessantes através de votação, envolvendo o público pré-determinado. As alternativas selecionadas foram redesenhadas, sofrendo pequenas modificações, dando os devidos acabamentos e melhoramentos. Em seguida realizou-se a seleção final dentre as formas redesenhadas, destacando aquela que melhor se encaixa no projeto. Por se tratar de um conjunto de jóias foi selecionada uma forma para os brincos, outra para o anel e outra para o pendente. Esta seleção final foi feita individualmente. Após terem sido selecionadas as formas finais do produto, foram construídos modelos reais de baixa fidelidade utilizando materiais diferentes, porém, semelhantes aos reais. Através destes modelos fizeram-se os devidos testes em relação à forma, resistência, conforto para somente depois de aprovado partir para a fase de finalização do produto. A fase de finalização envolveu primeiramente o desenho operacional ilustrativo, realizado manualmente visando à melhor representação do produto finalizado. O desenho está em perspectiva, colorido, dando o maior grau de realidade possível. A última etapa do projeto foi o desenho técnico/construtivo, representando o produto final em 2D, construído também manualmente, mostrando suas vistas frontal, lateral e superior, informando todos os dados detalhadamente para facilitar na construção do mesmo. 18

1 ESTUDO DO ETNODESIGN E DA CULTURA KAINGANG

Neste primeiro capítulo pode-se inicialmente entender o significado do termo etnodesign, seu surgimento e preocupação, como intenção de auxiliar, de forma positiva, no estudo realizado. Surge como forma de resgatar os processos, a tecnologia e o entendimento daquilo que é produzido por etnias contribuindo para a formação do universo simbólico de materiais e produtos que fazem parte do cotidiano. No presente estudo, retrata a cultura do povo indígena Kaingang, desde os tempos antigos em suas primeiras formações até os dias atuais. O Etnodesign é importante para o entendimento da Cultura indígena e suas transformações, auxiliando como forma de ferramenta projetual na criação de jóias, tendo como referência a contextualização histórica da cultura deste povo.

1.1 Etnodesign

No Brasil o etnodesign propõe novas e infinitas possibilidades para pesquisas em design, sempre em relação à arte ou à cultura material das etnias que habitavam originalmente o país, assim como daquelas que aqui se estabeleceram. O etnodesign abre espaço para pesquisas a serem apresentadas em congressos e publicações, entre outras atividades de estudo.

1.1.1 Cultura Brasileira e Design

O Brasil, por suas grandes dimensões territoriais, tem como conseqüência uma ampla diversidade étnica e dinamismo cultural, se caracterizando como o país cuja identidade é resultado da construção das várias identidades étnicas. 19

As diferentes etnias que chegaram ao Brasil foram aos poucos se adaptando ao novo meio, ao mesmo tempo em que também o influenciavam com sua cultura de origem, resultando, desse modo, a cultura brasileira. Isso se reflete em todos os aspectos a começar pelos artefatos de uso doméstico. Nota-se que os mesmos têm profunda relação com as etnias das quais se originaram e muitas vezes servem de objetos de decoração. Podemos citar como exemplo de artefato utilitário o cesto para colocar roupas, objeto de origem indígena que se adaptou ao modo de vida urbano e que hoje é produzido em diferentes materiais e até mesmo no seu material de origem, a taquara. Muitas vezes modifica-se o uso para o qual aquele artefato foi projetado, conferindo ao objeto uma nova função (NOGUEIRA, 2007). Alguns desses utensílios são considerados apenas objetos decorativos por falta de informação sobre a riqueza de sua linguagem, sua importância nos ritos da etnia que lhe deu origem, bem como o seu significado. Contudo não perdem suas características construtivas e visuais. O design deve contribuir justamente para a reflexão sobre as formas com que tais objetos se apresentam, sobre a maneira como se constroem, sobre os recursos tecnológicos utilizados, sobre sua linguagem não verbal, permitindo interpretar as narrativas visuais integradas aos objetos. Entende-se aqui o termo design como “desígnio”, ou seja, correspondência com a ação e com a intenção de se fazer algo. Assim, o design se constitui em uma importante ferramenta para o resgate de memória de um povo. O termo design é definido por Vilém Flusser (1999, pg. 27):

Em inglês, a palavra design é substantivo e também verbo (ambos dizem muito a respeito da natureza da língua inglesa). Como substantivo, significa – entre outras coisas – propósito, plano, intenção, objetivo, esquema, enredo, motivo, estrutura básica, todos esses (e outros significados) estão ligados a esperteza e ilusão. Como verbo (to design: projetar), significa inventar alguma coisa, simular, desenhar, dar forma, ter desenhos em alguma coisa. A palavra deriva do latim signum , significando sinal e dividem a mesma raiz antiga. Assim, etimologicamente, design significa “design” (de- sinal). Assim surge a questão: como a palavra design veio vindo através do mundo para completar seu significado até a presente data? Esta não é uma questão histórica, não necessita que se envie alguém para examinar textos e constatar quando e onde a palavra se estabeleceu com o atual significado. É sim, uma questão semântica, e necessita fazer alguém considerar precisamente porque a palavra tem tal significado ligado ao discurso contemporâneo sobre cultura.

É possível perceber que a origem do emprego atual da palavra design está na língua inglesa e se refere tanto à idéia de plano e de intenção quanto à idéia de 20

configuração e estrutura, trazendo desde suas origens uma ambigüidade entre o aspecto abstrato de conceber e projetar e o aspecto concreto de registrar e formar (DENIS, 2000). Alargando o emprego do conceito, Victor Papanek (1995, pg. 27), renomado designer e educador austríaco, sustenta que:

Todos os homens são designers. Tudo que fazemos, quase todo o tempo, é design. O design é básico em todas as atividades humanas. Planejar e programar qualquer ato visando um fim específico, desejado e previsto, isto constitui o processo de design [...] design é compor um poema étnico, executar um mural, pintar uma obra de arte, escrever um concerto. Mas design é também limpar e organizar uma escrivaninha, arrancar um dente quebrado, fazer uma torta de maçã, escolher os lados de um campo de futebol e educar uma criança.

O design, portanto, possibilita considerar como produtos seus os artefatos executados por pessoas de culturas não determinadas pela industrialização, mesmo que tais pessoas nunca tenham ouvido falar no termo. Basta que esses objetos exerçam uma função social, que comuniquem idéias e impressões, que sejam frutos de um processo intelectual e um trabalho manual. Nesse sentido, o design executado por grupos étnicos poderia receber a designação de “etnodesign”.

1.1.2 Etnodesign Como Forma de Criação

Inspirado na forma e na função de diferentes produtos já existentes em outras etnias, pelo etnodesign surgem novos produtos, como por exemplo, a “Cadeira Tripé” criada na década de 40 por Lina Bobardi, baseada na rede de dormir indígena. No Brasil, o etnodesign envolve, não apenas a cultura indígena, mas também os costumes e as histórias do caipira, caiçara, do negro, do sertanejo e das demais etnias que formam a cultura brasileira (NOGUEIRA, 2007). Outro exemplo da influência do etnodesign é a peça criada pela designer Heliana Lages de Belo Horizonte, a qual desenvolveu um colar baseado na cultura indígena e africana, sendo bastante utilizado em figurinos de novelas da Rede Globo. Esse utensílio dispõe de plumagens negras e do uso discreto de couro, servindo como suporte para as pedras brasileiras. Os cristais são de cores típicas africana, todos lapidados e polidos, bem como a cor das plumas utilizadas pela influência indígena brasileira como os cocares dos pajés, com a intenção de transmitir a idéia de poder transformado em glamour, como mostra a figura 02. 21

Figura 02 – Colar inspirado na cultura indígena e africana Fonte Site: www.helianalages.com.br/index2.htm

Temos também a coleção de jóias lançada pela empresa H. Stern, no ano de 2004, a qual foi inspirada na arte indígena como grafismos encontrados na plumária, cestaria, pintura corporal e na cerâmica dos índios das diferentes tribos brasileiras. Esta coleção recebeu o nome de “Purãngaw”, que em tupi-guarani significa “beleza”. A empresa desenvolveu 57 peças dentre pulseiras, colares, anéis e brincos, todas trançadas em um processo artesanal e exclusivo, utilizando diversos tipos de ouro e pedras brasileiras como berilos, citrinos e safiras. Como afirma Cristian Hallot, embaixador da loja H. Stern no Brasil: “Usamos pedras brasileiras porque apostamos no sucesso do que é nosso”. Peças desta coleção estão representadas na figura 03.

Figura 03 – Pulseira e brincos texturizados da coleção Purãngaw, H. Stern Fonte Site: www.adorojoias.com.br/tribalismo-glam

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Através destas colocações percebe-se a importância do etnodesign na criação de novos produtos, sendo meio de resgate da memória e da identidade das diversas etnias que compõem a cultura brasileira, bem como a cultura universal. O etnodesign possibilita o alargamento de espaços para novos estudos, novas pesquisas e ampliação no campo de desenvolvimento de diferentes linhas de produtos tanto utilitários quanto decorativos, fazendo com que o Brasil deixe de olhar apenas para os países industrializados, destacando o simbolismo e a tecnologia a serem descobertos e explorados na nossa região. O ser humano, por sua própria natureza criativa e inovadora, é considerado designer, pois mesmo sem conhecer o termo design, constantemente está inovando seu modo de viver através de atividades variadas como pintura, desenhos, artesanatos, arranjos florais, decorações da sua própria casa e desta forma, comunicando seu modo de ser, exercendo uma função social na família, no seu grupo e na sociedade.

1.2 Cultura Indígena Kaingang

A história decorrente, envolvendo as modificações com relação ao grupo Kaingang, concretizou-se em três épocas distintas sendo elas os séculos XVI, XVII e XVIII. Este foi reconhecido como o período mais antigo, ou seja, a época em que o grupo vivia em um estado de isolamento, iniciando contato com o bandeirante português. Desta forma, neste grupo não se estabeleceu a influência jesuítica. O século XIX é colocado como período de intermédio, servindo como transição relacionada aos ensinamentos, dando início à ação missionária especificamente de catequese nos grupos e aldeias presentes. A partir daí nota-se um maior contato com o branco, envolvido na forma de assistência atuando em relação ao processo de colonização que se instalava no Rio Grande do Sul (RIBEIRO, 1970). O século XX é conhecido como o século do Kaingang contemporâneo e aculturado, ou seja, influenciado pela cultura e ensinamentos dos brancos, relacionados ao século anterior, mas sem muita assimilação, mantendo ainda suas características próprias. Em conseqüência da grande escassez de dados com relação ao primeiro período histórico do grupo Kaingang, se tentou realizar uma reconstituição sintética 23

do seu passado cultural, abordando a transformação de sua cultura influenciada pelos diferentes elementos e costumes do povo branco.

1.2.1 Os Séculos XVI, XVII e XVIII

No período do século XVI os Guaianás, índios que deram origem aos chamados Kaingangs localizavam-se na região entre Angra dos Reis e Cananéia (que correspondem as proximidades da costa de São Paulo). Eram descritos como índios que se contentavam com a simplicidade, não maliciosos nem falsos, vivendo da caça, da pesca e frutos silvestres. Não utilizavam da prática de canibalismo, sendo assim, não matavam os que eram mantidos em cativeiro e sim os escravizavam. Nesta escravidão não exigiam trabalho pesado, uma vez que eles mesmos desconheciam. Estes nativos nunca abandonavam seus territórios para guerrear outras tribos e nem as procuravam em suas aldeias, pois não tinham conhecimento para combater no mato, mas sim em lugares abertos onde moravam. Este grupo não vivia em cabanas, mas em cavernas do campo nas quais mantinham fogo dia e noite, dormindo no chão ou, algumas vezes, sobre peles. Ao encontrarem com o povo branco, não os hostilizavam, mas faziam-lhes companhia. Os Guaianás se estendiam a várias tribos de índios que tinham relações entre si e cujo gênio, costumes e língua se diferenciavam do Guarani (TESCHAUER, 1929). Os Kaingangs também eram chamados pelo apelido de coroados pelo fato de terem como características o corte de cabelo de maneira que formava uma coroa. Segundo Simão de Vasconcellos, em uma de suas crônicas observa que, obrigado pelos portugueses, os nativos se retiraram para o sul do país, encontrando- se, pouco antes de meados do século XVII, na região superior do Rio Uruguai, ao norte do estado do Rio Grande do Sul, onde houve um grande número de mortes no seu povo decorrente de uma epidemia. Um século mais tarde (XVIII), os Guaianás são identificados pelo historiador Lozano. Segundo este, sua alimentação baseava-se na caça e na pesca, não permanecendo mais de dois anos no mesmo território. Dividiam-se em pequenos grupos separados por grandes distâncias para que dessa forma facilitassem a prática da pesca e da caça. Os Kaingang dos séculos XVII e XVIII, que ainda vivem no sul do Brasil, têm nos Guaianás os seus ancestrais diretos. De acordo com mapas atuais e 24

informações de outras épocas, temos que os Guaianás ocupavam uma área florestada do Alto Rio Uruguai, tendo como limite para oeste o Rio Piratini, para leste as nascentes do Rio Uruguai (Rio Pelotas) e para o sul a Bacia do Caí (SERRANO, 1936). Viviam em pequenos grupos organizados em aldeias, tendo cada uma cerca de 20 a 25 famílias. Cada grupo tinha seu chefe, mas todas as aldeias estavam subordinadas a um cacique que liderava as quinhentas famílias nas margens do Levi. Construíam suas casas partindo de um tronco de árvore cuja ponta descia quatro paus em forma de cruz. Para as outras divisões que era feitas levantavam-se folhas de palmeiras e fixavam as mesmas na armação de pau (SERRANO, 1936). Um exemplo destas casas esta ilustrado na figura 04.

Figura 04 – Cabana de palha do índio Kaingang Fonte – BECKER, 1995, pg. 169.

