As grandes redes do conhecimento José Ferrari Careto

A (r)evolução recente nas redes agravasse. Perante elevados custos, a indústria nível dos preços dos serviços de comunica- das comunicações electrónicas implementou ções electrónicas. Para tal têm contribuído os de comunicações electrónicas alterações nas redes – essencialmente ao ní- seguintes factores: vel das centrais locais – que possibilitaram a a) Diminuição dos custos dos equipamentos, sua utilização para comunicações de dados, tanto de transmissão como de comutação, OS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES electró- De facto, no início, as redes de distribuição em particular com recurso à internet; sendo de relevar, neste último caso, a dimi- nicas são prestados com recurso a infraes- de televisão por cabo foram desenhadas e c) Necessidade de melhorar a posição compe- nuição do espaço necessário à sua instalação. truturas sofi sticadas do ponto de vista tecno- implantadas para distribuírem programas de titiva face a plataformas alternativas. A concor- Esta diminuição de preço proporcionou uma lógico e muito exigentes do ponto de vista televisão, as redes de cobre1 estavam exclusi- rência, no mercado das comunicações elec- diminuição signifi cativa dos custos das comu- fi nanceiro. É assim que a forma como estas vamente dedicadas à prestação do serviço fi xo trónicas, desenvolve-se muitas vezes através nicações electrónicas de longa distância; redes são implementadas e se desenvolvem de voz e as redes sem fi os visaram acrescentar de inovação tecnológica ocorrida ao nível das tem consequências muito signifi cativas na mobilidade aos serviços de voz. diversas plataformas. Tal inovação permite a disponibilidade de serviços aptos à satisfação Esta partição do mercado assente em diversas oferta de novos serviços disponíveis, durante das necessidades de comunicação das socie- plataformas estanques, conduzindo a uma um certo período de tempo, apenas a partir Os operadores têm dades modernas, aspecto que assume maior correspondência unívoca entre redes e ser- de um conjunto limitado de plataformas, que efectuar esforços relevância se atentarmos à extrema importân- viços, foi sendo abandonada, essencialmente o que implica que as outras, que com elas significativos para dominar cia que os elementos associados à sociedade pelo seguinte: concorrem, tenham que investir para manter tecnologias emergentes (...) de informação assumem actualmente. a) Generalização do protocolo IP, que fun- a sua posição competitiva. É disso exemplo que podem alterar as suas Importa por isso acompanhar e perceber cionou quase como uma moeda franca das a vantagem que as redes de distribuição de posições competitivas ao as alterações mais importantes ocorridas ao redes de comunicações permitindo a con- cabo mantiveram durante algum tempo na longo da próxima década. nível das diversas redes ou plataformas de versão dos diferentes serviços em pacotes disponibilização de velocidades de acesso à comunicações electrónicas e antecipar a sua descaracterizados e por isso, intermutáveis. internet bastante elevadas, o que levou a que evolução futura, para melhor compreender Actualmente, as redes transportam pacotes, os operadores que exploravam outro tipo de a própria evolução do mercado das comu- independentemente de o seu conteúdo ser plataformas tivessem que investir para repli- b) Aumento signifi cativo das economias de nicações electrónicas países mais desen- voz, vídeo, fotografi a ou música, sendo todos car tais velocidades, ou pelo menos, para de- escala, através da utilização mais intensa das volvidos. estes conteúdos tratados como dados pelas las se aproximarem. redes, decorrente de maiores níveis de utili- diferentes plataformas; d) Necessidade de completar o portefólio zação dos serviços, bem como da afi rmação b) Necessidade de rentabilizar a utilização de de serviços. A adopção, pelo mercado, de de standards no panorama internacional que Plataformas uniserviço dão lugar infraestruturas subutilizadas, recorrendo a abordagens de venda de serviços de comu- permitem que os equipamentos sejam produ- a plataformas multiserviços serviços adicionais. Como exemplo relevante, nicações em conjunto (bundle), baseadas zidos para mercados cada vez mais globais. Uma das alterações com maior signifi cado ao refi ra-se a evolução verifi cada nas redes de em triple play ou mesmo quadruple play2, Tais economias de escala benefi ciam por sua nível das redes de comunicações electrónicas cobre, em resultado da migração dos serviços implicou a necessidade de alargar o espec- vez de economias de gama, uma vez que os tem sido estas terem deixado de assegurar a de voz para as redes móveis. O nível de uti- tro de serviços suportados por cada uma das diversos tipos de serviço passam a ser supor- prestação de um só serviço para passarem a lização daquelas redes, inicialmente implan- plataformas. É assim que as plataformas de tados como se de um só se tratasse, em re- permitir a disponibilização de um portefólio tadas para suportar serviços fi xos de voz, di- distribuição de televisão por cabo passaram a sultado do papel integrador da tecnologia IP; de serviços, os quais, na maior parte das ve- minuiu e as perspectivas eram no sentido de suportar serviços de voz fi xa (utilizando tec- c) Aumento signifi cativo da concorrência no zes, são vendidos em conjunto (bundle). que essa tendência se prolongasse, ou mesmo nologia VoIP), ou que as redes de cobre tra- domínio dos fabricantes de equipamentos, dicionais passaram a disponibilizar televisão em particular decorrente da afi rmação no (utilizando tecnologia IPTV). mercado de fabricantes chineses. De acordo

Cabo IPTV e similares Cobre GSM VolP e outros Assim, actualmente (quase) todas as redes com informação disponibilizada pela Gar- Satélite FTTH suportam a generalidade dos serviços, com tner, os dois maiores fabricantes chineses 100% vantagens muito signifi cativas do ponto de (Huawei Technologies e ZTE) terão obtido vista da concorrência. É de realçar o peso uma quota no mercado de infraestruturas

80% das plataformas alternativas ao cabo (em de comunicações electrónicas de 20,9% em particular com recurso ao IPTV) na televisão 2009, valor equivalente à quota do líder tradi- 3 60% por subscrição e das plataformas dedicadas a cional deste mercado, a Ericsson . comunicações móveis e à distribuição de tele- d) Intervenções regulatórias contribuíram

40% visão por cabo (através de VoIP) na oferta do de igual forma para a diminuição dos custos serviço fi xo de telefone. de investimento. De entre estas, destaquem- se: i) a abertura de condutas dos operadores 20% históricos para a passagem de cabos dos ope- Custos diminuem signifi cativamente radores alternativos, evitando dessa forma a 0 Serviço de televisão por subscrição Serviço fixo de telefone Os custos associados às infraestruturas de co- necessidade de desperdiçar investimento municações electrónicas têm vindo a descer neste tipo de infraestruturas; ii) a possibili- Plataformas de suporte à prestação de serviços de tv por subscrição e serviço fixo de telefone (2.º trimestre de 2010). Fonte: ICP-ANACOM. ao longo do tempo, com refl exos positivos ao dade de os operadores instalarem infraestru- JANUS 2011-2012 1.1

turas de transmissão própria, em particular deza das necessidades de largura de banda, o Compartilha de arquivos Web / Dados O vídeo na Internet para a TV baseada em meios rádio e; iii) o aparecimen- que implica, nomeadamente, desenvolvimen- Internet Video Managed Business tráfego IP Mobile Business Data to de ofertas de transmissão baseadas em re- tos associados às designadas redes de nova Cabo VoD IPTV VoD Videochamada des de utilities (tais como empresas de cami- geração (NGN4), traduzidos nos seguintes Tráfego de Internet Business VoIP Jogos Online nhos de ferro, electricidade ou distribuição aspectos: 63.9 de água), até aí exclusivamente dedicadas a a) Introdução de fi bra óptica na rede de aces- EB/mo fi ns privativos. so das plataformas fi xas. Os investimentos efectuados sobre as redes de cobre permiti- ram aumentar signifi cativamente a largura de 32 Elementos de disrupção na banda suportada por este tipo de redes, em EB/mo evolução das plataformas particular com recurso à tecnologia ADSL5. A evolução das diversas plataformas de comu- No entanto, este tipo de tecnologia deixou de nicações electrónicas é permanente, no senti- ser sufi ciente face a constrangimentos técni- do de manter a sua actualização tecnológica cos e de mercado: i) a existência de lacetes 0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 e de responder às pressões competitivas das locais de elevado comprimento, ainda que em plataformas concorrentes. No entanto, por situações pontuais, inviabiliza a performance Estimativa do crescimento do tráfego IP (exabytes por mês). Fonte: Cisco VNI, Junho 2010. vezes, essa evolução dá-se de forma mais dis- da tecnologia; ii) os aumentos de largura de ruptiva, em resposta a necessidades de mer- banda disponível que se verifi caram no passa- do elevados volumes de investimento. Os operadores têm que efectuar esforços cado que não são compagináveis com meras do com recurso a ADSL terão atingido o seu li- b) Adopção da LTE (Long Term Evolution) signifi cativos para dominar tecnologias emer- evoluções tecnológicas. mite, que se situa aquém das necessidades de nas redes dedicadas às comunicações sem gentes, para tomarem decisões tecnológicas Actualmente estamos em presença de um mercado; iii) as novas tendências de mercado, fi os. Este tipo de redes, inicialmente implan- que podem alterar as suas posições competi- movimento de disruptura na tecnologia. Isto impulsionadas pelas redes sociais e pelo que tadas para suportarem comunicações de voz, tivas ao longo da próxima década e para, em porque as necessidades crescentes de largura geralmente se designa por web 2.0, levaram passaram a disponibilizar igualmente acesso consequência, ajustarem os seus modelos de de banda, em resultado da integração IP, da a um aumento da importância dos uploads, à internet, aumentando progressivamente negócio, nomeadamente através da inclusão procura induzida pelas aplicações de vídeo e o que torna o ADSL pouco atractivo, face à a largura de banda disponibilizada, confi gu- de novos serviços e novas funcionalidades. dos fenómenos associados à intensifi cação do assimetria da largura de banda nos sentidos rando-se assim como alternativa efectiva (e Os reguladores têm que reavaliar os modelos uso de redes sociais, deixaram de ser compa- ascendente e descendente. efi caz) às plataformas físicas. No entanto, face regulatórios, para garantirem a coexistência gináveis com meras evoluções tecnológicas, Neste contexto, e para ultrapassar este tipo à evolução das necessidades de mercado e às entre condições propícias à promoção do levando à necessidade de abordagens mais de estrangulamento, os diversos operadores capacidades disponibilizadas e previstas para investimento e à manutenção e promoção da radicais que, nalguns casos, implicam altera- suportados em plataformas fi xas têm vindo a as redes físicas, também ao nível das redes concorrência, em paralelo com a defesa dos ções de fundo ao nível da tecnologia utiliza- instalar fi bra óptica nas suas redes de acesso, o sem fi os foi sentida a necessidade de recorrer direitos dos consumidores. da. Trata-se, no caso presente, de alterações que representa uma alteração signifi cativa face a mudanças disruptivas do ponto de vista tec- Espera-se que os utilizadores, neste con- induzidas por mudanças na ordem de gran- às confi gurações de rede existentes, implican- nológico. É assim que se perfi la a introdução texto, sejam os últimos benefi ciários destas generalizada de uma nova tecnologia – LTE alterações estruturais, nomeadamente em – que permita aumentar a ordem de grandeza consequência do aumento da pressão compe- O IMPACTE DO VÍDEO NA INTERNET das larguras de banda que este tipo de redes titiva inerente à inovação tecnológica nas di- pode suportar; ferentes plataformas e da disponibilização de A internet é actualmente uma das infraestruturas mais importantes nas sociedades modernas. É c) Generalização da introdução de DOCSIS serviços que permitam a satisfação das suas através dela que podemos enviar correio electrónico, navegar na world wide web, transferir fi chei- 3.0 nas plataformas centradas na distribuição necessidades em termos de comunicação. ■ ros ou utilizar um sem-fi m de aplicações. O seu nível de utilização tem vindo a aumentar signifi cati- de televisão por cabo, com o mesmo objecti- vamente no passado recente, perspectivando-se que tal tendência se venha a intensifi car no futuro. vo de alterar signifi cativamente as larguras de Para tal, contribuirá signifi cativamente a crescente utilização da internet para suportar vídeo, es- banda oferecidas. Trata-se de um tipo de in- sencialmente em três modalidades distintas: a) através de sítios, acessíveis através da world wide Notas web, que assentam o seu modelo de negócio na partilha de vídeos (e.g. Youtube); b) através de tervenção que requer níveis de investimento 1 sítios destinados a agregar e a disponibilizar conteúdos em formato vídeo (e.g. Hulu) e c) através inferiores aos atrás referidos, essencialmente São designadas redes de cobre as redes cuja ligação entre a central telefónica e as instalações do utilizador consistem da utilização da tecnologia IPTV, que utiliza a internet como plataforma de distribuição de progra- centrados ao nível dos equipamentos instala- em dois fi os de cobre. Trata-se das redes tradicionalmente mas de televisão. dos nas instalações dos utilizadores e na sua desenvolvidas para a prestação do serviço fi xo de telefone, A crescente utilização da internet associada a vídeos implica enormes exigências de largura de com base nos fundamentos iniciais da tecnologia. correspondência ao nível dos sistemas de ter- 2 Designa-se por triple play a oferta, em conjunto, de servi- banda. minação de modems. ços de acesso à internet, televisão e de voz fi xa; a inclusão Esta alteração dos níveis e padrões de utilização da internet ameaça mudar radicalmente as suas de serviços de comunicações de voz móvel transforma tal bases conceptuais e operacionais. De facto, tendo a internet sido inicialmente desenvolvida numa oferta em quadruple play. 3 Citado em Total Telecom (www.totaltele.com, acedido em base de melhores esforços para suportar tráfegos pouco exigentes do ponto de vista da largura de 21 de Setembro de 2010) banda e da qualidade de serviço oferecida, o modelo operacional tem vindo progressivamente a Os utilizadores como últimos 4 Next Generation Networks na terminologia anglo-saxónica. 5 ser desafi ado pela realidade com que se confronta. Neste contexto, tem vindo a ser profundamente benefi ciários Assymetric Digital Subscriber Line. Refi ra-se que, para ultrapassar alguns dos constrangimentos do ADSL, foram debatido até que ponto é viável manter os conceitos associados à neutralidade da rede, que afas- Todas estas alterações têm naturalmente refl e- implantadas evoluções desta tecnologia nas redes de co- tam qualquer tipo de discriminação na utilização da internet em termos de conteúdos, aplicações, xos relevantes no mercado das comunicações bre: ADSL 2+ (para resolver limitações ao nível da largura fornecedores ou equipamentos. de banda) e VDSL (também para ultrapassar limitações nas electrónicas. velocidades de upload).

11 As grandes redes do conhecimento Patrícia Dias da Silva

Retrato político e estatístico recurso dos utilizadores às TIC para criar e o lançamento da Iniciativa Internet, em 2000, trocar conteúdo próprio. e o Plano de Acção para a Sociedade da In- da sociedade da informação: No relatório seguinte, de 2008, a ênfase é dada formação e o Plano de Acção para o Governo novamente às possibilidades oferecidas pela Electrónico, em 2003. Portugal na Europa proeminência dos utilizadores nos processos O documento de compromisso do Plano de comunicação. Defende-se que a rápida Tecnológico é apresentado em Novembro adesão ao conteúdo gerado por utilizadores de 2005, como uma forte aposta do XVII A INICIATIVA EEUROPA é lançada pela Comis- de Lisboa. Em 2007, o relatório de progresso conduz à confi rmação da Internet como um Governo desde o início do seu mandato. O são Europeia (CE) em Dezembro de 1999 com do i2010 declara que a adopção mais vasta da meio de comunicação de dois sentidos, com seu principal objectivo é o aumento da ca- o objectivo de colocar a Europa “em linha”. banda larga teve consequências em relação um aumento de 18% verifi cado entre 2006 e pacidade de inovação da economia, visando Esta comunicação realça o contexto de cres- ao desenvolvimento de serviços avançados 2007 na participação em fóruns online. A lis- sustentar taxas de crescimento mais elevadas cimento económico nos EUA, largamente atri- inovadores e que áreas como a música, dis- ta de tipos de conteúdo é muito abrangente: a médio e longo prazo. Um conjunto de polí- buído aos investimentos feitos no sector das tribuição de fi lmes e televisão online ilustram vídeo, livros, fotografi as, blogs, social book- ticas transversais é considerado pelo governo tecnologias da informação e da comunicação a transformação do mercado dos conteúdos. marking, micro-blogging e comentário de português como a peça central para estimu- (TIC), enfatizando a necessidade de seguir o Na sua análise prospectiva, é incluída a cha- produtos. Este panorama é atribuído às redes lar o dinamismo da economia portuguesa no exemplo americano e acelerar o passo para a mada Web 2.0, as redes sociais e o conteú- sociais suportadas por publicidade e por lu- contexto da sociedade do conhecimento. A era digital. Imperava então um ambiente eco- do gerado por utilizadores. Fazendo uma cro partilhado que, simultaneamente, tornam prossecução destes objectivos baseia-se em nómico positivo, prévio ao rebentar da bolha analogia com o software de fonte aberta e cada vez mais indistintas as fronteiras entre iniciativas em três campos de acção: conheci- tecnológica do ano seguinte. No entanto, o consequente desenvolvimento de processos comunicação privada e publicação, entre ac- mento, tecnologia, inovação. desapontamento trazido por esse evento não colaborativos, afi rma-se existir inovação no tividades lucrativas e recreativas. A própria Em Julho de 2005 foi dado início ao projecto foi duradouro, nem resultou no abandono de CE pretende fomentar a distribuição de uma Ligar Portugal como um dos vectores estraté- opções políticas e económicas centradas na vasta diversidade de conteúdos online através gicos do Plano Tecnológico. Este documento tecnologia. A ênfase no papel-chave das TIC de diferentes tecnologias. encontra-se articulado com a correspondente no fomento do crescimento económico, pro- O RETRATO EMPRESARIAL Chegando ao término deste quadro, em 2010 iniciativa europeia i2010, já descrita. Um dos dutividade e competitividade está presente é apresentada uma Agenda Digital para a Eu- objectivos enunciados neste projecto consiste na generalidade das políticas comunitárias e No domínio das empresas, a descrição de ropa, uma das iniciativas emblemáticas da na promoção de uma cidadania moderna, em refl ecte-se nas iniciativas nacionais. Contudo, Portugal aproxima o país de lugares mais nova estratégica económica proposta pela que as tecnologias da informação são apre- olhando para as estatísticas existentes em cimeiros nas tabelas de indicadores esta- CE, Europa 2020 – Estratégia para um cres- sentadas como instrumentos de acesso à in- 2010, a sociedade da informação é ainda mar- tísticos dedicados ao tema da sociedade da cimento inteligente, sustentável e inclusivo. formação, à educação, ao trabalho, bem como cada por fortes clivagens em Portugal. Informação. Em relação ao acesso à Internet O seu objectivo passa pela defi nição de um ao trabalho cooperativo e à discussão pública. por banda larga, as empresas portuguesas roteiro que maximize o potencial social e Tanto o Plano Tecnológico como o projecto atingem os 85%, dois pontos percentuais aci- económico das TIC – destacando a Internet Ligar Portugal prosseguiram no seguinte man- ma da UE27. O mesmo se aplica examinando Políticas públicas: União Europeia os valores relativos à interacção com a ad- como recurso da actividade nestes campos. dato, com início em 2009, dada a recondução Com a defi nição da Estratégia de Lisboa em ministração pública. Com 77% de respostas Na lista de medidas e propostas legislativas do primeiro-ministro. 2000, o tema da sociedade da informação ga- positivas, ultrapassa a média dos 27 países da são indicados seis domínios: Um mercado nha uma maior centralidade como parte de União Europeia em 6%, bem como a média único digital dinâmico; Interoperabilidade um esforço para melhorar a competitividade da UE25 (73%) e UE15 (74%). e normas; Confi ança e segurança; Acesso Acesso e práticas online da economia europeia. Nesse ano, a iniciativa O terceiro indicador analisado aponta para rápido e ultra-rápido à Internet; Melhorar a em números uma posição ainda mais elevada na tabela eEuropa é estruturada pela primeira vez num literacia, as qualifi cações e a inclusão digitais; Olhemos então para algumas estatísticas que percentual das empresas europeias: em re- Plano de Acção, eEuropa 2002 – Uma Socie- Benefícios proporcionados pelas TIC à socie- poderão ser úteis na compreensão das práti- lação a encomendas recebidas através da In- dade da Informação para Todos, focado na dade, na União Europeia (UE). cas ligadas às TIC em Portugal e no contexto ternet, 16% de empresas portuguesas (com promoção do acesso e utilização da Internet. mais de 10 trabalhadores) declararam rece- europeu, em particular a Internet. Para essa A sua substituição é feita pelo Plano de Ac- ber pelo menos 1% por essa via. Novamente, análise recorre-se a dados recolhidos pelos ção eEuropa 2005, com objectivos ligados ao a UE27 é ultrapassada (12%), e neste caso, Políticas públicas: Portugal institutos de estatística nacionais e disponibi- estímulo da segurança e à expansão da infra- ao contrário dos restantes indicadores men- Dois campos têm estado no centro da acção lizados pelo Eurostat, o Gabinete de Estatísti- estrutura de banda larga. cionados, Portugal apresenta uma evolução política portuguesa no âmbito do que se cas da UE, referentes a 2009, salvo indicação Viviane Reding, então comissária europeia diferente da média dos 27 países, especial- tem designado a promoção da sociedade da em contrário. mente entre 2007 e 2008, altura em que se para a Sociedade da Informação e Média, informação: a ênfase na disponibilização de Em relação a lares com acesso a Internet, Por- constata um crescimento signifi cativo. propõe a 1 de Junho de 2005 um novo qua- serviços online, bem como o aumento da uti- tugal, com 48%, encontra-se entre os países Podemos assim verifi car que as empresas dro estratégico: i2010 – Uma Sociedade da portuguesas parecem apresentar um perfi l lização regular da Internet, em particular atra- com percentagens mais baixas, tal como a Informação Europeia para o Crescimento e mais próximo, suplantando mesmo, da mé- vés do acesso por banda larga. Os esforços maioria dos países da Europa do Sul (à excep- o Emprego – e atribui a sua pertinência ao dia dos 27 países da União Europeia, e aban- políticos para o desenvolvimento da socieda- ção de Espanha). Em termos evolutivos esta papel cada vez mais importante das TIC na donando assim as posições de retaguarda de da informação foram inaugurados formal- percentagem tem crescido de forma propor- economia, pretendendo-se a sua constitui- comuns em indicadores relacionados com mente com o Livro Verde para a Sociedade da cional à média dos 27 países da UE (UE27), ção enquanto pilar da renovada Estratégia lares e indivíduos. Informação em Portugal, em 1997. Seguiu-se apesar de abaixo da mesma (65% em 2009). JANUS 2011-2012 1.2

No caso específi co dos lares com acesso atra- No entanto, estamos a falar de valores mui- caso, face a uma média de 57% da UE27, a gueses, em termos comparativos Portugal en- vés de banda larga, com 46%, a posição de to díspares. Em relação ao género, trata-se percentagem de 40% coloca Portugal numa si- contra-se ainda na base da tabela em pontos Portugal é mais favorável em termos compara- de um último lugar pouco distante da UE27, tuação desfavorável semelhante ao uso regu- percentuais, apesar de se ter verifi cado um tivos e a diferença com a UE27 é menor, 10%. mesmo que inferior: masculino, 57% face lar da Internet. O valor relativo à procura de crescimento nos indicadores ao longo dos Contudo, mesmo mantendo-se proporcional, a 64%; feminino, 38% face a 47%. Quanto à informação sobre bens e serviços é o mesmo, anos registados. Relembra-se a excepção em a progressão revela uma certa separação ao idade, o penúltimo lugar no intervalo 16-24 de 40%; contudo, a média dos 27 países da relação aos utilizadores com educação média longo dos últimos cinco anos, nomeadamen- corresponde a 84%, apenas menos 4 pontos UE é inferior, apenas 51%. O terceiro tipo de ou superior que declararam utilizar a Internet te por não ter acompanhado o crescimento percentuais da UE27. Os dois últimos lugares uso é a interacção com a administração públi- com regularidade. da média europeia entre 2005 e 2007. nos intervalos etários são distintos: em 25-54 ca, em que 21% de indivíduos declaram utili- O desagregar de dados disponível em relação Os dados relativos à banda larga parecem in- corresponde a 47% (UE27 68%), enquan- zar a Internet com esse fi m, face a uma média ao uso regular de Internet permite-nos tomar dicar que o governo português poderá conse- to para o intervalo superior equivale a 13% da UE27 de 29% dos inquiridos. Em relação consciência de disparidades, não só por opo- guir cumprir a meta fi xada de 50% de lares a (UE27 32%) e apenas a sete pontos percentu- ao último tipo de uso – carregar conteúdo sição à média europeia. Apesar de ser o in- benefi ciar de banda larga em 2010, inscrita no ais do valor mínimo (6%, Roménia), e bastan- criado pelo próprio indivíduo num sítio web dicador que destaca Portugal entre os outros programa de acção Ligar Portugal, e enqua- te distante do máximo (70%, Islândia; dentro para ser partilhado – apenas existem dados países da Europa, o nível de educação formal drada nos indicadores de benchmarking utili- da UE 67% nos Países Baixos). de 2008. Portugal permanece aqui em lugares é também o revelador da maior discrepância zados para avaliação do progresso do quadro No caso da situação profi ssional, os valo- menos dianteiros, com 7% dos indivíduos. no interior do próprio país, apontando para estratégico is2010 a nível nacional. res também divergem: trabalho doméstico, Com 21%, a Estónia assume o primeiro lugar, uma divisão digital signifi cativa que deixa os empregados por conta de outrem e própria dez pontos acima da UE27. indivíduos com educação formal baixa ou (51%); desempregados (38%); reformados Tendo em conta a análise aqui realizada da inexistente muito afastados da restante po- e inactivos (10%). De referir que o primeiro utilização da Internet declarada pelos portu- pulação. ■ está mais afastado da UE27 do que o segundo A análise (...) da utilização (72% e 53%, respectivamente), e que o tercei- da Internet declarada pelos ro tipo de situação está muito próximo do va- portugueses [revela que] em lor mínimo (de novo 6%, Roménia). Os estu- termos comparativos Portugal dantes devem ser considerados em separado, encontra-se ainda na base da pois apesar de Portugal ocupar um lugar rela- Idade Situação profissional tivo inferior, a percentagem correspondente tabela em pontos percentuais. Portugal UE-27 Portugal UE-27 é de 96%, dois pontos percentuais acima da 100 100 UE27, e não tão distante do valor máximo de 90 80 100% (Suécia). 80 O programa Ligar Portugal possui ainda A aplicação do fi ltro educação formal mere- 70 60 60 uma meta relativa às mudanças nas práticas ce atenção especial. Apesar de, no caso em 40 50 online, mas que parece mais distante do que a educação formal é baixa ou inexisten- 40 20 que a acima referida: uma declaração de te, Portugal permanecer em pior posição, 30 utilização regular da Internet na ordem dos quando se trata de educação formal superior, 0 20 60%. Contudo, o crescimento desta percen- passa a fi gurar em lugares percentuais mais 10 Estudantes Reformados tagem, ao contrário da ligação em banda lar- cimeiros. A percentagem portuguesa atinge 0 Empregados ga, não conduziu a um valor próximo desse assim os 89%, um pouco acima da UE27, de 16-24 25-54 55-74 Desempregados objectivo. Portugal, em 2009, atinge os 42%, 87%. Se o fi ltro for a educação formal média, Género Nível de educação formal sendo 60%, na realidade, a média europeia então Portugal acompanha países como Fran- Portugal UE-27 Portugal UE-27 dos 27. ça, Reino Unido, Noruega, Finlândia, Dina- 70 100 Olhando para o conjunto dos utilizadores marca e Bélgica, ultrapassando a UE27 (65%, 90 60 regulares, Portugal encontra-se entre os enquanto o valor português ascende aos 80 países com percentagens mais baixas. Con- 83%). Encontra-se de igual modo numa po- 50 70 60 trolando a idade, a situação profi ssional e o sição destacada entre o valor mínimo (32%, 40 50 género, a posição comparativa de Portugal Roménia) e o valor máximo (92%, Países Bai- 30 40 não sofre alterações de relevo. Apenas no xos e Islândia). 20 30 intervalo dos 16-24 anos e nos estudantes Focando quatro tipos de uso, consideremos 20 10 obtém resultados mais elevados. Nos res- dois usos correntes, um muito focado pelas 10 tantes intervalos de idade (25-54 e 55-75), políticas públicas e, por fi m, o que tem sido o 0 0 situação profi ssional (trabalho doméstico, novo centro de atenção de investigadores, or- Masculino Feminino Baixa Média Alta empregados por conta de outrem e própria; ganizações intergovernamentais e empresas. Utilização regular da internet, comparação entre Portugal e a média da UE-27 de acordo com: idade, situação profissional, género e nível de educação formal (em %). Fonte: Eurostat. reformados e inactivos; desempregados) e Comecemos pelo envio/recepção de emails e para ambos os géneros, o país permanece a procura de informação sobre bens ou servi- como tendo valores baixos. ços, os dois usos mais comuns. No primeiro

13 As grandes redes do conhecimento Maria Teresa Patrício

As redes do conhecimento Matemática RP China Eslováquia científico Rússia Rep. Checa Engenheria e Tecnologia Japão Reino Unido Itália AS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO na base de interesses comuns. Não são fruto Eslovénia Terra e Espaço e, em particular, a Internet, vieram alterar a do acaso e têm regras e dinâmicas que é ne- Espanha forma e a dinâmica de fazer ciência, facili- cessário compreender para se perceber a for- Polónia Noruega Química Física EUA tando trocas, contactos e colaborações entre ça do “novo colégio invisível” (Wagner, 2008). investigadores de todo o mundo. As redes As redes do conhecimento científi co podem França Biologia Áustria Alemanha do conhecimento científi co podem ser vistas ser em áreas temáticas ou em programas es-

como relações de colaboração entre investi- pecífi cos ou podem ser redes alargadas com Dinamarca Medicina Clínica Suíça Investigação Biomédica gadores que promovem o conhecimento e indivíduos e organizações de outros sectores. Países Baixos a inovação. Funcionam como espaços onde As redes do conhecimento científi co são a Grécia Bélgica Brasil ocorrem trocas de informação, partilhas de base de grande parte da produção científi ca Finlândia experiência, colaborações em projectos e e fazem parte integral do processo de criação Suécia publicações em co-autoria. As redes forjam-se e de divulgação do conhecimento científi co e Canadá através de encontros em reuniões científi cas e da inovação. Publicações portuguesas em Ciências Naturais e Exactas, Engenharias e Ciências Médicas em colaboração com mais de 100 artigos. Fonte: PATRÍCIO, M. T. — “Science Policy and the Internatio- nalization of Research in Portugal”. In Journal of Studies in International Education, vol. 14, n.º 2, Maio 2010: 161-182.

SOBRE A COMUNICAÇÃO DA CÓLERA OU A CÓLERA EM REDE

Um dos primeiros e mais conhecidos mapas de uma rede com impacto sobre a saúde pública foi A internacionalização e governo designado como o Triple Helix feito por um médico inglês em 1854. John Snow, médico e epidemiologista, quis encontrar uma do conhecimento altera relações entre as mesmas, dando ori- explicação para a ocorrência de uma epidemia de cólera num bairro de Londres. Snow estava Cientistas sempre colaboraram com outros gem a partilha de características (Etzkowitz, convencido que a tese dominante na altura, a de que a cólera se espalhava através de “mau ar” ou cientistas. Mas agora a colaboração mudou 2008). Universidades fomentam empresas “ar impuro”, era incorrecta. Mas como convencer as autoridades de que tinha razão? Snow elabo- rou um mapa socio-espacial do local de residência das vitimas da cólera em Soho e descobriu a em termos de dimensão, de variedade de start-ups, empresas oferecem cursos de pós- proximidade dos locais a um poço de água onde iam buscar água. Através do mapa, ele conseguiu parceiros e internacionalizou-se radicalmen- -graduação em parceria com universidades. demonstrar que as vitimas tinham acesso à água contaminada do poço. te. As colaborações aumentaram entre inves- Um novo modelo de produção do conheci- tigadores de todo o mundo e a distância ge- mento científi co identifi ca a importância da

Poço / furo artesiano ográfi ca deixou de ser obstáculo. O aumento transdisciplinaridade, da fl exibilidade, de de publicações internacionais em co-autoria heterogeneidade e da diversidade dos con-

Street é o resultado destas colaborações. As redes textos de produção e aplicação social (Gib-

Wardour Street Dean Street não só permitem a colaboração dos pro- bons et al, 1994). Compreender as redes é Oxford Soho Square dutores do conhecimento, como também fundamental para compreender as decisões aproximam os produtores com os utilizado- das políticas em ciência e tecnologia. res do conhecimento. As redes facilitam e Marlborough Street Great Work permitem a transferência do conhecimento House científi co entre universidades, centros de in- Políticas científi cas e redes Regent Street vestigação, laboratórios, empresas, associa- As colaborações e as parcerias entre universi- ções, e grupos comunitários, criando novas dades, laboratório e centros de investigação Broad Street parcerias. e empresas passaram a ser cada vez mais va- Um dos aspectos mais importantes das redes lorizadas e os governos introduzem políticas do conhecimento científi co são as formas que encorajam estas parcerias. O Canadá ini- t Street de cooperação que vão desde a produção ciou um programa pioneiro de fi nanciamen-

Golden Rupert Street do conhecimento, à transferência e valori- to de redes de conhecimento – o Networks Square Condui Street zação económica do conhecimento. Aqui of Centres of Excellence. Há mais de vinte

r as ligações vão desde o centro de investi- anos que promove a multidisciplinaridade e

rewe B gação ou do laboratório até à empresa que a colaboração entre universidades, indústria comercializa o novo produto ou a inovação e o governo. O objectivo é promover a trans- Conventry Street e podem envolver o contributo de investi- ferência do conhecimento das universidades gadores, professores, empresarios, deciso- para a indústria. São fi nanciadas redes em res políticos, utilizadores e stakeholders. A grande escala que ligam instituições, que

Casos de cólera na epidemia de Londres de 1854. Adaptação do mapa original de John Snow. colaboração entre universidades, empresas abragem vários sectores e promovem par- JANUS 2011-2012 1.3

cerias em diferentes locais geográfi cos. A MIT/CMU/UTA UAlg aproximação dos centros e instituições de Institutos Superiores de Educação investigação com empresas e o poder local Empresas/Firmas EEM HF INESC ID Laboratórios associados ISA2 e regional liga a ciência e o conhecimento FULUL Outros institutos de Pesquisa e Desenvolvimento BAE AREAM com a sociedade em geral. Instituições públicas Zon Madeira Associações FCUP A Comissão Europeia introduziu um novo PT Inovação STOP Tecnopolo CMU instrumento no 6.º Programa Quadro de Petratex UMA INAC Investigação e Desenvolvimento Tecnoló- Alstom Delphi IBET TMG BioDevices FEUP UCP ISR-Lisboa gico (2002-2006), com o objectivo de pro- UBI Delta DSM Iber Oleff MIT UC mover redes mais duráveis entre parceiros Sunviato Biotrend UNL Autoeuropa UA FiberSensing europeus. Os Networks of Excellence (NOE) IEETA ISA1 Health Cluster Alfama EDIA promovem redes entre diferentes parceiros FCTUNL FMUC IT UM Hovione europeus por um período de 5 a 7 anos, que IST/UTL SPRM PLUX LIACC ISCTE desenvolvem um programa de actividades HSM/CHLN FCTUC IPO Lisboa ICS UTAD de integração. Este instrumento foi recon- FCUL UTA Efacec EDP Inov duzido no 7.º Programa Quadro de Inves- Madeira-ITI LNEC tigação e Desenvolvimento (2007-2013) e InIR INTELI Simoldes UE Galp continua a funcionar como modelo para fi - Tranquilidade CEIIA ITQB UP APVE CIMJ INESC Porto nanciar as redes do conhecimento científi co. AVERE Quer no caso canadiano, quer no europeu, PEditora FCSHUNL os governos e as agências fi nanciadoras pre- FLUP CdM tendem promover redes de conhecimento científi co como objectivo estratégico de con- Parceria Portugal-MIT/CMU/UTA: a rede de projectos de pesquisa e desenvolvimento (2008). Fonte: M. Barreto, B. Gonçalves, P. Lino, F. Oliveira, I. Pedreira, N. Rodrigues, R. Santos, G. Silva, T. Patrício — Portugal – MIT/CMU/UTA New Knowledge Configurations for Development. Gordon Research Conference, 2010. tribuir para a inovação e o desenvolvimento económico.

exploraram a utilização de novas metodolo- França, Estados Unidos e Espanha aparecem cia em termos de crescimento económico, As redes do conhecimento gias e técnicas visuais que respondessem ao como os principais parceiros. emprego, conhecimento científi co e bem- científico (...) vão continuar a desafi o de fornecer informação relevante, O aperfeiçoamento de mapas e de mapas -estar social – medido como os efeitos so- atrair investigadores de todas correcta e visualmente apelativa aos deci- interactivos de redes do conhecimento cien- bre a saúde e o impacto ambiental. Barabá- as áreas. sores politicos. Durante dois dias os inves- tífi co feito através de algoritmos pode vir a si, no seu livro Linked: The New Science of tigadores debateram formas inovadoras de ter várias utilidades – desde a elaboração de Networks (2002) defende que é possível o apresentar visualmente o percurso de desco- listas com nomes de especialistas para inte- mapeamento de toda a interconectividade bertas científi ca – desde as patentes às ino- grar congressos, até à identifi cação de novas humana. É possível desenvolver mapas das Portugal participa em múltiplas redes e con- vações, as mudanças disciplinares e as redes áreas científi cas para fi nanciamento. Os con- redes dos contactos de empresas, da parti- sórcios a nível europeu e internacional mas de bibliometria e o seu impacto. nectors, ou os que fazem as ligações na rede, cipação e infl uência de indivíduos em de- mais recentemente o Governo português A bibliometria, ou o estudo das publicações, são muito importantes na identifi cação dos cisões políticas públicas, mapas de grupos veio promover uma nova rede com várias das citações e do seu impacto, tem sido uma agentes e pólos de ligação. A apresentação terroristas, mapas de números de telefones universidades americanas. O programa das das técnicas mais utilizadas, permitindo vá- de mapas e a sua leitura é um novo desafi o ligados, enfi m, de todas as redes complexas parcerias internacionais com o MIT, a Car- rios tipos de análise sobre as colaborações para os investigadores e para infl uenciar os à nossa volta. ■ negie Mellon, e a University of Texas, Aus- internacionais e disciplinares. A mais utiliza- decisores de política científi ca. tin ( 2006-07) lançaram a colaboração entre da base de dados de produção científi ca é Diferentes bases de dados abrem as possi- universidades, laboratórios, centros de in- a Thomson Reuters Web of Knowledge com bilidades de produzir mapas a vários níveis vestigação e empresas a nível do ensino, da registos de 23 mil revistas de 256 disciplinas – local, regional, nacional e global – e por investigação e da inovação. e a indexação das produções científi cas atra- várias áreas científi cas. Referências bibliográfi cas vés do Science Citation Index ou do Social As redes do conhecimento científi co, as no- Science Citation Index. As representações vas metodologias de medição da ciência e a BARABÁSI, Albert-Laszlo (2002) — Linked: The New Science of Networks. Cambridge: Persus Books. A visibilidade das redes científi cas das publicações científi cas em co-autoria sua visulaização através de mapas cada vez ETZKOWITZ, Henry (2008) — The Triple Helix- Univer- A visualização das redes científi cas tem vindo é colocada em rede, onde são visíveis as mais sofi sticados e interactivos vão continu- sity-Industry-Government — Innovation in Action. Nova Iorque: Routledge. a ganhar interesse pelos decisores políticos. aproximações e colaborações entre áreas ar a atrair investigadores de todas às áreas. GIBBONS, Michael; LIMOGES, C.; NOVOTNY, H.; Num workshop organizado pela National científi cas e diferentes países. A análise das O programa norte americano Star Metrics, SCHWARTZMAN, S.; SCOTT, P. e TROW, M. (1994) — The new production of knowledge – The dynamics of science Science Foundation intitulado “A Deeper redes permite caracterizar as relações, bem fi nanciado pela National Science Founda- and research in contemporary societies. Londres: Sage Look at the Visualization of Scientifi c Disco- como analisar mudanças e dinâmicas em tion, pretende responder a este desafi o de Publications. WAGNER, Caroline (2008) — The New Invisible College – very in the Federal Context” os participantes redes complexas e em mudança. Inglaterra, avaliar o impacto do fi nanciamento na ciên- Science for Development. The Brookings Institution Press.

