As Migrações Humanas E Animais E a Introdução De Parasitas Exóticos Invasores Que Afetam a Saúde Humana No Brasil
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As Migrações Humanas e Animais e a Introdução de Parasitas Exóticos Invasores que Afetam a Saúde Humana no Brasil Marcia Chame1, André Luiz Batouli-Santos2, Martha Lima Brandão3 FUMDHAMentos VII - Márcia Chame et alii 47 Resumo Parte da história das espécies que afetam a saúde humana está amarrada à evolução cultural do homem e suas migrações, principalmente nos últimos 10.000 anos, desde que a agricultura emergiu e a domesticação de animais se consolidou. Esses dois fatores proporcionaram mudanças na dieta humana, nos padrões de transmissão e contágio de patógenos, na conquista e uso de novas terras, no estabelecimento das primeiras cidades e da vida urbana. As espécies exóticas invasoras são espécies que se encontram fora de sua área de distribuição natural. No caso de introdução de novos patógenos em ambientes nos quais não eram encontrados, podem ocorrer alterações na relação parasita-hospedeiro estabelecida há milhares de anos e o desencadeamento de novas doenças, que eram inexistentes ou estavam restritas a ciclos silvestres. Acompanhando as migrações humanas e animais para as Américas, encontramos diversas espécies de parasitas, introduzidos acidentalmente por estarem associadas ao homem e a diversas espécies animais. No Brasil, 43 espécies de parasitas foram introduzidos em associação com as migrações humanas e animais desde a pré-história, e com a introdução e o comércio de animais pelo homem. Abstract Part of the history of different species that affect human health, is linked closely to the cultural evolution of man and their migrations. Mainly in the last 10,000 years, since the emergence of agriculture and the practice of animals’ domestication was consolidated. These two factors have provided changes in human diet, in the patterns of transmission and pathogen infections, in the conquest and use of new lands, and in the establishment of the first cities and urban life. Alien species are the ones that are found outside of its natural distribution area. With the introduction of new pathogens in environments never inhabited before, alterations in the established relationship can occur. Parasite-hosts have been around for thousands of years and the descendants of new illnesses, which were inexistent or were restricted to wild cycles. With the migrations of human beings and domestic animals to America, was accidentalliy introduce a broad diversity of parasites species, for being associated to man and other animal species In Brazil, 43 species of parasites had been introduced in association with the migrations of human beings and animals since daily pay-history and with the introduction and the commerce of animals for man. FUMDHAMentos VII - Márcia Chame et alii 48 Introdução Recentemente foi elaborado e revisto um levantamento das espécies de patógenos que afetam e se originam de humanos e mamíferos domésticos (Cleaveland et. 2001; Woolhouse & Gowtage-Sequeria, 2005). Neste banco de dados (www.cdc.gov/ncidod/EID/vol11no.12/05-0997_appm.htm), 1407 espécies de patógenos são responsáveis por doenças em seres humanos que podem ser específicas da espécie humana, oriundas de outros mamíferos ou ainda, oriunda da espécie humana e que acomete outros animais. Destas espécies 208 são vírus, 538 são bactérias, 317 são fungos, 57 são espécies de protozoários e 287 são helmintos. Dentre essas, 816 (58%) espécies são consideradas zoonoses (doenças ou infecções que são naturalmente transmitidas entre animais vertebrados e humanos – World Health Organization)(Cleaveland et. 2001; Woolhouse & Gowtage-Sequeria, 2005). Embora o número apresentado pelos estudos acima seja importante, raramente os patógenos causam extinções nas espécies de seus hospedeiros e há poucos exemplos de patógenos alterando a riqueza de espécies e a diversidade de uma ampla comunidade biológica (Lips et al., 2006). Os parasitas podem ser adquiridos pelos seus hospedeiros, inclusive o hospedeiro humano, por meio de duas vias: a filogenética, na qual os parasitas são herdados de espécies ou grupo de espécies ancestrais, e a via ecológica, na qual os parasitas são adquiridos do ambiente ou de outras espécies hospedeiras. A via filogenética, remonta à própria evolução biológica das espécies, como no caso do Homo sapiens sapiens que herdou alguns parasitas de nossos ancestrais pré-hominídeos (Gonçalves, 2002). A via ecológica relaciona-se diretamente aos movimentos migratórios, a conquista de novos territórios, a mudanças de hábitos, a processos culturais e ao contato com novas espécies de hospedeiros e seus patógenos. Nesta dinâmica, fatores climáticos podem determinar a extinção de algumas espécies de patógenos e proporcionar a dispersão de outros (Araújo et al., 1988). Mudanças