T. Vaske Júnior, B. F. Mancini; J. S. M. Knoeller

Hábitos alimentares do peixe-roncador ( nobilis) (: ) na zona de arrebentação de Praia Grande, São Paulo, Brasil

Teodoro Vaske Júnior1; Beatriz Figueiredo Mancini1; Jéssica dos Santos Muniz Knoeller2

¹ Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), Campus do Litoral Paulista, São Vicente - SP. E-mail [email protected] (autor correspondência) ² Instituto de Pesca, Programa de Pós-Graduação em Aquicultura e Pesca, Santos-SP.

Resumo: Os hábitos alimentares e estrutura de tamanhos de peixes-roncadores () foram estudados em 82 exemplares com comprimentos totais variando de 35 a 91 mm, coletados na zona de arrebentação em Praia Grande, São Paulo. A coleta foi feita com rede tipo picaré de 10 metros de comprimento por 2 metros de altura e malha de 4 mm entre-nós. Os peixes foram conservados congelados e em laboratório o trato digestório analisado em lupa estereoscópica, sendo observado o tipo e a quantidade de itens alimentares. O espectro alimentar da espécie foi caracterizado principalmente pelos crustáceos zooplanctônicos, com maior frequência de (48,59%) e Copepoda (36,05%). Foi observada a ocorrência de insetos em alguns estômagos, provavelmente associado à vegetação marginal e à presença do lixo urbano na praia. A dieta variou de acordo com seu comprimento, notando-se que peixes menores que 60 mm tiveram preferência por presas menores com tamanhos variando de 1 a 2 mm. A turbulência gerada pela ação das ondas na zona de arrebentação é importante para a alimentação de C. nobilis pois facilita a suspensão de presas de substrato arenoso para a coluna d’água e assim podem ser mais facilmente capturadas. Palavras-chaves: Alimentação, Zooplâncton, Praia

Feeding habits of the barred grunt (Conodon nobilis) (Haemulidae: Perciformes) in the surf zone of Praia Grande, São Paulo, Brazil

Abstract: The feeding habits and size structure of the barred grunt (Conodon nobilis) were studied based on 82 specimens from 35 to 91 mm TL, collected in the surf zone in the city of Praia Grande, São Paulo. Samples were obtained from a beach seine 10 meters long, 2 meters high and 4.0 mm mesh. The fish were kept frozen and in the laboratory the digestive tract was analyzed under a stereomicroscope, taking into acount the type and quantity of food items. The food spectrum of the species was characterized mainly by zooplanktonic crustaceans, with a higher frequency of Mysida (48.59%) and Copepoda (36.05%). It was observed the occurrence of insects in some stomachs, probably associated to the marginal vegetation and the presence of urban waste. The diet varied according to their length, where fish smaller than 60 mm preferred smaller prey sizes ranging from 1 to 2 mm. The turbulence generated by the waves in the surf zone is important for the feeding of C. nobilis once facilitates the suspension of prey of sandy bottom to the water column and thus prey can be more easily captured. Keywords: Feeding, Zooplankton, Beach