15 As grandes redes do conhecimento Pedro Veiga Marta Dias

A governação da Internet terminados com duas letras eram da respon- dimento (MoU, Memorandum of Understan- sabilidade de cada país, correspondendo já ding) com a então criada ICANN. Em termos aos códigos ISO de cada país, já os domínios gerais, este MoU encerrava um objectivo A GOVERNAÇÃO DA INTERNET pode ser defi - logísticas militares, não obstante alguma de- globais (.com, org, .net, edu) eram geridos e fundamental, o de efectivar a transferência nida como o desenvolvimento e aplicação pe- gradação das suas funcionalidades. comercializados em regime de monopólio, da gestão do Sistema de Nomes de Domínio los governos, o sector privado e a sociedade Atendendo à fraca capacidade de comunica- conferido via contrato, por uma empresa (DNS – Domain Names System) para o sector civil, no âmbito das respectivas competências ção das redes de telecomunicações que na americana, a NSI – Network Solutions Inter- privado, leia-se entidade sem fi ns lucrativos, e atribuições, de princípios, normas, regras, altura existiam, a tecnologia que veio a ser de- national. O modo como os domínios e outros libertando-o das supostas amarras do Gover- processos decisionais e programas comuns, senvolvida também devia funcionar bem em aspectos técnicos da Internet eram geridos no dos EUA. que regulam a evolução e utilização da Inter- ligações de baixa velocidade (à escala actual) trazia diversos problemas, dos quais realça- Depois de uma série de adendas a este MoU, net. e com uma multiplicidade de meios de comu- mos os mais notórios: i) a necessidade de só em 2006 foi assinado o Joint Project Agre- Quando se fala da governação da Internet não nicação como circuitos terrestres de vários surgimento de mais domínios globais e gené- ement (JPA), que na prática reafi rmava o se pode fi car alheio ao papel fundamental de tipos e ligações satélite. ricos, os gTLDs (Generic Top-Level Domains); conjunto de responsabilidades do ICANN no um conjunto de organizações que, à escala Estes objectivos vieram a ser os aspectos de- ii) o Cybersquatting, apropriação abusiva de que concerne às metas inicialmente traçadas, nacional, europeia e mundial, têm traba- cisivos na concepção da tecnologia que se nomes de domínios e a enorme difi culdade onde se destaca o desenvolvimento de esfor- lhado no sentido de lidar com as matérias e tornou a solução central para a ligação dos de gerir este tipo de abuso à escala mundial; ços no sentido de estabelecer a concorrência problemas que daí advém. Merecem-nos aqui principais sistemas de informação e, também, iii) a falta de competividade mundial na co- nos serviços de registo de nomes de domínio especial destaque o ICANN, o IGF, o ITU, o a tecnologia de comunicação que é a base da mercialização dos gTLDs existentes; iv) o para gTLDS (Generic Top Level Domain Sys- ISOC, a Comissão Europeia e, a nível nacio- sociedade da informação neste início do sé- facto de a Internet ser dominada pela língua tem), incluindo a implementação de novos nal, as entidades responsáveis pela gestão dos culo XXI. inglesa, renamescência técnica do código AS- TLDs (Top Level Domains – Domínios de ccTLD. No entanto foi, sem dúvida, a invenção da CII de 7 bits que inclusive não permitia a re- Alto Nível); a implementação de uma políti- Porém, não se pode compreender o que é World Wide Web que veio trazer à Internet a presentação de todos os caracteres da língua ca para Resolução de Disputas e litígios no a governação da Internet, ou melhor, aquilo capacidade de apresentação de informação portuguesa, mas que era muito mais grave âmbito do processo de registo de TLD’s (Uni- em que assenta o princípio de que a Internet num modo que contribuiu para a sua massi- para línguas não latinas; v) o sistema estável form Domain Name Dispute Resolution Po- deve ser governada, se primeiro não clarifi car- fi cação. Veio a ser possível uma globalização de distribuição dos endereços dos protocolos licy), o estabelecimento de acordos formais mos como é que esta surgiu, como evoluiu no acesso à informação, que passou a estar da Internet (endereços IP e de outros proto- com as entidades responsáveis pela gestão até aos dias de hoje e o muito que tem de cada vez mais sob a forma digital e que obri- colos); vi) a estabilidade técnica e a segurança dos diferentes TLD’s; a implementação de bom, que, na nossa perspectiva, continua a gou à mudança da forma como as pessoas e da infraestrutura de suporte à resolução de uma estratégia fi nanceira capaz de garantir sobrepor-se ao que tem de menos bom. os agentes económicos interagem entre si e nomes de domínios. a sustentabilidade da própria organização, Depois, cumpre-nos tentar esclarecer que a com a administração pública. A União Europeia teve a percepção da im- e, com especial enfoque, a gestão técnica governação da Internet não tem subjacentes portância económica e social da Internet do DNS, onde o ICANN opera em conjunto actuações e políticas mandatórias e impositi- e encetou contactos e negociações com o com a IANA (Internet Assigned Numbers Au- vas, parte antes de um modelo multipartici- O ano de 1995 e a Internet Governo dos EUA que vieram, durante a ad- torithy). pado, onde todos os intervenientes contam. para o grande público mintração Clinton, a desencadear uma série Em Junho de 2009 Viviane Reding, então co- O fi el da balança será o meio-termo que está, O ano de 1995 marcou o início do crescimen- de movimentações políticas visando a criação missária europeia para a Sociedade da Infor- por um lado, no imperativo de segurança e to da Internet junto do público em geral. Este de uma nova era no modo como a Internet mação e os Média, afi rmou: “A Internet Cor- privacidade de cada um e, por outro, numa crescimento não se verifi cou uniformemente vinha sendo gerida. Às preocupações iniciais, poration for Assigned Names and Numbers Internet livre e aberta. em todos os países, havendo um crescendo eminentemente técnicas, sucederam-se logo está a chegar a um marco histórico no seu de uso que teve início nos EUA e no Norte novas frentes de intervenção que analisamos desenvolvimento. Irá tornar-se uma organiza- da Europa e que veio a estender-se de forma de seguida. ção plenamente independente e responsável A invenção técnica da Internet pode dizer-se generalizada às outras regiões perante a comunidade mundial da Internet? As ideias que conduziram à concepção da do globo. É o que os europeus esperam e é o que va- Internet resultaram de um projecto de inves- Desde logo houve a percepção de que a Inter- A criação do ICANN mos defender. Convido os Estados Unidos a tigação aplicada, iniciado na década de 60, e net poderia vir a ser muito importante como Após algumas tentativas falhadas para criar trabalharem em conjunto com a União Euro- cujo objectivo era ligar vários computadores instrumento de desenvolvimento e começou mecanismos adequados ao crescimento da peia nesse sentido”. das forças armadas dos EUA de modo a que a verifi car-se uma preocupação sobre “quem Internet, suportado em recursos que assegu- Volvidos onze anos sobre o início do proces- a rede criada tivesse uma alta tolerância a controla a Internet”? Em especial existiam rassem uma diversidade geográfi ca e cultural, so, é assinado, a 30 de Setembro de 2009, falhas. Este requisito foi motivado pelo am- dois tipos de recursos que se tornaram ponto a sua democraticidade, a sua estabilidade téc- o Affi rmation of Commitments (AoC). Nes- biente político da Guerra-Fria e tinha como central de preocupação: os nomes dos do- nica e independência de interesses económi- ta data, tida como histórica no âmbito da fi nalidade garantir que, mesmo depois de mínios (domain names) e os endereços IP cos, veio a ser criada a ICANN (Internet Cor- governação da Internet, são formalizados uma potencial guerra em que muitos meios (numbers) usados pelos computadores da poration for Assigned Names and Numbers). vários princípios: a gestão da Internet deve de comunicação e computadores desta rede Internet. Em 25 de Novembro de 1998, o Departamen- caber a uma entidade privada sem fi ns lu- fossem destruídos, os sistemas restantes po- Em relação aos nomes de domínios (como to de Comércio dos Estados Unidos, em re- crativos, seguindo o modelo “bottom up”, dessem continuar a comunicar e a desempe- www.parlamento.pt ou www.cnn.com) verifi - presentação do Governo dos Estados Unidos a estrutura multistakeholder, aberta, trans- nhar as suas funções de apoio às operações cava-se uma situação peculiar. Se os domínios (USG), celebrou um Memorando de Enten- parente e independente. Este conjunto de JANUS 2011-2012 1.4

prerrogativas foi deixado de forma explícita A agenda do ICANN, materializada com as de Túnis para a Sociedade da Informação, to, a possibilidade de uso das TIC em novos e indubitável à ICANN. contribuições das suas diferentes organiza- vieram defi nir uma série de objectivos e sectores como o da saúde, mesmo praticada Hoje a ICANN afi rma-se como uma institui- ções de suporte, centra-se neste momento na caminhos para os atingir. Não é possível, à distância, a preservação da multiculturali- ção virada para o futuro e capaz de abraçar segurança e estabilidade da Internet – DNS- no contexto deste documento, descrever a dade da Internet, o seu uso para a preserva- os desafi os formalizados no AoC, nela estan- SEC e eCrime –, no lançamento dos novos diversidade e abrangência dos objectivos ção do património cultural, são alguns dos do representadas entidades públicas e pri- gTLD’s; nos IDN’s para os ccTLD’s e gTLD’s; identifi cados, até porque, face à natureza e muitos exemplos referidos na Agenda de vadas, governos e agências governamentais, na transição do IPv4 para o IPv6 e nas ques- diversidade cultural das comunidades envol- Túnis como podendo contribuir para o de- empresas, comunidade técnica da Internet, tões relativas ao sistema WHOIS. vidas, alguns deles acabam por ser mais de- senvolvimento. fornecedores de serviços de Internet, regis- clarações de boas intenções do que medidas Após 2005 a Agenda de Túnis tem sido trars, registries, registrants, e a própria so- concretas que possam ser acompanhadas à acompanhada, numa base anual através de ciedade civil. escala global. um encontro, o IGF (Internet Governance A ICANN assenta pois num modelo de gover- Os anos de 1995 a 2000 Queremos salientar, todavia, que há um reco- Forum) que, até agora, teve reuniões anuais nação global e aberta em rede que procura vieram a confirmar a nhecimento geral de que se entrou na era da em Atenas (2006), Rio de Janeiro (2007), um equilíbrio entre os vários interesses para a relevância da Internet Sociedade da Informação e que este facto traz Hyderabad (2008) e Sharm-el-Sheik (2009) e gestão de diversos aspectos técnicos ligados à como instrumento de oportunidades enormes, em especial para os Vilnius (2010). O IGF, cujo mandato acabou gestão da Internet. desenvolvimento. países em desenvolvimento. Mas traz para em 2010, poderá prosseguir a sua agenda até Em termos de estrutura orgânica, e numa ma- primeiro plano uma série de desafi os já anti- 2015. No entanto, cumpre destacar os traba- cro perspectiva, a ICANN está organizada da gos que é preciso ultrapassar, em especial os lhos e refl exões já realizados no âmbito, por seguinte forma: o Board e o seu presidente, relacionados com as infraestruturas de comu- exemplo, do cibercrime, da privacidade, da diversas organizações de suporte (SO –Sup- Como se disse, a actuação da ICANN tem nicações e com a formação das pessoas, para liberdade de expressão, dos recursos mais porting Organizations) e a estrutura operacio- sido diversa, embora sempre orientada em contrariar o fosso digital. É dada especial críticos da Internet. Um outro aspecto cru- nal dirigida por um CEO. O Board tem os seus linhas de intervenção mais fortes, das quais ênfase ao esforço que deve ser feito para in- cial, para muitas regiões do globo, é o do elementos eleitos por regiões geográfi cas e destacamos: internacionalização da gestão e tegrar grupos que tradicionalmente têm sido acesso à sociedade da informação. Quer com base em mandatos com duração de um, operação técnica da Internet, equidade de excluídos quando há rupturas de paradigma pelo custo ou pela escassez de infraestru- dois e três anos com a fi nalidade de assegu- representação das várias zonas geográfi cas e como as mulheres, os idosos, os migrantes, turas, nota-se que há milhões de pessoas rar a maior representatividade e diversidade a segurança e estabilidade da infraestrutura os portadores de defi ciência, até porque há no Mundo que estão privadas do acesso à possível. As regiões geográfi cas são: África, central da Internet. a convicção, que estes grupos podem ser os sociedade da informação. Assim, uma das América do Norte, América Latina e Caraíbas, que mais podem benefi ciar com a Sociedade linhas de maior esforço, mas também das Ásia e Europa. da Informação. mais complicadas de resolver, é o do acesso Se bem que se reconheça que muitos dos as- Os desafi os globais Nos Princípios Chave da Agenda de Túnis à infraestrutura de comunicações, que está pectos da Internet são do interesse público, Os anos de 1995 a 2000 vieram a confi rmar a podemos salientar o seguinte: aposta num intimamente ligado aos passos seguintes que o papel dos governos é tratado pela ICANN relevância da Internet como instrumento de modelo multi-stakeholder para o desenvol- são o acesso aos equipamentos (computado- de um modo particular e inovador, com todos desenvolvimento. Também houve a percep- vimento da Sociedade da Informação, pelo res ou dispositivos análogos) e o da literacia os aspectos polémicos a isso associados. Há ção de que havia muitos assuntos a discutir reconhecimento do papel crucial do sector para o mundo digital. ■ um órgão de aconselhamento, o GAC (Gover- para além dos aspectos técnicos globais que privado na disponibilização das infraestru- nment Advisory Committee) que prepara as o ICANN tinha começado a tratar e muitos de- turas, no papel dos média numa sociedade linhas de orientação e os pareceres que são safi os para um mundo que se estava a tornar baseada no conhecimento, na necessidade levados em consideração pelo Board no seu cada vez mais global. de uma maior cooperação entre entidades processo de tomada de decisão. Estes pare- A WSIS – World Summit on the Information públicas e privadas para defrontar o facto de ceres são elaborados por iniciativa própria ou Society é uma iniciativa das Nações Unidas, os problemas de segurança serem globais e a pedido do presidente do ICANN. Refi ra-se organizada em torno de duas conferências críticos para que os utilizadores tenham con- que no AoC foi claramente reforçado o papel que tiveram lugar em 2003 (Genebra) e 2005 fi ança no uso da Internet e nas tecnologias do GAC no processo decisional, não só a nível (Túnis) com o objectivo central de ultrapas- da informação. politico e estratégico, como também na pró- sar o fosso digital entre países ricos e países Este modelo multi-stakeholder preconiza Lista de Acrónimos pria coordenação técnica do DNS. pobres, e ver como a sociedade da infor- uma colaboração, intervenção e partilha de ICANN – Internet Corporation for Assigned Names and Relativamente às organizações de suporte mação pode ser um instrumento central de responsabilidades entre governos, o sector Numbers destacamos: o CCNSO (Country Code Name desenvolvimento, melhoria da qualidade de privado nas suas várias dimensões, a socieda- gTLD – Generic Top-Level Domain Supporting Organization), o GNSO (Global vida e desenvolvimento sustentável. de civil, onde as ONG tem um papel chave e ccTLD – Country Code Top-Level Domain ITU – International Telecommunications Union Names Supporting Organization), o ASO A Declaração de Princípios de Genebra e o os cidadãos. ISOC – Internet Society (Address Supporting Organziation) e a At- Plano de Acção (site ITU) foram os primeiros O acesso à informação e ao conhecimento, IGF – Internet Governance Forum EuroDIG – European Dialogue on Internet Governance Large. At-Large é a designação atribuída áque- documentos que permitiram identifi car as a capacitação das pessoas para a sociedade IPv4 - Internet Protocol Version 4 les que procuram representar os utilizadores linhas mestras que a comunidade mundial da informação, a criação de ambientes se- IPv6 – Internet Protocol Version 6 individuais da Internet à escala global e que classifi cou como relevantes. Os documentos guros e confi áveis, a protecção dos direitos Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS. procuram dar o seu contributo na formulação que vieram a ser aprovados em Túnis, o Com- de propriedade intelectual, a necessidade de NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). Disponível em: das linhas políticas da ICANN. promisso de Túnis e, em especial, a Agenda investir na investigação e no desenvolvimen- http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art6

17 As grandes redes do conhecimento Pedro Veiga Marta Dias

A Internet e as novas das empresas, mas também as próprias em- mais de 40 países possam adoptar um regi- presas. Mas a lei nacional não se fi cava por me legal similar no domínio do cibercrime e dimensões legais aqui e o Código Penal fi xava o regime jurí- da recolha de prova em suporte electrónico, dico da burla informática, onde, diga-se, ao em matéria relativa a ataques contra sistemas contrário da LCI, não há a responsabilidade de informação. NA EUROPA TAMBÉM EXISTE, de igual e nem sempre o direito internacional tem da pessoa colectiva. O que esta lei traz de novo é, nomeadamen- modo, uma crescente atenção para os pro- respostas para as questões que se levantam. Entretanto, a 23 de Novembro de 2001 Por- te, a tipifi cação de novos crimes que visam blemas na área da governação da Internet. A Acresce o facto de a nível nacional não haver tugal aderiu à Convenção do Cibercrime, a fazer face a novos paradigmas como a Inter- Europa será, quiçá, a região do globo onde lei específi ca ou, havendo-a, poderem levan- qual tinha como principal meta a harmoni- net, por exemplo o crime de “phishing”; o há uma maior estruturação do pensamento tar-se dúvidas sobre a sua aplicação. zação das legislações nacionais dos Estados- facto da mera propagação de vírus informá- nesta área. Foi criado um fórum de discus- Ao nível da protecção dos dados pessoais, a -membros da União Europeia em matéria ticos passar a ser punida, mesmo sem haver são destes temas, o EuroDIG (European Comissão Nacional de Protecção de Dados, de criminalidade cometida por estes meios, danos informáticos; a possibilidade de o tri- Dialogue on Internet Governance), onde se enquanto entidade nacional de controlo bem como facilitar a cooperação internacio- bunal decretar a perda a favor do Estado dos estudam e discutem os desafi os presentes e dos dados pessoais, tem lançado várias nal e as investigações de natureza criminal. objectos, equipamentos ou dispositivos que futuros que a Internet está a trazer para a campanhas de sensibilização tendo em vista tiverem servido para a prática dos crimes agenda da sociedade europeia. alertar o público em geral para o perigo da nela tipifi cados. Trata-se de uma lei aplicável circulação de dados pessoais na Internet. O aos crimes informáticos, àqueles que sejam regime jurídico aplicável nesta sede limita a No domínio da Internet as cometidos electronicamente e, ainda aos Alguns aspectos Legais possibilidade de tratamento de dados a duas fronteiras esbatem-se, ou ilícitos cuja prova esteja guardada em supor- da rede global situações concretas: as que resultam da lei simplesmente desaparecem, te digital. Mas, reforçando tudo aquilo que A constatação do poder e do crescimento da e aquelas que advêm do consentimento li- e nem sempre o direito já tivemos oportunidade de expor acima, Internet levou à suposta necessidade da sua vre, informado e expresso de cada um. Fora internacional tem respostas esta lei vem de forma expressa e inequívo- governação. Quando se fala de governação, destas situações fi camos num terreno lodoso para as questões que se ca salientar e formalizar o papel da coope- a lei é de imediato chamada à colação, se- que merece e se espera ter tutela jurídica. levantam. ração internacional. Fá-lo ao longo de seis guem-se os órgãos de polícia criminal e, em Ora, aqui a indefi nição surge quando, por artigos onde são estabelecidas as formas e última instância, os tribunais. Nesta matéria exemplo, o sistema jurídico aplicável é o de meios com as quais as autoridades nacionais identifi cam-se duas posições opostas: por um país onde pode simplesmente não haver competentes cooperam com as suas congé- um lado a que defende que a governação da lei que regule o tratamento de dados pes- A 15 de Setembro de 2009 foi publicada a Lei neres internacionais. Mais ainda, prevê-se a Internet é um imperativo de segurança, sen- soais; veja-se o caso dos Estados Unidos da nº 109/2009, também denominada Lei do Ci- preservação e revelação expedita de dados do que esta só existe se houver regulação e América, onde prevalece um puro modelo bercrime. Esta nova lei estabelece as dispo- informáticos para efeitos de investigação se houver controlo sancionatório. Por outro de mera “accountability” em detrimento da sições penais materiais e processuais, bem criminal, fi xando-se prazos rigorosos para lado, a posição que defende que a governa- protecção dos dados pessoais, como a temos como as disposições relativas à cooperação a salvaguarda dos mesmos. Neste campo a ção é contranatura, assumindo-se mesmo, hoje em países como Portugal e como a Ale- internacional em matéria penal, relativas ao cooperação vai assim para além dos opera- na vertente mais radical, como um meio manha. domínio do cibercrime e da recolha de pro- dores da justiça, abrangendo os prestadores de censura à própria Internet. Entre nós a Em 1991, através da Lei n.º 109/91, de 17 va em suporte electrónico, transpondo para de serviços de comunicações electrónicas. posição dominante é hoje a da governação de Agosto, foi publicada a Lei da Criminali- a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro Por fi m, a título de regime geral aplicável mínima que concilie a liberdade de cada um dade Informática (LCI); esta lei inspirou-se n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fe- prevê-se que em tudo o que não contrarie com a necessária privacidade, segurança e na Recomendação 89/9 do Conselho Euro- vereiro, relativa a ataques contra sistemas de o disposto na lei da cibercriminalidade, respeito pelos direitos, liberdades e garan- peu, tendo adoptado a lista facultativa dos informação, e adaptando o direito interno à aplicam-se aos crimes, medidas processuais tias de cada um e de terceiros. tipos criminais constantes daquela Reco- Convenção sobre Cibercrime do Conselho e cooperação, as disposições do Código Pe- A protecção dos dados pessoais, a defesa mendação, a título de exemplo: falsidade da Europa. É pois revogada a Lei da Crimi- nal, do Código do Processo Penal e da Lei dos direitos de propriedade intelectual e informática; dano relativo a dados ou pro- nalidade Informática, que já tinha atingido a n.º 144/99, de 31 de Agosto. Reforça-se por direitos conexos, a luta contra a cibercrimi- gramas informáticos; sabotagem informáti- maioridade. Simultaneamente com a publi- fi m o facto de o tratamento de dados pesso- nalidade, a protecção dos menores a quem é ca; acesso ilegítimo; intercepção ilegítima e cação da Lei do Cibercrime, foram no mes- ais, a que acima já fi zemos menção, se dever reconhecida especial debilidade no âmbito reprodução ilegítima de programa protegi- mo dia aprovadas e ratifi cadas a Convenção regular pelos termos do disposto na Lei n.º da utilização diária dos recursos da rede, do. As molduras penais dos crimes de base sobre o Cibercrime (passados oito anos) e 67/98, de 26 de Outubro. em particular as redes sociais, os direitos iam entre pena de multa a pena de prisão o Protocolo Adicional à Convenção sobre o Em suma, dizer que hoje o legislador está de dos consumidores em geral, os eventuais até três anos, com excepção dos casos em Cibercrime Relativo à Incriminação de Actos costas voltadas para a Internet é fazer letra constrangimentos no acesso comercial aos que os crimes eram qualifi cados, podendo de Natureza Racista e Xenófoba Praticados morta do quadro legal vigente. Resta a ques- serviços Internet e a respectiva regulação pe- a pena ir até 10 anos (na sabotagem infor- através de Sistemas Informáticos, adoptado tão da morosidade na aplicação da justiça; las autoridades competentes em cada país, mática). A Lei da Criminalidade Informática em Estrasburgo em 28 de Janeiro de 2003. essa sim, continua a ser incontornável. são algumas das pedras de toque quando se previa ainda a responsabilidade criminal Esta lei concretiza aquilo a que Portugal se Não sendo possível aqui explorar exausti- aborda os aspectos legais da Internet. das pessoas colectivas que pratiquem estes obrigou no âmbito da convenção do ciber- vamente todo o referido quadro legal, não No domínio da Internet as fronteiras es- crimes (e diversas penas acessórias), isto é, crime. Trata-se de um instrumento de coo- podemos ainda deixar de fazer menção a batem-se ou simplesmente desaparecem, pelos crimes respondem os administradores peração internacional, já que se prevê que algumas das disposições da lei fundamental: JANUS 2011-2012 1.5

a Constituição da Republica Portuguesa. Ao ções e que são sempre chamadas a propor e da segurança nessa operação com a imple- criação de um mercado único digital, maior longo de todo o seu articulado encontramos dar parecer sobre alterações ao regulamento mentação das extensões DNSSEC. Desde o interoperabilidade, reforço da confi ança na disposições como o artigo 35.º e o artigo aplicável. Este órgão acaba por ser o exem- dia 1 de Julho de 2010, encontra-se em vigor Internet e da sua segurança e o acesso muito 37.º O n.º 6 do artigo 35.º dispõe que “A plo do modelo hoje entendido como sendo o novo regulamento de registo de domínios mais rápido à Internet para todos os cida- todos é garantido livre acesso às redes infor- a base de uma “boa” governação da Internet, de .pt marcado pela maior fl exibilização dos dãos. máticas de uso público (…)”, o artigo 37.º já que tem uma composição multistakehol- subdomínios .com.pt e .org.pt, mais segu- O papel crescente que a Internet tem na estabelece na sua epígrafe a liberdade de der onde estão representadas entidades rança para o .pt, e adopção formal do centro nossa sociedade tem levado a um maior expressão e informação, e concretiza na sua como o INPI – Instituto Nacional da Pro- de arbitragem ARBITRARE para a resolução envolvimento dos governos nos diversos redacção que todos têm o direito de expri- priedade Industrial, a Associação Portuguesa de confl itos nessa área aspectos desta rede. Se alguns governos se mir e divulgar livremente o seu pensamento, para a Defesa do Consumidor – DECO; a preocupam sobre o impacto económico e por qualquer meio, sem impedimentos nem ANACOM – Autoridade Nacional de Comu- social da rede, do seu uso como instrumen- discriminações. Sabendo nós que, como re- nicações, a Direcção Geral do consumidor, Notas Finais to de desenvolvimento e democraticidade, gra, as normas legais não podem prevalecer a APREGI – Associação de Prestadores de A promoção da sociedade digital é uma das outros procuram controlar a rede para sobre os princípios fundamentais do Esta- Registos de Domínios e Alojamento, assim bandeiras da Estratégia Europa 2020, lança- evitar que esta seja usada para fi ns políti- do de Direito democrático protegidos pela como entidades de reconhecido mérito na da no passado mês de Março pela Comissão cos contrários aos seus interesses. É neste Constituição, facilmente entendemos a dico- área da Internet. Europeia (CE). Nesse seguimento, foi publi- mundo de enorme diversidade que o pro- tomia segurança/liberdade e a necessidade Com a consciencialização do impacto da In- cada pela CE, no passado dia 19 de Maio, a blema da governação da Internet se move, de balancear estes valores quando falamos ternet e do valor jurídico e económico dos Agenda Digital que, no seu todo, prevê 100 procurando seguir aborgadens inovadoras em governação da Internet. nomes de domínio nos fi nais dos anos 90, medidas, com um calendário de aplicação e que garantam um crescente uso da rede Já tivemos oportunidade de identifi car o a FCCN, enquanto Registry de .PT, publi- que vai até 2015. A Agenda está dividida em com segurança, estabilidade e abrangência papel que determinadas entidades têm em ca um novo regulamento com o objectivo sete domínios prioritários que passam pela universal. ■ matéria de governação da Internet, destacá- de facilitar e acomodar os registos sob .PT mos oportunamente a intervenção dos “re- consoante a actividade e público-alvo dos gistries” nacionais a quem cabe a responsa- mesmos, sendo então criados os seguintes bilidade pela gestão do ccTLD de cada país. classifi cadores: .org.pt, .publ.pt, .gov.pt, Assim sendo, cumpre-nos fazer uma breve .net.pt, .nome.pt, .int.pt, .edu.pt, .com.pt análise do que em Portugal se tem feito a (este último sem restrições ao registo, fl exi- este propósito. bilizando assim o acesso ao registo de no- mes de domínio, o que veio a verifi car-se, tornando-se este classifi cador a primeira O registo de nomes de escolha logo abaixo do registo directamente domínio em Portugal sob .PT). De 1991 a 1996 o registo de nomes de domí- Em 2003 são de novo revistas as regras de nio sob .PT baseava-se numa análise mera- registo de nomes de domínio de .PT, desta- mente técnica. Com a evolução do número cando-se então a introdução de um sistema de registos, surgem em 1996 as primeiras de arbitragem na resolução de litígios no regras para registo de domínios sob .PT, ain- âmbito dos nomes de domínio, a abolição da muito incipientes e adaptadas às necessi- de algumas proibições e a redução do preço dades da época, cuja principal preocupação de submissão e manutenção de domínios, era o combate ao cybersquating. medidas que favoreceram o aumento do A Resolução do Conselho de Ministros n.º número de registos sob o TLD .PT. Nova al- 69/97, de 5 de Maio, veio clarifi car, na ordem teração em 2006, que acaba por consolidar jurídica portuguesa, os termos e abrangên- um conjunto de princípios: a prossecução cia da responsabilidade e papel da FCCN e de uma política que visa evitar o registo es- Lista de Acrónimos remeteu para o ministro da Ciência e da Tec- peculativo e abusivo de nomes de domínios ICANN – Internet Corporation for Assigned Names and nologia a competência para “dirimir todas as sob .PT, conforme com as melhores práticas, Numbers divergências que possam vir a existir entre a incluindo as recomendações da Organização gTLD – Generic Top-Level Domain FCCN e os requerentes ou benefi ciários dos Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI); ccTLD – Country Code Top-Level Domain ITU – International Telecommunications Union domínios ou subdomínios Internet específi - a utilização de uma política de resolução ISOC – Internet Society cos de Portugal.” extrajudicial de litígios – processo de arbi- IGF – Internet Governance Forum EuroDIG – European Dialogue on Internet Governance É então criado o Conselho Consultivo do tragem; a possibilidade de registo de nomes IPv4 - Internet Protocol Version 4 DNS de .PT, órgão com funções de consul- de domínios/subdomínios com caracteres IPv6 – Internet Protocol Version 6 ta composto por entidades de reconhecido especiais do alfabeto português; a correcta Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS. mérito na área da Internet, da propriedade confi guração e operação do servidor primá- NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). Disponível em: intelectual e industrial e das telecomunica- rio da zona DNS PT, e a assunção prioritária http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art6

19 As grandes redes do conhecimento José Vítor Malheiros

O tsunami digital ainda 2008Digital 2013 Digital Não digital Não digital mal começou 21% 31%

SE HOUVESSE ALGUMA DÚVIDA sobre a turais profundas, a migração para o digital 79% 69% importância crescente da economia digital e mostra um ímpeto ilustrado pelas taxas de sobre o papel central que os média digitais já crescimento da Internet nos países do Leste ocupam na vida dos cidadãos, bastaria consul- europeu: de 2000 a 2010 a Internet na Rússia tar os indicadores de crescimento dos últimos cresceu 1800%, na Ucrânia 7500%, na Repú- Migração digital da despesa global em Entretenimento e Marketing (2008-2013). anos e dos últimos meses para compreender blica Checa 570% (Internet World Stats, 2010). Fonte: PricewaterhouseCoopers LLP, Wilkofsky Gruen Associates © WAN-IFRA 2010. que a deslocação para o mundo digital é uma A violência do nivelamento é indicador do bai- vaga de fundo imparável. xo ponto de partida mas a enxurrada é tam- de 25.800 milhões de dólares de vendas em média supunham seu para sempre. Os fabri- Apesar da crise, da ansiedade perante o futu- bém um sinal da sofreguidão das empresas, 2005 para 103.000 milhões em 2014). cantes de equipamentos (computadores, ta- ro, do receio de recessão, os média digitais dos cidadãos e das instituições pelo online. Globalmente, de 2008 para 2013, a fatia do blet PC, telemóveis, smartphones, e-readers) continuam a mostrar uma evolução invejável mercado mundial do entretenimento e do são uma das forças motrizes, infl uenciando a e vão continuar nesse caminho até 2014. Essa A maturidade do mercado online marketing que vai ser digital vai passar de acção dos produtores de conteúdo clássicos é uma das conclusões do relatório “World É no mercado dos média, com um valor glo- 21% para 31% (WAN-IFRA). Lembram-se da- e absorvendo uma parte de leão das receitas Digital Média Trends 2010” da World Asso- bal de 1.320.000 milhões de dólares em 2009, queles que menosprezavam as elevadas taxas (veja-se o caso do IPhone, Kindle ou IPad). ciation of Newspapers and News Publishers que se encontram os exemplos mais gritantes de crescimento dos mercados digitais por in- Outro exemplo: o consumo de média passa (WAN-IFRA), que constitui uma das referên- da migração para o digital. No período de cidirem sobre números muito baixos? O ano hoje em grande medida por sites que não são cias na área. Entretanto, enquanto o digital 2005 a 2014, as maiores taxas de crescimento de 2010 fi ca na história como o ano em que produtores tradicionais de média mas que cresceu, os média tradicionais (jornais em vão pertencer à publicidade online (11,4% essas vozes se calaram. É possível continuar a passaram a ser as fontes preferidas dos consu- papel, TV) continuaram a perder terreno ou de crescimento por ano), aos jogos de com- desfi ar números destes ao longo de milhares midores de notícias. Nos EUA, a maioria dos a estagnar – e as médias mundiais não são putador (10,6%) e ao acesso à Internet (9%). de páginas e o sentido é sempre o mesmo. consumidores (57%) diz preferir a Internet piores porque o crescimento destes meios na Os jornais em papel, que representavam um Não há uma área onde o online não cresça, para ler as notícias, mas destes apenas 8% es- Ásia e na América Latina compensa em parte o mercado de 179.000 milhões em 2005, de- quase sempre com taxas de dois dígitos. E a colhem jornais online para o fazer. A maioria seu decréscimo nos EUA e na Europa. verão descer para 160.000 milhões em 2014 tendência continua até onde a vista alcança. dos restantes prefere um agregador de notí- A União Internacional de Telecomunicações – o que vai signifi car uma perda do primei- cias como o Google ou o Yahoo. anunciou que, antes do fi nal do ano de 2010, ro lugar neste mercado, que vai passar a ser Um mercado defi nido por seria atingida a marca dos dois mil milhões de ocupado pelo acesso à Internet. A TV também novos protagonistas Todas as faixas etárias estão online utilizadores da Internet, o dobro do que havia sobe, tanto as assinaturas como a publicida- O panorama mediático que esta migração Apesar da confusão, porém, há tendências em 2005, um terço da população mundial. E de, mas há cada vez mais TV a ser vista através digital desenha não é fácil de aceitar para os claras. esta maré de gente está a voltar-se em massa do computador ou do telemóvel e cada vez jornais em papel, que perdem leitores, vendas Uma das coisas que é clara é que a migração para os consumos digitais. Desses dois mil mi- menos a ser vista no televisor, uma evolução e publicidade em favor do online e que se lan- digital está a acelerar, porque os utilizadores lhões há 1200 milhões que estão nos países que é visível principalmente nas camadas çam numa vertente suicida de redução de cus- mais velhos também estão a migrar e mais de- em desenvolvimento, mas o número esconde mais jovens (“Beyond Content”, IBM Institute tos. E não é fácil de perceber para ninguém. pressa do que se esperava. O online não é só uma profunda desigualdade: enquanto nos for Business Value, 2010). A revolução do online destruiu modelos de dos jovens com menos de 25, como supunha países desenvolvidos 71% da população tem Se considerarmos apenas o mercado mundial negócio bem estabelecidos – como o dos o preconceito – ainda que esses tenham aí acesso à Web, isso só acontece com 21% da da publicidade, a TV vai continuar a ocupar jornais em papel – e ainda não se sabe que uma posição de liderança. Um dos problemas população dos países em desenvolvimento e o primeiro lugar por mais uns anos, mas o modelos os vão substituir. E muitas empresas é que os média tradicionais vão ter de deixar menos de 10% dos africanos (UIT, 2010). Mas segundo lugar, que pertencia aos jornais, vai não sabem se conseguirão sobreviver ao novo de contar com as receitas dos clientes mais quando não é travada por debilidades estru- passar a ser ocupado pela Internet (que passa ecossistema. Mas é inegável que os média di- conservadores, que esperavam que pudessem gitais fervilham de inovação e estão a marcar alimentar o negócio nos moldes de antiga-

1.800.000 1.690.298 Acesso Internet (fixo e móvel) o ritmo do mundo. mente ainda durante uns anos. 1.600.000 Publicidade online (fixo e móvel) Uma das características desta mudança vertigi- Outra tendência forte é a adesão ao telemó- 1.356.574 Assinaturas e licenças de TV 1.400.000 Publicidade na TV nosa é que ela é, em grande medida, de base vel e outros dispositivos wireless para acesso 1.174.261 1.200.000 Música gravada tecnológica, mas tem a ver, antes de mais, à Web. No fi nal de 2010 havia 5300 milhões 1.000.000 Filmes Jogos de computador com a forma como essa tecnologia é apropria- de telefones celulares no mundo e destes 800.000 Revistas da pelos consumidores. Os SMS ou a explo- 940 milhões tinham acesso à Internet. Os 600.000 Jornais 400.000 Rádio são das redes sociais são exemplos óbvios. europeus já passam mais tempo a navegar na 200.000 Publicidade exterior Um dos factores mais inesperados é que a Web através de dispositivos móveis (6,4 horas Edição de livros 0 mudança tem sido liderada por novos acto- por semana) que a ler jornais (4,8 horas) ou 2005 2010 2014 Publicações institucionais res, que não pertenciam aos média tradicio- revistas (4,1 horas). Há neste momento 121 Mercado global de Entretenimento e Media por segmento (2005, 2010 e 2014, em milhões de dólares). Fonte: PricewaterhouseCoopers LLP, Wilkofsky Gruen Associates © WAN-IFRA 2010. nais e que se apoderaram de um papel que os milhões de utilizadores com acesso a banda JANUS 20112012 1.6

larga wireless na Europa e 71 milhões que delidade em relação a cada um deles. Já não Estudos feitos nos EUA e Grã-Bretanha pela deo no bolso) é outra das grandes tendências acedem à Internet através do seu telemóvel lemos um só jornal, nem vemos um só canal indústria de comunicações móveis mostram actuais. E a vulgarização da captação e difusão pelo menos durante uma hora por dia. Na de TV nem pertencemos a uma só rede social. que os utilizadores de dispositivos móveis de vídeos através de redes sociais móveis vai Turquia há até mais pessoas a aceder à Inter- Não é por acaso que os motores de pesqui- dedicam mais tempo às redes sociais como o também certamente infl uenciar de forma sen- net através do seu móvel que do seu PC: 21% sa se tornaram a principal porta de entrada Facebook, MySpace ou Twitter do que os uti- sível a actuação dos média. contra 20% (European Interactive Advertising na Web: estamos sempre à procura e sempre lizadores de PC (GSMA/ComScore, 2010). O Association, 2010). dispostos a encontrar melhor. E a facilidade fenómeno é demasiado recente para ter sido O que se perde no meio de transferência para outro fornecedor é um incorporado pelos média, mas ele pode alte- de todos os ganhos dos nossos critérios fundamentais de escolha. rar radicalmente a forma como média e con- Se fosse possível sumarizar as tendências nos A revolução do online sumidores se relacionam. A capacidade não média digitais, poderíamos dizer que o mer- destruiu modelos de negócio Fazer negócio com conteúdos grátis? só de consultar informação mas de a partilhar, cado se parece encaminhar para conseguir bem estabelecidos – como Apesar do crescimento dos média digitais, criticar e discutir com a sua rede em qualquer fornecer diferentes conteúdos (da informa- o dos jornais em papel – isso não fez desaparecer os problemas do momento e em qualquer lugar pode facilitar ção ao entretenimento e à publicidade) a e ainda não se sabe que sector, a meio caminho entre dois mundos. a colaboração entre consumidores e produto- diferentes pessoas (diferentes idades, interes- modelos os vão substituir. Ainda vivemos a crise dos modelos de negó- res de média, permitindo, por exemplo, que ses), organizadas em redes de múltiplos tipos, cio do passado e muitos negócios ainda não os utilizadores possam criar eles próprios ou situadas em diferentes locais e momentos, encontraram as soluções que funcionam na enriquecer serviços de informação microlo- através de diversas plataformas e médiante O êxito de dispositivos como o IPad, conce- Web (ver “Os modelos de negócio”). cal – uma das áreas em que os média apos- diferentes formas de pagamento. Todos os bidos especialmente para o consumo móvel Estes novos consumidores online – nós! tam para sobreviver no novo contexto. Este caminhos parecem possíveis e surgem novos de média online (a Apple vendeu 7,5 milhões – são em geral muito relutantes em pagar tipo de colaboração – a que se dá o nome tipos de transacções todas as semanas, sendo de IPads de Abril a Setembro de 2010) vem conteúdos, ainda que aceitem fazê-lo quando de crowdsourcing – e que tem sido tentado evidente que os consumidores possuem um reforçar a convicção de que estes produtos se valorizam o produto – como demonstram os com grande êxito noutros contextos (veja-se papel mais determinante que nunca na defi - irão tornar de facto produtos de massa, com milhões de aplicações pagas vendidas para o a Wikipedia), pode ser grandemente facilita- nição dos produtos e serviços que compram. um enorme efeito dinamizador no mercado. IPad, muitas delas envolvendo o acesso a con- do pela performance de novos dispositivos O que falta saber, no meio desta plétora de Ainda que o seu preço relativamente eleva- teúdos de jornais e revistas. Por outro lado, como o IPad. O crescimento do vídeo, faci- ofertas, moduladas para todas as circunstân- do seja um obstáculo, praticamente “toda a mais de metade dos proprietários de dispositi- litado pela penetração da banda larga móvel cias, é o preço que os cidadãos estarão dis- gente” (73% dos que conhecem o aparelho) vos móveis de acesso à Internet está receptivo (uma área onde Portugal está particularmente postos a pagar por elas e se não haverá algum afi rma que gostaria de comprar um nos à ideia de ter de ver publicidade se em troca bem colocado, com o segundo melhor valor bem essencial – como a independência do próximos três anos (The Boston Consulting puder benefi ciar de acesso grátis aos conte- da UE, depois da Finlândia) e pela ubiquida- jornalismo – que acabe por não encontrar lu- Group, 2010). údos que lhe interessam (The Nielsen Com- de das câmaras (todos trazemos câmaras ví- gar em nenhum modelo de negócio. ■ pany, 2010). Um outro estudo refere mesmo Sempre ligados e habituados que mais de metade dos utilizadores se mos- OS MODELOS DE NEGÓCIO a escolher tra disposto a fornecer dados pessoais que Que consumidores são estes? O que querem? interessam às empresas em troca de acesso Há um problema central nos média digitais que se chama “modelo de negócio”. O problema tem O que estão dispostos a comprar? Para já, po- gratuito a conteúdos (IBM Institute for Busi- afectado em particular os jornais – que se lançaram na Web com serviços gratuitos – mas afecta demos dizer que os consumidores estão a fi car ness Value, 2010), confi rmando uma despreo- também outras áreas como a TV, a música ou o vídeo. habituados a estar sempre ligados (always on) cupação com a defesa dos dados privados que Há anos que se debatem duas teses: a) é possível fi nanciar um jornal com um modelo baseado em e essa exigência vai ser generalizada. Para além faz salivar as empresas de marketing mas que publicidade, semelhante ao usado pela TV e pela rádio b) os leitores acabarão por se dispor a pagar por conteúdo de qualidade através de assinaturas, micropagamentos ou outra forma. O debate disso, estão cada vez mais habituados a esco- preocupa os activistas dos direitos humanos. mantém-se há anos e é alimentado por inúmeras experiências, com resultados ambíguos dos dois lher o que querem e quando querem (on de- lados da barreira. Um dos problemas é que os utilizadores da Web não estão habituados a pagar, mand), como sempre fi zeram na Web, e não a Em rede, a caminho e em grupo encontram facilmente alternativas gratuitas de qualidade para os serviços gratuitos que passam a ver o que passa na TV. Assistimos a uma nítida Outra tendência recente mas que se reforça ser vendidos, não hesitam em piratear o que não querem pagar e também não suportam a massa deslocação do poder dos produtores para os a olhos vistos é a explosão do uso das redes de publicidade que suportavam na TV. Na prática, um leitor de jornais online gera 18 vezes menos consumidores, pela simples razão de que a sociais através de dispositivos móveis. Já receita (em assinaturas e publicidade) que um leitor de jornais de papel e um espectador de TV oferta é imensa e converge numa mesma rede tínhamos dado pela revolução das redes so- online gera três vezes menos receita que um espectador de TV tradicional (“Beyond Content”, IBM que pode ser acedida através de virtualmente ciais, mas agora elas estão nos telemóveis, nos Institute for Business Value, 2010). Como fazer, com estes números, para manter de pé empresas qualquer dispositivo. Se uma oferta não esti- tablet PC e em todo o lado. Não basta estar cujo funcionamento sempre foi caro? Uma proposta avançada para reeencontrar as receitas é o “modelo mosaico”, onde os jornais online tentam apostar em tudo o que mexe que possa dar ver alinhada (em conteúdo, preço, acessibili- sempre ligado, é preciso estar sempre ligado dinheiro, desde doações de leitores a clubes de vinhos (“New Revenue Models for Newspaper Com- dade) com os desejos, gostos e necessidades a toda a gente. O Facebook já ultrapassou os panies”, WAN-IFRA, 2010). Que o velho modelo de negócio “quiosque+publicidade” está morto, do consumidor, este encontra facilmente ao 517 milhões de utilizadores e o Twitter os não suscita dúvidas. Que é pouco provável que se encontre um novo modelo fi ts all também parece lado quem consiga captar a sua atenção. 100 milhões. E há milhares de redes sociais: a suscitar consenso. O modelo de negócio dos jornais do futuro será certamente não um mas muitos, A facilidade com que os consumidores subs- chinesa QZone tem 200 milhões de utilizado- adaptados a diferentes públicos e obrigando as novas empresas a uma constante adaptação a nova tituem um serviço por outro não é estranha res; Bebo, 117 milhões; Orkut, 100 milhões; tecnologia e aos novos hábitos dos leitores. O problema é que, no “modelo mosaico” que muitos ao facto de que hoje consumimos um remix Friendster, 90 milhões; Hi5, LinkedIn e Badoo jornais estão a explorar, se cruza muitas vezes a fronteira entre informação e publicidade, em nome de serviços online, mantendo uma menor fi - 80 milhões cada... da facturação. O que pode pôr em causa a única razão por que os jornais merecem sobreviver.

