O de raízes brasileiras

Considerado mais que um estilo musical, ritmo conquista cada vez mais seguidores em território nacional

Marcela Maia e Pedro Capdeville

O grupo AfroReggae com seus padrinhos Regina Casé e .

o final dos anos 1960 mento. Com a pressão social em Marley, em sua infatigável cru- surge uma nova gera- alta voltagem nas ruas, nasce zada, levasse ao mundo os prin- NN ção de músicos tentando enfim o Reggae, inicialmente gra- cípios deste misto de religião e novosNN jeitos de tocar o Rocksteady, vado Reggay. Como nessa épo- atitude política. No fim dos anos atenta aos cânticos Rastafáris que ca o Rastafári ganhava corpo na 1960, Caetano Veloso cantaria puxavam pelo lado africano, en- sociedade da Jamaica, foi quase que desceu a Portobello Road, em fatizando a repetição rítmica, ou natural que ele fizesse do Reggae Londres, ao som do Reggae, o que assumidamente ligada ao movi- sua manifestação pública, e Bob foi estabelecido como a primeira

Janeiro / Junho 2008 18 menção à palavra “Reggae” na música brasileira. Experiências com o ritmo foram tentadas por Jards Macalé, Luís Melodia e ou- tros, mas foi quem levou tal influência mais a sério, vendendo mais de 500 mil cópias do compacto de Não chores mais, a versão brasileira de No woman no Cry de Bob Marley. Enquanto isso, no Pará, Maranhão e na Bahia o Reggae também começava a con- quistar certo espaço, o que pode ser explicado pela semelhança dos ritmos locais com o da ilha ca- ribenha, que afinal veio da - mes ma raiz: a África. Apresentado ao ritmo por um vendedor de discos paraense, o dono de radiola Riba Macedo começou a apresentar o Reggae entre os forrós e merengues que tocava em São Luís. Logo o som A banda Tribo de Jah conquistou o público brasileiro com o ritmo jamaicano caiu nas graças dos maranhenses. No Rio, São Paulo e Belo Horizon- te, alguns bailes Reggae surgiram Em Belo Horizonte, Mauro França apresentações. Atualmente existe nas periferias. Chico Evangelista inicia o Fã-clube Massive Reggae. mercado para a música Reggae, cantou o Reggae da independência Em Recife aparece o Grupo Kare- porém esse espaço ainda é muito e Raimundo Sodré ficou famoso tas. Edson Gomes na Bahia, Luís diminuto e o estilo sonoro sofre com o Reggae A massa, cantado Vagner, Jualê e os Walking Lions preconceito pela associação do em um festival no início dos anos em São Paulo começam a sua Reggae com as drogas. 1980. Bob Marley vem ao país e trajetória. Muitos outros grupos A banda Reggae Style que sur- promete voltar com o Inner Circle aparecem a partir da segunda giu no início dos 1990, em meio para uma turnê em toda a Améri- metade dos anos 1980, em gran- ao caos de São Paulo, é composta ca Latina. Peter Tosh se apresenta de parte por causa do sucesso dos por jovens da periferia inspirados com grande sucesso no Festival de Paralamas do Sucesso, que sem- pela filosofia cultural Rastafári: Jazz de São Paulo. Quando o Reg- pre tiveram uma grande influên- “Enfática na harmonia ecológica gae parecia que iria conquistar de cia do Reggae em sua música. No e no amor ao próximo, encontra vez o Brasil, morre seu maior ide- Maranhão, surge a Tribo de Jah. na música o caminho para propa- alizador, Bob Marley no início dos Os programas de rádio também gar seus ideais através do ritmo”, anos 1980. Para muitos era a mor- tiveram grande influência na di- explica o vocalista Carlos Dread. te do Reggae, pois o estilo musical vulgação do Reggae. Vale citar o Em 2003, a banda firmou-se no ce- foi e ainda é muito escorado pelos “Batmacumba”, de Nelson Mei- nário nacional com o lançamento seus personagens e pela cultura relles e os programas de Maurício do seu primeiro CD intitulado Em Rastafári. Marginalizado, o Re- Valladares, no Rio. meio ao caos, assinado pelo Selo ggae se recolheu ao underground, Nos anos 1990, bandas como Central Reggae e distribuído pela mas não ficou parado. Cidade Negra e Skank levaram o Indie Records. As primeiras bandas e fã-clu- ritmo a um novo público, fazendo A banda, além de trabalhar seus bes brasileiros começam a surgir. sucesso em todo o país e inician- discos, participa também em tur- Marco Antônio Cardoso funda o do carreira internacional. Tribo nês e shows de Norte a Sul do país, Fã-Clube Bob Marley de São Pau- de Jah e Edson Gomes também marcando presença nas principais lo e Mariano Ramalho o do Rio. levam um grande público a suas cidades brasileiras, a exemplo de

