FESTEJOS DE SÃO SEBASTIÃO EM ITAGIMIRIM-BA: Memória e História de Um Povo (1960- 1998)

Jairo Viana de Castro1

INTRODUÇÃO A festividade em um olhar da sociedade moderna representa apenas uma manifestação de caráter popular, porém dentro desse universo de popularidade está repleta de aspectos que inicialmente podem se destacar a religiosidade católica, negra e indígena; o próprio ato de agradecer um santo pela benção recebida ou mesmo à fé dos membros constitui a base de uma sociabilidade entre o homem e o meio social ao qual está inserido. O culto aos santos é uma apropriação do campo religioso, forma encontrada pelos leigos de participarem dos atos litúrgicos a partir de suas expressões religiosas, como aborda Edilece Souza Couto2: “A partir do século X a Igreja tentava impor a devoção aos seus patronos, membros das ordens religiosas. Porém, os fiéis continuaram cultuando crianças, virgens e pessoas comuns, figuras familiares e caridosas”. Na contemporaneidade existem diversas pesquisas sobre festas e festejos no Brasil e, sobretudo na , no entanto não existem estudos sobre a origem, o desdobramento e a permanecia de uma manifestação religiosa de caráter popular em devoção a São Sebastião na cidade de Itagimirim-Ba, que está localizada entre o Vale do Jequitinhonha e a Costa do Descobrimento. Flávia Pires (2011) descreve a transformações e permanência da festa ao padroeiro São Sebastião em Catingueira- PB3, onde o evento nesta localidade é organizado pela Igreja Católica com missas durante nove dias (denominado de novenas). Após as celebrações em um determinado espaço os devotos se socializam com comidas e bebidas, ou ainda quermesses onde são realizadas diversas atividades.

1 Graduando em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia Departamento de Ciencias Humanas e Tecnologias Campus XVIII. Eunápolis- Ba . [email protected] 2 Edilece Souza Couto. FESTEJAR OS SANTOS EM SALVADOR: REGRAS ECLESIÁSTICAS E DESOBEDIÊNCIAS LEIGAS (1850-1930). Universidade Federal da Bahia. 3 Para compreender as análises da festa de São Sebastião em Catingueira PB recomenda-se a leitura do artigo de PIRES, Flávia. A Festa de São Sebastião em Catingueira: transformações e permanências dez anos depois. University of Sheffield. 2011.

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A memória que carrega a história de um povo e suas experiências humanas além de ser um método usado antes do surgimento da História para descrever uma sociedade e suas formas de organização, às pessoas iletradas trazia uma riqueza de detalhes de suas vivências por meio da oralidade e muitas vezes se perdem ou caminham em um mundo paralelo aos dos letrados. O festejo que nasce a partir da junção entre duas religiões o catolicismo popular reconhecido oficialmente pela coroa portuguesa e a Umbanda religião de matriz africana que se desenvolve na colônia brasileira pelas culturas africanas e indígenas, surge entre esses conflitos culturais e religiosos existentes no Brasil. Para Abreu (1999) “[...] as festas são sempre recriadas e reapropriadas, contendo as paixões, os conflitos, as crenças e as esperanças de seus próprios agentes sociais. Ou seja, através das festas, pode-se conhecer melhor a coletividade e a época em que aconteceram.”. Este Trabalho busca contribuir e analisar o festejo de São Sebastião, uma manifestação religiosa e profana que fez parte do desenvolvimento e da sociabilidade urbana e rural desde o tempo que surgiu em Itagimirim-Ba, uma demonstração de fé e agradecimento pelas bênçãos recebidas ao longo do ano, o cortejo dos foliões representa um espaço de respeito por duas religiões que mantém a tradição. Quando menino nas muitas vezes que meus pais me levaram para contemplar os festejos a SÃO SEBASTIÃO, não entendia por que aquelas pessoas dançavam e brincavam com seus instrumentos como: bumba, gaitas, violas, caixas, triângulos e pratos velhos de esmalte que produziam um som estranho, as músicas difíceis de compreender em muitas vozes roucas, mas meu pai conta que era para demonstrar a fé e agradecer o santo pelas bênçãos recebidas ao longo dos anos. Mesmo fazendo parte desta cultura perguntas ficaram sem respostas tais como: quando surgiu este festejo, que elementos de renovação os mantiveram durante o período percorrido. A escolha do festejo de São Sebastião em Itagimirim-Ba como corpus deste Trabalho se deu com a finalidade de analisar a comunidade itagimiriense, a partir das suas manifestações populares e suas práticas em relação aos rituais religiosos festivos, que

