Terra Brasilis (Nova Série) Revista da Rede Brasileira de História da Geografa e Geografa Histórica

2 | 2013 Historiografia da história da geografia

Larissa Alves de Lira, Breno Viotto Pedrosa e David Palacios (dir.)

Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/terrabrasilis/613 DOI: 10.4000/terrabrasilis.613 ISSN: 2316-7793

Editora: Laboratório de Geografa Política - Universidade de São Paulo, Rede Brasileira de História da Geografa e Geografa Histórica

Refêrencia eletrónica Larissa Alves de Lira, Breno Viotto Pedrosa e David Palacios (dir.), Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013, « Historiografa da história da geografa » [Online], posto online no dia 21 junho 2013, consultado o 19 novembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/terrabrasilis/613 ; DOI : https://doi.org/10.4000/ terrabrasilis.613

Este documento foi criado de forma automática no dia 19 novembro 2020.

© Rede Brasileira de História da Geografa e Geografa Histórica 1

SUMÁRIO

Editorial Larissa Alves de Lira, Breno Viotto Pedrosa e David Palacios

Artigos

Como construir a história da geografia? Paul Claval

Comment construit-on l’histoire de la géographie ? Paul Claval

Entrando em território arriscado O espaço na era da navegação digital Valérie November, Eduardo Camacho-Hübner e Bruno Latour

A Geografia Histórica e as formas de apreensão do tempo Paulo Roberto Teixeira de Godoy

Los desplazamientos críticos de la historia de la geografía Las diversas formas de reflexividad en los debates historiográficos de la disciplina. Paloma Puente Lozano

Dos propósitos e modos de se escrever histórias Considerações sobre um velho debate Mariana Lamego

Conhecer seu Mundo Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos Marie-Claire Robic

Connaître son Monde Les géographes et les savoirs géographies en congrès internationaux : spatialité et géographismes Marie-Claire Robic

As cidades do Prata Apontamentos para análise de Formação Territorial e Urbana do Extremo Sul do Brasil Sidney Gonçalves Vieira

Clássicos e textos de referência

O sítio e o crescimento de Lisboa Orlando Ribeiro

Le site et la croissance de Lisbonne Orlando Ribeiro

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 2

Documentos, mapas e imagens

Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Olga Okuneva

Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606) Olga Okuneva

O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900 Um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil Federico Ferretti

Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 Une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil Federico Ferretti

Notícias

Miraflores Notícia do VI Colóquio de História do Pensamento Geográfico (Miraflores de la Sierra, Madri, 15 a 18 de novembro de 2012) Manoel Fernandes de Sousa Neto

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 3

Editorial

Larissa Alves de Lira, Breno Viotto Pedrosa e David Palacios

1 A história da geografia e do pensamento geográfico tem conhecido um novo impulso nas ultimas três décadas. Sem que ela se apresente como uma nova fonte de interesse por parte dos geógrafos – que sempre foram atentos para evolução da disciplina como forma de aprimorar seus próprios métodos e como procedimento didático de inserção de neófitos à sua vinculação identitária - parece ter havido, nesses últimos anos, não apenas uma mudança quantitativa no que tange à produção de trabalhos, com novas teses e livros, como uma mudança qualitativa, revelando novas abordagens. O que é marcante nesta nova historiografia é o seu estilo paradoxalmente positivo (numa época de questionamento das ferramentas modernas), com especificidade metodológica e focalização ampla do objeto da história, recorrendo a atores, ideias, comunicações, públicos, práticas e instituições – um verdadeiro alargamento do que se pode considerar como campo da história da geografia.

2 O segundo número da revista Terra Brasilis, nova série, vem ao público com o objetivo de atender a uma demanda muito recorrente entre os pesquisadores em história da geografia ou do pensamento geográfico: o debate sobre o método desta área de pesquisa. Esta necessidade parte de uma compreensão comum: a história não é apenas uma compilação e reorganização das fontes. Existem tanto procedimentos específicos e técnicos, há muito debatidos, como diferentes abordagens que revelam concepções de histórias, no plural. Seja se se privilegia a longa ou a curta duração, a história social ou econômica, uma concepção interna ou externalista da evolução da ciência, história das ideias ou das práticas, métodos mais orientadamente epistemológicos ou históricos – sem que um polo necessariamente exclua o outro - lidamos com visões de mundo e ideologias que estão presentes em qualquer interpretação dos fatos históricos, levadas à cabo por historiadores da ciência e de suas disciplinas. Este número é contive a este tipo de reflexão.

3 O fato é que a preocupação metodológica dos novos e antigos historiadores é também um exercício crítico e parece querer revelar que tal especificidade reflexiva ajudaria a melhor descortinar novas possibilidades teóricas para a compreensão por parte dos geógrafos das realidades estudadas. Portanto, novas abordagens metodológicas seriam capazes, por outra via, de revelar diferentes geografias do passado, cuja pluralidade das

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 4

narrativas só vêm enriquecer um campo que, ao tempo que amplia suas fronteiras, defende-se da mesma forma de inflexões fragmentárias e alienantes.

4 Foi com esse objetivo que os organizadores do número convidaram os professores e abriram o edital para as contribuições do público. Há, evidentemente, variáveis focalizações sobre o método em diferentes estilos. Alguns artigos privilegiam uma discussão notadamente teórica, enquanto outros oferecem uma discussão em que o empírico ilustra ricamente o caminho feito pelos veteranos da história do pensamento geográfico.

5 No estilo de um viés essencialmente teórico estão os textos de Paul Claval, Bruno Latour, Paloma Puente Lozano, Mariana Lamego e Paulo Godoy. Assim, na seção de artigos, abrimos o número com o artigo de Paul Claval Como construir a história da geografia?. Neste texto, o autor nos apresenta um estado da arte dos métodos empregados nas histórias da geografia, fazendo, também ele, um recuo histórico. Não prescinde, ademais, de traçar um quadro da sua própria concepção sobre o que é o objeto da própria geografia e de algumas correntes filosóficas que influenciaram os geógrafos-historiadores, como é o caso das contribuições de Michel Foucault e Bruno Latour. Destarte, contamos também com a tradução ao português do artigo de Bruno Latour, Valérie November e Eduardo Camacho-Hübner intitulado Entrando em território arriscado: o espaço na era da navegação digital (publicado originalmente em 2010 na revista Environment and Planning D), que, para o deleite comum, invade o nosso território ao abordar categorias como espaço e temas como o da cartografia em conjunto a alguns elementos de um pensamento notoriamente profícuo. Introduz no Brasil, dessa maneira, a discussão contemporânea relacionada à virada relacional e à teoria pós- representacional. Um exemplo da importância da discussão filosófica para o campo da história da geografia.

6 Até então em solo francês, Paulo Godoy traz à luz, em seu artigo denominado A Geografia Histórica e as formas de apreensão do tempo o debate sobre a concepção de tempo na geografia histórica, tendo em vista as historiografias francesas de meados do século XX. Ele manifesta como a longa duração foi responsável pela inovação das abordagens acerca da geografia histórica e como a sinergia entre geografia e história fomentou o enriquecimento de ambas as disciplinas. Tempo e espaço se acoplam na análise da escola dos Annales rompendo com um antigo aporte memorialista e ofertando uma perspectiva estrutural dos acontecimentos.

7 Ainda diversamente da abordagem marcadamente empírica, Paloma Puente Lozano, de Barcelona, nos propõe em Los desplazamientos críticos de la historia de la geografía um balanço das inovações da metodologia da história do pensamento geográfico a partir das perspectivais anglosaxãs. Atravessamos o canal da Mancha. Ela demonstra como a obra Geographical Tradictions, de David Livingstone, é um ponto de bifurcação e ruptura dentro do campo da história da geografia. Reafirmando a necessidade e o diálogo entre geografia histórica e história da geografia, Livingstone e seu viés contextualista inspiram muitos trabalhos e discussões acerca da ideia de tradição (compreendendo aí seu desenvolvimento histórico) e de discurso. Inspirados por essas ideias, alguns autores analisaram a história da disciplina por um viés historicista e filosófico, enquanto outros se focaram na espacialidade das ideias.

8 Dialogando com o balanço de Lozano, Mariana Lamego em Dos propósitos e modos de se escrever histórias. Considerações sobre um velho debate também enfoca o legado deixado por Livingstone mas de uma maneira mais pontual: ela analisa os desdobramentos do

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 5

debate sobre a idéia de tradição geográfica a partir do cinco artigos seminais publicados no Transactions of The Institute of British Geographers. Surgem, assim, autores como David Matless e sua apropriação da genealogia do saber de Michel Foucault, enfocando tanto a análise documental quanto a narrativa; Felix Driver busca uma tradição geográfica mais abrangente, heterogênea e pluralista; Gilian Rose, uma das principais pensadoras do feminismo, destaca a invisibilidade das mulheres na história e na composição da tradição geográfica; por fim, Clives Barnett, que, através de uma problematização mais polêmica, evidencia como os temas da história da geografia seriam inócuos, questionando a importância do entendimento do passado para a compreensão do presente. Ao final, David Livingstone ressurge para afirmar a concatenação entre texto e contexto nos estudos em história do pensamento geográfico. Esses são os autores analisados por Mariana Lamego.

9 Quanto ao estilo predominantemente empírico, são notadamente os casos dos textos de Marie-Claire Robic, Federico Ferretti, Olga Okuneva, Sidney Gonçalves Vieira e Orlando Ribeiro.

10 Em O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900, de Federico Ferretti, o autor nos apresenta a interessante descoberta da importância que tiveram os geógrafos anarquistas na arbitragem do conflito entre o Brasil e a França pela “correta” demarcação da fronteira da . Somado a este ultimo está o texto de Olga Okuneva, Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi inserido em Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606), que descreve o mapa do Brasil de Gastaldi cujas 3 versões ilustram um relato de viajem e mostram os conflitos entre a França e Portugal pelo direito de comercializar com os indígenas. Ambos estão publicados na seção de Documentos, mapas e imagens. A primazia dos contatos com os arquivos vêm reforçar o elemento mais fundamental do método histórico aplicado ao campo da história da geografia: análise criteriosa dos documentos.

11 Ainda no que tange ao estilo metodológico elaborado a partir de análises empíricas está o artigo de Marie-Claire Robic, Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos, uma das responsáveis do Laboratório de Epistemologia e História da Geografia (EHGO) da Universidade Paris 1 (Panthéon Sorbonne), onde podemos verificar a instrumentalização da ideia de rede e de co- produção para contemplar a elaboração dos conhecimentos mundiais, mas especialmente franceses, sobre a multiplicidade do mundo tropical. Nesse sentido, Robic está buscando as relações entre as dimensões nacionais e internacionais, debruçando-se sobre a dinâmica da União geográfica internacional e perpassando vários contextos de diferentes realidades da política mundial.

12 Similarmente, a contribuição de Sidney Gonçalves Vieira, As cidades do Prata: apontamentos para análise da Formação Territorial e Urbana do Extremo Sul do Brasil, é um equilíbrio entre a discussão de novos métodos e uma análise empírica sobre a formação das cidades do Prata, da região Sul do Brasil trazendo ao tema da revista, portanto, a discussão das metodologias na geografia histórica. Ao observar a formação das cidades enquadradas pelo mesmo complexo hidrológico, no período de 1680 a 1828, o autor questiona tanto as abordagens geográficas cuja escala de análise restrinjam-se ao espaço nacional, apontando a importância da análise geohistórica na conformação de regiões e territórios antigos, quanto as historiografias da história econômica.

13 No cruzamento entre os antigos e os novos métodos no campo da geografia histórica, uma vantajosa base de comparação pode vir da leitura do texto de Orlando Ribeiro, O

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 6

sítio e o crescimento de Lisboa, que separamos para a seção de Clássicos e Textos de Referência. As perspectivas que oferecem o contraponto entre estilos antigos e contemporâneos manifestam que a história da geografia tem uma evolução complexa e que em nada pode ser reduzida a uma concepção teleológica de ciência. Aspectos do método do geógrafo português cuja formação primeva se deu no interior da escola francesa, dá vulto ao retorno de aspectos do método da geohistória, apresentadas nas clássicas formulações sobre a localização e evolução histórica da cidade de Lisboa, os aspectos físicos que contribuiriam para a explicação dos fenômenos urbanos bem como sua inserção no espaço mediterrâneo, regional e, similarmente, transnacional.

14 A revista conta ainda com a notícia do professor Manoel Fernandes de Sousa Neto que nos narra, de lá de trás do Tejo, as vicissitudes do VI Colóquio de História do Pensamento Geográfico realizado em Miraflores de la Sierra, Madri, entre 15 a 18 de novembro de 2012.

15 Os textos e autores aqui apresentados reúnem as mais importantes discussões históricas e contemporâneas acerca dos métodos em história da geografia. Seja em incursões verticalizadas ou panorâmicas, o fato é que tal compilação atende a demandas especialistas e didáticas. Surgem dois principais polos originários de discussão acerca dessa temática: França e Reino Unido. Contudo, o debate é vastamente internacionalizado. Não apenas os pesquisadores brasileiros os dominam com maestria e conhecem a aplicação universal dessa gama de conceitos, como estão em condições de propor abordagens que atendam às particularidades da realidade brasileira. O número 2 da revista Terra Brasilis é o exemplo do pioneirismo do ressurgimento do debate metodológico em história da geografia no seio da geografia brasileira.

AUTORES

LARISSA ALVES DE LIRA

(DG/USP)

BRENO VIOTTO PEDROSA

(DG/USP)

DAVID PALACIOS

(DG/USP)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 7

Artigos

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 8

Como construir a história da geografia? ¿Cómo construir la historia de la geografía? Comment construit-on l’histoire de la géographie ? How to build up the history of geography?

Paul Claval Tradução : Larissa Alves de Lira e Breno Viotto Pedrosa

NOTA DO EDITOR

A presente é a tradução ao português do artigo publicado neste mesmo número como Comment construit-on l’histoire de la géographie ?

La presente es la traducción al portugués del artículo publicado en este mismo número como Comment construit-on l’histoire de la géographie ?

Cet article est la traduction en Portugaise de l’article publié dans cette même numéro sous le titre Comment construit-on l’histoire de la géographie ?

This is the Portuguese translation of the paper published in this same issue as Comment construit-on l’histoire de la géographie ?

1. Para afirmar a sua existência, todo o grupo experimenta a necessidade de contar a sua história

1 Todo o grupo tem a tendência de dotar-se de uma história: ela prova sua existência, lhe confere uma identidade e dá um sentido à ação que ele conduz. Esta história toma a forma de um discurso, de um grande relato, de uma narração.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 9

2 Os coletivos de pesquisadores são, desse ponto de vista, semelhante aos outros: eles têm a necessidade de ressaltar o significado dos trabalhos que levam à cabo. O problema é que as narrações que lhe dão especificidade não têm todas o mesmo rigor, a mesma coerência. Em muitos dos casos, ela se mantém oral; anedotas, que ressaltam o avanço da ação de um mestre ou de uma linha de pesquisadores, a originalidade das abordagens mobilizadas, a importância dos resultados obtidos, que circulam entre eles. Cada grupo constrói sua própria lenda.

3 No tempo em que eu fiz meus estudos, a história da geografia não era ensinada. Aquela que nos pertencia mais ou menos conscientemente resultava de breves indicações que nós recolhíamos nos cursos dos professores, daquilo que os estudantes de gerações que nos precediam diziam, ou os assistentes, que nos contavam às orelhas, e daquilo que nos relatavam todos os anos o participante toulousiano na excursão inter-universitária. Nós nos inscrevíamos na tradição francesa, cujo fundador era Vidal de la Blache - mas nenhum de nós jamais havíamos o lido. A maneira de conceber e praticar a geografia que nos era transmitida repousava sobre a prática do trabalho de campo, mas em uma perspectiva que devia tanto ao escotismo quanto ao trabalho científico! Ela exaltava a análise regional. Ela preconizava a beleza do meio físico, das formas de relevo e do clima, porque se pensava encontrar lá os componentes essenciais da explicação da distribuição dos homens.

4 As tradições orais são perigosas porque elas são ao mesmo tempo uma parte do todo (elas retém apenas uma fração da realidade) e parciais (que valorizam o significado de uma abordagem ou perspectiva particular, e negligencia as demais).

5 Eu me lembro de meu espanto – e encantamento - em 1960-1961, quando preparava em Besançon meu primeiro curso sobre a história da geografia (ele estava destinado a fazer com que os estudantes que não haviam feito ainda a escolha de sua especialização conhecessem a disciplina): aquilo que eu lia não correspondia quase nunca com aquilo que a tradição oral me havia transmitido!

2. Passar da tradição oral para o discurso científico supõem que o campo que o delimita seja claramente definido.

6 Para aqueles que querem construir uma história coerente e ‘científica’ da geografia, o problema é, portanto, evitar, de início, a arbitrariedade das tradições orais. Isso supõem que seja precisado o campo histórico que se deseja cobrir: o assunto é infinitamente complexo.

7 Irá se ligar à evolução das práticas, dos saber-fazer e dos saberes geográficos vernaculares indispensáveis à todos para (i) se localizar e se orientar, (ii) para compreender os meios naturais aos quais são confrontados e a maneira de o explorar, (iii) para traçar o inventario dos ligações que os grupos humanos tecem na superfície da terra e descobrir a melhor maneira de lá se orientar e se entreter e (iv) para dar um sentido à sua existência e àquela dos grupos em que faz parte (Claval, 2012)?

8 Irá pender para os conhecimentos geográficos que as sociedades históricas desenvolveram, sobre as maneiras que elas resolviam os problemas de orientação e localização, a valorização dos meios e a estruturação das relações sociais? Irá se ligar aos inventários e aos recenseamentos e as cartas que as autoridades faziam para

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 10

manter e assegurar o poder? Irá deter-se às análises do espaço e às regras relativas à sua organização que se difundiam para justificar a ordem que as reinavam? Ou irá se interessar, em outro domínio, pelos relatos de viagem e às descrições dos lugares estrangeiros que correspondiam à curiosidade do público (Claval, 2001a)?

9 Irá se consagrar exclusivamente à construção dos conhecimentos científicos que rompem deliberadamente com a literatura mais ou menos empírica já consagrada ao problema? Do que resulta, então, a mutação da passagem dos saberes vulgares a um tipo de conhecimento superior? Qual parte lhe cabe, na elaboração dos mesmos, às práticas e ao saber-fazer que lhe precederam (Claval, 2001a)?

10 O campo de trabalhos da história da geografia é largo. Eu pessoalmente escolhi e me interessei propriamente à história da geografia humana (Claval, 1976, 1984, 2006): ela se constitui no terceiro terço do século XIX. Tudo que lhe precede aparece então como uma forma de préhistória, que deve ser explorada, mas que não pode explicar o que caracteriza verdadeiramente a disciplina de hoje. Outros, frequentemente inspirados por Michel Foucault, concebem a geografia como uma disciplina do olhar apoiada sobre a carta: tal como Geraoid O’Thuatail (1996), eles a apreendem como uma ferramenta de vigilância e de dominação mobilizada pelos Estados para realizar seus objetivos estratégicos. A história da geografia assim traçada coincide então com a dos procedimentos modernos de levantamento topográfico e de representação, ela começa na Renascença e mostra sobre quais ferramentas é construído o imperialismo ocidental.

11 David Livingstone (1992) sublinha por sua parte a diversidade das preocupações dos geógrafos do passado, frequentemente tão preocupados com a astrologia quanto com a diversidade da superfície terrestre. Esse ecumenismo é inocente? Não, pois ele permite à David Livingstone, de reter, como tradição significante, a primeira tradição que lhe aparece verdadeiramente séria e que é desenvolvida pela Europa protestante a partir da Renascença.

12 A construção de uma geografia científica implica assim um olhar crítico sobre os saberes que ela escolhe tratar e sobre o período em que eles são elaborados. A construção de uma história da geografia depende sempre da perspectiva que ela retém, pois esta influencia as pistas que explora aquele que a escreve e as escolhas aos quais ele procede.

3. A construção da história de um desenvolvimento científico repousa sobre a tomada de consciência (i) da dimensão individual, biográfica, da pesquisa, (ii) do contexto onde ela se desenvolve e (iii) da lógica das idéias que ela coloca evidência. Ela implica também (iv) que sejamos conscientes das leituras ideológicas que se pode fazer de todo discurso.

13 Para aquele que traça a história da geografia como saber científico, algumas evidências se impõem, como lembra David Livingstone (2009): (i) a disciplina é construída pelos homens, de onde convém conhecer as suas ferramentas mentais, compreender as motivações, cercar as ambições e reconstituir a carreira: a dimensão biográfica é essencial; (ii) os pesquisadores não são isolados; suas obras não podem ser

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 11

compreendidas se fizermos abstração do contexto na qual elas se desenvolvem, se não precisemos a maneira cuja geografia é organizada na sociedade na qual eles vivem, e se nós ignorarmos os suportes intelectuais (academias, sociedades de geografia, serviços cartográficos, hidrográficos, estatísticos, etc) do qual eles dispõem.

14 As aproximações contextuais, que são reafirmadas desde uma quarentena de anos, têm enriquecido consideravelmente as temáticas abordadas; (iii) se interessar pela história da geografia, é, evidentemente, assinalar as ideais que ela mobiliza, traçar as suas gêneses, demonstrar a lógica interna e analisar a maneira como elas se organizam na evolução da disciplina; não saberíamos, como se fazia muito frequentemente antigamente, reduzir a história da geografia à das idéias que a dominam, mas este domínio se mantém como fundamental. (iv) Uma quarta consideração deve sempre levar em consideração que, qualquer que seja o tema abordado, uma história se apresenta sempre como uma narração, um discurso; mesmo se aqueles que a elaboram ensaiam de limitar a parte da livre criatividade e da imaginação, eles preenchem frequentemente seu texto de significações que vão para além daquilo que trazem suas fontes; se assim não o procedem, são seus leitores que enchem suas publicações de interpretações que não estão implicitamente incluídas. Todo discurso científico pode dar lugar a distorções ideológicas. Isso é mais particularmente verdadeiro nas ciências do homem e da sociedade (Claval, 1980).

15 A tomada de consciência das leituras ideológicas das histórias da geografia, constitui uma outra aquisição recente da história das ciências – mesmo sabendo que as vezes a redação de um relato científico responde, desde Francis Bacon, às regras que tem precisamente por objetivo de limitar esses desvios (é necessário evitar de utilizar as palavras da tribo!).

4. A geografia repousa sobre a elaboração de sistemas de informações geográficos.

16 As práticas, o saber-fazer e os conhecimentos geográficos tratam da distribuição das realidades naturais, das iniciativas humanas e dos artefatos que resultam dessas iniciativas na superfície terrestre. Para serem facilmente transmissíveis e tornarem-se realmente úteis, o conjunto dos elementos assim reunidos devem estar dispostos sobre uma grade [grille] de localização clara e facilmente legível: ela constitui aquilo que nós chamamos de sistema de informações geográficas (Claval, 2001a). Esse pode ser puramente verbal: cada ponto, cada elemento da superfície terrestre, é designado por uma toponímia, uma oronímia, um hidronímia, regionímia etc. Sua localização é relativa e se faz por comparação: o campo de X é limitado ao Norte pela pradaria de Y, à leste pela vinha de Z, ao Sul pelo pomar de P ,etc.

17 Esses sistemas verbais de informação geográficas são progressivamente substituídos por sistemas cuja base é cartográfica; os elementos são localizados em função de suas coordenadas. Os dados são retidos para definir cada ponto ou cada elemento da superfície, que são cada vez mais cifrados.

18 A história da geografia depende desses sistemas de informações geográficas que dispõem os pesquisadores. A criação desses sistemas demanda tanto trabalho e um custo tão elevado que não são obra individual e excedem muito os meios de que dispõem as instituições acadêmicas. Eles são financiados pelos Estados para assessorar a

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 12

cobrança de impostos sobre bases justas (é o caso dos cadastros), para orientar suas políticas ou para responder às suas preocupações estratégicas (pensamos nos planos de relevo dos militares dos séculos XVII e XVIII, nas cartas dos Estados maiores, aos dados aéreos e de satélites, etc).

19 A qualidade dos sistemas de informações geográficas depende da natureza dessas coordenadas (verbais ou cartográficas) sobe aos quais elas repousam, sobre as técnicas de levantamento dos quais são obra (enquetes, observações de terreno, teledetecção) e sobre os meios de estocagem e de tratamento das informações que eles mobilizam (procedimentos mnemônicos, inventários sobre papel, dados mecanográficos, ferramentas informatizadas).

20 À medida que a história da geografia reflete sobre esses sistemas de informações geográficas que os pesquisadores podem mobilizar, enriquecer ou criar, ela é intimamente ligada às burocracias levadas à cabo pelos Estados e pelas empresas modernas. Os geógrafos não vivem jamais em uma torre de marfim.

5. A geografia é um métier; a pesquisa que ela suscita se aplica a um campo e mobiliza um corpus; ela se exerce sobre um terreno.

21 Para definir aquilo que caracterizava a história tal como era praticada, Marc Bloch (1949) falava de um métier do historiador. Walter Freeman, um dos pioneiros da história da geografia nos anos de 1950 e 1960, faz eco a esse pensamento quando publica The Geographers’s Craft em 1967.

22 Traçar a história da geografia tal como ela se desenrolou desde o fim do século XIX, não é somente contar a história da carreira e das pesquisas de um certo número de indivíduos: é sublinhar a formação que eles receberam, os saber-fazer que eles assimilaram, as práticas dos quais eles se impregnaram, é relembrar que suas atividades se inscreviam dentro de um métier - o dos geógrafos universitários.

23 Aqueles que se diziam dos geógrafos no curso dos períodos precedentes não tinham o mesmo background – a parte de seu métier que eles deviam à sua formação de topógrafo ou hidrógrafo era geralmente mais forte. Desde uma geração, as condições evoluíram notavelmente: a pesquisa geográfica é cada vez mais levada à cabo em laboratórios e em outras instituições especializadas. O geógrafo não trabalha mais da mesma maneira. Ele faz parte, frequentemente, de uma equipe pluridisciplinar. Isso modifica suas perspectivas: sua preocupação não é de dobrar-se à lógica própria da explicação geográfica, mas de contribuir eficazmente na solução de problemas abordados por especialistas de várias formações.

24 Ter um métier é ter adquirido um certo número de atitudes e práticas, assimilado um certo número de saber-fazer, acumulado uma certa quantidade de conhecimentos, afim de analisar diferentes situações, de atacar problemas e lhes criar soluções. É partilhar com outros saberes e saber-fazer que lhe foram ensinados e que se apreende progressivamente ao tratar de problemas reais. O métier consiste acima de tudo na maneira de abordar questões de maneira que estes sejam resolvidos, com conhecimentos propriamente ditos. Ter um métier é ter acrescentado àquilo que vem da aprendizagem aquilo que resulta da experiência prática, e que concerne

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 13

frequentemente em dificuldades cujas soluções não se revelam numa primeira observação.

25 Ter um métier implica que nós dominemos as perspectivas, os métodos e as técnicas que são necessárias quando se trabalha em um certo campo. Em geografia, o pesquisador deve conhecer os sistemas de informações geográficos que existem e dominar sua base cartográfica; ele deve ter uma ideia clara das forças e dos processos a se trabalhar em seu domínio de investigação - em se tratando de geografia econômica, de geografia social, de geografia política, de geografia regional, etc.

26 O pesquisador é movido pela curiosidade, mas se esta é seu único azimute, ele se dispersa. Isto o impede de ir ao essencial, de assinalar os problemas que se põem verdadeiramente e de encontrar o ângulo sob o qual convém atacar o problema: nessas condições, o trabalho avança muito pouco. O pesquisador tem então interesse em circunscrever o ou os problemas abordados: ele retém somente então os problemas que lhe parecem úteis para responder as questões que ele se coloca. Ele trabalha sobre um corpus atenciosamente definido.

27 A pesquisa geográfica tem como alvo o espaço. O corpus que delimita o geógrafo, e que ele analisa em todos os aspectos, tem a particularidade de se apresentar bastante comumente como um terreno, onde convém explorar todas as suas especificidades. Um jovem doutorando em geografia se distingue de homólogos em história, em ciências econômicas, em sociologia ou em ciências políticas porque seu corpus não se apresenta como um conjunto de arquivos, de textos antigos ou contemporâneos, de estatísticas, de sondagens ou de enquetes: ele é um pedaço da superfície terrestre sobre o qual estão dispostos os dados, mas que convém completar com observações e entrevistas. O arqueólogo e o etnólogo são igualmente homens de terreno, mas os espaços que eles tratam são de natureza diferente: eles são descontínuos, quase pontuais, para aqueles que se interessam nas ruínas e restos arqueológicos; para os etnólogos, eles se localizam essencialmente no universo das relações e das representações sociais.

28 Nem todo pesquisador de geografia faz pesquisa de terreno. No mundo anglófono, onde muitos dos trabalhos se dedicam em colocar em evidência as regularidades ou as verificações empíricas dos resultados teóricos, a matéria é frequentemente estatística, como para os economistas. Na França, onde a tradição regional se mantém forte, o terreno continua a aparecer como uma característica maior do trabalho de pesquisa.

29 Caracterizar a pesquisa geográfica como um métier, que permite desenvolver competências especiais em certos campos, sublinhar como um bom recorte do projeto conduz o geógrafo a um corpus que fixa os limites racionais ao trabalho exigido, e mostrar como, em muitos dos casos, isto leva o geógrafo a trabalhar sobre um terreno específico, é colocar em evidência os contornos de uma certa sociologia da pesquisa.

6. A história da geografia traça uma evolução; esta pode tomar muitas formas.

30 Recontar o desenvolvimento de uma ciência é reconstituir um movimento. Esse nasce da acumulação de resultados, do refinamento de interpretações cada vez mais seguras e mais notáveis. O trajeto que percorre a geografia, dessa forma, pode tomar uma forma linear e contínua: trata-se do esquema mais simples, esse que prevaleceu por longo período. Outras interpretações são hoje preferidas: elas colocam acento sobre a

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 14

pluralidade dos impulsos aos quais os avanços estão submetidos, precisam as descontinuidades ou inflexões que estes conhecem, ou cerceiam de maneira mais precisa os movimentos intelectuais que progridem, se retraem e se transformam se difundindo no conjunto de uma sociedade.

6.1. As trajetórias lineares

31 O primeiro esquema de interpretação que propõem os historiadores da geografia é frequentemente linear: com o tempo, os conhecimentos se acumulam, os saberes se consolidam e se estruturam de maneira mais coerente.

32 O propósito da história da geografia foi durante muito tempo o de tentar mostrar as etapas da “descoberta” da Terra (Claval, 2006). O termo não corresponde exatamente aquilo que estava em jogo: a América não foi “descoberta” por Cristóvão Colombo, mas pelos primeiros ameríndios vindos do Nordeste da Ásia alguns mil anos antes! A primeira travessia do Atlântico traz outra coisa: a possibilidade de inscrever, no conjunto de pontos de referências potencialmente universais que a geografia grega havia imaginado, lugares que até então não haviam sido reconhecidos. Desse ponto de vista, a disciplina se desenvolve de maneira contínua, no ritmo das explorações que conduzem os viajantes ocidentais à cartografar o conjunto das costas do mundo a partir do século XVI, à fazer o levantamento da totalidade da América do Norte e do Sul desde o século XVI até a metade do século XIX, à penetrar na África e nas profundezas da Ásia no decorrer do século XIX, e a explorar as regiões polares por inteiro no começo do século XX.

33 É interessante saber como as coordenadas de localização imaginada pelos gregos tornaram-se efetivamente universal, mas este relato se presta facilmente à interpretações ideológicas - que geralmente prevaleceram: no lugar de falar na integração progressiva dos lugares na grade geral de localizações, fala-se da descoberta progressiva da terra pelos povos ocidentais! A história da geografia torna-se então uma reprodução da história do imperialismo europeu - que ela justifica em parte.

34 A geografia muda de ambição entre o final do século XVIII e o início do século XIX: ela não se contenta em integrar os conjuntos dos lugares conhecidos na grade de localização imaginada no curso da Antiguidade. Ela busca compreender as dinâmicas que moldam os meios naturais - movimentos tectônicos, erosão, climas - e que estruturam as sociedades humanas - produção primária, troca, hierarquização das relações sociais, etc. Aí também, o desenvolvimento é inicialmente concebido segundo o modelo cumulativo e linear: os conhecimentos se ligam uns aos outros; a geografia resulta de um processo de acreção e agregação. As abordagens positivistas adotam este modelo. Sua insuficiência aparece na metade do século XX. Muitos outros modelos são então imaginados para lhe substituir.

6.2. Círculos de afinidades e pluralidade das impulsões [impulsions]1

35 Para analisar esses novos esquemas, podemos partir dos termos utilizados para colocar em evidência as dinâmicas da disciplina: segundo o caso, fala-se de círculos de afinidades, rupturas epistemológicas, de virada cultural.

36 No fim do século XIX, a geografia não era ainda uma disciplina essencialmente universitária. Vincent Berdoulay (1981) a descreve como estruturada em grupos unidos

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 15

por curiosidades partilhadas: estes são os círculos de afinidades. Eles se apóiam sobre instituições; uma publicação frequentemente confedera seus esforços.

37 6.2.1. Um primeiro círculo de afinidades se estrutura em torno da Sociedade de Geografia de Paris e se liga aos inventários terrestres que são levados à cabo pelas explorações. Sua ligação com o mundo político e com alguns grupos comerciais é assegurada pela presença, no seio do comitê executivo, de generais, representantes da aristocracia ou de membros do governo central. O Bulletin de la Societé de Géographie, tornado em 1900 La Géographie serve de início para publicar as notas de exploração sendo que o leque de temas abordados se alarga no início do século XX.

38 6.2.2. Os especialistas em geografia histórica formam um segundo grupo. Igualmente ligado à Sociedade de Geografia. Himly, titular da cadeira de geografia da Sorbonne até 1898, se constitui como o representante mais eminente. O Bulletin de géographie historique et descriptive do ‘Comitê de trabalhos históricos e científicos’ dá uma ideia dos temas dominantes deste círculo, e se constitui como o meio de expressão privilegiado.

39 6.2.3. Entre 1870 e 1900, Ludovic Drapeyron joga um papel importante na cena geográfica. Esse professor de colégio apaixona-se pelo ensino da topografia, que ele julga indispensável para a formação de cidadãos, de forma que eles conhecessem seu país e para que fossem capazes de participar de operações militares sob o terreno. A Revue de géographie, que ele funda em 1877, lhe assegura o apoio de alguns grandes personagens da época, como Ferdinand de Lesseps.

40 6.2.4. Emile Levasseur tem uma outra dimensão: historiador, pioneiro da história econômica e social, estatístico, demógrafo, geógrafo, ele procura nas ciências sociais as respostas para as necessidades de uma sociedade que se moderniza rapidamente. Graças a ele, a geografia está em contato com os economistas da época. Ele se interessa por alguns alunos de Le Play, que editam a Réforme Sociale.

41 6.2.5. Entre os discípulos de Le Play, o pequeno grupo de La science sociale, girando em torno de Edouard Demolins, o abade Henri de Tourville e de Paul de Rouziers, se ligam mais particularmente ao papel dos lugares, de forma que a sociologia que eles escrevem é geográfica: eles falam de geografia social antes mesmo que expressão geografia humana fosse inventada.

42 6.2.6. O círculo de afinidades que Vidal de la Blache domina é estruturado em torno da instituição onde ele ensinou por longo tempo, a Escola Normal Superior, e dos Annales de Géographie, que ele lança em 1891. Recrutados entre os normalianos, os integrantes foram um grupo, no fim do século XIX, muito jovem e dinâmico. Ele se apóia nos modelos alemães: o círculo de Carl Ritter e Friedrich Ratzel. Ele é aberto aos trabalhos de inspiração histórica, pré-história e a geologia. A preocupação patriótica é presente, mas que visam mais a desenvolver as aptitudes da França do que assegurar a promoção do Império.

43 O quadro desenhado por Vincent Berdoulay, que traça círculos de afinidades no seio do qual a geografia se elabora em fins do século XIX, é muito rico (Berdoulay, 1981). Nesse contexto, pode-se observar o papel que tinham os jovens editores: Emile Templier, genro do fundador das Edições Hachette, responsável pelos guias Joanne, encontra muito cedo Elisée Reclus. Quando este está no exílio, depois da Comuna, Templier lhe confia a redação de 19 volumes da Nouvelle Géographie Universelle. Ele oferece a Reclus os meios que lhe permitem de fazer contato, para cada volume, com os melhores especialistas de cada país tratado. Curiosa rede, na verdade, financiada por uma

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 16

empresa capitalista dinâmica e que mistura anarquistas aos membros mais prestigiosos das Academias Científicas e das Sociedades de Geografia de todo o mundo!

44 Os círculos de afinidades estão em movimento. O quadro que pinta Vincent Berdoulay vale sobretudo para os anos de 1880 e 1890. Com o tempo, certos grupos se distinguem; é caso dos vidalianos, como mostrou Olivier Soubeyran (1997). Outros círculos se formam. O da morfologia social é particularmente importante: nos idos dos 1900, os mais brilhantes dos normalianos, seduzidos pelos ensinamentos de Emile Durkheim, se voltam para a sociologia, reduzindo assim o número de alunos que optam pela geografia.

45 A ideia de círculo de afinidades é fecunda na medida em que ela mostra que a história das ideias não se desenvolve de maneira linear. Ela coloca em evidência a diversidade das impulsões e dos projetos que coabitam e se influenciam: ao mesmo tempo, ela coloca acento sobre os debates políticos e os interesses econômicos do momento.

46 O modelo perde uma parte de sua utilidade quando a disciplina logra se institucionalizar, em torno de 1900, e torna-se essencialmente universitária. Ele poderia, no entanto, ser aplicado a outras épocas: seria interessante conhecer os círculos de afinidades marxistas, esquerdistas ou liberais dos anos de 1950 e 1960, mas o trabalho ainda não foi levado a cabo por ninguém. São outras lógicas que serão mobilizadas.

6.3. A ideia de escola

47 A partir do momento em que a geografia se institucionaliza, é frequente a recorrer à ideia de escola para pensar o seu desenvolvimento: de saída, existe uma impulsão dada pelo gênio fundador; o movimento toma em seguida uma forma linear e contínua. O modelo é sobretudo utilizado para o fim do século XIX e início do XX, um momento onde a geografia torna-se uma disciplina acadêmica em um mundo universitário que é então fortemente hierarquizado (Claval, 1984; 2001 b); ele apresenta menos interesse para o período contemporâneo.

48 É na França que este modelo parece melhor adaptável: os professores das universidades alemães tem mais recursos, mais poder, porém o ensino superior é menos centralizado que na França. Cada orientador envolve-se com doutorandos e doutores, aos quais ele transmite e impõe suas maneiras de ver, mas nenhum mestre domina institucionalmente a cena geográfica alemã. Isso criou uma atmosfera de livre discussão, que rende ainda debates apaixonados sobre as metodologias alemãs do final do século XIX e início do XX, o Methodenstreiten em particular.

49 A situação francesa é diferente: todas as teses são defendidas, de início, na Sorbonne. De 1898 até 1910, Vidal de la Blache orienta quase todas as teses. Sua autoridade é reforçada pela sua presença no Comitê Consultivo das Universidades. Daí a ideia - que não encaixa-se com sua personalidade e com sua correspondência - que ele era uma espécie de ditador da geografia francesa e que teria se desviados dos problemas do momento. Essa é a tese de Yves Lacoste (1976) quando ele publica La Géographie, ça sert surtout à faire la guerre! Ele renuncia a essa interpretação depois de ter lido La France de l’Est – enquanto que Jacques Lévy continua a ver em Vidal o grande responsável de todas as fraquezas e derivas da geografia francesa! Muitos professores de colégios e de liceus permaneceram fiéis a essa visão caricatural.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 17

50 O modelo de escola é desinteressante? Não! Fala-se, na primeira metade do século XX da escola francesa, escola alemã e de duas escolas americanas, uma do Meio-Oeste e outra de Berkeley. Não é o sinal que esse modelo dá conta de algumas das especificidades da disciplina?

51 A ideia de uma única coerência ligada à autoridade de um mestre ou à importância das instituições nacionais não é convincente. A escola vidaliana não nasce da vontade de dominação de Vidal de la Blache e de sua posição institucional; ela é construída por seus discípulos. As ideias do Mestre não cessam de se aprimorar e de se estruturar segundo novas perspectivas: mas aquilo que se tornou difundido se inspira sobre os temas que expunha Vidal no momento que ele ministrava seus cursos; eles não se dão o trabalho de seguir a evolução da geografia do mestre. Lucien Gallois, que joga um papel essencial nessa construção, mantém-se ligado a idéia de região natural, que Vidal introduz nos anos de 1880. Ele diminui o lugar que seu mestre dá à construção histórica da região, essencial no Tableau de la géographie de la France (Vidal e la Blache, 1903) e condena, em Régions Naturelle et noms de pays (Gallois, 1909), as pesquisas sobre as regiões industriais e urbanas, que se constituem como o aporte mais original de Vidal a partir de 1905. Os doutorandos, intimidados por Vidal, consultam Lucien Gallois antes de encontrar o mestre. Gallois aproveita para insistir no seu interesse pelos temas regionais . No entanto, sua correspondência com Jean Brunhes, Vidal mostra-se aberto a outros tipos de pesquisa: a única vantagem que ele concede à tese regional vem do fato que o candidato apareça, no dia da defesa, como o único verdadeiro especialista do tema tratado, o que o coloca em posição de força!2

52 As escolas não nascem, portanto, automaticamente da autoridade intelectual e institucional de um mestre. Que elas sejam dominadas por uma personalidade forte, isso é certo, mas não é sempre o caso. Se a escola de Berkeley estrutura-se ao redor de Carl Sauer, a escola do Meio-Oeste não se constrói ao redor de um nome.

53 Então, trata-se do seguinte problema: o que faz com que em alguns momentos os geógrafos reclamem uma concepção particular da geografia, de seu desenvolvimento, de seus métodos, no lugar de destacar o caráter universal das abordagens utilizadas? A resposta: trata-se do impasse epistemológico ao qual a geografia humana se encontra desde Ratzel: concebida como uma ecologia do homem, como um estudo das relações entre os grupos humanos e o meio, ela postula a princípio que é o meio que modela as sociedades humanas: mas esta posição parece imediatamente indefensável. Quando é necessário dar mais lugar à iniciativa humana, e enquanto o problema permanece proposto em termos das relações homem/meio, ele não comporta uma solução geral. Na França, onde a perspectiva possibilista tem maior espaço, coloca-se ênfase na formação da densidade e na organização regional [para conferir maior espaço ao homem, nota dos tradutores]. Na Alemanha, escolheu-se um enfoque através da paisagem, pois ela engloba de uma só vez o quadro ambiental e a presença humana; ela dá lugar igualmente a idéia de região (devido à dupla significação da palavra Landschaft em alemão). Nos Estados Unidos, os geógrafos do Meio-Oeste tentam tirar a geografia desse impasse reforçando seu rigor metodológico. Carl Sauer é próximo dos alemães pela ênfase que confere à paisagem, mas ele a interpreta de maneira original, uma vez que, para ele, o ambiente vegetal e animal das sociedades humanas é uma criação em parte voluntária do homem e em parte involuntária (pela proliferação de ervas daninhas, por exemplo).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 18

54 Houve uma época das “escolas de geografia”: é essa que surge com o nascimento da geografia humana até o aprofundamento da reflexão sobre seus fundamentos, depois da Segunda Guerra; a partir de então vemos o momento em que a geografia humana mostra-se incapaz de propor uma interpretação geral e coerente da realidade que ela analisa.

6.4. A ideia de ruptura: paradigmas e revoluções científicas

55 A história da geografia não é um longo rio tranquilo cujas águas não cessam de se avolumar. Ela é feita de descontinuidades - para a geografia humana, por exemplo, a primeira delas ocorre primeiramente nos anos 1880-1900, quando a disciplina emerge na Alemanha e depois na França.

56 Como abordar esses períodos de ruptura? Eu me encontrei diante desse problema enquanto redigi o Ensaio sobre a evolução da geografia humana em 1962-1963 (Claval, 1964). Dos anos de 1880 até os de 1950, o movimento da disciplina se inscreve em uma mesma lógica: para qualificar esse período, eu chamei de ‘geografia clássica’. Não é um período de estagnação: a disciplina não cessa de aumentar seu campo, o estudo dos estabelecimentos humanos, no seu estágio inicial, se distingue doravante daquilo que se vê nos campos e o que se tratou sobre as cidades. A geografia econômica, mais antiga que a geografia humana, se desenvolve. A geografia política conhece um sucesso considerável, que se completa com o da geopolítica. Os trabalhos de geografia histórica se multiplicam. Em duas gerações, o panorama da disciplina mudou completamente, mas sem que os problemas que ela se colocava (o lugar da influência do meio sobre o homem) e as soluções que ela imagina (o possibilismo, sob todas suas formas e ambiguidades) tenham se modificado.

57 O que se delineia nos anos 1950 é diferente. A ênfase deixa de ser colocada na análise regional; os geógrafos não se contentam mais em destacar a singularidade dos lugares; eles ensaiam de explicar as regularidades que os lugares frequentemente manifestam. Espera-se também que a geografia contribua ao desenvolvimento econômico: os saberes que ela propõe devem ser portanto aplicáveis. Para se chegar a isso, os pesquisadores debruçam-se sobre economia espacial. Como o conjunto da análise econômica, ela repousa na ideia que o mundo é modelado pelas decisões humanas, que são, no seu conjunto, racionais, mas que se combinam com mecanismos, cujos efeitos são comumente inesperados.

58 Eu creio ter sido o primeiro a apresentar uma interpretação da história da geografia contemporânea que repousava sobre uma ruptura. Mas, na minha interpretação, esta ruptura não estava completa: tanto em Ratzel como em Vidal de Blache, a geografia repousava sob duas bases. Ela analisava as relações dos grupos humanos com os meios (tratava-se de relações ‘verticais’, locais, comumente) e a circulação (que corresponde aos laços ‘horizontais’). Esse segundo aspecto tinha sido negligenciado, como sublinharam os grandes iniciadores da modernização da disciplina: Jean Gottmann (1947; 1952) na França, e Edward Ullman (1953), nos Estados Unidos. Para mim, portanto, a ruptura resultava mais de uma retomada, de um campo negligenciado, do que de introdução de perspectivas radicalmente novas.

59 A interpretação dessa evolução nos Estados Unidos é diferente. É o conjunto do desenvolvimento disciplinar que é colocado em causa por Fred K. Schaefer (1953). Ele se lança violentamente contra a aproximação regional que Richard Hartshorne (1939)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 19

tornou essencial na geografia. Antes de sair da Áustria e de emigrar para os Estados Unidos, Schaefer teve contato com as ideias do círculo de Viena e com o neopositivismo lógico. É, portanto, em termos de epistemologia geral que o problema da geografia é colocado a partir de então, mais do que em termos de epistemologia disciplinar - eu penso, pessoalmente, que nós devíamos dar mais atenção aos debates epistemológicos gerais, mas que devemos tomar cuidado para não importá-los sem precaução, sob pena de criar falsos problemas.

60 William Bunge retoma a tese de Schaefer e faz da ideia de uma ruptura total com a geografia tradicional a base de sua obra Theoretical Geography (1962). A disciplina é uma verdadeira ciência, próxima da geometria, uma vez que ela trata dos fatos de localização e da superfície: é uma ciência nomotética: ela estabelece leis. Não é uma disciplina ideográfica, ou seja, preocupada com singularidades locais.

61 A publicação, quase contemporânea a esses autores, de A estrutura das revoluções científica de Thomas Kuhn (1962) garante o sucesso dessa interpretação. Sabe-se, desde dos anos 1930, que a Razão científica não nasceu subitamente. Ela se construiu progressivamente. Alexandre Koyré destaca a importância da revolução galiniense. A questão da ótica ondulatória e o nascimento da óptica corposcular conduz, nos anos de 1920, a uma transformação também muito importante. A ciência progride de paradigma em paradigma (um modo reconhecido de explicação) através das revoluções científicas. A geografia de ontem é uma disciplina de observação ancorada no destacamento das singularidades. A nova geografia renunciava o excepcionalismo até então dominante: ela coloca em evidência nas regularidades, que explica por hipóteses sujeitas à verificação empírica – daí a importância dos métodos quantitativos, colocados em evidência nesse momento. Explanation in Geography publicado por David Harvey em 1969, destaca que a Nova Geografia está no meio-fio de uma epistemologia neopositivista que estava então na moda.

62 As consequências das ideias de Kuhn se manifestam rapidamente. Existem duas categorias de pesquisadores: aqueles que acumulam os resultados sem se preocupar em atualizar sistematicamente a sua explicação, e aqueles que compreendem rapidamente as distâncias entre as mensurações esperadas e os dados reais, colocando em questão o paradigma dominante, e se empenhando em inventar outros. Para os segundos, as honras, a glória! A consequência? As revoluções científicas se multiplicam. No lugar de se suceder de uma em três séculos, como na física, na geografia, a história é contada como se sucedessem duas ou três revoluções em uma década! Isso é sério?

6.5. Da ideia de revolução científica para a ideia de “virada”

63 Para tratar da evolução da geografia nos últimos quarenta anos, quase não se faz mais recurso da idéia de revolução científica. Ela se adapta mal às realidades observadas nas ciências do homem e da sociedade. Com isso não se quer dizer que não existam descontinuidades, mas que elas são de outra natureza: os termos empregados explicam essa mudança, uma vez que, na segunda metade dos anos 1980, fala-se de uma virada espacial das ciências sociais e de uma virada linguística da história, antes de se mostrar que a geografia atravessa por uma virada cultural. A expressão aparece no final dos anos 1990 (Cooke et al., 2000; Valentine, 2001), e define o conjunto das mudanças que a disciplina conhece desde os anos de 1970.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 20

64 As descontinuidades que ora se qualificam como de revolução científica ora de virada (linguística, espacial, cultural...) não são da mesma natureza. A revolução científica nasce de uma revisão dos princípios e dos mecanismos sob os quais repousavam até então a explicação geral: vai-se mais fundo na lógica dos fatos que se estuda, o que permite colocar em evidência mecanismos até então ignorados. A virada cultural não resulta do mesmo processo; ela não nasce de um aprofundamento do conhecimento do real, mas de uma mudança da perspectiva que se adota para o estudar. E a virada espacial das ciências sociais? Ela surge de uma constatação: os sociólogos e muitos outros especialistas em ciências sociais consideraram por um longo período que o tempo constituía a variável essencial para se compreender as realidades sociais, o que os conduzia a uma redução do papel do espaço. Com o fim das filosofias da história e a crítica à ideia de progresso, parou-se de crer que tudo podia ser interpretado em termos de evolução. Daí o novo interesse pelos lugares e pelo espaço!

65 E a virada linguística da história? Também é o resultado de uma mudança de perspectiva. Os historiadores supunham que numa época dada, a mesma lógica estava agindo em todas as camadas da sociedade. Isso foi posto em dúvida: para que se queira compreender a história da Índia colonial, não podia-se contentar com os óculos que o colonizador britânico os impôs, há um século e meio, para aqueles que a analisam. Deve-se também prestar atenção na “massa” da população - nos grupos ‘subalternos’ (Chatterjee et al., 2000) e sua maneira de viver, de pensar e de expressar essa experiência: daí a importância da virada linguística.

66 E quanto a virada cultural da geografia? Ela nasce, como as outras, de uma mudança de óptica que caracteriza as ciências do homem e da sociedade desde os arredores de 1970, junto com o fim das ideologias do progresso e das filosofias da história, com a crítica do pensamento ocidental e a tomada de consciência de grupos sociais que até então eram negligenciados (os grupos ‘subalternos’, que se tratam de mulheres, de crianças, de pessoas idosas, de minorias étnicas e das populações dominadas). Na geografia, a virada cultural destaca primeiramente que os lugares não são vividos por todos da mesma maneira: sua significação reflete a cultura daqueles que lá residem e o frequentam. As categorias ‘científicas’ utilizadas para analisar a realidade geográfica refletem elas mesmas as atitudes, os preconceitos e o sistema de idéias dominantes. Os crescimentos econômicos não são os mesmos em uma sociedade onde as trocas repousam sob o dom e o contra-dom, sob a coleta centralizada e a redistribuição, ou sob o mercado, para retomar as categorias propostas por Karl Polanyi em 1944.

67 A virada cultural tem uma dupla consequência: (1) a abordagem cultural, presente desde a origem da geografia humana, cessa de colocar ênfase nos artefatos, nos utensílios e na tradução objetiva das diferenças nas maneiras de sentir e pensar; ela parte agora das representações e do imaginário; ela destina um grande espaço para a experiência humana e ao sentido que o povo dá ao seu meio e à sua inserção no mundo; (2) a abordagem cultural conduz à relativização das divisões tradicionais da disciplina; ela mostra, por exemplo, que a economia não é pensada e organizada através dos mesmos quadros, e que ela não repousa sobre os mesmos mecanismos, no mundo tradicional e nas sociedades mercantes contemporâneas.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 21

7. A análise dos movimentos intelectuais

68 As interpretações que propõem a história da geografia são muitas vezes mais ambiciosas: elas tentaram apreender num mesmo movimento o contexto intelectual no qual se desenvolve o objeto, as condições materiais sob as quais eles estão, e o trabalho dos pesquisadores. A inspiração vem muitas vezes de Michel Foucault. Ela se apóia também nas novas formas da sociologia da ciência.

7.1. A dinâmica dos movimentos intelectuais: germinação, difusão, reinterpretação

69 A ideia de movimento intelectual oferece uma maneira fecunda de explicar a dinâmica do pensamento científico. Ela deve uma grande parte de seu sucesso à Michel Foucault (1966; 1969), que qualificava de epistemes as perspectivas que estruturam curiosidades e correntes de pesquisa em um dado momento; essas perspectivas se exprimem nos grandes discursos.

70 Essa abordagem repousa sob um pressuposto essencial: as ideias evoluem em um quadro que ignora os limites dis e, de uma certa maneira, as fronteiras geográficas; elas circulam num meio de intelectuais e de pesquisadores que se informam pro inclinação em relação ao que se passa no campo geral do saber. Em certos momentos, eles “são ganhos” por novas maneiras de compreender seus trabalhos e se empenham em se alimentar de expectativas similares acerca do que deve ser o progresso dos conhecimentos científicos. A ideia de movimento intelectual conceitualiza assim a noção de contexto; é o conjunto da vida intelectual de uma época que é avaliado; o enfoque tem da mesma forma uma dimensão pluridisciplinar.

71 Tomemos um exemplo. O movimento científico moderno, lançado pelos físicos e pelos matemáticos em Viena nos anos 1920 (Carnap, 1935), toca o conjunto das ciências sociais a partir dos anos 1930: na história, na ciência econômica, as pesquisadores tomam então consciência das fraquezas de seus disciplinas; elas não chegam a rivalizar com as ciências físicas ou naturais (pelo o rigor de seus métodos e a riqueza de seus resultados). Trata-se apenas de torná-las mais coerentes aplicando procedimentos ‘científicos’ no sentido das ciências exatas - atribuindo-lhes uma base teórica que demanda ser confrontada pelas verificações empíricas.

72 Desde antes da segunda guerra, o movimento afeta a economia (como mostra por sua vez seus progressos teóricos - a análise macroeconômica em particular - e o reforço de seus métodos de observação, com o desenvolvimento da econometria), a história econômica (ou os trabalhos sobre os ciclos econômicos que se multiplicam) e a psicologia (que recorre, para interpretar os teste de inteligência que ela acabou de inventar, à análise fatorial).

73 A influência do movimento se reforça durante a segunda guerra mundial: a acentuação das hostilidades faz refletir sobre a preparação logística dos bombardeamentos ou dos desembarques, o que desemboca na análise operacional. Aprende-se também a mobilizar as novas ferramentas estatísticas e matemáticas. O computador surge. Os trabalhos sobre o radar fazem compreender melhor o funcionamento dos sistemas utilizados: a cibernética tira partido disso.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 22

74 O movimento científico que se desenvolve depois da segunda guerra mundial combina a preocupação de rigor, a convicção do progresso da pesquisa matemática, os novos recursos da estatística e invenção de novas disciplinas oferecem às ciências sociais as ferramentas que lhe faltam até então. A confiança que se coloca no futuro das ciências do homem sai reforçada, como Lévi-Strauss (1955) o sublinha.

75 As novas reflexões sobre o futuro das ciências ganham a geografia nos anos 1940 e 1950. Elas são motivadas pela preocupação de criar uma ciência mais aplicável, mais capaz de apontar os diagnósticos sobre os problemas do desenvolvimento e mais apta a propor métodos racionais de planejamento.

76 A inspiração vem da economia espacial, dos modelos gravitacionais, da reflexão sobre os campos de força. Ela insiste em uma geometria de certas distribuições, as dos lugares centrais em particular. Ela mobiliza novas ferramentas para analisar esses aspectos da realidade.

77 Como e a partir de quando esse movimento intelectual afeta a geografia francófona europeia? Que parte de sua inspiração provem das evoluções vizinhas que se observa na sociologia, na história ou nas ciências políticas francesas? Qual foi, por exemplo, a influência de Benzecri no domínio das ferramentas estatísticas? A de Edgar Morin sobre a ideia de sistema?

78 À medida que os resultados obtidos pelas novas orientações se acumulam, aqueles que são por eles responsáveis tomam consciência do valor de sua abordagem. O movimento de curiosidade, e o messianismo científico que o caracterizava dão lugar a uma ideologia científica que fixa o movimento...

7.2. A história da geografia como análise das práticas dos pesquisadores

79 À esses enfoques se opõem aqueles que priorizam mais as práticas dos geógrafos. Fazem parte desse movimento, que se desenvolve a mais de trinta anos na França, os trabalhos de Marie-Claire Robic e do laboratório que ela dirige há um longo tempo (Var. Aut., 1993; Beaudelle et al., 2001) e que ocupam lugar essencial.

80 Esses pesquisadores precisam, por exemplo, os usos da carta ou do globo, detalham os empregos da imagem, mostram a significação dos croquis feitos no campo e os que são concebidos com fins pedagógicos - e que constituem uma parte essencial da geomorfologia na época de William Morris Davis ou de Emmanuel de Martonne. Eles insistem nas ferramentas pedagógicas empregadas pela disciplina. Elas colocam ênfase no progresso que constitui, nesse domínio, o recurso da fotografia - o que é particularmente exemplar na obra de Jean Brunhes.

81 Um passo importante é atingido com os trabalhos de Anne Volvey (2003). Sente-se aí a influência da psicanálise: as práticas não destacam somente a dimensão material da pesquisa, as ferramentas que ela mobiliza. Elas marcam a personalidade do pesquisador: o trabalho de campo acaba por pesar fortemente no seu inconsciente.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 23

8. A sociologia das ciências: a história da geografia entre práticas, dispositivos de pesquisa e mercado das ideias

82 No rastro de Bruno Latour (Latour, 1992; 2012; Latour e Wolgar, 1979), a sociologia das ciências propõe uma nova concepção sobre a evolução da pesquisa. As abordagens até aqui evocadas repousavam sobre uma visão tacitamente aceita do que é uma disciplina científica: o enfoque estava colocado nos projetos que inspiravam os pesquisadores, sobre os métodos que eles mobilizavam e sobre os tipos de explicação que eles privilegiavam. É nesses termos que os cientistas expunham, aliás, suas abordagens.

83 A sociologia das ciências adota um ponto de vista diferente. Ela aplica na pesquisa sobre as ciências os métodos que os cientistas se utilizam para analisar os aspectos do real que os interessam. Ela aborda a realidade a partir do exterior e dá tanta atenção aos materiais e aos instrumentos que uma experiência utiliza quanto aos sujeitos: “no lugar de se interessar pelos sujeitos (humanos) e os objetos (não humanos), ela imagina atores que podem ser humanos e não humanos e que cooperam para se fazerem existir reciprocamente” (Le monde des livres, 21/09/2012, p. 6): isso é a teoria do ator-rede.

84 A abordagem apreende o movimento da ciência através dos ‘dispositivos’ complexos que ela mobiliza, os materiais que ela emprega, os lugares onde ela se desenvolve, as fases do trabalho que ela implica - do laboratório à escrita e à difusão de resultados. Os processos atuam em vários cenários: o lugar onde tem lugar as experiências, aqueles onde os resultados são elaborados e o espaço científico público (revistas, conferências, redes de internet) onde devem triunfar as visões contraditórias.

85 Essa concepção da história das ciências conhece um grande sucesso na última geração. Graças a ela, o historiador se encontra em posição de força frente aqueles que ele estuda: ele não está mais a escuta daqueles que dizem e procuram se fazer crer; ele parte daquilo que se observa, do aparelho ao redor dos pesquisadores, para sustentar suas teses, os meios que eles mobilizam para fazer conhecer e as estratégias que eles desenvolvem para se impor na comunidade científica.

86 Na história das ciências, a perspectiva da sociologia científica constitui uma inovação fecunda: num contexto histórico e geográfico dado e numa situação institucional que é feita para a pesquisa, as opções do pesquisador encontram-se numa larga medida determinadas pela posição que ele ocupa e os instrumentos de que ele dispõe.

87 Os trabalhos inspirados por Bruno Latour tem um eco na geografia. A tese de Yann Calbérac que aborda o Terrains de Géogaphes, Géographes de Terrain. Communauté et imaginaire disciplinaires au miroir des pratiques des terrain des géographes français du XXe siècle, assim o mostra. Como na obra de Marie-Claire Robic, a ênfase é colocada nas práticas; como em Anne Volvey, o ator-rede (ou os atores-redes) que constituem o campo [terrain, no original] é colocado no centro da análise. O trabalho é concebido em termos de sociologia das ciências. O objetivo não é identificar o movimento das ideias, mas de mostrar como uma comunidade científica se constrói ao redor de uma prática e das representações que ela suscita.

88 Yann Calbérac distingue três etapas na elaboração dos ‘saberes’ geográficos: 1- a prática geográfica está centrada no trabalho de campo, onde o pesquisador leva a cabo suas observações; 2- os resultados são então redigidos: a escrita lhes dá um sentido; 3- no

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 24

final, o trabalho inscreve-se num discurso, que é confrontado a outros, o que lhe dão a significação pelo qual é reconhecido.

89 Em sua análise, Yann Calbérac tira uma conclusão: o pesquisador se faz agir pelo dispositivo material e social na qual ela se insere: “[...] não é mais o geógrafo que faz o campo (respeitando os códigos e as regras em uso na sua disciplina), mas efetivamente o campo que faz o geógrafo [...]” (Calbérac, 2010, p. 369).

90 Até que ponto pode-se aceitar o diagnóstico que a ‘sociologia das ciências’ traz para a geografia?

91 i. A pesquisa não implica sempre em trabalho de campo, no sentido estrito do termo. Quem é colocado na obrigação de ‘fazer’ o campo, o pensa, o organiza e o utiliza, por outro lado, em função da sua sensibilidade, de suas preferências, de suas intuições. Toda interpretação que concebe muitos espaços para as determinações ‘sociológicas’ da pesquisa esquece que ela trata do homem e não de robôs; ela ignora a parte da improvisação, do sonho, da intuição que leva alguns pesquisadores a ver um problema onde os outros nada percebem e que os ajudam a imaginar uma solução. Fleming teria descoberto a penicilina se as provetas estivessem sempre impecavelmente limpas, e se ele não tivesse se perguntado sobre a evolução das colônias que se desenvolviam nelas?

92 ii. O trabalho de escrita é menos livre que a sociologia das ciências supõe, uma vez que suas demonstrações devem ser apoiar sobre as observações e as experiências.

93 iii. Em um dado momento, a história da geografia não se exprime apenas através de um único discurso. Muitos estão em competição, o que deixa uma escolha ao pesquisador e ao leitor e incita à invenção de novas interpretações.

94 Reduzindo a primeira fase do trabalho do geógrafo ao campo, a sociologia das ciências, nos seus desenvolvimentos atuais, não leva em conta a diversidade real das formas de pesquisa; ao insistir no aspecto construtor de sentido de toda retórica, ela esquece de assinalar que a ciência busca, desde suas origens, a eliminação dos ‘passageiros clandestinos’ que carregam as palavras e os discursos. Essa simplificação acentua o caráter construtivista da geografia, sem que a natureza de seu desenvolvimento seja realmente precisada.

95 A sociologia das ciências oferece uma via original para analisar a problemática da geografia, mas ela a faz de maneira demais imprecisa para ter credibilidade: sua abordagem é muito impressionista. Isso retira uma parte do alcance da trilogia campo/ escrita/discurso que ela coloca no centro de sua análise.

Conclusão

96 Para se desenvolver vigorosamente, as ciências têm necessidade de analisar seu passado e de compreender as dinâmicas que estão ainda em aberto. Isso dá uma noção da contribuição de cada um no movimento de conjunto; isso evita o desenvolvimento de ideologias científicas, que podem ser esterilizantes.

97 Para alcançar tais resultados, convém passar da memorização espontânea, geralmente oral, a uma abordagem organizada e crítica. Compreende-se rapidamente que o resultado aos quais conduzem as reconstituições dependem do período e do campo de estudos: é impossível de escrever uma história da geografia que estabeleça uma verdade universal.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 25

98 As histórias ‘científicas’ são necessariamente parciais. Elas são submetidas a incessantes revisões. Elas destacam o papel das correntes intelectuais gerais e o peso das instituições responsáveis tanto pela construção dos sistemas de informação geográfica, quanto do estatuto dos geógrafos e dos quadros os quais eles trabalham. Elas levam em conta a dimensão biográfica dos pesquisadores. Elas precisam os movimentos recorrendo aos modelos que não cessam de se aprimorar. Elas destacam as características sociológicas. Elas fazem compreender os esforços, os resultados e os limites de cada uma das correntes que inspiram a pesquisa; elas mostram seu impacto sobre a sociedade que os nutre, e as maneiras de dirigir a pesquisa se mostram mobilizadas para resolver os problemas do momento. Ela indica enfim as separações que existem frequentemente entre as necessidades, as aspirações do corpo social e as preocupações dos pesquisadores.

BIBLIOGRAFIA

Baudelle G.,Ozouf-Marignier M.-V.,Robic M.-C. (dir.), 2001, Géographes en pratiques (1870-1945),Rennes, PUR.

Berdoulay, Vincent, 1981, La Formation de l'école française de géographie (1870-1914), Paris, Bibliothèque Nationale.

Bloch, Marc, 1949, Apologie de l’histoire, ou métier d’historien, Paris, Armand Colin.

Bunge, William, 1962, TheoreticalGeography, Lund, C.W.K. Gleerup.

Carnap, R. 1935, Le Problème de la logique de la science. Science formelle et science réelle, Paris, Hermann.

Chatterjee, P. and P. Jeganathan, (eds.), 2000, SubalternStudies XI: Community, Gender, Violence, Delhi, Permanent Black.

Claval, Paul, 1964, Essai sur l’évolution de la géographie humaine, Paris, les Belles Lettres.

Claval, Paul, 1972, La Pensée géographique. Introduction à son histoire, Paris, SEDES.

Claval, Paul, 1976, Essai sur l'évolution de la géographie humaine, Paris, Les Belles Lettres, 2° éd..

Claval, Paul, 1980, Les Mythes fondateurs des sciences sociales, Paris, PUF.

Claval, Paul, 1984, Géographie humaine et économique contemporaine, Paris, PUF.

Claval, Paul, 1998, Histoire de la géographie française de 1870 à nos jours, Paris, Nathan.

Claval, Paul, 2001a, Epistémologie de la géographie, Paris, Nathan.

Claval, Paul, 2001b, "GeographicThought, History of", International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences, Elsevier, p. 6188-6194.

Claval, Paul, 2006, Géographies et géographes, Paris, L’Harmattan.

Claval, Paul, 2012, De la Terre aux Hommes, Paris, Armand Colin.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 26

Cook, I, Crouch, D., Naylor, S, Ryan, J. R. (eds), 2000, Cultural Turn/GeographicalTurn, Harlow, Pearson Education Limited.

Dainville, François de, 1940, La géographie des humanistes, Paris, Beauchesne.

Febvre, Lucien, 1922, La Terre et l 'évolution de l'humanité. Introduction géographique à l'histoire, Paris, La du Livre.

Foucault, Michel, 1966, Les Mots et les choses, Paris, Gallimard.

Foucault, Michel, 1969, L'Archéologie du savoir, Paris, Gallimard.

Foucault, Michel, 1976, Surveiller et punir, Paris, Gallimard.

Freeman, T. Walter., 1967, The Geographer'sCraft, Manchester, Manchester UniversityPress.

Gallois, Lucien, 1908, Régions naturelles et noms de pays, Paris, Armand Colin.

Gottmann, Jean, 1947, "De la méthode d'analyse en géographie humaine", Annales de Géographie, vol.. 56, p. 1-12.

Gottmann, Jean, 1952, La Politique des Etats et leur géographie, Paris, A. Colin.

Hartsthorne, Richard, 1939, The Nature of Geography, Lancaster, Association of American Geographers.

Harvey, David, 1969, Explanation in Geography, London, Arnold.

Jacob, Christian,1991, Géographie et ethnographie en Grèce ancienne, Paris, Armand Colin.

Jacob, Christian, 1992, L'Empire des cartes, Paris, Albin Michel,537 p.

Johnston, Ronald J., 1979, Geography and Geographers. Anglo-AmericanHumanGeographysince 1945, Londres, Arnold; utilisé dans la 3ème édition, 1987.

Johnston, Ronald J., 1991, A Question of Place. Exploring the Practice of HumanGeography, Oxford, Blackwell.

Koyré, Alexandre, 1962, Du Monde clos à l'univers infini, Paris, PUF.

Kuhn, Thomas, 1962, The Structure of ScientificRevolutions, Chicago, Chicago UniversityPress.

Lacoste, Y., 1976, La Géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre, Paris, Maspéro.

Latour, Bruno, 1991, Nous n'avons jamais été modernes, Paris, la Découverte.

Latour, Bruno, 2012, Enquête sur les modes d’existence. Une anthropologie des modernes, Paris, la Découverte.

Latour, Bruno et Woolgar, S., 1979, Laboratory Life. The Construction of ScientificFacts, Beverly Hills, Sage. Trad. fse, La Vie de laboratoire, Paris, La Découverte, 1991.

Lévi-Strauss, C., 1955, "Les mathématiques de l'homme", Bulletin international des Sciences sociales, vol. 6, n° 4.

Livingstone, David N., 1992, The geographical tradition, Oxford, Blackwell.

Livingstone, David N., 2009, "Geography (History of)", in D. Gregory et al.,The Dictionary of HumanGeography, New York/Oxford, Wiley/Blackwell, 5ème éd., p. 295-299.

Meynier, André, 1969, Histoire de la pensée géographique en France, Paris, PUF.

O Tuathail, Gearóid, 1996, CriticalGeopolitics, London, Routledge

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 27

Pinchemel, Philippe, Marie-Claire Robic et Jean-Louis Tissier, 1984, Deux siècles de géographie française, Paris, Bibliothèque Nationale.

Polanyi, C., 1944, The Great Transformation, New York, Rinehart.

Ratzel, Friedrich, 1882-1891, AnthropogeographieoderAnwendung der Erdkundeauf die Geschichte, Stuttgart, Engleborn, 2 vol.

Ratzel, Friedrich, 1897, PolitischeGeographie, Munich, Oldenburg.

Sanguin, André-Louis, 1993, Vidal de la Blache. Un génie de la géographie, Paris, Belin.

Schaefer, Fred. K., 1953, "Exceptionalism in Geography. A MethodologicalExamination", Annals, Association of American Geographers, vol. 43, p. 226-249.

Soubeyran, Olivier, 1997, Imaginaire, science et discipline, Paris/Montréal, L’Harmattan.

Staszak, Jean-François, 1995, La géographie d'avant la géographique. Le climat chez Aristote et Hippocrate, Paris, L'Harmattan.

Ullman, Edward L., 1953, "Geography as spatial interaction", in : Interregional Linkages. Proceedings of the Western Committee on RegionalEconomicAnalysis, Berkeley, Social Sciences Research Council, p. 63-71.

Valentine, Gill, 2001, "Whateverhappened to the social ? Reflections on the 'Cultural Turn' in British Geography", Norsk GeografiskTidsskrift, vol. 55, n° 3, Sept., p. 166-172.

VariiAuctores, 1993, Autour du monde. Jean Brunhes. Regards d'un géographe/regards de la géographie, Paris, Vilo.

Vidal de la Blache, Paul, 1888, "Des divisions fondamentales du sol français", Bulletin Littéraire, vol. 2, p. 129-142.

Vidal de la Blache, Paul, 1903, Tableau de la géographie de la France, Paris, Hachette.

Vidal de la Blache, Paul, 1910, "Régions françaises", Revue de Paris, n° 6, p. 821-849.

Vidal de la Blache, Paul, 1913, "La relativité des divisions régionales", in : Les Divisions régionales de la France, Paris, Alcan, p. 1-14.

Vidal de la Blache, Paul, 1922, Principes de géographie humaine, Paris, A. Colin.

Volvey, A., 2003, "Terrain"in Lévy, J. et Lussault, M. (dir.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris : Belin. 1 033 p. p. 904 à 906.

NOTAS

1. O termo aqui está sendo utilizado como a pluralidade de “causas” que podem determinar a evolução (não linear) da ciência, nas dimensões econômicas, sociais, políticas, biográficas etc, contrastando com uma visão internalista, da evolução da lógica interna dos sistemas de pensamento (N.T.). 2. A questão regional, portanto, segundo esse raciocínio, foi preferencialmente estimulada entre os discípulos de Vidal por Lucien Gallois (N. T.).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 28

RESUMOS

Para compreender o passado da geografia, é importante passar da memorização espontânea, geralmente oral, para uma história cuja abordagem seja organizada. Apesar das precauções tomadas em sua elaboração, a história ‘científica’ carrega a marca das preocupações e das ideologias que governam àqueles que a redigem: ela deve estar submetida à crítica. Esta história ressalta o peso das instituições responsáveis, ao mesmo tempo, pela construção dos sistemas de informação geográfica, pelo status dos geógrafos e os marcos em que eles trabalham. Ela leva em consideração a dimensão biográfica das pesquisas; a geografia é um métier; a pesquisa que ela suscita se aplica a um campus e mobiliza um corpus; ela se exerce sobre um terreno. O desenvolvimento das idéias pode seguir uma trajetória linear, resultar de múltiplas impulsões de círculos de afinidades, inscrever-se numa pluralidade de escolas, traduzir uma sucessão de fases da ciência normal e das revoluções científicas, ou evoluir a través de grandes viradas. A análise dos movimentos intelectuais, a maneira de Michel Foucault, e os trabalhos de sociologia das ciências, à maneira de Bruno Latour, questionam a proeminência da lógica das idéias.

Para comprender el pasado de la geografía, es importante pasar de la memorización espontánea, generalmente oral, para una historia cuyo abordaje sea organizado. A pesar de las precauciones tomadas en su elaboración, la historia ‘científica’ carga la marca de las preocupaciones y de las ideologías que gobiernan a aquellos que las redactan: debe someterse a la crítica. Esta historia resalta el peso de las instituciones responsables, al mismo tiempo, por la construcción de los sistemas de información geográfica, por el estatus de los geógrafos y los marcos en que trabajan. Lleva en consideración la dimensión biográfica de las investigaciones; la geografía es un métier; la investigación que suscita se aplica a un campus e moviliza un corpus; se ejerce sobre un terreno. El desarrollo de las ideas puede seguir una trayectoria lineal, resultar de múltiples impulsos de círculos de afinidades, inscribirse en una pluralidad de escuelas, traducir una sucesión de fases de la ciencia normal e de las revoluciones científicas, o evolucionar a través de grandes giros. El análisis de los movimientos intelectuales, a la manera de Michel Foucault, y los trabajos de sociología de las ciencias, a la manera de Bruno Latour, cuestionan la prominencia de la lógica de las ideas.

Pour comprendre le passé de la géographie, il convient de passer de la mémorisation spontanée, généralement orale, à une démarche organisée. Malgré les précautions prises lors de son élaboration, l’histoire ‘scientifique’ porte la marque des préoccupations et de l’idéologie de ceux qui la rédigent : elle doit être soumise à la critique. Cette histoire souligne le poids des institutions responsables à la fois de la construction des systèmes d’informations géographiques, du statut des géographes et des cadres dans lesquels ils travaillent. Elle prend en compte la dimension biographique des recherches ; la géographie est un métier ; la recherche qu’elle suscite s’applique à un champ et mobilise un corpus ; elle s’exerce sur le terrain. Le développement des idées peut suivre une trajectoire linéaire, résulter des impulsions multiples de cercles d’affinités, s’inscrire dans une pluralité d’écoles, traduire une succession de phases de science normale et de révolutions scientifiques, ou évoluer à travers de grands tournants. L’analyse des mouvements intellectuels, à la façon de Michel Foucault, et les travaux de sociologie des sciences, à la manière de Bruno Latour, remettent en cause la prééminence de la logique des idées.

To get to understand geography’s past, it would be convenient to pass from the spontaneous memorization, generally oral, to an organized approach. Despite the precautions taken during its elaboration, ‘scientific’ history carries the mark of the concerns and the ideology of those who writes it: it must be subjected to criticism. This history remarks the weight of the institutions

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 29

responsible at the same time for the construction of geographic information systems, the status of geographers and their frameworks. It takes into account the biographical dimension of research; geography is a métier; the research it encourages apply to a field e mobilizes a corpus; is exercised on the terrain. Development of ideas may follow a linear path, be the result of multiple impulses of affinity circles, enroll in a plurality of schools, reflect a succession of phases of normal science and scientific revolutions, or evolve through various turns. Analyses of intellectual movements in the way of Michel Foucault, and the sociology of science works in Bruno Latour’s way, undermine the rule of the logic of ideas.

ÍNDICE

Mots-clés: tradition orale, science, critique, systèmes d’informations géographiques, institutions géographiques, biographie, métier, champ scientifique, corpus, terrain, logique des idées, progrès linéaire, cercle d’affinités, école scientifique, révolution scientifique, tournant scientifique, épistémé, sociologie des sciences. Palabras claves: tradición oral, ciencia, crítica, sistemas de información geográfica, instituciones geográficas, biografía, métier, campo científico, corpus, terreno, lógica de las ideas, progreso lineal, círculos de afinidad, escuela científica, revolución científica, giro científico, episteme, sociología de la ciencia Keywords: oral tradition, science, critic, geographic information systems, geographic institutions, biography, métier, scientific field, corpus, terrain, logic of ideas, linear progress, circle of afinities, scientific school, scientific revolution, scientific turn, episteme, sociology of sciences Palavras-chave: tradição oral, ciência, crítica, sistemas de informação geográfica, instituições geográficas, biografia, métier, campo científico, corpus, terreno, lógica das ideias, progresso linear, círculos de afinidade, escola científica, revolução científica, virada científica, episteme, sociologia da ciência

AUTORES

PAUL CLAVAL

Universidade de Paris — Sorbonne

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 30

Comment construit-on l’histoire de la géographie ? Como construir a história da geografia? ¿Cómo construir la historia de la geografía? How to build up the history of geography?

Paul Claval Traduction : Larissa Alves de Lira et Breno Viotto Pedrosa

NOTE DE L’ÉDITEUR

Ofeceremos neste mesmo número uma tradução ao português deste artigo sob o título Como construir a história da geografia?

Ofrecemos en este mismo número una traducción al portugués de este artículo con el título Como construir a história da geografia?

Nous offrirons dans cet même numéro une traduction en Portugaise de cet article sous le titre Como construir a história da geografia?

We offer in this same issue a Portuguese translation of this paper under the title Como construir a história da geografia?

1.Pour affirmer son existence, tout groupe éprouve le besoin de raconter son histoire

1 Tout groupe a tendance à se doter d’une histoire : celle-ci prouve son existence, lui confère une identité et donne un sens à l’action qu’il mène. Elle prend la forme d’un discours, d’un grand récit, d’une narration.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 31

2 Les collectivités de chercheurs sont, de ce point de vue, semblables aux autres : elles ont besoin de souligner la signification des travaux qu’elles mènent. Le problème, c’est que les narrations qui fondent leur spécificité n’ont pas toutes la même rigueur, la même cohérence. Dans beaucoup de cas, elles demeurent orales ; des anecdotes, qui mettent en avant l’action d’un maître ou d’une lignée de penseurs, l’originalité des démarches mobilisées, l’importance des résultats obtenus, circulent de l’un à l’autre. Le groupe construit sa propre légende.

3 Au moment où je faisais mes études, l’histoire de la géographie n’était pas enseignée. Celle dans laquelle nous baignions plus ou moins consciemment résultait des brèves indications que nous glanions dans les cours des professeurs, de ce que les étudiants des générations qui nous précédaient, ou les assistants, nous glissaient à l’oreille, et de ce que rapportaient tous les ans le participant toulousain à l’excursion interuniversitaire. Nous nous inscrivions dans une tradition française, dont le fondateur était Vidal de la Blache – mais aucun de nous ne l’avait lu. La façon de concevoir et pratiquer la géographie qui nous était transmise reposait sur la pratique du terrain, mais dans une perspective qui devait autant au scoutisme qu’au travail scientifique ! Elle exaltait l’analyse régionale. Elle faisait la part belle au milieu physique, aux formes du relief et au climat, parce qu’on pensait trouver là une des composantes essentielles de l’explication des distributions humaines.

4 Les traditions orales sont dangereuses parce qu’elles sont à la fois partielles (elles ne retiennent qu’une partie de la réalité) et partiales (ce qui est valorisé souligne la signification d’une démarche ou d’une perspective particulière, et néglige les autres).

5 Je me souviens de mon étonnement – et de mon enchantement -, en 1960-1961, lorsque je préparais à Besançon mon premier cours sur l’histoire de la géographie (il était destiné à faire connaître la discipline à des étudiants qui n’avaient pas encore fait le choix de la matière dans laquelle ils se spécialiseraient) : ce que je lisais ne correspondait presque jamais avec ce que la tradition orale m’avait transmis !

2.Passer de la tradition orale au récit scientifique suppose que le champ couvert par celui-ci soit clairement défini

6 Pour qui veut construire une histoire cohérente et ‘scientifique’ de la géographie, le problème est donc d’abord d’éviter l’arbitraire des traditions orales. Cela suppose que l’on précise le champ historique que l’on va couvrir : le sujet est infiniment complexe.

7 Va-t-on s’attacher à l’évolution des pratiques, des savoir-faire et des savoirs géographiques vernaculaires indispensables à chacun (i) pour se localiser et s’orienter, (ii) pour comprendre les milieux naturels auxquels il est confronté et la manière de les exploiter, (iii) pour dresser l’inventaire des liens que les groupes humains tissent à la surface de la terre et découvrir la meilleure façon de s’y insérer ou de s’en distraire (iv) et pour donner un sens à son existence et à celle des groupes dont il fait partie (Claval, 2012) ?

8 Va-t-on se pencher sur les connaissances géographiques que les sociétés historiques ont développées, sur la manière dont elles résolvaient les problèmes d’orientation et de localisation, ceux de la mise en valeur des milieux et ceux de structuration des rapports sociaux ? Va-t-on s’attacher aux inventaires et aux recensions auxquels les autorités

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 32

procédaient et aux cartes qu’elles faisaient dresser pour asseoir leur pouvoir ? Va-t-on s’attarder aux analyses de l’espace et aux règles relatives à son organisation qu’elles diffusaient pour justifier l’ordre qu’elles faisaient régner ? Va-t-on s’intéresser, autre domaine, aux récits de voyage et aux descriptions de contrées étrangères qui répondaient déjà à la curiosité du public (Claval, 2001a)?

9 Va-t-on se consacrer exclusivement à la construction des connaissances scientifiques qui rompent délibérément avec les savoir-faire de tout-un-chacun et avec la littérature plus ou moins empirique déjà consacrée au problème ? De quoi résulte, alors, la mutation qui fait passer des savoirs vulgaires à un type supérieur de connaissances ? Quelle part revient, dans l’élaboration de celles-ci, aux pratiques et savoir-faire qui les ont précédées (Claval, 2001a) ?

10 Le champ des travaux d’histoire de la géographie est large. J’ai personnellement choisi de m’intéresser prioritairement à l’histoire de la géographie humaine (Claval, 1976 ; 1984 ; 2006) : elle se constitue dans le dernier tiers du XIXe siècle. Tout ce qui précède apparaît alors comme une sorte de préhistoire, qui doit être explorée, mais ne peut expliquer ce qui caractérise vraiment la discipline d’aujourd’hui. D’autres, souvent inspirés par Michel Foucault, conçoivent la géographie comme une discipline du regard appuyé sur la carte : tels Geraoid O’Thuatail (1996), ils l’appréhendent comme un outil de surveillance et de domination mobilisé par les Etats pour réaliser leurs objectifs stratégiques. L’histoire de la géographie qu’ils retracent coïncide alors avec celle des procédés modernes de lever topographique et de représentation ; elle débute à la Renaissance et montre sur quels outils s’est construit l’impérialisme occidental.

11 David Livingstone (1992) souligne pour sa part la diversité des préoccupations des géographes du passé, souvent aussi soucieux d’astrologie que de la diversité de la surface terrestre. Cet œcuménisme est-il innocent ? Non, car il permet à David Livingstone de ne retenir, comme tradition signifiante, que la première qui lui paraisse vraiment sérieuse et qui est mise au point par l’Europe protestante à partir de la Renaissance.

12 La construction d’une géographie scientifique implique ainsi un regard critique sur les savoirs qu’elle choisit de traiter et sur la période où ils ont été élaborés. La construction d’une histoire de la géographie dépend toujours de la perspective qu’elle retient, car celle-ci influence les pistes qu’explore celui qui l’écrit et les choix auxquels il procède.

3.La construction de l’histoire d’un développement scientifique repose sur la prise en compte (i) de la dimension individuelle, biographique, de la recherche, (ii) du contexte où elle se déroule et (iii) de la logique des idées qu’elle met en évidence. Elle implique aussi (iv) que l’on soit conscient des lectures idéologiques que l’on peut faire de tout discours.

13 Pour qui retrace l’histoire de la géographie comme savoir scientifique, quelques évidences s’imposent, comme le rappelle David Livingstone (2009) : (i) la discipline est construite par des hommes, dont il convient de connaître l’outillage intellectuel, de comprendre les motivations, de cerner les ambitions et de reconstituer la carrière : la

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 33

dimension biographique est essentielle ; (ii) les chercheurs ne sont pas isolés ; leur œuvre ne peut se comprendre si l’on fait abstraction du contexte dans lequel elle se développe, si l’on ne précise pas la manière dont la géographie est organisée dans la société dans laquelle ils vivent et si l’on ignore les supports institutionnels (académies, sociétés de géographie, services cartographiques, hydrographiques, statistiques, etc.) dont elle dispose. Les approches contextuelles, qui se sont affirmées depuis une quarantaine d’années, ont considérablement enrichi les thématiques abordées ; (iii) s’intéresser à l’histoire de la géographie, c’est évidemment repérer les idées qu’elle mobilise, retracer leur genèse, démonter leur logique interne et analyser la manière dont celle-ci informe l’évolution de la discipline ; on ne saurait, comme on le faisait trop souvent autrefois, réduire l’histoire de la géographie à celle des idées qui la dominent, mais le domaine demeure fondamental.

14 (iv) Une quatrième considération doit être prise en compte : quel que soit le sujet dont elle traite, une histoire se présente toujours comme un récit, un discours ; même si ceux qui l’élaborent essaient de limiter la part de libre créativité et d’imagination liée à l’écriture, ils chargent souvent leur texte de significations qui vont au-delà de ce qu’apportent leurs travaux ; s’ils ne le font pas eux mêmes, ce sont leurs lecteurs qui lestent leurs publications d’interprétations qui n’y étaient pas implicitement inclues. Tout discours scientifique peut donner lieu à des distorsions idéologiques. C’est plus particulièrement vrai dans les sciences de l’homme et de la société (Claval, 1980).

15 La prise en compte des lectures idéologiques des histoires de la géographie, constitue un autre acquis récent de l’histoire des sciences – même si ceux qui exploitent cette piste oublient parfois que la rédaction d’un récit scientifique répond, depuis Francis Bacon, à des règles qui ont précisément pour but de limiter ces dérives (il faut éviter d’employer les mots de la tribu !).

4.La géographie repose sur l’élaboration de systèmes d’informations géographiques

16 Les pratiques, les savoir-faire et les connaissances géographiques portent sur la distribution des réalités naturelles, des initiatives humaine et des artefacts qui résultent de celles-ci à la surface de la terre. Pour être facilement transmissible et devenir réellement utile, l’ensemble des éléments ainsi réunis doit être disposé sur une grille de localisation claire et facilement lisible : il constitue ce qu’on appelle un système d’informations géographiques (Claval, 2001a). Celui-ci peut être purement verbal : chaque point, chaque élément de la surface terrestre, est désigné par un toponyme, un oronyme, un hydronyme, un régionyme, etc. Sa localisation est relative et se fait par confronts : le champ de X est limité au Nord par la prairie de Y, à l’Est par la vigne de Z, au Sud par le verger de P., etc.

17 A ces systèmes verbaux d’informations géographiques se sont progressivement substitués des systèmes dont la base est cartographique ; les éléments sont reportés en fonction de leurs coordonnées. Les données qui sont retenues pour définir chaque point ou chaque élément de surface sont de plus en plus souvent chiffrées.

18 L’histoire de la géographie dépend de celles des systèmes d’informations géographiques dont disposent les chercheurs. La création de ceux-ci demande tant de travail et coûte si cher qu’elle n’est pas œuvre individuelle et excède de beaucoup les moyens dont

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 34

disposent les institutions académiques. Elle est financée par les Etats pour asseoir l’impôt sur des bases justes (c’est le cas des cadastres), pour orienter leurs politiques ou pour répondre à leurs soucis stratégiques (on pense aux plans en relief, aux cartes d’Etat-major, aux relevés aériens ou satellitaires, etc.).

19 La qualité des systèmes d’informations géographiques dépend de la nature des grilles (verbales ou cartographiques) sur lesquelles ils reposent, sur les techniques de lever qu’ils mettent en œuvre (enquêtes, observations de terrain, télédétection) et sur les moyens de stockage et de traitement de l’information qu’ils mobilisent (procédés mnémoniques, inventaires sur papier, relevés mécanographiques, outil informatique).

20 Dans la mesure où l’histoire de la géographie reflète celle des systèmes d’informations géographiques que les chercheurs peuvent mobiliser, enrichir ou créer, elle est intimement liée à celle des bureaucraties mises en place par les Etats ou les entreprises modernes. Les géographes ne vivent jamais dans une tour d’ivoire.

5.La géographie est un métier ; la recherche qu’elle suscite s’applique à un champ et mobilise un corpus ; elle s’exerce sur le terrain

21 Pour définir ce qui caractérisait l’histoire telle qu’il la pratiquait, Marc Bloch (1949) parlait du métier d’historien. Walter Freeman, un des pionniers de l’histoire de la géographie dans les années 1950 et 1960, lui fait écho en publiant en 1967 The Geographer’s Craft.

22 Retracer l’histoire de la géographie telle qu’elle s’est déroulée depuis la fin du XIXe siècle, ce n’est pas seulement raconter la carrière et les recherches d’un certain nombre d’individus : c’est souligner la formation qu’ils ont reçue, les savoir-faire qu’ils ont assimilés, les pratiques dont ils se sont imprégnés ; c’est rappeler que leur activité s’inscrit dans un métier – celui du géographe universitaire.

23 Ceux qui se disaient géographes au cours des périodes précédentes n’avaient pas le même background – la part de leur métier qu’ils devaient à leur formation de topographe ou d’hydrographe était généralement plus forte. Depuis une génération, les conditions évoluent de nouveau : la recherche géographique est de plus en plus menée dans des laboratoires et autres institutions spécialisées. Le géographe ne travaille plus de la même manière. Il fait fréquemment partie d’une équipe pluridisciplinaire. Cela modifie ses perspectives : son souci n’est plus de creuser la logique propre à l’explication géographique, mais de contribuer efficacement à la solution de problèmes abordés par des spécialistes de formation variée.

24 Avoir un métier, c’est avoir acquis un certain nombre d’attitudes et de pratiques, assimilé un certain nombre de savoir-faire, accumulé une certaine quantité de connaissances afin d’analyser des situations, de s’attaquer à des problèmes et de leur apporter des solutions. C’est partager avec d’autres des savoirs et des savoir-faire qui vous ont été enseignés et que vous avez progressivement intériorisés en traitant de problèmes réels. Le métier a davantage à faire avec la manière d’aborder les questions et avec les voies à suivre pour les résoudre, qu’avec les connaissances proprement dites. Avoir du métier, c’est avoir ajouté à ce qui vient de l’apprentissage ce qui résulte de l’expérience pratique, et qui concerne souvent des difficultés qu’on ne décèle pas à première vue.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 35

25 Avoir du métier implique que l’on maîtrise les perspectives, les méthodes et les tours- de-main qui sont nécessaires quand on travaille dans un certain champ. En géographie, le chercheur doit connaître les systèmes d’informations géographiques qui existent et maîtriser leur base cartographique ; il doit avoir une idée claire des forces et des processus à l’œuvre dans son domaine d’investigation – qu’il s’agisse de géographie économique, de géographie sociale, de géographie politique, de géographie sociale, de géographie régionale, etc.

26 Le chercheur est mû par la curiosité, mais si celle-ci est tous azimuts, il se disperse. Cela l’empêche d’aller à l’essentiel, de repérer les problèmes qui se posent vraiment et de trouver l’angle sous lequel il convient de les attaquer : dans ces conditions, le travail n’avance guère. Le chercheur a donc intérêt à circonscrire le ou les problème(s) abordé(s) : il ne retient alors que les données qui lui paraissent utiles pour répondre aux questions qu’il se pose. Il travaille sur un corpus soigneusement défini.

27 La recherche géographique porte sur l’espace. Le corpus que délimite le géographe, et qu’il analyse ensuite sous tous ses aspects, a la particularité de se présenter très souvent comme un terrain dont il convient d’explorer toutes les spécificités. Le jeune doctorant en géographie se distingue de ses homologues en histoire, en sciences économiques, en sociologie ou en sciences politiques parce que son corpus ne se présente pas comme un ensemble d’archives, de textes anciens ou contemporains, de statistiques, de sondages ou d’enquêtes : c’est un morceau de la surface terrestre sur lequel on dispose déjà de données, mais qu’il convient de compléter par des observations et des entrevues. L’archéologue et l’ethnologue sont également des hommes de terrain, mais les espaces dont ils traitent sont de nature différente : ils sont discontinus et quasiment ponctuels pour ceux qui s’intéressent aux ruines et restes archéologiques ; pour les ethnologues, ils se localisent pour l’essentiel dans l’univers des relations et des représentations sociales.

28 Tous les chercheurs en géographie ne font pas de recherche de terrain. Dans le monde anglophone où beaucoup de travaux portent sur la mise en évidence de régularités ou la vérification empirique de résultats théoriques, la matière première est souvent statistique, comme chez les économistes. En France, où la tradition de l’approche régionale est restée forte, le terrain continue à apparaître comme une caractéristique majeure des travaux de recherche.

29 Caractériser la recherche géographique comme un métier, qui permet de développer des compétences spéciales dans certains champs, souligner comment la bonne économie du projet conduit à l’aborder à partir d’un corpus qui fixe des limites raisonnables au travail requis, et montrer comment, dans beaucoup de cas, cela amène le géographe à œuvrer sur un terrain spécifique, c’est mettre en évidence les contours d’une certaine sociologie de la recherche.

6.L’histoire de la géographie retrace un développement ; celui-ci peut prendre plusieurs formes

30 Raconter le développement d’une science, c’est reconstituer un mouvement. Celui-ci naît de l’accumulation de résultats, de la mise au point d’interprétations toujours plus sûres et plus performantes. Le trajet que parcourt ainsi la géographie peut prendre une

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 36

forme linéaire et continue : c’est le schéma le plus simple, celui qui a longtemps prévalu. D’autres interprétations lui sont aujourd’hui préférées : elles mettent l’accent sur la pluralité des impulsions auxquelles les avancées sont soumises, précisent les discontinuités ou inflexions qu’elles connaissent, ou cernent de manière plus précise les mouvements intellectuels qui progressent, se réfractent et se transforment en se diffusant dans l’ensemble d’une société.

1.Les trajectoires linéaires

31 Le premier schéma d’interprétation que proposent les histoires de la géographie est souvent linéaire : avec le temps, les connaissances s’accumulent, le savoir s’affermit et se structure de manière plus cohérente.

32 Le propos de l’histoire de la géographie a longtemps été de montrer les étapes de la ‘découverte’ de la Terre (Claval, 2006). Le terme ne rendait pas exactement compte de ce qui était réellement en jeu : l’Amérique n’a pas été ‘découverte’ par Christophe Colomb, mais, des millénaires auparavant, par les premiers Amérindiens venus de l’Asie du Nord-Est ! La première traversée de l’Atlantique apporte autre chose : la possibilité d’inscrire, dans la grille de repérage potentiellement universelle que la géographie grecque avait imaginée, des lieux qui n’y avaient pas encore été reportés. De ce point de vue, la discipline se développe de manière continue, au rythme des explorations qui conduisent les voyageurs occidentaux à cartographier l’ensemble des rivages du monde à partir du XVe siècle, à lever la totalité de l’Amérique du Nord et du Sud du début du XVIe au milieu du XIXe, à pénétrer l’Afrique et les profondeurs de l’Asie dans le courant du XIXe, et à explorer les régions polaires au tout début du XXe.

33 Il est bon de savoir comment la grille de localisation imaginée par les Grecs est effectivement devenue universelle, mais ce récit se prête facilement à des interprétations idéologiques - qui ont généralement prévalu : au lieu de parler de l’intégration progressive des lieux dans une grille générale des localisations, on en a fait l’histoire de la découverte de la Terre par les peuples d’Occident ! L’histoire de la géographie devient alors un double de celle de l’impérialisme européen – qu’elle justifie en partie.

34 La géographie change d’ambition entre la fin du XVIIIe siècle et le début du XXe : elle ne se contente plus d’intégrer l’ensemble des lieux connus dans la grille de localisation imaginée au cours de l’Antiquité. Elle cherche à comprendre les dynamiques qui façonnent les milieux naturels – mouvements tectoniques, érosion, climats – et structurent les sociétés humaines – production primaire, échange, hiérarchisation des liens sociaux, etc. Là aussi, le développement est initialement conçu selon le modèle cumulatif et linéaire : les connaissances s’ajoutent les unes aux autres ; la géographie résulte de ce processus d’accrétion et d’agrégation. Les approches positivistes adoptent ce modèle. Son insuffisance apparaît au milieu du XXe siècle. Plusieurs autres sont alors imaginés pour le remplacer.

2.Cercles d’affinité et pluralité des impulsions

35 Pour repérer ces nouveaux schémas, on peut partir des termes utilisés pour rendre compte des dynamiques de la discipline : selon les cas, on parle de cercles d’affinités, de ruptures épistémologiques, de tournant culturel.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 37

36 A la fin du XIXe siècle, la géographie n’est pas encore devenue une discipline essentiellement universitaire. Vincent Berdoulay (1981) la décrit comme structurée en groupes soudés par des curiosités géographiques partagées : ce sont des cercles d’affinités. Ceux-ci s'appuient sur des institutions ; une publication fédère souvent leurs efforts.

37 1- Un premier cercle d'affinité se structure autour de la Société de Géographie de Paris et s’attache à l'inventaire terrestre que poursuivent les explorations. Sa liaison avec le monde politique et certains milieux d'affaires est assurée par la présence, au sein de son Comité exécutif, de généraux, de représentants de l'aristocratie ou de membres du gouvernement. Le Bulletin de la Société de Géographie, devenu en 1900 La Géographie, sert d'abord à publier des comptes rendus d'exploration – mais l'éventail des sujets abordés s'élargit au début du XXe siècle.

38 2- Les spécialistes de géographie historique forment un second groupe, également lié à la Société de Géographie. Himly, titulaire de la Chaire de géographie de la Sorbonne jusqu'en 1898, en constitue le représentant le plus éminent. Le Bulletin de géographie historique et descriptive du ‘Comité des travaux historiques et scientifiques’ donne une idée des thèmes dominants de ce cercle, dont il constitue le moyen d'expression privilégié.

39 3- Entre 1870 et 1900, Ludovic Drapeyron joue un rôle important sur la scène géographique. Ce professeur de lycée se passionne pour l'enseignement de la topographie, qu’il juge indispensable à la formation de citoyens connaissant bien leur pays et capables de participer à des opérations militaires sur le terrain. La Revue de géographie, qu'il fonde en 1877, lui assure le soutien de quelques grands personnages de l'époque, comme Ferdinand de Lesseps.

40 4- Emile Levasseur a une autre dimension : historien, initiateur de l'histoire économique et sociale, statisticien, démographe, géographe, il cherche dans les sciences sociales des réponses aux besoins d'une société qui se modernise rapidement. Grâce à lui, la géographie est en contact avec les économistes de l'époque. Il s'intéresse à certains des élèves de Le Play, ceux qui éditent la Réforme sociale.

41 5- Parmi les disciples de Le Play, le petit groupe de "La science sociale", autour d’Edouard Demolins, de l'abbé Henri de Tourville et de Paul de Rouziers, s’attache plus particulièrement au poids des lieux, si bien que la sociologie qu’ils écrivent est géographique : ils parlent de géographie sociale avant même que l'expression de géographie humaine ne soit inventée.

42 6- Le cercle d'affinité que domine Vidal de la Blache est structuré autour de l'institution où il enseigne longtemps, l'Ecole Normale Supérieure, et des Annales de Géographie qu'il lance en 1891. Recruté parmi les normaliens, ce groupe a l'avantage d'être, à la fin du XIXe siècle, le plus jeune et le plus dynamique. Il est proche de modèles allemands : ceux de Carl Ritter et de Friedrich Ratzel. Il est ouvert aux travaux d'inspiration historique, à la préhistoire, à la géologie. Le souci patriotique y est présent, mais vise plus à développer les aptitudes de la France qu'à assurer la promotion de l'Empire.

43 Le tableau que Vincent Berdoulay trace des cercles d'affinité au sein desquels la géographie s'élabore à la fin du XIXe siècle est très vivant (Berdoulay, 1981). On y voit le rôle qu’y jouent les éditeurs : Emile Templier, gendre du fondateur des Editions Hachette et responsable des guides Joanne, distingue très tôt Elisée Reclus. Lorsque celui-ci est contraint à l'exil, après la Commune, Templier lui confie la rédaction des

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 38

dix-neuf volumes de La Nouvelle Géographie Universelle. Il offre à Reclus les moyens qui lui permettent de faire appel, pour chaque volume, aux meilleurs spécialistes des pays traités. Curieux réseau en vérité, financé par une entreprise capitaliste dynamique et qui mêle des anarchistes aux membres les plus prestigieux des Académies scientifiques ou des Sociétés de Géographie un peu partout dans le monde !

44 Les cercles d'affinité sont mouvants. Le tableau qu'en dresse Vincent Berdoulay vaut surtout pour les années 1880 et 1890. Avec le temps, certains groupes éclatent : c'est le cas des vidaliens, comme l'a montré Olivier Soubeyran (1997). D'autres cercles se forment. Celui de la morphologie sociale est particulièrement important : aux alentours de 1900, les plus brillants des Normaliens, séduits par les enseignements d’Emile Durkheim, se tournent vers la sociologie, réduisant ainsi le nombre des étudiants surdoués qui optent pour la géographie.

45 L’idée de cercle d’affinités est féconde dans la mesure où elle montre que l’histoire des idées ne se développe pas de manière linéaire. Elle met en évidence la diversité des ambitions et des projets qui cohabitent et s’influencent ; leur jeu reflète en même temps les débats politiques et les intérêts économiques de l’heure.

46 Le modèle perd une partie de son utilité lorsque la discipline achève de s’institutionnaliser, aux alentours de 1900, et devient essentiellement universitaire. Il demanderait cependant à être appliqué à d’autres époques : il serait utile de connaître le rôle des cercles d’affinités marxistes, gauchistes ou libéraux dans les années 1950 ou 1960, mais le travail n’a tenté personne. Ce sont d’autres logiques que l’on a mobilisées.

3.L’idée d’école

47 A partir du moment où la géographie s’institutionnalise, c’est souvent à l’idée d’école que l’on a recours pour penser son développement : au départ, il y a l’impulsion donnée par un génie fondateur ; le mouvement prend ensuite une forme linéaire et continue. Le modèle est surtout utilisé pour la fin du XIXe siècle et le début du XXe, un moment où la géographie devient une discipline académique dans un monde universitaire qui est alors fortement hiérarchisé (Claval, 1984 ; 2001b) ; il présente moins d’intérêt pour la période contemporaine.

48 C’est à la France que ce modèle semble le mieux adapté : les professeurs des universités allemandes ont plus de moyens, plus de pouvoirs, mais l’enseignement supérieur n’y est pas centralisé à la française. Chaque patron s’y entoure de doctorants et de docteurs, auxquels il transmet et impose ses façons de voir, mais aucun maître ne domine institutionnellement la scène géographique allemande. Cela crée une atmosphère de libre discussion, qui rend encore passionnants les débats méthodologiques allemands de la fin du XIXe siècle et du début du XXe, le Methodenstreit en particulier.

49 La situation française est différente : toutes les thèses se soutiennent, au départ, à la Sorbonne. De 1898 à 1910, Vidal de la Blache les dirige presque toutes. Son autorité est renforcée par sa présence au Comité consultatif des Universités. De là l’idée – qui ne cadre pas avec sa personnalité et avec sa correspondance – qu’il a été une espèce de dictateur de la géographie française, qu’il aurait détournée des problèmes de l’heure. C’était la thèse d’Yves Lacoste (1976) quand il publie La Géographie, ça sert surtout à faire la guerre ! Il renonce à cette interprétation après avoir lu La France de l’Est – mais Jacques Lévy continue à voir dans Vidal le grand responsable de toutes les faiblesses et dérives

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 39

de la géographie française ! Beaucoup de professeurs de collèges et de lycées restent fidèles à cette vision caricaturale.

50 Le modèle de l’école est-il dépourvu d’intérêt ? Non ! On parle, dans la première moitié du XXe siècle, de l’école française, de l’école allemande et de deux écoles américaines, celle du Middle West et celle de Berkeley. N’est-ce pas le signe que ce modèle rend alors compte de certaines des spécificités de la discipline ?

51 L’idée d’une cohérence liée à l’autorité d’un maître ou à la prégnance des institutions nationales n’est pas convaincante. L’école vidalienne ne naît pas de la volonté de domination de Vidal de la Blache et de sa position institutionnelle ; elle est construite par ses disciples. Les idées du Maître ne cessent de s’affiner et de se structurer selon de nouvelles perspectives : ceux qui s’en réclament s’inspirent des thèmes qu’exposait Vidal au moment où ils suivaient ses enseignements ; ils ne se donnent pas la peine de suivre l’évolution de la géographie de leur maître par la suite. Lucien Gallois, qui joue un rôle essentiel dans cette construction, en reste à la région naturelle, que Vidal introduit dans les années 1880. Il minore la place que son maître fait à la construction historique de la région, essentielle dans Le Tableau de la géographie de la France (Vidal de la Blache, 1903), et condamne, dans Régions naturelles et noms de pays (Gallois, 1908), les recherches sur les régions industrielles et urbaines, qui constituent l’apport le plus original de Vidal à partir de 1905. Les doctorants potentiels, intimidés par Vidal, consultent Lucien Gallois avant de rencontrer le maître. Gallois en profite pour insister sur l’intérêt que celui-ci manifeste pour les sujets régionaux – alors que dans sa correspondance avec Jean Brunhes, Vidal se montre ouvert à d’autres types de recherche, le seul avantage qu’il concède à la thèse régionale venant de ce que le candidat y apparaît, le jour de la soutenance, comme le seul véritable spécialiste du sujet dont il traite, ce qui le met en position de force !

52 Les écoles ne naissent donc pas automatiquement de l’autorité intellectuelle et institutionnelle d’un maître. Qu’elles soient souvent dominées par une forte personnalité est certain, mais ce n’est pas toujours le cas. Si l’école de Berkeley se structure autour de Carl Sauer, l’école du Middle West ne se construit pas autour d’un nom.

53 Le problème est alors le suivant : qu’est-ce qui fait qu’à certains moments, des géographes se réclament d’une conception particulière de la géographie, de ses démarches, de ses méthodes, au lieu de souligner le caractère universel des approches qu’ils suivent ? La réponse ? C’est l’impasse épistémologique dans laquelle s’est engagée la géographie humaine à partir de Ratzel : conçue comme une écologie de l’homme, comme une étude des relations entre les groupes humains et l’environnement, elle postule au départ que c’est le milieu qui modèle les sociétés humaines : cette position apparaît rapidement indéfendable. Il faut faire place à l’initiative humaine, mais tant que le problème reste posé en termes de relations hommes/milieux, il ne comporte pas de solution générale. En France et dans une perspective possibiliste, on met l’accent sur les formations de densité et sur l’organisation régionale. En Allemagne, on choisit l’approche par le paysage, car elle embrasse à la fois le cadre environnemental et la présence humaine ; elle fait également une place à la région (du fait de la double signification du mot Landschaft en allemand). Aux Etats-Unis, les géographes du Middle West essaient de sortir la géographie de l’impasse en renforçant sa rigueur méthodologique. Carl Sauer est proche des Allemands par l’accent qu’il met sur le paysage, mais il l’interprète celui-ci de manière originale, puisque pour lui,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 40

l’environnement végétal et animal des sociétés humaines est une création en partie volontaire et en partie involontaire (par suite de la prolifération des mauvaises herbes, par exemple) de celles-ci.

54 Il y a une époque des écoles de géographie : c’est celle qui court de la naissance de la géographie humaine à l’approfondissement de la réflexion sur les fondements de celle- ci, après la Seconde Guerre mondiale ; c’est le moment où la géographie humaine se montre incapable de proposer une interprétation générale et cohérente des réalités qu’elle analyse.

4.L’idée de rupture : paradigmes et révolutions scientifiques

55 L’histoire de la géographie n’est pas un long fleuve tranquille dont les eaux ne cessent de grossir. Elle est faite de discontinuités – pour la géographie humaine, celle, d’abord, des années 1880-1900, où la discipline émerge en Allemagne puis en France.

56 Comment aborder ces périodes de rupture ? Je me trouve face à ce problème lorsque je rédige l’Essai sur l’évolution de la géographie humaine en 1962-1963 (Claval, 1964). Des années 1880 aux années 1950, le mouvement de la discipline s’inscrit dans une même logique : pour qualifier cette période, je parle de ‘géographie classique’. Ce n’est pas une période de stagnation : la discipline ne cesse d’élargir son champ ; l’étude des établissements humains, son domaine initial, distingue désormais ce qui a trait aux campagnes et ce qui a trait aux villes. La géographie économique, plus ancienne que la géographie humaine, se développe. La géographie politique connaît un succès considérable, que complète celui de la géopolitique. Les travaux de géographie historique se multiplient. En deux générations, le panorama de la discipline a complètement changé, mais sans que les problèmes qu’elle se pose (la place faite à l’influence de l’environnement sur l’homme) et les solutions qu’elle imagine (le possibilisme, sous toutes ses formes et avec toutes ses ambiguïtés) se modifient.

57 Ce qui se dessine dans les années 1950 est différent. L’accent cesse d’être placé sur l’analyse régionale ; les géographes ne se contentent plus de souligner la singularité des lieux ; ils essaient d’expliquer les régularités que ceux-ci manifestent souvent. On attend aussi de la géographie qu’elle contribue au développement économique : les savoirs qu’elle propose doivent donc être applicables. Pour y parvenir, les chercheurs se tournent vers l’économie spatiale. Comme l’ensemble de l’analyse économique, celle- ci repose sur l’idée que le monde est modelé par des décisions humaines, qui sont dans l’ensemble rationnelles, mais se combinent à travers des mécanismes, dont les effets sont souvent inattendus.

58 Je crois à avoir été le premier à présenter ainsi une interprétation de l’histoire de la géographie contemporaine qui repose sur une rupture. Mais dans mon interprétation, celle-ci n’était pas complète : aussi bien chez Ratzel que chez Vidal de la Blache, la géographie humaine reposait sur deux bases. Elle analysait les rapports des groupes humains aux milieux (il s’agissait de relations ‘verticales’, locales, bien souvent) et la circulation (qui correspondait aux liens ‘horizontaux’ qu’elles tissent). Ce second aspect avait été négligé, comme le soulignent les grands initiateurs de la modernisation de la discipline : Jean Gottmann (1947; 1952 ) en France et Edward Ullman (1953) aux Etats- Unis. Pour moi, la rupture résultait donc d’une reprise, celle d’un champ négligé, plus que de l’introduction de perspectives radicalement nouvelles.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 41

59 L’interprétation que l’on donne de cette évolution aux Etats-Unis est différente. C’est l’ensemble de la démarche disciplinaire qui est mise en cause par Fred K. Schaefer (1953). Celui-ci s’en prend violemment à l’approche régionale dont Richard Hartshone (1939) a fait l’essence de la géographie. Avant de quitter l’Autriche et d’émigrer aux Etats-Unis, Schaeffer avait souscrit aux idées du Cercle viennois et au néo-positivisme logique par lequel elles s’exprimaient. C’est donc en termes d’épistémologie générale que le problème de la géographie est désormais posé, plutôt qu’en termes d’épistémologie disciplinaire – je pense, personnellement, que nous devons avoir un œil sur les débats d’épistémologie générale, mais qu’il faut nous garder de les importer sans précaution, sous peine de créer de faux problèmes.

60 William Bunge reprend la thèse de Schaefer et fait de l’idée d’une rupture totale avec la géographie traditionnelle la base de son ouvrage Theoretical Geography (1962). La discipline est une vraie science, proche de la géométrie, puisqu’elle traite de faits de localisation et de surface : c’est une science nomothétique : elle établit des lois. Ce n’est pas une discipline idiographique, c’est-à-dire surtout soucieuse des singularités locales.