Reggae: 40 anos 19 AfroReggae: um projeto social como dança, percussão, futebol, Entre as bandas de Reggae no reciclagem de lixo e capoeira. Brasil destaca-se o AfroReggae, Logo após a chacina de Vigário que fez o caminho inverso de ou- Geral, em agosto de 1993, os fun- tras bandas. Ela surgiu através de dadores e a comunidade percebe- um projeto social criado em 1993, ram ainda mais a necessidade de na favela do Vidigal, no Rio de uma evolução do projeto social Janeiro. O grupo cultural Afro- do AfroReggae como instrumento Reggae, que gravita em torno do de representação, defesa e auxílio Reggae, tem como foco a divul- para a comunidade. A partir deste gação e a valorização da cultura momento, o projeto consolidou-se negra voltada para jovens ligados e, em 1997, o núcleo contou com nos ritmos musicais como Reggae, apoio de personalidades como Ca- Soul, Hip hop e outros. O objetivo etano Veloso e Regina Casé. do AfroReggae era ter maior inter- Com o passar do tempo, o Afro- venção com a população afro-bra- Reggae vem crescendo e hoje já sileira, atuando, principalmente, atua em quatro comunidades: Vi- Gilberto Gil em seu show Kaya N’Gan na comunidade de origem de seus gário Geral, Morro do Cantagalo, Daya, tributo a Bob Marley. membros: Vigário Geral. Foi cria- Parada de Lucas e Complexo do do também o Núcleo Comunitário Alemão. Em entrevista à TV UOL, Fortaleza, Natal, Juazeiro do Nor- de Cultura, para iniciar no local José Junior, fundador e coorde- te, Florianópolis, Curitiba, Goiâ- suas atividades de amparo a jo- nador do AfroReggae, conta que nia, Brasília, Rio de Janeiro, Belo vens carentes e com potencial de atualmente o grupo lida com 73 Horizonte, Recife e Salvador, mui- se envolver com a criminalidade, projetos, 10 bandas de música, tas vezes participando de grandes que passavam a integrar projetos duas trupes de circo e um grupo festivais como o República do Re- sociais motivados por atividades de dança e teatro. ggae (BA), Ceará Music (CE), Fes- tival Internacional, Maratona do Mauricio Valladares Reggae, Grito de Carnaval de São Paulo, Reggae na Charles Muller, e dezenas de outros, muitas vezes dividindo o palco com as grandes estrelas nacionais e internacionais tais como Tribo de Jah, Peter Bro- gs (Jamaica), Jota Quest, Natiruts e . Julio J-Bay, tecladista da ban- da, aconselha aos músicos de bandas Reggae que estudem e conheçam a cultura rasta para progredir musicalmente. “Sintam a música, ensaiem, busquem na fonte do Reggae da Jamaica, co- nheçam a cultura rasta, apren- dam as notas musicais, leiam a Bíblia – Salmos de Davi, esse é o caminho para o Reggae verda- deiro. Agora, se querem sucesso, passem cera nos cabelos, escre- vam músicas falando de praia, maconha, e amor superficial que é certeza que virá”– afirma. Paralamas do Sucesso: precursores do Reggae no Brasil

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