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representa uma demonstração de fé e devoção desenvolvida por trabalhadores rurais, pessoas simples que migraram de outras regiões, a qual foi iniciada pela religião afro-brasileira. A memória é algo fundamental na trajetória de vida dos seres humanos, para a história oral essa fonte perpassa os indivíduos pelo motivo da transmissão dos valores culturais, esse longo espaço percorrido no tempo é possível graças às lembranças e tradições coletivas e individuais de grupos sociais. SURGIMENTO E MOTIVOS DO FESTEJO DE SÃO SEBASTIÃO EM ITAGIMIRIM-BA

Com a descoberta do ouro e pedras preciosas em Minas Gerais, o Rio Grande de Belmonte torna-se uma rota de comércio com o porto da cidade de Belmonte/BA, nas margens desse rio que hoje é conhecido como: Jequitinhonha 4. Além das relações comerciais e as trocas culturais da Bahia, o fluxo de mercadoria também fazem surgir às tradições da região, o festejo a São Sebastião em Itagimirim-Ba teve seu surgimento no povoado de Cachoeirinha “Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeirinha do Baixo Jequitinhonha”, título de um livro, onde o autor descreve que Cachoeirinha “[...] foi o primeiro ponto de recebimento das tropas e canoas que transportavam mercadorias para abastecer o norte de Minas Gerais [...]” (NASCIMENTO, 2010, P. 14). O cortejo ao santo é desenvolvido pelo terreiro de umbanda 5que se instalou no povoado por dona Marta Gomes da Conceição, que herdou de seus pais, vinda de Minas Gerais, casada com Sr. Antônio Rodrigues que migrou do estado de Alagoas na localidade de Palmeiras dos índios6, como nos relata sua filha a Srª. Maria Conceição Rodrigues7:

4NASCIMENTO, Nilson do Carmo. Cachoeirinha: Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeirinha do Baixo Jequitinhonha “A região da baixa do Jequitinhonha, que se inicia e Salto da divisa, Minas Gerais indo até a foz em Belmonte, no extremo sul da Bahia (...), p- 11 5Simbolizado pela flechas, é um dos mártires mais queridos e cultuados pela Igreja Católica, no sincretismo religioso com as religiões afro-brasileiras é representado como Oxossi, o orixá das matas, da saúde e das ervas medicinais. O seu nome deriva do grego sebastós, que significa divino, venerável (que seguia a beatitude da cidade suprema e da glória altíssima). No Brasil, ele é celebrado com festas e feriados no dia 20 de janeiro como padroeiro de várias cidades. http://problemaenosso.blogspot.com.br/2011/01/sob-flechas-e-martirio-ontem- igreja.htmlacesso dia 06-05-12 às 12h43min horas. 6 Palmeira dos Índios, Alagoas –Al. Histórico: A terras ocupadas pelo município de Palmeira dos Índios construíam primitivamente um aldeamento dos índios Xucurus, que aí se estabeleceram no meado do século XVIII. Tinham esses indígenas o seu hábitat cercado de esbeltas palmeiras, bem próximo ao pé da serra onde hoje se ergue a cidade de Palmeira dos Índios. O nome do município veio, pois, em conseqüência dos seus primeiros habitantes e do fato da abundância de palmeiras que então havia em seus campos. Os gentios 3