61 La publication à peu près contemporaine de The Structure of Scientific Revolutions de Thomas Kuhn (1962) assure le succès de cette interprétation. On sait, depuis les années 1930, que la raison scientifique n’est pas née d’un coup. Elle se construit progressivement. Alexandre Koyré souligne l’importance de la révolution galiléenne. La remise en cause de l’optique ondulatoire et la naissance de l’optique corpusculaire conduisent, dans les années 1920, à une mutation tout aussi importante. La science progresse de paradigme (un mode reconnu d’explication) en paradigme à travers des révolutions scientifiques. La géographie d’hier était une discipline d’observation axée sur la mise en évidence de singularités. La nouvelle géographie renonce à l’exceptionnalisme jusqu’alors dominant : elle met en évidence des régularités, qu’elle explique par des hypothèses soumises à vérification empirique – d’où l’importance des méthodes quantitatives, mises en œuvre à cette occasion. Explanation in Geography, que publie David Harvey en 1969, souligne que la Nouvelle Géographie est dans le droit-fil de l’épistémologie néo-positiviste alors à la mode.

62 Les conséquences des idées de Kuhn sont bien vite manifestes : il existe deux catégories de chercheurs, ceux qui accumulent les résultats sans se soucier de mettre systématiquement à jour leur explication, et ceux qui comprennent vite que les écarts entre mesures attendues et données réelles remettent en cause le paradigme dominant, et s’emploient à en inventer d’autres. Aux seconds, les honneurs, la gloire ! La conséquence ? Les révolutions scientifiques se multiplient. Au lieu de se succéder tous les trois siècles, comme en physique, on en compte, en géographie, deux ou trois par décennie ! Est-ce sérieux ?

5.De l’idée de révolution scientifique à celle de tournant

63 Pour traiter de l’évolution de la géographie depuis une quarantaine d’années, on n’a plus guère recours à l’idée de révolution scientifique. Elle s’adapte mal aux réalités observées dans les sciences de l’homme et de la société. Cela ne veut évidemment pas dire qu’il n’y a pas de discontinuités, mais celles-ci sont d’une autre nature : les termes employés le disent, puisqu’on parle, dans la seconde moitié des années 1980, d’un tournant spatial des sciences sociales et d’un tournant linguistique de l’histoire, avant de montrer que la géographie traverse un tournant culturel. L’expression apparaît à la fin

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 42

des années 1990 (Cooke et al., 2000 ; Valentine, 2001), mais définit l’ensemble des bouleversements que connaît la discipline depuis les années 1970.

64 Les discontinuités que l’on qualifie de révolution scientifique et de tournant (linguistique, spatial, culturel…) ne sont pas de même nature. La révolution scientifique naît d’une remise en cause des principes et des mécanismes sur lesquels reposait jusqu’alors l’explication : on va plus profond dans la logique des faits que l’on étudie, ce qui permet de mettre en évidence des mécanismes jusque-là ignorés. Le tournant culturel ne résulte pas du même processus ; il ne naît pas d’un approfondissement de la connaissance du réel, mais d’un changement de la perspective que l’on adopte pour l’étudier. Le tournant spatial des sciences sociales ? Il naît d’un constat : les sociologues et beaucoup d’autres spécialistes en sciences sociales ont longtemps considéré que le temps constituait la variable essentielle pour comprendre les réalités sociales, ce qui les conduisait à minorer le rôle de l’espace. Avec la fin des philosophies de l’histoire et la critique de l’idée de progrès, ils ont cessé de croire que tout pouvait s’interpréter en termes d’évolution. De là leur intérêt nouveau pour les lieux et pour l’espace !

65 Le tournant linguistique de l’histoire ? Il résulte, lui aussi, d’un changement de perspective. Les historiens supposaient qu’à une époque donnée, la même logique était à l’œuvre dans toutes les couches de la société. C’est cela qui est mis en doute : pour qui veut comprendre l’histoire de l’Inde coloniale, on ne peut se contenter des lunettes que le colonisateur britannique a imposées, il y a un siècle et demi, à ceux qui l’analysaient. Il faut aussi prêter attention à la masse de la population – aux groupes ‘subalternes’ (Chatterjee et al., 2000) et à leur manière de vivre, de penser et de dire leur expérience : d’où l’importance du tournant linguistique.

66 Le tournant culturel de la géographie ? Il naît, comme les autres, du changement d’optique qui caractérise les sciences de l’homme et de la société depuis les alentours de 1970 : fin des idéologies du progrès et des philosophies de l’histoire, critique de la pensée occidentale, prise en compte de groupes sociaux jusqu’alors négligés – les groupes ‘subalternes’, qu’il s’agisse des femmes, des enfants, des personnes âgées, des minorités ethniques, des populations dominées. En géographie, le tournant culturel, souligne d’abord que les lieux ne sont pas vécus partout de la même manière : leur signification reflète la culture de ceux qui y résident ou qui les fréquentent. Les catégories ‘scientifiques’ utilisées pour analyser la réalité géographique reflètent elles- mêmes les attitudes, les préjugés et le système d’idées dominants de ceux qui les mettent en œuvre. Les ressorts de l’économie ne sont pas les mêmes dans une société où les échanges reposent sur le don et du contre-don, sur la collecte centralisée et la redistribution, ou sur le marché, pour reprendre les catégories proposées par Karl Polanyi en 1944.

67 Le tournant culturel a une double conséquence : (1) l’approche culturelle, présente dès l’origine en géographie humaine, cesse de mettre l’accent sur les artefacts, sur les outillages et sur la traduction objective des différences dans les manières de sentir et de penser ; elle part désormais des représentations et de l’imaginaire ; elle fait une large place à l’expérience humaine et au sens que les gens donnent à leur environnement et à leur insertion dans le monde ; (2) l’approche culturelle conduit à relativiser les divisions traditionnelles de la discipline ; elle montre, par exemple, que l’économie n’est pas pensée et mise en œuvre à travers les mêmes cadres, et qu’elle ne repose pas sur les mêmes mécanismes, dans le monde traditionnel et dans les sociétés marchandes contemporaines.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 43

7.L’analyse des mouvements intellectuels

68 Les interprétations que propose l’histoire de la géographie sont parfois plus ambitieuses : elles essaient de saisir dans un même mouvement le contexte intellectuel dans laquelle se développe la recherche, les conditions matérielles sur lesquelles elle repose, et le travail des chercheurs. L’inspiration vient parfois de Michel Foucault. Elle s’appuie aussi sur les nouvelles formes de la sociologie de la science.

1.La dynamique des mouvements intellectuels : germination, diffusion, réinterprétation

69 L’idée de mouvement intellectuel offre une manière féconde d’expliquer la dynamique de la pensée scientifique. Elle doit une large part de son succès à Michel Foucault (1966 ; 1969), qui qualifiait d’épistémés les perspectives qui structurent curiosités et courants de recherche à un moment donné ; ces perspectives s’expriment dans de grands discours.

70 La démarche repose sur un présupposé essentiel : les idées évoluent dans un cadre qui ignore les limites disciplinaires et, dans une certaine mesure, les frontières géographiques ; elles circulent dans un milieu d’intellectuels et de chercheurs qui s’informent volontiers de ce qui se passe dans le champ général du savoir. A certains moments, ils sont gagnés par de nouvelles façons de comprendre leur travail et se mettent à nourrir des attentes similaires sur ce que doit être le progrès des connaissances scientifiques. L’idée de mouvement intellectuel conceptualise donc la notion de contexte ; c’est l’ensemble de la vie intellectuelle d’une époque qui est balayé ; l’approche a du même coup une dimension pluridisciplinaire.

71 Prenons un exemple. Le mouvement scientifique moderne, lancé par des physiciens et des mathématiciens à Vienne dans les années 1920 (Carnap, 1935), touche l’ensemble des sciences sociales à partir des années 1930 : en histoire, en science économique, des chercheurs prennent alors conscience des faiblesses de leurs disciplines ; elles ne parviennent pas à rivaliser, par la rigueur de leurs méthodes et la richesse de leurs résultats, avec les sciences physiques ou naturelles. Il s’agit de les rendre plus cohérentes en leur appliquant des procédures ‘scientifiques’ au sens des sciences exactes – en leur donnant une base théorique, celle-ci demandant à être confortée par des vérifications empiriques.

72 Dès l’avant-guerre, le mouvement affecte l’économie (comme le montre à la fois ses progrès théoriques – l’analyse macroéconomique en particulier – et le renforcement de ses méthodes d’observation, avec l’essor de l’économétrie), l’histoire économique (où les travaux sur les cycles économiques se multiplient) ou la psychologie (qui a recours, pour interpréter les tests d’intelligence qu’elle vient d’inventer, à l’analyse factorielle).

73 L’influence du mouvement se renforce durant la seconde guerre mondiale : la conduite des hostilités conduit à réfléchir à la préparation logistique des bombardements ou des débarquements : cela débouche sur l’analyse opérationnelle. On apprend aussi à mobiliser de nouveaux outils statistiques et mathématiques L’ordinateur apparaît. Les travaux sur le radar font mieux comprendre le fonctionnement des systèmes asservis : la cybernétique en tire parti.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 44

74 Le mouvement scientifique qui se développe après la Seconde Guerre mondiale combine souci de rigueur et conviction que les progrès de la recherche mathématique, les nouvelles ressources de la statistique et l’invention de nouvelles disciplines offrent aux sciences sociales les outils qui leur manquaient jusqu’alors. La confiance que l’on met dans le devenir des sciences de l’homme en sort renforcée, comme Claude Lévi- Strauss (1955) le souligne fortement.

75 Les nouvelles réflexions sur le devenir des sciences gagnent la géographie dans les années 1940 et 1950. Elles sont motivées par le souci de créer une science plus applicable, plus capable en particulier de porter des diagnostics sur les problèmes du développement, et plus apte à proposer des méthodes rationnelles d’aménagement.

76 L’inspiration vient de l’économie spatiale, des modèles gravitationnels, de la réflexion sur les champs de force. Elle insiste sur la géométrie de certaines distributions, celle des lieux centraux en particulier. Elle mobilise des outils nouveaux pour analyser ces aspects de la réalité.

77 Comment et à partir de quand ce mouvement intellectuel affecte-t-il la géographie francophone européenne ? Quelle part de son inspiration provient-elle des évolutions voisines que l’on observe dans la sociologie, l’histoire ou les sciences politiques françaises ? Quel a été, par exemple, l’influence de Benzecri dans le domaine des outils statistiques ? Celle d’Edgar Morin sur l’idée de système ?

78 Au fur et à mesure que les résultats obtenus par les nouvelles orientations s’accumulent, ceux qui en sont responsables prennent conscience de la valeur de leur démarche. Le mouvement de curiosité, et le messianisme scientifique qui le caractérisait, cèdent la place à une idéologie scientifique qui fige le mouvement...

2.L’histoire de la géographie comme analyse des pratiques des chercheurs

79 A ces approches s’opposent celles qui s’attachent plutôt aux pratiques que mettent en œuvre les géographes. Cela fait maintenant trente ans qu’elles se développent en France, où elles tiennent une place essentielle dans les travaux de Marie-Claire Robic et du laboratoire qu’elle a longtemps dirigé (Var. Auc., 1993 ; Beaudelle et al., 2001).

80 Ces recherches, précisent, par exemple, les usages de la carte ou du globe, détaillent les emplois de l’image, montrent la signification des croquis pris sur le terrain et de ceux qui sont conçus à des fins pédagogiques – et qui constituent une part essentielle de la géomorphologie à l’époque de William Morris Davis ou d’Emmanuel de Martonne. Elles insistent sur les outils pédagogiques employés par la discipline pour faire comprendre ses résultats. Elles mettent l’accent sur le progrès que constitue, dans ce domaine, le recours à la photographie – ce qui rend particulièrement exemplaire l’œuvre de Jean Brunhes.

81 Un pas est franchi avec les travaux d’Anne Volvey (2003). On y sent l’influence de la psychanalyse : les pratiques ne soulignent pas seulement la dimension matérielle de la recherche, les outils qu’elle mobilise. Elles marquent la personnalité du chercheur : le terrain finit par peser lourdement sur son inconscient.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 45

8.La sociologie des sciences : l’histoire de la géographie entre pratiques, dispositifs de recherche et marché des idées

82 A la suite de Bruno Latour (Latour, 1992 ; 2012 ; Latour et Wolgar, 1979), la sociologie des sciences propose une conception nouvelle de l’évolution de la recherche. Les approches jusqu’ici évoquées reposaient sur une vision tacitement acceptée de ce qu’est une discipline scientifique : l’accent était placé sur les projets qui inspiraient les chercheurs, sur les méthodes qu’ils mobilisaient et sur les types d’explication qu’ils privilégiaient. C’est en ces termes que les scientifiques exposaient, d’ailleurs, leurs démarches.

83 La sociologie de la science adopte un point de vue différent. Elle applique à la recherche les méthodes que les scientifiques mettent en œuvre pour analyser les aspects du réel qui les intéressent. Elle aborde la réalité de l’extérieur et accorde autant d’attention aux matériaux et aux instruments qu’une expérience met en œuvre qu’à ceux qui les utilisent : "au lieu de s’intéresser à des sujets (humains) et à des objets (non humains), elle imagine des acteurs qui peuvent être humains et non humains et qui coopèrent pour se faire exister réciproquement" (Le Monde des Livres, 21/09/2012, p. 6) : c’est la théorie de l’acteur-réseau.

84 La démarche saisit le mouvement de la science à travers les ‘dispositifs’ complexes qu’elle mobilise, les matériels qu’elle emploie, les lieux où elle se déroule, les phases du travail qu’elle implique - du laboratoire à l’écriture et à la diffusion des résultats. Le processus se joue sur plusieurs théâtres : le lieu où ont lieu les expériences, celui où les résultats sont élaborés et l’espace scientifique public (revues, conférences, réseaux internet) où ils doivent triompher de visions contradictoires.

85 Cette conception de l’histoire des sciences connaît un grand succès depuis une génération. Grâce à elle, l’historien se trouve en position de force vis-à-vis de ceux qu’il étudie : il n’est plus à l’écoute de ce qu’ils disent et cherchent à faire croire ; il part de ce qu’il observe, de l’appareil dont s’entourent les chercheurs pour étayer leurs thèses, des moyens qu’ils mobilisent pour les faire connaître et des stratégies qu’ils développent pour les imposer à la communauté scientifique.

86 En histoire des sciences, la perspective de la sociologique scientifique constitue une innovation féconde : dans un contexte historique et géographique donné et dans la situation institutionnelle qui y est faite à la recherche, les options du chercheur se trouvent dans une large mesure dictées par la position qu’il occupe et les instruments dont il dispose.

87 Les travaux inspirés par Bruno Latour ont un écho en géographie. La thèse de Yann Calbérac, qui porte sur Terrains de Géographes, Géographes de Terrain. Communauté et imaginaire disciplinaires au miroir des pratiques de terrain des géographes français du XXe siècle, le montre. Comme chez Marie-Claire Robic, l’accent y est mis sur les pratiques ; comme chez Anne Volvey, l’acteur-réseau (ou les acteurs-réseaux) que constitue le terrain est placé au cœur de l’analyse. Le travail est conçu en termes de sociologie des sciences. Le but n’est pas de cerner le mouvement des idées, mais de montrer comment une communauté scientifique se construit autour d’une pratique et des représentations qu’elle suscite.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 46

88 Yann Calbérac distingue trois étapes dans l’élaboration des ‘savoirs’ géographiques : 1- la pratique géographique est centrée sur le terrain, où le chercheur mène ses observations ; 2- les résultats de celles-ci sont alors rédigés : l’écriture leur donne un sens ; 3- au final, le travail s’inscrit dans un discours, qui est confronté à d’autres, ce qui lui donne la signification qui lui est reconnue.

89 De son analyse, Yann Calbérac tire une conclusion : le chercheur est ‘agi’ par le dispositif matériel et social dans lequel il s’insère : "[…] ce n’est plus le géographe qui fait du terrain (en respectant les codes et les règles en usage dans sa discipline), mais bel et bien le terrain qui fait le géographe […]" (Calbérac, 2010, p. 369).

90 Jusqu’à quel point peut-on accepter le diagnostic que la ‘sociologie des sciences’ porte ainsi sur la géographie ? i. La recherche géographique n’implique pas toujours de terrain, au sens strict du terme. Celui qui est placé dans l’obligation de ‘faire’ du terrain, le pense, l’organise et l’utilise, d’autre part, en fonction de sa sensibilité, de ses préférences, de ses intuitions. Toute interprétation qui fait la part trop belle aux déterminations ‘sociologiques’ de la recherche oublie qu’elle traite d’hommes et non de robots ; elle ignore la part d’improvisation, de rêve, d’intuition qui amène certains chercheurs à voir un problème là où les autres ne perçoivent rien, et les aident à en imaginer la solution. Fleming aurait-il découvert la pénicilline si ses éprouvettes avaient toujours été impeccablement propres, et s’il ne s’était pas interrogé sur l’évolution des colonies qui s’y développaient ? ii. Le travail d’écriture est moins libre que la sociologie des sciences ne le laisse supposer, puisque ses démonstrations doivent s’appuyer sur des observations et des expériences. iii. A un moment donné, l’histoire de la géographie ne s’exprime pas qu’à travers un seul discours. Plusieurs sont en compétition, ce qui laisse un choix au chercheur ou aux lecteurs, et incite à inventer de nouvelles interprétations.

91 En réduisant la première phase du travail du géographe au terrain, la sociologie des sciences, dans ses développements actuels, ne prend pas en compte la diversité réelle des formes de la recherche ; en insistant sur l’aspect constructeur de sens de toute rhétorique, il oublie de signaler que la science cherche, depuis ses origines, à éliminer les ‘passagers clandestins’ que charrient les mots et les discours. Ces simplifications accentuent le caractère constructiviste de la géographie, sans que la nature de sa démarche soit réellement précisée.

92 La sociologie des sciences offre une voie originale pour analyser la problématique de la géographie, mais elle le fait de manière un peu trop floue pour être tout à fait crédible : sa démarche est trop impressionniste. Cela enlève une partie de sa portée à la trilogie terrain/écriture/discours qu’elle place au cœur de son analyse.

Conclusion

93 Pour se développer vigoureusement, les sciences ont besoin d’analyser leur passé et de comprendre les dynamiques qui y étaient alors à l’œuvre. Cela donne la mesure de la contribution de chacun au mouvement d’ensemble ; cela évite le développement d’idéologies scientifiques, qui peuvent être stérilisantes.

94 Pour parvenir à de tels résultats, il convient de passer de la mémorisation spontanée, généralement orale, à une démarche organisée et critique. On apprend vite que le résultat auquel conduisent les reconstitutions dépend de la période et du champ

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 47

étudiés : il est impossible d’écrire une histoire de la géographie qui établisse une vérité universelle.

95 Les histoires ‘scientifiques’ sont nécessairement partielles. Elles sont soumises à d’incessantes révisions. Elles soulignent le rôle des courants intellectuels généraux et le poids des institutions responsables à la fois de la construction des systèmes d’informations géographiques, du statut des géographes et des cadres dans lesquels ils travaillent. Elles prennent en compte la dimension biographique des recherches. Elles en précisent le mouvement en recourant à des modèles, qui ne cessent de s’affiner. Elles en soulignent les caractéristiques sociologiques. Elles font comprendre les efforts, les résultats et les limites de chacun des courants qui inspirent la recherche ; elles montrent leur impact sur la société qui les nourrit, et les manières dont les acquis de la recherche se trouvent mobilisés pour résoudre les problèmes de l’heure. Elle indique enfin l’écart qui existe souvent entre les besoins et les aspirations du corps social, et les préoccupations des chercheurs.

BIBLIOGRAPHIE

Baudelle G., Ozouf-Marignier M.-V.,Robic M.-C. (dir.), 2001, Géographes en pratiques (1870-1945), Rennes, PUR.

Berdoulay, Vincent, 1981, La Formation de l'école française de géographie (1870-1914), Paris, Bibliothèque Nationale.

Bloch, Marc, 1949, Apologie de l’histoire, ou métier d’historien, Paris, Armand Colin.

Bunge, William, 1962, Theoretical Geography, Lund, C.W.K. Gleerup.

Carnap, R. 1935, Le Problème de la logique de la science. Science formelle et science réelle, Paris, Hermann.

Chatterjee, P. and P. Jeganathan, (eds.), 2000, Subaltern Studies XI: Community, Gender, Violence, Delhi, Permanent Black.

Claval, Paul, 1964, Essai sur l’évolution de la géographie humaine, Paris, les Belles Lettres.

Claval, Paul, 1972, La Pensée géographique. Introduction à son histoire, Paris, SEDES.

Claval, Paul, 1976, Essai sur l'évolution de la géographie humaine, Paris, Les Belles Lettres, 2° éd..

Claval, Paul, 1980, Les Mythes fondateurs des sciences sociales, Paris, PUF.

Claval, Paul, 1984, Géographie humaine et économique contemporaine, Paris, PUF.

Claval, Paul, 1998, Histoire de la géographie française de 1870 à nos jours, Paris, Nathan.

Claval, Paul, 2001a, Epistémologie de la géographie, Paris, Nathan.

Claval, Paul, 2001b, "Geographic Thought, History of", International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences, Elsevier, p. 6188-6194.

Claval, Paul, 2006, Géographies et géographes, Paris, L’Harmattan.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 48

Claval, Paul, 2012, De la Terre aux Hommes, Paris, Armand Colin.

Cook, I, Crouch, D., Naylor, S, Ryan, J. R., (eds), 2000, Cultural Turn/Geographical Turn, Harlow, Pearson Education Limited.

Dainville, François de, 1940, La géographie des humanistes, Paris, Beauchesne.

Febvre, Lucien, 1922, La Terre et l 'évolution de l'humanité. Introduction géographique à l'histoire, Paris, La Renaissance du Livre.

Foucault, Michel, 1966, Les Mots et les choses, Paris, Gallimard.

Foucault, Michel, 1969, L'Archéologie du savoir, Paris, Gallimard.

Foucault, Michel, 1976, Surveiller et punir, Paris, Gallimard.

Freeman, T. Walter., 1967, The Geographer's Craft, Manchester, Manchester University Press.

Gallois, Lucien, 1908, Régions naturelles et noms de pays, Paris, Armand Colin.

Gottmann, Jean, 1947, "De la méthode d'analyse en géographie humaine", Annales de Géographie, vol.. 56, p. 1-12.

Gottmann, Jean, 1952, La Politique des Etats et leur géographie, Paris, A. Colin.

Hartsthorne, Richard, 1939, The Nature of Geography, Lancaster, Association of American Geographers.

Harvey, David, 1969, Explanation in Geography, London, Arnold.

Jacob, Christian,1991, Géographie et ethnographie en Grèce ancienne, Paris, Armand Colin.

Jacob, Christian, 1992, L'Empire des cartes, Paris, Albin Michel,537 p.

Johnston, Ronald J., 1979, Geography and Geographers. Anglo-American Human Geography since 1945, Londres, Arnold; utilisé dans la 3ème édition, 1987.

Johnston, Ronald J., 1991, A Question of Place. Exploring the Practice of Human Geography, Oxford, Blackwell.

Koyré, Alexandre, 1962, Du Monde clos à l'univers infini, Paris, PUF.

Kuhn, Thomas, 1962, The Structure of Scientific Revolutions, Chicago, Chicago University Press.

Lacoste, Y., 1976, La Géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre, Paris, Maspéro.

Latour, Bruno, 1991, Nous n'avons jamais été modernes, Paris, la Découverte.

Latour, Bruno, 2012, Enquête sur les modes d’existence. Une anthropologie des modernes, Paris, la Découverte.

Latour, Bruno et Woolgar, S., 1979, Laboratory Life. The Construction of Scientific Facts, Beverly Hills, Sage. Trad. fse, La Vie de laboratoire, Paris, La Découverte, 1991.

Lévi-Strauss, C., 1955, "Les mathématiques de l'homme", Bulletin international des Sciences sociales, vol. 6, n° 4.

Livingstone, David N., 1992, The geographical tradition, Oxford, Blackwell.

Livingstone, David N., 2009, "Geography (History of)", in D. Gregory et al., The Dictionary of Human Geography, New York/Oxford, Wiley/Blackwell, 5ème éd., p. 295-299.

Meynier, André, 1969, Histoire de la pensée géographique en France, Paris, PUF.

O Tuathail, Gearóid, 1996, Critical Geopolitics, London, Routledge

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 49

Pinchemel, Philippe, Marie-Claire Robic et Jean-Louis Tissier, 1984, Deux siècles de géographie française, Paris, Bibliothèque Nationale.

Polanyi, C., 1944, The Great Transformation, New York, Rinehart.

Ratzel, Friedrich, 1882-1891, Anthropogeographie oder Anwendung der Erdkunde auf die Geschichte, Stuttgart, Engleborn, 2 vol.

Ratzel, Friedrich, 1897, Politische Geographie, Munich, Oldenburg.

Sanguin, André-Louis, 1993, Vidal de la Blache. Un génie de la géographie, Paris, Belin.

Schaefer, Fred. K., 1953, "Exceptionalism in Geography. A Methodological Examination", Annals, Association of American Geographers, vol. 43, p. 226-249.

Soubeyran, Olivier, 1997, Imaginaire, science et discipline, Paris/Montréal, L’Harmattan.

Staszak, Jean-François, 1995, La géographie d'avant la géographique. Le climat chez Aristote et Hippocrate, Paris, L'Harmattan.

Ullman, Edward L., 1953, "Geography as spatial interaction", in : Interregional Linkages. Proceedings of the Western Committee on Regional Economic Analysis, Berkeley, Social Sciences Research Council, p. 63-71.

Valentine, Gill, 2001, "Whatever happened to the social ? Reflections on the 'Cultural Turn' in British Geography", Norsk Geografisk Tidsskrift, vol. 55, n° 3, Sept., p. 166-172.

Varii Auctores, 1993, Autour du monde. Jean Brunhes. Regards d'un géographe/regards de la géographie, Paris, Vilo.

Vidal de la Blache, Paul, 1888, "Des divisions fondamentales du sol français", Bulletin Littéraire, vol. 2, p. 129-142.

Vidal de la Blache, Paul, 1903, Tableau de la géographie de la France, Paris, Hachette.

Vidal de la Blache, Paul, 1910, "Régions françaises", Revue de Paris, n° 6, p. 821-849.

Vidal de la Blache, Paul, 1913, "La relativité des divisions régionales", in : Les Divisions régionales de la France, Paris, Alcan, p. 1-14.

Vidal de la Blache, Paul, 1922, Principes de géographie humaine, Paris, A. Colin.

Volvey, A., 2003, "Terrain" in Lévy, J. et Lussault, M. (dir.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris : Belin. 1 033 p. p. 904 à 906.

RÉSUMÉS

Pour comprendre le passé de la géographie, il convient de passer de la mémorisation spontanée, généralement orale, à une démarche organisée. Malgré les précautions prises lors de son élaboration, l’histoire ‘scientifique’ porte la marque des préoccupations et de l’idéologie de ceux qui la rédigent : elle doit être soumise à la critique. Cette histoire souligne le poids des institutions responsables à la fois de la construction des systèmes d’informations géographiques, du statut des géographes et des cadres dans lesquels ils travaillent. Elle prend en compte la dimension biographique des recherches ; la géographie est un métier ; la recherche qu’elle suscite s’applique à un champ et mobilise un corpus ; elle s’exerce sur le terrain. Le développement des idées peut suivre une trajectoire linéaire, résulter des impulsions multiples de cercles d’affinités, s’inscrire dans une pluralité d’écoles, traduire une succession de phases de science normale et de révolutions scientifiques, ou évoluer à travers de grands tournants. L’analyse des mouvements

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 50

intellectuels, à la façon de Michel Foucault, et les travaux de sociologie des sciences, à la manière de Bruno Latour, remettent en cause la prééminence de la logique des idées.

Para compreender o passado da geografia, é importante passar da memorização espontânea, geralmente oral, para uma história cuja abordagem seja organizada. Apesar das precauções tomadas em sua elaboração, a história ‘científica’ carrega a marca das preocupações e das ideologias que governam àqueles que a redigem: ela deve estar submetida à crítica. Esta história ressalta o peso das instituições responsáveis, ao mesmo tempo, pela construção dos sistemas de informação geográfica, pelo status dos geógrafos e os marcos em que eles trabalham. Ela leva em consideração a dimensão biográfica das pesquisas; a geografia é um métier; a pesquisa que ela suscita se aplica a um campus e mobiliza um corpus; ela se exerce sobre um terreno. O desenvolvimento das idéias pode seguir uma trajetória linear, resultar de múltiplas impulsões de círculos de afinidades, inscrever-se numa pluralidade de escolas, traduzir uma sucessão de fases da ciência normal e das revoluções científicas, ou evoluir a través de grandes viradas. A análise dos movimentos intelectuais, a maneira de Michel Foucault, e os trabalhos de sociologia das ciências, à maneira de Bruno Latour, questionam a proeminência da lógica das idéias.

Para comprender el pasado de la geografía, es importante pasar de la memorización espontánea, generalmente oral, para una historia cuyo abordaje sea organizado. A pesar de las precauciones tomadas en su elaboración, la historia ‘científica’ carga la marca de las preocupaciones y de las ideologías que gobiernan a aquellos que las redactan: debe someterse a la crítica. Esta historia resalta el peso de las instituciones responsables, al mismo tiempo, por la construcción de los sistemas de información geográfica, por el estatus de los geógrafos y los marcos en que trabajan. Lleva en consideración la dimensión biográfica de las investigaciones; la geografía es un métier; la investigación que suscita se aplica a un campus e moviliza un corpus; se ejerce sobre un terreno. El desarrollo de las ideas puede seguir una trayectoria lineal, resultar de múltiples impulsos de círculos de afinidades, inscribirse en una pluralidad de escuelas, traducir una sucesión de fases de la ciencia normal e de las revoluciones científicas, o evolucionar a través de grandes giros. El análisis de los movimientos intelectuales, a la manera de Michel Foucault, y los trabajos de sociología de las ciencias, a la manera de Bruno Latour, cuestionan la prominencia de la lógica de las ideas.

To get to understand geography’s past, it would be convenient to pass from the spontaneous memorization, generally oral, to an organized approach. Despite the precautions taken during its elaboration, ‘scientific’ history carries the mark of the concerns and the ideology of those who writes it: it must be subjected to criticism. This history remarks the weight of the institutions responsible at the same time for the construction of geographic information systems, the status of geographers and their frameworks. It takes into account the biographical dimension of research; geography is a métier; the research it encourages apply to a field e mobilizes a corpus; is exercised on the terrain. Development of ideas may follow a linear path, be the result of multiple impulses of affinity circles, enroll in a plurality of schools, reflect a succession of phases of normal science and scientific revolutions, or evolve through various turns. Analyses of intellectual movements in the way of Michel Foucault, and the sociology of science works in Bruno Latour’s way, undermine the rule of the logic of ideas.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 51

INDEX

Mots-clés : tradition orale, science, critique, systèmes d’informations géographiques, institutions géographiques, biographie, métier, champ scientifique, corpus, terrain, logique des idées, progrès linéaire, cercle d’affinités, école scientifique, révolution scientifique, tournant scientifique, épistémé, sociologie des sciences. Palabras claves : tradición oral, ciencia, crítica, sistemas de información geográfica, instituciones geográficas, biografía, métier, campo científico, corpus, terreno, lógica de las ideas, progreso lineal, círculos de afinidad, escuela científica, revolución científica, giro científico, episteme, sociología de la ciencia Keywords : oral tradition, science, critic, geographic information systems, geographic institutions, biography, métier, scientific field, corpus, terrain, logic of ideas, linear progress, circle of afinities, scientific school, scientific revolution, scientific turn, episteme, sociology of sciences Palavras-chave : tradição oral, ciência, crítica, sistemas de informação geográfica, instituições geográficas, biografia, métier, campo científico, corpus, terreno, lógica das ideias, progresso linear, círculos de afinidade, escola científica, revolução científica, virada científica, episteme, sociologia da ciência

AUTEURS

PAUL CLAVAL

Université de Paris — Sorbonne

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 52

Entrando em território arriscado O espaço na era da navegação digital Entrando en territorio arriesgado: el espacio en la era de la navegación digital Entrer dans un territoire risqué : l'espace à l'ère de la navigation numérique Entering a risky territory: space in the age of digital navigation

Valérie November, Eduardo Camacho-Hübner e Bruno Latour Tradução : David Palacios

NOTA DO EDITOR

A seguinte é a tradução brasileira do artigo de Bruno Latour, Valérie November e Eduardo Camacho-Hübner titulado «Entering a risky territory: space in the age of digital navigation», publicado na revista Environment and Planning D: Society and Space (v. 28, n. 4, p. 581–599, 2010). Disponível em: [http://www.envplan.com/abstract.cgi? id=d10409]. Agradecemos os autores pela sua amável permissão para traduzir e publicar o artigo na revista Terra Brasilis.

1.Introdução

1 Quando cientistas sociais colaboram com geógrafos, frequentemente ficam intrigados pelo peso atribuído por seus colegas ao mapa de base,1 em cima do qual lhes pedem para projetar seus próprios objetos, como adicionando camadas [layers] mais superficiais a outra mais básica. Isto nunca é mais verdadeiro do que no domínio dos riscos. Os geógrafos insistem para que seus colegas sociólogos, economistas, antropólogos e psicólogos coloquem as suas interpretações dos riscos em cima do mapa base, o qual sustentaria supostamente a mais fundamental, a mais material, e, sobretudo, a mais física realidade. Uma colaboração semelhante tem a desvantagem de tornar impossível ir além da distinção entre riscos «objetivos» e «subjetivos». Os riscos constituem hoje uma questão crucial para as nossas sociedades, e pela sua natureza congregam diferentes disciplinas científicas. Mapear riscos forçou-nos a olhar mais de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 53

perto o papel ambíguo dos mapas. Nosso artigo encara algumas das razões pelas quais esta ênfase no mapa base não precisa ser o aspecto que caracterize as habilidades dos geógrafos, e oferece um caminho alternativo para a colaboração entre geógrafos e cientistas sociais que contorna a bem estabelecida distinção entre geografia «física» e «humana». Para dramatizar um pouco a questão, afirmamos que riscos devem ser tão fáceis de colocar no mapa quanto recifes. Não há razão pela qual os recifes, que podem ameaçar a navegação de navios e iates, sejam fáceis de mapear — apontando a sua localização exata usando a sua latitude e longitude e indicando simbolicamente a sua presença — e que seja difícil para os mesmos cartógrafos mapear os riscos (fogo, inundação, poluição, desemprego, crime, etc.) que uma população dada deve levar em conta.2 Não há razão para pensar que os recifes pertençam mais naturalmente ao mapa base e que estejam mais perto da camada fundamental, e que os riscos devam ser adicionados como camadas mais superficiais em cima da primeira. Queremos reconsiderar o impulso de mapear para que tanto os recifes quanto os riscos pertençam igualmente à definição de «território» — ambos sendo obstáculos a cursos de ação que podem ser registrados e marcados através de jogos de convenções em muitos tipos de mapas.

2 Este quebra-cabeça levou-nos a questionar as relações entre mapas, território e riscos. É o mapa, como indica Pickles (2004), não uma representação do mundo, mas uma inscrição que funciona (ou às vezes não) no mundo? Os mapas e o mapear precedem o território que «representam», ou podem ser entendidos como produtores dele? Muitos autores já propuseram uma profunda revisão das ideias de sentido comum acerca da emersão do território (Elden, 2005; Glennie and Thrift, 2009; Paasi, 2003; Painter, 2009).3 Assim como muitos autores revisaram o papel tradicional atribuído aos mapas. Aqui, também, diferentes escolas de pensamento estão presentes, desde aquelas que se concentram em retratar as relações políticas e institucionais do mapear (Akerman, 2009; Harley, 1989; Pickles, 2004) até aqueles mais focados no uso performativo dos mapas (Cosgrove, 1999) e a compreensão destes como emergindo através de um diverso jogo de práticas (Crampton, 2009; Dodge et al, 2009). No lado do risco, a mesma revisão prevalece, desde a compreensão probabilística do fenômeno até a concepção relacional dele [como proposta por Healy (2004) e November (2004; 2008), por exemplo]. Embora todas essas revisões fossem inspiradoras, as três noções de mapas, território e risco não foram ainda conjugadas num mesmo quebra-cabeça.

3 O que queremos mostrar aqui, graças à fecunda interface de três campos — os estudos da ciência (ou Science Studies), a geografia do risco4 e a gestão do conhecimento —, é que a falta de compreensão das relações entre mapas, territórios e riscos é uma consequência desafortunada da maneira com a qual o impulso de mapear foi interpretado no período modernista — do século XVIII ao final do XX (Latour, 1993). Queremos afirmar que, considerando o advento da navegação digital (Cartwright e Hunter, 1999; Fabrikant, 2000), pode introduzir-se uma interpretação muito diferente da empresa cartográfica ao permitir a distinção entre o uso mimético dos mapas e o seu uso navegacional. Esta distinção, no final, pode ajudar a geografia a compreender a ideia de riscos e ir além da divisão destes em «objetivos» e «subjetivos» ou em «físicos» e «humanos», como alguns geógrafos exortaram-nos a fazer (Harrison et al, 2004; Lane, 2001; Massey, 1999; Thrift, 2002).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 54

2.Mapas sempre foram interfaces de plataformas de cálculo

4 Contudo e os mapas estarem já em todas partes em forma impressa, fica claro para todos os seus usuários que eles sofreram uma profunda alteração graças à disponibilidade de tecnologias digitais (Crampton, 2003; Dodge et al, 2009). Não só a sua ubiquidade incrementou-se exponencialmente — aparelhos de GPS encontram-se agora em todos os carros, em qualquer computador de mão e em muitos telefones celulares — mas eles aparecem com muito mais frequência em formato digital do que no papel. Quando eles ainda aparecem em papel, como no caso de preparar uma viagem ou de enviar instruções a amigos, o mais provável é que este pedaço de papel seja apenas a impressão [printout] de uma pequena fração de uma base de dados computadorizada, uma imagem congelada a ser jogada fora depois de usada. Conquanto que nos tempos pré-computador (AC, como dizem os entusiastas, ou geeks) um mapa era uma certa quantidade de papel dobrado que podia olhar-se de cima ou pendurar-se na parede, hoje a experiência que temos ao engajar-se com cartografia é a de acessar em um banco de dados que recolhe informação em tempo real mediante uma interface (usualmente um computador). Imprimir tornou-se opcional. O mapa em papel, que foi tão central na experiência cartográfica, é agora apenas uma das muitas saídas [outputs] que as bases digitais podem prover, uma coisa que podemos ligar ou desligar à conveniência — como fazemos com a nossa impressora — mas que não mais define a experiência como um todo.

5 A primeira vista, uma interface navegacional como o Google Earth pode sentir-se como uma velha boa fotografia de satélite ou um mapa de papel, exceto que muito mais fácil de «sobrevoar». Mas esta impressão de familiaridade logo vira perturbadoramente estranha quando com um click passa-se de cartografia para fotografia, de 2D para 3D, de pequena escala a grande escala, dependendo da escolha que que se faça de distintas superposições [overlays]. E esta facilidade de navegação não é nada se comparada com o choque que pode sentir-se quando de repente diferentes tipos de informação totalmente bizarros explodem na tela: publicidade de Pizza Hut, vistas de rua feitas por completos estranhos, imagens em movimento transformando parte da cena em vídeos em tempo real, projeções de informações históricas, alertas sobre a presença no bairro de pessoas que possivelmente ficaram amigas através de alguma rede social recentemente criada. Com certeza, todos aqueles fragmentos de informação estiveram disponíveis em mapas AC, mas cada um teria sido impresso numa folha diferente ou adicionado em um meio separado. Hoje, por causa da sua compatibilidade digital, todas essas heterogêneas formas de mídia podem ser ingressadas em tipos similares de bases de dados, disponibilizadas de acordo com as buscas e recalculadas cada vez em tempo real. Um bônus extra é que a plataforma permite ao usuário adicionar informação pessoal fresca ao banco de dados, transformando assim o usuário do mapa em uma de suas miríades de contribuintes amadores.

6 De fato, não é esta uma experiência nova para os geógrafos praticantes habituados à noção de cartografia interativa desde os anos de 1980 e ao Google Earth desde 2005 (veja Crampton, 2003; Goodchild, 2007), mas com certeza é uma experiência nova para as massas agora engajadas no uso dos mapas numa forma muito diferente. Como podemos definir o que é original neste experimento coletivo? Digamos que quando ingressamos através de uma interface em um banco de dados geográfico, a tela do nosso

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 55

computador (fixo ou portátil, isto não importa mais) faz o papel de painel que nos permite navegar através de conjuntos de dados totalmente heterogêneos, os quais são atualizados em tempo real e localizados de acordo com as nossas buscas específicas (Cartwright, 1999; Pointet, 2007). Desta forma, mesmo que a experiência de navegação digital possa em um primeiro momento soar como uma mera extensão da experiência anterior de olhar para dados geográficos e combiná-los com outros tipos de informação, logo depois o número de traços novos é tão grande que somos forçados a confessar que esta é de fato uma experiência nova (Bowker, 2006). A nossa análise é que as tecnologias digitais têm reconfigurado a experiência cartográfica em uma outra coisa que desejamos chamar plataforma navegacional, e que é caraterizada pela presença de: • Bases ou bancos de dados; • Alguma interface para o manejo dos dados, i.e., cálculo, tratamento e recuperação; • Um painel [dashboard] de interface com os usuários em ambos sentidos; • Muitos tipos diferentes de saída [output] adaptados para uma grande quantidade de usuários — sendo uma destas saídas a impressão em papel.

7 Hoje, «olhar para o mapa» significa «ingressar em alguma plataforma navegacional» e, talvez, mas não mais necessariamente, imprimir uma parte dele para ajudar-se na circunavegação de alguma trajetória complicada.

8 Se enfatizamos a novidade da experiência oferecida a todos nós pelo advento da cartografia digital, não é para favorecer algum tipo de propaganda tecnológica. Pelo contrário, é para aproveitar a ocasião de perceber o quanto a antiga cartografia AC já provia seus usuários de todos os benefícios de uma plataforma navegacional. Ao olharmos em retrospectiva para as muitas e variadas formas com que os mapas foram realmente experimentados pelos seus praticantes, vemos que eles sempre usaram uma interface de cálculo tão variada e complexa com propósitos navegacionais.

9 Desta forma, podemos agora reinterpretar o impulso cartográfico reconhecendo seis caraterísticas essenciais que sempre estiveram ali — AC (antes dos computadores) como DC (depois dos computadores): • Aquisição de dados: este é o trabalho de levantamento inicial no terreno navegando através dele (heroicamente no começo, rotineiramente agora); • Manejo dos dados: isto se refere às instituições que são necessárias para juntar, hospedar, conservar, arquivar, manter e padronizar as massas de dados adquiridos; • Recálculo dos dados: os efeitos acumulativos que os centros de cálculo permitem mediante a superposição e cruzamento de referências de muitos tipos de informações heterogêneas feitas mais ou menos coerentes através de convenções e normas e recalculadas graças a muitas invenções sucessivas em matemáticas e manejo de dados; • Impressão: as saídas provisionais da plataforma na forma em que são produzidas por diferentes tipos de clientes e usos; • Sinais [singposts]: os muitos artefatos que estão alinhados de maneira a fazer utilizável a impressão e a estabelecer alguma correspondência (mais sobre isto embaixo) entre dois fragmentos sucessivos de informação; • Uso navegacional: as variadas formas em que a plataforma é colocada em uso por muitos tipos diferentes de usuários finais.

10 Apesar de existirem enormes diferenças entre o trabalho corajoso dos exploradores e cartógrafos primigênios (Alder, 2003; Trystram, 2001) e o uso de GPS e sensoriamento remoto, queremos afirmar que aquelas seis caraterísticas estiveram presentes desde sempre e que, se as técnicas digitais aceleraram drasticamente estes movimentos e

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 56

proveram muitos novos loops de retroalimentação entre estes passos, seu resultado líquido é o de ter tornado mais notória esta longa cadeia produtiva que já existia no passado (Carpo, 2001). Em outras palavras, se você podia antes esquecer tranquilamente a quantidade de instituições, habilidades, convenções e instrumentos que intervém na feitura de um atlas belamente impresso, fica muito mais difícil de fazê-lo agora que somos constantemente lembrados do número de satélites presidindo o nosso GPS, da repentina desaparição da cobertura da rede, das variações na qualidade dos dados, da irrupção da censura, das entradas [inputs] de usuários finais retornando dados, e assim por diante. Como é usual, longe de incrementar o sentimento de desmaterialização, as técnicas digitais tem rematerializado toda a cadeia de produção. É impossível hoje ignorar que, sempre que um mapa impresso está disponível, existe, tanto a montante quanto a jusante, uma longa e custosa cadeia produtiva que precisa de gente, habilidades, energia, software e instituições, e da qual depende a qualidade constantemente cambiante dos dados. Se AC todo geógrafo sabia disto (depois de tudo, era parte inevitável da sua prática diária), DC todo usuário final é também propenso a sentir a presença dessas redes.

3.Uso navegacional versus interpretação mimética dos mapas

11 É esta saliência da cadeia produtiva inteira que desejamos agora utilizar com o fim de ressaltar uma caraterística enigmática dos mapas: se estes fizeram sempre parte daquela cadeia, por que foram interpretados como tendo uma correspondência com um território físico? É possível que a noção mesma de território esteja ligada a um certo fascínio com mapas — uma fascinação devida à desatenção ao conjunto da cadeia de produção? Que o mapa não é o território todo leitor da excessivamente conhecida fábula «Sobre o Rigor na Ciência» de Borges sabe muito bem (Borges, 2004).5 Mas temos outra razão para pensar que um projeto semelhante só poderia produzir «mapas ingentes»:6 aquilo que é chamado de «terra» [land] sobre a qual se superpõe o mapa de escala um, pode nem existir também, pode ser um artefato, uma consequência tardia de uma filosofia errada aplicada ao empreendimento cartográfico. Com a ubiquidade digital da cartografia, estamos literalmente entrando em «território novo», tão novo que apenas guarda semelhança com o que era antes chamado de «território».7

12 Para compreender isto, basta aproximar-se aos modos em que a correspondência entre mapas e terras é feita na prática (Hutchins, 1995; Kitchin e Dodge, 2007).8 Considere-se apenas um exemplo: todo iatista sabe que a navegadora fica ocupada dentro da cabine usando o mapa disposto frente a ela para calcular com régua e compasso a melhor rota levando em conta os muitos retalhos de informação gritados a ela do cockpit. Para a navegadora, o mapa é de fato como uma régua de cálculo em 2D que incorpora num formato pré-calculado enormes massas de informação acerca de ângulos e distâncias, entre outros dados do tipo, superpostos com fontes diferentes a outros tipos de informação — topônimos, força média das correntes, nível da maré, bóias e faróis, formas dos recifes e dos naufrágios, regulações várias, e assim por diante. A única diferencia entre a situação AC e DC é que antes a navegadora tinha que fazer tudo sobre a superfície brilhante do mapa de papel impermeável e não, como faz nos dias de hoje, acessando ao seu laptop equipado com GPS, numa tela através de um teclado. Não é preciso um grande salto imaginativo para redescrever o lugar de trabalho da

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 57

navegadora como uma plataforma e interface de cálculo em ambas as situações — com a diferença de ter papel em um caso, e talvez não tê-lo no outro.

13 A navegadora procura então estabelecer alguma relação entre algumas das caraterísticas no mapa e as advertências gritadas a ela do cockpit pelos membros da sua equipe — que estão com a visão nublada pela borrifa do mar, as vozes cobertas pelo bramido das ondas e os corações excitados pelo calor da corrida. Mesmo que tendo aprendido de coração seu Descartes, ela nunca iria fantasiar nem por um minuto o capitão e a tripulação vivendo num «mundo exterior» semelhante àquele geométrico que ela está olhando; muitas funcionalidades não encaixam neste mundo geométrico: a borrifa, as ondas, o calor, a emoção da paisagem traiçoeira, as habilidades dos manobreiros. Mas seria igualmente errado acreditar que a navegadora, pelo fato de estar embaixo na cabine olhando para o mapa, traçando as suas rotas no papel com régua e bússola, reside «num» espaço geométrico (Ingold, 2007). A relação que ela está procurando baseia-se não em alguma semelhança entre o mapa e o território, mas na detecção de pistas relevantes que permitam seu time avançar através de um jogo heterogêneo de pontos marcados [datapoints], de um sinal para o seguinte: alguns sinais são visibilizados a partir do confuso mundo do cockpit (por exemplo, uma gritante bóia vermelha que a tripulação estava louca por bordejar), e alguns são visíveis no não menos confuso e enjoativo mundo da cabine (por exemplo, um ponto escuro no mapa com uma ponta vermelha, que está justo no ângulo esperado pela navegadora desde que a última baliza fora reconhecida com segurança e marcada com caneta azul).

14 O que fica claro do exemplo da conexão continuamente renegociada entre a navegadora e o capitão no cockpit é que no passado podíamos confundir dois significados completamente diferentes da palavra «correspondência»: o primeiro parece fiar-se numa semelhança entre dois elementos (signos no mapa e território, ou, mais filosoficamente, palavras e mundos), entanto que o segundo enfatiza o estabelecimento de alguma relevância que permite a navegadora alinhar muitos sinais sucessivos ao longo de uma trajetória. Enquanto o primeiro significado implica o que James chamou de salto mortale entre dois, e somente dois, pontos extremos a um lado e outro dum enorme abismo, o segundo define o que este mesmo autor chamou de deambulação entre muitos degraus sucessivos com o fim de atingir o milagre da referência assegurando-se de deixar a menor brecha possível entre cada um dos sucessivos links (James, 1996a). Ambos dependem da correspondência, mas um engaja o impulso cartográfico num impasse (ironicamente registrado pela fábula de Borges: é o mapa semelhante ao território?) entanto que o outro permite afastar-se dele e desdobrar toda a cadeia produtiva que esteve sempre associada ao mapear — como reconhecemos em cima. Para clarificar a diferença entre os dois significados, vamos chamar o primeiro de interpretação mimética e o segundo de interpretação navegacional dos mapas.

15 Por que navegacional? Porque afirmamos que a experiência comum de usar mapas digitais na tela, e não mais no papel, estendeu vastamente o significado da palavra navegação. Com efeito, retornamos ao primeiro uso do impulso de fazer mapas (Jacob, 1992), não só no sentido marítimo da palavra, mas não sentido amplamente alargado, familiar agora em razão dos mundos digitais (Cartwright, 1999). Os usuários das plataformas estão envolvidos em receber e enviar informação para permitir outros agentes orientar-se através do labirinto de dados: podem ser dados acerca da trajetória do iate (como no exemplo da navegadora acima), numa biblioteca digital (Bowker, 2006; Fabrikant and Buttenfield, 2001), ou através de uma rede social ou de uma cidade. Não

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 58

importa: todo mundo agora tem a experiência de navegar através de sinais sucessivos na tela. O significado de navegação AC e seu significado DC, tomados literal ou figurativamente, estão em continuidade um com outro. Toda a história da cartografia deveria mostrar, se tomada como uma atividade prática, todos os exploradores, navegadores, cartógrafos, geómetras, matemáticos, físicos, pessoal militar, planificadores urbanos e turistas que «acessaram», por dizer de alguma forma, naquelas «plataformas» com o fim de alimentar «bases de dados» com algum fragmento de informação, ou de desenhar mapas, ou de usá-los em alguma forma que resolva os seus problemas navegacionais (Chrisman, 1997; Collectif, 1980).9

16 Em todos esses casos há de fato uma correspondência, mas esta funciona precisamente porque não é mimética. O que conta no exemplo do iate é que os dados imergidos no mar pelo Serviço Náutico sob a forma duma bóia berrante guardam alguma relação (ângulos especialmente) com um mapa que usa os mesmos padrões para codificar os mesmos dados (longitude e latitude), aos quais foram adicionadas numerosas convenções internacionais acerca de como desenhar e onde afundar as bóias e como decidir como imprimir signos nos mapas. Com certeza, tem muita matemática, muita geometria, muita realidade, muitas correspondências, muitos sinais no mundo interpretado na sua dimensão navegacional, mas estes não estão distribuídos da mesma forma do que na dimensão mimética: eles não se dividem em dois, de modo a formar um «fora» real analógico e um «dentro» cartográfico representacional.

17 Permitam-nos já notar que numa tal redescrição recifes e riscos, recifes como riscos, são um e o mesmo para a navegadora: obstáculos ao longo do caminho que ela e a sua tripulação procuram contornar. Podemos talvez começar agora a entender por que a cartografia do risco é ao mesmo tempo tão difícil e tão recompensadora: não haveria sentido nenhum em manter uma interpretação mimética dos riscos como se houvessem «lá fora» riscos objetivos — por exemplo, desastres ou catástrofes — a serem mapeados. Em lugar disto, fica claro que para o caso dos riscos aquilo que deve ser registrado é a longa coleção de sinais (recifes, bóias, nível da maré, algoritmos, etc.) e advertências (e.g. alertas meteorológicos) que definem caminhos complexos através de séries de instituições e práticas de risco. E ainda, isto não significa que se deva cair numa definição dos riscos meramente subjetiva. É precisamente devido ao fato que os riscos não podem ser completamente calculados que eles podem escapar do destino de serem divididos numa realidade objetiva à qual deve acrescentar-se uma interpretação subjetiva.10 Um mapeamento sólido e realista de trajetórias ao longo de caminhos de risco é perfeitamente possível, mas na condição de deixar de lado a interpretação mimética dada aos mapas.

18 Para resumir o argumento desenvolvido até agora, oferecemos este diagrama (figura 1) mostrando o mesmo mapa interpretado em duas formas ortogonais: a primeira, a navegacional, insere o mapa numa deambulação a partir de um sinal para o seguinte e estabelece várias correspondências entre conjuntos heterogêneos de mídias; a segunda interpretação, a mimética, ao esquecer do impulso navegacional, imagina que existem dois jogos de imagens que devem parecer-se e uma à outra.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 59

Figura 1

Duas interpretações ortogonais do impulso cartográfico. Fonte: os mapas de base provêm da National Oceanic and Atmospheric Administration; as alterações são próprias dos autores.

4.Aprendendo a ver o território como «referente espúrio»

19 O que afirmamos é que esses dois jogos de imagens são na realidade uma ilusão de ótica, e que de fato existe um só, o mapa impresso — sugerindo em consequência que é difícil detectar na noção de território alguma coisa não proveniente do mapa. Mas para isto devemos abandonar o caso da cartografia e efetuar um ligeiro desvio pelas inscrições científicas de maneira mais geral. Um dos resultados mais impactantes do estudo da visualização científica foi o de mostrar que uma dada imagem perde seu significado científico uma vez que é tirada da cascata de imagens antecedentes e posteriores dentro da qual se encontra inserida (Latour, 1986; 1987; Lynch e Woolgar, 1990; Pinch, 1986). Para resumir um grande corpus de trabalho: uma imagem isolada não tem referente científico — mas gera, é claro, como qualquer imagem, uma imagem «virtual», «aquilo» que se diz ser a representação «de». Tomadas isoladamente, a imagem microscópica de um vírus, a fotografia de uma galáxia ou o desenho de um esqueleto em um museu de história natural, não têm um valor específico (mesmo que possam ter fortes poderes estéticos, pedagógicos ou retóricos). Se se deseja compreender o que uma inscrição isolada significa em ciência, deve-se reinseri-la dentro da cascata de outras inscrições da qual foi extraída. Uma só olhada nos artigos científicos é suficiente para mostrar que a prova não reside nunca no display visual, mas na invisível constante que é conservada através dos muitos passos intermediários que conduzem de uma inscrição para a seguinte (Netz, 2003) [série que ficaria ainda mais longa se acompanhada através das práticas de laboratório (ver Latour, 1999)]. Qualquer imagem dada é sempre precedida ou sucedida por longas séries de gráficos, tabelas, equações, legendas e parágrafos, e é esta série na sua completude que pode ser dita de «ter um referente» ou provar alguma coisa de maneira incontrovertível (Daston e Galison, 2007). Em outras palavras,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 60

escrever ou ler um artigo científico assemelha-se fortemente à localização de sinais que acabamos de descrever como a única via prática pela qual são gerados os mapas.

20 O ponto importante para nós aqui é que, ao contrário do que a filosofia corriqueira da ciência levou-nos a acreditar, uma inscrição científica não se encontra nunca engajada numa correspondência entre dois e somente dois pontos extremos: a representação e o modelo. Há, de fato, múltiplas correspondências entre as inscrições científicas — e é por isto que as ciências conseguem frequentemente produzir conhecimento objetivo — mas essas correspondências encontram-se sempre entre uma inscrição e seus muitos antecedentes e consequentes ao longo das séries de inscrições que estão sendo geradas por instrumentos, teorias e cálculos. Paradoxalmente (ao menos a partir do ponto de vista comum), isto acontece porque as séries são ininterruptas, e nunca quebradas ao ponto de ter de pular «fora» para atingir a objetividade e aceder a um fenômeno que seria inacessível sem elas.

21 Tão logo a cascata se quebra, a imagem isolada perde seu caráter científico ou referencial e entra numa trajetória totalmente diferente. Torna-se «mimética» — isto é, gera um tipo de halo, um referente espúrio, que pode até parecer convincente, mas que não tem, de fato, contraparte prática: é o mero redobro do que está sendo mostrado na imagem. Não leva a lugar nenhum, exceto a questão igualmente espúria da sua «semelhança» com um modelo original — que é criado pela representação mesma. Para decidir se a fotografia de uma galáxia é realmente objetiva ou não, deve reconectar-se à longa cascata de outras inscrições da qual foi tirada. E o ponto crucial aqui é que aquelas inscrições não se assemelham à fotografia — e é precisamente esta falta de semelhança que permite um ganho em certeza com relação à qualidade objetiva da fotografia (Latour, 1999). De um ponto de vista científico, uma mera replicação ou semelhança entre uma inscrição e a seguinte consistiria numa perda de informação objetiva. Não deve confundir-se a correspondência entre inscrições sucessivas dessemelhantes com a semelhança entre uma imagem e seu modelo.

22 Para resumir, não só os mapas, mas todas as inscrições científicas podem enquadrar-se em duas formas perpendiculares: a mimética (de fato uma semelhança entre uma imagem e a sua imagem virtual) e a navegacional (uma conexão entre sequências de sinais dessemelhantes). Não há dúvidas de que em termos de ganhar informação, só a segunda pode prover conhecimento objetivo. A primeira não é outra coisa que a contemplação narcisista da própria imagem.

23 Neste ponto do nosso argumento, há um perigo bem conhecido que pode chegar a paralisar a reflexão: pensar que estamos aqui levantando críticas ou à falta de exatidão das técnicas cartográficas, ou, pior ainda, acerca da «não existência» de um mundo exterior. Rogamos aos leitores para não entrar neste fácil estado de ânimo e perceber pelo contrário que aquelas duas questões — «é o mapa uma representação acurada ou não?» (a questão de Borges), e «há um mundo real fora do mapa?» (a questão realista) — dependem ambas de entender o mapa em forma mimética, da qual precisamente estamos procurando escapar. Aquelas duas questões «críticas» não fazem o menor sentido se retornamos à outra dimensão dos mapas que reconhecemos como essencial: a navegacional, que, de acordo com o nosso argumento, foi atualizada pela recente transmigração de dados a formatos digitais. Como diria James (1996b), pelo contrário, é somente uma vez que deixamos de fazer a pergunta mimética que não mais ficam dúvidas acerca de quão conectados estamos ao mundo real «exterior». A «teoria da verdade pela correspondência» — para usar um clichê caro aos epistemólogos — fica

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 61

muito mais robusta uma vez que muitas correspondências se estabelecem entre dois elementos sucessivos ao longo do caminho. É muito mais seguro andejar de um sinal para o seguinte do que tentar um ousado pulo das palavras para o mundo, dos mapas para o território (Latour, 2007).

5.A influência da história da arte na interpretação dos mapas

24 Assim, não há nada de óbvio, necessário ou natural em empenhar o mapa numa aventura mimética.11 De fato, o que é tão impactante ao olhar um mapa bidimensional é quão pouco este assemelha-se ao mundo que supostamente está refletindo. Daí, a inescapável questão: como é que, apesar desta enorme falta de semelhança, fomos forçados a fazer ao mapa a pergunta mimética: você representa acuradamente o mundo «exterior»? A difícil questão histórica é porque o impulso de mapear, tão claramente engajado na prática da navegação — em sentido literal no tempo das Grandes Descobertas, e posteriormente no sentido mais generalizado possibilitado pelo salto para a mídia digital — foi interpretado mimeticamente (Cosgrove, 2003; Pickles, 2004). Uma das respostas pode vir não da história da visualização científica, mas da história da arte — em especial da pintura (Casey, 2002).

25 O que é tão caraterístico da «arte de descrever», para usar o termo de Alper (1983), é que as visualizações artísticas e científicas, quaisquer que sejam seus muitos entrecruzamentos e sobreposições, têm uma diferença radical: as inscrições científicas conjuram longas séries de ferramentas navegacionais dissímeis, enquanto que a pintura estabelece, por definição, apenas dois extremos, o protótipo e a cópia. Cada pintura, é claro, pode referir-se às outras através do que os críticos literários chamam «intertextualidade», mas mesmo se você não sabe o autor, o tema, o gênero ou o valor, dá para entendê-las como algo que tem significado por si mesmo: «aquilo» que representa. Não é preciso aguardar, ao contrário do que acontece com as cascatas de inscrições científicas, por uma outra imagem dessemelhante com o fim de alinhar as duas num processo (navegacional) de correspondência que gera uma constante invisível. A pintura lida com dois parâmetros; a cartografia com muitos.

26 Pode argumentar-se, então, que foi a pintura — a pintura em perspectiva e mais precisamente a pintura Holandesa12 — que permitiu à cultura da imaginação virar os mapas 90° e conectá-los com o modo uma-cópia–um-modelo, mesmo embora, em termos de uso prático, ninguém usou nunca os mapas desta maneira com propósitos navegacionais. Em outras palavras, os mapas foram estetizados e fundidos com a cultura emergente de pintura «realista». Citando Panofsky (1997), poderíamos dizer: «Esta também como tantas subdisciplinas da ‹ciência› moderna, em última análise é o produto do ateliê do artista» (p. 58).

27 Se este argumento de história da arte estiver correto, poderíamos concluir que a filosofia da ciência comum («é a ciência uma representação mimética do mundo ‹exterior›?») faz sentido para pinturas em perspectiva realista, mas não o faz muito com relação à ciência. Para colocá-lo em forma bem crua, a chamada filosofia «realista» da ciência é tão realista como as pinturas de natureza-morta do Século de Ouro (Latour, 2008). Como interpretação da história da arte, pode estar bem; como filosofia da objetividade científica, pode não ser tão útil (Ivins, 1973). O realismo das inscrições

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 62

científicas e especialmente dos mapas residiu sempre em outra parte: na digressão de um sinal para o seguinte que elas permitem.

28 O nosso argumento principal é que esta segunda dimensão é parasitária da primeira, e que esta interpretação parasitária dos mapas criou o «mundo virtual» de um «território» compreendido não como o que é levantado pelo mapa, mas como um beco sem saída que compromete o mapa num destino para o qual nunca foi feito e no qual nunca poderia ter sucesso (Harley, 1989; Monmonier, 2005; 2006; 2007).

29 Por fortuna, tudo acontece como se as práticas de mapeamento DC houvessem liberado os mapas AC de perguntas que tiveram, com certeza, um papel muito importante («é o mapa como o território ou não?»), mas que são imateriais para o sucesso real e validez das técnicas cartográficas. Ou melhor, compreendemos em retrospectiva que a noção mesma de território não é outra coisa do que a imagem «virtual» — para usar uma metáfora ótica — de um mapa de papel interrompido em seu uso navegacional para responder a uma interpretação mimética depois de quase apagar seus feitores e usuários reais. Isto pode explicar porque a geografia do risco é tão atual: é precisamente porque não pode confiar em um universo completamente calculável que ela, por assim dizer, escapou da tentação de produzir um referente espúrio e tornou-se tão apta para ser mapeada de forma navegacional. Neste caso, pelo menos, as longas e complexas cadeias de praticantes, sinais, instituições e sistemas de alerta que nos permitem orientarmos através das controvérsias são o que fornece à geografia do risco à sua realidade objetiva. Porque é tão controverso, é que o risco pode ser mapeado (November, 2002; 2010).

6.O espaço é território contestado

30 A razão pela qual achamos tão importante este tipo de sondagem dos mapas é que esta dissolução do território como referente espúrio pode ajudar a aprimorar uma das noções com que a geografia vem lutando desde seu início: a noção mesma de espaço, a que a disciplina está tão ligada (Massey, 2005). A questão que desejamos levantar agora é se a interpretação navegacional dos mapas pode ajudar a revisar a ideia de espaço como usada na geografia.

31 Historiadores da ciência, historiadores da arte, antropólogos das sociedades industriais e filósofos sempre ficaram impressionados com a particularidade da noção de espaço desenvolvida no Ocidente a partir do Renascimento (Derrida, 1998; Sloterdijk, 2004; Whitehead, 1920). Esta noção peculiarmente estranha é bem capturada por dois adjetivos: «euclidiano» e «galileano». Na imaginação científica ocidental — sem, é claro, qualquer relação direta com realidades práticas — o mundo é feito de «objetos galileanos» atravessando um «espaço euclidiano». A caraterística chave daqueles objetos galileanos é que o deslocamento não implica transformação qualquer; eles conseguem movimentar-se, mas em si são imutáveis, mantendo as suas propriedades intactas onde for (Latour, 1986). Quanto ao espaço euclidiano, ele é o repositório dentro do qual os objetos galileanos movimentam-se sem transformação e tornam-se detectáveis e calculáveis através das suas posições cambiantes.

32 Não se requer demasiada atenção para notar que em ambos os casos o mundo desenhado como objetos galileanos movimentando-se no espaço euclidiano assemelha- se furiosamente ao mundo desenhado em papel de acordo com as precisas regras da geometria, da perspectiva e da posterior geometria projetiva (Ivins, 1973). Aquilo que

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 63

Descartes chamou de res extensa, as coisas materiais das quais o mundo real está supostamente feito, tem a enigmática caraterística de assemelhar-se bastante daquilo que pode ser desenhado e também calculado no papel. Esta «profunda semelhança» é com frequência — se ousamos dizê-lo — encoberta pelo mero maravilhamento com a simples coincidência que faz o mundo real da res extensa tão similar àquele que pode ser compreendido através do cálculo e provar desta forma o fabuloso poder da mente humana — e de Deus, para Descartes pelo menos.

33 Esta «profunda semelhança», no entanto, não pode menos que acionar a desconfortável suspeita de que pode tratar-se de uma coincidência totalmente diferente e muito menos maravilhosa: o redobro do mesmo mundo primeiro como desenho e calculo no papel e segundo como imagem virtual de um mundo representado por aqueles mesmos cálculos e no mesmo papel. A causa do maravilhamento é então bastante diferente do que na primeira versão: por que pessoas razoáveis confundiram a imagem virtual da invenção gráfica e matemática de três séculos de tecnologias intelectuais com um mundo real que essas tecnologias deviam meramente «refletir» tão exatamente quanto possível? Se você pensar, isto é quase tão estranho como admirar-se de existirem duas imagens notavelmente semelhantes de nós mesmos quando encaramos um espelho. Com efeito, jamais olhamos para o mundo e depois para a sua representação, mas sim engatamo-nos em um poderoso jogo de tecnologias intelectuais, tão poderosas que, quando vistas a partir certo ângulo, projetam para fora uma imagem virtual daquele mesmo mundo com poucas discrepâncias. Em outras palavras, existem técnicas representacionais, e cada uma delas produz um «quê» afora daquilo que está sendo representado. Com certeza, a emergência e a estabilidade de uma imagem virtual é um fenômeno fascinante (Narciso é testemunha!), mas não se trata de um fenômeno de correspondência entre dois mundos diferentes que misteriosamente «assemelham-se» um ao outro. Daí a estranheza de empenhar o impulso de mapear, uma das mais elaboradas tecnologias intelectuais, numa interpretação mimética.

34 Uma forma de abordar esta mudança retrospectiva na compreensão da «revolução científica» é dizer que o «espaço» e o «território» são invenções históricas — amplamente devidas, como muitos historiadores já mostraram, à necessidade de dar forma aos Estados (Foucault, 1994). A invenção do espaço poderia chamar-se de «efeito de res extensa», que acontece quando o mapa é olhado de uma certa forma e através de um certo ângulo, quando são suprimidos os seus usuários e criadores — os navegadores em todos os sentidos AC e DC da palavra — e apagados os seis passos da tecnologia da representação para concentrar-se na imagem virtual que esta tecnologia projeta para fora. Então, mas apenas então, começa-se a idear um mundo feito através da costura na imaginação de todas as imagens virtuais de todos os mapas (como na figura 2). Neste ponto, inventa-se um espaço euclidiano generalizado que é repositório de todos os territórios gerados por todos os mapas. Então se reverte a ordem, como se nos movêssemos do «espaço euclidiano» abstrato ao «mundo exterior» real e depois ao mapa (como na figura 3). Desde este ponto de vista, o espaço não é outra coisa que a imagem virtual de todas as imagens virtuais de todas as técnicas cartográficas interpretadas em forma mimética. Paradoxalmente, a res extensa torna-se um subproduto da res cogitans — ou melhor, da res imaginans. O mundo «material exterior» foi engendrado devido tal vez a sonhar demais com belos mapas.

35 As imagens virtuais, como é bem sabido em ótica, aparecem e desaparecem dependendo do ângulo em que forem consideradas. Uma vez que o impulso cartográfico é

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 64

reinterpretado no modo navegacional, não há mais a projeção de um território, nem de um espaço euclidiano. Todos os cálculos e sinais são redistribuídos e incorporados dentro do mundo — que não guarda semelhança com aquele emergido do mapeamento mimético.

Figura 2

A interpretação mimética gera uma imagem virtual generalizada. Fonte: os mapas de base provêm da National Oceanic and Atmospheric Administration; as alterações são próprias dos autores.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 65

Figura 3

A inversão da interpretação mimética faz do mapa uma cópia do modelo fornecido. A cadeia navegacional de produção foi apagada. Fonte: os mapas de base provêm da National Oceanic and Atmospheric Administration; as alterações são próprias dos autores.

36 Se este argumento for correto, poderia explicar porque, para tantos geógrafos, «espaço» não é uma caraterística primeva do mundo (Levy, 1999; Thrift, 1996; Massey, 2005).13 O «espaço» aparece e desaparece historicamente na medida em que depende visualmente de se as técnicas representacionais são interpretadas de acordo com a dimensão mimética ou a navegacional. Asseveramos que o uso vastamente expandido de cartografia digital torna menos óbvia a interpretação histórica que fez do espaço a categoria indispensável da cartografia (como se estivéssemos coletivamente movimentando-nos de novo da figura 3 para a figura 2 e depois para a figura 1). Navegar na tela não é o mesmo que imaginar que residimos no espaço. Isto pode jogar nova luz aos esforços de tantos acadêmicos por escapar da «tirania do espaço» (Law, 2002).

7.Mais uma retomada da diferença entre geografia «física» e «humana»

37 Podemos agora retornar ao nosso quebra-cabeça original e tentar dar conta — de uma maneira nova mais produtiva — da facilidade com que os «recifes» entram na cartografia e a dificuldade com que os «riscos» são inseguramente registrados dentro da geografia.14 Onde você coloca «risco» num mapa?

38 A primeira vista, a resposta é em lugar nenhum (na interpretação mimética), uma vez que o risco não é uma caraterística do mundo «exterior material». Mas logo você muda para uma interpretação navegacional, o «risco» é tão importante de detectar no mapa quanto os recifes que ameaçam o curso da sua viagem — não é por coincidência que a palavra risco na teoria da probabilidade e nos sistemas de seguros emergisse no século

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 66

XVI entre proprietários de navios que viam naqueles uma ameaça à empresa marítima (Beck, 1992; Bernstein, 1996).15 Pergunte à navegadora na cabine e ela com certeza vai lhe dizer — e gritar ao capitão no cockpit! — para tomar cuidado com o risco de bater num perigoso recife se não se assegurarem da próxima bóia em linha ser a mesma que ela avisara com antecedência e marcara com caneta vermelha no seu mapa. A navegadora é tão atenta a uma linha pontilhada indicando uma barreira legal (por causa do seu treinamento na marinha) quanto a uma indicação de profundidade ou ao estranho nome de uma igreja cujo pináculo é também usado como ponto de referência. As relações entre estas fontes heterogêneas de dados (legais, batimétricos, toponímicos) é o que conta para ela quando usa o mapa como plataforma de cálculo através da base de dados — não especialmente as suas «relações espaciais».

39 Desta forma, assim que mudamos para a interpretação navegacional das técnicas geográficas, percebemos que não há nada de especialmente espacial na geografia. Todo mapa é simplesmente um jogo de inscrições que provêm de e levam para outras séries de sinais dessemelhantes que ajudam os navegadores a orientar as suas trajetórias. Ou, melhor, cada entidade — a lei, a maré, a igreja — cria diversos espaços a seu redor, dos quais apenas algumas das suas dimensões são inseridas na base de dados e consultadas pela navegadora através da interface. Em princípio, qualquer tipo de informação pode ser de interesse para construir a plataforma e poder ser selecionada no painel, desde que permita à navegação prosseguir (Camacho-Hübner, 2009; Levy, 1999; Pointet, 2007).

40 Este argumento pode libertar a geografia da sua fascinação com o mapa de base, como se dados de todo tipo tivessem de ser forçados a entrar na grade topográfica que originalmente foi inventada, não para uso mimético algum, mas apenas para navegação (no sentido literal de estar numa máquina locomotiva — navio, carro, avião ou a pé — e tentar antecipar o próximo sinal com ênfase especial na conservação de ângulos).16 Em outras palavras, como tantos geógrafos tem arguido, o impulso de mapear é muito mais aberto do que a cartografia, e a cartografia muito mais variada do que a topografia — as técnicas digitais mostram isto em retrospecto. Todavia, a geografia ainda imagina-se a si mesma como encerrada na topografia, em cima da qual a cartografia pode ser superposta, sempre com muitos escrúpulos agônicos acerca do que pode com segurança ser «mostrado» no mapa.17

41 Em realidade, a distinção mesma entre geografia «física» e «humana», uma divisão que é tão antiga quanto a bifurcação da natureza (Whitehead, 1920) e que atravessa a disciplina levando à cisão de muitos departamentos acadêmicos, pode ser um artefato de engajar o impulso cartográfico nesta interpretação mimética. E as consequências são obvias na forma em que os riscos foram tradicionalmente estudados em geografia, mesmo apesar disto estar mudando rapidamente graças a novos temas como a mudança climática (Buckhingham and Turner, 2008; Giddens, 2009; Pelling, 2010). É verdade que uma vez que a imagem virtual gerada pelas técnicas cartográficas confunde-se com o mundo «exterior material», fica muito difícil ver onde poderiam situar-se os «humanos» com todas as suas empresas subjetivas e simbólicas — especialmente quando não há nada de topográfico nelas. Uma vez que montanhas e vales, cabos e rios, são deixados de fora e transfigurados em muitos objetos galileanos movimentando-se em um espaço euclidiano, fica muito complicado encaixar a indústria humana, a economia, os riscos, as viagens e assim por diante, uma vez que você sabe muito bem que eles não «residem» no espaço euclidiano e que compartilham muitas mais relações que as três sacrossantas de altura, largura e comprimento.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 67

42 É importante perceber neste ponto o que nosso argumento não é: ele não é outra tentativa fenomenológica de mostrar, mais uma vez, que existe uma enorme diferença entre o mundo material «como conhecido pela ciência» e o mundo «vivido» como é praticado por humanos intencionais. Esta distinção, independentemente do quando de senso comum pareça a principio, atormentou a disciplina ao fazer com que a divisão entre as geografias física e humana arraigasse mais ainda, como se a primeira fosse uma boa representação do «mundo real» e a outra um complemento necessário para dar conta da forma «simbólica» em que este é vivenciado pelas subjetividades humanas. Em vez disto o que argumentamos é que a redução do mundo a objetos galileanos que fluem sem esforço através do espaço euclidiano não é uma representação especialmente boa do mundo real — físico, biológico ou humano. Assim, não tem a menor razão para limitar o estudo do «humano» ao domínio simbólico. «Galileano» e «euclidiano», depois de tudo, são adjetivos que conduzem a situações históricas altamente específicas, Euclides primeiro e Galileu depois (Netz, 2003; Biagioli, 1993). Longe de ser os a priori universais de uma metafisica qualquer, eles deveriam ser inseridos na descrição de práticas navegacionais com todas as suas contingências locais, históricas e antropológicas. Nossa asseveração, ao contrário da fenomenologia, é que qualquer interpretação realista do que significa estar «jogado» no mundo, deve começar por perguntar-se novamente o que «a visão científica do mundo» deve ser (Sloterdijk, 2005). E não há dúvida de que uma grande parte do que usualmente queremos dizer com «físico» é um mundo virtual imaginário produzido por tecnologias intelectuais — entre as quais o mapa é possivelmente a mais impressionante.

43 O nosso ponto, por sua vez, é que montanhas, rios, vales, cabos e promontórios também não ficam bem neste espaço euclidiano. Se você não sabe onde colocar os «humanos» no mapa, deveria estar igualmente preocupado com o que fazer com os não-humanos. Ninguém nem nada residira jamais na imagem virtual do mapa. A cordilheira no mapa não guarda mais semelhança com a cordilheira «lá fora» do que a aldeia, o mercado ou as estradas recomendadas delineadas em verde no mapa turístico Michelin. Ou você é capaz de colocar todos eles no mapa, dependendo das aplicações navegacionais particulares à mão, ou então nenhum deles. Os dois, riscos e recifes, devem coabitar no mapa, ou devem ser banidos ambos. A diferença real não é entre geografia «física» e «humana», mas entre tomar um mapa mimeticamente (em cujo caso cria-se uma diferença entre humano e não-humano) e tomar um mapa em forma navegacional (em cujo caso não há diferença relevante entre os dois). O que comumente chama-se de mundo «exterior material», aquele mais ou menos acuradamente «representado» pelos mapas, é inteiramente um subproduto da imaginação, uma visão estética de práticas técnicas que foram postas no background. Não tem nada de particularmente «material» neste espaço euclidiano dentro do qual objetos galileanos fluem sem esforço e sem sofrer qualquer transformação.

44 Realizar uma antropologia histórica do advento da res extensa seria um empreendimento maior (e em qualquer caso impossível de sintetizar aqui), mas é claro para muitos acadêmicos que o salto da imaginação que chamou-se de «revolução científica» não pode ser entendido simplesmente como a descoberta progressiva ou repentina de um mundo euclidiano lá fora aguardando para ser desvelado. Aquilo que Whitehead (1920) chamou de «bifurcação da natureza», isto é, a divisão entre, de um lado, «qualidades primeiras» conhecidas pela ciência e, do outro, «qualidades secundárias», inventadas pelas mentes humanas subjetivas, não é uma caraterística do

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 68

mundo em si, mas um momento muito específico na história — um momento que teve um começo e afortunadamente pode chegar a ter fim: o parêntese modernista (Latour, 2008). Algo completamente distinto à descoberta da natureza aconteceu, e fez com que muitas disciplinas ficassem lutando por palavras — particularmente a geografia.

8.Conclusão: do espaço ao multiverso

45 O que acontece quando você para de sonhar com mapas e retraça os seis passos da seção 2? Bom, que todas as imagens virtuais geradas pela interpretação mimética começam a desmanchar e desvanecer-se, e, com elas, primeiro o espaço e depois os territórios: você retoma o curso da navegação, e tudo está de novo em movimento. Como vimos em seções anteriores, os mapas atingem você não mais como algo que representa um mundo «lá fora», mas como os painéis de uma interface de cálculo que lhe permitem apontar sinais sucessivos enquanto se movimenta pelo mundo.

46 Mas por qual mundo? Não, é claro, o «mundo exterior», esta imagem virtual produzida apenas na sua cabeça — só os narcisos acreditam que podem habitar neste mundo de fascinação. Nem precisa dizer que também não é o mundo «subjetivo simbólico» dos sujeitos intencionais humanos, uma vez que este existe só por contraste com o igualmente fictício mundo das «primeiras qualidades». Não, o mundo em que você procura navegar agora, graças às muitas técnicas científicas que deixaram a sua longa série de inscrições e instrumentos, é o mundo real — mas não o mundo 3D. Dado que não há um termo bem aceito — o que é em si estranho, uma vez que é este o único mundo que todos nós habitamos, humanos assim como não-humanos! — usaremos o termo de James, multiverso, indicando com esta palavra que aquele é de fato tão real quanto o «universo» do senso comum, porém não unificado prematuramente num «espaço físico» contíguo — a res extensa, efetivamente.

47 O que é tão estranho do advento da geografia, é que ela não só pretende tratar da «dimensão espacial», mas que confessa quão difícil é «incluir» a dimensão temporal (veja Glennie and Thrift, 2009; Hägerstrand, 1975; May and Thrift, 2001; Schwanen, 2007). Contudo, o que acabamos de dizer acerca da distinção espúria entre geografia «física» e «humana» é mais verdadeiro ainda com relação aos esforços por adicionar a quarta dimensão às «três dimensões» do espaço Euclidiano. Com certeza, uma vez que se acredita estarem congelados os movimentos navegacionais nas três dimensões do espaço euclidiano, fica muito difícil de ver como poderia inserir-se o fato óbvio do movimento e a transformação. Mas esta dificuldade desmancha ao perceber que na geografia — desde que você salte para a interpretação navegacional dos mapas — tudo está em movimento: a navegadora no iate, o iate mesmo, o lápis no mapa, a maré, a correnteza, o Serviço Naval encarregado de afundar as bóias, em poucas palavras, o danado multiverso tudo. A ideia mesma de um tempo separado do espaço (como se fosse para adicionar uma quarta dimensão às três do «senso comum» — como se viver num espaço euclidiano fosse senso comum!) provém de sonhar sobre o mapa por muito tempo. Sim, quando você engaja o mapa no modo mimético, o tempo some, mas isto acontece porque você está lidando com uma imagem congelada, o corte sincrônico (Camacho-Hübner, 2009), coletada da cascata de transformações em que estava inserida, e porque você apagou todas as transformações sofridas pelas entidades que desejava navegar — o iate, a maré, os recifes, os riscos, a corrida. A ideia mesma de um móbil movimentando-se sem sofrer transformação alguma é o resultado da

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 69

contemplação estética de uma inscrição isolada (Latour, 1986). Não é uma propriedade do mundo — ao menos não do multiverso.

48 Foi o nosso argumento que a difusão massiva da tecnologia digital permitiu não só aos geógrafos — eles souberam sempre — mas a um público muito maior passar de uma interpretação mimética para uma interpretação navegacional dos mapas. Esta passagem tem a consequência involuntária — se empurrada até às suas origens filosóficas — de liberar os mapas da sua relação com uma definição espúria de território. Isto, por sua vez, pode dar um sentido realista não-subjetivo a todo um conjunto de práticas que até então tinham de dividir-se entre uma «realidade objetiva» — com frequência associada a um fond de carte — e «camadas subjetivas» que tinham de ser adicionadas com o fim de acomodar interpretações subjetivas. Em outras palavras, o impulso de mapear pode liberar-se da «tirania do espaço» (Law, 2002). Isto pode jogar uma nova luz sobre diversos tópicos e certamente sobre a geografia do risco, que fora paralisada pela distinção entre riscos «subjetivos» e «objetivos», o que é uma consequência do enraizamento da divisão entre geografia «humana» e «física». É possível agora encarar o delineado de caminhos através de riscos controversos sem necessidade de abandonar a objetividade, mesmo que muitos dos riscos não sejam completamente calculáveis. Todo um conjunto de novas funcionalidades tais como antecipação, participação, reflexividade e retroalimentação, podem agora incluir-se na definição navegacional dos mapas (November, 2004). Estamos cientes de que esta nova forma de ver a geografia do risco pode ter também consequências políticas interessantes (Latour e Weibel, 2002). Este artigo foi escrito com apoio do projeto europeu MACOSPOL de mapear controvérsias científicas. Agradecemos Albena Yaneva, Niguel Thrift, Jim Proctor e o coletivo MéThéoGéo em Grenoble, assim como os dois revisores anónimos [da revista Environment and Planning D] por seus úteis comentários.

BIBLIOGRAFIA

Alder, Ken. The Measure of All Things. New York; London: Free Press, 2002.

Alpers, Svetlana. The Art of Describing: Dutch Art in the Seventeenth Century. Chicago: University of Chicago Press, 1983.

Amin, Ash. “Spatialities of Globalisation.” Environment and Planning A 34, no. 3 (2002): 385 – 399. doi:10.1068/a3439.

Beck, U. “The Terrorist Threat: World Risk Society Revisited.” Theory, Culture & Society 19, no. 4 (August 1, 2002): 39–55. doi:10.1177/0263276402019004003.

Beck, Ulrich. Risk Society: Towards a New Modernity. Theory, Culture & Society. London ; Newbury Park, Calif: Sage Publications, 1992.

Bernstein, Peter L. Against the Gods: The Remarkable Story of Risk. New York: John Wiley & Sons, 1996.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 70

Biagioli, Mario. Galileo, Courtier: The Practice of Science in the Culture of Absolutism. Chicago: University of Chicago Press, 1993.

Borges, Jorge Luis. A Universal History of Iniquity. Penguin Classics. New York: Penguin, 2004.

Bowker, Geoffrey C. Memory Practices in the Sciences. Cambridge, Mass.; London: MIT, 2008.

Buckingham, Susan, and Mike Turner. Understanding Environmental Issues. London: SAGE, 2008.

Callon, Michel, and John Law. “Introduction: Absence - Presence, Circulation, and Encountering in Complex Space.” Environment and Planning D: Society and Space 22, no. 1 (2004): 3–11. doi: 10.1068/d313.

Camacho-Hübner, Eduardo. “Traduction Des Opérations de L’analyse Historique Dans Le Langage Conceptuel Des Systèmes D’information Géographique Pour Une Exploration Des Processus Morphologiques de La Ville et Du Territoire.” EPFL-ENAC, 2009. doi:10.5075/epfl-thesis-4322.

Carpo, Mario. Architecture in the Age of Printing: Orality, Writing, Typography, and Printed Images in the History of Architectural Theory. Cambridge, Mass: MIT Press, 2001.

Cartwright, William. “Enhancing Geographical Information Resources with Multimedia.” In Multimedia Cartography, edited by William Cartwright, Michael P Peterson, and Georg F Gartner, 257–270. Berlin: Springer, 1999. http://public.eblib.com/EBLPublic/PublicView.do?ptiID=324119.

———. “Extending the Map Metaphor Using Web Delivered Multimedia.” International Journal of Geographical Information Science 13, no. 4 (1999): 335–353. doi:10.1080/136588199241238.

Casey, Edward S. Representing Place: Landscape, Painting and Maps. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2002.

Chrisman, Nicholas R. Exploring Geographic Information Systems. New York: Wiley, 1997.

Collectif. Cartes et Figures de La Terre: [Catalogue de La Exposition Présentée Au Centre Georges Pompidou Du 24 Mai Au 17 Novembre 1980]. Paris: Centre Georges Pompidou / Centre de création industrielle, 1980.

Cosgrove, Denis E. “Historical Perspectives in an Age of Digital Media.” In Mapping in the Age of Digital Media: The Yale Symposium, edited by Michael Silver and Diana Balmori, 128–137. New York: Wiley-Academy, 2003.

———. Mappings. London: Reaktion Books, 1999.

Crampton, Jeremy W. “Cartography: Performative, Participatory, Political.” Progress in Human Geography 33, no. 6 (December 1, 2009): 840–848. doi:10.1177/0309132508105000.

———. The Political Mapping of Cyberspace. Chicago: University of Chicago Press, 2003.

Crary, Jonathan. Techniques of the Observer : on Vision and Modernity in the Nineteenth Century. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1990.

Daston, Lorraine, and Peter Galison. Objectivity. New York; Cambridge, Mass.: Zone Books / MIT Press, 2007.

Debarbieux, Bernard. “Le Territoire: Histoires En Deux Langues. A Bilingual (his-)story of Territory.” In Discours Scientifique et Contextes Culturels. Géographies Françaises à L’épreuve Postmoderne, edited by C. Chivallon, P. Ragouet, and M. Samers, 33–46. Bordeaux: Maison des Sciences de l’homme d’Aquitaine, 1999.

Derrida, Jacques. Of Grammatology. Corrected ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 71

Dodge, Martin, and Rob Kitchin. “Code and the Transduction of Space.” Annals of the Association of American Geographers 95, no. 1 (2005): 162–180. doi:10.1111/j.1467-8306.2005.00454.x.

Dodge, Martin, Rob Kitchin, and C. R Perkins. Rethinking Maps : New Frontiers in Cartographic Theory. London; New York: Routledge, 2009.

Elden, Stuart. “Missing the Point: Globalization, Deterritorialization and the Space of the World.” Transactions of the Institute of British Geographers 30, no. 1 (March 2005): 8–19. doi:10.1111/j. 1475-5661.2005.00148.x.

Fabrikant, Sara I., and Barbara P. Buttenfield. “Formalizing Semantic Spaces for Information Access.” Annals of the Association of American Geographers 91 (2001): 263–280.

Fabrikant, Sara Irina. Spatial Metaphors for Browsing Large Data Archives. Boulder, CO: University Press of Colorado, 2000.

Fall, J. J. “Lost Geographers: Power Games and the Circulation of Ideas Within Francophone Political Geographies.” Progress in Human Geography 31, no. 2 (2007): 195–216.

Foucault, Michel. The Order of Things: An Archaeology of the Human Sciences. New York: Vintage Books, 1994.

Giddens, Anthony. The Politics of Climate Change. Cambridge: Polity, 2009.

Glennie, Paul, and Nigel Thrift. Shaping the Day: a History of Timekeeping in England and Wales 1300-1800. Oxford ; New York: Oxford University Press, 2009.

Goodchild, Michael F. “Citizens as Sensors: The World of Volunteered Geography.” GeoJournal 69, no. 4 (August 1, 2007): 211–221. doi:10.1007/s10708-007-9111-y.

Hacking, Ian. The Emergence of Probability: a Philosophical Study of Early Ideas About Probability, Induction and Statistical Inference. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

Hägerstrand, Torsten. “Space, Time and Human Conditions.” In Dynamic Allocation of Urban Space, edited by A. Karlqvist, L. Lundqvist, and F. Snickars, 3–14. Lexington: Saxon House Lexington Book, 1975.

Harley, J. B. “Deconstructing the Map.” Cartographica 26, no. 2 (1989): 1–20. http:// hdl.handle.net/2027/spo.4761530.0003.008.

Harrison, Stephan, Doreen Massey, Keith Richards, Francis J Magilligan, Nigel Thrift, and Barbara Bender. “Thinking Across the Divide: Perspectives on the Conversations Between Physical and Human Geography.” Area 36, no. 4 (2004): 435–442. doi:10.1111/j.0004-0894.2004.00243.x.

Healy, Stephen. “A ‘post‐foundational’ Interpretation of Risk: Risk as ‘performance’.” Journal of Risk Research 7, no. 3 (April 2004): 277–296. doi:10.1080/1366987042000176235.

Hetherington, Kevin. “In Place of Geometry: The Materiality of Place.” In Ideas of Difference: Social Spaces and the Labour of Division, 183–199. Sociological Review Monograph Series. Oxford ; Malden, MA: Blackwell Publishers/The Sociological Review, 1997. http://www.blackwellpublishing.com/ book.asp?ref=9780631207689.

Hetherington, Kevin, and John Law. “After Networks.” Environment and Planning D: Society and Space 18, no. 2 (2000): 127–132. doi:10.1068/d216t.

Hinchliffe, Steve. “Technology, Power, and Space -- the Means and Ends of Geographies of Technology.” Environment and Planning D: Society and Space 14, no. 6 (1996): 659 – 682. doi:10.1068/ d140659.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 72

Hutchins, Edwin. Cognition in the Wild. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1995. http:// search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&scope=site&db=nlebk&db=nlabk&AN=1687.

Ingold, Tim. Lines: a Brief History. London ; New York: Routledge, 2007.

Ivins, William Mills. On the Rationalization of Sight. With an Examination of Three Renaissance Texts on Perspective (De Artificiali Perspectiva) Reproducing Both de 1st Edition (Touk, 1505) and the 2nd Edition (Toul, 1509). New York: De Capo Press / Plenum Press, 1973.

Jacob, Christian. L’empire Des Cartes: Approche Théorique de La Cartographie à Travers L’histoire. Paris: A. Michel, 1992.

James, William. A Pluralistic Universe. London: University of Nebraska Press, 1996.

———. Essays in Radical Empiricism. London: University of Nebraska Press, 1996.

Jones, Martin. “Phase Space: Geography, Relational Thinking, and Beyond.” Progress in Human Geography 33, no. 4 (August 1, 2009): 487–506. doi:10.1177/0309132508101599.

Kitchin, Rob, and Martin Dodge. “Rethinking Maps.” Progress in Human Geography 31, no. 3 (June 1, 2007): 331–344. doi:10.1177/0309132507077082.

Lane, Stuart N. “Constructive Comments on D Massey ‘Space-time, ‘science’ and the Relationship Between Physical Geography and Human Geography:rsquo;” Transactions of the Institute of British Geographers 26, no. 2 (2001): 243–256. doi:10.1111/1475-5661.00018.

Latour, Bruno. “A Textbook Case Revisited: Knowledge as Mode of Existence.” In The Handbook of Science and Technology Studies, edited by Edward J. Hackett, Olga Amsterdamska, Michael Lynch, and Judy Wajcman, 83–112. 3rd ed. Cambridge, Mass: MIT Press ; Published in cooperation with the Society for the Social Studies of Science, 2007.

———. Pandora’s Hope: Essays on the Reality of Science Studies. 1st ed. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.

———. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-network-theory. Oxford; New York: Oxford University Press, 2005.

———. Science in Action : How to Follow Scientists and Engineers through Society. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1987.

———. “Trains of Thoughts —Piaget, Formalism and the Fifth Dimension.” Common Knowledge 6, no. 3 (1997): 170–191. http://www.bruno-latour.fr/node/191.

———. “Visualisation and Cognition: Thinking with Eyes and Hands.” In Knowledge and Society: Studies in the Sociology of Culture Past and Present, edited by Henrika Kuklick and Elizabeth Long, 6:1–40. Greenwich, CT: Jai Press, 1986. http://www.bruno-latour.fr/node/293.

———. We Have Never Been Modern. Translated by Catherine Porter. Harvard University Press, 1993.

———. What Is the Style of Matters of Concern? Two Lectures in Empirical Philosophy. Assen: Koninklijke Van Gorcum, 2008. http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/97-SPINOZA-GB.pdf.

Latour, Bruno, and Peter Weibel, eds. Iconoclash: Beyond the Image Wars in Science, Religion and Art. Cambridge: MIT Press, 2002.

Law, John. “And If the Global Were Small and Noncoherent? Method, Complexity, and the Baroque.” Environment and Planning D: Society and Space 22, no. 1 (2004): 13–26. doi:10.1068/d316t.

———. “Objects and Spaces.” Theory, Culture & Society 19, no. 5–6 (December 1, 2002): 91–105. doi: 10.1177/026327602761899165.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 73

Law, John, and Annemarie Mol. “Situating Technoscience: An Inquiry into Spatialities.” Environment and Planning D: Society and Space 19, no. 5 (2001): 609–621. doi:10.1068/d243t.

Lévy, Jacques. L’espace Légitime: Sur La Dimension Géographique de La Fonction Politique. Paris: Presses de la Fondation nationale des sciences politiques, 1994.

———. Le tournant géographique: penser l’espace pour lire le monde. Paris: Belin, 1999.

Lévy, Jacques, and Michel Lussault, eds. Dictionnaire de La Géographie. Paris: Belin, 2003.

Lussault, Michel. L’homme Spatial: La Construction Sociale de L’espace Humain. La Couleur Des Idees.́ Paris: Seuil, 2007.

Lynch, Michael, and Steve Woolgar, eds. Representation in Scientific Practice. 1st MIT Press ed. Cambridge, MA: MIT Press, 1990.

Massey, Doreen. “Space-Time, ‘Science’ and the Relationship Between Physical Geography and Human Geography.” Transactions of the Institute of British Geographers 24, no. 3 (September 1999): 261–276. doi:10.1111/j.0020-2754.1999.00261.x.

Massey, Doreen B. For Space. London ; Thousand Oaks, Calif: SAGE, 2005.

May, Jon, and Nigel Thrift. TimeSpace: Geographies of Temporality. London: Routledge, 2001.

Monmonier, Mark. “Cartography: Distortions, World-views and Creative Solutions.” Progress in Human Geography 29, no. 2 (April 1, 2005): 217–224. doi:10.1191/0309132505ph540pr.

———. “Cartography: The Multidisciplinary Pluralism of Cartographic Art, Geospatial Technology, and Empirical Scholarship.” Progress in Human Geography 31, no. 3 (June 1, 2007): 371–379. doi: 10.1177/0309132507077089.

———. “Cartography: Uncertainty, Interventions, and Dynamic Display.” Progress in Human Geography 30, no. 3 (June 1, 2006): 373–381. doi:10.1191/0309132506ph612pr.

Monmonier, Mark S. Cartographies of Danger: Mapping Hazards in America. Chicago: University of Chicago Press, 1997.

Murdoch, Jonathan. “The Spaces of Actor-network Theory.” Geoforum 29, no. 4 (November 1998): 357–374. doi:10.1016/S0016-7185(98)00011-6.

———. “Towards a Geography of Heterogeneous Associations.” Progress in Human Geography 21, no. 3 (June 1, 1997): 321–337. doi:10.1191/030913297668007261.

Netz, Reviel. The Shaping of Deduction in Greek Mathematics: a Study in Cognitive History. Ideas in Context 51. Cambridge ; New York: Cambridge University Press, 2003.

November, Valérie. “Being Close to Risk. From Proximity to Connexity.” International Journal of Sustainable Development 7, no. 3 (2004): 273. doi:10.1504/IJSD.2004.005958.

November, Valérie. Les Territoires Du Risque: Le Risque Comme Object de Réflexion Géographique. Bern ; New York: Peter Lang, 2002.

———. “Recalcitrance of Risks : a Management Failure?” University of Tokyo, 2010.

November, Valérie. “Spatiality of Risk.” Environment and Planning A 40, no. 7 (2008): 1523–1527. doi:10.1068/a4194.

Paasi, Anssi. “Territory.” In A Companion to Political Geography, 109–122. Blackwell Companions to Geography 3. Malden, MA: Blackwell Publishers, 2003.

Painter, Joe. “Territoire et Réseau: Une Fausse Dichotomie? = Territory and Network: a False Dichotomy?” In Territoires, Territorialité, Territorialisation: Controverses et Perspectives, edited by

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 74

Martin Vanier, 57–66. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2009. http://dro.dur.ac.uk/ 5276/1/5276.pdf?DDC52+DDD14+dgg0jmp.

Panofsky, Erwin. Perspective as Symbolic Form. New York: Zone Books, 1997.

Pelling, Mark. Adaptation to Climate Change: a Progressive Vision of Human Security. London: Routledge, 2010.

Pickles, John. A History of Spaces: Cartographic Reason, Mapping, and the Geo-coded World. London ; New York: Routledge, 2004.

Pinch, Trevor. Confronting Nature: The Sociology of Solar-neutrino Detection. Sociology of the Sciences Monographs. Dordrecht, Holland ; Boston, MA: Reidel ; Kluwer, 1986.

Pointet, Abram. “Rencontre de La Science de L’information Géographique et de L’anthropologie Culturelle: Modélisation Spatiale et Représentation de Phénomènes Culturels.” PhD dissertation, Institut du développement territorial - Faculté de l’environnement naturel, architectural et construit - École polytechnique fédérale de Lausanne, 2007. doi:10.5075/epfl-thesis-3789.

Raffestin, Claude. “Écogenèse territoriale et territorialité.” In Espaces, jeux et enjeux..., edited by Roger Brunet and Franck Auriac, 173–185. Nouvelle encyclopédie des sciences et des techniques. Paris: Fondation Diderot Fayard, 1986. http://archive-ouverte.unige.ch/unige:4419.

———. “Le Rôle Des Sciences et Des Techniques Dans Les Processus de Territorialisation.” Revue Européenne Des Sciences Sociales 35, no. 108 (1997): 93–106. http://archive-ouverte.unige.ch/unige: 4387.

Schwanen, Tim. “Matter(s) of Interest: Artefacts, Spacing and Timing.” Geografiska Annaler: Series B, Human Geography 89, no. 1 (2007): 9–22. doi:10.1111/j.1468-0467.2007.00236.x.

Sheppard, Eric. “The Spaces and Times of Globalization: Place, Scale, Networks, and Positionality.” Economic Geography 78, no. 3 (July 2002): 307. doi:10.2307/4140812.

Sloterdijk, Peter. “Foreword to the Theory of Spheres.” In Cosmograms, edited by Melik Ohanian and Jean-Christophe Royox, p. 223–241. New York: Lukas & Sternberg, 2005.

———. Sphären III: Schäume. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2004.

The Imperial Map: Cartography and the Mastery of Empire. The Kenneth Nebenzahl, Jr., Lectures in the . Chicago: University of Chicago Press, 2009.

Thrift, Nigel. “Movement-space: The Changing Domain of Thinking Resulting from the Development of New Kinds of Spatial Awareness.” Economy and Society 33, no. 4 (November 2004): 582–604. doi:10.1080/0308514042000285305.

———. Spatial Formations. London; Thousand Oaks, Calif.: Sage, 1996.

———. “The Future of Geography.” Geoforum 33, no. 3 (August 2002): 291–298. doi:10.1016/ S0016-7185(02)00019-2.

Thrift, Nigel, and Nick Bingham. “Some New Instructions for Travellers: The Geography of Bruno Latour and Michel Serres.” In Thinking Space, edited by Mike Crang and Nigel Thrift, 281–301. Critical Geographies 9. London ; New York: Routledge, 2000.

Trystram, Florence. Le procès des étoiles : récit de la prestigieuse expédition de trois savants français en Amérique du Sud et des aventures qui s’ensuivirent (1735-1771). Paris: Payot, 2001.

Vertesi, Janet. “Mind the Gap: The London Underground Map and Users’ Representations of Urban Space.” Social Studies of Science 38, no. 1 (February 1, 2008): 7–33. doi: 10.1177/0306312707084153.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 75

Whatmore, Sarah. Hybrid Geographies : Natures, Cultures, Spaces. London; Thousand Oaks, Calif.: SAGE Publications, 2002.

Whitehead, Alfred North. The Concept of Nature. Cambridge: Cambridge University Press, 1920.

NOTAS

1. O mapa base [base map] refere aqui a seu equivalente francês fond de carte [fundo de mapa]. Este tipo de mapa é normalmente utilizado como a camada básica em cima da qual outros jogos de informação podem ser representados. É conhecido também como «mapa mãe» ou «croqui» [outline map]. 2. Para uma boa demonstração disto veja Monmonier (1997). 3. Sabemos que o sentido desta noção varia também entre as comunidades francófonas e anglo- americanas de geógrafos [veja Fall (2007) acerca das dificuldades dos conceitos viajantes, Debarbieux (1999) para um exercício de comparação]. No presente artigo fazemos referência a Lévy (1994), Lévy and Lussault (2003); Lussault (2007) e Raffestin (1986; 1997) e às suas definições teoréticas de espaço e território. Veja também Painter (2009. p. 64), quem afirma que os territórios podem ser compreendidos como «configurações móveis de objetos-em-relação». 4. Graças ao trabalho seminal de geógrafos tais como Bingham e Thrift (2000), Hetherington (1997), Hinchliffe (1996); Murdoch (1997; 1998), Thrift (1996), Whatmore (2001), e de sociólogos da ciência como Callon e Law (2004), Latour (1993; 1997; 2005), Law (2002; 2004), Law e Mol (2001), por mencionar alguns, damos por certo que a geografia e a sociologia da ciência têm muitos conceitos em comum — muitos desses artigos havendo sido publicados em números especiais deste jornal [Environment and Planning D]. 5. «Del rigor en la ciencia», faz parte da História Universal da Infâmia, de várias traduções ao português (N. do T.). 6. Os autores utilizam aqui o adjetivo unconscionable, que significa ao mesmo tempo «exorbitante» e «incompreensível» (N. do. T.). 7. Veja, por caso, a literatura sobre globalização, na qual emerge um pensamento similar (Amin, 2002; Elden, 2005; Sheppard, 2002). 8. Vertesi (2008) descreve esta correspondência no caso do mapa e os usuários do Underground de Londres. 9. É sobre esses princípios que a cartografia de controvérsias científicas e técnicas do projeto MACOSPOL [http://www.mappingcontroversies.net/] assim como o consórcio Demoscience para o ensino daquelas técnicas «cartográficas» [http://www.demoscience.org/] são desenvolvidos. 10. É o que Beck tem enfatizado com respeito à ameaça terrorista: «tão logo falamos em termos de ‘risco’, estamos falando acerca de calcular o incalculável, de colonizar o futuro» (2002, p. 40). Veja-se também Thrift, que diz: «Desejo estender esses pensamentos em várias direções, desejando capturar os contornos de um mundo que apenas vem à existência, um mundo baseado no cálculo contínuo de todo e cada ponto ao longo de todas e cada uma das linhas de movimento» (2004, p. 583). Também, o modo calculativo de pensar como parte da noção de território está presente em Elden (2005). 11. E o mesmo poderia dizer-se, muito mais tarde, da fotografia (Crary, 1990). 12. Especialmente, as muitas pinturas holandesas que incluem mapas — como as de Vermeer (Casey, 2002). 13. O argumento fica ainda mais forte quando colocado em paralelo com aquele do tempo, como mostrado por Glennie e Thrift (2009).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 76

14. Este desconforto é visível também dentro do fragmentado estudo de riscos em geografia (e, sendo justos, não somente nesta disciplina) onde os riscos naturais são predominantemente analisados pela geografia física e os riscos antrópicos pela geografia humana. 15. Embora talvez não por causa de uma etimologia espúria que conecta recifes e riscos, pois a palavra risco parece vir duma raiz árabe que significa dom imerecido de Deus. 16. Antecipação é, com certeza, o que tem sido tão importante na história da probabilidade (Hacking, 2006). 17. Este ponto é, naturalmente, uma das principais preocupações ao mapear questões envolvendo riscos e ao fazer estas preocupações públicas e engajá-las com o Público (no sentido de Dewey) através da cartografia participativa [veja-se Crampton (2009) para um desenvolvimento recente neste campo].

RESUMOS

Com base na fecunda interface entre três campos — os Science Studies, a geografia do risco e a gestão do conhecimento — este artigo salienta em primeiro lugar que a falta de compreensão das relações entre mapas, territórios e riscos é uma consequência desafortunada da maneira com que o impulso de mapear foi interpretado no período moderno. Assim, considerando o advento da navegação digital, o artigo discute uma interpretação muito diferente do empreendimento cartográfico, que permite distinguir entre o uso mimético e o uso navegacional dos mapas. Consequentemente, sugerimos que os mapas podem ser considerados como painéis de uma interface de cálculo que permite apontar para sinais sucessivos ao movimentar-se no mundo, no famoso multiverso de William James. Esta distinção, afirmamos, pode de um lado ajudar a geografia a compreender a ideia de risco, e, de outro, ajudar a libertar a geografia da sua fascinação pelo mapa de base ao permitir que todo um novo jogo de caraterísticas como antecipação, participação, reflexividade e retroalimentação seja incluído na definição navegacional dos mapas.

Con base en la fecunda interfaz entre tres campos —los Science Studies, la geografía del riesgo y la gestión del conocimiento — este artigo resalta en primer lugar que la falta de comprensión de las relaciones entre mapas, territorios y riesgos es una consecuencia desafortunada de la manera en que el impulso de mapear fue interpretado en el período moderno. De esta forma, considerando el advenimiento de la navegación digital, el artículo discute una interpretación muy diferente de la empresa cartográfica, que permite distinguir entre el uso mimético y el uso navegacional de los mapas. Consecuentemente, sugerimos que los mapas pueden ser considerados como paneles de una interfaz de cálculo que permite señalar señales sucesivas al moverse en el mundo, en el famoso multiverso de William James. Esta distinción, afirmamos, puede por un lado ayudar a la geografía a comprender la idea de riesgo, y por otro, ayudar a liberar a la geografía de su fascinación con el mapa de base al permitir que todo un nuevo juego de características como anticipación, participación, reflexividad y retroalimentación sean incluidas en la definición navegacional de los mapas.

Basé sur la féconde interface entre trois champs - les « Science Studies », la géographie du risque et la gestion des connaissances - l'article argumente d'abord que le manque de compréhension des relations entre cartes, territoires et risques est à concevoir comme une conséquence

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 77

malheureuse de la façon dont la cartographie a été interprétée dans la période moderne. Puis, considérant l'arrivée de la navigation numérique, l'article propose une interprétation très différente de l'entreprise cartographique qui permet de distinguer l'utilisation mimétique des cartes de son usage navigationnel. Les cartes peuvent être considérées comme des tableaux de bords, une interface de calcul qui permet d'indiquer les successifs signes et repères, tout en se mouvant dans le monde, le célèbre multiverse de William James. Nous affirmons que cette distinction peut d'une côté aider la géographie à comprendre l'idée même de risque, et d'autre part libérer la géographie de sa fascination pour la carte de base en intégrant de nouvelles caractéristiques comme l'anticipation, la participation et le feed-back. Ces caractéristiques font intrinsèquement partie de la dimension navigationnelle des cartes.

Relying on the fecund interface of three fields—studies in science, risk geography, and knowledge management—this paper notes first that the lack of understanding of the relationships between maps and territory and risks is an unfortunate consequence of the way the mapping impulse has been interpreted during the modernist period. Then, taking into account the advent of digital navigation, the paper discusses a very different interpretation of the mapping enterprise that allows a mimetic use of maps to be distinguished from a navigational one. Consequently, we suggest maps should be considered as dashboards of a calculation interface that allows one to pinpoint successive signposts while moving through the world, the famous multiverse of William James. This distinction, we argue, might, on the one hand, help geography to grasp the very idea of risks and, on the other, help to free geography from its fascination with the base map by allowing a whole set of new features, such as anticipation, participation, reflexivity, and feedback, now being included in the navigational definition of maps.

ÍNDICE

Palavras-chave: risco, território, espaço, cartografia Mots-clés: risque, territoire, espace, cartographie Palabras claves: riesgo, territorio, espacio, cartografía Keywords: risk, territory, space, cartography

AUTORES

VALÉRIE NOVEMBER

Ecole Polytechnique Fédérale (EPFL), Lausana, Suíça. [email protected]

EDUARDO CAMACHO-HÜBNER

Ecole Polytechnique Fédérale (EPFL), Lausana, Suíça.

BRUNO LATOUR

Sciences Po, Paris, França. [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 78

A Geografia Histórica e as formas de apreensão do tempo La geografía histórica y las formas de aprehensión del tiempo Géographie historique et les formes d'appréhension du temps Historical geography and the forms of apprehension of time

Paulo Roberto Teixeira de Godoy

Introdução

1 A relação entre Geografia e História se intensificou a partir do século XVIII. A identificação dos topônimos antigos e a descrição do teatro dos acontecimentos humanos eram as principais contribuições da geografia à história (CAPEL, 1981). A preocupação da Geografia com a História cresceu à medida que o passado se transformou em chave do conhecimento para projetar o devir da natureza e do homem. Na Alemanha, sob influência de Herder e Hegel, K. Ritter atribuiu à História um peso decisivo em suas análises geográficas e proposições de cunho pedagógico. Na França, a relação entre Geografia e História chegou ao ponto de, em meados do século XX, criar uma verdadeira escola de geógrafos e historiadores: a geo-história.

2 Se, por volta dos anos 1970, a concepção de tempo na Geografia Histórica francesa estava assentada na tradição braudeliana da “longa duração” e, consequentemente, na definição dos temas e dos períodos de estudo; nas últimas décadas, os recortes temporais, com menor recuo em relação ao presente, passaram a privilegiar a conjuntura, as instituições e os eventos – a “curta duração” – do cotidiano. Nesse sentido, o conceito de tempo histórico adquiriu novas tonalidades, libertou-se das estruturas monótonas da “longa duração” e estendeu-se aos fragmentos da vida urbana e sua arqueologia urbanística. Como diria Hartshorne (1978, p. 107), em Propósitos e Natureza da Geografia, “o presente aí está, vivo e atuante, e nós somos capazes de aprender, com a observação direta dos fatos essenciais de sua estrutura [...] medindo seu dinamismo”.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 79

3 As formas de apreensão do tempo no campo da Geografia Histórica não se limitam às temáticas específicas no interior desta disciplina, estão ligadas a leitos filosóficos distintos e que tecem a diferenciação ideológica das dimensões prática e teórica das categoriais de análise do tempo histórico e do espaço geográfico.

A história e a sobreposição de tempos geográficos

4 À concepção de que o espaço e o tempo são totalidades históricas e geográficas produzidas no metabolismo sociedade-natureza (SANTOS, 1979) e, ao mesmo tempo, veículos primários de representação das relações sociais (BOURDIEU, 1989), os conceitos de espaço geográfico e tempo histórico tornam-se condições práticas e discursivas essenciais à constituição do horizonte de interesses ideológicos das classes sociais. Historicamente, o domínio científico e filosófico desses conceitos e das áreas do conhecimento que os sistematizaram como objeto de estudo constituiu a condição discursiva ineliminável aos intelectuais burgueses desde o século XIX.

5 Em Ratzel, a construção da temporalidade da relação homem-meio, cujo devir era o Estado-nação e o domínio do “espaço vital”, fora interpretada em sua estreita conjugação com a concepção orgânica difusionista, linear e eurocêntrica da história e com o lamento em relação ao colapso da aristocracia e, ao mesmo tempo, com a consciente participação política na formação do Estado territorial capitalista alemão. Por outro lado, a Geografia Histórica francesa, durante as últimas décadas do século XIX, desenvolveu-se, segundo Capel (1981), em um contexto político e acadêmico favorável às monografias regionais, sobretudo ao assumir a função ideológica em defesa da ordem econômica e política estabelecida pelo Estado imperialista francês. Como bem salientou Said (2011, p. 351), “o imperialismo, afinal, é um gesto de violência geográfica por meio do qual praticamente todo o espaço do mundo é explorado, mapeado e, por fim, submetido a controle”.