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Introdução influenciado pela ação das ondas, com a suspensão de sedimentos e água turva O peixe-roncador Conodon nobilis (BROCCHINI & BALDOCK, 2008). Este (Linnaeus, 1758) pertence à ordem local fornece um habitat adequado para Perciformes e à família Haemulidae. É espécies de peixes pequenos onde popularmente chamado de roncador devido encontram proteção contra predadores e a ao barulho produzido ao esfregar os dentes, disponibilidade de alimentos, portanto com e que é amplificado pela bexiga natatória. um número esperado de poucas espécies Apresenta corpo alongado e coloração com capacidade de adaptação neste prateada, com reflexos amarelados ou ambiente raso e turbulento (LASIAK, esverdeados e listras verticais escuras 1986). No entanto, a presença de várias muito evidentes nos flancos. As nadadeiras espécies de peixes na zona de são amareladas e a margem caudal é arrebentação, com uma predominância de escura. É comumente encontrado ao longo juvenis e adultos transientes, indica que de toda a costa brasileira, ocorrendo desde este ambiente tem uma grande importância a costa leste da Flórida e Texas (EUA) até para estas espécies em diferentes etapas da o sul do Brasil (CARVALHO-FILHO, vida (GOMES et al., 2003; PESSANHA & 1999). Sua ocorrência é comum em ARAÚJO 2003). associações demersais de áreas costeiras arenosas e também encontrado perto de Estudos de ictiofauna em praias no costões rochosos e águas salobras, litoral central de São Paulo frequentemente atingindo profundidades de até 100 m relatam apenas a composição de espécies (MENEZES e FIGUEIREDO, 1980; (PAIVA-FILHO et al., 1987, GIANNINI GODEFROID et al., 2003; SANTANA e & PAIVA-FILHO, 1995; MENEZES, SEVERI, 2009; DANTAS et al. 2012; 2011; VASKE JÚNIOR. et al., 2019). POMBO et al., 2014). Estudos de alimentação foram realizados na mesma área para a manjuba Atherinella Os peixes podem ocupar vários blackburni (Gonzalez & Vaske Jr., 2017), níveis na cadeia trófica, desde espécies para três espécies de fundo, a betara herbívoras, alimentando-se de algas, até Menticirrhus littoralis, o bagre-branco espécies carnívoras. Na maioria dos casos, Genidens barbus e o parati-barbudo os peixes ocupam níveis mais altos na rede Polydactylus virginicus (Knoeller, 2018) e trófica aquática. Conhecer os hábitos também para duas espécies de pampos, alimentares das espécies é essencial para Trachinotus carolinus e T. goodei (Vaske entender as relações tróficas entre elas, Júnior. et al., 2018). mesmo que os indivíduos tenham sua dieta e comportamento alterados por O objetivo deste estudo é conhecer interferência antrópica. Assim, é os aspectos alimentares desta outra espécie importante conhecer o conteúdo estomacal importante que ocorre no litoral paulista dos peixes, cujas informações revelam através de suas estruturas de tamanhos, aspectos da biologia e de tais relações hábitos alimentares e suas variações tróficas (LOWE-MCCONNEL, 1987). diurnas e noturnas. Peixes de fundo, tais como C. nobilis, tem uma dieta muito variada porque, dependendo do tipo de fundo (lama mole, Material e Métodos areia, rochas duras e coral), as comunidades apresentam dietas diferentes A área de estudo está localizada em (LOWE-MCCONNELL, 1987). A zona de uma praia de areia dissipativa no arrebentação é um ambiente de praia município de Praia Grande - SP (Fig. 1).

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Figura 1 – Área de amostragem onde os exemplares de Conodon nobilis foram coletados na zona de arrebentação de Praia Grande - SP. Os retângulos pretos correspondem aos pontos de arrasto com rede de picaré.

Os peixes foram coletados indivíduos foram medidos em utilizando-se uma rede de picaré, comprimento total (mm) e dissecados com constituída por um pano de 10 x 2 metros, pinça e tesoura, onde o estômago foi malha de 4 mm, com rede triangular removido e examinado em microscópio central de malha de 2,5 mm. As coletas estereoscópico. Um valor empírico de bimestrais foram realizadas de outubro de repleção estomacal foi aplicado para 2012 a abril de 2014, durante o período quantificar a presença de alimentos dentro diurno, entre 9h e 12h, e no período do estômago: vazios (I), 25% preenchidos noturno, entre 19h e 21h durante a maré (II), 50% preenchidos (III), 75% baixa. Em cada saída foram realizados três preenchidos (IV), e cheios (V). Foi obtida arrastos distantes 100 metros um do outro e uma lista de itens alimentares identificados cujas capturas foram então acumuladas ao menor táxon possível, bem como a com o objetivo de aumentar o número de medida (mm) de presas inteiras para uma peixes coletados. A rede foi arrastada comparação do tamanho da presa com o paralelamente à praia, na zona de tamanho do predador. O número de presas arrebentação, a uma profundidade média foi inserido em uma curva de coletor de de um metro, por cinco minutos e a uma riqueza de espécies para prever se o distância de 50 metros. Todas as espécies número de exemplares analisados foi de peixes foram colocadas em sacos suficiente para reconhecer o espectro plásticos e armazenadas em freezer alimentar da espécie. imediatamente após a chegada ao laboratório para posterior identificação Entre os tipos de itens alimentares, quando então C. nobilis foi separada das foram observadas as respectivas demais espécies. No laboratório, os frequências de ocorrência (% FO),