Conheci o festejo com doze anos de idade, quando saia com meus pais. (...) Antigamente a gente morava em cachoeirinha onde hoje é a barragem. De lá o percurso ia para . Itagimirim que não era emancipada, era uma roça, só tinha mesmo essa pracinha Castro Alves, tinha, mas não era calçada e nem nada. Então nós ia para Itapebi,de lá vinha pra aqui (Itagimirim). Neste tempo eu era pequena papai me colocava eu muntada na cangaia, com os panicus cheios de comida pra da os foliões, eu no meio, pequena, mas já no meio, ai agente vinha pra aqui acampava três a quatro dias daqui passava em Gabiarra. A pé andando, andando nessa cidade tudo, passava em União Baiana descia e saia em cachoeirinha. ( Srª. Maria C. Rodrigues, 20-03-14)

Neste sentido o festejo a São Sebastião na comunidade Itagimiriense é um tradição e memória de familiares sendo passada as novas gerações, como se pode perceber no trecho acima, essa devoção foi passada de mãe para filha. O membro responsável tem a missão de todos os anos, organizar e desenvolver o festejo: comprando mantimentos ou pedindo doações aos devotos e fazendeiros, no qual as doações são divididas com os tocadores ou foliões. Inicialmente nos anos de 1960 a manifestação de fé acontecia fora do perímetro urbano, como nos relata a Srª. Hilda Queiroz (04-05-14) “esse negócio de reisado era realizado na zona rural”. Já o Sr. Gildo Gonçalves (30-05-14), evidencia que: “era trinta dias de reisado visitando as fazendas e a cidade também, era São Sebastião”. Percebemos que a prática de reisado a São Sebastião em Itagimirim é desenvolvido por pessoas da zona rural, com isso os foliões no momento do cortejo entravam dentro da cidade e compartilhe com os moradores que festejavam a São João Batista, padroeiro instituído pela igreja católica. O festejo que se desenvolveu pela memória herdada também não é um acontecimento imóvel, sofre transformações no decorrer das gerações de acordo com o contexto social, sendo agregados valores e concepções do momento vivenciado. A Srª. Maria da Conceição relata que a organização do festejo a São Sebastião começou a ser desenvolvido dentro da zona urbana quando o seu pai faleceu com isso eles

formaram seu aldeamento entre um brejo chamado Cafuma e a serra da Boa Vista. Diz a tradição que mais ou menos em 1770 chegou a região Frei Domingos de São José, conseguindo converter os gentios ao cristianismo. Posteriormente, o franciscano obteve de D. Maria Pereira Gonçalves e dos seus herdeiros a doação de meia légua de terra para patrimônio da capela que aí foi construída, sendo com sagrada ao Senhor Bom Jesus da Morte. http://cidades.gov.br/painel/histórico.php?lang=&codmun=270630&search=alagoas|palmeira-dos- %C3%8Dndios|infograficos:-historico. Acesso em 09-07-2014 às 20:45. 7 Moradora de Itagimirim-Ba conhecida como Mãe Ceicinha nasceu em 11 de setembro de 1950. 4

perderam a fazenda através de um golpe, quando seu primo a vendeu a propriedade, utilizando uma procuração cedida a ele , sendo obrigados a residir dentro da cidade:

Antigamente era na fazenda pedreira, o nome que dava, onde mamãe começou o candomblé. Quando agente chegou aqui: montou o terreirinho dela, aí veio para cidade em 62, quando Itagimirim já era bem desenvolvida e movimentada. (Srª. Maria C. Rodrigues, 20-03-14)