6 Os estudos de Auguste Longnon, Théophile Lavallée (ambos ligados a Escola Militar francesa), Jules Sion e outros que acompanharam a tradição da geografia histórica dos Estados, das fronteiras e das circunscrições administrativas versaram, principalmente, acerca das formas de adaptação das atividades humanas ao meio físico a partir de uma percpectiva histórica (FLATRÈS, 1974). As tradições e as paisagens do mundo rural francês ganharam relevância nos estudos de geografia histórica à medida que o desenvolvimento da economia nacional provocava a dissolução dos antigos laços regionais e os substituia pela mediação do Estado em uma nova divisão do trabalho imposta pelo capital industrial. Com efeito, a concepção geográfica do passado, revestida de iconografias e documentos cartográficos e assentada em registros de fatos históricos, trazia, em sua genealogia pedagógica, a construção da imagem do território nacional e do ideal identitário.

7 Para Lacoste, a Geografia Histórica, desde sua gênese, está profundamente ligada ao exercício do poder e às formas de domínio territorial: “le passé des territoires est en effet une question géopolitique de la plus grande importance, surtout s´il est controversé” (1996, p. 6).

8 Se no início imperou a tradição de Tucídides, em que a história definia-se como o estudo dos “fatos dignos de memória” (o que, em certa medida, confirma os estudos em Geografia Histórica acerca dos Estados soberanos e fronteiras, das guerras militares,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 80

povoamentos etc.), lentamente, na retaguarda das transformações geradas pelo capitalismo industrial e as novas investidas na expansão colonial, os estudos monográficos passaram a se dirigir para o interior do território nacional e para uma “geografia nacional”.

9 De acordo com Chesneaux (1995, p. 122), cada povo, no nível do Estado-nação, procura se inserir na história mundial através de seu perfil nacional original, afirmar sua identidade nacional no tempo longo. Procura, por exemplo – e essa reivindicação foi invocada a propósito dos abusos do quadripartismo histórico –, organizar seu próprio passado em função das articulações essenciais de sua própria história.

10 Por meio dos fragmentos da paisagem rural, a Geografia Histórica francesa recriou o tempo lento e cíclico da produção agrícola condicionado à natureza e entrelaçado no ritmo das estações do ano e nas variações do relevo, do solo e do clima; o tempo, assim visto, desacelera e transforma-se em uma estrutura espessa de “longa-duração”: o meio geográfico. Caracterizada pela permanência, a história tornou-se passível à observação, e a paisagem, síntese do tempo histórico e registro da projeção do passado, a revelação da cultura material das civilizações.

11 Pitte (1996, p. 15) argumenta que tanto L´histoire a eu longstemps pour fonction de légitimer et de glorifier les regimes politiques sucessifs, mais aussi de former les princes et le elites en leur donnant à réflechir sur les événements passés de la vie politique et militaire [...] Elle entre beaucoup plus tard – au XIX siècle – dans la culture populaire, au moment où l´on juge nécessaire d´éveiller l´intérêt général pour l´anventure coloniale et, après la défait de 1870, de rapeller l´unité et indivisibilité de la France en même temps que les historiens martèlent Le mythe de son éternité (grifo do autor).

12 Aprisionada no lugar, a história revela seu lado empírico, passível à observação e à descrição, bem como à quantificação, à classificação e, finalmente, à comparação- diferenciação e à síntese. O tempo, assim concebido, ao ritmo lento das estações do ano e do calendário agrícola – condição do movimento dos homens e da divisão do trabalho –, tornou-se o escultor da paisagem e do presente. Portanto, uma representação ideal das práticas sociais. Trata-se de um recorte da paisagem como forma de apreensão vertical do tempo, cujos fatos, em sucessão cronológica e circunscritos à escala geográfica dos eventos em seus contextos regionais, obedeciam a certas condições colocadas ora pelo temário eleito pela investigação em sua estreita relação com o mundo rural ora pelos “critérios metodológicos”. Estes últimos, referenciados pela intenção de fidelidade aos documentos cartográficos, censos e arquivos históricos, e aparentemente blindados pelo realismo pragmático das técnicas de pesquisa, expõem, de modo mais substantivo, as formas de apreensão do tempo pela Geografia Histórica e seu quadro de representação das práticas sociais.

13 Em suma, podemos apresentar um quadro das influências que se manifestaram na evolução do campo de interesse da Geografia Histórica na França e na Alemanha durante os séculos XVIII e XIX sob três tipos de influências: a primeira, abordando a reconstrução da paisagem a partir da descrição detalhada da geografia de uma região em um dado momento do passado, filia-se metodologicamente ao empirismo e à concepção memorialista e fatual da história; a segunda, associada à noção de “paisagem histórica” (landschaftskunde) e fortemente influenciada pelo romantismo alemão, define a paisagem como uma entidade orgânica em evolução, a paisagem regional apresenta- se como produto da totalidade – social, política e natural – e é determinada por

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 81

distintas ordens (naturais e transcendentais) geradas pelo próprio processo de mudança e desenvolvimento histórico; a terceira, associada à concepção de uma história “teológica-teleológica” e, ao mesmo tempo, a de uma interpretação histórica da paisagem a partir do evolucionismo darwiniano, filia-se às concepções de K. Ritter e F. Ratzel, respectivamente (BASSIN; BERDOULAY, 2004, p. 293-295).

14 A complicação de base metodológica da Geografia durante o século XIX, e, particularmente, na Geografia Histórica, estava em harmonizar as abordagens empíricas, idiográficas e de síntese com as abordagens racionais, teóricas, universais (nomotéticas) e analíticas. Somente nas primeiras décadas do século XX, a Geografia Histórica passou a ganhar contornos mais nítidos e definir sua perspectiva teórica de investigação.

15 Uma das definições de geografia histórica que ganhou relevo na década de 1930 foi colocada por E. W. Gilbert (1932): “la vraie fonction de la géographie historique est de reconstruire la géographie régionale du passé” (GILBERT apud BASSIN; BERDOULAY, 2004, p. 296).

Periodização: breves considerações

16 As formas de divisão do tempo histórico em idades, períodos, épocas etc. sempre fizeram parte dos esforços de organização dos conhecimentos históricos adquiridos e transmitidos. Essa divisão, imbutida na historiografia e na concepção de tempo, teve como consequência a setorização da história, que tornou possível os recortes temporais. Para Novais (2005, p. 160), “as dificuldades nascem do fato de que, setorizando, é de certo modo possível (ou pelo menos aparentemente possível) encontrar critérios de periodização; [...] tentando apanhar o conjunto, parece impossível fixar critérios para os cortes temporais”.

17 Jean Bodin, por exemplo, elaborou uma divisão tripartite da história da humanidade: Antiguidade Clássica, Idade Média e Tempos Modernos. Seguindo a tradição desde Jean Bodin, como argumenta Baliñas (1965, p. 25): La ordenación histórica no es uma mera sucesión cronológica, en virtud de la cual se podría hacer corresponder un número ordinal a cada punto de vista y a cada forma de potencia de lo real correlativamente. En primer lugar, el tiempo es irreversible. [...] En segundo lugar, cada momento es cualitativamente insustituíble [...]. En tercer lugar, cada situación histórica viene de las demás anteriore, y éstas quedan implicadas en ellas.

18 Outro fenômeno francês refere-se ao quadripartismo histórico – Antiga, Média, Moderna e Contemporânea –, que, para Chesneaux (1995, p. 93), “cumpre certo número de funções precisas [pedagógica, intelectual, ideológica e política], ao mesmo tempo no nível das instituições universitárias e no nível da ideologia. Desempenha o papel de um verdadeiro aparelho de Estado”.

19 De acordo com Rodrigues (1969, p. 114), as periodizações visam a apreender as “transformações e os nexos efetivos que as ligam como a um todo. São justamente esses nexos que se prestam à análise histórica e devem ser dispostos em cortes ou períodos que comportariam as tendências dominantes e que logo caracterizariam uma época” (grifos do autor).

20 Especializadas em analisar, avaliar e definir o que é o espaço geográfico e o tempo histórico, a História e a Geografia tornaram-se, em fins do século XIX, as expressões do

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 82

crescente domínio científico e filosófico acerca da representação do tempo e do espaço e, em certa medida, da função social da ideologia do pensamento geográfico na construção do ideário progressista do Estado nacional.

21 Com a Escola dos Annales, a representação do tempo histórico conheceu alterações mais profundas e duradouras, bem como a forma de periodização. Em paralelo com a Geografia Histórica do século XIX, houve primeiramente uma mudança substancial nos temas de estudos. Dos antigos temas ligados ao poder político dos Estados imperialistas, com a nova orientação dos Annales passou-se ao estudo de temas relacionados à economia e à cultura material. A ênfase na periodização recai sobre a temática definida a priori por um problema ou uma situação histórico-geográfica e as monografias circulam no interior de uma mesma estrutura de modo que o tempo possa ser pensado conceitualmente. Segundo Reis (1994, p. 24), “a periodização não se relaciona mais à história universal [...] não estuda épocas, mas estruturas particulares. É sempre [...] uma história circunscrita no tempo e no espaço”.

22 O conceito de tempo histórico subjacente à descrição da paisagem e ligado à tradição memorialista da Geografia Histórica do século XIX ignorou em certa medida a periodização tradicional do quadripartismo histórico (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea), aproximando-se das concepções literárias e artísticas e, com efeito, privilegiando os recortes temporais mais específicos e estritamente ligados ao tema de estudo e seu contexto. Na literatura, por exemplo, “importa pouco que nas introduções de cada período se façam maiores ou menores referências à época, à situação histórica” (NOVAIS, 2005, p. 158). Ela constrói as temporalidades segundo a variação de ritmos de seu próprio objeto de estudo.

23 A forma de periodização que predominou na Geografia Histórica durante o século XIX, decorrente da concepção memorialista e fatual da história, privilegiou a descrição sincrônica dos fatos e lugares que glorificavam a ação do Estado, do exército nacional e, ao mesmo tempo, das tradições do mundo rural, de suas técnicas e seu habitat. O território nacional, bem como uma urdidura tecida pelo tempo e cravejada por “fatos dignos de memória”, refletia, em sobreposição, as imagens idílicas do Estado-nação.

24 Com efeito, as formas de periodização constituem, assim, tanto as representações do tempo como as metodologias de apreensão das dimensões sociais do tempo. Porém, como argumenta Novais (2005, p. 160-161), ao fixar determinada dimensão – a vida econômica, por exemplo – é até certo ponto possível, sob certas condições, estabelecer determinadas configurações (sistemas econômicos, tipos de economia e etc.), que abrem caminho para uma periodização [...] As várias periodizações, entretanto, não coincidem, uma vez que parecem obedecer a ritmos diferentes.

25 A partir da década de 1920, o debate teórico nas ciências sociais, sobretudo na História e na Sociologia, passou a direcionar-se para os problemas do presente, colocados, sobretudo, pelo contexto do pós-Primeira Guerra, provocando, por conseguinte, mudanças epistemológicas na historiografia francesa e, portanto, na referência de inspiração dos conceitos de espaço e tempo e seus critérios de periodização. A concepção de tempo cíclico, herdada da tradição grega iniciada com Tucídides e Cícero, passando por J. Bodin, Montaigne, Voltaire, Diderot etc., em claudicante resistência ao processo de transformação social pelo qual atravessava a França e a Europa no século XIX, só foi questionada e substituída no período entre-guerras, quando Lucien Febvre, Marc Bloch e Roger Dion construíram uma versão moderna de Heródoto, em os Annales.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 83

A Geografia Histórica e as formas de apreensão do tempo

A geografia é o meio por excelência para diminuir a velocidade da história. (Braudel, 1984)

26 Em Heródoto, o tempo se faz pelo movimento dos homens. A história ganha uma temporalidade humana – os homens no tempo –, sua finitude, valores e experiências em uma historicidade cujo tempo é irreversível. Heródoto realizou, como argumenta Reis (1994, p. 56), “uma mudança epistemológica substancial: ele quer acompanhar os homens em suas mudanças e realizar a sua descrição e análise – o homem é um ser basicamente temporal, finito, instável, histórico”.

27 Nos anos trinta, Lucien Febvre, em plena campanha pela renovação da historiografia francesa, “convida o historiador a inspirar-se nos problemas colocados pelo tempo presente, no qual ele vive, pensa e escreve”. E M. Bloch, seguindo os ensinamentos de La Blache, apontou o caminho: o “historiador parte das paisagens contemporâneas para remontar até o passado” (DOSSE, 1992, p. 67-68). Nesse sentido, como interpretado por Lefort, o clima tornou-se o principal artesão da paisagem. Dele, dependem a circulação dos portos, as colheitas agrícolas e os movimentos das rotas terrestres. O tempo lento das permanências só sinaliza mudanças quando em cena entram as cidades.

28 Para os historiadores dos Annales o tempo é duração (“longa duração”), estrutura que contém conjunturas de média duração e eventos de curta duração – a dialética da duração, como argumentou Bachelard, antes de Braudel. A história como sobreposição de temporalidades (meio geográfico, instituições, mentalidades etc.) que se organizam segundo a variação de seus ritmos, articulando o espaço geográfico das permanências aos movimentos conjunturais e de curta duração.

29 A concepção de tempo histórico, ponto crucial de diferenciação entre os métodos da historiografia e, portanto, da geo-história (neologismo que define a démarche braudeliana), não está fechada em si mesma. O tempo espacializado na paisagem, como queria Bloch, revela o passado em sua forma objetiva, particular, material e irreversível. “A história é então decomposta em planos sobrepostos, ordenados segundo a variação de seus ritmos” (DUTRA, 2003, p. 58). Com esta concepção de tempo histórico, os Annales orientaram a práxis social e a produção do conhecimento como atividades inteiramente distintas. A construção da pluralidade dos tempos “nos ajudam [como argumenta Wallerstein] a organizar a realidade social quanto impõem constrangimentos à ação social” (2003, p. 75). Em síntese, como bem colocou Chesneaux, a “seta do tempo cravada no presente faz do passado a sua tábula rasa nas ações do cotidiano” (1995, p. 56).

Considerações finais

30 As breves considerações apresentadas acima evidenciam rupturas e continuidades em relação às formas de apreensão do tempo histórico pela geografia. Podemos, com isso, destacar dois momentos distintos em sua trajetória: a segunda metade do século XIX e o início da década de 1970 (ROBIC, 2006). Resumidamente, no primeiro momento,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 84

caracterizada pela concepção memorialista e teleológica da história e, metodologicamente, pelo recorte vertical do tempo e pelo variado ritmo de seu objeto, a Geografia Histórica primou por temas eminentemente de caráter político e cultural. No segundo momento, contra a abordagem teleológica, privilegiando a natureza estrutural do tempo histórico e sob o paradigma da geo-história, os temas de estudos, longe da vida política, centraram-se, sobretudo, na economia e na cultura material.

31 A superação epistemológica da geo-história em relação à geografia histórica tradicional se consolidou em função de essa última ter produzido uma nova representação do tempo histórico e do espaço geográfico. Além disso, por ter a estrutura como ponto de partida, combateu a visão tradicional da geografia descritiva, ilustrada e enciclopédica e ampliou, a partir da geografia vidaliana, da história serial de Labrousse e da antropologia de Lévi-Strauss, a dimensão dos temas de investigação que, em certa medida, estreitaram os laços teóricos entre as ciências sociais e a história. Contudo, como bem salienta Dutra (2003, 69), mesmo com a aparente homogeneidade de alguns momentos parciais da concepção de espaço e tempo, “é o triunfo da heterogeneidade que prevalece [...] contra uma ontologia cientificista”.

32 A apreensão do tempo e do espaço e sua representação em temporalidades distintas e articuladas sob o signo da geo-história consolidaram, em certa medida, a definição de geografia histórica bem como o leque temático e as metodologias de pesquisa. A “longa duração” forneceu, portanto, a base sobre a qual a historicidade do “passado do território” pode, finalmente, ser integrada dialeticamente aos movimentos do presente.

BIBLIOGRAFIA

BALIÑAS, C. A. El Acontecer Histórico: un estudio antológico sobre el tema del historiador. Madrid; México: Ediciones Rialp, 1965.

BASSIN, M.; BERDOULAY, V.. La géographie historique: localiser le temps dans les espaces de la modernité. In: BENKO, G.; STROHMAYER, U. (Orgs.). Horizons Géographiques. Capítulo 6. Paris: Éditions Bréal, p. 292-338.

BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

BRAUDEL, F., O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Felipe II. Lisboa: Martins Fontes, 1984.

CAPEL, H. Filosofía y ciencia en la Geografía contemporánea: una introducción a la Geografía. Barcelona: Montesinos, 1981.

______. Geografía humana y ciências sociales: una perspectiva histórica. Barcelona: Montesino, 1984.

CHESNEAUX, J. Devemos fazer tábula rasa do passado? Sobre a história e os historiadores. Tradução Marcos A. da Silva. São Paulo: Ática, 1995.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 85

DOSSE, F. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Tradução Dulce A. S. Ramos. São Paulo: Ensaio, 1992.

DUTRA, E. R. F. Tempo e estrutura na unidade do mundo mediterrâneo: Fernand Braudel e as voltas da história. In: LOPES, M. A. (Org.). Fernand Braudel: tempo e história. Capítulo 4. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 57-70.

FLATRÈS, P. La Géographie Rétrospective. In: Hérodote, n. 74-75, 4º semestre, Paris, p. 63-69, 1996.

HARTSHORNE, R. Propósitos e Natureza da Geografia. Tradução Thomaz N. Neto. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1978.

LACOSTE, Y. Le passé des territoires. In: Hérodote, n. 74-75, 4º semestre, Paris, p. 3-13, 1996.

NOVAIS, F. A. Aproximações: ensaios de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

PITTE, J. R. De la Géographie Historique. In: Hérodote, n. 74-75, 4º semestre, Paris, p. 14-21, 1996.

REIS, J. C. Nouvelle Histoire e Tempo Histórico: contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Ática, 1994.

ROBIC, M-.C. Approches Actuelles de L´histoire de la Géographie em France – au-delà du provincialisme, construire des Géographies Plurielles. In: Edições Colibri/Inforgeo, n. 18-19, Lisboa, 2006, p. 53-76.

RODRIGUES, J. H. Teoria da História do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969.

SAID, E. W. Cultura e Imperialismo. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Edusp/Hucitec, 1979.

WALLERSTEIN, I. O tempo, a duração e terceiro não-excluído: reflexões sobre Braudel e Prigogine. In: LOPES, M. A. (Org.). Fernand Braudel: tempo e história. Capítulo 5. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 71-80.

RESUMOS

As formas de representação do tempo e sua função ideológica constituem aspectos de um único problema que, durante as décadas de 1950 e 1960, esteve no centro do debate entre historiadores, geógrafos e sociólogos franceses: o conceito de tempo histórico. As reflexões aqui apresentadas são aproximações do tema e estão ainda em estágio inicial de estudo. As formas de apreensão e representação do tempo presentes na geografia clássica francesa no final do século XIX constituem o ponto de partida da análise sobre as heranças da concepção memorialista de história e do momento de transição, no período entre-guerras, para a concepção estrutural do tempo sob influência da escola dos Annales.

Las formas de representación del tiempo y su función ideológica son aspectos de un único problema que, durante las décadas de 1950 y 1960, fue el eje del debate entre historiadores, geógrafos y sociólogos franceses: el concepto de tiempo histórico. Los pensamientos presentados aquí son aproximaciones del tema y aún esté en la etapa inicial del estudio. Las formas de aprehensión y representación del tiempo presente en geografía clásica francesa a finales del siglo XIX constituyen el punto de partida del análisis sobre los legados del diseño memorista de historia y del momento de transición, en el período de entreguerras, para el diseño estructural del tiempo bajo la influencia de la escuela de los Annales.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 86

Les façons de représentation du temps et de sa fonction idéologique constituent les aspects à un seule problème que pendant les années 1950 et 1960 a été dans le centre de discussion entre historiens, géographes et sociologues français : le concept du temps historique. Les réflexions présentés dans ce travail sont encore des approximations sur le sujet, parce que cette étude est encore dans l'étape initial. Les façons d’appréhension et de représentation du temps présent dans la géographie classique française à la fin du XIXe siècle constituent le point de déclenchement de notre analyse sur l’héritage de la conception mémorialiste de l'histoire et du moment de transition, dans la période entre les deux guerres mondiales, pour la conception structurelle du temps sous l'influence de l'école des Annales.

The forms of representation of time and its ideological function are aspects of a single problem that was at the center of debate among French historians, geographers and sociologists during the 1950s and 1960s: the concept of historical time. The reflections presented here are approximations on the issue, and are still in the early stages of study. The forms of perception and representation of time, present in the classic French geography from the late nineteenth century, are the starting point of the analysis on the legacy of the memorialist conception of history and of the transition moment (in the interwar period) to the structural conception of time under the influence of the Annales School.

ÍNDICE

Mots-clés: temps historique, périodisation, école des Annales Palavras-chave: tempo histórico, periodização, escola dos Annales Palabras claves: tiempo histórico, periodización, escuela de los Annales Keywords: historical time, periodization, Annales School

AUTOR

PAULO ROBERTO TEIXEIRA DE GODOY

Unesp/Rio Claro Depto. de Geografia [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 87

Los desplazamientos críticos de la historia de la geografía Las diversas formas de reflexividad en los debates historiográficos de la disciplina. Os deslocamentos críticos da história da geografia. As diversas formas de reflexividade nos debates historiográficos da disciplina Critical displacements in the history of geography: The various forms of reflexivity in the historiographical debates of the discipline. Les déplacements critiques de l'histoire de la géographie. Les diverses formes de réflexibilité dans les débats historiographiques de la discipline

Paloma Puente Lozano

Introducción

1 Como es ampliamente sabido, y se viene analizando con detenimiento en los últimos años, sobre todo en lo concerniente al caso anglosajón, la geografía humana ha llevado a cabo un importante trabajo de revisión crítica de su historia y de sus categorías a lo largo de las últimas décadas. Esta labor se ha desarrollado desde una clara actitud reflexiva y con un especial interés por las condiciones materiales y sociales de la producción del conocimiento geográfico, a fin de comprender mejor la naturaleza y orientación de los repertorios conceptuales usados en cada época, así como la imbricación de estos esquemas epistemológicos en el marco de las relaciones de poder a través de las que dicho saber geográfico se ha ido trabando e institucionalizando a lo largo de su historia (aunque acaso haya sido el periodo moderno el que más haya centrado la atención de los investigadores. Cfr. LILLEY, 2011).1

2 Ya a finales de los años 1960, las distintas variantes , que afloraron con fuerza en el mundo anglosajón, del rechazo y la crítica a las actitudes positivistas del periodo anterior tuvieron también su eco en el plano historiográfico, aunque el grueso de estos esfuerzos radicales de renovación de la disciplina se concretara fundamentalmente en

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 88

un trabajo de tipo metodológico y teórico-conceptual, que lo diferencia en buena media de la profundidad historiográfica con que se desarrollará posteriormente la crítica al conocimiento geográfico, como veremos en estas páginas que siguen.

3 Destacan, no obstante, ya en esta temprana época varias aportaciones historiográficas relevantes, como los trabajos de TAYLOR (1976), HUDSON (1977) o PEET (1985), que supusieron interesantes revisiones del legado geográfico, bien de la propia corriente cuantitativa, leída en clave de las luchas por el poder dentro de la comunidad geográfica, o de las corrientes del determinismo ambiental analizadas como mera herramienta del capitalismo imperialista de esa particular época histórica. Como ha señalado F. Driver, estos trabajos sirvieron en su momento para “situar esta historia [la de la formación de la geografía moderna] firmemente en el mundo material”2, aunque adolecieran claramente todavía de cierto reduccionismo, especialmente por su economicismo, y necesitasen incorporar –como han hecho trabajos posteriores- una atención más amplia a los factores culturales y sociales implicados en los procesos y contextos de la producción del conocimiento geográfico moderno, para así evitar precisamente ese uso todavía un tanto mecanicista de la relación entre las ideas geográficas y sus contextos históricos, donde uno es mero reflejo del otro.

4 En este sentido, trabajos también tempranos y ciertamente pioneros como los de JOHNSTON (1979), STODDART (1981), BERDOULAY (1981) o THRIFT (1985) ya adelantaban y articulaban importantes elementos del denominado “enfoque contextual” [contextual approach] que habría de convertirse a lo largo de las décadas siguientes, a partir, especialmente, de la publicación en 1992 del celebérrimo trabajo de D. Livingstone The Geographical Tradition. Episodes in the History of a Contested Enterprise 3, en la principal seña de identidad de cierta forma de historiografía crítica, y también el foco de tensión en torno al que giró el subsiguiente debate acerca de cómo debía concretarse y sobre qué principios historiográficos justificarse un enfoque propiamente crítico.

5 Por otra parte, además, la geografía histórica de aquellos momentos había avanzado hacia una visión de la historia, según comenta DRIVER (1988: 499), como algo dependiente de las condiciones sociales y políticas, y mediada por la ideología, presentado este factor ya como determinante en la construcción y uso de la tradición o de los referentes históricos. El énfasis que estos trabajos ponían en cómo las contingencias histórico-geográficas influyen y marcan la orientación del cambio social en los procesos de desarrollo regional supuso una aportación muy notable, aunque es posible detectar en este campo la presencia de esquemas evolucionistas (reificantes y problemáticos en cuanto al papel del sujeto y de la agencia en la construcción de las geografías humanas del pasado) que todavía lastraban dichos estudios.4

6 Debido a todos estos escollos iniciales, muchos autores5 consideran, por tanto, que no sería hasta muy finales de la década de los 80 y ya plenamente a lo largo de los 90 cuando, por distintas vías, una historiografía plena y conscientemente crítica tomase cuerpo y se hiciera efectiva. Esto es: la crítica histórica adquiriese una profundidad, alcance y sofisticación teóricas comparables a las que habían ido alcanzado en otras disciplinas sociales (como la antropología), que en décadas anteriores empezaron a realizar esa tarea de revisión historiográfica con el objetivo de desarrollar enfoques críticos con respeto a sus propias trayectorias cognoscitivas (conformadoras de la disciplina), y comprometidos, por tanto, con la exploración y denuncia de los sesgos

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 89

políticos e ideológicos que estarían en el propio nacimiento y la conformación de esos mismos campos de saber.

7 En este sentido, ha sido esencial para la geografía la progresiva adopción y profundización en una actitud reflexiva (en un sentido diferente a formas de reflexividad que, por supuesto, pudieran ya darse en periodos anteriores como parte consustancial de la investigación histórica dentro de la disciplina), sobre la base de la asunción, por un lado, de las nuevas ideas difundidas a partir de los estudios de historia y filosofía de la ciencia acerca de la “situacionalidad” del conocimiento y de su carácter “contingente” y “construido”, así como también, por otro lado, debido a la influencia de los desarrollos filosóficos postestructuralistas y los nuevos enfoques en historia intelectual con su interés por la formación socio-histórica de los discursos dominantes en las ciencias sociales y humanas.

8 Las diferencias entre estos dos conjuntos de fuentes teóricas son notables y su aplicación en la investigación sobre la historia de la geografía ha generado trabajos de orientación diferenciada (a pesar de que estos suelen compartir ciertos presupuestos epistémicos constructivistas, y de que su desarrollo en la disciplina se ha dado de manera entreverada, tanto en su cronología como en la aplicación de su contenido). De ahí que pueda considerarse que las posturas historiográficas en el ámbito anglosajón han oscilado entre diferentes maneras de entender la reflexividad como tarea crítica, desde los ya mencionados “enfoques contextuales” a formas más “radicales” de deconstrucción de las perspectivas históricas, como las perspectivas foucaultianas (bien sea bajo el intento de trazar nuevas “genealogías” de la geografía o la práctica de la llamada “spatial history”).6 De uno y de otro conjunto, así como del diálogo o desencuentro entre ambos tipos de trabajos, nos ocuparemos en las páginas que siguen.

De la historia de la geografía a la geografía histórica de las geografías

9 En primer lugar, cabe señalar que el marco general en que este diverso tipo de investigaciones se han llevado a cabo ha estado dominado por un tono común de profundo cuestionamiento de la herencia geográfica y de las formas en que tradicionalmente se han “leído” los textos canónicos de la disciplina, de manera que la nueva “tarea” que ciertos historiadores de la geografía han asumido, como parte de esa reciente orientación crítica, podría resumirse precisamente en el imperativo de la exploración de la normatividad del conocimiento geográfico y del cuestionamiento, por tanto, de su legitimidad (al haberse comenzado a explicar ésta, ya no aludiendo a la inserción de la geografía en el entramado de las prácticas modernas de “objetividad” científica, sino más bien presentándola como un producto de unos mecanismos de autoridad epistémica sustentada, entre otras cosas, en relaciones de poder e intereses).

10 Así, a principios de la década de los noventa, D. Livingstone, refiriéndose al trabajo que los nuevos historiadores de la geografía debían afrontar, afirmaba que deberían tratar de “establecer cómo y por qué unas prácticas y procedimientos particulares llegaron a ser considerados como legítimos geográficamente y, por tanto, normativos en diferentes momentos de tiempo y en diferentes contextos espaciales.” (LIVINGSTONE, 1992b: 228). La insistencia en la naturaleza construida o “negociada” (Ibid.), social e institucionalmente, del conocimiento geográfico, y la centralidad de los procesos sociales y los intereses en la construcción de la normatividad del mismo, se han

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 90

convertido en dos de los rasgos distintivos de esta historiografía crítica en la disciplina, y en el puntal de su lucha contra cualquier “asunción esencialista” (Ibid., p. 229) respecto de la historia o la naturaleza del conocimiento geográfico.

11 En efecto, entre los principales “cargos” de los que se ha acusado a las formas “convencionales” de historia de la geografía7 destaca éste de haber sostenido una concepción “esencialista” de la disciplina (cfr. MAYHEW, 2001: 389-394), al haberse justificado tal o cual definición del proyecto geográfico a través del uso parcial y sesgado de ciertos capítulos de su historia o corrientes, poniéndolas al servicio de la legitimación de determinada ortodoxia (cfr. LIVINGSTONE, 1984: 271).

12 Acompañando a esta acusación solemos encontrar la de que dichas historias convencionales han sido escritas siguiendo un enfoque internista, esto es, atento sobre todo a la evolución interna de las ideas en la disciplina, a partir de un relato, más o menos hagiográfico, de las aportaciones de las grandes figuras que se han sucedido en la historia de la geografía y con un destacado protagonismo siempre de los “padres fundadores”, lo que convierte a todo el saber geográfico anterior (o exterior) a éste en una suerte de geografía pre-científica carente de validez o interés. Por este mismo motivo, se ha denunciado que dichos trabajos asumen una estructura historiográfica de tipo teleológico, motivada por la creencia en el progreso científico y en la naturaleza acumulativa del conocimiento. Este “tono presentista” (LIVINGSTONE, 1992b: 228), que hace de episodios del pasado de la disciplina un antecedente natural de formas actuales de conocimiento geográfico, suele venir reforzado por la frecuente orientación pedagógica y enciclopédica de estos trabajos.8

13 Además de las críticas de tipo más metodológico o epistemológico (como, por ejemplo, las acusaciones del predominio en esos trabajos de enfoques naturalistas y fundamentalmente descriptivos, sustentados en procedimientos de tipo inductivo, con una metodología de inspiración kantiana9), ha sido sobre todo el debate en torno a la propia concepción de la historia lo que ha centrado los esfuerzos críticos para la renovación del trabajo histórico sobre la disciplina. En este sentido, se ha denunciado el rol utilitario que la historia ha desempeñado en dichos trabajos, así como una concepción pobre en ellos de la individuación histórica (esto es, la identidad de los hechos históricos en lo que tienen de distintivos per se y en sus relaciones mutuas de causalidad). El resultado de la asunción de estas ideas habría sido el “oscurecimiento de la identidad histórica de la geografía en tanto que pasaje de diferencias” (LIVINGSTONE, 1992b: 394), ya que el tratamiento de los saberes geográficos, entendidos ahora en toda su amplitud, diversidad y articulación en ritmos históricos discontinuos y no exentos de rupturas y contradicciones), habría estado supeditado al objetivo de mostrar el surgimiento progresivo de la geografía como una ciencia completa y autónoma (aunque luego en cada caso o historia varíen ligeramente los parámetros que definen esa cientificidad).

14 Este conjunto de críticas a las formas “convencionales” de investigación histórica en la disciplina se ha articulado mediante la estrategia ya indicada anteriormente de contextualizar (material, social, cultural y políticamente) los episodios, autores o ideas geográficas en cuestión10, y se ha concretado en una importante y profunda redefinición de los métodos y formas de conocimiento tradicionales del geógrafo (la cartografía, el análisis regional, la descripción paisajística, etc.), al describirlos ahora como “dispositivos retóricos de persuasión por medio de los cuales los geógrafos han

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 91

reforzado la autoridad de sus afirmaciones, [y les han] otorgado un privilegio cognitivo” (LIVINGSTONE, 1992b: 229).11

15 Como apuntábamos ya más arriba, la variedad e interrelación de las aportaciones que se presentan a sí mismas como “nuevas historias de la geografía” (ya en los 90 y como expresión de esa voluntad epistémica “pluralizante” propia de las fuentes teóricas anteriormente mencionadas y que tienen como base) define una oscilación entre formas de entender la reflexividad de la tarea de investigación histórica (tarea, insistimos, contextualizadora) que podría captarse en la fórmula empleada por LIVINGSTONE (2000: 1) de “elucidar la historia de la geografía tanto como disciplina como discurso.”12

16 La distinción entre los términos “tradición” y “discurso” es especialmente relevante para el propósito que nos ocupa, sobre todo por lo que tiene de completa redefinición del campo mismo de conocimiento histórico de la geografía.13 Efectivamente, la distancia que separa esos dos términos (“tradición” y “discurso”) marca justamente el arco teórico (y, por tanto, las distintas formas de constructivismo epistemológico asumidas y empleadas) dentro del cual han tenido lugar estos debates revisionistas de la herencia geográfica en las últimas décadas, y que comprende, como venimos comentando, desde los trabajos históricos pioneros de tipo contextual, a las aplicaciones más radicales de la crítica postestructuralista reciente que niegan prácticamente la posibilidad y validez de ese conocimiento histórico (por cuanto no aceptan una noción de “origen” y deconstruyen por completo el sentido de la idea de “tradición geográfica”), pasando por un amplio espectro de trabajos de orientación histórico-geográfica que presentan cierto eclecticismo epistemológico (incluidos, también, los de geografía histórica, que se ha hecho igualmente eco de todos estos debates metodológicos, aunque de este tercer conjunto no nos ocuparemos aquí).

17 En el caso del primer conjunto de trabajos de historia contextual 14, realizados siguiendo e modelo de LIVINGSTONE (1992a), que aunque ya hemos comentado que no fuese el único modelo existente, sí que fue recibido, reseñado y asumido como la obra que dotaba paradigmáticamente de “nuevos estándares de autoría [authorship] a la historia disciplinar” (SPEDDING, 2008: 157), se ha solido tomar como fuente teórica de referencia las ideas aportadas en los nuevos enfoques en historia de la ciencia o los estudios de ciencia, tanto la denominada sociología del conocimiento científico (SSK), como los más amplios estudios sociales de la ciencia y la tecnología (CTS), autores como S. Shapin, D. Bloor, e incluso R. Porter o B. Latour, aunque también son conocedores de la obra de Foucault, cuya visión de la historia intelectual será clave en un segundo conjunto aludido de trabajos críticos. A pesar de la existencia de algunos referentes teóricos compartidos y solapamientos evidentes en cuanto al marco intelectual de referencia entre estos dos grupos, el diverso modo de constructivismo social que estos geógrafos han asumido (y el nivel, a veces solo epistemológico, y a veces también ontológico, en que ha sido predicado) en uno y otro caso marca una divergencia importante respecto a su comprensión de la historia.15

18 Así, el primer grupo de autores se caracteriza por mantener aún cierto compromiso o preocupación científica, materializado en sus obras en un uso más preciso de los referentes históricos, así como un trabajo exhaustivo y completo sobre las fuentes primarias, por lo que se da en sus investigaciones una operativización, ciertamente crítica, de la periodización y las categorías históricas, incluido un modelo de cambio histórico (bien que reformulado desde las ideas de contingencia y la situacionalidad,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 92

pero es un intento, al cabo, de situar el análisis geográfico en un ámbito de historicidad).16 A diferencia de esto, el segundo grupo (D. Gregory, F. Driver, C. Philo, M. Ogborn, entre otros) tiende a negar muchas de estas categorías históricas, inculcando la legitimidad de la propia noción de “tradición geográfica”. A este respecto, SPEDDING (2008: 160) ha notado la ironía que contiene el hecho de que “al estimular el resurgimiento interdisciplinar del debate histórico y filosófico, The Geographical Tradition [de Livingstone] debilitó su propia premisa central –que tiene sentido estudiar un único cuerpo de creencias y acciones que constituyen la tradición geográfica”.17

19 Por dar un únicamente un par de ejemplos de lo que han supuesto el primer tipo de aportaciones a las que aludimos, podríamos escoger el caso del estudio (en los trabajos de Heffernan o Withers) las exploraciones geográficas durante todo el periodo ilustrado y postilustrado, y analizar brevemente la redefinición que se ha llevado a cabo de éstas desde el punto de vista de las prácticas materiales e institucionales implicadas en todo el proceso de recepción, codificación y validación de la información trasmitida por los exploradores y de su relación con las comunidades científicas metropolitanas.

20 Así, por ejemplo, se ha elaborado una visión de las ciudades principales de los imperios occidentales, donde se estaban llevando a cabo estas prácticas y estaban ubicadas las instituciones científicas, como “centros metropolitanos de cálculo”18, es decir, una red de lugares (gabinetes cartográficos y de coleccionistas, museos, sociedades científicas, jardines botánicos, etc.) que permitía hacer circular, transformar y codificar esa información, dándole un estatus científico en virtud del estatus mismo que poseen esas instituciones y las prácticas que llevan a cabo.

21 Lo decisivo de estas aportaciones es la relectura que permiten hacer de la visión tradicional de las prácticas geográficas al poner el énfasis en las dimensiones sociales y políticas del proceso de producción del conocimiento científico: pretenden con ello desentrañar los distintos elementos (y la diversa naturaleza, no estrictamente científica, de los mismos) imbricados en la adquisición (“construcción”) del estatus científico del conocimiento geográfico. Subrayan, asimismo, lo que hay en estos procesos de perpetuación de antiguos sistemas de autoridad, y cómo la nueva información o nuevos hechos se insertan en ese sistema.

22 Otro ejemplo en esta misma línea de trabajo sería HEFFERNAN (2001), donde se analizan las “políticas y las poéticas de la creencia” (Ibid., p. 205), en relación a las exploraciones científicas, y cómo la credibilidad de la información geográfica "no es una simple cuestión de “verdad”, sino un producto de las cambiantes sensibilidades éticas sobre el comportamiento apropiado o inapropiado" (Ibid., p. 220) de los exploradores o los agentes implicados en dichos procesos, así como de las mismas reglas que gobernaban la exploración. Así, muchos de los estudios de este tipo han mostrado la importancia decisiva de esas otras retóricas morales y culturales, entremezcladas con las retóricas de objetividad y la ciencia (de la apelación a la “verdad” de los hechos), en los procesos de validación de la información geográfica procedente de los exploradores

23 En este sentido, M. Heffernan, parafraseando los enfoques de Latour sobre la producción social del conocimiento científico, ha afirmado que: “[l]a credibilidad del nuevo conocimiento, por lo tanto, ha sido a menudo derivada de un razonamiento peligrosamente circular y profundamente acientífico, más que de un examen desapasionadamente científico de las evidencias. Para ser creíble, el nuevo conocimiento debe presentarse desde los códigos de la práctica científica practicados en, o con el apoyo de, los sitios de creación de conocimiento establecidos.” -Y añade concretando en relación a la cuestión de las prácticas de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 93

exploración- “A pesar de su insistencia en un racionalismo objetivo, los juicios de los científicos ilustrados a menudo se apoyaron en un noción idealizada del comportamiento ‘caballeroso’ [gentlemanly] y de los códigos de honor, en la extendida creencia de que las regulaciones que gobernaban el acceso a ese estatus de ‘caballerosidad’ era legítimos y universalmente válidos” (HEFFERNAN, 2001: 205)

24 Es muy importante comprender, no obstante, que aún reconociendo todo el potencial crítico que la aplicación de este tipo de análisis de la producción socio-histórica y cultural del conocimiento geográfico tiene, en este primer conjunto de trabajos la puesta en práctica de la reflexividad implica, no sólo un trabajo con los instrumentos propios de la ciencia (para revisar y redefinir, pero no abandonar del todo, sus nociones de objetividad), sino sobre todo una actitud constructiva y una dimensión integradora (ausente en el segundo tipo de trabajos, en que la reflexividad se entiende ya como disrupción, deconstrucción, “deformación” o “perversión” de cualquier narrativa histórica o explicativa19). Su enfoque es, pues, revisionista pero explícitamente histórico (es decir, que se mantiene dentro del horizonte de posibilidades de la escritura, y por tanto, existencia de la historia y las historias) ya que estas aportaciones se han caracterizado por su voluntad de mantener, al fin y al cabo, la idea de “tradición geográfica”, y, por tanto, cierta noción integradora y regulativa de “disciplina”.

25 El propio Livingstone, tomando en consideración el amplio abanico de objeciones críticas que han presentado los enfoques postestructuralistas contra la idea misma de la posibilidad (o conveniencia) de escribir historias de la geografía, ha defendido enérgicamente -y no está de más, por tanto, citarle en extenso- una posición firme respecto al valor operativo de la noción de “tradición geográfica”, y de las posibilidades críticas de su estudio; esto es, de un análisis histórico que opere, digamos, desde dentro de la propia disciplina: “Por tod[as estas críticas], quiero argumentar que es valioso mantener la noción de que podemos hablar coherentemente de tradición geográfica, con lo cual me refiero a que los geógrafos pertenecen a una tradición de investigación que, por más debates y diferencias internas que presente, posee de hecho una historia narrativa [narrative history]. Lo que hace, por tanto, a la geografía una tradición –una tradición contestada- es precisamente que tiene una narrativa [story], una historia [history]. Que es, si puedo usar las palabras de Alisdair MacIntyre, ‘un argumento encarnado socialmente e históricamente extendido’ –un argumento justamente acerca de lo que constituye la tradición. De hecho, iría tan lejos como llegar a argumentar que es únicamente cuando tomamos la tradición en serio cuando podemos apreciar cómo se van haciendo evidentes las incoherencias, cómo emergen nuevas preguntas y cómo las viejas prácticas no consiguen proporcionar los recursos necesarios para afrontar las nuevas cuestiones.” (LIVINGSTONE, 1995b: 420. Cursiva nuestra).

26 Toda vez que hemos subrayado esta toma de posición de Livingstone con respecto a la cuestión de la vigencia o no de la noción de “tradición geográfica”, hay que hacer asimismo notar que dicha categoría no queda asumida acríticamente y que su reformulación ha implicado una comprensión más abierta y plural de ésta en tanto que una “conversación” o conjunto de conversaciones, a menudo paralelas, en torno a un leitmotiv cambiante a lo largo de la historia según las condiciones socioeconómicas, pero capaz de articular, al cabo, una “tradición viva” y plural, tanto en sus preocupaciones y componentes constitutivos (no todos estrictamente racionales, como pretende la imagen convencional de la geografía moderna), como en cuanto a los intereses que la han ido motivado.20

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 94

27 En este sentido, el mayor éxito de la obra de Livingstone, como ha sido ampliamente reconocido y celebrado, radica en “haber acabado con la noción -implícita, sino explícita, en muchos balances anteriores- del fluido progreso hacia una verdad objetiva, ideal” (SPEDDING, 2008: 153), para ser sustituida por un cuadro más dinámico de las diversas voces o tradiciones, en plural, que se han desarrollado de manera paralela a lo largo de la historia. Estos enfoques contextuales han ofrecido la imagen de una geografía sin identidad fija, en la que, además, la autoridad de tal o cual forma de conocimiento geográfico aparece como un proceso estrechamente ligado a las cambiantes relaciones de poder; y es éste el sentido en que se pretende reconceptualizar el estudio de la historia de la geografía como un proyecto de investigación contextualizadora que trace la “geografía histórica de las geografías” 21, mediante una suerte de cartografía de del vínculo entre el contenido cognitivo de cada una de las tradiciones y los contextos sociales e históricos de las mismas (así como su interrelación, la circulación de dichas formas de conocimiento, etc.).

28 El objetivo final (como se comprueba en la cita de Heffernan) es entender la formación, reproducción y transformación histórica de las estructuras epistémicas de la geografía (sistemas clasificatorios, prácticas de recogida y ordenación de datos, etc.) y sus conexiones con el quehacer de otras ciencias modernas, con las que están imbricadas, debido a una evolución conjunta y participación en un proyecto cultural y científico más amplio. O, dicho con WITHERS (1995: 159), uno de los geógrafos que ha tenido un papel más destacado en el desarrollo de esta perspectiva, se trata del estudio de la semejanza o “consonancia epistémica” entre distintos tipos de prácticas/disciplinas dentro de un mismo contexto histórico y social (tal y como se ha practicado en las últimas décadas desde los renovados estudios de historia y filosofía de la ciencia).

29 En este enfoque se da especial cabida, por tanto, a las polémicas y discontinuidades, precisamente por considerarse que es en el análisis de estos episodios de controversia científica (de los muchos que, por ejemplo, hubo en la historia de la exploración entre las comunidades científicas o nacionales implicadas) donde mejor se pone de relieve “cómo los discursos de la verdad científica son construidos” (HEFFERNAN, 2001: 205), ya que en dichos episodios se constata la importancia que una serie de factores (políticos, culturales, morales, y, por tanto, no estrictamente científicos) tienen en la definición de los parámetros de cientificidad y, sobre todo, en el tipo de prácticas vinculadas a la producción de conocimiento geográfico.22

Las críticas al enfoque contextual. Pasos hacia una genealogía de la geografía.

30 Estas intervenciones iniciales se convirtieron en una de las más importantes palancas de cambio en el proceso de revisión y rescritura de las historias de la disciplina, y dieron buena prueba del entusiasmo crítico que definió ese momento de recuperación del interés por la historia de la geografía, a raíz, sobre todo, de la toma de conciencia de la importancia estratégica de este campo para la reorientación crítica de la disciplina. En este sentido, el mensaje de desafío a las formas canónicas de conocimiento geográfico resultó un acicate para “muchos geógrafos que estaban empezando a explorar las posibilidades del posmodernismo” (SPEDDING, 2008: 157) en ese momento.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 95

31 Precisamente por esto, enseguida surgieron numerosas voces que, tras ese primer conjunto de intervenciones de tipo contextual, trataron de centrar todo el interés suscitado por este campo en la necesidad de ahondar, articulándola de una nueva manera, en esa inicial mirada reflexiva a la disciplina, ya que a juicio de ciertos geógrafos, el potencial crítico que ésta contenía debía aún ser desplegado en todo su verdadero efecto disruptivo y podían llevarse más lejos esos elementos de crítica ya puestos en marcha. Este gesto supondría dejar al descubierto definitivamente los sesgos, limitaciones y problemas intrínsecos de las nociones de “tradición” y de “historia” en el estudio de la disciplina, de manera que fueran sustituidas por formas de investigación deconstructiva (al estilo, por ejemplo, de las genealogías foucaultianas) que pusieran en práctica de manera plena, en todas sus dimensiones -sobre todo las políticas-, la contextualización del análisis de la producción histórica del conocimiento geográfico.

32 Dadas las expectativas que entonces se crearon y el ambiente en que transcurrió el debate (en consonancia con el espíritu de los desafíos epistemológicos que, para las ciencias sociales y humanas, planteaban las diversas manifestaciones del posmodernismo), es comprensible que algunos geógrafos críticos asumiesen y esperasen que el particular interés historiográfico que se dio a principios de los años 90 en el ámbito anglosajón no debía quedarse únicamente en un mero “giro histórico” de la disciplina, sino que más bien estaba abocado a marcar, como afirmó DRIVER (1995: 403), una suerte de auténtica “resurrección” de la historia de la geografía. Es decir, un nuevo nacimiento que implicase un cambio en la naturaleza de la misma, al poner en marcha una transformación completa de la forma de comprometerse con la investigación histórica de la herencia geográfica, rompiendo con los presupuestos epistemológicos y metodológicos de toda forma anterior de estudio. A pesar de las variantes que ofrecía la concreción de este proyecto, el modelo que más éxito ha parecido tener a la hora de orientar esta segunda nueva manera de investigación histórica es la de la “crítica del presente”, conforme a la ontología histórica y la historización de la idea de crítica del proyecto foucaultiano de hacer de la historia una “historia del presente” que sea un continuo ejercicio de subversión (y de desestabilización de ese propio pasado), puesto que se asume y reivindica que no hay fundamento metafísico ni origen histórico que sostengan el presente, como sin embargo pretenden las metodologías historiográficas convencionales.23

33 Es más, el propio Driver consideraba que “hasta hac[ía] poco, el debate sobre las historias de la geografía ha[bía] tendido a alinear la historia conservadora [Whiggish] contra la historia radical contextual”24, pero la irrupción ya entrados los 90 de nuevas ideas historiográficas críticas (especialmente con la adopción y aplicación de las ideas poscoloniales o feministas, que completaban o matizaban los planteamientos genealógicos foucaultianos), había provocado una reformulación, sin embargo, de los términos de ese enfrentamiento: estos nuevos enfoques contenían la semilla de cambios aún más profundos y de una subversión total de la idea misma de “tradición” , así como de la impugnación de los impulsos totalizadores que desde estas perspectivas se asumía que tiene cualquier narrativa histórica tradicional, por lo que estas prácticas de investigación “convencionales” quedaban convertidas ahora en un ejercicio inviable.

34 Así, sentencia Matless: “La doble estrategia genealógica de Foucault ofrece otro sentido de la ‘herencia’ de la geografía, sin una visión ya del pasado como un cimiento en el que apoyarse o sobre el que construir, sea de manera conservadora o radical. La genealogía

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 96

resistiría el [intento de] ofrecer nuevas historias para las nuevas naturalezas de la geografía, resistiría cualquier uso de la historia, a lo Hartsthorne, como una válvula de control del flujo de la influencia del pasado en la condición presente.[…] Dada la reformulación contemporánea de la geografía, una genealogía de la geografía podría actuar útilmente contra cualquier tendencia de que nuevas bases geográficas [grounds] solidifiquen en territorios concretos respaldados por tradiciones recién encontradas” (MATLESS, 1995: 408).

35 El tipo de operación sobre el conocimiento y la tradición geográfica que la aplicación de este enfoque genealógico posibilita tiene, pues, unas consecuencias decisivas para la disciplina, ya que reformula completamente el corpus de conocimientos heredados y codificados como “tradición geográfica”: no sólo ésta es presentada ahora dentro de un conjunto más amplio de discursos y prácticas discursivas propias de una época histórica y de un marco cultural determinado, sino que dentro de ellas, aquello que convencional y normativamente se ha llegado a conocer como “tradición geográfica” (y que perfila los contornos definitorios de la disciplina académica), no es sino sólo uno más (y no por más científico, mejor) de los tipos de discursos y saberes geográficos existentes: la legitimidad y autoridad epistémica de la que ha llegado a gozar dicha tradición- disciplina ha de ser examinada críticamente con herramientas que permitan analizar tales prácticas de codificación discursiva en tanto que prácticas de poder, pues eso es lo que realmente son.25

36 Resultado de ello en la disciplina (y respuesta a los requerimientos que esas nuevas posturas historiográficas y epistemológicas expresaban) habría sido la proliferación de un tipo diferente de historias de la geografía o geografías históricas, que se presentan a sí mismas bajo nuevos nombres tales como el de “historia espacial” [spatial history], y que vendrían a ser una forma de análisis histórico-cultural del espacio, el poder y el orden social: un intento de cartografiar y trazar las geografías de los modernos ordenamientos socio-espaciales sobre el eje común de la imbricación poder- conocimiento, que obtendrían su orientación profunda de las nociones anti-históricas foucaultianas.26

37 Una valoración general, pero rápida, de estos trabajos parece indicar que las principales aportaciones de estas investigaciones habrían sido, por un lado, la multiplicación de intereses y objetos de estudio de la investigación histórica en geografía, y, por otro, la disolución de los límites canónicos entre los ámbitos tradicionales de la “historia de la geografía”, la “geografía histórica” y las nuevas “historias geográficas”, así como del estatus distintivo de cada una de ellas.27 Parece obvio que lo segundo se ha producido hasta cierto punto, debido, por un lado, al efecto de “desdibujamiento” de los límites disciplinares que han supuesto las nuevas formas de organización de los objetos de estudio que las historias espaciales han elegido; y, por otro, a las nuevas maneras de explorar y entender la naturaleza de las relaciones entre historia y geografía, a partir, normalmente, de la inculcación de la concepción neokantiana de dicha relación, paradigmáticamente representada en la obra de Hartshorne que habría perdurado hasta hace poco en la disciplina, así como de un cambio indiscutible en el concepto mismo de historia y de los procesos históricos, como venimos viendo.

38 Sin embargo, la cuestión primera de la supuesta renovación temática de la historia de la geografía necesita un análisis más detenido. En este sentido, existen no pocas críticas a la supuesta “novedad” de estas nuevas formas de historia espacial28, pues, al cabo, el estudio de cuestiones como las de las geografías de la “producción institucional” y

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 97

sociopolítica de la “autoridad textual” y científica de la geografía moderna, o la implicación de la geografía en el proceso histórico-cultural más amplio de la construcción del “mundo como exhibición”29 o imagen, y, por tanto, su implicación en la conformación y legitimación de los “regímenes visuales modernos” (coloniales, por ende), había estado ya presente en formas anteriores de historia de la geografía, por más que ahora éstas constituyan un foco exclusivo de atención y aparezcan tematizadas en nuevos términos como los que acabamos de utilizar.

39 Sea como fuere, a nuestro juicio la pregunta importante del debate es si esa re- descripción que las nuevas historias espaciales ofrecen de dichos temas y objetos de estudio es capaz realmente de, digamos, estar a la altura de las expectativas que han creado los postulados historiográficos desde las que han sido enunciadas y las promesas teórico-críticas que han acompañado su irrupción, y de generar, por tanto, nuevas formas de entender el pasado realmente rompedoras, así como interpretaciones diferentes, y más convincentes que las anteriores, de los hechos históricos en cuestión. 30

40 Vistas así las cosas, la aportación de las nuevas historias espaciales (a menudo una suerte de estudios de micro-historia o migro-geografía) radicaría más bien en la reconfiguración que ofrecen de temáticas ya conocidas en torno al eje de ciertas categorías filosóficas propias de la crítica a la modernidad. Es decir, habría que evaluar esas obras por cuanto el sentido y valor de haber tratado de romper con las ordenaciones disciplinares convencionales era crear “nichos alternativos” para esos objetos de estudio geográfico (asociándolos a otros tipo de problemáticas) desde los que redefinir completamente la naturaleza de los procesos históricos que habrían conformado tales tipos de conocimiento geográfico o tales episodios de la tradición geográfica.31

41 Esta reordenación ha de entenderse en el marco de la asunción foucaultiana de que ese tipo de yuxtaposiciones o interpolaciones de hechos históricos o de saberes son de por sí disruptivos, por cuanto el enfoque genealógico “invierte los tradicionales valores de inteligibilidad” (FOUCAULT, 2003: 269) del propio campo epistemológico, especialmente en lo que atañe a la comprensión de sus trayectorias históricas de formación y codificación, de modo que abre siempre “un espacio impensable” (FOUCAULT, 1966: 8), y es allí, en esos nichos, donde las nuevas interpretaciones de los hechos históricos son posibles.

42 En otras palabras, se trata de romper la vieja sintaxis que regía el orden tradicional del conocimiento y de las categorías geográficas (modelada según el orden del sistema de las disciplinas propio de la división moderna del trabajo intelectual) para realojar esos materiales de estudio conforme a otros criterios, siendo la de entenderlos como “discursos” una precondición fundamental; y así situarlos contra un telón de fondo de las problemáticas culturales y políticas más amplias que han venido marcando la agenda de los debates filosóficos contemporáneos. En este sentido, por ejemplo, C. Philo ha definido las nuevas historias espaciales como un intento de inyectar una renovada sensibilidad geográfica en el estudio de los procesos históricos; pero una que no tenga ya nada que ver con el determinismo geográfico, sino que esté “en consonancia con los intereses más amplios de las ciencias sociales y humanidades contemporáneas” (PHILO, 1994: 261), es decir, la sensibilidad (o “imaginación geográfica”) propia del “giro espacial”, que asume toda categoría o metodología espacializante como una herramienta crítica, por cuanto el espacio mismo, al ser soporte de las relaciones de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 98

poder, permite hacer visibles dichas relaciones y desnaturalizar muchos de los procesos sociales que en él tienen lugar.32

43 Como venimos comentando, esta segunda inflexión crítica del análisis contextual afecta profundamente a las nociones de “historia” y de “tradición geográfica”, previamente operativas en la investigación histórica, pero que se ven ahora disueltas, y en buena medida conculcadas, por el efecto desdibujador de la noción de “discurso” aplicada a la historia de la geografía, entendida ya como historia del pensamiento según el modelo genealógico de Foucault de: “una forma de historia que pueda dar cuenta de la constitución de los conocimientos, discursos, esferas de objetos, etc., sin tener que hacer referencia a un sujeto que sea trascendental en relación a ese campo de acontecimientos o que aparezca en su vacía igualdad a lo largo de todo el curso de la historia”, y que “se opone, por el contrario, al despliegue metahistórico de las significaciones ideales y de los indefinidos teleológicos. Se opone a la búsqueda del ‘origen” [y en concreto el origen como] “lugar de verdad”. (FOUCAULT, 1971 [2001]: 132]33

44 Este enfoque, tal y como ha sido adoptado por los geógrafos, está marcado por la hiperconsciencia de que, según comenta D. Gregory, todas las historias, también las intelectuales o sobre todo ellas, son historias escritas desde alguna parte y por algún motivo34, y que, por tanto, están conformadas por estrategias retóricas a través de las cuales se legitima y funda la autoridad de dicho discurso (haciéndolo pasar por algo “objetivo” o “absoluto”). No en vano, es harto frecuente referirse a estos enfoques de origen nietzscheano-foucaultiano subyacentes a las nuevas historias espaciales como “filosofías de la sospecha”, debido a su marcada desconfianza en la racionalidad y el desenmascaramiento que buscan de las formas de falsedad (de la conciencia, la ideología, etc.) generadas por la cultura ilustrada y sus procedimientos epistemológicos.35

45 Aquí vemos claramente cómo esta segunda forma de reflexividad tiene un componente de auto-exploración y auto-cuestionamiento (si no más marcado que formas anteriores de reflexividad, sí más deslegitimador en sus efectos), en la medida en que ésta se hace extensible también, o sobre todo, al propio proceso de cómo las comunidades académicas han estado históricamente implicadas en esas mismas relaciones de poder. 36 Esto hace que toda tradición geográfica sea vista como un mero “efecto de poder”, como un resultado de esas mismas retóricas que se hacen hegemónicas en virtud de su posición dominante en el entramado de las relaciones sociales e institucionales. Es decir, el reconocimiento social que obtienen esas formas de conocimiento (en tanto que “conocimiento científico”, legítimo) emana de dicha posición de privilegio, y no de su contenido mismo (de su validez “objetiva”).

46 Al hilo de estas premisas se entienden mejor propuestas como, por ejemplo, la de MATLESS (1995) de sustituir la noción de “tradición geográfica” (o el tipo de metáforas evolucionistas que usaba todavía Livingstone en su trabajo), por la noción postestructuralista de “rizoma”, con el objetivo de evitar así los efectos “canonizantes” que tienen esas otras metáforas, y desdibujar los contornos de la historia de la disciplina: es decir, su imagen de un pasado con un tronco común o raíz principal. Un cuestionamiento similar de la noción convencional de “tradición geográfica” como “árbol genealógico de ideas” la encontramos en DRIVER (1995), o en DOEL (1999), que aplica las formas de “esquizoanálisis” de Deleuze y Guattari a la tradición geográfica, generando una “perversión polimórfica de la geografía” (Ibid., p. 103), especialmente de los “linajes” y “alineamientos” (Ibid.) mediante los que la historia de la disciplina ha

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 99

sido comúnmente comprendida. Particularmente, Doel aplica este “esquizoanálisis” a la imagen que las obras de Stoddart y Livingstone han generado de la tradición geográfica (pp. 103-132), “cortocircuitando” las posibilidades de ampliación del horizonte geográfico que ambos proponen, al impugnar los propios mecanismos racionales de la herencia ilustrada en la que éstas se basan y proponiendo como alternativa una “espectroscopia de la tradición geográfica” que busca recuperar los conocimientos enterrados en la formulación canónica de dicha tradición y que ponen en entredicho su supuesta integridad (aunque luego, desgraciadamente, el resultado de esto no sea más que un constante y desordenado parafraseo de ideas foucaultianas, aderezado de citas los de autores de rigueur, que no hace emerger ninguna explicación clara de proceso histórico alguno).

47 En consecuencia, a juicio de algunos de estos geógrafos críticos del segundo grupo comentado, los trabajos del estilo contextual de D. Livingstone, a pesar de los méritos importantes que se les reconocen, eran todavía demasiado conservadores y asertivos en su intento de seguir haciendo funcional la idea de “tradición” geográfica, y al mantener la imagen de coherencia (“principio de cohesión” o medida de orden, por decirlo con Foucault en su crítica a los modos de la “histoire totale”) del pasado de la disciplina.37

48 Así, en La arqueología del saber, Foucault sustituye el tradicional “principio de cohesión” por un “principio de elección” (Ibid., p. 21), y, con ello, pasa del marco temporal organizador de la historia según un “centro único”, al telón de fondo del espacio como escenario de “dispersión” de los hechos históricos, en lo que es al fin y al cabo una impugnación de la idea misma de causalidad histórica. Foucault prefiere hablar de la historia como conjunto de "series diferentes que se yuxtaponen, se suceden, se encabalgan y se entrecruzan, sin que se las pueda reducir a un esquema lineal". Al contrario, lo único que cabe es cartografiar las complejas relaciones entre esos elementos (y éste es uno de los varios sentidos en que la obra de Foucault “espacializa” la historia o aporta, en sí misma, un método espacializante. Cfr. ELDEN, 2001).

49 Esto supone el nacimiento de todo un nuevo sistema explicativo de un orden -no jerárquico, no cohesionado, no unitario- de las cosas y los hechos históricos; es decir, una topología de las relaciones entre los hechos y las cosas, y entre los distintos niveles en que éstas se articulan (aunque es conocido que dichos niveles arqueológicos destacan precisamente por la gran autonomía que Foucault les concede). Lo decisivo de este cambio es que ese principio topológico es en sí mismo un principio explicativo, libre ya de cualquier impulso o esencia totalizadora, trascendencia o de aprioris del tipo que fuere, que diseña y ordena transitoriamente los hechos según reglas que, tal y como defiende Foucault, siempre tendrán carácter “local” y cambiante.38

50 Comprendiendo estas ideas se ve mejor en qué sentido las “historias espaciales” tratan de cartografiar de nuevas maneras los saberes geográficos (que la “tradición” habría ordenado de una determinada manera, construyendo su propio canon), mediante la operación estratégica de situarlos al lado de otra serie de materiales no tenidos en cuenta por dicha tradición hasta ahora y uniéndolos en un mismo espacio discursivo (creando ese otro “nicho alternativo”, por tanto). Como ya hemos apuntado más arriba, quizá sea la obra Geographical Imaginations de D. Gregory la que más paradigmáticamente haya tratado de mostrar cómo esta operación de yuxtaposición (de hacer emerger juntos hechos históricos antes disociados) genera una descentralización de las narrativas canónicas de la historia de la geografía, al desestabilizar los núcleos principales que tradicionalmente han organizado y articulado

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 100

las dichos “relatos”, aglutinando ahora la historicidad de los discursos geográficos en torno a una serie diferente de motivos o preocupaciones (en este sentido, podría hablarse incluso de historias heterotópicas de la geografía).

51 Así, hablando de su trabajo aseguraba: “todo lo que busco es hacer una serie de incisiones en la historiografía convencional de la geografía y mostrar que sus episodios estratégicos pueden contar otras muchas historias”39, y que, en consecuencia, se puedan poner en relación con otros temas (los suscitados por los debates posmodernos) que hacen resonar en ellos precisamente otras historias distintas (silenciadas, menos conocidas) de la evolución moderna de la cultura geográfica. Es en este sentido en el que Gregory concibe su “intervención” como una forma alternativa de cartografiar (mapping) la formación y cambios de los discursos geográficos a lo largo de la historia, sobre todo en la época moderna.40 La particularidad de la investigación sobre la historia de la formación de ciertos discursos geográficos de Gregory se concreta, por tanto, en trazar hilos secundarios de desarrollo de la tradición geográfica mediante el énfasis puesto en determinados episodios silenciados o personajes y materiales secundarios en las historias de la geografía convencionales.

52 Al desplegar algunas de las estrategias foucaultianas desestabilizadoras y, por supuesto, su esquema interpretativo, Gregory entronca su proyecto con el del análisis crítico de las ciencias humanas en tanto que particular “campo epistemológico” (FOUCAULT, 1966; esto es, el campo de formación de la episteme moderna), y lo hace mediante su propio escrutinio crítico de la tradición geográfica como una pieza importante en el edificio moderno del conocimiento, y que, por tanto, comparte la mayoría de los principios fundacionales del régimen epistémico moderno. Gregory sigue y desarrolla la acusación foucaultiana de que estos saberes espaciales (los que han sido legitimados e institucionalizados como “tradición geográfica”) forman parte íntima del surgimiento de la moderna “sociedad disciplinaria”, y son y fueron un elemento consustancial en la formación de sus tecnologías de vigilancia, regulación y control. Gregory valora positivamente la perspectiva del Foucault de Vigilar y castigar (1975) -por otra parte, la obra que probablemente más haya influido en los inicios de la recepción anglosajona de dicho autor-, ya que de los análisis que en ésta y en otras obras similares realiza acerca de los usos disciplinarios de la planificación espacial de los cuerpos, y sobre el surgimiento de las biopolíticas, considera que es posible extraer, “sugerencias provocativas [que tengan] relevancia directa para cualquier genealogía del discurso de la geografía, [pues] éstas tienen mucho que decir acerca de la constitución de una suerte de ‘ciencia espacial’ dispersa ya visible en el siglo XVII y envalentonada a lo largo de los siglos XVIII y XIX.” (GREGORY, 1994: 29. Cursiva nuestra).

53 Es más, tal validez y crédito atribuye Gregory a los análisis de Foucault que en otro momento de su Geographical Imaginations afirma que incluso estos discursos y dispositivos que surgen desde el XVII como un “disperso y anónimo sistema de ciencias espaciales” (Ibid, p. 62) son tanto más geográficos que muchas de las ideas que tradicionalmente pasan por ser las ideas canónicas geográficas, habiendo precisamente surgido “bastante alejadas del “‘dinosaurio bibliográfico’ que ronda las páginas de las historias de la geografía al uso.” (Ibid.)

54 En otro trabajo similar GREGORY (1998) ha reconocido que le interesaba considerar “las geografías no-disciplinares –las geo-grafías- [the geo-graphs] que estuvieron implicadas en lo que, a lo largo del siglo XIX, se convirtió en un proyecto eurocéntrico más amplio [el sistema general de la ciencia moderna].” Esas geo-grafías (en alusión directa a la

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 101

noción derrideana) que Gregory investiga hacen referencia (1) a las distintas escrituras o codificaciones del espacio a lo largo de la época moderna, resultado de la compleja relación entre las nociones absolutas del espacio y el tiempo, (2) la importancia de la visualidad y los mecanismos de visualización en la cultura europea moderna, así como (3) los procesos de abstracción y (4) normalización (disciplinaria) asociados tradicionalmente con la modernización. A grandes rasgos estas son las cuatro geografías que propone estudiar Gregory para trazar una historia alternativa y crítica, no ya de la formación de la geografía moderna (algo disciplinarmente muy restringido y miope), sino de la participación de lo geográfico en la formación de la cultura e imaginación geográfica modernas, o, visto desde el otro lado, del proceso de configuración cultural de la modernidad mediante la inherente constitución de un conjunto de procesos y estrategias espaciales. En tanto que historia espacial más amplia ésta permitiría abordar una serie de procesos (absolutización, visualización, normalización y abstracción) a partir de su naturaleza como “prácticas discursivas” (Ibid., p.14), y por tanto, como hilos trabados en la tensa urdimbre de la “formación discursiva distintivamente moderna en algo muy parecido al sentido de Foucault de ese término” (Ibid.) y esparcido en distintas disciplinas de conocimiento.

55 En este y en otros sentidos, la obra de Gregory Geographical Imaginations, así como la mayoría de aquellas que se presentan bajo la etiqueta de “spatial history”, debido a la vinculación que hacen de su análisis de la tradición geográfica con la problemática de la modernidad y con el tipo de preocupaciones centrales (cierta elaboración filosófica de dicho problema) que se asocian a ésta en los debates contemporáneos, podrían interpretarse como una suerte de intervenciones en la “geografía histórica de la modernidad”41. Algo que a su vez puede ser entendido como un esfuerzo por imprimir una orientación particular, y original desde el punto de vista de la voz que la geografía humana puede tener en esos debates, al proyecto contemporáneo del “giro espacial” y de la espacialización de los enfoques críticos, en este caso a través de la discusión historiográfica.

Conclusiones.

56 A lo largo de estas páginas hemos revisado algunas de las principales contribuciones que, en el ámbito anglosajón, se han hecho en las últimas décadas para tratar de reformular el sentido y la orientación de la historia de la geografía. En primer lugar, indicamos algunos de los trabajos y voces pioneras que ya desde principios de los años 80 señalaban la necesidad de rescribir las historias de la disciplina desde presupuestos materialistas y prestando atención a los factores externos (extra-académicos, digamos) que habrían coadyuvado a conformar y fijar los elementos canónicos de la tradición geográfica.

57 En segundo lugar, pasamos a fijarnos en un corpus de obras más complejo y heterogéneo, escritas ya a finales de esa década de los 80 y desarrolladas en el contexto de mayor repercusión en el mundo anglosajón de las críticas posmodernas, a lo largo de la década de los 90. Todas ellas presentaban una clara intención crítica y trataban de articular una mirada reflexiva hacia el pasado de la disciplina, postulando nuevas formas de contextualizar su historia que, además de recoger la herencia materialista de esos primeros trabajos señalados como antecedentes, ampliasen a otras dimensiones

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 102

(sociales, culturales, etc.) los factores que debían de ser tenidos en cuenta como constitutivos de la formación histórica del conocimiento geográfico y de la disciplina.

58 Asimismo, introdujimos una distinción en este conjunto amplio de trabajos, señalando la existencia de dos maneras de articular ese proyecto crítico contextual, si bien no se trata aquí de un límite muy preciso, pues sendos grupos comparten parcialmente presupuestos epistemológicos y referencias filosóficas, por cuanto ambos asumen y abrazan los postulados del constructivismo social (aunque lo apliquen con distinto grado de radicalidad y según diversas variantes).

59 A pesar de la nebulosa conceptual en que se mueven estos trabajos, existen a nuestro juicio, no obstante, una serie de elementos que resultan centrales para analizar correctamente las claves distintivas de estos sucesivos desplazamientos críticos de la historia de la geografía en las últimas décadas, y, más en concreto, la propia diferencia existente entre esas dos formas de articulación de la reflexividad en la investigación histórica que practican uno y otro grupo.

60 Así, por un lado, apuntábamos a las nociones de “historia” y de “tradición geográfica” (entendidas teleológicamente en las formas convencionales de historia de la disciplina como continuidad, evolución y articulación paradigmática de un conjunto de saberes con una clara filiación en tal o cual época o corriente) como dos de los elementos centrales cuya reformulación habría sido decisiva para poder reorientar y rescribir las historias de la disciplina sobre nuevas bases.

61 En el caso del primer grupo de trabajos analizados, el cambio en la manera de entender la naturaleza de dichos conceptos (especialmente debido a la adopción de una serie de ideas provenientes de los estudios de historia y filosofía de la ciencia que supusieron una transformación profunda de los principios historiográficos tradicionales) ha sido determinante a la hora de plantear las nuevas “geografía históricas de la geografía”, interesadas sobre todo por los contextos de producción del conocimiento geográfico y por desnaturalizar (des-esencializar) y abrir la idea de “tradición”, mostrando la pluralidad de voces y trayectorias que, en realidad, la habrían conformado. Si bien su crítica historiográfica es profunda, dichos trabajos manejan formas de investigación histórica para las que las periodizaciones tradicionales y las categorías históricas, así como sus modelos de causación, son operativas aún, por lo que el dibujo o relato que generan acerca de la formación de la tradición geográfica, aun siendo sustancialmente distinto del que habrían proporcionado otras historias anteriores y “convencionales” y sacando a la luz muchos factores sociales y culturales que éstas no habrían tenido en cuenta, dichas explicaciones no inculcan en su totalidad la validez misma de la idea de “tradición geográfica” o la legitimidad de ese conocimiento que la disciplina perfila al dotarse de unos límites que la definen.

62 En el caso del segundo grupo de autores la reconceptualización de los principios historiográficos es más profunda aún, pues han tendido a adoptar el modelo genealógico de historia intelectual de Foucault, por lo que la desestabilización de las narrativas históricas heredadas es (o pretende ser) total. La idea misma de “tradición geográfica” es conculcada en varios sentidos y aparece progresivamente desdibujada bajo los análisis de la formación del conocimiento geográfico en términos de la producción y codificación discursiva.

63 Aún sin querer perder del todo el vínculo con los caminos abiertos por el modelo de análisis contextual de Livingstone, estos trabajos acabaron traicionaron algo de su idea inicial, por el propio efecto disruptivo de los planteamiento foucaultianos; y así

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 103

SPEDDING (2008: 160) ha notado esta ironía de que “al estimular el resurgimiento interdisciplinar del debate histórico y filosófico, The Geographical Tradition debilitó su propia premisa central –que tiene sentido estudiar un único cuerpo de creencias y acciones que constituyen la tradición geográfica.”

64 En efecto, el carácter “estratégico” que la historia de la geografía ha tenido, para muchos de estos autores, con respecto a la articulación de los proyectos críticos, por haberla visto como una arena especialmente privilegiada para materializar la orientación epistemológico-política de la que se trataba de dotar a la geografía, es lo que ha llevado a algunos autores a considerar que este segundo tipo de trabajos han tenido un interés meramente “instrumental” por la investigación histórica de la geografía, pero que no han escrito “historias de la geografía” como tales, es decir, no han estado preocupados por “las definiciones históricas de la geografía per se” (RYAN, 2002: 1998), sin que tenga que entenderse por esta expresión algo fijo o inmutable, sino simplemente al menos un conjunto de elementos “identificables” (MAYHEW, 2001: 398) y dotados de cierta estabilidad durante un determinado periodo histórico y que permite hacer de la geografía algo “categorialmente distinto” de otras tradiciones de conocimiento; y ello pasa también por reconocer los factores sociales, de poder, institucionales, etc., que han coadyuvado a esa “estabilidad”. La diferencia entre esto último y considerar que dicha estabilidad, al ser resultado de factores sociales y políticos, convierte la ciencia en un mero “sistema de positividad” (dicho con Foucault) penetrado de ideología que invalida el valor epistémico de la tradición geográfica, es precisamente la diferencia central que hay entre los dos enfoques o formas de reflexividad crítica que estamos analizando en este artículo.

65 Asimismo, habría finalmente un tercer elemento clave para analizar los elementos definitorios de los sucesivos desplazamiento críticos de la historia de la geografía, y que es la transformación en la propia noción de “conocimiento”, pues, como hemos indicado, el análisis que todas estas nuevas historias reflexivas de la geografía han llevado a cabo del pasado de la disciplina ha estado muy preocupado por detectar y explicar cuáles han sido los mecanismos (institucionales, discursivos, sociales, etc.) constitutivos históricamente del conocimiento geográfico en tanto que conocimiento “científico” legítimo. Aquí, las diversas ideas que desde los enfoques constructivistas se han enunciado acerca de la naturaleza de los procesos de construcción de la legitimidad de los sistemas modernos de la ciencia han sido decisivos para adoptar una mirada reflexiva y crítica al pasado de la disciplina. Y de nuevo en esas distintas formas de constructivismo está también la clave de la distinción entre una y otra forma de crítica historiográfica.

66 En síntesis, en la manera en que cada uno de estos tres elementos señalados han sido integrados en el análisis histórico de la geografía para orientarlo críticamente pueden detectarse diferencias, sutiles pero importantes, que nos han llevado a distinguir entre esos dos grupos de trabajos críticos de historia de la geografía, definiéndolos como dos formas diferentes de reflexividad crítica, en función de su grado de radicalidad (o forma de constructivismo) respecto de las nociones de historia, tradición y conocimiento. La reflexión que han ofrecido estas páginas surge del análisis de cómo se ha producido la combinación de esos elementos en todo este tipo de trabajos y apunta a la necesidad de considerar pormenorizadamente el uso que desde la historia de la geografía se ha hecho de la crítica contemporánea de las formas tradicionales de historiografía.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 104

BIBLIOGRAFÍA

AGNEW, J., LIVINGSTONE, D., ROGERS, A. (eds.) (1996). Human Geography: An Essential Anthology, Londres, Blackwell.

BAKER, A. R. H. (2003). Geography and history: Bridging the divide, Cambridge, Cambridge University Press.

__ (2007). “Classifying geographical history”, Professional Geographer, 59, pp. 344-356.

BARNES, T. J. (1993). “Whatever happened to the philosophy of science?”, Environment and Planning A, 25, pp. 301-304.

__ (2008): “Geography’s underworld: The military–industrial complex, mathematical modelling and the quantitative revolution”, Geoforum, 39, 1, pp. 3–16.

BARNETT, C. (1995). “Awakening the dead: who needs the history of geography”, Transactions of the Institute of British Geographers NS, 20, pp. 417-19.

BASSET, K. (1995). “On reflexivity: further comments on Barnes and the sociology of science". Environment and Planning A, 27, pp. 1527 -1533.

BASSIN, M. (1999). “History and philosophy of geography‖, Progress in Human Geography, 23, 1, pp. 109-117.

BELL, D., BUTLIN, R., HEFFERNAN, M. (eds.) (1995). Geography and Imperialism, 1820-1940, Manchester, Manchester University Press.

BERDOULAY, V. (1981). “The Contextual Approach”, en D. R. Stoddart (ed.) Geography, Ideology and Social Concern, Totowa, New Jersey, Barnes & Noble, pp. 8-16.

BLUNT, A. McEWAN, C. (eds) (2002). Postcolonial Geographies, Londres, Continuum.

CLAVAL, P. (1998). Historie de la Géographie française de 1870 à nos jours, Tours, Nathan Université.

COSGROVE, D. (1984). Social formation and symbolic landscapes, Londres, Croom Helm.

COSGROVE, D., DANIELS, S. (1988). The Iconography of Landscape, Cambridge, Cambridge University Press.

CRANG, M. (2009). ‘Spaces in theory, spaces in history and spatial historiographies‘, en Kümin, B. (Ed.) Political space in pre-industrial Europe, Farnham, Ashgate, pp. 249-265.

DEMERITT, D. (1996). “Social theory and the reconstruction of science and geography”, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, 21, pp. 484-503.

__ (1998). “Science, Social Constructivism and Nature”, en B. Braun, N. Castree (eds.) Remaking Reality, Londres, Routledge, pp. 173–92.

__ (2001). “Being Constructive about Nature”, en N. Castree , B. Braun (eds) Social Nature: Theory, Practice and Politics, Oxford: Blackwel, pp. 22-40.

__ (2002). “What is the ‗social construction of nature‘? A typology and sympathetic critique”, Progress in Human Geography, 26, 6, pp. 767-790.

DOEL, M. (1999). Poststructuralist geographies: the diabolical art of spatial science, Edimburgo, Edinburgh University Press.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 105

DOMOSH, M. (1991). “Toward a feminist historiography of geography”, Transactions of the Institute of British Geographers, N. S., 16, pp. 95-104.

DRIVER, F. (1988). “The historicity of human geography”, Progress in Human Geography, 12, pp. 497-506.

__ (1992). “Geography’s empire: histories of geographical knowledge”, Environment and Planning D: Society and Space, 10, 1, pp. 23-40.

__ (1993). Power and Pauperism: the Workhouse System 1834–84, Cambridge, Cambridge University Press.

__ (1995). “Geographical traditions: rethinking the history of geography”, Transactions of the Institute of British Geographers NS, 20, 4, pp. 403-4.

DUNCAN, J., GREGORY, D. (1998) (eds.). Writes of passage: reading travel writing, Londres, Routledge.

EDWARDS, J. (2003). “How to Read an Early Modern Map: Between the Particular and the General, the Material and the Abstract, Words and Mathematics”, Early Modern Literary Studies, 9, 1, pp. 1-58.

ELDEN, S. (2001). Mapping the Present: Heidegger, Foucault and the project of a spatial history, Londres, Continnum.

__ (2007). “Review: Chris Philo, A Geographical History of Institutional Provision for the Insane from Medieval Times to the 1860s in England and Wales: The Space Reserved for Insanity”, Foucault Studies, 4, pp. 177-181.

FOUCAULT, M. (1966). Les mots et les choses, París, Gallimard.

__ (1969 [2009]). La arqueología del saber, Madrid, Siglo XXI.

__ (1971 [2001]). “Nietzsche, la généalogie, l‘histoire”, en Dits et écrits (vol. 2, 1970-1975), París, Gallimard, pp. 136-156.

__ (2003). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1974-1975, Nueva York, Picador.

GODLEWSKA, A. (1995). “Map, Text and Image. The Mentality of Enlightened

Conquerors: A New Look at the Description de l'Egypte”, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, 20, 1, pp. 5-28.

GODLEWSKA, A., SMITH, N. (1994) (eds.). Geography and Empire, Oxford, Blackwell.

GRAHAM, B. NASH, C. (1999). Modern Historical Geographies, Harlow, Longman.

GREGORY, D. (1981). “Human agency and human geography”, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, 6, pp. 1-18.

__ (1989). “The crisis of modernity? Human geography and critical social theory”, en R. Peet, N. Thrigt (Eds.) New Models in Geography: The political economy perspective, VOL. II. Londres, Unwin Hyman, pp. 348-385.

__ (1991). “Interventions in the Historical Geography of Modernity: Social Theory, Spatiality and the Politics of Representation”, Geografiska Annaler. Series B, Human Geography, 73, 1, pp. 17-44.

__ (1994). Geographical Imaginations, Cambridge/ Oxford, Blackwell.

__ (1998). “The geographical discourse of modernity”, en Gebhardt. H. y Meusburger P. (eds.) Hettner Lecture 1997: Explorations in critical human geography., Heidelberg, University of Heidelberg, pp. 45-67.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 106

__ (2000). “Cultures of travel and spatial formations of knowledge”, Erkunde: Archive for Scientific Geography, 54, 4, pp. 297-319.

GREGORY, D., URRY, J. (1990 [1985]). Social Relations and Spatial Structures, Hong Kong, MacMillan.

HACKING, I. (1999). The social construction of what?, Cambridge, Harvard University Press.

HANNAH, M. (2000). Governmentality and the Mastery of Territory in Nineteenth-Century America. Cambridge, Cambridge University Press

HARLEY, B. (2001). The New Nature of Maps: Essays in the History of Cartography, Baltimore y Londres, Johns Hopkins University Press.

HEFFERNAN,M. (1996). “Geography, cartography and military intelligence: the Royal Geographical Society and the First World War”, Transactions of the Institute of British Geographers, 21, 3, pp. 504-533.

__ (1998). “Geography and imperialism”, en G. Good (ed.). Sciences of the Earth: An Encyclopedia of Events, People, and Phenomena, Nueva York, Garland, pp. 287-191.

__ (2001). "A dream as frail as those of ancient Time": the in-credible geographies of Timbuctoo”,‖ Environment and Planning D: Society & Space, 19, 2, pp. 203-225. __ (2008). “Historical Geography‖, en Making History. The changing face of the profession en Britain, http://www.history.ac.uk/makinghistory/resources/articles/historical_geography.html#5,

HETHERINGTON, K. (1997) The Badlands of Modernity: Heterotopia and Social Ordering, Londres and New York, Routledge.

HOLDSWORTH, D. (2003) “Historical geography: new ways of imaging and seeing the past”, Progress in Human Geography, 27, pp. 486-493

HUDSON, B. (1977). “The New Geography and the New Imperialism: 1870-1918”, Antipode, 9, 2, pp. 12-19

HUGGAN, G. (1989). “Decolonizing the map: post-colonialism, post-structuralism and thecartographic connection”, Ariel, 20, 4, pp. 115-31.

JOHNSTON, R. (1979). Geography and Geographers. Anglo-American Human Geography since 1945, Londres, Arnold.

JONES, S. (2002). “Social constructionism and the environment: through the quagmire”, Global Environmental Change, 12, pp. 247-251.

JONES, R. (2004). “What time human geography?”, Progress in Human Geography, 28,3, pp. 287–304.

KOHN, M. (2003). Radical Space: Building the House of the People, Ithaca, Cornell University Press.

KÜMIN, B. (Ed.) (2009). Political space in pre-industrial Europe, Farnham, Ashgate.

LILLEY, K. D. (2011) 'Geography's medieval history: a forgotten enterprise?', Dialogues in Human Geography, 1, 2, pp. 147-62

LEGG, S. (2007). Spaces of colonialism: Delhi‟s urban governmentalities, Londres, Blackwell.

LIVINGSTONE, D. N. (1984). “The history of science and the history of geography: interactions and implications”, History of Science, 22, pp. 271-302.

__ (1990). “Geography, tradition and the Scientific Revolution: an interpretative essay”,

Transactions of the Institute of British Geographers, 15, pp. 359-373.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 107

__ (1992a). The Geographical Tradition. Episodes in the History of a Contested Enterprise, Oxford,

Blackwell.

__ (1992b). “In Defence of Situated Messiness: Geographical Knowledge and the History of Science”, GeoJournal, 26, 2, pp. 228-229.

__ (1995a). “The spaces of knowledge: contributions towards a historical geography of science”, en Environment and Planning D: Society and Space, 13, pp. 5-34.

_- (1995b). “Geographical traditions”, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, 20, 4, pp. 420-422.

__ (2000). “Putting Geography in its place”, Australian Geographical Studies, 38, 1, pp. 1-9.

__ (2003). Putting Science in Its Place: Geographies of Scientific Knowledge, Chicago, University of Chicago Press.

LIVINGSTONE, D. y WITHERS, C. (1999). Geography and Enlightenment, Chicago, University of Chicago Ptress.

__ (2005). Geography and Revolution, Chicago, The University of Chicago Press.

MATLESS, D. (1992). “An occasion for geography: landscape, representation, and Foucault’s corpus”, Environment and Planning D: Society and Space 10, pp. 4- 56.

__ (1995). “Effects of history”, Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4, pp. 405‐9.

MAYHEW, R. J. (1998). “The character of English geography, c. 1660-1800: a textual approach”, Journal of Historical Geography, 24, pp. 358-412.

__ (2000). Enlightenment Geography. The Political Languages of British Geography, 1650-1850, Palgrave, McMillan.

__ (2001). “The effacement of early modern geography (c.1600–1850): a historiographical essay”, Progress in Human Geography, 25, 3, pp. 383–401.

__ (2004). “Classics in human geography revisited. Livingstone, D. N. 1992: The geographical tradition: episodes in a contested enterprise. Oxford: Blackwell.”, Progress in Human Geography, 28, 2, pp. 227-29.

NAYLOR, S. (2005). “Historical geography: knowledge, in place and on the move”, Progress in Human Geography, 29, 5, pp. 626-634.

OGBORN, M. (1998). Spaces of Modernity: London's Geographies 1680 – 1780, Nueva York, Guilford Press.

OLSSON, G. (2007). Abysmal. A Critique of Cartographic Reason, Chicago, The University of Chicago Press.

PEET, R. (1985). “The Social Origins of Environmental Determinism”, Annals of the

Association of American Geographers, 75, 3, pp. 309-333.

PHILO, C. (1992). “Foucault‘s geography”, Environment and Planning D: Society and Space, 10, pp. 137-161.

__ (1995). “Journey to asylum: a medical-geographical idea in historical context”, Journal of Historical Geography, 21, 2, pp. 148-168.

__ (2007). “Review Essay. Michel Foucault, Psychiatric Power: Lectures at the Collège de France 1973-1974.”, Foucault Studies, 4, pp. 149-163,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 108

PIAZZINI, C. E. (2010). “Geografías del conocimiento: transformación de los protocolos de investigación en las arqueologías latinoamericanas”, Geopolítica(s), 1, 1, pp. 115-136.

POWELL, R. C. (2007). “Geographies of science: histories, localities, practices, futures”, Progress in Human Geography, 31, 3, pp. 309-329.

ROSS, K. (1988). The emergence of social space: Rimbaud and the Paris Commune, . Minneapolis, University of Minnesota Press.

PUENTE, P. (2011). “La reconstrucción de los enfoques críticos contemporáneos y el rol del espacio. Una visión desde la Geografía”, Documents d‘Analisi Geografico, 57, 2, pp. 223-254.

RIZVI, A. M. (2005). “Book Review. Reading Elden‘s Mapping the Present”, Cosmos and History: The Journal of Natural and Social Philosophy, 1, 1, pp. 177-184.

ROSE, G. (1993). Feminism and Geography. The Limits of Geographical Knowledge, Oxford, Blackwell.

RYAN, J. R. (2002). “History and philosophy of geography 1999-2000”, Progress in Human Geography, 26, 1, pp. 76-89.

SOUBEYRAN, H. (1997). Imaginaire, science et discipline, Paris, L’Harmattan.

SPEDDING, N. (2008). “The geographical Tradition (1992): David Livingstone”, en P.

Hubbard, R. Kitchin y G. Valentine (eds.) Key Text in Human Geography, Londres, SAGE, pp. 153-161.

STODDART, D. R. (ed.) (1981). Geography, Ideology and Social Concern, New Jersey, Blackwell.

SIDAWAY, J.D. (2000). “Reconteztualising positionality: geographical research and academic fields of power”, Antipode, 32, pp. 260-70.

SIMONSEN, K. (2004). “Differential Spaces of Critical Geography”, Geofourm, 54, 5, pp. 525-528.

TAYLOR, P. J. (1976). “An interpretation of the quantification debate in British geography'' , Transactions of the Institute of British Geographers NS, 1, 22, p. 129-144.

THRIFT, N. (1983). "On the determination of social action in space and time", Environment and Planning D: Society and Space, 1, 1, pp. 23 – 57.

__ (1985). “Flies and germs: a geography of knowledge”, en GREGORY, D., URRY, J. (eds.) Social Relations and Spatial Structures, Londres, McMillan, pp. 366-403.

THRIFT, N., DRIVER, F., LIVINGSTONE; D. (1995): “Editorial. The geography of truth”, Environment and Planning D: Society and Space, 13, pp. 1-3.

UNWIN, T. (1992 [1995]). El lugar de la geografía, Madrid, Cátedra.

WITHERS, C. W. J. (1995). “Geography, natural history and the eighteenth-century Enlightenment: putting the world in place”, History Workshop Journal, 39, pp. 137-163.

__ (1996). “Notes towards a historical geography of geography in early modern Scotland”, Scotlands, 3, pp. 111-124.

__ (1999). “Reporting, Mapping, Trusting: Making Geographical Knowledge in the Late Seventeenth Century”, Isis, 90, 3, pp. 497-521.

__ (2000). “Travelling and credibility: towards a geography of truth”, Geographie et cultures, 33, pp. 3-17.

__ (2005). “History and philosophy of geography, 2002–2003: geography in its place”, Progress in Human Geography, 29, 1, pp. 64–72.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 109

__ (2007). Placing the Enlightenment. Thinking Geographically about the Age of Reason, Chicago y Londres, University of Chicago Press.

NOTAS

1. Además de las obras monográficas concretas de los autores citados a lo largo de este capítulo, una de las principales fuentes para analizar la evolución historiográfica de la disciplina, en el marco anglosajón, además de la conocida revista Journal of Historic Geography, son los balances (Progress Reports) que, con carácter bianual, publica la revista Progress in Human Geography bajo el título genérico “History and philosophy of geography”, así como la serie “Classics in human geography revisited”, dentro de la misma revista, que reseñan desde una perspectiva histórica la contribución de ciertos trabajos al desarrollo de la disciplina. 2. DRIVER (1992: 27. Cursiva nuestra). La expresión “material” hace una alusión explícita a la perspectiva marxista desde la que fueron desarrolladas estas investigaciones históricas. 3. Para un análisis de las diferencias entre estas aportaciones iniciales citadas y la de LIVINGSTONE (1992a), que fue la que más repercusión y comentarios recibió, véase SPEDDING (2008: 159). Entre las primeras, fueron sobre todo los trabajos de Stoddart y los de Berdoulay los que dieron forma más explícitamente al impulso intelectual contenido en las aproximaciones contextualistas. De hecho, la recopilación de STODDART (1981: 4) se reivindica ya a sí misma como una “contribución a una historia de la geografía revisionista”, y el trabajo de Berdoulay puede considerarse un tratamiento teórico temprano y ya perfectamente trabado del enfoque contextual en historia de la geografía. Tanto V. Berdoulay como otros importantes geógrafos franceses (P. Claval, P. Pinchemel o M. C. Robic) han escrito historias de la geografía francesa prestando atención a los contextos sociopolíticos e institucionales (CLAVAL, 1998; SOUBEYRAN, 1997). 4. Precisamente, hay que contextualizar el carácter polémico de estas estudios históricos en el contexto de los, por entonces en pleno auge en la disciplina, debates agencia-estructura, y de las discusiones acerca de la solución que la teoría estructuracionista de Giddens podría aportar a la geografía (Véanse GREGORY, 1981; THRIFT, 1983; GREGORY y URRY, 1985). 5. GREGORY (1994: 33), LIVINGSTONE (1992b: 228), BARNETT (1995: 418). Véase también el debate “Geographical Traditions: Rethinking the History of Geography” en la revista Transactions of the Institute of British Geographers (1995, Vol. 20, nº 4). 6. Consúltese LIVINGSTONE (2000) para un examen más amplio sobre “el grado en que la historiografía geográfica ha acudido a fuentes externas a la geografía” (Ibid., p. 2) para llevar a cabo esta tarea revisionista de su pasado, e, incluso, la frecuencia con que historiadores ajenos a dicha disciplina han escrito, sin embargo, trabajos decisivos (desde la historia natural o la historia de la ecología) para comprender desde una nueva óptica episodios centrales en la historia de la geografía moderna. También véanse LIVINGSTONE (1992b), BARNES (1993, 2008: 5), BASSET (1995) y THRIFT et al. (1995: 1) sobre la nueva forma de entender la reflexividad que la adopción de estos enfoques supone para la geografía; y el trabajo de POWELL (2007) para un examen detallado de las relaciones entre la corriente constructivista de los nuevos science studies (muy sensible a la dimensión espacial de la actividad científica) y la historia de la geografía. Por último, para un tratamiento más amplio de las fuentes, véase WITHERS (2005) donde se ofrece una reseña de obras de este estilo en la literatura geográfica más reciente.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 110

7. Algunas de las historias de la geografía escritas en épocas anteriores que han sido el objeto de la crítica de estos autores han sido denominadas algo despectivamente “convencionales” o “tradicionales”. Entre los trabajos que más frecuentemente se citan como parte de esta historiografía conservadora [wigghish] se suelen citar: E. Dickinson y O. J. R. Howarth (1933) The Making of Geography; R. E. Dickinson (1969) The makers of modern geography; Freeman (1961) A hundred years of geography. Y, por supuesto, la que acaso sea la bête noire de la tradición historiográfica anglosajona: R. Hartshorne (1939) The Nature Of Geography: A Critical Survey Of Current Thought In The Light Of The Past. 8. J. N. L. Baker (1931) A history of geographical discovery and exploration ha sido, por ejemplo, a menudo citada como caso paradigmático de las historias de la geografía tradicionales organizadas en torno a la temática de la exploración y el descubrimiento, con una narrativa continua y coherente, cronológica, lineal, sin atención a los procesos de cambio o ruptura, estableciendo los límites históricos de la idea adecuada de lo que es la disciplina en base a lo que se defiende que ha sido (incluyendo sólo aquellos geógrafos que se ajustan a esa idea presente o actual). También de manera recurrente es citado el trabajo de M. Bowen (1981) Empiricism and Geographical Thought: From Francis Bacon to Alexander von Humboldt, como caso reciente y más sangrante de una narrativa de progreso científico que aborda los conocimientos y distintos métodos geográficos como simples etapas en un edificio científico, moderno y racionalista, más amplio. 9. Cfr. STODDART (1981: 4). 10. Cfr. BASSIN (1999: 115) sobre las distintas formas de contextualización en la historia de la geografía reciente, y DRIVER (1988: 502-4) sobre el distinto sentido de la apelación a la noción de “contexto” en el marco de los sucesivos debates sobre esta cuestión en la disciplina. 11. En este sentido, casi todas las prácticas que han compuesto históricamente el quehacer geográfico (exploración y viajes, descripción, clasificación o medición geográfica, inventarios, etc.) han sido de una u otra manera investigadas y re-descritas a partir de esa visión constructivista del conocimiento como práctica atravesada por las relaciones de poder, y de su normatividad como un mero efecto de dichas relaciones y de la aceptación social del mismo. Un pequeñísimo botón de muestra de este tipo de trabajos serían: COSGROVE (1984), MATLESS (1992) y COSGROVE y DANIELS (1988), con respecto al paisaje; HARLEY (2001), HUGGAN (1989) u OLSSON (2007), con respecto a los mapas y la historia de la cartografía; GODLEWSKA y SMITH (1994) o GODLEWSKA (1995) respecto a las exploraciones científicas y geográficas y el pasado imperialista de la disciplina; DUNCAN y GREGORY (1998) acerca de a los viajes y sus literaturas, y así un largo etcétera. 12. Cursiva nuestra. 13. El propio Livingstone ha subrayado el carácter conflictivo y combativo de este ámbito de debate historiográfico dentro de la disciplina, por cuanto esa actitud reflexiva mencionada ha impuesto una suerte de hiperconsciencia, y a menudo de vigilancia (lo que los anglosajones llaman “policing the discipline”) respecto de las presunciones o taken-for-grantedness de cualquier afirmación. “Tan controvertida [contested] es toda esta esfera de intentos y desafíos, que incluso expresar las cosas de esta manera [sintetizar o analizar cómo se están produciendo estos mismos debates] significa correr el riesgo de censura” (LIVINGSTONE, 2003: 2), por cuanto toda afirmación o análisis se toma como un posicionamiento epistémico (y, por tanto, político). 14. Según nuestro criterio, podrían clasificarse en este grupo obras como las de LIVINGSTONE (1990, 1992a, 1995 a y b), o las obras de UNWIN (1992), LIVINGSTONE y WITHERS (1999, 2005),

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 111

WITHERS (1995, 1996, 1999, 2000, 2007), HEFFERNAN (1996, 1998, 2001), atentas todas ellas a reinterpretar (en clave de los procesos sociopolíticos que en tales contextos históricos fueron determinantes) distintos pero decisivos episodios para la conformación de la historia moderna de la disciplina. 15. Para un análisis algo más detallado de las distintas formas de constructivismo que se han dado en la geografía anglosajona contemporánea véase DEMERITT (1996, 1998, 2001, 2002) o JONES (2002). En HACKING (1999) ha proporcionado un análisis de esas distintas actitudes constructivistas en función de cuál sea la combinación que se dé de las tres premisas básicas del constructivismo, así como del grado de radicalidad con que se asuman como estrategias de desenmascaramiento de la falsedad de las explicaciones disponibles hasta el momento sobre los fenómenos u objetos en cuestión. 16. Tanto Livingstone, como más a menudo Heffernan o WITHERS (1995: 159) aluden a las ideas de Foucault, pero la manera, por ejemplo, que estos primeros autores tienen de explorar históricamente el papel del conocimiento geográfico en la formación de la episteme moderna (por citar sólo una de las temáticas foucaultianas), difiere en varios aspectos de la de los geógrafos del segundo grupo que más adelante comentaremos. Esta diferencia puede examinarse también en el plano epistemológico porque, aunque existe, como venimos diciendo, cierto “aire de familia” en los postulados epistemológicos de estos dos grupos de geógrafos (debido a ciertos elementos compartidos entre los distintos programas de los estudios de la ciencia, tecnología y sociedad), también hay diferencias importantes en cuanto a cómo estos geógrafos han aplicado y extraído conclusiones de esos postulados. En el caso la diferencia de Withers o de Heffernan con el segundo grupo de historiadores de la geografía radica en que en estos primeros el uso de referentes epistemológicos no ha conducido a un rechazo de la objetividad histórica, como pasa en el segundo en tanto en cuanto los componentes sociales en los procesos de formación y legitimación del conocimiento se han tratado como determinantes del contenido del mismo y de su aceptación. Profundizaremos más en estos aspectos epistemológicos en la segunda parte de la tesis. Véanse por ejemplo el uso de los referentes históricos en WITHERS (2007) y LIVINGSTONE y WITHERS (2005). 17. Cfr. LIVINGSTONE (1992a: 344 y ss.), donde se muestra escéptico respecto a las consecuencias relativistas, y destructivas en algún sentido, del impulso pluralizante de los principios historiográficos posmodernos. En las páginas finales de su opus magnum, sin embargo, había reconocido la “inevitabilidad del pluralismo” y la centralidad del reto que los nuevos discursos no-fundacionalistas en historia de la geografía lanzaban (afirmando: “esto tiene consecuencias de largo alcance. Y las consecuencias para la geografía de reconocer esta reivindicación posmodernista es la tarea con la que la generación actual se enfrenta.” 18. HEFFERNAN (2001: 204), siguiendo la noción de B. Latour. 19. Cfr. DOEL (1999: 112). 20. La expresión “tradición viva” es del propio LIVINGSTONE (1992a: 348). Para ser exactos, afirma que la “tradición geográfica ha sido ciertamente un argumento prolongado que ha plasmado un rango de sustancias y estilos conversacionales [y que] ha evolucionado a medida que se ha adaptado a diferentes ambientes sociales e intelectuales.” (Ibid., p. 358), de ahí los diferentes vocabularios y discursos que ésta presenta, y que han entrado en contradicción a veces, y otras se han reforzado mutuamente. Y concluye Livingstone: “Reconocer la inteligibilidad de estos diversos discursos en sus propios términos es reconocer el carácter esencialmente controvertido [contested] de la tradición geográfica.” AGNEW et al. (1996: 5) han defendido una postura similar sobre la plural continuidad de la tradición geográfica debido a la persistencia, a través de distintos contextos históricos y culturales, de una “constelación” de conceptos” geográficos. 21. LIVINGSTONE (2000: 7. Cursiva nuestra).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 112

22. Otros ejemplos concretos de la aplicación de estas premisas serían WITHERS (1995, 1999, 2000), o MAYHEW (1998, 2000). En este sentido, estos trabajos presentan un destacado parecido, en historia de la ciencia, con los de A. Pickering o M. Collings (y otros miembros de la escuela de Bath) en su interés por las controversias científicas y los mecanismos de cierre de las mismas (desde el punto de vista de la importancia de la persuasión, por ejemplo, por encima de las evidencias científicas). 23. Para aclarar el sentido de este proyecto véase RIZVI (2005) o el análisis de ELDEN (2001) aplicado a la geografía. La obra Geographical Imaginations de Gregory ofrece un buen número de ejemplos de lo que serían (o al menos pretenderían ser) los efectos desestabilizantes surgidos de aplicar esta mirada crítica al pasado de la disciplina, cumpliéndose así el valor “estratégico” de este tipo de enfoque: esto es, la “eficacia política” que Foucault buscaba con determinada forma de entender la historia. 24. DRIVER (1995:407). Sobre la crítica, en la historiografía británica, a la denominada corriente de “Whig history”, véase el trabajo fundacional de esta línea de crítica de Herbert Butterfield (The Whig Interpretation of History, 1931). La aplicación del término en este contexto no debe confundirse con la distinción Whigs/Tories aplicada a la ideología política en Reino Unido y EEUU. 25. Para un ejemplo más extenso de este tipo de análisis en geografía véase PIAZZINI (2010). Hemos hablado aquí de “saberes” geográficos frente a “conocimiento geográfico”, aprovechando la distinción de Foucault entre “connaissance” y “savoir”, donde el primer término hace referencia a la relación entre sujeto y objeto y las reglas formales que la gobiernan; y el segundo remite, sin embargo, a las condiciones que son necesarias para que llegue a formularse el conocimiento, como tal, en un determinado periodo histórico o contexto discursivo. 26. Sobre el origen del término “historia espacial” y el sentido del proyecto de “espacialización de la historia” o del análisis histórico en Foucault véase ELDEN (2001). Cfr. con MATLESS (1992: 46 y ss.) para un análisis de la cuestión del poder-conocimiento en Foucault y sus implicaciones para el análisis geográfico. Ejemplos de trabajos históricos aplicados de este tipo podrían ser: PHILO (1992, 1995), DRIVER (1993); HETHERINGTON (1997); GREGORY (1994); GRAHAM y NASH (1999); ROSS (1988); HANNAH (2000); KOHN (2003); KÜMIN (2009); LEGG (2007). En CRANG (2009) encontramos un balance sobre este nuevo tipo de historias espaciales. Sucede, en cualquier caso, que muchos de ellos siguen utilizando explícitamente la denominación “historia contextual” (por ejemplo, OGBORN, 1998: 13), pero a menudo para conectar el estudio de determinadas geografías históricas con “las teorías de la modernidad”, como en el caso de Ogborn, o con problemáticas socio-culturales propias de esa tradición de crítica a la modernidad. Muchos de estos trabajos, aparte de la relación con los principios historiográficos de inspiración foucaultiana, manifiestan una filiación igualmente clara con preocupaciones de tipo poscolonial (como en GREGORY, 1998, 2000; BELL et al., 1995 o BLUNT y McEWAN, 2022) o de tipo feminista (DOMOSH, 1991; ROSE, 1993). 27. Véanse HEFFERNAN (2008) y BAKER (2003) sobre la reformulación reciente de estos diversos términos. 28. Por ejemplo BAKER (2007: 347-54) afirma no ver nada demasiado nuevo en estas historias geográficas o espacializantes, pues sus propuestas (más allá de los neologismos y novedosos vocabularios que utilizan, o de la fama de la que han gozado las proclamas teóricas en que se basan) son asimilables a líneas y temáticas de investigación ya existentes con anterioridad, como el estudio de las cambiantes distribuciones geográficas de fenómenos y procesos históricos, o la influencia de los contextos geográficos y los marcos medioambientales en los hechos históricos. Veánse también ELDEN (2007: 180), que subraya igualmente la presencia de elementos “convencionales”, junto con los más rompedores, en esas nuevas formas de cartografiar el pasado; o EDWARDS (2003), HOLDSWORTH (2003) y NAYLOR (2005: 626), quien comenta los ejemplos en que estos nuevos trabajos tratan temas que, no sólo ya habían sido investigados por los geógrafos en el pasado, sino que además, al ignorarse ahora esas aportaciones y sustituirlas

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 113

por tratamientos que pensadores poscoloniales o posmodernos han hecho de las mismas más recientemente, se sobrestima el valor de novedad y ruptura de estas últimas. Incluso aquellos que más han insistido en la riqueza temática de estas nuevas historias espaciales, sin embargo, han denunciado que con ellos se ha producido una significativa reducción de la escala temporal de análisis, como ha demostrado JONES (2004), debido, entre otras razones, a la “asunción simplista de que la investigación histórica en geografía debe tener relevancia directa para los asuntos contemporáneos” (HEFFERNAN, 2008). 29. GREGORY (1994: 15). 30. Por ejemplo EDWARDS (2003) cifra también en este balance el verdadero valor epistémico de dichas aportaciones: en el caso de la cartografía del que se ocupa él, por ejemplo, es importante analizar fríamente si la inserción de dicho objeto de estudio en un marco interpretativo crítico de corte post-, que redescribe los mapas como parte de los modernos dispositivos de poder y control, genera explicaciones valiosas que superen los sesgos que se producen en dicha operación de traslación de tales cuestiones geográficas a un nuevo horizonte o constelación de problemas históricos. 31. La expresión de “nichos alternativos” es de PHILO (1994: 254), quien ha defendido en un sentido similar el hecho de que estos trabajos y sus programáticas reivindicaciones tienen más de reordenamiento de materiales, que de aportación sustantiva (en cuanto a contenidos o avances del conocimiento). 32. Para un análisis más detallado de cómo las diversas formas de entender el espacio están en el centro de la discusión de la rearticulación contemporánea de los enfoques críticos véase PUENTE (2011). 33. En MATLESS (1992: 49) encontramos una llamada explícita a que la geografía lleve a cabo un “genealogía de sí misma”, y DRIVER (1992: 35) define esta nueva forma de historia de la geografía como “un paisaje de discontinuidad; historia como series de espacios, más que una sola y perfecta narrativa.” PHILO (2007) ha explorado también la “utilidad de los ‘fragmentos genealógicos’” (p. 342) como una manera crítica de recuperar y dar una nueva legitimidad a formas “subyugadas de conocimiento” (o “contra-conocimientos”) que habrían sido “enterradas o camufladas en coherencias funcionales o sistematizaciones formales” –según la terminología de FOUCAULT (2003: 7)- a lo largo de la época moderna, o asimismo “descalificados como conocimientos no- conceptuales, conocimientos insuficientemente elaborados” (p. 8). 34. Son “history-for” (GREGORY, 1994: 6). 35. Se suele seguir, así, la expresión que el filósofo francés P. Ricoeur acuñara, para Marx, Freud y Nietzsche, de “maestros de la sospecha”. Desde este punto de vista, se entiende la desconfianza de DRIVER (1992: 35) en su afirmación: “¿Por qué las historias de la geografía son siquiera importantes en estos tiempos (post)modernos?”. 36. Véanse a este respecto SIMONSEN (2004) y SIDAWAY (2000). Es lo que Gregory ha llamado “doble geografía del poder-conocimiento” (GREGORY, 1994: 58), un estudio no sólo de los espacios de producción del conocimiento geográficos, sino también los de su circulación, discusión y legitimación. Sin esta doble dimensión la cartografía histórica o contextualización de esos conocimientos no es plenamente crítica. 37. La expresión está en FOUCAULT (1969 [2009]: 18-20). Cfr. BARNETT (1995) o MATLESS (1995: 405) como ejemplos del interés en geografía por este tipo de posturas historiográficas. 38. PHILO (1992: 150) se refiere a ese orden débil como “geometría momentánea atrapada en el carácter cambiante de las propias cosas”, nada que ver, por tanto, con una geometría fija o euclidiana. Precisamente, en esa “otra” geometría local que defiende Foucault se ve en todo su calado cómo funciona la oposición local/universal, donde la fuerza subversiva y las posibilidades

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 114

de la resistencia radican en el ámbito de lo local, en tanto que esfera de organización de la lucha (las micropolíticas) contra las formas de dominación que se generan en el ámbito de lo global (como ámbito del espacio absoluto y de las categorías modernas universales homogeneizantes). 39. [can be made to speak to many other histories]” GREGORY (1994: 14). 40. Esta maniobra, de nuevo, se articula en una doble dirección, pues, de hecho en GREGORY (1989: 349) ya definía su estrategia de reformular en términos más radicales las cuestiones en juego en el debate posmoderno mediante una estrategia de “construir y deconstruir una de las posibles historias de la geografía”. 41. De hecho, la expresión es de GREGORY (1991), que es como el autor concibió originalmente su proyecto de Geographical Imaginations en un trabajo anterior.

RESÚMENES

El artículo ofrece una síntesis de las principales aportaciones que, desde una orientación marcadamente crítica, se han hecho en la historia de la geografía anglosajona en las últimas décadas. Para ello se ofrece una posible clasificación y periodización de los sucesivos desplazamientos críticos en este campo, así como un análisis de cuáles son a nuestro juicio los elementos clave para entender la diferencia entre esas distintas formas de reflexividad crítica que los historiadores de la geografía han tratado de aplicar y articular en su estudios del pasado de la disciplina.

O artigo oferece uma síntese das principais contribuições que, a partir de uma orientação marcadamente crítica, se tem realizado na história da geografia anglo-saxã nas últimas décadas. Para isto, ele oferece uma classificação e uma periodização dos sucessivos deslocamentos críticos neste campo, assim como uma análise de quais são os elementos chaves para compreender as diferentes formas de reflexividade crítica que os historiadores da geografia têm tentado aplicar e articular em seus estudos sobre o passado da disciplina.

The paper presents a general insight on critical approaches’ chief contributions to Anglo-Saxon history of geography throughout the last decades. We first put forward a classification and a chronology of the successive critical turns in the field, and then we try to pinpoint key elements for analyzing and understanding the difference and specificity among the several forms of reflexivity having been articulated by historians of geography in their attempt to carry out critical research on the history of the field.