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T. Vaske Júnior, B. F. Mancini; J. S. M. Knoeller referentes a quantos estômagos tinham um Resultados item alimentar específico, e frequências numéricas (% N), indicando quantas vezes Foram coletados 82 indivíduos com esses itens apareceram nos estômagos, tamanhos variando entre 35 e 91 mm (Fig. seguidas pelo cálculo da Importância 2). Destes, 56 foram capturados durante o Alimentar (IA) (KAWAKAMI & dia e 26 durante a noite, com tamanhos VAZZOLER, 1980) usando a equação médios de 55,20 e 53,92 mm, adaptada a % N: respectivamente. IA = %FO * %N / ∑ (%FO * %N)

Figura 2 - Distribuição de comprimentos de Conodon nobilis capturados em Praia Grande - SP durante o dia e a noite.

Dos 82 indivíduos, 70 apresentaram estômagos estavam cheios, 39% 25% algum alimento (85,4%) no estômago, preenchidos, 30% estavam 50% enquanto 12 estavam vazios (14,6%). Em preenchidos e os 15% restantes estavam relação ao grau de repleção dos estômagos vazios (Fig. 3). contendo itens alimentares, 16% dos

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Figura 3 - Graus de repleção estomacal de Conodon nobilis capturados na zona de arrebentação de Praia Grande - SP. A estabilização da riqueza dos itens que significa que o número de indivíduos alimentares foi obtida em 13 itens examinados foi suficiente para se obter o alimentares e 50 estômagos analisados, o espectro alimentar da espécie (Fig. 4).

Figura 4 - Curva de riqueza de itens alimentares de Conodon nobilis na zona de arrebentação de Praia Grande - SP. A seta indica a estabilização.

Treze tipos de itens alimentares observada a presença de escamas e insetos, foram identificados com predominância de principalmente formigas, larvas de crustáceos zooplanctônicos representados mosquitos (Diptera) e centopéias principalmente por Mysida (49,20%) e (Myriapoda). Copepoda (38,09%) (Tab. 1). Também foi

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Tabela 1 – Itens alimentares e classificação por importância dos itens (1 a 5) de Conodon nobilis na zona de arrebentação de Praia Grande - SP. % N – porcentagem em número; % FO – porcentagem de frequência de ocorrência; IA - Índice de Importância Alimentar.

Item alimentar %N %FO FI Classificação CRUSTÁCEOS

Mysida 48.59 55.71 0.64 1 Copepoda 36.05 38.57 0.33 2 Megalopa de 3.45 10.0 0.008 Brachyura 4 Larva de Decapoda 0.63 2.86 <0.001 Euphausiacea 0.31 1.43 <0.001 Anomura 0.31 1.43 <0.001 INSETOS

Myriapoda 2.19 5.71 0,003 5 Formicidae 0.63 2.86 <0.001 Hymenoptera 0.63 2.86 <0.001 Diptera 0.31 1.43 <0.001 PEIXES

Teleósteos 0.31 1.43 <0.001 Escamas 6.27 10.0 0,017 3 PLANTAS Vegetal 0.31 1.43 <0.001 TOTAL 100.0 1.0

Quando a proporção de itens semelhante durante o dia, mas com uma alimentares é observada para as etapas de diminuição acentuada de Copepoda dia e noite, ocorre uma mudança na durante a noite (Fig. 5). Os demais itens preferência pelos dois itens principais ocorreram em proporções baixas e sem Mysida e Copepoda, com importância tendências claras.

Figura 5 – Proporções dos itens alimentares de Conodon nobilis na zona de arrebentação de Praia Grande - SP por período diurno e noturno.

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Com relação ao tamanho das presas sem uma tendência crescente, resultado da e predadores, verificou-se que peixes com própria composição de tamanhos das tamanhos maiores que 60 mm passam a presas disponíveis em maior abundância preferir presas de tamanhos maiores, mas (Fig. 6).