Diante desse acontecimento e da mudança de um lugar para o outro o festejo continua sendo cultuado pelos devotos, salientando que dentro do cenário urbano já existia o culto ao Padroeiro São João Batista. Porém o festejo ao padroeiro antes da instalação do padre era desenvolvido o lado profano pela população que tinha maior participação na montagem das barracas para vender comidas típicas das festas juninas. Com a organização das cerimônias religiosa e profana como as quermesses e leilões para arrecadar fundos para construção da igreja católica em 1963 pelo padre, há um afastamento da população que ganhava um dinheiro extra com o evento. Segundo Hobsbawm (1997, P 20) “Antes de mais nada, pode-se dizer que as tradições inventadas são sintomas importantes e, portanto, indicadores de problemas que de outra forma poderiam não ser detectadas nem localizadas no tempo” Portanto a manifestação a São Sebastião ganha mais participantes, principalmente dentro da cidade, fazendo um movimento contrário no momento das celebrações ao santo, pois antes as pessoas se deslocavam para zona rural. Agora o povo das fazendas quem se desloca para zona urbana. O Sr. Jonas A. de Castro relata que na época que chegou ao município itagimiriense em 1975, a prática do reisado era desenvolvido por vários grupos:

Quando eu cheguei ao município existiam quatro grupos de reisado, o de Ceizinha, o de Zé de Cabelão, o de Joaquim Teixeira e Otacílio da Caçoada, três festejavam a São Sebastião e um a Santos Reis. Eu participava dos dois, o de Otacílio que festeja a Santos Reis ai eu participava com Joaquim Teixeira que festejava a São Sebastião (Sr. Jonas Almeida de Castro, 30-05- 14)

O que se observa neste trecho descrito pelo Sr. Jonas é o aumento de grupos de reisado na localidade, isto se deu devido às memórias da população estar ligadas as folias de reisado,

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ou o próprio culto a São Sebastião que é um santo de crendice popular, que proteger contra a fome, guerra e aflições, principalmente neste município empobrecido. Devido à quantidade de grupos e um número pequeno de músicos, havia uma disputa entre os grupos para atrair esses foliões tocadores, com isso alguns líderes procuravam agradar dividindo as esmolas e doações que eram arrecadadas no percurso do cortejo, que passava em residências e casas comerciais. Oito homens e quatro mulheres que estão diretamente responsáveis pelos os cantos, manusear os instrumentos e na maioria das vezes apenas as mulheres quem carrega a bandeira de São Sebastião. As folias do divino Espírito Santo sobre as descrições de Thomas Ewbank, em 1846, um escritor e desenhista de Nova York, destaca que a prática de pedir esmolas é fundamental para o desenvolvimento dos festejos, Abreu concluiu que:

O hábito de se pedirem esmolas era muito comum desde o período colonial e tinha como objetivo a reunião para as festas das irmandades ou para o financiamento dos benefícios aos irmãos carentes, como indicam os vários anúncios de festas. No caso das folias do Divino, conta Ewbank, os irmãos nem precisavam bater de porta em porta, porque a música por si só já atraía todos à rua. Pela descrição deste viajante norte-americano, se todas as classes contribuíam com donativos, as irmandades do Espírito Santo pareciam distinguir-se entre si pela riqueza. A da Lapa, por exemplo, contratava barbeiros brancos, hábeis tocadores de clarim e violinistas, que ofereciam seus serviços por um preço mais elevado; (ABREU, 1999, P. 51)

Com essa descrição e análise da autora, se percebeu que essas práticas estão presentes nos festejos em homenagem a São Sebastião em Itagimirim, desde a contratação dos foliões tocadores até o cortejo de casa em casa, em que ganham donativos. Esta situação está evidente no canto de chegada no seguinte trecho:

É filho de um homem nobre. Ele está lhe pedido uma esmola Não é por ganhar dinheiro. Mas pra cumprir uma promessa. No dia 20 de janeiro 8

8 Parte do quinto trecho do canto de chegada que louva a São Sebastião, entoado pelos foliões na cidade de Itagimirim-Ba 6

Eis o poder da memória oral, aonde essas práticas vem sendo seguidas desde a época colonial, chegando até o período analisado do trabalho em estudo com algumas mudanças, mas mantendo uma continuidade na maneira de homenagear ao santo intercessor. Alessandro Portelli (2009) dialoga sobre a valorização da memória a partir da oralidade onde as trajetórias de vidas dos excluídos devem ser relatadas e conhecidas por todas as esferas sociais:

Com frequência se diz que, na História Oral, damos voz aos sem voz. Não é assim. Se não tivessem voz, não teríamos nada a gravar, não teríamos nada a escutar. Os excluídos, os marginalizados, os sem-poder sim, tem voz, mas não há ninguém que os escute. Essa voz está incluída num espaço limitado. O que fazemos é recolher essa voz, amplificá-la e levá-la ao espaço público do discurso e da palavra. Isso é um trabalho político, porque tem a ver não só com o direito à palavra, o direito básico de falar, mas com o direito de falar e de que se faça caso, de falar e ser ouvido, ser escutado, de ter um papel no discurso público e nas instituições políticas, na democracia. (PORTELLI, 2009, P.2)

A devoção ao santo na cidade de Itagimirim corresponde à trajetória de vida do mártir que lutou contra as aflições impostas aos cristãos pelo império romano, devido à dura realidade financeira vivida pela população. Salomão (2008) descreve que:

São Sebastião é um mártir cristão elevado a condição de santo pela devoção popular. A tradição cristã afirma que o mártir foi assassinado em 20 de janeiro de 288, em Roma. (...) Sua proteção é evocada para deter as guerras, a fome e epidemias. No candomblé há referências de sua associação a Oxóssi, divindade guerreira que o sincretismo religioso relacionava na Bahia a São Jorge. (SALOMÃO, 2008 p.87)

Ter um santo para interceder sobre suas necessidades físicas e espirituais é significante para o povo, pois suas aflições poderiam ser resolvidas junto ao divino através da fé. Contudo, no decorrer dos anos alguns grupos vão desaparecendo seja por morte do líder ou por questões financeiras: Fotografia -5

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Foto cedida pela Srª. Alzira Pereira de Souza, do arquivo familiar, fotógrafo desconhecido. Ano 1972.

Nesta imagem se pode verificar o Sr. Joaquim Teixeira (já falecido) que está atrás e no lado direito da porta bandeira, com seu grupo de Reisado os seus foliões vestido de branco e vermelho, porém ele nos cortejos estava sempre com seu vestuário branco, que relatava ser sua devoção. Outro aspecto visível na população itagimiriense são seus traços com diversos grupos étnicos que habitavam a região. O que se concluiu em relação ao outro grupo e seu desaparecimento estão relacionados com questões financeiras, pois muitos habitantes deixaram a cidade para procurar melhores condições de vida nos grandes centros urbanos. OS FOLIÕES E O ESPAÇO SACRALIZADO

As festas de São João foram sempre diferentes do reisado, que todo ano tem, o reisado de SÃO SEBASTIÃO começa do dia primeiro de janeiro, que o primeiro reis, é Santo Reis. (Sr. Diomário de Jesus. 04-05-14)

Os foliões representam uma manifestação de fé em movimento, porém enquanto está festejando em uma residência aquele espaço é sacralizado pelos que compartilham com o festejo, a bandeira com a imagem do santo representa o martírio, a santificação a interseção

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para aqueles que sofrem com as condições de vidas precárias, a fome, a peste e as aflições, sendo descriminados por expressarem seu sentimento religioso. No festejo de São Sebastião é possível ver elementos do sagrado e do profano. No entanto, o espaço sagrado é delimitado. Segundo Edilece Souza é preciso criar limites entre os espaços sagrado e profano9:

No entanto, é necessário sacralizar o espaço para que ele seja habitado. E por isso, procura-se um eixo, um centro de orientação, que pode ser um templo, o local ou o altar de sacrifício de um animal, cruz, poste ou mastro, escada, árvore ou montanha. Qualquer um desses elementos marca o limiar entre o sagrado e o profano e torna-se o eixo de ligação entre o céu, a terra e o mundo inferior. (COUTO, 2008, p.1)