1.2.2 O Século XIX

No período do século XIX considerado como a época de transição dos Kaingangs, aconteceram duas grandes mudanças no território e na organização do grupo. Primeiramente se deu a colonização alemã e italiana a partir de 1824 e 1875, respectivamente, sendo a segunda grande mudança, os ensinamentos da catequese, instalada entre eles pelos jesuítas por volta de 1848. Estes dois fatos exerceram uma grande influência sobre o grupo indígena em questão, pressionando-os em seu território, fazendo com que desencadeassem reações hostis e violentas, sendo a única forma que conheciam para sua auto 25

defesa. Deste modo, esta transformação nos padrões sócio-cultural afetou estes indígenas a ponto de levá-los à quase desintegração de seu povo. Os denominados Kaingangs do século XIX são encontrados na mesma área em que viviam os Guaianás nos séculos XVII e XVIII, sendo estes conhecidos como seus ancestrais. A denominação direta dos Kaingangs do Rio Grande do Sul de antigos Guaianás da mesma região fica em dúvida, pois, segundo os próprios Kaingangs eles teriam vindo de São Paulo e migrado recentemente para o estado do sul (TESCHAUER, 1929). A real comprovação de seu movimento migratório se dá através dos seguintes termos descritos por João Cezimbra Jacques: “quando há mais de cem anos passaram os índios Kaingangs ou Coroados, o Rio Uruguai, para a Terra Sul-Rio- Grandense, era um dos seus grandes capitães o notável cacique Nonoai” (1912 in 1957, VIII pg. 65). Neste século, estes índios viviam em pequenos grupos formados por família entrelaçadas e parentes próximos, seus alojamentos e cabanas eram de chão de terra batido coberto com folhas de palmeira com diferentes tamanhos, de acordo com o número de ocupantes. O seu ambiente natural eram as matas situadas nos lugares mais altos do planalto Rio Grandense junto de pinheirais, podendo assim, dominar com a vista seus alojamentos (MABILDE, 1897). A economia do grupo era baseada na colheita, especialmente de pinhões e na caça que lhe era garantida, respeitando o limite de caça de cada grupo. A sua alimentação envolvia carne de caça e peixe, mel, frutos silvestres, abóbora e milho. A única bebida alcoólica era a “chicha”, fabricada pelos próprios índios. Com relação ao trabalho, este era dividido por sexo (MABILDE, 1897). O grupo tinha o costume de andar nu, até o contato com o povo jesuíta, passando então a usar um tipo de vestimenta de fibra de caraguatá fabricado pelas mulheres da aldeia nas suas horas de lazer, sendo que para os homens usavam apenas uma tanga feita com fibra vegetal. (TESCHAUER, 1929). Cerca de quarenta anos mais tarde, os índios mudaram o modo como se vestiam. Com a influência do povo branco começaram a usar vestidos e roupas como a gente civilizada. Mas isso teve conseqüências negativas causando doenças, entre elas dores reumáticas e epidemia de varíola, em função das vestimentas (SERRANO, 1957). 26

Deste modo, os nativos passaram a despir-se sempre que podiam, cobrindo- se somente na presença dos brancos, que deveriam esperar do lado de fora das cabanas até que todos estivessem devidamente cobertos. O convívio com os brancos resultou também no conhecimento e uso do ferro e do aço, obtido por troca ou furto nos assaltos aos colonizadores durante grande parte do século XIX. Apesar de terem contato com o ferro, por volta de 1850 a 1853, ainda assim preferiam seus instrumentos com pedras e madeiras, mostrando neste caso uma acentuada forma de conservadorismo. A ação dos missionários tinha como objetivo agir como um poder moderador na luta entre índios e brancos, mas em outros casos causava revoltas na tentativa de impor novos valores relacionados à religião como, por exemplo, a posição contra a poligamia bastante praticada pelo cacique da tribo. Os colonizadores, por sua vez, acabam empurrando os índios de seu território e conseqüentemente reduzindo o espaço onde vivem, em função de toda a modificação ocasionada por esta nova situação. A ação colonizadora na tentativa de tirar os índios Kaingangs do mato resultou em aldeamentos de Nonoai, no Alto Rio Uruguai, Campo do Meio e Colônia Militar, no Mato Português. Apesar dos aldeamentos, muitos índios optaram por não ficar nas aldeias levando uma vida completamente selvagem nas bacias do Rio Taquari e Caí, diferenciando-se de seus irmãos denominados mansos (HENSEL, 1928). Por sua vez os nativos dificultavam a colonização das terras de uma forma hostil, pela ação repressiva e contrária a elas. Segundo Schaden (1963, pg. 69):

Uns e outros dificultavam os trabalhos de colonização, assaltando as moradas dos lavradores para obter utensílios de ferro e peças de vestuário. Aldeados na proximidade das novas colônias e do posto militar de Caseros, os Kaingangs tinham facilidade de obter estes objetos, mas havia sempre entre eles alguns indivíduos que preferiam recorrer à violência e ao roubo. Estes Kaingang eram chefiados pelo Cacique Doble, personalidade excepcional, que, sem renunciar aos seus tradicionais modos de vida, tratou de tirar para os seus homens todas as vantagens que, em sua opinião, lhes pudessem advir do contato com o mundo civilizado.

Por ser considerada uma personalidade sábia, o Cacique Doble, líder dos Kaingangs aldeados, reuniu um grupo de índios conhecedores dos modos de ação e reação de seu grupo e juntos prestaram auxílio eficiente e necessário à ação punitiva contra os seus irmãos descontentes e inconformados com a ação colonizadora. 27

O gosto pelas armas e pelos utensílios dos brancos era outro resultado desse contato com as diferentes culturas. Apesar de que, por volta do século XIX, permaneçam ainda com o uso de armas tipicamente indígenas, começa a ter uma maior aceitação ao metal e utensílios de metal, para a fabricação de seus instrumentos de caça (HENSEL, 1928). Quando o utensílio era de seu agrado ou cobiçado, a sua valorização era muito alta ao ponto de ceder sua mulher como empréstimo, ao branco que possui o valioso objeto (SERRANO, 1957).

1.2.3 O Século XX

A situação do Kaingang do século XX segue semelhante a mesma que a dos dois períodos anteriores, tendo como o principal problema a colonização da área indígena. Neste período iniciou-se o trabalho desenvolvido pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). O SPI foi um órgão de administração federal, criado pelo Decreto nº 8072, de 20 de julho de 1910 e inaugurado em 07 de setembro do mesmo ano. Atualmente o cuidado dos postos indígenas está sobre a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), instituída pela lei nº 5371, de 05 de dezembro de 1967, que uniu resultando em uma fusão dos antigos órgãos de Serviço de Proteção aos Índios (SPI), Conselho Nacional de Pesquisa Indígena (CNPI) e Parque Nacional do Xingu (RIBEIRO, 1970). O Kaingang do presente século teve o seu número populacional reduzido consideravelmente, tentando dar continuidade à sua sobrevivência como um grupo conservador a vários dos seus antigos traços culturais. No ano de 1953 a população Kaingang do Rio Grande do Sul era representada por 3.671 indivíduos os quais estavam distribuídos por 10 postos de ocupação. Estes postos estavam localizados na margem esquerda do Rio Uruguai, aproximadamente entre o atual distrito de Machadinho (antigo distrito de Lagoa Vermelha sobre o Rio Inhandava) até o município de Três Passos (Revista de Erexim, 1957). A proteção dos índios é responsabilidade do Governo Federal o qual apresenta atenção e cuidados com relação à grande reserva indígena que encontra- se no município de Tenente Portela. Mas no Rio Grande do Sul desenvolveram-se 28

mais outras cinco reservas que, por motivos financeiros, até hoje ainda não puderam ser assumidas pelo Governo Federal, mobilizando o Governo do Estado para responsabilizar-se por estas reservas, já que a terra, na qual se encontram é propriedade do estado (FISCHER, 1959). Sobre as características dos atuais Kaingangs, sabe-se que não seriam ciumentos com relação as suas mulheres. Em função do trabalho da catequese, teriam tornado-se bastante humildes, obedientes e dóceis, sabendo também ser cruéis quando provocados, revidando vingativamente pelos antigos hábitos tribais. Segundo Fischer (1959, pg. 12):

Em contato com a civilização, principalmente em relação com os brancos, eram cuidadosos e reservados, mantendo sua dignidade pessoal, conservando seu idioma nativo junto com o português mal falado, e cultuando a memória de seus antepassados.

Apesar da grande influência das outras culturas, a preferência matrimonial deste povo nativo permanecia sobre indivíduos da mesma etnia, ou seja, homem Kaingang casa com mulher Kaingang e de preferência com nascidos no mesmo posto ou reserva (SALZANO, 1960). A vida familiar no grupo se desenvolvia em aldeias de tamanhos regulares, onde as famílias viviam de um modo sedentário, o qual aderiram no final do século XIX. Rambo (1947, pg. 82):

Suas casas são cada vez mais substituídas por simples ranchos de madeira feitos de tábuas fornecidas pelos postos, cobertas de palha ou de lascão também de pinho conforme outros. Não tem divisões internas e o fogo é aceso no chão, onde, ao redor do mesmo passam grande parte do tempo e aí mesmo dormem, conservando um hábito do passado. Influenciados pelo posto, alguns aldeados aderiram ao uso de beliches ou redes de fibra para dormir.

Segundo dados da FUNAI, no ano de 1972 as casas colocadas pela própria fundação sofreram algumas modificações relacionadas às que os índios costumavam ter, mostrando mais uma vez a transformação cultural sofrida pelos indígenas através da influência dos brancos. As moradas são feitas de madeira retirada da própria reserva e cortadas pela serraria dos postos. São construídas de acordo com a aprovação das famílias, sendo cobertas com telhas e tendo uma divisão interna de 3 a 4 peças. Não eram montadas diretamente no chão, mas 29

recebiam assoalhos de madeira. As casas eram próximas umas das outras e formavam aldeias conforme mostra figura 05.

Figura 05 – Casas construídas na aldeia Kaingang Fonte – BECKER, 1995, pg. 167.

Apesar das famílias indígenas estarem sob a responsabilidade do Governo Estadual ou Federal e FUNAI, mesmo assim prestam obediência máxima ao cacique, costumes que trazem de seus antepassados, sendo ele muitas vezes o maior colaborador da administração civil do próprio posto. Desta forma, o poder de governar dentro da tribo é exercido pelo cacique e praticamente de modo irrestrito. Só em alguns casos, que por sua vez são muito raros, há reuniões da tribo, mas geralmente é o cacique, em virtude de sua autoridade, que impõem sua vontade (FISCHER, 1959). No presente século, os casos de furto são raros e só ocorrem de forma a saciar estrema necessidade. Segundo Gonçalves (1910 in 1957, VIII pg. 73):

A acusação freqüentemente feita aos índios como sendo dados ao furto não é verdadeira. Além de que eles não têm da propriedade a mesma noção dos ocidentais, em regra, eles furtam somente pequenas coisas nos casos de grande necessidade.

A economia do grupo estava baseada parcialmente na coleta, na caça, na pesca e na agricultura simples e principiante, os quais foram se desenvolvendo com a ajuda do posto. O cultivo passou a ser mais diversificado, plantando milho, feijão, batata doce e também na criação de algumas galinhas. Entretanto não tinham o 30

costume de armazenagem dos produtos cultivados, do mesmo modo como antigamente, consumiam suas colheitas à medida que as mesmas amadureciam, sem guardarem nada para os meses de maior necessidade, retirando da roça somente o que é necessário para o consumo cotidiano (FISCHER, 1959). Referente à caça, ainda faziam o uso do arco e flecha, mas a carne da caça era feita em fornos. Para auxiliar nesta atividade contavam coma a ajuda de cães adestrados, especialmente se tratando da caça em grupo. Quanto à pesca, um dos alimentos mais importantes para o grupo, ainda eram muito atrasados, pois caçavam o peixe com flechas e dardos. Este costume mudou a partir da metade do presente século, passando a pescar de uma forma mais fácil e eficaz (MÉTRAUX, 1963). Devido ao contato constante com o povo branco instalados nos séculos anteriores, muitos valores antigos foram deixados para trás e caíram totalmente em desuso, embora alguns permaneçam com algumas modificações. Dos hábitos artesanais, pode-se dizer que ficaram reduzidos à confecção de chapéus de palha e cestos de taquara que são utilizados como elementos comerciais, trocando com o branco por bebidas, fumo, erva-mate, fazendas ou roupas. Outro hábito que resultou deste contato entre as diferentes etnias foi o uso do vestuário à moda ocidental. Apesar de suas vestimentas serem, muitas vezes, bastante esfarrapadas, as mulheres passaram a usar roupas não mais utilizadas pelos brancos por serem já ultrapassadas como, por exemplo, os babadouros, principalmente com cores vivas. Alem do vestuário, as mulheres gostavam de pintar os seus rostos e usar bijuterias. Devido às atividades de catequese, realizadas com os nativos, as suas idéias religiosas foram alteradas de forma forçada tornando difícil caracterizar o Kaingang moderno como ligado à sua própria religião. O povo indígena está integrado no cristianismo. Quanto ao tratamento dos mortos, os Kaingang enterravam seus mortos com os joelhos dobrados num cerimonial seguido de um longo período de luto. Hoje o enterro é realizado à moda civilizada, colocando-se sobre a sepultura uma cruz, tendo a sepultura a forma de um monte de terra e pedras como nos séculos anteriores (RAMBO, 1947). 31

Observam-se dois feriados religiosos que são comemorados nos grupos indígenas, a Sexta-Feira Santa e o Dia de Finados. Estas datas são comemoradas com um cerimonial religioso e uma festa típica de seu povo, festa considerada profana, pois não segue ou respeita a tradição dos povos civilizados. A crença dos índios Kaingang parece continuar fortemente apoiada no passado, onde o velho Xamã Kaingang continua como mediador entre os espíritos que consulta e o homem que ao velho recorre, tanto para respostas envolvendo o lado pessoal como para fatos referentes à situação do grupo. O Xamã é conhecido por ter a função de médico da tribo. Acrescenta-se ainda, aos resultados desta mistura entre culturas de índios e brancos, o hábito da música presente em suas festas, não se restringindo somente aos velhos instrumentos indígenas, sendo que outros instrumentos mais modernos foram adotados, como a gaita de boca, de fole e até mesmo o rádio. Podemos ressaltar também como elementos de lazer o jogo de cartas, de bola e o acentuado consumo de cachaça (FISCHER, 1959).

1.2.4 O Grupo Kaingang e o Ambiente em Que Vivem

Os nativos Kaingang estão concentrados na região dos estados do sul do país e em áreas envolvendo o planalto de São Paulo e parte de Missiones Argentinas. No presente estudo, iremos tratar somente de informações sobre os índios da região sul, sendo esta a principal intenção do mesmo. A região sul é formada pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ou seja, ocupam a área do Planalto Meridional do Brasil, como está representada na figura 06. 32

Figura 06 – Mapa das áreas habitadas pelos Kaingang Fonte – BECKER, 1995, pg.31.

Considerando as regiões geográficas do Rio Grande do Sul, as áreas habitadas pelos Kaingangs abrangem o Litoral Norte, Campos de Cima da Serra, Encosta Superior e inferior do Nordeste, Planalto Médio, Alto Uruguai, Missões e Depressão Central, ocupando sempre as áreas mais altas. Segundo Fortes (1959, pg. 254 – 257):

No Rio Grande do Sul a hidrografia é representada por rios de regime pluvial e esta distribuída por duas grandes bacias, a Bacia do Rio Uruguai e a Bacia do Sudeste. Conta também com grande número de lagoas e lagunas; destacam-se as lagoas dos Patos e Mirim ligadas ao oceano.

A região sul localiza-se, quase totalmente, abaixo do Trópico de Capricórnio. Fatores como relevo de planaltos elevados e os fortes ventos do oeste, fazem com que esta região seja classificada como tendo um clima subtropical, sendo assim, sua temperatura é mais baixa do que na faixa litorânea que, por sua vez, tem clima mais quente permitindo o desenvolvimento da flora e agricultura tropicais (MAGNANINI, 1959). As matas que antigamente abrangiam quase toda a região sul, chegando a alcançar parte do norte do Rio Grande do Sul, podem ser divididas em dois grandes 33

tipos: a mata de araucária (pinheiro-do-paraná) e das latifoliadas, sendo esta composta por vegetação de folhas largas. A mata de araucária é a que mais se distingue na vegetação do sul do Brasil, estendendo-se do norte do Rio Grande do Sul até o Paraná e aparece recobrindo uma grande área desta região. Seu surgimento esta determinado a condições de clima, relacionados com relevo e altitude. Por ser uma mata predominante a áreas de clima mesotérmico, ou seja, verões frescos, a araucária evita os vales dos grandes rios escolhendo as áreas de planalto como seu habitat. Deste modo, no Rio Grande do Sul a araucária é encontrada a partir das altitudes de 300 a 400 metros. Com relação à mata latifoliada, ocupa grande área dentro da região sul, a qual recobre até os dias de hoje. Em muitas áreas ela aparece intercalada com a mata de araucária, ocupando os solos mais férteis bem como os vales, preenchendo as partes que não favorecem ao crescimento e desenvolvimento da araucária (ROMARIZ, 1959). Neste ambiente, as regiões mais elevadas eram dominadas pelos Kaingang, tendo como suas preferências as extensões do planalto, onde o clima é relativamente frio e o que predomina é a mata de araucária, irrigada por numerosos córregos de água, proporcionando assim recursos vegetais e animais satisfatórios.