Cet article présent une synthèse des principales contributions qui ont été faites par les historiens de la géographie Anglo-Saxonnes, notamment ceux à orientation critique, pendant les dernières années. A cette fin, on donne une classification et une chronologie des successifs détournements critiques de l’histoire de la géographie, ainsi qu’une analyse des éléments clé pour comprendre les différentes formes de réflexivité que les historiens de la géographie ont articulées afin de mener des formes critiques de rechercher sur le passée de la géographie.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 115

ÍNDICE

Mots-clés: histoire de la géographie, approches critiques, tradition géographique. Palavras-chave: história da geografia, enfoques críticos, tradição geográfica Palabras claves: historia de la geografía, enfoques críticos, tradición geográfica Keywords: history of geography, critical approaches, geographical tradition

AUTOR

PALOMA PUENTE LOZANO

Universitat Autónoma de Barcelona (España) [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 116

Dos propósitos e modos de se escrever histórias Considerações sobre um velho debate De los propósitos y modos de escribir historias: consideraciones sobre un viejo debate Sur les propositions et modes de écrire l’histoire: considerations sur un vieux débat On proposals and modes of writing history: considerations on an old debate

Mariana Lamego

Existe um slogan do Partido que concerne ao controle do passado”, disse, “Repita, por favor”. “Quem controla o passado controla o presente, quem controla o passado controla o futuro”, repetiu Winston submisso. “Quem controla o presente controla o passado”, disse O’Brien com um lento aceno de cabeça em aprovação. “Você acredita mesmo, Winston, que o passado tenha uma existência real? O passado é ‘atualizado dia a dia’ e o controle do passado depende de uma espécie de educação da memória. Verificar que todos os documentos escritos concordem com a ortodoxia do momento só constitui um ato automático da inteligência. Mas também é preciso, ao mesmo tempo, lembrar que os fatos ocorreram daquela determinada maneira. E se é necessário corrigir a própria memória, e reajustá- la com documentos escritos, é preciso que depois nos esqueçamos de tê-lo feito.” George Orwell

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 117

Introdução

1 A citação do brilhante 1984 de George Orwell poderia ser replicada em muitos dos trabalhos que abordam a sempre atual discussão a respeito do propósito de se escrever a história, ou seguindo a linha atual da supressão do singular, as histórias da geografia.

2 Legitimação do presente, refundação do passado, ressurreição dos mortos, enterros de velhos cânones, apagamento de práticas passadas, inclusão dos outsiders, ou ainda chave de compreensão do estado da arte atual... Poderiam ser esses alguns dos motivos que nos mobilizam a escrever as histórias das idéias geográficas? É o passado uma invenção arquitetada para justificar o presente? O passado importa porque explica o presente? É o passado tangível o suficiente para propiciar algum entendimento do presente que se crê real? É o passado intangível o suficiente para que dele se possam “descobrir” novos fatos, personagens e histórias?

3 É na direção de questionamentos como esses que caminha o presente artigo. O sentido da história sustenta seus propósitos, que por sua vez, alinham seus métodos. O como construir narrativas depende invariavelmente do por que construí-las. Assunto inesgotável, ressalte-se, tendo em vista a necessidade de se manter em constante exame a utilidade das histórias e, por conseguinte, os usos que delas se faz.

4 Há dezoito anos um estimulante debate intitulado Rethinking the History of Geography acontecia durante a Conferência Anual do Institute of British Geographers (IBG) em Londres. Sentados à mesa, cinco expoentes da geografia britânica, interessados na construção de narrativas do conhecimento geográfico, debruçados sobre o tema das tradições geográficas. David Matless, Felix Driver, Gillian Rose, Clives Barnett e David Livingstone. Na berlinda, o livro The Geographical Tradition (1992) de David Livingstone, o último a apresentar suas idéias no debate.

5 Assim como este, os debates sobre a historiografia levados a cabo nos extertores do século XX apontaram ao que poderia se chamar a virada histórica. Momento no qual afloram os chamados estudos culturais, as abordagens pós colonialistas, os science studies e outras perspectivas que se aventuram na compreensão dos paradigmas, das imagens da ciência, das tradições de pesquisa, dos estilos de pensamento ou o termo que se disponha a usar para designar os processos de construção do conhecimento humano. Tais ferramentas começam a ser adotadas na construção das histórias do conhecimento geográfico e a perspectiva crítica dessa adoção não se pode perder de vista.

6 Naquele mesmo ano de 1995, o debate ganha as páginas da revista do IBG, Transactions of The Institute of British Geographers, tornando-se um conjunto de cinco artigos que nunca deixou de merecer leitura e que, curiosamente, segue um tanto desconhecido entre nós. O que move este artigo é, portanto, o interesse em compartilhar alguns muito importantes tópicos a respeito dos propósitos e modos da escrita das histórias de geografia que foram tratados nesses artigos e que não perderam sua validade. Muito pelo contrário, para os interessados pelas histórias das idéias geográficas, pelas histórias da disciplina, pelas histórias dos geógrafos e tantas outras possíveis histórias, questões como o papel e a importância da genealogia, as questões de gênero, a discussão sobre herança e descendência, a prática enciclopédica, entre outras, permanecem latentes na condução de nossas inquietações e investigações.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 118

7 Isso posto, este artigo divide-se em três seções. Na primeira é traçado um breve panorama geral das condições e contingências do debate em torno da obra de David Livingstone. Na segunda seção são apresentados de forma mais detalhada aspectos de cada um dos artigos que qualifico como inquietações para um geógrafo ocupado nas histórias da disciplina. Na última seção, são alinhavados alguns pontos principais que apontam a possíveis caminhos metodológicos para as pesquisas na área.

Sobre o debate: um pouco de história

8 A sessão de debates realizada não pretendeu ser, nas palavras de Felix Driver (1995) que assina o editorial, uma resposta orquestrada ao livro The Geographical Tradition, de Livingstone (1992). De fato, o propósito era propiciar uma discussão mais aberta sobre possibilidades e limites que se colocam a respeito do tema das tradições na investigação geográfica. Em pauta estariam os diferentes modos de se escrever a história da disciplina e, principalmente, os propósitos que comandam essa empreitada.

9 Orientando o debate, questões sobre os modos de construção das chamadas tradições, sobre as possibilidades de outros modos de escrita da história da disciplina e sobre a existência de uma “política” historiográfica.

10 O momento de uma sensível virada histórica, em curso à época, apontava o claro enfraquecimento da estrutura dualista que se fez presente em boa parte dos debates sobre as histórias da geografia. Nessa estrutura contrapunha-se de um lado uma perspectiva percebida como conservadora, evolucionista, e de outro lado uma abordagem contextual radical. Tal estrutura foi posta em questão justamente por meio da chegada de abordagens alternativas como os estudos culturais, pós-coloniais, da perspectiva feminista e dos science studies. Os artigos que compõem o debate, realizados em um momento de resgate da discussão historiográfica e revigoramento das pesquisas históricas na disciplina, em grande medida, sugerem questões que desconstróem a todo instante essa caduca bipolaridade.

11 Por tratar de temas tão caros para a historiografia da disciplina, o debate segue atual, especialmente entre nós, geógrafos latino americanos, acostumados com a importação e adoção dos modos de se fazer e escrever a história da disciplina e muitas vezes descuidados em relação às suas razões de ser ou mesmo em relação às suas chances de adaptação. Em discussão está, de fato, o próprio conceito de história, o projeto das histórias da disciplina e os deveres daqueles que se propõem a escrevê-las.

Sobre a história: um pouco do debate

12 A estrutura dessa seção segue a sequência dos artigos publicados na Transactions, que por sua vez, segue a sequência das apresentações no debate. A decisão de apresentar ao menos duas ideias centrais extraídas e discutidas de cada artigo respeitando a sequência da publicação se dá em função da necessidade de apresentar de modo o mais coerente possível a linha de argumentação de cada autor. Ressalte-se que os artigos seguem uma estrutura textual similar, iniciando com algumas críticas endereçadas aos modelos tradicionais de construção da história apontando suas incoerências, passando por uma discussão dos desafios que se apresentam no campo e finalizado com proposições para uma nova agenda.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 119

Genealogia e Legitimação

13 Quem assina o primeiro artigo, intitulado Effects of History é o geógrafo britânico David Matless, professor da Universidade de Nottingham na Inglaterra. Matless tem uma série de publicações sobre a noção de paisagem e da história da música a partir de uma perspectiva geográfica. Boa parte de suas pesquisas atuais enquadram-se na abordagem dos chamados estudos culturais.

14 O artigo de Matless (1995) traz duas grandes contribuições ao debate sobre propósitos e métodos da história que merecem uma análise mais detida. A primeira delas é a defesa que Matless faz da potencialidade do método da genealogia, a partir da perspectiva apontada por Foucault, na construção de uma história ‘efetiva’ e a discussão a respeito do papel da história para e na investigação geográfica do presente.

15 Segundo Matless (1995, 405) os limites do conhecimento geográfico não estão de forma alguma circunscritos ao domínio do que se convencionou chamar de geografia. Assim, mais importante do que procurar por novas definições, seria reconhecer que a disciplina é mais um dentre os muitos gêneros do conhecimento geográfico, e nesse caso, uma parte crucial da história desses conhecimentos é a demarcação das fronteiras de conteúdo e contingência da disciplina.

16 Matless faz uma crítica à escolha de Livingstone em The Geographical Tradition ao usar metáforas evolucionistas para tratar a geografia histórica. O problema no uso de tais metáforas, segundo Matless (1995, 405), seria a manutenção de um sentido de coerência na história que de fato não existe ou seria impossível sustentar.

17 A metáfora evolucionista considera transformações, mutações, adaptações em uma espécie mutante, ainda assim, pressupõe a permanência da unidade dessa espécie. E nesse ponto é que reside o problema. Como solução possível, Matless sugere os caminhos abertos pela genealogia e pela história efetiva de Foucault.

18 Para Matless o propósito das histórias, preocupação central no artigo, pode ser bem desenvolvido a partir da reflexão que faz Foucault (1986 apud Matless, 1995), a respeito da genealogia e da chamada ‘história efetiva’. A genealogia seria a solução pois a ela não importa a questão da trascendência do objeto, no caso da ‘espécime’ geografia. A genealogia não busca uma identidade inviolável que estaria na origem histórica das coisas, pelo contrário, a ela o que interessa é dissensão.

19 Sendo assim, a genealogia surge como uma forma de se fazer a história que pode conter os conhecimentos, os discursos, os domínios dos objetos sem necessariamante referenciar-se ao problema da suposta uniformidade ou transcendência do objeto. Ao invés de manter tal preocupação, segundo Matless (1995, 406), ocupa-se a genealogia com o papel e o fazer do geógrafo. Esse sim é quem vai sugerir quais diferentes formas de racionalidade estarão qualificadas como eminentemente geográficas.

20 Para explorar as estratégias e propósitos da genealogia Matless usa um engenhoso exemplo. Convidado a compor um verbete sobre uma ilustre, ainda que bastante controversa, personagem da Royal Geographical Society – o explorador imperialista britânico Sir Francis Younghusband – Matless se viu na delicada posição de ter de escolher quais caminhos seguiria para compor uma história de Younghusband que pudesse contemplar os desejos dos editores do Novo Dicionário da Biografia Nacional sem abrir mão de sua autoria na produção de um documento histórico.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 120

21 Segundo Matless (1995, 406), a genealogia de Foucault baseada numa estratégia dupla de apreensão do fenômeno era o caminho adequado. De um lado, o trabalho documental meticuloso e paciente do historiador – que em grande medida alimenta nosso imaginário a respeito dessa figura. De outro lado, assume-se o emaranhado confuso da construção das idéias que revela a “performatividade da história” exigindo assim a adoção de um estilo de narrativa.

22 Tal posição, que assume a tensão produtiva da dupla estratégia de Foucault, possibilita pensar numa outra metáfora que não sugere uma matriz seminal na evolução de uma espécie e sim semeia um rizoma mundial. Nas palavras de Matless “a genealogia, ao desencaminhar e reencaminhar linhas principais, apresenta a história de um rizoma ao invés da história de uma espécie” (1995, 407).

23 O uso da história como um poderoso elemento de legitimação é um tópico atual e efetivamente importante ao se considerar os propósitos da escrita da história e os deveres daqueles que as escrevem. Nesse ponto, Matless recorre mais uma vez à genealogia como uma eficiente estratégia para suprimir – e não resolver, ressalta-se – o velho dilema de escrever a história em termos de uma legitimação ou deslegitimação. Daqui se depreende uma questão crucial, e que, como será visto, atravessa todos os artigos que compuseram o debate da Transactions: a história da geografia deve servir para ampliar o sentido da disciplina hoje, ou ainda, o sentido da geografia no futuro?

24 Um ponto fundamental da reflexão de Matless nos propicia pensar se a história deve ser convocada para decidir combates contemporâneos para que novos objetos da investigação geográfica sejam legitimados. A reflexão, de fato, lança luz ao debate dos propósitos da história. Esse sim precisa ser feito com frequência nos fóruns adequados.

25 Para essa questão, recorro as sentenças finais de Matless: A genealogia deve resistir ao oferecer novas histórias para novas naturezas de geografia, resistir a qualquer uso da história como uma válvula hartshorniana controlando o fluxo do passado que influencia a condição presente. Dada a reconfiguração contemporânea da geografia, uma genealogia da geografia pode de modo útil atuar contra qualquer tendência em prol de um novo fundamento geográfico para solidificar em territórios distintos apoiados em novas tradições encontradas. A genealogia oferece diferentes e menos sólidos efeitos da história (1995, 408).

Linhagem e descendência

26 Felix Driver, professor da Royal Hollaway da Universidade de Londres, assina o segundo artigo intitulado Submerged Identity. Driver dedicou-se longamente ao estudo da chamada geografia do império, interessando-se pelas culturas de exploração. Atualmente tem seu foco nas pesquisas sobre artes visuais e geografia e ainda outros temas relacionados à historiografia da disciplina.

27 Com o propósito de refletir sobre a noção de tradição geográfica, Driver (1995) aborda o processo de fusão do Institute of British Geographers (IBG) com a Royal Geographical Society (RGS) que teve início em 1992 e foi formalizado no início de 1995. O processo de fusão fomentou uma série de debates e artigos de cunho histórico sobre as duas instituições britânicas. Discutindo o uso de metáforas familiares, utilizadas por um antigo presidente da RGS para descrever a nova relação entre as duas sociedades, Driver procura pensar os propósitos de se escrever histórias fazendo uso de noções de parentesco, linhagem e descendência.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 121

28 Segundo Driver, o modo como a fusão foi retratada em termos familiares impediu que uma reflexão frutífera sobre a forma como a história vive no presente pudesse acontecer na academia. A crítica de Driver recai sobre o uso do que seria uma abordagem familiar na construção da história da geografia, expressa na noção de tradição geográfica. Segundo Driver (1995, 410) a prática de retratar a tradição geográfica num modelo de árvore genealógica de idéias encobre a heterogeneidade dos conhecimentos geográficos.

29 A metáfora familiar usada no tratamento do processo de fusão revela, segundo Driver, um sistema de castas que prevaleceu no chamado establishment geográfico britânico. O objetivo de Driver nesse ponto é refletir sobre as supostas noções de linhagem e descendência utilizadas por muito tempo na construção da história da disciplina como forma de ilustrar um campo do conhecimento geográfico inquestionável posto legítimo.

30 A partir de um interessante e breve relato do ano de 1872 na vida de três reconhecidos personagens do período imperial da RBG, Driver (1995) procura demonstrar, retratando as inúmeras diferenças nas visões de mundo e nas práticas dos personagens, a extraordinária heterogeneirade do conhecimento geográfico associado à RBG. Conforme suas palavras, qualquer tentativa de reconstruir a tradição geográfica (mesmo uma, como aqui, que confina seu foco ao coração institucional da geografia britânica durante a era do império) deve reconhecer seu caráter imensamente diverso e fraturado (Driver, 1995, 413).

31 Driver conduz ao final de sua intervenção no debate sugerindo que na constituição de tradições geográficas cruzam-se conhecimento científico e popular, ortodoxia e transgressão, mentes e corpos. Nesse caso, indaga Driver sobre a possibilidade de se escrever uma genealogia dessas tradições em termos não familiares.

Exclusão e Apagamento

32 Gillian Rose assina Tradition and Paternity: same difference?. A autora é atualmente uma das maiores referências da chamada geografia feminista, tendo publicado importantes trabalhos sobre o tema na perspectiva da produção do conhecimento geográfico. Rose (1995) no artigo em questão leva o tema da tradição em termos semelhantes ao de Driver (1995), pondo em xeque o velho hábito das analogias familiares baseadas em um modelo paternal no tratamento das idéias geográficas, especialmente na determinação das tradições disciplinares. O ponto de incisão da autora é a invisibilidade renitente da prática das mulheres na construção dos conhecimentos geográficos.

33 Rose (1995) faz coro a respeito da necessidade de se repensar os propósitos da prática de escrever histórias. Seu interesse recai sobre os modos pelos quais a construção das tradições geográficas são, ao mesmo tempo, a construção da semelhança e da diferença.

34 Rose sustenta que o processo de construção das tradições, entendidas como “as representações de um passado e o aspecto específico desse complexo processo de representação” (1995, 414), revela uma prática constante de inclusão e exclusão.

35 A partir da exclusão das mulheres viajantes do período vitoriano na escrita dessas histórias, Rose (1995) discute duas práticas complementares, a prática da exclusão, quando há a ocultação de fatos e personagens – que Rose vai identificar como os

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 122

outsiders, e a prática do ‘apagamento’ quando a prática anterior, da exclusão é devidamente ‘esquecida’.

36 Segundo Rose tal prática está em ação em histórias recentes da geografia, incluindo aquelas que rejeitaram enfaticamente narrativas puramente disciplinárias ou mesmo evolucionistas. Entretanto, como ressalva Rose (1995, 415), mesmo que construindo histórias desarticuladas ou embebidas em seu contexto, a invisível prática da exclusão ainda opera.

37 Uma ideia muito importante presente no texto merece uma atenção especial, ao comentar a reiterada prática da exclusão na escrita das histórias da geografia Rose sentencia: A geografia tantas vezes se definiu contra o que se insiste que não é, que escrever suas histórias sem considerar o que tem sido construído como não geografia é contar apenas metade da história (1995, 415).

38 O próprio fato de na construção das histórias da disciplina estarem presentes apenas os conhecimentos ditos geográficos seria uma clara replicação da prática do apagamento da geografia dos outros. O que sabemos hoje e que compõe o que entendemos por tradições dentro da geografia seria, então, resultado de práticas de exclusão sucessivas.

39 A íntima relação entre o que se sabe e o que se pode saber, que revela a dimensão do poder na construção das narrativas históricas é um importante tópico que Rose (1995) discute e que reconhecidamente já faz parte das reflexões mais atuais a respeito da prática historiográfica. Por meio dessa discussão é possível colocar em pauta a questão do gênero na construção das histórias da disciplina. Como bem aponta Rose (1995, 416), mesmo relativizando o que sabemos a respeito do passado, em função do reconhecimento da permanência da prática do apagamento, uma idéia segue implacável: a geografia é feita por homens, em sua maioria, brancos e ocidentais.

40 Para Rose (1995), a construção das tradições geográficas reiteradamente baseia-se numa abordagem de descendência paterna, revelada, por exemplo, na eterna busca pelos pais da disciplina e consequente seleção de herdeiros. Rose (1995) chama atenção para os tipos de masculinidade produzidas nesse processo. Existiria, de um lado, o filho pródigo da masculinidade acadêmica, aspirante a grande homem, que bem utiliza uma tradição paternal como forma de legitimar sua maturidade intelectual. Do outro lado, o filho rebelde, que renega a linha ascendente paterna para criar a sua própria e gerar assim seus descendentes. O propósito de Rose (1995) ao fazer uso de tais representações familiares é sugerir que há mais em jogo na disputa pela linha de sucessão das tradições que a busca pelo refinamento teórico e pelos lugares privilegiados na academia. Rose (1995) aponta para a existência, e por vezes preponderância, de dinâmicas complexas que envolvem as questões de gênero, classe e raça. Mas segundo a autora, apesar das complexidades o que segue imutável é o modo como o feminino é manifestamente excluído.

41 Considerando então a invisibilidade da mulher o papel da geógrafa feminista se torna crucial para produzir uma resposta à tradição geográfica paternal. Uma das grandes contribuições de Rose (1995) ao debate das tradições é o entendimento que dá à noção de tradição dentro de um espaço analítico delimitado pelas práticas de inclusão, exclusão e apagamento. Esse espaço formaria por assim dizer um território que seria “um espaço transparente no qual a história dos conhecimentos geográficos (e seu contexto) se tornam visíveis para os historiadores como auto evidentes (Rose, 1995, 416)”.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 123

42 Ao avaliar The Geographical Tradition (Livingstone, 1992), Rose (1995) sentencia-o como mais um trabalho que opera na lógica da territorialização transparente que aniquila a ação dos outsiders. A história contextual ofertada por Livingstone (1992), na perspectiva de Rose, não reflete a respeito de sua localização específica de historiador – o que, em grande medida, possibilitaria alguma discussão mais profunda a respeito de seus horizontes e limites de visão. Ainda assim, a contextualização serviria como uma máscara da transparência histórica que impede ao leitor enxergar as exclusões e posteriores apagamentos a que foi submetida, de tal modo que tudo o que não está lá ou não existiu ou é irrelevante.

43 Segundo Rose (1995) a resposta a ser dada pelas abordagens alternativas, onde se incluem as feministas, é a de substituição dessa espacialização transparente. A mulher não deve ser inserida nessa estrutura, este seria um dilema crítico como Rose identifica. A estratégia de inserção não produz a diferença e sim a semelhança com o que já existe na tradição. Uma estratégia alternativa seria a explicitação da condição de outsider da mulher, celebrando-se nesse caso sua diferença. Nesse ponto, Rose (1995) faz uma interessante ponderação sobre essa estratégia demonstrando o problema que nela se encerra. Ao celebrar a alteridade corre-se o risco de se sair em defesa de uma definição essencialista e por isso mesmo bastante problemática da condição feminina como oposta à condição masculina.

44 Para Rose (1995) a tarefa da geografia feminista é refletir sobre as fronteiras da territorialização da tradição nas quais a diferença é definida. Quem define, por que define e como se define esse espaço transparente da tradição são questões cujas respostas condicionam as ações alternativas que possibilitariam a criação de um espaço múltiplo de análise que articule fronteiras, distinções e disjunções ao invés de apagá- las. Como conclui a autora, que seja possível pensar e criar um espaço que possa reconhecer a exclusão como intrínseca ao processo de inclusão, um espaço através do qual a diferença que o gênero tem na produção dos conhecimentos geográficos possa ser reconhecida (Rose, 1995, 416).

A Volta dos mortos-vivos

45 Dentre todos os artigos, sem dúvida o assinado por Clive Barnett (1995) é o mais contundente. Barnett é professor da Open University na Inglaterra. Apesar de focar seus estudos atuais em temas como espaço público, democracia e urbanização, Barnett tem diversas publicações resultantes de estudos sobre temas característicos da abordagem poscolonialista. No conjunto de artigos publicado na Transactions, com o provocativo título Awakening the dead: who needs the history of geography? que já sugere sua questão central sobre a necessidade mesma de uma história da disciplina, Barnett (1995) vai um pouco mais além na crítica desenvolvida pelos demais autores que compõem o conjunto, pois contesta a adoção de novas perspectivas de análise abertas pela incorporação dos estudos culturais e pós colonialistas.

46 No artigo, Barnett (1995) inicia declarando que sua intenção é questionar o argumento segundo o qual a importância dos estudos da história da disciplina está assentada na idéia de ser o passado chave para entendimento do presente. Barnett (1995) comenta o fato de que em seu livro The Geographical Tradition – obra proclamada como exemplo de uma abordagem contextual da história – Livingstone (1992), após seu relato do que foi a geografia quantitativa, afirma ser impossível discutir as críticas subseqüentes pois

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 124

ainda seria muito cedo para tentar elucidações contextuais de eventos tão recentes. Para Barnett (1995), a posição de Livingstone cristaliza uma idéia que ele vai chamar de metafísica do contexto, que seria um relutante reconhecimento de que a abordagem contextualista não dá conta de se dirigir de maneira crítica e evidente ao único contexto que realmente interessa, o contemporâneo. Essa posição indica que a contextualização só funciona em algo que já não muda mais de forma e que pode, portanto, ser apreendido como um objeto do conhecimento. É como se a noção de contexto representasse algo que o pesquisador não estaria, de forma alguma, fazendo parte. Barnett (1995) vai além em sua crítica e afirma que a contextualização dá suporte a um modo de juízo crítico que pressupõe uma posição necessariamente externa ao contexto que está sendo examinado. Tal modo de juízo garantiria uma distância segura a partir da qual o historiador poderia decidir quais foram os elementos catalisadores que mobilizaram os atores envolvidos na produção do conhecimento.

47 Seguindo esse argumento de Barnett (1995), entende-se que o contexto acabaria por desqualificar e não legitimar qualquer tipo de intervenção transformadora e genuinamente radical na configuração contemporânea da disciplina. Tal constatação faz cair por terra a idéia de ser o passado chave de entendimento do presente (podendo portanto levar a sua própria transformação). Barnett expõe o que seria uma conclusão lógica bem simples: “porque a ciência espacial e a geografia pós positivista ainda não estão mortas, resistem a contextualização” (1995:417). Ou seja, só se critica o que não mais está em voga. Portanto, posicionar-se criticamente em relação a uma abordagem atual é uma decisão parcial, na medida em que ainda se está imerso no mesmo contexto.

48 Muito embora haja certo radicalismo nos termos que que usa para avaliar o modo como se comportam os historiadores da geografia, fundamentados nas abordagens contextuais e críticas, a posição que Barnett assume é interessante pois é capaz de suscitar uma discussão adiada sobre a maneira de se ver e de se construir a história da disciplina. Obviamente não existe mais o apelo a uma história da disciplina, ou melhor à história da disciplina. O artigo definido caducou há tempos e o indefinido só faz sentido se empregado no plural. Não há uma e sim muitas histórias da geografia. O ponto é que esse posicionamento só representará de fato um avanço se o próprio sentido de história for questionado, o que, como deseja argumentar Barnett (1995), não acontece de fato.

49 Para Barnett (1995, 417), os geógrafos já saberiam desqualificar o empiricismo que caracterizava as antigas histórias de um objeto aceito como verdadeiro chamado geografia. Mas esse empiricismo do objeto persistiria no que tange à própria noção de história e é isso que Barnett se dispõe a discutir. Conforme suas palavras seria uma heresia questionar o aparentemente inquestionável papel da perspectiva histórica (Barnett, 1995, 417), mesmo, e talvez principalmente, a partir do momento em que ela assume uma posição crítica, renovada e contextual. E com isso, não se coloca em questão, por exemplo, a natureza da histórica relação de noções como discurso geográfico e conhecimento geográfico. É como se os historiadores da geografia atuassem com um entendimento a priori de que toda a geografia feita no passado é o passado da geografia corrente.

50 Sendo assim, Barnett aponta que é somente por meio do reconhecimento que muito daquela história é hoje simplesmente redundante que se é capaz de identificar quais porções da geografia do passado permanecem vivas e ativas como o passado da geografia hoje. Essa idéia de Barnett é a mais valiosa. E por isso, a mais útil aqui. Pois

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 125

coloca em questão o modo como se posicionar diante do passado e questionar quais porções dele devem ficar para compor o que é o passado do hoje. Por mais ‘metafísica’ que possa parecer essa questão, ela lança luz sobre um velho problema da história, ao colocar em evidência a arbitrariedade que conduz o trabalho daquele que se propõe a contar determinada história, pois cabe a ele escolher quais seções do passado da disciplina podem e devem ser acolhidas. E esse velho problema, já é mais que sabido, independe de qual história se deseja contar, seja oficial ou oficiosa, convencional ou contextual.

51 Ainda seguindo a argumentação desenvolvida por Barnett, a lacuna nas discussões sobre esse e outros problemas da história, se relaciona a uma inabilidade dos trabalhos em história da geografia para produzirem um relato de maneira convincente de suas próprias condições de emergência. Quando a nova historiografia da disciplina produz seu discurso de legitimação o faz por meio de um apelo a uma série de narrativas épicas das últimas duas ou três décadas da geografia. Nesse sentido, para Barnett não há novidade alguma na nova historiografia da disciplina, que tem desde sempre procurado fornecer certas auto-representações da vocação profissional, relatos sobre o que os geógrafos devem fazer. Segundo Barnett, isso sempre foi feito, no entanto ele reconhece uma diferença fundamental no modo pelo qual o passado é ressuscitado em prol de posicionamentos contemporâneos. O ressurgimento da história da geografia como tal indica uma tendência, renovada entre os geógrafos críticos, de exumar cadáveres apodrecidos para revelar sua astúcia e assim enterrá-los novamente. Nomes do passado não são mais venerados, porém ainda são utilizados para que ganhem um novo significado no passado da disciplina. Este recurso a tais narrativas de legitimação demonstra, na verdade, a insistente ausência de uma análise dos papéis jogados pelos atores produtores do conhecimento nos novos campos de estudo, análise que poderia avaliar as possibilidades e limites de tais novos campos.

52 Para Barnett, o motivo pela qual os geógrafos precisam de uma história não é por conta do incontestável apelo de entender o passado da disciplina como se esse passado necessariamente ainda sustentasse o presente. O motivo é o fato de o passado poder ser facilmente usado para servir como um campo de discussão conveniente no qual se pode praticar diferentes tipos de teorias. Neste ponto, Barnett não economiza ironias ao se referir a nova onda de aportes analíticos da crítica literária, dos novos estudos culturais e sociais e dos pós coloniais. Em suas conclusões (e na melhor seção de seu texto), Barnett comenta que os geógrafos estão bastante ocupados em agarrar seu bocado de culpa colonial justamente para não perder seu bocado nos despojos do mais excitante e inovador campo da teoria contemporânea. E é aqui que o argumento do passado como chave de leitura do presente cai por terra, porque os geógrafos estariam mais interessados em seguir essa tendência (que hoje corresponde a principal forma de comunicação interdisciplinar que tem a sua disciplina) para atender a pressões por novas formas de filiação profissional que propriamente em procurar no passado da disciplina traços e repercussões que existem na geografia do presente.

A exaustão do contexto

53 Após ver diversos aspectos de sua obra serem esquadrinhados, criticados e, em algumas instâncias, veementemente rejeitados, coube a Livingstone a tarefa de fechar o ciclo de debates com sua contribuição ao tema das tradições geográficas. Livingstone leciona na Universidade de Belfast na Irlanda do Norte. Suas pesquisas atualmente, versam sobre o

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 126

papel do lugar na produção do conhecimento científico apontando para um possível novo campo da geografia da ciência. Um bom caminho para conhecer esse trabalho do autor é o livro Putting Science in It’s Place, publicado em 2003, pela Chicago University Press. O projeto mais recente de Livingstone, que diga-se vem ganhando espaço e notoriedade entre os estudiosos dos chamados science studies, dos quais se destacam Bruno Latour, Steven Shapin entre outros, trata da difusão e apropriação da teoria darwinista, a partir de uma perspectiva eminentemente geográfica com ênfase no papel do espaço e do lugar no processo.

54 O problema dos vícios do enciclopedismo, dos excessos da análise contextualista, que seria justamente uma exaustão do sentido do texto na redução do contexto e a defesa pela história das tradições são os aspectos centrais da argumentação que Livingstone (1995) desenvolve em Geographical Traditions, o artigo que fecha o debate na Transactions. O artigo é pequeno, pouco menos que quatro páginas para responder, ou ao menos reencaminhar, muitas questões suscitadas nas falas anteriores, e ao fazê-lo, Livingstone é assertivo em defender a necessidade de uma análise que leve em conta a reciprocidade do texto e do contexto.

55 Para começar, Livingstone (1995) assim como Barnett (1995) faz em seu artigo, atesta a expurgação prevalecente à época do artigo definido no discurso acadêmico. A esse movimento, Livingstone dá o sugestivo nome de “pluralização pós moderna imperativa”. Sua intenção é, então, analisar as motivações que encaminharam para as mudanças na historiografia da geografia, ao menos na Inglaterra. O impulso pós colonial seria a motivação principal para que se repensem as tradições geográficas, e que se lance luz àquelas que ficaram escondidas da visão acadêmica ocidental.

56 O argumento central de Livingstone é que continua sendo válido manter a noção de tradição geográfica, uma vez que esta revela a ideia de pertencimento dos geógrafos a uma tradição de pesquisa, independente das diferenças internas e debates que nela aconteçam. A ideia é que essa tradição de pesquisa tem uma narrativa, e esse atributo garante sua historicidade.

57 Livingstone (1995) acredita que é preciso levar a sério a ideia de tradição para que assim seja possível avaliar suas incoerências, por isso, seu objetivo é demonstrar que a tradição geográfica é uma tradição de investigação situada socialmente, historicamente e intelectualmente e possui uma posição metodológica característica.

58 Para ilustrar tal proposição Livingstone (1995) procura colocar em contraste o método de pesquisa histórica característica do historiador das tradições com duas posições historiográficas distintas: o encicplopedismo, com origem no pensamento iluminista que possui adeptos até os dias atuais e o método genealógico, cuja origem estaria na genealogia da moral de Nietzsche, tendo sido posteriormente desenvolvido por Foucault e que encontra largo esteio na perspectiva contextualista da história.

59 O enciclopedismo é, nas palavras de Livinsgtone (1995, 420), a quintessência da estratégia iluminista de tratamento da história. A confiança depositada na racionalidade iluminista baseada no progresso moral e social da civilização humana tornou os enciclopedistas arautos do progresso inexorável e semeadores da ideia segundo a qual o conhecimento se tomado a partir de padrões, critérios e métodos universais seria o produto convincente, transcendental e neutro da investigação científica.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 127

60 Pois bem, essa representação quase caricatural sobre o enciclopedismo para Livingstone continua a informar uma boa dose da prática acadêmica do presente. A história do conhecimento geográfico do século XX tem sua ênfase no progresso cumulativo, nos grandes nomes da história e na catalogação de feitos, pessoas e publicações referenciais. Tal posição torna uma possível mirada metodológica em direção ao papel das circunstâncias sociais, intelectuais e morais pouquíssimo relevante. Livingstone comenta que considerando a proliferação de dicionários e outros trabalhos de referências o enciclopedismo possui ainda bastante adeptos entre os interessados pelas histórias da disciplina.

61 A segunda modalidade de investigação histórica tem seu ponto de partida na genealogia da moral de Nietzsche, tendo sido posteriormente desenvolvida nos escritos de Foucault. A genealogia em Nietzsche se configura como um exercício desmascarador por revelar que toda discussão em torno da moral e da verdade era, de fato, vontade de poder. Nesse caso e voltando-se ao método enciclopedista, as pressuposições a respeito dos padrões, critérios e métodos estavam, na verdade, em disputa. Ao posicionar, a partir de um resgate etimológico, a noção de moral na instância do real, imersa nas condições históricas contingenciais, Nietzsche comete o abandono da idéia da transcendência alinhavando origem e sentido no mesmo patamar. Ao apresentar tal movimento na filosofia nietzscheana, Livingstone (1995) pretende demonstrar que a genealogia se torna então numa estratégia histórica anti-essencialista antípoda ao enciclopedismo.

62 Nesse ponto percebe-se a convergência dos argumentos de Livinsgtone (1995) com os de Matless (1995) a respeito do método genealógico que defende em seu artigo. A estratégia basilar da genealogia é a da subversão asseverando o fim da transcedência. Todos os elementos se encontram no mundano campo do historicamente contingente. Portanto tudo o que nele se afirma, se afirma desde um ponto de vista particular. Conforme comenta sabidamente Livingstone (1995) as implicações dessas idéias têm proporções épicas para as ciências humanas vistas sob a perspectiva genealógica.

63 Mas Livingstone vê problemas, e não são poucos, na adoção da perspectiva da genealogia na construção das histórias da geografia. O impulso genealógico teria causado um impacto considerável em certos setores da comunidade geográfica, especialmente aqueles que adotaram de forma radical o desenvolvimento de Foucault.

64 Livingstone sugere que o engajamento ao método genealógico, ainda que tenha possibilitado uma abertura a novas frentes de pesquisa ocupadas com a relação entre conhecimento e poder por exemplo, produziu uma franca corrida para que se revelassem os verdadeiros desígnios da geografia, em ações mais temerárias que sistemáticas e substanciais.

65 E quanto aos historiadores da tradição, qual lugar metodológico ocupam nessa história? Se para Livingstone (1995, 421) os enciclopedistas assumem uma racionalidade desengajada e o genealogista negocia sua história em total contingência e descontinuidade, o historiador da tradição trabalha com a ideia segundo a qual as tradições, quando vitais, encarnam continuidades de conflito. Livingstone é categórico ao afirmar que a tradição de pesquisa é um argumento historicamente situado e socialmente encarnado. Ao historiador da tradição é preciso tomar de forma séria as continuidades de conflito mantendo a possibilidade de um progresso racional dentro das tradições. O que Livingstone argumenta é que estar dentro de alguma tradição particular – que pelo visto todos estamos mesmo não querendo admitir – é condição

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 128

para se comprometer com a formulação, justificação racional e crítica dos relatos de uma racionalidade teórica e prática. Para Livingstone pensar a geografia como uma tradição de pesquisa permite a possibilidade de escrever narrativas que conformam circunstâncias historicamente contingentes nas quais certas práticas e princípios puderam se desenvolver, sem incorrer no risco de reduzir inteiramente o conhecimento produzido às contingências temporais e espaciais.

66 O que se depreende da análise dos argumentos de Livingstone é a ideia que de fato importa o período, importa o lugar no qual o conhecimento foi produzido, assim como importam os grupos que detinham os instrumentos para essa produção, entretanto, crer que não se pode afirmar a existência de uma, ou mais de uma, tradição de pesquisa que conseguiu ultrapassar barreiras de tempo e espaço é reduzir imensamente as chances de estabelecer uma crítica coerente dessas mesmas tradições.

67 E este seria o furo do enciclopedismo e da genealogia. Ambas perspectivas se encontram em um dilema auto referencial que desestabiliza qualquer afirmação que façam dentro de suas próprias narrativas (Livingstone, 1995:422). Isso porque para que seja possível manter coerentes suas afirmações tanto o enciclopedista quanto o genealogista precisam isentar suas próprias declarações do tratamento ao qual submeteram todas as demais afirmações. O enciclopedista precisa do contexto e o genealogista precisa da transcendência.

68 Esse é o ponto chave do artigo de Livingstone, é a resposta vigorosa que dá em defesa das histórias da tradição. Concordando, ao final, com Rose (1995) e Driver (1995) ao defenderem a necessidade de uma subversão interna, Livingstone acredita que “conceber a geografia como uma tradição de pesquisa (...) possibilita na não apenas uma nova, mas uma melhor relação entre conhecimento e poder para ser atingida” (Livingstone, 1995, 422).

Sobre o agora: que histórias queremos?

69 O conjunto de cinco artigos reunidos sob o título Geographical Traditions: rethinking the history of geography, como visto, foram motivados pelo entusiasmo por uma nova historiografia da disciplina, reflexo do renovado interesse com a história da geografia associado à conjunção de diferentes movimentos, dentre os quais a chegada de novo aparato metodológico com base nos estudos culturais, na perspectiva feminista e nas contribuições dos science studies. Novas proposições dentro da historiografia conduzem os geógrafos a uma reflexão sobre as diversas formas que o conhecimento geográfico adquire em discursos da geografia que necessariamente possuem uma história bastante complexa.

70 A funcionalidade do método genealógico; a pertinência ou não de sustentar a existência de tradições de pesquisa; o questionamento da busca por uma identidade inviolável da geografia no passado; a inconveniência do uso de termos familiares; a necessidade de se expor a prática da exclusão e do apagamento na escrita da história foram alguns dos tópicos presentes no debate e analisados aqui. Conforme exposto ao início do texto, a motivação foi compartilhar tais idéias. O anseio é que elas possam ecoar mais profundamente nas pesquisas que realizamos e que envolvem o passado da disciplina.

71 O que se retém, finalmente, da análise dos artigos são duas constatações. A fragilidade da perspectiva tradicional da história cumulativa universalizadora e o esgotamento da

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 129

perspectiva contextualista apontou para a necessária revisão de métodos e propósitos da escrita da história da disciplina. Tal revisão, por sua vez, abriu caminho para a adoção das chamadas perspectivas pós-positivistas (o recurso a essa nomenclatura se justifica pois é dessa forma que se referem os autores em questão) pelos pesquisadores interessados na história da disciplina segue como um tema a ser discutido.

72 De fato, justamente por possuírem a capacidade de contestar as histórias oficiais do conhecimento, criando obstáculos para as narrativas ‘ajustadas’ que parecem inevitáveis, do progresso e da realização, tais abordagens alternativas se mostram bastante úteis no esforço daqueles que se propõem o estudo da história da disciplina. A alusão à caixa-preta da ciência, por exemplo encontrada na obra de Bruno Latour (1999), é bastante oportuna para quem pretende denunciar narrativas de trunfos teóricos e práticas ideais constituintes de uma evolução do conhecimento tida como inexorável, pois sustenta que a possibilidade de realização da ciência se dá, precisamente, por força dos imperativos sociais, dos interesses locais, dos jogos de poder que a circunscrevem.

73 Entretanto a adoção de novas abordagens não pode ser feita sem que faça dela um exame crítico efetivo e constante. Os geógrafos devem questionar a chegada desses novos aportes na geografia, avaliando sua extensão, sua plausibilidade nas investigações empreendidas e, principalmente avaliar os ganhos que de fato essa chegada representa. Somente essa posição crítica possibilitará que a geografia não incorra no fatal erro de adotar apenas um vocabulário atual para tratar suas velhas questões.

BIBLIOGRAFIA

Barnett, C. (1995) Awakening the dead: who needs the history of geography? Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4. 417-19.

Driver, F. (1995) Sub-merged identities: familiar and unfamiliar histories. Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4. 410-13.

Latour, B. (1999) Ciência em ação. Como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp.

Livingstone, D.(1995) Geographical traditions. Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4. 420-22.

Livingstone, D. (1992) The geographical tradition: episodes in the history of contested enterprise. Blackwell, Oxford.

Matless, D. (1995) Effects of history. Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4. 405-09.

Orwell, G (2009) 1984. São Paulo: Cia das Letras.

Rose, G. (1995) Tradition and paternity: same difference? Transactions of the Institute of British Geographers, 20, 4. 414-16.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 130

RESUMOS

O presente artigo tem como objetivo analisar as principais ideias a respeito dos propósitos e métodos das escritas da história da geografia que compõem o conjunto de artigos publicados na Transactions of the Institute of British Geographers em 1995. Tal conjunto de artigos é resultante de um debate ocorrido no mesmo ano sobre o tema das tradições geográficas, a partir da obra The Geographical Tradition (1992) do geógrafo britânico David Livingstone.

El presente artículo tiene como objetivo analizar las principales ideas acerca de los propósitos y métodos de la escritura de la historia de la geografía que componen el conjunto de artículos publicados en la Transactions of the Institute of British Geographers en 1995. Este conjunto de artículos es el resultado de un debate sucedido en el mismo año sobre el tema de las tradiciones geográficas, a partir de la obra The Geographical Tradition (1992) del geógrafo británico David Livingstone.

Cet article pour objectif d'analyser les idées principales sur les objectifs et les méthodes d'écriture de l'histoire de la géographie qui composent l'ensemble des articles publiés dans le publication Transactions of the Institute of British Geographers en 1995. Cette série d'articles est le résultat d'un débat qui s'est tenu dans la même année sur la question des traditions géographiques, du livre The Geographical Tradition (1992) du géographe britannique David Livingstone.

The goal of this paper is to analyze the main ideas about the purposes and methods of writing histories of geography presented in the set of papers published in the Transactions of the Institute of British Geographers in 1995. This set of papers is the result of a debate held in the same year about the geographical traditions, which had as a conductor the book The Geographical Tradition (1992) from the British geographer David Livingstone.

ÍNDICE

Mots-clés: traditions géographiques, historiographie, récits historiques Palavras-chave: tradições geográficas, historiografia, narrativas históricas Palabras claves: tradiciones geográficas, historiografía, narrativas históricas Keywords: geographical traditions, historiography, historical narratives

AUTOR

MARIANA LAMEGO

Doutorado em Geografia (UFRJ) CEFET/RJ (Avenida Maracanã, 229, sala 202, bloco E – Maracanã, Rio de Janeiro)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 131

Conhecer seu Mundo Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos Connaître son Monde : Les géographes et les savoirs géographiques en congrès internationaux : spatialités et géographismes Conocer su mundo. Los geógrafos y los saberes geográficos en los congresos internacionales: espacialidades y geografismos Knowing their world. Geographers and geographical knowledge in the international congresses: spatialities and geographisms Die eigene Welt kennen. Die Geographen und das geographische Wissen in internationalen Tagungen: Räumlichkeiten und Geographismen

Marie-Claire Robic Tradução : Breno Viotto Pedrosa

NOTA DO EDITOR

A presente é a tradução ao português do artigo publicado neste mesmo número como Connaître son Monde : Les géographes et les savoirs géographiques en congrès internationaux : spatialités et géographismes

La presente es la traducción al portugués del artículo publicado en este mismo número como Connaître son Monde : Les géographes et les savoirs géographiques en congrès internationaux : spatialités et géographismes

Cet article est la traduction en portugais de l’article publié dans ce même numéro sous le titre Connaître son Monde : Les géographes et les savoirs géographiques en congrès internationaux : spatialités et géographismes

This is the Portuguese translation of the paper published in this same issue as

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 132

Connaître son Monde : Les géographes et les savoirs géographiques en congrès internationaux : spatialités et géographismes

À Mechtild Rössler, pelo dossiê dos arquivos que ela compôs (Londres, Washington, Berkeley) para nosso livro coletivo sobre a história dos congressos internacionais de geografia e da UGI, e que foram depositados com a equipe E.H.G.O. (Paris). Aos autores do livro coletivo Géographes face au Monde, principalmente à Béatrice Collignon e à Dominique Volle, das quais eu retomei numerosas análises e dados. À Luisa Simões por sua preciosa colaboração. E a Breno Viotto Pedrosa pela tradução do artigo, e por sua generosidade.

1 O estudo da espacialidade dos saberes tornou-se desde a década de 1990 uma das grandes pistas heurísticas investigadas pela história das ciências. Os historiadores da geografia anglófona, particularmente David Livingstone, estiveram entre os primeiros a explorar as geografias da ciência e os “espaços do saber” (Livingstone, 1995 e 2003; Livingstone, Withers, 2011; Withers, 2007). Na França uma importante série de história dos saberes foi consagrada nos Lieux de savoir, sendo o primeiro volume dedicado ao tema “Espaço e comunidades” (Jacob, 2007). Quanto à história da geografia, seja na Renascença, na época do Iluminismo ou no período contemporâneo, a fecundidade da análise espacial ou geográfica não precisa mais para ser demonstrada, como testemunham os trabalhos de outros pesquisadores anglófonos ou francófonos (Besse, 2004). A geografia da geografia constitui um dos quadros da organização de manuais recentes, tal como o dirigido por John A. Agnew e David N. Livingstone, Geographical Knowledge (2011).

2 Nós mobilizaremos essa abordagem de inscrição espacial dos saberes geográficos1 aplicando-a ao estudo dos congressos internacionais de geografia2. A historiografia da geografia privilegia ainda os quadros nacionais, em uma tradição de história das ciências que é sensível à consistência das escolas nacionais e dos quadros institucionais, intelectuais e ideológicos que constituem os Estados ou os impérios. Ora, os congressos internacionais formam, desde meados do século XIX, um quadro novo, muito geral e muito institucionalizado de fabricação das ciências. Eles participam de uma mudança de escala que deve, para alguns, colocar essa produção no nível da grande indústria3.

3 Para além dos conflitos (interculturais e geopolíticos) que os animaram continuamente, esses são os lugares e as organizações onde foram firmadas as preocupações com uma certa universalidade do conhecimento (Rasmussen, 1995; Feuerhahn, Rabault- Feuerhahn, 2010). Certamente, para os estudiosos e as escolas existentes, os congressos são talvez menos os lugares de criação intelectual do que os lugares “para trocar e para existir” individualmente, coletivamente, internacionalmente (Prochasson, 1989, p. 6). Mas este “internacionalismo” científico (que começa pela metereologia) visa seja ela qual for a disciplina “coordenar e harmonizar as observações locais” (Desrosières, 2000, p. 126) e desdobra-se em uma tensão constante entre o papel político (no sentido amplo) de toda ciência e uma visão do conhecimento “objetiva e neutra” (Ibid.).

4 Para a geografia, desde um século e meio atrás (o primeiro congresso internacional ocorre em Anvers, em 1871), esse é um dos lugares privilegiados senão de produção, ao menos de negociação, de padronização, de circulação e as vezes de contestação – finalmente da coprodução dos saberes geográficos.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 133

5 Nesse contexto internacional, se tratará aqui de explorar alguns ‘efeitos do lugar’ e as espacialidades que puderam conformar o desenvolvimento da geografia. Seguiremos principalmente as sugestões de Jean-Marc Besse para tal análise: “[...] deve-se interrogar sobre as espacialidades, materiais e simbólicas, são trabalhadas e implementadas na produção, na difusão e na recepção das idéias científicas, que em geral na atividade científica são consideradas do ponto de vista social e também do ponto lógico e metodológico” (Besse, 2004, p. 404-405).

6 Mais precisamente trabalharemos as três direções de pesquisa que ele propõe: “ – a organização dos espaços do saber geográfico; – os percursos efetuados concretamente pela informação geográfica no seio desses espaços; – as representações espaciais ou mais exatamente os esquemas espaciais constitutivos do saber geográfico” (Ibid.)

7 Longe de estudar tudo o que se poderia examinar em matéria de fabricação dos conhecimentos, nos concentraremos em alguns aspectos das espacialidades dos congressos: a questão da universalidade do espaço delimitado pelos congressos internacionais e as relações entre os centros e periferias que o constituem; entre os espaços colocados em jogo, a questão dos trópicos. Essa categoria do discurso ocidental que constitui uma versão ambientalista do orientalismo (Arnold, 1996) também participa, desde a Antiguidade, dos esquemas geográficos. Os geógrafos, e notadamente os geógrafos franceses, mobilizaram o esquema zonal, desde 1945 até os anos 1970-80, como fundamento de um ramo especial de sua disciplina, a “geografia tropical”. Como o espaço tropical, espaço físico mas também mental, imaginado, simbólico, cognitivo, – segundo a terminologia utilizada por diversos autores contemporâneos – foi apreendido ou mobilizado, configurado e reconfigurado, no passar dos congressos internacionais de geografia? Esses congressos, que são a priori os lugares de especialização geográfica, são os lugares matriciais para as representações mutantes dos trópicos? Existem os lugares privilegiados dessas reconfigurações de esquema na série dos congressos4?

1.Os Congressos internacionais como superorganização espacial do saber espacial

“[...] a geografia receberá uma impulsão nova, se os esforços isolados feitos há alguns anos em diferentes países poderem se concentrar para assegurar a solução das questões que interessam há muito tempo todos os povos civilizados, tanto em suas aspirações acerca do desenvolvimento marítimo e comercial, quanto nos seus desejos de chegar a um conhecimento mais completo do mundo que nós habitamos” (Atas, Anvers, 1872)

1.1.A geografia, uma ciência de rede de informações dispersas

8 A geografia se destaca do grupo de ciências que S. Harris (1998) chama as “big sciences” no sentido em que, diferente de uma ciência de laboratório, ela é uma atividade de pesquisa que cobre um vasto espaço, a terra inteira, e necessita de um grande número

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 134

de viajantes ou de observadores dispersos, capazes de mobilizar até os centros ou os lugares de concentração o conjunto de informações locais necessárias para construir um saber geral confiável5. A amplitude dessa escala espacial implica que a cobertura do espaço de trabalho abrangido seja tanto quanto possível exaustivo e que o controle das condições de coleta e de transporte de informação coletada em locais distantes seja perfeita. S. Harris é portanto um dos autores que insistiram muito na circulação dos saberes e na natureza das “redes longas” [long-distance networks] nas quais sua construção se baseia e que ele tratou a partir do exemplo das grandes organizações do domínio planetário ou quase planetário com uma estrutura mais ou menos centralizada, que foram as grandes companhias de comércio (Índias orientais ou ocidentais) e a Companhia de Jesus.

Uma rede centralizadora de redes de porte planetário

9 Os congressos internacionais de geografia constituem as super-organizações no sentido que elas coordenam as organizações de nível inferior, as sociedades de geografia primeiramente, depois os “comitês nacionais” que compõem a União geográfica internacional (UGI) criada em 1922. Tratando-se de uma estrutura nascida no final de um século de nacionalismos, trata-se de reunir as entidades organizadas individualmente ou tomar uma primeira iniciativa dentro de um plano nacional.

10 Cada uma dessas entidades tem a ambição de constituir um centro de reunião e de difusão de conhecimentos. As primeiras sociedades geográficas nascidas nos anos 1820-1830 orientaram sua atividade para a exploração da terra, organizando de maneira mais ou menos estimulada e controlada a exploração daquilo que permanecia desconhecido: o interior dos continentes, os polos, a alta montanha (Heffernan, 2011), cotejando e fabricando mapas sintéticos e redistribuindo essa informação para suas publicações. A partir dos anos 1860 e sobretudo 1870, a explosão de sociedades de geografia “comerciais” ou “coloniais” manifesta a preocupação mais pragmática dos meios portuários ou industriais de dominar os recursos do globo (para eles, a preocupação nacionalista não é tão importante quanto se diz geralmente). No mesmo momento, os grandes Estados criam por sua vez a ciência universitária útil, a sua potência econômica e política e ao seu prestígio nacional; e, desigualmente, segundo cada país, o novo sistema de estudos profissionalizados suplanta progressivamente as sociedades de estudiosos na sua tarefa de conhecer a terra.

11 Mas o horizonte de todas essas organizações é planetário, pois desde os anos 1860 é a escala global que se impõe aos políticos e aos industriais. As exposições “universais” e os congressos “internacionais” participam de um mesmo mundo concebido como horizonte de ação, mesmo se a consciência de uma certa mundialização só se concretize no final do século XIX, como atesta a aparição dos termos “mundial”, “mundo globalizado” [globe-wide world], ou ainda “globe-trotter”6 (Arrault, 2007).

12 Reunidos na iniciativa das sociedades de geografia e depois através dos convites dos comitês nacionais da UGI, o congresso internacional tem como objetivo colocar em um lugar comum os questionamentos e expectativas para construir as prioridades de pesquisa. Esse objetivo toma forma em uma lista comum de questões submetidas à discussão e à lista de votos emitida pelo congresso. A realização desses dois momentos prova que as partes envolvidas visam produzir um certo consenso. O congresso constitui portanto um dos “centros de concentração” depois de “dispersão” dos saberes para outros estudiosos, para os informantes, para público e também para os Estados.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 135

Formulando as questões importantes, o congresso diz o que é bom e útil conhecer e, em seguida, concluindo entre as diversas opções através de resoluções ou por moções, como em uma assembléia política, ele homogeneiza os interesses e os saberes de procedência diversa.

Lobbying, padronização e pesquisa coletiva

13 Como exprime a citação colocada no começo dessa parte, a primeira circular pública expondo o projeto de um “congresso internacional para o progresso das ciências geográficas, cosmográficas e comerciais” justifica a ação na esperança de “chegar a um conhecimento mais completo do mundo que nós habitamos”.

14 A ação dos congressos internacionais visa primeiramente, de fato, os governos ou outras associações internacionais, pedindo-lhes para agir; eles fazem o lobbying para que os Estados encorajem as pesquisas em hidrologia marinha e em geofísica ou para que a neutralidade do canal de Suez seja assegurada, como ocorreu, por exemplo, em Anvers (1871).

15 Em um segundo momento, e como em todas as associações internacionais da época, o grande negócio é a padronização: a adoção de um meridiano de referência, a unificação das medidas do tempo e do espaço, a harmonização das nomenclaturas e dos códigos cartográficos... Em suma, o congresso tende a estabelecer uma linguagem única da geografia ao criar um sistema unificado de equivalências, permitindo a todos traduzir o dado local da mesma maneira e criar em suma, um espaço de trabalho homogêneo. O exemplo mais flagrante dessa coprodução é o projeto do mapa mundo ao milionésimo, adotado em 1891 em Berna pela proposição do geógrafo alemão Albrecht Penck, que constituiria o espaço de representação ideal, universal, pois representa de maneira uniforme a totalidade da terra depois de uma elaboração coletiva de todas as convenções cartográficas necessárias.

16 Em um terceiro momento, a partir dos anos 1890 e sobretudo depois da primeira guerra mundial, é pelos programas de pesquisa coletiva e pelas discussões de ordem epistemológica que o congresso implantou sua atividade de “super-centro”. A organização de “seções”, depois de “comissões” especialidades engajam a discussão de questões científicas, de métodos, da terminologia e dos espaços geográficos concernidos como resultado. Por exemplo, a comissão de hábitat rural, criada no Cairo em 1925, toma como objetivo a verificação da diversidade desse hábitat no mundo inteiro; uma outra comissão toma como espaço de trabalho as duas bordas do Atlântico; uma comissão das “regiões tropicais úmidas” nasceu no Rio de Janeiro (1956) – cf. 2.

17 Essa visão científica atribuída ao congresso não foi adquirida imediatamente. Ela foi tornada possível por uma produção social de normas, pelas limitações dadas aos questionários ou aos modos de discussão: surge um tipo de polícia de fronteira entre as questões científicas e políticas, que foi necessária desde as primeiras reuniões. Assim, desde o encontro em Anvers, os temas propostos para a discussão foram invalidados porque foram julgados de ordem política; a seção de “Navegação”, por exemplo, foi rapidamente recomendada aos congressistas ao distinguir entre as facetas técnicas e políticas das questões coloniais: “a nota tendo sido feita que as questões coloniais tocam frequentemente a política nos Países Baixos, todos os esclarecimentos necessários são dados para assegurar a seção que a questão será examinada sob o ponto de vista puramente técnico” (grifo no texto das Atas de Anvers).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 136

18 Essa proibição sobre as questões que colocam em jogo os interesses dos estudiosos provenientes dos países concorrentes deve ter sido repetida veementemente durante os momentos de tensão internacional.

Para um conhecimento intensivo da terra: reunir dados e observações

Mapas e museus

19 Para os geógrafos, o final do século XIX, é um momento importante pois eles possuem o sentimento de que o conhecimento exaustivo da terra está praticamente adquirido. Muitos autores demonstram sua convicção que o espaço terrestre material está, de agora em diante, conquistado pelo homem e estimulam que se deve aprofundar o seu domínio intelectual para possuir um conhecimento intenso. Muitos dentre eles destacam que essa exaustão é a condição para se fazer uma obra científica. Essa preocupação se traduz no trabalho de alguns pela publicação de mapas que avaliam o estado do conhecimento dos lugares e dos fenômenos, tal como Emmanuel de Martonne, que fez figurar no início dos capítulos de seu Tratado de geografia física (1909), os mapas-mundi apresentando a qualidade do reconhecimento metereológico, morfológico, etc., do planeta.

20 O desafio dos congressos internacionais é assegurar a exaustão espacial que é o requisito de uma ciência ‘madura’. Ao constituir as reuniões de geógrafos face à face, essa meta-rede permite primeiramente reunir os estudiosos geralmente dispersos e que conhecem a terra de maneira desigual, pois eles têm suas terra natais, suas próprias áreas de estudo: sua “Gebiet”, segundo a expressão alemã. Contraditoriamente, a escolha dos lugares diferentes para o congresso permite aumentar o espaço conhecido e, portanto, produzir as observações sobre o mundo.

21 O trabalho coletivo (no lugar e durante os interstícios dos congressos) constrói os espaços de representação comuns, e, pelos programas de pesquisa específicos, desenha as estruturações dos espaços particulares; estes são muitas vezes clássicos (como o Mediterrâneo), outros são inéditos ou ainda à circunscrever (como os trópicos úmidos). O conjunto desses mapas constitui os espaços de pesquisa e de interpretação coconstruídos. Entre as especificidades da geografia, os congressos internacionais dão visibilidade também aos espaços materiais importantes: as exposições. Elas reúnem, mapas, livros, espécimes, material de observação ou dados tratados, vindos de toda a parte e os congressos comportam muitas vezes exposições consagradas ao país sede. O conjunto reúne sob os olhos dos visitantes as informações julgadas pertinentes sobre a geografia do mundo7. No início da série dos congressos, os salões de exposição são alvo de representações muito cuidadosas, e os Resumos [Comptes rendus] reproduzem suas imagens, como no caso do primeiro congresso. Os salões consagrados aos SIG tem por um lado substituído esses “museus geográficos” e essas “bibliografias da geografia” do século XIX e do início do século XX.

Faça portanto como Ulisses...

22 Misturando convívio, diversão e trabalho, as excursões de trabalho de campo formam um outro espaço material particular nos congressos de geografia. Elas dão acesso ao objeto espacial mostrando, in situ, suas particularidades. São os geógrafos alemães que pela primeira vez propuseram as excursões, então no congresso de Berlim (1899), e sua

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 137

tradição recebeu fundamento. Em 1904 o congresso por conta própria foi feito de maneira itinerante, indo de Washington até Saint-Louis do Mississipi (que abrigou na ocasião uma exposição universal com uma enorme quantidade de congressos), para isso tendo que propor uma excursão transcontinental juntando Saint-Louis ao canyon do Colorado e ao México (ela durou 20 dias e percorreu 10.000 km).

23 Muitos dos participantes expressaram aquilo que foi a experiência marcante do congresso de 1904: a descoberta do Novo Mundo, não somente de suas dimensões, mas a originalidade do complexo humano, intelectual e político que os Franceses chamam, na época, de “americanismo”. A frequentação dos lugares e dos homens produziu um verdadeiro choque entre os Europeus, pois muitos davam seus primeiros passos do outro lado do Atlântico. Esse é o caso, por exemplo, de Paul Vidal de la Blache, que lá chega convencido que uma “Escola da América” devia ser criada na França, réplica modernista necessária às Escolas de Atenas e de Roma. Ele ganhou consciência então tanto das concepções originais que os Americanos tinham do espaço e do tempo, quanto das dimensões quase prometeicas da experiência estadunidense. Disso resultou nele um tipo de revolução mental. Foi também a ocasião para que ele aferisse a viva quantidade de geógrafos americanos: “No Club Cosmos, sem um jornal estrangeiro, mesmo inglês, poucas revistas europeias [...] No domínio da geografia humana eles não chegaram ao método comparativo: eles não se preocupam com os outros, nem com o passado”, anotou ele na sua caderneta de viagem.

24 Por sua vez, De Martonne fez grande caso com os atritos das ideias e das morfologias originais observadas durante essa excursão efetuada nos “quatro pesados vagões Pullmann transformados na casa dos geógrafos cosmopolitas” (Martonne, 1905, p. 9). Ele concluiu (ressaltando sua preocupação da profissionalização da geografia), que “para os geógrafos de profissão que seguiram, essa foi realmente a parte mais importante do congresso” (Ibid., p. 22).

25 Como dirigente da UGI (ele foi um ator maior desses encontros de 1922 a 1949, sendo secretário geral de 1931 até 1938 e presidente de 1938 a 1949), ele milita para fazer da prática científica do trabalho de campo uma parte integrante dos congressos: seu objetivo era, segundo ele, não somente descobrir o país sede, mas ainda estudar coletivamente afim de confrontar as experiências e os pontos de vista.

26 O geógrafo do Quebec Louis Hamelin convocou prazerosamente o imperativo do trabalho de campo em seu discurso de boas-vindas em Montreal, no ano de 1972: “Eu me permito repetir a reflexão feita pelo presidente Emmanuel de Martonne em Lisboa, no ano de 1949: ‘Nossos congressos internacionais de geografia são antes de tudo a descoberta de um país, este é o chamado que nos reúne.’ [...] Faz portanto como Ulisses, não vos apressais para retornar para vossas respectivas Itacas” (Hamelin, 1979, p. 7).

27 Em outubro de 1946, no momento das discussões sobre a localização do primeiro congresso depois da segunda guerra mundial, o responsável do comitê americano da UGI, George B. Cressey8, fizera entrar nos seus critérios de escolha do interesse das excursões de campo, ao lado da data e da localização, os custos da viagem para os participantes e os constrangimentos da geopolítica, altamente sensíveis então, – antes de optar que “todos os quesitos são iguais” para Lisboa, que havia sido designada no congresso precedente em 1938.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 138

28 Veremos abaixo como o encontro, com trabalho de campo, no Brasil, então a primeira incursão dos congressos da UGI no hemisfério sul, pôde ser uma experiência coletiva decisiva.

1.2.Centros e margens dos congressos internacionais de geografia

29 Sem surpresa, a análise dos lugares de encontro, das origens dos organizadores e dos participantes que formam o mapa dos congressos internacionais de geografia, revelam regularidades: a polarização europeia ou ocidental nos lugares de reunião e as tensões duráveis da universalidade postulada; uma extensão irregular da inscrição espacial dos encontros científicos e no total uma longa hegemonia europeia depois estadunidense que está em vias de transformação no século XXI.

30 Se o ideal proclamado pelas instâncias dirigentes dos congressos é uma cobertura total do mundo pela extensão da rede de geógrafos envolvidos, os lamentos manifestados regularmente nas tribunas dos congressos provam que a organização está longe de alcançar a exaustão espacial. Numerosos países e regiões do mundo não estão representados na organização, nem no congresso, com a falta de recursos para uma grande parte das regiões da África, da América Latina e da Ásia. Assim, ainda recentemente, foi feita no congresso de Glasgow (2004) a referência à organização das redes permanentes para incentivar a atividade geográfica nas e sobre as grandes regiões do mundo, tal como a Network on Latin America Studies que se reuniu no referido congresso; em Colônia (2012) o presidente exprimia lamento sobre as grandes lacunas no mapa, e sua satisfação por ter ao menos um encontro especial onde 12 países da África estiveram representados.

31 Isso envolve as potências que convidam os países para participar, a localização dos congressos, a natureza dos dirigentes da organização internacional, a origem dos participantes, as línguas utilizadas, a centralidade de um espaço europeu e ocidental, e manifesta a longa duração com as inflexões sobre a hegemonia estadunidense e mais amplamente do mundo anglófono desenvolvida a partir do pós segunda guerra mundial, e talvez atualmente em uma redistribuição atual das forças a favor dos países ditos “emergentes”.

A concentração das cidades de congresso

32 O mapa das cidades que receberam congressos resume sua concentração nas metrópoles europeias (cf. Collignon, 1996b) [Fig. 1]. Entre 1871 e 1996, dos 16 congressos, todas as cidades são europeias até 1949 (Lisboa, 16º congresso), salvo o 7º congresso (Washington, em 1904) e o 11º (Cairo, em 1925). Depois disso, as novas extensões fora da Europa envolvem Washington (1952) depois Rio de Janeiro (1956), sendo este congresso do Rio o primeiro no hemisfério sul. Mas ele é o único, depois do congresso de Londres (1964), que faz uma extensão de localização em direção de todos os continentes (salvo a África, tocada muito tardiamente), – com a sucessão de Nova Deli (1968), Montreal (1972), Moscou (1976), Tokyo (1980), Paris (1984), Sydney (1988), Washington (1992), Haia (1996), depois Seul (2000), Glasgow (2004), Tunis (2008), Colônia (2012), os quais sucederão Pequim, Istambul e a cidade do centenário da UGI (2022), ainda desconhecida (?).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 139

Figura 1 – As cidades hospedeiras dos congressos internacionais de geografia de 1871 a 2020 (fora os congressos “regionais” da UGI)

Fonte: Boletins da União geográfica internacional

33 Criada a iniciativa da sociedade de geografia, os congressos se inscrevem primeiramente nas metrópoles comerciais e coloniais do final do século XIX, antes de refletir a potência política e científica dos Estados. A dominação progressiva que os estudiosos e professores universitários adquirem nos congressos (em termos de participantes, é em Berna, no ano de 1891, que a categoria de professor supera todas as outras: Dubois, 1972) não muda o registro espacial, pois a distribuição dos centros de pesquisa e de ensino se calca sobre o sistema preexistente das metrópoles urbanas. Enquanto, depois da primeira guerra mundial, a organização passa por uma instituição internacional perene, a União geográfica internacional, que constituiu os comitês nacionais centrados em geral nas academias de ciência e nas universidades9, instaura plenamente uma legitimidade propriamente estática e os lugares do congresso refletem ainda as hierarquias urbanas nacionais.

Os países membros da organização: um mapa com lacunas

34 Tendo em vista os países abrangidos na sua organização, a universalidade está longe de ser alcançada, ainda que, segundo alguns observadores, a UGI tenha sido mais aberta que outras organizações internacionais aos pequenos países (Harris, Rössler, 1996). Podemos destacar, porém, a extraordinária transformação do mapa dos países membros da UGI que se produz irregularmente, depois da segunda guerra mundial (Volle, 1996a) [fig. 2].

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 140

Figura 2 – Os países membros da União Geográfica Internacional em 1956

Fonte: Boletins da União geográfica internacional

35 O número de 30 países antes de 1939 efetivamente dobra de 1949 até 1964, passando de 31 para 62. Essa duplicação demonstra primeiramente o voluntarismo do presidente da União de 1949 a 1952, o americano G. B. Cressey, em direção à América Latina e depois à África. Ele mostra também a rápida reabilitação dos países vencidos, que se operaram nas tensões da Guerra fria. Assim, temos a questão da Alemanha, onde a RFA foi admitida em 1952, enquanto a RDA em 1960; A URSS entrou na UGI em 1956, no congresso do Rio de Janeiro. A questão da China foi muito complicada, pois muitos países recusaram a entrada da China popular na UGI, e ela mesma condicionava sua entrada à expulsão de Taiwan (que foi admitida cedo e representada na UGI pela Chinese Academy of Sciences in Taiwan); a solução foi encontrada pela fórmula de um “comitê para UGI” em que o presidente Michael Wise propôs substituir o “comitê nacional”, uma mudança de status votada em Paris, em 1984 (Harris, Rössler, 1996).

36 A duplicação dos anos 1950-1960 marca enfim, e sobretudo, a nova geopolítica mundial que representa a decomposição dos impérios coloniais. A participação dos novos Estados independentes não fora portanto mais fácil: um estatuto de “membro associado” foi criado no Rio de Janeiro, permitindo acolher os países sem grandes meios ou cuja comunidade de geógrafos estava em curso de constituição. A África ocidental francesa e muitas ex-colônias britânicas africanas entram então na UGI (cf. ponto 2). Muitos desses países tiveram que se submeter a sua cotização de uma tal maneira que a UGI os desassociou, o que provocou nos anos oitenta uma severa queda das aderências – isso criou vastas lacunas no mapa da União e conservou os grandes brancos onde os países não possuíam nem comunidade importante de geógrafos, nem fundos para poder pretender a adesão.

37 Uma maneira de contornar essas grandes lesões à universalidade almejada foi a organização de “conferências regionais” menos custosas que os congressos e mais próximas, pela sua localização, das comunidades de geógrafos em constituição. A primeira ocorreu em Uganda (Kampala, 1955), seguida por Tokyo (1957), depois de Kuala Lumpur (1962), México (1966), Budapeste (1971), Palmerston (1974), Lagos (1978),

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 141

etc. Esses congressos ocorridos na periferia são finalmente múltiplos e tem o objetivo de cobrir o planeta dos geógrafos com um evento-bis durante o período entre os congressos (assim, a partir de 2002, de Durban, Brisbane, Tel Aviv, Santiago do Chile e Kyoto em 2013).

Uma direção e os órgãos dirigentes provenientes do Centro

38 A concentração espacial dos congressos internacionais de geografia em favor dos países ocidentais e do hemisfério Norte acompanham uma superrepresentação dos atores dominantes encarregados desses países (os dirigentes da organização no nível da UGI ou dos comitês locais de organização) e de uma superrepresentação dos participantes dos países vizinhos do lugar dos congressos.

39 Assim, os dirigentes da organização, por exemplo, o comitê executivo da UGI, que traduz o estado das correlações de forças, conduzem as escolhas de presidentes, secretário geral, tesoureiro e vice-presidentes (Volle, 1996b, fig. 11a e 11b). Dos 18 períodos, entre a criação da UGI e 1996, a França, o Reino Unido e os Estados Unidos concentraram com uma dezena de mandatos do comitê executivo. A origem dos presidentes das comissões de trabalho e da seleção mostra a mesma dominação de longa duração (Collignon, 1996a) [fig. 3]. Entretanto, a partir do pós segunda guerra mundial, a organização se abre para novos dirigentes da América e da Ásia (assim em 1949-52 o Canadá, o Brasil e a Índia estão representados no comitê executivo e se beneficiam cada um de 5 a 6 mandatos entre essa época e 1996).

Figura 3 – Número de presidências das comissões da União Geográfica Internacional, por países (1949-1996)

Fonte: Boletins da União geográfica internacional

40 Essa representação mais exaustiva dos geógrafos do mundo acentua-se ainda mais com as últimas eleições. Assim em Colônia, os novos eleitos incluem uma presidência russa,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 142

uma primeira vice-presidência alemã, um secretariado ocupado por um sul-africano e de vice-presidentes da China, Finlândia, Índia, Israel, Itália, Japão, Países Baixos e EUA. Ao mesmo tempo, uma hegemonia do mundo anglófono se exprime pelo fato que a língua do congresso tornou-se quase exclusivamente o inglês. Em contrapartida, a crítica reiterada da falta de visibilidade ou de atratividade da UGI e seus congressos sobre os jovens geógrafos, e as referências furtivas à atratividade dos congressos da Associação dos geógrafos americanos podem fazer pensar que essa ampliação tem uma significação ambivalente. Ela mostra o jogo de uma vontade real de universalismo, a emergência de novas potências ‘geográficas’ até então marginais e também pode ser o declínio desse gênero de organização internacional, em concorrência com as organizações nacionais mais eficientes em termos de legitimação dos geógrafos que participam dos encontros internacionais, e por outros modos de sociabilidade científica.

A origem dos participantes: os efeitos de proximidade

41 A concentração espacial a favor dos países ocidentais é reforçada pelo efeito da lei de gravitação que faz com que a origem dos participantes gire em torno da sua distância do lugar do congresso. Eles provêm massivamente ou majoritariamente do país sede e das regiões vizinhas. Assim, dos 21 primeiros congressos, o país sede forneceu o maior contingente de participantes entre os grupos nacionais representados (Kish, 1972). Trata-se nos 10 casos de 48% ou mais de congressistas, e ao menos 30% dos participantes nos 20 casos. A exceção se encontra em Estocolmo (1960), onde a representação mais forte foi de geógrafos estrangeiros, vindos dos Estados Unidos, que chegou a 23% dos participantes. A localização dos congressos influem em parte nas intervenções dos ‘autóctones’, sob a orientação das questões ou dos temas colocados em discussão e a língua utilizada (Pumain, 1972). É no fim do século XIX e antes da primeira guerra mundial que as questões locais em relação ao país sede estiveram mais presentes, mas a dimensão internacional dos congressos provoca ‘respostas’ que estão confinadas sobretudo aos autores autóctones.

1.3.Cobrir o mundo harmoniosamente a partir das metrópoles?

42 Os tipos de problemas colocados, as inquietudes dos geógrafos, estão ligadas à localização dos lugares de acontecimento da ciência internacional. A estrutura centro- periferia dos congressos internacionais de geografia tem uma consequência principal: o etnocentrismo das questões e de seu tratamento, por onde os geógrafos dominantes expressam seus próprios interesses, em algumas colaborações. Mas, ao mesmo tempo os associados são concorrentes, pois seus interesses materiais e simbólicos são diferentes, ou seja, contraditórios: daí a necessidade de uma regulação dos debates e das produções que tendem a exteriorizar os temas de controvérsia. Nas fases de conflitos entre o centro e as margens, no momento das descolonizações em particular, o etnocentrismo pode ser denunciado, posto em causa do interior ou do exterior?

43 Os mapas de localização mostram: apesar da vontade de cobrir o mundo, os geógrafos reunidos em congressos internacionais estão longe de constituir uma rede universal de observação e de coleta de dados locais. Munidos de suas ferramentas, eles pretendem poder representar o mundo em sua universalidade? É isso que alguns grupos de trabalho pretenderam como, o grande projeto emblemático do fim do século XIX, o

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 143

mapa ao milionésimo do mundo. Assim, confiante na cooperação científica entre geógrafos e serviços cartográficos das potências, Vidal de la Blache, afirmava: “Teremos assim, pela primeira vez, um instrumento de comparação e estudo que, graças à adaptação das partes e às facilidades de reunião permitirá abraçar o conjunto do globo em uma imagem harmônica e proporcional” (Vidal de la Blache, 1910, p.5)

44 Mas, ele acrescenta que se deveria evitar todo “carimbo estrangeiro” e preservar “a pegada de cada metrópole em suas colônias” (Vidal de la Blache, 1910, p.9). Isso era admitir o território das metrópoles imperiais e das zonas de influência sobre as partes do mundo. Entretanto, os geógrafos americanos conduzidos por I. Bowman reservam, por sua vez, o domínio de sua zona de influência, o Western Hemisphere, um empreendimento sob a égide da American Geographical Society de New York e em prol da realização de um mapa ao milionésimo da América espanhola (Heffernan, 2011; Peaarson, Heffernan, 2009).

45 Conveniências ocidentais e imperiais: quais são as relações dos congressos com o espaço dos trópicos?

2.Espaços simbólicos: ao redor dos trópicos

“[...] nós devemos compreender os trópicos como um espaço conceitual e não somente físico. [...] Os trópicos só existiam por sua justaposição mental com outra coisa – a normalidade percebida das terras temperadas10” Arnold, 1996

46 Em um século de congressos, de Anvers a Montreal, não existem somente as evoluções nos espaços materiais dos encontros internacionais entre geógrafos, mas transformações consideráveis dos territórios do mundo, com o desenvolvimento dos impérios depois sua desagregação sob o toque das guerras de libertação. Centros e periferias se recompõem então. O que são os espaços mentais ou simbólicos que assombram os congressistas, e como eles se ajustam na sequência histórica dos congressos? Espaço colonial e espaço tropical, tropicalidade e desenvolvimento se misturam, se reconfiguram e se desfazem no congresso de Anvers (1871), de Londres (1895), de Amsterdã (1938), do Rio de Janeiro (1956) e de Montreal (1972)... Houveram os ‘efeitos de lugar’ particulares nas cidades dos congressos?

2.1Os espaços simbólicos

47 Evocamos até agora os espaços materiais de atividade dos congressos internacionais de geografia. Estudar a espacialidade da pesquisa geográfica supõem também analisar os “espaços mentais” construídos e manipulados pelos discursos e práticas da geografia. Pois, “[...] os geógrafos fabricam por assim dizer os espaços mentais que vêm duplicar e acompanhar os espaços materiais [os quais ou sobre os quais eles trabalham]. Eles elaboram suas concepções em meio aos espaços mentais que também são, eles mesmos, espaços de trabalho, espaços que se inscrevem e se figuram no outro, nos seus objetos, nas representações figurativas ou nos discursos (esquemas, gráficos,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 144

mapas e descrições). [Essas são] as representações ou os esquemas espaciais que subentendem o saber geográfico” (Besse, 2004, p. 416, os grifos são originais)

48 Como dissemos acima, para definir os temas e precisar os espaços de aplicação dos temas de pesquisa, os congressistas estruturam o domínio espacial do conhecimento que eles estimam importante e legítimo, e criam um espaço do saber. Os congressos internacionais de geografia são, portanto, os lugares de uso e de fabricação de tais espaços mentais. Eles podem abranger os grandes conjuntos espaciais como as “colônias”, o “mundo tropical”, os “países subdesenvolvidos”, ou ainda o “Terceiro Mundo” e depois os “Suls”...

49 As grandes tramas de divisão do mundo figuram com efeito entre esses espaços. Assim, a crítica cartográfica e geográfica destacou o ataque ideológico da divisão do planeta por continentes. Edward Said (1978) desconstruiu o esquema Oriente/Ocidente mostrando sua dimensão propriamente política e cultural e não simplesmente referencial. Depois dele, o historiador David Arnold (1996) estendeu a análise aos Trópicos forjando a noção de “tropicality” como variante do orientalismo, uma variante ambientalista edificada em um esquema climático, onde o tropical é o Outro do temperado. Desde a Renascença, no Ocidente, a literatura e outros práticas culturais construíram uma representação de alteridade desvalorizando os “trópicos” como lugar de vida e particularmente como lugar habitável para os Europeus, compreendendo-os de maneira ambivalente como Éden e como lugar de degenerescência (ver também Livingstone, 2000). Para Arnold, os trópicos (ou os equivalentes, região equatorial ou zona tórrida) constituem “um espaço conceitual e não somente físico”. A noção de tropicality inspirou fortemente as pesquisas anglófonas pós coloniais (Drive, Yeoh, 2000; Bowd, Clayton, 2005; Clayton, Bowd, 2006); nós propomos falar de “tropicalismo” para se diferenciar da expressão orientalismo (Robic, 2008).

50 Em seguida, desde os primeiros congressos internacionais de geografia até o início dos anos 1970, a formulação das questões, as discussões em congresso e a eclosão de comissões de pesquisa especializadas, estudaremos aqui o uso que os geógrafos fazem dos Trópicos e das relações entre esse espaço simbólico e de outros espaços que eles manipulam nos congressos. Espaço colonial, espaço tropical, espaço a desenvolver: se observa as combinações, uma sucessão parcial, as alternativas, as controvérsias...: para cada período reconhecido, desenhamos primeiramente uma evolução de conjuntos de debates, depois analisamos a conjuntura geopolítica e os efeitos do lugar típicos de alguns congressos-chave.

2.2.Império: do tropical/colonial

Após Anvers: a neutralização colonial

51 As colônias constituem um ponto de discórdia entre metrópoles imperiais, e os responsáveis pelos congressos compreenderam depois do primeiro encontro internacional de Anvers que a colonização devia ser excluída das questões debatidas.

52 Para um encontro entre os representantes de potências concorrentes a sequência de questões colocadas em 1871 era muito explosiva: “10. Examinar a utilidade das colônias e dos estabelecimentos coloniais, de além- mar quanto à estabilidade do comércio e à tranquilidade interior dos Estados”, “11. Examinar e discutir as razões que levaram pouco a pouco a Inglaterra a modificar seu sistema colonial e dar a algumas de suas colônias um governo particular”, “12:

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 145

Pode-se concluir por aí, como se fez outras vezes, que vale mais não ter colônias? Quais são os princípios que se fazem valer contra o princípio de colonização?”

53 O espaço colonial é pouco evocado nos congressos seguidos. O espaço de reflexão está de fato neutralizado, do ponto de vista do imperialismo pela proibição política, ou diluído pela formulação de questões muito gerais, tais como a organização de uma informação coletiva sobre os recursos potenciais no mundo, sobre a formação intelectual através da viagem ou sobre os fatos da migração. Somente a África, tipo de domínio compartilhável, é objeto de questões diretas, notadamente em Londres (1895): “Em qual medida a África tropical está apta a ser desenvolvida pelas raças brancas ou sob sua direção?” [To what extent is tropical Africa suited for development by the White Races or under their Superintendence?]

54 Nessa questão relativa à valorização da África, o esquema tropical está sobreposto ao esquema implícito da colonização e a questão da ação do Branco sobre os Trópicos também é levantada implicitamente, dando lugar aos afrontamentos interpessoais.

55 Mas, essas questões são, portanto, geralmente evitadas e as atividades de padronização dominam em seguida a agenda dos congressos.

A urgência dos anos trinta – o congresso de Amsterdã (1938)

56 A referência aos Trópicos e a questão colonial se faz mais massiva durante o entre guerras e culmina no congresso de Amsterdã, em 1938. Primeiramente, em Paris (1931), duas questões de geografia humana e uma questão de geografia física introduzem a categoria das “regiões tropicais”. Quebrando as regras implícitas dos congressos anteriores, os organizadores criam em Amsterdã uma seção de “geografia colonial”, um programa que aparece em 1938 somente no congresso e que será prolongado pela seção intitulada “geografia da colonização” em Lisboa, em 1949.

Três questões, três espaços misturados

57 A seção de geografia colonial de Amsterdã deve debater três questões: 1. “Possibilidades de colonização feitas pela raça branca na zona tropical”, 2. “A relação entre a densidade da população e o modo de utilização (ou exploração) do solo nas regiões coloniais”, 3. “A industrialização como condição indispensável para manutenção do nível de prosperidade nas regiões tropicais para populações muito densas”

58 Essas questões misturam três espaços de referência associando trópicos e colonização (a zona tropical, as regiões coloniais e as regiões tropicais), elas introduzem as noções de zona e de região, conjunto que curiosamente interfere na sua associação à geografia colonial. Com um apelo à questão do congresso de Londres, de 1899, eles alargam singularmente a escala saindo da África; eles pontuam as intenções de conhecimento fundamental e os programas de ação; precisam as modalidades do desenvolvimento das regiões abrangidas (povoamento, valorização agrícola, industrialização); propõem a análise das relações entre vários aspectos das áreas evocadas; e insistem nas suas características demográficas.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 146

O espaços de referência e as interferências duvidosas?

59 Para tanto, se os espaços postos em jogo pelo questionário se interrelacionam, os debatedores geógrafos estão presos na armadilha das interferências entre os diversos espaços heterogêneos?

60 Se seguimos as atas do congresso, a amálgama colonial/tropical só é colocada em debate excepcionalmente nas comunicações apresentadas pelos congressistas. As discussões não parecem mais provocar polêmica. As resoluções adotadas traduzem o poder de um jogo comum, uma vez que elas consistem em três pontos: primeiramente o mantenimento da seção para o período seguinte e contrariamente dois votos endereçados aos Estados coloniais, com o objetivo que eles concorram na realização dos mapas temáticos precisos de suas possessões e que eles incluam um ponto sobre a erosão dos solos nos relatórios abrangendo as condições da agricultura no seu domínio colonial.

61 Porém, os relatores de cada um dos temas destacaram, timidamente ao menos, a pertinência da estruturação do questionário criticando o amálgama dos espaços convocados e as causalidades bem fundamentadas sugeridas pela formulação das questões. Nesse congresso de Amsterdã soberbamente organizado e posto sob alta vigilância, as discussões foram preparadas com relatórios anteriores distribuídos aos participantes na sua chegada, e os relatores fizeram uma curta intervenção no início da sessão de discussão. Na ocasião, para a seção colonial, existem três relatórios redigidos por mulheres, que trazem uma apresentação dos problemas do questionário, uma discussão de sua própria formulação, uma síntese das contribuições escritas e uma proposição de votos.

62 O relatório relativo às “possibilidades de colonização pela raça branca na zona tropical”, atribuído à E. F. Verkade-Cartier v. Diesel, é particularmente notável pela sua lucidez sobre as problemáticas que ele distingue: o “direito às colônias” afirmado pelas “potências descontentes”, e o “desemprego” devido à crise [“colonist claim” dos “dissatisfed power’s” e “unemployment”] (UGI, Relatórios, 1938, p. 123); pela sua persistência na necessidade de excluir a política das discussões; pela sua preocupação em evitar maus entendidos; pela sua exigência de cientificidade e em particular pela sua vontade de clarificar o vocabulário, o que é segundo ela a condição de um verdadeiro diálogo; pela honestidade de seu balanço, uma vez que ela mostra as divergências entre autores de comunicações e sua própria incapacidade de concluir. Suas recomendações mostram ser necessário uma boa informação e melhores dados comparativos.

63 Em cada um dos relatórios, embora desigualmente, a pertinência das questões do quadro de referência os quais são abordados, estão claramente examinados.

64 Assim, E. F. Verkade-Cartier v. Diesel nota a diferença semântica entre os termos relativos ao colonial (tal como o “Volkplanting” holandês e os termos de “colon” e “colonisation” no francês, Ibid., p. 125-126) e os desacordos entre os contribuidores sobre a noção de Branco e sobre a de tropical.

65 O relator da questão 2 propõe como principal objeto de discussão uma questão de geografia comparada: “A relação entre a densidade da população e a utilização dos solos é diferente nas regiões coloniais e em outros lugares do mundo?” [Does the relationship between

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 147

denstity of population and land-utilization in colonial regions differ from that elsewhere in the world?] (Ibid., p. 162).

66 O relator da questão 3 se mostra particularmente dúbio sobre as virtudes do imbroglio espacial e desconstrói progressivamente o problema: “O caráter de ‘país colonizado’ tem uma influência sobre a possibilidade de industrialização? O fato da situação nos trópicos tem influência sobre essa possibilidade? Em consequência, a questão da industrialização é diferente nos países como o Japão, a China ou em outros países tropicais colonizados?” [Has the chatacter of ‘colonial countries’ any influence on the possibility of industrialization? Has the fact of the situation in the tropics any influence thereupon? Is therefore the question on industrialization another in countries such as Japan and China and another in tropical colonial countries?] (Ibid., p. 180).

67 Mas, como nós dissemos acima, os congressistas são insensíveis a essas críticas.

O trópico/colonialismo ou a conjuntura espaço-temporal de Amsterdã

68 Todas as questões colocadas em destaque no debate fazem sentido para os geógrafos dos países ocidentais. Primeiramente, a associação entre trópicos e colonização é justificada na visão da distribuição geográfica dos impérios e em particular das colônias holandesas. Quanto à questão demográfica, ela não é nova, uma vez que foi introduzida desde o congresso de Paris (1931) e desenvolvida em Varsóvia (1934), e ela acompanha durante esses anos as síndromes europeias de superpovoamento, os receios do “perigo amarelo” e as reivindicações territoriais dos regimes fascistas e nazistas. Com o ‘problema’ da aclimatação dos Brancos em países tropicais, que é o pano de fundo da questão nº 1 no qual se debruça uma grande quantidade de geógrafos, de administradores das colônias e especialistas de medicina tropical, os Trópicos declinam, segundo a visão ocidental clássica, como um espaço deletério ao físico e ao moral, o lugar de degenerescência das raças e em particular da raça branca, e é o lugar ‘natural’ das raças inferiores11. O paradigma racista está subentendido nos debates, até mesmo na condução das distinções entre Brancos no norte e no sul da Europa (Leclerc, 1989). De Londres a Amsterdã, de um século a outro, os estereótipos higienistas, racistas e morais do século XIX se impõem de maneira idêntica, com o medo da degenerescência da raça branca nos Trópicos e a essencialização dos indígenas considerados como incapazes e indolentes. O tropicalismo típico da dominação ocidental, material e simbólica está sempre presente.

69 Nos anos trinta emerge a ideia, no congresso de Paris, que o espaço do mundo estava “fechado” ou que era “finito”, assim devido provavelmente aos pesquisadores coletivos trazidos sob a impulsão de Bowman (1931, 1934), a questão das frentes pioneiras era colocada na ordem do dia (Robic, 2006 e 2009). Em 1938, a crise econômica, o espectro do desemprego nas metrópoles e os riscos de concorrência nas colônias constituem para alguns dos participantes o novo dado do laço colonial. Sua afluência na seção testemunha a força desse problema. Em particular, os Holandeses obtiveram um apoio governamental para as pesquisas sobre as possibilidades de povoamento nos Trópicos, e intervêm massivamente na seção colonial muito além da superrepresentação do grupo nacional observado em cada congresso12. Para os alemães, a extensão do seu Lebensraum constitui a questão primordial: a Alemanha tem tanto comunicações na seção colonial quanto delegados oficiais no congresso. Para todos os participantes13, o contexto geopolítico é extremamente tenso e concorrencial, isso pode explicar a emergência efetiva do espaço colonial no congresso internacional de geografia, a inexatidão de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 148

noções utilizadas para atingir a nova atualidade desse campo de expansão e a violência das propostas.

70 Tropical-colonial: esta é a associação espacial característica do espaço simbólico significativo no congresso de Amsterdã. Contraditoriamente, a conjunção dos dois termos pertence ao léxico da economia política holandesa da primeira metade do século vinte, em um curso intitulado “tropisch-koloniale” que existia na universidade de Leyde desde 1929; o comitê de organização do congresso se manteve no Instituto colonial de Amsterdã; no pós guerra, esse estabelecimento se chamará Instituto dos trópicos (Leclerc, 1989).

2.3.Descolonização e blocos: simplesmente os Trópicos?

“[Os] resumos das excursões que formataram o Congresso [...] fornecem um quadro do conjunto dos problemas que deve encarar a geografia brasileira. Eles contém uma notável contribuição ao estudo da geografia tropical. Eles conseguem enfim precisar o caráter próprio desse Congresso. Pela primeira vez desde a origem da União, a geografia zonal foi colocado no primeiro plano, o mundo tropical considerado como uma grande entidade geográfica em que todas as características se encadeiam” Maximilien Sorre, 1957

71 O período do pós segunda guerra mundial constitui uma ruptura com o esquema difuso, depois cristalizado, que foi precedido de um lado pela referência colonial que desaparecia nos congressos e por outro de um “espaço tropical” mais ou menos banalizado que foi introduzido no lugar do Rio de Janeiro, em 1956, funcionando como catalizador da inscrição desse espaço simbólico nos mapas mentais dos geógrafos.

Da afirmação de um espaço tropical banalizado a sua contestação

Os congressos do pós guerra e o desaparecimento colonial

72 Com efeito, ainda em Lisboa (1949), seguindo o voto de 1938, uma seção de “geografia da colonização” persiste, mas ela não é reconduzida. Em Washington (1952), a manutenção de um simpósio sobre a África tropical evoca a antiga singularização desse espaço. A novidade reside no teor das comunicações que são apresentadas, a maior parte muito longa, e que constituem verdadeiros relatórios sobre as pesquisas empreendidas sobre esse tema pelos geógrafos e os novos organismos europeus. É o caso do relatório dos Franceses (o documento foi assinado por Charles Robequain e Jean Dresch14), cujo léxico dominante é mais centrado nos termos de “além-mar” e da “África” que sobre o “tropical” (segundo as formulações dos escritórios desenvolvidos na metrópole e em Dakar desde o fim dos anos trinta). Da mesma maneira Robert W. Steel descreve longamente os progressos da pesquisa dos geógrafos britânicos, engajados desde o fim dos anos vinte mas sobretudo durante e após a guerra; o autor privilegia ao contrário o léxico tropical. O “desenvolvimento”, transmitido para a agenda política de vários países e às grandes organizações internacionais ligadas à ONU sustentam muitas intervenções. Pouco tempo depois surgem as conferências regionais

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 149

nos países periféricos, primeiramente reunidos em Uganda, em 1955, sobre o tema “Recursos naturais, Alimentação e População na África intertropical” [Natural Resources, Food and Population in Intertropical Africa].

Da onipresença do espaço tropical no Rio de Janeiro...

73 Os discursos do congresso do Rio de Janeiro (1956) estão embebidos na referência tropical, mesmo nos resumos publicados após o congresso, tal como o publicado por M. Sorre, posto em destaque neste ponto. O discurso inaugural do presidente do comitê organizador, Jurandyr Pires Ferreira15 institui um programa científico tropicalizante: “Somos um país onde predominam as condições naturais e de ocupação humana peculiares às áreas tropicais. País, onde imperam, portanto, condições diferentes das encontradas nas regiões de maior desenvolvimento do conhecimento geográfico. [...] A ciência geográfica espera importante contribuição brasileira para o conhecimento das regiões tropicais” (Atas, 1959, p. 139).

74 Esse congresso inova criando a “comissão dos trópicos úmidos”. Ela forma uma das duas comissões especiais criadas nesse décimo oitavo congresso; a outra se intitula “Elaboração de um mapa mundial da população”. Alguns anos antes foi criado uma “comissão de zonas áridas”, o que explica a escolha de uma formatação mais restritiva para o relato na zona tropical. Nos três casos a UNESCO interveio para constituir os grupos de pesquisa internacionais e interdisciplinares, antes da UGI e da chamada aos países recém independentes, como a Índia, no caso das zonas áridas. Para delimitar precisamente os trópicos úmidos os dois organizadores tentam conjuntamente cartografar precisamente o espaço abrangido mobilizando os botânicos e os geógrafos climatólogos (Fosberg et al., 1961)16.

75 Muitos simpósios relativos ao espaço tropical ocorrem durante o congresso, abordando a geografia física pura (savanas e campos) ou sobre a “contribuição da geografia na planificação regional dos países tropicais”. Esses simpósios geram numerosas intervenções dos geógrafos britânicos, alemães, franceses e brasileiros, centrados sobre o tema da geografia aplicada.

...e sua contestação

76 Contrariamente, quatro anos mais tarde, nos países escandinavos, os trabalhos da comissão dos trópicos úmidos estão bastante atônitos17. O congresso de Londres (1964) não lhe confere um brilho particular. Para o 20º congresso, o evento ocorre em outro lugar: em Liverpool, onde um simpósio intitulado “Geography in the tropics” , ocorre durante uma semana, atraindo uma massa de participantes. Paradoxalmente, o tropical não é central no evento, ou a questão em debate é a da possibilidade de desenvolvimento nos países tropicais. Nesse sentido, o tema de Liverpool está em harmonia com a temática do conjunto do congresso que o presidente da UGI, Carl Troll, expõe em seu discurso presidencial: “Sociedades plurais dos países em desenvolvimento. Aspectos da geografia social” [Plural Societies of developing countries. Aspects of social geography]. Sobretudo, na sua introdução da obra coletiva que ele corredige, Geography and the Tropics: Liverpool Essays, R. W. Steel invalida a pertinência do espaço tropical como quadro da pesquisa particular: “não existe ramo especial para o tema para ser identificado como ‘geografia tropical’” [there is no special branch of the subject to be recognized as ‘tropical geography’] (Steel, 1964, p. 2).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 150

77 No entanto, em Nova Deli (1968), a reunião da comissão dos trópicos úmidos gera 14 proposições de intervenção, sendo muitas Indianas, e dois relatórios sobre as pesquisas realizadas na França pelas universidades e pela ORSTOM (Escritório de pesquisa científica e técnica de Além-mar, que foi criado sobre o nome de Escritório de pesquisa científica colonial – ORSC – em 1943). As duas comissões zonais são ainda renovadas, e uma comissão da Ásia das Moções foi criada.

78 Mas, o congresso seguinte, em Montreal (1972), indica o fim da comissão dos trópicos úmidos e a das regiões áridas. É verdade que os participantes assim como os contribuidores, nas reuniões dessas comissões, manifestam um esvaziamento do tema frente às questões emergentes que concernem notadamente o meio-ambiente e os riscos naturais – então, em ligação com programa “O Homem e a Biosfera” da UNESCO. Somente os “grupos de trabalho” de menor reconhecimento oficial podem continuar a pesquisa consagrada aos espaços tropicais.

79 O congresso de Montreal (1972) figura como um tipo de fim de um ciclo do espaço tropical/climático.

Geopolíticas do pós guerra: os Trópicos comuns?

Descolonizações e eufemização

80 Esse ciclo de estabelecimento e depois de contestação do espaço tropical ‘em si’ liberou- o de sua conotação colonial, baseado no contexto geopolítico do pós segunda guerra mundial. No entanto, a emergência desses neo-Trópicos que formam um espaço simbólico gestado nas deliberações dos congresso internacionais do pós guerra resulta do entrecruzamento de vários processos. A queda dos impérios foi certamente um fator maior de transformação, deslegitimando o termo colonial que foi substituído, por exemplo, por “ultramarino” (overseas), que eufemiza a colonização pelo uso de uma figuração espacial, ou de “territórios dependentes” forjado pela administração dos Estados Unidos desde antes do fim da guerra. Os novos equilíbrios mundiais do pós guerra, com a aparição da potência americana e muito rapidamente a Guerra Fria e a concorrência dos Blocos comunista e liberal reconfiguram também o espaço planetário. A afirmação dos países resultantes da descolonização e dos países “não alinhados” constitui uma terceira dimensão dos reequilíbrios do pós segunda guerra mundial. Para a disciplina, as evoluções são muito mais complicadas e mais conflituosas que algumas apresentações sumárias de história da geografia o fazem crer (na França particularmente), que fazem suceder as geografias colonial, tropical e do desenvolvimento (cf. Bruneau, 1989). Entretanto, os grupos nacionais de geógrafos e os indivíduos adotaram posturas diferentes diante da descolonização, e seus programas de geografia mudaram, com o tempo.

81 No total, durante os anos oitenta, o “tropical” é objeto de tensões, o espaço tropical sendo despedaçado entre os esforços de eufemização da dominação colonial ou o distanciamento da relação colonial, no Centro, enquanto, nas colônias, os militantes realizam uma luta radical de descolonização acompanhando a reapropriação de sua história e de seu espaço que podia também passar por uma classificação de Trópicos. Podemos distinguir de quatro a cinco reconfigurações de espaço tropical que resultam desse aggiornamento.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 151

Os trópicos revistados

82 Uma primeira reconfiguração consiste na apreensão do espaço tropical como espaço especial, que autoriza a promoção de um ramo particular da geografia. A promoção da “geografia tropical” na disciplina se efetuou imediatamente depois da guerra, com o sucesso internacional do livro de Pierre Gourou (1947), Os países tropicais. Integrando as duas partes principais da geografia, o autor singulariza os trópicos úmidos desde as primeiras linhas: “Os países quentes e chuvosos tem sua própria geografia física e sua geografia humana original” (Gourou, 1947, p. 1)

83 Gourou, então professor de geografia colonial em Bordeaux ascendia no mesmo ano à cadeira do Collège de France intitulada “Estudo do mundo tropical (geografia física e humana)”. Esse ramo da geografia tropical iria se tornar um dos pilares da geografia francesa dos anos 1950 aos 1970-80.

84 Traduzido para o inglês sobre o título de The Tropical World (1953), a obra teve uma grande influência em todo mundo: ela teria dado impulso no mundo anglófono aos estudos consagrados à “tropical geography” (Driver e Yeoh, 2000, p. 2). O caso das revistas de geografia desenvolvidas nas ex-colônias britânicas na península da Malásia é um efeito típico dessa difusão, seja na semelhança do domínio científico seja do rótulo (Power, Sidaway, 2004): criado em 1953, a nova revista é intitulada primeiramente Malayan Journal of Tropical Geography (1953-57) depois, postas algumas transformações, ela se cinde em duas em 1980, e surge o Malaysian Journal of Tropical Geography em Cingapura. É aqui, depois de um número de 2000, que a crítica pós colonial da tropicality e da obra de Pierre Gourou em particular, se desenvolvem.

Trópicos normalizados

85 No entanto, podemos normalizar o espaço tropical? A estruturação do espaço tropical foi de fato atrapalhada, no pensamento de alguns geógrafos, em relação ao que ela era no tempo de sua associação intrínseca com o colonial. Assim, com a promoção programática de uma geografia zonal (De Martonne, 1946), há efetivamente a ‘des- excepcionalização‘ dos Trópicos que foi produzida, na geografia francesa notadamente, pela sua inscrição explícita em um esquema planetário zonal. Então, o espaço tropical passa de uma ontologia singular, ou em todo caso construída em uma relação hierárquica com o espaço temperado, a uma ontologia banal, porque está referenciada em um espaço planetário em seu conjunto. Assim, o “espaço temperado” perde seu privilégio, ele perde o papel de norma que ele teve até então.

86 Essa normalização do espaço tropical é sensível em um texto que Emmanuel de Martonne publicou em 1946 sobre o título “Geografia zonal. A geografia tropical”. Nesse texto, o autor concede cidadania à geografia zonal no pensamento ocidental; e ele apadrinha essa legitimação científica do esquema pela mobilização do tropical. A novidade da representação que De Martonne coloca em destaque, aparece claramente se comparamos sua proposta com um texto que ele publicou trinta anos antes: nesse artigo intitulado “O clima, fator do relevo” (1913), o mundo tropical era qualificado de “exótico”, de “especial”, e era depreciado sendo “excessivo”; ora esses três termos desaparecem do léxico em 1946. Se De Martonne taxa ainda o mundo tropical de “original”, ele o constrói como plenamente relevante para a “economia geral de nosso planeta” e como fonte dos fenômenos climáticos na escala da terra. Certamente, De

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 152

Martonne trata sobretudo a geografia física, – seu domínio de predileção e onde a expressão chave “erosão normal”, que era de fato indexada no países temperados, encontrava sua relevância –; mas, ele não separa seu raciocínio da geografia humana, que poderia portanto, ela também, se construir fora da normalidade temperada.

Decentralizar ou inverter a visão

87 Entretanto, muitos documentos arquivados manifestam que o etnocentrismo europeu perde sua legitimidade no período imediatamente posterior à guerra. Assim, encontramos uma troca epistolar entre De Martonne e Jean Gottmann no início de 1946, onde De Martonne critica abertamente o etnocentrismo e os apóstolos da normalidade temperada: “Você tem razão de perguntar ‘O que é o normal?’ Mas, se deveria responder ‘O normal é o que o homem que pergunta está acostumado a ver’. E por que é difícil ‘sustentar hoje’ que a Europa é a normalidade. Também era difícil ontem e mesmo é certo que a Ásia era mais populosa que a Europa na Idade Média [...] Huntington...? Taylor ?... [...] Eu jamais pude levar Huntington a sério” (Arquivos Gottmann)

88 Essa provocação remete ao tropicalismo: o autor visado é Ellsworth Huntington, o geógrafo americano que, desde suas primeiras publicações nos anos 1910 até os anos 1950, explicou que o valor da civilização dependia do clima, atribuindo à variabilidade do tempo na “zona ciclônica” o desenvolvimento dos povos superiores. Como mostram seus mapas, a zona ciclônica, que determina sua “energia”, é essencialmente a zona temperada do hemisfério norte: portanto, uma variante do tropicalismo, acompanhado de racismo.

89 Desde os anos trinta os geógrafos tais como Jean Dresch18 foram militantes anticolonialistas; outros evocaram a inversão do olhar que do que foi a relação colonial: assim Jacques Weulersse afirmava em 194619: “Muito frequentemente... nós vemos a colonização através dos olhos metropolitanos... Nós deveríamos fazer o inverso... [...] Nós devemos nos aproximar com os olhos de Deli ou de Dakar ou mesmo com os da aldeia na floresta, das plantações... das fábricas... Essa reversão de perspectiva reflete... a mudança do fenômeno colonial em si. Hoje a iniciativa passou do colonizador ao colonial”

O desenvolvimento

90 Enfim, entre as representações dos Trópicos no Centro houve sua banalização como lugar de desenvolvimento. Isso nada mais é que integrá-lo na diferenciação dos meio naturais e biológicos subsumido pelo esquema zonal, mas dentro do esquema de um espaço econômico, o da modernização, que institui um espaço homogêneo ao plano planetário. Na política mundial estadunidense do pós guerra, o desenvolvimento tornou-se a palavra de ordem para um intervenção global e em particular para os programas de ajuda técnica e econômica aos “territórios dependentes”. Formulados pelo presidente Truman e por seus conselheiros, eles foram sustentados notadamente pelos geógrafos tais como Bowman e os especialistas, como Lawrence Martin, reunidos no interior do Office of Strategic Service (OSS) durante a guerra (Smith, 2003).

91 Vimos que o número de participantes nos congresso de geografia do pós guerra assinala o horizonte de ação que se integra bem, inclusive, na geografia aplicada para a qual eles militavam na época: desde o congresso de Washington, seus relatórios sobre a geografia nos trópicos estão repletos de programas patrocinados pelas organizações nacionais

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 153

que foram montadas durante essa nova guerra mundial (alguns foram criados a partir dos anos trinta mas eles vegetaram, tendo os geógrafos contribuído pouco para essas pesquisas aplicadas, comparativamente a outros cientistas, como os naturalistas, cf. Bonneuil, 2000).

92 Entre eles existe o geógrafo britânico Steel que, no congresso, se distanciou várias vezes do viés tropicalista, embora se refira ao mundo Tropical de forma durável. Ele destacava, por exemplo, em Lisboa, que os problemas que ele estudava e os que os administradores coloniais encontravam, eram em grande parte problemas universais, como o da urbanização, por exemplo. Mas, em 1964, ao lado de sua crítica à geografia tropical de Gourou (visando-a explicitamente), ele afirma a existência de uma escola que compreende todos os autores reunidos em seu livro e que alinha o espaço tropical sobre o resto do mundo: “‘a geografia tropical’ nada mais é que o estudo das áreas tropicais pelos geógrafos, segundo as aproximações e os métodos geralmente similares aos utilizados para o estudo de qualquer outra parte do mundo” [‘the geography of the tropics’ implies no more – that the study by geographers of tropical area, adopting, in general, similar approaches and methods to those used in the studies of any part of the world] (Steel, 1964, p.2)

93 Esse autores reunidos em Geography and the tropics são essencialmente do departamento de geografia de Liverpool, onde Steel implantou há muito tempo atrás os estudos sobre o desenvolvimento dos países do Império britânico e depois do mundo inteiro. É portanto nessa antiga metrópole imperial típica que Steel marca seu engajamento nessa disciplina modernizadora, a geografia do desenvolvimento, que Marcus Power e James D. Sidaway (2004) apresentam como um deslocamento, muito tardio (próximo do fim dos anos 1960), da geografia tropical (os geógrafos britânicos radicais como Keith Buchanan se orientam como eles pois utilizam a noção de Terceiro Mundo desenvolvida na França e as teorias da dependência).

A tropicalidade militante

94 A tropicalidade foi também “militante”, segundo a expressão de Daniel Clayton (2012): os povos colonizados por sua parte reconfiguraram o espaço tropical pela ação (a guerra, o levante revolucionário) ou pela voz de militantes anticolonialistas. Em um artigo consagrado à luta subversiva das vítimas da colonização (os próprios “tropicalizados”) ele destaca que a tropicality não é um assunto apenas da crítica pós colonial: os trópicos foram reconfigurados entre os anos 1940 e 1970 pelos discursos e as práticas contra-hegemônicas, em particular pela mobilização material e simbólica do terreno tropical na guerrilha. Na América Latina, no Vietnã, a montanha tropical ou a floresta tornavam-se recurso.

95 Tratando-se do domínio cultural, D. Clayton destaca em particular o papel do poeta surrealista Aimé Césaire, que é emblema de uma luta contra a estigmatização e a despossessão dos colonizados. Sua revista Tropiques, que ele criou na Martinica em 1941, foi uma plataforma contra a alienação colonial e um chamado à construção de uma identidade própria pela subversão dos valores associados a um espaço de fato desnaturalizado pelo discurso colonial. No seu Discurso sobre o colonialismo (1955), como militante político, ele denunciava radicalmente o tropicalismo difuso dos autores franceses, sejam eles escritores, filósofos ou especialistas de ciências humanas e sociais,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 154

que eram, segundo ele, com sua eventual boa fé, os “cães de guarda do colonialismo” (Césaire, 1955, p. 39); – e citava entre eles, particularmente, Gourou: “De Gourou, seu livro: Os países tropicais, onde, entre as análise justas, a tese fundamental se expressa parcial e inadmissível, que não existiu jamais a grande civilização tropical, o germe da civilização vem e só pode vir de outro lugar extra- tropical e que sobre os países tropicais pesa, omitindo ao menos a maldição biológica das raças, mas com as mesmas consequências, uma não menos eficaz maldição geográfica” (Césaire, 1955, p. 39-40)

O Brasil como lugar de emergência inter-nacional do tropical: um espaço-quimera

96 Nas variadas reconfigurações e muitas vezes contraditórias dos trópicos na geografia dos anos quarenta-sessenta, as cidades de congresso como o Rio de Janeiro e Londres/ Liverpool são os lugares privilegiados, lugares de emergência para o Rio (1956) e de dissolução para Liverpool (1964).

97 Para o congresso ocorrido no Brasil, o qual nos concentraremos aqui, esboçaremos três aspectos das espacialidades desse encontro internacional de geógrafos: as virtudes do encontro coletivo in situ; a constituição do país sede em um espaço complexo constituído pelos espaços plenos de sentido para todos os participantes, porém heterogêneos; o empréstimo ao país de representações variadas (tropical e desenvolvimento), e talvez de representações senão do tropical contra-hegemônico ao menos de representações autóctones da tropicalidade.

98 Mas, essas hipóteses deveriam ser aprofundadas por uma pesquisa mais exaustiva sobre os documentos publicados, nos arquivos dos congressos e sobre as reações pessoais dos participantes.

A legitimação pelo encontro nos lugares

99 A frequentação comum dos lugares (Rio de Janeiro, a capital20, e sua Escola naval, sede do congresso; o Brasil inteiro, pois uma dezena de excursões foram propostas antes ou depois do congresso), autoriza sem nenhuma dúvida a homologação de um espaço tropical pela comunidade internacional dos geógrafos que se reuniram em 1956 [fig. 4]. Estar no lugar, face à face, in situ com os autóctones, é uma condição de possibilidade da reconfiguração dos espaços que se produzem ali. O encontro nesse lugar supõe com efeito o reconhecimento da legitimidade dos colegas organizadores, que foram admitidos em 1952 no aceite oficial do convite feito pelos Brasileiros para o próximo congresso21, e a afluência ratifica a legitimidade dessa escolha, enquanto a discussão in situ e a prática de excursões sob a direção dos geógrafos do país supõe a divisão da atenção entre um espaço e uma mudança confiante de diagnósticos. Presentes nos discursos oficiais de abertura e encerramento do congresso, todas essas ideias figuram também em filigrana nos diversos resumos publicados após o congresso e nos preparativos diplomáticos da reunião.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 155

Figura 4 – Capa das atas e logotipo do congresso internacional de geografia do Rio de Janeiro (1956)

100 Como exprimem as propostas de Maximilien Sorre colocas em destaque nessa parte, a visão coletiva do território brasileiro serviu como um certificado de autenticidade de sua própria geografia. Com efeito, o geógrafo francês retoma, para usar a fórmula clássica em que Vidal de la Blache, o uso do conceito de conectividade geográfica: o encadeamento dos fenômenos em um lugar. Se seguirmos o texto de Sorre, o congresso normalizou os trópicos adotando “o mundo tropical como uma grande entidade geográfica em que todas as características se encadeiam”: ele o insere aqui no esquema zonal e, o fazendo, Sorre encontra o discurso de De Martonne.

101 A expressão da paridade que o espaço brasileiro adquiriu com os outros espaços planetários pela sua frequentação de visu e in situ (“in the field”, “on the ground”, dizem os resumos dos anglófonos), se encontra nos discursos oficiais.

102 É em particular no caso dos discursos brasileiros, impregnados de comtismo, que recapitulam todas as questões dos congressos internacionais de geógrafos antes de especificar o que o Brasil traz de novo. O presidente do comitê de organização, Jurandyr Pires Ferreira, evoca assim em seu discurso de boas-vindas como as mudanças culturais possíveis através desses encontros são benéficas à ciência; ele coloca que um outro exame comum dos problemas geográficos próprios à cada região do mundo é uma condição necessária para a produção de um conhecimento geográfico universal, e ele felicita a UGI por sua ação. É então que ele especifica o aporte do Brasil, sua tropicalidade, e é aqui, desde o primeiro discurso, que o conteúdo tropical é dado ao congresso.