As músicas iniciam-se quando os foliões chegam à casa de uma pessoa, é em forma de louvor, onde o dono da residência espera o término da canção para abrir a porta e oferecer a sua casa como salão de reza e brincadeira. A letra da música para sair de uma casa é em forma profana, ou mesmo uma contradança, que canta os acontecimentos do cotidiano familiar e do trabalho, representa uma forma de socialização entre familiares, amigos e conhecidos, festejados do dia 10 á 20 de janeiro que o ápice da festa. No canto em louvor10 ao São Sebastião pode-se identificar em alguns trechos a ligação dos devotos com o Santo: É filho de um homem nobre. Ele está lhe pedido uma esmola. Não é por ganhar dinheiro. Mas pra cumprir uma promessa No dia 20 de janeiro

Você já pagou sua esmola? Cada um da o que pode. Você já pagou sua esmola? Deus lhe dar merecimento.

9 COUTO, Edilece Souza. DEVOÇÕES, FESTAS E RITOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕE. Revista Brasileira de História das Religiões – Ano I, no. 1 – Dossiê Identidades Religiosas e História 10 O canto da Chegada em homenagem ao Santo SÃO SEBASTIÃO é entoado quando os foliões de Itagimirim- Ba chegam à porta de uma residência para Louvar. A letra é cantada por todos os grupos que existiram e existe na localidade, não se sabe quem é o verdadeiro autor. No final da entrevista com Sr. Jonas Almeida de Castro cantou um trecho, no entanto veio o interesse de transcrever e analisar alguns trecho na letra do canto. 9

Deus lhe dar chuva santa. Para molhar seu mantimento

Viva São Sebastião! Ele chegou aqui. Quem tem promessa com ele Ta na hora de cumprir. Viva São Sebastião!

É um santo de alegria. Quem tem saudade dele. Vai à reza do seu dia 11

Neste sentido o significado da música que os foliões cantam ao chegar a uma casa é “para louvar o dono da casa, porque você cantar o Reis lá fora e agradece dentro da casa, porém a contra dança é uma musica entoada” isso que evidencia o Sr Jonas A. de Castro (30- 05-14). Sendo assim o festejo acontece nas casas das pessoas que compartilham com a devoção a São Sebastião, onde se reúnem com alegria dentre eles: idosos, crianças, jovens, homens e mulheres, tendo momentos de oração, de comer, de beber e festejar, desde que a noite chegava até quando a noite desaparecia em belos raios de sol, o local na muitas das vezes não é fixo passava de casa em casa, dos que compartilhavam com a tradição. Esse cortejo visita todas as casas do lugar que rezavam em forma musical com instrumentos como: gaitas, caixas, bumbas e violas, maneira utilizada na maioria das festas e festejos populares. Os foliões do primeiro grupo de reisado trazem em suas memórias um milagre que foi atendido pelo santo, que segundo Srª Maria C. Rodrigues um acontecimento coletivo estabelece a devoção por São Sebastião:

Minha mãe era professora e costureira lá em Cachoeirinha (comunidade desenvolvida na beira do rio Jequitinhonha), meu pai era canoeiro, vendedor ambulante em 1951 eu tinha um ano de idade eu não lembro, mas meus pais contavam, meu pai saia de Cachoeirinha para vim comprar farinha, teve um ano que ficou conhecido como o ano da fome, que a seca foi tanta que não tinha como se achar o que comer. Meu pai passa em Itagimirim que só estava começando, tinha aquela pracinha ali, que hoje é a Castro Alves. Só tinha poucas casinhas, ele vinha lá de Gabiarra-Ba acampava aqui, desde