1.2.5 Características e Personalidades

As diferentes formas da personalidade e característica dos Kaingang podem ser observadas em diferentes aspectos. Tendo em vista os diferentes fatos responsáveis pela transformação dos grupos indígenas, pode-se concluir que os Kaingangs são indivíduos bons por natureza, mas sujeitos a atitudes contrárias dependendo da situação em que são colocados, tanto dentro de seu próprio grupo como com relação aos brancos. Segundo Gay (1863, pg. 54 e 59):

Poderíamos, em síntese, caracterizar o Kaingang dos séculos XVII e XVIII como sendo um índio de natural dócil, pacífico por natureza, e dado ao trabalho, contrapondo-se aos bugres caracterizados como bárbaros e numerosos.

Já no século XIX, teríamos dois modos diferentes de nos referirmos aos índios. Sobre alguns aspectos temos um índio de caráter sóbrio, calmo, mas observador entre estranhos, cuidadoso na forma de falar dentro de seu grupo e 34

muito desconfiado. Por outro lado, podiam ser corajosos e valentes em combates, capazes das maiores crueldades, tornando-se indivíduos maus, falsos, vingativos, rudes e oportunistas. A coragem dos nativos era relacionada às guerras dentro de suas possibilidades, pois reconheciam que em uma luta contra os brancos as suas armas são praticamente inúteis em relação às armas de fogo, preferindo, muitas vezes, abandonar a luta, porém, sem deixar seus feridos para trás. Este costume de guerra vem de seus ancestrais, onde nenhum indivíduo abandona seu companheiro ferido. Como descreve Mabilde (1899, pg. 140 – 141): “ainda mesmo debaixo do fogo mais vivo e mortífero, agarram-nos e os carregam consigo, incorrendo em risco suas próprias vidas. De fatos dessa ordem tenho sido testemunha ocular”. Alem do medo das armas dos brancos, os indígenas também tinham muito medo da água, sendo considerados péssimos nadadores, explicando o fato de escolherem como habitat os lugares mais altos longe dos grandes rios (SERRANO, 1957). Finalizando as considerações sobre características e personalidade do povo Kaingang, vale ressaltar algumas palavras escritas por um grande estudioso. Segundo Fischer (1959, pg. 12 – 13):

Do mesmo modo como em todo mundo há elementos bons e maus, trabalhadores e ociosos, esforçados e relaxados. Mas também entre os nativos se ressaltam, como em toda a parte do mundo, de modo marcante, certas qualidades, de maneira que nos sentimos inclinados a considerá-las como típicas. Manifestamente tem um caráter infantil e alegre. Apesar de que agora já vivam durante gerações em contato com a civilização, da qual, é verdade, até agora infelizmente aprenderam mais coisas más do que boas, vivem internamente em completo isolamento e não atingidos por esta civilização, entregues ainda completamente a seus instintos e impulsos primitivos. Quero ainda mencionar dois traços muito simpáticos da índole dos Kaingangs que me chamaram a atenção. Possuem um sentimento pronunciado de honra. A honestidade a consideram como virtude. Evidentemente também entre eles vez por outra se dão delitos contra a propriedade, mas são extremamente raros e os culpados são castigados cruelmente por eles. Como segunda característica simpática, considero o fato que não são absolutamente inclinados a contendas e principalmente não conservam ressentimento. Não conhecem o espírito vingativo. Tem o dom de poderem esquecer.

35

1.2.6 Diferenciação Social

Entre os indígenas Kaingangs do Rio Grande do Sul é possível perceber uma diferenciação no grupo com relação à idade, sexo, e mando na tribo, uma vez que parece não ter diferenciação baseada na raça. Com relação à idade, referente ao século XIX, pode-se notar, de forma bastante clara, a diferença entre direitos e deveres envolvendo a primeira infância, a adolescência e a idade adulta. Como primeiro período envolvendo a infância dos indígenas, pode ser considerado a faixa que parte do nascimento até os 11 ou 12 anos para os meninos e até 14 ou 15 anos para as meninas, sendo este período considerado tanto para o filho do cacique como para os demais Kaingangs. Até esta idade os filhos, de ambos os sexos, viviam com os pais, dependendo e servindo-lhes com obediência. O segundo período, ou seja, a adolescência se diferencia entre os sexos, onde para os meninos parte dos 12 anos estendendo-se até os 20 ou 24 anos, idade na qual o jovem passava a morar só, em um rancho, independente da posição do pai dentro do grupo. No caso das meninas, parecem passar diretamente da infância para a idade adulta, pois após completarem 14 ou 15 anos, devem atender as vontades do cacique (SERRANO, 1957). Referente à diferenciação dos sexos, a organização social do Kaingang é bem definida, dividindo-se nas funções que os indivíduos podem e devem executar de acordo com as necessidades do grupo. As mulheres são de grande importância na sociedade Kaingang, não ocupando uma posição de inferioridade, de escrava ou até mesmo de simples propagadora da espécie, como já foram chamadas nos tempos antigos. Apesar de que, na família, ela deva obediência e submissão ao marido, tem também a seu cargo, importantes funções de acordo com os valores e necessidades da tribo. Cabe a mulher zelar pelo bom entendimento do grupo, pois, em determinadas festas, além de suas tarefas normais, como cuidar do fogo e dos alimentos, elas tem a obrigação de se manterem sóbrias, não podendo consumir bebidas fermentadas, permanecendo em jejum nas orgias formando uma espécie de guardas que retiram os homens embriagados levando-os para um local separado, na intenção de evitar desentendimentos e derramamento de sangue entre os indivíduos do grupo. 36

Ainda nos dias atuais, a diferenciação dos sexos é bastante visível com relação aos diferentes aspectos do dia a dia da tribo. Segundo Vieira dos Santos (1949, pg. 5 e 13):

A consideração do Kaingang pela mulher se manifesta pelo luto que por ela guarda. Nas visitas, das quais o Kaingang não é muito amigo, compete ao homem receber o visitante e longe de seu rancho, acontecendo estarem à mulher ou as crianças sós em casa, fecham o rancho e correm para o mato. Quando as visitas se realizam em outra aldeia, compete ao homem recebê- las e a presença das mulheres só se faz sentir, quando o visitante anuncia a morte de algum parente, então elas começam a chorar. Em contato com o branco, mesmo estando o marido presente, só a este compete entabular conversação, pois a mulher é muito comportada e recatada.

No século XX a diferença baseada no sexo continua relacionada com os costumes antigos de seu povo, apesar de apresentarem algumas mudanças decorrentes dos contatos constantes com outras etnias. Sendo assim, homens e mulheres se distinguem perfeitamente através do uso de trajes civilizados. A questão de maior poder ou poder de mando, perece ser um direito exclusivo do sexo masculino. A transmissão de mando é feita na linha paterna e passada ao filho mais velho, com exceção a casos especiais, quando a escolha do cacique se baseia de acordo com outras normas (MABILDE, 1897). Relacionado aos homens do grupo, a distribuição de funções pelo sexo é muito marcada, uma vez que jamais um homem Kaingang realiza uma tarefa considerada feminina, podendo assim ofender-se e sentir-se diminuído perante os demais homens do grupo. Em determinados casos a penalidade por desobediência remete aos índios culpados exercerem trabalho considerado do sexo feminino, onde muitos se recusam a executá-los, resultando como pena a essa negação, a morte do mesmo. Algumas tarefas femininas estão representadas na figura 07.

Figura 07 – Atividades femininas Kaingang (recolher alimentos e lavar roupas) Fonte – BECKER, 1995, pg. 173. 37

Outro aspecto que ainda persiste no século XX, diz respeito às viagens realizadas pelo grupo, onde as mulheres se responsabilizam por transportar os objetos da casa e os filhos, já os homens cuidam da segurança da família durante todo o percurso (TESCHAUER, 1929). Este costume pode ser analisado na figura 08.

Figura 08 – Mulher Kaingang carregando o filho Fonte – BECKER, 1995, pg. 167.

No casamento destes indígenas, o status de homem e mulher casados é bem definido. Nos jogos, os quais os homens são bons apreciadores, a mulher ocupa o seu tempo de lazer cuidando de seus afazeres e de suas crianças. Nos bailes realizados dentro da tribo, os homens dançam com suas mulheres, já os solteiros dançam sozinhos e com separação por sexo. Nas reuniões de interesse coletivo da tribo ou mesmo de caráter masculino, a presença das mulheres e das crianças não é permitida. Mas em caso de reuniões como casamentos, bailes, refeições e outras festividades, a mulher se faz presente de forma muito importante e respeitosa. Do mesmo modo, nas reuniões de caráter feminino, a presença dos homens também não é permitida. A colaboração da mulher é indispensável relacionada aos negócios individuais do casal, o Kaingang não realiza qualquer negócio sem consultar a opinião da mulher (VIEIRA DOS SANTOS, 1949). Considerando a estrutura tribal do Kaingang, é possível diferenciar até mesmo três posições: a do cacique, a dos demais índios e a dos eventuais prisioneiros. Três aspectos fazem parte desta distinção: o tratamento diferenciado 38

aos membros do grupo por ocasião do sepultamento, destacando-se o cacique; o tratamento diferenciado dado a mulher que está prestes a dar á luz um filho do cacique, e o tratamento dispensado aos prisioneiros vivos ou mortos (MABILDE, 1899).

1.2.7 Identificação Pessoal e Matrimônio do Kaingang

No Século XIX, o Kaingang do Rio Grande do Sul ainda preservava o costume de dar nome indígena a seus filhos. Estes nomes parecem quase nunca ter significado, não tendo também distinção de sexo, parece não ser hereditário, desaparecendo com a morte do indivíduo. Estes nomes normalmente não passavam de palavras compostas, que impressionam os ouvidos pelo som que produzem. O constante contato com o povo branco, fez com que os indígenas adotassem o batismo, passando então a acrescentar um nome de santo ao nome indígena, utilizando-o como sobrenome (SERRANO, 1957). Esta mudança referente ao nome dos indígenas com relação ao seu contato com o povo branco, fez com que quisessem ser chamados de formas diferentes de acordo com a situação. Dentro de seu grupo preferiam ser chamados pelo seu nome tribal. Já na companhia dos brancos, optavam por serem chamados pelo nome que lhes foi acrescentado em seu batismo, nome civilizado (FISCHER, 1959). O nome dado ao filho recém nascido parte de um cerimonial bastante simples, realizado quando o pai reconhece a paternidade, escolhendo o nome para a criança. Há, entretanto, uma exceção nesse cerimonial de acordo com a hierarquia ou diferenciação social. Neste caso era necessária a presença do cacique, este que irá escolher, de forma muitas vezes demorada e pensativa, o nome para a criança. Com relação ao matrimônio existente na sociedade Kaingang era uma forma aprovada pelo grupo de relacionamento entre homem e mulher com a finalidade de dar continuidade a sua espécie, bem como estabilidade econômica e as obrigações recíprocas desta união, mas sem a característica de indissolubilidade, ou seja, a união podia ser rompida, ou até mesmo compartilhada, sem grandes complicações. Segundo Mabilde (1897, pg. 153 – 154):

Os chefes das tribos subordinadas, assim como os indivíduos que a ela pertencem e que são possuidores de mulheres (pois que de outro nome não se lhe pode dar, visto que cerimônia alguma, que possa dar idéia de 39

casamento, antecede ao ato de obtenção e posse de uma mulher), podem entre si trocar as mulheres ou cedê-las a outro que não tiver mulher; mas sempre com o prévio consentimento do cacique principal.

O conceito de indissolubilidade era encarado pelos indígenas como um cativeiro indigno e de grande humilhação, porque obrigava o homem a viver com sua mulher sem poder trocá-la ou tomar outra quando assim for de sua vontade (MABILDE, 1899). De uma forma geral, pode-se dizer que a regra do casamento Kaingang era a monogamia, aceitando-se a poligamia como exceção e como direito exclusivo do cacique principal. Independente do indivíduo, a escolha da mulher era, em geral, exercida pelo cacique e implicava ao homem a aceitação da mesma, sendo permitida também a escolha pelo próprio interessado. Desse modo o homem era quem dispunha da mulher. A fidelidade na união conjugal destes nativos não pode ser compreendida no seu sentido popular, mas sim como uma decorrência do domínio ou de posse do homem sobre a(s) mulher(es), tendo o direito de trocá-la ou até mesmo emprestá-la quando for de seu interesse pessoal, sendo este ato permitido pelo cacique principal. Vale ressaltar que somente o ato sexual dentro do matrimônio dá direto a procriação da prole (SERRANO, 1957). Nos dias atuais, a poligamia é ainda apontada como prerrogativa do cacique, já a bigamia é praticamente inexistente. Como descreve Rambo (1947, pg. 83):

O casamento hoje em dia é monogâmico e indissolúvel na forma da lei. É celebrado perante o coronel e registrado pelo determinado Posto (aldeamento). Os antigos podiam ter duas mulheres, não mais, e delas não podiam separar.

1.2.8 Aproveitamento dos Recursos Naturais, Vestuário e Adornos

A base da economia Kaingang é a colheita de vegetais espontâneos, que nascem por conta própria, especialmente o fruto de araucária. Esta economia é complementada pela caça, pesca e cultivo de pequenas hortas. Esta caracterização parte do intenso aproveitamento dos recursos naturais e da precariedade dos meios de produção, sendo assim, usufrui tudo o que o habitat põe ao seu alcance: terras, água, vegetais e minerais, explorando de forma intensiva cada um deles. 40

Os vegetais até hoje tem grande importância para os nativos e o seu aproveitamento é bastante acentuado em vários aspectos de sua vida, principalmente com relação à satisfação das necessidades alimentares. No século XVIII a madeira era empregada em suas casas, feitas de estacas e forradas com folhas de palmeira. A ferramenta utilizada para derrubarem as árvores eram os machados de pedra fabricados por eles de forma artesanal. O emprego da madeira na construção de suas casas permanece até os dias de hoje, bem como o uso do machado (SERRANO, 1936). A madeira é bastante empregada em muitos outros aspectos de vida indígena. Ela é utilizada como ponte na travessia de rios, partindo do improviso de derrubarem as árvores de um lado ao outro das margens do rio, desse modo solucionavam os empecilhos pelo fato de não serem canoeiros. Este material é utilizado como matéria-prima na construção de suas armas de caça, como arco flecha e varapau, também sendo utilizada em associação com outros produtos vegetais ou animais como fibras, cipós, resinas, lascas de ossos, peles, graxa e penas, onde o uso de fogo feito através de fricção também se fazia presente (RAMBO, 1947). A utilização da madeira pode ser demonstrada na figura 09.