103 Na tribuna, o presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira retoma esses diferentes temas e insiste no fato que o encontro internacional é um reconhecimento da maturidade alcançada pela ciência geográfica brasileira. Enfim, fazendo eco ao programa ‘tropicalizante‘ anunciado precedentemente, ele articula a vitalidade da geografia (disciplina) brasileira com a geografia (qualidade dos lugares) do Brasil: “Nossa geografia por si mesma explicaria o nosso vivo interêsse pelos estudos geográficos, se êstes não constituíssem um dos grandes ramos hodiernos no saber universal” (Atas, 1959, p. 155).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 156

104 Na conclusão do congresso, o secretário geral do comitê de organização, O’Reilly Sternberg, celebra a afluência do congresso que foi centrado sobre “os problemas dessa grande entidade geográfica, o mundo dos trópicos” [the problems of that great geographical entity, the world of the tropics] (Atas, 1959, p. 168).

105 No fim do congresso, os discursos conclusivos dos membros oficiais da UGI insistem na excelência da comunidade geográfica do Brasil encarnada no seu Comitê nacional e pelo seu comitê de organização, e tudo acontece como se, por uma metonímia, a legitimidade de uns (os geógrafos brasileiros) desembocassem na legitimidade do outro (o território brasileiro).

Vários mundos significantes

106 Mas a configuração das representações espaciais que os congressistas têm do Brasil no momento do congresso merece análise. O presidente da UGI, Dudley Stamp, felicita assim os organizadores pelo total sucesso do congresso que ele toma sob o signo de ‘primeiro’ “Esse é o primeiro Congresso internacional de geografia que ocorre no Hemisfério Sul, o primeiro nos trópicos, o primeiro na América Latina, e o primeiro no Brasil” [this is the first Internacional Geographical Congress to be held in the Southern Hemispher, the first in the tropics, the first in Latin America and the first in ] (Atas, 1959, p. 156).

107 Para o secretário geral do Comitê de organização, o Brasil é “o mais significante transplante em baixa latitude daquilo que se chama civilização ocidental” [The most significant low latitude transplant of what is know as western civilization] (Atas, 1959, p. 168).

108 Os geógrafos estadunidenses situam o Brasil em seu próprio domínio, o Western Hemispher22. Enfim, segundo a imprensa, os Soviéticos (presentes pela primeira vez) estimam que “O Brasil pode e deve ser o precursor da ciência tropical” (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 Set. de 195623).

109 O Brasil é portanto, para a maior parte dos grupos participantes, “pertencente ao seu próprio mundo”, sendo cada um desses mundos diferentes de seus vizinhos, mas ainda assim ocidental (e independente há bastante tempo, o que não é dito). Ele é admitido em um espaço comum. Os geógrafos reunidos no Rio constroem o Brasil como um espaço-quimera, composto de espaços legítimos e heterogêneos. Eles também são autenticados no lugar de seu conteúdo “tropical” reivindicado localmente pelos geógrafos e pelas mais altas autoridades do Brasil. Talvez deva-se olhar a coalescência do papel dos intelectuais brasileiros, como o sociólogo Gilberto Freyre, bem conhecido internacionalmente na época24 e que David Arnold (1996, p. 161-162) cita notadamente seu livro de 1959, in the tropics: the Culture of Modern Brazil, ressaltou a forte contribuição na defesa de uma tropicalidade positiva.

110 Destacando os vários espaços mentais legítimos, o Brasil pôde constituir um catalizador, – um espaço suficientemente híbrido para servir de lugar de uma coprodução desse espaço simbólico “espaço tropical” simplesmente que é a marca desse congresso.

111 Nesse contexto integrador, senão normalizador, vários países novos entram na UGI em 1956, muitas ex-colônias e territórios africanos ainda dependentes que estão inscritos no novo estatuto de “membros associados” criado no Rio: a África ocidental francesa, o Quênia, a Nigéria e o Sudão.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 157

112 Tentamos mobilizar em torno da atividade dos congressos internacionais de geografia as ferramentas de análise espacial das ciências, observando essa organização que foi desenvolvida a partir o fim do século XIX como uma das quais os geógrafos se propuseram, para além do quadro nacional/imperial, constituir uma representação coletiva do mundo contemporâneo. Nos perguntamos como é efetuada, nesse quadro, com os meios de observação e de transporte das informações mutáveis, a construção de uma rede de análise em escala planetária e a mobilização de dados locais. Entre as direções da pesquisa sugeridas pelos autores que foram pioneiros nesse campo, insistimos na detecção dos lugares, em diferentes escalas, onde se fazia o trabalho de produção internacional do saber geográfico. Nos espaços de trabalho que constituem os diferentes lugares de encontros internacionais (as cidades e os países de congresso), compreendendo os países de origem dos congressistas e dos membros oficiais da organização. Entre os espaços de escala superior evocamos o papel de alguns dos espaços específicos da coleta e da produção de saberes geográficos, e particularmente o campo, o qual contribui para organização itinerante dos congressos, que abre aos geógrafos uma prática ‘sobre o tema‘ de seu material de pesquisa e em que as excursões oferecem a experiência de uma observação coletiva.

113 Insistimos nas várias formas de espaços mentais que foram mobilizadas e coconstruídas ao longo dos congressos internacionais. O caso dos Trópicos é emblemático na imbricação de diversos gêneros de espaços mentais que nutrem de fato a produção do saber geográfico. Alternadamente o “outro” no esquema colonial, o “normalizado” no esquema zonal, o “invalidado” no espaços homogêneo da modernização econômica e o espaço tropical sob o qual trabalham os geógrafos reunidos nos congressos internacionais está inscrito nos espaços mentais de diversas ordens. Eles estão primeiramente inscritos no meta-espaço terrestre (o “todo terrestre” de alguns geógrafos e da geografia geral), das representações da terra que configuram o projeto dos geógrafos: o espaço totalmente explorado ou “finito” dos anos 1870, o “mundial” da virada dos séculos XIX e XX, o “transbordar” dos anos trinta e enfim o “sistema- mundo” contemporâneo. As escalas maiores também são ressaltadas pelos esquemas propriamente geográficos como o esquema zonal ou climático, ou mesmo o esquema continental, ou ainda o esquema hemisférico que podem (como o todo terrestre) ser o resultado de uma construção do saber. Mas, esses espaços mentais resultam também de representações ideológicas mais comuns, induzidas fortemente, durante o período considerado, pelo colonialismo ou pelo imperialismo.

114 Na situação de colaboração internacional, as representações comuns são em parte compartilhadas, em parte antagônicas, de acordo com o momento. Também os espaços de trabalho dos congressos são regulados – espaço mundial e assim idealmente despolitizado, tecnificado ou padronizado. As vezes, as regulações explodem sob o golpe da realidade geopolítica. Os lugares de congresso se parecem: eles constituem os espaços de trabalho comparáveis em duração (regidos notadamente pelas leis espaciais como a lei da gravidade e pelas relações centro-periferia duráveis), que evoluíram no tempo, sendo que alguns lugares dos congressos tiveram uma virtude própria de favorecer a condensação e emergência dos novos saberes. Eles ganham, então, outros formatos pela interferência dos espaços mentais que foram ativados. Não que o gênio dos lugares seja compreendido livremente, como por magia. Mas porque os espaços materiais e mentais que são conjugados fazem sentido não apenas para os participantes do congresso, pois produziram uma emergência dentro de algumas conjunturas espaço-

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 158

temporais de legitimidade e de confiança entre os indivíduos e grupos presentes ou representados, que puderam significar uma normalização ou uma exclusão divulgada para os outros.

BIBLIOGRAFIA

Agnew John A., Livingstone David N. (eds), 2011, Geographical Knowledge, The Sage Handbook.

Arnold David, 1996, « Inventing tropicality », in : Arnold David (éd.), The Problem of Nature : Environment, Culture and European Expansion, Oxford, Blackwell, p. 141-168.

Arrault Jean-Baptiste, 2007, Penser à l’échelle du Monde. Histoire conceptuelle de la mondialisation en géographie (fin du XIXe siècle/entre-deux-guerres), Thèse de doctorat, Université de Paris I. [http://tel.archives-ouvertes.fr/tel-00261467].

Besse Jean-Marc, 2004, « Le lieu en histoire des sciences. Hypothèses pour une approche spatiale du savoir géographique au XVIe siècle », MEFRIM, t. 116, 2, p. 401-422.

Bonneuil Christophe, 2000, « Development as experiment : Science and State building in late colonial and postcolonial Africa, 1930-1970 », Osiris, 15, p. 258-281.

Bowd Gavin, Clayton Daniel, 2005, « French tropical geographies: Editor’s introduction », Singapore Journal of Tropical Geography, 26 (3), p. 271-288.

Bowman Isaiah, 1931, The Pioneer Fringe, New York, American Geographical Society.

Bowman Isaiah, 1934, « Pioneer Settlement », in : Comptes rendus du Congrès international de géographie. Paris 1931, Paris, Armand Colin, t. III, p. 279-280.

Bruneau Michel, 1989, « Les géographes et la tropicalité : De la géographie coloniale à la géographie tropicale et ses dérives », in : Bruneau Michel, Dory Daniel (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 67-81.

Césaire Aimé, 1955, Discours sur le colonialisme, Paris, Editions Présence africaine éd. 2011).

Clayton Daniel, 2012, « Militant tropicality : war, revolution and the reconfiguration of the ‘tropics’ c. 1940-c. 1975’ », Transactions of the Institute of British Geographers, 10.1111/j. 1475-5661.2012.00510.x

Clayton Daniel, Bowd Gavin, 2006, « Geography, tropicality and postcolonialism : Anglophone and francophone readings of the work of Pierre Gourou », L’Espace géographique, 35 (3), p. 208-221.

Collignon Béatrice, 1996a, « Les commissions, ‘l’organe le plus important de l’UGI’ », in : Marie- Claire Robic, Anne-Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmattan, p. 117-146.

Collignon Béatrice, 1996, « Congrès et conférences régionales » in : Marie-Claire Robic, Anne- Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmatttan, p. 87-116.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 159

Comptes rendus du congrès international de géographie, Amsterdam 1938, 12. Rapports, 1938, Leiden, E.J.Brill.

Comptes rendus du congrès des sciences géographiques, cosmographiques et commerciales, tenu à Anvers du 14 au 22 août 1871, Anvers, 1872, vol. 1.

Desrosières Alain, 2000, « L’histoire de la statistique comme genre : style d’écriture et usages sociaux », Genèses, 39, juin 2000, p. 121-137.

Driver Félix, Yeoh Brenda, 2000, « Constructing the Tropics : Introduction », Singapore Journal of Tropical Geography 21 (1), p. 1-5.

Dubois Jean-Jacques, 1972, « Essai sur les professions des membres des congrès », in : Pinchemel Philippe (dir.), La géographie à travers un siècle de Congrès internationaux, Caen, UGI, p. 50-53.

Feuerhahn Wolf, Rabault-Feuerhahn Pascale, 2010, « Présentation : la science à l’échelle internationale », Revue germanique internationale, 12 [La fabrique internationale de la science. Les congrès scientifiques de 1865 à 1945 »], p. 5-15.

« Géographie/Anticolonialisme. Jean Dresch », 1978, Hérodote, 11.

Fosberg F.R., Garnier B.J., Kücher A.W., 1961, « Delimitation of the Humid Tropics », The Geographical Review, LI (3), p. 333-347.

Gourou Pierre, 1947, Les Pays tropicaux. Principes d’une géographie humaine et économique, Paris, PUF [The Tropical World (1953)].

Gourou Pierre, 1977, « Jacques Weulersse, 1905-1946 », Geographers. Biobibliographical studies, Mansell, p. 107-112.

Hamelin Louis, 1979, « Géographies canadienne et mondiale », Actes du congrès. 22e Congrès international de géographie, 1972, Montréal, Ottawa, Alphatex.

Harris Chauncy, Mechtild Rössler, 1996, « ‘On political issues…’ Chauncy Harris interviewed by Mechtild Rössler », in : Robic Marie-Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.), p. 291-304.

Harris Steven J., 1998, « Long-distance corporations, big sciences, and the geography of knowledge », Configurations, 6, p. 269-304.

Heffernan Michaël, 2011, « Learned Societies », in : Agnew John A., Livingstone David N. (eds), Geographical Knowledge, The Sage Handbook, p. 111-125.

Heffernan Michaël, 2011, « La mise en ordre du Sud : la carte de l’Amérique espagnole par l’American Geographical Society », in : Blais Hélène, Deprest Florence, Singaravelou Pierre (dir.), Territoires impériaux. Une histoire spatiale du fait colonial, Paris, Publications de la Sorbonne, p. 141-167.

Jacob Christian (dir.), 2007, Lieux de savoir. 1. Espaces et communautés, Paris, Albin Michel.

Kish George, 1972, « The participants », in : Pinchemel Philippe (dir.), op. cit., p. 35-53.

Laurière Christine, 2010, « La discipline s’acquiert en s’internationalisant. L’exemple des congrès internationaux des américanistes (1875-1947 », Revue germanique internationale, 2010, 12, p. 69-90.

Leclerc Jacques, 1989, « Amsterdam 1938, un tropique bien blanc, sinon rien », in : Bruneau Michel, Dory Daniel (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 91-97.

Livingstone David N., 1992, The Geographical Tradition, Oxford, UK-Cambridge, USA, Blackwell.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 160

Livingstone David N., 1995, « The spaces of knowledge : contributions toward a historical geography of science », Environment and Planning. Society and space, p. 13-42.

Livingstone David N., 2000, « Tropical hermeneutics : Fragments for a historical narrative », Singapore Journal of Tropical Geography, 21(1), p. 92-98.

Livingstone David N., 2003, Putting science in its place. Geographies of scientific knowledge, Chicago, University of Chicago Press.

Livingstone David N., Withers Charles W.J. (ed.), 2011, Geography of Nineteenth-Century Science, University f Chicago Press.

Martonne Emmanuel (De), 1905, « Le VIIIè Congrès international de géographie (Washington, 1904) et sa grande excursion dans l’Ouest et au Mexique », Annales de géographie, p. 1-22.

Martonne Emmanuel (De), 1913, « Le climat facteur du relief », Scientia 13, p. 338-355.

Martonne Emmanuel (De), 1946, « Géographie zonale. La zone tropicale », Annales de géographie, p. 1-18.

Pearson A., Heffernan Michaël, 2009, « The American Geographical Society’s Map of Hispanic America : Million scale mapping between the war », Imago Mundi, 61, p. 1-29.

Pinchemel Philippe (dir.), 1972, La géographie à travers un siècle de Congrès internationaux, Caen, UGI.

Power Marcus, Sidaway James D., 2004, « The Degeneration of Tropical Geography », Annals of the Association of American Geographers, 94 (3), p. 585-601.

Prochasson Christophe, 1989, « Les Congrès : lieux de l’échange intellectuel. Introduction », Mil neuf cent. Revue d’histoire intellectuelle, 7, p. 5-8.

Pumain Denise, 1972, « Essai sur les effets de localisation des congrès », in : Philippe Pinchemel (éd.), op. cit., p. 192-194.

Rabault-Feuerhahn Pascale, 2010, « ‘Les grandes assises de l’orientalisme’. La question interculturelle dans les congrès internationaux des orientalistes (1973-1912) », Revue germanique internationale, 12, p. 47-69.

Rasmussen Anne, 1995, L’internationale scientifique (1890-1914), Paris, Thèse EHESS, 2 vol.

Report of the 6th international geographical congress held in London, 1895, Ed. by the secretaries, 1896, London, John Murray.

Robic Marie-Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.), 1996, Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmatttan.

Robic Marie-Claire, 2006, « A crise dos anos trinta e a emergência de novos temas na geografia », in : Angotti-Salgueiro H. (org.), Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira : a dinâmica da transformação, São Paulo, EDUSC, IEB, FAPESP, p. 37-55.

Robic Marie-Claire, 2008, « Tropicalisme, zonalité, géographie tropicale », in : Hélène Velasco- Graciet (dir.), Les tropiques des géographes, Bordeaux, Maison des sciences de l’homme d’Aquitaine, p. 47-62.

Robic Marie-Claire, 2009, « La crise des années trente et la tension vers l’expertise géographique : expériences françaises et internationales. Une nouvelle frontière ? », Confins, n° 5, [http:// confins.revues.org/5652] (version modifiée de Robic, 2006).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 161

Robic Marie-Claire, 2010, « A propos de transferts culturels. Les congrès internationaux de géographie et leurs spatialités », Revue germanique internationale, 12, p. 33-45.

Smith Neil, 2003, American Empire. Roosevelts’s geographer and the prelude to globalization, University of California Press.

Said Edward W., 1978, Orientalism, London.

Schroeder-Gudehus Brigitte, 1986, « Pas de Locarno pour la science. La coopération scientifique internationale et la politique étrangère des Etats pendant l’entre-deux-guerres », Relations internationales, 46, p. 173-194.

Sorre Maximilien, 1957, « Le Congrès international de géographie de Rio de Janeiro », Annales de géographie, p. 1-4.

Steel Robert W., 1964, « Geographers and the tropics », in : Steel Robert W., Mansell Prothero R. (eds), Geography and the Tropics : Liverpool Essays, London, Longman, p. 1-29.

Théry Hervé, 1989, « Le Brésil est-il un pays tropical ? », in : Michel Bruneau, Daniel Dory (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 58-64.

Velasco-Graciet Hélène (dir.), 2008, Les tropiques des géographes, Bordeaux, Maison des sciences de l’homme d’Aquitaine.

Vidal de la Blache Paul, 1910, « La carte internationale du monde au millionième », Annales de géographie, p. 1-7.

Volle Dominique, 1996a, « La carte des Etats : vers la couverture du monde ? », in : Robic Marie- Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.),, op. cit., (p. 41-62).

Volle Dominique, 1996b, « L’universalité et ses limites », in : Robic Marie-Claire, Briend Anne- Marie, Rössler Mechtild (dir.), op. cit., (p. 63-86).

UGI, 1959, Comptes rendus du XVIIIe Congrès international de géographie, Rio de Janeiro, 1956, t. 1 Actes du Congrès, Rio de Janeiro, Comité National du Brésil.

Withers Charles W.J., 2007, Placing the Enlightenment : Thinking Geographically about the Age of Reason, University of Chicago Press, Chicago&London.

ANEXOS

Fontes de arquivo

Fonds Gottmann : Département des Cartes et Plans, Bibliothèque nationale de France. Lettre manuscrite d’Emmanuel de Martonne à Jean Gottmann (6 septembre 1946). (je remercie Emmanuel Fabre de me l’avoir fait connaître). Carnets de Vidal de la Blache : Archives de la bibliothèque du Centre de géographie, Institut de géographie (Paris, 191 rue Saint-Jacques) National Academy of Science, Washington.

NOTAS

1. Esse artigo retoma os estudos já publicados sobre o tema da espacialidade dos saberes, notadamente um artigo de um número da Revue germanique internationale dedicada às

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 162

transferências culturais ligadas aos congressos internacionais (Robic, 2010) e um artigo publicado no livro dirigido por Hélène Velascot-Graciet consagrado aos “trópicos dos geógrafos” (Robic, 2008). 2. O estudo se apoia sobre as pesquisas anteriores relativas aos congressos internacionais de geografia e à União geográfica internacional: Marie-Claire Robic, Anne-Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), 1996: e, centralizado no período 1871-1972: Philippe Pinchemel (dir.), 1972; ver também Brigitte Schroeder-Gudeuhus, 1978. 3. Cf. os propósitos dos estudiosos alemães (anos 1890), citados por Wolf Feuerhahn e Pascale Rabault-Feuerhahn (2010), que visam a promoção de uma Grosswissenchaft, uma ciência “em escala industrial”. 4. Trabalharemos aqui sobretudo o período de 1871-1996 e, para a questão da tropicalidade, sobre o período 1871-1972. Privilegiaremos a referência aos geógrafos franceses para ilustrar alguns pontos. 5. Trabalhando sobre o período moderno (séculos XVI e XVIII), compreende-se a astronomia, a cartografia, a geografia matemática e etnografia, a história natural, a meteorologia e a navegação... A expressão “big science” designa para o século XIX e XX os campos como a física, que mobilizam os recursos financeiros enormes e repousam sobre os programas de pesquisa articulando laboratórios gigantescos e equipes implantadas no mundo inteiro. 6. “Mundializar”, “mundialista” apareceriam nos anos 1930, “mundialização” e “globalização” nos anos 1980 (com aspas, eventualmente muito antes). 7. Essas exposições ou a visita dos museus etnográficos são também essenciais nos primeiros congressos internacionais dos orientalistas e dos americanistas (Rabault-Feuerhahn, 2010; Laurière, 2010). 8. Fonte: Arquivos americanos consultados por Mechtild Rössler (NAS). 9. Da mesma forma o Conselho internacional de pesquisas, criado no fim da Primeira Guerra mundial sob a égide das Academias de ciências dos países aliados, tornado Conselho internacional das uniões científicas em 1931 (conhecidos hoje pelo seu acrônimo inglês, ICSU), o qual a UGI é filiada. A criação de uma União mundial das sociedades de geografia fora desejada no congresso de Roma (1913). 10. “[...] we need to understand the tropics as a conceptual, and not just a physical space. [...] The tropics existed only in mental juxtaposition to something else – the perceived normality of the temperate lands” (Arnold, 1996, p. 142-143). 11. Cf., por exemplo, Livingstone, 1992, capítulo 7, sobre a saliência no mundo anglófono dessa “economia moral do clima”. 12. Eles são particularmente numerosos nesse congresso: se existem 32 delegados holandeses de 179 delegados oficiais eles representam ao todo um sexto e um terço das 72 comunicações apresentadas nessa seção provêm dos Países Baixos (Leclerc, 1989). 13. Os Franceses, os Britânicos e os Estadunidenses estão bastante subrepresentados nessa seção relativamente à sua presença no congresso (Ibid.). 14. O relatório foi lido por Robert Perret. Dresch não podia participar do congresso em Washington, pois ele era membro do partido comunista francês. 15. Eu agradeço muito Luisa Simões pela sua ajuda e suas traduções dos textos do congresso do Rio de Janeiro. 16. Segundo esse artigo, a UNESCO organizou uma conferência em Candy (Ceilão) em março de 1956 para definir seu projeto de programa de pesquisa sobre os trópicos úmidos. No decorrer dessa reunião, os cientistas presentes desenvolveram visões muito dispares sobre os fatores a serem levados em conta. Um botânico, Fosberg, da US Geological Survey propôs estabelecer um mapa de pequena escala e Küchler, professor de geografia da Universidade de Kansas, foi recrutado para esse feito. Ao mesmo tempo, por parte da UGI, P. Garnier, diretor do departamento e geografia em Ibadan (Nigéria), empreende um trabalho comparável

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 163

fundamentado em dados metereológicos. O artigo compara os dois mapas e detalha os métodos utilizados. 17. T. Hills dirige, entretanto, uma bibliografia coletiva sobre o tema em 1960. 18. Ver o número de Hérodote, 1978, consagrado a Jean Dresh. 19. Testemunho de Pierre Gourou (1977) na sua notícia biobliográfica sobre Weulersse, p. 109. 20. Sob a presidência de Kubitschek (que honrou o congresso com sua presença), Brasília estava anunciada em 1956, mas não era ainda a capital federal. 21. A escolha dessa localização foi discuta imediatamente ao pós guerra, pois tratava-se de reatar os congressos internacionais da UGI e escolher um lugar de congresso aceitável para todas as partes. Desde os anos 1945-1946, os Aliados assim fazem combinações para decidir o próximo país sede e De Martonne, então presidente da UGI, devia votar nas cidades de Lisboa (escolhida em 1938), do Cairo e o Rio de Janeiro (cf. arquivos americanos consultados por Mechtild Rössler, NAS). 22. Assim, entre os geógrafos americanos consultados em 1946, Preston James teria optado pelo Rio, sendo que não era a concorrência geográfica que produziria essa escolha: “Rio is one of the most active geographical center outside of the United States, in the western hemisphere” (Arquivos US coletados por M. Rössler, NAS). Os anais do congresso de Washington dizem também que o número de participantes do 4º congresso panamericano de história e de geografia, também representantes do “western hemisphere”, se uniram ao CIG. 23. Fonte: Arquivos privados de H. Sternberg, M. Rössler, 1991, Berkeley. 24. Gilberto Freyre será citado também devido suas visão sobre o lusotropicalismo pelo presidente da UGI, Carl Troll, no congresso internacional de Londres (1964). Sobre os paradoxos e as ambiguidades da tropicalidade do Brasil ver também Théry (1989).

RESUMOS

O artigo aplica aos congressos internacionais de geografia, que ocorrem a partir de 1871, um método de análise centrado na inscrição espacial dos saberes. A autora considera os congressos como uma super-organização espacial do saber espacial cujo objetivo era, para além do marco nacional/imperial, o de conduzir uma representação coletiva do mundo contemporâneo. Ela discute primeiramente a universalidade do espaço abrangido por seus trabalhos e as relações entre os centros e as periferias que o constituem. Tomando o exemplo dos Trópicos, ela examina em seguida como alguns espaços mentais foram mobilizados e coconstruídos por esses congressos (pelos discursos, os debates, as excurssões de campo, pela organização de comissões da pesquisa especializadas, etc.), e os efeitos de lugar que puderam configurar esses espaços segundo a localização dos congressos, os esquemas e divisões de mundo concorrentes, e a conjuntura geopolítica.

L’article applique aux congrès internationaux de géographie, qui se tiennent depuis 1871, une méthode d’analyse centrée sur l’inscription spatiale des savoirs. L’Auteure considère ces congrès comme une super-organisation spatiale de savoir spatial dont l’objectif était, au-delà du cadre national/impérial, de conduire une représentation collective du monde contemporain. Elle discute d’abord de l’universalité de l’espace concerné par ses travaux et des rapports entre les centres et les périphéries qui le constituent. Prenant l’exemple des Tropiques, elle examine ensuite comment certains espaces mentaux ont été mobilisés et coconstruits par ces congrès (par

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 164

des discours, des débats, des excursions de terrain, par l’organisation de commissions de recherche spécialisées, etc.), et les effets de lieu qui ont pu configurer ces espaces selon la localisation des congrès, les schèmes et découpages du monde concurrents, et la conjoncture géopolitique.

El artículo aplica a los congresos internacionales de geografía, que ocurren a partir de 1871, un método de análisis centrado en la inscripción espacial de los saberes. La autora considera estos congresos como una súper-organización espacial de saber espacial cuyo objetivo es, más allá del marco nacional/imperial, el de conducir una representación colectiva del mundo contemporáneo. La autora discute en primer lugar la universalidad del espacio abarcado por sus trabajos y las relaciones entre los centros y las periferias que lo constituyen. Tomando el ejemplo de los trópicos, ella examina en seguida como ciertos espacios mentales fueron movilizados y co- construidos por estos congresos (por los discursos, debates, excursiones de campo, por la organización de comisiones de investigación especializadas, etc.), y los efectos de lugar que pudieron configurar estos espacios según la localización de los congresos, los esquemas y las divisiones del mundo antagónicas, y la coyuntura geopolítica.

The article applies to international geographical congresses, which have been held since 1871, a method of analysis centred upon the spatial inscription of knowledges. The Author considers these congresses to be a spatial super-organisation of spatial knowledge whose aim was, beyond the strictly national/imperial frame, to lead a collective representation of the contemporary world. She firstly discusses the universality of the space dealt with in its deliberations and the relations between centres and peripheries which constitute it. Taking as an example the Tropics, she then examines how certain mental spaces have been mobilised and co-constructed by these congresses (through speeches, debates, excursions in the field, the organisation of specialised research commissions, etc.), and the effects of place which have been able to configure these spaces according to the location of the congresses, the competing schemas and drawing of geographical entities, and the geopolitical situation.

Der Artikel befasst sich mit den Internationale Geographischen Kongressen, die seit 1871 stattfinden, und zwar mit einer Methode zur Analyse der räumlichen Dimension des Wissens. Die Autorin hält diese Kongresse für eine supra-Organisation räumlichen Wissens, deren Ziel es war, über die nationalen / imperial Rahmen hinaus, auf eine kollektive Repräsentation der Vertretung der heutigen Welt hinzuführen. Zunächst bespricht sie die Universalität des Raumes in dieser Arbeit und die Beziehung zwischen Zentren und Peripherien, die ihn bilden. Am Beispiel der Tropen untersucht sie, wie einige mentale Räume mobilisiert wurden und mitkonstruiert wurden durch diese Kongresses (durch Reden, Diskussionen, Feldexkursionen, der Organisation spezialisierter Forschungskommissionen, usw.) und die Auswirkungen der Orte, die diese Räume konfiguriert haben je nach dem Standort der Kongresse, der Schema und Konstruktionen der wettbewerbsorientierten Welten und der geopolitischen Situation.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 165

ÍNDICE

Palavras-chave: congressos internacionacionais de geografia, espaço mental, sociedades de geografia, espacialidade, tropicalismo, UGI, universalidade Schlüsselwörter: geistiger/mentaler Raum, geographische Gesellschaften, IGU, International Geographische Kongresse, Räumlichkeit, Tropikalismus, Universalität Mots-clés: congrés internationaux de géographie, espace mental, sociétés de géographie, spatialité, tropicalisme, UGI, universalité Palabras claves: congresos internacionales de geografia, espacio mental, sociedades geográficas, tropicalismo, UGI, universalidad Índice cronológico: 1871-1996 Keywords: geographical societies, international geographical congresses, mental space, spatiality, tropicalism, IGU, universality

AUTORES

MARIE-CLAIRE ROBIC

Laboratoire Géographie-cités (UMR 8504) Equipe E.H.GO, CNRS, Paris

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 166

Connaître son Monde Les géographes et les savoirs géographies en congrès internationaux : spatialité et géographismes Conhecer seu Mundo. Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos Conocer su mundo. Los geógrafos y los saberes geográficos en los congresos internacionales: espacialidades y geografismos Knowing their world. Geographers and geographical knowledge in the international congresses: spatialities and geographisms Die eigene Welt kennen. Die Geographen und das geographische Wissen in internationalen Tagungen: Räumlichkeiten und Geographismen

Marie-Claire Robic

NOTE DE L’ÉDITEUR

Ofeceremos neste mesmo número uma tradução ao português deste artigo sob o título Conhecer seu Mundo: Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos

Ofrecemos en este mismo número una traducción al portugués de este artículo con el título Conhecer seu Mundo: Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos

Nous offrirons dans cet même numéro une traduction en Portugaise de cet article sous le titre Conhecer seu Mundo: Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos

We offer in this same issue a Portuguese translation of this paper under the title Conhecer seu Mundo: Os geógrafos e os saberes geográficos nos congressos internacionais: espacialidades e geografismos

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 167

A Mechtild Rössler, pour le dossier d’archives qu’elle a constitué (Londres, Washington, Berkeley) pour notre livre collectif sur l’histoire des congrès internationaux de géographie et de l’UGI, et déposé à l’équipe E.H.GO (Paris). Aux auteurs du livre collectif Géographes face au Monde, notamment à Béatrice Collignon et à Dominique Volle, dont j’ai repris nombre d’analyses et de données. A Luisa Simões, pour sa précieuse collaboration. Et à Breno Viotto Pedrosa pour la traduction de l’article, et pour sa générosité.

1 L’étude de la spatialité des savoirs est devenue depuis la décennie 1990 l’une des grandes pistes heuristiques suivies par l’histoire des sciences. Les historiens de la géographie anglophones, et particulièrement David Livingstone, ont été parmi les premiers à explorer les géographies de la science et les « espaces du savoir » (Livingstone, 1995 et 2003 ; Livingstone, Withers, 2011 ; Withers, 2007). En France une importante série d’histoire des savoirs est consacrée aux Lieux de savoir, le premier volume étant consacré au thème « Espaces et communautés » (Jacob, 2007). Du côté de l’histoire de la géographie, que ce soit pour la Renaissance, pour l’époque des Lumières ou pour la période contemporaine, la fécondité de l’analyse spatiale ou géographique n’est plus à démontrer, comme en témoignent les travaux d’autres chercheurs anglophones ou francophones (Besse, 2004). La géographie de la géographie constitue l’un des cadres d’organisation de manuels récents, tel celui dirigé par John A. Agnew et David N. Livingstone, Geographical Knowledge (2011).

2 Nous mobiliserons cette approche de l’inscription spatiale des savoirs géographiques1 en l’appliquant à l’étude des congrès internationaux de géographie2. L’historiographie de la géographie privilégie encore les cadres nationaux, en une tradition d’histoire des sciences sensible à la consistance des écoles nationales et des cadres institutionnels, intellectuels et idéologiques que constituent les Etats ou les empires. Or les congrès internationaux forment, depuis le milieu du XIXe siècle, un cadre nouveau, très général et très institutionnalisé, de la fabrication des sciences. Ils participent à un changement d’échelle qui doit, pour certains, mettre cette fabrique au niveau de la grande industrie3. Au-delà des conflits (interculturels et géopolitiques) qui les a continuellement animés, ce sont des lieux et des organisations où a été affirmé le souci d’une certaine universalité de la connaissance (Rasmussen, 1995 ; Feuerhahn, Rabault- Feuerhahn, 2010). Certes, pour les savants et les écoles existantes, les congrès sont peut-être moins des lieux de création intellectuelle que des lieux « pour échanger et pour exister » individuellement, collectivement, internationalement (Prochasson, 1989, p. 6). Mais cet « internationalisme » scientifique (qui a débuté par la météorologie) vise quelle que soit la discipline à « coordonner et harmoniser des observations locales » (Desrosières, 2000, p. 126) et il se déploie dans une tension constante entre le rôle politique (au sens large) de toute science et une visée de connaissance « objective et neutre » (Ibid.).

3 Pour la géographie ce sont, depuis un siècle et demi (le premier congrès international s’est tenu à Anvers en 1871) l’un des hauts lieux sinon de la production, du moins de la négociation, de la standardisation, de la circulation, parfois de la contestation – finalement de la coproduction de savoirs géographiques.

4 Dans ce contexte international, il s’agira ici d’explorer certains ‘effets de lieu’ et les spatialités qui ont pu conformer le développement de la géographie. On suivra notamment les suggestions de Jean-Marc Besse pour une telle exploration :

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 168

« […] il faut s’interroger sur les spatialités, matérielles et symboliques, qui sont mises en œuvre dans la production, la diffusion et la réception des idées scientifiques, plus généralement dans l’activité scientifique considérée du point de vue social mais aussi du point logique et méthodologique. » (Besse, 2004, p. 404-405)

5 Plus précisément on travaillera les trois directions de recherche qu’il propose : « - l’organisation des espaces du savoir géographique ; - les parcours effectués concrètement par l’information géographique au sein de ces espaces ; - les représentations spatiales ou plus exactement les schèmes spatiaux constitutifs du savoir géographique. » (Ibid.)

6 Loin d’étudier tout ce que l’on pourrait examiner en matière de fabrication des connaissances, on se concentrera sur certains aspects des spatialités de ces congrès : la question de l’universalité de l’espace concerné par ces congrès internationaux et celle des rapports entre les centres et périphéries qui le constituent ; parmi les espaces mis en jeu, la question des tropiques. Cette catégorie du discours occidental qui constitue une version environnementaliste de l’orientalisme (Arnold, 1996) participe aussi, depuis l’Antiquité, des schèmes géographiques. Or les géographes, et notamment les géographes français, ont mobilisé le schème zonal, des années 1945 aux années 1970-80, comme fondement d’une branche spéciale de leur discipline, la « géographie tropicale ». Comment l’espace tropical, espace physique mais aussi mental, imaginé, symbolique, cognitif, — selon la terminologie utilisée par divers auteurs contemporains — a-t-il été pris en compte ou mobilisé, configuré et reconfiguré, au fil des congrès internationaux de géographie ? Ces congrès, qui sont a priori des lieux d’expertise géographique, sont-ils des lieux matriciels pour des représentations changeantes des tropiques ? Existe-t-il des hauts-lieux de ces reconfigurations du schème dans la série des congrès4 ?

1.Les Congrès internationaux comme super- organisation spatiale de savoir spatial

« […] la géographie recevra une impulsion nouvelle, si les efforts isolés faits depuis quelques années dans différents pays, peuvent se concentrer pour assurer la solution des questions qui intéressent depuis longtemps tous les peuples civilisés, tant dans leurs aspirations vers leur développement maritime et commercial, que dans leur désirs d’arriver à une connaissance plus complète du monde que nous habitons » (Compte rendu, Anvers, 1872)

1.1.La géographie, une science à réseau d’informations étalé

7 La géographie relève de ce groupe de sciences que S. Harris (1998) appelle des « big sciences » au sens où, à la différence d’une science de laboratoire, il s’agit d’une activité de recherche couvrant un vaste espace, la terre entière, et nécessitant un grand nombre de voyageurs ou d’observateurs dispersés, capables de mobiliser jusque vers des centres ou des sites de concentration l’ensemble des informations locales

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 169

nécessaires pour construire un savoir général fiable5. L’ampleur de cette échelle spatiale implique que la couverture de l’espace de travail concerné soit autant que possible exhaustive et que le contrôle des conditions de recueil et de transport de l’information collectée au loin soit parfait. S. Harris est donc l’un des auteurs qui ont beaucoup insisté sur la circulation des savoirs et sur la nature des « réseaux longs » [long-distance networks] sur lesquels leur construction repose, qu’il a traités à partir de l’exemple de grandes organisations à domaine planétaire ou quasi-planétaire mais à structure plus ou moins centralisée, qu’on pu être les grandes compagnies de commerce (Indes orientales ou occidentales) et la Compagnie de Jésus.

Un réseau centralisateur de réseaux à portée planétaire

8 Les congrès internationaux de géographie constituent des super-organisations en ce sens qu’elles coordonnent des organisations de niveau inférieur, les sociétés de géographie d’abord, puis les « comités nationaux », composantes de l’Union géographique internationale (UGI) créée en 1922. S’agissant d’une structure née à la fin d’un siècle de nationalismes, il s’agit de rassembler des entités organisées chacune ou prenant sens initialement dans un plan national.

9 Chacune de ces entités a bien l’ambition de constituer un centre de rassemblement et de diffusion de connaissances. Les premières sociétés de géographie nées dans les années 1820-1830 ont orienté leur activité vers l’exploration de la terre, organisant de manière plus ou moins incitative et contrôlée l’exploration de ce qui restait inconnu : l’intérieur des continents, les pôles, la haute montagne (Heffernan, 2011), collationnant et fabricant des cartes synthétiques et redistribuant cette information par leurs publications. A partir des années 1860 et surtout 1870, l’explosion de sociétés de géographie « commerciales » ou « coloniales » manifeste le souci plus pragmatique des milieux portuaires ou industriels de maîtriser les ressources du globe (pour elles, le souci nationaliste n’est pas si primordial qu’on le dit en général). Au même moment, les grands Etats mettent sur pied la science universitaire utile à la fois à leur puissance économique et politique et à leur prestige national ; et, inégalement selon les pays, ce nouveau système savant, professionnalisé, supplante progressivement les sociétés savantes dans leur tâche de connaissance de la terre.

10 Mais l’horizon de toutes ces organisations est bien planétaire, car depuis les années 1860 c’est cette échelle globale qui s’impose aux politiques et aux industriels. Les expositions « universelles » et les congrès « internationaux » participent d’un même monde conçu comme horizon d’action, même si la conscience d’une certaine mondialisation ne se concrétise que vers la fin du XIXe siècle, comme en atteste l’apparition des termes de « mondial », de « monde globalisé » [globe-wide world] (Mackinder), voire de « globe-trotter »6 (Arrault, 2007).

11 Rassemblé sur l’initiative de sociétés de géographie invitantes puis de comités nationaux de l’UGI, le congrès international a pour objectif de mettre en commun leurs questionnements et leurs attentes, de construire des priorités de recherches. Cet objectif prend forme dans la liste commune des questions soumises à la discussion et dans la liste des vœux émis par le congrès. La réalisation de ces deux moments prouve que les parties prenantes visent à produire un certain consensus. Le congrès constitue donc l’un de ces « centres de concentration » puis de « dispersion » des savoirs vers d’autres savants, des informateurs, le public, et aussi les Etats. Disant par la formulation des questions ce qui est bon et utile, tranchant par des résolutions ou des

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 170

motions, comme dans un congrès politique, il homogénéise des intérêts et des savoirs de provenance diverse.

Lobbying, standardisation, recherche collective

12 Comme l’exprime la citation mise en exergue de cette partie, la première circulaire publique exposant le projet d’un « congrès international pour le progrès des sciences géographiques, cosmographiques et commerciales » justifie cette action par l’espoir « d’arriver à une connaissance plus complète du monde que nous habitons ».

13 L’action des congrès internationaux vise d’abord, en fait, les gouvernements ou d’autres associations internationales, en leur demandant d’agir ; ils font du lobbying pour, par exemple à Anvers (1871), que les Etats encouragent les recherches en hydrologie marine et en géophysique, ou pour que la neutralité du canal de Suez soit assurée.

14 Dans un second temps, et comme dans toutes les associations internationales de l’époque, la grande affaire est celle de la standardisation : l’adoption d’un méridien de référence, l’unification des mesures du temps et de l’espace, l’harmonisation des nomenclatures et des codes cartographiques… En somme le congrès tend à établir un langage unique de la géographie, de créer un système unifié d’équivalences permettant à tous de traduire la donnée locale de la même manière, de se créer, en somme, un espace de travail homogène. L’exemple le plus parlant de cette co-production est le projet de carte du monde au millionième, adopté en 1891 à Berne sur la proposition du géographe allemand Albrecht Penck, qui constituerait l’espace de représentation idéal, universel, puisque représentant de manière uniforme la totalité de la terre après une élaboration collective de toutes les conventions cartographiques nécessaires.

15 Dans un troisième temps, dès les années 1890 et surtout après la première guerre mondiale, c’est par des programmes de recherche collective et des discussions d’ordre épistémologique que le congrès a déployé son activité de « super-centre ». L’organisation de « sections », puis de « commissions » spécialisées engageant la discussion des questions scientifiques, des méthodes, de la terminologie et des espaces géographiques concernés en résulte. Par exemple, la commission de l’habitat rural, créée au Caire en 1925, s’est donné pour objectif de rendre compte de la diversité de cet habitat dans le monde entier ; une autre commission a pris pour espace de travail les deux bords de l’Atlantique ; une commission des « régions tropicales humides » est née à Rio de Janeiro (1956) — cf. 2.

16 Cette visée scientifique donnée au congrès n’a pas été acquise d’emblée. Elle a été rendue possible par une production sociale de normes, par des limitations données aux questionnaires ou aux modes de discussion : une sorte de police des frontières entre les questions scientifiques et politiques, qui a été nécessaire dès les premières réunions. Ainsi, dès la rencontre à Anvers, des thèmes proposés à la discussion ont été invalidés parce que jugés d’ordre politique ; dans la section de « Navigation », par exemple, il a été vivement recommandé aux congressistes de distinguer entre les facettes techniques et politiques des questions coloniales : « la remarque ayant été faite que les questions coloniales touchent souvent à la politique dans les Pays Bas, tous les éclaircissements nécessaires sont donnés pour assurer la section que la question sera examinée sous un point de vue purement technique » (souligné dans le texte des Actes d’Anvers).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 171

17 Cet interdit sur les questions mettant en jeu des intérêts de savants relevant de pays concurrents a dû être rappelé vivement lors des moments de tension internationale.

Pour une connaissance intensive de la terre : rassembler données et regards

Cartes et musées

18 Pour les géographes, la fin du XIXe siècle est un moment important car ils ont le sentiment que la connaissance exhaustive de la terre est pratiquement acquise. Plusieurs auteurs affichent leur conviction que l’espace terrestre matériel est désormais conquis par l’homme, et estiment qu’il en faut alors approfondir la maîtrise intellectuelle d’en avoir une connaissance intensive. Nombre d’entre eux soulignent que cette exhaustivité est la condition même pour faire œuvre scientifique. Ce souci se traduit chez certains par la publication de cartes évaluant l’état de la connaissance des lieux et des phénomènes, tel Emmanuel de Martonne, qui fait figurer en tête des chapitres de son Traité de géographie physique (1909), des mappemondes présentant la qualité de la reconnaissance météorologique, morphologique, etc., de la planète.

19 Le défi de ces congrès internationaux est de mieux assurer cette exhaustivité spatiale qui est requise d’une science ‘mûre’. En constituant des rassemblements de géographes en face à face, ce méta-réseau permet d’abord de réunir des savants d’ordinaire dispersés et qui connaissent inégalement la terre, car ils ont leur pays familier, leurs propres terrains : leur « Gebiet », selon l’expression allemande. Par ailleurs le choix de lieux de congrès différents permet d’agrandir l’espace connu, et donc de déployer les regards sur le monde.

20 Le travail collectif (sur place et pendant les inter-congrès) construit quant à lui des espaces de représentation communs, et, par des programmes de recherche spécifiques, dessine des structurations de l’espace particulières ; celles-ci sont parfois classiques (Méditerranée), d’autres inédites ou à circonscrire (les tropiques humides). L’ensemble de ces cartes constitue autant d’espaces de recherche et d’interprétation coconstruits.

21 Parmi les spécificités de la géographie, les congrès internationaux donnent aussi à voir des espaces matériels importants : les expositions. Elles rassemblent des cartes, des livres, des spécimens, du matériel d’observation ou de traitement des données, venues de toute part, et les congrès comportent parfois des expositions consacrées au pays visité. L’ensemble rassemble sous les yeux les informations jugées pertinentes sur la géographie du monde7. Au tout début de la série des congrès, ces salles d’exposition font l’objet de représentations très soignées, et les Comptes rendus en reproduisent des images, à l’instar du premier congrès. Les salles consacrées aux SIG ont pour partie remplacé ces « musées géographiques » et ces « bibliothèques de la géographie » des XIXe et début XXe siècles.

Faites donc comme Ulysse…

22 Mêlant convivialité, divertissement et travail, les excursions sur le terrain forment un autre des espaces matériels particuliers à ces congrès de géographie. Elles donnent accès à l’objet spatial en en montrant, in situ, les particularités. Ce sont les géographes allemands qui ont pour la première fois proposé des excursions, lors du congrès de Berlin (1899), et la tradition s’est ancrée. En 1904 le congrès lui-même s’est fait itinérant, allant de Washington à Saint-Louis du Mississipi (qui accueillait à l’occasion

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 172

d’une exposition universelle une énorme quantité de congrès), avant de proposer une excursion transcontinentale joignant Saint-Louis au canyon du Colorado et au Mexique (elle a duré 20 jours et parcouru 10 000 km).

23 Beaucoup de participants ont exprimé ce qu’avait été l’expérience marquante de ce congrès de 1904 : la découverte du Nouveau Monde, non seulement de ses dimensions mais encore de l’originalité du complexe humain, intellectuel et politique que les Français appelaient à l’époque l’« américanisme ». La fréquentation des lieux et des hommes a produit un véritable choc chez des Européens qui pour beaucoup faisaient leur premiers pas outre-Atlantique. C’est le cas par exemple de Paul Vidal de la Blache, qui en est revenu convaincu qu’une « Ecole d’Amérique » devait être créée en France, nécessaire réplique moderniste aux Ecoles d’Athènes et de Rome. Il a pris conscience alors tant des conceptions originales que les Américains avaient de l’espace et du temps que des dimensions quasi prométhéennes de l’expérience états-unienne. Il en a résulté en lui une sorte de révolution mentale. Cela a été aussi l’occasion pour lui de jauger sur le vif la qualité des géographes américains : « Au Club Cosmos, pas un journal étranger, même anglais, très peu de revues européennes […] Dans le domaine de la géographie humaine ils ne sont pas arrivés à la méthode de comparaison : ils ne se préoccupent pas d’autrui ni du passé », a-t-il noté dans son carnet de voyage…

24 De son côté, De Martonne a fait grand cas des frottements d’idées et des morphologies originales observées pendant cette excursion effectuée dans « quatre lourds wagons Pullmann devenus la maison des géographes cosmopolites » (Martonne, 1905, p. 9). Il en a conclu (soulignant son souci de la professionnalisation de la géographie), que « pour les géographes de métier qui l’ont suivie, çà a été réellement la partie la plus importante du congrès » (Ibid., p. 22).

25 Comme dirigeant de l’UGI (il a été un acteur majeur de ces rencontres de 1922 à 1949, étant secrétaire général de 1931 à 1938 et président de 1938 à 1949), il a milité pour faire de la pratique scientifique du terrain une partie intégrante des congrès : leur but était selon lui non seulement de permettre de découvrir le pays d’accueil mais encore de l’étudier collectivement, afin de confronter des expériences et des façons de voir.

26 Le géographe québécois Louis Hamelin a rappelé plaisamment cet impératif du terrain dans son discours de bienvenue à Montréal, en 1972: « Je me permets de répéter la réflexion entendue du président Emmanuel De Martonne à Lisbonne en 1949 : ‘Nos congrès internationaux de géographie sont avant tout la découverte d’un pays, celui à l’appel duquel nous sommes rassemblés.’ […] Faites donc comme Ulysse, ne vous pressez pas pour retourner dans vos Ithaques respectifs. » (Hamelin, 1979, p. 7)

27 En octobre 1946, lors des discussions sur la localisation du premier congrès de l’après seconde guerre mondiale, le responsable du comité américain de l’UGI, George B. Cressey8, faisait entrer dans ses critères de choix l’intérêt des excursions sur place, à côté de la date, de la localisation eu égard aux coûts du voyage pour les participants et des contraintes de la géopolitique, hautement sensibles alors, – avant d’opter « toutes choses égales par ailleurs » pour Lisbonne, qui avait été désignée au précédent congrès en 1938.

28 On verra ci-dessous comment la rencontre, sur le terrain, au Brésil, lors de la première incursion des congrès de l’UGI dans l’hémisphère sud, a pu être une expérience collective décisive.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 173

1.2.Centres et marges des congrès internationaux de géographie

29 Sans surprise, l’analyse des lieux des rencontres, des origines des organisateurs et des participants, qui forment autant de cartes des congrès internationaux de géographie, révèlent des régularités : la polarisation européenne ou occidentale par les lieux de réunion et des entorses durables à l’universalité postulée ; une extension saccadée de l’inscription spatiale de ces rencontres scientifiques, et au total une longue hégémonie européenne puis états-unienne qui est en voie de transformation au XXIe siècle.

30 Si l’idéal proclamé par les instances dirigeantes des congrès est une couverture totale du monde par l’extension du réseau des géographes concernés, les regrets exprimés régulièrement aux tribunes des congrès prouvent que l’organisation est loin d’atteindre l’exhaustivité spatiale. De nombreux pays et de régions du monde ne sont pas représentés dans l’organisation ni aux congrès, faute de moyens, telle une grand partie des régions d’Afrique, d’Amérique latine et d’Asie. Ainsi, récemment encore, il était fait référence au congrès de Glasgow (2004) à l’organisation de réseaux permettant d’animer l’activité géographique dans et sur de grandes régions du monde, tel le Network on Latin America Studies qui y a été réuni ; à Cologne (2012) le président exprimait ses regrets sur les grosses lacunes de la carte, et sa satisfaction pour la tenue d’au moins un meeting spécial où 12 pays d’Afrique étaient représentés.

31 Que cela concerne les puissances invitantes, la localisation des congrès, la nature des dirigeants de l’organisation internationale, l’origine des participants, les langues utilisées, la centralité d’un espace européen puis occidental est manifeste sur la longue durée, avec des inflexions vers l’hégémonie états-unienne et plus largement anglophone développée depuis l’après seconde guerre mondiale, et peut-être une redistribution actuelle des forces en faveur de pays dits « émergents ».

La concentration des villes de congrès

32 La carte des villes hôtes résume la concentration des congrès sur les métropoles européennes (cf. Collignon, 1996b) [Fig. 1]. Entre 1871 et 1996, sur 16 congrès, toutes ces villes sont européennes jusqu’à 1949 (Lisbonne, 16e congrès), sauf pour le 7 e congrès (Washington, en 1904) et le 11e (Le Caire, en 1925). Après cela, les nouvelles extensions hors d’Europe concernent Washington (1952) puis Rio de Janeiro (1956) et ce congrès de Rio est le premier de l’hémisphère sud. Mais c’est seulement après le congrès de Londres (1964) que se fait une extension de la localisation en direction de tous les continents (sauf l’Afrique, touchée très tardivement), — avec la succession New Dehli (1968), Montréal (1972), Moscou (1976), Tokyo (1980), Paris (1984), Sydney (1988), Washington (1992), La Haye (1996), puis Séoul (2000), Glasgow (2004), Tunis (2008), Cologne (2012), auxquels succèderont Pékin, Istanbul et la ville du centenaire de l’UGI (2022), encore inconnue (?).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 174

Figure 1 – Les villes hôtes des congrès internationaux de géographie de 1871 à 2020 (hors congrès « régionaux » de l’UGI)

Source : Bulletins de l’Union géographique internationale

33 Créés à l’initiative de sociétés de géographie, les congrès s’inscrivent d’abord dans les métropoles commerciales et coloniales de la fin du XIXe siècle, avant de refléter la puissance à la fois politique et scientifique des Etats. La main mise progressive sur les congrès opérée par les savants et les professeurs d’université (en terme de participants, c’est à Berne, en 1891, que la catégorie des enseignants l’emporte sur toutes les autres: Dubois, 1972) ne change pas cette donne spatiale, car la distribution des centres de recherche et d’enseignement se calque sur le système préexistant des métropoles urbaines. Lorsque, après la première guerre mondiale, l’organisation passe par une institution internationale pérenne, l’Union géographique internationale, qui est constituée de comités nationaux centrés en général sur les académies des sciences et les universités9, une légitimité proprement étatique s’instaure pleinement et les lieux de congrès reflètent encore les hiérarchies urbaines nationales.

Les pays membres de l’organisation : une carte à trous

34 Pour ce qui est des pays relevant de l’organisation, l’universalité est loin d’être atteinte, même si, selon certains observateurs, l’UGI a été plus ouverte que d’autres organisations internationales aux petits pays (Harris, Rössler, 1996). On peut souligner toutefois l’extraordinaire transformation de la carte des pays membres de l’UGI qui s’est produite, par saccades, après la seconde guerre mondiale (Volle, 1996a) [Fig. 2].

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 175

Figure 2 – Les pays membres de l’Union géographique internationale en 1956

Source : Bulletins de l’Union géographique internationale

35 Au nombre de 30 pays avant 1939, l’effectif a doublé de 1949 à 1964, passant de 31 à 62. Ce doublement enregistre d’abord le volontarisme du président de l’Union de 1949 à 1952, l’Américain G.B. Cressey, en direction de l’Amérique latine puis de l’Afrique. Il enregistre aussi la rapide réhabilitation des pays vaincus, qui s’est opérée toutefois dans les tensions de la Guerre froide. Ainsi de la question de l’Allemagne, où la RFA est admise en 1952, la RDA en 1960 ; l’URSS est entrée à l’UGI en 1956, au congrès de Rio de Janeiro. La question de la Chine a été très compliquée car plusieurs pays ont refusé l’entrée de la Chine populaire dans l’UGI, et elle-même conditionnait son entrée à l’expulsion de Taiwan (qui a été admise tôt et représentée à l’UGI par la Chinese Academy of Sciences in Taiwan) ; la solution a été trouvée par la formule de « comité pour l’UGI » que le président Michael Wise a proposé de substituer au « comité national », ce changement de statuts étant voté à Paris en 1984 (Harris, Rössler, 1996).

36 Le doublement des années 1950-1960 enregistre enfin, et surtout, la nouvelle géopolitique mondiale que représente la décomposition des empires coloniaux. La participation des nouveaux Etats indépendants n’était pourtant pas facile : un statut de « membre associé » a été créé à Rio de Janeiro, permettant d’accueillir des pays sans grands moyens ou dont la communauté de géographes était en cours de constitution. L’Afrique occidentale française et plusieurs ex-colonies britanniques africaines entrent alors dans l’UGI (cf. point 2). Nombre de ces pays ont eu du mal à verser leur cotisation de telle sorte que l’UGI les a désassociés, ce qui a provoqué dans les années quatre- vingt une sévère chute des adhérents – et ce qui a créé de vastes trous dans la carte de l’Union et conservé de grands blancs là où les pays ne possédaient ni communauté importante de géographes, ni fonds pour pouvoir prétendre à l’adhésion.

37 Une façon de contourner ces grosses entorses à l’universalité recherchée a été l’organisation de « conférences régionales », moins coûteuses que les congrès et plus proches, par leur localisation, de communautés de géographes en cours de constitution. La première s’est tenue en Ouganda (Kampala, 1955), suivie de Tokyo (1957), puis de Kuala Lumpur (1962), Mexico (1966), Budapest (1971), Palmerston (1974), Lagos (1978),

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 176

etc. Ces congrès tenus en périphérie se sont finalement multipliés par la suite pour couvrir la planète des géographes d’un congrès-bis pendant la période de l’inter- congrès (ainsi, depuis 2002, de Durban, Brisbane, Tel Aviv, Santiago du Chili, et Kyoto, en 2013).

Une direction et des organes dirigeants issus du Centre

38 La concentration spatiale des congrès internationaux de géographie en faveur des pays occidentaux et de l’hémisphère Nord s’accompagne d’une surreprésentation des acteurs dominants issus de ces pays (les dirigeants de l’organisation au niveau de l’UGI ou des comités locaux d’organisation), et d’une surreprésentation des participants des pays voisins du lieu des congrès.

39 Ainsi des dirigeants de l’organisation, par exemple le comité exécutif de l’UGI, qui traduit l’état des rapports de forces conduisant au choix des présidents, secrétaire général, trésorier, vice-présidents (Volle, 1996b, fig. 11a et 11b). Sur 18 périodes, entre la création de l’UGI et 1996, la France, le Royaume-Uni et les Etats-Unis ont ainsi concentré une quinzaine de mandats du comité exécutif. L’origine des présidents de commissions de travail et de section montre la même domination sur la longue durée (Collignon, 1996a) [fig. 3]. Cependant là encore, à partir de l’après seconde guerre mondiale, l’organisation s’est ouverte à de nouveaux dirigeants issus d’Amérique et d’Asie (ainsi en 1949-52 le Canada, le Brésil, l’Inde sont représentés dans le comité exécutif et ils y bénéficient chacun de 5 à 6 mandats entre cette époque et 1996).

Figure 3 – Nombre de présidences des Commissions de l’Union géographique internationale, par pays (1949-1996)

Source : Bulletins de l’Union géographique internationale

40 Cette représentation plus exhaustive des géographes du monde est accentuée encore par les dernières élections. Ainsi à Cologne, les nouveaux élus comprennent une

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 177

présidence russe, une première vice-présidence allemande, un secrétariat occupé par un ressortissant d’Afrique du sud et des vice-présidences issus de Chine, Finlande, Inde, Israël, Italie, Japon, Pays-Bas, USA. En même temps, une hégémonie du monde anglophone s’exprime par le fait que la langue du congrès est devenue presque exclusivement l’anglais. Par ailleurs, la critique réitérée du manque de visibilité ou d’attractivité de l’UGI et de ses congrès sur les jeunes géographes, et des références furtives à l’attractivité des congrès de l’Association of American Geographers peuvent faire penser que cet élargissement est de signification ambivalente. Il exprime le jeu d’une volonté réelle d’universalisme, l’émergence de nouvelles puissances ‘géographiques’ jusque là marginales et aussi peut-être le déclin de ce genre d’organisation internationale, concurrencée par des organisations nationales plus performantes en termes de légitimation des géographes qui participent à des rencontres internationales, et par d’autres modes de sociabilité scientifique.

L’origine des participants : des effets de proximité

41 La concentration spatiale en faveur des pays occidentaux est renforcée par l’effet de la loi de gravitation qui fait que l’origine des participants est fonction de leur distance au lieu du congrès. Ils proviennent massivement voire majoritairement du pays d’accueil et des régions voisines. Ainsi, sur les 21 premiers congrès, le pays d’accueil a fourni le plus fort contingent de participants parmi les groupes nationaux représentés (Kish, 1972). Il s’agit dans 10 cas de 48% ou plus des congressistes, et d’au moins 30% des participants dans 20 cas. L’exception se rencontre à Stockholm (1960), où la représentation la plus forte a été le fait de géographes étrangers, venus en l’occurrence des Etats-Unis, soit 23% des participants. La localisation des congrès influe sur la part des interventions d’ ‘autochtones’, sur l’orientation des questions ou des thèmes mis en discussion et la langue utilisée (Pumain, 1972). C’est à la fin du XIXe siècle et avant la première guerre mondiale que des questions très locales en relation avec le pays d’accueil ont été les plus présentes, mais la dimension internationale des congrès fait que dans ce cas les ‘réponses’ sont plutôt confinées aux auteurs autochtones.

1.3.Couvrir le monde harmoniquement depuis les métropoles ?

42 Les types de problèmes posés, les inquiétudes des géographes, sont liés à la localisation de ces lieux de concertation scientifique internationale. La structure centre-périphérie des congrès internationaux de géographie a une principale conséquence : l’ethnocentrisme des questions et de leur traitement, par où les géographes dominants expriment leurs intérêts propres, dans une certaine collaboration. Mais dans le même temps les associés sont concurrents, car leurs intérêts matériels et symboliques sont différents voire contradictoires : d’où la nécessité d’une régulation des débats et des productions qui tend à mettre hors-champ les sujets qui fâchent. Dans les phases de conflits entre le centre et les marges, au moment des décolonisations en particulier, l’ethnocentrisme peut-il être dénoncé, mis en cause de l’intérieur ou de l’extérieur ?

43 Les cartes de localisation le montrent : malgré leur volonté de couvrir le monde, les géographes réunis en congrès internationaux sont loin de constituer un réseau universel d’observation et de recueil de données locales. S’armant de leur outillage, peuvent-ils prétendre toutefois pouvoir représenter le monde dans son universalité ? C’est ce que certains des programmes de travail ont prétendu, tel ce grand projet

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 178

emblématique de la fin du XIXe siècle, la carte au millionième du monde. Ainsi, confiant dans la coopération scientifique entre géographes et entre services cartographiques des puissances, Vidal de la Blache, affirmait : « On aura ainsi, pour la première fois, un instrument de comparaison et d’étude qui, grâce à l’adaptation des parties et aux facilités d’assemblage permettra d’embrasser l’ensemble du globe dans une image harmonique et proportionnée. » (Vidal de la Blache, 1910, p. 5)

44 Mais il ajoutait qu’il fallait toutefois éviter toute « estampille étrangère » et préserver « l’empreinte de chaque métropole sur ses colonies » (Vidal de la Blache, 1910, p. 9). C’était admettre les chasses gardées des métropoles impériales et des zones d’influence sur des parties du monde. D’ailleurs, les géographes américains menés par I. Bowman gardaient de leur côté la maîtrise de leur zone d’influence, le Western Hemisphere, en entreprenant sous l’égide de l’American Geographical Society de New York la réalisation de la carte au millionième de l’Amérique hispanique (Heffernan, 2011 ; Pearson, Heffernan, 2009).

45 Connivences occidentales et impériales : qu’en est-il des rapports des congrès avec l’espace des tropiques ?

2.Espaces symboliques : autour des Tropiques

« […] il nous faut comprendre les tropiques comme un espace conceptuel et pas seulement physique. […] Les tropiques n’existaient que dans leur juxtaposition mentale avec autre chose — la normalité perçue des terres tempérées10 » Arnold, 1996

46 En un siècle de congrès, d’Anvers à Montréal, il ne s’opère pas seulement des évolutions dans les espaces matériels des rencontres internationales entre géographes, mais des transformations considérables des territoires du monde, avec le développement des empires puis leur désagrégation sous le coup des guerres de libération. Centres et périphéries se recomposent alors. Qu’en est-il des espaces mentaux ou symboliques qui hantent les congressistes, et comment s’ajustent-ils au fil de l’histoire des congrès ? Espace colonial et espace tropical, tropicalité et développement s’entremêlent, se reconfigurent et se défont aux congrès d’Anvers (1871), de Londres (1895), d’Amsterdam (1938), de Rio de Janeiro (1956) et de Montréal (1972)… Y a-t-il eu des ‘effets de lieu’ particuliers dans ces villes de congrès ?

2.1.Des espaces symboliques

47 On a évoqué jusqu’à présent des espaces matériels de l’activité des congrès internationaux de géographie. Etudier la spatialité de la recherche géographique suppose aussi d’envisager les « espaces mentaux » construits et manipulés par les discours et les pratiques des géographes. Car « […] les géographes fabriquent pour ainsi dire des espaces mentaux qui viennent redoubler et accompagner les espaces matériels [dans lesquels ou sur lesquels ils travaillent]. Ils élaborent leur conceptualité au sein d’espaces mentaux qui, eux- mêmes, sont aussi des espaces de travail, ces espaces s’inscrivant et se figurant en outre dans des objets, des représentations figuratives ou des discours (schémas,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 179

graphiques, cartes, descriptions). [Ce sont] des représentations ou des schèmes spatiaux qui sous-tendent le savoir géographique » (Besse, 2004, p. 416, les italiques sont dans le texte).

48 Or, on l’a dit ci-dessus, en définissant des thèmes et en précisant les espaces d’application de ces thèmes de recherche, les congressistes structurent le domaine spatial de connaissance qu’ils estiment important et légitime et créent un espace du savoir. Les congrès internationaux de géographie sont donc des lieux d’usage et de fabrique de tels espaces mentaux. Ceux-ci peuvent concerner de grands ensembles spatiaux comme les « colonies », le « monde tropical », les « pays sous-développés », ou encore le « Tiers-Monde », puis les « Suds »…

49 Les grandes trames du découpage du monde figurent en effet parmi ces espaces. Ainsi, la critique cartographique et géographique a souligné la charge idéologique de la division de la planète par continent. Edward Said (1978) a déconstruit le schème Orient/Occident en montrant sa portée proprement politique et culturelle et non pas simplement référentielle. Après lui l’historien David Arnold (1996) a étendu l’analyse aux Tropiques en forgeant la notion de « tropicality » comme variante de l’orientalisme, une variante environnementaliste car bâtie sur un schème climatique, où le tropical est l’Autre du tempéré . Depuis la Renaissance, en Occident, la littérature et d’autres pratiques culturelles ont construit une représentation de l’altérité dévalorisant les « tropiques » comme lieu de vie et particulièrement comme lieu habitable pour les Européens, tout en les comprenant de manière ambivalente comme Eden et comme lieu de dégénérescence (voir aussi Livinsgtone, 2000). Pour Arnold, les tropiques (ou des équivalents, région équatoriale ou zone torride) constituent « un espace conceptuel et non pas simplement physique ». Cette notion de tropicality a fortement inspiré les recherches anglophones postcoloniales (Driver, Yeoh, 2000 ; Bowd, Clayton, 2005 ; Clayton, Bowd, 2006) ; nous avons proposé de parler de « tropicalisme » pour calquer l’expression sur celle d’orientalisme (Robic, 2008).

50 En suivant, depuis les premiers congrès internationaux de géographie jusqu’au début des années 1970, la formulation des questions, les discussions en congrès et l’éclosion de commissions de recherche spécialisées, on étudiera ici l’usage que les géographes font des Tropiques et les relations entre cet espace symbolique et d’autres espaces qu’ils manipulent dans les congrès. Espace colonial, espace tropical, espace à développer : on observe des combinaisons, une succession partielle, des alternatives, des controverses… : pour chaque période reconnue, on retrace d’abord une évolution d’ensemble des débats, puis on analyse la conjoncture géopolitique et les effets de lieu typiques de certains congrès-clés.

2.2.Empire : du tropical/colonial

L’après Anvers : la neutralisation du colonial

51 Les colonies constituent une pomme de discorde entre métropoles impériales, aussi les responsables des congrès ont compris après la première rencontre internationale d’Anvers que la colonisation devait être exclue des questions débattues.

52 Pour une rencontre entre des représentants de puissances concurrentes la séquence de questions posées en 1871 était trop explosive : « 10. Examiner l’utilité des colonies et des établissements coloniaux, au-delà des mers, quant à la stabilité du commerce et à la tranquillité intérieure des Etats »,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 180

« 11. Examiner et discuter les raisons qui ont porté peu à peu l’Angleterre à modifier son système colonial, et à donner à certaines de ses colonies un gouvernement particulier », « 12 : Peut-on conclure, de là, comme on le fait quelquefois, qu’il vaut mieux ne pas avoir de colonies ? Quels sont les principes que l’on fait valoir contre le principe de colonisation ? »

53 Aussi, l’espace colonial est-il peu évoqué directement dans les congrès suivants. L’espace de réflexion est en effet neutralisé, du point de vue de l’impérialisme, par l’interdit politique, ou édulcoré par la formulation de questions très générales, telles l’organisation d’une information collective sur les ressources potentielles dans le monde, sur la formation au voyage, sur les faits de migration. Seule l’Afrique, sorte de domaine partageable, est l’objet de questions directes, à Londres notamment (1895) : « Dans quelle mesure l’Afrique tropicale est-elle apte à être développée par les races blanches ou sous leur direction ? » [To what extent is tropical Africa suited for development by the White Races or under their Superintendence?]

54 Dans cette question relative à la mise en valeur de l’Afrique, le schème tropical est superposé au schème implicite de la colonisation et la question de l’action du Blanc sous les Tropiques est soulevée implicitement aussi et donnent lieu à des affrontements interpersonnels.

55 Mais ces questions sont donc généralement évitées, et les activités de standardisation dominent ensuite l’agenda des congrès.

L’urgence des années trente — Le congrès d’Amsterdam (1938)

56 La référence aux Tropiques et à la question coloniale se fait plus massive durant l’entre- deux-guerres et culmine au congrès d’Amsterdam, en 1938. D’abord, à Paris (1931), deux questions de géographie humaine et une question de géographie physique introduisent la catégorie des « régions tropicales ». Contrevenant aux règles implicites des congrès antérieurs, les organisateurs créent à Amsterdam une section de « géographie coloniale », un libellé qui apparaît donc en 1938 seulement dans les congrès et qui sera prolongée par la section intitulée « géographie de la colonisation » à Lisbonne en 1949.

57 Trois questions, trois espaces mêlés

58 La section de géographie coloniale d’Amsterdam doit débattre de trois questions : 1. « Possibilités de colonisation par la race blanche dans la zone tropicale », 2. « Le rapport entre la densité de population et le mode d’utilisation (ou exploitation) du sol dans les régions coloniales », 3. « L’industrialisation en tant que condition indispensable au maintien du niveau de la prospérité dans les régions tropicales à population très dense »

59 Ces questions mêlent trois espaces de référence associant tropiques et colonisation (la zone tropicale, les régions coloniales et les régions tropicales), elles introduisent les notions de zone et de région, l’ensemble interférant curieusement par leur association à la géographie coloniale. Tout en rappelant la question du congrès de Londres de 1899, elles élargissent singulièrement l’échelle en sortant de la seule Afrique ; elles pointent des intentions de connaissance fondamentale et des programmes d’action ; elles précisent les modalités du développement des régions concernées (peuplement, mise en valeur agricole, industrialisation) ; elles proposent l’analyse des relations entre

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 181

plusieurs caractères des aires évoquées ; et elles insistent sur leurs caractéristiques démographiques.

60 Des espaces de référence et des interférences douteux ?

61 Pour autant, si les espaces mis en jeu par le questionnaire s’entremêlent, des débatteurs géographes sont-ils piégés par ces interférences ?

62 Si l’on suit les actes du congrès, l’amalgame colonial/tropical n’est qu’exceptionnellement mis en cause dans les communications présentées par les congressistes. Les discussions ne semblent pas non plus provoquer la controverse. Les résolutions adoptées traduisent la puissance d’un enjeu commun puisqu’elles consistent en trois points : d’abord le maintien de la section pour la période suivante et par ailleurs deux vœux adressés aux Etats coloniaux, afin qu’ils concourent à la réalisation de cartes thématiques précises de leurs possessions et qu’ils incluent un point sur l’érosion des sols dans leurs rapports concernant les conditions de l’agriculture dans leur domaine colonial.

63 En revanche, les rapporteurs de chacun des thèmes ont mis en cause, timidement au moins, la pertinence de la structuration du questionnaire en critiquant l’amalgame des espaces convoqués et le bien fondé des causalités suggérées par le libellé des questions. Dans ce congrès d’Amsterdam superbement organisé et mis sous haute surveillance, les discussions ont en effet été préparées par des rapports préalables distribués aux participants à leur arrivée, et les rapporteurs ont fait une courte intervention en début de séance de discussion. En l’occurrence, pour la section coloniale, ce sont trois rapports, rédigés par des femmes, qui y mènent une présentation des enjeux du questionnaire, une discussion de leur formulation, une synthèse des contributions écrites et une proposition de vœux.

64 Le rapport relatif aux « Possibilités de colonisation par la race blanche dans la zone tropicale », dû à E.F.Verkade-Cartier v . Diesel, est particulièrement remarquable par sa lucidité sur les enjeux qu’elle y distingue : le « droit aux colonies » affirmé par les « puissances mécontentes », et le « chômage » dû à la crise [« colonist claim » des « ‘dissatisfied powers’ » et « unemployment »] (UGI, Rapports, 1938, p. 123); par sa fermeté sur la nécessité d’exclure le politique des discussions ; par son souci d’éviter les malentendus, par son exigence de scientificité et en particulier par sa volonté de clarifier le vocabulaire, ce qui est selon elle la condition d’un vrai dialogue ; par l’honnêteté de son bilan, puisqu’elle conclut aux divergences entre auteurs de communications et à sa propre incapacité à conclure. Ses recommandations portent sur la nécessité d’une bonne information et de meilleures données comparatives.

65 Dans chacun des rapports, quoiqu’inégalement, la pertinence des questions eu égard au cadre de référence dans lesquelles on les envisage est clairement examinée.

66 Ainsi, E.F.Verkade-Cartier v. Diesel note la différence sémantique entre les termes relatifs au colonial (tel le « Volksplanting » néerlandais et les termes de « colon » et de « colonisation » français, Ibid., p. 125-126), les désaccords entre les contributeurs sur la notion de Blanc et sur celle de tropical.

67 Le rapporteur de la question 2 propose comme principal objet de discussion une question de géographie comparée : « La relation entre la densité de population et l’utilisation des sols est-elle différente dans les régions coloniales et ailleurs dans le monde ? » [Does the

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 182

relationship between density of population and land-utilization in colonial regions differ from that elsewhere in the world ?] (Ibid., p. 162)

68 Le rapporteur de la question 3 se montre particulièrement dubitatif sur les vertus de l’imbroglio spatial et déconstruit progressivement le problème : « - Le caractère de « pays colonisé » a-t-il une influence sur la possibilité d’industrialisation ? - Le fait de la situation sous les tropiques a-t-il de l’influence sur cette possibilité ? - En conséquence, la question de l’industrialisation est-elle différente dans des pays comme le Japon ou la Chine par rapport à ce qu’elle est dans des pays tropicaux colonisés ? » [Has the character of «colonial countries» any influence on the possibility of industralization ? Has the fact of the situation in the tropics any influence thereupon? Is therefore the question on industrialization another in countries such as Japan and China and another in tropical colonial countries?] » (Ibid., p. 180)

69 Mais, on l’a dit ci-dessus, les congressistes sont insensibles à ces critiques.

Le tropique/colonialisme ou la conjoncture spatio-temporelle d’Amsterdam

70 C’est que toutes les questions mises au débat font sens pour les géographes issus des pays occidentaux. D’abord, l’association entre tropiques et colonisation est justifiée, au vu de la distribution géographique des empires et en particulier des colonies néerlandaises. Quant à la question démographique, elle n’est pas nouvelle, puisqu’elle a été introduite dès le congrès de Paris (1931) et développée à Varsovie (1934), et qu’elle accompagne durant ces années les syndromes européens de surpeuplement, les craintes du « péril jaune » et les revendications territoriales des régimes fasciste et nazi. Avec le ‘problème’ de l’acclimatation des Blancs en pays tropical, qui est le fond de la question n° 1 dans laquelle s’engouffre une masse de géographes, d’administrateurs des colonies et de spécialistes de médecine tropicale, les Tropiques sont déclinés selon la vision occidentale classique comme un espace délétère, au physique et au moral, le lieu de dégénérescence des races et en particulier de la race blanche, et le lieu ‘naturel ‘ de races inférieures11. Car le paradigme raciste sous-tend les débats, jusqu’à conduire à des distinctions entre Blancs, ceux du nord et ceux du sud de l’Europe (Leclerc, 1989). De Londres à Amsterdam, d’un siècle à l’autre, les stéréotypes hygiénistes, racistes et moraux du XIXe siècle s’imposent à l’identique, avec la crainte de la dégénérescence de la race blanche aux Tropiques et l’essentialisation d’indigènes considérés comme incapables ou indolents. Le tropicalisme typique de la domination occidentale, matérielle et symbolique est toujours présent.

71 Dans les années trente s’est fait jour l’idée que l’espace du monde était « clos » ou « fini », et au congrès de Paris, en relation probablement avec les recherches collectives menées sous l’impulsion de Bowman (1931, 1934), la question des fronts pionniers était mise à l’ordre du jour (Robic, 2006 et 2009). En 1938, la crise économique, le spectre du chômage en métropole et les risques de concurrence dans les colonies constituent pour certains des participants la nouvelle donnée du rapport colonial. Leur affluence dans la section témoigne de la force de cet enjeu. C’est en particulier le cas des Néerlandais, qui ont obtenu un soutien de leur gouvernement pour ces recherches sur les possibilités de peuplement sous les Tropiques, et qui interviennent massivement dans la section coloniale, bien au-delà de la surreprésentation du groupe national observée dans chaque congrès12. Pour les Allemands, l’extension de leur Lebensraum constitue l’enjeu primordial : l’Allemagne a autant de communication dans la section coloniale que de délégués officiels au congrès. Pour tous les participants13, le contexte géopolitique est

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 183

extrêmement tendu et il est concurrentiel, ce qui peut expliquer à la fois l’émergence effective de l’espace colonial au congrès international de géographie, le flou des notions utilisées pour viser la nouvelle actualité de ce champ d’expansion et la violence des propos.

72 Tropical-colonial : c’est bien l’association spatiale caractéristique de l’espace symbolique prégnant à ce congrès d’Amsterdam. D’ailleurs, la conjonction des deux termes appartient au lexique de l’économie politique néerlandaise de la première moitié du vingtième siècle et un cours intitulé « tropisch-koloniale » existait à l’université de Leyde depuis 1929 ; le comité d’organisation du congrès s’est tenu à l’Institut colonial d’Amsterdam ; après guerre, cet établissement s’appellera Institut des tropiques (Leclerc, 1989).

2.3.Décolonisations et blocs : des Tropiques tout court ?

« [Les] comptes rendus des excursions qui ont encadré le Congrès […] fournissent un tableau d’ensemble des problèmes auxquels doit faire face la géographie brésilienne. Ils apportent une notable contribution à l’étude de la géographie tropicale. Ils achèvent enfin de préciser le caractère propre de ce Congrès. Pour la première fois depuis l’origine de l’Union, la géographie zonale a été mise au premier plan, le monde tropical considéré comme une grande entité géographique dont tous les caractères s’enchaînent. » Maximilien Sorre, 1957

73 La période d’après la seconde guerre mondiale constitue une rupture avec le schème diffus, puis cristallisé, qui précède, car d’une part la référence coloniale disparaît des congrès et d’autre part un « espace tropical » plus ou moins banalisé s’y introduit, la place de Rio de Janeiro, en 1956, formant comme le catalyseur de l’inscription de cet espace symbolique dans la carte mentale des géographes.

De l’affirmation d’un espace tropical banalisé à sa contestation

Les congrès d’après-guerre et la disparition du colonial

74 En effet, à Lisbonne (1949) encore, poursuivant le vœu de 1938, une section de « géographie de la colonisation » persiste, mais elle n’est pas reconduite. A Washington (1952), la tenue d’un symposium sur l’Afrique tropicale rappelle la singularisation ancienne de cet espace. La nouveauté réside dans la teneur des communications qui y sont présentées, la plupart très longues, et qui constituent de véritables rapports sur les recherches entreprises sur ce thème par les géographes et des organismes nouveaux européens. C’est le cas du rapport des Français (le document est signé par Charles Robequain et Jean Dresch14), dont le lexique dominant est plus centré sur les termes d’« outre-mer » et d’« Afrique », que sur le « tropical » (selon d’ailleurs les libellés des offices de recherche développés dans la métropole et à Dakar depuis la fin des années trente). De même Robert.W. Steel décrit longuement les progrès de la recherche des géographes britanniques, engagée depuis la fin des années vingt mais surtout pendant

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 184

et après la guerre ; l’auteur privilégie à l’inverse le lexique du tropical. Le « développement », passé à l’agenda politique de plusieurs pays et à celui des grandes organisations internationales liées à l’ONU sous-tend plusieurs de ces interventions. Suivent peu de temps après des conférences régionales dans les pays périphériques, et d’abord celle réunie en Ouganda, en 1955, sur le thème « Ressources naturelles, Alimentation et Population en Afrique intertropicale » [Natural Resources, Food and Population in Intertropical Africa].

De l’omniprésence de l’espace tropical à Rio de Janeiro…

75 Les discours du congrès de Rio de Janeiro (1956) sont imbibés de la référence tropicale, de même que les comptes rendus d’après congrès, tel celui publié par M.Sorre, mis en exergue de ce point. Le discours inaugural du président du comité organisateur, Jurandyr Pires Ferreira15, institue un programme scientifique tropicalisant : « Nous sommes un pays où prédominent les conditions naturelles et d’occupation humaine propres aux zones tropicales. Pays où règnent ainsi des conditions différentes de celles qu’on retrouve dans les régions de plus grand développement du savoir géographique. […] La science géographique attend l’importante contribution brésilienne pour la connaissance des régions tropicales. » [Somos um país onde predominam as condições naturais e de ocupação humana peculiares às áreas tropicais. País, onde imperam, portanto, condições diferentes das encontradas nas regiões de maior desenvolvimento do conhecimento geográfico. […] A ciência geográfica espera importante contribuição brasileira para o conhecimento des regiões tropicais.] (Actes, 1959, p. 139)

76 Ce congrès innove en créant la « commission des tropiques humides ». Celle-ci forme l’une des deux commissions spéciales créées en ce dix-huitième congrès ; l’autre s’intitule « Elaboration d’une carte mondiale de la population ». Quelques années auparavant a été créée une « commission des zones arides », ce qui explique le choix d’un libellé restrictif par rapport à la zone tropicale. Dans ces trois cas, l’UNESCO est intervenue pour constituer des groupes de recherche internationaux et interdisciplinaires, et ce avant l’UGI et à l’appel des pays nouvellement indépendants, telle l’Inde, pour le cas des zones arides. Pour délimiter précisément les tropiques humides les deux organisations tentent conjointement de cartographier précisément l’espace concerné en mobilisant des botanistes et des géographes climatologues (Fosberg et al., 1961)16.

77 Plusieurs symposiums relatifs à l’espace tropical se tiennent durant le congrès, qu’ils portent sur la géographie physique pure (savanes et campos) ou sur la « contribution de la géographie à la planification régionale des pays tropicaux ». Ce symposium attire de nombreuses interventions, celles de géographes britanniques, allemands, français et brésiliens, bien centrées sur ce thème de géographie appliquée.

… à sa contestation

78 En revanche, quatre ans plus tard, dans les pays scandinaves, les travaux de la commission des tropiques humides sont plutôt atones17. Le congrès de Londres (1964) ne lui redonne pas de lustre particulier. Pour ce 20e congrès, l’événement est ailleurs : à Liverpool, où un symposium intitulé « Geography in the tropics », s’est tenu durant une semaine, attirant une masse de participants. Paradoxalement, le tropical n’y est pas central, ou plutôt la question en jeu est celle de la possibilité du développement dans

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 185

les pays tropicaux. En ce sens, le thème de Liverpool est en phase avec la thématique d’ensemble de ce congrès, que le président de l’UGI, Carl Troll, expose dans son discours présidentiel : « Sociétés plurielles des pays en développement. Aspects de géographie sociale » [Plural Societies of developing countries. Aspects of social geography] Surtout, dans son introduction à l’ouvrage collectif qu’il codirige, Geography and the Tropics : Liverpool Essays, R.W. Steel invalide la pertinence de l’espace tropical comme cadre de recherche particulier : « aucune branche du sujet ne peut être identifiée comme ‘géographie tropicale’ » [there is no special branch of the subject to be recognized as ‘tropical geography’] (Steel, 1964, p. 2)

79 Cependant, à New Dehli (1968), la réunion de la commission tropiques humides attire 14 propositions d’intervention, dont plusieurs d’Indiens, et deux rapports sur les recherches menées en France dans les universités et à l’ORSTOM (Office de recherche scientifique et technique d’Outre Mer, qui a été créé sous le nom d’Office de la recherche scientifique coloniale — ORSC — en 1943). Les deux commissions zonales sont encore renouvelées, et une commission de l’Asie des Moussons y est créée.

80 Mais le congrès suivant signe, à Montréal (1972), la fin de la commission des tropiques humides et celle des régions arides. Il est vrai qu’en participants comme en contributions, les réunions de ces commissions manifestent l’étiolement du thème face à des questions émergentes concernant notamment l’environnement et les risques naturels — en lien alors avec le programme « L’Homme et la Biosphère » de l’UNESCO. Seuls des « groupes de travail » de moindre reconnaissance officielle peuvent ensuite poursuivre la recherche consacrée à des espaces tropicaux.

81 Le congrès de Montréal (1972) figure comme une sorte de fin d’un cycle d’espace tropical/climatique.

Géopolitiques d’après guerre : des Tropiques communs ?

Décolonisation et euphémisation

82 Ce cycle d’affichage puis de contestation de l’espace tropical ‘en soi’, débarrassé de sa connotation coloniale, est ancré dans le contexte géopolitique de l’après seconde guerre mondiale. Mais l’émergence de ces néo-Tropiques qui forment un espace symbolique prégnant dans les délibérations des congrès internationaux d’après guerre résulte de l’entrecroisement de plusieurs processus. La chute des empires a été bien sûr un facteur majeur de transformations, délégitimant le terme colonial auquel a été substitué par exemple celui d’« outre mer » (overseas), qui euphémise la colonisation par l’usage d’un trope spatial, ou celui de « dependent territories » forgé par l’administration des Etats-Unis dès avant la fin de la guerre. Les nouveaux équilibres mondiaux de l’après guerre, avec l’apparition de la puissance américaine et très vite la Guerre froide et la concurrence entre Blocs communiste et libéral reconfigurent aussi l’espace planétaire. L’affirmation des pays issus de la décolonisation et celle de pays « non-alignés » constitue une troisième dimension à ces rééquilibrages post-seconde guerre mondiale.

83 Pour la discipline, les évolutions sont beaucoup plus compliquées et plus conflictuelles que certaines présentations sommaires de l’histoire de la géographie ne le font accroire (en France particulièrement), qui font se succéder géographies coloniale, tropicale puis du développement (cf. Bruneau, 1989). Par ailleurs, les groupes nationaux de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 186

géographes et les individus en présence ont adopté des postures différentes face à la décolonisation, et leurs programmes de géographie ont changé, dans la durée.

84 Au total, durant les années quarante-soixante, le « tropical » est objet de tensions, l’espace tropical étant tiraillé entre des efforts d’euphémisation de la domination coloniale ou bien de distanciation d’avec le rapport colonial, au Centre, tandis que, dans les colonies, des militants menaient une lutte radicale de décolonisation, en l’accompagnant de réappropriations de leur histoire et de leur espace qui pouvait aussi passer par une valorisation des Tropiques. On peut distinguer quatre à cinq reconfigurations de l’espace tropical qui découlent de cet aggiornamento.

Tropiques revisités

85 Une première reconfiguration consiste en l’appréhension de l’espace tropical comme espace spécial, qui autorise la promotion d’une branche particulière de la géographie. La promotion de la « géographie tropicale » dans la discipline s’est effectuée immédiatement après la guerre, avec le succès international du livre de Pierre Gourou (1947), Les pays tropicaux. Tout en les intégrant dans les deux principales parties de la géographie, l’auteur singularise les tropiques humides dès les premières lignes: « « Les pays chauds et pluvieux ont leur propre géographie physique et leur géographie humaine originale. » (Gourou, 1947, p. 1)

86 Gourou, alors professeur de géographie coloniale à Bordeaux accédait la même année à une chaire du Collège de France intitulée « Etude du monde tropical (géographie physique et humaine) ». Cette branche de géographie tropicale allait devenir l’un des piliers de la géographie française des années 1950 aux années 1970-80.

87 Traduit en anglais sous le titre The Tropical World (1953), l’ouvrage a eu une grande influence dans le monde entier : il aurait donné l’impulsion dans le monde anglophone aux études consacrées à la « tropical geography » (Driver et Yeoh, 2000, p. 2). Le cas des revues de géographie développées dans l’ex-colonie britannique de la péninsule malaise est typique de cet effet de diffusion, tant semble-t-il du domaine scientifique que du label (Power, Sidaway, 2004) : créée en 1953, la nouvelle revue s’est intitulée d’abord Malayan Journal of Tropical Geography (1953-57) puis, après quelques avatars, elle s’est scindée en deux en 1980, le Malaysian Journal of Tropical Geography publiée en Malaisie et le Singapore Journal of Tropical Geography à Singapour. C’est ici, depuis un numéro de 2000, que la critique postcoloniale de la tropicality et de l’œuvre de Pierre Gourou en particulier, s’est déployée.

Tropiques normalisés

88 Mais peut-on normaliser l’espace tropical ? La structuration de l’espace tropical a en fait été bouleversée, chez certains géographes, par rapport à ce qu’elle était du temps de son association intrinsèque avec le colonial. Ainsi, avec la promotion programmatique d’une géographie zonale (De Martonne, 1946), c’est effectivement la ‘dé-exceptionnalisation’ des Tropiques qui a été produite, dans la géographie française notamment, par son inscription explicite dans un schème planétaire zonal. Alors l’espace tropical passe d’une ontologie singulière, ou en tout cas construite dans un rapport hiérarchique avec l’espace tempéré, à une ontologie banale, parce que référée à l’espace planétaire dans son ensemble. Alors, l’« espace tempéré » perd son privilège, il perd le rôle de norme qu’il a joué jusque là.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 187

89 Cette normalisation de l’espace tropical est sensible dans un texte qu’Emmanuel de Martonne a publié en 1946 sous le titre « Géographie zonale. La géographie tropicale ». Dans ce texte, l’auteur donne droit de cité à la géographie zonale, ce qui est fort tardif par rapport à l’ancienneté et à la vigueur du schème zonal dans la pensée occidentale ; et il impatronise cette légitimation scientifique du schème par la mobilisation du tropical. La nouveauté de la représentation que De Martonne met en place apparaît clairement si l’on compare son propos avec un texte qu’il a publié trente ans auparavant : dans cet article intitulé « Le climat facteur du relief » (1913), le monde tropical était qualifié d’« exotique », de « spécial », et il était déprécié, car « excessif » ; or ces trois termes disparaissent du lexique en 1946. Si De Martonne taxe encore ce monde tropical d’« original », il le construit alors comme relevant pleinement de l’« économie générale de notre planète » et source même des phénomènes climatiques à l’échelle de la terre. Certes De Martonne traite surtout de géographie physique, — son domaine de prédilection et où l’expression-clé d’« érosion normale », qui était de fait indexé sur les pays tempérés, disait bien ce qu’elle veut dire — ; mais il n’écarte pas de son raisonnement la géographie humaine, qui pourrait donc, elle aussi, se construire hors de la normalité tempérée.

Décentrer ou renverser le regard

90 Plusieurs documents archivistiques manifestent d’ailleurs que l’ethnocentrisme européen perd de sa légitimité dans cette période d’immédiat après guerre. Ainsi d’un échange épistolaire entre De Martonne et Jean Gottmann en début 1946, où De Martonne critique ouvertement l’ethnocentrisme et les apôtres de la normalité tempérée : « Vous avez raison de demander ‘Qu’est-ce que la normale ?’ Mais il faudrait répondre ‘La normale est ce que l’homme qui pose la question est habitué à voir’. Et pourquoi est-il difficile de ‘maintenir aujourd’hui’ que l’Europe est la normale. C’était aussi difficile hier et même il est sûr que l’Asie était plus peuplée que l’Europe au Moyen Age […] Huntington… ? Taylor ?… […] Je n’ai jamais pu prendre Huntington au sérieux. » (Archives Gottmann]

91 Cette pique renvoie au tropicalisme : l’auteur visé est Ellsworth Huntington, le géographe américain qui, depuis ses premières publications des années 1910 jusqu’aux années 1950, a expliqué que la valeur de la civilisation dépendait climat, attribuant à la variabilité du temps dans la « zone cyclonique » le développement des peuples supérieurs. Comme le montrent ses cartes, la zone cyclonique, qui détermine leur « énergie », c’est essentiellement la zone tempérée de l’hémisphère nord : une variante donc du tropicalisme, accompagnée en outre de racisme.

92 Dès les années trente des géographes tel Jean Dresch18 ont été des militants anti- colonialistes ; d’autres ont appelé à renverser le regard qui a été celui du rapport colonial : ainsi de Jacques Weulersse qui affirmait en 194619 : « Trop souvent… nous voyons la colonisation à travers des yeux métropolitains… Nous devrions faire l’inverse… […] Nous devons l’approcher avec les yeux de Dehli ou de Dakar ou même plutôt avec ceux du village de brousse, les plantations… les usines… Ce renversement de perspective reflète… le changement du phénomène colonial lui-même. Aujourd’hui l’initiative est passée du colonisateur au colonial. »

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 188

Le développement

93 Enfin, parmi les représentations des Tropiques au Centre, il y a eu sa banalisation comme lieu de développement. C’est les intégrer non plus dans celui de la différenciation en milieux naturels et biologiques subsumé par le schème zonal mais dans le schème d’un espace économique, celui de la modernisation, qui institue un espace homogène au plan planétaire. Dans la politique mondiale états-unienne de l’après guerre, le développement est devenu mot d’ordre pour une intervention globale et en particulier pour les programmes d’aide technique et économique aux « territoires dépendants ». Formulés par le président Truman et par ses conseillers, ils ont été soutenus notamment par des géographes tel Bowman et les experts réunis au sein de l’Office of Strategic Service (OSS) durant la guerre, tel Lawrence Martin (Smith, 2003).

94 On l’a vu, nombre des participants aux congrès de géographie d’après guerre signalent cet horizon d’action qui s’intègre bien, d’ailleurs, dans la géographie appliquée pour laquelle ils militent alors : dès le congrès de Washington, leurs rapports sur la géographie dans les tropiques sont tous pleins des programmes commandités par des organisations nationales qui ont été montées durant cette nouvelle guerre mondiale (certaines avaient été créées dès les années trente mais elles avaient végété, et les géographes n’avaient que peu contribué à ces recherches appliquées comparativement à d’autres scientifiques tels les naturalistes, cf. Bonneuil, 2000).

95 Parmi eux, le géographe britannique Steel qui, dans les congrès, s’est souvent distancié de la voie tropicaliste, tout en se référant durablement au monde des Tropiques. Il soulignait par exemple à Lisbonne que les problèmes qu’il étudiait, et ceux que les administrations coloniales rencontraient, étaient pour une grande part des problèmes universels, celle de l’urbanisation par exemple. Mais, en 1964, à côté de sa critique de la géographie tropicale à la Gourou (celui-ci étant visé explicitement), il affirme l’existence d’une école comprenant tous les auteurs rassemblés dans son livre et qui aligne l’espace tropical sur le reste du monde : « ‘la géographie des tropiques’ n’implique rien d’autre que l’étude par les géographes des aires tropicales, selon des approches et des méthodes généralement similaires à celles utilisées pour l’étude de toute autre partie du monde. » [‘the geography of the tropics’ implies no more — and no less — that the study by geographers of tropical area, adopting, in general, similar approaches and methods to those used in the studies of any other part of the world.] (Steel, 1964, p. 2)

96 Ces auteurs rassemblés dans Geography and the tropics sont pour l’essentiel issus du département de géographie de Liverpool, où Steel a implanté de longue date des études portant sur le développement de pays de l’Empire britannique puis du monde entier. C’est donc dans cette ancienne métropole impériale typique que Steel marque son engagement dans cette discipline modernisatrice, la géographie du développement, que Marcus Power et James D. Sidaway (2004) ont présentée comme un déplacement, assez tardif (vers la fin des années 1960), de la géographie tropicale (des géographes britanniques radicaux tel Keith Buchanan s’orientant quant à eux vers la notion de Tiers Monde développée en France et vers les théories de la dépendance).

Tropicalité militante

97 La tropicalité a été aussi « militante », selon l’expression de Daniel Clayton (2012) : les peuples colonisés ont de leur côté reconfiguré l’espace tropical par l’action (la guerre,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 189

la menée révolutionnaire) ou par la voix de militants anti-colonialistes. Dans un article consacré à la lutte subversive des victimes de la colonisation (les « tropicalisés » eux- mêmes) il souligne que la tropicality n’est pas une affaire de la seule critique postcoloniale : les tropiques ont été reconfigurés entre les années 1940 et 1970 par des discours et des pratiques contre-hégémoniques, en particulier par la mobilisation matérielle et symbolique du terrain tropical dans la guérilla. En Amérique latine, au Vietnam, la montagne tropicale ou la jungle devenait ressource.

98 S’agissant du domaine culturel, D. Clayton souligne en particulier le rôle du poète surréaliste Aimé Césaire, qui est emblématique d’une lutte contre la stigmatisation et la dépossession des colonisés. Sa revue Tropiques, qu’il a créée en Martinique en 1941, a été une plateforme contre l’aliénation coloniale et un appel à la construction d’une identité propre par la subversion des valeurs associées à un espace en fait dénaturé par le discours colonial. Dans son Discours sur le colonialisme (1955), en militant politique, il dénonçait radicalement le tropicalisme diffus des auteurs français, qu’ils soient écrivains, philosophes ou spécialistes de sciences humaines et sociales, qui restaient selon lui, quelle que soit leur éventuelle bonne foi, des « chiens de garde du colonialisme » (Césaire, 1955, p. 39) ; — et de citer parmi eux en particulier Gourou : « De Gourou, son livre : Les pays tropicaux, où, parmi des vues justes, la thèse fondamentale s’exprime partiale, irrecevable, qu’il n’y a jamais eu de grande civilisation tropicale, qu’il n’y a eu de civilisation grande que de pays tempéré, que, dans tout pays tropical, le germe de la civilisation vient et ne peut venir que d’un ailleurs extra-tropical et que sur les pays tropicaux pèse, à défaut de la malédiction biologique des racistes, du moins, et avec les mêmes conséquences, une non moins efficace malédiction géographique. » (Césaire, 1955, p. 39-40)

Le Brésil comme lieu d’émergence inter-nationale du tropical : un espace-chimère

99 Dans ces reconfigurations variées et parfois contradictoires des tropiques dans la géographie des années quarante-soixante, des villes de congrès comme Rio de Janeiro et Londres/Liverpool sont des hauts lieux, lieu d’émergence pour Rio (1956), de dissolution pour Liverpool (1964).

100 Pour le congrès tenu au Brésil, sur lequel on se concentrera ici, on esquissera trois aspects des spatialités de cette rencontre internationale de géographes : les vertus de la rencontre collective in situ ; la constitution du pays d’accueil en un espace complexe constitué par des espaces pleins de sens pour tous les participants, mais hétérogènes ; l’emprunt au pays même de représentations variées (tropical et développement), et peut-être de représentations sinon du tropical contre-hégémonique du moins de représentations autochtones de la tropicalité.

101 Mais ces hypothèses devraient être approfondies par une recherche plus exhaustive sur les documents publiés, sur les archives des congrès et sur les réactions personnelles des participants.

La légitimation par la rencontre sur les lieux

102 La fréquentation commune des lieux (Rio de Janeiro, la capitale20, et son Ecole navale, siège du congrès ; le Brésil entier, lors de la dizaine d’excursions proposées avant ou après le congrès), autorise sans aucun doute l’homologation d’un espace tropical par la communauté internationale des géographes qui se réunissent en 1956 [fig. 4]. Etre sur place, en face à face, in situ avec les autochtones, est une condition de possibilité de la

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 190

reconfiguration des espaces qui s’y produit. La rencontre en ce lieu suppose en effet la reconnaissance de la légitimité des collègues organisateurs, ce qui a été admis en 1952 lors de l’acceptation officielle de l’invitation faite par les Brésiliens pour le prochain congrès21, et l’affluence ratifie la légitimité de ce choix, tandis que la discussion sur place et la pratique d’excursions sous la direction des géographes du pays suppose le partage du regard sur un espace et un échange confiant de diagnostics. Présents dans les discours officiels d’ouverture et de clôture du congrès, toutes ces idées figurent aussi en filigrane dans divers comptes rendus d’après congrès et dans les préparatifs diplomatiques de la réunion.

Figure 4 – Couverture des comptes rendus et logo du congrès international de géographie de Rio de Janeiro (1956)

103 Comme l’expriment les propos de Maximilien Sorre mis en exergue de cette partie, la vision collective du territoire brésilien a fourni comme un certificat d’authenticité de sa propre géographie. En effet, le géographe français reprend pour le dire la formule classique que Vidal de la Blache associe au concept de connexité géographique : l’enchaînement des phénomènes en un lieu. Si l’on suit toujours le texte de Sorre, le congrès a normalisé les tropiques en impatronisant « le monde tropical comme une grande entité géographique dont tous les caractères s’enchaînent » : il l’insère ici dans le schème zonal et, ce faisant, c’est aussi De Martonne que Sorre retrouve.

104 L’expression de la parité que l’espace brésilien a acquise avec les autres espaces planétaires par sa fréquentation de visu et in situ (« in the field », « on the ground », disent des comptes rendus d’anglophones), se retrouve dans les discours officiels.

105 C’est en particulier le cas des discours brésiliens, imprégnés de comtisme, qui récapitulent tous le enjeux de ces congrès internationaux de géographes avant de spécifier ce sur quoi le Brésil apporte du nouveau. Le président du comité d’organisation, Jurandyr Pires Ferreira, rappelle ainsi dans son discours de bienvenue combien les échanges culturels permis par ces rencontres sont bénéfiques à la science ; il estime en outre que l’examen commun des problèmes géographiques propres à chaque région du monde est une condition nécessaire à la production d’une connaissance géographique universelle, et il félicite l’UGI de son action. C’est alors qu’il

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 191

spécifie l’apport du Brésil, sa tropicalité, et c’est ici, dès ce premier discours, que la teneur tropicale est donnée au congrès.

106 A la tribune, le président de la République Juscelino Kubitschek de Oliveira reprend ces différents thèmes et il insiste sur le fait que cette rencontre internationale est une reconnaissance de la maturité atteinte par la science géographique brésilienne. Enfin, faisant écho au programme ‘tropicalisant’ annoncé précédemment, il articule la vitalité de la géographie (discipline) brésilienne avec la géographie (qualité même des lieux) du Brésil : « Notre géographie par elle-même expliquerait notre vif intérêt pour les études géographiques, quand bien même celles-ci ne constitueraient pas une des grandes branches contemporaines du savoir universel. » [Nossa geografia por si mesma explicaria o nosso vivo interêsse pelos estudos geográficos, se êstes não constituíssem um dos grandes ramos hodiernos no saber universal.] (Actes, 1959, p. 155)

107 En conclusion du congrès, le secrétaire général du comité d’organisation, O’Reilly Sternberg, se réjouit de l’affluence à ce congrès qui a été centré sur « les problèmes de cette grande entité géographique, le monde des tropiques » [the problems of that great geographical entity, the world of the tropics] (Actes, 1959, p. 168).

108 A la fin du congrès, les discours conclusifs des officiels de l’UGI insistent sur l’excellence de la communauté géographique du Brésil incarnée dans son Comité national et par son comité d’organisation, et tout se passe comme si, par métonymie, la légitimité des uns (les géographes brésiliens) rejaillissait sur la légitimité de l’autre (le territoire brésilien).

Plusieurs mondes signifiants

109 Mais la configuration des représentations spatiales que les congressistes ont du Brésil lors de ce congrès mérite l’analyse. Le président de l’UGI, Dudley Stamp, félicite ainsi les organisateurs de la totale réussite de ce congrès qu’il place sous le signe de la ‘première’ : « C’est le premier Congrès international de géographie qui se tient dans l’Hémisphère Sud, le premier dans les tropiques, le premier en Amérique latine et le premier au Brésil » [this is the first International Geographical Congress to be held in the Southern Hemispher, the first in the tropics, the first in Latin America and the first in Brazil.] (Actes, 1959, p. 156)

110 Pour le secrétaire général du Comité d’organisation, le Brésil, c’est « la plus significative des greffes en basse latitude de ce que l’on appelle la civilisation occidentale » [The most significant low latitude transplant of what is known as western civilization] (Actes, 1959, p. 168)

111 Quant à eux, les géographes états-uniens situent le Brésil dans leur domaine propre, le Western Hemispher22. Enfin, selon la presse, les Soviétiques (présents pour la première fois) estiment que « O Brasil pode e deve ser precursor da ciencia tropical » [le Brésil peut être le précurseur de la science tropicale ] (Correio da Manha, Rio de Janeiro, 19 Set. 195623).

112 Le Brésil est donc bien, pour la plupart des groupes de participants, « de leur monde », chacun de ces mondes étant différent de celui du voisin, mais occidental (et indépendant de longue date, ce qui n’est pas dit). Il est admis dans un espace commun. Les géographes réunis à Rio constituent le Brésil en un espace-chimère, composé

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 192

d’espaces légitimes hétérogènes. Ils ont aussi authentifié sur place sa teneur « tropicale » revendiquée localement par les géographes et par les plus hautes autorités du Brésil. Peut-être même faut-il voir dans cette coalescence le rôle d’intellectuels brésiliens, tel le sociologue Gilberto Freyre, bien connu internationalement à l’époque24, et dont David Arnold (1996, p. 161-162), qui cite notamment son livre de 1959, New World in the Tropics : the Culture of Modern Brasil, a souligné la forte contribution à la défense d’une tropicalité positive.

113 Relevant de plusieurs espaces mentaux légitimes, le Brésil a pu constituer un catalyseur, — un espace suffisamment hybride pour servir de lieu d’une coproduction de cet espace symbolique « espace tropical » tout court qui est la marque de ce congrès.

114 Dans ce contexte intégrateur, sinon normalisateur, plusieurs pays nouveaux entrent à l’UGI en 1956, dont plusieurs ex-colonies et des territoires africains encore dépendants qui sont inscrits dans le nouveau statut de « membres associés » créé à Rio : l’Afrique occidentale française, le Kenya, le Nigeria, l’Ouganda, le Soudan.

115 On a tenté de mobiliser autour de l’activité des congrès internationaux de géographie des outils de l’analyse spatiale des sciences en voyant cette organisation qui s’est développée depuis la fin du XIXe siècle comme l’une de celles par laquelle les géographes se sont proposé, au-delà du cadre national/impérial, de conduire une représentation collective du monde contemporain. On s’est demandé comment s’est effectué, dans ce cadre, avec des moyens d’observation et de transport des informations changeants, la construction d’un réseau d’analyse à visée planétaire et la mobilisation de données locales. Parmi les directions de recherche suggérées par les auteurs qui ont été pionniers de ce champ, on a insisté sur la détection des lieux, à différentes échelles, où se faisait ce travail de production internationale de savoir géographique. Dans les espaces de travail que constituent les différents lieux de rencontre internationaux (les villes et les pays de congrès), on a compris les pays d’origine des congressistes et des membres officiels de l’organisation. Parmi les espaces d’échelle supérieure on a évoqué le rôle de certains des espaces spécifiques de la collecte et de la production des savoirs géographiques, et particulièrement le terrain, auquel contribue l’organisation itinérante des congrès, qui ouvre aux géographes une pratique ‘sur le motif’ de leur matériau de recherche, et auquel les excursions offrent l’expérience d’une observation collective.

116 On a insisté sur plusieurs formes des espaces mentaux qui ont été mobilisés et co- construits au cours des congrès internationaux. Le cas des Tropiques est emblématique de l’imbrication des divers genres d’espaces mentaux qui nourrissent de fait la production de savoir géographique. Tour à tour « autre » dans le schème colonial, « normalisé » dans le schème zonal, « invalidé » dans l’espace homogène de la modernisation économique, l’espace tropical travaillé par les géographes réunis dans les congrès internationaux est inscrit dans des espaces mentaux d’ordre divers. Ils sont d’abord inscrits dans le méta-espace terrestre (le « tout terrestre » de certains géographes et de la géographie générale), des représentations de la terre qui configurent le projet des géographes : l’espace totalement exploré ou « fini » des années 1870, celui, « mondial » du tournant des XIXe-XXe siècles, celui, « trop-plein » des années trente, enfin le « système-monde » contemporain. A plus grande échelle, ils relèvent aussi de schèmes proprement géographiques tel le schème zonal ou climatique, ou bien le schème continental, ou encore le schème hémisphérique qui peuvent (comme le tout terrestre) relever d’une construction savante. Mais ces espaces

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 193

mentaux relèvent aussi de représentations idéologiques plus communes, induites fortement, durant la période envisagée, par le colonialisme ou par l’impérialisme.

117 En situation de collaboration internationale, ces représentations communes sont pour partie partagées, pour partie antagoniques, selon le moment. Aussi les espaces de travail des congrès sont-ils régulés — l’espace mondial est ainsi idéalement dépolitisé, technicisé, ou standardisé. Parfois, les régulations explosent sous le coup de la réalité géopolitique. Si les lieux de congrès se ressemblent : ils constituent des espaces de travail comparables dans la durée (régis notamment par des lois spatiales telle la loi de gravité et par des relations centre-périphérie durables), s’ils ont évolué dans le temps, certains lieux de congrès ont eu une vertu propre de condensation de savoir nouveaux. Ceux-ci ont alors été autrement formatés par l’interférence des espaces mentaux qui y ont été activés. Non que le génie des lieux s’y soit déployé librement, comme par magie. Mais parce que les espaces matériels et mentaux qui s’y sont conjugués ont non seulement fait sens pour les participants au congrès, mais ont produit une émergence, dans une certaine conjoncture spatio-temporelle de légitimité et de confiance entre les individus et groupes présents ou représentés, qui pouvait signifier une normalisation ou une exclusion pour d’autres.

BIBLIOGRAPHIE

Agnew John A., Livingstone David N. (eds), 2011, Geographical Knowledge, The Sage Handbook.

Arnold David, 1996, « Inventing tropicality », in : Arnold David (éd.), The Problem of Nature : Environment, Culture and European Expansion, Oxford, Blackwell, p. 141-168.

Arrault Jean-Baptiste, 2007, Penser à l’échelle du Monde. Histoire conceptuelle de la mondialisation en géographie (fin du XIXe siècle/entre-deux-guerres), Thèse de doctorat, Université de Paris I. [http://tel.archives-ouvertes.fr/tel-00261467].

Besse Jean-Marc, 2004, « Le lieu en histoire des sciences. Hypothèses pour une approche spatiale du savoir géographique au XVIe siècle », MEFRIM, t. 116, 2, p. 401-422.

Bonneuil Christophe, 2000, « Development as experiment : Science and State building in late colonial and postcolonial Africa, 1930-1970 », Osiris, 15, p. 258-281.

Bowd Gavin, Clayton Daniel, 2005, « French tropical geographies: Editor’s introduction », Singapore Journal of Tropical Geography, 26 (3), p. 271-288.

Bowman Isaiah, 1931, The Pioneer Fringe, New York, American Geographical Society.

Bowman Isaiah, 1934, « Pioneer Settlement », in : Comptes rendus du Congrès international de géographie. Paris 1931, Paris, Armand Colin, t. III, p. 279-280.

Bruneau Michel, 1989, « Les géographes et la tropicalité : De la géographie coloniale à la géographie tropicale et ses dérives », in : Bruneau Michel, Dory Daniel (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 67-81.

Césaire Aimé, 1955, Discours sur le colonialisme, Paris, Editions Présence africaine éd. 2011).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 194

Clayton Daniel, 2012, « Militant tropicality : war, revolution and the reconfiguration of the ‘tropics’ c. 1940-c. 1975’ », Transactions of the Institute of British Geographers, 10.1111/j. 1475-5661.2012.00510.x

Clayton Daniel, Bowd Gavin, 2006, « Geography, tropicality and postcolonialism : Anglophone and francophone readings of the work of Pierre Gourou », L’Espace géographique, 35 (3), p. 208-221.

Collignon Béatrice, 1996a, « Les commissions, ‘l’organe le plus important de l’UGI’ », in : Marie- Claire Robic, Anne-Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmattan, p. 117-146.

Collignon Béatrice, 1996, « Congrès et conférences régionales » in : Marie-Claire Robic, Anne- Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmatttan, p. 87-116.

Comptes rendus du congrès international de géographie, Amsterdam 1938, 12. Rapports, 1938, Leiden, E.J.Brill.

Comptes rendus du congrès des sciences géographiques, cosmographiques et commerciales, tenu à Anvers du 14 au 22 août 1871, Anvers, 1872, vol. 1.

Desrosières Alain, 2000, « L’histoire de la statistique comme genre : style d’écriture et usages sociaux », Genèses, 39, juin 2000, p. 121-137.

Driver Félix, Yeoh Brenda, 2000, « Constructing the Tropics : Introduction », Singapore Journal of Tropical Geography 21 (1), p. 1-5.

Dubois Jean-Jacques, 1972, « Essai sur les professions des membres des congrès », in : Pinchemel Philippe (dir.), La géographie à travers un siècle de Congrès internationaux, Caen, UGI, p. 50-53.

Feuerhahn Wolf, Rabault-Feuerhahn Pascale, 2010, « Présentation : la science à l’échelle internationale », Revue germanique internationale, 12 [La fabrique internationale de la science. Les congrès scientifiques de 1865 à 1945 »], p. 5-15.

« Géographie/Anticolonialisme. Jean Dresch », 1978, Hérodote, 11.