21 As grandes redes do conhecimento José Rebelo

Os grandes grupos de informação mínio da imprensa (Gruner & Jahr), da edi- Um programa de análise política muito co- ção de livros (Random House), da indústria nhecido em França, intitulado «Le Grand e de comunicação no mundo gráfi ca (Arvato), da discografi a (Gabszewicz Jury», é animado por três jornalistas: um do e Sonnac, 2006: 57-61). jornal diário Le Figaro que pertence ao gru- po Dassault; outro da LCI, canal de televisão A GLOBALIZAÇÃO económica, fi nanceira e a formação de correntes de opinião, gera- do grupo Bouygues; outro, ainda, da RTL, política, que marcou o virar de século, teve doras de novas oportunidades negociais. E A organização em rede num cadeia de estações de rádio propriedade de uma dupla incidência, ao nível dos consumos caber-lhes-ia, ainda, servir de moeda de troca contacto de economia vertical Bertelsmann. Esse programa passa em direc- e ao nível do funcionamento do aparelho pro- quando as estratégias empresariais estivessem A prática de uma economia vertical, suscep- to na RTL e na LCI e o essencial do respec- dutivo. Ao nível dos consumos, padronizan- pendentes de uma decisão política. tível de garantir a omnipresença do grupo tivo conteúdo é publicado, no dia seguinte, do, homogeneizando vontades e estilos de no campo dos média, implica uma organi- no Le Figaro. vida: da grande cidade à minúscula aldeia. Ao zação em rede, concretizada na detenção Quanto à conexão entre pessoas. Bernard nível do aparelho produtivo, deslocalizando Globalização e novas estratégias de partes do capital noutras empresas de Arnault, “o homem mais rico de França” as unidades fabris: tudo poderia ser produ- de gestão média, na criação de sociedades comuns, no como proclamam as revistas de sociedade, zido e tudo poderia ser comercializado em Na actualidade, os grandes grupos multimé- reforço de relações comerciais, na conexão é CEO do grupo LVMH, iniciais das três qualquer ponto do globo. dia privilegiam uma gestão vertical, estando entre pessoas. Daí que a ideia de concorrên- grandes empresas que se reuniram para dar Importava, para o efi caz funcionamento do presentes e, frequentemente, em posição cia, tal como tradicionalmente é entendida, origem a um grupo gigante no sector da sistema, superar os constrangimentos associa- hegemónica, nos mais diversos sectores se afaste cada vez mais daquilo que efectiva- comercialização de artigos de luxo: Louis dos à existência do Estado-nação. Importava, ligados à informação e à comunicação. O mente se observa neste domínio. Acresce o Vuitton, Moët e Hennessy. No palmarés do por outro lado, fazer rodar uma nova estru- grupo francês Bouygues, por exemplo, custo cada vez maior da visibilidade inerente grupo existem afamadas marcas de bebidas, tura empresarial baseada na concentração da detém a maioria do capital do primeiro ca- à criação de um novo jornal ou revista, de de roupa e de produtos de beleza como instância de decisão e na dispersão geográfi ca nal, em audiência, da televisão generalista uma nova estação de rádio ou de um novo Moët & Chandon, Veuve Cliquot, Don de antenas ou fi liais dessa instância concen- francesa, a TF1. Em 1989, abriu um canal canal de televisão. Custo incomportável para Pérignon, Louis Vuitton, Givenchy, Ken- trada. Gradualmente, verifi cou-se a “deslo- de notícias, a LCI. Seis anos mais tarde ad- uma iniciativa independente. Quando o gru- zo, Christian Dior, Guerlain. Mas o grupo cação do poder e tomada de decisões para quiriu uma importante empresa produtora po Bertelsmann lançou, em França, a revista LVMH é, igualmente, proprietário do jornal locais cada vez mais distantes daqueles onde de programas televisivos de divertimento, a Télé Deux Semaines, um terço da publicida- diário de informação económica, Les Echos, os efeitos dessas decisões se fazem sentir” Glen. Em 1996 lançou a TMC, vocacionada de do lançamento foi feito no canal M6, pro- e de um vasto leque de publicações perió- (Klein, 2002: 492). para a aquisição e exploração de direitos priedade do grupo. Os restantes dois terços dicas, da economia à cultura: La Tribune, de transmissão de programas audiovisuais. passaram na TF1, do grupo Bouygues, com Investir, Défis, Connaissance des Arts e Le Quatro anos depois, constituiu, com a Mi- o qual Bertelsmann tem parcerias. Monde de la Musique. Ora, Bernard Arnault O papel dos média na globalização ramax, fi lial da Disney, um grupo de inte- Prevalece, pois, uma espécie de entendimen- é membro do conselho fiscal do grupo La- Os média iriam constituir factores decisivos resses económicos que lhe permitiu entrar to funcional entre grandes. gardère. Por sua vez, Arnaud Lagardère é para a imposição/aceitação dessa nova or- no negócio da distribuição de produtos Os grupos Bouygues, Berlusconi e Murdo- membro do conselho de administração de dem. Para tal, deveriam, eles próprios, adap- cinematográfi cos. Em 2003, celebrou um ch associaram-se para fundar um canal de LVMH. tar-se aos novos contextos. Adaptaram-se, acordo com a Warner reforçando, assim, a televisão, a TV Breizh, que difunde para a através de lógicas de concentração segundo sua posição neste último sector. O grupo região da Bretanha. Dassault e Lagardère etapas bem diferenciadas. Em primeiro lu- Bertelsmann, de capitais maioritariamen- associaram-se no âmbito de uma empresa A transnacionalização dos média gar, pela formação de grupos multimédia te alemães, lidera o mercado europeu da destinada à publicação de jornais gratuitos Assiste-se, à escala planetária, a uma autênti- essencialmente nacionais. Depois, pela comunicação. Através da multiplicação de (Marseille Plus, Lyon Plus, Lille Plus). La- ca partilha de zonas de infl uência, onde cada transnacionalização dos capitais investidos. fi liais assegura posições importantes no do- gardère e Socpresse (fi lial de Dassault) edi- um dos principais grupos multimédia bene- Diluíram-se, assim, as fronteiras. Distancia- tam, em conjunto, a revista Version Femina fi cia de posições hegemónicas. ram-se os lugares do trabalho e da decisão. com uma tiragem superior a três milhões de A News Corporation, de Rupert Murdoch, Finalmente, pela transectorização dos capi- “MÉDIA E MARKETING: A TF1” exemplares. Estas mesmas empresas criaram líder da edição de jornais diários em língua tais transnacionalizados. Ao lado, ou melhor, O papel da TF1 consiste em ajudar a Coca- um grupo de interesses económicos cujo inglesa, dissemina os seus produtos pelo em relação de simbiose com os grupos mul- -Cola a vender o seu produto” confessava objectivo consiste em adquirir, em conjun- Reino Unido e pelos Estados Unidos da Amé- timédia, surgiram sociedades prosseguindo Patrick Le Lay, antigo presidente daquele ca- to, todo o papel necessário para as publica- rica, assim como pelos continentes asiático e os mais variados interesses: do turismo à nal de televisão francês, citado pela Agência ções que editam, baixando, deste modo, o australiano. O grupo Vivendi, proprietário a noticiosa France Presse, num serviço datado especulação imobiliária, da comercializa- respectivo preço. Associaram-se, ainda, para 100% do Canal Plus, canal francês codifi cado de 9 de Julho de 2004. E o mesmo dirigente ção de produtos alimentares à indústria de dar origem a uma empresa vocacionada para com mais de doze milhões de assinantes, é acrescentava: “Mas, para que uma mensagem armamento, da comercialização de dados à seja captada, é preciso que o cérebro do a angariação e colocação de publicidade ao detentor de 53% do capital social da prin- gestão fi nanceira (Rebelo, 2002: 162). Nessa telespectador esteja disponível. As nossas nível local. Bouygues e Bertelsman subscre- cipal empresa marroquina de telecomuni- malha, aparentemente desmaterializada, ca- emissões têm por vocação torná-lo dispo- vem uma larga maioria do capital social da cações, a Maroc Telecom, e, através desta, beria aos média a tarefa de contribuir para a nível, divertindo-o, repousando-o. O que TPS, empresa de televisão digital, com mais controla o capital de empresas similares no ampliação da procura. vendemos à Coca-Cola é o tempo do cérebro de 200 canais e um milhão e seiscentos mil Burkina Faso, no Gabão, na Mauritânia, no Mas caber-lhes-ia, também, contribuir para humano disponível. assinantes. Mali. JANUS 2011-2012 1.7

Associado ao trust norte-americano AOL, e ao ou implícita, com outras de outra natureza, Chomsky e Edward Herman analisaram a crescente que fundos de investimento como banco Itaú, do Brasil, o grupo venezuelano levaria o fi lósofo Michel Serres a reconhecer, composição dos conselhos de administração Cinven, Carlyle e Apax-partners têm vindo Cisneros, um dos mais importantes de toda num texto que publicou em 1988: “Consta- dos dez principais grupos de comunicação a assumir no capital dos referidos grupos. a América Latina, constituiu, em 1999, a AOL to a existência de um poder como nunca se nos Estados Unidos: Dow Jones, Washington Segundo um estudo publicado na edição de Latin América da qual viriam a emergir a AOL viu em nenhuma outra sociedade […]. Mas, Post, New York Times, Time, CBS, Times-Mir- 1 de Março de 2005 do jornal francês Les Brasil, AOL México, AOL Argentina, AOL Por- não sendo esse poder de natureza tipica- ror, Capital Cities, General Electric, Gannett, Echos, fundos de investimento controlam to Rico. A iniciativa não correspondeu, no mente material, não consigo imaginar que Knight-Ridder. E concluíram: 41,1% dos 22% do capital de Bouygues, 37% do capi- entanto, aos objectivos esperados pelo que, contrapoder se poderá levantar contra ele” administradores eram directores executivos tal de Lagardère e 45% do capital de Vivendi alguns anos mais tarde, Cisneros e associados (in Lefebvre, 1989). de multinacionais; 8,4% banqueiros; 13,7% Universal. O objectivo desses fundos consis- deram-na por terminada, vendendo os res- E os exemplos multiplicam-se. antigos industriais e capitalistas reformados; te em revender rapidamente o capital adqui- pectivos bens patrimoniais a preços simbó- O grupo Lagardère possui 33% do capital da 8,4% juristas; 4,2% consultores de empresas rido realizando, em cada operação, elevadas licos. Em 2008, A AOL Latin América iniciou Aérospatiale-Matra, quinta potência mundial privadas. O dobrar do milénio veio confi r- mais-valias. Daí que os capitais circulem uma nova tentativa de implantação no conti- na indústria militar e na aeronáutica. O gru- mar, senão acentuar, tal preponderância. incessantemente e quase que imperceptivel- nente sul americano, agora na Argentina, no po Bouygues investe no sector da constru- mente. Até porque, e eis a terceira razão que Chile, na Colômbia e na Venezuela, propondo ção civil e obras públicas, assim como nas explica a pulverização do capital dos grupos uma série de serviços ligados à Internet. Mas redes de captação e distribuição de água Pulverização do capital multimédia de dimensão planetária, estes as investidas do grupo Cisneros, no sector da potável. No conselho de administração da Os grandes grupos multimédia são geral- estão cotados na Bolsa. Ora, é suposto que informação e da comunicação, não fi cam por News Corporation, de Rupert Murdoch, fi - mente identifi cados pelo nome do seu uma empresa cotada na Bolsa apresente be- aqui. Associado à General Motors, criou a DI- guram representantes de empresas como fundador ou principal accionista. É assim nefícios e atinja níveis de rentabilidade com- RECTV Latin América que agrupa 150 cadeias Boeing, Nike, Apple, British Airways. O gru- que falamos do grupo Dassault, do grupo paráveis, no mínimo, aos de outros sectores de televisão implantadas em 28 países, com po Cisneros é parte interessada em empre- Lagardère, do grupo Bouygues, do grupo de actividade. A não ser assim, os fundos de uma gama de serviços que vai da telefonia ao sas como Procafe (indústria de torrefacção), Murdoch, do grupo Bertelsmann, do grupo investimento e outros detentores de capital comércio electrónico e à transmissão de da- Pizza Hut (restauração), Spalding (equipa- Berlusconi, etc. Trata-se de antonomásias transaccionam, de imediato, as suas acções, dos (Rebelo, 2009: 181). mentos desportivos), Panamco (bebidas que, no entanto, não nos devem ocultar um precipitando a respectiva desvalorização e, alcoólicas), e está na origem da Gengold, aspecto fundamental: é que grande parte do por conseguinte, a descapitalização das res- segunda companhia de extracção de ouro capital desses grupos está pulverizado, aca- pectivas empresas. no mundo. Um dos principais canais de tele- bando por não se conhecer, com exactidão, E tudo concorre para que os média sejam Assiste-se, à escala visão da Rússia, a NTV, pertence à Gazprom, os seus autênticos titulares. Em primeiro considerados como uma mera mercadoria, planetária, a uma autêntica empresa proprietária de quintas, de fábricas lugar, pelo desenvolvimento das estratégias sujeita a um vaivém que é fruto de interesses partilha de zonas de de produtos agro-alimentares, de centros de de transectorização às quais já fi zemos refe- comerciais, para além de outros bem mais influência nos grandes grupos saúde, de hotéis de luxo, de clubes priva- rência. Em segundo lugar, pela importância obscuros. ■ de informação dos e de bancos. Particularmente activa na indústria mineira e das águas medicinais, a Gazprom controla cerca de um quinto das reservas mundiais de gás natural e assegura um quarto da produção do planeta. A Fi- A RTL, do grupo Bertelsmann, tem participa- ninvest, de Sílvio Berlusconi, tem ligações

ção, quase sempre maioritária, no capital so- a empresas de capital fi nanceiro italianas, Referências bibliográfi cas cial de 23 canais de televisão generalista e te- britânicas e sauditas. Na trajectória profi s- BAUDRILLARD, Jean (1983), La société de consommation – ses mythes, ses structures, Paris: Gallimard. mática, na Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e sional de alguns dos principais accionistas BOURDIEU, Pierre (1979), Le Sens pratique, Paris: Éditions de Minuit. Hungria. Participa, igualmente, no capital de do grupo Bertelsmann, como Albert Frère, BOURDIEU, Pierre (1982), Ce que parler veut dire, l’économie des échanges linguistiques, Paris: Fayard. BOURDIEU, Pierre (1997), Sobre a televisão, Oeiras: Celta. 24 estações de rádio, distribuídas por nove ocupam lugar de destaque responsabilida- BRÉMOND, Janine (2005), “Alliances et partenariats dans la télévision privée”, in Sur la concentration des medias, Pris: Liris. países europeus. O grupo Lagardère, através des nos sectores da banca e do petróleo (Re- CHOMSKY, Noam e HERMAN, Edward (1994), Manufacturing Consent. The Political Economy of the Mass Media, Londres: Vintage. da sua fi lial Hachette Filipacchi Médias, é o belo, 2009: 180). Na Vivendi, verifi ca-se que, DERRIDA, Jacques e HABERMAS, Jürgen (2004), Le «concept» du 11 septembre, Dialogues à New York (octobre-décembre primeiro editor mundial de newsmagazines, no capital social do grupo, aparecem, a par 2001) avec Giovanna Borradori, Paris, Galilée. ESQUENAZI, Jean-Pierre (2002), L’Écriture de l’Actualité, Pour une sociologie du discours médiatique, Grenoble: PUG. com 263 revistas em 39 países. Enfi m, mais de instituições fi nanceiras francesas como o GABSZEWICZ, Jean, SONNAC, Nathalie (2006), L’Industrie des medias, Paris: La Découverte. de metade dos 113.000 assalariados do gru- Crédit Agricole, a Banque Nationale de Paris/ GADAMER, Hans-Georg (1995), Langage et Vérité, Paris: Gallimard. po de comunicação Bouygues trabalha fora Paribas e a Société Générale, subscritores de GEUENS, Geoffrey (2003), Tous Pouvoirs Confondus – Etat, Capital et Médias à l’ère de la mondialisation, Antuérpia: Editions EPO. de França. outros países e regiões: Emirates Interna- KLEIN, Naomi (2002), No Logo, Lisboa: Relógio d’Água. tional Investment Company, Abu Dhabi In- LIPOVETSKY, Gilles, SERROY, Jean (2008), La Culture-monde, Réponse à une société désorientée, Paris: Odile Jacob. MIGNOT-LEFEBVRE, Yvonne, LEFEBVRE, Michel (1989), La société combinatoire – réseaux et pouvoirs dans une économie en vestment Authority, Bank of America, Crédit mutation, Paris: l’Harmattan. Transectorização Suisse, Caisse de Dépôts et de Gestion de MOSCOVICI, Serge (1981), L’Âge des Foules, Paris: Fayard. REBELO, José (2002), O Discurso do Jornal, Lisboa: Notícias Editorial. Uma malha fl uida, difusa, de interesses im- Marrocos. REBELO, José (2009), “O lugar do ‘outro’ e do ‘diferente’ nos média”, in Janus 2009, Portugal no Mundo, Lisboa: UAL/Público. bricados, onde empresas multimédia se en- Em Manufacturing Consent. The Politi- Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS.NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). trelaçam, se combinam, de forma explícita cal Economy of the Mass Media, Noam Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art5

23 As grandes redes do conhecimento José Rebelo

Uniformização dos conteúdos / marcando zonas de implantação à escala presa controlada pelos respectivos trabalha- planetária; inscrevendo-se em conjuntos dores – jornalistas, empregados e quadros naturalização do real cada vez mais alargados e mais complexos administrativos – acabou nas mãos de três de empresas ou grupos com os mais diversi- importantes homens de negócios franceses fi cados objectivos comerciais, económicos e que, em Junho de 2010, se dispuseram a pa- O QUOTIDIANO É FEITO DE UM ETERNO Valem-se, para o conseguir, de três disposi- fi nanceiros; anonimizando o seu capital: os gar uma dívida que ascendia, já, aos 150 mi- TRILHAR, em ziguezague, por entre proble- tivos: o dispositivo de institucionalização, o grupos multimédia contribuem, assim, para lhões de euros. São eles: Pierre Bergé, indus- mas como desemprego, saúde, habitação. dispositivo de explicação e o dispositivo de o acelerar dos processos de naturalização, trial de confecções de luxo, muito próximo Problemas que são e não são nossos pro- repetição. para a fi xação de estereótipos, para o agen- do costureiro Yves Saint Laurent; Matthieu blemas. São nossos problemas na medida Dispositivo de institucionalização, consubs- damento dos temas que irão cruzar o espaço Pigasse, vice-CEO do Banco Lazard e Xavier em que nos afectam directamente, em que tanciado nas operações de classifi cação, de público. Niel, CEO do grupo de telecomunicações deles somos vítimas. Não são nossos proble- ordenação e de tipifi cação das experiências Contribuem pelo que dizem ou escrevem. francês Iliad. Assumindo o poder num jor- mas, na medida em que a sua génese nos é que perdem, assim, a sua originalidade, a sua E contribuem pelo que não dizem ou não nal com o prestígio do Le Monde, coroaram, exterior. Trata-se de problemas que conhe- singularidade para se diluírem no interior de escrevem. “Os média eliminam ‘naturalmen- assim, projectos de entrada no campo da ceram um processo de naturalização. E é, paradigmas exteriores aos sujeitos. te’ do espaço público certo tipo de factos e informação e da comunicação. Com efeito, justamente, esse processo de naturalização Dispositivo de explicação, que inclui uma di- escolhem outros aos quais dão visibilidade”, na altura em que se dispuseram a investir no que nos faz perder a ideia de exterioridade. mensão de racionalidade e uma dimensão de nota Jean-Pierre Esquenazi. “Uma crítica co- Le Monde, Pierre Bergé era já proprietário Que faz com que não tenhamos consciência racionalização. Enquanto esforço racional de erente dos média, prossegue este sociólogo, do magazine Têtu e Mattieu Pigasse do se- plena da construção de um itinerário que, interpretação, sublinha Esquenazi (2002: 78), não pode contentar-se em analisar o discur- manário Les Inrockuptibles, revista que se se não nos é imposto, nos é insinuado. Que a explicação propõe argumentos passíveis de so mediático efectivamente produzido. Deve distingue pela irreverência com que aborda faz com que se estabeleça uma espécie de serem expostos e, portanto, refutáveis. En- ter também em conta o não-discurso mediá- questões ligadas ao universo da música, do cumplicidade entre dominante e dominado, quanto tentativa racionalizante, ela está liga- tico. Determinar quais são os factos sociais cinema, da literatura e da televisão. Xavier através da qual o dominado, negligenciando da a um modo de vida particular e representa que não são, ou nunca são, mediatizados é Niel, por seu lado, criara a Fundação Free a sua condição de dominado, ou nem sequer uma visão normativa, uma tentativa de impo- uma maneira de apreender as escolhas ope- ofi cialmente destinada a dotar todos os lares dela se apercebendo, reconhece, e ao reco- sição de uma ordem social específi ca. radas” (2002: 70). franceses de uma linha telefónica gratuita, nhecer legitima, fundamenta o estatuto do Dispositivo de repetição já que, insaciavel- de um acesso gratuito à Internet, e de um dominante. Ou, citando Bourdieu, que faz mente repetidos nos média, “numa espécie serviço de antena permitindo a captação de com que o dominado “se esqueça de si e se de encantação ritual, forma esconjuratória, Os produtos globais e o fi m todos os canais não codifi cados da televisão ignore, submetendo-se [ao dominante] da litania jornalística, refrão retórico” (Derri- dos projectos autónomos digital terrestre. mesma maneira que contribui, ao reconhe- da, 2004: 134) os acontecimentos impõem- E fazem-no directa e indirectamente. cê-lo, para fundá-lo” (1982: 119). Naturaliza- -se-nos. Inscrevem-se no nosso discurso Fazem-no directamente, através da força ção pela qual se fabricam adesões. Se forjam ordinário. Incorporam o nosso exército de decisiva dos seus próprios produtos: os cha- O efeito mimético da uniformização consensos. Não os “consensos comuns” de pré-conceitos (Gadamer, 1995: 110). “Pela mados “produtos globais”, como o concurso de temas inspiração kantiana mas os que ocultam es- repetição”, assinala Moscovici, “a ideia dis- televisivo “A roda da fortuna” que integrou Fazem-no indirectamente, através desse ima- tratégias que Gramsci designaria por “hege- socia-se do seu autor; transforma-se numa a grelha de programação de televisões do ginário social que constroem e que se vai mónicas”. evidência independentemente do tempo, do mundo inteiro. Ou benefi ciando de regimes repercutir, em cascata, nas opções editoriais lugar e da pessoa; deixa de ser a expressão de quase monopólio em vastos sectores do de outros órgãos de comunicação social. É de quem fala e passa a ser a expressão da mercado. As revistas do grupo Lagardère, o “efeito mimético”, trabalhado por Pierre Dispositivos de aquisição do real coisa de que se fala” (1981: 198-199). É por como Elle e Paris Match, venderam, em Bourdieu (1997). É a teoria de Baudrillard Os grandes meios de comunicação social isso que a evocação do ”11 de Setembro” re- 2004, mais de mil milhões de exemplares. sobre “a mais pequena diferença marginal” funcionaram, desde sempre, como motores mete automaticamente para o acto terrorista A Vivendi Universal e o grupo Bertelsmann, (1983) que baseia a identidade de um jornal desses processos de naturalização. Inscre- contra as torres gémeas de Nova Iorque. Mas este em associação com a Sony BMG, são num duplo pressuposto: trazer algo que os vem-se, a montante, num “espaço social”, foi também a 11 de Setembro que Salvador responsáveis pela edição de metade dos dis- outros não trazem e trazer tudo quanto os no entendimento que Pierre Bourdieu dá Allende caiu, vítima de balas assassinas. O cos produzidos em todo o mundo. A mes- outros trazem. ao conceito (1979), que é o lugar de tudo “11 de Setembro”, de Nova Iorque, foi ob- ma Vivendi Universal que, segundo o IDATE É, em suma, o efeito de uniformização de aquilo que nos distingue, o lugar onde se jecto de um processo de datação. O “11 de (empresa de investigação e consultoria, se- temas e de abordagens que transborda dos manifestam contradições e lutas sociais. Setembro”, de Santiago do Chile, não foi. diada em Montpellier), possui um catálogo grandes grupos para contaminar todo o Mergulhando nesse “espaço social”, onde com mais de 10.000 fi lmes e mais de 40.000 campo dos média. vão buscar personagens e objectos que se horas de programas de televisão. E que dizer As reacções provocadas pela tentativa de propõem mediatizar, os órgãos de comu- O papel dos média no acelerar da importância, na informação circulante, de construção de uma mesquita em Lodi, povo- nicação social funcionam como transpor- dos processos de naturalização jornais como The Times, Wall Street Journal, ação situada a uma trintena de quilómetros tadores/aceleradores de hierarquias ou de Estrategicamente organizados segundo um Le Figaro, Libération, todos eles pertencen- de Milão, são elucidativas a este respeito. A normas que são as hierarquias ou as normas modelo de gestão vertical; dispostos em tes a grandes grupos? iniciativa, de um núcleo de imigrantes ára- deste ou daquele grupo social e respectivos rede, através de alianças, de protocolos de Mesmo o Le Monde que, desde a sua fun- bes, provocou a reacção imediata de repre- interesses. colaboração, de intercâmbios pessoais; de- dação, em 1945, era exemplo único de em- sentantes da Igreja católica e de formações JANUS 2011-2012 1.8

políticas de direita. Um cardeal, arcebispo dirigentes como Romano Prodi, defensor da ecrãs estão em todo o lado: dos ecrãs de bol- a liberdade não está ameaçada pelo défi ce, de Bolonha, apelou à redefi nição da política laicidade do Estado e da coabitação pacífi ca, so aos ecrãs gigantes, do GPS ao BlackBerry, pela censura, pela limitação, mas pela so- imigratória italiana, de maneira a favorecer não deixava de referir posições como as as- da consola de jogos ao ecrã atmosférico, do breinformação, a overdose, o caos. Não é a os imigrantes católicos em detrimento dos sumidas pelo arcebispo de Bolonha. ecrã de vigilância ao ecrã médico, da moldura informação que falta: estamos cheios dela; muçulmanos, considerados incompatíveis digital ao telemóvel que se torna, ele próprio, o que falta é o método para que cada um se com um país historicamente votado a Cris- um ecrã multifunções dando acesso não só possa orientar nesta sobreabundância indi- to. Insistiu na aplicação do princípio de à Internet como ao visionamento de fi lmes, ferenciada, possa alcançar um distanciamen- “reciprocidade” – “devemos receber os mu- Os grupos multimédia ao GPS como à agenda digital. Um mundo to analítico e crítico, condição indispensável çulmanos da mesma maneira que eles nos contribuem [...] para a fixação de ecrãs transformado em web-mundo […] à criação de sentido” (2008: 87). recebem a nós, cristãos” – e alertou para a de estereótipos, para o Nada se consegue fazer, da tarefa mais com- Resta a questão da televisão digital terrestre, “invasão” muçulmana que constituiria uma agendamento dos temas que plicada à mais insignifi cante, sem passar por tecnologia que se deve generalizar em Portu- ameaça para a “identidade italiana”. A Liga irão cruzar o espaço público. um computador. O homo sapiens deu lugar gal até ao ano de 2012. Permitirá ela a afl u- do Norte, declaradamente xenófoba, baseou ao homo ecranis” (2008: 82, 83). ência de novos operadores e a produção de as suas intervenções públicas na dicotomia Mas também é verdade que os grandes conteúdos inovadores? O exemplo da França natural/artifi cial. Seria “natural” o compor- Tirando conclusões da mediatização do grupos incluem na sua área de negócios, não constitui bom prenúncio. Como salienta tamento “são”: a família tradicional, a reli- acontecimento e da sua repercussão pública, empresas de telecomunicações, serviços de Janine Brémond (2005: 48, 49), mais de dois gião maioritária e os bons costumes “que Fábio Perocco, que partiu deste tema para acesso à Internet. Também é verdade que terços dos canais de televisão digital terres- nos caracterizam”. Seria “artifi cial” o com- o capítulo que assinou num livro sobre o preenchem, cada vez mais, os ecrãs dos te- tre foram distribuídos a grupos dominantes: portamento daqueles que a Liga do Norte papel das religiões na formação identitária lemóveis com os seus próprios programas cinco ao grupo Vivendi (Canal Plus); seis rapidamente identifi cou como “comunistas” europeia, sublinhou a confusão estabelecida – desportivos, de fi cção, etc. – e que, na ao grupo Bouygues (TF1); cinco ao grupo e “terroristas”. Um ministro de Berlusconi entre o Islão, como religião, e o mundo mu- Internet, se sucedem as edições on-line dos Bertelsmann (M6); três ao grupo Lagardère. insurgiu-se, sempre a propósito do projecto çulmano, no seu todo. Confusão que é pasto seus próprios jornais e revistas. E é ainda Dos seis canais atribuídos a recém-chegados de construção da mesquita, contra os “ini- para interpretações simplistas, validando verdade que, por decisão política, o fl uxo de ao mercado, três foram para o grupo AB (si- migos” que, antes, constituiriam uma ame- estereótipos erguidos sobre ocorrências mensagens pode ser interrompido. Veja-se o gla formada a partir das iniciais dos apelidos aça exterior e que, agora, se agrupavam no constantemente evocadas (o caso Rushdie, que se passou na China e, mais recentemen- dos fundadores Jean-Luc Azoulay e Claude interior das próprias fronteiras italianas. O o porte do tchador e a condição feminina, te, durante as manifestações populares que Berda). Auto-intitulado “independente”, o governador do Banco de Itália referiu-se, ne- os rituais envolvendo sacrifício de animais, agitaram a capital de Moçambique. grupo AB está estreitamente ligado à TF1 e gligente, àqueles que não são mais do que etc.). Na sua opinião, o Islão, apresentado É um duplo problema que se coloca. Por um a captação da publicidade que veicula nos uma “força de trabalho”, logo, incapazes de como uma ameaça, teria funcionado como lado, é um problema político e, a este nível, seus produtos está a cargo do grupo Lagar- constituir uma fonte de diversidade e de re- espelho onde se refl ectiriam todas as ques- é de um combate que se trata, no qual as dère. Com muito poucos assalariados, no- novação cultural. tões não resolvidas da história e da política partes envolvidas não dispõem, pelo menos meadamente jornalistas, AB é já conhecido Este o quadro referencial que serviu de italianas, nomeadamente as questões da uni- por enquanto, de armas iguais. Por outro, é como expressão do fast-food televisivo. Se- ponto de partida para as diversas coberturas dade nacional (Perocco, 2008: 153). Idêntica um problema ligado ao excesso, selecção e gue uma lógica low-cost baseada na progra- mediáticas. Diversas, porque protagonizadas refl exão foi desenvolvida por Joseph Maïla verifi cação da informação. Recorrendo, de mação de enlatados. por variados meios de informação. Mas mui- que, em vésperas do debate sobre a Carta novo, a Lipovetsky e a Serroy: “No Ocidente, E nada impede que o modelo prolifere. ■ to semelhantes nos seus pressupostos e nos Constitucional europeia, declarou, num seus argumentos. artigo publicado na revista Esprit: “A não-

Segundo uma investigação levada a cabo pela Europa foi o revelador da Europa”. Referências bibliográfi cas própria rede nacional de televisão RAI, a res- BAUDRILLARD, Jean (1983), La société de consommation – ses mythes, ses structures, Paris: Gallimard. pectiva cobertura televisiva havia privilegia- BOURDIEU, Pierre (1979), Le Sens pratique, Paris: Éditions de Minuit. do a palavra dos autóctones, ensurdecendo O desafi o das novas tecnologias BOURDIEU, Pierre (1982), Ce que parler veut dire, l’économie des échanges linguistiques, Paris: Fayard. BOURDIEU, Pierre (1997), Sobre a televisão, Oeiras: Celta. as razões invocadas pelos imigrantes árabes. É verdade que a Internet e o telemóvel re- BRÉMOND, Janine (2005), “Alliances et partenariats dans la télévision privée”, in Sur la concentration des medias, Pris: Liris. Da mesma forma, uma análise de conteúdo volucionaram o mundo da informação e da CHOMSKY, Noam e HERMAN, Edward (1994), Manufacturing Consent. The Political Economy of the Mass Media, Londres: Vintage. às notícias e comentários publicados na oca- comunicação. É verdade que qualquer um de DERRIDA, Jacques e HABERMAS, Jürgen (2004), Le «concept» du 11 septembre, Dialogues à New York (octobre-décembre sião por dois jornais politicamente diferen- nós pode, através dos novos média, emitir e 2001) avec Giovanna Borradori, Paris, Galilée. Corriere de la Sera ESQUENAZI, Jean-Pierre (2002), L’Écriture de l’Actualité, Pour une sociologie du discours médiatique, Grenoble: PUG. ciados, o , de direita, e o receber conteúdos. É verdade que os ecrãs GABSZEWICZ, Jean, SONNAC, Nathalie (2006), L’Industrie des medias, Paris: La Découverte. Repubblica, da esquerda moderada, revelou do computador e do telemóvel se enchem GADAMER, Hans-Georg (1995), Langage et Vérité, Paris: Gallimard. que, na sequência das manifestações contra de petições, de convocações, de mensagens. GEUENS, Geoffrey (2003), Tous Pouvoirs Confondus – Etat, Capital et Médias à l’ère de la mondialisation, Antuérpia: Editions EPO. o projecto de construção da mesquita, nos Em La Culture-monde, réponse à une société KLEIN, Naomi (2002), No Logo, Lisboa: Relógio d’Água. primeiros dias de Outubro de 2000, o Cor- désorientée, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy LIPOVETSKY, Gilles, SERROY, Jean (2008), La Culture-monde, Réponse à une société désorientée, Paris: Odile Jacob. MIGNOT-LEFEBVRE, Yvonne, LEFEBVRE, Michel (1989), La société combinatoire – réseaux et pouvoirs dans une économie en riere intitulou em grandes parangonas: “Mis- constatam: “A partir de uma nova linguagem mutation, Paris: l’Harmattan. sa contra a mesquita”, “Tensão em Lodi”. Os planetária – a digital – desenvolve-se uma MOSCOVICI, Serge (1981), L’Âge des Foules, Paris: Fayard. REBELO, José (2002), O Discurso do Jornal, Lisboa: Notícias Editorial. seus textos insistiam no paradigma da “fa- tecnologia cuja inacreditável e inelutável pro- REBELO, José (2009), “O lugar do ‘outro’ e do ‘diferente’ nos média”, in Janus 2009, Portugal no Mundo, Lisboa: UAL/Público. mília italiana” e no “perigo do Islão”. Já o gressão o século XXI vai descobrindo, ano Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS.NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). Repubblica, embora concedendo a palavra a após ano, mês após mês. Actualmente, os Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art5