Figura 09 – Material de caça dos índios Kaingang Fonte Site: www.pib.socioambiental.org/pt/povo.jpg 41

A seleção e a escolha das cascas de árvores também serviam como aproveitamento vegetal, importante na confecção de redes com tiras trançadas utilizadas no transporte de crianças ou em alças para suspender mochilas. Utilizavam-se também algumas cascas de árvores específicas para tingir fibras de vegetais como, por exemplo, a casca do catiguá (MÉTRAUX, 1943). Na tintura para a marcação de flechas era empregado o suco leitoso da figueira brava que era misturado com as pétalas das flores escarlates Imbiri ou ainda com uma resina feita com as cascas do Pinheiro (Araucária Brasil), acrescentada da mistura de óxido de ferro, adquiridas de alguns pedaços de ferro velho (MABILDE, 1899). Alem da utilização nas confecções das armas, as fibras de vegetais eram importantes na tecelagem aplicada no vestuário, como também para cordões com a mesma finalidade, sendo a mais utilizada à fibra de Bromélia e Tucum. Dos muitos vegetais utilizados pelos Kaingangs, destacamos ainda a Palmeira, que tem um grande aproveitamento dietético, pois é com o fruto da Palmeira Buriti e da Palmeira Juçara que fazem uma bebida fermentada, aproveitando também as folhas secas para a cobertura de suas casas e para enfeites nas festividades religiosas. Outro destaque deve-se a Taquara que é uma planta de referência na vida Kaingang. Através dela que fazem a contagem do tempo, pois o período que leva de uma floração à outra da planta corresponde a 30 anos (FISCHER, 1959). A taquara é também utilizada na medicina, onde é retirada uma tala afiada da madeira para cortar o cordão umbilical do recém nascido, costume que era completado com uma atadura feita com um cordão extraído do Tucum. Outras utilidades desta planta é a sua utilização para o corte de cabelo, para suas flechas, bem como na fabricação de cestos, chapéus e ventarolas que confeccionavam com grande habilidade para fins domésticos, comerciais e também para instrumentos de música (VIEIRA DOS SANTOS, 1949). Apesar dos Kaingangs terem pouco conhecimento no que diz respeito à medicina natural, destaca-se, pela sua importância, uma erva que era amolecida e diluída, que ao ser consumida tinha efeito anticoncepcional. Também retiravam o suco de várias plantas e ervas que, sendo misturadas, serviam como um repelente natural contra os insetos e também contra as cobras, uma vez que seu odor era muito forte (F. W., 1913). 42

Outro integrante de sua dieta eram os animais obtidos em suas caças e pescas, dos quais faziam um aproveitamento quase total. O couro era empregado como integrante na vestimenta confeccionada pelos Kaingang, os ossos eram usados como instrumentos dos mais variados, sendo o chifre do boi usado normalmente em instrumentos musicais. Estes instrumentos eram também confeccionados com outros materiais como, por exemplo, o bambu e enfeitados com penas de aves (MÉTRAUX, 1963). Dentro do grupo Kaingang, o alimento pode ser considerado de forma variada, estando representado pelos três reinos naturais (animal, vegetal e mineral). Entre os alimentos do reino animal, temos a carne da caça e da pesca, algumas larvas de abelhas, insetos, como também o mel de abelhas silvestres e em especial o escaravelho Tambu, inseto encontrado com certa facilidade nos troncos caídos de bambus e palmeiras. Entre os vegetais, temos uma grande variedade de frutos e raízes silvestres, como a jabuticaba, pitanga, ariticum, abacaxi e caraguatá e os produtos obtidos através do plantio, bastante simples, da mandioca e do milho. As bebidas fermentadas, ou não, o fumo e os narcóticos, complementam a sua dieta alimentar. Segundo Serrano (1936, pg. 45):

Não encontrei referências de que os Guaianás tenham empregado o fumo, porém os achados já abundantes de cachimbos em seu antigo território e a circunstância de que no idioma de seus atuais descendentes exista palavra própria para designá-lo faz pensar que seu uso é muito antigo entre eles. Em Kaingang o tabaco se chama “Kafei-grin”, de Kafei – rama/ramos e grin – festa/baile.

No século XIX houve algumas mudanças na sua alimentação tendo em vista a maior diversidade, a variedade e a elaboração de novos preparos de seus alimentos, mas sempre mantendo a sua essência. Neste período tinham no pinhão o seu elemento principal, que, em função do grande consumo, veio a ser a causa de enfermidades cutâneas, ou seja, doenças de pele, envolvendo os indivíduos do grupo (SERRANO, 1957). Neste período, a alimentação dos indígenas Kaingang passou a ser enriquecida pelo milho verde, que estavam aparecendo em grandes quantidades, pela abóbora, batata-doce e amendoim, que comiam assado em cinzas quentes. O pinhão, o milho e a medula da palmeira eram preparados de várias formas como descreve Métraux (1963, I pg. 453): 43

A sopa é feita de pinhões descascados, mastigados, postos de molho e triturados. São, também, assados com cascas nas brasas; a massa de farinha de pinhão pode também ser amassada para permitir o preparo de pequenos pães, que são cozidos nas cinzas. As mulheres trituram o milho com pesados pilões de madeira, dentro de almofarizes cilíndricos, também de madeira, os quais às vezes são tão grandes que conseguem acomodar três pessoas ao mesmo tempo, sendo demasiado pesado para serem removidos (...). Também possuem almofarizes menores com os quais usam pilões de pedra. A farinha de milho é preparada como um pirão ou então é convertida numa massa farinhenta e assada em cinzas. As espigas de milho são freqüentemente mergulhadas em água até fermentarem, então convertidas em uma massa da qual fazem pães, adicionando saliva, pães estes que são cozidos em cinzas. A medula da palmeira é triturada num almofariz, peneirada e assada em uma panela, da mesma forma que a farinha de mandioca.

Na falta de pinhão, outro alimento que também era apreciado pelos índios era o palmito, bem como grande variedade de frutos como bacupari, araçá, banana-do- mato, guabiroba, cereja-do-mato, umbu e cincho, que serviam como complementação à sua dieta. A caça e a pesca parecem ter um papel secundário na dieta Kaingang. Assim preferem caçar animais menores como papagaios, pelo fato de não estragarem as suas flechas, deixando os outros animais maiores como a anta, por exemplo, para serem caçados somente em situações de muita fome do grupo. Pelo fato de não saírem para caçar, esta atividade só é realizada por acaso, ou seja, somente quando um animal encontra-se nas proximidades de seu alojamento. Quando, nestas condições, acabam por caçar alguma anta ou porco-do- mato, preparam estes animais assando-os sem lhes tirar os intestinos. No caso das aves, estas são assadas tirando-lhes antes as penas, enquanto que para os mamíferos somente tiram o pelo por meio do fogo (MABILDE, 1899). Embora a participação da mulher esteja presente na maior parte da preparação dos alimentos, há algumas exceções como no caso da caça, onde o alimento é preparado pelo homem e repartido entre todos pelo fato de terem abatido o animal em sociedade. A caça é consumida somente assada, onde cortam os pedaços de carne com as próprias mãos. O peixe é outro animal que costumam comer assado, utilizando uma grade de madeira no formato retangular posicionada próxima ao fogo que se encontra em uma plataforma dentro das cabanas. A dieta do Kaingang do século XX é de certa forma idêntica a do passado. Porém, verificou-se um aumento no regime alimentar decorrente do incentivo agropecuário dos postos indígenas, hoje sob controle da FUNAI. Este aumento pode 44

ser notado com o plantio de milho, feijão e batatas em maior escala, também como a criação de suínos, aves, entre outros animais. Como costume deste povo nativo o consumo dos alimentos por eles preparados tem certa função de interação social, sendo comuns em seus bailes e festas os assados de leitão e galinha. Já no seu lazer diário é freqüente o consumo de chimarrão à beira do fogo acompanhado de milho debulhado nas brasas e retirado grão por grão utilizando uma lâmina de taquara. É muito comum o uso de líquido, tanto para satisfação das necessidades nutricionais como também por mera satisfação pessoal. É considerado também como elemento medicinal, podendo ser consumido na sua forma natural como água, ou também acrescido de ervas como no chimarrão e no chá, bem como na forma de bebidas fermentadas e alcoólicas. O hidromel, bebida fermentada à base da mistura de água e mel e o “Kiki”, também fermentado, feito com grão de milho ou pinhão, eram bastante produzidos no século XVIII, sendo ainda muito apreciados pelos Kaingangs da atualidade (SERRANO, 1936). As bebidas fermentadas são bastante consumidas, principalmente nas cerimônias e nas comemorações festivas, como, por exemplo, o feito d’armas, as missas e as cerimônias fúnebres, sendo que para cada uma é preparado uma bebida diferente, merecendo também um preparo especial. Como descreve Fischer (1959, pg. 14 e 23):

Na época atual, as cerimônias fúnebres são consumadas com a ingestão das bebidas alcoólicas (cachaça), pois sem cachaça não somos capazes de chorar; a cachaça também está presente nos cerimoniais de casamento quando bebem bastante sem, entretanto, chegarem aos excessos da embriaguez, bem como em outras festividades do toldo.

A alimentação dos Kaingang, tanto líquidos quanto para sólidos, parece não estar condicionada a horário determinado, mas sim a satisfação das necessidades de cada indivíduo. Estando com fome, não estão preocupados com a particularidade dos bens de consumo. Simplesmente pegam o alimento para matar a fome como se todos os frutos da terra fossem comuns (TESCHAUER, 1929). Em relação à vestimenta do Kaingang, dentro do conceito do grupo, desempenhava função de resguardo, principalmente para as mulheres e também diferenciação de sexo e status, diferenciando o cacique dos demais indivíduos do 45

grupo. A vestimenta era completada com um adorno, onde alguns pintavam o corpo, outros usavam algum tipo de enfeite. O corte de cabelo era característico dos homens, os quais receberam o apelido de “Coroados” por ser semelhante ao formato de uma coroa. Os mesmo praticavam a depilação de todas as partes pilosas do corpo. Entre os antigos Guaianás a vestimenta entre os homens era a nudez completa, sendo que alguns usavam um tipo de camiseta que adquiriram, por troca, dos Guaranis. Já as mulheres, pelo contrário, usavam uma manta confeccionada por elas mesmas utilizando fibras de urtiga ou caraguatá, cobrindo dos peitos até os pés, deixando descobertos somente os ombros e os braços. Usavam também um manto, feito da mesma fibra, o qual cobria a cabeça e os ombros. Apesar de confeccionarem suas vestimentas, tanto os homens quanto as mulheres preferiam andar completamente nus, não importando as estações do ano. Com o passar do tempo, em meados do século XIX, a vestimenta sofreu um grande impacto em função do constante contato com a civilização, forçando o índio a vestir- se de forma a tapar as partes do seu corpo, resultando em problemas de saúde e morte de alguns membros do grupo (MABILDE, 1897). A preocupação dos nativos em cobrir sua nudez com a finalidade de manter a sua dignidade com relação ao povo branco, fez com que as mulheres ocupassem do tempo que lhe sobrava de seus afazeres tecendo certos panos com os fios de uma urtiga brava, que os índios chamavam de “luru”, que serviam para cobrir seu corpo e de seus filhos. Alguns homens usavam estes panos como forma de pala. Diferente dos homens, as mulheres e as moças nativas sentiam certo pudor, sentimento de vergonha, de incômodo, constrangimento, por sua nudez completa na presença de estranhos. Este pudor parecia estar menos presente em casos de amamentação, porém, as moças sempre que apareciam na presença de estranhos, eram com os peitos cobertos com as mãos ou com panos. Esta preocupação não se fazia presente quando se tratava da convivência com indivíduos da mesma tribo, uma vez que na ausência dos brancos voltavam a ficar totalmente descobertos, sendo essa a forma que se sentiam melhor na convivência tribal. Com relação aos homens, ainda que andassem nus, usavam algumas vezes, junto à cintura e em volta dos quadris uma espécie de tanga por eles fabricada. Estas tangas eram feitas utilizando cordões da grossura de um barbante comum, de fibra de tucum ou de urtiga brava, sendo entrelaçados sem haver muito espaço entre 46

eles até que a tanga ficasse no comprimento apropriado para cobrir suas partes intimas, como está ilustrado na figura 10.

Figura 10 – Tanga usada pelos homens Kaingangs Fonte Site: www.pib.socioambiental.org/pt/povo.jpg

Para as danças que eram realizadas em algumas cerimônias os homens e as mulheres esparramavam uma penugem sobre suas cabeças, enfeitando-se com colares de sementes e dentes de animais e também como com ossos de pássaros, garras e cascas, pendurando-os em volta dos ombros, principalmente os colares de dentes de macaco, pois tinham um significado especial para o grupo. O corte de cabelo, característico destes tribais, resultando assim no seu apelido de coroados, era realizado de uma forma bastante interessante. Tanto no caso dos homens quanto das mulheres, apesar de possuírem muito cabelo, eles os cortavam de forma a parecer que possuíssem um montinho de cabelo colocado em cima de uma cabeça calva. Seu cabelo é extremamente liso, sendo cortado na altura de meia testa, com um diâmetro circular de mais ou menos quatro polegadas. O corte era feito com a utilização de talos de taquara bem maduras que, ao serem rachadas, apresentam uma quina muito afiada, devido à casca exterior dura e vidrada, sendo este corte chamado de tonsuramento. Depois de cortado os cabelos, eles arrancavam, de forma bastante dolorida, os fios que se encontravam no centro da sua cabeça, restando somente uma tira de cabelo circular, dando a aparência de estarem usando uma coroa. No caso das mulheres, a única diferença é o fato de elas deixarem, na parte posterior da cabeça, os cabelos mais compridos, sendo estes trançados, com um comprimento de no máximo dois palmos. Além de 47

arrancarem os cabelos, ambos também arrancavam os pelos de seu corpo como a barba, os pelos pubianos e de todas as outras partes (SERRANO, 1957). Os Kaingangs do Rio Grande do Sul tinham o costume de pintar os seus corpos como demonstração de luto, com pinturas em seus rostos e seus peitos para as cerimônias fúnebres, pensando que assim estariam protegidos dos fantasmas, ou que os espíritos não iriam olhar para eles. Para esta pintura utilizavam carvão misturado com água ou seiva pegajosa de alguma planta rasteira (MÉTRAUX, 1963). A pintura corporal do Kaingang está representada na figura 11.

Figura 11 – Pintura corporal Kaingang Fonte Site: www.mododevestir.blogspot.com/2008/08/grafismo-indigena-arte.html

1.2.9 A Religiosidade Kaingang

Com relação ao sentimento de religiosidade Kaingang sabe-se que os antigos Guaianás criam na imortalidade da alma, podendo ser comprovada no fato de que, quando sepultavam seus mortos, colocavam vasilhas com água na cabeceira dos túmulos, bem como fogo e algumas armas, flechas, arcos, para que as almas dos mortos pudessem seguir seus caminhos (MABILDE, 1899). 48

Da mesma forma que seus antepassados não conheciam a questão dos sacrifícios humanos ou o culto as divindades, porém, temiam o inimigo mesmo depois de morto, não ousando passar perto do lugar onde teria morrido. Na atualidade, em função da catequese imposta aos índios, somente alguns dados muito sintetizados são capazes de nos dizer algo sobre a religião destes nativos. Segundo Vieira dos Santos (1949, pg. 12):

O Kaingang é obrigado a saltar para um sistema monoteísta típico, pois que ainda hoje a atenção e posição nos cultos são sempre para o nascente e tem o sol como poder supremo a quem se rendem todas as homenagens. Sua religião não passa de umas crenças supersticiosas, desconhecem a Nosso Senhor e seus bens completamente.

Nos tempos modernos, a questão religiosa dos Kaingangs passou a tornar-se mais integrada ao cristianismo prático. Um exemplo disso é o fato de deixarem batizar suas crianças, visitarem a igreja da vila e também a celebração de qual participam. Nesta missa se faz presente alguns de seus costumes e rituais. Como descreve Rambo (1947, pg. 84):

Para a missa reúnem-se todo o povo ou grande parte dele junto ao rancho de algum principal. Usam-se velas de cera silvestres e uma bebida de mel misturada com uma erva. Esta bebida se prepara numa grande gamela de cabriúva com dimensões várias, atingindo às vezes 10 pés de comprimento. Enche-se o recipiente com mel; se junta erva e tapam tudo até o momento da missa. Entre velas de cera e diversas cerimônias, o Kuiem instrui o povo sobre o que deve fazer ou deixar de fazer para viver direto, para evitar secas e outras calamidades, enfim, aquilo é como a missa. Costuma durar das oito ou nove horas da manhã até a tarde.

No que diz respeito ao velório e o culto dos antepassados, acredita-se serem também manifestações referentes e objetivas a crença em algo superior. Diferente do que os civilizados acreditam como poder supremo, os nativos realizam estas manifestações orientadas sempre na direção do sol nascente, como sendo este algo superior a que seu povo reconhece. Deste modo os indígenas respeitam e muitas vezes participam nos atos religiosos do povo civilizado, permanecendo com seus costumes e suas crenças na maioria das vezes (FISCHER, 1959). Outro tipo de cerimônia ou ritual religioso envolve membros do grupo indígena que representa as crenças entre os Guaianás, como é descrito por Serrano (1936, pg. 47):

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Os Guaianás possuíam poderosos feiticeiros nos quais parecem muitas vezes resumir-se um cacicado de muitas tribos. Estes feiticeiros exerciam suas funções entrando em êxtase com o pó da erva-mate, que absorviam pelo nariz. Voltando do êxtase diziam a seus pacientes que a erva lhe havia dito tal ou qual coisa. Unidos a prática destes feiticeiros, aparecem os instrumentos de música: eram a flauta de taquara e o chocalho.