Fosberg F.R., Garnier B.J., Kücher A.W., 1961, « Delimitation of the Humid Tropics », The Geographical Review, LI (3), p. 333-347.

Gourou Pierre, 1947, Les Pays tropicaux. Principes d’une géographie humaine et économique, Paris, PUF [The Tropical World (1953)].

Gourou Pierre, 1977, « Jacques Weulersse, 1905-1946 », Geographers. Biobibliographical studies, Mansell, p. 107-112.

Hamelin Louis, 1979, « Géographies canadienne et mondiale », Actes du congrès. 22e Congrès international de géographie, 1972, Montréal, Ottawa, Alphatex.

Harris Chauncy, Mechtild Rössler, 1996, « ‘On political issues…’ Chauncy Harris interviewed by Mechtild Rössler », in : Robic Marie-Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.), p. 291-304.

Harris Steven J., 1998, « Long-distance corporations, big sciences, and the geography of knowledge », Configurations, 6, p. 269-304.

Heffernan Michaël, 2011, « Learned Societies », in : Agnew John A., Livingstone David N. (eds), Geographical Knowledge, The Sage Handbook, p. 111-125.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 195

Heffernan Michaël, 2011, « La mise en ordre du Sud : la carte de l’Amérique espagnole par l’American Geographical Society », in : Blais Hélène, Deprest Florence, Singaravelou Pierre (dir.), Territoires impériaux. Une histoire spatiale du fait colonial, Paris, Publications de la Sorbonne, p. 141-167.

Jacob Christian (dir.), 2007, Lieux de savoir. 1. Espaces et communautés, Paris, Albin Michel.

Kish George, 1972, « The participants », in : Pinchemel Philippe (dir.), op. cit., p. 35-53.

Laurière Christine, 2010, « La discipline s’acquiert en s’internationalisant. L’exemple des congrès internationaux des américanistes (1875-1947 », Revue germanique internationale, 2010, 12, p. 69-90.

Leclerc Jacques, 1989, « Amsterdam 1938, un tropique bien blanc, sinon rien », in : Bruneau Michel, Dory Daniel (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 91-97.

Livingstone David N., 1992, The Geographical Tradition, Oxford, UK-Cambridge, USA, Blackwell.

Livingstone David N., 1995, « The spaces of knowledge : contributions toward a historical geography of science », Environment and Planning. Society and space, p. 13-42.

Livingstone David N., 2000, « Tropical hermeneutics : Fragments for a historical narrative », Singapore Journal of Tropical Geography, 21(1), p. 92-98.

Livingstone David N., 2003, Putting science in its place. Geographies of scientific knowledge, Chicago, University of Chicago Press.

Livingstone David N., Withers Charles W.J. (ed.), 2011, Geography of Nineteenth-Century Science, University f Chicago Press.

Martonne Emmanuel (De), 1905, « Le VIIIè Congrès international de géographie (Washington, 1904) et sa grande excursion dans l’Ouest et au Mexique », Annales de géographie, p. 1-22.

Martonne Emmanuel (De), 1913, « Le climat facteur du relief », Scientia 13, p. 338-355.

Martonne Emmanuel (De), 1946, « Géographie zonale. La zone tropicale », Annales de géographie, p. 1-18.

Pearson A., Heffernan Michaël, 2009, « The American Geographical Society’s Map of Hispanic America : Million scale mapping between the war », Imago Mundi, 61, p. 1-29.

Pinchemel Philippe (dir.), 1972, La géographie à travers un siècle de Congrès internationaux, Caen, UGI.

Power Marcus, Sidaway James D., 2004, « The Degeneration of Tropical Geography », Annals of the Association of American Geographers, 94 (3), p. 585-601.

Prochasson Christophe, 1989, « Les Congrès : lieux de l’échange intellectuel. Introduction », Mil neuf cent. Revue d’histoire intellectuelle, 7, p. 5-8.

Pumain Denise, 1972, « Essai sur les effets de localisation des congrès », in : Philippe Pinchemel (éd.), op. cit., p. 192-194.

Rabault-Feuerhahn Pascale, 2010, « ‘Les grandes assises de l’orientalisme’. La question interculturelle dans les congrès internationaux des orientalistes (1973-1912) », Revue germanique internationale, 12, p. 47-69.

Rasmussen Anne, 1995, L’internationale scientifique (1890-1914), Paris, Thèse EHESS, 2 vol.

Report of the 6th international geographical congress held in London, 1895, Ed. by the secretaries, 1896, London, John Murray.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 196

Robic Marie-Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.), 1996, Géographes face au monde. L’Union géographique internationale et les congrès internationaux de géographie, Paris, Montréal, L’Harmatttan.

Robic Marie-Claire, 2006, « A crise dos anos trinta e a emergência de novos temas na geografia », in : Angotti-Salgueiro H. (org.), Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira : a dinâmica da transformação, São Paulo, EDUSC, IEB, FAPESP, p. 37-55.

Robic Marie-Claire, 2008, « Tropicalisme, zonalité, géographie tropicale », in : Hélène Velasco- Graciet (dir.), Les tropiques des géographes, Bordeaux, Maison des sciences de l’homme d’Aquitaine, p. 47-62.

Robic Marie-Claire, 2009, « La crise des années trente et la tension vers l’expertise géographique : expériences françaises et internationales. Une nouvelle frontière ? », Confins, n° 5, [http:// confins.revues.org/5652] (version modifiée de Robic, 2006).

Robic Marie-Claire, 2010, « A propos de transferts culturels. Les congrès internationaux de géographie et leurs spatialités », Revue germanique internationale, 12, p. 33-45.

Smith Neil, 2003, American Empire. Roosevelts’s geographer and the prelude to globalization, University of California Press.

Said Edward W., 1978, Orientalism, London.

Schroeder-Gudehus Brigitte, 1986, « Pas de Locarno pour la science. La coopération scientifique internationale et la politique étrangère des Etats pendant l’entre-deux-guerres », Relations internationales, 46, p. 173-194.

Sorre Maximilien, 1957, « Le Congrès international de géographie de Rio de Janeiro », Annales de géographie, p. 1-4.

Steel Robert W., 1964, « Geographers and the tropics », in : Steel Robert W., Mansell Prothero R. (eds), Geography and the Tropics : Liverpool Essays, London, Longman, p. 1-29.

Théry Hervé, 1989, « Le Brésil est-il un pays tropical ? », in : Michel Bruneau, Daniel Dory (dir.), Les enjeux de la tropicalité, Paris, Masson, p. 58-64.

Velasco-Graciet Hélène (dir.), 2008, Les tropiques des géographes, Bordeaux, Maison des sciences de l’homme d’Aquitaine.

Vidal de la Blache Paul, 1910, « La carte internationale du monde au millionième », Annales de géographie, p. 1-7.

Volle Dominique, 1996a, « La carte des Etats : vers la couverture du monde ? », in : Robic Marie- Claire, Briend Anne-Marie, Rössler Mechtild (dir.),, op. cit., (p. 41-62).

Volle Dominique, 1996b, « L’universalité et ses limites », in : Robic Marie-Claire, Briend Anne- Marie, Rössler Mechtild (dir.), op. cit., (p. 63-86).

UGI, 1959, Comptes rendus du XVIIIe Congrès international de géographie, Rio de Janeiro, 1956, t. 1 Actes du Congrès, Rio de Janeiro, Comité National du Brésil.

Withers Charles W.J., 2007, Placing the Enlightenment : Thinking Geographically about the Age of Reason, University of Chicago Press, Chicago&London.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 197

ANNEXES

Sources archivistiques

Fonds Gottmann : Département des Cartes et Plans, Bibliothèque nationale de France. Lettre manuscrite d’Emmanuel de Martonne à Jean Gottmann (6 septembre 1946). (je remercie Emmanuel Fabre de me l’avoir fait connaître). Carnets de Vidal de la Blache : Archives de la bibliothèque du Centre de géographie, Institut de géographie (Paris, 191 rue Saint-Jacques) National Academy of Science, Washington.

NOTES

1. Cet article reprend des études déjà publiées sur ce thème de la spatialités des savoirs, notamment un article d’un numéro de la Revue germanique internationale consacré aux transferts culturels liés aux congrès internationaux (Robic, 2010) et un article publié dans le livre dirigé par Hélène Velascot-Graciet consacré aux « tropiques des géographes » (Robic, 2008). 2. L’étude s’appuie sur des recherches antérieures relatives aux congrès internationaux de géographie et à l’Union géographique internationale : Marie-Claire Robic, Anne-Marie Briend, Mechtild Rössler (dir.), 1996 ; et, centré sur la période 1871-1972 : Philippe Pinchemel (dir.), 1972 ; voir aussi Brigitte Schroeder-Gudehus, 1978. 3. Cf. les propos de savants allemands (années 1890), cités par Wolf Feuerhahn et Pascale Rabault- Feuerhahn (2010), qui visent la promotion d’une Grosswissenchaft, une science « à l’échelle industrielle ». 4. On travaillera ici surtout sur la période 1871-1996 et, pour la question de la tropicalité, sur la période 1871-1972. On privilégiera la référence à des géographes français, pour illustrer certains points. 5. Travaillant sur la période moderne (XVIe-XVIIe siècles), il y comprend astronomie, cartographie, géographie mathématique et ethnographique, histoire naturelle, météorologie, navigation…). L’expression de « big science » désigne pour le XXe et le XXIe siècles des champs comme la physique, qui mobilisent des ressources financières énormes et reposent sur des programmes de recherche articulant des laboratoires gigantesques et des équipes implantées dans le monde entier. 6. « Mondialiser », « mondialiste » apparaîtraient dans les années 1930, « mondialisation » et « globalization » dans les années 1980 (avec des hapax, éventuellement très antérieurs). 7. Ces expositions ou la visite des musées ethnographiques sont aussi essentiels dans les premiers congrès internationaux des orientalistes et des américanistes (Rabault-Feuerhahn, 2010 ; Laurière, 2010). 8. Source : Archives américaines consultées par Mechtild Rössler (NAS). 9. A l’instar du Conseil international de recherches, créé à la fin de la Première Guerre mondiale sous l’égide des Académies des sciences des pays alliés, devenu Conseil international des unions scientifiques en 1931 (connu aujourd’hui par son acronyme anglais, ICSU), auquel l’UGI est affilié. La création d’une Union mondiale des sociétés de géographie avait été souhaitée au congrès de Rome (1913). 10. « […] we need to understand the tropics as a conceptual, and not just a physical space. […] The tropics existed only in mental juxtaposition to something else — the perceived normality of the temperate lands. » (Arnold, 1996, p. 142-143).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 198

11. Cf. par exemple Livingstone, 1992, chapitre 7, sur la prégnance dans le monde anglophone de cette « économie morale du climat ». 12. Ils y sont particulièrement nombreux : s’il y a 32 délégués néerlandais sur 179 délégués officiels soit environ un sixième, un tiers des 72 communications présentées dans cette section provient des Pays-Bas (Leclerc, 1989). 13. Les Français, les Britanniques et les Etats-uniens sont plutôt sous-représentés dans cette section relativement à leur présence au congrès (Ibid.). 14. Le rapport a été lu par Robert Perret. Dresch ne pouvait pas participer au congrès de Washington car il était membre du parti communiste français. 15. Je remercie vivement Luisa Simões pour son aide et ses traductions de textes du congrès de Rio de Janeiro. 16. Selon cet article, l’UNESCO a organisé une conférence à Candy (Ceylan) en mars 1956 pour définir son projet de programme de recherche sur les tropiques humides. Au cours de cette réunion, les scientifiques présents ont développé des vues très disparates sur les facteurs à prendre en compte. Un botaniste, Fosberg, de l’US Geological Survey a proposé d’établir une carte à petite échelle et Küchler, professeur de géographie à l’Université de Kansas, a été recruté pour ce faire. Au même moment, du côté de l’UGI, P. Garnier, directeur du département de géographie à Ibadan (Nigeria), entreprenait un travail comparable fondé sur des données météorologiques. L’article compare ces deux cartes et détaille les méthodes utilisées. 17. T.Hills dirige toutefois une bibliographie collective sur le sujet en 1960. 18. Voir le numéro d’Hérodote, 1978, consacré à J. Dresch. 19. Témoignage de Pierre Gourou (1977) dans sa notice biobibliographique sur Weulersse, p. 109. 20. Sous la présidence de Kubitschek (qui a honoré le congrès de sa présence), Brasilia était lancée mais en 1956 elle n’était pas devenue la capitale fédérale. 21. Le choix de cette localisation a été discuté dès l’immédiat après guerre, lorsqu’il s’est agi de renouer avec les congrès internationaux de l’UGI et de choisir un lieu de congrès acceptable pour toutes les parties. Dès les années 1945-46, les Alliés se sont ainsi concertés pour décider du prochain pays d’accueil et De Martonne, alors président de l’UGI, a dû mettre au vote les villes de Lisbonne (choisie en 1938), du Caire et de Rio de Janeiro (cf. archives américaines recueillies par Mechtild Rössler, NAS). 22. Ainsi, parmi les géographes américains consultés en 1946, Preston James aurait opté pour Rio, n’était la concurrence géographique que produirait ce choix : « Rio is one of the most active geographical center, outside of the United States, in the western hemisphere » (Archives US collectées par M. Rössler, NAS). Le compte rendu du congrès de Washington dit aussi que nombre de participants du 4e Congrès panaméricain d’histoire et de géographie, ces représentants du « western hemisphere », se sont joints au CIG. 23. Source : Archives privées de H. Sternberg, M. Rössler, 1991, Berkeley. 24. Gilberto Freyre sera aussi cité pour ses vues sur le lusotropicalisme par le président de l’UGI, Carl Troll, lors du congrès international de Londres (1964). Sur les paradoxes et les ambiguïtés de la tropicalité du Brésil voir aussi Théry (1989).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 199

RÉSUMÉS

L’article applique aux congrès internationaux de géographie, qui se tiennent depuis 1871, une méthode d’analyse centrée sur l’inscription spatiale des savoirs. L’Auteure considère ces congrès comme une super-organisation spatiale de savoir spatial dont l’objectif était, au-delà du cadre national/impérial, de conduire une représentation collective du monde contemporain. Elle discute d’abord de l’universalité de l’espace concerné par ses travaux et des rapports entre les centres et les périphéries qui le constituent. Prenant l’exemple des Tropiques, elle examine ensuite comment certains espaces mentaux ont été mobilisés et coconstruits par ces congrès (par des discours, des débats, des excursions de terrain, par l’organisation de commissions de recherche spécialisées, etc.), et les effets de lieu qui ont pu configurer ces espaces selon la localisation des congrès, les schèmes et découpages du monde concurrents, et la conjoncture géopolitique.

O artigo aplica aos congressos internacionais de geografia, que ocorrem a partir de 1871, um método de análise centrado na inscrição espacial dos saberes. A autora considera os congressos como uma super-organização espacial do saber espacial cujo objetivo era, para além do marco nacional/imperial, o de conduzir uma representação coletiva do mundo contemporâneo. Ela discute primeiramente a universalidade do espaço abrangido por seus trabalhos e as relações entre os centros e as periferias que o constituem. Tomando o exemplo dos Trópicos, ela examina em seguida como alguns espaços mentais foram mobilizados e coconstruídos por esses congressos (pelos discursos, os debates, as excurssões de campo, pela organização de comissões da pesquisa especializadas, etc.), e os efeitos de lugar que puderam configurar esses espaços segundo a localização dos congressos, os esquemas e divisões de mundo concorrentes, e a conjuntura geopolítica.

El artículo aplica a los congresos internacionales de geografía, que ocurren a partir de 1871, un método de análisis centrado en la inscripción espacial de los saberes. La autora considera estos congresos como una súper-organización espacial de saber espacial cuyo objetivo es, más allá del marco nacional/imperial, el de conducir una representación colectiva del mundo contemporáneo. La autora discute en primer lugar la universalidad del espacio abarcado por sus trabajos y las relaciones entre los centros y las periferias que lo constituyen. Tomando el ejemplo de los trópicos, ella examina en seguida como ciertos espacios mentales fueron movilizados y co- construidos por estos congresos (por los discursos, debates, excursiones de campo, por la organización de comisiones de investigación especializadas, etc.), y los efectos de lugar que pudieron configurar estos espacios según la localización de los congresos, los esquemas y las divisiones del mundo antagónicas, y la coyuntura geopolítica.

The article applies to international geographical congresses, which have been held since 1871, a method of analysis centred upon the spatial inscription of knowledges. The Author considers these congresses to be a spatial super-organisation of spatial knowledge whose aim was, beyond the strictly national/imperial frame, to lead a collective representation of the contemporary world. She firstly discusses the universality of the space dealt with in its deliberations and the relations between centres and peripheries which constitute it. Taking as an example the Tropics, she then examines how certain mental spaces have been mobilised and co-constructed by these congresses (through speeches, debates, excursions in the field, the organisation of specialised research commissions, etc.), and the effects of place which have been able to configure these spaces according to the location of the congresses, the competing schemas and drawing of geographical entities, and the geopolitical situation.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 200

Der Artikel befasst sich mit den Internationale Geographischen Kongressen, die seit 1871 stattfinden, und zwar mit einer Methode zur Analyse der räumlichen Dimension des Wissens. Die Autorin hält diese Kongresse für eine supra-Organisation räumlichen Wissens, deren Ziel es war, über die nationalen / imperial Rahmen hinaus, auf eine kollektive Repräsentation der Vertretung der heutigen Welt hinzuführen. Zunächst bespricht sie die Universalität des Raumes in dieser Arbeit und die Beziehung zwischen Zentren und Peripherien, die ihn bilden. Am Beispiel der Tropen untersucht sie, wie einige mentale Räume mobilisiert wurden und mitkonstruiert wurden durch diese Kongresses (durch Reden, Diskussionen, Feldexkursionen, der Organisation spezialisierter Forschungskommissionen, usw.) und die Auswirkungen der Orte, die diese Räume konfiguriert haben je nach dem Standort der Kongresse, der Schema und Konstruktionen der wettbewerbsorientierten Welten und der geopolitischen Situation.

INDEX

Mots-clés : congrès internationaux de géographie, espace mental, sociétés de géographie, spatialité, tropicalisme, UGI, universalité Palavras-chave : congressos internacionacionais de geografia, espaço mental, sociedades de geografia, espacialidade, tropicalismo, UGI, universalidade Schlüsselwörter : geistiger/mentaler Raum, geographische Gesellschaften, IGU, International Geographische Kongresse, Räumlichkeit, Tropikalismus, Universalität Palabras claves : congresos internacionales de geografia, espacio mental, sociedades geográficas, tropicalismo, UGI, universalidad Index chronologique : 1871-1996 Keywords : geographical societies, international geographical congresses, mental space, spatiality, tropicalism, IGU, universality

AUTEUR

MARIE-CLAIRE ROBIC

Laboratoire Géographie-cités (UMR 8504) Equipe E.H.GO, CNRS, Paris

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 201

As cidades do Prata Apontamentos para análise de Formação Territorial e Urbana do Extremo Sul do Brasil Las ciudades del Plata: notas para el análisis de la formación territorial y urbana del extremo sur de Brasil Les villes du Prata: notes pour l'analyse de la formation territoriale et urbaine du extrême sud du Brésil The cities of the Plata: notes for analysis of territorial and urban formation of the far southern Brazil

Sidney Gonçalves Vieira

1 Introdução

1 De modo geral os estudos sobre o processo de formação territorial e urbana do Brasil se baseiam em uma fundamentação única, baseada na unidade territorial do país. Entretanto, sobretudo em um país de dimensões continentais como é o Brasil, este tipo de consideração tende a mascarar as peculiaridades regionais existentes no contexto mais amplo. Sobretudo, quando se trata de um estudo geohistórico, ligado ao período colonial, a ideia de unidade nacional não pode ser aplicada. O processo de produção do espaço urbano não pode ser entendido a partir de uma lógica exclusivamente nacional, que desconsidere a multiplicidade de atores envolvidos no processo, principalmente se o que se pretende é entender uma formação territorial e urbana a partir de uma ótica regional e pautada na importância das ações locais.

2 A ideia inicial deste trabalho não é a de propor a busca por uma cidade “tipo” na América Latina, que possa ser identificada a partir de padrões de comportamento social ou de regularidades espaciais comuns. Quando se fala em “Cidades do Prata” se quer fazer referência a um conjunto de cidades que tiveram sua origem produzida sob a influência dos mesmos fatores históricos, principalmente, mas que geraram similitudes também nos aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e espaciais, em certa medida. Não constituem um grupo de cidades homogêneas, que possam ser facilmente

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 202

reconhecidas por essas semelhanças, mas um grupo de cidades formadas em uma mesma territorialidade, sob a lógica geral dos mesmos processos econômicos e sociais.

3 Em nossa proposição as Cidades do Prata podem ser reconhecidas basicamente pelo contexto de suas formações territoriais urbanas, vale dizer, pela justificativa comum de seus nascimentos. Todas têm origem, direta ou indiretamente, no vasto processo de extração da prata das minas bolivianas e, nesse contexto são especificadas pela origem comum que têm no complexo processo de contrabando do mineral, que gerou uma rota alternativa, capaz de despertar o interesse pelo território até então inóspito e pouco ocupado nos domínios português e hispânico na América. Trata-se da região periférica do processo de exploração colonial, existente onde hoje se localiza o extremo sul do Brasil (Estado do Rio Grande do Sul) a Mesopotâmia da (Províncias de Entre Ríos, Corrientes e Missiones) e o Uruguai. Na verdade um complexo territorial dominado pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai e suas respectivas bacias coletoras, que na sua desembocadura no Oceano Atlântico configura o estuário do rio da Prata.

4 Toda essa imensa região é reconhecida tradicionalmente pela denominação de Região Platina, justa alusão ao processo histórico que lhe deu origem. Essas terras permaneceram desinteressantes às explorações coloniais de espanhóis e portugueses justamente pela falta de atrativos econômicos que justificassem uma empreitada colonizadora. De fato, nessas paragens não havia ouro, prata ou exploração agrícola rentável que justificasse o interesse dos exploradores europeus. Somente a possibilidade de exploração de uma rota clandestina de escoamento da prata do centro da América chamou a atenção. A partir daí esse território passou a ser então motivo de cobiça das duas coroas, ensejando uma disputa que extrapolou os limites da política para combates e guerras efetivas.

5 Todo este processo localizado no espaço platino se desenvolve como parte da própria formação territorial dos Estados envolvidos, pois as disputas pelo controle estratégico dos principais pontos desse território levarão à demarcação dos limites entre estas partes. A região se torna uma terra de disputas cujo domínio oscila entre as coroas portuguesa e espanhola até que se definam as demarcações que configuram os estados contemporâneos envolvidos no processo. Por isso, o período em que ocorrem essas disputas é significativamente importante para a formação territorial e urbana da região. Nesse período é que se identifica a fundação de cidades como verdadeiros pontos demarcatórios do território, como bastiões pelos quais se disputará a imposição de limites, sendo este fator extremamente decisivo na escolha de posições e sítios urbanos. Portanto, a configuração regional se justifica pelo leitmotiv da disputa pelo controle do território entre as coroas ibéricas na América, sendo esse motivo fundante um dos definidores do caráter e da identidade da sociedade local. Podemos identificar no tempo este período como compreendido entre a fundação da Colônia do Sacramento (1680), como ponto inicial e a independência do Uruguai (1828), como ponto final.

6 Obviamente que datas estanques não são apropriadas para a delimitação de um período cujas origens e consequências não se limitam a sua ocorrência, haja vista que acontecimentos anteriores e posteriores continuam intimamente associados ao processo analisado. Entretanto é o marco temporal que serve de gênese para a análise, é a datação histórica que fundamenta as relações sociais de produção que se quer ligar com o presente para entender a sociedade e o espaço atual. A fundação de Colônia do Sacramento é apontada no início do período porque marca a postura portuguesa de disputa e interesse pelo território em questão. Demonstra, em uma região dominada

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 203

por espanhóis ou abandonada a qualquer sorte, que a natureza apresenta atributos que merecem a atenção e cujo domínio passa a ser objeto de disputa, se não pelos recursos pela posição estratégica de controle destes. Por outro lado, o processo tem seu ponto final marcado com a criação do Uruguai porque a partir daí se definem os limites que passam a demarcar os territórios disputados, e também porque marca a finalização do processo de fundação dos estados nacionais resultantes destas disputas, pois se estabelecem as autonomias, ainda que não de forma inconteste, de Brasil, Argentina e Uruguai. Como se disse, não são limites absolutos, mas ajudam a delimitar o conjunto de relações que estão abarcados pela colonização da América Platina pelos impérios de Portugal e Espanha.

7 Portanto, a denominação “do Prata” para essas cidades visa lhes conferir uma identidade cultural e territorial cuja justificativa é histórica, uma vez que comungam da mesma sorte de acontecimentos para explicar suas origens, e também geográfica, já que compartilham um território de características comuns, marcados pela paisagem do pampa. Os tipos que daí emergem, o gaúcho e o missioneiro, fundamentalmente, são construções fundadas nos elementos da história e da geografia dessa região, que encontram na disputa territorial, no embate com as elites dominantes e no processo de afirmação de identidade um caudal que desenvolve a cultura local. Não se trata de um processo homogêneo, muito pelo contrário é pleno de idiossincrasias, que a denominação comum não pretende esquecer. Por isso se rejeita a adoção da denominação para construção tipológica. Ela é tão somente identificadora dos processos históricos e geográficos responsáveis pela produção de um espaço heterogêneo, ainda que produzido por processos que na origem foram comuns.

8 Ao analisar este espaço, ainda que não necessariamente sob esta mesma perspectiva teórica, Randle (1969) se refere a uma “ciudad pampeana” buscando justamente uma regularidade nas estruturas e nas formas de certas cidades , baseado na ideia da existência de uma origem comum que conferia identidade a estas cidades. Ainda que tenha tratado essencialmente das cidades da região de Buenos Aires, reconhece o autor as mesmas características capazes de conferir certa identidade a um grupo de cidades. Nota-se no estudo a mesma vertente aqui presente, que pretende reconhecer elementos capazes de unirem sob a mesma lógica cidades cuja evolução no tempo afastou as origens comuns do passado.

9 Também na Argentina Romero (2004) trata de realizar estudo mais abrangente, considerando como foco toda a América Latina. Neste caso, busca uma identidade muito mais histórica, pautada em princípios de caracterização da sociedade em cada época, mas não deixa de conferir importância aos elementos territoriais presentes. O autor analisa as cidades decorrentes das primeiras fundações americanas. Depois considera as “cidades fidalgas” construídas pelos colonizadores para a vida metropolitana na colônia. Segue a análise com as “cidades criollas” criadas pela incipiente burguesia surgida nas colônias a partir de seus próprios ideais de desenvolvimento comercial e urbano. As “cidades patrícias”, que surgem logo depois, são decorrência dos inúmeros processos de independência que se desencadeiam na América Latina. As “cidades burguesas” são uma consequência do processo de modernização, assim como as “cidades massificadas”, frutos do capitalismo moderno, com as quais finaliza sua investigação.

10 Em obra de envergadura de três tomos o uruguaio Pintos (2008), apresenta a história “de los pueblos orientales” na qual analisa o processo de povoamento do Uruguai.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 204

Apresenta um minucioso relato dos atos fundacionais daquelas que hoje constituem as cidades no território nacional do Uruguai. Entretanto, o relato remonta o tempo de disputa entre espanhóis e portugueses demonstrando a ação e o papel importante que tiveram os habitantes originais, os primeiros povoadores, os colonizadores e todos os demais envolvidos no processo. A análise do autor permite colocar em evidência as vicissitudes locais, para além da homogeneização pretendida por uma análise pautada na lógica do colonizador.

11 Em todos os casos, que aqui aparecem como uma listagem exemplificativa de estudos da mesma natureza, o que fica evidente é a postura metodológica no tratamento do tema. Em que pese a diferença entre os textos e as qualificações distintas de seus autores, o que se pretende é chamar a atenção para a importância reveladora do processo histórico aliado à formação territorial. Essa perspectiva, explícita em Randle (1969) e sugerida em Romero (2004) e em Pintos (2008), aponta para uma possibilidade muitas vezes negligenciada pelos estudiosos da Geografia e da História, que está justamente na alternativa de trabalhar com as duas perspectivas de análise em uma só. A Geografia Histórica se aproxima muito dessa perspectiva ao analisar a formação territorial, o espaço geográfico a partir da história, ou, dito de outro modo, analisar a história a partir da perspectiva espacial, territorial. Nesse sentido, Moraes (2005) é quem bem apresenta alguns dos fundamentos mais esclarecedores para que se possa utilizar criticamente a História na análise geográfica. Na verdade, o autor aproveita a possibilidade posta pela interdisciplinaridade entre Geografia e História, uma perspectiva de contar a história a partir de um referencial geográfico, mantendo intactas as características das duas ciências.

12 Para Moraes (2002) a Geografia Humana precisa ser entendida como a ciência social que tem por objeto o processo universal de entendimento da apropriação do espaço natural e da construção de um espaço social, que se dá pelas diferentes sociedades ao longo da história. No mesmo sentido, concebe a História como sendo uma progressiva e reiterada apropriação e transformação do planeta, resultando em uma cumulativa antropomorfização do espaço terrestre. Assim, esse processo de transformação do espaço natural, de apropriação da natureza e sua transformação em um meio cada vez mais artificial é o próprio processo histórico que se realiza a partir da produção espacial. As construções e destruições realizadas pelo homem passam a fazer parte do espaço, qualificando-o para as apropriações futuras. A constituição de um território é, assim, um processo cumulativo, a cada momento um resultado e uma possibilidade em contínuo movimento. Trata-se, portanto, de um modo parcial de ler a História, a partir desse processo de constituição do território. A constituição do território pode ser um rico caminho para a análise da formação histórica de um país, pois a qualidade de sua inércia torna-o importante depositário não apenas de valores econômicos, mas também de projetos que por diferentes vias se hegemonizaram na sociedade em foco.

13 Do ponto de vista metodológico se busca, assim, uma orientação que fuja também da mera repetição dos fatos, que tem nos conduzido a uma descrição da história como uma sucessão de fatos que inexoravelmente conduzem a uma só possibilidade de presente e de futuro. Procura-se romper com uma perspectiva linear da história, que analise a produção territorial e urbana a partir da evolução urbana. A proposta metodológica que se pretende efetivar não segue uma lógica formal, mas sim uma postura dialética, como se expõe a seguir.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 205

14 As relações sociais, tal como as observamos no presente, têm uma aparência que, a primeira vista, pode confundir a análise do real se levarmos em conta apenas a sua aparência atual. Há a necessidade de datação destas relações sociais, no sentido de que sejam identificadas as suas origens. O que observamos no presente é a coexistência de relações sociais que tem datas diferentes e que estão, assim, em descompasso e desencontro.

15 Passamos a analisar uma perspectiva metodológica que nos é apontada por Lefebvre (apud MARTINS, 1981). Segundo Martins (1996), Lefebvre retornou a Marx para compor esta noção. Na verdade, trata-se de um retorno ao núcleo da explicação do processo histórico em Marx, a relação entre o homem e a natureza, quando o homem modifica a natureza e modifica suas próprias condições de vida, na busca pelo atendimento de suas necessidades, modificando, por consequência, a sua relação com a natureza também. Remete-se, assim, à noção de formação econômico-social, tema ocasionalmente recorrente na obra de Marx, que busca dar conta da sedimentação dos momentos da história do homem. Já está presente nesta redescoberta o interesse de Lefebvre pela datação histórica, e o reconhecimento das diferentes datações das relações sociais.

16 A noção de formação econômico-social representa tanto um segmento do processo histórico quanto o próprio conjunto do processo histórico. É uma noção que comporta o princípio explicativo de totalidade, e ao mesmo tempo, de unidade do diverso. No entanto, o diverso não é, necessariamente, contemporâneo, pois a noção de formação econômico-social em Marx e Lênin carrega também a noção de desenvolvimento desigual assim como também engloba a sobrevivência de estruturas e formações anteriores na própria estrutura capitalista. A lei que rege o desenvolvimento desigual também rege a formação econômico-social, e indica que as forças produtivas, as relações sociais, não avançam de acordo com o mesmo ritmo histórico.

17 Ainda segundo Martins (1996), Lefebvre entende que a desigualdade dos ritmos do desenvolvimento histórico decorre do desencontro que na práxis faz do homem produtor de sua própria história e, ao mesmo tempo, o divorcia dela, não o torna senhor do que faz. Sua obra ganha vida própria, torna-se objeto e objetivação que subjuga em renovada sujeição o seu sujeito.

18 O homem é alijado de suas condições materiais de seu desenvolvimento. Elas existem, mas não cumprem o destino de fazer do homem o objetivo do próprio homem. A coisificação que se verifica nas relações sociais aliena o homem em relação à sua obra, que ganha à aparência de coisa e objeto e não aparece como sujeito de sua própria obra. O homem, deste modo, aparece como objeto e não como objetivo daquilo que faz.

19 A partir destas considerações, Lefebvre avança. Reconhece a existência de uma dupla complexidade da realidade social: horizontal e vertical. Trata-se, de uma concepção teórica e metodológica da realidade, onde se identificam, por um lado, as distinções existentes no presente, por intermédio da complexidade horizontal, e, por outro lado, se identificam as diferentes datas das relações no passado, por intermédio da análise da complexidade vertical. E, mais do que isto, desvendam-se, assim, as aparências da realidade.

20 Sob este ponto de vista, tem-se um instrumento metodológico, o método regressivo- progressivo de que nos fala Lefebvre. Por intermédio deste instrumento, capaz de identificar no presente as diferentes temporalidades da história, pode-se analisar o real sobrepondo-se à concepção de contemporaneidade das relações sociais. Se as relações

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 206

sociais aparecem juntas no presente para serem entendidas de maneira correta, precisam ser datadas, precisam ter suas origens vinculadas a uma determinada data, para que se demonstre que a coexistência delas no tempo atual esconde a gênese em processos diferentes, no passado.

21 Aqui, o que se pretende é seguir o método apontado por Lefebvre (apud Martins, 1996). Tem-se a exata perspectiva do presente, de onde partimos e reconhecemos o espaço e o tempo atual, a partir do qual se pode descrever qualificadamente o real existente, aparentemente simultâneo. Ou seja, no caso em questão, do estudo das Cidades do Prata, parte-se da descrição atual da região, sua configuração territorial, a identificação das particularidades nacionais e regionais envolvidas e, principalmente, a descrição do que se encontra posto. É a complexidade horizontal em ação. Em seguida, a proposta busca no passado as relações sociais de produção que possam ser justificadoras deste presente, identifica em ações pretéritas aquelas que estão inexoravelmente ligadas aos resultados que observamos no presente, ou seja, faz-se a datação das relações sociais de produção. Com isso, se busca na história os fatos e ações, bem como seus sujeitos, que estão na gênese dos processos que ainda se observam no presente, metamorfoseados pela ideologia. Neste momento o passado colonial das Cidades do Prata se apresenta como elemento importante para a análise, pois se entende que neste período foram forjadas muitas das estruturas políticas, econômicas e sociais que produziram o espaço e a sociedade do presente. Ao fim, se deseja apontar para as potencialidades do futuro, aqui entendido como uma virtualidade, ou seja, algo que não está posto como definitivo, apenas como possibilidade.

2 Distintas Abordagens Historiográficas

22 Desde o ponto de vista da História Econômica tomamos por base o estudo realizado por Passetti (2005) em que o autor nos apresenta uma revisão de literatura sobre o tema, mais especificamente sobre as historiografias recentes que se propõem a estudar a América Latina nas últimas décadas do período colonial, e que podem ser identificadas em pelo menos três classes de estudos, considerando a abordagem utilizada. De um lado, aparece a abordagem liberal, cuja lógica se propõe a partir de uma análise do mercado exterior. De outro, surge a abordagem marxista, que se ocupa com a formação do sistema de dominação social e econômica que analisa os grandes proprietários rurais. E, por fim, a abordagem da nova história econômica que busca centrar a análise nos elementos específicos das economias locais.

23 Na Abordagem Liberal, que segundo Passetti (2005) aparece nos estudos apresentados por Bethell (2004 e 2008) a região platina aparece como uma região periférica, sobre a qual reina um desconhecimento histórico. Os artigos baseados na teoria liberal para entender a economia platina colonial, dedicam especial atenção à produção voltada ao mercado exterior, desconsiderando a crescente participação do mercado interno no consumo dos produtos agropecuários. A produção é estudada em larga escala, como monocultura pecuária, sem se ater à pequena e média produção que escapava ao modelo exportador. Nesse entendimento a economia platina colonial aparece como meramente voltada para o exterior. A produção voltada ao mercado interno e o crescimento populacional, por conseguinte, são desconsiderados na medida em que a análise sustenta o foco na tradicional divisão entre “colônia de povoamento” e “colônia de exploração”, dentro da qual a colonização espanhola teria sido do segundo tipo. A

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 207

análise liberal do final do período colonial na região platina focou a produção das grandes estâncias e o destino final externo de seus produtos. Suas pesquisas estiveram especialmente interessadas no funcionamento das grandes unidades produtivas de pecuária que objetivavam o comércio de couros. Prioriza-se, assim, o estudo do mercado externo em detrimento das relações locais. No entanto, considerar que a sociedade estava voltada para a exportação apenas explicita uma compreensão da história latino-americana tendo caminhado acompanhando a história europeia, um efeito da colonização segundo as repercussões do modelo colonizador. Nesta perspectiva a Região Platina colonial é meramente coadjuvante, pois a ênfase da economia estará centrada na Nova Espanha e na América Andina.

24 Na linha da abordagem liberal dos artigos compilados por Bethel (2004) aparece, por exemplo, o artigo de Magnus Mörner “A economia e a sociedade rural da América do Sul espanhola no período colonial”, em que o autor manifestamente procura no Prata os mesmos elementos explicativos da economia colonial, quando deveria ter identificado as peculiaridades e diferenciais que caracterizavam a região. Também Bakewell (in Bethell, 2004), se ocupa do estudo da mineração na América Espanhola, enquanto Florescano (in Bethell, 2004), trata do estudo da estrutura econômica da “hacienda” na Nova Espanha, e Macleod (in Bethell, 2004) analisa aspectos da economia interna da América Espanhola. Todos eles, significativamente, tratam da lógica hegemônica externa ao Prata, pois consideram como importantes os fatores focados na lógica mineradora, via de regra privilegiados pela historiografia econômica liberal.

25 Por seu turno, a abordagem marxista analisa os latifundiários do presente a partir dos estancieiros do passado. A análise marxista preocupou-se com a ocupação das terras e a formação do sistema de dominação social e econômico, enfocando a questão do controle do território, as formas de produção e de coerção da elite estancieira sobre os peões gaúchos. Essa abordagem deixa de analisar o papel desempenhado pelos pequenos e médios produtores na ocupação do território e na produção de bens voltados para o crescente mercado urbano interno, e se restringiu às bases da lógica capitalista no campo no final do período colonial. As terras da estância estavam consagradas ao gado. Em vista disso, era proibido aos trabalhadores construir edificações que não fossem autorizadas pelo proprietário, caçar ou criar aves e animais, semear a terra ou praticar qualquer outra atividade que pudesse prejudicar a tranquilidade dos rebanhos ou o espaço destinado ao pastoreio. Também era vedado aos peões criar o seu próprio gado dentro da estância de seus patrões, mesmo que fosse para sua sobrevivência apenas. Aqui nessa análise há o predomínio das grandes unidades produtivas: As Estâncias. A produção na região platina colonial esteve sufocada pela diminuta taxa de consumo do mercado interno, pelo impedimento do comércio pelo porto de Buenos Aires e pelas dificuldades econômicas em fornecer bens com preços competitivos à Europa. A produção voltada para a exportação estaria centralizada em grandes unidades produtivas, semelhantes àquelas encontradas no século XIX. A estância estava consagrada ao gado. Assim como a mão-de-obra e os instrumentos de trabalho, suas terras eram utilizadas, substancialmente, na busca da preservação e crescimento dos rebanhos.

26 No estudo aqui seguido, Passetti (2005) apresenta o trabalho de Heloisa Jochims Reichel, em sua tese “Contribuição para o estudo da formação social capitalista na América Latina: o caso da Campanha de Buenos Aires – 1830-1840”, como um exemplo da análise marxista para a região. Neste trabalho, a autora não leva em conta a importância do

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 208

mercado interno e dos agentes locais na produção do território e da sociedade urbana que ali se desenvolveu. Atribui importância ao papel da lógica capitalista hegemônica que estava assentada nas grandes unidades produtoras e nas grandes concentrações de terra. O papel dos peões, capatazes e outros atores não aparece como importante.

27 Finalmente, na abordagem da nova história econômica há a descoberta dos pequenos e médios produtores. Os estudos da Nova História Econômica são decisivos ao atenuar a intensidade atribuída à influência do mercado europeu na formação das zonas produtoras latino-americanas. Enquanto tradicionalmente a pesquisa sobre a produção reitera o teórico vínculo umbilical com a metrópole exploradora das colônias, as novas pesquisas demonstram as limitações da influência do mercado metropolitano na definição de produtos e preços nas colônias latino-americanas. A nova historiografia econômica estendeu as informações do acesso aos meios de produção e de venda por parte dos pequenos e médios produtores, geralmente antigos peões. Com isso, suas pesquisas estão desvendando a teia de relações entre produtores e intermediários no acesso aos mercados externo e regional; procuram compreender quais foram as estratégias de sobrevivência destes produtores, que eram maioria em número e em quantidade de produtos, mas que tinham pouca margem para enfrentar as crises econômicas. Ao ater-se, além da documentação oficial e a viajantes, à contabilidade rural e eclesiástica, descobriu os pequenos e médios produtores e o inevitável mercado interno, fazendo aparecer outras diferentes estruturas de acesso aos meios de produção, aos bens de consumo, à política e ao poder. Foge-se, aqui, dos modelos e se identificam estruturas econômicas escondidas na, até então, rígida estrutura imperial espanhola. A heterogeneidade do pampa aparece de maneira mais clara. A região platina que emergiu a partir deste estudo da documentação agrária e eclesiástica foi consideravelmente heterogênea diante da homogeneidade pecuarista antes entendida. Os pampas ao serem mostrados pontilhados por pequenas e médias propriedades pecuaristas e agrícolas, voltadas ao mercado interno, questionam a ênfase determinista da documentação tradicional na produção das grandes estâncias, geralmente eclesiásticas, para mostrar uma situação nova, descrita com base na diversidade.

28 Para este caso, Passetti (2005) apresenta o trabalho de Carlos Mayo, em “Estancia y sociedad en la pampa, 1740-1820”, como um exemplo de abordagem que se enquadra na proposta de abordagem da nova história econômica. Mayo (1995) leva para o centro de sua análise os pequenos e médios produtores, provocando uma reviravolta na compreensão da realidade colonial. Segundo Passeti (2005, p. 15) “diferentemente do que se costumava afirmar, a produção pecuária da região platina colonial também passava a ser caracterizada estando fortemente atrelada ao mercado interno (...), diversificando produtos, criando também equinos para meio de transporte e ovinos para as tecelagens.” Mas, esta conclusão só se tornou possível porque Mayo não se ateve à documentação oficial tradicional e buscou nos arquivos eclesiásticos e na contabilidade rural os dados que atestam a importância das relações sociais de produção no contexto de produção do espaço.

29 Neste sentido ainda há que se aprofundar melhor o estudo das Cidades do Prata com vistas a atingirem os objetivos propostos com os estudos da nova história econômica. Esses estudos também se aproximam da postura metodológica que aponta no cotidiano o principal foco para análise das diferentes temporalidades do presente, ou seja, se junta com o método regressivo-progressivo como uma postura téorico-metodológica

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 209

capaz de produzir uma análise sobre a Região Platina que considere muito mais os sujeitos locais do que a dinâmica nacional como responsável pela produção do espaço.

3 A Expansão Econômica da Ordem Europeia na América

30 Vamos buscar em Moraes (2000) a atenção para o fato de que a formação territorial é o movimento de um grupo social que se expande no espaço e, nesse ato, controla partes do planeta que passam a integrar o seu território. A expansão europeia do século XVI associa formações territoriais muito distintas. Trata-se de uma articulação que une as escalas nacionais com a planetária, já que estabelece a centralidade europeia no mundo e a disputa pela centralidade no interior do continente. Conta-se, assim, com uma profunda hierarquização dos espaços. Num primeiro plano vamos encontrar o centro difusor europeu e, num segundo plano a área de expansão. Do ponto de vista interno, ou seja, a partir da área cêntrica, observa-se uma dinâmica de conflito e muita concorrência e especialização. Já na área externa há uma convivência e associação de sistemas na órbita do centro. Pode-se afirmar que a expansão europeia do século XVI, gerou uma circulação planetária,

31 Por outro lado, Romero (2004), enfatiza muito bem o fato de que esta expansão europeia se constitui, na verdade, de uma segunda expansão. Quatro séculos antes, no final do século XI, uma sociedade solidamente construída nos princípios feudais e cristãos está assentada na Europa. Começa um período de restabelecimento da vida mercantil e expulsão dos muçulmanos, com a recuperação do comércio no Mediterrâneo. A segunda expansão será uma continuidade dessa sociedade, em busca dos contatos com o Oriente.

32 Constitui-se, então, a partir do expansionismo do século XVI, um sistema mundial de ordem predominantemente econômica. Podem-se distinguir dois sistemas distintos, dentro dessa lógica. O primeiro, estruturado na forma de império é o mais comum na história, está representado por uma unidade política, em que a área central não pode explorar completamente a periferia, pois se trata de um sistema único: o império. O segundo tipo, reconhecido como economia mundo, é decorrente de uma unidade econômica que ultrapassa os limites das soberanias territoriais.

33 Abarcando diversos Estados, pode-se distinguir no interior das economias-mundo, um centro para o sistema, caracterizado pelo exercício de mais de um Estado, o que impede a transformação em império. Também se reconhece a existência de uma semiperiferia, imediatamente contígua, que são as áreas de produção especializadas e complementares à economia central. Além destas duas formações identificamos também uma área externa, que embora mantenha contato com o sistema em questão não é comandada por ele. Assim, os vários Estados europeus que se lançam na epopeia de expansão marítima e comercial a partir do século XVI estão no centro de um sistema mundial, caracterizado por uma economia mundo. A América, e as demais colônias de um modo geral, constituirão a grande periferia do sistema, pouco a pouco incorporada às regras centrais.

34 Portugal, ao lado de outros Estados como Holanda, Inglaterra e França, vão contrapor seus interesse e iniciar uma longa série de disputas pelo controle do centro da economia mundo. O mundo colonial, periférico aparece, nesse momento, como objeto

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 210

de disputa entre as nações europeias. Mais do que isso temos, ao final desse longo século XVI, uma profunda divisão do mundo colonial, trata-se, mesmo, de um novo tipo de colonialismo, que desconsidera o mercado colonial. A exploração passa a ser essencialmente mercantil, principalmente com a emergência do Antigo Sistema Colonial, que se manterá por muito tempo.

35 Neste contexto a Região do Prata, nos séculos XVI e XVII, aparece quase como excluída do sistema da economia mundo colonial, tem um papel meramente subalterno e periférico. Este fato se deve ao não enquadramento da região no sistema produtivo colonial. Na América Portuguesa a produção hegemônica colonial estava baseada na economia açucareira, cujo grande centro produtor estava distante não sendo a região detentora de atrativos e capacidades para ingresso nesta produção. Por sua vez, na América Espanhola, a grande produção mineradora ditava a tônica e a produção agropecuária aparecia como subsidiária apenas nas grandes propriedades exportadoras, fazendo com que a lógica da Região Platina fosse desinteressante ao colonizador. Em função desta posição o desenvolvimento regional se dará à custa de pequenos investimentos, muito mais voltados para um mercado de subsistência do que de inclusão no sistema econômico colonial. Um desenvolvimento quase autóctone comandará o processo de produção do espaço regional, permitindo que as peculiaridades ganhassem força e constituíssem uma identidade e um caráter bastante expressivo para a região. Mesmo no século XVIII, quando as disputas pelo controle regional se acentuam, longe das políticas imperiais as relações sociais de produção que definem o espaço regional obedecem muito mais a uma lógica própria do que aquela que governa a política dos estados. O que se afirma é que para além do interesse militar, de controle geopolítico estratégico, as políticas nacionais não produziram efeitos diretos significativos. Fundadas as cidades, nascidas da intenção portuguesa ou espanhola, as próprias tropas muitas vezes eram deixadas à sorte dos acontecimentos cujas soluções eram alcançadas longe da política das nações. Muitas das cidades desta região nasceram mesmo de acampamentos militares, nos caminhos das comissões demarcatórias e como resultado consequente de ações principais, configurando um território e uma sociedade que descobriu sua própria lógica de apropriação da natureza. Esta lógica configurou as Cidades do Prata.

4 A Formação Territorial e Urbana no Extremo Sul do Brasil

36 A produção de um território colonial, como bem lembra Moraes (2000), implica a instalação de uma determinada dinâmica nos novos espaços incorporados à vida econômica europeia. As diferenças nos modos de vida existentes constituem uma primeira barreira na transposição pura e simples do mundo europeu para a América. É necessário o estabelecimento de atividades produtivas que envolvem a criação de formas espaciais diferenciadas. As relações que se estabelecem no espaço colonial apresentam uma dinâmica própria, resultante do embate entre modos de produção afastados técnica e socialmente.

37 Disso decorre a possibilidade de reconhecimento de uma via colonial distinta dos modelos puros existentes na metrópole. Algumas relações sociais e de produção serão adaptadas, outras transpostas simplesmente, e muitas outras terão existência exclusiva nas colônias. A discussão sobre o efetivo caráter dessas relações impõe uma

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 211

investigação de ordem sociológica e econômica que apontará, inequivocamente, para uma mistura distintos modos de produção. Mas, sem a preocupação da exatidão de uma classificação se reconhece que o antigo sistema colonial americano está situado na órbita do capitalismo, entendido como uma macroperiodização. Trata-se de um instrumento da transição, um mecanismo de acumulação primitiva que se insere no contexto da economia-mundo capitalista.

38 A via colonial adotada, que adquire uma forte imposição interna, não pode ser considerada desvinculada dos componentes externos. Mesmo reconhecendo a importância de uma dinâmica própria na produção do espaço e na organização da sociedade colonial, não se deve esquecer que essa sociedade está envolvida por um movimento externo que é dado pelo processo colonizador.

5 Periodização da Urbanização Brasileira

39 De qualquer modo, podemos investigar a história da formação territorial brasileira a partir de uma periodização das instalações urbanas, que ocorreram ao longo do tempo. Seguindo Rhoden (1999), é possível visualizar seis períodos distintos nesse processo de construção do espaço urbano brasileiro, ainda que não sejam períodos estanques e incomunicáveis apresentam características próprias.

40 O primeiro período, compreendido entre 1532 e 1549 foi caracterizado pelo sistema de administração das capitanias hereditárias. A responsabilidade pelos investimentos era muito mais do próprio donatário do que do governo central. Mesmo assim, apenas a Coroa podia criar cidades, estando os donatários limitados a jurisdicionar sobre a criação de vilas. Nesse período se observou a fundação de oito vilas no Brasil.

41 De 1550 a 1580 foi vivenciado um novo período. Esse caracterizado pelos Governos Gerais, quando são criadas as cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, além de mais quatro vilas. A produção açucareira é a grande tônica desse período, podendo se afirmar que houve uma expansão urbana, ainda que limitada ao contexto rural em que se vivia.

42 Durante a União Ibérica, de 1580 a 1640, ocorreu outro período na urbanização colonial. Houve dessa vez, um grande impulso à urbanização com interiorização de alguns núcleos. São criadas mais três vilas e três cidades.

43 Depois da restauração da independência portuguesa, de 1641 a 1700, vivenciamos um quarto período. Nessa época há um decréscimo no desenvolvimento urbano com relação ao período anterior. No entanto a interiorização da urbanização é marcante, sobretudo pela descoberta de ouro nas Minas Gerais, levando a formação de verdadeiras ilhas urbanas no interior do continente.

44 De 1701 até 1750 vamos conhecer a criação de 33 vilas, um reforço à tendência de interiorização da urbanização, principalmente com o subsídio às minas. O Brasil contava com nove cidades nesse período e o sul do Brasil passa a ser incorporado ao sistema colonial, notadamente pela necessidade de defesa em relação às fronteiras com os domínios espanhóis.

45 No último período do lapso de tempo colonial aqui estudado, de 1751 a 1777, surgem as comissões para demarcação dos limites entre Portugal e Espanha. São criadas sessenta vilas e observa-se um grande crescimento da urbanização.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 212

46 A formação territorial brasileira, nos primeiros tempos, está intimamente associada à sociedade agrário-comercial que se instalou nesse espaço. É de se salientar o fato que a vida cotidiana nesses períodos continuava sendo notadamente rural. As cidades não se constituem mais do que apêndices da vida agrária, onde os senhores proprietários rurais possuíam uma casa para diversão e passeio, deixando reservado à fazenda, no meio rural, o caráter de maior importância. Essa situação permanecerá inalterada no Brasil até a ascensão de uma classe urbana e industrial, que, entretanto, só ocorrerá verdadeiramente em pleno século XX.

6 As Cidades do Prata e o Extremo Sul do Brasil

47 Via de regra os estudos de Geografia Urbana se limitam às caracterizações mais amplas sobre a cidade. Generalizam-se grandes períodos da história e caracteriza-se o processo de urbanização como indiferenciado naquele momento e, via de consequência, produzindo resultados físicos semelhantes, ou seja, cidades muito parecidas umas com as outras. Esse tratamento indiferenciado coloca no mesmo bojo processos históricos específicos e particulares, responsáveis por dinâmicas regionais que persistem no tempo, e cuja lógica não consegue ser apreendida nas explicações genéricas do momento histórico. Assim, as cidades sob o capitalismo são vistas sob uma lógica, mas quase que uma lógica única, como a que caracteriza as cidades produzidas após a Idade Média, típicas do período de colonização da América. No entanto, as cidades modernas são diferentes no México, no Peru e na Argentina, mesmo que todas tenham sido produzidas sob a influência espanhola. As cidades do nordeste do Brasil são diferentes das cidades produzidas no sul do Brasil, ainda que a lógica dominante tenha sido a do Império português. Portanto, as características gerais do processo histórico não são capazes de explicar as singularidades que se registram no tempo e no espaço. É necessária uma intervenção mais acurada para a análise de processos específicos. O projeto em tela se propõe a investigar as especificidades históricas em que se deu a formação do espaço urbano regional.

48 Do mesmo modo, a consideração dos elementos de Geografia Urbana que caracterizam as cidades precisa ser enfocada especificamente. Nas relações estabelecidas entre a sociedade e a natureza a diversidade de ações realizadas para contornar as intervenções de uma na outra são numerosas. A situação e o sítio, em cada caso, podem ser reveladores de problemas que se perpetuam na produção do espaço urbano até o presente. Assim também a estrutura interna da cidade, que vai sendo construída sob a lógica das relações de produção dominantes em um local, que podem ser compreendidas para a análise do presente. Ocorre o mesmo com o estudo da fisionomia, do processo e da função urbana. Aqui, a proposição é a de caracterizar esses elementos em cada uma das cidades enfocadas, partindo para uma análise basilar na Geografia Urbana, o estudo dos elementos caracterizadores da cidade, aplicados a um estudo de caso.

49 Do ponto de vista da Geografia Histórica se pretende fazer uma análise que não desvincule o espaço do tempo. Parte-se do pressuposto de que a análise geográfica da formação regional sugere uma periodização específica, na qual se desenvolve a produção do espaço em tela. Deste modo, o espaço que se produz é específico, fruto de determinadas relações sociais de produção, que serão capazes de promover o desenvolvimento de uma sociedade com lógicas próprias, tanto de reprodução do

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 213

espaço como de representação do espaço. Esses elementos, claramente subjetivos, ligados à ideologia sobre o espaço, estão presentes na caracterização da sociedade, e permanecerão com ela na produção do espaço presente. Daí a importância de entender a gênese da formação territorial regional, única capaz de explicar inequivocamente as interpretações do presente.

50 No que diz respeito ao processo de produção territorial e urbano do sul do Brasil é possível afirmar que do ponto de vista do processo histórico o estudo se insere na lógica da produção do espaço observado após o declínio da produção açucareira no Brasil. O chamado “século do açúcar” teve vigência entre 1570 e 1670, dominando as relações sociais de produção no Brasil. Sob essa lógica, toda a sociedade se organizou, sendo incipiente qualquer outra forma de relação econômica e política até então. Já após a unificação das coroas de Portugal e Espanha há uma alteração nesse quadro, e Portugal preocupa-se cada vez mais com a definição dos domínios territoriais. Com a influência da Inglaterra, interessada na prata espanhola de Potosi, os portugueses buscam ampliar seu território, adotando interpretações parciais para os tratados firmados. Ampliam o limite do tratado de Tordesilhas, avançam extremamente para o sul até Colônia de Sacramento para intervirem no comércio clandestino da prata, controlado pelos espanhóis em Buenos Aires. Essa situação desagrada a Espanha que empurra os portugueses até Laguna e desencadeia uma série de avanços e retrocessos demarcatórios na esteira dos quais surgem cidades como fortificações de defesa, acampamentos militares e outras formas com interesse de garantir o domínio do território.

51 Buenos Aires já estava instalada nas margens do rio da Prata desde 1537, Colônia do Sacramento surge em 1680 e Montevidéu em 1729. Em 1737 Rio Grande representa uma posição de defesa para os portugueses e, em 1780, Pelotas aparece como centro de um núcleo charqueador. Ainda, no lado argentino, entre os rios Paraná e Uruguai, há um intenso processo de destruição de bases indígenas e de cidades consolidadas, o que também ocorre no Brasil, na porção oeste do Rio Grande do Sul. Enfim, a região do Prata se constitui em uma região de definição de fronteira, neste período que se pretende terminado no final do século XVIII, com a assinatura do tratado de Santo Ildefonso, em 1777 (Fig. 1 e 2), mas que avança um pouco mais até a definição das fronteiras entre Brasil, Argentina e Uruguai, que se estabelece em 1828 com a independência uruguaia.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 214

Figura 1 – Mapa com os limites de diferentes tratados no Rio Grande do Sul

Fonte: MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTTO (2001)

52 Em todo esse imenso território, desde o estuário do rio da Prata, ao sul, até o rio Uruguai, no norte e desde o Oceano Atlântico, no leste, até o rio Paraná, no oeste, intervém com uma sociedade que se forma nessa disputa, no processo definidor de fronteiras, no embate político e militar pela posse do território. As cidades que aparecem nessa região guardam essa dinâmica na sua fundação e a perpetuam nas representações sociais e nas formas espaciais.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 215

Figura 2 – Região Platina e principais cidades no período colonial

Fonte: MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTTO (2001) [adapt.]

53 Em que pese a proposta do trabalho ser regional e abranger toda a área delimitada como Região Platina, do ponto de vista da delimitação da área de estudo se propõe trabalhar com a parte meridional do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Assim, será objeto de trabalho justamente a porção do território brasileiro definido a partir da segunda penetração portuguesa nos domínios espanhóis. Primeiramente os jesuítas e os bandeirantes haviam incursionado pelo interior no norte do Rio Grande do Sul, estabelecendo reduções jesuíticas. Somente mais tarde é que ocorreu a penetração a partir de Laguna, com direção à Sacramento, colocando todo este território em disputa. Tais disputas foram sendo resolvidas parcialmente em uma série de tratados que continuamente alteravam as delimitações fronteiriças. Justamente nesse período está em disputa a imensa região do rio da Prata, que hoje abarca pelo menos parte dos territórios do Brasil e da Argentina e todo território do Uruguai. A proposição deste trabalho é de abarcar a análise nesse espaço como único, independentemente das fronteiras hoje demarcadas, para compreender a dinâmica do processo histórico na formação territorial, partindo das cidades, que foram verdadeiros baluartes na definição desses territórios.

54 A relevância do tema está em caracterizar o período em que se dá este embate específico entre Portugal e Espanha, na região platina, e que será capaz de produzir uma sociedade e um espaço específico. São as cidades do Prata, fruto da disputa fronteiriça, característica do espaço do pampa e da gente gaúcha.

55 Além do mais, a integração propiciada por essa realidade histórica e geográfica tem a capacidade de produzir uma identidade regional muito forte, que ignora fronteiras e ultrapassa nacionalidades. A possibilidade de reconstituir a história por meio do espaço é singular. Analisar hoje as cidades existentes em diferentes países, mas que foram

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 216

produzidas sob a mesma lógica é desafiador. Ainda mais quando se observam a separação que se impôs a essas terras e gentes, a par das semelhanças ainda hoje presentes.

56 Assim, é adequado que se busque uma periodização própria e específica para a área de estudo demarcada dentro da ocorrência das Cidades do Prata, neste caso, o extremo sul do Rio Grande do Sul. Entretanto, é impossível considerar o processo de produção deste espaço particular como obra exclusiva deste lugar, será necessário analisar o contexto em que está inserido para entender e analisar a lógica e a dinâmica que lhe configuraram.

57 Neste sentido, retomamos Rhoden (1999) quando analisa o processo de povoamento do Rio Grande do Sul. O autor identifica que o povoamento nesta região se deu por intermédio de dois processos distintos. De um lado a concessão de sesmarias por parte da coroa portuguesa, primeiro aos tropeiros que se fixaram nas paragens do sul e, posteriormente aos militares que se iam aposentando naquele lugar, constitui um processo civil e terrestre de ocupação do território. Por outro lado, ocorreu um pouco mais tarde um processo que se desenvolveu ao longo dos rios, onde foram sendo criados pequenos povoados, que acabaram se transformando em núcleos importantes na rede urbana ainda em formação. Esse processo, que contou em grande parte com a contribuição dos engenheiros militares trazidos para a demarcação de limites entre Portugal e Espanha. Em função das características descritas, Rhoden (1999) denominou a este segundo processo de “vertente fluvial” de ocupação do território, de características militar e urbana.

58 Na mesma linha de identificação de uma perspectiva de análise específica para a região Neves (1990) procura estabelecer o histórico de uma rede urbana para o Rio Grande do Sul. O autor identifica como primeiro momento de formação da rede urbana sul-rio- grandense a rede urbana missioneira. Em um segundo momento encontra no objetivo de fixação da fronteira o motivo para o estabelecimento de uma série de núcleos, constituindo marcos no território. Depois, foi a vez do estabelecimento de uma fronteira interna, com a constituição das “colônias” de imigrantes europeus. Mais recentemente o autor identifica as novas fronteiras, ou seja, as aglomerações urbanas que surgem nos tempos mais próximos do presente.

59 De qualquer modo, ainda será necessário um refinamento destes processos apontados por Rhoden (1999) e Neves (1990), na identificação das particularidades que se quer analisar no extremo sul do Brasil. Trata-se, então, de estudar o processo de formação do espaço que se dá pela constituição dos primeiros municípios no Rio Grande do Sul, com foco no processo decorrente dos desmembramentos do município de Rio Grande, do qual nasceram todos os municípios do extremo sul do Rio Grande do Sul. Ficam aqui apontados os caminhos para o estudo desta especificidade.

60 No mesmo sentido, a busca pelos atores locais deve ser intensificada por intermédio de estudos que busquem caracterizar a ação dos pequenos proprietários, dos trabalhadores, capatazes e peões inseridos no processo de reprodução das relações sociais de produção diretamente envolvidos com o espaço local. Caminhos nesta direção são apontados por Abreu (2005) quando analisa a cidade brasileira no passado e por Vasconcelos (1997) que estudo os agentes modeladores das cidades brasileiras no Brasil colonial. Há que se buscar uma via própria que consagre importância aos processos e agentes locais sem deixar de lado o contexto no qual se realizou a formação territorial e urbana das Cidades do Prata.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 217

7 Apontando Possibilidades: A Memória da Cidade

61 Nessa perspectiva, a questão da memória da cidade surge como um tema atual, em função das relações que são estabelecidas entre o lugar, local da manifestação material de uma cultura, e o mundial, representado pela tendência à globalização e aos valores de uma cultura mundializada. O retorno ao passado tem o sentido de reafirmar a história local, o que, aparentemente significaria um antagonismo ao movimento em direção ao mundial. O que não é verdadeiro, se admitimos a ideia de que faz parte de um só processo.

62 Abreu (1996, p. 2-3 e passim) afirma com muita propriedade que no Brasil não é muito comum encontrar-se vestígios materiais do passado em nossas cidades. Primeiramente, cabe lembrar, trata-se de um país de cidades novas, se comparadas às do Velho Mundo. E depois, não havia, até hoje, uma mentalidade voltada para esse aspecto de nossa cultura. Mesmo as cidades tidas como históricas entre nós, como são os casos de Olinda, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, têm hoje um patrimônio material preservado que na verdade não representa significativamente toda a cultura urbana produzida nestes espaços. Da São Paulo colonial, por exemplo, poucos testemunhos restam na materialidade do espaço, grande parte da memória da cidade só pode ser resgatada pelo acervo fotográfico.

63 Além do mais, o projeto modernizador do século XIX apregoava a rejeição do passado e a esperança no futuro, contribuindo para que o fardo da história (como disse Hegel) ou o peso paralisante da história (como disse Marx), referências aplicadas à influência do passado na Europa, fosse bem menor no nosso caso. Mas hoje a situação é diversa e o espírito preservacionista já atinge até mesmo, cidades bem novas, que se preocupam em garantir a sobrevivência daqueles elementos que possam assegurar a sua identidade futura.

64 Não podemos nos iludir, contudo, e achar que todos os movimentos de preservação/ recuperação/restauração são movidos por essa causa. É importante salientar, como o faz também Abreu (1996, idem, p. 4), que a imagem urbana é também uma mercadoria, que em muitos casos pode significar lucro, principalmente com o turismo. Para esse caso, servem os exemplos das cidades europeias já industrializadas que “retornaram” à condição de burgos, como motivo de atração de turistas. Em outros casos, a herança histórica é uma verdadeira criação do presente, como ocorre com Saint Augustine, na Flórida, que é um verdadeiro parque de diversões reproduzindo a colonização seiscentista espanhola.

65 A memória que se quer tratar aqui é, em todo caso, um elemento marcante no cotidiano das cidades, seja qual for o motivo que move sua recuperação. Assim, cabe defini-la com mais precisão. Trata-se de uma memória coletiva, no sentido de que o lugar é o locus do coletivo, do intersubjetivo. Diferencia-se, portanto, da memória individual, que é uma categoria biológica e psicológica que diz respeito à armazenagem de informações, em um indivíduo. O que nos interessa discutir é a memória compartilhada, a memória de um lugar, de uma cidade, que é, portanto coletiva. É claro que se terá que partir da memória individual para entender-se a memória coletiva, porque a partir dos registros da memória individual se poderá chegar ao resgate de elementos importantes do passado, que já desapareceram de outras formas.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 218

66 Para Halbwachs (1990, apud Abreu, 1996, p. 6), a memória coletiva “é um conjunto de lembranças construídas socialmente e referenciadas a um conjunto que transcende o indivíduo”. Sem negar a importância do indivíduo, para ele a capacidade de lembrar é determinada, não pela aderência de um indivíduo a um determinado espaço, mas sim pela aderência do grupo do qual ele fez parte àquele espaço. Um espaço, portanto em que habitou, em que se trabalhou, em que se viveu, enfim. Ou seja, um espaço que foi compartilhado por uma coletividade, por um certo tempo.

67 Halbwachs (Idem) lembra que “a memória coletiva é também uma corrente de pensamento, que retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência de um grupo”. Não há uma oposição entre o presente e o passado, assim como também não significa que tudo o que ocorreu seja preservado.

68 É bom lembrar, também, que a memória urbana está sempre se transformando, em virtude de que os grupos que a guardam na lembrança desaparecem. E, mais ainda, que nem toda a memória da cidade está inscrita em formas materiais. Na verdade se eternizam muito mais nos registros e nos documentos, que servem, enquanto memória histórica, para contextualizar as formas materiais resultantes do passado.

69 A cidade é um dos lugares em que os indivíduos e os grupos sociais, de maneira geral, se ligam entre si. As relações sociais estabelecidas por um grupo ou classe referidas a um determinado lugar são o que fazem surgir uma memória social. A cidade comporta, portanto, muitas memórias, de dominação, de cooperação ou de conflito. Isso impossibilita que seja restabelecido o quadro da totalidade das memórias da cidade, mas aponta para o caminho da possibilidade de recuperação de muitas memórias da cidade.

70 Para que se estruturem plenamente é necessário que a memória individual e a memória coletiva estejam ancoradas no tempo e no espaço. O mesmo ocorre com a memória das cidades. Portanto, uma metodologia segura terá que se estear na História e na Geografia, ao mesmo tempo, para cumprir com êxito a tarefa de recuperação da memória da cidade. Sem uma se perderá o tempo, sem a outra o espaço.

71 Ao se tratar da memória das cidades é imprescindível definir com clareza do que se está tratando. Nesse aspecto, Abreu assinala sua preferência pelos termos consagrados da “memória urbana” e da “memória da cidade” como designativos do passado de uma determinada cidade. Parece que “memória da cidade” é mais claro para designar isso, ainda que seja enganoso pensar que a cidade possa se “lembrar” de algo. Mas os termos vingaram para significar não as lembranças dos indivíduos, mas sim “ao estoque de lembranças que estão eternizadas na paisagem ou nos documentos de um determinado lugar, lembranças essas que são agora objeto de reapropriação por parte da sociedade” (Abreu, 1996, p. 10).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 219

BIBLIOGRAFIA

ABREU, Maurício de Almeida. Sobre a memória das cidades. Trabalho apresentado no Colóquio O Discurso Geográfico na Aurora do Século XXI. Florianópolis: (mimeo) 1996.

ABREU, Maurício. A apropriação do território no Brasil colonial. In: CASTRO, Iná Elias, GOMES, Paulo César da Costa, CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.). Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

ABREU. Maurício de Almeida. Pensando a cidade no Brasil do passado. In: CASTRO, Iná Elias, GOMES, Paulo César da Costa, CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.). Brasil. Questões atuais da reorganização do território. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

ANDRADE, Manuel Correia. O imperialismo e a fragmentação do espaço. São Paulo: Contexto, Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

ANDRADE, Manuel de, e ANDRADE, Sandra Maria Correia de. 2ª ed. A federação brasileira: uma análise geopolítica e geo-social. São Paulo: Contexto, 2003.

BAKEWELL, Peter. A mineração na América Espanhola colonial. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial. Volume 2. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. (99 – 150)

BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial. Volume 2. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004.

BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial. Volume 1. 2. ed. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

CARLOS, Ana Fani A. A cidade. São Paulo: Contexto, 1992.

DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: EDIPUC, 1990.

FARIA, Scheila de Castro. A colônia brasileira: economia e diversidade. São Paulo: Moderna, 2004.

FERREIRA, Gabriela Nunes. O rio da Prata e a consolidação do estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2006.

FLORESCANO, Enrique. A formação e a estrutura econômica da hacienda na Nova Espanha. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial. Volume 2. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. (151 – 186).

FONSECA, Pedro C. Dutra. RS: Economia e conflitos políticos na república velha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

GUTIERREZ, Éster V. B. Negros, charqueadas & olarias. Um estudo sobre o espaço pelotense. Pelotas: Editora Universitária UFPEL, 1993.

MACLEOD, Murdo J. Aspectos da economia interna da América Espanhola colonial: mão-de-obra; tributação; distribuição e troca. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial. Volume 2. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. (219 – 268).

MAESTRI, Mário. Uma história do Brasil colônia. 3. Ed. São Paulo: Contexto, 2002.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 220

MAGNOLI, Demétrio; OLIVEIRA, Giovana e MENEGOTTO, Ricardo. Cenário gaúcho. Representações históricas e geográficas. São Paulo: Moderna, 2001.

MARCO, Miguel Ángel de. La historia contemplada desde el río. Presencia naval española en el Plata, 1776-1900. Buenos Aires: Educa / Librería Histórica, 2007.

MARTIN, André Roberto. Fronteiras e Nações. São Paulo: Contexto, 1992.

MARTINS, José de Souza (org.) Introdução crítica à sociologia rural. São Paulo: Hucitec, 1981.

MARTINS, José de Souza (org.) Henry Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996.

MAYO, Carlos A. Estancia y sociedad en la pampa, 1740-1820. Buenos Aires: Biblos, 1995.

MICELI, Paulo. O feudalismo. São Paulo: Atual, Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988.

MORAES, Antonio Carlos Robert de. Território e história no Brasil. São Paulo: Anablume/Hucitec, 2002.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: O território colonial brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo: Hucitec, 2000.

NEUMANN, Eduardo. O trabalho guaraní missioneiro no rio da Prata colonial, 1640-1750. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1996.

NEVES, Gervásio Rodrigues. A rede urbana e as fronteiras: Notas prévias. In: OLIVEIRA, Naia e BERCELLOS, Tanya. O Rio Grande do Sul Urbano. Porto Alegre: FEE, 1990.

NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777 – 1808). 8. ed. São Paulo: Huci tec, 2006.

PASSETTI, G. A expansão econômica na região platina nos séculos XVIII e XIX. Klepsidra. Revista Virtual de História, v. 22, 2005.

PAYRÓ, Roberto Pablo. El rio de La Plata: de colônias a naciones independientes. Buenos Aires: Alianza, 2006.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

PINTOS, Aníbal Barrios. Historia de los pueblos orientales. Tomos I, II e III. Montevideo: Banda Oriental/Cruz del Sur, 2008.

RANDLE, Patricio H. La ciudad pampena. Buenos Aires: Eudeba, 1969.

REICHEL, Heloisa Jochims. Contribuição para o estudo da formação social capitalista na América Latina: o caso da Campanha de Buenos Aires – 1830-1840. São Paulo: Departamento de História/ FFLCH-USP, 1989. Tese de doutoramento.

RELA, Walter. Colonia del Sacramento 1678 – 1778. Colônia: Intendencia Municipal de Colonia, 2003.

RHODEN, Luíz Fernando. Urbanismo no Rio Grande do Sul. Origens e evolução.Porto Alegre: EDUPUC, 1999.

ROMERO, José Luis. América Latina: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.

SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1987.

SINGER, Paul. Economia política da urbanização. 12. ed. São Paulo: Brasiliense,1990.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 221

VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Os agentes modeladores das cidades brasileiras no período colonial. In: CASTRO, Iná Elias, GOMES, Paulo César da Costa, CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.). Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

VELLINHO, Moysés. Capitania d’El –Rei: aspectos polêmicos da formação rio-grandense. Porto Alegre: IEL: Corag, 2005.

VIEIRA, Sidney Gonçalves. A cidade fragmentada. Pelotas: EDUFPel, 2005

VIEIRA, Sidney Gonçalves. Representações sociais e cidade no Brasil colonial: A Formação Territorial e Urbana Brasileira e Portugal no Antigo Regime. Anais do I Congresso O Espaço Atlântico de Antigo Regime: Poderes e Sociedades. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2005.

RESUMOS

O artigo apresenta pressupostos teóricos com fundamentos históricos e geográficos para a análise da formação territorial e urbana da porção meridional do Brasil, cujos laços com o Uruguai e a Argentina apontam para uma origem comum. Analisa diferentes perspectivas historiográficas e busca aporte em pressupostos da nova história econômica para sugerir a análise regional com base nos agentes locais envolvidos no processo de produção territorial e urbano.

El artículo presenta presupuestos teóricos con fundamentos históricos y geográficos para análisis de la formación territorial y urbana de la porción meridional de Brasil, cuyos lazos con Uruguay y Argentina sugieren un origen común. Analiza las diferentes perspectivas historiográficas y busca el aporte de los supuestos de la nueva historia económica hacia sugerir un análisis regional sobre la base de los actores locales involucrados en el proceso productivo territorial y urbano.

The paper presents theoretical foundations with historical and geographical analysis for the formation of territorial and urban southern portion of Brazil, whose ties with Uruguay and Argentina suggest a common origin. Analyzes different historiographical perspectives and seeks input on assumptions of the new economic history to suggest a regional analysis based on local actors involved in the process of production territorial and urban.

ÍNDICE

Keywords: Cities of Plata, Plata River, Platina Region Palavras-chave: Cidades do Prata, Rio da Prata, Região Platina Palabras claves: Ciudades del Plata, Río de la Plata, Región Platina. Índice cronológico: 1680-1828 Índice geográfico: Rio da Prata, Região Platina

AUTOR

SIDNEY GONÇALVES VIEIRA

Universidade Federal de Pelotas Doutor em Geografia [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 222

Clássicos e textos de referência

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 223

O sítio e o crescimento de Lisboa

Orlando Ribeiro Tradução : José Braga

NOTA DO EDITOR

Comunicação apresentada à Association de Géographes Français e publicada sob forma condensada no seu Bulletin (Paris, 1938); nova redação destinada ao Congresso Internacional de Geografia (Lisboa, 1949), mas mantida inédita. Tradução elaborada a partir da versão presente em Opúsculos Geográficos, V - Temas Urbanos, (F.C.G., Lisboa, 1994, p. 29-37). As notas datam de 1963. Oferecemos neste mesmo número o texto original em francês. Nota do Tradutor: Orlando Ribeiro (1911-1997) foi o geógrafo português mais profícuo do século XX. Nasceu e formou-se em Ciências Histórico-Geográficas, em Lisboa. Pouco depois do doutoramento sobre uma montanha portuguesa A Arrábida (1935) foi nomeado Leitor de Português na Sorbonne, e aí foi discípulo de De Martonne e Demangeon, até 1940. A sua carreira como professor e investigador decorreu na Universidade de Lisboa, entre 1943 e 1981, onde fundou um importante Centro de Estudos Geográficos. A sua obra científica conta mais de 400 títulos, em áreas diversas da Geografia Humana, Física e Regional, e do Pensamento Geográfico. O texto que agora se apresenta pela primeira vez em português resulta da comunicação «Le Cadre Géographique et l’ Évolution de Lisbonne» apresentada à Association de Géographes Français (Paris, 1938). Uma nova redacção destinada ao XVI Congresso Internacional de Geografia (Lisboa, 1949) ficou inédita, e numa 2ª edição, em 1994, foi divulgado com notas de 1963. O texto é acompanhado de um mapa da região de Lisboa, transmitindo a posição da cidade, e de um esquema do sítio, para análise das linhas de crescimento da aglomeração. Orlando Ribeiro aplica o método clássico de estudo em Geografia urbana que aperfeiçoara em França: a análise do «sítio e da posição» da cidade. Descreve as características geográficas de Lisboa: a sua localização e a sua evolução histórica. Recorre aos aspectos físicos enquanto factores explicativos dos fenómenos. Compara

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 224

Lisboa a Constantinopla e a Roma, enquadra-a na rede urbana nacional, insere-a na família de cidades mediterrâneas e recorda as suas funções de capital de um império ultramarino. José Braga

Agradecemos à Prof.ª Doutora Nicole Devy-Vareta a cuidada revisão do texto.

1 Poucas grandes cidades beneficiam, como Lisboa, de uma implantação «predestinada» tanto pelo sítio como pela posição (Fig. 1). Num litoral muito pouco recortado, o seu porto beneficia do entalhe mais profundo e cujo acesso é mais fácil. As outras povoações costeiras abrigam-se em estuários assoreados ou atrás de cordões arenosos que apenas permitem a presença de canais instáveis onde é necessário manter cuidadosamente as profundidades favoráveis à navegação. No «gargalo» que dá acesso ao «estuário» do Tejo, vasto como um mar interior, as profundidades (máximo 48 m) são suficientes para permitir às maiores embarcações acostar. As correntes de maré varrem este corredor, enquanto as aluviões transportadas pelo rio se depositam num verdadeiro delta interior e as vasas colmatam as reentrâncias da margem oposta a Lisboa. Do lado da cidade, linhas de colinas ou faixas de planaltos aproximam-se da costa. O núcleo primitivo da aglomeração está situado precisamente sobre a colina com declives mais íngremes, na vertente sul cuja base era banhada pelas águas do Tejo antes da construção dos aterros que se iniciou no século XIV. Lisboa é assim o último exemplo ocidental de um sítio mediterrâneo típico, combinando as vantagens de uma baía abrigada do vento do largo e de um relevo fácil de defender, a partir do qual se pode vigiar o porto.

2 A região de Lisboa é uma bacia sinclinal ocupada em parte pelo estuário do Tejo; para Norte, esta bacia termina através de uma bela costa miocénica, que segue uma ribeira subsequente; para Sul, o terreno eleva-se para formar a cadeia terciária da Arrábida que se vislumbra no horizonte da cidade.

3 No interior desta bacia, os estratos, que vão do Cretácico ao Mioceno, foram deslocados por alguns abaulamentos anticlinais, por falhas e flexuras que orientam um relevo exumado dos seus elementos brandos. Contudo a parte ocupada pelo centro da cidade apresenta uma estrutura monoclinal, com os estratos mergulhando em direção ao Tejo. É possível reconstituir alguns elementos, conservados pelos 90-110 metros de altitude, de uma superfície nivelada (provavelmente do Plioceno final) e entalhada por uma série de vales consequentes perpendiculares à costa. Devido à proximidade do nível de base, as ribeiras encaixaram-se nesta superfície, diminuindo a profundidade dos vales rapidamente para montante, de tal forma que a área apresenta, na margem do Tejo, uma alternância de sulcos profundos e de colinas alongadas que se fundem no interior para formar um planalto levemente ondulado. Os declives são bastante fortes e as partes do planalto constituídas por rocha dura (molasso calcário) formam cornijas no alto das vertentes.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 225

Figura 1: A posição de Lisboa na embocadura do Tejo

Altitude: 1. menos de 25 metros, 2. Entre 25 e 200 m, 3. Entre 200 e 400 m, 4.mais de 400 m; 5. Estradas principais e vias férreas; 6. Limite da aglomeração urbana.

4 Estes contrastes de relevo tiveram no desenvolvimento de Lisboa uma influência decisiva (Fig. 2). O velho oppidum pré- romano estabeleceu-se sobre um retalho circular de planalto, no local mais fácil de defender e mais próximo do Tejo. Sabe-se muito pouco acerca da cidade romana (Olisippo) cujos vestígios arqueológicos permitem supor que extravasava a cerca da alta Idade Média. Esta mesma cerca marca provavelmente uma fase de regressão na vida urbana, após o desenvolvimento da época romana. No início do século XII, a cidade árabe (Lichbouna) abrigava-se atrás de fortes muralhas e era coroada por um castelo construído com calcários amarelados extraídos do planalto sobre o qual se levanta. Este núcleo fortificado estava estabelecido na vertente que descia para o Tejo, enquanto os arrabaldes se espalhavam para Este e Oeste. Pode-se reconhecer, no traçado tortuoso das ruelas e dos becos, a planta típica das cidades muçulmanas. Esta planta sobreviveu até aos nossos dias em alguns bairros onde a reconstrução, após o tremor de terra de 1755, respeitou a implantação das casas arruinadas.

Figura 2: Esquema do sítio genético de Lisboa

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 226

Esquema do sítio genético de Lisboa. A velha povoação estendeu-se primeiro pela vertente meridional da colina do castelo; depois a Baixa estruturou-se no vale situado a oeste, entre a Ribeira e o Rossio; a expansão às outras colinas é mais recente e é feita sobretudo a partir das igrejas conventuais.

5 Pouco após a conquista portuguesa, Lisboa torna-se capital (século XIII). No final da Idade Média, os seus trabalhadores agrupam-se em corporações, o seu porto abriga embarcações que se podem contar por centenas, o comércio do centro e do sul do país faz-se em grande parte pelo estuário do Tejo, rico em peixe, com regular regime de marés, facilmente navegável, e a partir do qual se pode alcançar, através de rotas naturais, o interior do país. Em torno de Lisboa estendem-se solos bastante férteis provenientes da alteração das argilas e margas miocénicas e do manto basáltico, estes últimos de uma fertilidade proverbial para a produção do trigo. Uma agricultura minuciosa que ostenta a marca árabe, com um sábio sistema de irrigação ainda em uso, alimentava a população já numerosa da cidade. Cedo esta extravasa as muralhas para se propagar ao exterior, em numerosos arrabaldes constituídos em torno de conventos ou igrejas (do século XII ao XIV), quase sempre empoleirados nas elevações. Contudo, o desenvolvimento de Lisboa não se fez em auréolas concêntricas, como uma mancha de óleo que se expande, mas ao longo de linhas de colinas, separadas por vales cujas aluviões suportavam culturas irrigadas; as poucas colinas mais íngremes estavam, mesmo no centro da cidade, cobertas de oliveiras. De tal forma que Lisboa apresentava o curioso fenómeno da penetração da vida rural mesmo no coração da cidade e de um imbricamento de aspetos urbanos e campestres na periferia, a ponto de não se poder dizer, por vezes, se ainda se estava na cidade ou se já se tinha saído dela. Estes testemunhos do campo são hoje ilhéus cada vez mais pequenos, perdidos num oceano de casas, mas as velhas gravuras e as descrições dos autores são bastante expressivas a este respeito. A toponímia das ruas guarda ainda a recordação das árvores, das vinhas ou das culturas hortícolas que substituíram. Nos nossos dias pode-se citar o exemplo

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 227

análogo de dois novos bairros (Alto do Pina, Alto de São João) cujos blocos de imóveis dominam um vale pitoresco que conserva ainda a sua fisionomia campestre.

6 Outra linha de crescimento é marcada pela margem do estuário. Aí a vida marítima foi sempre intensa. É a oeste da colina do castelo, na Baixa, bairro que ocupa o fundo de um vale desembocando no Tejo, que, desde o século XV, se acumulam as atividades urbanas: comércio, banca, ministérios, serviços administrativos, distrações, que se concentram cada vez mais nesta espécie de City. Em alguns minutos podem-se alcançar os cais que se repartem ao longo da costa, onde desembarcam homens e mercadorias. É para este bairro buliçoso que o rei D. Manuel, no tempo das Descobertas, transferiu a sua residência, até aí alcandorada na colina do castelo. Esta construção opulenta, batida pelas ondas, com varandas dando para o Tejo, era tanto um palácio, como uma alfândega e um armazém, onde se acumulavam as riquezas da Índia que o Rei, primeiro comerciante dos seus Estados, mantinha vigiadas. A cidade não é mais a capital de um pequeno país de camponeses, mas um centro cosmopolita, cruzamento das rotas do Oceano e do Mediterrâneo, onde os estrangeiros, atraídos pelo comércio, são tão numerosos, no dizer de um escritor da época, que aí se encontra sempre alguém de qualquer país. Todos os bairros que se desenvolvem ao longo do rio têm o cunho do porto: bairros de negros, de marinheiros, dos Ingleses – nome que designa para o povo o conjunto dos estrangeiros—, de pescadores, de vendedoras de peixe, todos gentes que vivem em contato com o mar ou que chegam por via marítima. Lisboa, com os seus 100 000 habitantes, encontra-se entre as cidades célebres da Europa: a lenda enobrece-a atribuindo-lhe Ulisses como fundador; como Roma, foi construída sobre sete colinas, como Constantinopla, contempla um mar interior. No momento em que as relações comerciais se viram para os portos do atlântico e do Mar do Norte, tem–se gosto em aproximá-la das outras velhas cidades mediterrâneas, dotando assim esta capital de uma auréola de nobreza e prestígio antigos. Os monumentos, palácios, igrejas aí se multiplicam. Esta prosperidade não durou muito tempo, mas a sua marca foi tão profunda que ainda se encontram os seus traços um pouco por todo o lado.

7 O período de D. João V e o de Pombal, após o grande tremor de terra de 1755, marca melhoramentos e modificações muito consideráveis, mas os elementos essenciais da morfologia urbana estavam já fixados. Na Baixa, onde o que restava das casas afetadas pelo sismo foi demolido a tiros de canhão, o traçado das ruas mudou. Contudo as grandes praças do século XV existem ainda: a Praça do Comércio, que se abre para o Tejo como uma espécie de entrada simbólica de Lisboa, e o Rossio, verdadeiro cruzamento urbano situado mais no interior, de onde partiam outrora todas as linhas de transporte e onde conduziam as vias férreas que ligavam a cidade a três quartos do país 1. Entre as duas praças, no fundo plano do vale, desenvolve-se a estrutura pombalina, ortogonal, de uma regularidade monótona, que substitui as velhas ruelas tortuosas. Tanto a Este como a Oeste o solo sobe até ao topo das colinas; ao norte do Rossio, o vale bifurca-se em Y, e ao longo dos dois ramos, avenidas, que retomaram em parte o traçado de antigos caminhos rurais, conduzem aos bairros periféricos.

8 Como por todo o lado, a segunda metade do século XIX marca o início de uma importante fase de crescimento que ainda se mantém. As manchas rurais que tínhamos assinalado no próprio centro da cidade cobrem-se de casas e só restam delas alguns testemunhos nos declives mais íngremes. Novos bairros estendem-se para o Norte, onde os planaltos são menos entalhados pelas ribeiras, o que permite o desenvolvimento de uma planta regular (Avenidas Novas). Alargam-se ruas estreitas,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 228

demolem-se velhos imóveis, retificam-se vias tortuosas, abrem-se largas avenidas, convertem-se espaços vazios em parques e em jardins. Os moinhos de vento que coroavam as elevações, as hortas (culturas hortícolas) com o seu sábio sistema de irrigação, as vinhas, os olivais e os campos de cereais, desaparecem sob um manto uniforme de ruas e casas. O camponês faz-se operário ou refugia-se mais longe, recuando perante esta transgressão urbana. Ao mesmo tempo, a aceleração dos meios de transporte modifica as relações da cidade com algumas povoações dos arredores. As quintas e as casas de campo onde se passava o verão tornam-se pouco a pouco lugares de residência permanente. O solo valoriza-se ao longo das linhas das carreiras que permitem alcançar em 30 ou 40 minutos o centro de Lisboa 2. Observam-se assim estas propriedades tão sabiamente organizadas, que integravam um jardim de recreio e uma exploração agrícola, fragmentarem-se em loteamentos. Algumas aldeias dos arredores urbanizam-se por sua vez e ligam-se definitivamente à cidade. Contudo o campo mantém os seus direitos. Mesmo no interior dos limites administrativos de Lisboa que encerram 8.250 hectares, tal como entre os 5 ou 6 tentáculos que prolongam a área urbana para lá dos seus limites, subsistem lugarejos de camponeses, velhas casas rurais decadentes, instalações agrícolas um pouco à margem, recantos perdidos que conservam o ritmo lento de uma vida rotineira. É ainda a penetração da paisagem rural e da paisagem urbana que já havíamos assinalado como um aspeto caraterístico da velha Lisboa. Como outrora, o relevo tem o seu papel neste contraste, mas a sua influência faz-se sentir em sentido inverso: já não são mais as colinas mas os vales que atraem o povoamento. Esta inversão é também fácil de compreender. Na cidade construía-se nos terrenos menos férteis das elevações poupando os vales com solo rico. Na periferia, são precisamente os vales, explorados de uma forma mais intensiva, que determinaram a fixação dos homens e o traçado dos caminhos, elementos que, por seu turno, guiaram o crescimento urbano.

9 No fim do século XIX, procedeu-se a importantes trabalhos de ordenamento do porto ganhando terreno ao rio. Numa extensão de mais de 12 km, estendem-se os estaleiros, os cais, as docas especializadas: barcos de pesca, grandes paquetes, linhas ultramarinas, cabotagem no interior do estuário, marinha de guerra, etc. Apesar da sua extensão o conjunto das instalações do porto está no limite do suficiente para as necessidades da navegação atual. Foi necessário transferir para a margem sul o arsenal e uma parte dos depósitos e estaleiros de construção naval. Os bairros de residência que, no passado, alinhavam na margem do Tejo as fachadas aristocráticas dos seus palácios e dos seus conventos, encontram-se hoje separados do rio pela fileira de instalações industriais que acompanhou o desenvolvimento do porto. Aí instala-se também uma população de estivadores, operários, marinheiros, pescadores, vendedores de peixe, habitando no meio das fábricas, depósitos e armazéns, e que, ao amanhecer, descem aos cais vizinhos para aí procurar trabalho. A vida industrial, que raramente se vê estabelecer na periferia não marítima de Lisboa, propaga-se sobretudo ao longo da margem do Tejo, atraída pelo porto; mesmo as indústrias que não dependem dele também aí se estabeleceram. Algumas sobem o rio até Vila Franca de Xira, outras transbordaram para a margem sul, onde a maior aglomeração dos arredores de Lisboa deve a sua importância às fábricas e aos numerosos operários que aí trabalham (Barreiro, 16.000 habitantes).

10 Para lá dos seus limites administrativos, a cidade prossegue também ao longo do Tejo. A montante, os estabelecimentos industriais estabelecem-se no meio de culturas hortícolas, que aniquilam ou que empurram para mais longe. A jusante, para o

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 229

Atlântico, na parte chamada desde há alguns anos Costa do Sol, sucedem-se praias ensolaradas, abrigadas dos ventos do Norte, que recebem no verão a população citadina abastada. Estão todas ligadas, por comboios rápidos e frequentes, a uma estação situada não longe do centro da cidade. Já várias estações de veraneio se transformam em moradas permanentes. Até Cascais, em plena costa atlântica, num percurso de 26 km, avistam-se sempre casas e não se tem a impressão de ter deixado a cidade. Mas caso se observe do alto das colinas da margem sul, vê-se que esta fileira de casas quase não se prolonga para o interior. O fato tinha já ocorrido a Link que, no início do século XIX, descrevia a parte oeste de Lisboa como uma espécie de longa rua paralela ao litoral. Para o interior, o campo desarborizado, onde se cultivam cereais alternando com leguminosas, estende-se sobre os solos avermelhados provenientes da alteração dos basaltos ou sobre os afloramentos mais pobres de argilas ou margas miocénicas.

11 As modificações da paisagem dos arredores que acabámos de resumir, registam o aumento da população da cidade. Em 1840, Lisboa contava 192.000 habitantes; em 1864, 198.000; 1890, 290.000; em 1911, 435.000; em 1930, 594.000, o que corresponde a um décimo da população portuguesa 3. O aumento seguiu um ritmo diferente conforme os bairros. A Baixa e os seus arrabaldes, centro de negócios, da administração e de lazer, buliçosa durante o dia, fica despovoada à noite. Os escritórios, os bancos, os cafés, os armazéns, deixam pouco espaço aos apartamentos: desde há 50 anos a sua população está estagnada ou diminui. Em redor do que era Lisboa até meados do século XIX, os aumentos são em geral inferiores a 50%; na periferia, o crescimento é enorme (mais de 200%); no bairro das Avenidas Novas mais de 1.000%.

12 Como explicar esta força de crescimento, este poderoso impulso, num país que tem apenas duas cidades com mais de 50.000 habitantes? 4 Para isso contribuem primeiro as funções de capital que Lisboa exerce em toda a sua plenitude. A administração, as escolas e os estabelecimentos científicos, os museus, os teatros, as distrações, marcam um profundo contraste com as cidades de província. Lisboa é ao mesmo tempo o maior centro de comércio, da banca e da indústria e o maior porto marítimo. Possui tanto uma mão-de-obra abundante e hábil, uma população de marinheiros e pescadores, como um campesinato vigoroso ainda que rotineiro.

13 Para compreender as funções geográficas de Lisboa, é necessário colocar a cidade num quadro mais vasto que o de um país de 6 milhões de habitantes cuja população cresce rapidamente. Até ao século XV Lisboa foi somente uma cidade portuguesa. Na época das Grandes Descobertas, tornou-se um porto de mar ligado para sempre às grandes correntes de circulação oceânica. Assim, a posição de Lisboa explica o seu destino: situada num cotovelo do litoral europeu, próximo tanto do Mediterrâneo, do Mar do Norte e da África Ocidental, contemplando também a América, Lisboa oferece o acesso fácil do seu imenso estuário aos barcos de todos os países que, sulcando em todos os sentidos o mar vizinho, transportam, desde o século XVI, os produtos de todos os climas.

14 Orlando Ribeiro

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 230

BIBLIOGRAFIA

Alguns textos de Orlando Ribeiro sobre Lisboa:

Ribeiro, Orlando (1938) «Le site et la croissance de Lisbonne», Bulletin de l’Association de Géographes Français, Paris, 115, 99-103.

Ribeiro, Orlando (1945) «Evolução e perspectivas dos Estudos Olisiponenses», Revista Municipal, Lisboa, Publicação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, 27, 3-12.

Ribeiro, Orlando (1947) «O Território de Lisboa», in VVAA, Lisboa. Oito séculos de História, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, vol. 1., 2-11.

Ribeiro, Orlando (1955) «Em torno da estrutura de Lisboa», Diário Popular, Lisboa, 29 de Agosto de 1955.

Ribeiro, Orlando (1986) «Lisboa e o Tejo. (Fragmento de um livro em preparação sobre Lisboa)», Cinquentenário do Grupo Amigos de Lisboa, 1936-1986, Olisipo, Lisboa, 149, 49-54.

Ribeiro, Orlando (1994) Opúsculos Geográficos V - Temas Urbanos, Lisboa, F. C. G.

(Este volume colige os escritos do autor sobre Geografia urbana, incluindo os artigos referidos).

Alguns estudos sobre Orlando Ribeiro:

Braga, José (2012) Geografia de Lisboa Segundo Orlando Ribeiro, Dissertação de Mestrado em História e Filosofia da Ciência apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Garcia, João Carlos (1992) «As cidades na Obra de Orlando Ribeiro» Penélope, Lisboa 7, 107-116.

Garcia, João Carlos (1998) «Orlando Ribeiro (1911-1997), o Mundo à sua Procura» Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto- Geografia, Porto, XIV, 107-116

Gaspar, Jorge (2008) «Orlando Ribeiro e Lisboa Locais de Vida e de Memória»

NOTAS

1. Apenas recentemente foi necessário multiplicar os pontos de partida e chegada da circulação [1963]. 2. Hoje as carreiras foram suprimidas do centro da cidade e o metro assegura a correspondência com os que se deslocam para a periferia. Um serviço de autocarro serve praticamente todas as vilas e lugares dos arredores. A tendência indicada apenas se acentua [1963]. 3. Em 1960, 817.000 habitantes [1963]. 4. Porto, chamada a justo título a capital do Norte, no centro de uma região sobrepovoada, tem 232.000 habitantes; passa-se depois para cifras muito baixas: Setúbal, 46.000; Coimbra, 27.000 (dados de 1930).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 231

ÍNDICE

Índice geográfico: Lisboa

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 232

Le site et la croissance de Lisbonne

Orlando Ribeiro

NOTE DE L’ÉDITEUR

Communication présentée à la Association de Géographes Français et publiée sous forme condensée dans son Bulletin, Paris, 1938; nouvelle rédaction destinée au Congrès International de Géographie, Lisbonne, 1949, mais restée inédite. Les notes datent de 1963. Nous offrirons dans cet même numéro une traduction en Portugaise.

1 Peu de grandes villes jouissent, autant que Lisbonne, d’un emplacement “prédestiné” aussi bien par le site que par la position (fig. 1). Sur un littoral très peu articulé, son port profite de l’échancrure la plus profonde et dont l’accès est le plus facile. Les autres villes côtières s’abritennt dans des estuaires envasés ou derrière des cordons sableux qui ne laissent d’espace que pour des canaux instables où il faut soigneusement entretenir les profondeurs favorables à la navigation. Dans le “goulet” qui donne accès à l’”estuaire” du Tage, vaste comme une mer intérieure, les profondeurs (maximum 48 m) sont suffisantes pour permettre aux plus grands bâtiments de venir à quai. Les courants de marée balaient ce couloir, tandis que les alluvions apportées par le fleuve se déposent dans un véritable delta intérieur et que les vases colmatent les culs de sac de la rive qui fait face à Lisbonne. Du côté de la villa, des rangées de collines ou des lambeaux de plateaux s’approchent du rivage. Le noyau primitif de l’agglomération est situé justement sur la butte aux pentes les plus raides, sur le versant sud dont la base était baignée par les eaux du Tage avant les remblaiements qui commencèrent au XVIe siècle. Lisbonne est donc le dernier exemple occidental d’un site méditerranéen typique, combinant les avantages d’une baie abritée des vents du large et d’un relief facile à défendre, d’où l’on peut surveiller le port.

2 La région de Lisbonne est un bassin synclinal occupé en partie par l’estuaire du Tage; vers le Nord, ce bassin se termine par une belle côte miocène, que longe une rivière subséquente; vers le Sud, le terrain se relève pour former la chaîne tertiaire de l’Arrábida que l’on aperçoit à l’horizon de la ville.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 233

3 A l’intérieur de ce bassin, les couches, qui vont du Crétacé au Miocène, on été disloquées par quelques bombements anticlinaux, par des failles et par des flexures qui orientent un relief exhumé de ses éléments tendres. Cependant la partie occupée par le centre de la ville présente une structure monoclinale, avec les couches plongeant vers le Tage, On peut restituer, conservés vers 90-110 mètres d’altitude, des éléments d’une surface arrasée (probablement du Pliocène final) entaillée par une série de vallées conséquentes perpendiculaires au rivage. Par suite de la proximité du niveau de base, les rivières se sont encaissées dans cette surface, la profondeur des vallées diminuant rapidement vers l’amont, de telle sorte que la région présente, au bord du Tage, une alternance de sillons profonds et de collines allongées qui se soudent à l’intérieur pour former un plateau faiblement ondulé. Les pentes sont assez raides et les parties du plateau constituées de roche dure (molasse calcaire) forment des corniches en haut des versants.

Figure 1 : La position de Lisbonne sur l'embouchure du Tage.

Altitude: 1. moins de 25 m, 2. entre 25 et 200 m, 3. entre 200 et 400 m, 4. plus de 400 m, 5. routes principales et voies ferrées, 6. limite de l'agglomération urbaine.

4 Ces contrastes de relief ont eu sur le développement de Lisbonne une influence décisive (fig. 2). Le vieil oppidum pré-romain s’était établi sur un lambeau circulaire de plateau, à l’endroit le plus facile à défendre et le plus rapproché du Tage. On sait très peu de chose sur la ville romaine (Olisippo) dont les vestiges archéologiques permettent de supposer qu’elle débordait l’enceinte du haut Moyen-Âge. Cette dernière marque probablement dans la vie urbaine une phase de régression, après l’épanouissement de l’époque romaine.

5 Au début du XIIème siècle, la ville arabe (Lichbouna) s’abritait derrière de fortes murailles et était couronnée d’un château construit avec les calcaires jaunâtres tirés du plateau sur lequel il se dresse. Ce noyau fortifié était établi sur la pente descendant vers le Tage, tandis que des faubourgs s’étalaient vers l’Est et l’Ouest. On peut reconnaître, au tracé tortueux des ruelles et des impasses, le plan typique des villes musulmanes. Ce plan a survécu jusqu’à nos jours dans quelques quartiers où la reconstruction, après le tremblement de terre de 1755, respecta l’emplacement des maisons ruinées.

Figure 2 : Schéma du site génétique de Lisbonne

La vielle ville s'est d'abord étendue sur le versan méridional de la colline du château; puis la Baixa s'est structurée dans la vallée située à l'Ouest, entre la Ribeira et le Rossio; la conquête des autres collines est plus récente et s'est surtout faite à partir des églises conventuelles.

6 Peu après la conquête portugaise, Lisbonne devient capitale (XIIIème siècle). A la fin du Moyen-Âge, ses ouvriers se groupent en corporations, son port abrite des bateaux que l’on peut compter par centaines, le commerce du centre et du sud du pays se fait en grande partie par l’estuaire du Tage, riche en poissons, au régime de marées régulier, facilement navigable, et d’où l’on peut gagner, par des routes naturelles, l’intérieur du pays. Tout autor de Lisbonne s’étendent des sols assez riches provenant de l’altération des argiles et marnes miocènes et de la nappe basaltique, ces dernières d’une fertilité proverbiale pour la production du blé. Une agriculture minutieuse, qui porte l’empreinte arabe, avec un savant système d’irrigation encore en usage, nourrissait la population déjà nombreuse de la ville. Bientôt celle-ci déborde les murailles pour se répandre à l’extérieur, en de nombreux faubourgs constitués autour de couvents ou

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 234

d’églises (du XIIème au XIVème siècle), presque toujours perchés sur les hauteurs. Le développement de Lisbonne ne se fait pourtant pas en auréoles concentriques, à la façon d’une tache d’huile qui se répand, mais le long de rangées de collines, séparées par des vallées dont les alluvions portaient des cultures irriguées; les quelques coteaux plus raides étaient, au centre même de la ville, couverts d’oliviers. De telle sorte que Lisbonne présentait le curieux phénomène d’une pénétration de la vie rurale au cœur même de la cité et d’un enchevêtrement d’aspects urbains et campagnards à la périphérie, au point que l’on ne pouvait pas dire parfois si l’on était dans la ville ou si on l’avait déjà quittée. Ces témoins de la campagne sont aujourd’hui des îlots de plus en plus petits, perdus dans un océan de maisons, mais les vieilles gravures et les descriptions des auteurs sont assez expressives à cet égard. La toponymie des rues garde encore le souvenir des arbres, des vignes ou des cultures maraîchères qu’elles ont remplacés. De nos jours, on peut citer l’exemple analogue de deux nouveaux quartiers (Alto do Pina, Alto de São João) dont les blocs d’immeubles dominent une pittoresque vallée qui conserve encore sa physionomie paysanne.

7 Une autre ligne de croissance est marquée par la rive de l’estuaire. La vie maritime y a toujours été intense. C’est à l’Ouest de la colline du château, dans la Baixa (ville basse), quartier qui occupe le fond d’une vallée débouchant dans le Tage, que, depuis le XVème siècle, s’accumulent les activités urbaines: commerce, banques, ministères, services administratifs, distractions, qui se concentrent de plus en plus dans cette sorte de City. En quelques minutes, on peut gagner les quais qui s’échelonnent le long du rivage, où débarquent les hommes et les marchandises. C’est dans ce quartier grouillant que le roi Emmanuel, au temps des Découvertes, transféra sa demeure, naguère perchée sur le hauteurs du château. Cette construction opulente battue par les flots, aux balcons donnat sur le Tage, était à la fois un palais, un comptoir et un magasin, où s’entassèrent les richesses de l’Inde que le Roi, premier commerçant de ses Etats, tenait à surveiller. La ville n’est plus la capitale d’un petit pays de paysans, mais un centre cosmopolite, carrefour des routes de l’Océan et de la Méditerranée, où les étrangers, attirés par le commerce, sont si nombreux au dire d’un écrivain de l’époque, qu’on en rencontre toujours de n’importe quel pays. Tous les quartiers qui se développent le long du rivage portent l’empreinte du port: quartiers de nègres, de matelots, d’Anglais – nom qui désigne pour le peuple l’ensemble des étrangers –, de pêcheurs, de vendeuses de poisson, tous gen qui vivent en contact avec la mer ou qui arrivent par voie maritime. Lisbonne, avec ses 100.000 habitants, se range parmi les villes célèbres d’Europe: la légende l’ennoblit en lui donnat Ulysse pour fondateur, comme Rome elle est bâtie sur sept collines, comme Constantinople elle regarde une mer intérieure. Au moment même où les relations commerciales se tournent vers les ports de l’Atlantique et de la Mer du Nord, on se plait à rapprocher Lisbonne des autres villes cités méditerranéennes, parant ainsi cette capitale d’une auréole de noblesse et de prestige antiques. Les monuments, palais, églises, s’y multiplient. Cette prospérité n’a pas duré longtemps, mais son empreinte a été si profonde que l’on en retrouve des traces encore un peu partout.

8 La période de Jean V et celle de Pombal, après le grand tremblement de terre de 1755, marque des améliorations et des changements très considérables, mais les éléments essentiels de la morphologie urbaine étaient déjà fixés. Dans la Baixa, où ce qui restait des maisons renversées par le séisme fut rasé à coup de canon, le tracé des rues a changé. Cependant les deux grandes places du XVème existent encore: la Place du

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 235

Commerce, qui s’ouvre vers le Tage comme une sorte d’entrée symbolique de Lisbonne, et le Rossio, véritable carrefour urbain situé plus à l’intérieur, d’où partaient naguère toutes les lignes de tramways et où aboutissaient les voies ferrées qui mettaient la ville en relation avec les trois-quarts du pays1. Entre les deux places, sur le fond plat de la vallée, se développe le plan pombalien, en damier, d’une régularité monotone, qui a remplacé les vieilles ruelles tortueuses. A l’Est comme à l’Ouest, le terrain monte vers le sommet des collines; au Nord du Rossio, la vallée bifurque en Y, et au long des deux branches, des avenues, qui ont repris en partie le tracé d’anciens chemins ruraux, mènent aux quartiers périphériques.

9 Comme partout, la seconde moitié du XIXème siècle marque le début d’une importante phase de croissance qui se poursuit encore. Les taches rurales que nous avions signalées au centre même de la ville se couvrent de maisons et il n’est reste que quelques témoins sur les pentes les plus raides. De nouveaux quartiers s’étendent vers le Nord, là où les plateaux sont moins entaillés par les rivières, ce qui permet le développement d’un plan régulier (Avenidas Novas, Nouvelles Avenues). On élargit des rues étroites, on démolit de vieux immeubles, on rectifie des voies tortueuses, on ouvre de larges avenues, on aménage des espaces vides en parcs et en jardins. Les moulins à vent qui couronnaient les hauteurs, les hortas (cultures maraîchères) avec leur savant système d’irrigation, les vignes, les olivettes et les champs de céréales, disparaissent sous un manteau uniforme de rues et de maisons. Le paysan se fait ouvrier ou se réfugie plus loin, reculant devant cette transgression urbaine. En même temps, l’accélération des moyens de transport modifie les rapports de la ville avec certains villages de banlieue. Les fermes et les villas où l’on passait l’été ont tendance à devenir des lieux de résidence permanente. Le terrain se valorise le long des lignes de tramway qui permettent d’atteindre en 30 ou 40 minutes le centre de Lisbonne2. On voit alors ces propriétés si savamment organisées, qui comportaient à la fois un jardin de plaisance et une exploitation agricole, se morceler en lotissements. Quelques villages de la banlieue s’urbanisent à leur tour et se rattachent définitivement à la ville. Cependant la campagne garde encore ses droits. A l’intérieur même des limites administratives de Lisbonne qui enferment une superficie de 8.250 hectares, comme entre les 5 ou 6 tentacules qui prolongent l’aire urbaine au-delà de ces limites, subsistent des hameaux de paysans, de vieilles maisons rurales délabrées, des installations agricoles un peu à l’écart, des coins perdus qui gardent le rythme lent d’une vie routinière. C’est encore la pénétration du paysage rural et du paysage urbain que nous avons déjà signalée comme un aspect caractéristique du vieux Lisbonne. Comme autrefois, le relief joue son rôle dans ce contraste mais son influence se fait sentir en sens inverse: ce ne sont plus les collines mais les vallées qui attirent le peuplement. Cette inversion est d’ailleurs facile à comprendre. Dans la ville, on bâtissait sur les terrains moins fertiles des hauteurs en épargnant les vallées à sol riche. En banlieue, ce sont justement les vallées, exploitées d’une façon plus intensive, qui ont déterminé la fixation des hommes et le tracé des chemins, éléments qui, à leur tour, ont guidé la poussé urbaine.

10 A la fin du XIXème siècle, on a procédé à d’importants travaux d’aménagement du port en gagnant du terrain sur le rivage. Sur une longueuer de plus de 12 km, s’étendent les docks, les quais, les bassins spécialisés: bateaux de pêche, grands paquebots, lignes d’Outre-Mer, cabotage de l’intérieur de l’estuaire, marine de guerre, etc. Malgré leur étendue, l’ensemble des installations du port suffit à peine aux besoins de la navigation actuelle. On a dû transférer sur la rive sud l’arsenal et une partie des entrepôts et des chantiers de construction navale. Les quartiers de résidence qui, jadis, alignaient au

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 236

bord du Tage les façades aristocratiques de leurs palais et de leurs couvents, se trouvent aujourd’hui séparés du fleuve par le ruban d’installations industrielles qui accompagna le développement du port. S’y installe aussi une population de dockers, d’ouvriers, de marins, de pêcheurs, de vendeuses de poisson, habitant au milieu des usines, des entrepôts et de magasins, et qui, au petit jour, descend sur les quais voisins pour y chercher du travail. La vie industrielle, que l’on voit rarement s’établir à la périphérie non maritime de Lisbonne, se répand surtout le long de la rive du Tage, attirée par le port; même les industries qui n’en dépendent pas s’y sont aussi établies. Quelques-unes remontent le fleuve jusqu’à Vila Franca de Xira, d’autres ont débordé sur la rive sud, où la plus grande agglomération des environs de Lisbonne doit son importance aux usines et aux nombreux ouvriers qui y travaillent (Barreiro, 16.000 habitants).

11 Au-delà de ses limites administratives, la ville se poursuit encore le long du Tage. En amont, des établissements industriels s’établissent au milieu de cultures maraîchères, qu’ils anéantissent ou qu’ils repoussent plus loin. En aval, vers l’Atlantique, dans la partie appelée depuis quelques années Costa do Sol, se succèdent des plages ensoleillées, abritées des vents du Nord, qui reçoivent pendant l’été la population citadine aisée. Elles sont toutes reliées, par de trains rapides et fréquents, à une gare située non loin de centre de la ville. Déjà plusieurs stations d’été se transforment en séjour permament. Jusqu’à Cascais, en pleine côte atlantique, sur une parcours de 26 km, on aperçoit presque toujours des maisons et on n’a pas l’impression d’avoir quitté la ville. Mais si on regarde du haut des collines de la rive sud, on voit que cette rangée de maisons ne se prolonge guère à l’intérieur. Le fait avait déjà frappé Link qui, au début du XIXème siècle, décrivait la partie ouest de Lisbonne comme une sorte de longe rue parallèle au rivage. En arrière, la campagne déboisée où l’on cultive des céréales alternant avec des légumineuses, s’étend sur le sols rougeâtres provenant de l’altération des bassaltes ou sur les affleurements plus pauvres d’argiles et de marnes miocènes.