25 As grandes redes do conhecimento Estrela Serrano

Grupos de comunicação social Generalistas Musicais Informativos 14 em Portugal Região Autónoma da Madeira 22 Região Autónoma dos Açores 22 Viseu 1 11 ESTE ARTIGO TEM COMO OBJECTIVO a ca- Subsector rádio Vila Real 11 racterização geral do sector da comunicação Em 2009, o sector da rádio era composto por Viana do Castelo social, centrada na identifi cação e caracteri- um total de três operadores de cobertura na- 17 Setúbal 3 zação dos principais grupos de comunicação cional, 2 de âmbito regional e 329 operado- 22 Santarém social, em Portugal. Antes, porém, como en- res licenciados para cobertura local. O total 24 Porto 1 4 quadramento geral, é apresentada uma carac- de operadores locais era composto por 296 7 Portalegre terização dos subsectores Imprensa, Rádio e empresas licenciadas para o exercício da ac- 20 Leiria Televisão. tividade em 233 concelhos de Portugal Conti- 21 Lisboa Por razões de espaço, não é possível apro- nental, 11 na Madeira e 22 nos Açores. 1 7 10 fundar a análise, pelo que se optou por uma Veja-se em quadro anexo a incidência geográ- Guarda 12 Évora vertente essencialmente expositiva. fi ca dos canais locais, generalistas e temáticos 1 17 de radiodifusão no Continente e nas Regiões Coimbra 1 10 Autónomas, no universo dos 347 canais. Castelo Branco 1 11 Caracterização geral do sector Bragança 16 da comunicação social Braga 1 11 O sector da comunicação social caracteriza- Subsector televisão Beja 25 se por grande mutação, pelo que qualquer Até ao fi nal de 2009 existia em Portugal um to- Aveiro 1 21 análise sobre o mesmo deverá ter em conta tal de 43 serviços de programas (vulgo, canais) Algarve 1 o momento temporal a que respeita. Os da- de televisão, distribuídos entre generalistas 051015 20 25 dos usados na elaboração do presente artigo (10) e temáticos (32+ ARTV/Canal Parlamen- Distribuição geográfica dos serviços de programas generalistas e temáticos de radiodifusão, referem-se ao ano de 2009 e têm como fontes to). Veja-se também em anexo a evolução da 2009. Fonte: Relatório de Regulação de 2009 da ERC. principais os relatórios de regulação da Enti- televisão por cabo e por cabo ou satélite (ca- dade Reguladora para a Comunicação (ERC) nais temáticos) desde 1999 até fi nais de 2009. e estudos realizados por entidades externas

para a ERC, além dos sítios electrónicos dos 2009 grupos e das empresas que os constituem e os Principais tendências do sector relatórios e contas individuais e consolidados. No actual contexto de crise económico-fi nan- 2008 ceira mundial e nacional que afecta particu- 2007 larmente o sector da comunicação social, os Subsector da Imprensa grupos de média ensaiam novos modelos de 2006 O subsector da imprensa está em permanente negócio, criando sinergias dentro dos próprios 2005 transformação, devido ao surgimento de no- grupos, reduzindo despesas com pessoal, pro-

vas publicações periódicas, empresas jornalís- curando adaptar-se ao novo contexto marca- 2004 ticas e empresas noticiosas, e à cessação de do pela inovação e criatividade e fazer frente edição ou de actividade de outras. à quebra no investimento publicitário – no 2003 Em 2009 inscreveram-se na ERC 230 novas passado recente a sua mais importante fonte 2002 publicações periódicas, ao mesmo tempo que de fi nanciamento, juntamente com a venda de se constatou o fi m de edição de 430, cujos conteúdos – e à concorrência da internet. 2001 registos foram cancelados. No mesmo lapso A imprensa é, previsivelmente, o meio que mais 2000 temporal, inscreveram-se 18 novas empresas lentamente recuperará da actual situação, uma

jornalísticas (5 sociedades unipessoais, 11 vez que, sendo o mais afectado pela migração 1999 sociedades por quotas e 2 sociedades anóni- digital, sofre directamente a redução de circu- MOV RTPN SIC K AR TV TVI 24 BIGGS HOT TV mas) e 17 cessaram actividade. lação e, como tal, as receitas de publicidade. TV CINE TV CINE 2 TV CINE 3 TV CINE 1 Hollywood Benfica TV SPORT TV1 SPORT SPORT TV 2 SPORT SPORT TV 3 SPORT SIC Notícias SIC MULHER SIC RADICAL SPORT TV HD SPORT CINE ÊXITOS CINE ESTREIA PORTO A televisão é, potencialmente, o meio com mais MEMÓRIA RTP MTV PORTUGAL CINE CLÁSSICO SPORT TV ÁFRICA SPORT SCN SPORT CANAL SCN SPORT rápida recuperação, uma vez que, além de ser MÚSICA BRASIL TV ZON PROGR. TV CABO Tipo de registo N.º menos impactado pela migração digital, apesar Região Norte TV - RNTV

Publicações periódicas 2.942 mvm - Moda, Vídeo e Música da introdução de uma nova plataforma de dis- Empresas jornalísticas 438 tribuição – a TDT –, por estar num quadro mais Serviços de programas (canais) televisivos temáticos em exercício de actividade,1999-2009. Empresas noticiosas 12 Fonte: Relatório de Regulação de 2009 da ERC. Nota: Foi excluído o serviço de programas Económico TV por só ter estabilizado de distribuição será o primeiro a ti- iniciado as suas emissões em 2010. O quadro não contempla igualmente a ARTV, cuja criação não foi objecto de Registos Activos em 2009. qualquer licenciamento ou autorização, não se tendo por enquadrável em qualquer das áreas temáticas identificadas Fonte: Relatório de Regulação de 2009 da ERC. rar partido de uma eventual recuperação do in- na figura supra. JANUS 2011-2012 1.9

vestimento publicitário num cenário pós-crise. As “marcas” de média deixam, por outro Media Indicadores RTP Renascença Sonaecom Na situação actual do mercado é, por outro lado, de estar associadas ao meio para pas- Capital lado, possível prever uma crescente interde- sarem a estar associadas ao conteúdo, uma Activo 504 438 501 247 20 1.920 pendência entre produtores e distribuidores vez que as características do conteúdo digital Capital próprio 149 134 592 4 12 936 de conteúdos (empresas de média e operado- tornam-no independente do canal e do meio. Grau de autonomia financeira 29,6% 30,7% n.a. 1,7% 60,2% 48,7% res de telecomunicações). Como consequência assiste-se a uma maior Rácio de solvabilidade 0,42 0,44 n.a. 0,02 1,52 0,95 exploração dos conteúdos, cuja importância Taxa de crescimento do activo 2,9% 2,4% 17,8% 1,5% 12,8% 2,7% é cada vez maior. Os modelos de negócio Volume de negócios 248 244 307 118 22 949 emergentes apontam para a necessidade de Taxa de crescimento do volume de negócios 7,9% 9,4% 3,2% 3,6% 8,5% 2,7% No actual contexto de pagamento dos conteúdos, constituindo a Resultados operacionais 24 38 13 18 1,4 24 crise económico-financeira difusão multiplataforma uma das formas de EBITDA 33 50 26 21 -0,2 176 mundial e nacional, que Margem EBITDA 13,2% 18,7% 8,5% 16,0% 0,9% 18,4% o produtor de conteúdos aumentar a sua afecta particularmente o Resultado líquido consolidado do exercício 8 19 14 17 1,3 6 rede de distribuição e obter novas fontes de Taxa de rendibilidade do capital próprio 5,1% 13,9% n.a. 4,1% 10,6% 0,6% sector da comunicação social, receita. O aparecimento de novos dispositi- Taxa de rendibilidade do activo 4,7% 8,6% 2,6% 7,4% 7,1% 1,2% os grupos de média ensaiam vos móveis – iPads, eReaders, smartphones N.º médio de pessoal 1.328 1.805 2.374 947 327 2.047 novos modelos de negócio – representa também uma oportunidade na Síntese dos principais indicadores económico-financeiros,2009 (em milhões de euros). monetização dos conteúdos. ■ Fonte: Caracterização dos principais grupos económicos de comunicação social, pelo CEGEA – Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada, Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (2010)

PRINCIPAIS GRUPOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL – CARACTERIZAÇÃO E ÁREAS DE ACTIVIDADE

Os grupos económicos seleccionados são os de maior dimensão, nária do serviço público de rádio e de televisão. O seu objecto é a do, Notícias Magazine, Notícias TV, Revista J, Volta ao Mundo quer relativamente aos sectores de actividade que desenvolvem, prestação dos serviços públicos de rádio e de televisão. A RTP de- e Evasões; na rádio – TSF; na televisão por cabo – SCN Sport TV, quer ao volume de negócios. São considerados: Impresa, Media senvolve a sua actividade na rádio – Antena 1, Antena 2 e Antena Sport TV2, Sport TV3, Sport TVÁfrica, Sport TVHD; Sport TVGolf; Capital, RTP, Cofi na, Renascença, Sonaecom, Ongoing, Controlin- 3, RDP Madeira e RDP Açores, RDP Internacional e RDP África; na na distribuição (Notícias Direct e participação na Vasp); agência veste, Impala e Lena. televisão – RTP1 e RTP2, RTP Madeira e RTP Açores, RTP Interna- de viagens; agência de comunicação empresarial e Loja do Jornal. A informação disponível limita-se a apenas alguns indicadores re- cional e RTP África, RTPN e RTP Memória e, ainda, a RTP Mobile. lativamente aos grupos Controlinveste, Impala, Ongoing e Lena. Ongoing Identifi cam-se a seguir as principais áreas de negócio dos grupos Cofi na O grupo Ongoing, através das suas participadas, desenvolve ac- considerados, seguindo-se um quadro síntese dos principais indi- Através de empresas participadas, a Cofi na Media SGPS – a sub- tividade nas seguintes áreas de negócio: comunicação social e cadores económico-fi nanceiros dos grupos que os disponibilizam. holding do grupo Cofi na para o sector dos média – actua em dois consultoria; área desenvolvida pela Ongoing SI e suas participa- segmentos principais: imprensa – jornais Correio da Manhã, Re- das, que abrange imprensa – Diário Económico e Semanário Impresa cord, Jornal de Negócios e os gratuitos Destak; Metro; revistas Económico; Internet; televisão – Económico TV – New Media, O grupo Impresa é um dos maiores grupos de comunicação em Sábado, Máxima, TV Guia, Flash, Vogue, GQ, Rotas e Destinos, SA2; serviços de consultoria; apoio a sistemas de infocomunica- Portugal e reúne várias participações em vários segmentos de ne- PC Guia, Automotor; distribuição através da VASP, em cujo capi- ção; criação e gestão de marcas (através da Mybrand); consultoria gócio na área dos média. As suas áreas de actividade repartem-se tal participa em 33,33%. na gestão de relações com stakeholders; imobiliário e explora- por: televisão – SIC, SIC Notícias, SIC Radical, SIC Mulher, SIC In- ção agrícola; gestão de fundos de investimento. O grupo On- ternacional e SIC K); imprensa – Expresso e Courrier Internacio- Renascença going tem participações minoritárias em diversas empresas que nal, Activa, Autosport, Blitz, Caras, Exame, FHM, Telenovelas, TV O Grupo Renascença é detido pelo Patriarcado de Lisboa (60%) e desenvolvem actividades de comunicação social em Portugal. Mais e Visão; digital; distribuição – VASP (participação); produção pela Conferência Episcopal Portuguesa (40%). Actua fundamen- Destacam-se a participação na Impresa SGPS, S.A., na Portugal de eventos; comunicação e publicidade; gestão de imóveis e servi- talmente no sector da rádio através das marcas Rádio Renascen- Telecom, SGPS, SA e na ZON Multimédia, SGPS, SA. ços. A Impresa detém 22,35% do capital da agência noticiosa Lusa. ça, RFM, Mega FM e Rádio SIM. Na Internet possui actividade na webradio, com as rádios 80 s RFM, RFM Oceano Pacífi co, RFM Impala Clubbing; na publicidade detém ainda a totalidade do capital da O grupo Impala desenvolve actividade nas áreas de negócio de O ano de 2009 foi marcado pela tentativa de aquisição, por parte Intervoz Publicidade, a empresa que detém o exclusivo da an- revistas, livros, viagens e franchising. No segmento revistas edita da Ongoing, de 35% do capital da Media Capital. A ERC emitiu pa- gariação publicitária; outras actividades do grupo são entreteni- várias publicações – Focus, Nova Gente, Mulher Moderna na Co- recer desfavorável à operação enquanto a Ongoing não vendesse mento e formação. zinha, TV 7 Dias, VIP, Maria e Ana. No segmento livros tem pre- a participação detida na Impresa, não tendo sido concretizada a sença signifi cativa, em particular nas áreas infantil e de culinária. referida aquisição. Sonaecom As áreas de actividade da Media Capital desenvolvem-se em cin- Actua em três principais segmentos de negócio: telecomunica- Lena co segmentos de negócio: televisão – TVI, TVI 24 e teledifusão ções – Optimus e Clix e Optimus1; sistemas de informação; mul- A Lena Comunicação é a subholding do Grupo para o sector da levada a cabo pela RETI; produção – programas/séries; entrete- timédia – imprensa com o jornal Público, conteúdos na internet comunicação, onde possui actividade nos seguintes segmentos nimento; rádio – Rádio Cidade, Rádio Regional de Lisboa e Rádio e radiodifusão sonora com a Rádio Nova. de negócio: imprensa regional – Diário As Beiras, Grande Porto Comercial, Rádio Cidade, Rádio Clube Português e M80, entre , Imagens & Letras , Jornal da Bairrada , Jornal de Abrantes , outras; internet – IOL Negócios, que explora o portal IOL. Controlinveste Jornal do Centro , Negócios & Notícias , O Algarve , O Ribatejo, A Controlinveste desenvolve actividade na imprensa – Jornal de Região de Leiria; imprensa nacional – jornal i; rádios regionais – Rádio e Televisão de Portugal, SA Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, 24 Horas, Global Notícias, Rádio Antena Livre (Abrantes), Rádio NOAR (Viseu); televisão on- A Rádio e Televisão de Portugal, SA, (RTP) é a empresa concessio- Açoriano Oriental, Jornal do Fundão, Ocasião, Notícias Sába- line – TV Ribatejo; edição, segmento no qual detém uma editora. 1 Em Janeiro de 2010 ocorreu uma operação de rebranding, no sentido de tornar a Optimus a única marca da SONAECOM no sector das telecomunicações. 2 O Económico TV, canal emitido via cabo, iniciou a sua actividade em 2010, embora tenha obtido autorização para emitir em 2009.

27 As grandes redes do conhecimento Francisco Rui Cádima

Televisões globais, história única fi áveis, mais possibilidade há de fazer avançar falta de libertad – hace ineludible la catás- a causa da democracia (...)». trofe» (Bauman, 2007:227). A verdade é que mesmo no campo oposto, TAL COMO SUCEDEU com Chimamanda zar, ou pelo menos consensualizar, em torno Local/Global entre o pensamento liberal, também se en- Adichi, que só começou a ter uma visão mais de um plano geral comum, a periferia. É um facto que não pode haver globalização contram argumentos fortemente críticos. Ve- próxima da sua Nigéria natal quando come- sem os média e também, obviamente, sem ja-se o caso do alemão Max Otte, que vê na ac- çou a ler literatura africana – nomeadamen- Os canais internacionais os novos média e as redes de comunicações. tual sociedade de informação uma «economia te Chinua Achebe e Camara Laye – assim o O que farão então de diferente, de diverso, os Sendo os sistemas de média centrais no pro- da desinformação» dominante, um sistema de mundo muçulmano só começou a reconhe- grandes canais internacionais constituídos em cesso da globalização, é certo que boa parte opacidades, de pseudoacontecimentos e de cer melhor a sua própria imagem televisiva e torno de objectivos comuns e sobre estraté- das teorias da área das ciências da comunica- ruído mediático, enfi m, como defende, uma a sua própria história recente após a criação gias de internacionalização e de disseminação ção, das teorias críticas às do «imperialismo nova sociedade feudal submissa ao capitalis- da rede do Quatar, a Al Jazeera. linguística e cultural, como a BBC, a RTPi, a cultural», têm procurado ver o fenómeno mo predador, uma experiência democrática A Al Jazeera, que signifi ca «a ilha» em ára- CNN e outras? E que real alternativa local/glo- como um processo de homogeneização, mas sob sequestro, além da crescente debilidade be, arrancou a 1 de Novembro de 1996, bal constituem essas novas «ilhas» como a Al- também é certo que o problema não pode ser das instâncias políticas subordinadas aos gru- pretendendo ser uma espécie de CNN para Jazeera e Al-Arabiya, ou mesmo a BBC Arabic reduzido a uma polémica entre os cépticos pos de pressão económica: «El periodismo o mundo islâmico. Contudo, só após o 11 Television, para os países do Norte de África e e os neoliberais ou outros adeptos da glo- independiente ha caído en una crisis cada de Setembro começou a ser mais conhecida do Médio Oriente? balização. Como dizia Appadurai (2004:32), vez más profunda. Las redacciones agrade- no Ocidente, mas quase nunca pelas boas Um relatório produzido por Deborah Horan, «globalização não implica necessariamente cen las opiniones prefabricadas que les ha- razões ocidentais. O novo mensageiro nar- no âmbito do CIMA – Center for International ou sequer frequentemente homogeneização cen llegar los departamientos de relaciones rava os factos em função desse «outro», em Media Assistance, vem dizer-nos que, de uma ou americanização». As questões são, natural- públicas de las empresas y de los ministerios, tempos dito «infi el», e tanto bastava para que maneira geral, os média no Médio Oriente e mente, mais complexas, havendo argumentos y así se cierra el círculo de las fuerzas mo- o Norte determinasse a morte desse aliení- no Norte da África são actualmente mais livres fortes, quer nas teorias críticas, quer também trices de la sociedad de la desinformación gena. Bush e Blair ter-se-ão entendido nessa do que o eram há dez anos. Com a explosão nas perspectivas mais favoráveis, ou seja, nas (...). Los medios – considerados desde hace matéria, segundo relatou Jeremy Scahill na de canais que se registou na primeira déca- teses da hibridez cultural, dos estudos de tiempo como «cuarto poder» crítico (!) junto The Nation. A rede do Quatar tornou-se as- da do século, verifi cou-se, inclusive na área audiência e de recepção, da cosmopolitan so- al legislativo, el ejecutivo y el judicial – se sim a voz desse «outro» e do «mal». Mas tam- específi ca da informação, o aparecimento cial democracy, da diversidade, da relocaliza- han convertido como los anteriores en puro bém é verdade que a própria comunicação de canais árabes muito atentos à sua própria ção (Movius, 2010: 6-18), do construtivismo, multiplicador de la desinformación» (Otte, estratégica israelita, sempre que necessita, realidade. Mesmo no plano do entreteni- etc. Num outro registo, mais antropológico, 2010: 39-40). Nada que não se saiba... Ou não deixa de ocupar esse «demonizado» es- mento, signifi cativas alterações foram sendo poder-se-ia falar das ambivalências das novas não terão sido os médias globais também paço. A «ilha» não deixa, pois, de realizar a introduzidas pelos novos canais, o que levou tecnologias. Reconhecendo, com Appadurai, responsáveis pelo infl acionamento dramático metáfora, sendo neste caso uma porção de os canais ofi ciais locais, em boa parte dos ca- que a globalização da cultura não é exacta- das múltiplas crises da década, como a bolha discurso rodeado de mensagem por todos sos, a serem secundarizados pela audiência mente a mesma coisa que a sua homogenei- dot.com, as mentiras sobre o Iraque, a bolha os lados. relativamente à nova oferta transfronteira. zação, é um facto que o global não se constrói imobiliária, o crédito fácil, os produtos tóxi- Essa mensagem, ou «massagem», como prefe- Mas a verdade é que não podemos falar em sem essa pulsão negativa, por assim dizer, cos, etc., etc.? Não esquecendo outras crises, ria Marshall McLuhan, está aí, impante, desde grandes mudanças nesta matéria, dado que levando a que a principal característica da po- como a climática, a crise do paradigma do a era da fragmentação do modelo audiovisual sobre o sistema de média local se mantém, lítica no plano global seja hoje «a política do progresso, a crença na sociedade de consumo europeu e norte-americano – que é pratica- apesar de tudo, uma mão forte do poder para mútuo esforço da semelhança e da diferença e da abundância, etc. Mas sobre essa decisiva mente simultâneo e corresponde ao fi m da além dessa «abertura» trazida pelos canais para se canibalizarem reciprocamente, assim fractura cultural e os esgotados modelos da televisão generalista clássica e à multiplicida- transnacionais. Até porque são exactamente proclamando o saque vitorioso das ideias gé- gratifi cação diferida, hoje, no novo contexto de da oferta de canais via satélite e cabo. Mas canais como a Al-Jazeera e a Al-Arabiya que meas do iluminismo, o universal triunfalista e da comunicação instantânea à escala global agora, no fi nal da primeira década do novo contratam os melhores jornalistas locais, fa- o particular resiliente» (Appadurai, 2004: 63). e sob o espectro desse «primeiro Estado» em século, a esta era de fragmentação correspon- zendo aumentar nitidamente a diferença de Outros preferem manter uma interpretação que se consagrou o domínio do capital impa- de um tempo de hiperfragmentação dos sis- produto fi nal entre os canais por satélites a as crítica do actual modelo, considerando-se ciente, é de facto de uma outra crise que se temas televisivos, que na Europa se aproxima estações sob controlo governamental. Nessa fundamentalmente preocupados com os as- trata, a do «triunfo da superfi cialidade no tra- dos 10 mil canais de televisão, entre generalis- perspectiva, «apenas três países árabes foram pectos negativos da globalização. É o caso balho, nas escolas e na política», como refere tas, cabo, satélite, tv’s locais, web tv’s, mobile classifi cados como “parcialmente livres” pela de Zygmunt Bauman, que refere que se, por Richard Sennett (2006: 133): «a nossa página e outras. A questão é que a diversidade da Freedom House no seu índice de 2009 sobre um lado, os fabricantes e manipuladores de nova talvez seja a revolta conta esta cultura oferta e a qualidade dos conteúdos não cresce a Liberdade de Imprensa, o resto permaneceu símbolos são cada vez mais agressivos e «ex- debilitada». proporcionalmente à progressão exponencial “não livre”. (...) Dado que a maioria dos paí- traterritoriais», por outro, verifi ca-se um en- Esta ordem do superfi cial que passa pela in- do número de canais e plataformas. Pelo con- ses árabes não são democráticos, mesmo que fraquecimento das soberanias localmente cir- formação global atingiu há muito a própria trário: ter mais canais signifi ca, tendencial- a cobertura mediática de uma questão parti- cunscritas: «Nosotros podríamos profetizar dimensão cultural do fenómeno televisivo. O mente, redifusão constante dos mesmos con- cular possa incitar as pessoas à mudança, há que, si nada la refrena o la domina, nuestra exemplo limite é o do mercado ibero-ameri- teúdos ou de conteúdos em tudo idênticos, poucas, ou mesmo nenhumas saídas políticas globalización negativa – y su modo alterna- cano, onde o exemplo do caso português não mas sobretudo uma contínua reciclagem da para fazer a mudança acontecer. No entanto, tivo de desproveer de su seguridad a los que deixa de ser deprimente. A fi cção de fl uxo no mensagem do centro para pacifi car, normali- quanto maior for o acesso a notícias mais con- son libres y de ofrecer seguridad en forma de espaço ibero-americano não escapa, portanto, JANUS 2011-2012 1.10

ao modelo global de uma certa homogeneiza- África, reconhecia ainda não existir «uma ver- pelo facto de ser menos oneroso, poderá ter Em relação a Angola, Vicente Pinto de An- ção cultural. Segundo Lorenzo Vilches, a uni- dadeira promoção da cooperação e dos laços assim garantido um outro futuro no novo drade pôs claramente o dedo na ferida: «(...) formização dos conteúdos parece ser a regra históricos e culturais» entre Portugal e os paí- modelo de comunicação em ambiente digital. Ainda há um longo caminho a percorrer no da indústria televisiva, sendo certo que esse ses africanos de língua portuguesa. Sobre muitos destes temas surgia entretanto sentido da instituição plena de um regime de- tipo de produção específi ca não é estranho A RTPi surge a 10 de Junho de 1992, então a obra Les Portugais de France face à leur té- mocrático. A governamentalização e partida- ao actual processo de mundialização, carac- apenas dirigida à Europa com uma emissão de lévision. Médias, migrations et enjeux identi- rização dos meios públicos de comunicação terizando-se pelos seguintes aspectos: «i) a apenas seis horas. Em 1997 surge a RTP África. taires, de Manuel Antunes da Cunha. Trata-se social são a nota mais negativa do regime po- uniformização dos conteúdos via adaptação Actualmente a RTPi é uma rede global, está pre- de um aprofundado estudo sobre a diáspora lítico actual. Não é por acaso que continuam de formatos da fi cção nacional e ibero-ameri- sente em diversos sistemas digitais, no cabo e portuguesa e sobre o sistema de médias que as restrições à extensão do sinal da Rádio Ecc- cana; ii) a confi rmação de que o princípio eco- noutras plataformas, atingindo uma audiência a envolve, nomeadamente no caso francês e lésia (Emissora Católica de Angola). Angola é nómico é um princípio ordenador nesse pro- de cerca de 20 milhões de espectadores, mas em particular sobre a RTPi, que, como o autor o único país da África de língua ofi cial portu- cesso; iii) uma vez comprovada a decadência sempre muito criticada pelo esquecimento refere, o começam por reenquadrar, inclusive guesa onde as imagens e os sons da RTP África ou a debilidade do sector público (...) o mer- do pulsar das comunidades propriamente di- numa perspectiva identitária na diáspora e e da RDP África não chegam “directamente” às cado tem a prerrogativa em todas as decisões tas, pela pouca expressão da herança cultural num quadro de participação e interacção na nossas casas (...)». sobre formas e conteúdos e iv) a constatação portuguesa, à revelia do próprio contrato de comunidade distante da origem e nessa nova Sobre esse outro défi ce que tem a ver jus- de uma fi losofi a mundializadora, incipiente e concessão, e pela difícil coabitação com países rede de sociabilidade: «L’agencement de la tamente com o pulsar das comunidades da de magnitude desigual, no conjunto das in- onde há claro défi ce de pluralismo. Em 1998 grille, l’environement visuel et la nature des diáspora e a sua quase ausência na RTP In- dústrias nacionais de fi cção ibero-americana surge a SIC Internacional e em 2010 a ERC propos m’interpellaient d’une façon diffé- ternacional, pronunciou-se outro investiga- diante dos mercados internacionais.» (Lopes e aprova o projecto TVI Internacional. rente que ne le faisait le paisage audiovisuel dor, também na sua tese de doutoramento, Vilches, 2008: 23-24). No mesmo estudo refe- lusitanien» (Cunha, 2009: 16). No fi nal, o recentemente defendida. Trata-se de uma re-se que há também, cada vez mais, uma me- autor consegue defi nir de forma muito clara investigação sobre o modo como os média nor diferenciação de consumo e géneros no “(...) Devido a escritores a caracterização daquilo que considera ser a constroem e aprofundam a identidade de contexto do mercado ibero-americano, uma como Chinua Achebe e «identidade discursiva» da RTPi: «Tradition uma comunidade imigrante, o seu processo grande concentração de novelas e também de Camara Laye eu passei et modernité, culture populaire et érudite de integração, os elos identitários e a infl uên- séries no horário nobre, não havendo sequer por uma mudança mental façonnent le cadre énonciatif de la chaîne cia dos média, em que a RTP Internacional é grande diferenciação entre a oferta pública e na minha percepção da de souveraineté. (...) Les rubriques sur le tou- estudada no plano da construção dessa reali- privada nestes mercados. Deste estudo empí- literatura. Apercebi-me que risme, la nature, la langue, la gastronomie et dade e identidade. Várias questões se colocam rico retira-se também algo específi co do caso pessoas como eu, raparigas la culture populaire, entre autres, esquissent então, a começar pela questão de as pulsões português (Cádima, 2009) que não deixa de com a pele cor de chocolate, une représentation plus traditionnelle de la e das experiências dessas comunidades não nos fazer pensar seriamente sobre os efeitos cujo cabelo estranho não portugalité. Dans cette quête des origines, les emergirem de uma maneira geral nos canais de um modelo caracteristicamente terceiro- podia formar rabos-de-cavalo, fi ctions à caractère historique évoquent des internacionais – bem como, no caso da RTPi, mundista na nossa televisão, sem qualquer também podiam existir na récits et des archétypes fondateurs, tandis que o esquecimento dos âmbitos da herança cul- paralelo na Europa: «Portugal é o país que literatura. Comecei a escrever les émissions consacrés au football, au fado tural, patrimonial e identitária portuguesa. É mais oferece fi cção nacional de estreia (leia- sobre coisas que reconhecia.” et à la religion réactualisent le mode portu- interessante verifi car que este trabalho sobre se: novela) em horário nocturno (32%)» Neste Chimamanda Adichi gais d’être au monde» (Cunha, 2009: 329). o problema da identidade dessa comunidade, sentido pode dizer-se que também em matéria Mas como referia o deputado Paulo Pisco, ou- também sobre o problema dos média e suas de regulação europeia estamos perante um tros aspectos críticos se colocam, como por interacções, incide em particular sobre o claro défi ce de acompanhamento deste tipo Depois das grandes fases de diáspora dos por- exemplo, o défi ce de pluralismo, político, cul- meio televisão, sendo que a maioria dos mem- de questões (Cádima, 2007). tugueses até aos anos 60, o aparecimento de tural, etc., sobretudo no contexto das emis- bros dessa comunidade saiu de Portugal nos um canal internacional da cultura portuguesa sões destinadas às áreas geopolíticas mais anos 50-60, alguns sem conhecerem sequer as RTP Internacional três décadas mais tarde peca desde logo por complexas. E, no nosso caso, nas relações primeiras emissões de televisão em Portugal. No início de 2010 o deputado socialista Paulo clamoroso atraso. Daí que tivessem que ser os com África em particular. Recorde-se uma A RTPi é assim entendida como meio privile- Pisco questionava no parlamento a prática do meios locais, muitas vezes promovidos pelas situação entre muitas ocorrida com a RTP giado para o reforço do vínculo identitário, serviço público de televisão, através de um próprias comunidades portuguesas, nomea- África, que teve de fechar a sua delegação em quer na comunidade, quer na sua ligação à requerimento sobre a programação da RTPi damente em França, a exercer desde logo essa Bissau em 1 de Dezembro de 2002, depois de origem mais difícil se torna defi nir qual o con- e da RTP África. Considerava não haver, no função tão adiada pelo operador público por- um despacho da secretaria de Estado da In- tributo efectivo dos médias para o reforço da caso da RTPi, «um jornalismo de e para as tuguês. Recorde-se as emissões de rádio de formação guineense ter obrigado à suspensão identidade, embora se sustente a identidade comunidades, nem tão-pouco é visível a pro- Jorge Reis na estação pública ORTF (1966), as das emissões e, depois, ao encerramento da como construção, como consciência colecti- moção e reconhecimento dos muitos valores famosas rádios livres, os programas em por- delegação e expulsão do jornalista João Perei- va, percepção comum, e daí a importância de que existem nas comunidades». Tão-pouco o tuguês na RFI, a emissão de televisão Mosaï- ra da Silva, delegado da RTP-África, situação uma nova responsabilidade social dos médias canal público conseguia suscitar «o interesse ques (da FR3, 1976-1987), etc. Mais próximo que teria alegadamente sido originada pelas e dos jornalistas. ■ das novas gerações de portugueses espalha- de nós surge o canal CLP TV (2006-2009), um referências feitas à Amnistia Internacional, dos pelo mundo», faltando «a dimensão cí- projecto desenvolvido pela comunidade por- que exigia a realização de um inquérito sobre Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS. vica e política fundamental para a afi rmação tuguesa, infelizmente falido, e surge também as circunstâncias da morte do general Ansu- NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). Disponível em: das nossas comunidades». Em relação à RTP a Lusopress.tv, um projecto de web tv que, mane Mané, a 30 de Novembro de 2000. http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art7

29 As grandes redes do conhecimento Francisco Rui Cádima

Prioridades informativas contradições nem impasses, dada a «disjun- Média na Universidade de Hong Kong e é co- tura entre estes processos e os discursos e fundadora da Global Voices. Entrou para a e “share” de audiências práticas médiatizados pelos meios de comu- CNN em 1992, para a delegação de Pequim, nicação de massas» (Appadurai, 2004: 263). da qual foi directora em 1997 e em 2001 tornou-se responsável pelo Tokyo Bureau. FACE À DESSINTONIA ENTRE A OFERTA E te ao contrário do que sucede com os média No prólogo deste seu ensaio a que fazemos A PROCURA em matéria de televisão global, locais e regionais, que tendem a ter estraté- CNN referência, e de que destacaremos uma parte ganha todo o sentido a questão da decli- gias editoriais de tipo nacional/global. Mas A CNN actualmente redistribui-se por várias signifi cativa, dada a sua importância, Ma- nação da programação para determinadas mais complexa do que isso, é a possibilidade CNN, cada uma das quais direccionada para cKinnon diz-nos com toda a clareza ao que comunidades com características diferen- de as televisões globais terem, em regra, as determinadas regiões geopolíticas do glo- vem e aquilo que nos diz, de tão claro que ciadas, a necessidade de ouvir estas mesmas suas histórias únicas, lógicas editoriais ensi- bo. Uma forma interessante de começar por é, não nos permite que fi quemos com dúvi- comunidades e de produzir, em consequên- mesmadas que abordam sobretudo o mesmo pensar a «massagem» CNN é conhecer a ex- das sobre o «sistema CNN»: «After working cia, programas localmente. Dessa forma se e não esse outro da experiência da diáspora periência de uma sua ex-jornalista, Rebecca for CNN in Asia for over a decade, I stopped evitaria a tendência para o discurso ofi cial, e menos ainda as comunidades e vozes das MacKinnon. Trata-se de uma experiência que to take stock. I asked myself: Did my job as de certa forma hegemónico, para a massa margens: as diásporas dentro da diáspora, acaba por constituir-se na imagem crua do a TV new correspondent remain consistent «global», e não diferenciado como é compe- que apenas encontra alternativa nesses «bair- sistema, algo que foi descrito pela jornalista with the reasons I went into journalism in tência designadamente das televisões públi- ros virtuais» de que falava Appadurai (2006), Lara Logan, da CBS, quando numa entrevista the fi rst place? My answer was “no”» (Ma- cas nas suas emissões internacionais. sendo certo que essa margens conquistam ao «Daily Show» de Jon Stewart, em Junho cKinnon, 2004: 1). Há abordagens interessantes que se podem novos passos de inclusão, sobretudo com os de 2008, dizia que se tivesse de ver as notí- Nesse início dos anos 90, então com vinte fazer nessa sequência, como pensar as televi- novos média e não tanto com os média tradi- cias sobre o Iraque que, são publicadas nos e pouco anos, Rebecca tinha ainda todos os sões globais, com as suas algo etnocentristas cionais. A produção de localidade e a repro- Estados Unidos, «daria um tiro na cabeça»... sonhos do mundo e o seu idealismo levava-a ou mais ou menos ofi ciais realidades/histó- dução cultural desterritorializada nas novas Rebecca MacKinnon é actualmente profes- a acreditar que havia um jornalismo public- rias locais/nacionais (da origem), exactamen- etnopaisagens não se faz, naturalmente, sem sora do Centro de Jornalismo e Estudos da service oriented à sua espera... «I believed Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/. Acedido em 14 Fevereiro de 2011. Fonte: http://english.aljazeera.net/. Acedido em 14 Fevereiro de 2011. Fonte: http://news.sky.com/skynews/. Acedido em 14 Fevereiro de 2011. Fonte: http://www.foxnews.com/. Acedido em 14 Fevereiro de 2011. JANUS 2011-2012 1.11

that a democratic nation such as the United States could only have responsible foreign policies that truly served the people’s inte- rests – and intentions – if the public recei- ved quality, objective international news. I wanted to make a difference. To say that I made no difference covering China, Japan, Korea, and other parts of Asia to viewers in the United States and around the world would be overly cynical. But by early 2004 Fonte: http://edition.cnn.com/. Acedido em 14 Fevereiro de 2011. I concluded that my ability to make a diffe- rence on issues that I felt were important was diminishing. In November 2003 I inter- viewed Japanese Prime Minister Junichiro Koizumi, focusing primarily on his deci- sion to send Japanese non-combat forces to Iraq despite widespread public opposition. Despite being a close ally of U.S. President Bush, Koizumi said Bush should be doing more to cooperate with the international community. While this interview was bro- adcast repeatedly on CNN International, not a single sound-bite ran on CNN USA» (MacKinnon, 2004: 2). job that was so generously being held for verdade é que o broadcast continua a ser, guerras regionais do início do novo século. Da sede da CNN em Atlanta, os editores me. (...) I did not feel that the job remained ainda hoje, o meio de comunicação domi- O que signifi ca que nem no tempo longo, na diziam a Rebecca que não tinha havido consistent with my reasons for becoming a nante, o que também quer dizer que as ve- longa duração, se resolvem os problemas da tempo para passar a entrevista na emissão journalist in the fi rst place. Nor were my lhas estratégias de propaganda das décadas «história única» e dos novos e velhos etno- nacional, mas a verdade é que esse foi um concerns limited to CNN exclusively; in das grandes guerras continuaram vivas nas centrismos geopolíticos. ■ dia calmo demais para a CNN na América. fact, most TV journalists I knew at other A alta prioridade dos editores não foi para U.S. networks harbored similar sentiments. o primeiro-ministro Koizumi mas antes para Having no debt or dependents of any kind, Referências bibliográfi cas Michael Jackson, Jessica Lynch, para uma I was in a better position than most people entrevista com o então secretário de Esta- to take risks. In March, I took a deep brea- Antunes da Cunha, Manuel (2009), Les Portugais de France face à leur télévision. Médias, migrations et enjeux identitaires, Rennes: Presses Universitaires de Rennes. do Colin Powell, para uma decisão judicial th and resigned. I have gone from being a Appadurai, Arjun (2004) Dimensões Culturais da Globalização. A modernidade sem peias. Lisboa: Teorema. sobre o casamento gay, etc., etc. Diz-nos well-compensated foreign correspondent to Bauman, Zygmunt (2007), Miedo Líquido. La sociedad contemporánea y sus temores, Madrid: Paidós, 2007. Cádima, Francisco Rui (2007), A Crise do Audiovisual Europeu – 20 Anos de Políticas Europeias em Análise, Lisboa: Formal- Rebecca MacKinnon: «I understood the CNN being an independent writer, researcher, press/ Colecção Media XXI. USA producers’ perspective: they are not and blogger» (MacKinnon, 2004: 2). Cádima, Francisco Rui (2009), Crise e Crítica do Sistema de Media - o caso português. Lisboa: Formalpress/ Colecção Media XXI. paid to serve the public policy interest. They A história de Rebecca MacKinnon é a todos Horan, Deborah (2010), “Shifting Sands: The Impact of Satellite TV on Media in the Arab World”. CIMA,Washington, D.C., are paid to boost the ratings of their shows, os títulos elucidativa, pela razão inversa do March 29. A Report to the Center for International Media Assistance at the National Endowment for Democracy. http://cima. ned.org/wp-content/uploads/2010/03/CIMA-Arab_Satellite_TV-Report.pdf and thus make choices every day in favor que se passa com os canais transnacionais MacKinnon, Rebecca (2004) «The World-Wide Conversation - Online participatory media and international news». Shorenstein of news stories they feel will keep viewers que procuram levar a sua mensagem aos qua- Center Working Paper Series, Spring 2004. Consultado em 2 de Maio de 2010. http://cyber.law.harvard.edu/blogs/gems/ techjournalism/WORLDWIDECONVERSATION.pdf from changing the channel to competitors tro cantos do mundo, mas que, neste caso Moura, Fernando Carlos (2010), «A Construção da identidade de uma comunidade imigrante portuguesa na Argentina such as Fox News. (...) I was told that the específi co da CNN USA, se concretiza no fac- (Escobar) e a Comunicação Social». Tese de Doutoramento em Ciências da Comunicação. Departamento de Ciências da Comunicação - FCSH/UNL (policopiada), Maio de 2010. priority of all internationally-based corres- to de algumas mensagens, que são editadas Movius, Lauren (2010), «Cultural Globalisation and Challenges to Traditional Communication Theories», PLATFORM: Journal pondents should be to fi nd ways to get more nalgum remoto «canto do mundo», difi cil- of Media and Communication 2(1) (January): 6-18. ISSN: 1836-5132 Online. http://www.culture-communication.unimelb. stories aired on CNNUSA’s prime time sho- edu.au/platform/v2i1_movius.html mente se poderão repercutir internamente, Otte, Max (2010), El Crash de la Información. Los mecanismos de la desinformación cotidiana, Madrid: Ariel. ws. We needed to “serve their needs” better nos USA, isto porque no plano nacional do Pinto de Andrade, Vicente (2008), «A futura Constituição angolana», Correio do Patriota online, 5/8/2008. Consultado em 25 in order to continue to justify our existence que se trata é de preservar a boa imagem e a de Maio de 2010: http://www.correiodopatriota.com/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=339 fi nancially.I was told that the main “pro- «impoluta» política. Sheldon Rampton expli- Rampton, Sheldon (2007), «Has the Internet Changed the Propaganda Model?» Center for Media and Democracy – PR Watch. blem” with my recent reporting was that cava estas coisas desta maneira: «Any serious org, 22/05/2007. Consultado em 24 de Maio de 2010: http://www.prwatch.org/node/606 Scahill, Jeremy (2005), «The War on Al Jazeera», The Nation online, December 1. December 19, edition of The Nation. Consul- my depth of knowledge about Northeast contemplation of the process by which the tado em 2 de Maio de 2010: http://www.thenation.com/doc/20051219/scahill Asia was “getting in the way” of doing the United States went to war in Iraq tells us Sennett, Richard (2006), A Cultura do Novo Capitalismo, Lisboa: Relógio de Água. Vassallo de Lopes, Maria Immacolata e Vilches, Lorenzo (2008), (coords.), Anuário Obitel 2008 - Mercados globais, histórias kind of stories that CNNUSA is likely to run. that propaganda is still a powerful force in nacionais, Rio de Janeiro: GloboUniversidade. It was after this conversation that I began shaping public opinion.» Apesar de Oba- Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS.NET, e-journal of International Relations, Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010). to wonder whether I should return to the ma e do seu novo ciclo comunicacional, a Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art7