Através deste estudo relacionado à cultura deste povo bastante curioso, podem ser percebidas as grandes mudanças enfrentadas pelos indígenas Kaingang no passar dos séculos. O fato de eles ainda permanecerem com alguns de seus costumes e rituais, alguns com certas modificações, mostra que apesar da grande influência exercida pelos povos civilizados, o povo nativo, ainda hoje, carrega em seus costumes as crenças em seus antepassados na tentativa de manter viva a sua identidade. Tendo em vista estas informações, ressalta-se a importância de resgatar e preservar a vida destes indígenas, bem como seus costumes a fim de evitar a possível desestruturação e até mesmo a desintegração deste povo, evitando que os mesmo acabem deixando de lado os ensinamentos que herdaram de seus ascendentes. 50

2 ANÁLISES DO ARTESANATO KAINGANG

Para a realização da análise do artesanato Kaingang aprofundou-se o estudo com relação à análise formal, como forma de percepção dos produtos em questão. Outra atividade realizada para esta análise envolve a visita ao Museu Antropológico Diretor Pestana, localizado na universidade UNIJUÍ, onde foram tiradas fotos da cestaria dos índios Kaingangs, de um acervo bastante interessante, em diferentes tamanhos, formatos e grafismos.

2.1 Análise Formal

Os traços e os formatos ocorrem de uma forma espontânea no momento em que resolvemos explorar os meios e/ou maneiras para obter efeitos em diferentes desenhos, bem como esculturas e texturas, onde, através destes processos, decidimos o que é bonito ou interessante, na maioria das vezes sem saber como nem por que. Durante estes processos criativos podemos expor sentimentos e emoções nas formas, resultando em um tipo de expressão artística, destacando a personalidade envolvendo o gosto particular de cada um. Outro método de desenvolvimento de formas refere-se à criação da mesma reconhecendo previamente os problemas que se pretende tratar. Para isso, primeiramente se define as metas e os limites, analisa-se as situações considerando todas as opções disponíveis nas quais serão escolhidos os elementos na tentativa de propor as soluções mais apropriadas, constituindo-se na abordagem intelectual. Esta abordagem requer um raciocínio mais organizado e objetivo, sem dispensar o julgamento individual quanto à beleza, harmonia, tornando o resultado final bastante interessante (WONG, 1998). 51

Os elementos conceituais não são visíveis na forma, mas sim disponíveis em estudos. Deste modo, o ponto, a linha ou o plano quando visíveis se tornam forma. Um ponto em qualquer lugar do papel, por menor que seja, tem formato, tamanho, cor e textura quando se pretende que o mesmo seja visto. Os pontos, as linhas e os planos são considerados formas verdadeiras por si só, apesar de que os pontos e as linhas continuam a ser chamadas simplesmente de pontos e linhas.

2.1.1 Forma Enquanto Ponto

O reconhecimento do ponto como forma se dá de acordo com o tamanho, sendo este bastante pequeno. Mas a forma pequena, ou ponto, é relativo considerando o seu tamanho, uma vez que um ponto encontrado em um espaço grande tende a parecer menor, já em um espaço estreito, a impressão é que a forma está maior, como está ilustrado na figura 12.

Figura 12 – Representação do ponto no espaço Fonte – WONG, 1998, pg. 46.

A forma mais conhecida e mais comum de um ponto é o circulo, pois é simples e não direciona para nenhum lado. No entanto, um ponto pode ser de várias formas como quadrado, oval, triangular e até um pouco irregular, tendo como principais características o seu tamanho relativamente pequeno e a seu formato bastante simples, como mostra a figura 13.

Figura 13 – Diferentes formas de pontos Fonte – WONG, 1998, pg. 46. 52

2.1.2 Forma Enquanto Linha

A forma linear é reconhecida por duas razões. Primeiramente a sua largura deve ser bastante estreita e o seu comprimento deve ser bastante notável. Esta forma geralmente é usada transmitindo o sentido de figura, diferente do ponto onde seu tamanho é relativo. Não há critério absoluto para o formato de uma linha, suas características são traços estreitos e compridos. É importante considerarmos três aspectos em uma linha: o formato geral, o corpo e as extremidades. O formato geral se refere à aparência da linha como um todo, podendo ser uma reta, uma curva, irregular ou mesmo desenhada com a mão, representada na figura 14.

Figura 14 – Formato geral da linha Fonte – WONG, 1998, pg. 46.

Já o corpo é relacionado com a largura da linha, encontrando-se entre duas bordas cuja relação entre elas determina o corpo da linha. Normalmente as duas bordas são lisas e encontram-se paralelas, podendo em alguns casos fazer com que o corpo da linha pareça mais fino, ondulado e até mesmo irregular, como apresenta a figura 15.

Figura 15 – O corpo da linha Fonte – WONG, 1998, pg. 46.

Com relação às extremidades, estas só são significativas quando a linha for bem larga quando a sua extremidade pode ser notável. Suas formas podem ser quadradas, redondas, pontiagudas ou qualquer outro formato simples. Veja os exemplos na figura 16.

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Figura 16 – Extremidades da linha Fonte – WONG, 1998, pg. 46.

Uma linha também pode ser formada por uma fileira de pontos, os quais, por estarem próximos, dão a impressão de estarmos vendo um traço. Neste caso a linha é conceitual e não visual, pois o que estamos vendo ainda são pontos próximos um do outro, ilustrados na figura 17.

Figura 17 – Pontos formando uma linha Fonte – WONG, 1998, pg. 46.

2.1.3 Forma Enquanto Plano

Todas as formas que não são reconhecidas como pontos ou linhas são consideradas formas planas em uma superfície bidimensional. Deste modo o plano é limitado por linhas, as quais constituem as bordas da forma. Estas linhas têm como característica determinar o formato da forma plana, tendo esta, por sua vez, uma variedade de formatos classificados como geométricos, que são construídos matematicamente (fig. 18a); orgânicos, representados por curvas livres sugerindo alteração no tamanho da forma (fig. 18b); retilíneos, constituídos por linhas retas não relacionadas matematicamente (fig. 18c); irregulares, representados por linhas retas e curvas não relacionadas matematicamente (fig. 18d); feitos à mão, formas criadas a mão livre sem a utilização de ferramentas (fig. 18e); e acidentais, determinados pelo efeito de processos obtidos acidentalmente (fig. 18f). 54

Figura 18 – Formas planas Fonte: WONG, 1998, pg. 46.

Uma forma plana pode ser criada somente por contorno, tendo, neste caso, uma considerável largura na espessura da linha. Outra forma de se obter um plano é através do contorno feito por pontos enfileirados e próximos, representando, deste modo, a forma desejada. As linhas e os pontos, quando bem agrupados também podem representar um plano, tornando-se a textura do mesmo.

2.1.4 Formas Positivas e Negativas

Normalmente a forma se apresenta ocupando um determinado espaço, mas em alguns casos a forma pode ser vista como um espaço vazio, rodeada pelo espaço ocupado. A forma é chamada de “positiva”, quando está ocupando um espaço. Já quando está representada por um espaço vazio, rodeada pelo espaço ocupado, é chamada de “negativa”, como mostra a figura 19.

Figura 19 – Formas positivas e negativas Fonte: WONG, 1998, pg. 48. 55

O reconhecimento das formas positivas e negativas é bastante notável em desenhos realizados em preto-e-branco, onde a parte preta, tida como ocupada, é considerada positiva, enquanto que a branca e/ou desocupada, é negativa. A distinção do que é positivo ou negativo pode se tornar complicada, no momento em que as formas se cruzam ou penetram uma na outra. Toda a forma positiva contém espaço positivo, mas nem sempre o espaço positivo é reconhecido como uma forma positiva. Isto acontece porque o espaço positivo serve como fundo para as formas negativas ou vice versa, mas os fundos não são normalmente reconhecidos como formas, porém elas existem com certo grau de isolamento. Neste caso, é correto afirmar que em certos momentos a relação figura-fundo é reversível, podendo assim encontrar formas positivas e espaços negativos, ou formas negativas e espaços positivos, como mostra a figura 20.

Figura 20 – Relação figura-fundo Fonte: WONG, 1998, pg. 128.

2.1.5 Forma e Distribuição de Cor

A distribuição de cores dentro de um determinado esquema colorido pode variar de forma bastante notável, desde que não modifique os elementos em um desenho. Temos como exemplo uma forma na qual só se pode usar o preto e o branco. Neste caso, é possível obter quatro tipos diferentes de distribuição de cor, sendo a forma branca sobre o fundo branco (fig. 21a); a forma branca sobre o fundo preto (fig. 21b); forma preta sobre fundo branco (fig. 21c); forma preta sobre fundo preto (fig. 21d). 56

Figura 21 – Tipos de distribuição de cor em preto-e-branco Fonte: WONG, 1998, pg. 48.

No caso da forma branca no fundo preto (b), temos uma forma negativa, já na forma preta com o fundo branco (c), a forma se apresenta positiva. Nos outros dois casos (a e d), a forma desaparece pelo fato de ter o fundo da mesma cor que a forma. Pode-se obter a forma contornando-a com a cor contraria do fundo, destacando-a, como representada na figura 22.

Figura 22 – Contorno da forma Fonte: WONG, 1998, pg. 48.

Na medida em que a complexidade do desenho aumenta, as possibilidades de distribuições de cores também aumentam gradativamente. Neste novo exemplo, temos o envolvimento de quatro áreas ou elementos nos quais só se pode fazer uso de preto e branco. Neste caso podemos apresentar dezesseis variações diferentes, ao contrário do exemplo anterior no qual foi possível obter apenas quatro formas. Este exemplo esta ilustrado na figura 23.

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Figura 23 – Distribuição de cor com utilização de quatro elementos Fonte: WONG, 1998, pg. 48.

2.1.6 As Inter-Relações das Formas

Como foi demonstrado anteriormente, quando duas formas cruzam uma com a outra, os resultados não parecem ser tão simples. Pelo contrário, em alguns casos, pode ser bastante complexa a identificação da forma. Para entendermos melhor as inter-relações das formas serão utilizados dois círculos do mesmo tamanho para vermos como estes podem ser unidos. Para esta união podem ser apontadas oito formas diferentes de inter-relação, dentre elas estão a separação, onde as duas formas circulares encontram-se separadas uma da outra, embora a distância possa ser bastante próxima (fig. 24a); o contato, rompendo a distância que existia entre as formas, fazendo com que ambas comecem a se tocar (fig. 24b); a superposição, onde uma forma parece cruzar a outra, dando a impressão de estar uma cobrindo parte da outra (fig. 24c); a interpenetração, parecida com a superposição, porém ambas as formas parecem transparecer ao se tocar, não havendo relação do tipo em cima ou embaixo uma da outra, sendo o contorno de ambas bastante visível (fig. 24d); a união, fazendo com que as duas formas sejam unidas, perdendo parte de seu contorno, formando assim uma nova forma com tamanho maior (fig. 24e); a subtração, na qual uma forma invisível cruza a outra forma que é visível, fazendo com que uma porção da forma visível se torne também invisível, dando a impressão de estar faltando um pedaço da forma visível. A subtração pode ser considerada a superposição de uma forma negativa em uma positiva (fig. 24f); a interseção, semelhante à interpenetração, porém somente o 58

local onde as duas formas se cruzam é visível, formando assim uma nova forma com tamanho menor (fig. 24g); a coincidência, onde a aproximação total das duas formas coincidem tornando-se assim uma só forma, ou seja, um só circulo (fig. 24h).

Figura 24 – Inter-relação de formas circulares Fonte: WONG, 1998, pg. 48.

2.1.7 Efeitos Espaciais em Inter-Relação de Formas

Cada tipo de inter-relação tem a capacidade de produzir diferentes tipos de efeitos espaciais. No caso da separação, as formas podem parecer distantes uma da outra ao olhar, parecendo que uma está mais próxima que a outra, dependendo do ponto de observação, podendo também estar ambas na mesma distância. Da mesma forma que na separação, o contato faz com que as formas sejam flexíveis com relação à distância que se encontram do ponto de observação, fazendo com que a tonalidade ou a cor desempenhem papel importante na determinação da sua posição no espaço. Já na superposição fica extremamente evidente a posição de uma forma na frente ou sobre a outra, diferente da interpenetração, onde a situação espacial é um pouco vaga, usando da manipulação de cores para colocar uma forma sobre a outra. Na união as formas devem estar ambas na mesma distância em relação ao ponto de observação, porém a forma resultante da união gera uma nova forma, assim como na subtração, sendo que na união a nova forma parece maior e na subtração parece menor. Com relação à coincidência temos somente uma forma, caso as duas formas aproximadas sejam idênticas. Se as formas forem diferentes no tamanho ou no formato não haverá nenhuma coincidência, ocorrerá então uma superposição, interpretação, união, subtração ou interseção das formas, sofrendo os efeitos espaciais citados anteriormente.

59

2.1.8 Unidades de Forma

Quando em um desenho há uma repetição de alguma forma igual à outra que já existe no mesmo desenho, há unidades de forma na figura. Estas unidades de forma podem ser facilmente encontradas no desenho e ajudam a unificar o mesmo, podendo conter mais do que apenas um conjunto de unidades de forma e que são, de um modo geral, bastante simples. A repetição de unidades de forma acontece de modo extremamente fácil como, por exemplo, colunas e janelas em arquitetura, os pés de uma peça de mobiliário, o padrão no tecido ou até mesmo os azulejos para pisos. As repetições de unidades de forma transmitem rapidamente uma sensação de harmonia na figura criada, a qual pode conter formas grandes em pequeno número, sendo facilmente identificadas, ou também formas muito pequenas e repetidas dando assim aparência de textura uniforme (WONG, 1998) A similaridade está relacionada a formas repetidas não idênticas, não havendo a igualdade rígida das mesmas como no caso da repetição, mas sim algum sentido de regularidade. No interior de uma estrutura de repetição, o tamanho das unidades de forma devem ser iguais ou parecidas, ocasionando assim a similaridade de unidades de forma também conhecida como similaridade de formatos. Esta similaridade deve ser considerada individualmente em relação a cada um dos elementos visuais. O formato é o elemento principal para se estabelecer uma similaridade, pois as formas dificilmente são consideradas similares quando são parecidas na cor, tamanho e textura, mas diferentes no formato, como mostra a figura 25. 60

Figura 25 – Similaridade de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 67.

2.1.9 Gradação de Unidades de Forma

As unidades de forma encontradas no interior de uma estrutura de repetição podem ser utilizadas na forma de gradação, ou seja, os elementos visuais podem ser empregados isoladamente ou em gradação para criar um número maior de efeitos na figura. As gradações das unidades de forma são relacionadas ao formato, tamanho, cor, textura, direção, posição, espaço e gravidade que formam três grupos principais: a gradação de planos, a gradação espacial e a gradação de formato. A gradação de planos não influencia no formato ou no tamanho dos elementos. Nesta gradação a imagem continua constante. Um tipo de gradação de planos é a rotação de planos, indicando a mudança gradual na direção da forma sem desviar-se do centro/plano da imagem, representada na figura 26.

Figura 26 – Rotação de plano de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76. 61

Outro tipo de gradação é a progressão de planos, indicando a mudança gradual de posição das unidades de forma dentro das divisões estruturais de um desenho, podendo ser movimentos variados desde que sejam regulares e graduais, como ilustrado na figura 27.

Figura 27 – Progressão de planos de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76.