de hábitos alimentares e a relação de aproximação com outras espécies, como o processo de domesticação, criam condições para o estabelecimento de novas parasitoses e parece explicar a importância dos ungulados na veiculação de espécies de patógenos para os humanos. Dentre as 1.407 espécies de nossos patógenos, 250 espécies, considerando vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos, originam-se de ungulados (Woolhouse & Gowtage-Sequeria, 2005). Assim, parasitas adquiridos por hospedeiros animais e humanos, seja pela via filogenética ou pela via ecológica, foram disseminados acidentalmente por regiões que antes não eram encontrados, em virtude das migrações humanas e animais. Associados aos primeiros hominídeos e acompanhando suas migrações desde a pré-história, estão diversas espécies de parasitas. A discussão da distribuição dos patógenos humanos na América do Sul tem características peculiares uma vez que diversos processos migratórios e de diversas origens ocorreram em tempos distintos (McNeely, 2005, Dixon, 2006, Guidon et al. 2006). Entretanto, qualquer que tenham sido as maneiras pelas quais o povoamento das Américas ocorreu, é fato que isto aconteceu também para outros hospedeiros e parasitas e o estudo das relações parasito-hospedeiro e a dispersão de parasitas no tempo e no espaço, podem ser usadas para reconstruir as migrações dos seus hospedeiros (Manter, 1997; Araújo et al., 1988; Araújo & Ferreira, 1987; Gonçalves, 2002). FUMDHAMentos VII - Márcia Chame et alii 49 Nesse aspecto as pesquisas em paleoparasitologia, ramo da paleopatologia que estuda os parasitas em material arqueológico ou paleontológico (Gonçalves et al., 2002), vem discutindo o povoamento das Américas a partir dos achados parasitológicos em coprólitos (fezes mumificadas) e em corpos mumificados (Ferreira et al., 1980; Araújo et al., 1988; Gonçalves et al., 2002). Achados de Araújo et al. (1988) apontam a presença de ovos de ancilostomídeos (Nematoda) em coprólitos humanos datados de 7.230 ± 80 anos atrás, encontrados no Sítio Arqueológico do Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí, apoiando a teoria de migrações marítimas humanas, oriundas da Oceania para a América do Sul em períodos pré-colombianos. Outros helmintos parasitos do homem e de primatas antropóides (filogenéticos), como Trichuris trichiura, também foram encontrados em material arqueológico em Minas Gerais, Brasil, com datação de 3.610 anos atrás (Ferreira et al. ,1979; Confalonieri, 1988). Desta forma parte da história dos parasitas que afetam a saúde humana está amarrada à evolução biológica e cultural do homem, principalmente nos últimos 10.000 anos, quando a agricultura emergiu e a domesticação de animais se consolidou (Renfrew & Bahn,1996; Gonçalves et al., 2002). Em tempos mais recentes, as migrações humanas em virtude das grandes navegações, de processos colonizadores e do estabelecimento de novas rotas de comércio contribuíram decisivamente para a dispersão de parasitas para regiões indenes. Parte do sucesso da colonização humana fora de seu continente de origem pode ser atribuído à introdução de patógenos exóticos, transportados por seus hospedeiros. A varíola, hoje considerada erradicada em todo o mundo, foi introduzida nas Américas pelos colonizadores europeus e, juntamente com a tuberculose, contribuiu para dizimar populações de ameríndios (Hinrichsen et al., 2005) e facilitaram a conquista de vastas e opulentas civilizações nas Américas Central e do Sul (Verano & Uberlaker, 1992). Tribos indígenas ainda são dizimadas pela gripe no Brasil (Coimbra & Santos, 1992). A esquistossomose africana, introduzida durante o período colonial (Hinrichsen et al., 2005), se tornou endêmica e, mais recentemente, a dengue e a AIDS foram introduzidas. Atualmente, o processo de globalização reduziu as distâncias entre regiões e países, gerou um incremento notável no comércio e no trânsito de pessoas, animais e mercadorias, como conseqüências de atividades humanas.Nesse contexto várias espécies se encontram fora de sua área de origem. Segundo a Convenção da Diversidade Biológica (1992), denomina-se “espécie exótica invasora” toda espécie que se encontra fora de sua área de distribuição natural e ameaça a biodiversidade. A perda anual global com os impactos gerados a partir de espécies exóticos chega a 1,5 trilhão de dólares, o que corresponde a 5% do PIB Mundial (CDB, 2006). A partir do recente e crescente interesse em torno das espécies exóticas invasoras e de seus prejuízos econômicos e à biodiversidade e a saúde humana, o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio do Programa para Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIO, com o apoio do CNPq e do Banco Mundial - BIRD/GEF, implementou o Projeto para o desenvolvimento do I Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras que afetam a Saúde Humana. Esse projeto