31 As grandes redes do conhecimento José Amado da Silva

A regulação das telecomunicações 1.ª que a regulação sectorial tem como fonte É aqui que, de facto, se vai, em muito, beber a exclusiva falhas estruturais de mercado; ideia de que são as falhas de mercado que a po- 2.ª que a acção desta regulação, desde que dem justifi car (mesmo assim, cautela, porque é AO DESAFIO QUE ME FOI FEITO procuro a cada um dos três conceitos referidos, sendo consistente, tenderá a fazer desaparecer essas necessário provar – e bem – que os seus bene- responder com uma refl exão pessoal mais crucial afi rmar, sem rodeios, que regulação não falhas de mercado, dando lugar à sua própria fi ciários económicos – os objectivos atingíveis virada para os desafi os do futuro do que para é política de concorrência, embora lhe não seja extinção por ter desempenhado cabalmente o – excedem os custos desse novo instituto). a experiência do passado, daí resultando um alheia, e regulação também não é política pú- seu papel. Claro que isto é equivalente a ad- Eliminada que seja, se o for, a falha de merca- texto corrido, quase exploratório, que visa, blica, embora a não possa, nem deva, ignorar. mitir que esse é também, e só, o seu objectivo. do, está lida a sentença de morte da regulação sobretudo, descobrir novos e melhores cami- Este triângulo – regulação, concorrência, A regulação sectorial seria, assim, uma espé- ex ante. nhos para a regulação. políticas públicas – se bem analisado, pode cie de proto-regulação da concorrência, em No fundo, isto não é muito diferente das permitir lançar melhor luz sobre o porquê e o linguagem biológica, uma fase inicial ou tran- posições que, nos anos 80 do século XX, vi Porquê regular? alcance da regulação. sitória, de um processo de metamorfose em defender no seio da Comunidade Europeia, A presente crise trouxe para a ribalta o pro- Se nos centrarmos, para já, no lado do triân- que o estádio fi nal será a política ou a regula- de que não era necessária qualquer política blema da regulação. Basta passar os olhos pe- gulo [regulação-concorrência], com frequên- ção da concorrência. industrial. Bastava a política de concorrência. los jornais, designadamente os mais ligados cia surge a ideia de que a regulação sectorial, A ser assim, a prévia referência ao triângulo E, no entanto, a história mostra que os funda- às áreas económicas e fi nanceiras, e aí estão já que a política (regulação) da concorrência perderia todo o sentido pois ela colapsaria mentos da regulação são de outra natureza, as permanentes referências ao problema, é transversal a toda a economia, não é mais em absoluto fundindo-se no lado regulação- muito mais ligada, afi nal, à área das políticas eventualmente com uma potencial fonte de que uma instituição transitória que culmina- concorrência para, dinamicamente, evoluir públicas, sem que, obviamente, a noção de equívocos, fruto da natureza desta crise. rá com a supressão das suas funções que se- para um único ponto – o vértice defi nidor da falha de mercado esteja ausente – daí a insis- A fonte de equívocos resulta, em meu en- rão, naturalmente, absorvidas pela regulação concorrência. tência no referido triângulo. tender, de que a generalidade de referências transversal ou da concorrência. Tal decorreria da irrelevância da consideração Pierre Rosanvallon (2008) (ver O exemplo ao regulador (ou à regulação), quando não Entrando um pouco no jargão da regulação, de quaisquer outras fontes de legitimação da americano), na óptica da esquecida ciência trazem qualquer adjectivação acoplada (e, a regulação sectorial é considerada, habitu- regulação sectorial, e em particular da irre- política, faz prevalecer, em termos históricos, a habitualmente, não trazem), diz respeito à almente, como uma regulação ex ante (uma levância das políticas públicas no quadro de abordagem que podemos classifi car como ins- regulação fi nanceira. regulação estrutural, lida de um modo algo referência da legitimação da regulação secto- titucional da regulação, fundamentando-a na Para além do equívoco, agravado frequen- simplista), enquanto a regulação transversal, rial, quer no que toca ao seu funcionamento, necessidade de criação de entidades capazes de temente pela implícita assunção de um só de concorrência, é designada como regulação quer, também e não menos relevantemente, ter como objectivo a defesa do interesse geral. tipo de regulador fi nanceiro, fi ca o mérito de ex post (uma regulação mais comportamen- aos seus objectivos fi nais. É que, se a citação referida na caixa revela o va- responsabilizar pela crise quem mais por ela tal, também em linguagem simplista). A ex- Esta visão tem estado implícita (ou mesmo zio da defesa do interesse geral e a consequen- foi responsável, embora não isoladamente – pectativa de que a primeira possa desaparecer explícita!) em documentos estratégicos co- te necessidade de o preencher, P. Rosanvallon o sector fi nanceiro, entendido com grande para desaguar na segunda tem implícitas duas munitários e é bem acolhida e explicada por vai mais longe, afi rmando que o argumento abrangência. hipóteses fundamentais: abordagens teóricas da regulação económica. político baseado na deriva dos partidos não Mas, talvez mais perturbador que esse equívo- era o único para o estabelecimento de Auto- co seja tudo quanto resulta da ambiguidade O EXEMPLO AMERICANO ridades Independentes, havendo três elemen- que rodeia o conceito e a operacionalidade tos de grande peso que a elas fazem apelo: Os Estados Unidos (da América) foram os primeiros a abrir a via de criação de autoridades inde- da regulação, nas várias abordagens que hoje i) Em primeiro lugar, a necessidade de formar pendentes. Mesmo com muito avanço, pois no fi m do século XIX foi criado um organismo desta surgem. uma instituição dotada de um alto grau de natureza para regular a actividade dos caminhos de ferro, ao mesmo tempo pois que foi posta a Necessário se torna, por isso, procurar, se questão de construção de um poder administrativo mais forte. As duas perspectivas participavam “expertise”. possível, clarifi car os conceitos para que se da mesma preocupação: desenvolver instituições funcionalmente ao serviço do interesse geral… ii) A necessidade de estabelecer também for- possa tentar dar uma resposta consistente à Depois do fi m da guerra civil, os partidos políticos e os tribunais envolveram-se neste vazio (de go- mas de regulação evolutivas, fl exíveis e reac- pergunta em título. vernação) que caracterizava o país, tendo-se imposto como as suas verdadeiras forças estruturantes. tivas, afastando se das concepções mecânicas Tentando descodifi car os entendimentos As “máquinas” partidárias tornaram-se, em primeiro lugar, as potências comandantes desse perío- da usual gestão burocrática. mais comuns ligados ao termo – regulação do. Elas constituem a todos os níveis as verdadeiras instâncias de coordenação e de impulsão. É a iii) Era, também e fi nalmente, importante pôr fi gura do boss e não do eleito que mais conta, sobretudo à escala local. É ele que mexe os corde- – que hoje proliferam, dois temas surgem de pé uma estrutura tendo uma capacidade linhos e que tem a última palavra (“la haute main”) sobre a atribuição dos mercados públicos… claramente conectados, quando não mesmo arbitral. Não só entre as empresas, embora A “privatização” do interesse geral a que assim procediam os partidos tinha por único contrapeso confundidos, com a regulação: concorrência efectivo a intervenção dos juízes. Entre a hegemonia destes partidos e a fraqueza do Estado, os também entre elas, é claro. Só que, face às e políticas públicas. diferentes tribunais federais de justiça tentaram impor a sua voz e contribuir com as suas decisões grandes empresas, era curial sobretudo pro- Tem de fi car claro que, de facto, as fronteiras para desempenhar uma função social de regulação e de reafi rmação do sentido do bem comum… teger uma multidão de utilizadores dispersos, entre regulação e concorrência, por um lado, Mas os juízes estavam de tal forma perturbados pela incompetência e corrupção do mundo políti- de forma a garantir que todos os interesses e regulação e políticas públicas, por outro, não co que se transformaram, por reacção, em ardentes defensores das empresas e do “laissez faire”, fossem equitativamente tidos em conta. são bem demarcadas, se é que podem mesmo considerando como um progresso necessário o facto de subtrair ao controlo de um poder estima- Daqui decorre que a regulação sectorial não existir – o que, obviamente, legitima as referi- damente pervertido as actividades da sociedade… é capaz de responder aos seus objectivos sem O argumento “político” (para criação das autoridades independentes) tinha sido decisivo numa das confusões. Contudo, essa indefi nição das levar em conta as exigências de construção América marcada pela deriva do sistema dos partidos. fronteiras não signifi ca, antes pelo contrário, de mercados concorrenciais, se possível, mas que não haja campos próprios, não miscíveis, in Pierre Rosanvallon (2008), La légitimité démocratique em conformidade com objectivos de natureza JANUS 2011-2012 1.12

política, sob condição de existência de uma dros tradicionais da nacionalidade dos accio- Esta dependência impõe ao regulador nacio- Em contrapartida, na imparcialidade aberta, instituição cujos estatutos e actuação assegu- nistas ou trabalhadores, fora da autonomia de nal uma actuação que, por um lado, a não “o processo de avaliação imparcial pode (e, ram a busca do interesse geral. decisão económica de cada estado nacional?” ignore e, por outro, até a robusteça, na obedi- por vezes deve) recorrer, entre outros, aos jul- E opina que “No fundo (há) um interesse ência à sua obrigação de contribuição para o gamentos vindos do exterior do grupo focal A regulação das telecomunicações nacional e (há) um interesse europeu. A co- aprofundamento do Mercado Único. para evitar um enviesamento localista”. em Portugal erência ou o confl ito entre os dois concei- A independência típica do regulador, que o Esta visão radica na ideia do “espectador Tendo em atenção o quadro atrás descrito, im- tos, ainda que ancorados em interpretações artigo 4.º da mesma lei assegura, tem assim imparcial” de Adam Smith, que “pode vir de porta agora saber se a estrutura institucional económicas inequívocas, é mais uma matéria uma vinculação que parece limitá-la, tal como muito longe, como do interior de uma co- de regulação em Portugal e a sua actuação se para investigações adicionais.” a soberania partilhada no âmbito da EU pare- munidade, de uma nação ou de uma cultura. conformam com as condições acima descritas. E como contribuição própria para essa inves- ce limitar a soberania nacional. Mas isso é o Segundo Smith, há lugar para um e para os A resposta cabalmente fundamentada a este tigação… (mostra) que “deixa de haver uma custo de pertencer a um “grupo” que, por sua outros – e temos necessidade dos dois.” desafi o não pode ser dada sem uma digressão consistência entre o interesse público a nível vez, permite auferir os benefícios associados. É isto que está em causa na conjugação entre pormenorizada sobre a evolução do ramo das nacional e a promoção da efi ciência num mer- A questão é saber gerir bem esses custos e o interesse nacional e o da União Europeia (e, telecomunicações (agora designadas por co- cado internacional”. esses benefícios. depois, desta com o resto do mundo!), um municações electrónicas) em Portugal. Está, As duas notas têm em comum um interesse Citando, de novo, P. Rosanvallon, a indepen- enorme desafi o que se põe ao novo Quadro obviamente, fora do escopo de um artigo público, mas com fronteira, agora, mais alar- dência é condição necessária, mas não sufi - Regulamentar Europeu, actualmente em trans- desta natureza fazê-lo. Mas essa omissão fi ca gada a que o actual enquadramento legal do ciente, para a exigência de imparcialidade do posição para a legislação nacional e, em par- completamente ultrapassada solicitando ao regulador português, o ICP ANACOM, dá ple- regulador, uma das condições (mas não a úni- ticular, ao comportamento do BEREC (Board leitor interessado a consulta da recente obra no cabimento. ca) de legitimação da sua autoridade. of European Regulators of Electronic Commu- de João Confraria (2010) em que tal aborda- Só que a invocação da imparcialidade, con- nications), peça nova e central desse Quadro. gem é feita, cobrindo um século de história, forme refere Amartya Sen (2009), transfere o Mas o desafi o que se põe a esse Quadro vai complementado por um longo anexo com [...] as decisões do regulador problema da regulação também para o campo bem para além desse, pois comporta um pro- toda a legislação relevante sobre o enquadra- nacional estão dependentes da justiça. Citando Mary Wollstonecraft, uma blema de seu âmbito e alcance: serão as medi- mento institucional da regulação. [...] da não oposição prévia militante revolucionária britânica e uma das das e os remédios nele previstos os necessários Duas notas quero, entretanto, relevar desta das instâncias comunitárias iniciadoras do movimento femininista, refere e mais adequados ao dinamismo do sector? obra: a primeira está completamente capsu- e a revisão do Quadro que esta, em 1790, se perguntava se poderia E, pegando na alínea a) do artigo 5.ª da Lei nº lada no seu título: “O interesse público na Regulamentar europeu tem haver uma interpretação satisfatória da moral 5/2004 que impõe a promoção da concorrên- Política de Comunicações”; a segunda tem a reforçado esta dependência em geral, e da justiça em particular, que limi- cia também aos recursos e serviços conexos ver com uma inalienável chamada de atenção [...] tasse a sua atenção a certas pessoas, excluin- às comunicações electrónicas, não haverá para a situação específi ca dos reguladores dos do outras, presumindo – nem que fosse im- necessidade de, numa interpretação que países que compõem a União Europeia. plicitamente – que as primeiras contam e as excede, é certo, o âmbito do actual quadro, No que toca à primeira nota é o interesse pú- Efectivamente, a Lei das Comunicações Elec- segundas não. E acrescenta: “Mesmo se, por alargá-lo aos conteúdos e até, eventualmente, blico (ou o interesse geral) que justifi ca a inter- trónicas (Lei 5/2004, no seu Artigo 5.º), esta- uma ou outra razão, nos concentrarmos so- a produtores de equipamento por exigência venção regulatória, como também as políticas belece como objectivos de regulação: bre um grupo particular – como os membros da actual convergência? públicas, criando aqui a tal ligação, imperdí- a) Promover a concorrência na oferta de redes de um país, de uma comunidade ou de uma Como escreve P. Rosavallon, a legitimidade de vel, que já foi salientada. J. Confraria é lapidar e serviços de comunicações, de recursos e de família – importa sempre lembrar que esses uma Autoridade Administrativa Independente nesta matéria escrevendo, designadamente: serviços conexos; esforços estreitos se inscrevem num quadro (caso do Regulador) decorre do cumprimen- “Neste livro fala-se, sobretudo, de regulação b) Contribuir para o desenvolvimento do mais alargado, colocando cada um no seu lu- to de três condições: Imparcialidade, Refl e- ou de políticas públicas, neste sentido geral”. mercado interno da União Europeia; gar”. Em resumo, a inclusão universal faz par- xão e Proximidade. E, mais adiante, “Não se diferencia ao nível dos c) Defender os interesses dos cidadãos nos te integrante da imparcialidade e é nesse con- Refl ecti, espero que imparcialmente, sobre im- instrumentos nem dos objectivos entre regula- termos da presente lei.” texto que, no seu desenvolvimento, surge, parcialidade procurando tornar-me próximo ção independente e regulação por actos do go- A alínea b) é a ligação pertinente à questão em exactamente, o assegurar o serviço universal. do leitor para que a sua refl exão possa enrique- verno. Fala-se indistintamente de política e de apreço, mas tem um enquadramento bem mais Mas a referência ao grupo particular – mem- cer a nossa e robustecer a nossa imparcialida- regulação”. Mas esclarece logo que se adopta largo que o sugerido pela leitura da redacção bros de um país – fez-nos regressar ao pro- de, bem como as confi gurações institucionais “por comodidade alguma simplifi cação de lin- apresentada. É que a contribuição para o mer- blema levantado por J. Confraria a que A. Sen, que melhor se adequem a uma boa “perfor- guagem”, que a preocupação por uma análise cado interno está ligada a uma obrigação bem com base em Adam Smith e na sua esquecida mance” do “triângulo” acima referido. ■ histórica integrada bem legitima. mais forte, característica específi ca deste sector, obra “A Teoria dos Sentimentos Morais”, abre No que toca às questões suscitadas pela se- que é a subsidiaridade das leis nacionais que perspectivas de resposta com o conceito de Referências bibliográfi cas gunda nota, permito-me citar uma passagem regem a regulação às Directivas Comunitárias. “imparcialidade aberta”. do Prefácio que escrevi para esse livro: “E é Isto signifi ca que as decisões do regulador na- Defi ne-a por oposição ao que designou por CONFRARIA, João, “O Interesse Público na Política de Comunicações, 1910-2010”. Lisboa: Fundação Portuguesa nessa leitura do presente à luz da evolução cional estão dependentes, em muitos casos, “imparcialidade fechada”, ou seja, o proces- das Comunicações, 2010. centenária que, a meu ver, se encontra uma da não oposição prévia das instâncias comu- so de constituição de julgamentos imparciais ROSAVALLON, Pierre, “La légitimité démocratique – Im- partialité, refl exivité, próximité”. Paris : Ed. du Seuil, 2008. contribuição curial e de enorme actualidade nitárias e a revisão do Quadro Regulamentar que só diz respeito aos membros de uma SEN, Amartya, “The Idea of justice”. Londres: Penguin que não resisto a citar: “… Como se deveria europeu tem reforçado esta dependência, dada sociedade ou de uma dada nação e para Books, 2009. SMITH, Adam, “The Theory of Moral Sentiments”. Oxford: defi nir o interesse do Estado, fora dos qua- que convém ter permanentemente presente. as quais estas avaliações são produzidas”. Claredon Press, ed. 1979.

33 As grandes redes do conhecimento Gustavo Cardoso Cláudia Lamy

Redes sociais: comunicação virtuais tendem a ser mantidos nesses mes- to (Quizzs e Testes), expressão identitária mos espaços, podendo nunca passar para o (Colocação de Vídeos) e intervenção social e mudança contacto presencial, inclusivamente devido à (Apoio a Causas). distância geográfi ca (Recuero, 2004: 9). Existem evoluções bastante signifi cativas no Contudo, partindo do cruzamento da análi- que respeita às redes sociais online, em es- A INTERNET, os seus blogues e as redes so- teracção entre a Internet e seus utilizadores se entre as teorias das redes e a dimensão pecial no tocante à propagação da informa- ciais deram-nos outros olhares sobre o Irão; – e, por seu turno, as suas interacções em empírica associada aos sítios denominados ção e à sua fi abilidade: a título de exemplo, nos EUA a escolha de um candidato a vice- contextos sociais materiais – que constituem Social Networking Sites (SNS) como o Face- a CNN já afi rmou temer mais a concorrência presidente foi anunciada via SMS; em Mo- a matriz dentro da qual podemos localizar o book, Hi5, Orkut ou microblogging, como de redes como o Facebook ou o Twitter que çambique a revolta popular de Setembro de poder dos novos média na criação de dife- o Twitter, parece claro que estamos perante a das demais cadeias televisivas. A confi ança 2010 foi organizada via SMS e acompanhada rentes espaços de discurso e de coordena- redes sociais na acepção de espaços de in- neste tipo de fontes parece ter vindo a in- em Maputo e no mundo via Facebook. ção de acções (2003:18). teracção social e de criação de autonomia. centivar a sua utilização, suplantando a pro- O modelo comunicacional, que parece ca- Alguns autores nada vêem de excepcional cura de informação noutros média. racterizar as nossas sociedades contempo- nestas novas redes, que não passarão de for- râneas, é formado pela capacidade de glo- mas de sociabilidade transpostas para novas A prática social em rede na internet balização comunicacional, juntamente com plataformas: é, por exemplo, a opinião de Existe uma pergunta base no contexto de a interligação em rede dos meios de comu- Wellman, para quem a “Comunicação Media- análise das redes sociais na Internet: o que Falar de formas de relação nicação de massa e interpessoais e, conse- da por Computador é apenas uma das muitas fazemos nós com as redes sociais? social na Internet é discutir quentemente, pela emergência de mediação tecnologias utilizadas pelas pessoas através Desse contexto de usos ressalta uma divisão como os cidadãos apropriam em rede sob diferentes padrões de interac- das quais as redes de comunidades existen- possível em actividades de fortalecimento de as novas possibilidades de ção. Esses padrões poderão tomar a forma tes comunicam” (Hamman, 1998). Claro que laços sociais para com amigos e conhecidos comunicação. de Auto-comunicação de Massa (Castells, Wellman se baseia na premissa de que grande (Mensagens, Chats, Alertas de Aniversários, 2009), que tem lugar quando utilizamos parte dos contactos virtuais terão como pro- Escrita na Parede), gestão de capital social o Twitter, blogues ou SMS; de Comunica- pósito serem transpostos para a vida offl ine, (Procura de Amigos, Envio de Presentes, ção Interpessoal Multimédia, que acontece o que nem sempre acontece: muitos dos laços Jogos, Criação de grupos) entretenimen- Actualmente, o Facebook é a rede social na quando usamos o MSN ou o Google Chat ou Internet que reúne maior número de adep- mesmo o Skype; de Comunicação Mediada tos (517.480.460 utilizadores a nível mun- de Um para Muitos, quando usamos o Face- dial, 149.976.980 indivíduos inscritos ape- book com os nossos “amigos”; e, claro está, nas na Europa), suscitando uma tal devoção os casos de comunicação de massa e comu- a ponto de provoca a emergência de com- nicação interpessoal não mediada. Mensagens 84,4% portamentos patológicos. Fruto deste suces- Este modelo não substitui os anteriores, ten- so, as suas receitas publicitárias têm vindo Chat 47,9% dendo antes a interligá-los, produzindo no- a aumentar de forma exponencial, ultrapas-

vos formatos de comunicação e permitindo Procura de amigos 47,3% sando as melhores expectativas: em 2009, novas formas de facilitar a capacitação, logo, atingiram 800 milhões de dólares, com um a autonomia comunicativa: um modelo ca- Criação de albuns de fotos 46,4% lucro líquido de dezenas de milhões. O Face- racterizado por uma nova rede interpessoal, book assume-se assim como “comunicação Jogos 41,9% de um para muitos e de massa, que conecta mediada de um para muitos”, pois cada utili-

públicos, participantes, utilizadores, empre- Criação de grupos 32,1% zador sabe quem são os seus “amigos”, pois sas de difusão e editoras sob uma só matriz autoriza a sua “amizade”. Só após a aceitação de rede mediática. Alertas de aniversários 26,7% do próprio pode ele começar a ser “amigo” É neste contexto que o uso das redes sociais de quem o convida. Escrita no mural 25,4% se desenvolve, ora como auto comunicação Já o Twitter evidencia outras características,

de massa, como no caso do Twitter, ora de Envio de presentes virtuais 24,8% constituindo uma forma de microblogging comunicação mediada de um para muitos, baseada na publicação instantânea de textos como acontece com o Facebook. Apoio a causas 23,2% até 140 caracteres. O Twitter permite a utili- zação de mensagens instantâneas de texto, Colocação de músicas/vídeos 18,4% essencialmente para partilha de experiências Serão as “redes sociais” e opiniões entre comunidades de cidadãos Quizzs e testes 16,8% da internet redes sociais? (Java, Song, Finin & Tseng, 2007: 2; Miard, Falar de formas de relação social na Internet Consultar oráculos 10,1% 2009: 2). Mas nem todos o utilizam de forma é discutir como os cidadãos apropriam as idêntica: se uns surgem como fontes cons- 0 20406080100 novas possibilidades de comunicação, como tantes de informação e comentário, outros se posicionam face às suas vantagens e difi - “Quais as ferramentas que mais utilizas na tua rede social?” (em %). apenas assistem à difusão de opiniões, sem Fonte: CIES ISCTE, A sociedade em rede, 2010. N=1.255 (total de respostas); n=35 (utilizadores de Internet culdades. Ou, como afi rma Bennett, é a in- e plataformas de redes sociais) / 25% do total de respostas; 56% de utilizadores de Internet. uma participação activa. JANUS 2011-2012 1.13

De acordo com um estudo realizado relativa- parece encontrar algum eco: como aponta Na arena da Internet, organizações e pesso- dãos e ONG que tenham como objectivos a mente a estes microbblogers, os posts mais Castells, “na arena internacional, estão a as congregam-se para mudar algo nos mais denúncia, a pressão e a consciencialização comuns centram-se na rotina diária, no que crescer novos movimentos sociais transfron- diferentes temas e perspectivas, lutando por política (Moraes, 2001: 3; Bennett, 2003: o utilizador se encontra a fazer no momento, teiriços na defesa das causas das mulheres, visibilidade e projectando as suas consequên- 3). As ONG virtuais começaram também a e qual o seu estado de humor (Java, Finin, dos direitos humanos, da preservação do cias. Como afi rma Moraes, “a Internet vem potenciar a sua interligação com o objecti- Song & Tseng, 2007: 6/7). Já relativamente a ambiente e da democracia política, fazendo dinamizar as lutas das entidades civis a favor vo de repartirem competências, recursos, conversações, não existe qualquer possibili- da Internet uma ferramenta essencial para da justiça social num mundo que globaliza custos e espaços, sendo que cada nó incor- dade de resposta directa a um post colocado disseminar informação, organizar e mobili- desigualdades de toda a ordem. (…) A maio- pora novos usuários, os quais se convertem, por uma terceira pessoa, tal como acontece zar” (2002: 475). ria dessas entidades visa o fortalecimento da potencialmente, em produtores e emissores com o Facebook, razão pela qual os utiliza- Esta possibilidade é ainda mais relevante se sociedade civil no processo de universaliza- de informações (Moraes, 2001:3). Não exis- dores optaram por usar o símbolo “@”, se- atentarmos ao desalento ante a vida políti- ção de valores e direitos democráticos. Con- tem dúvidas de que as redes sociais vieram guido do username do utilizador com quem ca e ao descrédito crescente na democracia gregar interesses e necessidades concretas ou permitir um debate mais aberto e pluralista, querem comunicar. e nas suas instituições. Discutir, deliberar, simbólicas, promovendo acções em prol da oferecendo-se enquanto fomentadores de Também a difusão de informação diária aplicar decisões seriam vertentes transpostas cidadania” (2001:2). uma participação cívica e política que parece constantemente actualizada constitui uma ou partilhadas entre as instituições da mo- esmorecer (Cardoso & Neto, 2003). das mais interessantes aplicações do Twitter, dernidade e os cidadãos, através da Internet Se é através do fenómeno da globalização tendo já provado permitir uma sensibiliza- (Cardoso, 2003). De tal modo que, dispos- As ONG nas redes que corremos riscos de uniformização do ção muito rápida da população utilizadora, tos a reconquistar novos públicos e simpati- As organizações utilizam a Internet desde pensamento e da análise crítica, também é para além de constituir um modo simples zantes, os média de massa e as elites políti- há muito para mais fácil e gratuitamente este fenómeno que permite que regiões ou- para aqueles que não têm outras formas de cas já mostraram o seu interesse em aderir à difundirem os seus propósitos e acções, e trora distantes se tornem acessíveis a todos: comunicar a sua indignação ante regimes comunicação mediada por computador, em angariarem o maior número de associados. os seus problemas, as suas vitórias, os seus ditatoriais ou restritivos da liberdade de ex- especial às redes sociais. Com estas práticas nasceram ferramentas movimentos sociais não somente são difun- pressão (Correia, s/d: 4). de intervenção como as campanhas virtuais, didos, como podem encontrar simpatizan- os grupos de discussão, os manifestos onli- tes em locais distantes do globo. Detemos, Uma forma de “jornalismo ne e os murais de links, criando uma arena desta forma, um conjugar entre questões Uma nova ágora ateniense comunitário” complementar de mobilização. A possibi- singulares, pensadas a título local, e um Entre adeptos e pessimistas, ambos com A utilização destas redes também provou ser lidade de uma abrangência sem limitações mundo global: de facto, os cidadãos pensam fortes argumentos, a verdade é que as re- uma hábil forma de comunicar sem deixar impostas por gatekeepers (como acontece no contexto das suas realidades próprias, des sociais na Internet e noutros espaços rasto, útil em países em que a comunica- na televisão ou na imprensa) torna a Comu- mas recorrem a meios virtuais para a sua de mediação, como as redes telefónicas, nos ção ainda é alvo de censura explícita, como nicação Mediada por Computador (CMC) difusão, agindo de modo global (Castells, obrigam a repensar o social e o político nas acontece na China ou em Myanmar (Ekman, extremamente relevante para todos os cida- 2007:249). ■ sociedades do séc. XXI. O que motiva os 2007: 39). De facto, torna-se mais difícil a indivíduos a participar em novas formas de censura ou manipulação de informações por relacionamento social através da mediação? parte de grupos políticos ou lóbis: a trans- A ideia de uma plataforma em que todos os missão de informação horizontal, muitas das Referências bibliográfi cas cidadãos são convidados a debater, de modo vezes em directo, pelos cidadãos cria uma racional, as questões da sociedade onde se aura de verdade muito distinta da que, actu- BENNETT, W. (2003) — New Media Power: the Internet and global activism. In Contesting Media Power, Nick Couldry and James Curran, Rowman and Littlefi eld. Disponível em: http://depts.washington.edu/gcp/pdf/bennettnmpower.pdf. Acedido inserem, favorecendo o fl uxo da informação almente, povoa o mundo político (Castells, em 20 de Setembro de 2010. e conhecimento, constitui o ideal de quarto 2007:251). CARDOSO, G. & Neto, P.(2003) — O Movimento por Timor: mass media e os protestos online. In Novas Formas de Mobiliza- ção Popular. Porto: Campo das Letras. poder: os média, em geral, deveriam efec- Esta forma de “jornalismo comunitário” é ain- CARDOSO, G. (2003) — “Internet”. Lisboa: Quimera. tivar-se como tal, permitindo que as vozes da simplifi cada pela actual convergência de CASTELLS, M. (2007) — Communication, Power and Counter-Power in the Network Society. Disponível em: http://www.itu. dk/stud/speciale/specialeprojekt/Litteratur/Castells_2007%20-%20Communication%20power%20in%20the%20network%20 populares alcançassem os poderes decisores plataformas: a possibilidade de colocar uma society.pdf. Acedido em 20 de Setembro de 2010. (Hartley, 1992) – a materialização da visão qualquer informação no mundo web através CASTELLS, M. (2009) — Communication Power. Oxford: Oxford University Press. EKMAN, C. (2007) — Cyber Activism and SMS Propaganda. Disponível em: http://kiosk.nada.kth.se/utbildning/grukth/exjo- habermasiana de esfera pública, da ágora do telemóvel ou fazendo a convergência de bb/rapportlistor/2007/rapporter07/ekman_carolin_07101.pdf. Acedido em 18 de Setembro de 2010. ateniense ou do townhall da Nova Inglater- conteúdos através de redes online presta-se HAMMAN, R. (1998) — The Online/Offl ine Dichotomy: Debunking Some Myths about AOL Users and the Effects of Their Being Online Upon Offl ine Friendships and Offl ine Community. In Raquel da Cunha Recuero (s/d) — Comunidades virtuais – ra, algo que não parece ocorrer nos dias de não somente a uma maior globalização da Uma abordagem teórica. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt. Acedido em 20 de Setembro de 2010. hoje (Cardoso, 2003). interacção social através das redes virtuais, HARTLEY, J. (1992) — The Politics of Pictures: the creation of the public in the age of popular media. In Pieter Boeder Alguns autores vêem nos novos média em como permite a circulação quase simultânea (2005) — “Habermas’s Heritage: The Future of the Public Shpere in the Network Society”. Revista First Monday, Volume 10, Nº 9. Disponível em: http://fi rstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/view/1280/1200. Acedido em 20 de geral, e nas redes sociais online em particu- de qualquer facto que mereça a atenção do Setembro de 2010. lar, uma forma não apenas de atingir o de- seu emissor. Aliás, a utilização do telemóvel JAVA, FININ, SONG & TSENG — Why We Twitter: An Analysis of a Microblogging Community. Disponível em: http://www. springerlink.com/content/5jx017u8158r7q14/. Acedido em 20 de Setembro de 2010. bate não conseguido nos média tradicionais, para propagação de imagens e consequente MORAES, D. (2001) — O Activismo Digital. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/moraes-denis-ativismo-digital.html. mas um modo de realização da participação sensibilização da comunidade internacional Acedido em 20 de Setembro de 2010. RECUERO, R. C., (2004) — Comunidades virtuais – Uma abordagem teórica. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/. cívica, onde interesses comuns permitem a já se mostrou essencial em situações tão dis- Acedido em 20 de Setembro de 2010. angariação de opiniões, decisões e interven- tintas como o caso de Seattle ou dos protestos Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS.NET, e-journal of International Relations, Vol. 2, n.º 1 (Primavera ções em matérias específi cas. Em parte, tal iranianos ou moçambicanos. 2011). Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_art6

35 As grandes redes do conhecimento Gustavo Cardoso Cláudia Lamy

O activismo em rede de Obama nas várias redes sociais – em mas nunca poderá ser tido como um líder particular no Facebook – a mailing list de nas relações entre as comunidades que pro- apoiantes, entre outros aspectos, marcaram fessam o interesse comum da democracia e AS REDES ACTIVISTAS EM TORNO DE CAUSAS ciais ou simplesmente o somatório de um fortemente esta campanha, a qual se tornou do pluralismo no Irão. têm sido abordadas de modo diferente por di- conjunto de actos individuais de protesto de algum modo num modelo inspirador Tão importante quanto as anteriores refe- versos autores, existindo quem nelas veja um partilhados? das várias candidaturas que desde então rências, temos bem presente uma identida- “exército em rede” (Holstein, 2002, n. p.) ou Ainda que uma democracia representativa têm ocorrido um pouco por toda a Europa. de colectiva: não falamos de um protesto uma “máfi a inteligente” (Rheingold, 2002). pressuponha representados os interesses (Plouffe, 2009). De alguma forma podería- passageiro, de uma manifestação única; esta- Não obstante, Bennett chama a atenção para dos cidadãos, não deixa de ser visível a de- mos argumentar que o modelo de campa- mos perante um sentimento colectivo, par- a difi culdade em aceitar tais visões, mais béli- silusão destes últimos face às organizações nha de Obama foi apropriado e reinventado tilhado por massas, de que a justiça de um cas ou aproximadas de grupos de interesse, políticas institucionalizadas, conduzindo ao no contexto pós-eleitoral iraniano de 2009, processo político deverá sobrevir. Para tal, quando a organização não institucional e a desenvolvimento de novas formas de parti- assumindo a forma de movimento social ge- esforços são reunidos, são criadas formas inexistência de uma hierarquia a respeitar cipação (Cardoso & Neto, 2003: 108). A par rado nas redes sociais e trazido para as ruas de comunicação entre todos os apoiantes constituem elementos essenciais para a com- de ferramentas institucionais há muito utili- da capital, Teerão. Perante o resultado das (singulares ou colectivos), são desenvolvi- preensão do trabalho em rede das comunida- zadas, como o trabalho prestado a partidos eleições de Junho de 2009 – Mahmoud Ah- dos relatos pessoais para que, globalmente, des activistas (2003: 9 e segs.). políticos ou a participação em reuniões po- madinejad declarado vencedor duas horas todos possam acompanhar o desenrolar dos O primeiro caso estudado de uma movimen- litizadas, surgem novos meios de realização após o encerramento das urnas –, a popula- acontecimentos políticos e sociais no Irão. tação popular organizada através da Internet da política como assinatura de petições, boi- ção iraniana rebela-se por conceber fraudu- teve lugar em Seattle, em 1999, aquando da cotes, ocupações, manifestações, cortes de lento o resultado. Apoiando o principal lí- reunião da Organização Mundial do Comér- trânsito e greves não sindicalizadas (2006: der da oposição, o candidato reformista Mir O Twitter nas eleições iranianas cio. O mundo assistiu não somente à manifes- 166), algumas das quais começam a ser, Hussein Mousavi, os cidadãos organizam-se O Twitter foi o canal de alerta para a fraca tação de cerca de cinquenta mil pessoas que quando não iniciadas, pelo menos divulga- no apelidado Green Movement, até hoje cobertura dos média tradicionais sobre o encheram as ruas de Seattle num protesto das através das redes sociais. activo contra todos os esforços da polícia Movimento Verde. De facto, “a 13 de Junho contra o neoliberalismo, mas também a pro- O apoio de causas no quadro das redes so- estatal. de 2009, quando começou a escalada dos testos em 82 outras cidades, incluindo EUA, ciais surge normalmente como resultado da Aliás, a essencialidade da CMC é de tal modo protestos, ignorada pelos média iranianos, Europa e América do Sul (Bennett, 2003: 25; acção de grupos formais, ou informais, com evidente que os próprios visados pelo movi- no Twitter, a informação corria em tempo- Moraes, 2001: 9). capacidade de mobilização de outrem, pois mento não apenas censuram as informações real”. Referindo-se especifi camente à CNN, a Nestes casos, a Internet demonstrou-se essen- o seu sucesso depende da capacidade de veiculadas como chegam mesmo a inviabi- rede criou um movimento de gatewatching cial quer para a organização das manifesta- passar a palavra e conseguir que terceiros lizar as conexões das redes em momentos em que cidadãos questionavam a qualidade ções, quer para a transmissão e difusão global desencadeiem uma acção que, pelo menos, fulcrais da política interna. e verdadeiras intenções da informação vei- dos eventos. Deste modo, o protesto ganhou resulte em apoio público de uma dada posi- Antes de mais, a relação de confl ito instalada culada pelos média. Infl uenciada ou não por uma força global, determinando a agenda set- ção. O argumento que aqui podemos deixar entre aqueles que detêm o poder e a autori- este alerta, a verdade é que as atenções têm ting dos mass media e, consequentemente, é o de que os apoios a causas nas redes so- dade institucionalizada (no presente caso o sido redobradas por parte daquela empresa da opinião pública. Como resultado, as cú- ciais possuem características de relações de governo de Ahmadinejad e o Conselho dos (De Tolledo, s/d: 5). pulas políticas foram obrigadas a cancelar o confl ito, redes de menor ou maior integra- Guardiães que validou a sua alegada vitória) Conscientes do dinamismo destas comuni- encontro, mostrando que as forças “perde- ção entre os envolvidos e a formação de uma e aqueles que pretendem afastar o mesmo dades que utilizam os novos média como doras” do sistema económico haviam con- identidade colectiva. Este último ponto, poder de tais mãos, em prol de uma mudan- um dos principais veículos de interacção, as seguido, através de uma relação de confl ito, que podemos considerar mais controverso, ça de regime (o que inclui, claro está, não forças apoiantes de Ahmadinejad têm opera- conquistar o poder que reivindicavam (Della encontra eco quando a adesão passa a ser apenas Mousavi e todos os seus apoiantes do de duas formas distintas: não só censu- Porta e Diani, 2006: 167). listada nos perfi s individuais de cada um dos políticos, como os cidadãos que, nas ruas de ram conteúdos e inviabilizam a utilização de que dão o seu apoio e, como tal, parte parti- Teerão e nas redes sociais online, exigem a sites, blogues, redes sociais virtuais e até da lhável da identidade pessoal face a terceiros. realização de um novo escrutínio). rede telefónica móvel, como encarceram os A comunicação em rede Pode-se assim argumentar que os movimen- A forma de organização de todos aqueles responsáveis pela veiculação de informação e os movimentos sociais tos sociais também se forjam na Internet nas que pretendem a impugnação das eleições é, que não seja vista como favorável ao regime. Um movimento social é a tentativa colec- redes sociais. de facto, baseada numa rede informal: sem E tal consciência não teve lugar apenas após tiva, por um determinado número de pes- qualquer tipo de hierarquia pré-estipulada o início dos protestos, pois de outro modo soas, de alteração de indivíduos ou insti- ou relações de origem vertical; os cidadãos não se justifi caria a suspensão do Twitter ho- tuições e estruturas sociais (Zald and Ash, De Teerão a Maputo: as redes entre defendem os seus interesses comuns numa ras antes das eleições. 1966). o simbolismo e a acção relação democrática de igualdade – o que, Relativamente a este tipo de censura, os O activismo parece hoje uma prática re- A utilização da Internet durante a campa- obviamente, nunca porá em causa o poder utilizadores de CMC têm procurado adver- gular bem recebida pelos utilizadores das nha eleitoral de Barack Obama, em 2008, de iniciativa mais ou menos presente em tir para formas de difusão de informação, redes sociais: causas ambientais, defesa tem sido muitas vezes referenciada, sendo cada um dos elos existentes. Mousavi poderá em especial quando utilizados os dois tags de direitos humanos ou reacção ante fac- apontada como uma das principais razões incitar ao protesto mas não dependem dele mais comuns: IranElection e gr88 (referên- tos políticos são alvo de frequente atenção do sucesso eleitoral do actual presidente todas as iniciativas ligadas ao Movimento cia à Green Revolution e ao actual ano no Mas será ele o reflexo de movimentos so- dos EUA. O site da campanha, a presença Verde. Quanto muito, constituirá um hub calendário persa: 1388). Nestes casos, acon- JANUS 2011-2012 1.14