Figura 6 - Relação comprimento presa-predador para Conodon nobilis na zona de arrebentação de Praia Grande - SP. Os intervalos verticais correspondem à amplitude e média dos valores. O número no topo das barras indica o número de presas analisadas. Discussão predominância de peixes de meia água e de fundo, e crustáceos bentônicos para C. Os poucos estudos sobre hábitos nobilis entre 6,6 e 27,5 cm no litoral de alimentares de C. nobilis mostram que os Pernambuco. Se considerarmos o principais itens alimentares para comprimento de primeira maturidade (L50) exemplares juvenis e adultos são para C. nobilis como sendo 14,3 cm, principalmente crustáceos e peixes obtido por Lira et al. (2019), pode-se (LOPES & OLIVEIRA-SILVA, 1998; concluir que todas as amostras obtidas no FEITOSA et al., 2002; LIRA et al., 2019). presente estudo são representadas por Ao longo do período estudado, os indivíduos imaturos, ou juvenis. Assim, crustáceos encontrados em maior neste caso, os principais itens também quantidade foram Mysida e Copepoda, foram crustáceos, bem como outros grupos planctônicos, corroborando que a organismos zooplanctônicos, ou seja, a espécie prefere crustáceos desde transição do zooplâncton para presas indivíduos juvenis, portanto, pode ser maiores, como peixes, camarões e caracterizada como zooplanctófaga na caranguejos, deve provavelmente ocorrer zona de arrebentação. Menezes e em espécimes com comprimento total Figueiredo (1980) comentam que C. superior a 90 mm, até pela maior nobilis se alimenta de pequenos peixes e capacidade de predação com o aumento de crustáceos, o que implica que eles foram força corporal e também pela maior relatados para espécimes maiores ou peixes abertura bucal. adultos. Lira et al. (2019) observaram a

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A seleção dos itens alimentares Assim, apesar dos tamanhos médios em pelos peixes em geral é feita torno de 1 mm, a alta densidade de principalmente de acordo com a Copepoda deve ter proporcionado maior disponibilidade de presas no ambiente e a facilidade de ser consumido continuamente capacidade dos predadores em detectá-las e durante a atividade alimentar de C. nobilis. capturá-las (WOOTTON, 1990). O Por sua vez, embora os crustáceos Mysida transporte de sedimentos dentro da zona de ocorram em proporções muito menores, arrebentação é realizado através da ação eram itens constantes e importantes por permanente de ondas e correntes costeiras, causa de seus tamanhos médios maiores também responsável pelo aumento da que 3 mm, o que deve facilitar a concentração de fitoplâncton e recirculação visualização por predadores e, portanto, a da matéria orgânica aderida ao material proporção nos estômagos de C. nobilis foi arenoso não consolidado (MCLACHLAN bem mais expressiva do que no ambiente. & BROWN, 2006). Essa hidrodinâmica da A predominância de crustáceos é área permite maior decomposição característica para a maioria das espécies bacteriana e melhor reutilização de de colunas de água presentes nesses nutrientes pelo fitoplâncton, promovendo, ambientes (LASIAK, 1986; NIANG et al., consequentemente, o desenvolvimento do 2010; PESSANHA, & ARAÚJO, 2003; zooplâncton e da fauna em geral PALMEIRA & MONTEIRO-NETO, (MCLACHLAN & BROWN, 2006). Os 2010). crustáceos Mysida são comuns nas zonas de arrebentação das praias arenosas, onde Segundo Knoeller (2018), na zona podem se enterrar na areia durante o dia e de arrebentação de Praia Grande, foram entrar na coluna d'água à noite (CALIL encontradas escamas no estômago de três AND BORZONE, 2008). espécies de outros peixes com hábitos de fundo (Menticirrhus littoralis, Genidens A fauna zooplanctônica, barbus e Polydactylus virginicus), também principalmente na zona de arrebentação, é no mesmo local e período do presente composta principalmente por crustáceos e estudo. Para M. littoralis, 19% dos itens considerada a base da cadeia trófica de alimentares encontrados nos dois períodos vários peixes juvenis e pequenos (noite e dia) foram escamas. Para G. crustáceos que ali vivem (LASIAK, 1986; barbus, 53%, e para P. viginicus, 22%, o BEYST et al., 2002). Segundo MORENO que significa que escamas podem ser (2017), o grupo Copepoda alcançou o liberadas de várias espécies de peixes maior percentual de ocorrência (84%) em nesse ambiente de alta energia de ondas e relação à fauna total de zooplâncton turbulência, e, assim, acabam se tornando capturada com rede cônica de malha de algo visível para serem consumidos na 180 µm no mesmo período e local deste coluna de água. A ingestão de escamas de estudo, incluindo os períodos diurno e peixes também foi observada em outros noturno. Outros organismos presentes estudos em que os autores sugerem que tais foram representantes planctônicos de escamas eram acidentalmente ingeridas por Mollusca (3%), Echinodermata (3%) e forrageamento próximo ao fundo. Segundo Mysida (2%). Mysida e Copepoda Sazima & Machado (1983), as escamas de ocorreram em maiores quantidades no teleósteos não oferecem os nutrientes conteúdo estomacal devido a duas razões, necessários para a dieta dos peixes, ou seja, Copepoda é o principal componente do não suprem todas as suas necessidades zooplâncton não apenas no ponto estudado, energéticas, mas podem ser um mas também por ser o principal complemento, uma vez que as escamas componente na maior parte da composição apresentam um muco que quando ingerido, do zooplâncton marinho em todo o mundo. é uma importante fonte de energia para