A gradação espacial, diferentemente da gradação de planos, afeta o formato e o tamanho dos elementos das unidades de forma não tendo uma relação constante entre as unidades de forma e o plano, dividindo-se também em dois tipos. Um deles é a rotação espacial, ocorrendo um movimento no qual podemos ver cada vez mais a borda da forma e menos a sua frente, tornando-a bastante estreita, representada na figura 28.

Figura 28 – Rotação espacial de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76.

A progressão espacial está relacionada à mudança no tamanho da forma, fazendo com que a mesma passe a impressão de estar mais próxima ou mais distante, lembrando que as unidades de forma estão sempre paralelas ao plano da imagem. A questão da proximidade ou não, se dá pela mudança de seu tamanho, como mostra a figura 29.

Figura 29 – Progressão espacial de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76. 62

A gradação de formato se refere à mudança real de formato, onde dois tipos diferentes são destacados. A união ou subtração que produzem novas unidades de forma, unindo-as ou subtraindo-as, fazendo com que o formato e o tamanho também sofram transformações graduais, representadas na figura 30.

Figura 30 – União ou subtração de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76.

Outra gradação de formato é a tensão e compressão, indicando uma mudança nas unidades de forma ocasionadas por forças internas ou externas, fazendo com que o formato pareça elástico, afetado por algum tipo de pressão ou empuxo, demonstrado na figura 31.

Figura 31 – Tensão e compressão de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 76.

2.1.10 Anomalias entre Unidades de Forma

A regularidade nas unidades de forma existe quando há certa disciplina na relação entre elas, como a repetição, a similaridade e a gradação. Quando se considera todos os elementos visuais, a complexidade entre as unidades de forma pode ser bastante elevada, sendo repetitiva em alguns aspectos e gradativa em outros. 63

No caso da existência de anomalias em unidades de forma todas as regularidades entre os elementos visuais devem ser cuidadosamente observados. A anomalia pode estar presente em apenas alguns elementos visuais, fazendo com que os outros permaneçam em regularidade na figura. As unidades que sofrem anomalias podem ser comparadas entre si, onde umas são mais perceptíveis que outras. As unidades de forma anômalas podem atrair a atenção de diferentes maneiras, às vezes destacando-se de forma mais saliente, outras estando todas em uma região restrita, ou reduzindo-se as anomalias para algumas (ou apenas uma) unidades de forma. De uma forma geral, as anomalias tornam-se centro de interesse em um determinado desenho, como mostra a figura 32.

Figura 32 – Anomalias em unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 100.

Quando as formas anômalas aparecem freqüentemente em uma figura, espalhando-se pela mesma, diminui a monotonia das unidades de forma. Estas anomalias podem ocorrer de forma distinta ocasionando pequenas distorções nas determinadas unidades. O seu posicionamento no desenho pode ser de forma ordenada ou casual, representando movimentos e acentuações, representados na figura 33. 64

Figura 33 – Posicionamento de unidades de forma anômalas em um desenho Fonte: WONG, 1998, pg. 100.

No caso da existência de regularidades entre as formas anômalas, estas podem ser transformadas de um tipo para outro, sendo que não estão apenas relacionadas entre si, mas também mostradas de forma regular no desenho. Neste caso pode haver dois grupos de unidades de formas diferentes, onde o grupo menor é considerado uma anomalia se comparado com o maior, como ilustrado na figura 34.

Figura 34 – Divisão de unidades de forma regulares e anômalas Fonte: WONG, 1998, pg. 100.

O rompimento de uma regularidade nas unidades de forma também pode acontecer no caso de uma ou mais áreas destas unidades pareçam estar rasgadas, rachadas ou dissolvidas, danificando sua estrutura, podendo ser observada na figura 35. 65

Figura 35 – Rompimento de regularidades de unidades de forma Fonte: WONG, 1998, pg. 100.

2.1.11 A Visualização da Forma

Para que uma forma possa ser visualizada é necessária a aplicação de pontos linhas e planos, descrevendo seu contorno, características, superfícies, etc. Os diferentes métodos utilizados na criação da forma resultam em um modo de visualização diferente, embora o formato continue o mesmo. A visualização com linhas é criada a partir do movimento da mão com algum tipo de instrumento adequado, o qual é riscado sobre uma superfície. É algo fácil de visualizar, tendo o contorno como forma econômica de informação visual básica, podendo tornar o traço mais grosso caso haja dificuldade de visualização em função da espessura da linha, como representado na figura 36.

Figura 36 – Visualização de forma com linhas Fonte: WONG, 1998, pg. 142.

As linhas utilizadas na criação da forma podem ser de diferentes tamanhos, acrescentando detalhes à figura, dando impressão de volume através das linhas secundárias. 66

No caso da visualização com planos, normalmente utiliza-se o preto e branco, onde a figura na cor oposta ao fundo se destaca realçando a sua forma. Da mesma forma podem-se usar linhas da cor oposta a figura para criar detalhes no desenho, como ilustrado na figura 37.

Figura 37 – Visualização de forma com planos Fonte: WONG, 1998, pg. 143.

Temos também a visualização com linhas e planos, permitindo que áreas leves e pesadas possam dividir o mesmo formato, introduzindo detalhes onde for necessário. Este é um tipo de visualização para acrescentar luz e sombra, bem como dar efeito de volume em uma forma, como mostra a figura 38.

Figura 38 – Visualização de forma com linha e plano Fonte: WONG, 1998, pg. 144.

A visualização com pontos pode ser realizada com a intenção de contornar uma forma posicionando os pontos próximos uns dos outros de maneira a representar uma linha, ou agrupando os pontos para dar forma e textura a um desenho, como pode ser observado na figura 39. 67

Figura 39 – Visualização de forma com pontos Fonte: WONG, 1998, pg. 145.

A textura, por sua vez, pode ser criada com pontos, linhas curvas e alongadas, ou qualquer tipo de combinação entre diferentes elementos. As texturas em geral representam variações visuais aos planos e conferem características a forma do desenho como, por exemplo, no contraste entre claro e escuro estabelecendo volume para o mesmo, representado na figura 40.

Figura 40 – Visualização de forma com textura Fonte: WONG, 1998, pg. 145.

2.1.12 Tipos de Formas

As formas podem ser classificadas de acordo com o conteúdo que se deseja abordar, comunicando ao observador um tema reconhecível em termos mais do que somente visuais. Estas classificações podem ser do tipo figurativas, naturais, feitas pelo homem, verbais e abstratas. As formas figurativas são representadas por ilustrações de fácil identificação, apresentando um realismo fotográfico, bem como certo grau de abstração, cuidando para que o abstrato não torne a figura irreconhecível, pois dessa forma não será mais figurativa. Exemplo como mostra a figura 41. 68

Figura 41 – Forma figurativa Fonte: WONG, 1998, pg. 146.

As formas naturais são figurativas cujo tema aborda algo que se encontre na natureza, incluindo organismos vivos e objetos inanimados existentes na terra, na água ou no ar. As formas naturais são outro tipo de classificação para as formas figurativas, como representado na figura 42.

Figura 42 – Forma natural Fonte: WONG, 1998, pg. 147.

No caso das formas feitas pelo homem, são formas figurativas obtidas através de objetos e ambientes criados pelo homem, representados por mobiliários, máquinas, ferramentas, produtos, entre outras possibilidades, como ilustrada na figura 43.

Figura 43 – Forma feita pelo homem Fonte: WONG, 1998, pg. 147. 69

As formas verbais são baseadas em elementos de linguagem escrita, sendo representados por caracteres, letras, palavras e números, tornando possível uma comunicação com o observador de maneira visual e precisa. Uma forma verbal só é figurativa quando apresenta uma idéia reconhecível além de algo somente em termos materiais, como representado na figura 44.

Figura 44 – Forma verbal Fonte: WONG, 1998, pg. 148.

Por fim temos as formas abstratas, as quais não necessitam de um tema reconhecível, podendo conter formas que não representem nada. Isso irá depender da intenção do autor. Este tipo de forma simboliza a sensibilidade do desenhista com relação a formatos, cores e composições, geralmente sofrendo transformações decorrentes de experimentações com diferentes materiais levando a resultados inesperados, como mostra a figura 45.

Figura 45 – Forma abstrata Fonte: WONG, 1998, pg. 148.

De um modo geral, o conhecimento da análise formal é de estrema importância para entendermos como se deve analisar um determinado objeto, suas linhas, texturas, traços, técnicas, bem como a intenção do que se pretende passar para o observador, seja de uma forma bastante nítida e entendível como também através das expressões e emoções transmitidas pelo desenho. Deste modo, pode- se ter um melhor e mais aprofundado entendimento sobre a maneira de analisar a 70

forma dos objetos e desenhos através dos elementos visuais que neles se encontram.

2.2 Análise da Cestaria Kaingang

A etnia Kaingang, na sua cultura, se divide em dois grupos, sendo eles o Kaingang Kamé e o Kaingang Kainru. Um dos grupos denominado Kamé é referente a membros Kaingang que, por sua vez, tem um tipo físico alto e magro, encontrando-se mais ao leste da região sul. O outro grupo, denominado Kainru, é designado para os membros Kaingang mais baixos e encorpados, os quais se encontram mais a oeste da região sul (S. B. DA SILVA, 2001) Do mesmo modo na fabricação de sua cestaria, esta divisão também se faz presente, podendo ser notada em seus trançados, onde uns tem formas mais alongadas e grafismos lineares (estes que são denominados “ Kre Téi” , pertencentes à metade Kamé) e outros tem formas menores e grafismos quadrangulares, uma vez que não se pode trançar de forma a se obter grafismos redondos ou circulares (denominados “ Kre Ror ”, pertencentes à metade Kainru) (S. B. DA SILVA, 2001). O exemplo da cestaria representando esta divisão do grupo está ilustrado na figura 46.

Figura 46 – Cestaria “Kre Téi” e “Kre Ror” Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

Na figura 47 está representado um cesto Kaingang referente à metade Kamé, o qual é denominado Kre Téi, fabricado artesanalmente com a utilização de tiras de taquara, as quais foram tingidas com tinta para tecido em diferentes cores. Seu trançado é alongado na forma horizontal formando linhas coloridas em diferentes 71

tons e as tiras de taquara são trançadas no sentido vertical e horizontal. O cesto tem um formato arredondado com a tampa trançada com o mesmo material. As tiras de taquara receberam acabamento sendo lixadas e alisadas dando melhor aparência ao produto. Os trançados trabalhados neste cesto estão organizados de forma simétrica, posicionando as tiras do material em traços bem ordenados. A borda superior do cesto tem um trançado em forma de costura para evitar o aparecimento das pontas das tiras de taquara. O tipo de material utilizado para a fabricação deste produto é Taquara Mansa. Seu tamanho é cerca de um metro de altura e um diâmetro de cinqüenta centímetros.

Figura 47 – Cesto Kaingang com formas alongadas Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

Com relação à figura 48 o cesto foi fabricado por Kaingang da metade Kainru, sendo denominado Kre Ror. Tem formato pequeno com cerca de quarenta centímetros de altura e um diâmetro com pouco mais de vinte centímetros. A fabricação é de forma artesanal, com a utilização de tiras de taquara também tingidas com tinta para tecido, como na observação anterior. A sua tampa tem um trançado de forma mais separada, possibilitando a presença de pequenos furos para uma melhor ventilação do que pretende transportar. A borda da sua tampa é revestida com uma tira mais larga da mesma taquara do seu trançado, para dar melhor acabamento. O trançado é de tiras pequenas tanto no sentido vertical como no horizontal, tendo um grafismo representando formas quadrangulares e bem próximas. As formas de grafismos presentes neste cesto apresentam-se bem ordenadas, seguindo uma seqüência cuidadosamente elaborada com distâncias iguais entre todos os grafismos. Utilizam um cordão para firmar a borda da tampa no 72

trançado da mesma, servindo como um enfeite para o produto. O material utilizado nesta fabricação é Taquara Mansa lixada e alisada.

Figura 48 – Cesto Kaingang com grafismos quadrangulares Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

O cesto ilustrado na figura 49 é fabricado de forma bastante simples com trançados na forma vertical e horizontal sem a utilização de tingimento das tiras de taquara, as quais estão presentes na forma natural extraída, sendo somente lixadas e alisadas. O cesto tem cerca de um metro de altura e uma forma oval, com diâmetro de quarenta centímetros em sua extremidade superior, trinta centímetros na sua base e cerca de sessenta centímetros no centro de seu corpo. Possui alças de taquara em suas laterais. A borda superior tem acabamento em forma de costura para evitar o aparecimento das pontas das taquaras e a tampa do cesto segue com o mesmo tipo de material e trançado. O trançado é bastante próximo não havendo espaço entre as tiras do material que são um pouco mais largas dando maior resistência ao cesto. O trabalho realizado é simétrico tanto no sentido vertical quanto no horizontal, dispondo das tiras de taquara de forma bastante ordenadas para um trançado consistente. O tipo de material utilizado na fabricação é Taquara Mansa alisada. 73

Figura 49 – Cesto Kaingang sem grafismo com alças laterais Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

A figura 50 é uma peneira fabricada pelos Kaingangs para peneirar farinha entre outros alimentos refinados. As tiras utilizadas são mais finas a o trançado mais separado, possibilitando o surgimento de pequenas frestas entre as tiras onde o alimento é peneirado. O detalhe em forma de quadrado é feito através de tiras de taquara tingidas com tinta para tecido. A sua borda é reforçada com uma tira de taquara mais larga e mais grossa, costurada com barbante na peneira entrelaçada, evitando que o alimento caia para fora da peneira, servindo, também, para esticar as tiras de taquara firmando-as de forma consistente. As linhas presentes nesta peneira são verticais e horizontais e a forma deste produto é circular. A sua borda tem cerca de três centímetros de altura e diâmetro de sessenta centímetros.

Figura 50 – Peneira fabricada por índios Kaingangs Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

A cesta representada na figura 51 é denominada Kre Ror, referente aos Kaingang Kainru. As tiras de taquara são praticamente todas tingidas com tinta para 74

tecido, dando uma aparência colorida ao produto, sendo trançadas de forma que os grafismos são quadrangulares e formados pelas linhas verticais. O trançado tem as tiras verticais e horizontais da mesma espessura e bem próximas umas das outras. O formato da cesta é retangular tendo em sua borda superior uma tira mais larga e mais grossa de taquara amarrada e costurada com cordão e fita colorida para dar melhor sustentação ao trançado e também para acabamento. Esta cesta possui uma alça de taquara com a mesma largura e espessura da tira utilizada em sua borda. Suas medidas são cerca de vinte centímetros de altura, cinqüenta centímetros de comprimento e trinta centímetros de largura, tendo a alça uma altura de cinqüenta centímetros. O material utilizado é Taquara Mansa lixada e alisada.

Figura 51 – Cesta Kaingang com formato retangular Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

Outro tipo de cesta fabricada pelos índios Kaingangs está ilustrada na figura 52. Utiliza um tipo de cipó fino que é entrelaçado e trançado próximo um do outro, mas com um pequeno espaço entre eles. Este trançado parte da base da cesta e sobe até as abas laterais que têm cerca de pouco mais de dez centímetros de altura. Esta cesta possui uma alça também de cipó mais grosso e tem cerca de trinta centímetros de altura. O comprimento desta cesta é cerca de quarenta centímetros e sua largura é de vinte centímetros. No trançado desta cesta é utilizada linha reta, embora a sua base disponha de linhas curvas representando sua forma oval. O material utilizado é o cipó São João, que por sua vez recebe um acabamento em verniz aplicado em toda a cesta, incluindo a alça. 75

Figura 52 – Cesta Kaingang confeccionada com cipó Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

O cesto analisado na figura 53 é fabricado com a utilização de cipó São João e trançado de forma bastante semelhante ao modelo anterior. Seu trançado segue linhas retas organizadas simetricamente com o cuidado para que o material encontre-se ordenado de forma bastante próxima, tendo as linhas/traços verticais uma distância igual umas das outras. Este cesto dispõe de duas alças de cipó trançado em suas laterais, as quais são muito resistentes utilizadas para transportar cargas pesadas. A sua tampa é trançada da mesma forma e do mesmo material do resto do cesto, tendo em sua parte superior linhas curvas resultando em seu formato arredondado e uma alça, também trançada com cipó, de maneira mais delicada e fina. A altura deste cesto é de cerca de um metro com um diâmetro que vai de trinta centímetros em sua base até sessenta centímetros no corpo do cesto. O cesto tem um formato afunilado do meio do corpo até a sua base e extremidade superior. O cipó utilizado neste produto não recebe acabamento envernizado, encontrado-se da forma que foi retirado do seu meio natural, trançado de forma bastante resistente e rígida. O material utilizado neste cesto é o cipó São João.