selham-se os utilizadores do Twitter a não re- Não obstante, vários autores defendem não dados de acesso à Internet. Os protestos mo- refere às redes sociais. Por um lado, alguns velar o seu IP, a não denunciar de qualquer nos encontrarmos perante uma verdadeira çambicanos permitiram também o surgir de têm apenas acesso às redes de telemóvel e modo o nome ou localização de uma fonte revolução dos meios utilizados para a con- práticas informativas baseadas na articulação não às redes de Internet móvel – dado o cus- genuína do Movimento Verde, ou mesmo a certação dos movimentos sociais, mas antes entre jornais e redes sociais, como no caso to de equipamentos e ligações de dados – responder de forma impetuosa, uma vez que perante uma crescente utilidade para a visi- do jornal @verdade. Durante as horas de esses são também aqueles que nas ruas pro- as forças de segurança se encontram a utili- bilidade global, por vezes apenas fruto de maior tumulto nas ruas de Maputo, um jor- testam contra o custo de vida. Por outro lado zar a mesma rede social. um determinado contexto internacional. nalista do @verdade e amigos do Facebook, temos os que usam as outras redes sociais, Assim, parece inegável que o governo irania- Mas nem todos os resultados na utilização tanto do jornal como do jornalista, trocavam neste caso o Facebook, para compreender o no de Ahmadinejad teme os média em geral desta e de outras redes virtuais são positi- a partir da rua via Blackberry ou de compu- que está a acontecer em torno do protesto e as redes sociais online em particular: de vos: o proliferar sem limites da informação tadores de casas e escritórios informação e como não ser apanhado pelo mesmo. Por facto, não se censuram pólos que não detêm corre o risco de, em vez de informar, criar sobre os locais seguros e sobre a dimensão último, temos o governo e as empresas de qualquer poder no espectro interno ou in- o caos informativo. No fundo, falamos de dos protestos em diferentes zonas da cidade. telecomunicações que podem gerir que tipo ternacional. uma confusão generalizada e da emergên- O jornalista mediava e dava também a quem de uso pode ser permitido em termos de Com este tipo de comunicação (de muitos cia de certas formas de autismo (Rheingold, estava no Facebook a certifi cação, ou vali- acessos, controlando as portas de acesso à para muitos), cidadãos e ONG têm consegui- 1993), na multiplicação de visões pessoais, dação, da informação que ia chegando. Por comunicação. do mobilizar apoiantes por todo o mundo, de informações pouco fi dedignas ou com sua vez, esse espaço de partilha no Facebook Estes exemplos geográfi ca e socialmente dife- alinhando acções de protesto mundiais ou intuitos menos claros que poderá conduzir levou ao surgir de uma campanha pela paz renciados (EUA, Irão e Moçambique) revelam- recolhendo assinaturas para petições, per- àquilo que Correia apelida de “ausência de em Moçambique e foi também através do @ -nos é um presente onde germina, indepen- mitindo visibilidade global a uma questão refl exividade paralisada pelo novo valor fe- verdade nessa rede social que se questiona- dentemente de onde estamos ou de onde nacional. tiche que constitui a velocidade em tempo va sobre quem tinha um dado operador e olhamos, um espaço de Comunicação em real” (s/d: 6). conseguia ou não enviar mensagens. Rede e é pensando a partir desse paradigma De algum modo, o caso moçambicano de- que poderemos compreender como se apoia monstra-nos uma realidade dual no que se causas e se protesta no nosso tempo. ■ Não nos encontramos perante Os protestos em Moçambique uma verdadeira revolução Como vimos, o debate e o fl uxo de informa- dos meios utilizados [...] mas ção parecem constituir, por si só, uma mais- antes perante uma crescente -valia. Não obstante muitas das opiniões utilidade para a visibilidade proferidas nas redes sociais na Internet pre- global. tenderem a alteração do statu quo, quererão ser ouvidas pelos poderes em geral: mas se- rão consequentes? O caso iraniano aqui analisado demonstra Um caso demonstrativo da importância também a predominância da rede social so- da rede social online Twitter teve lugar a bre a rede tecnológica, como é exemplifi ca- 15 de Junho de 2009, quando se colocou do pela adopção do bluetooth após o corte a possibilidade de suspensão do funciona- de envios na rede telefónica para o uso de mento da rede para a sua manutenção. Ante SMS: nesse contexto a população usou o a preocupação sentida pelos utilizadores bluetooth para distribuir vídeos e fl yers di- iranianos e os seus seguidores por todo o gitais em locais públicos como os cinemas, Referências bibliográfi cas mundo, dado terem decorrido apenas dois parques ou transportes. De algum modo as BENNETT, W. (2003) — New Media Power: the Internet and global activism. In Contesting Media Power, Nick Couldry and dias desde a divulgação do resultado das mesmas lógicas podem ser detectadas nos James Curran, Rowman and Littlefi eld. Disponível em: http://depts.washington.edu/gcp/pdf/bennettnmpower.pdf. Acedido em 20 de Setembro de 2010. eleições e do início dos protestos, os res- protestos em Moçambique de Setembro de CARDOSO, G. & Neto, P.(2003) — O Movimento por Timor: mass media e os protestos online. In Novas Formas de Mobiliza- ponsáveis pelo Twitter optaram por adiar 2010 onde, após o anúncio do aumento de ção Popular. Porto: Campo das Letras. CARDOSO, G. (2003) — “Internet”. Lisboa: Quimera. o procedimento. Tal preocupação parece preços de bens essenciais como o pão, uma DE TOLLEDO, G. (2009) — Confl itos Pós-eleições no Irão e Ciberactivismo no Twitter. Disponível em: http://www.scribd. plausível quando observamos que uma das mensagem de SMS começou a circular ape- com/doc/17882410/Confl itos-poseleicoes-no-Ira-e-Ciberativismo-no-Twitter. Acedido em 18 de Setembro de 2010. DELLA PORTA, D. and DIANI, M. (2006) — Social Movements – an introduction. EUA: Blackwell Publishing. mais populares páginas do Twitter, contan- lando ao protesto. Essas mensagens acaba- HOLSTEIN, W. J. (2002) — Online, the Armies Have No Borders New York Times. Disponível em: http://www.nytimes. do com mais de 25.631 seguidores, é de- ram por se traduzir em protestos e depois com/2002/04/28/business/business-online-the-armies-have-no-borders.html. Acedido em 20 de Setembro de 2010. dicada ao candidato reformista. A título de confl ito com as autoridades nas ruas de Ma- MORAES, D. (2001) — O Activismo Digital. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/moraes-denis-ativismo-digital.html. Acedido em 20 de Setembro de 2010. curiosidade, refira-se que Mousavi detém puto e de outras zonas do país, tendo resul- PLOUFFE, D. (2009) — The Audacity to Win – The Inside Story and Lessons of Barack Obama Historic Victory. Nova Iorque: igualmente um perfil no Facebook, onde tado em vários mortos. Como forma de ges- Viking. RHEINGOLD, H. (1993) — The Virtual Community: Homesteading on the Electronic Frontier. In João Carlos Correia (s/d) reúne 3.966 contactos, um canal no Youtu- tão desse confl ito aparentemente o governo — Cidadania, Comunicação e Literacia Mediática. Disponível em: http://www.bocc.uff.br/pag/correia-joao-carlos-Media- be, cujas entradas chegam às quase 70.000 ou as próprias empresas, antes de anunciar Publico-Literacia.pdf. Acedido em 20 de Setembro de 2010. ZALD & ASH (1966) — Social Movement Organizations: Growth, Decay and Change. In Dieter Opp (2009) — Theories of visualizações, e uma página no Flickr, onde o não aumento de preços, bloquearam du- Political Protest and Social Movements. Nova Iorque: Routledge. reúne fotos dos protestos que têm lugar em rante algumas horas o envio de SMS per- Este texto está publicado, na integra, na revista JANUS.NET, e-journal of International Relations, Vol. 2, n.º 1 (Primavera seu nome. mitindo apenas a comunicação de voz e de 2011). Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_art6

37 As grandes redes do conhecimento Mar Rodríguez Romero

Una cartografía social del cambio berales. La línea discursiva de “fuera a dentro” distribución social de bienes educativos y el implica la reestructuración de las instituciones cambio del mundo vital de los estudiantes y educativo en la sociedad educativas aplicando principios empresariales sus familias, con modos alternativos de vivir y en su gestión. Busca aproximar las escuelas relacionarse y creando una conciencia plane- del conocimiento a las formas económicas y empresariales del taria que mitigue los problemas globales de la neoliberalismo, pensando en mejorar la edu- especie y el planeta. cación por mimetismo con el mercado. Utiliza AL TRAZAR EL MAPA de las diversas posicio- no goza de los apoyos ofi ciales, ni nacionales discursos ambiguos, cooptando aspiraciones Comunidades discursivas nes sociales en educación se identifi can tres ni transnacionales. Lucha por crear un siste- progresistas y entre sus defensores encontra- y estrategias discursivas principales espacios discursivos y prácticos: ma alternativo de relaciones y comunicación mos grupos progresistas en los que se han La CD de la Excelencia se sirve del “mito mo- las comunidades discursivas de la excelen- a nivel global, usando la lógica de las redes fi ltrado intereses de los sectores neoliberales, vilizador” de la crisis de la educación pública cia, la reestructuración y la política cultural y utilizando tácticas políticas no tradiciona- como la nueva socialdemocracia europea. Am- para construir un discurso de oposiciones bi- (Rodríguez Romero, 2003). Una comunidad les y nuevas estructuras de organización. Su bas líneas discursivas se producen simultánea- narias en cuyo lado negativo siempre está la discursiva (CD) es una asociación de identida- superhecho es la vivencia de contradicciones mente y hay múltiples intersecciones. Por ello escuela pública. Usa lemas muy efi caces, con des y discursos de límites difusos y cambian- estructurales del capitalismo postindustrial. es necesario analizar cada práctica específi ca conceptos claves como elección, derechos de tes que crea su especifi cidad a partir de las La supermetáfora es la diversidad, la legiti- de cambio según las formas que adopta y los las familias, excelencia, niveles de rendimien- contribuciones de los sujetos que producen midad de agendas múltiples para el cambio postulados que defi ende. La línea discursiva de to, autoridad, confi anza en sí mismo, esfuer- dichos discursos. social y educativo y también la posibilidad de “fuera a fuera” se sirve de la lógica postfordista zo, que han sido rearticulados para fi jar sus alternativas frente al fatalismo económico del para rebatir el orden mercantilista del neolibe- signifi cados. La noción de nivel de rendimien- Comunidades discursivas pensamiento único. ralismo. Trabajan con una organización no je- to ocupa un lugar central, aludiendo siempre y representación centro- periferia a su declive. Siembran miedos utilizando el Una representación centro-periferia permite lenguaje de la crisis y exagerando los peligros mostrar su ámbito de infl uencia y sus rela- y las amenazas que para su ideal de conviven- C.D. Política Cultural ciones mutuas. La línea continua indica una Fuera - Fuera cia y forma de vida suponen nuevas prácticas frontera poco permeable, la discontinua la sociales asociadas a la cultura popular y a mo- porosidad de fronteras. dos de vida y conductas de colectivos minori- • La CD de la Excelencia es el núcleo del tarios. Se ofrecen soluciones ilusorias basadas cambio en educación, porque sus discursos en un sistema de mitos ya arraigados que alu- y prácticas están institucionalizados. Sus C.D. Reestructuración den a la neutralidad de la enseñanza y al capi- Fuera - Dentro C.D. Excelencia miembros se localizan en la Nueva Derecha Dentro - Fuera tal cultural de la enseñanza privada, la promo- y organismos internacionales como la OCDE ción del canon occidental y la equiparación de y el FMI. Su preponderancia se manifi esta en declive académico con declive moral. un sentido común generalizado de corte re- Quasi Mercados La CD de la Reestructuración abandera pro- gresivo y conservador. El hecho fundador o puestas progresistas pero usa la ambigüedad superhecho es la mercantilización de la edu- para enmascarar objetivos retrógrados. Las

cación y la supermetáfora es el cuasi mercado. Nuevos Movimientos Sociales referencias a equidad y democracia son re- • En el lado discontinuo se sitúa la CD de la tóricas porque se produce la reasignación Reestructuración porque comparten algunos de signifi cado o se combinan ideas opuestas Cartografia de las comunidades discursivas – representación: Centro / Periferia. miembros y, con variaciones en el discurso, Fonte: Mar Rodríguez Romero. con el resultado de neutralizarse las opciones coinciden en el superhecho y en la supermetá- más progresistas; así sucede con el binomio fora, pero difi eren en las estrategias. También La línea discursiva de “dentro a fuera”, se cor- rárquica, con una estructura en forma de malla igualdad/efi cacia. Pervive la defi nición de participan seguidores de la Nueva Socialde- responde con la CD de la Excelencia e intenta y con movilizaciones orientadas a proyectos equidad como igualdad de oportunidades mocracia. La línea discontinua que comunica acoplar las mercancías educativas a las deman- relacionados con deseos e intereses de los para los no iguales y la defi nición de demo- la CD de la reestructuración con la CD de po- das de los grupos sociales más poderosos, si- participantes. Sus acciones hacen hincapié cracia como cualquier forma de participación. lítica cultural pone de manifi esto que no hay guiendo una lógica comercial. Busca intensifi - en la política local, la promoción de acciones Se evita considerar las necesidades desiguales unanimidad entre los miembros de la prime- car las prácticas educativas tradicionales, para administrativas y judiciales y de iniciativas de causadas por las condiciones sociales cuando ra, y que algunos de ellos intentan aplicar a preservar el canon occidental y aproximarse desobediencia civil. Sus iniciativas se sitúan se alude a la distribución de recursos entre la educación, de manera genuina, las posibles a las expectativas de desarrollo económico; y al límite de las fronteras institucionales, bus- escuelas (Wrigley, 2007). La devolución de ventajas de la reconversión postfordista. también, garantizar un puesto privilegiado a cando relaciones comunitarias y vínculos con poder como lema se convierte en poder • La CD de la Política Cultural se sitúa en los grupos sociales mejor situados en la com- culturas nativas, grupos de resistencia, y movi- compartido entre individuos, ya con escasa la periferia. Es muy activa en iniciativas y dis- petición entre escuelas y entre estudiantes. Se mientos de género, de equidad, de diversidad infl uencia, como el profesorado. Las alusio- cursos muy variados; su área de infl uencia acompañada de ofensivas retóricas abrumado- sexual y verdes. Quieren convertir las escuelas nes a igualdad de oportunidades, atención a es extrainstitucional y, en algunos casos, in- ras y produce mensajes regresivos y amena- en lugares de experimentación que reten los la diversidad, justicia social quedan descafei- tencionadamente extrainstitucional, tiene el zantes, respondiendo a los intereses y deseos temas de consenso en las sociedades occiden- nadas. La imprecisión es notoria, empezando mismo alcance planetario que las otras pero de grupos sociales neoconservadores y neoli- tales. Son acciones educativas que buscan la por el mismo nombre de la CD, que resulta JANUS 2011-2012 1.15

CD Excelencia CD Reestructuración CD Política Cultural residentes locales con más poder para hacerse cuelas quedan considerablemente reducidas, Grupos sociales oír. Busca reconducir el acceso a la educación no sólo por la supeditación a unos objetivos Neoconservadores Nueva economía Nuevos movimientos sociales (políticas de y la fi nanciación. Promueve la desregulación predeterminados por la unidad central, tam- identidad, políticas verdes) Neoliberales Neoliberales del curriculum para facilitar supuestamente la bién porque se acompaña con reducciones en Fundamentalistas religiosos Nueva socialdemocracia Globalización alternativa diversidad de las escuelas, pero el resultado es la fi nanciación. Esta visión de la devolución Referentes discursivos Jerarquía de excelencia Pragmatismo laboral Diversidad la uniformidad de la oferta por el peso que tie- de poder está más relacionada con la gestión Nivel de rendimiento Pragmatismo de medios Reconociento de la diferencia ne la jerarquía de excelencia dominante. efi caz que con la participación democrática. Declive educación pública Devolución de poder Poder productivo La CD de la Reestructuración abandera la des- En la CD de la Política Cultural, se oponen a Estrategias discursivas centralización, siguiendo las tendencias desre- las prácticas de segregación o encauzamiento Oposiciones binarias Reasignación de significado Desenmascaramiento guladoras que se están aplicando a las organi- abogando por escuelas comprensivas con pro- Pánico moral Asociación de contrarios Producción cultural Declive intelectual y moral Ambiguedad Polifonía zaciones en el Estado de bienestar. Promueve puestas como la justicia curricular que trabaja Práticas de cambio la delegación del poder y la coresponsabili- con desventajas asociadas a la clase social, al Práticas de exclusión Práticas ambiguas Práticas contrahegemónicas dad en el funcionamiento de las instituciones género, a las habilidades y la educación mul- Intensificación Descentralización Justicia curricular públicas. En la enseñanza, la desregulación ticultural. La educación postcolonial intenta Encauzamiento Gestión basada en la escuela Escuelas democráticas se observa en la descentralización del curri- desenmascarar el etnocentrismo del curri- Elección de escuela Devolución de poder Innovaciones situadas culum, las políticas de elección de centro y culum dando voz a las culturas colonizadas. Tensiones internas la autonomía de escuelas y profesores. Todas Las prácticas de innovación siguen la tónica Reestructuración genuina/ Multiplicidad de opresiones/luchas Neoconservadores/neoliberales cooptada globales estas iniciativas tienen expresiones paradóji- de la multiplicidad con una preocupación Valores progresistas/lógica Excelencia/metas triviales Compromiso local/cambio global cas relacionadas con estrategias indirectas de compartida: la contribución de la educación a mercantilista control que, más o menos encubiertamente, la emancipación incluyendo en ésta las múlti- Estado débil (elección escuela)/Estado Virtudes del mercado/cobertura Justicia social como reconocimiento fuerte (control de los fracasados social estatal cultural/como equidad/como representación atemperan la delegación de poder, porque se ples opresiones asociadas a raza, clase social, articulan con la lógica del mercado. La gestión género, orientación sexual, procedencia cul- Tipologia de las comunidades discursivas. Fonte: Mar Rodríguez Romero. basada en la escuela es una de sus manifes- tural, etc. Se apuesta por las escuelas demo- sugestivo pero inmovilista en el plano de las diversidad de iniciativas educativas contrahe- taciones. Constituye un tipo de gobierno en cráticas para contrarrestar la trivialización de acciones. Términos atractivos como participa- gemónicas (Anderson, 2009). que la autoridad y la responsabilidad para el la democracia que promueven las reformas ción, devolución de autoridad y burocracia funcionamiento de cada escuela se comparte neoliberales. Son escuelas en las que las di- responsable son engañosos y sólo es posible Comunidades discursivas de un modo supuestamente colaborativo. versas diferencias sociales de sus estudiantes acceder a su sentido considerando el con- y prácticas de cambio son reformuladas para reconvertir la produc- texto más amplio de las decisiones políticas La CD de la Excelencia promueve prácticas de ción de desigualdad y la falta de respeto cul- y sociales. El funcionalismo social está en la intensifi cación, incrementando las materias [...] las CD de la Excelencia tural. Se trabaja con formas democráticas de base de una reforma que supedita los obje- tradicionales y trivializando el curriculum, au- y de la Reestructuración organización y construcción del currículo con tivos educativos a las demandas productivas mento de la jornada escolar, de los días lecti- [...] se presentan presencia de las familias y con vínculos comu- y usa la enseñanza para formar buenos tra- vos, de los deberes, promoción de la discipli- estratégicamente para nitarios. Se desarrollan prácticas de innovaci- bajadores construyendo un aparato retórico na y generalización de sistemas de evaluación mantener el control sobre el ón situadas, es decir, versátiles que se defi nen muy difícil de contestar y un tipo de control y rendición de cuentas. El encauzamiento es acceso al conocimiento [...] a partir de la transformación adaptándose en ideológico muy efectivo otra práctica que se refi ere a los dispositivos restringiendo la solidaridad y la forma y en los propósitos a los diferentes La CD de la Política Cultural utiliza el desen- educativos que conducen a los estudiantes la gestión democrática de la escenarios, circunstancias y grupos. Adoptan mascaramiento para resistirse al canon cultu- por diferentes ramas del sistema, encasillán- educación. el formato de las rebeliones silenciosas que ral uniforme del curriculum ofi cial. Muestra doles en ciertos tramos o especialidades y acontecen en la vida cotidiana de las escuelas los silenciamientos y olvidos de la tradición también en ciertas escuelas. Son tacticas de y en el plano de la política de la vida. selectiva en educación mediante el análisis clasifi cación, más o menos encubiertas, que En la práctica el espacio de autonomía suele En conclusión, los planteamientos de las CD deconstructivo de las prácticas educativas implican la prescripción de más control, lide- estar muy acotado y la rendición de cuentas de la Excelencia y de la Reestructuración son vigentes, descubriendo las fórmulas usadas razgo administrativo más fuerte, metas más se lleva a cabo en un escenario de recorte de inquietantes. Se presentan estratégicamente para legitimar y perpetuar las relaciones so- limitadas, elecciones curriculares más reduci- la fi nanciación. La devolución de poder tiene para mantener el control sobre el acceso al ciales de desigualdad. Estimula iniciativas de das y una evaluación más férrea y que se jus- un carácter político y puede ser entendida de conocimiento, limitar las posibilidades de in- oposición y usa la producción cultural para tifi can con consignas que suenan progresistas diversas maneras por la complicada combina- fl uencia de los grupos en desventaja y subver- producir creaciones culturales que ofrez- pero que resultan estigmatizadoras, porque ción de igualdad y justicia social con efi cacia tir el pacto social, restringiendo la solidaridad can visiones no ofi ciales del curriculum y se refi eren a grupos en desventajas e impli- y efi ciencia. En general se produce un doble y la gestión democrática de la educación. ■ la educación. Incluye materiales culturales can acciones segregadoras. Este es el caso de proceso que centraliza y descentraliza, ya que antihegemónicos y de cultura popular como reformas que proclaman no dejar a ningún el aumento de la fl exibilidad de la política gu- Referências bibliográfi cas contracultura, contrapublicidad o contrain- alumno detrás o impulsarlos a lo más alto. La bernamental se vincula a resultados más efi ca- formación y arte no convencional. La pro- elección de escuela es una estrategia usada por ces. Lo que ha concluido en una devolución RODRÍGUEZ ROMERO, M. (2003) — La metamorfosis del cambio educativo. Madrid: Akal. ducción tiende a la polifonía, estimulando grupos de interés para conseguir que las insti- de poder a las escuelas con el fi n de que deci- WRIGLEY, T. (2007) — Escuelas para la esperanza. la expresión divergente y múltiple, asociada tuciones educativas refl ejen preferencias racia- dieran el camino a seguir para alcanzar metas Madrid: Morata. ANDERSON, G. L. (2009) – Advocacy Leadership. a diversidad de grupos e intereses y produce les, valores morales, prácticas religiosas de los prefi jadas. Las posibles variaciones entre es- London: Routledge.

39 As grandes redes do conhecimento João Maria Mendes

Incidências da crise económica sob tutela ministerial) — o objectivo é igual- Indefi nição de um conceito mente a “racionalização” do sistema, e traduz- O conceito de “formação ao longo da vida” no processo de Bolonha se facilmente na ameaça (como sucedeu na (lifelong learning) foi ganhando importância Letónia e, em parte, em Portugal, onde tal “ra- ao longo da primeira década do Processo de cionalização” pode vir a acentuar-se) de en- Bolonha, embora muito diversamente en- Duas tónicas A CRISE ECONÓMICA GLOBAL desencadeada cerramento ou suspensão do funcionamento tendido pelos países nele envolvidos. Malta em 2008 teve e terá efeitos ainda difíceis de À medida que a primeira década de Bolonha de universidades, faculdades, departamentos entende-o na acepção tradicional de “edu- avaliar e quantifi car nos sistemas de ensino se aproximou do seu termo, tornou-se claro ou cursos vários, públicos e privados. cação para adultos”; a Holanda e a Escócia superior envolvidos no Processo de Bolonha que certos segmentos do processo, como a Os objectivos genéricos, formalmente parti- consideram que ele se destina a estudantes (46 Estados signatários incluindo, os da União implementação de organismos nacionais de lhados, da “garantia de qualidade” do ensi- “não-tradicionais” (inscritos em programas Europeia). Neste sector, as respostas transitó- controlo de qualidade do ensino e o alarga- no superior têm como meta a satisfação dos tanto formais como informais); a República rias das diversas autoridades nacionais a essa mento da “formação ao longo da vida” (que European Standards and Guidelines e a Checa e a Eslováquia defi nem-no como con- mesma crise passaram, consoante os países e em Portugal se traduziu sobretudo na oferta criação de um Registo de Garantia Europeia junto de programas suplementares e não-con- os seus momentos, ora por aumentos do in- de facilidades de acesso ao ensino superior (European Quality Assurance Register). A ga- ferentes de grau; noutros países, o conceito vestimento nos respectivos sistemas, ora por aos maiores de 23 anos), se contavam entre rantia de qualidade é, em geral, oferecida por abarca formações e programas de ensino à estímulos, ora por cortes abruptos no fi nan- os que mais rapidamente se expandiram. O agências ou organizações nacionais de avalia- distância, por vezes com componente pre- ciamento — e essa diversidade de respostas primeiro visando pôr ordem num universo ção, que autorizam, ou não, a continuidade sencial, e-learning, programas de formação impede a identifi cação de tendências domi- marcado por grandes desequilíbrios qualita- ou a criação de cursos, programas e projectos em tempo parcial ou aos fi ns-de-semana, em nantes nesta matéria, que os próximos dois tivos — e compatibilizar equivalências com mediante prova de que estão ultrapassados regime nocturno ou pós-laboral. Na Arménia, anos permitirão apurar. vista à mobilidade estudantil —, o segundo os limiares de critérios e exigências cada vez o conceito designa formações profi ssionais De um modo geral, a crise terá afectado, mas visando fazer crescer exponencialmente o mais padronizados. Só Estados com baixas ta- especialmente concebidas para requalifi car a em diversos graus, as políticas de contrata- número dos detentores, no mínimo, de um xas de frequência do Ensino Superior devido mão-de-obra e o emprego. Os contextos e as ção docente (casos mais notórios: Irlanda e diploma de licenciado. a razões demográfi cas (Chipre, Liechtenstein, experiências nacionais são determinantes da Letónia, onde o emprego no ensino superior No primeiro caso — que se traduz na criação Luxemburgo e Malta) não criaram ou actuali- acepção prevalecente. desceu acentuadamente) e travou ou atrasou ou actualização de agências ou entidades de zaram, na primeira década de Bolonha, agên- Certo é que, ao cabo da primeira década de a melhoria de infraestruturas. Pacotes de aus- avaliação da qualidade (independentes ou cias de avaliação. Bolonha, o conceito de “formação ao longo teridade como os de Setembro de 2010 em Espanha e Portugal acentuarão, certamente, estes efeitos e gerarão outros. 1998 1999 2001 2003 2005 2007 2009 Os Estados atingidos tentaram preservar as Declaração Declaração Comunicado Comunicado Comunicado Comunicado Comunicado Sorbonne Bolonha Praga Berlim Berga Londres Leuven/Louvain-la-Neuve políticas de apoio aos alunos, mas os obser- Mobilidade de Portabilidade de Estimulação aos vistos vadores chamam unanimemente a atenção Mobilidade de estudantes, empréstimos e Referência de 20%, em Dimensão social de Consideração aos vistos e licenças de trabalho, estudantes e professores, subsídios; 2020, para a mobilidade para a necessidade de uma monitorização mobilidade e licenças de trabalho sistemas de pensões e professores investigadores e Melhorias na estudantil reconhecimento muito mais atenta para se poder avaliar os im- pessoal administrativo mobilidade de dados

pactos da crise económica nessa matéria. Na Inclusão do grau de Reconhecimento justo; doutor no terceiro ciclo; verdade, os impactos da crise no processo de Um sistema de graus Graduações de Desenvolvimento e FQ-EHEA adoptado; Reconhecimento de Quadros de qualificações Quadros de qualificações académicos de dois fácil legibilidade e reconhecimento de lançados quadros de graduações e períodos nacionais para 2010 nacionais para 2012 Bolonha apenas têm sido monitorizados de ciclos comum comparação graus académicos qualificações nacionais de estudo conjuntos modo sistemático em oito países — Croácia, Graduações conjuntas

Dinamarca, Estónia, Finlândia, Irlanda, Repú- Compromisso a produzir Alvos nacionais para a Reforço da dimensão planos nacionais de blica Checa, Roménia e Reino Unido — o que Dimensão social Acesso igualitário dimensão social a serem social acção com monitoração calculados em 2010 não permite traçar um quadro geral, embora efectiva

produza indicadores e sugira extrapolações Trabalhar no Alinhamento das LLL como responsabili- entendimento comum de dados, nem sempre bem fundadas. políticas nacionais Modos de aprendizagem dade pública requerendo Formação ao longo da sobre o papel do ensino de LLL; flexíveis no ensino fortes parcerias; vida (LLL) superior na LLL; A falta de mais e melhor monitorização tem Reconhecimento da superior Chamada para trabalhar Parcerias para melhorar a formação prévia (RPL) na empregabilidade impedido — como sublinhavam diversos empregabilidade

relatórios produzidos pelo BFUG (Bolog- Necessidade duma Implementação contínua Um sistema de créditos ECTS e Suplemento ao ECTS para créditos utilização coerente das na Follow-Up Group) ou no seu âmbito em Uso de créditos das ferramentas de (ECTS) Diploma (DS) acumulados ferramentas e práticas de Bolonha 2009, fazendo o “balanço de dez anos de reconhecimento

Bolonha” —, o acesso à informação sobre o Cooperação entre Adoptados padrões e Cooperação europeia Garantia de qualidade Criação do Registo profissionais da directrizes europeus Qualidade como foco na garantia da a nível institucional, Europeu do Garantia da modo como os restantes Estados tentaram e garantia da qualidade e para a garantia da abrangente para a EHEA qualidade nacional e europeu Qualidade (EQAR) tentam reduzir o impacto da crise do ensino de reconhecimento qualidade superior; e torna mais difícil uma refl exão Cooperação internacio- Estratégia para melhorar Intensificar o diálogo Atractividade do espaço Ligações entre áreas Europa do Dimensões europeias no nal na base de valores a dimensão global do político global através europeu do ensino do ensino superior e da que permita comparar políticas e identifi car Conhecimento ensino superior e desenvolvimento Processo de Bolonha do Fórum Político de superior insvestigação melhores práticas na diversidade dos países sustentável adoptado Bolonha

envolvidos. Evolução do processo de Bolonha. Fonte: Eurydice. JANUS 2011-2012 1.16

da vida” ganhou foros de cidadania como mis- muito, face à crise, no domínio do fi nan- sino superior (licenciatura, mestrado e dou- A questão mais frequente diz respeito ao facto são reconhecida pelas instituições de ensino ciamento do ensino superior: comparados toramento) deve “refl ectir a diversidade das de numerosas formações deste tipo oferece- superior em países como a Islândia e o Reino com os investimentos feitos no ano lectivo nossas populações”. rem um número de créditos ECTS inferior a Unido, a Itália e a Grécia, nos países nórdi- de 2008/2009, sete países reduziram, em O objectivo principal da preocupação com a 180 (o número de ECTS mais comum nas li- cos, em Portugal e Espanha, noutros. O futu- 2009/2010, as suas despesas neste sector em “dimensão social” do Processo de Bolonha cenciaturas “de Bolonha”). A Dinamarca, por ro dirá se esta aculturação das instituições a 5% ou mais (Croácia, Macedónia, Islândia, Ir- é o de garantir aos grupos tradicionalmen- exemplo, padronizou estas formações e fê- uma nova missão formativa, consagrada nos landa, Letónia, Moldávia e Ucrânia); mas onze te subrepresentados no ensino superior a las corresponder a 120 ECTS, integrando-as textos orientadores do processo, se tornará países aumentaram-nas em 5% ou mais (Áus- liberdade de acesso a esse ensino. O mais como parte do primeiro ciclo (licenciatura). A constitutiva, consolidando-se e ganhando tria, Azerbeijão, Bósnia-Herzegovina, Chipre, expressivo grupo subrepresentado é o dos passagem ao segundo ciclo (mestrado) obriga mais espaço. França, Geórgia, Liechtenstein, Lituânia, Por- economicamente “desfavorecidos”, mas há à obtenção de 60 ECTS adicionais. A Letónia Por vezes, os programas de “formação ao lon- tugal, a Suíça e... o Vaticano). Países como a países (Alemanha, Áustria, Geórgia, Grécia, integrou os seus cursos profi ssionais na estru- go da vida” vieram funcionar como “balões Inglaterra não alteraram, no mesmo período, Reino Unido) que tradicionalmente utilizam tura de três ciclos de Bolonha, e garante aos de oxigénio”, mesmo que temporários, para os seus gastos com o ensino superior. Mas a mais de cinco categorias ou critérios para ava- seus formandos a passagem aos ciclos acadé- segmentos mais vulneráveis do sistema de en- Inglaterra conta-se entre os países ou regiões liar a participação dos diferentes segmentos micos seguintes. sino: a abertura de licenciaturas e mestrados (juntamente com Chipre, a República Checa da sociedade no ensino superior. Pelo con- Mas o problema é mais vasto, porque abran- a “maiores de 23 anos” e a outros candidatos ou a Flandres belga) onde se verifi cou uma trário, outros (França, Luxemburgo, Suécia) ge licenciaturas, mestrados e doutoramentos contribuiu, no caso português, para melhorar acentuada redução de gastos per capita entre só consideram como potencialmente sub- “profi ssionais”. No caso português, por exem- a situação económica do ensino superior pri- os estudantes. representados grupos socioeconomicamente plo, as licenciaturas e mestrados oferecidos vado e cooperativo, mas também do público. mais frágeis (mas o Luxemburgo estabelece pelo ensino euperior politécnico são hoje uma ligação directa entre esses grupos e os formalmente equivalentes às licenciaturas e Novos apoios sociais imigrantes que acolhe). mestrados oferecidos pelas Universidades, Tendências do investimento Para ajudar estudantes e suas famílias a en- apesar de o Estado delas requerer uma iden- Obrigando os Estados a retrair as suas despe- frentar as difi culdades resultantes da crise tidade “profi ssionalizante” que não defi niu, sas públicas, a crise económica afectou e con- (cresceu o número de países onde se verifi ca deixando essa defi nição nas mãos das institui- tinuará a afectar os investimento no ensino haver cada vez mais estudantes com difi culda- Os Estados reduzem ções interessadas. Isto depois de trinta anos superior, em muitos países aderentes ao Pro- des em pagar inscrições e propinas), diversos despesas, mas o número de passados a apagar a distinção entre licencia- cesso de Bolonha; em alguns casos, verifi ca-se Estados e regiões anunciaram ou implemen- alunos continua a aumentar. turas “profi ssionalizantes” e outras, em nome contradição entre a necessidade de congelar taram políticas de apoio social directo ou da progressiva adaptação da formação univer- ou retrair a despesa com o sector, enquanto o indirecto, no domínio das bolsas de estudo sitária às exigências do mercado de trabalho. total de alunos inscritos continua a aumentar como no do alojamento estudantil (Chipre, No momento em que estas linhas são escri- — em resultado da “liberalização” do acesso a comunidade francófona belga, Eslováquia, Es- Hoje, generalizou-se a percepção de que os tas, e dada a pressão crescente exercida pelas licenciaturas e a mestrados. panha, Finlândia, Irlanda, Noruega, Portugal grupos tendencialmente mais excluídos do formações “profi ssionalizantes” sobre as “aca- Mas entretanto generalizou-se a convicção, e Reino Unido). ensino superior são aqueles em que o desfa- démicas” (se é que faz sentido separá-las), os fortemente partilhada pelos poderes públi- Por outro lado, parece não haver razões para vorecimento socioeconómico coincide com Estados envolvidos no Processo de Bolonha cos, de que o ensino superior contribuirá optimismo exagerado diante dos casos de su- o estatuto de minoria ou de imigrante — am- parecem mais propensos a entregar às insti- decisivamente para que as formações sociais bida momentânea do investimento público: pliando uma discriminação negativa que se tuições de ensino a responsabilidade de de- se transformem em “Sociedades de Conheci- a maioria dos Estados considera que a crise inicia logo nos ensinos básico e secundário. cidir as condições em que oferecem os três mento”, e que essa transformação as ajudará não teve efeitos imediatos no sector, mas que Regiões e países adoptaram políticas especiais graus que estruturaram, transversalmente, o a adaptarem-se às exigências de economias poderá tê-los a médio prazo, quando reajus- neste domínio: a Flandres belga e a Polónia Ensino Superior. As clássicas “dissertações” mais globalizadas, mais especializadas e mais tamentos orçamentais fi zerem subir as exi- passaram a atribuir mais peso orçamental ao de mestrado e doutoramento, por exemplo, concorrenciais. Esta convicção tinha adquiri- gências de outros sectores (segurança social e apoio dado a estudantes de grupos sub-repre- podem cada vez mais ser substituídas por do, antes de a crise ter revelado toda a sua saúde pública, obras públicas, novas políticas sentados no ensino superior, e o Ministério “trabalhos de desenvolvimento de projectos” dimensão, a forma de uma “aposta” no futu- devidas às alterações climáticas) ou se rende- da Educação romeno está articulado com as que as autoridades nacionais evitam defi nir ro. Diversos poderes públicos (com destaque rem ao reequilíbrio da despesa, como suce- instituições de Roma para apoiar mais integra- por via legislativa. ■ para os portugueses) passaram a adoptar deu no caso português, com o Orçamento de ção dos jovens romenos no sistema de ensino constantemente, na sua retórica, a ideia de Estado para 2011. italiano. que é vital investir em formações que quali- Apesar de não explícita na Declaração de fi quem mais ou requalifi quem os cidadãos, Bolonha de 1999, a “dimensão social” do Referências bibliográfi cas preparando-os para as mutações profundas processo de reforma dos ensinos superiores Programas profi ssionais Focus on Higher Education in Europe 2010 — The Impact do mercado de trabalho — e o ensino supe- europeus ganhou expressão logo no encon- Um dos problemas que o Processo de Bolo- of the Bologna Process, relatório publicado pela “Educa- tion, Audiovisual and Culture Executive Agency” (EACEA rior terá, assim, temporariamente benefi ciado tro interministerial de Praga, em 2001, mas nha está longe de ter resolvido é o da inte- P9 Eurydice), Eurydice Network, ISBN 978-92-9201-086-0; dessa preocupação, a par de outros segmen- só foi sufi cientemente clarifi cada pelo Comu- gração das formações profi ssionais ou pro- url . Eurostat (Unit Education and Culture). tos (com as “Novas Oportunidades”, os “Cur- nicado de Londres de 2007, onde se diz que fi ssionalizantes, por vezes também chamadas European Comission (Directorate-General for Education sos de Especialização Tecnológica”, outros). o conjunto dos estudantes que se inscrevem, “vocacionais”, no seu sistema de ensino em and Culture) http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/ De facto, as políticas dos Estados variaram frequentam e completam os três ciclos do en- três ciclos (a estrutura chave do processo). (The offi cial Bologna Process website).