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T. Vaske Júnior, B. F. Mancini; J. S. M. Knoeller espécies lepidofágicas, ou seja, impacto da presença humana nas praias aproximação e ataque à presa, remoção e influencia os hábitos alimentares atuais de ingestão de escamas como fonte de peixes costeiros devido à poluição. proteínas (WESSLER & WERNER, 1957) Mudanças drásticas também devem refletir e lipídios (LEWIS, 1970). nas dietas dos peixes, como a recente pandemia de coronavírus em 2020 que Em relação ao tamanho das presas forçou a remoção completa da população pode-se observar que houve uma tendência humana das praias, o que implica em uma de captura de presas de tamanhos maiores nova situação de água limpa e não poluída. particularmente por peixes a partir de 60 Assim, é sugerido que estudos de mm, uma provável consequência do alimentação de C. nobilis e de outros tamanho maior da boca e da melhor peixes de zona de arrebentação sejam agilidade e velocidade dos peixes maiores. continuados de forma a comparar se a Também foi notável a ingestão de insetos, importância da presença de lixo e insetos é como formigas, moscas e centopéias, relevante em estudos futuros de ecologia embora representassem apenas 0,81% do alimentar de peixes costeiros. Como total de itens alimentares. No entanto, para observação conclusiva na zona de outras espécies juvenis de peixes estudadas arrebentação de Praia Grande - SP, o no mesmo local e horário, a proporção de peixe-roncador Conodon nobilis, foi insetos como itens alimentares foi mais caracterizado por espécimes juvenis que evidente, por exemplo, 36,76% de utilizam o local para alimentação, ocorrência para a manjuba Atherinella crescimento e provável abrigo contra blackburni (Gonzalez & Vaske Jr., 2017). predadores. Constatou-se a preferência Knoeller (2018) encontrou 45% durante o alimentar principalmente de crustáceos dia para G. barbus, 22% à noite para P. zooplantônicos, com predominância de virginicus e 2% também à noite para M. Mysida e Copepoda, e presença incomum littoralis. Em outro estudo com pampos de insetos em sua dieta, provenientes de (Trachinotus spp.) no mesmo local, a resíduos urbanos e vegetação marginal da proporção de insetos representou 36,52% praia. dos itens alimentares com 13 táxons identificados (VASKE JÚNIOR et al., 2018). As causas prováveis da origem desses insetos no conteúdo estomacal Referências Bibliográficas foram resíduos urbanos e a vegetação BEYST, B.; HOSTENS, K.; MEES, J. marginal da praia (KNOELLER, 2018; Factors influencing the spatial variation in VASKE JÚNIOR et al., 2018). A forte fish and macrocrustacean communities in ação turística no município de Praia the surf zone of sandy beaches in Belgium. Grande pode causar impactos diretos e Journal of Marine Biological indiretos na qualidade da água das praias Association of the United Kingdom, locais. Um desses efeitos é a presença de 82:181-187. 2002. insetos oriundos de resíduos urbanos, conforme observado neste estudo e BROCCHINI, M. & BALDOCK, T. E. relatado para outras espécies. Embora o Recent advances in modeling swash zone lixo plástico esteja sendo objeto de estudos dynamics: influence of surf-swash recentes na alimentação de vários animais interaction on nearshore hydrodynamics marinhos, a presença de plástico no and morphodynamics. Reviews of conteúdo estomacal de C. nobilis não foi Geophysics, 46: 1-21. 2008. detectada no presente estudo, pelo menos CARVALHO-FILHO, A. Peixes: costa no nível visual de identificação dos itens brasileira. 3.a ed. São Paulo, alimentares. Pode-se constatar que o Melro. 320 p. 1999.

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