Figura 53 – Cesto Kaingang feito com cipó sem acabamento Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana 76

Além de sua cestaria, os Kaingangs utilizam a sua técnica de trançados em outros produtos de acordo com a sua cultura, criando diferentes produtos artesanais utilizados para comercialização. Os trançados são feitos com a utilização de diferentes materiais que vão desde tiras de taquaras e cipós, geralmente encontrados em seus trabalhos, até materiais como criciúma, embira (para cordas e faixas dos cestos cargueiros), folhas de palmeiras, urtiga e fio vegetal retirado do caule do butiazeiro (utilizado no acabamento dos cestos). Atualmente os Kaingang têm desenvolvido técnicas de trançados utilizados na confecção de produtos como pulseiras, anéis, tiaras e enfeites em arcos e flechas comercializados. Essas técnicas envolvem muitos detalhes e acabamento. Entretanto, mesmo assim, são pouco valorizadas por terem um preço relativamente baixo comparado ao trabalho de sua fabricação artesanal. Alguns exemplos estão ilustrados na figura 54.

Figura 54 – Exemplos de confecções Kaingangs com trançados Fonte – Museu Antropológico Diretor Pestana

Através desta análise da cestaria Kaingang, ficou evidente a capacidade de criação e detalhes presentes no artesanato deste povo. A diferença nos grafismos e as cores diversificadas são características distintas das duas metades do grupo Kaingang. Os trançados bem acabados e consistentes fazem desta técnica algo para se admirar, pois através de sua cultura esta atividade de criação vem sendo passada de geração a geração, desde seus antepassados até os povos atuais. Os trançados e grafismos desenvolvidos nestas criações artesanais podem servir de inspiração e base para o surgimento de novos produtos, utilizando suas formas e 77

desenhos para transmitir e resgatar a cultura deste povo indígena, que está sendo aos poucos esquecida. 78

3 CONJUNTO DE JÓIAS

A criação de um conjunto de jóias envolve processos delicados e detalhados, sendo de estrema importância o conhecimento e a informação sobre as tendências, para que o produto criado atraia o cliente consumidor através de seus traços, cores, formas, texturas, bem como outros materiais que podem ser agregados no desenvolvimento da jóia como as diferentes opções em gemas e pedras preciosas. O objetivo deste projeto é a criação de um conjunto de jóias, sendo um par de brincos, um anel e um pendente, inspirado na cultura do povo indígena Kaingang, a qual foi possível analisar a partir de sua cestaria artesanal, com diferentes maneiras e possibilidades de criação com base em seus trançados, grafismos, texturas e materiais. Assim, este terceiro capítulo foi dividido em três fases: a preparação, a elaboração e a finalização, as quais também são divididas em etapas de construção para auxiliar na organização do projeto.

3.1 Preparação

A análise das tendências da joalheria atual e a pesquisa de materiais são as duas etapas que envolvem a fase de preparação, as quais são fundamentais para o desenvolvimento deste projeto, pois direcionam o processo de criação através das possíveis formas e materiais que melhor respondam ao objetivo do mesmo.

3.1.1 Análise das Tendências da Joalheria Atual

Como é possível perceber de uma forma geral, a tendência na atualidade nas diversas criações está direcionada cada vez mais ao experimental, ao diferente, ou 79

seja, à junção de diferentes idéias e estilos para a criação de algo novo com visual único e agradável, sempre com o espírito de arriscar e apostar em algo que prenda a atenção do público. No caso da joalheira não é muito diferente, sendo que as tendências atuais estão cada vez mais coloridas, usando e abusando de diferentes materiais, metais e pedras. Segundo informações fornecidas pelo IBGM (Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos), primeiramente as tendências direcionam-se para formas inspiradas na natureza, com a finalidade de incentivar o cultivo e cuidado com o meio ambiente. Sendo assim, formas envolvendo folhas, flores e animais, utilizando materiais como ouro amarelo e branco, prata, entre outros, começam a se fazer presentes nas vitrines de joalherias. As pedras também fazem parte destas peças com formas e traços ousados, bem como aparência surpreendente e agradável, como mostra a figura 55.

Figura 55 – Tendências da joalheria baseada na natureza Fonte Site – www.ibgm.com.br – Preview 2010

Seguindo as tendências temos os produtos que se apresentam de forma casual, porém com muito luxo e presença, geralmente utilizados pelo publico freqüentador do ambiente “street fashion”. Esta tendência tem como prioridade o luxo máximo, representando sofisticação junto à moda, tendo o cuidado de como será usado e combinado. Peças como argolas, correntes, anéis e braceletes em ouro, tanto amarelo como branco, com ou sem texturas, tendo em sua maioria pedras preciosas, parecem ser as peças que transmitem o estilo único envolvendo o público urbano em questão, como ilustradas na figura 56. 80

Figura 56 – Tendências da joalheria inspirada no estilo urbano Fonte Site – www.ibgm.com.br – Preview 2010

A mistura eclética de imagens do passado, religiosidade e romantismo também se faz presente nestas tendências, porém divide o espaço com aspectos modernos representados pelos materiais utilizados simbolizando um estilo muito presente nos dias de hoje, o “rock’n roll”. Assim, imagens de santos e símbolos de religiosidade, bem como a idéia de romantismo, apresentam-se de forma a contracenar com diferentes materiais, os quais aparecem tanto de forma chamativa como discreta, sempre com um visual atraente e agradável, como demonstrado na figura 57.

Figura 57 – Tendências da joalheria na religiosidade e romantismo Fonte Site – www.ibgm.com.br – Preview 2010

A figura masculina está cada vez mais presente no mundo das jóias deixando os preconceitos e adquirindo personalidade e estilo próprios através das peças criadas. Na atualidade não existe somente a diferença entre homens e mulheres, mas também entre homens e homens, fazendo com que queiram ter seu estilo único e pessoal. Traços e formas masculinas misturando o ouro com outros materiais discretos como o titânio, por exemplo, bem como alguns tipos de pedras, fazem 81

dessas jóias um atrativo para homens com personalidade e estilo, como representadas na figura 58.

Figura 58 – Tendência da joalheria masculina Fonte Site – www.ibgm.com.br – Preview 2010

A tendência da joalheria na atualidade está bastante direcionada para a combinação das gemas de pedras coloridas, as quais são utilizadas de forma extravagante e em abundância, proporcionando um visual atraente para os olhos do consumidor. Pedras em diferentes tonalidades, tamanhos, formas e cores formam uma bela combinação em brincos, pulseiras e anéis, fazendo com que a ousadia e o estilo estejam presentes em cada peça, como ilustradas na figura 59.

Figura 59 – Tendência da joalheria nas gemas e pedras Fonte Site – www.ibgm.com.br – Preview 2010

As formas diferentes, a ousadia, a mistura de épocas, a diferença nos estilos junto com muita cor, traços, metais, pedras, fazem das tendências da joalheria atual uma forma de diferenciar o estilo e a personalidade do consumidor. A criação de jóias tende a arriscar e apostar tanto em peças simples e discretas como em extravagantes e chamativas, tendo em seu visual o diferencial, a beleza e a qualidade. 82

3.1.2 Pesquisa de Materiais

Na confecção de jóias normalmente são utilizados materiais como ouro, prata, titânio, bem como pedras preciosas de diferentes cores e tamanho. Neste caso, os metais variam de acordo com a intenção do que se pretende criar como, por exemplo, no caso de jóias de valor mais elevado, usa-se ouro e titânio, já em casos de valores reduzidos o material mais utilizado é a prata.

● Prata A prata, por sua vez, é um material nobre geralmente utilizado na confecção de jóias, mas também em moedas e objetos de decoração. Juntamente com o ouro, vem sendo usada como objeto de adorno por homens e mulheres desde a antiguidade. Na atualidade, a prata obtida industrialmente é, em sua maioria, impura com cerca de um a dois por cento outros metais, como o cobre e o chumbo. A obtenção deste material em sua forma pura só é possível através de sua fundição com acréscimo de produtos químicos como cloreto de sódio, fazendo com que as impurezas do metal sejam eliminadas resultando em prata pura. A prata como matéria prima em seu estado natural é retirada de superfícies rochosas, muitas vezes entre veios encontrados nestas superfícies. Este material é extraído de minérios como a argentita (fig. 60a), encontrada em veios de baixa temperatura, bromargirita (fig. 60b), cerargirita (fig. 60c), prousita (fig. 60d) e galena (fig. 60e), também conhecida como sulfureto de chumbo.

a b c

d e Figura 60 – Minérios de extração de prata Fonte Site –www.portalsaofrancisco.com.br 83

O metal prata possui diferentes gradações que indicam o seu nível de pureza, ou seja, a prata pura, também conhecida como prata fina, tem um teor de pureza igual a 1000. Deste modo, é dificilmente utilizada neste estado na confecção de jóias por ser um material muito maleável, tendo grande chance de sofrer arranhões e machucados. À medida que há a necessidade da obtenção de prata mais sólida e resistente, o material é fundido com uma pequena porcentagem de outros materiais como o cobre. Este acréscimo de metal junto à prata é chamado de liga de metais, tornando o material mais firme, com características adequadas para a fabricação de jóias artesanais. A liga mais usada com este metal é conhecida como prata 950, contendo 5% de liga de cobre, apresentando assim alto brilho e ótimo grau de dureza. Outra liga é a prata 925, que contém 7,5% de liga de cobre. A prata 900 é o metal de menor valor utilizado somente para banhar outros metais como objetos de latão, cobre e ferro. No caso da fabricação de jóias, tanto artesanal quanto industrial, a prata empregada é a 950, proporcionando ao produto uma aparência agradável e uma resistência satisfatória, como mostra a figura 61.

Figura 61 – Anéis em prata 950 Fonte Site – www.infojoia.com.br/new_portal/noticia_2673

● Ouro Outro material bastante empregado na criação de jóias é o ouro, tanto para confecções artesanais quanto industriais. Há diferentes tipos de ouro, dentre eles os 84

mais utilizados são o ouro amarelo e o ouro branco, materiais com qualidades e valores muito elevados. O ouro amarelo, por ser encontrado de forma relativamente pura na natureza e por suas propriedades físicas, é um material muito utilizado desde a antiguidade nos ramos de joalherias, ourivesaria e decorações. Nos dias atuais a procura por este metal preciso vem aumentando a cada ano. Em temperatura ambiente encontra-se em estado sólido, porém a pureza de seu material o torna muito maleável e mole, sendo necessária a sua mistura com prata ou cobre, tornando-o mais resistente na sua confecção e na obtenção do produto finalizado. As ligas de ouro são classificadas por quilates que representam a porcentagem de ouro com relação ao metal misturado. No seu estado puro a sua classificação é de ouro 24 quilates, o qual pode se tornar ouro 22 quilates, 18 quilates, 12 quilates e até mesmo ouro 10 quilates. Geralmente se utiliza ouro 18 quilates, ou seja, 24 gramas de material contém 18 gramas de ouro, o que equivale a 75% de ouro puro. No caso das ligas com menor teor de ouro (12 quilates e 10 quilates), são chamados de ouro baixo, enquanto em seu estado puro é denominado ouro fino. O alto valor deste metal se dá devido a sua raridade e dificuldade de obtenção, sendo encontrado em rochas auríferas obtendo-se um teor de minério de 6 a 12 gramas de ouro puro por tonelada de terra e rocha. Outro tipo de extração de ouro é nas minas de depósito como em vales, encostas de montanhas e leitos dos rios, apesar de ser uma forma mais fácil de obtenção, o seu teor de minério é bem mais baixo. Atualmente é rara a obtenção de ouro através dos depósitos, o qual geralmente é extraído das rochas em forma de pepitas, como mostra a figura 62.

Figura 62 – Pepita de ouro amarelo Fonte Site – www.valorreal.blogs.sapo.pt 85

A sua alta resistência à oxidação e boa condutibilidade elétrica são outras características muito valorizadas, tornando-o importante material na área de indústria elétrica e eletrônica, terminais e semicondutores, fabricação de películas, entre outros. Na sua grande maioria, o ouro amarelo é utilizado para a fabricação de jóias, empregando este material de forma criativa e fascinante, como ilustrado na figura 63.

Figura 63 – Anel de ouro amarelo 18 quilates Fonte Site – www.ajoalheria.com.br/produto/aneis-ouro/anel-de-ouro-amarelo-228.mstp

O ouro branco tem as mesmas características e propriedades físicas do ouro amarelo só o que diferencia é a sua coloração resultante de uma liga metálica, ou seja, o ouro é misturado a uma quantia de 20% a 50% de níquel ou paládio, dando ao metal uma coloração branca. O ouro também recebe um banho de ródio (metal com custo muito elevado, o qual por sua cor luminosa o torna muito importante e desejado na fabricação de ouro branco), devendo ser novamente banhado de acordo com o tempo de uso da peça, para manter a cor branca metálica do ouro. Para a produção do ouro branco a liga mais usada é o metal paládio que tem como fator negativo seu alto ponto de fusão e elevado custo, fazendo com que o material obtido a partir desta liga tenha um custo muito elevado, pois acredita-se que a liga de metal níquel pode causar reações alérgicas em algumas pessoas. Um exemplo de jóia desenvolvida com a utilização de ouro branco esta representada na figura 64. 86

Figura 64 – Anel de ouro branco 18 quilates Fonte Site – www.ajoalheria.com.br/prdfotos/prd_1218_48cd9b256fd85.jpg

As diferentes colorações de ouro são possíveis através de ligas de ouro com outros metais podendo-se obter ouro rosa, negro, vermelho, entre outros. Estas ligas de metais geralmente acrescentam qualidade à peça produzida, tornando-as ainda mais valorizadas e extremamente caras, por isso os mais utilizados são o ouro na sua coloração natural amarelada ou o ouro branco que recebe ligas de materiais de alto valor, alguns até mais valorizados que o próprio ouro.

● Titânio Outro material que vem sendo muito utilizado na fabricação de jóias é o titânio, com a possibilidade de introduzir cores às peças criadas. Não é encontrado de forma isolada, mas sim ligado a outros metais, bem como substâncias, encontrando-se dessa forma distribuído na natureza. A sua extração se dá através de minérios como o rutilo (fig. 65a), a anatase (fig. 65b) e a ilmenite (fig. 65c), entre outros.

a b c

Figura 65 – Minério de extração de titânio Fonte Site – www.webmineral.com/specimens/index.php

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O titânio em seu estado puro é bastante maleável e de fácil trabalho, porém após sofrer ligações com outros metais como o alumínio, o ferro, o magnésio, o crómio, o molibdênio e o vanádio, por exemplo, torna-se extremamente resistente, em alguns casos até mais resistente que o aço, apesar de ser um metal bastante leve. Nos últimos anos, devido às grandes possibilidades de cores, o titânio vem sendo empregado na confecção de jóias. As cores apresentadas por este material são possíveis através de aquecimento (sendo um processo difícil de controlar) e por processo eletroquímico. Estas cores são apresentadas através de interferência óptica, ou seja, o material possui duas camadas uma de metal e outra de óxido, sendo que a camada de óxido é transparente. Deste modo, a luz ao bater na superfície atravessa a camada de óxido e é refletida pela camada de metal, passando novamente através da camada de óxido, resultando em diferentes cores expostas na peça fabricada. Estas cores variam de acordo com a espessura do material trabalhado, como mostra a figura 66.