41 As grandes redes do conhecimento João Maria Mendes

Sucedâneos de Bolonha em instituições universitárias. Em 2008 foi criado a representar maioritariamente 180 créditos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia um ECTS (há casos de 120) obtidos em seis se- Portugal: euforias e disforias programa de bolsas de integração na investi- mestres lectivos, admitindo-se excepções em gação de alunos de Licenciaturas. situações “de prática consolidada em institui- A internacionalização das instituições de En- ções de referência do espaço europeu”: nes- A UNIVERSIDADE CATÓLICA (Porto) e a pertencentes à população activa. Cedo se per- sino Superior foi implementada por parcerias tes casos, os créditos puderam subir para 240, Universidade Técnica de Lisboa anunciaram ceberá se o Orçamento de Estado para 2011, estratégicas com o MIT, a Universidade de e o número de semestres lectivos para sete a criação, em 2010-2011, de formações não- com o seu vasto programa de redução de des- Harvard, Austin, Fraunhofer (pelas quais o Es- ou oito (ou seja, esses cursos mantiveram, em conferentes de grau, destinadas a maiores de pesas públicas, que tenderá a manter-se ou a tado português paga muito caro), ou depen- geral, as suas durações anteriores ao proces- 50 anos, mas distintas das oferecidas, até ago- agravar-se posteriormente, deixa margem ao deu dos acordos estabelecidos no âmbito dos so de Bolonha). Os estudos conducentes ao ra, pelas Universidades Séniores que prolife- “reforço dos orçamentos de funcionamento” programas de mobilidade europeus, ou de grau de mestre passaram a ter 60, 90 ou 120 ram por todo o país. No primeiro caso, trata- e se, sendo negativa a resposta a esta questão, novos protocolos bilaterais entre instituições. créditos ECTS (os 120 são predominantes) e se de um curso de seis semestres com o custo o “contrato de confi ança” se mantém. a ter uma duração entre dois e quatro semes- de 120 euros mensais, que oferece ensino em Os números ofi ciais que fazem o retrato de tres. Foram igualmente criados “mestrados áreas da preferência dos inscritos; no segun- Bolonha e suas periferias são globalmente Reforma legislativa integrados”, resultantes da fusão num único do, trata-se de um curso de um só semestre, positivos e optimistas, e merecem atenção: a Este amplo movimento, que o governo im- ciclo dos cursos de licenciatura e mestrado com o custo de 100 euros pago em duas pres- adequação dos três ciclos de estudos do Ensi- plementou com vista à “modernização do com um total de 300 a 360 créditos e uma tações, e que oferece formação para volunta- no Superior ao novo modelo fi cou concluída sistema de ensino superior português”, foi duração entre os dez e doze semestres. riados posteriores. A Universidade Técnica de no ano lectivo de 2009-2010, em todas as ins- acompanhado por um pacote legislativo es- Lisboa desejaria que fossem atribuídos crédi- tituições interessadas; as primeiras inscrições truturado pelo novo RJIES (Regime Jurídico tos ECTS às unidades curriculares do curso, num 1º ano de curso superior aumentaram das Instituições do Ensino Superior), seguido Os actuais mestrados de que pudessem ser adicionados aos obtidos 40 % entre 2005 e 2009; no grupo etário dos por uma nova lei de Avaliação dessas insti- Bolonha são cada vez mais em eventuais formações ulteriores. 20 anos, essas inscrições aumentaram 15 % tuições e pela criação da “A3ES” (Agência de equivalentes às antigas Na justifi cação da criação de ambos os cursos, no mesmo período; as dos maiores de 23 Avaliação e Acreditação do Ensino Superior) licenciaturas as duas instituições salientaram a necessidade anos multiplicaram-se por 13 (foram 900 em e pela reforma das carreiras docentes nas de responder ao desejo de formação dos mais 2005 e ultrapassaram as dez mil em 2009). As universidades e institutos politécnicos. As velhos, numa época marcada pelo aumento inscrições nos CETs (Cursos de Especialização instituições passaram a publicar anualmente No caso do grau de doutor, tudo dependia, da esperança de vida. A Universidade Técnica Tecnológica) tinham sido menos de 300 em relatórios sobre o índice de concretização do na altura, da existência, ou não, de Cursos de invocou também o precedente espanhol: um 2005 e foram cerca de 6.000 em 2009. O nú- processo de Bolonha e deixaram claramente Doutoramento já instalados — cursos que a conjunto de Universidades espanholas pro- mero de diplomados ultrapassou os 84.000 de ter como objectivo a formação apenas de maioria das instituições interessadas foi pon- pôs recentemente a criação de um diploma em 2008, contra 70.000 em 2005. A qualifi ca- novas gerações, estendendo-a aos adultos en- do em funcionamento até 2010. de “graduado sénior”, que também poderia ção média dos corpos docentes de Universi- volvidos na vida activa. O resultado mais signifi cativo da aplicação ser adoptado em Portugal. dades e Politécnicos também subiu: os douto- A reforma tinha-se iniciado pela publicação destas normas foi o encurtamento da maioria Esta tentativa de estimular um vasto nicho de rados leccionando nas Universidades públicas do decreto-lei 74/2006, que confi rmou a das formações de primeiro ciclo, as licenciatu- mercado, composto pelos “maiores de 50”, passaram a ser 70 % no total, e nos Politéc- estrutura pre-existente, em três ciclos, dos ras, para três anos lectivos. está em linha com a “formação ao longo da nicos públicos duplicaram. No domínio da graus académicos e diplomas oferecidos vida” proposta pelas orientações do processo investigação, e no fi m do primeiro trimestre pelo Ensino Superior, mas dando-lhes uma de Bolonha, e não teria ganho forma senão de 2010, contavam-se 1200 investigadores nova arquitectura interior. Assim, os estudos Críticas em resultado dele. Não é um sintoma maior doutorados, 66 % dos quais contratados por conducentes ao grau de licenciado passaram Mas a passagem à prática dessas normas das formas de empreendedorismo que o pro- suscitou, em Portugal (e também em Espa- cesso estimulou em Portugal, mas é um seu nha e noutros países), importantes críticas: epifenómeno elucidativo. em Março de 2007, o Conselho Nacional de Educação dizia, referindo-se exclusivamente a consequências pedagógicas do processo, que Números ofi ciais a “aplicação de Bolonha se traduziu numa Outro sintoma, esse sim, maior, da importân- redução substancial do número de horas de cia dada em Portugal à concretização dos ob- aulas, sem o devido apoio tutorial por parte jectivos de Bolonha, foi a assinatura recente, dos professores e sem o desenvolvimento das pelo governo e pelo conjunto das instituições capacidades de trabalho autónomo por parte universitárias e politécnicas públicas, de um dos alunos”, o que “pode levar-nos para um “contrato de confi ança” no qual essas insti- caminho de perda de qualidade e de aprofun-

tuições se comprometem (mediante garantia 240 créditos ECTS (4 anos académicos) damento das desigualdades sociais” (in “Con- de reforço dos seus orçamentos de funciona- 180 créditos ECTS (3 anos académicos) selho critica a aplicação do processo de Bo- mento), a formar até 2013, com qualifi cações lonha”, semanário Sol, 6 de Março de 2007). Duração dos programas de Licenciatura mais comuns nos países de Bolonha, 2009-2010. de nível superior, mais 100 mil indivíduos Fonte: Eurydice. Ou seja, para além da sua redução maioritária JANUS 2011-2012 1.17

para três anos, as novas licenciaturas aplica- dois objectivos essenciais: reduzir a despesa senão relevante: é que a vida das instituições entre o mundo académico e a sociedade civil. vam por defeito os seus planos curriculares, pública com o Ensino Superior sem impedir a de ensino só formalmente muda por decre- Apesar de imposto do exterior, e de se ter com corpos docentes pouco adaptados às sua expansão; e importar, para o conjunto da to. Como os antigos mitos, as instituições desenvolvido com fraquíssima participação mudanças e com as carreiras ameaçadas. Europa, o modelo organizacional britânico, de ensino adaptam-se, para sobreviverem, docente, as suas metas e objectivos principais As novas licenciaturas em três anos foram tido como mais competitivo e concorrencial. às novas formalidades epocais, mas os seus surgiram, para um grupo, como motivadores amiúde comparadas com os antigos bacha- O processo de Bolonha visava assim, entre conteúdos, os seus hábitos e cultura palimp- e exigindo refl exão. relatos politécnicos, extintos pouco tempo outros objectivos, formar mais licenciados sêstica não mudam a esse ritmo, e oferecem Mas essa refl exão não foi feita nem se criaram antes, e dadas como incapazes de oferecer em menos tempo, preparando-os, através resistências à mudança, agindo por forma a condições para a fazer; por exemplo, quando a antiga formação em quatro anos (anterior- de um ensino mais atento aos mercados do minorar os seus efeitos. o RJIES foi submetido às instituições acadé- mente maioritárias) ou mais. trabalho, para uma entrada mais precoce na Por outro lado, a entrada em jogo de entida- micas para discussão e proposta de altera- Com o andar do tempo, tornou-se mais vida laboral. Mas em tempos de crise, quan- des de controlo de qualidade supranacionais ções, essas instituições dispuseram de meia corrente entre docentes a ideia de que as do, precisamente, o mercado laboral se retrai (ou de fi rmas de consultores especializados), dúzia de dias para o fazer; quando voltaram “antigas licenciaturas” só são agora iguala- e não dá resposta às solicitações da maioria que geram inevitavelmente fenómenos medi- à mesa para discutir propostas de alteração, das pela soma das novas licenciaturas e no- dos recém-formados, é legítimo perguntar áticos de ranking, e que submetem aos seus o documento tinha sido refeito de ponta a vos mestrados, o que supõe uma formação quais os benefícios das reformas para as po- valores as entidades nacionais de avaliação, ponta, sem discussão, e foi esta segunda ver- (maioritária) de cinco anos. Esta percepção pulações e sociedades por elas atingidas. A certifi cação e acreditação, oferecem um terre- são a adoptada pelo governo e publicada em robusteceu-se também à luz de dois fenó- tendência das famílias é agora para prolon- no fácil à maior mercantilização das institui- Diário da República para entrar em vigor. menos complementares: o novo acesso dos gar, com formações adicionais (mestrados, ções de ensino superior, empurrando-as para Ao plasmar-se na prática, motorizado pela maiores de 23 anos ao Ensino Superior, bem pós-graduações, outras), a escolarização dos uma concorrência cingida a um limitado nú- vontade governativa de “fazer tudo ao mes- como de outras franjas de alunos não-con- seus fi lhos, a suas custas, dada a retracção mero de objectivos científi cos e pedagógicos mo tempo”, o processo de Bolonha tropeçou vencionais, obrigou numerosas instituições a geral do emprego por um período de du- em avaliação, ameaçando a sua independên- em culturas organizacionais instaladas e insu- um downgrading da exigência docente e dos ração imprevisível, mas que é socialmente cia e diversidade e pressionando reorganiza- fi cientemente motivadas para dar passos para próprios conteúdos dos cursos. E a muito percepcionado como tendendo a crescer. E ções manageriais do meio académico que, além da mera reorganização formal. A orga- maior abertura de grande número de mes- a percepção de que a qualidade do ensino se têm o mundo empresarial como modelo, nização do ensino student-oriented, novas trados a candidatos provenientes de outras melhorou é claramente minoritária. difi cilmente estão testadas ou podem ser práticas tutoriais e ofi cinais, a mudança do áreas de formação estendeu este fenómeno entendidas como boas práticas na gestão do paradigma da transmissão de conhecimen- aos segundos ciclos, comprometendo peri- Ensino Superior. tos para o da aquisição de conhecimentos gosamente a qualidade do ensino, o sentido Uma fi losofi a mais managerial Um sintoma preocupante da síndrome ma- por iniciativa dos alunos, a abordagem de da continuidade de estudos, em suma, os Outro tipo de críticas refere-se ao modo como nagerial que atinge actualmente as cúpulas questões teóricas a partir de case studies, a saberes e competências a produzir nos dois o processo de Bolonha foi, em grande parte, académicas do Ensino Superior público é diversifi cação das formas de avaliação e, em ciclos iniciais. Caricaturalmente, dir-se-ia que conduzido desde o seu início: lançado na o desprezo com que são vistos, por razões particular, a “novidade” da avaliação contí- as actuais licenciaturas de Bolonha são tidas sequência de uma série de decisões políticas económicas, os segundos ciclos (mestra- nua, passaram progressivamente para segun- como equivalentes aos antigos bacharelatos, dos ministros de tutela ou dos chefes de Esta- dos), mesmo os recentes e que são alvo de do plano, comprometendo-se assim o salto e que os novos mestrados de Bolonha lutam do dos países aderentes, com base numa es- elevada procura, como em certos segmen- qualitativo que se pretendia dar. por aproximar-se das antigas licenciaturas. tratégia top-down, a sua concretização condu- tos politécnicos: as suas propinas, embora Do ponto de vista da reestruturação dos ci- Como escrevia em 2009 Avelino de Jesus, ziu ao menosprezo e à indiferença perante os comparativamente elevadas, e os seus custos clos do Ensino Superior, bem como da trans- director do Instituto Superior de Gestão: “É mecanismos de controlo democrático caracte- moderados (porque os seus corpos docen- parente contabilidade dos créditos ECTS e da tempo (…) de desfazer algumas ilusões. En- rísticos dos sistemas políticos nacionais. Só a tes são maioritariamente os mesmos que já relativa uniformização dos Suplementos ao tre elas deve ser destacada a ingénua ideia de meio do processo, na conferência ministerial existiam) são entendidos como insufi ciente- Diploma (instrumentos vitais da compatibi- que seria possível formar licenciados em três de 2005, em Bergen (Noruega), se fez notar a mente rentáveis, o que os torna irrelevantes lização e das equivalências no seio do novo anos com qualidade equivalente aos que se necessidade imperiosa de ouvir, nos debates ou pouco interessantes aos olhos de quem espaço académico europeu), Portugal está formam nos países nossos parceiros ‘e con- e grupos de trabalho no âmbito do processo, detém a responsabilidade gestionária. Há sec- hoje mais capaz de lidar com um sistema correntes’ ou que, não sendo isso possível, instituições e associações do sector, docen- tores da gestão do Superior que prefeririam transnacional, e melhor provido de regras de talvez se pudesse salvar o resultado, dando tes e investigadores. Este “atraso” afastou o exterminá-los. funcionamento comum. Quanto aos ganhos agora o nome de mestre ao que anteriormen- processo, no seu conjunto, do respeito pelos e perdas em matéria de qualidade do ensino, te se designava por licenciado”. princípios da representatividade, da legitimi- diversidade da oferta de formações, valoriza- Outras vozes salientaram a importância pri- dade e da negociação, dando-lhe um rosto Uma oportunidade e seus revezes ção das opções características de cada insti- mordial, no processo, da redução dos gastos sobretudo jacobino e autoritário, imposto de O processo de Bolonha foi decerto vivido, tuição, bem como quanto aos ganhos do país do Estado com a passagem de quatro para fora para dentro e de cima para baixo. por alguns professores e instituições de en- em termos de capital humano (expressão dos três anos da maioria dos primeiros ciclos, Globalmente, e de forma mais acentuada em sino, em Portugal, como uma oportunidade ganhos pedagógicos e científi cos), continua sendo que são raros os casos de mestrados países como Portugal, Bolonha foi imposta rara para rever metodologias e objectivos a ser cedo para balanços, mas está instalado (descritos como estrategicamente decisivos por decreto, na crença em que as instituições científi cos e pedagógicos, bem como as for- um relativo cepticismo e indiferença — não para o país) que vivem do investimento pú- de ensino, pouco capazes de se auto-refor- mas de articulação, que se desejavam mais estamos a falar do tremendismo dos eternos blico. Na verdade, é possível ler o conjunto marem, obedeceriam, pelo menos, às novas colaborativas, entre o mundo académico e velhos do Restelo — que não vai ser fácil de- do processo de Bolonha como perseguindo leis. E isso aconteceu, de facto — com um o mundo empresarial, e, mais globalmente, salojar. ■

43 As grandes redes do conhecimento João Maria Mendes

Estudo de caso: o ensino superior pelos formandos é atribuído um papel decisi- Não sugerimos, anotando esta questão, que vo. Pelo contrário, as universidades especiali- a tutela destes Ensinos Superiores especiali- das artes e da cultura zaram-se em pensamento crítico e, salvo no zados mude: também não faria sentido que caso de alguns ensinos técnicos e científi cos, a tutela dos estudos de Engenharia passasse desprezaram o saber baseado nas práticas. para as Obras Públicas, a de Medicina para a A REFORMA das Instituições de Ensino até 2007), um estudo sobre a reforma das Daqui resultou (em Portugal) uma conside- Saúde ou a de Direito para a Justiça. Sugere- Superior das Artes e da Cultura — IES de IES de A&C. O resultado desse trabalho, que rável, mas mal fundada, desconsideração dos se, sim, que na geração dos meios de acção A&C, como as chamaremos aqui, por seme- envolveu diversos contactos com o universo ensinos baseados em práticas. O processo de das instituições de ensino, a tutela do ensino lhança com a sua designação inglesa (High interessado e tratamento de dados de diversas Bolonha veio desafi ar centralmente esta di- superior concerte interesses e estratégias com Education Institutions in Arts and Culture, proveniências, foi apresentado em Julho de cotomia, mas ela está longe de ser resolvida outras tutelas próximas, nacionais e locais, HEI A&C) — entrou na ordem do dia na UE 2009 sob o título Reforming Arts and Culture pelas instituições interessadas. para aumentar a sinergia e a efi cácia das de- acompanhando o processo de Bolonha e de- Higher Education in Portugal, Report of an Quanto à responsabilidade dos poderes cisões partilhadas por parceiros institucionais correndo, em parte, dele. Mas ganhou nova International Panel of Experts, e discutido em públicos, no caso português: em pano de no seio do Estado. relevância quando a KEA European Affairs di- sessão semipública na Casa da Música, no Por- fundo subsiste um irresolvido problema de vulgou, em 2006, o estudo feito para a Comis- to. É sobretudo a esse relatório que o presente tutela governativa; as instituições de Ensi- Associação representativa do sector são Europeia sobre A Economia da Cultura texto faz referência; não tenta fazer uma sínte- no Superior Artístico e Cultural dependem Uma das propostas mais insistentes dos au- na Europa, acompanhado, no mesmo ano, se das suas ideias principais, que não caberiam (naturalmente) do Ministério da Ciência, da tores do “relatório Hasan” (chamamos-lhe pelo Handbook of the Economics of Art and aqui: usa-o como um comensal com um palito Tecnologia e do Ensino Superior (MCTES) e assim para simplifi car) é a criação de uma Culture, editado por Ginsburgh e Throsby na na mão usaria num almoço-volante uma tra- pertencem ao sistema binário Universidades/ associação profi ssional independente que Elsevier. Em Portugal, também o Ministério vessa de hors d’œuvre ou de appetizers. Politécnicos, independentemente de serem represente globalmente as IES de A&C. Tal da Cultura encomendou à Augusto Mateus & Desde então fi cou-se à espera que o minis- públicas, privadas ou cooperativas. Em ca- associação, que deveria, na fase de instala- Associados o estudo O sector cultural e cria- tério de tutela elaborasse um “livro branco” sos raros, são instituições não-integradas ou ção (primeiros cinco anos de existência) ser tivo em Portugal, apresentado em Janeiro de sobre o mesmo tema, que servisse de “docu- criadas por fundações. Mas a defesa, apoio e apoiada pelo MCTES, funcionaria numa das 2010. Todos estes contributos sublinham a mento-guia” para a reforma do sector. promoção das Artes e da Cultura nacionais es- instituições suas fundadoras, teria diversos importância crescente das actividades artís- tão atribuídas ao Ministério da Cultura, sendo objectivos e desempenharia diversas funções: ticas e culturais nas economias contemporâ- Tensões históricas certo que deveria existir uma estreita articu- representaria o sector junto do Governo e da neas, e chamam directa ou indirectamente a Existe uma tensão histórica entre o ensino lação — inexistente — entre as políticas que Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), atenção para as formações superiores hoje das artes (e da cultura, embora aqui menos fornecem o sentido estratégico e os meios fornecendo–lhes consultoria especializada; oferecidas nas áreas das artes e da cultura. acentuada) e os restantes ensinos, tensão que de acção às IES de A&C, por um lado, e as promoveria a tomada de decisões conjuntas, Problema metodológico: em Portugal, o também se manifesta em Portugal mas está políticas nacionais que visam implementar as baseadas em boas práticas nacionais e inter- “ensino superior artístico”, disperso por uni- longe de ser “portuguesa”. A aprendizagem artes e a cultura no país. Por outras palavras, nacionais; seria responsável pelo planeamen- versidades e politécnicos, é historicamente nas artes faz-se fazendo, e representa um Cultura e MCTES deveriam colaborar na defi - to estratégico dos programas de ensino nas percepcionado como distinto do “ensino modelo de conhecimento co-construído por nição das reformas que interessam às IES de IES de A&C, com vista a evitar duplicações de superior da cultura”, mais concentrado em alunos e professores, onde ao fazer de coisas A&C e ao país. oferta de formação em diferentes escolas, a universidades, ora em faculdades de Letras, promover ensinos de especialidade e projec- ora de Ciências Humanas. O presente texto tos conjuntos e sequenciais interescolas; cria- refere-se em primeiro lugar ao “ensino supe- ria uma rede permanente de contactos entre rior artístico”, embora parte do que aqui dize- ERA UMA VEZ instituições congéneres nacionais e estran- mos respeite igualmente ao “ensino superior geiras, implementando de forma concreta a A substituição do poder executivo socialista, que governou Portugal durante seis anos consecu- da cultura” tal como o encontramos nas insti- maior internacionalização dos ensinos — para tivos até 2011, por um governo de coligação PSD/CDS, que extinguiu o Ministério da Cultura, tuições portuguesas. o que poderia criar protocolos e consórcios. transformando-o em Secretaria de Estado, e colocou o Ensino Superior sob a alçada do Ministério O sector é minoritário no seu grupo de per- da Educação, não faz prever uma aceleração da reforma do ensino superior das artes e da cultura. Em alguns casos, tais protocolos e consórcios tença (o Ensino Superior português global- As excepcionais circunstâncias de crise orçamental e a obrigação de reduzir drasticamente des- poderiam necessitar de apoio fi nanceiro do mente considerado): representa cerca de 50 pesas públicas com o Ensino e a Educação (satisfazendo o memorandum de entendimento com Governo português e dos governos das insti- instituições que ministram cerca de 320 cur- a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu), agravaram tuições parceiras; mas essa associação deveria sos a cerca de 20.000 alunos. Mas os desafi os essa perspectiva, tornando-a mais longínqua, ou tornando irrelevante a sua urgência. Num clima igualmente protagonizar o interface com a que se lhe colocam em termos de sobrevivên- de governação marcado (na sua versão mais optimista) pelo ditado “Vão-se os anéis, fi quem os de- indústria, a economia privada e a sociedade dos”, o sector das artes e da cultura tende a perder relevância entre as prioridades nacionais: dias cia, expansão e actualização são comuns a civil, em busca de fi nanciamentos não obriga- depois de entrar em funções, o novo governo via a agência de notação Moody’s baixar para “lixo” outros sectores do ensino superior, o que o toriamente oriundos do Estado. a classifi cação de Portugal a longo prazo... Por outro lado, ao manter e acentuar a distinção entre transforma num case study estimulante. os dois subsistemas do Ensino Superior (convidando o Ensino Politécnico a investir em Cursos de Outros objectivos de tal associação poderiam A par e passo com a sua reforma legislativa Especialização Tecnológica e em formações de curta duração), o novo governo acentua o “design” ser, segundo o “relatório Hasan”: promover do ensino superior em Portugal, o Governo geral da anterior governação socialista para o sector. Que destino terá em Portugal o programa eu- a investigação baseada na prática e a criação encomendou a um painel internacional de ropeu ERA — “Research, education and innovation are three central and strongly interdependent de um painel de avaliadores dessa investiga- especialistas (dirigido por Abrar Hasan, chefe drivers of the knowledge-based society. Together they are referred to as the knowledge triangle. ção (nas áreas de A&C) que funcionaria junto da Divisão de Políticas da Educação da OCDE Research needs to develop strong links with education and innovation”? da FCT; participar na gestão de projectos na- JANUS 2011-2012 1.18

cionais ou da União Europeia; criar e actuali- qualquer área” — são termos propostos pelo de segundo e terceiro ciclos). preferível estender a defi nição à obtenção de zar periodicamente um livro branco de boas “relatório Hasan”. Muitos artistas e homens de cultura ligados, outros resultados; os mesmos autores pro- práticas pedagógicas; promover uma rede de A lei também deveria estabelecer explicita- ou que poderiam ligar-se ao ensino, per- põem a seguinte listagem ordenada: a investi- associações culturais e artísticas; representar mente a possibilidade de o grau de doutor ser cepcionaram estas obrigações como novos gação nos domínios das artes e da cultura visa Portugal internacionalmente, na sua área; par- concedido a quem tenha publicado, ao longo obstáculos a tal ligação. Os doutoramentos — 1) a produção de novos conhecimentos; 2) ticipar nas redes internacionais de IES de A&C. de um período de tempo convencionado, en- baseados em investigação prática e por pu- a testagem de conhecimentos existentes para Especifi camente em matéria de internaciona- saios ou investigação na sua área de especiali- blicação ofereceriam outra possibilidade de determinar os seus limites; 3) a reconstrução lização do ensino superior de A&C em Portu- dade, e cuja obra seja reconhecida interpares qualifi cação a esse universo, que o país se ar- de saberes perdidos; 4) a compreensão públi- gal, as acções de tal associação poderiam con- pela sua qualidade. No caso português, esta risca a não valorizar como capital criativo ou ca da investigação em artes e cultura. centrar-se em remover os “plafonds” e outras possibilidade interessaria em primeiro lugar capital humano. Para estes autores, a principal difi culdade da limitações com que as instituições de ensino docentes de A&C que, nascidos entre os anos Quer no caso dos doutoramentos profi ssio- avaliação da qualidade da investigação nestes travam a inscrição de estudantes estrangeiros 50 e 70 do século XX, se qualifi caram e se nais, quer no dos por publicação, o corpo domínios é o estabelecimento de critérios em mobilidade nos seus cursos; promover tornaram especialistas num tempo em que de trabalho acima referido poderia ser acom- consensuais que permitam fundamentar incentivos para oferecer o inglês como lín- não existiam doutoramentos na sua área, mas panhado por um texto que explicite quais juízos de valor. E, citando os exemplos da gua de ensino de maior número de unidades nem por isso deixaram de publicar com re- as questões de investigação nele envolvidas, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e Es- curriculares; estabelecer formas activas de gularidade os seus trabalhos e investigações, que metodologia foi usada para explorar tal candinávia, acabam por preferir o do Reino mobilidade e de cooperação pedagógica e tornando-se autores respeitados e de referên- investigação, em que consiste a coerência Unido (RAE system), onde Signifi cação, Ori- de investigação com países de língua ofi cial cia interpares. Nesta matéria, a FCT tem pela intelectual e criativa presente no corpo de ginalidade e Rigor são os principais critérios portuguesa, de modo a tornar as IES de A&C frente a aprendizagem de um longo e vasto trabalho prático, que meios foram utilizados de avaliação. Por exemplo quanto à Signifi ca- na pedra–base de políticas que lidem com a exercício de humildade; se não se submeter para testar conclusões preliminares, quais as ção, a questão que os jurados se colocam é a herança cultural partilhada; promover as IES a esse exercício, deitará a perder uma vasta respostas ou conclusões encontradas, quais de saber em que medida “esta” investigação de A&C portuguesas no estrangeiro, aprovei- percentagem da investigação nacional. os meios de divulgação da investigação con- se tornou ou tornará referência obrigatória tando os meios já disponíveis, designadamen- cluída. Não faltam às universidades meios para os investigadores no mesmo campo. A te os postos em movimento pelo processo de para aferir competências e qualifi cações. preferência por critérios como estes permi- Bolonha ou dele decorrentes. A caminho de doutoramentos te salientar duas observações importantes: a Os autores do “relatório Hasan” sublinham profissionais ou por Ainda a investigação primeira é a de que a investigação baseada que melhorar a imagem interna e externa e as reconhecimento de obra Outro tema muito presente no “relatório Ha- na prática não requer critérios de avaliação performances efectivas das IES de A&C portu- publicada? san” é o da defi nição do que seja a investiga- radicalmente diferentes dos aplicados na guesas não se fará de um dia para o outro, po- ção na área das Artes e da Cultura: os autores avaliação de outros tipos de investigação; a dendo, pelo contrário, dar forma a um longo sublinham que a defi nição geral de investi- segunda é a de que o juízo interpares (peer processo — mas que esse processo deve ser No caso dos doutoramentos profi ssionais gação a faz depender de um critério único, a judgments) é tão relevante na avaliação das conduzido a nível institucional e ser apoiado como (no futuro) nos por publicação, a não produção de novos conhecimentos. Esta defi - competências necessárias à obtenção de um pelo Governo. explicitação destas possibilidades pelo le- nição, induzida pelas ciências exactas, adapta- grau como no aconselhamento e encaminha- gislador leva as universidades a deixarem-se se mal à investigação baseada na prática nos mento para edição em revistas científi cas com Doutoramentos profi ssionais conduzir pelos seus hábitos e cultura insta- domínios das artes e da cultura. Aqui, seria expressão internacional. ■ e por publicação lados, e a empurrar os candidatos ao grau A legislação que reformou a estrutura for- de doutor para investigações literárias em mal do Ensino Superior em Portugal proibiu forma de dissertações (o modelo clássico de Documentos citados aos Institutos Politécnicos a oferta de cursos doutoramento) ou, em certas áreas técnicas, de doutoramento e a concessão do grau de para exposições da investigação experimental Reforming Arts and Culture Higher Education in Portugal, Report of an International Panel of Experts prepared by Abrar Hasan (chair, Head of Education Policy Division, Directorate for Education, until 2007), Ulrike Blumenreich (researcher with doutor, reservando para as Universidades e empírica (que também adquire a forma de Institut fur Kulturpolitik), Bruce Brown (pro-vice-Chancellor at the University of Brughton), Peter Eversmann (University of esse terceiro ciclo; mas fê-lo numa altura em dissertações). Amsterdam), Francesco Zurlo (Ph D in Industrial Design at Politecnico di Milano) for the Ministry of Science, Technology and Higher Education, Portugal, 21 July, 2009. que numerosos países europeus discutem a Certo é que a reforma legislativa limitou a Instituições contactadas no âmbito do relatório referido: integração da investigação baseada na prá- duas fi guras (a do doutorado e a do detentor FBAUL Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa; FBAUP Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto; tica nas instituições de ensino, bem como a do título de especialista) a futura contratação Mestrado em Ciências da Comunicação — variante Cinema e Televisão, Universidade Nova de Lisboa; criação de doutoramentos profi ssionais e por de docentes no Ensino Superior (vivemos Escola das Artes — Universidade Católica do Porto; Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro; publicação. Doutoramentos profi ssionais, ou actualmente um período de transição — im- Faculdade de Arquitectura — Universidade Técnica de Lisboa; resultantes de investigação baseada na prá- posto por uma comissão parlamentar — até Departamento de Comunicação e Artes, Universidade do Algarve; ESD, Escola Superior de Dança (IPL); tica, deveriam estar explicitamente previstos que essa determinação entre em vigor). Mas ESML, Escola Superior de Música de Lisboa (IPL); na lei, em termos como “O grau de doutor é conhecida a lentidão habitual dos processos ESTC, Escola Superior de Teatro e Cinema (IPL); Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE) IPP; pode ser obtido pela apresentação de um de doutoramento, e é previsível que a atri- ESAP, Escola Superior Artística do Porto; corpo de trabalho (por via de publicação, buição de títulos de especialista a todos os Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (IP Leiria); IADE, Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing; exposição, composição ou performance) que interessados a quem ele pode ser concedido ESAD, Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva. ateste a originalidade e o rigor esperados de demore anos (o título é concedido mediante The Economy of Culture in Europe, KEA European Affairs, Outubro de 2006. Handbook of the Economics of Art and Culture, V. Ginsburgh e D. Throsby (eds) Amsterdam, Elsevier, 2006. uma investigação conferente desse grau em provas públicas concebidas à semelhança das O sector cultural e criativo em Portugal, Augusto Mateus & Associados, Março de 2010.

45 As grandes redes do conhecimento Clara Viana

Sistemas de avaliação no ensino Total Rapazes Raparigas 40 60 acentuam diferenças de género 50 30 40 20 30 EM TODOS OS PAÍSES DA UNIÃO EUROPEIA, Um relatório divulgado em 2009 pelo Higher 20 os rapazes são maioritários entre os alunos Education Policy Institut (HEPI), um grupo 10 10 com insucesso escolar e também, em grande de refl exão independente do Reino Unido, dá 0 0 parte devido à acumulação de fracassos, entre conta de que desequilibrio na performance 95-96 07-08 95-96 07-08 95-96 07-08 95-96 07-08 1992 2001 2009 2007 2007 1.º ciclo 2.º ciclo 3.º ciclo Ens. Secundário PT UE-27 aqueles que acabam por abandonar a escola escolar entre os alunos do sexo masculino e antes de entrar no ensino secundário, ou mes- do sexo feminino poderá dever-se “em grande Ensino básico e secundário: taxa de retenção e desistência1 (gráf. esq.), taxa de abandono escolar precoce2 com média de Portugal e União Europeia em 2007 (gráf. dir.) e respectivas mo sem completar a escolaridade obrigatória. parte à mudança do tipo de exames e de avalia- distribuições por sexo (em %). 1 Relação percentual entre o n.º de alunos que não transitaram de ano e o n.º de Esta tendência foi confi rmada por um estudo ção” ali implementada desde 1982. alunos matriculados. Dados relativos a Portugal Continental. 2 População entre os 18 e os 24 anos sem ensino secundário completo, que completou ou não o 3.º ciclo, e que não está na escola nem em formação.* da rede europeia Eurydice sobre as diferenças Antes, para a conclusão da escolaridade obri- de género nos resultados escolares, divulgado gatória no Reino Unido, eram determinantes dos exames externos, que antes contribuíam Diferenças maiores na literacia em Junho de 2010. O relatório mostra que, na as classifi cações obtidas nos exames fi nais. com metade ou menos para a nota fi nal. É o em leitura UE, tanto no que respeita a percentagens de Depois daquela data, os exames passaram caso de Matemática. Em 2009, pela primeira O PISA é um projecto implementado pela retenções, como de abandono escolar, Portu- apenas a contribuir para uma parte da nota vez em 12 anos, os rapazes ultrapassaram as OCDE para medir a capacidade dos jovens de gal é um dos países onde a diferença entre fi nal, passando também a contar para esta o raparigas nos resultados nesta área. Em 2010, 15 anos na literacia em Leitura, Matemática e rapazes e raparigas é mais pronunciada. trabalho desenvolvido ao longo do ano, em o fenómeno repetiu-se. Mas, no conjunto das Ciências. Os resultados das provas implemen- As reformas implementadas, nas últimas dé- casa, e o comportamento nas aulas, entre ou- disciplinas, as raparigas voltaram a ser mais tadas em 2000, 2003 e 2006, nos países mem- cadas, no sistema de ensino e de avaliação, tras componentes. numerosas entre o grupo dos estudantes que bros da OCDE, mostraram que as raparigas têm não são alheias aos maus resultados dos alu- obteve uma classifi cação de topo. uma clara vantagem na literacia em leitura, que nos do sexo masculino e poderão até ser um Em anos anteriores, sobretudo na literacia os rapazes estão ligeiramente à frente em Mate- dos seus factores decisivos. Embora frisando (...) pode-se estar a correr o em Matemática, os jovens ingleses também mática e que as diferenças entre os dois sexos que, para o sucesso dos alunos, “o género é risco [de os] homens virem a tiveram melhores resultados nas provas reali- são praticamente inexistentes em Ciências. um factor menos importante do que o esta- ser uma “nova classe baixa” zadas no âmbito do programa PISA (Program- As raparigas aprendem a ler mais depressa, tuto socioeconómico” das sua famílias, o es- das sociedades ocidentais. me for International Student Assessment) do lêem mais e melhor e têm mais prazer na lei- tudo Eurydice confi rma que, quando se tem que na avaliação que tiveram nas suas escolas. tura do que os rapazes. Esta vantagem regista- em conta os resultados escolares por país, O que, segundo o HEPI, reforça a hipótese de se em todos os países, e nos testes PISA ela se pode concluir que os perfi s de género em Este é também o sistema que foi adoptado as suas capacidades cognitivas estarem a ser está na origem de uma diferença de resulta- matéria de sucesso escolar são infl uenciados em Portugal e em muitos outros países oci- subvalorizadas nas escolas. dos entre rapazes e raparigas que oscila en- pelas características da avaliação implementa- dentais. À semelhança do HEPI, outros inves- da e do tipo de provas que se apresentam aos tigadores têm vindo a alertar para o facto de PARTICIPAÇÃO MASCULINA NO ENSINO SUPERIOR AUMENTA EM PORTUGAL alunos. as reformas implementadas valorizarem as características próprias das raparigas e pena- Apesar de as alunas continuarem a ser maioritárias no ensino superior, e ao contrário da tendência

Rapazes Raparigas lizarem as dos rapazes. Situação que poderá registada na maior parte dos outros países da UE, o seu peso entre os inscritos e os diplomados tem vindo a diminuir, nos últimos anos, em Portugal. 500.000 485.364 ser também potenciada pelo facto de a esma- Há quatro anos Portugal estava entre os cinco países da UE onde o desequilíbrio entre os géneros 450.000 48,4% gadora maioria dos docentes do ensino não era mais acentuado, mas em 2010 já tinha descido abaixo da média europeia, onde, pelo contrário, superior ser do sexo feminino. 400.000 esse desequilíbrio tem vindo a aumentar. 336.705 Se o fosso entre rapazes e raparigas se deve 350.000 Esta situação é provocada, sobretudo, pelo aumento da participação masculina, e pelo facto de, 49,8% em grande parte às alterações introduzidas – 300.000 274.628 em números absolutos, o número de mulheres inscritas ter diminuído. De 227.000 em 2002/03 254.923 250.000 48,3% “e existem provas de que esta mudança é, pelo passou para 204.476 em 2009/10. Mas neste ano, o número de inscritas pela primeira vez no ensino 47,2% 215.542 51,6 menos, parte da razão” – então os rapazes têm superior foi o maior de sempre (67.350). O mesmo aconteceu, aliás, no que respeita aos alunos do 200.000 55,4% sexo masculino — o que exprime, globalmente, o aumento da população estudantil. 150.000 50,2% alcançado menos do que aquilo de que são 51,7% 100.000 52,8% realmente capazes, e isso está a afectar toda O maior salto no número de homens inscritos pela primeira vez no 1.º ano do ensino superior deu- 44,6% se em 2006/07, coincidindo com a implementação da reforma de Bolonha e com a primeira vaga do 50.000 a sua vida futura, alertou o HEPI. Para já, uma concurso de acesso especial para maiores de 23 anos. Através deste concurso, e mediante realização 0 nova mudança nos critérios de avaliação, que de provas, pode-se aceder ao ensino superior sem que se tenha concluído outros ciclos de esco- começou a ser implementada no Reino Uni- laridade. Em três anos, ingressaram no superior, ao abrigo destas provas, cerca de 33.000 alunos. 2.º ciclo 3.º ciclo 1.º ciclo do em 2009, está a dar razão, pelo menos em

Pré-escolar Também o número de mulheres que entrou no superior voltou a subir a partir de então, com (5.º e 6.º ano) (7.º ao 9.º ano) (1.º ao 4.º ano) parte, a estes alertas. Para a avaliação fi nal no