12 Les modifications du paysage de banlieue que nous venons de résumer, enregistrent l’augmentation de la population de la ville. En 1840, Lisbonne comptait 192.000 habitants; en 1864, 198.000; en 1890, 290.000; en 1911 435.000; en 1930, 594.000 c’est à dire le dixième de la population portugaise3. L’augmentation a suivi un rythme différent suivant les quartiers. La Baixa et ses alentours, cité des affaires, de l’administration et des loisirs, grouillante pendant la journée, se dépeuple la nuit. Les bureaux, les banques, les cafés, les magasins, laissent peu de place aux appartements: depuis 50 ans sa population est stationnaire ou diminue. Tout autour, dans ce qui était Lisbonne jusqu’au milieu du XIXème siècle, les augmentations sont en général inférieures à 50 %; à la périphérie, la poussé est énorme (plus de 200 %); dans le quartier des Nouvelles Avenues, plus de 1.000 %.

13 Comment expliquer cette force de croissance, ce puissant élan urbain, dans un pays qui n’a que deux villes de plus de 50.000 habitants?4 Y contribuent d’abord les fonctions de capitale que Lisbonne exerce dans toute leur plénitude. L’administration, les écoles et les établissements scientifiques, les musées, les théâtres, les distractions, marquent un profond contraste avec les villes de province. Lisbonne est en même temps le plus grand centre de commerce, de banque et d’industrie, le plus grand port maritime. Elle possède à la fois une main-d’œuvre abondante et adroite, une population de marins et de pêcheurs et une paysannerie vivante bien que routinière.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 237

14 Pour comprendre les fonctions géographiques de Lisbonne, il faut placer la ville dans un cadre plus vaste que celui d’un pays de 6 millions d’habitants dont la population croît rapidement. Jusqu’au XVème siècle Lisbonne a été seulement une ville portugaise. A l’époque des Grandes Découvertes, elle devint un port de mer rattaché pour toujours aux grands courants de circulation océanique. Donc, la position de Lisbonne explique son destin: située à un tournant du littoral européen, proche à la fois de la Méditerranée, de la Mer du Nord et de l’Afrique Occidentale, regardant aussi vers l’Amérique, Lisbonne offre l’accès facile de son immense estuaire aux bateaux de tous les pays qui, sillonnant en tous sens la mer voisine, transportent, depuis le XVIème siècle, les produits de tous les climats.

BIBLIOGRAPHIE

Quelques textes de Orlando Ribeiro sur Lisboa :

Ribeiro, Orlando (1938) «Le site et la croissance de Lisbonne», Bulletin de l’Association de Géographes Français, Paris, 115, 99-103.

Ribeiro, Orlando (1945) «Evolução e perspectivas dos Estudos Olisiponenses», Revista Municipal, Lisboa, Publicação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, 27, 3-12.

Ribeiro, Orlando (1947) «O Território de Lisboa», in VVAA, Lisboa. Oito séculos de História, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, vol. 1., 2-11.

Ribeiro, Orlando (1955) «Em torno da estrutura de Lisboa», Diário Popular, Lisboa, 29 de Agosto de 1955.

Ribeiro, Orlando (1986) «Lisboa e o Tejo. (Fragmento de um livro em preparação sobre Lisboa)», Cinquentenário do Grupo Amigos de Lisboa, 1936-1986, Olisipo, Lisboa, 149, 49-54.

Ribeiro, Orlando (1994) Opúsculos Geográficos V - Temas Urbanos, Lisboa, F. C. G.

(este volume colige os escritos do autor sobre Geografia urbana, incluindo os artigos referidos).

Quelques études sur Orlando Ribeiro :

Braga, José (2012) Geografia de Lisboa Segundo Orlando Ribeiro, Dissertação de Mestrado em História e Filosofia da Ciência apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Garcia, João Carlos (1992) «As cidades na Obra de Orlando Ribeiro» Penélope, Lisboa 7, 107-116.

Garcia, João Carlos (1998) «Orlando Ribeiro (1911-1997), o Mundo à sua Procura» Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto- Geografia, Porto, XIV, 107-116.

Gaspar, Jorge (2008) «Orlando Ribeiro e Lisboa Locais de Vida e de Memória»

NOTES

1. Ce n’est que récemment que l’on a été forcé de multiplier les points de départ et d’aboutissement de la circulation [1963].

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 238

2. Aujourd’hui les tramways ont été supprimés au centre de la ville et le métro assure la correspondance avec ceux qui gagnent la périphérie. Un service d’autobus dessert pratiquement tous les villages et hameaux de grande banlieu. La tendance indiquée ne fait que s’accentuer [1963]. 3. En 1960, 817.000 habitants [1963]. 4. Porto, dit à juste titre la capitale du Nord, au centre d’une région surpeuple, a 232.000 habitants; on tombe ensuite à des chiffres très bas: Setúbal. 46.000; Coimbra, 27.000 (Données de 1930).

INDEX

Index géographique : Lisbonne

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 239

Documentos, mapas e imagens

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 240

Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Ensayo sobre el mapa «Brasil» de G. Gastaldi inserto en el Delle navigationni e Viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans Delle navigationi e Viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Essay on the map of Brazil by G. Gastaldi included in G. B. Ramusio's Delle Navigationi et Viaggi (1556; 1565; 1606)

Olga Okuneva Tradução : Paul Sutermeister

NOTA DO EDITOR

A presente é a tradução ao português do artigo publicado neste mesmo número como Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606).

La presente es la traducción al portugués del artículo publicado en este mismo número como Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606).

Cet article est la traduction en Portugaise de l’article publié dans cette même numéro sous le titre Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 241

This is the Portuguese translation of the paper published in this same issue as Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606).

1 A Biblioteca Digital de Cartografia Histórica — uma excelente iniciativa da Universidade de São Paulo que disponibiliza aos pesquisadores mapas antigos digitalizados de qualidade muito alta — contém em sua coleção um mapa interessante do Brasil do século XVI.1

Figura 1: Giacomo Gastaldi — Brasil (1556)

Em: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1556). Exemplar colorido da Biblioteca Digital de Cartografia Histórica — Universidade de São Paulo [http:// www.cartografiahistorica.usp.br/index.php?option=com_jumi&fileid=14&Itemid=99&idMapa=579].

2 Este mapa acompanha um curioso relato sobre o Brasil da primeira metade do século XVI; o texto aparece no terceiro volume dos Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio.2 Esse veneziano — diplomata, humanista e grande entusiasta amador da geografia — reuniu vários livros geográficos e de viagens numa coletânea de três volumes. Mantendo-se a serviço da República veneziana por um longo período de sua vida (primeiro vinculado à Chancelaria, depois como secretário do Senado e como um dos secretários do Conselho dos Dez), ele também colaborou com a administração prática de uma grande coleção de manuscritos (o núcleo da futura Biblioteca Marciana), o que não só mostra o seu interesse pela cultura livresca, mas também aptidão para efetuar um trabalho «de routine» na gestão da coleção.3

3 O próprio interesse de Ramusio na literatura geográfica, por relatos contemporâneos de viagens impressos ou manuscritos e por livros sobre as descobertas geográficas «feitas em nosso século» é inseparável de sua paixão pelas letras e pelos autores da antiguidade clássica. Foi nesse espírito do Renascimento e do humanismo, e no contexto de seus vínculos estreitos com humanistas tais como Pietro Bembo, Andrea

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 242

Navagero e Girolamo Fracastoro, que nasceu a obra principal de Ramusio: sua grande coleção de textos geográficos.

4 Numa época em que o prestígio da Geografia de Ptolomeu estava fragilizada pelas descobertas marítimas, tenta-se combinar informações deste autor com as observações de viajantes modernos e assim revisar os modelos clássicos. Essa é a abordagem de Waldseemüller em 1511 e, de certa forma, em 1513; o mesmo pensamento guia Ramusio no seu desejo de fornecer ao público as relações dos viajantes, ricas em detalhes e observações, para elaborar novos mapas baseados nelas.4

5 Um dos que contribuiu com o projeto foi o cartógrafo Giacomo Gastaldi, veneziano de origem piemontesa e cosmógrafo oficial da Sereníssima República. O bom entendimento inicial entre Ramusio e Gastaldi aumentou no final da década de 1540 quando este último começa a ensinar geografia ao filho daquele.5 É provável que a execução de uma grande encomenda oficial por parte de Gastaldi — nos anos de 1540 ele foi contratado para refazer os velhos mapas regionais do século XV nas paredes de uma sala no Palácio Ducal — se devesse às informações que o cartógrafo tinha acesso através da coleção de Ramusio.

6 Giacomo Gastaldi é o autor de um mapa desenhado do Brasil, que será analisado no presente artigo. Gastaldi fez 12 mapas para a coletânea de Ramusio: três são publicados no primeiro volume (África) e nove no terceiro (sete dos quais referem-se à América). Fora do trabalho para Ramusio, Gastaldi produziu uma série de mapas individuais as vezes encomendados por mecenas.6

7 O grande conjunto editorial que apresentam os três volumes de Navegações e viagens mantém visível o trabalho do editor em distintas áreas: na escolha de textos, na sua tradução ao italiano a fim de contribuir para a coerência da coleção e nos comentários. Os princípios podem ser observados, no caso do texto sobre o Brasil, acompanhados pelo mapa de Gastaldi.

8 A relação que faz parte do terceiro volume dedicado ao Novo Mundo é intitulada “Discorso d’un gran capitano di mare francese del lucco di Dieppa sopra le navigationi fatte alle Terra Nuova dell’Indie Occidentali, chiamata la Nuova Francia, da gradi 40 fino a gradi 47 sotto il Polo Arctico, & sopra la terra del Brasil, , Isola di San Lorenzo,& quelle di Sumatra, fino alle quali hano navigato le caravelle & navi francese”. 7 O documento está publicado em italiano, mas o texto original foi escrito em francês, e Ramusio indica que foi ele quem quis traduzi-lo «para nossa língua».8 A tradução pode ter sido feita pelo próprio Ramusio, pois seu domínio do francês (adquirido provavelmente durante uma missão diplomática na França) rendeu-lhe elogios de contemporâneos e o cargo de intérprete da língua para o Doge.9 É bastante provável que o mesmo Ramusio encomendasse de Paris materiais novos (inclusive o Discorso) no final da década de 1530 e no começo da década de 1540.10

9 Ao incluir essa relação na sua coletânea, Ramusio ignorou o nome do «grande capitão» e do autor do Discorso (na verdade, ele pensou que se tratava de uma só pessoa; voltaremos a esta questão mais adiante). No entanto, o fato de não conhecer seu nome parecia-lhe uma grande infelicidade: «Este discurso é verdadeiramente muito bonito e digno de ser lido por todos, mas lamentamos muito não saber o nome do autor, porque não colocar seu nome equivale a insultar a memória de um valente e nobre cavalheiro». 11

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 243

10 O relato da viagem e a viagem própria permaneceram anônimos até a década de 1830, quando foi encontrado, nos documentos privados de um comerciante de Rouen, na França, um manuscrito de um diário de bordo de uma expedição francesa a Sumatra em 1529, sob o título provisório Voyage des Dieppois. Levando-se em conta o fato de que o Discorso fala de Sumatra em termos semelhantes e que o diário de bordo indicava claramente o nome do capitão francês que empreendeu a viagem — Jean Parmentier —, bem como o nome do narrador — Pierre Crignon —, conseguiu-se atribuir a autoria. O historiador francês Louis Estancelin, que originou a atribuição, afirmou em 1832: A descoberta que por acaso proporcionou-nos o diário [da viagem para Sumatra] não deixa mais nenhumas dúvidas [...] Conveio publicar o diário e o livro dado por Ramusio na íntegra; essas duas peças apoiam-se mutuamente e não deixam dúvidas sobre a realidade e identidade da viagem que descrevem.12

11 Trata-se, assim, de uma expedição de 1529 liderada por Jean e Raoul Parmentier com dois navios, o «Sacre» e o «Pensée». A visita ao Brasil se inscreve no quadro dessa viagem. Ramusio, que publicou o “Discurso de um grande capitão”, parece crer que: [O grande capitão francês] descreve a viagem que se faz para a nova terra das Índias Ocidentais, a que hoje chamamos de Nova França, e também para a terra do Brasil das chamadas Índias, para a Guiné e para a costa da Malagueta no litoral africano, que os franceses frequentam diariamente com seus navios. O capitão referido, com dois navios armados em Dieppe na Normandia, era capaz de ir até a ilha de Taprobane no leste, agora chamada de Sumatra, onde negociou com os habitantes, e, carregado de especiarias, voltou para casa. 13

12 No entanto, surge uma questão: Ramusio diz que o Discorso foi escrito em 1539; 14 mas Jean Parmentier morreu antes de 1531 ou 1532, como evidenciado pela coleção de seus poemas publicados post mortem por seu companheiro Pierre Crignon que lamenta a morte de Jean e Raoul Parmentier.15 Além disso, o texto do Discorso contém uma importante indicação cronológica: «uma parte da terra do Brasil foi primeiro descoberta pelos portugueses, isto há aproximadamente 35 anos».16 Jean Parmentier não poderia ser o autor do Discorso como pensou Ramusio; pelo contrário, seu amigo e companheiro de viagem Pierre Crignon parece antes ser o autor em questão. Ele já tinha escrito sobre a viagem para Sumatra; sua afinidade com a memória dos irmãos Parmentier o levou a publicar os poemas de Jean Parmentier combina bem com o desejo de comemorar as suas viagens numa obra sintética.

13 A paternidade de Crignon é, desde então, reconhecida na historiografia francesa.17 No entanto, existem outras versões, tais como a atribuição do texto ao cosmógrafo francês de origem portuguesa Jean Alphonse. Ainda outra hipótese é a de ver na pessoa de Jean Alphonse não o autor do Discorso, mas o autor da Cosmografia, cujas passagens inspiraram Ramusio, que as atribuiu a um certo «capitão».18

14 *********

15 Após a apresentação da obra de Ramusio e as discussões sobre a personalidade do autor do Discorso avançamos para o exame do mapa de Gastaldi, que vem junto com o texto. Existem três edições do terceiro volume das Navegações e Viagens — e, portanto, do mapa em questão — correspondentes aos anos de 1556, 1565 e 1606 (observemos que o terceiro volume sobre a América teve menos reedições do que os outros dois volumes do conjunto)19. A edição de 1565 retoma o layout da primeira edição de 1556 e por isso o mapa encontra-se em ambos os casos nas páginas 427–428, ao contrário da edição de 1606, onde ele aparece nas páginas 356–357. A partir desta observação, seria fácil presumir que as edições de 1556 e 1565 fossem bastante semelhantes entre si e

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 244

diferentes da variante de 1606. No entanto, a situação é a inversa: uma comparação das três variantes20 mostra que as cópias de 1565 e 1606 são semelhantes, enquanto que a de 1556 é ligeiramente diferente das duas. As diferenças são de dois tipos: • Diferencias tipográficas: fonte mais arredondada na edição de 1556, e mais aguda nas edições de 1565 e de 1606; o formato dos caracteres do número da página 427; a existência ou ausência de espaços entre as palavras nas inscrições «Rio de la Plata» e «Mar dolce»; a existência ou ausência de pontos depois dos topónimos). • Diferenças iconográficas: a posição e a configuração dos traços que simbolizam o relevo do país diferem sistematicamente entre si; o personagem com o machado na parte central do mapa tem a sua ferramenta virada para a esquerda na edição de 1556 e para a direita nas edições de 1565/1606; o personagem carregando troncos de árvores leva dois em 1556 e um só em 1565/1606; o arqueiro de sexo indefinido em 1556 tornou-se uma mulher com os seios marcados em 1565/1606; o rabo de um macaco na parte inferior do mapa está voltado para a esquerda em 1556 e para a direita em 1565/1606; etc. • Ortográficas e de conservação: o estado de armazenamento dos três exemplares do mapa (1556, 1565 e 1606) e as condições de suas digitalizações são diferentes. Assim, no exemplar da biblioteca de Heidelberg a folha com o mapa foi dobrada de tal maneira que mesmo quando ela está desdobrada, alguns pequenos elementos estão «carcomidos» pela dobra. O trecho se refere sobretudo às inscrições que perdem uma letra: «Mullonban(b)a prov. », «Terra no(n) descoperta», «Ponen(t)e», «Leva(n)te», etc. Todavia, uma verdadeira diferença de ortografia opõe, por sua vez, a variante de 1556 e as de 1565/1606: no primeiro caso se lê «Terra non discoperta» e no segundo «Terra non descoperta».

16 As três variantes do mapa correspondentes às edições de 1556, 1565 e 1606 estão em preto e branco. No entanto, a cópia da Biblioteca Digital de Cartografia Histórica da Universidade de São Paulo é colorida, mas é difícil dizer quando a coloração foi inserida (a parte desenhada é de 1556, o que prova a comparação com a cópia de Biblioteca de Heidelberg). Mas pode se constatar que a coloração da cópia da USP não segue à tradição — ainda bem comum no século XVI — de mostrar os troncos das árvores de pau-brasil de maneira diferente das árvores comuns (fato que será discutido abaixo).

17 Comparemos agora os elementos essenciais do mapa e do texto.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 245

Figura 2: Giacomo Gastaldi — Brasil (1556)

Em: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1556) Exemplar da Biblioteca da Universidade de Heidelberg [http://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/ ramusio1556bd3/0936]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 246

Figura 3: Giacomo Gastaldi — Brasil (1565)

Em: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1565) Exemplar da Biblioteca Nacional do Brasil [http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/ cart395872.jpg]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 247

Figura 4: Giacomo Gastaldi — Brasil (1606)

Em: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1606) Exemplar da Gallica-BNF [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131851r/f791.image]

A apresentação geral do Brasil e a nomenclatura geográfica

18 Ao examinar a apresentação geral do Brasil proposta pelo texto e o mapa, constata-se tanto a semelhança como a divergência. Assim, o texto fala da terra do Brasil cujas extremidades são o cabo das Onze Mil Virgens (o cabo das Virgens atual) perto do Estreito de Magalhães, e o rio Maranhão (Amazonas); a longitude desta costa é uma soma de distâncias dos pontos de referência mais importantes (desde o cabo das Onze Mil Virgens: Rio da Prata, cabo de Santa Maria, cabo de Santo Agostinho, cabo de São Roque, golfo de São Lucas, cabo do Oeste, rio Maranhão). Para além deste rio, como observa Pierre Crignon, encontram-se as ilhas e as terras descobertas pelos espanhóis nas Índias Ocidentais.21 Ao mesmo tempo, essa apresentação do litoral não mostra as regiões interiores do Brasil.

19 Comparado com o Discorso, o mapa oferece uma visão diferente do Brasil. Em primeiro lugar, é orientado ao longo do eixo oeste-leste, o que não é incomum na época;22 a linha da costa do Atlântico vai, assim, da esquerda para a direita, e é aqui onde vemos uma diferença com relação ao texto: enquanto se mantém o rio Marañón como um dos limites naturais do país, o mapa mostra como a outra extremidade não mais o cabo das Onze Mil Virgens, mas o Rio da Prata (a legenda do mapa associa a este topônimo o nome de Juan Diaz Solis em homenagem à sua descoberta de 1516).

20 Gastaldi, de outro lado, não se limita a mostrar a faixa atlântica do país, mas apresenta também a massa do continente. Embora essas áreas sejam desconhecidas e careçam de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 248

legenda — exceto «Mullobanba prov.» e «Terra non discoperta» — vê-se a silhueta de um vulcão em plena erupção. A cada lado do vulcão, o cartógrafo colocou um lago donde surgem os dois grandes rios mencionados acima — o rio da Prata e o Maranhão. Desta forma, Gastaldi participa de uma longa discussão cartográfica acerca da existência de um suposto lago no centro do continente, onde os dois rios nasceriam e pelo qual seriam ligados e converteriam o Brasil numa gigantesca ilha. A tese da insularidade do Brasil, presente nas obras de alguns cartógrafos do século XVI, adquiriu um caráter político no século XVII, e contribuiu para a demarcação das possessões portuguesas e espanholas na América do Sul.23 Vê-se que Gastaldi não comungava com a ideia de ilha-Brasil, apesar de ter representado as nascentes dos dois grandes rios muito próximas uma da outra.

21 No que se refere à nomenclatura geográfica, as semelhanças entre o mapa e o texto são bastante visíveis. O mapa contém todos os topônimos mencionados no texto (com a exceção do cabo das Onze Mil Virgens e do estreito de Magalhães) e ainda representa uma dezena de outros. A maioria dos topônimos referem-se a cabos; depois seguem os rios. Um dos dois topônimos que figura no mapa sem a abreviatura de «C.» (cabo) ou «R». (rio) chama particularmente a atenção: é o de Fernanbuc (Pernambuco), mencionado especialmente no Discorso como único ponto forte dos portugueses na costa: Ao longo desta costa e para o ocidente, os portugueses não levantaram nenhuma fortaleza; encontra-se somente num lugar chamado Fernanbuch, situado além do cabo de Santo Agostinho, um fortim de madeira com alguns poucos exilados de Portugal. 24

22 É interessante constatar que a menção de «Fernanbuc» no mapa («Fernanbuch» no texto de Crignon) não é acompanhada por nenhum desenho ou pictograma que evoque uma cidade (uma torre ou um castelo, um campanário ou uma catedral). No entanto, um pictograma parecido com isso parece estar presente no mapa acima do cabo São Francisco, mas nenhum topônimo “urbano” o segue. De qualquer forma, o exemplo do "Fernanbuc" mostra que o mapa publicado na década de 1550 não reflete o desenvolvimento urbano no Brasil;25 é aqui que ele corresponde ao texto que data do período anterior, e o texto, por sua vez, remonta à viagem que teve lugar numa época ainda mais remota.

A presença dos estrangeiros e a rivalidade franco- portuguesa no Brasil

23 É bem conhecido que no Renascimento o mapa geográfico desempenhou vários papéis, sendo que a função de instrumento político e diplomático não era uma das menos importantes.26 Assim, os mapas mostram as bandeiras e os brasões de reis e nobres, contêm dedicatórias às grandes figuras desse mundo etc. O mapa do Brasil de Gastaldi tampouco está livre de referências políticas. A análise de suas particularidades seria incompleta sem considerar o texto que ilustra e acompanha o mapa.

24 À primeira vista, a representação do Brasil por Gastaldi é «politicamente neutra»: nenhum brasão é colocado nos contornos do país, não há nenhuma legenda que se refere à nacionalidade dos descobridores ou dos governantes. E ainda assim o Brasil de Gastaldi é disputado: fora do contorno do país aparecem as referências políticas e

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 249

diplomáticas. Trata-se das armas transportadas por muitos navios indo e vindo ao longo da costa brasileira.

25 Os cinco navios visíveis no mapa são todos diferentes. Das duas folhas que ocupa o mapa é o lado esquerdo que concentra a maioria dos navios (quatro); o lado direito só tem um. Entre todos os navios vemos dois com flores-de-lis francesas e três com brasões portugueses. Eles estão pintados os três na costa do Brasil, em um perímetro do espaço aquático do país. As embarcações francesas estão representados do lado de fora em relação aos navios portugueses. Seria isso uma interpretação iconográfica da ideia que as patrulhas navais portuguesas barraram o acesso do Brasil para os franceses?

26 Em todo caso, de todos, um dos dois navios franceses que ocupa uma posição privilegiada: é o maior de e mais detalhado, localizado quase no meio da área de água ao redor do Brasil; as suas velas estão inchadas e criam a sensação de movimento rápido; está se dirigindo para o Brasil, a sua proa está voltada para a costa.

27 Tal posição privilegiada do navio francês em comparação com os outros se corresponde perfeitamente com o tom geral do Discorso, que é um ardoroso panfleto em favor do comércio francês no Brasil,27 mal visto pelos portugueses. Sabemos que a presença francesa no Brasil nos anos 1530-1540 foi significativa, inclusive devido ao baixo desenvolvimento da colônia pela coroa portuguesa; foi essa presença francesa que, em muitos casos, incentivou os portugueses a fortalecerem a costa e criarem uma rede de pontos fortes. No entanto, diversos vazios e lacunas nesta rede permitiram que os franceses continuassem a visitar o Brasil — para comerciar com os indígenas ou para abordar os navios portugueses quando uma oportunidade se apresentava. O medo constante dos portugueses era que um dia os franceses viessem ao Brasil para povoá-lo; mas além do rumor que correu sobre a viagem de Giovanni Verrazano, um florentino ao serviço de Francisco I no início dos anos 1520,28 e de uma tentativa descrita pelo Barão de Saint-Blancard relativa à viagem do seu navio «Pèlerine» no final daquela mesma década,29 não há exemplos conhecidos de criação de fortes núcleos permanentes pelos franceses no Brasil antes da fundação da França Antártica na Baía de Guanabara em 1555.

28 O eco de todas essas tendências pode ser claramente visto no Discorso e no mapa de Gastaldi. Já mencionamos o fato de que o cartógrafo não mostra vestígios de instalação europeia na costa, exceto a inscrição Fernanbuc sem complemento pictórico e certo pictograma em cima do cabo São Francisco, desprovido de legenda. Da mesma forma, Pierre Crignon afirma que «não se encontra ao longo desta costa fortaleza ou fortificação nenhuma que indique a presença dos portugueses, dos franceses ou dos espanhóis», o exemplo de Fernanbuc já referido como uma exceção.

29 O verdadeiro «campo de rivalidade» franco-portuguesa no Brasil — tanto no mapa quanto no texto — encontra-se numa outra dimensão, naquela do direito de visitar o Brasil. Os franceses alegam que os portugueses reservaram-no para si. O texto do Discorso registra os argumentos mais comuns dos franceses nesta discussão.

30 Pierre Crignon desenvolve seus propósitos em defesa do direito de visitar o Brasil de duas maneiras. A primeira refere-se ao direito do descobridor e à legitimidade relacionada com a prioridade da descoberta. Por um lado, o autor francês ataca os portugueses neste campo; por outro lado, ele é forçado a defender-se com as mesmas armas. Assim, ele protesta contra uma situação na qual

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 250

tão logo os portugueses navegaram ao longo de uma costa, apreenderam-na e consideraram-na como conquista sua, conquista fácil e barata, pois não precisou de assalto nem de resistência.30

31 Por outro lado, não podendo negar completamente o direito do descobridor avançado por Portugal, Pierre Crignon estende-o a modo de beneficiar seus compatriotas: esta terra do Brasil foi descoberta pelos portugueses há cerca de trinta e cinco anos. Denis de Honfleur descobriu a outra parte há quase vinte anos; desde então muitos outros navios franceses têm nela atracado, sem encontrar qualquer vestígio de domínio português. Também os habitantes são perfeitamente livres e não reconhecem nem poder real nem leis; eles amam mais aos franceses. 31

32 A declaração de Crignon sobre a descoberta de uma parte do litoral brasileiro pelos franceses não é um exemplo único. No final da década de 1520 o mesmo argumento foi usado pelos bretões, cujos navios foram interceptados pelos portugueses no Brasil; 32 algumas décadas mais tarde, o autor anônimo do Discurso dos normandos a favor do comercio das Indias (Discours des Normands pour le trafique des Indes) constatará amargamente que «foram os franceses os que primeiro descobriram em parte o que hoje outros possuem».33 Em 1582, o historiador protestante Lancelot Voisin de La Popelinière evoca essa ideia, lamentando que se os normandos e os bretões não tivessem «o espírito nem a discrição de deixar um só escrito público como garantia de seus projetos, tão altivos e generosos quanto os dos outros», erro pelo qual foi o Portugal, superior de todas as nações na teoria e na prática das descobertas marítimas, que atribuiu-se «a vantagem de ser [...] o tranquilo senhor do [Brasil] por meio de Pedralvarez [Cabral]».34 Finalmente, no século XVII, a ideia da prioridade francesa na descoberta de parte da costa brasileira é atestada pelo jesuíta G. Fournier, autor de uma Hydrografia,35 assim como pelo viajante François Pyrard de Laval.36

33 Voltando ao argumento de Crignon e às modalidades da sua representação no mapa de Gastaldi, notamos que a questão no Discorso era a de defender o direito dos franceses a visitar o Brasil, e não a de estabelecer-se ali permanentemente. Assim, o mapa de Gastaldi sugere a presença dos europeus com seus navios e bandeiras fora dos contornos do país. Crignon insiste na anterioridade do comércio franco-indiano e destaca a tese da falta de domínio português em áreas frequentadas pelos franceses. A familiaridade dos franceses com algumas áreas costeiras se efetuava, portanto, na ausência de qualquer obstáculo.

34 Esses argumentos devem ser colocados no contexto da controvérsia franco-portuguesa sobre a liberdade dos mares: os portugueses reconheciam, em princípio, a liberdade de navegação para todos nos mares conhecidos, mas os outros, diziam eles, não eram livres. Ao contrário, a tese francesa reivindicava a liberdade de navegação em todos os mares sem exceções nem restrições; um direito extensivo a essa liberdade era o de comerciar com os índios do Brasil.37

35 Esta consideração leva-nos a examinar a representação desse comércio franco-indiano tanto no mapa de Gastaldi como no Discorso.

O comércio da troca

36 Seguindo o exemplo de outros cartógrafos da época, Gastaldi insere no mapa do Brasil cenas do cotidiano: elas preenchem zonas interiores do país ainda desconhecidas. Vemos ali índios sentados sob as árvores descansando nas redes ou dentro de casas,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 251

atirando com arco, cortando árvores e transportando troncos. A árvore em questão é o célebre pau-brasil, de madeira vermelha, que atraiu tanto os europeus e que aos seus olhos era um dos principais recursos do Brasil. O pau-brasil serviu para extrair uma matéria corante e depois pintar ou preparar as cores dos tecidos, tintas coloridas, vernizes, etc.; por outro lado, os marceneiros usaram a madeira vermelha na arte decorativa. No seu estado natural, as árvores não tinham nada que indicasse especialmente as suas qualidades tintoriais, sendo a cor vermelha da madeira revelada só quando a casca é removida. No entanto, em algumas imagens e mapas do século XVI desenharam-se troncos de árvore vermelha para evocar o pau-brasil. Na versão colorida do mapa de Gastaldi (o exemplar da USP) este processo não é usado; no entanto, uma distinção de cor na representação das árvores comuns e dos troncos de pau-brasil pode observar-se em diferentes mapas do Brasil da primeira metade do século XVI.38 Utiliza-se esse método não apenas para mapas, mas também em outros documentos iconográficos; assim, uma imagem francesa da década de 1550 mostra bem os troncos vermelhos das árvores que deviam simbolizar o pau-brasil durante um espetáculo em Rouen, em 1550 por ocasião da entrada solene do rei Henrique II. 39

37 A madeira vermelha foi um dos principais itens de troca no comércio dos índios com os europeus. Estes últimos ficaram surpresos que os nativos desconhecessem os metais e o uso da moeda; assim, os objetos pelos quais os europeus receberam madeira vermelha foram frequentemente artigos em ferro. Os índios, do outro lado, tiveram que cortar árvores, remover galhos, transportar troncos para o local onde os navios estavam ancorados e até mesmo participar no carregamento.

38 O Discorso descreve os habitantes do Brasil que [...] trocam madeiras preciosas por machados pequenos, cunhas de ferro e facas. Em algumas regiões, os habitantes são obrigados a buscar a madeira para o comércio muitas vezes a 30 lugares no interior do país... Todos carregam seu pedaço de madeira até a costa, onde eles o entregam aos franceses, recebendo alguns machados pequenos, algumas cunhas, facas e objetos de ferro [...] 40

39 Da mesma forma, veem-se no mapa de Gastaldi vários personagens que cortam madeira (dois nativos do lado esquerdo, um personagem no centro e seu vizinho com uma foice com a qual corta os ramos do tronco). Outros quatro personagens pelo menos carregam os troncos nos seus ombros; os troncos separados ou juntos são deitados no chão. Para animar o cenário, o pintor introduz aves (papagaios, obviamente) que se sentam em troncos colocados no chão ou ficam empoleirados em troncos transportados pelos índios. 41

40 Os esforços consideráveis dos índios recompensados com uma ferramenta de pouco valor deram aos autores franceses do século XVI um pretexto para refletir sobre essa incoerência. As opiniões divergiram muito, ao tempo que Pierre Crignon constata que «esses povos dão mais importância a um prego do que a um escudo», 42 o viajante André Thevet acha que os índios fazem tanto esforço devido ao amor que eles sentem pelos cristãos: eles os «amam, prezam e veneram»;43 por seu lado, o capuchinho Yves d'Evreux no início do século XVII louva a sabedoria dos índios que reconhecem um valor concreto e real de uma ferramenta em vez de deslumbrar-se com falsos valores e do luxo encarnados nas pedras preciosas.44

41 Ao comparar o texto do Discorso citado acima e o mapa de Gastaldi, vemos que o cartógrafo segue cuidadosamente as instruções de Pierre Crignon. Assim, na parte central os personagens que cortam madeira são colocados no interior, enquanto que

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 252

aqueles que carregam os troncos para os comerciantes franceses são representados perto da costa. Eles todos conformam um grupo aparte; cinco personagens, homens, mulheres e animais dirigem-se da esquerda para a direita (ou seja, olham para a direita); no final da trajetória são aguardados por dois comerciantes franceses. A posição destes últimos não é escolhida ao acaso; o índio que estende a mão para os franceses e o comerciante que responde a este gesto estão localizados na costa, entre as inscrições «R. Real», «R. de S. Francesco» e «C. de S. Agustin». Ora, trata-se precisamente da região mais visitada pelos franceses segundo o Discorso: A parte mais frequentada pelos franceses e bretões está situada entre o Cabo de Santo Agostinho e o Pôrto Real, que se acha a doze graus. É também nesta parte da costa que se encontra o melhor pau-brasil, e na maior quantidade.45

42 É interessante encontrar as mesmas indicações topográficas nos livros da segunda metade do século XVI e até mesmo no XVII. Citamos alguns exemplos em ordem cronológica. Num mapa da América do atlas Theatrum Orbis Terrarum de Abraham Ortelius (primeira edição de 1570), distinguem-se as palavras «Porto Real ad quem Galli mercatum navigant»46 («Porto Real onde os comerciantes franceses navegam») precisamente na altura do «R. de S. Francesco», do «R. Real», e do «R. de S. Agostino». O historiador protestante La Popelinière, mencionado acima, afirmou em 1582 que «os franceses, os normandos sobretudo e os bretões, mantêm [...] relações há muito tempo com os selvagens do Brasil no rio de São Francisco no lugar que foi chamado de Porto Real.»47 O jesuíta Padre Fournier escreveu em 1643 que «normandos e bretões têm [...] desde longo tempo comerciado no rio São Francisco, de onde eles trazem a madeira que eles chamam de brasil, peculiar por sua coloração».48

43 O mapa de Gastaldi e o Discorso d’un gran capitano que o acompanha surgem como iniciadores de uma tradição que continuará na segunda metade do século XVI e no século XVII.

Conclusão

44 A análise das informações contidas no mapa de Gastaldi e no Discorso d’un gran capitano que ele ilustra, mostra que há menos diferenças que semelhanças entre estes documentos. O mapa de Gastaldi é mais rico em topônimos e apresenta não só a costa, mas também uma área no interior do continente onde nascem os dois grandes rios da América do Sul, enquanto o texto, que define o Brasil em termos extensivos incluindo nele todo o Cone Sul da América, trata apenas do litoral. Em contraste, o cartógrafo segue de perto o escritor na questão do desenvolvimento urbano no Brasil: Fernanbuc, considerado por Crignon como único ponto forte dos portugueses em 1539 (data da redação do seu texto) é representado como tal por Gastaldi em 1556. O anacronismo cresce ainda com as edições de 1565 e 1606.

45 Os outros aspectos do mapa correspondem à descrição de Crignon e representam suas informações por meios iconográficos. Assim, a importância que o autor do Discorso d’un gran capitano presta à liberdade de comércio dos franceses com os índios se traduz no mapa na abundância de cenas do comércio cotidiano que se referem ao corte e ao comércio da madeira vermelha e na posição privilegiada do navio francês relativo aos outros navios. Mesmo o lugar no mapa onde estão representados os comerciantes franceses é escolhido de acordo com as referências espaciais contidas no texto.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 253

46 Levando-se em conta o fato de que o terceiro volume das Navegações e viagens de Ramusio teve três edições, podemos supor que essa popularidade contribuiu para a disseminação do «olhar francês sobre o Brasil». Sem afirmar asseguradamente que as informações sobre o Brasil nas obras geográficas de síntese, tais como os livros de La Popelinière ou do Père Fournier, provieram especificamente de Ramusio (embora algumas evidências indiretas pareçam mostrar isto),49 não se pode negar a semelhança de certas hipóteses que nelas se encontram, com os dados de Crignon ilustrados por Gastaldi.

BIBLIOGRAFIA

ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650). Paris, Dumont, 1916, vol. 1.

BARNES, J. Randall. Giovanni Battista Ramusio and the history of discoveries: An analysis of Ramusio's commentary, cartography, and imagery in "Delle Navigationi et Viaggi". Arlington : The University of Texas at Arlington, 2007

BIAGGI, LECA De & DROULERS M. Cartographie et formation territoriale. In : Cahiers des Amériques latines № 34, 1991, p. 42 – 4

BROC N. La géographie de la Renaissance. Paris, Editions du CTHS, 1986

CORTESÃO J. Historia do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro : Instituto de Rio Branco, 1965, vol. 1

COSGROVE D. Mapping New Worlds: Culture and Cartography in Sixteenth-Century Venice. In: Imago Mundi, Vol. 44 (1992)

HORODOWICH L. Armchair Travelers and the Venetian Discovery of the New World. In: The Sixteenth Century Journal, Vol. 36, No. 4 (Winter, 2005)

JULIEN Ch.-A., Les débuts de l’expansion et de la colonisation française (XVe-XVIe siècles). Paris : PUF, 1948

MARTINIERE G. Le Brésil, terre d’enjeux de la colonisation européenne des temps modernes (XVIe – XVIIIe siècle). In : MERIAN J. Y. (dir.) Les aventures des Bretons au Brésil à l’époque coloniale. Rennes :Les Portes du Large, 2007

MOLLAT M. Le commerce maritime normand à la fin du Moyen Age. Paris : Plon, 1952

MOLLAT M., HAUBERT J. Voyages et découvertes. Giovanni et Girolamo Verrazano navigateurs de François Ier. Dossiers de voyages établis et commentés par M. Mollat du Jourdin et J. Haubert. Paris : Imprimerie nationale, 1982

MONTAIGNE J.-M. Le trafic du Brésil. Navigateurs Normands, Bois Rouge et Cannibales pendant la Renaissance. Rouen : ASI Communications, 2000

PARKS G. B. Ramusio's Literary History. In: Studies in Philology [University of North Carolina Press], Vol. 52, No. 2 (Apr., 1955)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 254

PARKS G.B. The contents and sources of Ramusio’s Navigationi. In: RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. 1-37.

VERGE-FRANCESCHI M. Chronique maritime de la France d’Ancien Régime. Paris, 1998

ANEXOS

Documentação

Carta d’El Rey João III. In : GAMA, J.F. Fernandes. Memorias historicas da provincia de Pernambuco. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1844 Discours des Normands pour le trafic aux Indes. In : ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650., Paris, Dumont, 1916, vol. 2, p. 565. ESTANCELIN L. Recherches sur les voyages et découvertes des navigateurs normands en Afrique, dans les Indes orientales et occidentales. Paris : édition de Gérard Monfort, 1832 EVREUX Y. d’. Suite de l’Histoire des choses plus mémorables advenues en l’île de Maragnan es années 1613 et 1614. In : Evreux Y. d’, Clastres H. (éd.). Voyage au nord du Brésil fait en 1613 et 1614, Paris, Payot, 1985 FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation, composée par père Georges Fournier de la Compagnie de Jésus ; seconde édition, à Paris chez Jean Dupuis, MDCLXVII GUENIN E. Ango et ses pilotes. D’après les documents inédits tirés des archives de France, de Portugal et d’Espagne. Paris : Imprimerie nationale, 1901 HOFFMAN B. G. Account of a Voyage Conducted in 1529 to the New World, Africa, Madagascar, and Sumatra, Translated from the Italian, with Notes and Comments. In: Ethnohistory, vol. 10, № 1 (Winter, 1963) LE TESTU G. Côtes du Brésil ; Océan Atlantique Sud entre l’Afrique occidentale et le Brésil In : Cosmographie universelle selon les navigateurs, tant anciens que modernes, 1556, f. XLV, XLVI. – Bibliothèque de Vincennes. LA POPELINIERE. Les trois mondes. Edition établie et annotée par A.-M. Beaulieu. Genève : Librairie Droz, 1997 LERY J. de. Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil (1578, seconde édition – 1580) / Texte établie, présenté et annoté par F. Lestringant. Paris., 1999 NOTHNAGLE J. Pierre Crignon : poète et navigateur. Œuvres en prose et en vers, présentées et annotées par J. Nothnagle. Birmingham (Alabama) : Summa publications, 1990 ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum (1570). Atlas, Museu das Belas Artes Pouchkine (GMII), Moscou, département de graphique, inv. № 1601 [PYRARD DE LAVAL, F.] Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601 – 1611), contenant sa navigation aux Maldives, Moluques, Brésil; les divers accidents, aventures

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 255

et dangers qui lui sont arrivés en ce voyage, tant en allant et retournant, que pendant son séjour de dix ans en ces pays-là. Paris : Editions Chandeigne, 1998, vol. 2 RAMUSIO G. B. Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...], Venetia, 1556 Relações das [cartas] patentes que mandou João da Silveira do a que veio o Rey d’armes [Helies Alesgle d’Angoulême], [1528?]. In: Bibliothèque nationale de France, Nouvelles Acq. Françaises, 9386, f. 104 SANTAREM, visconde de. Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo, desde o principio da monarquia portuguesa até os nossos dias. Paris, 1843, tomo 3 THEVET A. La Cosmographie universelle d’André Thevet cosmographe du Roi, illustrée de diverses figures des choses les plus remarquables vues par l’auteur et inconnues de nos Anciens et Modernes. In : Les Français en Amérique pendant la seconde moitié du XVIe siècle. Paris : Presses universitaires françaises, 1953

NOTAS

1. [ http://www.cartografiahistorica.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=14&Itemid=99&idMapa=579] 2. RAMUSIO G. B. Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...]. Venetia, Nella Stamperia de Giunti, 1556; 1565; 1606. 3. SKELTON R.A. Introduction. In: RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. VI, VII. 4. Ibidem. 5. Ibid, p. XII. 6. COSGROVE D. Mapping New Worlds: Culture and Cartography in Sixteenth-Century Venice. In: Imago Mundi, Vol. 44 (1992), p. 74. 7. O texto ao qual nos referimos aqui provém da edição de 1556 (conservada na biblioteca de Heidelberg): Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...], Venetia In Venetia nella stamperia de Giunti, l’anno MDLVI. Mencionem-se duas importantes edições modernas fac-similares: RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. Venice, 1563-1606. With an introd. by R. A. Skelton and an analysis of the contents by George B. Parks. Amsterdam: Theatrum Orbis Terrarum, 1967-1970, 3 vols ; RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. A cura di Marica Milanesi. Torino: G. Einaudi, 1978, 6 vols.

Existem também traduções do italiano :

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 256

Para o francês : — «Discours d’un grand navigateur du port de Dieppe en France, sur les voyages faits aux terres nouvelles des Indes Occidentales, dans la partie appelée la Nouvelle France, depuis le 40e jusqu’au 47e degré, sous le pôle arctique, aux terres du Brésil, de la Guinée et aux îles de Saint Laurent et de Sumatra, jusqu’où sont parvenus les caravelles françaises», In : ESTANCELIN L. Recherches sur les voyages et découvertes des navigateurs normands en Afrique, dans les Indes orientales et occidentales. Paris : édition de Gérard Monfort, 1832, pp. 216-240. — «Discours d’un grand capitaine de mer français du lieu dit de Dieppe sur les navigations faites à la terre neuve des Indes Occidentales, nommé la Nouvelle France, [s’étendant] de 40° jusqu’à 47° sous le pôle arctique, et sur la terre du Brésil, de Guinée, de l’île Saint-Laurent et de celle de Sumatra, jusqu’où ont navigué les caravelles et les navires français», In : Pierre Crignon : poète et navigateur. Œuvres en prose et en vers, présentées et annotées par J. Nothnagle. Birmingham (Alabama) : Summa publications, 1990, pp. 95 – 113.

Para o inglês: HOFFMAN Bernard G. «Account of a Voyage Conducted in 1529 to the New World, Africa, Madagascar, and Sumatra, Translated from the Italian, with Notes and Comments», In: Ethnohistory, vol. 10, № 1 (Winter, 1963), p. 1–79. Disponível em: [http://www.jstor.org/stable/ 480388]. Encontra-se nesta publicação uma reprodução em fac-símile do livro em questão (pp. 33-40). 8. Discorso d’un gran capitano..., In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 9. Sobre a experiência francesa de Ramusio ver PARKS G. B. Ramusio's Literary History In: Studies in Philology [University of North Carolina Press], Vol. 52, No. 2 (Apr., 1955), p. 129-130. 10. SKELTON R.A. Op.cit., p. IX. 11. «Questo discorso ci é parso veramĕte molto bello, & degno di esser letto da ogni uno, ma ben ci dolemo di non sapere il nome dell’auttore, pcioche nõ nonendo il suo nome ci par di fare ingiuria alla memoria di cosi valĕte, & gĕtil caualiero.» Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 12. ESTANCELIN L. Op. cit., p. 189. 13. «[un Grã Capitano Frãcese] descriue il viaggio, che si fa alla terra nuoua dell’Indie Occidentali, che hora chiamano la nuoua Frãcia, & ancho alla terra del Brasil pur delle dette Indie, Guinea, costa delle Meleghette sopra l’Africa, doue tutto il giorno li Frãcesi pratticano cõ lor navi. il sopradetto Capitano poi con due naui armate in Dieppa di Normandia, volse andar fino all’Isola Taprobana in Leuante hora detta Sumatra, doue cõtrattto con quei popoli, & carico di specie ritornó à casa.» Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 14. Ibidem. 15. Parte da coleção em questão é intitulada «Déploration sur la mort desditz Parmentiers composée par Pierre Crignon, compagnon desditz Parmentiers en ladicte nauigation». A menção da última página do livro dá como data de impressão o 7 de janeiro de 1531 (na época o ano novo começava na Páscoa, e trata-se, portanto, do ano 1532 de acordo com o novo estilo). NOTHAGLE J. Op. cit., p. 10. 16. ESTANCELIN L. Op. cit., p. 230. Assim, segundo o Discorso, a data do descobrimento do Brasil é 1504; essa idéia não era incomum no século XVI, quando alguns mapas geográficos de influência internacional mostravam a legenda «Bresilia a Lusitanis A° 1504 inventa». ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum (1570). Atlas, Museu das Belas Artes Pouchkine (GMII), Moscou, departamento de gráficas, inv. № 1601. (Exemplar da Library of Congress: [http://www.loc.gov/resource/g3200m.gct00003/#seq-2]). Essa datação remonta à segunda viagem de Américo Vespúcio.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 257

17. Cf. ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650). Paris, Dumont, 1916, vol. 1, p. 460 ; JULIEN Ch.-A. Les Français en Amérique pendant la première partie du XVIe siècle. Paris : PUF, 1946, p. 24. 18. PARKS G.B. The contents and sources of Ramusio’s Navigationi. In: RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. 35. 19. Ibid, p. 1. 20. No que se refere ao exemplar de 1556, consultamos o da biblioteca de Heidelberg [http:// digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/ramusio1556bd3/0936]; para o exemplar de 1565 o da Biblioteca Nacional do Brasil [http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart395872.jpg] e para o exemplar de 1606 o da Biblioteca nacional da França [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ bpt6k131851r/f791.image]. 21. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r. 22. Cf. os mapas do Brasil por Guillaume Le Testu (1556): LE TESTU G. Côtes du Brésil ; Océan Atlantique Sud entre l’Afrique occidentale et le Brésil In : Cosmographie universelle selon les navigateurs, tant anciens que modernes, 1556, f. XLV, XLVI. – Bibliothèque de Vincennes. Reprodução em cores: MONTAIGNE J.-M. Le trafic du Brésil. Navigateurs Normands, Bois Rouge et Cannibales pendant la Renaissance. Rouen: ASI Communications, 2000, p. 17. 23. Sobre a tese da insularidade do Brasil ver: CORTESÃO J. Historia do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1965, vol. 1; LECA De BIAGGI E., DROULERS M. Cartographie et formation territoriale. In: Cahiers des Amériques latines № 34, 1991, p. 42–43; MARTINIERE G. Le Brésil, terre d’enjeux de la colonisation européenne des temps modernes (XVIe – XVIIIe siècle). In: MERIAN J. Y. (dir.) Les aventures des Bretons au Brésil à l’époque coloniale. Rennes :Les Portes du Large, 2007, p. 27. 24. «A lungo questa costa cosi verso ponente, come mezzo di, non vé alcuna fortezza ne castello per li Portoghesi, slvo vn luogo detto Fernanbuch, il qual è appresso capo di santo Agostino, dove è certe piccole fortezze di legname con alcune poche gĕte bãdite di Portogallo». Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r. 25. Assim, em meados da década de 1550, no litoral do Brasil, já tinha São Vicente (1532), Porto Seguro (1535), Ilheus (1536), Santos (1536), Salvador (1549), Espírito Santo (1551). 26. BROC N. La géographie de la Renaissance. Paris, Editions du CTHS, 1986, p. 43. 27. Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426v. 28. «1522. Nesta data sendo El Rei avisado por alguns Portuguezes que negociavão em França que certo Florentino, por nome João Verezano, se havia offerecido a Francisco I Rei de França, para descobrir no Oriente novos reinos, e para irem povoar o Brasil, se fazião nos portos de Normandia prestes varias armadas com o favor dos Almirantes das costas de França, e dissimulação do dito Francisco I, juntando-se a isto as quiexas que em Portugal havia pelos damnos que se experimentavão da parte dos corsarios francezes». SANTAREM, visconde de. Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo, desde o principio da monarquia portuguesa até os nossos dias. Paris, 1843, tomo 3, p. 197-198. 29. Sobre a viagem da «Pèlerine» e a tentativa de estabelecer uma fortaleza francesa no Brasil ver: Protestation de Bertrand d’Ornessan, baron de Saint-Blancard, commandant les galères du roi dans la Méditerranée, contre la prise du navire «La Pèlerine». In: GUENIN E. Ango et ses pilotes. D’après les documents inédits tirés des archives de France, de Portugal et d’Espagne. Paris: Imprimerie nationale, 1901, p. 256-261 (original em latim) et p. 42-47 (tradução da parte principal do documento ao francês). Essa tentativa não passou despercebida pelos portugueses, como evidenciado por uma carta de D. João III de Portugal a Martim Afonso de 28 de setembro de 1532: «Na costa de Andaluzia foi tomada agora pelas minhas caravelas que andavam na armada do Estreito, uma nau francesa carregada de brasil, e trazida nesta cidade a cual foi de Marselha a Pernambuco, e desembarcou

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 258

gente em terra, e desfez uma feitoria minha que ahi estava, e deixou la 70 homens com tenção de povoarem a terra e de se defenderem». Carta d’El Rey João III. In: GAMA, J.F. Fernandes. Memorias historicas da provincia de Pernambuco. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1844, vol.1, p. 59-61. 30. «Poscia che esti hanno nauigato al lungo d’una costa, esti se la fanno tutta sua. Ma tal conquista è molto facile à fare & senza grã spesa, perche non vi sono assalti, ne resistentia». Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p.426v . 31. «Questa terra del Brasil fu primamente scoperta da Portoghesi in qualche parte, & sono circa trentacinque anni. L’altra parte fu scoperta per uno de Honfleur chiamato Dionisio di Honfleur da venti anni in qua. & di poi molti altri nauilij di Francia vi sono stati, & mai non trouorono Portoghesi in terra alcuna che la tenessero per il Re di Portogallo. & quelli della terra sono liberi, & non soggetti ne à Re, ne à legge, & amano piu li Francesi». Ibidem. 32. «A El-Rey nosso soberano senhor e a meus senhores do seu conselho Supricam humilmente Yvon de Cretugar, Frances [François] Guerret, Mathurin Fournemouche, Joham Bureau e Joham Jamet, mercadores de vossa terra e ducado de Bretanha, vossos muito humildes servidores e sujeitos, como os ditos supricantes que são mercadores frequentando os mares e muitas diversas terras e entre outras as terras do Brasil que são muito grandes, as quaes os bretões descubriram e per alguns lugares e os portugueses per outros lugares». Relações das [cartas] patentes que mandou João da Silveira do a que veio o Rey d’armes [Helies Alesgle d’Angoulême], [1528?]. In: Bibliothèque nationale de France, Nouvelles Acq. Françaises, 9386, f. 104. Note-se que o episódio com a captura de três navios bretões no Brasil em 1527, que levou a uma disputa (na qual foi formulada uma reivindicação de prioridade na descoberta de uma parte do Brasil), foi descrito nos documentos cujos originais franceses não foram encontrados até hoje, e que conhecemos através das traduções portuguesas da época, conservadas nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa. A declaração dos bretões de Saint-Pol-de Leon teve problemas antes de que seu status como documento autêntico fosse estabelecido por M. Mollat. No final do século XIX, o especialista em história da marinha francesa Ch. de La Roncière, indicou a presença de uma cópia em português nos arquivos portugueses. O historiador português A. Pimenta seguiu esta referência e não encontrou nenhuma evidência do Brasil nos documentos referidos que falaram das Molucas; isso deu oportunidade a Ch. -A. Julien, um eminente especialista em história colonial da França, de exclamar: «Esta é a forma como a história é escrita... Seria melhor se pudéssemos reescrevê-la». JULIEN Ch.-A., Les débuts de l’expansion et de la colonisation française (XVe-XVIe siècles). Paris : PUF, 1948, p.17. Somente alguns anos mais tarde, M. Mollat explicou que o desacordo foi causado por um erro no arquivamento e restabeleceu a declaração dos bretões nos seus direitos. MOLLAT M. Le commerce maritime normand à la fin du Moyen Age. Paris : Plon, 1952, p. 256, n.35. O episódio de 1527 é também examinado em: RAMALHOSA GUERREIRO L. M. La prise de trois navires bretons sur les côtes du Brésil en 1527. In : La Bretagne, le Portugal, le Brésil : Echanges et rapports. Actes du Cinquantenaire de la création en Bretagne de l’enseignement du portugais. Paris: Les Presses du Palais Royal, 1973, pp. 103-111. 33. Discours des Normands pour le trafic aux Indes. In: ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales.., vol. 2, p. 565. 34. LA POPELINIERE. Les trois mondes. Edition établie et annotée par A.-M. Beaulieu. Genève : Librairie Droz, 1997, p. 379, 380. 35. FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation, composée par père Georges Fournier de la Compagnie de Jésus ; segunda edição em Paris por Jean Dupuis, MDCLXVII, p.245 (a primeira edição data de 1643 : cf. VERGE-FRANCESCHI M. Chronique maritime de la France d’Ancien Régime. Paris, 1998, p. 36). 36. [PYRARD DE LAVAL, F.] Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601 – 1611), contenant sa navigation aux Maldives, Moluques, Brésil; les divers accidents, aventures et

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 259

dangers qui lui sont arrivés en ce voyage, tant en allant et retournant, que pendant son séjour de dix ans en ces pays-là. Paris : Editions Chandeigne, 1998, vol. 2, p. 809. 37. MOLLAT M., HAUBERT J. Voyages et découvertes. Giovanni et Girolamo Verrazano navigateurs de François Ier. Dossiers de voyages établis et commentés par M. Mollat du Jourdin et J. Haubert. Paris : Imprimerie nationale, 1982, p. 119. 38. Citamos como exemplo o Atlas nautique du Monde, também Atlas Miller de Lopo Homem (1519), os mapas do Brasil de Jean Rotz (1542) e de Nicolas Vaillard (1547). As árvores e os arbustos que formam as florestas não são marcados com a cor especifica; mas os troncos que os índios carregam em seus ombros para a costa são de um vermelho profundo. Cf. o exemplar digitalizado do Atlas Miller [http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb40887479k] e as reproduções em cor contidas em: MONTAIGNE J.-M. Op. cit., p. 15, 38. 39. Um detalhe dessa miniatura mostrando as árvores de troncos vermelhos é reproduzido em: MONTAIGNE J.-M. Op. cit., p. 32 ; BUENO E. Brasil: uma História. A Incrível saga de um país. São Paulo, 2003, p. 23. 40. «Barattano il verzin in manarette, cunei, coltelli, & in qualche luogo é necessario che lo vadino à cercar in compagnie fin à trente leghe dentro del paese [...] & partano ciascun il suo pezzo di legno alli Francesi fin alla marina, & barattano colle dette manare, cunei & coltelli & altri ferramenti». Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r. 41. Observamos que o mesmo motivo — papagaios sentados em troncos que os índios carregam para os franceses — pode ser visto num relevo de madeira proveniente de uma casa de Rouen do século XVI (Rouen. Musée départemental des Antiquités. № 53). Trata-se de um baixo-relevo de madeira esculpido chamado de «Ilha do Brasil» proveniente da fachada da rua Malpalu 17 em Ruão. 42. Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r. 43. THEVET A. La Cosmographie universelle d’André Thevet cosmographe du Roi, illustrée de diverses figures des choses les plus remarquables vues par l’auteur et inconnues de nos Anciens et Modernes. In : Les Français en Amérique pendant la seconde moitié du XVIe siècle. Paris : Presses universitaires françaises, 1953, p. 221. 44. EVREUX Y. d’. Suite de l’Histoire des choses plus mémorables advenues en l’île de Maragnan es années 1613 et 1614. In : Evreux Y. d’, Clastres H. (éd.). Voyage au nord du Brésil fait en 1613 et 1614, Paris, Payot, 1985, p. 83 – 84. 45. «Dal capo di santo Agostino fin al porto reale, il quale in dodici gradi. quiui è doue li Francesi & Bretoni frequentano piu, & doue si troua piu verzino & migliore». Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r 46. ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum. Museu das Belas Artes Pouchkine (GMII), Moscou, département de graphique, inv. № 1601. Exemplar da Library of Congress: [http://www.loc.gov/ resource/g3200m.gct00003/#seq-2] 47. LA POPELINIERE. Les trois mondes,. p. 379, 380. 48. FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation…, p. 245. 49. Assim, na parte que se refere à América espanhola, La Popelinière parece emprestar a lista dos autores da introdução de Ramusio ao terceiro volume das Navegações e Viagens. Será que isto evidencia que ele conheceu esta obra, e, consequentemente, o texto de Crignon? La Popelinière não menciona Ramusio como fonte. –Cf. BEAULIEU A.-M. Comentário em LA POPELINIERE. Op. cit., p. 290.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 260

RESUMOS

O artigo analisa o mapa do Brasil realizado por Giacomo Gastaldi para a importante coleção de relatos de viagem intitulada Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (pela primeira vez editada em 1556). Fez-se um estudo do mapa comparando-o ao texto da viagem que ele ilustra e acompanha, o Discorso d’un gran capitano di mare francese atribuído a Pierre Crignon. Uma abordagem comparativa permitirá revelar as semelhanças e as diferenças entre o mapa de Gastaldi e o texto de Crignon.

El artículo analiza el mapa del Brasil ejecutado por Giacomo Gastaldi para la importante colección de relaciones de viaje Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (editada por primera vez en 1556). Es realizado un estudio del mapa en comparación al texto del relato que ilustra y acompaña, el Discorso d’un gran capitano di mare francese atribuido a Pierre Crignon. Un abordaje comparativo consiste en revelar las semejanzas y las diferencias entre el mapa de Gastaldi y el texto de Crignon.

L’article analyse la carte du Brésil exécutée par Giacomo Gastaldi pour un recueil important des relations de voyages Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (première édition 1556). Une étude de la carte se fait en comparaison avec le texte de la relation du voyage qu’elle illustre et accompagne – le Discorso d’un gran capitano di mare francese attribué a Pierre Crignon. Une démarche comparatiste consiste à révéler les similitudes et les décalages entre la carte de Gastaldi et le texte de Crignon.

This paper analyzes the map of Brazil made by Giacomo Gastaldi for the important collection of travel relations Delle Navigationi et Viaggi of Giovanni Battista Ramusio (first edited in 1556). The map is examined in comparison with the text of the relation it illustrates and features, the Discorso d’un gran capitano di mare francese assigned to Pierre Crignon. A comparative approach means to show the similarities and differences between Gastaldi's map and Crignon's text.

ÍNDICE

Palavras-chave: Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartografia, Brasil Palabras claves: Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartografía, Brasil Índice cronológico: 1556-1606 Keywords: Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartography, Brazil Índice geográfico: Brasil Mots-clés: Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartographie, Brésil

AUTORES

OLGA OKUNEVA

Doutora em história pela Universidade Estatal de Moscou Lomonossov e pela Universidade Paris- Sorbonne, pesquisadora do Instituto de história universal da Academia de ciências da Rússia. [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 261

Essai sur la carte de G. Gastaldi « Brasil » insérée dans « Delle navigationi et Viaggi » de G. B. Ramusio (1556 ; 1565 ; 1606) Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi inserido em Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Ensayo sobre el mapa «Brasil» de G. Gastaldi inserto en el Delle navigationni e Viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606) Essay on the map of Brazil by G. Gastaldi included in G. B. Ramusio's Delle Navigationi et Viaggi (1556; 1565; 1606)

Olga Okuneva Traduction : Paul Sutermeister

NOTE DE L’ÉDITEUR

Ofeceremos neste mesmo número uma tradução ao português deste artigo sob o título Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606)

Ofrecemos en este mismo número una traducción al portugués de este artículo con el título Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606)

Nous offrirons dans cet même numéro une traduction en Portugaise de cet article sous le titre Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 262

We offer in this same issue a Portuguese translation of this paper under the title Ensaio sobre o mapa «Brasil» de G. Gastaldi pertencente ao Delle navigationi e viaggi de G. B. Ramusio (1556; 1565; 1606)

1 La Bibliothèque digitale de la cartographie historique – une excellente initiative de l’Université de São Paulo qui met à la disposition des chercheurs des cartes anciennes numérisées d’une très haute qualité – abrite dans sa collection une carte intéressante du Brésil du XVIe siècle1.

Figure 1: Giacomo Gastaldi — Brasil (1556)

In: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1556). Exemplaire coloré de la Bibliothèque Numérique de Cartographie Historique — Université de São Paulo [http://www.cartografiahistorica.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=14&Itemid=99&idMapa=579].

2 Cette carte accompagne une curieuse relation sur le Brésil de la première moitié du XVIe siècle : le texte apparaît dans le troisième volume des « Navigations et voyages » de Giovanni Battista Ramusio2. Ce Vénitien – diplomate, humaniste et grand amateur de la géographie – a rassemblé plusieurs ouvrages géographiques et relations de voyages dans un recueil en trois volumes. Tout en restant au service de l’Etat vénitien pendant une grande période de sa vie (d’abord attaché à la chancellerie, ensuite en tant que secrétaire du Sénat et un des secrétaires du Conseil de Dix), il a collaboré également à l’administration pratique d’une grande collection de manuscrits (le noyau de la future Biblioteca Marciana), ce qui atteste non seulement son intérêt pour la culture livresque mais aussi une habilitation à mener un travail « de routine » dans la gestion de la collection3.

3 Le propre intérêt de Ramusio en littérature géographique, en relations manuscrites ou imprimées de voyages contemporains et en livres sur les découvertes géographiques « faites en notre siècle » est inséparable de sa passion pour les lettres et pour les

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 263

auteurs de l’antiquité classique. C’était dans cet esprit de la Renaissance et d’humanisme et dans le contexte de liens étroits avec des humanistes, tels que Pietro Bembo, Andrea Navagero et Girolamo Fracastoro, que l’œuvre principale de Ramusio – sa grande collection de textes géographiques – est née.

4 A l’époque où le prestige de la « Géographie » de Ptolémée est déjà ébranlé par les découvertes maritimes, on cherche à combiner les informations de cet auteur avec les observations des voyageurs modernes et de réviser ainsi les modeles classiques. Telle est la démarche de Waldseemüeller en 1511 et en certaine partie en 1513 ; la même pensée guide Ramusio dans son désir de fournir au public les relations originelles des voyageurs, riches en détails et en observations, pour élaborer à leur base de nouvelles cartes4.

5 Un de ceux qui ont contribué à ce dessein est le cartographe Giacomo Gastaldi, Vénitien d’origine piémontaise et le cosmographe officiel de la Sérénissime République. Une bonne connaissance entre Ramusio et Gastaldi s’accroît à la fin des années 1540 lorsque celui-ci commence à enseigner la géographie au fils de Ramusio5. Il est probable que l’exécution par Gastaldi d’une grande commande officielle – dans les années 1540 il a été chargé de refaire les anciennes cartes régionales du XVe siècle sur les murs d’une salle au Palais Ducal – se doive aux informations que le cartographe avait puisé dans la collection de Ramusio.

6 C’est Giacomo Gastaldi qui est l’auteur d’une carte gravée du Brésil qui sera analysée dans le présent article. Gastaldi a fait douze cartes pour le recueil de Ramusio : trois sont publiées dans le premier volume (Afrique) et neuf dans le troisième (dont sept se réfèrent à l’Amérique). En dehors du travail pour Ramusio, Gastaldi a produit un nombre de cartes individuelles, parfois commandées par les mécènes6.

7 Le grand ensemble éditorial que présentent les trois volumes de « Navigations et voyages » garde visible le travail de l’éditeur en matière de choix de textes, de leur traduction en italien afin de contribuer à la cohérence de la collection et en commentaires. Ces principes peuvent être observés sur l’exemple du texte sur le Brésil accompagné par la carte de Gastaldi.

8 La relation qui fait partie du troisième volume dédié au Nouveau Monde est intitulée “ Discorso d’un gran capitano di mare francese del lucco di Dieppa sopra le navigationi fatte alle Terra Nuova dell’Indie Occidentali, chiamata la Nuova Francia, da gradi 40 fino a gradi 47 sotto il Polo Arctico, & sopra la terra del Brasil, Guinea, Isola di San Lorenzo,& quelle di Sumatra, fino alle quali hano navigato le caravelle & navi francese”7. Le document est publié en italien mais le texte original a été rédigé en français et Ramusio indique que c’est lui qui a voulu le retransmettre « en notre langue »8. La traduction a pu être faite par Ramusio lui-même, car sa maîtrise du français (tirée probablement d’une mission diplomatique en France) lui a valu des éloges des contemporains et l’exercice de la charge de l’interprète du français auprès du doge9. Il est bien probable que Ramusio ait commandé lui-même les nouveaux matériaux (dont le « Discours ») de Paris à la fin des années 1530 et au début des années 154010.

9 En incluant cette relation dans son ouvrage, Ramusio ignorait le nom du « grand capitaine » et de l’auteur du « Discours » (en effet, il pensait qu’il s’agit d’une seule personne ; nous reviendrons à cette question ci-dessous). Le fait de méconnaître son nom lui paraissait cependant un grand dommage : « Ce discours est vraiment très beaux et digne d’être lu par chacun, mais nous sommes désolés de ne pas savoir le nom

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 264

de l’auteur car, son nom n’y étant mis, ce sera injure à la mémoire d’un si vaillant et noble gentilhomme »11.

10 La relation du voyage et le voyage même restaient anonymes jusqu’aux années 1830 où un manuscrit d’un journal de bord d’une expédition française à Sumatra en 1529 sous le titre provisoire « Voyage des Dieppois » a été trouvé dans les papiers particuliers d’un négociant à Rouen. Tenant compte du fait que le « Discours d’un grand capitaine » parle de Sumatra dans les termes semblables et que le journal de bord indiquait clairement le nom du capitaine français ayant entrepris ce voyage – Jean Parmentier, aussi bien que le nom du narrateur – Pierre Crignon, l’attribution a été faite. L’historien français Louis Estancelin, à l’origine de cette attribution, affirmait en 1832 :

11 La découverte que le hasard nous a procurée du journal [du voyage à Sumatra] ne laisse plus aucune doute…Il convenait de publier en entier le journal et la relation donnée par Ramusio ; ces deux pièces, se prêtant un mutuel appui, concourent à ne laisser aucun doute sur la réalité et l’identité du voyage qu’elles décrivent12.

12 Il s’agit ainsi d’une expédition de 1529 conduite par Jean et Raoul Parmentier sur les deux navires, le « Sacre » et la « Pensée ». La visite du Brésil, s’inscrivait-elle dans le cadre de ce voyage ? Ramusio, le publicateur du « Discours d’un grand capitaine », semblait le croire :

13 [Le grand capitaine français] décrit le voyage qui se fait à la terre neuve des Indes Occidentales, que nous appelons aujourd’hui la Nouvelle France, et aussi à la terre du Brésil des dites Indes, en Guinée et à la côte des Malaguettes sur la côte de l’Afrique, que les Français fréquentent tous les jours avec leurs navires. Le susdit capitaine ensuite, avec deux navires armés à Dieppe en Normandie, sut aller jusqu’à l’île de Taprobane dans l’est, aujourd’hui dite Sumatra, où il négocia avec les gens ; et, chargés d’épices, il rentra chez lui13.

14 Cependant une question se pose : Ramusio affirme que le « Discours » a été fait en 153914 ; or, Jean Parmentier est mort avant 1531 ou 1532, comme en témoigne le recueil de ses poèmes publiés post mortem par son compagnon Pierre Crignon qui déplore la mort de Jean et de Raoul Parmentier15. De plus, le texte du « Discours… » contient un important marqueur chronologique : « Une partie de cette terre du Brésil fut d’abord découverte par les Portugais, et il y a environ trente-cinq ans »16. Jean Parmentier ne pourrait pas ainsi être l’auteur du « Discours », comme pensait Ramusio ; par contre, son ami et compagnon de voyage Pierre Crignon paraît bien l’auteur en question. Il a déjà relaté le voyage à Sumatra ; l’affection qu’il portait à la mémoire des frères Parmentier et qui l’a poussé à éditer les poèmes de Jean Parmentier conjugue bien avec le souci de commémorer les voyages de celui-ci dans un mémoire synthétique.

15 La paternité de Crignon est depuis lors reconnue dans l’historiographie française17. Il existe cependant d’autres versions, telles que l’attribution du texte au cosmographe français d’origine portugaise Jean Alphonse. Encore une hypothèse consiste à voir en personne de Jean Alphonse non pas l’auteur du « Discours… » mais l’auteur de la « Cosmographie » dont les passages ont inspiré Ramusio qui les aurait assigné à un certain capitaine18.

16 *** *** ***

17 Après avoir présenté l’œuvre de Ramusio et les discussions sur la personnalité de l’auteur du « Discours », passons à l’examen de la carte de Gastaldi qui vient avec le texte. Il existe trois éditions du troisième volume des « Navigations et voyages » (et

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 265

donc de la carte en question) – celle de 1556, de 1565 et de 1606 (notons que ce troisième volume sur l’Amérique a connu moins de rééditions que les autres volumes de l’ensemble19). Une édition de 1565 reprend la mise en page de la première édition de 1556 et ainsi la carte se trouve dans ces deux cas aux pages 427-428, à la différence de l’édition de 1606 où elle est aux pages 356-357. A partir de cette observation il serait aisé de supposer que les variantes de 1556 et de 1565 sont plutôt identiques et peuvent différer de la variante de 1606. Pourtant la situation est inverse : la comparaison de trois variantes20 montre que les exemplaires de 1565 et de 1606 sont pareils, tandis que celui de 1556 est légèrement différent. Les différences sont de trois types : • typographiques (police plutôt arrondie en 1556, plus aiguë en 1565 et 1606 ; le format des chiffres qui composent le numéro de page 427 ; l’existence ou l’absence d’espace entre les mots dans les inscriptions « Rio de la Plata » et « Mar dolce » ; l’existence ou l’absence de point après les toponymes) ; • iconographiques (la position et la configuration des tracées qui symbolisent le relief du pays diffèrent systématiquement ; le personnage à la hache dans la partie centrale de la carte tient son outil tourné à gauche en 1556 et à droite en 1565/1606 ; le personnage portant les troncs d’arbres en tient deux en 1556 et seulement un en 1565/1606 ; le tireur à l’arc est du sexe incertain en 1556 et devient une femme aux seins bien marquées en 1565/1606 ; la queue d’un singe en bas de la carte est tournée à gauche en 1556 et à droite en 1565/1606 etc.) • orthographiques et de conservation : l’état de sauvegarde de trois exemplaires de la carte (1556, 1565 et 1606) et les conditions de leur digitalisation sont différents. Ainsi, dans l’exemplaire de la bibliothèque de Heidelberg la feuille avec la carte a été pliée de telle manière que même lorsqu’elle est dépliée, certains petits éléments sont « mangés » par le pli. Cela se réfère surtout aux inscriptions qui perdent une lettre : “Mulloban(b)a prov.”, “Terra no(n) descoperta”, “Ponen(t)e”, “Leva(n)te” etc. Toutefois une véritable différence d’orthographe oppose encore une fois la variante de 1556 et ceux de 1565/1606 : dans le premier cas on lit “Terra non discoperta” et dans le second “Terra non descoperta”.

18 Les trois variantes de cartes tirées des éditions de 1556, de 1565 et de 1606 sont en noir et blanc. Un exemplaire de la Bibliothèque digitale de la cartographie historique de l’Université de São Paulo est coloré, mais il est difficile de dire de quelle époque date la coloration (la partie gravée est bien de 1556, comme le montre la comparaison avec l’exemplaire de la bibliothèque de Heidelberg). On peut seulement constater que la coloration de l’exemplaire de l’USP ne suit pas la tradition – pourtant bien répandu au XVIe siècle – de montrer d’une manière différente les arbres ordinaires et les troncs des arbres pau brasil (il en sera question ci-dessous).

19 Comparons maintenant les éléments essentiels de la carte et du texte.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 266

Figure 2: Giacomo Gastaldi — Brasil (1556)

In: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1556) Exemplaire de la Bibliothèque de l'Université de Heidelberg [http://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/ ramusio1556bd3/0936]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 267

Figura 3: Giacomo Gastaldi — Brasil (1565)

In: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1565) Exemplaire de la Bibliothèque Nationale du Brésil [http://objdigital.bn.br/acervo_digital/ div_cartografia/cart395872.jpg]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 268

Figura 4: Giacomo Gastaldi — Brasil (1606)

In: Giovanni Battista Ramusio, Delle Navigationi et Viaggi (1606) Exemplaire de la BNF-Gallica [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131851r/f791.image]

La présentation générale du Brésil et la nomenclature géographique

20 En examinant la présentation générale du Brésil proposée par le texte et la carte, on constate aussi bien la similitude que le décalage. Ainsi, le texte parle de la terre du Brésil dont les extrémités sont le cap de Onze mille Vierges (actuel Cabo Virgines) près du Détroit de Magellan et le fleuve Maragnon (Amazone) ; la longueur de cette côte est une somme de distances entre les points de repère les plus importants (depuis le cap de Onze mille Vierges – Rio de la Plata, cap de Sainte Marie, cap du Saint-Augustin, cap du Saint Roch, golfe de Saint-Luc, cap du Couchant, fleuve du Maragnon). Au-delà de ce fleuve, statue Pierre Crignon, on rencontre les îles et les terres découvertes par les Espagnols dans les Indes occidentales21. En même temps cette présentation du littoral ne touche point les régions intérieures du Brésil.

21 En comparaison avec le « Discours » la carte offre une autre vision du Brésil. Tout d’abord elle est orientée selon l’axe occident-orient ce qui n’est pas rare à l’époque22 ; la ligne du littoral atlantique va ainsi de gauche à droite et c’est ici qu’on constate une différence par rapport au texte : en gardant le fleuve de Maragnon en tant qu’une des limites naturelles du pays, la carte présente comme une autre extrémité non plus le cap de Onze mille Vierges mais le Rio de la Plata (la légende de la carte associe à ce toponyme de nom de Juan Diaz Solis en hommage à sa découverte de 1516).

22 D’autre côté Gastaldi ne se limite pas de montrer la frange atlantique du pays mais représente également la masse du continent. Bien que ces zones restent méconnues et

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 269

ne portent aucune légende sauf « Mullobanba prov. » et « Terra non descoperta », on y remarque une silhouette d’un volcan en pleine éruption. De deux côtés du volcan le cartographe a placé des lacs où prennent naissance les deux grands fleuves mentionnés ci-dessus – Rio de la Plata et Maragnon. Gastaldi participe ainsi à une longue discussion cartographique sur l’existence d’un certain lac au centre du continent où prennent naissance les deux fleuves qui se trouvent ainsi liées et qui font du Brésil une gigantesque île. Cette thèse de l’insularité du Brésil, présente chez certains cartographes du XVIe siècle, a acquis un caractère politique au XVII e siècle pour contribuer à la démarcation des possessions portugaises et espagnoles en Amérique du Sud23. On voit que Gastaldi ne partageait pas l’opinion de l’insularité du Brésil, bien qu’il ait représenté les lieux de naissance des deux grands fleuves assez proches l’un d’autre.

23 Quant à la nomenclature géographique, les similitudes entre la carte et le texte sont assez visibles. La carte contient tous les toponymes mentionnés dans le texte (à l’exception du cap de Onze mille Vierges et le détroit de Magellan) et en représente encore une dizaine d’autres. De tous les toponymes ce sont les caps qui sont en majorité ; ensuite viennent les rivières. Un des deux toponymes figurant sur la carte sans une abréviation « C. » (cap) ou « R. » (rivière) attire une attention particulière. C’est le Fernambuc (Pernambuco) qui a été spécialement évoqué dans le « Discours d’un grand capitaine » en tant qu’un seul point fort des Portugais sur le littoral :

24 Le long de cette côte et vers le couchant, les Portugais n’ont élevé aucun château ou forteresse ; seulement, on trouve dans un lieu dit Fernambuc, situé après le cap Saint- Augustin, une petite forteresse de bois avec peu de gens exilés du Portugal24.

25 Il est intéressant de constater que la mention de « Fernambuc » (« Fernanbuch » dans le texte de Crignon) sur la carte n’est pas accompagnée par quelconque dessin ou pictogramme évoquant une ville (une tour ou un château, un clocher ou une cathédrale). Cependant un pictogramme pareil semble être présente sur la carte, au- dessus du Cap Saint-François, mais aucun toponyme « urbain » ne le suit. En tout cas l’exemple du « Fernambuc » montre que la carte publiée dans les années 1550 ne reflète pas les réalités récentes du développement urbain du Brésil25 ; c’est ici qu’elle correspond au texte datant de la période précédente, et le texte, à son tour, remontre au voyage à l’époque encore plus éloignée.

La présence des étrangers et la rivalité franco- portugaise au Brésil

26 Il est bien connu qu’à la Renaissance la carte géographique joue plusieurs rôles, et la fonction d’un instrument politique et diplomatique n’en est pas le moindre26. Ainsi, les cartes affichent les pavillons et les blasons des souverains et des grands seigneurs, portent des dédicaces aux grands de ce monde etc. La carte du Brésil de Gastaldi n’est pas libre, non plus, des références politiques. L’analyse de leurs particularités serait incomplet sans tenir compte du texte que la carte illustre et accompagne.

27 Au premier regard la représentation du Brésil par Gastaldi est « politiquement neutre » : aucun blason n’est placé dans les contours du pays, aucune légende faisant référence à la nationalité des découvreurs ou des souverains n’est présente. Et pourtant le Brésil de Gastaldi fait bien l’objet de convoitise : c’est en dehors des contours du pays

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 270

que les références politiques et diplomatiques apparaissent. Il s’agit des armoiries portées par des nombreux navires qui vont et viennent le long des côtes brésiliennes.

28 Les cinq navires visibles sur la carte sont tous différents. Des deux folios occupés par la carte c’est la partie gauche qui concentre la majorité des navires (quatre) ; la partie droite n’en compte qu’un seul. Parmi tous les navires on voit deux aux fleurs de lys français et trois autres aux armoiries portugaises. Ceux-ci sont peints de trois côtés du Brésil, dans un périmètre de l’espace aquatique du pays. Les vaisseaux français sont représentés en dehors par rapport aux navires portugais. Serait-ce une interprétation iconographique de l’idée que les patrouilles navales portugaises barrent l’accès au Brésil pour les Français ?

29 En tout cas de tous les navires c’est un vaisseau français qui occupe une position privilégiée : il est le plus grand de tous, le mieux détaillé, placé presque au milieu de l’espace aquatique entourant le Brésil ; ses voiles sont gonflés et créent le sentiment d’un mouvement rapide. Ce vaisseau se dirige au Brésil, sa proue est tournée vers la côte.

30 Une telle position privilégiée du navire français par rapport aux autres correspond parfaitement à la tonalité générale du « Discours d’un grand capitaine » qui est un pamphlet ardent en faveur du commerce français au Brésil27, très mal vu par les Portugais. On sait que la présence française au Brésil dans les années 1530-1540 a été importante, y compris à cause du faible développement de la colonie par la couronne portugaise ; c’est cette présence française qui incitait dans beaucoup de cas les Portugais à fortifier la côte et y créer le réseau des points forts. Cependant plusieurs vides et lacunes dans ce maillot permettaient aux Français de continuer à visiter le Brésil – pour trafiquer avec les indigènes ou pour courir sus aux navires portugais si une occasion se présentait. La crainte permanente des Portugais était qu’un beau jour les Français viendraient au Brésil pour le « peupler », mais à part d’un bruit qui courrait sur le voyage de Giovanni Verrazano, florentin au service de François Ier, au début des années 152028 et une tentative décrite par baron de Saint-Blancard par rapport au voyage de son navire « Pèlerine » à la fin de cette même décennie29, on ne connaît pas d’exemples d’une création des noyaux forts permanents par les Français au Brésil avant la fondation de la France Antarctique dans la baie de Guanabara en 1555.

31 L’écho de toutes ces tendances se voit bien dans le « Discours d’un grand capitaine » et sur la carte de Gastaldi. On a déjà évoqué le fait que le cartographe ne montre pas de traces des installations européennes sur le littoral, à part l’inscription « Fernambuc » sans complément picturale et un certain pictogramme au dessus du Cap Saint-François, dépourvu d’une légende. De la même façon Pierre Crignon affirme qu’ « on ne rencontre, le long de [la] côte aucune forteresse ou château qui indique la présence des Portugais, Français ou Espagnols », ayant cité ci-dessus l’exemple de Fernambuc comme exception.

32 Le véritable « champ de rivalité » franco-portugaise au Brésil – aussi bien sur la carte que dans le texte – se place ainsi dans une autre dimension, celle du droit de visiter le Brésil. Les Français le réclament, les Portugais ne le gardent que pour soi. Le texte du « Discours » témoigne des arguments les plus répandus des Français dans cette discussion.

33 Pierre Crignon développe ses propos en défense du droit de visiter le Brésil sur deux plans. Le premier se réfère au droit du découvreur et à la légitimité liée à la priorité de la découverte. D’un côté, l’auteur français attaque les Portugais sur ce champ ; d’autre

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 271

côté il est contraint de lutter avec les mêmes armes. Ainsi, il proteste contre la situation où

34 aussitôt que les Portugais ont navigué le long d’une côte, ils s’en emparent et la considèrent comme leurs conquête, conquête facile et à peu de frais, car elle n’a nécessité ni assaut, ni résistance30.

35 D’autre côté, ne pouvant pas nier complètement le droit du découvreur avancé par le Portugal, Pierre Crignon l’étend et en fait bénéficier également ses compatriotes :

36 une partie de cette terre du Brésil fut d’abord découverte par les Portugais, et il y a environ trente-cinq ans. Denis de Honfleur découvrit l’autre partie il y a vingt ans et depuis beaucoup d’autres navires français y ont abordé, sans y rencontrer aucune trace de la domination portugaise. Aussi les habitants sont parfaitement libres et ne reconnaissent ni puissance royale ni lois ; ils aiment plus les Français31.

37 La déclaration de Crignon au sujet de la découverte d’une partie du littoral brésilien par les Français n’est pas un exemple unique. A la fin des années 1520 le même argument a été avancé par les Bretons dont les navires ont été interceptés par les Portugais au Brésil32 ; quelques décennies plus tard l’auteur anonyme du « Discours des Normands pour le trafique des Indes » constatera avec amertume qu’« ont été lesdits Français les premiers qui ont en partie découvert ce que aujourd’hui les autres possèdent »33. En 1582 l’historien protestant Lancelot Voisin de La Popelinière évoque cette idée en regrettant que les Normands et les Bretons n’ont pas eu « l’esprit ni discrétion de laisser un seul écrit public pour assurance de leurs desseins aussi hautains et généreux que les autres », faute de quoi c’est le Portugal, supérieure à toutes les nations en théorie et pratique des découvertes maritimes, s’est attribué « l’avantage d’être… paisible seigneur [du Brésil] par le moyen de Pedralvarez [Cabral] »34. Finalement, au XVIIe siècle l’idée de la priorité française dans la découverte de certaines parties du littoral brésilien est attestée chez le jésuite G. Fournier, l’auteur d’une « Hydrographie » 35 et chez le voyageur François Pyrard de Laval36.

38 En revenant à l’argumentation de Crignon et aux modalités de sa représentation sur la carte de Gastaldi, notons que l’enjeu du « Discours » est d’acclamer le droit des Français de visiter le Brésil plutôt que de s’y établir d’une façon permanente. Ainsi la carte de Gastaldi évoque la présence des Européens avec leurs navires et drapeaux en dehors des contours du pays. Crignon insiste sur l’ancienneté du trafic franco-indien et met en avant la thèse de l’absence de domination portugaise dans les régions fréquentées par les Français. La familiarité des Français avec certaines zones du littoral se forge donc en l’absence de tout obstacle.

39 Ces arguments doivent être placés dans le contexte de la controverse franco-portugaise au sujet de la liberté des mers : les Portugais reconnaissaient en principe la liberté de la navigation pour tous sur les mers connues, mais les autres, disaient-ils, n’étaient pas libres. Au contraire, la thèse française revendiquait la liberté de navigation sur toutes les mers sans exception ni restriction ; le droit co-extensif à cette liberté était celui de trafiquer avec les Indiens du Brésil37.

40 Cette considération nous emmène à examiner la représentation de ce commerce franco-indien aussi bien sur la carte de Gastaldi que dans le « Discours d’un grand capitaine ».

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 272

Le commerce de troc

41 A l’exemple d’autres cartographes de l’époque, Gastaldi insère dans la carte du Brésil des scènes de genre ; elles remplissent des zones intérieures du pays qui restent encore inconnues. On y voit les Amérindiens se reposer sous les arbres, dans les hamacs ou à l’intérieur des maisons, tirer à l’arc, couper les arbres et transporter les troncs. Les arbres en question sont le célèbre bois rouge, pau brasil, qui attirait tant les Européens et qui était à leurs yeux une des principales richesses du Brésil. Pau brasil servait pour extraire une matière colorante et peindre ensuite les tissus ou préparer des couleurs, les encres de couleur, des laques etc. ; d’autre côté, les ébénistes utilisait le bois rouge en arts décoratifs. Dans leur état naturel les arbres n’avaient rien de spécial qui indiquerait leurs qualités tinctoriales ; la couleur rouge du bois se révélait lorsqu’on enlevait l’écorce du tronc. Cependant sur certaines images et cartes du XVIe siècle on dessinait les arbres aux troncs rouges pour évoquer le bois du Brésil. Dans la version colorée de la carte de Gastaldi (l’exemplaire de l’USP) ce procédé n’est pas utilisé ; pourtant une distinction « coloristique » dans la représentation des arbres ordinaires et les troncs des arbres de brésil peut être observée sur les différentes cartes de Brésil de la première moitié du XVIe siècle38. On utilise ce moyen non seulement dans les cartes mais aussi dans d’autres documents iconographiques : ainsi, une image française des années 1550 montre bien les troncs rouges des arbres qui devaient symboliser le bois du Brésil lors d’un spectacle donné à Rouen en 1550 à l’occasion de l’entrée solennelle d’Henri II39.

42 Le bois rouge était un de principaux articles d’échange dans le commerce de troc des Amérindiens avec les Européens. Ceux-ci s’étonnaient du fait que les indigènes ignorent les métaux et l’usage de la monnaie ; ainsi les objets pour lesquels les Européens recevaient le bois rouge étaient le plus souvent des ferrements. Les Indiens, en revanche, devaient couper les arbres, ôter des branches, transporter les troncs vers le lieu où étaient ancrés les navires et même participer au chargement.

43 Le « Discours d’un grand capitaine » décrit les habitants du Brésil qui échangent des bois précieux contre de petites haches, des coins de fer et des couteaux. Dans quelques contrées les habitants sont obligés d’aller chercher les bois d’échange souvent à trente lieus à l’intérieur du pays…Tous portent leur pièce de bois jusqu’à la côte, où ils la livrent aux Français, moyennent quelques petites haches, quelques coins, couteaux et objets en fer40.

44 De la même façon on voit sur la carte de Gastaldi plusieurs personnages qui coupent le bois (deux indigènes dans la partie gauche, un personnage au centre et son voisin muni d’une serpe avec laquelle il coupe les branches). Pas moins de quatre autres personnages portent les troncs sur leurs épaules ; les troncs seuls ou rassemblés dans des lots gisent sur le sol. Pour animer la scène, le peintre y introduit des oiseaux (de toute évidence des perroquets) qui se posent sur les troncs laissés au sol ou sont perchés sur le tronc transporté par un Indien41.

45 Les efforts considérables employés par les Indiens que l’on récompensait ensuite par un outil en fer de petite valeur donnaient aux auteurs français du XVIe siècle un prétexte pour réfléchir à cette incohérence. Les opinions étaient les plus variées ; ainsi, Pierre Crignon statue que « ces peuples font plus grand cas d’un clou que d’un écu »42, le voyageur André Thevet pense que les Indiens se donnent tant de peine pour l’amour qu’ils ressentent envers les chrétiens : ils les « aiment, chérissent et honnorent »43 ; le

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 273

capucin Yves d’Evreux au début du XVIIe siècle loue, au contraire, la sagesse des Indiens qui reconnaissent une valeur concrète et réelle d’un ferrement au lieu de s’éblouir des fausses valeurs et du luxe incarnés dans les pierres précieuses44.

46 En comparant le texte du « Discours » cité ci-dessus et la carte de Gastaldi, on voit que le cartographe suit soigneusement les indications de Pierre Crignon. Ainsi, dans la partie centrale les personnages coupant le bois sont placés à l’intérieur, tandis que ceux qui portent les troncs envers les marchands français sont représentés près de la côte. Ils forment tous un groupe à part ; cinq personnages, hommes, femmes et animaux se dirigent de gauche à droite (soit regardent à droite) ; au bout de ce trajectoire ils sont rencontrés par deux marchands français. La position de ceux-ci n’est pas choisie au hasard ; l’Indien qui tend la main aux Français et un marchand répondant à ce geste sont placé sur la côte entre les inscriptions « R. Real », « R. de S. Francisco », « C. de S. Augustin ». Or, c’est précisément la région le plus visitée par les Français, d’après le « Discours d’un grand capitaine » :

47 La partie la plus fréquentée par les Français et les Bretons est située entre le cap Saint- Augustin et le Port-Real, qui est placé au 12e degré ; c’est aussi dans cette partie que ce trouvent les meilleurs bois du Brésil et en plus grande quantité45.

48 Il est intéressant de rencontrer les mêmes indications topographiques dans les ouvrages de la seconde moitié du XVIe siècle et même au XVII e. Citons quelques exemples en ordre chronologique. Sur une carte de l’Amérique de l’atlas « Theatrum orbis terrarum » d’Abraham Ortelius (première édition 1570) on distingue l’inscription « Porto Real ad quem Galli mercatum navigant »46 (« Port Real où vont les marchands français ») précisément à la hauteur des fleuves Rio de São Francisco, Rio Real et Rio de São Agostinho. L’historien protestant La Popelinière, évoqué ci-dessus, affirme en 1582 que « les Français toutefois, Normands surtout & les Bretons maintiennent… d’ancienneté trafiquer avec les sauvages du Bresil contre la rivière Saint François au lieu qu’on a depuis appelé Port Réal » 47. Le jésuite Père Fournier écrit en 1643 que « Normands et Bretons maintiennent… de long temps [avoir] trafiqué sur la rivière de St. François d’où ils apportent le bois qu’ils appellent Brésil, propre pour les teintures…48.

49 La carte de Gastaldi et le « Discours d’un grand capitaine » qu’elle accompagne se présentent ainsi comme des initiateurs d’une tradition qui se poursuivra dans la seconde moitié du XVIe siècle et au XVIIe.

Conclusion

50 L’analyse des informations contenues dans la carte de Gastaldi à l’appui du « Discours d’un grand capitaine » qu’elle illustre montre que les divergences entre ces documents sont moins nombreuses que les points de similitudes. La carte de Gastaldi est plus riche en toponymes et présente non seulement la côte mais aussi une zone à l’intérieure du continent où naissent les deux grands fleuves sud-américains, tandis que le texte parle du Brésil en termes extensifs en y incluant tout le cône sud de l’Amérique et ne concerne que le littoral. En revanche, le cartographe suit de près l’écrivain dans la question du développement urbain au Brésil : « Fernambuc » considéré par Crignon comme l’unique point fort portugais en 1539 (où même en 1529, à la date de voyage de Parmentier) est représenté en cette qualité par Gastaldi en 1556, sans parler des éditions suivantes, ce qui était déjà un anachronisme.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 274

51 Les autres aspects de la carte correspondent à la description de Crignon et représentent ses informations par les moyens iconographiques. Ainsi, l’importance que l’auteur du « Discours d’un grand capitaine » prête à la liberté du commerce des Français avec les indigènes se traduit sur la carte par l’abondance des scènes de genre se référant au découpage et au commerce du bois rouge et par la position privilégiée du navire français par rapport aux autres vaisseaux. Même la place sur la carte où sont représentés les marchands français est choisie en accord avec les références spatiales contenues dans le texte.

52 Tenant compte du fait que le troisième volume des « Navigations et voyages » de Ramusio a connu trois éditions, on peut supposer que cette popularité a contribué à la propagation du « regard français sur le Brésil ». Sans statuer assurément que les informations sur le Brésil dans les ouvrages géographiques de synthèse, tels les livres de La Popelinière ou du Père Fournier, proviennent précisément de Ramusio (bien que certains indices indirects semblent le montrer49), on ne peut pas nier la similitude de certaines thèses qu’on y rencontre avec les données de Crignon illustrées par Gastaldi.

BIBLIOGRAPHIE

ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650). Paris, Dumont, 1916, vol. 1.

BARNES, J. Randall. Giovanni Battista Ramusio and the history of discoveries: An analysis of Ramusio's commentary, cartography, and imagery in "Delle Navigationi et Viaggi". Arlington : The University of Texas at Arlington, 2007

BIAGGI, LECA De & DROULERS M. Cartographie et formation territoriale. In : Cahiers des Amériques latines № 34, 1991, p. 42 – 4

BROC N. La géographie de la Renaissance. Paris, Editions du CTHS, 1986

CORTESÃO J. Historia do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro : Instituto de Rio Branco, 1965, vol. 1

COSGROVE D. Mapping New Worlds: Culture and Cartography in Sixteenth-Century Venice. In: Imago Mundi, Vol. 44 (1992)

HORODOWICH L. Armchair Travelers and the Venetian Discovery of the New World. In: The Sixteenth Century Journal, Vol. 36, No. 4 (Winter, 2005)

JULIEN Ch.-A., Les débuts de l’expansion et de la colonisation française (XVe-XVIe siècles). Paris : PUF, 1948

MARTINIERE G. Le Brésil, terre d’enjeux de la colonisation européenne des temps modernes (XVIe – XVIIIe siècle). In : MERIAN J. Y. (dir.) Les aventures des Bretons au Brésil à l’époque coloniale. Rennes :Les Portes du Large, 2007

MOLLAT M. Le commerce maritime normand à la fin du Moyen Age. Paris : Plon, 1952

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 275

MOLLAT M., HAUBERT J. Voyages et découvertes. Giovanni et Girolamo Verrazano navigateurs de François Ier. Dossiers de voyages établis et commentés par M. Mollat du Jourdin et J. Haubert. Paris : Imprimerie nationale, 1982

MONTAIGNE J.-M. Le trafic du Brésil. Navigateurs Normands, Bois Rouge et Cannibales pendant la Renaissance. Rouen : ASI Communications, 2000

PARKS G. B. Ramusio's Literary History. In: Studies in Philology [University of North Carolina Press], Vol. 52, No. 2 (Apr., 1955)

PARKS G.B. The contents and sources of Ramusio’s Navigationi. In: RAMUSIO Giovanni Battista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. 1-37.

VERGE-FRANCESCHI M. Chronique maritime de la France d’Ancien Régime. Paris, 1998

WOODWARD D. (ed). Cartography in the European Renaissance. Chicago-London, The University of Chicago Press, 2007, vol. 1-2.

ANNEXES

Documentation

Carta d’El Rey João III. In : GAMA, J.F. Fernandes. Memorias historicas da provincia de Pernambuco. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1844 Discours des Normands pour le trafic aux Indes. In : ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650., Paris, Dumont, 1916, vol. 2, p. 565. ESTANCELIN L. Recherches sur les voyages et découvertes des navigateurs normands en Afrique, dans les Indes orientales et occidentales. Paris : édition de Gérard Monfort, 1832 EVREUX Y. d’. Suite de l’Histoire des choses plus mémorables advenues en l’île de Maragnan es années 1613 et 1614. In : Evreux Y. d’, Clastres H. (éd.). Voyage au nord du Brésil fait en 1613 et 1614, Paris, Payot, 1985 FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation, composée par père Georges Fournier de la Compagnie de Jésus ; seconde édition, à Paris chez Jean Dupuis, MDCLXVII GUENIN E. Ango et ses pilotes. D’après les documents inédits tirés des archives de France, de Portugal et d’Espagne. Paris : Imprimerie nationale, 1901 HOFFMAN B. G. Account of a Voyage Conducted in 1529 to the New World, Africa, Madagascar, and Sumatra, Translated from the Italian, with Notes and Comments. In: Ethnohistory, vol. 10, № 1 (Winter, 1963) LE TESTU G. Côtes du Brésil ; Océan Atlantique Sud entre l’Afrique occidentale et le Brésil In : Cosmographie universelle selon les navigateurs, tant anciens que modernes, 1556, f. XLV, XLVI. – Bibliothèque de Vincennes. LA POPELINIERE. Les trois mondes. Edition établie et annotée par A.-M. Beaulieu. Genève : Librairie Droz, 1997 LERY J. de. Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil (1578, seconde édition – 1580) / Texte établie, présenté et annoté par F. Lestringant. Paris., 1999

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 276

NOTHNAGLE J. Pierre Crignon : poète et navigateur. Œuvres en prose et en vers, présentées et annotées par J. Nothnagle. Birmingham (Alabama) : Summa publications, 1990 ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum (1570). Atlas, Museu das Belas Artes Pouchkine (GMII), Moscou, département de graphique, inv. № 1601 [PYRARD DE LAVAL, F.] Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601 – 1611), contenant sa navigation aux Maldives, Moluques, Brésil; les divers accidents, aventures et dangers qui lui sont arrivés en ce voyage, tant en allant et retournant, que pendant son séjour de dix ans en ces pays-là. Paris : Editions Chandeigne, 1998, vol. 2 RAMUSIO G. B. Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...], Venetia, 1556 Relações das [cartas] patentes que mandou João da Silveira do a que veio o Rey d’armes [Helies Alesgle d’Angoulême], [1528?]. In: Bibliothèque nationale de France, Nouvelles Acq. Françaises, 9386, f. 104 SANTAREM, visconde de. Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo, desde o principio da monarquia portuguesa até os nossos dias. Paris, 1843, tomo 3 THEVET A. La Cosmographie universelle d’André Thevet cosmographe du Roi, illustrée de diverses figures des choses les plus remarquables vues par l’auteur et inconnues de nos Anciens et Modernes. In : Les Français en Amérique pendant la seconde moitié du XVIe siècle. Paris : Presses universitaires françaises, 1953

NOTES

1. [ http://www.cartografiahistorica.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=14&Itemid=99&idMapa=579] 2. RAMUSIO G. B. Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...]. Venetia, Nella Stamperia de Giunti, 1556; 1565; 1606. 3. SKELTON R.A. Introduction. In: RAMUSIO Gian Batista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. VI, VII. 4. Ibidem. 5. Ibid, p. XII. 6. COSGROVE D. Mapping New Worlds: Culture and Cartography in Sixteenth-Century Venice. In: Imago Mundi, Vol. 44 (1992), p. 74. 7. Le texte auquel nous allons nous référer ici provient de l’édition de 1556 (conservé à la bibliothèque de Heidelberg) : Terzo Volume delle Navigationi et Viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, à gli Antichi incognito, fatte da Christoforo Colombo Genovese, [...] & accresciuti poi da Fernando Corteze, da Francesco Pizarro, & altri valorosi Capitani, in diverse parti delle dette Indie, in nome di Carlo V imp [...], Venetia In Venetia nella stamrepia de Giunti, l’anno MDLVI. Signalons deux importantes éditions modernes fax-similées : RAMUSIO Gian Batista. Navigationi et viaggi. Venice, 1563-1606. With an introd. by R. A. Skelton and an analysis of the contents by George B. Parks. Amsterdam: Theatrum Orbis Terrarum,

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 277

1967-1970, 3 vols ; RAMUSIO Gian Batista. Navigationi et viaggi. A cura di Marica Milanesi. Torino: G. Einaudi, 1978, 6 vols. Il existe également des traductions de l’italien : En français : - Discours d’un grand navigateur du port de Dieppe en France, sur les voyages faits aux terres nouvelles des Indes Occidentales, dans la partie appelée la Nouvelle France, depuis le 40e jusqu’au 47e degré, sous le pôle arctique, aux terres du Brésil, de la Guinée et aux îles de Saint Laurent et de Sumatra, jusqu’où sont parvenus les caravelles françaises. In : ESTANCELIN L. Recherches sur les voyages et découvertes des navigateurs normands en Afrique, dans les Indes orientales et occidentales. Paris : édition de Gérard Monfort, 1832, pp. 216-240. - Discours d’un grand capitaine de mer français du lieu dit de Dieppe sur les navigations faites à la terre neuve des Indes Occidentales, nommé la Nouvelle France, [s’étendant] de 40° jusqu’à 47° sous le pôle arctique, et sur la terre du Brésil, de Guinée, de l’île Saint-Laurent et de celle de Sumatra, jusqu’où ont navigué les caravelles et les navires français. In : Pierre Crignon : poète et navigateur. Œuvres en prose et en vers, présentées et annotées par J. Nothangle. Birmingham (Alabama) : Summa publications, 1990, pp. 95 – 113. En anglais: HOFFMAN B. G. Account of a Voyage Conducted in 1529 to the New World, Africa, Madagascar, and Sumatra, Translated from the Italian, with Notes and Comments. In: Ethnohistory, vol. 10, № 1 (Winter, 1963), p. 1 – 79 (Disponible sur [http://www.jstor.org/stable/480388]). Cette publication contient également une reproduction en fac-similé d’une partie du « Discours ». 8. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 9. Sur l’expérience française de Ramusio voir PARKS G. B. Ramusio's Literary History. In: Studies in Philology [University of North Carolina Press], Vol. 52, No. 2 (Apr., 1955), p. 129-130. 10. SKELTON R.A. Op.cit., p. IX. 11. «Questo discorso ci é parso veramĕte molto bello, & degno di esser letto da ogni uno, ma ben ci dolemo di non sapere il nome dell’auttore, pcioche nõ nonendo il suo nome ci par di fare ingiuria alla memoria di cosi valĕte, & gĕtil caualiero.». – Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 12. ESTANCELIN L. Op. cit., p. 189. 13. «[un Grã Capitano Frãcese] descriue il viaggio, che si fa alla terra nuoua dell’Indie Occidentali, che hora chiamano la nuoua Frãcia, & ancho alla terra del Brasil pur delle dette Indie, Guinea, costa delle Meleghette sopra l’Africa, doue tutto il giorno li Frãcesi pratticano cõ lor navi. il sopradetto Capitano poi con due naui armate in Dieppa di Normandia, volse andar fino all’Isola Taprobana in Leuante hora detta Sumatra, doue cõtrattto con quei popoli, & carico di specie ritornó à casa.» – Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v ; la traduction en français est donnée d’après NOTHAGLE J. Op. cit., p. 111. 14. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 417v. 15. Une partie du recueil en question est intitulée « Déploration sur la mort desditz Parmentiers composée par Pierre crignon, compagnon desditz Parmentiers en ladicte nauigation ». La mention de la dernière page du livre donne comme date d’impression le 7 janvier 1531 (à l’époque le nouvel an commençait à Pâques, et il s’agit ainsi du 1532 selon le nouveau style). – NOTHAGLE J. Op. cit., p. 10. 16. ESTANCELIN L. Op. cit., p. 230. Ainsi, selon le « Discours… », la date de la découverte du Brésil est 1504 ; cette idée n’était pas rare au XVIe siècle où certaines cartes géographiques au rayonnement international affichaient une légende « Bresilia a Lusitanis A° 1504 inventa ». – ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum (1570). Atlas, Musée des Beaux Arts Pouchkine (GMII), Moscou, département de graphique, inv. № 1601. Une variante numériisée est disponible sur le

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 278

site de la Library of Congress: [http://www.loc.gov/resource/g3200m.gct00003/#seq-2]. Cette datation renvoie au second voyage d’Amerigo Vespucci. 17. Cf. ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales. Voyages et découvertes chez les Normands (1500 – 1650). Paris, Dumont, 1916, vol. 1, p. 460 ; JULIEN Ch.-A. Les Français en Amérique pendant la première partie du XVIe siècle. Paris : PUF, 1946, p. 24. 18. PARKSJ.B. The contents and sources of Ramusio’s Navigationi. In: RAMUSIO Gian Batista. Navigationi et viaggi. Amsterdam, Theatrum Orbis Terrarum 1967-1970, vol. 1, p. 35. 19. Ibid, p. 1. 20. Pour l’exemplaire de 1556 nous avons consulté celui de la bibliothèque de Heidelberg [http:// digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/ramusio1556bd3/0936]; pour l’exemplaire de 1565 – celui de la la Bibliothèque nationale du Brésil [http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/ cart395872.jpg] et pour l’exemplaire de 1606 – celui de la Bibliothèque nationale de France [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131851r/f791.image]. 21. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r. 22. Cf. les cartes du Brésil par Guillaume Le Testu (1556) : LE TESTU G. Côtes du Brésil ; Océan Atlantique Sud entre l’Afrique occidentale et le Brésil In : Cosmographie universelle selon les navigateurs, tant anciens que modernes, 1556, f. XLV, XLVI. – Bibliothèque de Vincennes (exemplaire digitalisé est disponible sur http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb42467457f). Reproduction en couleur : MONTAIGNE J.-M. Le trafic du Brésil. Navigateurs Normands, Bois Rouge et Cannibales pendant la Renaissance Rouen : ASI Communications, 2000, p. 17. 23. Sur la thèse de l’insularité du Brésil voir : CORTESÃO J. Historia do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro : Instituto de Rio Branco, 1965, vol. 1; LECA De BIAGGI E., DROULERS M. Cartographie et formation territoriale. In : Cahiers des Amériques latines № 34, 1991, p. 42 – 43 ; MARTINIERE G. Le Brésil, terre d’enjeux de la colonisation européenne des temps modernes (XVIe – XVIIIe siècle). In : MERIAN J. Y. (dir.) Les aventures des Bretons au Brésil à l’époque coloniale. Rennes :Les Portes du Large, 2007, p. 27. 24. «A lungo questa costa cosi verso ponente, come mezzo di, non vé alcuna fortezza ne castello per li Portoghesi, slvo vn luogo detto Fernanbuch, il qual è appresso capo di santo Agostino, dove è certe piccole fortezze di legname con alcune poche gĕte bãdite di Portogallo».– Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r ; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 228. 25. Ainsi, vers le milieu des années 1550 sur la côte du Brésil on comptait déjà São Vicente (1532), Porto Seguro (1535), Ilheus (1536), Santos (1536), Salvador (1549), Espírito Santo (1551). 26. BROC N. La géographie de la Renaissance. Paris, Editions du CTHS, 1986, p. 43. 27. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426v. 28. « 1522. Nesta data sendo El Rei avisado por alguns Portuguezes que negociavão em França que certo Florentino, por nome João Verezano, se havia offerecido a Francisco I Rei de França, para descobrir no Oriente novos reinos, e para irem povoar o Brasil, se fazião nos portos de Normandia prestes varias armadas com o favor dos Almirantes das costas de França, e dissimulação do dito Francisco I, juntando-se a isto as quiexas que em Portugal havia pelos damnos que se experimentavão da parte dos corsarios francezes...” - SANTAREM, visconde de. Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo, desde o principio da monarquia portuguesa até os nossos dias. Paris, 1843, tomo 3, p. 197-198. 29. Sur le voyage de la “Pèlerine” et la tentative de dresser un fort français au Brésil voir: Protestation de Bertrand d’Ornessan, baron de Saint-Blancard, commandant les galères du roi dans la Méditerranée, contre la prise du navire «La Pèlerine». In : GUENIN E. Ango et ses pilotes. D’après les documents inédits tirés des archives de France, de Portugal et d’Espagne. Paris : Imprimerie nationale, 1901, p. 256-261 (l’original en latin) et p. 42-47 (traduction de la partie principale du

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 279

document en français). Cette tentative n’est pas restée sans connaissance des Portugais, comme en témoigne une lettre du roi Jean III de Portugal à Martim Afonso du 28 septembre 1532 : “Na costa de Andaluzia foi tomada agora pelas minhas caravelas que andavam na armada do Estreito, uma nau francesa carregada de brasil, e trazida nesta cidade a cual foi de Marselha a Pernambuco, e desembarcou gente em terra, e desfez uma feitoria mihna que ahi estava, e deixou la 70 homens com tenção de povoarem a terra e de se defenderem...”. Carta d’El Rey João III. In: GAMA, J.F. Fernandes. Memorias historicas da provincia de Pernambuco. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1844, vol.1, p. 59-61. 30. «Poscia che esti hanno nauigato al lungo d’una costa, esti se la fanno tutta sua. Ma tal conquista è molto facile à fare & senza grã spesa, perche non vi sono assalti, ne resistentia». – Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p.426v ; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 231-232. 31. «Questa terra del Brasil fu primamente scoperta da Portoghesi in qualche parte, & sono circa trentacinque anni. L’altra parte fu scoperta per uno de Honfleur chiamato Dionisio di Honfleur da venti anni in qua. & di poi molti altri nauilij di Francia vi sono stati, & mai non trouorono Portoghesi in terra alcuna che la tenessero per il Re di Portogallo. & quelli della terra sono liberi, & non soggetti ne à Re, ne à legge, & amano piu li Francesi». – Discorso d’un gran capitano... In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426v; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 230. 32. “A El-Rey nosso soberano senhor e a meus senhores do seu conselho Supricam humilmente Yvon de Cretugar, Frances [François] Guerret, Mathurin Fournemouche, Joham Bureau e Joham Jamet, mercadores de vossa terra e ducado de Bretanha, vossos muito humildes servidores e sujeitos, como os ditos supricantes que são mercadores frequentando os mares e muitas diversas terras e entre outras as terras do Brasil que são muito grandes, as quaes os bretões descubriram e per alguns lugares e os portugueses per outros lugares...”. – Relações das [cartas] patentes que mandou João da Silveira do a que veio o Rey d’armes [Helies Alesgle d’Angoulême], [1528?]. In: Bibliothèque nationale de France, Nouvelles Acq. Françaises, 9386, f. 104. Il est à noter que l’épisode avec la prise de trois navires bretons au Brésil en 1527 qui a donné lieu à un litige (lors duquel une prétention à la priorité de la découverte d’une partie du Brésil a été formulée) a été décrit dans les documents dont les originels français ne sont pas parvenus à nos jours et que nous connaissons à travers les traductions portugaises de l’époque, conservées aux archives de Torre do Tombo à Lisbonne. La déclaration des Bretons de Saint-Pol-de Léon a connu des troubles avant que son statut d’un document réel soit établit par M. Mollat.. A la fin de XIXe le spécialiste en histoire de la marine française, Ch. de La Roncière, a indiqué la présence de sa copie portugaise dans les archives portugaises en signalant la cote du document. L’historien portugais A. Pimenta a suivi cette référence et n’a trouvé aucun témoignage du Brésil dans les documents cités qui parlaient de Moluques ; cela a donné occasion à Ch.-A. Julien, éminent spécialiste en histoire coloniale de France, de s’exclamer : « Voilà comment on écrit l’histoire…Il est mieux qu’on puisse la réécrire ». - JULIEN Ch.-A. Les débuts de l’expansion et de la colonisation française (XVe-XVIe siècles). Paris : PUF, 1948, p.17. Seulement quelques années plus tard M. Mollat a expliqué le désaccord qui a résulté d’une erreur dans la cote d’archives et a rétablit la déclaration des Bretons dans ses droits. - MOLLAT M. Le commerce maritime normand à la fin du Moyen Age. Paris : Plon, 1952, p. 256, n.35. L’épisode de 1527 est également examiné dans : RAMALHOSA GUERREIRO L. M. La prise de trois navires bretons sur les côtes du Brésil en 1527. In : La Bretagne, le Portugal, le Brésil : Echanges et rapports. Actes du Cinquantenaire de la création en Bretagne de l’enseignement du portugais. Paris : Les Presses du Palais Royal, 1973, pp. 103-111.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 280

33. Discours des Normands pour le trafic aux Indes. In : ANTHIAUME A. Cartes marines. Constructions navales.., vol. 2, p. 565. 34. LA POPELINIERE. Les trois mondes. Edition établie et annotée par A.-M. Beaulieu. Genève : Librairie Droz, 1997, p. 379, 380. 35. FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation, composée par père Georges Fournier de la Compagnie de Jésus ; seconde édition, à Paris chez Jean Dupuis, MDCLXVII, p.245 (la première édition date de 1643 : cf. VERGE-FRANCESCHI M. Chronique maritime de la France d’Ancien Régime. Paris, 1998, p. 36). 36. [PYRARD DE LAVAL, F.] Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601 – 1611), contenant sa navigation aux Maldives, Moluques, Brésil; les divers accidents, aventures et dangers qui lui sont arrivés en ce voyage, tant en allant et retournant, que pendant son séjour de dix ans en ces pays-là. Paris : Editions Chandeigne, 1998, vol. 2, p. 809. 37. MOLLAT M., HAUBERT J. Voyages et découvertes. Giovanni et Girolamo Verrazano navigateurs de François Ier. Dossiers de voyages établis et commentés par M. Mollat du Jourdin et J. Haubert. Paris : Imprimerie nationale, 1982, p. 119. 38. Citons à titre d’exemple l’Atlas nautique du Monde, dit atlas Miller de Lobo Homem (1519), les cartes de Brésil de Jean Rotz (1542) et Nicolas Vaillard (1547). Les arbres et les arbrisseaux formant les bocages ne sont pas marqués de quelques signes distinctifs ; pourtant, les troncs que les Indiens portent sur leurs épaules au rivage sont d’un rouge intense. Cf. l’exemplaire numérisé de l’Atlas Miller [http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb40887479k] et les reproductions en couleur dans : MONTAIGNE J.-M. Op. cit., p. 15, 38. 39. Un détail de cette miniature montrant les arbres aux troncs rouges est reproduit dans : MONTAIGNE J.-M. Op. cit., p. 32 ; BUENO E. Brasil : uma História. A Incrível saga de um pais. São Paulo, 2003, p. 23. 40. «Barattano il verzin in manarette, cunei, coltelli, & in qualche luogo é necessario che lo vadino à cercar in compagnie fin à trente leghe dentro del paese [...] & partano ciascun il suo pezzo di legno alli Francesi fin alla marina, & barattano colle dette manare, cunei & coltelli & altri ferramenti» – Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r ; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 229. 41. Le même motif – des perroquets se posant sur les troncs que les Indiens apportent aux Français – peut être vu sur un relief en bois provenant d’une maison rouennaise du XVIe siècle. - Rouen. Musée départemental des Antiquités. № 53. Bas-relief de bois sculpté dit de « Isle du Brésil » provenant de la façade du 17, rue Malpalu, à Rouen. 42. Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r ; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 229. 43. THEVET A. La Cosmographie universelle d’André Thevet cosmographe du Roi, illustrée de diverses figures des choses les plus remarquables vues par l’auteur et inconnues de nos Anciens et Modernes. In : Les Français en Amérique pendant la seconde moitié du XVIe siècle. Paris : Presses universitaires françaises, 1953, p. 221. 44. EVREUX Y. d’. Suite de l’Histoire des choses plus mémorables advenues en l’île de Maragnan es années 1613 et 1614. In : EVREUX Y. d’, CLASTRES H. (éd.). Voyage au nord du Brésil fait en 1613 et 1614, Paris, Payot, 1985, p. 83 – 84. 45. «Dal capo di santo Agostino fin al porto reale, il quale in dodici gradi. quiui è doue li Francesi & Bretoni frequentano piu, & doue si troua piu verzino & migliore». – Discorso d’un gran capitano...In: Terzo volume delle Navigationi et Viaggi, p. 426r ; la traduction française est donnée d’après ESTANCELIN L. Op. cit., p. 228. 46. ORTELIUS A. Theatrum orbis terrarum. Musée des beaux arts Pouchkine (GMII), Moscou, département de graphique, inv. № 1601. 47. LA POPELINIERE. Les trois mondes,. p. 379, 380.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 281

48. FOURNIER G. Hydrographie contenant la théorie et la pratique de toutes les parties de la navigation…, p. 245. 49. Ainsi, dans la partie se référant à l’Amérique espagnole La Popelinière semble emprunter la liste des auteurs de l’introduction de Ramusio au troisième volume de « Navigationi et viaggi ». Serait-ce la preuve de sa connaissance de cet ouvrage, et, par conséquent, du texte de Crignon ? La Popelinière n’évoque pas Ramusio comme source. –Cf. BEAULIEU A.-M. Commentaire dans LA POPELINIERE. Op. cit., p. 290.