Figura 66 – Possíveis colorações do titânio Fonte Site – www.joia-e-arte.com.br/titanio1.htm

O titânio é um metal bastante difícil de soldar, pois seu ponto de solda é extremamente alto, entre 1.600° e 1.800°. No caso das indústrias é utilizado gás argônio e maçarico de tungstênio para a realização da solda. Com relação às peças de joalheria a sua fixação é realizada através de cravação, garras, entre outras formas realizadas de maneira delicada para não danificar a peça. Normalmente o titânio é empregado junto com outros metais, como o ouro e a prata, para dar maior realce à coloração da peça, como ilustrada na figura 67. 88

Figura 67 – Jóias de ouro amarelo com detalhes em titânio Fonte Site – www.joia-e-arte.com.br/titanio1.htm

A quantidade de pedras preciosas que existem no Brasil é muito grande e bastante variada. Deste modo optou-se por pesquisar sobre pedras extraídas e trabalhadas na região do sul do país, mais especificamente no Rio Grande do Sul, com a finalidade de valorizar as riquezas e os materiais que este estado possui. O estado do Rio Grande do Sul é hoje um dos maiores produtores de pedras preciosas do Brasil e também uma das grandes potências mundiais de duas delas, a ametista e a ágata. Tendo em vista que também há uma quantidade razoável de pedras que são extraídas desta região como ametista, citrino, ágata, madeira fóssil, cristal-de-rocha, cornalina, ônix, entre outras, foram escolhidas três principais gemas para serem estudadas, por destacarem-se as mais produzidas. São elas ametista, citrino e ágata, todas variedades de quartzo.

● Ametista A ametista é considerada a pedra mais valiosa produzida no Rio Grande do Sul. A principal característica deste quartzo está na sua cor roxa, que se diferencia através de suas tonalidades que vai de um roxo claro até tons profundos. Apesar de ser bastante produzida, somente 3% desta produção tem características adequadas para lapidação. Mesmo assim é bem valorizada, fazendo com que o restante seja comercializado para peças decorativas ou até mesmo para coleção. A pedra ametista está representada na figura 68. 89

Figura 68 – Pedra ametista Fonte Site – www.paginadogaucho.com.br/geog/pedra.htm

●Citrino O citrino é um quartzo mais raro de se obter do que a ametista, porém o seu valor é inferior, devido à simplicidade de sua cor, que varia em tonalidades de amarelo a laranja e raramente vermelho. Neste caso a pedra tem um valor mais elevado. Além de ser raro o citrino no Rio Grande do Sul, sua produção se dá através do aquecimento da ametista, provocando uma oxidação no ferro existente neste material, resultando na mudança de sua cor. Este processo só é realizado quando a cor da ametista é consideravelmente fraca, tornando difícil a sua comercialização no mercado. Na verdade, o que costumam chamar no comércio de Topázio Rio Grande, nada mais é do que o citrino, ilustrado na figura 69.

Figura 69 – Pedras Citrino Fonte Site – www.ninarenucci.com.br/images/gemas/citrino2.jpg

● Ágata A pedra ágata se caracteriza por ter cores de várias tonalidades apresentadas de forma paralela através de linhas retas ou curvas. As suas variações de cores 90

apresentam-se entre cinza e cinza azulado, bem como em faixas branca, preta, amarela, laranja, bege, vermelha e marrom. O fato de a ágata ser uma pedra porosa e resistente a ácidos possibilita o processo de tingimento, caso a sua coloração não seja agradável e atraente, surgindo assim à obtenção de ágatas com cores em verde, rosa, roxa e azul. Esta atividade pode ser realizada a frio (processo bem mais lento) ou por aquecimento, porém os dois processos levam dias para se obter um bom resultado. O tingimento dessas pedras é realizado antes das mesmas receberem o polimento, porque depois a sua porosidade é retirada dificultando e penetração do corante. O processo de tingimento é utilizado em maior número no exterior, onde mais de 50% das ágatas são de cores rejeitadas e 90% das comercializadas são tingidas. No caso do Rio Grande do Sul, estas pedras são consideradas as mais bonitas do mundo, resumindo para menos de 40% os casos em que é necessário o tingimento, ressaltando que o fato de serem tingidas não diminui o seu valor comercial. Esta atraente pedra gaúcha está demonstrada na figura 70.

Figura 70 – Pedra ágata Fonte Site – www.paginadogaucho.com.br/geog/pedra.htm

Depois de realizado este estudo de preparação envolvendo as tendências e os possíveis materiais a serem empregados na criação deste conjunto de jóias, optou-se então pela utilização do metal precioso ouro branco, sendo que este é um material com aparência clara, extremamente brilhosa, o qual irá destacar bem os traços e formas criadas, além de ser um material bastante procurado na atualidade, como pode ser observado no estudo das tendências. As pedras preciosas utilizadas nesta confecção, pela intenção de valorizar as pedras gaúchas e também aproveitar o fato de o Rio Grande do Sul estar entre os principais produtores de matéria prima para a criação de jóias do país e do mundo, 91

serão a ametista e o citrino, que além de serem pedras bonitas e atraentes, o destaque de suas cores características responde bem a intenção deste projeto, representando traços e cores utilizadas no artesanato Kaingang, mais especificamente sua cestaria.

3.2 Elaboração

A fase a seguir, denominada fase de elaboração, é responsável pela criação, seleção, confecção e testes das peças de jóias. Para isso, primeiramente extraiu-se algumas formas analisadas da cestaria dos índios Kaingangs, tendo como base os trançados e grafismos presentes neste artesanato. As formas foram extraídas manualmente e expostas ao lado de cada imagem, com a finalidade de auxiliar no desenvolvimento das jóias, como demonstrado a seguir. 92

93

3.2.1 Geração de Alternativas

Após serem extraídas, as formas foram posicionadas em diferentes sentidos e tamanhos, podendo ser repetidas se necessário, para dar ao produto uma aparência agradável, fazendo com que a união das formas com os materiais (o metal e as pedras) resultem em uma jóia atraente. As gerações de alternativas foram desenvolvidas manualmente na escala real (1:1) para todas as peças (brinco, anel, pendente), sendo criadas de oito a dez rafis/esboços para cada forma, como representado a seguir.

Brincos

94

Anéis

Pendentes

95

3.2.2 Seleção parcial

A participação do público alvo estabelecido, ou seja, mulheres de classe média/alta, com idade entre 25 e 35 anos, além de proprietários de joalherias ou ourives, foi de grande importância para a seleção parcial das peças criadas. Os participantes puderam, através de suas opiniões e gostos, votar nos modelos que mais lhe agradaram. Além de votarem, muitos opinaram com relação a algumas mudanças ou pequenas modificações que contribuíram para a melhoria das peças. O público alvo, num total de dez pessoas, deu sua opinião votando nas peças com as quais mais se identificaram dentro das alternativas propostas de brincos, anéis e pendentes. As peças mais votadas (uma de cada tipo) foram selecionadas e estão representadas abaixo junto com a porcentagem de votos de cada uma.

Brinco – 60% dos votos

60

50

40 Este Modelo 30 Outros Modelos 20

10

0

Gráfico 01 – Porcentagem de votos da peça brinco

Anel – 60% dos votos

60

50

40 Este Modelo 30 Outros Modelos 20

10

0

Gráfico 02 – Porcentagem de votos da peça anel 96

Pendente – 70% dos votos

70 60 50

40 Este Modelo 30 Outros Modelos 20 10 0

Gráfico 03 – Porcentagem de votos na peça pendente

3.2.3 Redesenho das Alternativas Selecionadas

A possibilidade de melhoramento das peças elaboradas surge no momento em que é realizado o redesenho das peças selecionadas na seleção parcial. Deste modo, as peças já escolhidas por votação pelo público alvo foram redesenhadas gerando um total de quatro novas alternativas para cada peça, as quais estão representadas com melhor acabamento, bem como demonstrando um maior grau de realidade, pois, além de estarem ilustradas em escala real (1:1), dispõe de cores e efeitos de luz, sombra e brilho, como seguem as alternativas a baixo.

Brincos

97

Anéis

Pendentes

3.2.4 Seleção Final

As peças redesenhadas foram analisadas com a finalidade de selecionar aquela que mais se encaixa na proposta do projeto, tendo também um cuidado com relação às tendências, já analisadas anteriormente. Sendo assim, esta seleção foi feita individualmente, destacando uma alternativa para cada tipo de peça como estão representadas a baixo.

98

3.2.5 Desenvolvimento de um Mocape

Por serem peças criadas para serem confeccionadas em metal ouro branco e tendo em vista seu elevado preço no comércio, o desenvolvimento do Mocape deste conjunto de jóias, tratando-se de modelos de baixa fidelidade, envolveu um material semelhante. O metal utilizado foi a prata, sendo um produto de menor valor e tendo as características físicas semelhantes a do ouro branco como a cor clara, a dureza do material e o brilho das peças prontas. As pedras utilizadas na confecção foram às mesmas que serão empregadas nas peças reais feitas com ouro branco, ou seja, a ametista e o citrino. As peças e/ou modelos de mocapes confeccionados foram fotografados e estão representados a seguir nas figuras 71, 72 e 73.

Brincos

Figura 71 – Mocape do par de brincos Fonte – Fotos próprias

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Anel

Figura 72 – Mocape do anel Fonte – Fotos próprias

Pendente

Figura 73 – Mocape do pendente Fonte – Fotos próprias

3.2.6 Testes dos Mocapes

Os testes realizados com os mocapes obtidos servem para ter certeza de que o produto final irá responder as expectativas do projeto desenvolvido. Através desta atividade podem ser analisados aspectos importantes com relação ao funcionamento do que se pretende desenvolver, bem como pequenos ajustes dos mesmos para um melhor desempenho. Com relação a este conjunto de jóias, os testes foram direcionados primeiramente ao conforto na usabilidade. Apesar de apresentarem espessura necessária para sua confecção, as peças, principalmente os brincos, foram cuidadosamente desenvolvidos para não tornarem-se pesados e acabar gerando uma sensação de desconforto ao usuário. O teste do conforto no uso das jóias pôde 100

ser analisado nas peças separadamente obtendo-se resultados positivos com relação a esta atividade, como pode ser observado na figura 74.

Figura 74 – Teste dos mocapes com relação ao conforto na usabilidade Fonte – Fotos próprias

A resistência das peças também foi testada durante seu uso. Tratando-se de um material resistente obteve sucesso em seu resultado tanto com relação a união das peças de metal, realizada com utilização de solda apropriada para jóias, como na fixação das pedras. As pequenas argolas confeccionadas para a montagem do par de brincos também receberam solda nas suas emendas, tornando as peças bastante resistentes. Finalizando os testes, a beleza e aparência das peças em conjunto apresentaram-se de forma satisfatória, obtendo sucesso em relação a união dos materiais utilizados na confecção, sendo eles o ouro branco (metal precioso de cor 101

clara) e as pedras ametista roxa e citrino laranja, as quais mostraram-se de maneira interessante destacando-se nas peças, bem como mantendo a mesma linha de criação, tornando o conjunto agradável e bonito, como representado na figura 75.

Figura 75 – Teste com relação à aparência das peças em conjunto Fonte – Fotos próprias

Os processos de criações realizados na fase de elaboração deste conjunto de jóias foram de grande importância para a obtenção de um produto bonito e agradável para o cliente, uma vez que pôde, em certo momento, participar do projeto com votação e opinião individual. A elaboração das peças e os testes realizados ajudaram a eliminar possíveis problemas que poderiam surgir na fabricação das peças finais, gerando assim gastos desnecessários na criação do conjunto.

3.3 Finalização

Nesta última fase do projeto temos a realização dos desenhos individuais de cada peça, os quais se dividem em desenho operacional ilustrativo e desenho operacional técnico construtivo, representando um grau de realidade o mais próximo possível das peças prontas.

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3.3.1 Desenho Operacional Ilustrativo

As realizações dos desenhos operacionais ilustrativos foram feitas manualmente com a utilização de lápis de cor, grafite e tinta, representando nas peças o efeito de luz, sombra e brilho. As jóias estão ilustradas em 3D, bem como em tamanho real, com exceção do anel que foi realizado em perspectiva cavalera, tendo certa ampliação no seu tamanho. As peças em desenho operacional ilustrativo estão representadas a seguir.

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3.3.2 Desenho Operacional Técnico Construtivo

As peças criadas foram desenhadas nas pranchas de desenho técnico para jóias, as quais estão expostas com as cotas individuais de cada uma, além das vistas frontal, lateral e superior. Estes desenhos foram feitos manualmente em escala real 1:1, detalhando as informações com relação a cada peça para facilitar a sua fabricação. Os desenhos operacionais técnicos construtivos estão representados a seguir. 107

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110

CONCLUSÃO

O estudo monográfico aqui apresentado teve como referencial a cultura indígena Kaingang. Optou-se por esta vertente como uma forma de valorização da cultura desse povo indígena habitante do nosso Rio Grande do Sul e por acreditarmos ser o Etnodesign uma maneira de contribuir para essa valorização cultural, uma vez que a cultura nacional é composta por uma maravilhosa e rica complexidade oriunda das mais variadas etnias que formam o povo brasileiro. Daí a importância do Etnodesign na criação de novos produtos como meio de resgate da memória e da identidade das diversas etnias componentes da cultura brasileira. É possível afirmar com satisfação que o trabalho realizado visando desenvolver o projeto proposto se mostrou gratificante pelo resultado a que se chegou. Buscando inspiração na cultura Kaingang, de modo especial em seu artesanato colorido, simétrico e agradável ao olhar, conseguimos criar jóias que agradaram ao público alvo, representativo do público a que se destina este tipo de produto. Na elaboração do produto (brincos, anel e pendente) se procurou dar especial atenção à beleza, harmonia, textura, brilho, composição de materiais, de modo que remetessem às linhas, trançados e cores utilizados pelos Kaingangs em seu artesanato, evidenciando sua capacidade de criação e detalhes, passados de geração a geração. Em jóias, a tendência é muito variável, mudando ano a ano. As formas diferentes, a ousadia, a mistura de épocas, a diferença de estilos aliados a muita cor, traços, metais, pedras atendem ao gosto do consumidor tanto feminino como masculino, abrangendo desde peças simples e discretas até as extravagantes e chamativas, procurando preservar sempre a beleza, o diferencial e a qualidade. Com 111

essa perspectiva, optou-se por criar jóias a partir da cultura indígena como forma de inovação e diferencial, características procuradas nas jóias modernas. Os metais nobres, ouro e prata, pelo seu elevado custo não estão ao alcance da maioria dos consumidores. Entretanto, percebeu-se que é possível a produção de jóias de grande beleza e qualidade usando outros metais preciosos mais baratos como a prata (quanto mais pura maior valor confere à peça), o titânio e grande variedade de pedras preciosas. (O estado do Rio Grande do Sul é um dos maiores produtores de pedras preciosas do Brasil). Apesar da existência de metais preciosos de menor valor, o conjunto de jóias aqui proposto foi elaborado com ouro branco e pedras preciosas ametista e citrino, provenientes do nosso estado. A elaboração, a criação e a confecção destas peças foram totalmente manual e artesanal, seguindo a mesma forma de produção dos objetos indígenas nos quais foram baseados, ou seja, as cestaria Kaingang confeccionadas pelos próprios membros desta cultura. Como conseqüência do estudo monográfico aqui exposto foi possível atingir o objetivo proposto: criar um conjunto de jóias inspirado na cultura Kaingang procurando valorizar a utilização de estudos em Etnodesign e, ao mesmo tempo, modestamente contribuir para o resgate da cultura e identidade do povo Kaingang. 112

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