Ens. Secundário um salto maior em 2007/08. No total de homens e mulheres, as novas inscrições no Superior (10.º ao 12.º ano) termo da escolaridade obrigatória ( General aumentaram cerca de 40%. No conjunto dos inscritos, a diferença entre os géneros, a favor do sexo Ensino básico e secundário: número de alunos matriculados e distribuição por sexo1. Certifi cate of Secundary Education, GCSE), feminino, era em 2009 de cerca de 7%, subindo para os 19% entre os que então se licenciaram, que 1 Dados sobre ensino regular (não incluí vias que é, ali, aos 16 anos, em algumas disciplinas é também a diferença média na União Europeia. Há sete anos, este desnível situava-se em Portugal profissionalizantes). Portugal, ensino público e privado, 2008-2009.* voltou a contar-se apenas com as classifi cações nos 34,4%. Na UE era então de 15,6%. JANUS 2011-2012 1.19

tre os 2% e os 9%. É a única área em que a ses, a diferença, neste nível, fi ca abaixo dos 2%. do sexo feminino, aprofunda-se ainda mais no Total Ens. Básico Ens. Secundário diferença entre os géneros é estatisticamente No 2.º ano de escolaridade (no 1.º não exis- ensino superior. Em 2008, 55,3% dos inscritos 60 signifi cativa, frisa o estudo da Eurydice. tem retenções), chumbaram 7% dos alunos neste nível eram mulheres, e quase 60% do to- Nas provas PISA, os alunos portugueses con- em 2008. Neste nível, aos 7 anos, já há mais 55 tal de diplomados na UE pertenciam ao sexo fi rmaram as tendências gerais, mas nas três rapazes do que raparigas a fi car para trás. À 50 feminino. Elas continuam abaixo dos 50% en- áreas fi caram abaixo das médias da OCDE. entrada do 2.º ciclo, no 5.º ano, quando os 45 tre os doutorados, mas também aqui a situação alunos começam a ter mais disciplinas e pro- 40 já começou a mudar em vários países, Portugal Desvios mais acentuados fessores, a taxa de retenção masculina tem 35 incluído – nos últimos anos já por duas vezes em Portugal quase duplicado a feminina. 30 o número de mulheres que concluiu doutora- 1960-61 1980-81 2000-01 2007-08 Para a comparação entre os sistemas de edu- Este é um dos três anos negros do ensino bá- mentos foi superior ao de homens. cação é utilizada uma classifi cação interna- sico em Portugal. Os outros dois são o 7.º ano, Ensino básico e secundário: taxa de Os impactos desta situação no futuro pode- feminidade2 (em %). 2 Relação percentual entre cional adoptada em 1997 pela UNESCO, que que é o primeiro do 3.º ciclo, e aquele que tem a população escolar do sexo feminino e a população rão ser gravosos. Um alerta do presidente do distingue sete níveis do ensino: de zero, cor- apresentado os piores resultados – 18% de escolar total. Dados de Portugal, incluindo ensino HEPI, Bahram Bekhradnia: tanto devido aos público e privado.* respondendo à pré-primária, ao seis, que cor- chumbos em 2008 — e o 9.º. Nos últimos anos, estereótipos negativos que os homens pode- responde aos programas de doutoramento. as diferenças entre rapazes e raparigas no con- se centrado nos últimos anos no alargamento rão desenvolver, fruto do seu insucesso esco- O primeiro nível abrange os acuais primeiros tributo para o contingente de reprovados têm da oferta das vias profi ssionais de ensino. No lar, como ao facto de estarem a ser privados, dois ciclos do ensino básico em Portugal (do oscilado entre os 3% e os 9%. 3.º ciclo do ensino básico, o número de alu- “em larga escala”, dos benefícios ligados a 1.º ao 6.º ano); o segundo corresponde ao 3.º Em termos demográfi cos os rapazes continu- nos inscritos nos chamados Cursos de Educa- uma educação superior, pode-se estar a cor- ciclo (7.º ao 9.º ano), que coincidia também am a ser maioritários nestas faixas etárias, mas ção e Formação, destinados a jovens a partir rer o risco de estes homens virem a ser uma com o fi nal da escolaridade obrigatória (agora no 9.º ano eles já estão em minoria entre os dos 15 anos que têm um historial de chum- “nova classe baixa” das sociedades ocidentais. alargada até aos 18 anos, já para os alunos que estudantes inscritos. bos, passou de 18.244 em 2006 para 43.984 Por enquanto, as mulheres licenciadas continu- concluírem esta etapa no presente ano lectivo); No conjunto da UE, 54% dos estudantes do em 2009. Em 2009, 64% dos inscritos nestes am a ter mais difi culdade do que os homens e o terceiro corresponde ao ensino secundário. secundário são do sexo feminino. cursos eram do sexo masculino. com idêntica formação em arranjar emprego ao Se os alunos concluírem estes níveis sem atra- Em Portugal, entre os alunos que fi cam retidos O que confi rma outra das diferenças de géne- nível das suas qualifi cações. E entre os licencia- so, isso signifi ca que aos 13 anos estarão no no 12.º ano, o último do secundário e aquele ro constatadas no estudo Eurydice: as rapari- dos, os homens continuam a ser maioritários 3.º ciclo e aos 16 entrarão no secundário. A que tem maior taxa de chumbos de todo o ensi- gas tendem a escolher os cursos gerais, que nas áreas de engenharia, ciências e matemática. maioria consegue-o, mas entre os estudantes no não superior, a percentagem de rapazes os- geralmente são os que dão acesso ao ensino No prefácio ao estudo da Eurydice, este é um que estão atrasados por comparação à sua cilou nos últimos anos entre os 53,5% e os 35%. superior; os rapazes estão mais representados dos exemplos apontados pela comissária euro- idade, o número de rapazes é mais elevado Antes de chegaram aqui já muitos rapazes nas vias profi ssionais. Mesmo quando prosse- peia, Androulla Vassiliou, responsável pela edu- do que o de raparigas. abandonaram o ensino. Em média, na UE, guem estudos, tendem a obter uma formação cação e cultura. O outro é o facto de os rapazes Os dados compilados no estudo da rede Eu- 13% da população dos 18 aos 24 anos aban- que fi ca aquém da das raparigas. serem “mais susceptíveis de fi gurar nas fi leiras rydice dão conta de que, em 2007, entre os es- donaram as escolas, sem o secundário, em dos alunos mais fracos em leitura”. Ambos os tudantes portugueses que já tinham idade para 2007. O abandono masculino foi um terço Fosso acentua-se no superior casos, segundo aquela responsável, mostram estar no segundo nível, mas ainda frequenta- superior ao feminino. Em Portugal, que de- A entrada em massa das raparigas nas escolas que “as diferenças de género devem ser toma- vam o primeiro, 19,9% eram do sexo masculino tém uma das três maiores taxas de abandono e universidades é um fenómeno recente, mas, das em conta quando da elaboração de políti- e 11,5% do sexo feminino. Um desvio de 8,4%, escolar precoce da UE, esta relação agrava-se. sobretudo em resultado da má performance cas e estratégias visando melhorar os resultados o maior da UE, onde, na maior parte dos paí- O combate ao abandono escolar precoce tem- dos rapazes, a diferença entre géneros, a favor escolares”. Esta opção ainda não foi feita pela maioria dos países da UE, Portugal incluído. ■

Doutorados por sexo (em % do total)Doutorados em 2007 Diplomados e inscritos no Ensino Superior (em % do total)

Homens Mulheres Mulheres Homens Mulheres (diplomadas) Mulheres (inscritas no Ens. Sup.) * Fontes: Gabinete de Estatísticas e Planeamento da Educa- 1.600 50% 400.000 396.601 ção do Ministério da Educação; INE e Eurostat. 376.917 1496 57% 48% 53,5% Referências bibliográfi cas 1.400 50,9% 350.000 313.415 46% Gender Differences in Educational Outcomes: Study 1.200 300.000 57,7% on the Measures Taken and the Current Situation in 44% Europe, Eurydice, 2010. Portugal UE-27 1.000 250.000 Male and female participation and progression in 859 Higher Education, HEPI, 2009. Média UE-27 800 44,2% 200.000 Education at a Glance 2010, OCDE, Setembro de 2010. Diplomadas Key Data on Education in Europe 2009, Eurydice, Julho 49,1% 600 Inscritas no Ens. Sup. 150.000 43% 46,5% de 2009. Estatísticas da Educação 2008/09, GEPE, Ministério da 60% 42,3% Educação, 2010. 400 55,8% 100.000 337 84.009 Educação em Números - Portugal 2010, GEPE, Ministério 58% 64.098 37,7% 59,6% da Educação, 2010. 200 117 50.000 39.216 67,2% 50 anos de estatísticas em educação, GEPE, Ministério da 61 62,3% 56% 33,3% 6,6% 64,3% 40,4% Educação, 2009. 0 93,4% 66,7% 54% 0 35,7% 32,8% Jornal Público. 1970 1980 1990 2000 2008 02 08 02 08 1996 2002 2008 1996 2002 2008 Jornal The Observer. Jornal The Independent. Ensino Superior.* Jornal The Guardian.

47 As grandes redes do conhecimento Clara Viana

União Europeia elege Erasmus Principais países de origem e destino (2008-09) Peso entre a população estudantil e percentagem do total e valor em % entre os estudantes Erasmus Número em Erasmus para combater desemprego Origem Destino Média europeia = 0,92%

35.000 30.000 1,30% 1,22% 1,54% 28.300 30.000 14,2% 27.900 27.400 Nas duas últimas décadas, mais de dois mi- Num relatório divulgado em 2010, a CE cha- 14,0% 13,8% 25.000 25.000 lhões de alunos europeus do ensino superior, mou a atenção para o facto de, dos 31 países 20.000 entre os quais 50 mil portugueses, estudaram que integram o Erasmus (todos os Estados 20.000 15.000 noutro país da Europa ao abrigo do progra- membros da UE, Islândia, Liechtenstein, No- 15.000 ma Erasmus, lançado em 1987. O marco dos ruega e Turquia), serem muitos poucos os 10.000 10.000 dois milhões foi atingido em 2009, mas no que têm desenvolvido campanhas activas de 1,47% 5.000 5.000 conjunto todos estes jovens não represen- promoção da iniciativa. Por outro lado, frisou, 5.583 15,50% 426 tam mais de quatro por cento dos estudantes são também poucos os que estabeleceram 0 0 França Alemanha Espanha Portugal França Alemanha Espanha Luxemburgo europeus. Por ano, esta percentagem não foi metas para a mobilidade estudantil enquanto Estudantes e professores em mobilidade internacional. além dos 0,9. parte da sua estratégia para o desenvolvimen- * Inclui tanto os estudantes que beneficiaram do Erasmus para estudar, como para estágios. Fonte: UE, OCDE. O objectivo fi xado pela Comissão Europeia to do ensino superior. é o de se atingir três milhões de estudantes 42 por cento dos estudantes em mobilida- Erasmus em 2012. Para ser alcançado, o total de no âmbito do Erasmus são oriundos de por cento) e Austrália (7 por cento). euros por mês entre 2000 e 2009. Em Por- de alunos em mobilidade por ano terá mais três países – França, Alemanha e Espanha. No relatório “Education at a Glance 2010”, a tugal ronda os 300 (varia, mais uma vez em do que duplicar o número recorde alcança- Estes são também os três países de destino OCDE constata que há novos actores a emer- valores médios, entre 202 euros para quem do em 2008/2009, quando 198.568 jovens escolhidos por 40 por cento dos estudantes gir neste mercado, que descreve como muito tiver como destino a Roménia e 434 para os benefi ciaram do programa. Nada garante que Erasmus. A Espanha tem permanecido como competitivo. Em oito anos, a percentagem dos que forem estudar no Reino Unido ou na No- esta seja uma meta exequível, até porque os principal país de destino. que escolheram os Estados Unidos baixou de ruega). Desde 2007, existe também uma bolsa últimos dados divulgados dão conta de uma A concentração, numa meia dúzia de países, 26 para 19 por cento e encontra-se também suplementar, para estudantes com difi culda- tendência de estagnação ou mesmo de declí- dos principais fl uxos dos jovens em mobili- em regressão na Alemanha e no Reino Unido. des económicas que já sejam benefi ciários da nio na Alemanha, Polónia e Reino Unido, que dade repete-se a nível intercontinental. No Em contrapartida, o número daqueles que Acção Social. Este reforço não pode ser infe- estão entre os seis principais países no envio mundo, 50 por cento dos estudantes em mo- procuraram a Federação da Rússia aumentou rior a metade da bolsa mínima Erasmus ( 200 de estudantes para o estrangeiro. bilidade são asiáticos (com os chineses muito de dois para quatro por cento. euros, em Portugal). Esta tendência de abrandamento regista-se à frente). Os chineses também são maioritários entre entre os jovens que procuram o programa Entre os originários dos países da OCDE, os os 8.385 bolseiros do programa Erasmus Erasmus para estudar noutro país. Pelo con- estudantes da Coreia, Alemanha, Turquia, Mundus. Esta iniciativa, destinada apenas a O programa Erasmus foi trário, em 2009 registou-se um aumento de França e Japão são os mais representados. mestrados e doutoramentos, alarga a atribui- precursor da reforma de mais de 50 por cento entre aqueles que bene- Quanto aos países de acolhimento, metade ção de bolsas a originários de países fora do Bolonha [...] que tem tornado fi ciaram do programa para realizar um estágio dos 3,3 milhões de estudantes que, em 2008, espaço da UE, os quais também podem ser es- possível a mobilidade fora, uma nova valência do Erasmus lançada estavam em programas de mobilidade no colhidos como destino por jovens europeus. estudantil e a criação de um em 2007. Mas no conjunto dos alunos em mundo fi xaram-se em apenas cinco: Estados Das cerca de 10 mil bolsas concedidas em espaço académico europeu. mobilidade, estes representam ainda apenas Unidos (19 por cento), Reino Unido (10 por 2009/2010, 1561 foram atribuídas a europeus. cerca de 15 por cento. cento), Alemanha (7,3 por cento), França (7,3 Desigualdade no acesso Muitos inquiridos referiraram que o estatuto Inquéritos realizados junto dos estudantes socioeconómico dos seus pais é igual ou su- Evolução entre 1987-88, 1997-98 e 2008-09* Estudantes portugueses em Erasmus que têm benefi ciado do Erasmus dão conta perior à média nacional do seu país. Total de estudantes Total de professores Estudantes Erasmus em Portugal de que mais de metade diz conhecer outros A desigualdade de acesso não se faz sentir só 200.000 % de portugueses entre os estudantes Erasmus alunos que não puderam participar nele por entre indivíduos, mas também entre países. 175.000 7.000 3,0 razões económicas. Outros tantos afi rmam No espaço Erasmus coabitam algumas das 2,7% per 150.000 6.000 2,5 que a bolsa atribuída lhes foi insufi ciente para economias que, na tabela do FMI do PIB 125.000 cobrir as despesas. capita estão entre as 10 mais poderosas do 5.000 2,0 A bolsa Erasmus é apresentada como um sub- mundo e outras que fi guram bem mais abai- 100.000 4.000 1,5 sídio que se destina apenas a custear a viagem xo. Em tempo de contenção e corte de despe- 75.000 e a ajudar nas despesas derivadas do facto de sas, a Comissão Europeia já alertou que um 3.000 1,0 50.000 o estudante se encontrar fora do seu local de desinvestimento no Erasmus poderá compre- 25.000 2.000 0,5 residência. Os valores são revistos anualmen- meter as metas de expansão fi xadas, as quais

0 1.000 0 te — os máximos são iguais para todos os pa- integram a estratégia Europa 2020. 87-88 97-98 08-09 00-01 08-09 08-09 íses — e, entre outras variáveis, são diferentes Aprovada pela Comissão Europeia em Junho Estudantes e professores em mobilidade internacional. segundo o país de destino escolhido. de 2010 para suceder à estratégia de Lisboa, * Mobilidade de e para os 31 países que integram o programa Erasmus (países da UE-27 + Islândia, Liechtenstein, Noruega e Turquia). Fonte: UE, OCDE. O seu valor médio passou de 140 para 272 a nova agenda aposta no conhecimento e no JANUS 2011-2012 1.20

crescimento sustentável e inclusivo como noutro país, estará a aumentar-se a sua em- bora o ritmo de crescimento tenha abranda- também outra fronteira: há mais estudantes meios para assegurar a saída da crise. pregabilidade e o seu acesso ao mercado de do entre aqueles que procuram outros país da área de ciências a procurar os países an- Segundo a Comissão Europeia, o programa trabalho. A este propósito refere que “estudos para estudarem. Por comparação com o ano glo-saxónicos ou que garantam formação em Erasmus pode contribuir para estes objec- independentes” indicam que mais de 40 por anterior, o número de estudantes nesta situ- inglês, enquanto os das ciências humanas e tivos, garantindo aos jovens competências cento dos empresários dão importância à ex- ação aumentou 3,4 por cento em 2008/09, artes estão melhor representados entre os para singrar numa sociedade competitiva e periência obtida com estudos e trabalho no mas esta percentagem mais do que duplica que escolhem outros destinos. ■ baseada no conhecimento. O prognóstico estrangeiro. quando a estes se acrescentam os jovens que europeu é que, até 2020, 35 por cento dos Os dados estatísticos que se encontram coli- benefi ciaram do Erasmus para a realização novos empregos exigirão qualifi cações de alto gidos não fornecem indicações sobre o grau de estágios, aos quais são concedidas bolsas OBJECTIVOS PARA 2020 nível e outros 50 por cento qualifi cações de de sucesso académico que os estudantes mensais com um valor médio de 430 euros. nível médio. Erasmus obtiveram durante o seu período de Esta é uma nova valência lançada em 2007, A iniciativa “Juventude em Movimento”, estudos no exterior. Num inquérito realizado, quando o Erasmus foi integrado no “Lifelong lançada pela Comissão Europeia em Setem- bro de 2010 para incrementar a mobilidade Mobilidade também para em 2007, pelo Erasmus Student Network, a Learning Programme”. O incremento da for- internacional dos jovens, é apontada como o primeiro emprego que responderam oito mil jovens, 52 por mação ao longo da vida foi um dos principais um dos instrumentos que terão “um papel A mobilidade internacional foi, aliás, eleita cento afi rmaram ter concluído todas as disci- objectivos da estratégia de Lisboa com vista a importante” na concretização de três dos pela CE como uma das apostas centrais para plinas, 28 por cento a maioria, 13 por cento aumentar as qualifi cações da população. Tem cinco grandes objectivos da nova estratégia combater o desemprego e aumentar a forma- metade, 7 por cento só algumas e outros 7 também na base a assunção de que, dado o Europa 2020. ção dos jovens. Para este efeito, foi lançado admitiram não ter feito nenhuma. declínio demográfi co, o crescimento do en- São eles a redução do abandono escolar em Setembro de 2010 o programa “Youth Entre os principais impactos positivos da ex- sino superior terá que ser feito com base na precoce de 15 para 10 por cento, o aumento on The Move”, apresentado como uma das periência identifi cados pelos jovens fi guram captação de outros públicos que não apenas da percentagem de indivíduos entre os 30 e os 34 anos no ensino superior de 31 para “inciativas emblemáticas” da nova estratégia maiores competências linguísticas e mudan- o dos jovens que estão em idade de frequen- 40 por cento, e assegurar emprego a 75 por europeia. ças tanto no modo de encarar outros povos, tar este nível de ensino. cento da população entre os 20 e os 64 anos. No âmbito deste programa, pretende-se refor- como o estudo e o trabalho. Em 2008/2009, entre os 198.600 estudantes O ponto de partida foi fi xado com base nos çar a mobilidade dos estudantes europeus e O programa Erasmus foi precursor da refor- Erasmus, 30.400 estavam a realizar estágios dados do Eurostat respeitantes a 2009. alargar o “espírito” Erasmus aos jovens que ma de Bolonha, antecipando com uma déca- noutro país, o que constituiu um aumento Em Portugal, a percentagem de jovens entre já estão no mercado de trabalho ou que se da de antecedência o sistema de transferên- de mais de 50 por cento neste segmento. Os os 18 e os 24 anos sem o ensino secundário encontram à procura de primeiro emprego. cia de créditos entre Universidades que tem sectores da educação, ciência, saúde, serviços que já não se encontravam na escola, nem Em 2010, cinco milhões de jovens estavam tornado possível a mobilidade estudantil e a sociais e indústria foram os que garantiram frequentavam qualquer tipo de formação, nesta última situação, mais um milhão do criação de um espaço académico europeu. A mais estágios. À semelhança do que tem su- era de 31,2 por cento, um das três maiores da UE. No grupo dos 30 aos 34 anos, apenas 21 que aqueles que se encontravam à procura mobilidade foi apresentada como o objectivo cedido com os que benefi ciam do Erasmus por cento tinha concluído o ensino superior. do primeiro emprego quando do início da âncora da reforma de Bolonha. Cerca de 200 apenas para estudos, a França (4.700) e a Para aumentar este contingente, o Governo actual crise. No conjunto da União Europeia, mil professores também já benefi ciaram do Alemanha (4.500) são os dois países que português contratou com as instituições do o desemprego entre os jovens é de cerca de Erasmus tanto para formação, como para mi- contribuíram com mais jovens para este novo ensino superior e politécnico que formas- 21 por cento. nistrar o seu ensino noutros paíes europeus. programa. Nestas acções, e ao contrário do sem mais 100 mil activos até 2013, o que A Comissão Europeia argumenta que, ao A bolsa média mensal atribuída os docentes que tem acontecido nas deslocações só para deverá ser feito sobretudo através de cursos incentivar-se um maior número de jovens a ronda os 700 euros. estudos, o Reino Unido está entre os três pri- de especialização tecnológica (CETs), mes- tirar partido das subvenções da UE para es- À excepção de 1996, o número de estudantes meiros países que mais enviaram e receberam trados profi ssionais e do concurso especial de acesso para maiores de 23 anos. Também tudar ou frequentar um curso de formação em Erasmus tem subido todos os anos, em- estudantes para estágios. A Espanha mantém foi aconselhdo o incremento do ensino à a sua posição de destino mais popular e a Ale- distância. manha é o terceiro destino mais procurado. Para a concretização da estratégia “Europa Portugal enviou 562 jovens para este progra- Estudantes no mundo a estudar no estrangeiro País de origem (2008) País de destino 2020”, lançada em Junho de 2010, a União ma e recebeu 502. 3.500.000 3.342.910 Europeia e os seus Estados membros deve- 3.250.000 Em 2008/09, no conjunto, Portugal recebeu rão conseguir alcançar, na próxima década, 3.000.000 6.234 estudantes e enviou 5.396, o que nesse ainda dois outros grandes objectivos: cum- 2.750.000 2.500.000 ano representou cerca de três por cento do prir as metas do “pacote verde”, nomea- 2.250.000 total de estudantes Erasmus. Espanha, Itália damente a redução em 30 por cento nas 2.000.000 emissões de gases com efeito de estufa; e 1.804.261 e Polónia são os principais países de destino 1.750.000 tirar 20 milhões de pessoas da pobreza. 1.500.000 dos alunos portugueses e a proporção dos es- 1.250.000 tudantes originários destas nações é também 1.000.000 750.000 624.474 a mais signifi cativa entre os que procuram 510.842 Referências bibliográfi cas 500.000 335.870 245.522 Portugal. 250.000 184.801 230.635 115.464 65.459 “Focus on Higher Education in Europe 2010: The Impact 0 Segundo a OCDE, a língua em que é minis- of The Bologne Process”, Eurydice, 2010; “Education at a 2000 2008 China Índia Coreia Turquia EUA Reino Alemanha Austrália trada a formação é um dos factores que mais Unido Glance”, OCDE, 2010; “Generation Mobility”, ESN Survey pesa na escolha dos destinos pelos estudan- 2007, International Exchange Erasmus Student Network, Número de estudantes no mundo a estudar no estrangeiro, os países de origem e de destino. 200;, “Survey of the Socio-Economic Background of Eras- Fonte: UE, OCDE. tes em mobilidade no mundo. A língua marca mus Students”, Manuel Souto Otero, ECOTEC, 2006.

49 As grandes redes do conhecimento João Maria Mendes

VAB Emprego A cultura e a criatividade Subsector Milhões % Trabalhadores % Artes performativas 144 3,9 6.002 4,7 sobem de valor Artes visuais e criação literária 101 2,7 6.160 4,8 Património cultural 32 0,9 1.227 1,0 Actividades nucleares 277 7,5 13.389 10,5 OS ESTUDOS EUROPEUS (e/ou tendo como do total nacional) é menor, mas revela um ní- Cinema e vídeo 165 4,5 6.020 4,7 objecto os Estados membros da UE), publi- vel de qualifi cação e produtividade acima da Edição 1.264 34,2 39.793 31,3 cados desde 2006, sobre a importância da média nacional. De 2000 a 2006, criaram-se Música 7 0,2 219 0,2 cultura nas economias contemporâneas, con- perto de 6.500 empregos no mesmo univer- Rádio e televisão 488 13,2 9.914 7,8 Bens de equipamento 376 10,2 20.071 15,8 vergem no sentido da valorização sensível das so. Em termos cumulativos, o emprego cres- Distribuição/comércio 388 10,5 16.717 13,2 actividades artísticas, culturais e criativas. Já o ceu, aí, 4,5%, contra apenas 0,4% no total da Turismo cultural 221 6,0 7.934 6,2 relatório The Economy of Culture in Europe, economia. O destaque vai, de novo, para as Indústrias culturais 2.908 78,8 100.667 79,2 desse ano, mostrava que as actividades cul- Indústrias Culturais, onde se concentravam, Arquitectura 25 0,7 742 0,6 turais representavam em média 2,6% do PIB em 2006, 4/5 dos postos de trabalho (79%) Design 7 0,2 242 0,2 europeu, atingindo ou ultrapassando os 3% do sector; as Actividades Culturais Nucleares Publicidade 18 0,5 387 0,3 Serviços de software 25 0,7 2.169 1,7 em países como o Reino Unido, a França e a e as Actividades Criativas representavam res- Componentes criativas em outras actividades 429 11,6 9.482 7,5 Dinamarca. pectivamente 11% e 10%. Indústrias criativas 505 13,7 13.023 10,2 Também em Portugal, um estudo encomen- No mesmo ano, o subsector da Edição era Total SCC 3.691 100 127.079 100 dado pelo Ministério da Cultura à sociedade o principal empregador, detendo quase um Contributo dos subsectores culturais e criativos para a criação de riqueza (VAB). Fonte: Augusto Mateus & Associados, que criou também a matriz conceptual que o quadro exprime. de consultores Augusto Mateus & Associados, terço (32%) dos postos de trabalho em todo e divulgado em Janeiro de 2010, revela que o o sector. Seguiam-se as actividades dependen- “Sector Cultural e Criativo” (SCC) gerou, em tes dos Bens de Equipamento (16%) e a Dis- das indústrias culturais) e sua distribuição em se torna cada vez mais imperdoável menos- 2006, 2,8% de toda a riqueza criada em Portu- tribuição e Comércio (13%). Os trabalhadores rede nas plataformas mais adequadas, tendo prezar. E cada vez mais, o acesso a conteúdos gal, sendo responsável por um valor acrescen- ocupados em profi ssões culturais e criativas em vista a disponibilização desses conteúdos culturais digitalizados e disponíveis em rede tado bruto (VAB) de 3.691 milhões de euros. não incluídas na matriz do SCC eram 9.482, à sociedade através das novas tecnologias da torna-se num instrumento de primeiro plano A relativa surpresa causada pelo atingimento 7,5% do emprego total no sector. comunicação e da informação, elas próprias da educação, gerador de novos públicos e deste valor justifi ca, para os autores do estu- Não é por acaso que a maioria dos dados ma- geradoras de riqueza, e assumindo-se como estimulador da procura, que conduz a uma do, uma nova atenção ao papel da cultura e nipulados pelos autores só contêm indicado- força motriz das sociedades do conhecimento. oferta mais diversifi cada e qualifi cada. da criatividade na economia nacional. res até 2008, considerando-se, habitualmen- O meio artístico e cultural português, muito Nesse ano de 2006, as Indústrias Culturais te, que um atraso de dois ou três anos nos dominado, como outros, pela fi gura do “au- (Cinema e Vídeo, Edição, Música, Rádio e Te- dados disponíveis para tratamento é normal. Os territórios e seus tor” herdada do romantismo, dá por vezes levisão, Software Educativo e de Lazer) foram Compreende-se, assim, que os autores insis- patrimónios terão, tarde ou mostra que não ter ainda interiorizado a im- o principal domínio de actividades do sector, tam na necessidade premente de um grande cedo, de se revitalizar em portância das novas plataformas digitais na representando 4/5 (79%) do seu VAB. As “Ac- esforço a desenvolver para dotar Portugal torno da cultura. divulgação e distribuição das suas criações. tividades Criativas” (Arquitectura, Design, de estatísticas melhores, mais fi áveis, mais Por exemplo, um estudo recente fi nanciado Publicidade, Serviços de Software e Compo- adaptadas às realidades em mudança, e mais pela FCT (Principais tendências no cinema nentes Criativas em Outras Actividades) re- actualizadas. A este respeito, sugerem concre- Fugindo à langue de bois em que tantas vezes português contemporâneo), coordenado pelo presentaram 14%; e as “Actividades Culturais tamente os autores do estudo: se exprimem estudos como estes, os autores autor destas linhas no âmbito do CIAC (Cen- Nucleares” (Artes Performativas, Artes Visuais “A criação de uma conta-satélite como grande sublinham que a utilização das NTIC pelas tro de Investigação em Artes e Comunicação), e Criação Literária, Património Histórico e instrumento estatístico de coerência transver- actividades culturais e criativas “induz, em dá conta do relativo alheamento dos cineastas Cultural), 8%. sal na análise estatística do sector, a melhoria simultâneo, movimentos de recuperação da portugueses (sobretudo realizadores), mes- Sintetizam-se a seguir alguns dos mais signifi - e aprofundamento das nomenclaturas esta- memória (recuperar o objecto da aplicação), mo os das novas gerações, face ao potencial cativos indicadores constantes do estudo: no tísticas e a individualização dos fl uxos do co- movimentos de valorização da memória (re- de distribuição e de divulgação das suas obras seio das indústrias culturais, os subsectores mércio de bens e serviços culturais e criativos, qualifi car o objecto da aplicação) e movimen- em plataformas como a internet. da edição e da rádio e televisão geraram, só com maior rigor e detalhe nas estatísticas de tos de divulgação da memória e de afi rmação Também no domínio da edição livreira, é por si, quase metade (47%) da riqueza pro- comércio externo e balança de pagamentos cultural no mundo (disponibilizar o objecto à muito irregular o panorama da informação duzida no SCC, confi rmando a polarização e externos constituem as prioridades imediatas sociedade global)”. disponível na mesma plataforma sobre a ac- desequilíbrio no peso relativo dos seus dife- neste esforço de promoção”. O acesso generalizado oferecido pelas NTIC tualidade editorial e sua recepção. rentes segmentos. A criação de riqueza (VAB) aumenta o nível de percepção da cultura de do SCC acompanhou, entre 2000 e 2006, o A importância da digitalização cada país, de cada região ou comunidade, ga- Património e território ritmo da economia nacional, expresso num Em sintonia com a orientação mais partilhada rantindo mais durabilidade aos conteúdos e a As actividades culturais geradoras de rique- crescimento cumulativo de 18,6% (à taxa mé- nas sociedades e economias desenvolvidas, os sua muito maior disseminação. za sediam-se historicamente nos principais dia de crescimento anual de 2,9%). autores atribuem importância decisiva à pro- Regiões e comunidades podem encontrar centros urbanos, e Portugal não escapa a Em termos de emprego, a expressão do sector dução e reprodução maciça de conteúdos em nas novas plataformas comunicacionais ins- essa regra. À margem desta evidência, que (127 mil postos de trabalho em 2006, 2,6% suporte digital (que constitui o novo fôlego trumentos de valorização e revitalização que todos os números confi rmam, sabe-se como JANUS 2011-2012 1.21

A CRISE, O QREN, A CULTURA E A CRIATIVIDADE

Em tempo de crise como o confi rmado pelo Orçamento de Estado português para 2011, que abre e Convento de Cristo – que prevê intervenções “no âmbito da melhoria das suas condições de um período recessivo e de “garrote” das despesas e fi nanciamentos do Estado que se estenderá fruição e valorização, salvaguarda e preservação, prevenção de riscos e segurança, nos conjuntos e previsivelmente até 2013, podendo o quadro económico-fi nanceiro agravar-se em 2014 e acabar, no respectivas envolventes”. conjunto, por se estender por uma década, que espaço subsistirá, em Portugal, para a sustentação e O programa assenta em seis “eixos-base”: Identidade, Atractividade, Receptividade, Interactividade, desenvolvimento do sector cultural e criativo? Visibilidade e Continuidade/Qualidade, e prevê nove linhas de intervenção que a seguir se enumeram: Escrevemos num momento em que a garantia da “passagem” desse Orçamento na generalidade não “1. Qualifi cação dos espaços públicos simbólicos; se estende à da sua passagem na especialidade, e em que crescem as vozes dos que prefeririam a 2. Promoção de eventos emblemáticos e animação das cidades como pólos culturais; intervenção próxima do FMI em Portugal. 3. Vivifi cação do património e qualifi cação dos equipamentos culturais; O nível de vida, os consumos e despesas privadas diminuirão em função da dimensão da crise, e a 4. Criação de roteiros de visita e interpretação do território; experiência mostra que boa parte do sector cultural e criativo tem tendência a ser uma das primeiras 5. Recepção de visitantes; vítimas do agravamento da situação económico-fi nanceira do país. Ao nível dos agentes culturais e 6. Qualifi cação dos serviços turísticos; criativos (tal como defi nidos no relatório da Augusto Mateus & Associados), a falta de confi ança, o 7. Plataforma digital turística da rede de cidades; cepticismo e o abandono de iniciativas arrojadas (iniciativas que serão inevitavelmente desenvolvi- 8. Marketing, promoção e comunicação; das em contraciclo), tenderão a agravar-se. 9. Missão ‘Mosteiros de Portugal Património da Humanidade’, de cooperação interurbana”. Num tal contexto, pode revelar-se de importância crucial para a sustentação do sector o enqua- O IGESPAR lidera a candidatura nos seguintes objectivos: garantir a programação cultural anual das dramento de actividades e projectos culturais e criativos em universos como o do último Quadro cidades articuladas em rede, e assente nos mosteiros envolvidos; criar programas de visita e produzir de Referência Estratégico Nacional (QREN), onde se inscrevem as orientações para a intervenção conteúdos de interpretação; realizar encontros científi cos anuais em cada mosteiro, incidindo sobre estrutural comunitária no período 2007-2013. Com efeito, entre os objectivos fundamentais do pla- a sua especifi cidade. neamento e programação do QREN, conta-se o de “promover níveis elevados e sustentados de de- Exemplos como este ajudam porventura a conceptualizar como, nas linhas de intervenção acima senvolvimento económico e sociocultural e de qualifi cação territorial”, traduzido em três programas descritas, o sector cultural e criativo pode estar mais presente, ora propondo-se os seus agentes temáticos de aplicação multi-territorial (Factores de Competitividade, Valorização do Território e como parceiros de instituições responsáveis por candidaturas ao QREN, ora assumindo-se como pro- Potencial Humano), complementados por programas operacionais regionais “assegurando-se, as- dutores a contratar em regime de outsourcing nas respectivas especializações. Uma nova atenção sim, a prossecução à escala regional (…) das prioridades temáticas relativas aos factores de compe- ao território e seus patrimónios, centrada nos seis “eixos-base” atrás mencionados, poderia ampliar titividade e à valorização territorial”. signifi cativamente o âmbito de acção dos agentes do sector, sendo-lhes, necessariamente, exigida Recorde-se que, por exemplo na área do fi nanciamento de cinema e do audiovisual, a Espanha con- maior interacção institucional, mais capacidade de discussão/negociação de projectos e mais aten- seguiu utilizar verbas provenientes do equivalente ao QREN português, valorizando a actividade ção aos parceiros regionais e/ou municipais. destes dois subsectores do universo cultural e criativo no âmbito de projectos de desenvolvimento O Ministério da Cultura, ora através do seu aparelho central, ora através das suas Direcções Regionais regionais. de Cultura e Direcção Geral das Artes, poderia desempenhar um papel teoricamente motor na incre- A título de exemplo do que parece possível — ainda — fazer-se em Portugal, considere-se a can- mentação de tais articulações, enquadrando e fomentando o empreendedorismo nas áreas culturais didatura apresentada pelo município de Tomar, associado aos de Alcobaça, Batalha e Lisboa e ao e criativas, e favorecendo o interface entre os agentes do sector e as instituições ou organizações IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico), tendo como parceiros responsáveis por candidaturas aos últimos fi nanciamentos do QREN. a Direcção-Geral das Artes e o Instituto dos Museus e da Conservação, ao programa da Região Cen- Afi nal, o QREN identifi cou como seu primeiro princípio-chave, ao nível operacional, para inspirar tro “Desenvolvimento das cidades e dos sistemas urbanos” — candidatura aprovada e que envolve a sua programação, a “concentração do apoio em actividades que produzam resultados e efeitos um investimento total de 15.384.614,00, sendo elegíveis 14.923.076,00 (comparticipação a 65% do económicos, socioculturais e de qualifi cação territorial”, e, na própria defi nição da sua identidade, programa MaisCentro, no valor de 8.099.999,05, e da PorLisboa, no valor de 1.600.000,35), distribu- afi rma-se que pretende garantir a “provisão de estímulos à inovação e ao desenvolvimento científi co ído entre 2009 e 2012. O IGESPAR candidatou complementarmente a este projecto, no âmbito do e tecnológico, incentivos à modernização e internacionalização empresariais, incentivos ao inves- QREN, um outro, “Rota dos Mosteiros Portugueses Património da Humanidade da Região Centro”, timento directo estrangeiro qualifi cante, apoio à investigação e desenvolvimento e promoção da abrangendo os três grandes conjuntos monásticos da região – Mosteiros de Alcobaça e da Batalha sociedade da informação e do conhecimento.”

a conservação, manutenção e recuperação em Portugal as cidades “reanimadas” por na sua programação, a defi nição das áreas de nio natural ou edifi cado, os acessos. Mas a do património edifi cado, articulada com a va- novas Universidades), de modos tão diver- impacto expectáveis, do valor acrescentado estes valores tem hoje de se acrescentar um lorização de regiões, tende tradicionalmente sos como alcançando a sua inscrição em cir- que encerram, dos efeitos mobilizadores que segundo fôlego da valorização, mais centra- a ocupar um dos lugares mais relevantes nas cuitos turísticos internacionais, participando preconizam, quer sobre a requalifi cação e re- do numa releitura alargada das suas poten- políticas públicas da Cultura. Nesta perspec- em redes de comunidades geradoras de con- valorização de um determinado património cialidades culturais. ■ tiva, recomenda o estudo, “a presença acti- teúdos culturais e em investigação e desen- histórico-cultural, quer sobre a competitivida- va num mundo crescentemente globalizado volvimento aplicadas aos domínios que lhes de do território onde este se localiza”. exige olhar a requalifi cação e a dinamização dão identidade. Será fundamental articular Hoje, territórios e regiões competem di- Documentos citados do património e a consolidação e desenvol- cultura e educação, também em matéria de rectamente uns com os outros, com a sua O sector cultural e criativo em Portugal — Estudo para vimento da museologia e de equipamentos políticas públicas nacionais, regionais e lo- reputação, notoriedade e prestígio, na cap- o Ministério da Cultura, Augusto Mateus & Associados, relatório fi nal, Janeiro de 2010, disponível no site do MC, culturais relevantes como factores de compe- cais — um caminho que Portugal pouco tem tação de novos residentes, visitantes, públi- versão pdf, 132 pp. titividade, construindo modelos de desenvol- trilhado. cos nacionais e internacionais. A projecção, Novas & Velhas Tendências no Cinema Português Con- temporâneo (editado no âmbito do projecto “Principais vimento regional capazes de atrair activida- O estudo recomenda aos decisores públi- nacional e internacional, de determinado Tendências no Cinema Português Contemporâneo”, des e pessoas”. cos nacionais que “os projectos a incentivar território ou região depende geralmente de coord. João Maria Mendes, ed. Biblioteca da ESTC apoiada pelo Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Signifi ca isto que os territórios e seus patri- devem ser encarados numa perspectiva de um conjunto de factores em que avultam a Outubro de 2010, 440 pp. mónios terão, tarde ou cedo, de se revitali- rendibilização económica alargada e de sus- sua história, os seus produtos tradicionais, The Economy of Culture in Europe, KEA European Affairs, Outubro de 2006, estudo encomendado pela Comissão zar em torno da cultura (como mostraram tentabilidade, devendo por isso contemplar, as instituições nele sediadas, o seu patrimó- Europeia, 354 pp.

51