RÉSUMÉS

L’article analyse la carte du Brésil exécutée par Giacomo Gastaldi pour un recueil important des relations de voyages Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (première édition 1556). Une étude de la carte se fait en comparaison avec le texte de la relation du voyage qu’elle illustre et accompagne – le Discorso d’un gran capitano di mare francese attribué a Pierre Crignon. Une démarche comparatiste consiste à révéler les similitudes et les décalages entre la carte de Gastaldi et le texte de Crignon.

O artigo analisa o mapa do Brasil realizado por Giacomo Gastaldi para a importante coleção de relatos de viagem titulada Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (por primeira vez editada em 1556). É feito um estudo do mapa em comparação ao texto da relação da viagem que ele ilustra e acompanha, o Discorso d’un gran capitano di mare francese atribuído a Pierre Crignon. Uma abordagem comparativa permitirá revelar as semelhanças e as diferenças entre o mapa de Gastaldi e o texto de Crignon.

El artículo analiza el mapa del Brasil ejecutado por Giacomo Gastaldi para la importante colección de relaciones de viaje Delle Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio (editada por primera vez en 1556). Es realizado un estudio del mapa en comparación al texto del relato que ilustra y acompaña, el Discorso d’un gran capitano di mare francese atribuido a Pierre Crignon. Un abordaje comparativo consiste en revelar las semejanzas y las diferencias entre el mapa de Gastaldi y el texto de Crignon.

This paper analyzes the map of Brazil made by Giacomo Gastaldi for the important collection of travel relations Delle Navigationi et Viaggi of Giovanni Battista Ramusio (first edited in 1556). The map is examined in comparison with the text of the relation it illustrates and features, the Discorso d’un gran capitano di mare francese assigned to Pierre Crignon. A comparative approach means to show the similarities and differences between Gastaldi's map and Crignon's text.

INDEX

Palavras-chave : Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartografia, Brasil Palabras claves : Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartografía, Brasil Index chronologique : 1556-1606 Keywords : Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartography, Brazil Index géographique : Brasil Mots-clés : Gastaldi, Ramusio, Crignon, Cartographie, Brésil

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 282

AUTEURS

OLGA OKUNEVA

Docteur en histoire moderne (Université d’Etat de Moscou Lomonossov; Université de Paris- Sorbonne), chargée de recherche à l’Institut d’histoire universelle de l’Académie des sciences de Russie, membre associé du Centre Roland Mousnier (Université de Paris-Sorbonne – CNRS) [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 283

O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900 Um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 : une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil El fondo Reclus-Perron y la controversia franco-brasilera de 1900: un mapa inédito que decidió las fronteras de Brasil The Reclus-Perron archive and the 1900 French-Brazilian dispute: an unpublished map that decided the frontiers of Brazil

Federico Ferretti

NOTA DO EDITOR

A presente é a tradução ao português do artigo publicado neste mesmo número como Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 : une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil.

La presente es la traducción al portugués del artículo publicado en este mismo número como Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 : une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil.

Cet article est la traduction en Portugaise de l’article publié dans cette même numéro sous le titre Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 : une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil.

This is the Portuguese translation of the paper published in this same issue as Le fonds

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 284

Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 : une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil.

Esta pesquisa foi realizada com apoio financeiro do FNS (div. 1) Fundo Nacional Suíço da Pesquisa, no âmbito do projeto Écrire le monde autrement : géographes, ethnographes et orientalistes en Suisse romande, 1868-1920, des discours hétérodoxes.

1 Pesquisando no acervo do Conselho Municipal da cidade de Genebra, encontramos um documento contendo afirmações que chamaram logo a nossa atenção. O fundo cartográfico Reclus-Perron conservado em Genebra (FERRETTI, 2012) possui particularmente um mapa manuscrito que o explorador Henri Coudreau (1859-1899) fez para Elisée Reclus (1830-1905). Ele foi decisivo para a arbitragem do Conselho federal suíço que julgou, em primeiro de dezembro de 1900, o contestado franco-brasileiro sobre as fronteiras entre o Brasil e a Guiana, anexando ao Brasil um território de 260.000 quilômetros quadrados. Dependendo de um financiamento para criação do fundo cartográfico, os conselheiros de Genebra argumentam em 1904: «É uma destas peças inéditas (manuscrita pelo explorador Coudreau) que permitiu ao professor Rosier resolver muitos pontos duvidosos durante a arbitragem feita pelo Conselho Federal para a delimitação da fronteira franco-brasileira.»1

2 Depois desta leitura, verificamos nos documentos do Conselho federal o volume de mais de 800 páginas que contém os documentos da sentença de 1900, que apesar de não declarar os nomes dos especialistas consultados cita, em compensação, muitas vezes Reclus e Coudreau (12 vezes o primeiro, 18 vezes o segundo) como autores das fontes geográficas mais recentes e mais críveis, desenvolvendo um discurso que necessitou evidentemente da intervenção de especialistas. Os jornais suíços da época também confirmam que «as posturas preliminares desta sentença necessitaram de longos e difíceis estudos nas áreas da história e da geografia, que o Conselho Federal confiou a alguns cientistas suíços».2

3 Em todo caso, a afirmação do processo verbal de Genebra sobre a importância da participação de William Rosier (1856-1924) nestes trabalhos nos parece confirmada por outros dados; em primeiro lugar, encontramos na Bibliothèque de Genève cópias das memórias produzidas pelas duas partes, anotadas do punho de Rosier, cujo Atlas produzido pelo Brasil3 também foi exposto no Museu Cartográfico de Genebra; 4 contudo, Rosier foi deputado do cantão de Genebra de 1895 a 1901 como radical de tendências socialistas5 e nos mesmos anos foi membro de comissões federais sobre a educação pública6, sendo já um dos mais importantes geógrafos suíços (FISCHER, MERCIER e RAFFESTIN, 2003). Então, não surpreendente que o Conselho demandasse seu conhecimento de perito e que fizesse uso da coleção cartográfica de Genebra, que era de longe a mais rica da Suíça; além disso, se se deveria estudar Reclus, Rosier era o único político suíço pessoalmente próximo a ele (que nesta época morava em Bruxelas).

4 Mas achamos que a prova decisiva é a presença, no Département des Cartes et Plans, do mapa manuscrito citado no documento do Conselho Municipal. É um exemplar inédito, assinado por Coudreau que data de 1893 (fig. 1) e que representa a costa do Canal do Norte da foz do Rio dos Amazonas até o Rio Carsevenne: exatamente a parte meridional da costa reivindicada pelos franceses (fig. 2).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 285

Figura 1: Mapa manuscrito de Coudreau para Reclus (1893)

BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles Fotografia: Alberto Campi (2013)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 286

Figura 2: «Carta Geral da Guiana representando as pretensões das duas partes e desenhada principalmente segundo as cartas anexadas aos documentos franceses e brasileiros» (1900)

Sentence du Conseil fédéral suisse, Anexo 1 - BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles Fotografia: Alberto Campi (2013)

5 Destacamos que os árbitros suíços realizaram para a tomada de decisão uma imponente obra de geografia de algumas centenas de páginas. A obra contempla a geografia histórica, porque analisa tudo o que se conhece da história territorial através da cartografia da época e dos relatos de viagem; também a geografia física, pois trata minuciosamente das dinâmicas morfológicas dos rios e do litoral para identificar o misterioso rio Japoc (Oiapoque) de Vicente Pinçon. Com efeito, a tarefa fundamental que a conferência franco-brasileira de 1897 vai confiar à Confederação Helvética é a de localizar esse rio, que marcava virtualmente a fronteira entre franceses e portugueses segundo a conferência de Utrecht de 1713. Geografia política e humana, enfim, porque estuda todos os aspectos conhecidos dos povos que moravam na região, assim como o significado político das tentativas de colonização dos Franceses e dos Brasileiros nas aldeias do litoral.

6 Os árbitros suíços trabalham segundo princípios enciclopédicos e segundo o método clássico dos geógrafos de gabinete. Essa geografia é também uma metáfora da posição política da Suíça nessa época: Estado europeu sem mar e sem colônias, ela não renuncia, no entanto, ao papel central na política estrangeira, destacando-se, segundo os seus historiadores, por um «colonialismo oblíquo» (FROIDEVAUX, 2002; MINDER, 2009; RUFFIEUX, 1984). A mesma Nova Geografia Universal, que os conselheiros têm à disposição, é um produto da «Suíça internacional» dos exilados e refugiados, porque Reclus e os seus colaboradores construíram esta obra durante o exílio na Suíça (FERRETTI, 2011).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 287

7 Os redatores da sentença judicial partilham dos mesmos pressupostos teóricos da geografia de Reclus, inclusive a referência de Alexander von Humbolt e a sua crítica das representações cartográficas como documentos que não são «objetivos», porque «exprimem as opiniões e os conhecimentos, mais ou menos limitados, daquele que as constrói; mas não retraçam o estado das descobertas. O que se encontra nos mapas (sobretudo nos mapas dos séculos XIV, XV e XVI) é uma mistura de feitos verificados e de conjeturas apresentadas como feitos» (Sentence du Conseil fédéral suisse..., p. 463).

8 Eles desenvolvem um estudo comparado das fontes geo-cartográficas e finalmente outorgam confiança a Reclus e Coudreau como fontes que desmentem as memórias francesas, pois pretendiam que o fantasmagórico rio Japoc de Pinçon que deveria delimitar a sua fronteira, fosse o Araguary, perto do canal setentrional do Rio das Amazonas.

9 Na NGU [Nova geografia Universal], Reclus zomba deste debate, porque não está interessado na sua solução no sentido «diplomático»: Qual é o rio Japoc ou Vincent Pinzon que os diplomatas de Utrecht, ignorantes das coisas de América, quiseram indicar nos seus mapas rudimentares? [...] Poder-se- iam encher bibliotecas de memórias e documentos diplomáticos sem solucionar. (RECLUS, 1894, p. 85).

10 Os seus estudos pretendem ser uma geografia independente do poder político. Com efeito, Reclus, baseando-se em observações direitas de Coudreau, demonstra as complexas dinâmicas do litoral, desmentindo os produtos cartográficos precedentes, mais ideológicos que fruto de explorações detalhadas. Consoante com os árbitros suíços, a sua geografia física demonstra a impossibilidade que o Japoc de Pinçon fosse um dos braços do rio dos Amazonas. Eles dementem um dos pontos centrais da memória dos franceses, que achavam que um antigo braço do Araguary corria para o norte em correspondência com o canal Carapaporis tocando a atual ilha de Maraca, que teria formado parte do continente ainda em tempos históricos: esta hipótese poderia explicar porque Vicente Pinçon não assinalou a ilha no seu relatório de viagem, se verdadeiramente este canal correspondesse ao Japoc.

11 Desvendando a complexidade hidrográfica da região e posicionando-se criticamente frente a Reclus, Coudreau e outros, os suíços acreditam numa antiguidade maior da ilha e do seu canal no que diz respeito às hipóteses do estudo francês, o que prova que os antigos cartógrafos citados pelos diplomatas de Utrecht não conheciam a região. «Consequentemente, não é preciso procurar Vicente Pinçon, os antigos cartógrafos, nem no Canal e nem no rio do Carapaporis» (Sentence du Conseil fédéral…, p. 713). Então, o braço norte do Araguary, acham os árbitros, «não existe nem existiu jamais» (Ibid., p. 720).

12 Na nossa opinião, é sobretudo a batimetria do Canal Carapaporis no mapa manuscrito de Coudreau, consultado por Rosier, que sugere que um canal dessa importância não poderia ter sido escavado por um rio sem deixar outras marcas significativas, o que torna difícil a explicação de uma separação recente entre o continente e a ilha de Maraca. Enquanto desenhava o seu mapa, o explorador francês evidentemente compartilhava a ideia reclusiana de independência da geografia: se o mapa manuscrito de 1893 foi encaminhado a Reclus e nunca foi publicado em outra parte, é provavelmente porque Reclus era o único geógrafo francês desta época pronto para publicar informações que pudessem resultar no detrimento da «pátria». Aliás, do ponto

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 288

de vista pessoal, Coudreau parece ser bastante favorável à expansão colonial francesa em seus escritos (COUDREAU, 1885 e 1893).

Figura 3: Mapa e baía de Carapaporis (1894)

Fragmento do mapa de Coudreau, reproduzido por Charles Perron Élisée Reclus, Nouvelle Géographie Universelle, vol. XIX, p. 87.

13 No que diz respeito aos aspectos humanos dessa geografia, Coudreau e Reclus certificam que os povos do interior reconhecem o Brasil como nação de referência. O fato dos dois geógrafos serem franceses foi habilmente destacado pelos árbitros. A soberania do Brasil, especialmente no vale do Rio Branco, é reconhecida pela população. No seu livro, La France équinoxiale, Coudreau diz sobre este assunto: «Hoje, não podemos mais fazer valer as nossas pretensões até o Rio Branco; o Rio Branco não pode ser contestado, porque os Brasileiros exploram e povoam esta região» (tomo I, pagina 248). Élisée Reclus confirma esta declaração na seguinte passagem: «Este debate só tem importância real pelo litígio do litoral, entre o Oyapock e o Araguary. A oeste, todo o vale do rio Branco tornou-se incontestavelmente brasileira pela língua, os costumes e as relações políticas e comerciais.» (Sentence du Conseil fédéral…, p. 820)

14 Esta última frase de Reclus já tinha sido citada em 1896, causando algumas preocupações, na correspondência do ministro francês Stephen Pichon sobre o contestado.7 A mesma memoria brasileira se apoiou também sobre os trabalhos de franceses como Coudreau, ou Jules Crevaux (ROMANI, 2008).

15 Finalmente, a fronteira é estabelecida sobre o atual rio Oiapoque, consoante às pretensões do Brasil. O importante é que Coudreau e Reclus, nos seus trabalhos geográficos, agiram independentemente dos interesses da sua nação: não apoiaram a priori os seus esforços coloniais, como faziam geralmente os outros geógrafos europeus, preferindo manter a sua independência de julgamento. Do ponto de vista de Reclus isso

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 289

se explica por evidentes razões políticas: anarquista e exilado durante grande parte da sua vida, ele criticava explicitamente a ideia do amor pela pátria, preferindo o amor pela humanidade. Ele contestava também o conceito de fronteira, revoltando-se «contra todos os limites, símbolos do roubo e do ódio! Temos pressa de poder finalmente abraçar todos os homens e dizer-lhes que são nossos irmãos!» (RECLUS, 2012, p. 243).

16 Se alguns autores destacam uma «controvérsia» que teria oposto o Barão de Rio Branco (explorador e diplomata brasileiro) e Reclus no que diz respeito ao texto deste (MIYAHIRO, 2011, p. 117-131), é sem duvida porque o Barão, escrevendo antes da sentença suíça, ainda não sabia qual a natureza do serviço que Reclus, indiretamente, tinha oferecido à sua nação naquele primeiro de Dezembro de 1900.

Figura 4: Detalhe da assinatura de Coudreau no mapa encaminhado a Reclus

17 Além de tudo, Reclus é um geógrafo radicalmente contra o colonialismo e denuncia sistematicamente os crimes das potências coloniais europeias (FERRETTI, 2013). No caso da Guiana, ele não poupa os franceses, denunciando a brutalidade da République e a função antissocial da colônia penal da Caiena: Entre todas as possessões que a França possui, nenhuma prospera menos que a sua parte das Guianas: não se pode relatar sua história sem humilhação. O exemplo da Guiana é o que se escolhe normalmente para demonstrar a incapacidade dos Franceses para a colonização. (RECLUS, 1894, p. 72)

18 Ele denuncia depois os milhares de mortos provocados pelas tentativas despropositadas de aclimatação de indianos coolies nas plantações francesas, feitas «sem método e sem humanidade: dos 8.372 recrutados, jovens e fortes, 4.522 morreram nos 22 anos de 1856 a 1878 » (Ibid., p. 73). Acerca dos indígenas, o geógrafo constata laconicamente que « mais da metade dos povos citados pelos autores antigos desapareceram » (Ibid., p. 47).

19 A história da qual o geógrafo anarquista parece gostar mais é a das revoltas dos escravos marrons (quilombolas): Algumas repúblicas negras formaram-se nas três Guianas litorais, inglesa, holandesa e francesa, mas é nas bacias dos rios Suriname e Maroni que os grupos mais numerosos se estabeleceram (….) As comunidades vivem em paz, sem

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 290

ambições rivais a disputar o poder: iguais no bem-estar, todos os negros do mato são iguais em direito. (Ibid., p. 48 e 52)

20 A atenção de Reclus, militante antirracista e anti-escravagista (ALAVOINE-MULLER, 2007) para a conquista da liberdade dos povos africanos deportados no Novo Mundo abrange todo o continente americano e lembra algumas obras mais recentes sobre a epopeia do Atlântico «negro», o «rebelde» (GILROY, 1993 ; LINEBAUGH e REDIKER, 2000).

Figura 5: «Mapa da Guiana Francesa e a Ilha de Caiena» (1763)

Mapa de S. Bellin, citado nas memórias francesas BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles

21 Para constatar a diferença entre Reclus e a maioria dos geógrafos franceses, basta lembrar o comentário que fez Vidal de la Blache sobre a sentença suíça que resolveu a controvérsia franco-brasileira. O chefe da Géographie Humaine acha que o fim do longo litígio deve ser acolhido com alívio, lamenta, no entanto, que o processo se resolvesse «em nosso detrimento» (HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO, 2012, p. 422; VIDAL DE LA BLACHE, 1901, p. 68). Vidal de la Blache empenhou-se direitamente na redação das memórias de apoio à posição francesa, mas permanece sempre nas posições que os críticos atuais consideram moderadas, como as de Coudreau, que desejava um acordo entre os dois países para uma solução intermédia (MERCIER, 2009). Consoante com Carlo Romani, foi principalmente o ativismo diplomático do Barão de Rio Branco que convenceu os jurados de Berna, em relação à distância manifestada do outro lado por Vidal de la Blache (ROMANI, 2008, p. 52-53). Entretanto, outros geógrafos franceses participaram das tentativas de colonização na região contestada como a efêmera Republica de Counani (PUYO, 2011) ou, como Augustin Bernard, criticaram duramente os árbitros suíços, questionando as suas competências (BERNARD, 1901).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 291

22 A sentença foi criticada também pela parte mais conservadora da imprensa francesa, como Le Figaro e Le Temps, que se revoltaram contra a decisão lançando dúvidas sobre a imparcialidade da Suíça, suspeita de privilegiar seus interesses comerciais no Brasil. Foi fácil para a imprensa suíça, indignada pelas acusações, demonstrar com estatísticas que «se a Suíça tinha interesses vitais com uma das duas partes em causa, não era com o Brasil, mas com a França»8.

23 Além disso, os assuntos «geopolíticos» (palavra desconhecida na época de Reclus) têm significações que tocam problemas atuais da memória do colonialismo francês, como demonstram os animados debates dos últimos anos sobre o que Nicolas Bancel definiu “o Maelström colonial” (BANCEL et al., 2010; BANCEL, 2011 ; COQUERY-VIDROVITCH, 2011). Ainda hoje a expressão «a França tem uma fronteira comum com o Brasil», que Reclus teria contestado do ponto de vista geográfico e político anteriormente, é muito comum na França e não parece ser questionada de maneira nenhuma, nem na geografia, nem no debate político.

24 Então, podemos dizer que, consoante o Conselho Federal suíço, a geografia não serve somente para fazer a guerra, mas também para fazer acordos diplomáticos. Podemos acrescentar que, no tocante aos conflitos entre estados nacionais, a geografia de Reclus é como a Suíça, ou seja, « neutra ». A diferença é que o internacionalismo de Reclus não se exprime na diplomacia, mas na solidariedade internacional dos povos e dos trabalhadores na construção de uma sociedade comunista-libertária. Finalmente, é claro que nem toda geografia europeia da época colonial era simplesmente uma «ciência do império» (GODLEWSKA e SMITH, 1994), pois existiam também contestadores e heterodoxos, ou simplesmente cientistas conscientes que resguardavam a sua independência de julgamento.

BIBLIOGRAFIA

ALAVOINE-MULLER S. Introduction”. In RECLUS Élisée. Les États-Unis et la Guerre de Sécession: articles publiés dans la Revue des Deux Mondes. Paris : CTHS, 2007.

BANCEL N., Le maelström colonial : politique de la mémoire coloniale et rôle de l’histoire universitaire. Canadian Journal of African Studies/Revue Canadienne d’Études Africaines, 45, p. 45-76, 2011.

BANCEL Nicolas, BERNAULT Florence, BLANCHARD Pascal, BOUBEKER Ahmed, MBEMBE Achille, VERGÈS Françoise (eds.) Ruptures postcoloniales : les nouveaux visages de la société française. Paris : La Découverte, 2010.

COQUERY-VIDROVITCH C., Colonisation, racisme et roman national en France, Canadian Journal of African Studies/Revue Canadienne d’Études Africaines, 45, p. 17-44, 2011.

FERRETTI Federico. L’Occident d’Élisée Reclus, l’invention de l’Europe dans la Nouvelle Géographie Universelle (1876-1894). Paris, 2011, 612 p. Thèse sous la direction de Marie-Claire Robic et Franco Farinelli.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 292

FERRETTI F. Cartografia e educação popular. O Museu Cartográfico de Élisée Reclus e Charles Perron em Genebra (1907-1922). Terra Brasilis, Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, 1, 2012 [http://terrabrasilis.revues.org/164]

FERRETTI F. They have the right to throw us out: Élisée Reclus’ Universal Geography. Antipode, a radical journal of Geography, 1, 2013, DOI: 10.1111/anti.12006 [Early view: http:// onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/anti.12006/abstract]

FISCHER C., MERCIER C., RAFFESTIN C. Entre la politique et la science, un géographe genevois : William Rosier. Le Globe, v. 143, p. 13-25, 2003.

FROIDEVAUX Y. Nature et artifice : Village Suisse et village nègre à l’exposition nationale de Genève, 1896. Revue Historique neuchâteloise, 2002, p. 17-33.

GILROY, Paul. The Black Atlantic: modernity and double consciousness. Cambridge: Harvard University Press, 1993.

GODLEWSKA Anne, SMITH Neil (eds.). Geography and Empire. Oxford/Cambridge: Blackwell, 1994.

HAESBAERT Rogério, NUNES PEREIRA Sérgio, RIBEIRO Guilherme (dir.). Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2012.

LINEBAUGH Peter, REDIKER Marcus. The many-headed hydra: sailors, slaves, commoners, and the hidden history of the revolutionary Atlantic. Boston: Beacon press, 2000.

MERCIER G. La géographie de Paul Vidal de la Blache face au litige Guyanais : la science à l’épreuve de la justice. Annales de Géographie, 667, 3 (2009) 294-317.

MINDER Patrick. La Suisse coloniale ? Les représentations de l’Afrique et des Africains en Suisse au temps des colonies (1880-1939). Neuchâtel : Université de Neuchâtel, 2009.

MIYAHIRO Marcelo Augusto. O Brasil de Elisée Reclus : territorio e sociedade em fins do século XIX. Dissertação de Mestrado, São Paulo, 2011.

PUYO J.-Y. Du contesté franco-brésilien à la République de Counani: histoire édifiante et curieuse d’une cryptarchie éphémère. In DORNEL Laurent, GUICHARNAUD-TOLLIS Michèle, PARSONS Michael, PUYO Jean-Yves (eds.). Ils ont fait les Amériques. Bordeaux : Presses Universitaires de Bordeaux, 2012, p. 279- 291.

ROMANI C. Algumas geografias sobre a fronteira franco-brasileira. Ateliê Geográfico, v. 2, n. 3, p. 43-64, 2008 [http://www.revistas.ufg.br/index.php/atelie/article/view/3896/3580]

RUFFIEUX R. La Suisse des Libéraux. In Nouvelle Histoire de la Suisse et des Suisses. Lausanne : Payot, 1984, p. 599-666.

ANEXOS

Arquivos

Berna – Archives fédérales suisses Genebra – Bibliothèque de Genève, Département des Cartes et Plans; Département des Manuscrits. Genebra- Archives de la Ville de Genève Lausanna – Centre International de Recherches sur l’anarchisme (CIRA)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 293

Nantes – Archives diplomatiques Fontes impressas Arbitrage Franco-brésilien, Journal de Genève, 7 décembre 1900. BERNARD A. Le contesté Franco-Brésilien, Questions diplomatiques et coloniales, revue de politique extérieure, 1, p. 31-37, 1901. COUDREAU Henri. Le territoire contesté entre la France et le Brésil : conférence faite à la Société de géographie de Lille le 22 novembre 1885. Lille : Impr. L. Danel, 1885. COUDREAU Henri. Chez nos Indiens : quatre années dans la Guyane française (1887-1891). Paris : Hachette, 1893. Le contesté franco-brésilien, Gazette de Lausanne, 4 décembre 1900. RECLUS Élisée. Nouvelle Géographie Universelle, vol. XIX, L’Amazonie et la Plata. Paris : Hachette, 1894. RECLUS Élisée. Écrits Sociaux. Genève, Héros-limite, 2012. Sentence du Conseil fédéral suisse dans la question des frontières de la Guyane française et du Brésil : du 1er décembre 1900. Berne : Impr. Staempfli, 1900. VIDAL DE LA BLACHE P., Le contesté franco-brésilien, Annales de Géographie, 1901, vol. 10, n. 49, pp. 68-70. Documentos Documento 1: Archives de la ville de Genève, Mémorial des séances du Conseil Municipal de la Ville de Genève, Séance du 8 janvier 1904, pp. 622-625. 35. Bibliothèque publique. n) Collection cartographique (sur intérêts du fonds Galland), 300. M. Süss, rapporteur. La commission est d’accord pour l’élévation de ce crédit pour lequel le Conseil administratif peut donner des explications. M. Piguet-Fages, conseiller administratif. Voici quelques détails sur ce sujet : La collection de cartes de géographie donnée à la Ville par M. C. Perron, en 1893, se composait de 7009 cartes, 4 atlas, de 43 cartons (1 m. 10 sur 0 m. 75) et de 5 meubles logeant le tout. Cette collection a été formée par Élisée Reclus pendant les vingt ans qu’il a consacrés à écrire sa Nouvelle Géographie Universelle, l’une des œuvres les plus considérables du XIXe siècle. Cette collection a, par ce fait, en outre de sa valeur propre, une valeur en quelque sorte historique. Les documents qu’elle renferme se rapportent au monde entier. Ce sont les cartes officielles des différents pays du globe, ou d’autres publications en tenant lieu. Nombreuses aussi sont les cartes particulières parmi lesquelles se trouvent des raretés et de précieux travaux originaux qui n’existent nulle autre part. C’est une de ces pièces inédites (manuscrit de l’explorateur Coudreau) qui permit à M. le professeur Rosier de résoudre de nombreux points douteux lors de l’arbitrage soumis au Conseil fédéral pour la délimitation de la frontière franco- brésilienne.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 294

Un autre mérite de cette collection est de posséder environ 3000 cartes marines, donnant les sondages opérés dans les divers océans et sur toutes les côtes, la nature des fonds, les courants, la direction des vents pour tous les mois de l’année, et tant d’autres renseignements utiles non seulement à la navigation, mais encore, dans une très large mesure, à la géologie, aux sciences naturelles en général, voire même au commerce. Une semblable collection n’existe pas ailleurs en Suisse et il faut, pour consulter ce genre de cartes, aller à Paris, à Amsterdam, à Londres ou autres grandes capitales. Il y aurait en conséquence un intérêt incontestable, pour les autorités scolaires de notre pays, à veiller particulièrement au développement de cette collection spéciale tenue à jour jusqu’en 1893. Bien que la collection Reclus n’ait pas encore été portée à la connaissance du public comme il conviendra de le faire quand le catalogue sera terminé, nombreux déjà sont les consultants, parmi lesquels les étudiants appartenant à l’enseignement de M. le professeur Rosier. Il ne paraît donc pas douteux que lorsque le public sera avisé des ressources que cette collection met à sa disposition, savants, étudiants, commerçants, industriels, etc., ne l’utilisent bientôt journellement comme cela a lieu à Paris, à Zurich, etc. Le conservateur de cette collection n’a pu, depuis deux ans qu’il s’en occupe, s’y consacrer tout entier, comme cela serait nécessaire. Toutefois ce qui a été fait dans ce sens a eu des résultats assez appréciables : depuis 1902 la collection s’est augmentée de 967 cartes, 17 atlas, 12 cartes murales, 32 fascicules, 47 reliefs, 11 grands cartons et 2 meubles. L’appel fait au public de Genève (par M. le conseiller Piguet-Fages) en faveur de l’institution a reçu, comme on voit, le meilleur accueil. Mais Genève possède d’autres richesses cartographiques plus ou moins complètement ignorées et inutilisées et qu’il importerait de faire connaître, sous réserve, bien entendu, du consentement de leurs possesseurs. Ces documents demeurant dans leurs locaux respectifs pourraient être catalogués par ordre des matières et les fiches jointes à celles de la collection Reclus. On obtiendrait ainsi l’inventaire de la généralité des cartes existant à Genève, ce qui permettrait, sans longues et pénibles recherches, d’être immédiatement renseigné sur la possibilité de trouver tel document et de le consulter. La valeur de nos ressources cartographiques serait de ce fait au moins doublée, semble- t-il, et il serait à souhaiter que le conservateur de notre collection cartographique fût autorisé à faire les démarches et le travail nécessaires à la réalisation de ce résultat. M. Perron pensait se vouer à d’autres travaux ; il espérait que son relief serait acheté par la Confédération et qu’il en aurait des reproductions à faire, il n’en a pas été ainsi. Le conservateur de cette collection désirerait se consacrer un peu plus à cette collection. Pour être utile, elle devrait être ouverte au public toutes les après-midi si possible. Je vous propose de porter cette rubrique n à 1200 fr. dont 600 seront pris sur les intérêts du fonds Galland pour les collections et 300 de plus pris sur le budget ordinaire […] Documento 2 Sentence du Conseil fédéral suisse dans la question des frontières de la Guyane française et du Brésil : du 1er décembre 1900, Berne, Impr. Staempfli, 1900.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 295

[pp. 462-463] C. EXPOSÉ GÉOGRAPHIQUE I. Introduction Les deux parties ayant, dans les mémoires transmis à l’arbitre, procédé à un examen détaillé des matériaux cartographiques relatifs à la Guyane et des indications fournies sur les conditions géographiques de cette contrée par les relations de voyages ou autres documents, pour en tirer des conclusions probantes touchant la situation du Japoc ou Vincent Pinçon du traité d’Utrecht, l’arbitre se trouve également conduit à étudier en détail ce côté de la question. Cette recherche forme le complément nécessaire de l’exposé historique. Il y a lieu tout d’abord de fixer quelques points de vue généraux qui domineront l’examen des questions spéciales. De plus, il sera indispensable de procéder à une étude détaillée des cartes principales. Le but de la discussion des questions d’ordre général est de montrer de quels principes l’arbitre est parti pour établir les faits d’ordre géographique et pourquoi, selon lui, ces principes doivent servir de règle. En ce qui concerne l’examen détaillé des cartes principales, l’arbitre sait avec quelle prudence il faut faire usage des vieilles cartes comme moyen de preuve. Il y a soixante- dix ans environ, Alexandre de Humboldt9 appréciait justement le caractère général des anciennes cartes de la manière suivante : « Les cartes géographiques expriment les opinions et les connaissances, plus ou moins limitées, de celui qui les a construites ; mais elles ne retracent pas l’état des découvertes. Ce que l’on trouve figuré sur les cartes (et c’est surtout le cas de celles des XIVe, XVe et XVIe siècles), est un mélange de faits avérés et de conjectures présentées comme des faits. Ce serait sans doute méconnaître les progrès de la géographie et les causes qui les ont hâtés, que de jeter de la défaveur sur les procédés ingénieux de l’art qui combine; les résultats de ces procédés ne sont à craindre que là où, dans le tracé des cartes, on n’offre pas les moyens de reconnaître ce qui a été vu et ce que l’on a simplement supposé pouvoir exister ». Dans son étude sur le développement de la cartographie de l’Amérique jusqu’en 1570, le Dr. Sophus Ruge10 attire également l’attention sur les imperfections que présentent les anciennes cartes des Espagnols et des Portugais. Cela dit, il faut ajouter que, néanmoins, un examen de toutes les anciennes cartes du territoire contesté est indispensable à l’intelligence de la question litigieuse. C’est ainsi seulement qu’on reconnaîtra l’origine des divergences d’opinion constatées plus tard parmi les géographes et l’importance qu’il convient de leur attribuer. L’histoire de la cartographie est un complément nécessaire de l’histoire du pays et, d’une manière générale, de celle du litige. [pp. 709-711] Le Cap de nord, l’île de Maraca, le bras septentrional de l’Araguary et les conditions hydrographiques du contesté Pour apporter toute la clarté nécessaire dans les questions discutées au chapitre précèdent sur la base des cartes, il est indispensable de soumettre à un examen attentif les conditions hydrographiques du Contesté. Une carte représentant le territoire dont il s’agit, a été dressée en vue de donner un aperçu de ces conditions. La carte n. 3 de RF

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 296

lui a servi de base ; les cartes marines françaises et anglaises de la même région et notamment la carte spéciale du littoral guyanais d’Azevedo ont été également utilisées pour l’établir. Cependant ce travail présente les mêmes lacunes que toutes les cartes actuelles de ce territoire […] a) Le territoire du Cap de Nord n’a pas encore fait de nos jours l’objet d’une exploration détaillée. H. Coudreau11 remarque à cet égard: « La région qui va de Tartarugal à l’Amazone a été quelque peu étudiée par les Brésiliens ; il n’en a pas été de même des lacs côtiers ou lacs du Cap Nord, dont je n’ai pu visiter qu’un seul, un des plus vastes, paraît-il, le Lago-Novo, découpé de baies nombreuses, libre, profond et plein d’îlots. Il suffit de consulter les documents géographiques antérieurs à mon voyage pour s’apercevoir que si les cartes brésiliennes donnaient au sujet de cette région de Mapa- Araguary quelques renseignements, exacts d’ailleurs, mais fort incomplets, les cartes françaises n’en donnaient à peu près aucun qui ne fût de pure fantaisie. » Les conditions hydrographiques du territoire contesté ont déjà été examinées plus haut, pages 27 et suivantes ; toutefois, il est nécessaire de compléter cette étude. Elle a, on s’en souvient, mis en évidence le fait que la côte, dans la région du Cap de Nord, ne s’est pas formée durant l’époque historique. Les îles Marajo, Caviana, Mexiana, Marica sont les restes d’une côte préhistorique plus étendue, détruite depuis par suite d’affaissements et par l’action des vagues12. Ce littoral se trouve encore en état de transformation constante. Il ressort des notices du P. Pfeil que des modifications de cette nature ont été aussi observées dans les temps antérieurs. [pp. 717-720] Le baron Waelkener, Conservateur des Cartes à la Bibliothèque royale à Paris, décrit en 1837 le Fl. Carapaporis « ou rivière de Vincent Pinçon » comme « un cours d’eau intérieur, sans issue dans la mer ; l’embouchure a été obstruée par des sables qui s’élèvent au-dessus des grandes marées et qui ne permettent plus d’y pénétrer. C’est ce qui arrive souvent dans ce pays, où les eaux sont constamment en mouvement et les courants d’une effrayante rapidité ». Le capitaine Peyron, chargé en 1857 d’explorer le Carapaporis-Vincent-Pinçon, rapporte à ce sujet : «Il n’y a plus actuellement de communication possible avec la branche Sud, et si elle a existé autrefois ce ne peut être que dans un temps très éloigné. » D’après E. Reclus, 1. c., page 87, le Canal de Carapaporis serait « le bassin profond ... qui s’ouvre à l’est de l’île Maraca et qui fut probablement à une époque peu éloignée la bouche de l’Araguary ». La question du Canal de Carapaporis et la cause pour laquelle il est resté ouvert ont été traitées plus haut. Or, il n’est pas non plus nécessaire, pour expliquer l’origine de ce canal, de supposer l’existence antérieure d’un bras nord de l’Araguary, origine qu’on peut attribuer avec beaucoup plus de raison au courant de marée. Il est extrêmement invraisemblable que l’origine du canal doive être rapportée à l’Araguary ; en effet, la force vive de ce fleuve, par suite de sa chute était dans tous les cas très restreinte, et elle eût été beaucoup plus faible qu’à l’embouchure actuelle, puisque son cours inférieur se serait trouvé notablement plus long. La profondeur que la carte marine anglaise n. 1803, Small corrections XII 98, accuse pour l’Araguary en amont de Nova da Bocca est de 4.6 m. Dans l’estuaire proprement dit, elle diminue jusqu’à n’être plus que de 2.7 m, 1.8 m et même 0.9 m. Ce n’est qu’au-delà de l’embouchure, sur la ligne du courant de l’Amazone, qu’elle redevient plus grande et atteint 3.6 m, 6 m, puis 10-12 m. Le peu de profondeur de l’embouchure (actuelle) de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 297

l’Araguary — où les courants de marée sont cependant très violents et où le fond n’est pas consistant, mais se compose de sable et de limon, ne laisse guère de crédit à l’opinion suivant laquelle le même fleuve aurait pu, au point extrême d’un cours plus allongé, c’est-à-dire avec une force de propulsion moindre, produire à sa soi-disant ancienne embouchure (C. Carapaporis) des affouillements de 20 à 22 m de profondeur. C’est peut-être la carte marine anglaise déjà citée qui, avec les nombreuses côtes de profondeur qu’elle porte dans ces parages, peut le mieux donner quelque éclaircissement au sujet de l’ancienne embouchure de l’Araguary. Le dessin de la ligne de cinq brasses est de nature à fournir une indication, aussi bien sur la bouche de l’Araguary que sur la direction du courant de l’Amazone. En dehors de la ligne de cinq brasses, on pourrait obtenir d’autres isobathes d’un tracé analogue. Quant à l’opinion tendant à faire de la rivière Carapaporis le Vincent Pinçon et en même temps un bras nord de l’Araguary, il importe de remarquer encore: il y a eu certainement par l’intérieur des terres des communications de l’Araguary vers le nord. Mais ce n’est que pendant l’époque des pluies et toujours avec de grandes difficultés qu’on pouvait trouver une voie accessible aux petits canots. Il est difficile d’admettre qu’il n’existait qu’un passage déterminé, ouvert quelque part dans la direction du Carapaporis actuel ; il y avait sans doute aussi une voie dans la direction du Mayacaré, d’où de Ferrolles partit un 1688. Mais ces voies de communication n’étaient pas des rivières capables de creuser un ravin sous-marin tel que celui du Canal de Carapaporis. Ce n’étaient pas non plus des branches fluviales comparables à celles du delta d’un grand fleuve. Les voies d’eau de la basse Guyane, à l’ouest du Cap de Nord, doivent être assimilées à ces communications fluviales si caractéristiques pour les affluents de l’Amazone. Il faut tenir tout particulièrement compte du fait qu’à l’époque des pluies l’Amazone apporte aussi des hautes eaux, produisant un remous dans 1’Araguary, qui monte encore davantage et déborde. Comme la région qui s’étend au nord de ce fleuve est très basse et, par sa configuration, couverte d’amas d’eau, il pouvait facilement s’y former un chenal d’écoulement pour les flots de crue ; mais ce chenal n’était pas une branche fluviale proprement dite, et une fois les hautes eaux retirées, il se transformait en une suite de nappes stagnantes. L’importance de l’Araguarav a été signalée plus haut. Si un bras nord de ce fleuve avait existé, ç’eût été, en tout cas, un cours d’eau important, et l’on ne saurait concevoir dès lors que cette branche septentrionale ait pu disparaître sans laisser de trace visible de nos jours. Or, on n’a découvert jusqu’à présent aucun vestige d’un ancien cours nettement reconnaissable pouvant être regardé comme bras nord de l’Araguary. E. Reclus, 1. c., page 28, dit : « Les pointes d’alluvion, à l’Approuague, à l’Oyapok, au Cachipour, s’allongent dans la direction du nord et, dans leur cours inférieur, ces rivières suivent toutes la même inflexion, évidemment sous l’influence du courant côtier qui projette latéralement ses dépôts vaseux. N’est-il pas à supposer que, soumis au contact de ce courant, l’Araguary se recourba également vers le nord et que les lacs; alignés qui se succèdent dans ce sens sont les restes de l’ancien cours fluvial ? Le détroit de Maraca ou l’estuaire de Carapaporis, ce bras de mer projeté entre l’île de Maraca et le continent et qui se distingue si nettement par sa profondeur de toutes les basses eaux environnantes, serait l’ancienne bouche de l’Araguari, à peine déformée depuis le temps où le fleuve se rejeta vers l’Est ». Ainsi qu’il a été dit antérieurement, l’Araguary, à l’encontre de la citation qui précède, doit à sa puissance d’être rangé parmi les fleuves de la Guyane qui n’ont pas subi l’inflexion parallèle à la côte et les preuves établissant

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 298

qu’il ait jamais pris la direction supposée par Reclus font défaut. Bien plus, la formation de la vallée de l’Araguary rend cette hypothèse des plus invraisemblables. La conclusion de cette étude peut se formuler ainsi : Il n’existe pas et il n’a jamais existé de bras nord de l’Araguary, dans le sens des mémoires français. Les canaux qui établissaient par l’intérieur des terres, la jonction entre l’Araguary et la côte septentrionale, étaient formés par des communications fluviales et lacustres continues, mais changeantes, qui constituent un système hydrographique particulier et ne peuvent, en aucune manière, être considérées comme un bras du cours terminal de l’Araguary. [p. 818-820] Il serait d’un intérêt général de fixer la délimitation à une frontière naturelle, si cela était possible. Le Brésil ne fournissant aucun titre en faveur de sa prétention à la limite par le parallèle de 2° 24’ N, il n’existe pas de motif pouvant engager l’arbitre à adopter cette frontière. De nombreuses considérations parlent en faveur du choix de la solution intermédiaire prévue par les parties. Les négociations d’Utrecht témoignent déjà que, par les deux bords de l’Amazone attribués au Portugal, on n’entendait pas seulement une étroite bande de terre. Le but de l’article 10 du traité était d’éloigner les Français de l’Amazone. La dépêche du ministre anglais Bolingbroke à l’ambassadeur d’Angleterre à Paris, du 17 février 1713, le déclare explicitement: « Bref, il faut que la source de la rivière (des Amazones) appartienne aux Espagnols et son embouchure aux Portugais ; et ni les Français, ni les Anglais, ni aucune autre nation ne doivent avoir une avenue ouverte sur ce pays. » La suite des négociations et leur résultat final prouvent que c’était là une résolution bien arrêtée et que l’Angleterre maintint son point de vue. À cette époque, la tendance était aux frontières naturelles : chaînes de montagnes, lignes de partage des eaux et cours d’eau. On a vu plus haut qu’en 1750 ce principe fut adopté pour la délimitation des territoires de La Plata. L’Espagne et le Portugal notamment connaissaient par expérience les défauts inhérents à la Ligne de démarcation. La fixation, telle que la France la réclame, d’une limite courant parallèlement à l’Amazone et, par conséquent, la création d’une zone riveraine le long de ce fleuve entraîneraient les mêmes inconvénients et les mêmes difficultés. Mais si l’on admet qu’aucune décision n’ait été prise à Utrecht au sujet des vastes territoires inconnus de l’intérieur, il s’ensuit simplement que cette région ne fut attribuée à aucun des deux États. Il y a donc lieu d’examiner si l’une des parties adverses et laquelle des deux a acquis depuis des droits sur ces territoires, ainsi que, cas échéant, la nature et la portée de ces droits. La réplique française de 1699 s’exprimait ainsi : «Suivant l’usage de toutes les nations de l’Europe, la donation qui n’est pas suivie de la possession actuelle, et non interrompue, si ce n’est pour fort peu de temps, ne donne aucun droit. Ces pays esloignez sont estimez abandonez, et ils appartiennent au premier qui les occupe, autrement il s’en suivrait qu’un prince auroit droit sur tous les pays dont il auroit accordé la concession et où il auroit envoité faire descente et planter ses armes, sans se mettre en peine de les faire habiter; ce qui seroit assurément injuste et contre la

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 299

pratique de tous les peuples. » Ce principe fait encore règle aujourd’hui et il a été formellement sanctionné en 1885, pour les côtes d’Afrique, par la Conférence de Berlin. Or, si les voyageurs français Crevaux, Coudreau et d’autres ont exploré certaines parties de la région située au sud de la ligne de faîte des monts Tumuc-Humac, la France comme état, n’a accompli dans ces territoires situés en dehors de la région maritime, ni avant, ni après le traité d’Utrecht, aucun acte de prise de possession ou de protectorat, et fait aucune tentative de colonisation. Aucune partie de ces régions ne lui a appartenu d’une façon permanente. Les traités de Paris, du 10 août 1797, de Badajoz, du juin 1801, de Madrid, du 29 septembre 1801, et d’Amiens, du 27 mars 1802, qui prolongent la limite intérieure jusqu’au Rio Branco, n’ont, en fait, jamais été mis à exécution. En revanche, la souveraineté du Brésil, notamment dans la vallée du Rio Branco, est reconnue par la population. Dans son ouvrage La France équinoxiale, Coudreau dit à ce sujet: « Nous ne pouvons plus aujourd’hui faire valoir nos prétentions jusqu’au rio Branco ; le rio Branco ne saurait être contesté, car les Brésiliens l’exploitent et le peuplent» (tome I, page 248). Élisée Reclus confirme cette déclaration dans le passage suivant : « Toutefois le débat n’a d’importance réelle que pour le contesté de la côte, entre l’Oyapock et l’Araguary. À l’ouest, toute la vallée du rio Branco est devenue incontestablement brésilienne par la langue, les mœurs, les relations politiques et commerciales »13. Le territoire compris entre la vallée du Rio Branco et le « Contesté maritime » est très peu connu et les quelques milliers d’indigènes qui l’habitent sont indépendants. Mais le Brésil possède le cours inférieur de toutes les rivières qui en descendent et tous les points par lesquels on peut y accéder de l’Amazone. Conformément au principe adopté par les puissances pour l’Afrique, il fait partie du hinterland brésilien. Documento 3 SENTENCE Vu les faits et les motifs ci-dessus, Le Conseil fédéral suisse, en sa qualité d’arbitre appelé par le Gouvernement de la République française et par le Gouvernement des États-Unis du Brésil, selon le traité d’arbitrage du 10 avril 1897, à fixer la frontière de la Guyane française et du Brésil, constate, décide et prononce : I. Conformément au sens précis de l’article 8 du traité d’Utrecht, la rivière Japoc ou Vincent Pinçon est l’Oyapoc qui se jette dans l’Océan immédiatement à l’ouest du Cap d’Orange et qui par son thalweg forme la ligne frontière. II À partir de la source principale de cette rivière Oyapoc jusqu’à la frontière hollandaise, la ligne de partage des eaux du bassin des Amazones qui, dans cette région, est constituée dans sa presque totalité par la ligne de faite des monts Tumuc-Humac, forme la limite intérieure. Ainsi arrêté à Berne dans notre séance du 1 décembre 1900.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 300

La présente sentence, revêtue du sceau de la Confédération suisse, sera expédiée en trois exemplaires français et trois exemplaires allemands. Un exemplaire français et un exemplaire allemand seront communiques à chacune des deux parties par les soins de notre Département politique; le troisième exemplaire français et le troisième exemplaire allemand seront déposés aux Archives de la Confédération suisse. Au nom du Conseil fédéral suisse Le Président de la Confédération, Hauser Le Chancelier de la Confédération, Ringier

NOTAS

1. Archives de la ville de Genève, Mémorial des séances du Conseil Municipal de la Ville De Genève, Séance du 8 janvier 1904, pp. 622-623. 2. Le contesté franco-brésilien, Gazette de Lausanne, 4 décembre 1900, p. 2. 3. Frontières entre le Brésil et la Guyane française. Second mémoire présenté par les États unis du Brésil au gouvernement de la Confédération suisse, arbitre choisi selon les stipulations du traité conclu à Rio-de-Janeiro, le 10 avril 1897 entre le Brésil et la France. Tome VI, Atlas. Paris : Lahure, 1899. 4. Bibliothèque de Genève, Département des Cartes et Plans, Catalogue, Atlas ; Catalogue du Musée Cartographique. 5. Bibliothèque de Genève, Département des Manuscrits, Biographies genevoises, ad nomen. 6. Berne, Archives Fédérales, Séances du Conseil Fédéral, Département de l’Intérieur, 1899. 7. Archives Diplomatiques de Nantes, Archives des Postes, Rio de Janeiro, Dossier 105, Contesté Franco-Brésilien, Correspondance de M. Pichon, Ministre, f. 26, 23 août 1896. 8. Arbitrage Franco-brésilien, Journal de Genève, 7 décembre 1900, p. 1. 9. A. de Humboldt, Examen critique de l’histoire de la géographie du Nouveau Continent, 1831, I, pp. 326 et 327. 10. Petermanns Mitteilungen, Ergänzungsband XXIII, 1893. 11. H. Coudreau, Dix ans de Guyane, I, c., page 453. 12. E. Reclus, Géographie universelle, XIX, page 29 ; Berghaus, Physikalischer Atlas, l892, n° 3. 13. Reclus, 1. c., t. XIX, 1894, page 84.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 301

RESUMOS

Um mapa manuscrito recentemente descoberto no fundo cartográfico Reclus-Perron da Biblioteca de Genebra revela ter sido fundamental para a solução da controvérsia entre a França e o Brasil sobre as fronteiras da Guiana, resolvida definitivamente pela arbitragem feita pela Confederação Helvética em 1900. Comentamos este documento no contexto histórico da controvérsia, para compreender como e porque a obra dos geógrafos anarquistas chegou a condicionar indiretamente negócios diplomáticos de capa planetária.

Une carte manuscrite récemment découverte dans le fonds cartographique Reclus-Perron de la Bibliothèque de Genève se révèle avoir été fondamentale pour la solution de la controverse entre France et Brésil sur les frontières de la Guyane, arrêtées définitivement par l’arbitrage rendu en 1900 par la Confédération Helvétique. Nous commentons ce document, en le contextualisant dans cette controverse, pour comprendre pourquoi et comment l’œuvre des géographes anarchistes est arrivée à conditionner indirectement des affaires diplomatiques de portée planétaire.

Un mapa manuscrito recientemente descubierto en el fondo cartográfico Reclus-Perron de la Biblioteca de Ginebra revelase como fundamental para la solución de la controversia entre Francia y Brasil sobre las fronteras de la Guyana, resuelta definitivamente por el arbitraje efectuado por la Confederación Helvética en 1900. Comentamos este documento en el contexto histórico de esta controversia, para comprender como y por qué la obra de los geógrafos anarquistas llegó a condicionar indirectamente asuntos diplomáticos de portada planetaria.

A handwritten map, recently-discovered in the Reclus and Perron’s cartographic archive in the Library of Geneva, was fundamental for the solution of the dispute between Brazil and France on the Guyana’s borders, definitively resolved by the Helvetic Confederation’s arbitrate, made in 1900. We analyze this document in the context of this dispute, to understand how, and why, the work of the Anarchist Geographers succeeded to influence indirectly diplomatic affairs of planetary dimension.

ÍNDICE

Mots-clés: Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartographie, Contesté Franco- Brésilien, Colonialisme Palabras claves: Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartografía, Controversia franco-brasileña Índice geográfico: Suíça, França, Brasil, Guiana Palavras-chave: Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartografia, Controvérsia Franco-Brasileira, Colonialismo Keywords: Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartography, French-Brazilian Dispute, Colonialism Índice cronológico: 1900

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 302

AUTOR

FEDERICO FERRETTI

Doutor em Geografia, Pesquisador no Departamento de Geografia e Meio-ambiente da Universidade de Genebra, Membro da UMR Géographie-cités, équipe EHGO [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 303

Le fonds Reclus-Perron et le contesté franco-brésilien de 1900 Une carte inédite qui a décidé des frontières du Brésil O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900: um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil El fondo Reclus-Perron y la controversia franco-brasilera de 1900: un mapa inédito que decidió las fronteras de Brasil The Reclus-Perron archive and the 1900 French-Brazilian dispute: an unpublished map that decided the frontiers of Brazil

Federico Ferretti

NOTE DE L’ÉDITEUR

Ofeceremos neste mesmo número uma tradução ao português deste artigo sob o título O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900: um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil.

Ofrecemos en este mismo número una traducción al portugués de este artículo con el título O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900: um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil.

Nous offrirons dans cet même numéro une traduction en Portugaise de cet article sous le titre O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900: um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil.

We offer in this same issue a Portuguese translation of this paper under the title O fundo Reclus-Perron e a controvérsia franco-brasileira de 1900: um mapa inédito que decidiu as fronteiras do Brasil.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 304

Cette recherche a été financée par le Fonds National Suisse de la Recherche scientifique FNS (div. 1) dans le cadre du projet Écrire le Monde autrement : géographes, ethnographes et orientalistes en Suisse romande, 1868-1920, des discours hétérodoxes.

1 En dépouillant les procès-verbaux du Conseil municipal de la Ville de Genève, nous sommes tombés sur un document qui a retenu notre attention au premier regard. Le fonds cartographique Reclus-Perron déposé à Genève (FERRETTI, 2012), et notamment une carte manuscrite que l’explorateur Henri Coudreau (1859-1899) fit pour Élisée Reclus (1830-1905), aurait joué un rôle décisif dans la sentence du Conseil fédéral suisse qui arbitra, le premier décembre 1900, le contesté franco-brésilien sur les frontières de la Guyane, en annexant au Brésil un territoire de 260.000 kilomètres carrés. Les élus genevois constatent en 1904 que : « C’est une de ces pièces inédites (manuscrit de l’explorateur Coudreau) qui permit à M. le professeur Rosier de résoudre de nombreux points douteux lors de l’arbitrage soumis au Conseil fédéral pour la délimitation de la frontière franco-brésilienne. » 1

2 Cette lecture faite, nous nous sommes précipités à contrôler dans les documents du Conseil fédéral : le volume, de plus de 800 pages, qui réunit les documents d’appui à la sentence de 1900, ne mentionne pas les noms des experts consultés, mais en revanche il cite souvent Reclus et Coudreau dans le texte (12 fois pour le premier, 18 fois pour le deuxième) comme les sources géographiques les plus récentes et les plus accréditées, en développant un discours scientifique qui nécessitait d’évidence l’intervention de spécialistes. La presse suisse de l’époque confirme d’ailleurs que « les préliminaires de cette sentence ont donné lieu, dans les domaines de l’histoire et de la géographie, à des études longues et difficiles dont le Conseil fédéral a confié le soin à un certain nombre de savants suisses ».2

3 En tout cas, l’affirmation du procès-verbal de Genève sur l’importance de la participation de William Rosier (1856-1924) à ces travaux nous semble confirmée par d’autres données : d’abord, nous avons trouvé à la Bibliothèque de Genève des copies des mémoires produits par les parties en cause, annotés de la main de Rosier, dont l’ Atlas produit par le Brésil3 a été utilisé aussi pour le Musée Cartographique de la Ville de Genève;4 en plus, nous savons que Rosier a été député du Canton de Genève de 1895 à 1901 comme radical de tendance socialiste5 et dans les mêmes années a été membre de commissions fédérales pour l’éducation publique,6 en étant déjà l’un des géographes suisses les plus importants (FISCHER, MERCIER et RAFFESTIN, 2003). Donc, il n’y a rien de surprenant que le Conseil fédéral demande son expertise, et qu’il recoure à la collection cartographique de Genève qui était de loin la plus riche de la Suisse ; en plus, s’il fallait étudier Reclus, Rosier était à ce moment le seul politicien suisse, à notre connaissance, qui pouvait se vanter d’un peu de proximité personnelle avec lui (qui dans ces années s’était déplacé à Bruxelles).

4 Mais nous pensons que la preuve décisive est la présence, dans le Département des Cartes et Plans, de la carte manuscrite citée dans le document genevois. Il s’agit d’un exemplaire inédit, signé par Coudreau et daté de 1893 (fig. 1), qui représente la côte du canal septentrional de l’embouchure du Fleuve des Amazones jusqu’au fleuve Carsevenne : exactement la partie méridionale de la portion de littoral revendiquée par les Français (fig. 2).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 305

Figure 1 : Carte manuscrite de Coudreau pour Reclus (1893)

BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles Photographie : Alberto Campi (2013)

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 306

Figure 2 : « Carte Générale de la Guyane représentant les prétentions des deux parties dressée principalement d'après les cartes annexées aux documents français et brésiliens » (1900)

Sentence du Conseil fédéral, Annexes, planche n. 1 - BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles Photographie : Alberto Campi (2013)

5 Il nous faut remarquer que les arbitres suisses réalisent, pour rédiger cette sentence, un véritable ouvrage de géographie, en plusieurs centaines de pages. Géographie historique, parce qu’on analyse systématiquement tout ce que l’on connaît de l’histoire territoriale de cette région à travers la cartographie historique et les récits des voyageurs ; géographie physique, car on analyse en détail les dynamiques morphologiques du littoral pour essayer d’identifier le cours du fleuve Japoc de Vicente Pinçon. En effet, la tâche fondamentale que la conférence franco-brésilienne de 1897 confie à la Confédération Helvétique, est de localiser ce fleuve, qui marquait virtuellement la frontière entre Français et Portugais lors tu traité de Utrecht de 1713. Géographie politique et humaine, enfin, car on étudie toutes les caractéristiques connues des peuples qui habitent cette région, ainsi que l’importance politique des tentatives d’établissement des Français et des Brésiliens dans les villages du littoral.

6 Les arbitres suisses travaillent d’après des principes encyclopédiques, en suivant la méthode classique de la géographie de cabinet ; cette géographie est aussi une métaphore de la position politique de la Suisse à cette époque : État européen sans mer et sans colonies, elle ne renonce pas pour autant à jouer un rôle actif dans la politique internationale, en se distinguant, d’après les historiens, pour son « colonialisme oblique » (FROIDEVAUX, 2002; MINDER, 2009; RUFFIEUX, 1984). La NGU, à son tour, est un produit de la « Suisse internationale » des exilés et des réfugiés politiques, car Reclus et ses collaborateurs construisirent cet ouvrage encyclopédique pendant leur long exil en Suisse (FERRETTI, 2011).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 307

7 Les rédacteurs de la sentence semblent partager aussi les présupposés théoriques de Reclus, y compris la référence à Alexandre de Humboldt et à sa critique des représentations cartographiques comme des documents qui ne sont pas « objectifs », car les cartes géographiques expriment les opinions et les connaissances, plus ou moins limitées, de celui qui les a construites ; mais elles ne retracent pas l’état des découvertes. Ce que l’on trouve figuré sur les cartes (et c’est surtout le cas de celles des XIVe, XVe et XVIe siècles), est un mélange de faits avérés et de conjectures présentées comme des faits. (Sentence du Conseil fédéral suisse ..., p. 463)

8 Les auteurs développent une étude comparative des sources géo-cartographiques, et finalement décident de faire confiance à Reclus et Coudreau comme les auteurs qui démentissent les mémoires français, prétendant que le fantomatique fleuve Japoc de Pinçon, qui devait marquer leur frontière, fût l’Araguary, proche du bras septentrional de l’embouchure du fleuve des Amazones.

9 Dans la NGU, Reclus se moque de ce débat, car il n’est pas intéressé par des solutions de caractère « diplomatique » : Quel est ce fleuve Yapok ou Vincent Pinzon que les diplomates d’Utrecht, ignorants des choses d’Amérique, voulurent indiquer sur leurs cartes rudimentaires? (...) On emplirait les bibliothèques de mémoires et documents diplomatiques publiés sur cette insoluble question. (RECLUS, 1894, p. 85).

10 Ses études visent à construire une géographie indépendante du pouvoir politique. Reclus, en s’appuyant sur les observations directes de Coudreau, démontre les dynamiques complexes du littoral, en permettant aux arbitres de démentir les produits cartographiques précédents, plus idéologiques et moins appuyés sur des observations détaillées. D’après les savants suisses, sa géographie physique démontre l’impossibilité que le Japoc de Pinçon fût l’un des bras du fleuve des Amazones. Ils démentent notamment l’un des points centraux du mémoire présenté par les Français, lesquels affirmaient qu’un ancien bras de l’Araguary coulait vers le Nord en correspondance du canal Carapaporis en touchant l’actuelle île de Maraca, qui aurait fait partie du continent encore en des temps historiques : c’est-à-dire, la seule hypothèse qui puisse expliquer pourquoi Vicente Pinçon n’avait pas signalé cette île.

11 En se débrouillant dans la complexité hydrographique de la région et en analysant de manière critique la géographie de Reclus, de Coudreau et d’autres, les Suisses concluent à une ancienneté majeure de cette île et de son canal par rapport aux hypothèses du mémoire français, ce qui prouverait que les anciens cartographes cités par les diplomates d’Utrecht ne connaissaient pas cette région. « Par conséquent, il ne faut en tout cas chercher le Vincent Pinçon des anciens cartographes ni dans le Canal, ni dans la rivière de Carapaporis » (Sentence du Conseil fédéral…, p. 713). Pour ce qui concerne le bras nord de l’Araguary, donc, il « n’existe pas et il n’a jamais existé » (Ibid., p. 720).

12 Dans la carte manuscrite de Coudreau consultée par Rosier, à notre avis, c’est surtout la bathymétrie du canal Carapaporis qui suggère qu’un bras de mer de cette importance ne peut pas avoir été creusé par un fleuve n’ayant pas laissé des traces significatives, et qui rend difficile de penser à une séparation récente entre l’île de Maraca et le continent. Pendant la rédaction de sa carte, l’explorateur français partageait évidemment l’idée reclusienne de l’indépendance de la science : si cette carte de 1893 est parvenue à Reclus et n’a jamais été publiée ailleurs, c’est qu’évidemment Reclus était le seul géographe français de cette époque qui était prêt à publier des informations qui risquaient d’aller au détriment de la « patrie ». Du point de vue

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 308

personnel, du reste, Coudreau dans ses écrits semble être bien favorable à l’expansion coloniale française (COUDREAU, 1885 et 1893).

Figura 3: Mapa et baie de Carapaporis (1894)

Une partie de la carte de Coudreau, élaborée par Charles Perron Élisée Reclus, Nouvelle Géographie Universelle, vol. XIX, p. 87.

13 Concernant les aspects humains de cette géographie, ce sont toujours Reclus et Coudreau qui certifient que les peuples de l’intérieur reconnaissent déjà le Brésil comme leur nation. Le fait que ces deux géographes sont de nationalité française est habilement utilisé par les arbitres. La souveraineté du Brésil, notamment dans la vallée du Rio Branco, est reconnue par la population. Dans son ouvrage La France équinoxiale, Coudreau dit à ce sujet: « Nous ne pouvons plus aujourd’hui faire valoir nos prétentions jusqu’au rio Branco; le rio Branco ne saurait être contesté, car les Brésiliens l’exploitent et le peuplent» (tome I, page 248). Élisée Reclus confirme cette déclaration dans le passage suivant : « Toutefois le débat n’a d’importance réelle que pour le contesté de la côte, entre l’Oyapock et l’Araguary. À l’ouest, toute la vallée du rio Branco est devenue incontestablement brésilienne par la langue, les mœurs, les relations politiques et commerciales. » (Sentence du Conseil fédéral…, p. 820)

14 Ce dernier passage de Reclus avait déjà été cité en 1896, avec quelques préoccupations, dans la correspondance du ministre français Stephen Pichon au sujet du contesté.7 Le mémoire brésilien, d’ailleurs, s’était appuyé aussi sur les travaux de Français comme Coudreau, ou Jules Crevaux (ROMANI, 2008).

15 Finalement, la frontière est arrêtée sur l’actuel fleuve Ojapoque, en satisfaisant les prétentions du Brésil. L’important, ici, est que Coudreau et Reclus, dans leurs travaux géographiques, ont agi indépendamment des intérêts de leur nation : ils ne l’ont pas soutenue a priori dans ses efforts coloniaux, comme le faisaient les autres géographes de

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 309

l’époque, et ont préféré garder leur indépendance de jugement. Du point de vue de Reclus, cela s’explique aussi pour des raisons politiques : anarchiste et exilé pendant une grande partie de sa vie, il critiquait explicitement l’idée de l’amour de la partie en lui préférant l’amour de l’humanité. Il contestait aussi le concept de frontière, en se révoltant « contre toutes ces bornes, symboles d’accaparement et de haine ! Nous avons hâte de pouvoir enfin embrasser tous les hommes et nous dire leurs frères ! » (RECLUS, 2012, p. 243).

16 Si certains auteurs parlent d’une « controverse » qui aurait opposé le Baron de Rio Branco (explorateur et diplomate brésilien) à Reclus sur le texte que le géographe français a consacré au Contesté (MIYAHIRO, 2011, p. 117-131), c’est évidemment parce que le géographe brésilien, écrivant sans connaître la sentence suisse, n’imaginait pas encore le service que Reclus allait rendre à sa nation, bien qu’indirectement, le premier décembre 1900.

Fig. 4 Détail de la signature de Coudreau sur la carte donnée à Reclus

17 De plus, Reclus est un géographe radicalement et précocement opposé au colonialisme, et qui dénonce systématiquement les crimes coloniaux des nations européennes (FERRETTI, 2013). Dans le cas de la Guyane, il ne ménage pas ses critiques contre les Français, en dénonçant la brutalité de la République à ces latitudes, ainsi que la fonction antisociale de la colonie pénale de Cayenne : « De toutes les possessions d’outre-mer que la France s’attribue, nulle ne prospère moins que sa part des Guyanes : on ne peut en raconter l’histoire sans humiliation. L’exemple de la Guyane est celui qu’on choisit d’ordinaire pour démontrer l’incapacité des Français en fait de colonisation. » (RECLUS, 1894, p. 72)

18 Il dénonce ensuite les milliers de morts provoqués par des tentatives saugrenues d’acclimatation d’Indiens coolies dans les plantations françaises, faites « sans méthode et sans humanité : de 8372 engagés dans la force de l’âge, 4522 sont morts en 22 années de 1856 à 1878 » (Ibid., p. 73). Concernant les indigènes, le géographe constate laconiquement que « plus de la moitié des peuplades citées par les anciens auteurs a disparu » (Ibid., p. 47).

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 310

19 L’histoire que le géographe anarchiste semble aimer les plus est celle des révoltes des esclaves marrons : Des républiques de nègres se sont fondées dans les trois Guyanes côtières, Anglaise, Hollandaise et Française, mais c’est dans les bassins des rivières Suriname et Maroni que se sont établis les groupes les plus nombreux (…) Les communautés vivent en paix, sans que des ambitions rivales se disputent le pouvoir : égaux en bien-être, tous les nègres de brousse sont égaux en droit » (Ibid., p. 48 et 52).

20 Cette attention de Reclus, militant antiraciste et antiesclavagiste (ALAVOINE-MULLER, 2007), pour la conquête de la liberté de la part des peuples africains déportés dans le Nouveau Monde, concerne tout le continent américain, et rappelle des ouvrages plus récents sur l’épopée de l’Atlantique « noir » ou « rebelle » (GILROY, 1993 ; LINEBAUGH et REDIKER, 2000).

Figure 5 : « Carta de la Guyane Françoise et l'Isle de Cayenne » (1763)

Carte de S. Bellin citée dans les mémoires français BGE, Département de Cartes et Plans, tiroir Amérique latine - cartes partielles

21 Pour pouvoir apprécier la différence entre Reclus et les autres géographes français, il nous suffit de comparer ses affirmations à celles que Paul Vidal de la Blache rendit à l’occasion de la solution du Contesté. Si le patron de la Géographie Humaine affirme que la fin d’une longue controverse est à accueillir avec un certain soulagement, il se plaint néanmoins que « le procès se dénoue à notre détriment » (HAESBAERT, PEREIRA et RIBEIRO, 2012, p. 422 ; VIDAL DE LA BLACHE, 1901, p. 68). Vidal de la Blache avait été engagé directement dans la rédaction des mémoires justifiant la position française, tout en restant sur des positions que les commentateurs les plus récents considèrent comme modérées, à l’instar de Coudreau lui-même, qui souhaitait un accord entre les deux États pour une solution intermédiaire (MERCIER, 2009). D’après Carlo Romani, c’est surtout l’activisme diplomatique du Baron de Rio Branco qui a convaincu le juges de Berne, par rapport à la distance manifestée de l’autre côté par Vidal de la Blache

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 311

(ROMANI, 2008, p. 52-53). Par contre, d’autres géographes français ont participé à des tentatives de colonisation dans la région contestée, comme l’éphémère République de Counani (PUYO, 2011). D’autres, comme Augustin Bernard, ont sévèrement critiqué les juges suisses au lendemain de la sentence, en mettant en doute leurs compétences (BERNARD, 1901).

22 La sentence fut critiquée aussi par la partie la plus conservatrice de la presse française, notamment Le Figaro et Le Temps, qui s’insurgèrent contre cette décision en questionnant l’impartialité de la Suisse, soupçonnée d’avoir pris sa décision en pensant à des prétendus intérêts commerciaux au Brésil. Il fut simple, pour une presse suisse particulièrement indignée par ces accusations, de démontrer par des statistiques que « si la Suisse a des intérêts vitaux et essentiels avec l’une des parties en cause, ce n’est pas avec le Brésil, mais bien avec la France. »8

23 Ces questions qu’aujourd’hui on appellerait « géopolitiques » ont des significations qui touchent des aspects actuels du problème de la mémoire du colonialisme en France, comme le démontrent les vifs débats qui se sont développées dans les dernières années autour de ce que Nicolas Bancel a appelé le « maelström colonial » (BANCEL et al., 2010; BANCEL, 2011 ; COQUERY-VIDROVITCH, 2011). Encore aujourd’hui l’expression « la France a une frontière en commun avec le Brésil », qu’un Reclus aurait contesté d’un point de vue à la fois géographique et politique, est très courante en France et ne semble aucunement questionnée ni en géographie ni dans le débat politique.

24 En conclusion, nous pouvons remarquer que, selon le Conseil fédéral suisse, la géographie ne sert pas qu’à faire la guerre, mais à conclure des accords diplomatiques. Nous pouvons aussi affirmer que, pour ce qui est des conflits entre des États nationaux, la géographie d’Élisée Reclus est comme la Suisse : « neutre ». La différence est que l’internationalisme de Reclus ne s’exprime pas par la diplomatie, mais par la solidarité internationale des peuples et des travailleurs visant à la construction d’une société communiste-libertaire. Finalement, cela démentit l’idée que toute la géographie européenne de l’époque coloniale était une « science de l’empire » (GODLEWSKA e SMITH, 1994) parce que des contestateurs et des hétérodoxes, ou simplement des scientifiques consciencieux gardant leur liberté de jugement, ont bel et bien existé.

BIBLIOGRAPHIE

ALAVOINE-MULLER S. Introduction. In RECLUS Élisée. Les États-Unis et la Guerre de Sécession: articles publiés dans la Revue des Deux Mondes. Paris : CTHS, 2007.

BANCEL N., Le maelström colonial : politique de la mémoire coloniale et rôle de l’histoire universitaire. Canadian Journal of African Studies/Revue Canadienne d’Études Africaines, 45, p. 45-76, 2011.

BANCEL Nicolas, BERNAULT Florence, BLANCHARD Pascal, BOUBEKER Ahmed, MBEMBE Achille, VERGÈS Françoise (eds.) Ruptures postcoloniales : les nouveaux visages de la société française. Paris : La Découverte, 2010.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 312

COQUERY-VIDROVITCH C., Colonisation, racisme et roman national en France, Canadian Journal of African Studies/Revue Canadienne d’Études Africaines, 45, p. 17-44, 2011.

FERRETTI Federico. L’Occident d’Élisée Reclus, l’invention de l’Europe dans la Nouvelle Géographie Universelle (1876-1894). Paris, 2011, 612 p. Thèse sous la direction de Marie-Claire Robic et Franco Farinelli.

FERRETTI F. Cartografia e educação popular. O Museu Cartográfico de Élisée Reclus e Charles Perron em Genebra (1907-1922). Terra Brasilis, Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, 1, 2012 [http://terrabrasilis.revues.org/164]

FERRETTI F. They have the right to throw us out: Élisée Reclus’ Universal Geography. Antipode, a radical journal of Geography, 1, 2013, DOI: 10.1111/anti.12006 [Early view: http:// onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/anti.12006/abstract]

FISCHER C., MERCIER C., RAFFESTIN C. Entre la politique et la science, un géographe genevois : William Rosier. Le Globe, v. 143, p. 13-25, 2003.

FROIDEVAUX Y. Nature et artifice : Village Suisse et village nègre à l’exposition nationale de Genève, 1896. Revue Historique neuchâteloise, 2002, p. 17-33.

GILROY, Paul. The Black Atlantic: modernity and double consciousness. Cambridge: Harvard University Press, 1993.

GODLEWSKA Anne, SMITH Neil (eds.). Geography and Empire. Oxford/Cambridge: Blackwell, 1994.

HAESBAERT Rogério, NUNES PEREIRA Sérgio, RIBEIRO Guilherme (dir.). Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2012.

LINEBAUGH Peter, REDIKER Marcus. The many-headed hydra: sailors, slaves, commoners, and the hidden history of the revolutionary Atlantic. Boston: Beacon press, 2000.

MERCIER G. La géographie de Paul Vidal de la Blache face au litige Guyanais : la science à l’épreuve de la justice, Annales de Géographie, 667, 3 (2009) 294-317.

MINDER Patrick. La Suisse coloniale ? Les représentations de l’Afrique et des Africains en Suisse au temps des colonies (1880-1939). Neuchâtel : Université de Neuchâtel, 2009.

MIYAHIRO Marcelo Augusto. O Brasil de Elisée Reclus : territorio e sociedade em fins do século XIX. Dissertação de Mestrado, São Paulo, 2011.

PUYO J.-Y. Du contesté franco-brésilien à la République de Counani: histoire édifiante et curieuse d’une cryptarchie éphémère. In DORNEL Laurent, GUICHARNAUD-TOLLIS Michèle, PARSONS Michael, PUYO Jean-Yves (eds.). Ils ont fait les Amériques. Bordeaux : Presses Universitaires de Bordeaux, 2012, p. 279- 291.

ROMANI C. Algumas geografias sobre a fronteira franco-brasileira. Ateliê Geográfico, v. 2, n. 3, p. 43-64, 2008 [http://www.revistas.ufg.br/index.php/atelie/article/view/3896/3580]

RUFFIEUX R. La Suisse des Libéraux. In Nouvelle Histoire de la Suisse et des Suisses. Lausanne : Payot, 1984, p. 599-666.

ANNEXES

Archives

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 313

Berna – Archives fédérales suisses Genebra – Bibliothèque de Genève, Département des Cartes et Plans; Département des Manuscrits. Genebra – Archives de la Ville de Genève Lausanna – Centre International de Recherches sur l’anarchisme (CIRA) Nantes – Archives Diplomatiques Sources imprimées Arbitrage Franco-brésilien, Journal de Genève, 7 décembre 1900. BERNARD A. Le contesté Franco-Brésilien, Questions diplomatiques et coloniales, revue de politique extérieure, 1, p. 31-37, 1901. COUDREAU Henri. Le territoire contesté entre la France et le Brésil : conférence faite à la Société de géographie de Lille le 22 novembre 1885. Lille : Impr. L. Danel, 1885. COUDREAU Henri. Chez nos Indiens : quatre années dans la Guyane française (1887-1891). Paris : Hachette, 1893. Le contesté franco-brésilien, Gazette de Lausanne, 4 décembre 1900. RECLUS Élisée. Nouvelle Géographie Universelle, vol. XIX, L’Amazonie et la Plata. Paris : Hachette, 1894. RECLUS Élisée. Écrits Sociaux. Genève, Héros-limite, 2012. Sentence du Conseil fédéral suisse dans la question des frontières de la Guyane française et du Brésil : du 1er décembre 1900. Berne : Impr. Staempfli, 1900. VIDAL DE LA BLACHE P., Le contesté franco-brésilien, Annales de Géographie, 1901, vol. 10, n. 49, pp. 68-70. Documents Document 1: Archives de la ville de Genève, Mémorial des séances du Conseil Municipal de la Ville de Genève, Séance du 8 janvier 1904, pp. 622-625. 35. Bibliothèque publique. n) Collection cartographique (sur intérêts du fonds Galland), 300. M. Süss, rapporteur. La commission est d’accord pour l’élévation de ce crédit pour lequel le Conseil administratif peut donner des explications. M. Piguet-Fages, conseiller administratif. Voici quelques détails sur ce sujet : La collection de cartes de géographie donnée à la Ville par M. C. Perron, en 1893, se composait de 7009 cartes, 4 atlas, de 43 cartons (1 m. 10 sur 0 m. 75) et de 5 meubles logeant le tout. Cette collection a été formée par Élisée Reclus pendant les vingt ans qu’il a consacrés à écrire sa Nouvelle Géographie Universelle, l’une des œuvres les plus considérables du XIXe siècle. Cette collection a, par ce fait, en outre de sa valeur propre, une valeur en quelque sorte historique. Les documents qu’elle renferme se rapportent au monde entier. Ce sont les cartes officielles des différents pays du globe, ou d’autres publications en tenant lieu. Nombreuses aussi sont les cartes particulières

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 314

parmi lesquelles se trouvent des raretés et de précieux travaux originaux qui n’existent nulle autre part. C’est une de ces pièces inédites (manuscrit de l’explorateur Coudreau) qui permit à M. le professeur Rosier de résoudre de nombreux points douteux lors de l’arbitrage soumis au Conseil fédéral pour la délimitation de la frontière franco- brésilienne. Un autre mérite de cette collection est de posséder environ 3000 cartes marines, donnant les sondages opérés dans les divers océans et sur toutes les côtes, la nature des fonds, les courants, la direction des vents pour tous les mois de l’année, et tant d’autres renseignements utiles non seulement à la navigation, mais encore, dans une très large mesure, à la géologie, aux sciences naturelles en général, voire même au commerce. Une semblable collection n’existe pas ailleurs en Suisse et il faut, pour consulter ce genre de cartes, aller à Paris, à Amsterdam, à Londres ou autres grandes capitales. Il y aurait en conséquence un intérêt incontestable, pour les autorités scolaires de notre pays, à veiller particulièrement au développement de cette collection spéciale tenue à jour jusqu’en 1893. Bien que la collection Reclus n’ait pas encore été portée à la connaissance du public comme il conviendra de le faire quand le catalogue sera terminé, nombreux déjà sont les consultants, parmi lesquels les étudiants appartenant à l’enseignement de M. le professeur Rosier. Il ne paraît donc pas douteux que lorsque le public sera avisé des ressources que cette collection met à sa disposition, savants, étudiants, commerçants, industriels, etc., ne l’utilisent bientôt journellement comme cela a lieu à Paris, à Zurich, etc. Le conservateur de cette collection n’a pu, depuis deux ans qu’il s’en occupe, s’y consacrer tout entier, comme cela serait nécessaire. Toutefois ce qui a été fait dans ce sens a eu des résultats assez appréciables : depuis 1902 la collection s’est augmentée de 967 cartes, 17 atlas, 12 cartes murales, 32 fascicules, 47 reliefs, 11 grands cartons et 2 meubles. L’appel fait au public de Genève (par M. le conseiller Piguet-Fages) en faveur de l’institution a reçu, comme on voit, le meilleur accueil. Mais Genève possède d’autres richesses cartographiques plus ou moins complètement ignorées et inutilisées et qu’il importerait de faire connaître, sous réserve, bien entendu, du consentement de leurs possesseurs. Ces documents demeurant dans leurs locaux respectifs pourraient être catalogués par ordre des matières et les fiches jointes à celles de la collection Reclus. On obtiendrait ainsi l’inventaire de la généralité des cartes existant à Genève, ce qui permettrait, sans longues et pénibles recherches, d’être immédiatement renseigné sur la possibilité de trouver tel document et de le consulter. La valeur de nos ressources cartographiques serait de ce fait au moins doublée, semble- t-il, et il serait à souhaiter que le conservateur de notre collection cartographique fût autorisé à faire les démarches et le travail nécessaires à la réalisation de ce résultat. M. Perron pensait se vouer à d’autres travaux ; il espérait que son relief serait acheté par la Confédération et qu’il en aurait des reproductions à faire, il n’en a pas été ainsi. Le conservateur de cette collection désirerait se consacrer un peu plus à cette collection. Pour être utile, elle devrait être ouverte au public toutes les après-midi si possible. Je vous propose de porter cette rubrique n à 1200 fr. dont 600 seront pris sur

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 315

les intérêts du fonds Galland pour les collections et 300 de plus pris sur le budget ordinaire […] Document 2 Sentence du Conseil fédéral suisse dans la question des frontières de la Guyane française et du Brésil : du 1er décembre 1900, Berne, Impr. Staempfli, 1900. [pp. 462-463] C. EXPOSÉ GÉOGRAPHIQUE I. Introduction Les deux parties ayant, dans les mémoires transmis à l’arbitre, procédé à un examen détaillé des matériaux cartographiques relatifs à la Guyane et des indications fournies sur les conditions géographiques de cette contrée par les relations de voyages ou autres documents, pour en tirer des conclusions probantes touchant la situation du Japoc ou Vincent Pinçon du traité d’Utrecht, l’arbitre se trouve également conduit à étudier en détail ce côté de la question. Cette recherche forme le complément nécessaire de l’exposé historique. Il y a lieu tout d’abord de fixer quelques points de vue généraux qui domineront l’examen des questions spéciales. De plus, il sera indispensable de procéder à une étude détaillée des cartes principales. Le but de la discussion des questions d’ordre général est de montrer de quels principes l’arbitre est parti pour établir les faits d’ordre géographique et pourquoi, selon lui, ces principes doivent servir de règle. En ce qui concerne l’examen détaillé des cartes principales, l’arbitre sait avec quelle prudence il faut faire usage des vieilles cartes comme moyen de preuve. Il y a soixante- dix ans environ, Alexandre de Humboldt9 appréciait justement le caractère général des anciennes cartes de la manière suivante : « Les cartes géographiques expriment les opinions et les connaissances, plus ou moins limitées, de celui qui les a construites ; mais elles ne retracent pas l’état des découvertes. Ce que l’on trouve figuré sur les cartes (et c’est surtout le cas de celles des XIVe, XVe et XVIe siècles), est un mélange de faits avérés et de conjectures présentées comme des faits. Ce serait sans doute méconnaître les progrès de la géographie et les causes qui les ont hâtés, que de jeter de la défaveur sur les procédés ingénieux de l’art qui combine; les résultats de ces procédés ne sont à craindre que là où, dans le tracé des cartes, on n’offre pas les moyens de reconnaître ce qui a été vu et ce que l’on a simplement supposé pouvoir exister ». Dans son étude sur le développement de la cartographie de l’Amérique jusqu’en 1570, le Dr. Sophus Ruge10 attire également l’attention sur les imperfections que présentent les anciennes cartes des Espagnols et des Portugais. Cela dit, il faut ajouter que, néanmoins, un examen de toutes les anciennes cartes du territoire contesté est indispensable à l’intelligence de la question litigieuse. C’est ainsi seulement qu’on reconnaîtra l’origine des divergences d’opinion constatées plus tard parmi les géographes et l’importance qu’il convient de leur attribuer. L’histoire de la cartographie est un complément nécessaire de l’histoire du pays et, d’une manière générale, de celle du litige. [pp. 709-711]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 316

Le Cap de nord, l’île de Maraca, le bras septentrional de l’Araguary et les conditions hydrographiques du contesté Pour apporter toute la clarté nécessaire dans les questions discutées au chapitre précèdent sur la base des cartes, il est indispensable de soumettre à un examen attentif les conditions hydrographiques du Contesté. Une carte représentant le territoire dont il s’agit, a été dressée en vue de donner un aperçu de ces conditions. La carte n. 3 de RF lui a servi de base ; les cartes marines françaises et anglaises de la même région et notamment la carte spéciale du littoral guyanais d’Azevedo ont été également utilisées pour l’établir. Cependant ce travail présente les mêmes lacunes que toutes les cartes actuelles de ce territoire […] a) Le territoire du Cap de Nord n’a pas encore fait de nos jours l’objet d’une exploration détaillée. H. Coudreau11 remarque à cet égard: « La région qui va de Tartarugal à l’Amazone a été quelque peu étudiée par les Brésiliens ; il n’en a pas été de même des lacs côtiers ou lacs du Cap Nord, dont je n’ai pu visiter qu’un seul, un des plus vastes, paraît-il, le Lago-Novo, découpé de baies nombreuses, libre, profond et plein d’îlots. Il suffit de consulter les documents géographiques antérieurs à mon voyage pour s’apercevoir que si les cartes brésiliennes donnaient au sujet de cette région de Mapa- Araguary quelques renseignements, exacts d’ailleurs, mais fort incomplets, les cartes françaises n’en donnaient à peu près aucun qui ne fût de pure fantaisie. » Les conditions hydrographiques du territoire contesté ont déjà été examinées plus haut, pages 27 et suivantes ; toutefois, il est nécessaire de compléter cette étude. Elle a, on s’en souvient, mis en évidence le fait que la côte, dans la région du Cap de Nord, ne s’est pas formée durant l’époque historique. Les îles Marajo, Caviana, Mexiana, Marica sont les restes d’une côte préhistorique plus étendue, détruite depuis par suite d’affaissements et par l’action des vagues12. Ce littoral se trouve encore en état de transformation constante. Il ressort des notices du P. Pfeil que des modifications de cette nature ont été aussi observées dans les temps antérieurs. [pp. 717-720] Le baron Waelkener, Conservateur des Cartes à la Bibliothèque royale à Paris, décrit en 1837 le Fl. Carapaporis « ou rivière de Vincent Pinçon » comme « un cours d’eau intérieur, sans issue dans la mer ; l’embouchure a été obstruée par des sables qui s’élèvent au-dessus des grandes marées et qui ne permettent plus d’y pénétrer. C’est ce qui arrive souvent dans ce pays, où les eaux sont constamment en mouvement et les courants d’une effrayante rapidité ». Le capitaine Peyron, chargé en 1857 d’explorer le Carapaporis-Vincent-Pinçon, rapporte à ce sujet : «Il n’y a plus actuellement de communication possible avec la branche Sud, et si elle a existé autrefois ce ne peut être que dans un temps très éloigné. » D’après E. Reclus, 1. c., page 87, le Canal de Carapaporis serait « le bassin profond ... qui s’ouvre à l’est de l’île Maraca et qui fut probablement à une époque peu éloignée la bouche de l’Araguary ». La question du Canal de Carapaporis et la cause pour laquelle il est resté ouvert ont été traitées plus haut. Or, il n’est pas non plus nécessaire, pour expliquer l’origine de ce canal, de supposer l’existence antérieure d’un bras nord de l’Araguary, origine qu’on peut attribuer avec beaucoup plus de raison au courant de marée. Il est extrêmement invraisemblable que l’origine du canal doive être rapportée à l’Araguary ; en effet, la force vive de ce fleuve, par suite de sa chute était dans tous les

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 317

cas très restreinte, et elle eût été beaucoup plus faible qu’à l’embouchure actuelle, puisque son cours inférieur se serait trouvé notablement plus long. La profondeur que la carte marine anglaise n. 1803, Small corrections XII 98, accuse pour l’Araguary en amont de Nova da Bocca est de 4.6 m. Dans l’estuaire proprement dit, elle diminue jusqu’à n’être plus que de 2.7 m, 1.8 m et même 0.9 m. Ce n’est qu’au-delà de l’embouchure, sur la ligne du courant de l’Amazone, qu’elle redevient plus grande et atteint 3.6 m, 6 m, puis 10-12 m. Le peu de profondeur de l’embouchure (actuelle) de l’Araguary — où les courants de marée sont cependant très violents et où le fond n’est pas consistant, mais se compose de sable et de limon, ne laisse guère de crédit à l’opinion suivant laquelle le même fleuve aurait pu, au point extrême d’un cours plus allongé, c’est-à-dire avec une force de propulsion moindre, produire à sa soi-disant ancienne embouchure (C. Carapaporis) des affouillements de 20 à 22 m de profondeur. C’est peut-être la carte marine anglaise déjà citée qui, avec les nombreuses côtes de profondeur qu’elle porte dans ces parages, peut le mieux donner quelque éclaircissement au sujet de l’ancienne embouchure de l’Araguary. Le dessin de la ligne de cinq brasses est de nature à fournir une indication, aussi bien sur la bouche de l’Araguary que sur la direction du courant de l’Amazone. En dehors de la ligne de cinq brasses, on pourrait obtenir d’autres isobathes d’un tracé analogue. Quant à l’opinion tendant à faire de la rivière Carapaporis le Vincent Pinçon et en même temps un bras nord de l’Araguary, il importe de remarquer encore: il y a eu certainement par l’intérieur des terres des communications de l’Araguary vers le nord. Mais ce n’est que pendant l’époque des pluies et toujours avec de grandes difficultés qu’on pouvait trouver une voie accessible aux petits canots. Il est difficile d’admettre qu’il n’existait qu’un passage déterminé, ouvert quelque part dans la direction du Carapaporis actuel ; il y avait sans doute aussi une voie dans la direction du Mayacaré, d’où de Ferrolles partit un 1688. Mais ces voies de communication n’étaient pas des rivières capables de creuser un ravin sous-marin tel que celui du Canal de Carapaporis. Ce n’étaient pas non plus des branches fluviales comparables à celles du delta d’un grand fleuve. Les voies d’eau de la basse Guyane, à l’ouest du Cap de Nord, doivent être assimilées à ces communications fluviales si caractéristiques pour les affluents de l’Amazone. Il faut tenir tout particulièrement compte du fait qu’à l’époque des pluies l’Amazone apporte aussi des hautes eaux, produisant un remous dans 1’Araguary, qui monte encore davantage et déborde. Comme la région qui s’étend au nord de ce fleuve est très basse et, par sa configuration, couverte d’amas d’eau, il pouvait facilement s’y former un chenal d’écoulement pour les flots de crue ; mais ce chenal n’était pas une branche fluviale proprement dite, et une fois les hautes eaux retirées, il se transformait en une suite de nappes stagnantes. L’importance de l’Araguarav a été signalée plus haut. Si un bras nord de ce fleuve avait existé, ç’eût été, en tout cas, un cours d’eau important, et l’on ne saurait concevoir dès lors que cette branche septentrionale ait pu disparaître sans laisser de trace visible de nos jours. Or, on n’a découvert jusqu’à présent aucun vestige d’un ancien cours nettement reconnaissable pouvant être regardé comme bras nord de l’Araguary. E. Reclus, 1. c., page 28, dit : « Les pointes d’alluvion, à l’Approuague, à l’Oyapok, au Cachipour, s’allongent dans la direction du nord et, dans leur cours inférieur, ces rivières suivent toutes la même inflexion, évidemment sous l’influence du courant côtier qui projette latéralement ses dépôts vaseux. N’est-il pas à supposer que, soumis au contact de ce courant, l’Araguary se recourba également vers le nord et que les lacs;

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 318

alignés qui se succèdent dans ce sens sont les restes de l’ancien cours fluvial ? Le détroit de Maraca ou l’estuaire de Carapaporis, ce bras de mer projeté entre l’île de Maraca et le continent et qui se distingue si nettement par sa profondeur de toutes les basses eaux environnantes, serait l’ancienne bouche de l’Araguari, à peine déformée depuis le temps où le fleuve se rejeta vers l’Est ». Ainsi qu’il a été dit antérieurement, l’Araguary, à l’encontre de la citation qui précède, doit à sa puissance d’être rangé parmi les fleuves de la Guyane qui n’ont pas subi l’inflexion parallèle à la côte et les preuves établissant qu’il ait jamais pris la direction supposée par Reclus font défaut. Bien plus, la formation de la vallée de l’Araguary rend cette hypothèse des plus invraisemblables. La conclusion de cette étude peut se formuler ainsi : Il n’existe pas et il n’a jamais existé de bras nord de l’Araguary, dans le sens des mémoires français. Les canaux qui établissaient par l’intérieur des terres, la jonction entre l’Araguary et la côte septentrionale, étaient formés par des communications fluviales et lacustres continues, mais changeantes, qui constituent un système hydrographique particulier et ne peuvent, en aucune manière, être considérées comme un bras du cours terminal de l’Araguary. [p. 818-820] Il serait d’un intérêt général de fixer la délimitation à une frontière naturelle, si cela était possible. Le Brésil ne fournissant aucun titre en faveur de sa prétention à la limite par le parallèle de 2° 24’ N, il n’existe pas de motif pouvant engager l’arbitre à adopter cette frontière. De nombreuses considérations parlent en faveur du choix de la solution intermédiaire prévue par les parties. Les négociations d’Utrecht témoignent déjà que, par les deux bords de l’Amazone attribués au Portugal, on n’entendait pas seulement une étroite bande de terre. Le but de l’article 10 du traité était d’éloigner les Français de l’Amazone. La dépêche du ministre anglais Bolingbroke à l’ambassadeur d’Angleterre à Paris, du 17 février 1713, le déclare explicitement: « Bref, il faut que la source de la rivière (des Amazones) appartienne aux Espagnols et son embouchure aux Portugais ; et ni les Français, ni les Anglais, ni aucune autre nation ne doivent avoir une avenue ouverte sur ce pays. » La suite des négociations et leur résultat final prouvent que c’était là une résolution bien arrêtée et que l’Angleterre maintint son point de vue. À cette époque, la tendance était aux frontières naturelles : chaînes de montagnes, lignes de partage des eaux et cours d’eau. On a vu plus haut qu’en 1750 ce principe fut adopté pour la délimitation des territoires de La Plata. L’Espagne et le Portugal notamment connaissaient par expérience les défauts inhérents à la Ligne de démarcation. La fixation, telle que la France la réclame, d’une limite courant parallèlement à l’Amazone et, par conséquent, la création d’une zone riveraine le long de ce fleuve entraîneraient les mêmes inconvénients et les mêmes difficultés. Mais si l’on admet qu’aucune décision n’ait été prise à Utrecht au sujet des vastes territoires inconnus de l’intérieur, il s’ensuit simplement que cette région ne fut attribuée à aucun des deux États. Il y a donc lieu d’examiner si l’une des parties adverses et laquelle des deux a acquis depuis des droits sur ces territoires, ainsi que, cas échéant, la nature et la portée de ces droits.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 319

La réplique française de 1699 s’exprimait ainsi : «Suivant l’usage de toutes les nations de l’Europe, la donation qui n’est pas suivie de la possession actuelle, et non interrompue, si ce n’est pour fort peu de temps, ne donne aucun droit. Ces pays esloignez sont estimez abandonez, et ils appartiennent au premier qui les occupe, autrement il s’en suivrait qu’un prince auroit droit sur tous les pays dont il auroit accordé la concession et où il auroit envoité faire descente et planter ses armes, sans se mettre en peine de les faire habiter; ce qui seroit assurément injuste et contre la pratique de tous les peuples. » Ce principe fait encore règle aujourd’hui et il a été formellement sanctionné en 1885, pour les côtes d’Afrique, par la Conférence de Berlin. Or, si les voyageurs français Crevaux, Coudreau et d’autres ont exploré certaines parties de la région située au sud de la ligne de faîte des monts Tumuc-Humac, la France comme état, n’a accompli dans ces territoires situés en dehors de la région maritime, ni avant, ni après le traité d’Utrecht, aucun acte de prise de possession ou de protectorat, et fait aucune tentative de colonisation. Aucune partie de ces régions ne lui a appartenu d’une façon permanente. Les traités de Paris, du 10 août 1797, de Badajoz, du juin 1801, de Madrid, du 29 septembre 1801, et d’Amiens, du 27 mars 1802, qui prolongent la limite intérieure jusqu’au Rio Branco, n’ont, en fait, jamais été mis à exécution. En revanche, la souveraineté du Brésil, notamment dans la vallée du Rio Branco, est reconnue par la population. Dans son ouvrage La France équinoxiale, Coudreau dit à ce sujet: « Nous ne pouvons plus aujourd’hui faire valoir nos prétentions jusqu’au rio Branco ; le rio Branco ne saurait être contesté, car les Brésiliens l’exploitent et le peuplent» (tome I, page 248). Élisée Reclus confirme cette déclaration dans le passage suivant : « Toutefois le débat n’a d’importance réelle que pour le contesté de la côte, entre l’Oyapock et l’Araguary. À l’ouest, toute la vallée du rio Branco est devenue incontestablement brésilienne par la langue, les mœurs, les relations politiques et commerciales »13. Le territoire compris entre la vallée du Rio Branco et le « Contesté maritime » est très peu connu et les quelques milliers d’indigènes qui l’habitent sont indépendants. Mais le Brésil possède le cours inférieur de toutes les rivières qui en descendent et tous les points par lesquels on peut y accéder de l’Amazone. Conformément au principe adopté par les puissances pour l’Afrique, il fait partie du hinterland brésilien. Document 3 SENTENCE Vu les faits et les motifs ci-dessus, Le Conseil fédéral suisse, en sa qualité d’arbitre appelé par le Gouvernement de la République française et par le Gouvernement des États-Unis du Brésil, selon le traité d’arbitrage du 10 avril 1897, à fixer la frontière de la Guyane française et du Brésil, constate, décide et prononce : I. Conformément au sens précis de l’article 8 du traité d’Utrecht, la rivière Japoc ou Vincent Pinçon est l’Oyapoc qui se jette dans l’Océan immédiatement à l’ouest du Cap d’Orange et qui par son thalweg forme la ligne frontière. II

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 320

À partir de la source principale de cette rivière Oyapoc jusqu’à la frontière hollandaise, la ligne de partage des eaux du bassin des Amazones qui, dans cette région, est constituée dans sa presque totalité par la ligne de faite des monts Tumuc-Humac, forme la limite intérieure. Ainsi arrêté à Berne dans notre séance du 1 décembre 1900. La présente sentence, revêtue du sceau de la Confédération suisse, sera expédiée en trois exemplaires français et trois exemplaires allemands. Un exemplaire français et un exemplaire allemand seront communiques à chacune des deux parties par les soins de notre Département politique; le troisième exemplaire français et le troisième exemplaire allemand seront déposés aux Archives de la Confédération suisse. Au nom du Conseil fédéral suisse Le Président de la Confédération, Hauser Le Chancelier de la Confédération, Ringier

NOTES

1. Archives de la ville de Genève, Mémorial des séances du Conseil Municipal de la Ville De Genève, Séance du 8 janvier 1904, pp. 622-623. 2. Le contesté franco-brésilien, Gazette de Lausanne, 4 décembre 1900, p. 2. 3. Frontières entre le Brésil et la Guyane française. Second mémoire présenté par les États unis du Brésil au gouvernement de la Confédération suisse, arbitre choisi selon les stipulations du traité conclu à Rio-de- Janeiro, le 10 avril 1897 entre le Brésil et la France. Tome VI, Atlas. Paris: Lahure, 1899. 4. Bibliothèque de Genève, Département des Cartes et Plans, Catalogue, Atlas ; Catalogue du Musée Cartographique. 5. Bibliothèque de Genève, Département des Manuscrits, Biographies genevoises, ad nomen. 6. Berne, Archives Fédérales, Séances du Conseil Fédéral, Département de l’Intérieur, 1899. 7. Archives Diplomatiques de Nantes, Archives des Postes, Rio de Janeiro, Dossier 105, Contesté Franco-Brésilien, Correspondance de M. Pichon, Ministre, f. 26, 23 août 1896. 8. Arbitrage Franco-brésilien, Journal de Genève, 7 décembre 1900, p. 1. 9. A. de Humboldt, Examen critique de l’histoire de la géographie du Nouveau Continent, 1831, I, pp. 326 et 327. 10. Petermanns Mitteilungen, Ergänzungsband XXIII, 1893. 11. H. Coudreau, Dix ans de Guyane, I, c., page 453. 12. E. Reclus, Géographie universelle, XIX, page 29 ; Berghaus, Physikalischer Atlas, l892, n° 3. 13. Reclus, 1. c., t. XIX, 1894, page 84.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 321

RÉSUMÉS

Une carte manuscrite récemment découverte dans le fonds cartographique Reclus-Perron de la Bibliothèque de Genève se révèle avoir été fondamentale pour la solution de la controverse entre France et Brésil sur les frontières de la Guyane, arrêtées définitivement par l’arbitrage rendu en 1900 par la Confédération Helvétique. Nous commentons ce document, en le contextualisant dans cette controverse, pour comprendre pourquoi et comment l’œuvre des géographes anarchistes est arrivée à conditionner indirectement des affaires diplomatiques de portée planétaire.

Um mapa manuscrito recentemente descoberto no fundo cartográfico Reclus-Perron da Biblioteca de Genebra revela-se ter sido fundamental para a solução da controvérsia entre a França e o Brasil sobre as fronteiras da Guiana, resolvida definitivamente pela arbitragem feita pela Confederação Helvética em 1900. Comentamos este documento no contexto histórico desta controvérsia, para compreender como e por que a obra dos geógrafos anarquistas chegou a condicionar indiretamente negócios diplomáticos de capa planetária.

Un mapa manuscrito recientemente descubierto en el fondo cartográfico Reclus-Perron de la Biblioteca de Ginebra revelase como fundamental para la solución de la controversia entre Francia y Brasil sobre las fronteras de la Guyana, resuelta definitivamente por el arbitraje efectuado por la Confederación Helvética en 1900. Comentamos este documento en el contexto histórico de esta controversia, para comprender como y por qué la obra de los geógrafos anarquistas llegó a condicionar indirectamente asuntos diplomáticos de portada planetaria.

A handwritten map, recently-discovered in the Reclus and Perron’s cartographic archive in the Library of Geneva, was fundamental for the solution of the dispute between Brazil and France on the Guyana’s borders, definitively resolved by the Helvetic Confederation’s arbitrate, made in 1900. We analyze this document in the context of this dispute, to understand how, and why, the work of the Anarchist Geographers succeeded to influence indirectly diplomatic affairs of planetary dimension.

INDEX

Mots-clés : Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartographie, Contesté Franco- Brésilien, Colonialisme Palabras claves : Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartografía, Controversia franco-brasileña Index géographique : Suíça, França, Brasil, Guiana Palavras-chave : Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartografia, Controvérsia Franco-Brasileira, Colonialismo Keywords : Élisée Reclus, William Rosier, Henri Coudreau, Cartography, French-Brazilian Dispute, Colonialism Index chronologique : 1900

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 322

AUTEUR

FEDERICO FERRETTI

Docteur en Géographie, Chercheur au Département de Géographie et Environnement de l’Université de Genève, membre de l’UMR Géographie-cités, équipe EHGO [email protected]

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 323

Notícias

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 324

Miraflores Notícia do VI Colóquio de História do Pensamento Geográfico (Miraflores de la Sierra, Madri, 15 a 18 de novembro de 2012)

Manoel Fernandes de Sousa Neto

1 Há folhas de todas as cores para onde os olhos miram, desde a copa das árvores ao chão onde pisam os pés de cerca de duas dezenas de geógrafos, que trilham entre paisagens, os caminhos da história do pensamento geográfico em Espanha.

2 O lugar é um prédio que tendo sido construído para albergar uma fábrica de cristais é agora, no município de Miraflores de la Sierra (Madri), uma espécie de pequena pousada que serve para as muitas atividades realizadas pela Universidade Autônoma de Madri (UAM) e foi nomeada de Residencia La Cristallera, fazendo jus aquele ar poético em que se unem os sentidos do corpo às múltiplas paisagens que se metamorfoseiam embaladas pelo som das águas cristalinas que descem as altitudes diversas da Serra de Guadarrama.

3 O VI Colóquio de História do Pensamento Geográfico, que teve como tema Imágenes iconográficas y literarias del paisaje não podia encontrar melhor sítio para realizar entre os dias 15 e 18 de novembro de 2012, em torno de uma série de investigações que vinculavam as diversas abordagens possíveis para um diálogo da geografia com a literatura, a iconografia, a filosofia, o cinema e a estética a partir da categoria paisagem.

4 O evento organizado pelo Grupo de Trabalho em História do Pensamento Geográfico que está vinculado à Associação de Geógrafos Espanhóis, teve como conferência inaugural Imágenes Pictóricas del Guadarrama e foi proferida pela Professora de História da Arte da UAM, Pilar de Miguel Egea que entre os caminhos vários sobre a pintura da paisagem e em particular da Sierra de Guadarrama, brindou os presentes com uma série de imagens que foram tecidas por pintores da estatura de Velásquez e discorreu sobre o significado de pintar as paisagens não mais a partir do cerro dos estúdios, mas a partir do campo aberto e em plena nevasca, por vezes, para retratar enfim os modos como ao cambiarem os olhares diante do sentido estético da paisagem se modificaram os próprios métodos de realizar a arte de representar.

5 Anunciadas as muitas representações reais ou fictícias da Serra de Guadarrama, esta linha de montanhas que é parte da cordilheira central da Península Ibérica, passearam

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 325

os ouvintes por entre outras vinte comunicações que se estenderam desde as paisagens das fronteiras entre países como Portugal e Espanha, até os picos mais altos como Peñalara, para encontrar questões de gênero nas representações paisagísticas das desoladas planuras do western hollywoodiano e discorrer sobre o papel do distanciamento tomado por Heidegger nas montanhas para elaborar parte das suas reflexões filosóficas.

6 O debate que foi sempre respeitoso e cordial, não foi menos intenso e mesmo polêmico em muitos momentos, quando se tocou em questões que moviam para dentro da Geografia o trato com as fontes iconográficas e literárias, os difíceis elementos da epistemologia filosófica ou o trato com questões de gênero.

7 Desde as fronteiras entre países, fontes, linguagens e culturas, se revelou na unidade do evento a diversidade dos lugares de que se fala em Espanha, para que se possa dizer metaforicamente que, embora não tão elevadas em altimetria há outros picos de montanha tão importantes como Peñalara.

8 As questões fulcrais que mobilizaram nossa atenção, no entanto se devem, em primeiro lugar, a permanência da categoria paisagem como fio condutor não apenas dos últimos, do próximo colóquio que ocorrerá em Granada em 2014 e daquele que tivemos a felicidade de assistir em Miraflores, mas do conjunto da obra do pensamento geográfico em Espanha que vai desde os programas de investigação, à formação de novos pesquisadores, às traduções de obras seminais escritas em outras línguas para versões em língua castelhana.

9 Um exemplo claro disso está impresso, literalmente impresso, no folder que circulou entre os participantes e anuncia o desiderato da Colección Paisaje y Teoría, da Editora Biblioteca Nueva, onde se lê (tradução nossa): “Ainda sendo um campo de estudos recente, a investigação sobre a paisagem goza de um prestígio cada vez maior. A gestão e a intervenção na paisagem, tal e como se leva a cabo entre engenheiros, agrônomos, geógrafos, arquitetos e urbanistas, é motivo suficientemente importante para que alguns editores tenham se encarregado de publicar textos que introduzem aos especialistas em sua prática. Entretanto, a teoria e a história da paisagem careceu, em nosso país, do reconhecimento que merecem. A situação se revela paradoxal: se está ensinando a intervir e se está intervindo diariamente na paisagem sem discutir previamente sua natureza ou os alicerces teóricos e históricos sobre os quais os criadores trazem à baila suas obras, ainda que os resultados afetem a nós todos, nada parece importar. Para que a Espanha chegue à maturidade, naquilo à que a paisagem se refere, e se abra ao necessário debate internacional sobre um de seus principais ativos, Editorial Biblioteca Nueva traduz e publica agora alguns dos mais importantes trabalhos de teoria e história da paisagem produzidos nos últimos anos.”

10 E que não se duvide, o esforço anunciado pelos organizadores da coleção: Federico López Silvestre, Javier Maderuelo e Joan Nogué, se revela nos nove títulos já publicados e nos outros dois que foram à prensa. Na ordem o rol de livros que vemos no folder, são: 1) La Contrucción Social del Paisaje, Joan Nogué (Ed.); 2) El Paisaje em la Cultura Contemporánea, Joan Nogué (Ed.); 3) Breve Tratado de Paisaje, Alain Roger; 4) Miradas Sobre el Paisaje, Eduardo Martínez de Pisón; 5) El Arte del Paisaje, Raffaele Milani; 6) El Pensamiento Paisajero, Augustin Berque; 7) La Sombra de las Cosas: sobre paisaje y geografia, Jean-Marc Besse; 8) Descobriendo el Paisaje Autóctono, John Brinckerhof e 9) La Percepción del Paisaje Urbano, Ana Maria Moya Pelittero. E, por vir, estão em marcha, 1) El Hombre y la Tierra. Naturaleza de la realidade geografica, de Eric Dardel e 2) El Pintoresco. Estudio de un punto de vista, de Christopher Hussey.

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013 326

11 As intenções anunciadas na coleção, os títulos publicados e a publicar, a centralidade da categoria paisagem de modo repetido colóquio após colóquio, revelam os rumos teóricos que tem tomado o pensamento geográfico e parte da atividade geográfica profissional em Espanha em seu duplo matiz: fenomenológico na reflexão teórica; pragmático e instrumental na gestão dos negócios em Espanha e na Europa.

12 A disrupção, exposta de maneira meridianamente clara na última sessão de comunicações do Colóquio de Miraflores, trouxe à tona as fraturas do movediço terreno teórico-prático sobre o qual se erguem as elevadas altitudes da categoria paisagem e as falhas que fazem estremecer a solidez das cordilheiras que unem e separam os geógrafos da história do pensamento geográfico em Espanha que ali estavam. E, elas, as fraturas, aparentemente, se apresentam sob cores nacionais, geracionais, institucionais, linguísticas e de gênero. É claro, a terra, em se tratando do trabalho teórico e intelectual, só é boa quando treme.

13 Quiçá, por isso, a excursão realizada à Pedriza de Manzanares, como atividade de encerramento dos trabalhos do Colóquio de Miraflores e de onde se deveriam poder observar muitas das paisagens de Guadarrama, tenha sido em dia de chuva e neblina, um final pouco justo. Envolto em nuvens quase nunca é possível vislumbrar o campo aberto e todas as cores teóricas que há para a categoria paisagem, mesmo no campo das apropriações fenomenológicas que privilegiam os indivíduos e o imediato mundo sensível.

14 Os esforços do Grupo de História do Pensamento Geográfico da Associação dos Geógrafos Espanhóis, revelados no colóquio da Residencia La Cristalera, em Miraflores de la Sierra, tem, decerto e sem sombra de dúvidas, uma perspectiva solar, mesmo quando as paisagens teóricas apontam um outro caminho em se tratando de história da geografia.

AUTOR

MANOEL FERNANDES DE SOUSA NETO

Professor da Universidade de São Paulo — Bolsista De Pós-Doutorado CAPES

Terra Brasilis (Nova Série), 2 | 2013