11 É o quinto, sexto, sétimo e oitavo trecho do canto de chegada em Louvor a São Sebastião entoado pelos foliões da cidade de Itagimirim-Ba, Letra relatada pelo Sr Jonas Almeida de Castro (30-05-14) 10

dessa época eu com um ano de idade já participo da história de Itagimirim- Ba. Ele acampava aqui para trazer mantimento, tinha um barracão grande em Cachoeirinha lá ele leva as coisas, comprava gado era magarefe, ele servia praticamente essa região daqui todinha era meu pai, trabalhava vendendo coisa ambulante, com as tropas que antigamente não tinha carro, eram tropas 3,4, 5, 6 burros. Com aqueles caçoar que hoje ainda existe em muito lugar, trazendo coisa para manter a região. Foi uma fome muito grande e nessa época São Sebastião junto com Nossa Senhora da Conceição eram padroeiro de Cachoeirinha e todo mundo, fazia promessa com ele pedindo chuva. Que levou um ano sem chover na região, na época todo mundo carregava pedra na cabeça para botar no cruzeiro da igreja de nossa senhora da Conceição para fazer penitência como era chamado antigamente para pedir ao santo que chovesse, foi um ano de sofrimento, quando levantou esse povo e fez essa promessa foi quando surgiu a primeira festa a São Sebastião. Quando choveu todo mundo saiu de vermelho e branco, homenageando a ele que a minha folia até hoje todos se vestem de vermelho e branco, por causa dessa fome que foi demais aqui na região. (Srª Maria C. Rodrigues, 20-03-14).

Foi através desse ritual que se constituiu a memória coletiva dessa população, esse acontecimento que fez desenvolver a religiosidade cultural, Michel Pollak (1988, p. 2) ao analisar a memória como identidade social reflete que “[...] É perfeitamente possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase que herdada”. Alguns habitantes de Cachoeirinha, ao migrarem para a comunidade Itagimiriense, como no caso do primeiro grupo de reisado de religião Umbanda, que montam seu terreiro em sua fazenda nas proximidades de Itagimirim, trazem o cortejo como uma forma de devoção e tornando também um espaço de socialização. Onde a maioria dos foliões relatou que essas práticas de reisado e devoção a São Sebastião esta relacionada com a história de suas famílias ligadas a acontecimentos como: Promessas, milagres, um momento difícil ou alegrias e brincadeiras. Hobsbawm (1997, p.21) afirma que: “[...] o estudos dessas tradições esclarece bastante as relações humanas com seu passado [...]”. Entre costureiras, vaqueiros, pedreiros, vendedores ambulantes, açougueiros, professoras de primário e pessoas de pouca leitura, mas de uma fé grandiosa que faziam da relação com o ambiente uma forma de sobrevivência e ligação com o divino, mesmo com

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árduo labor no campo, essa relação entre homem e divindade pode ser percebido no trecho do canto de chegada: Deus lhe dar merecimento Deus lhe dar chuva santa Para molhar seu mantimento 12

Para a cidade que desenvolve a religiosidade popular foi um fator de extrema importância, pois a relação social do povo através dos festejos tornou-se uma expressão devocional de identificação entre eles. No entanto as experiências culturais Segundo Abreu (2003 p 94-95) “[...] pode também estimular a criação de identidades sociais/ culturais e vínculos duradouros entre grupos de reconhecida expressão cultural ou religiosa, como, por exemplo, as escolas de samba, os grupos que organizam folias de reis e congadas”. Para as duas senhoras que tem centros de Umbanda em Itagimirim é uma missão a seguir, pois está ligado a uma promessa familiar, e o compromisso passado a elas. O festejo criou vínculos duradouros entre os participantes, pois suas expressões de fé estão relacionadas no cotidiano familiar, e por meio do lugar onde se encontram e desenvolveu uma organização social que ao longo dos anos constituiu grupos distintos. Segundo Abreu (1999) “através das festas, pode-se conhecer melhor a coletividade” e com isso quais indivíduos que se relacionam com religiosidade popular. No entanto o que se discute neste trabalho é a festa enquanto espaço de sociabilidade, a partir de uma memória coletiva e individual no espaço social, onde esta produção do cotidiano ganha significado e que agrega valores entre o profano e o sagrado. Sendo que estes acontecimentos quebram o ritmo do cotidiano, e estão fixos dentro do calendário devocional festivos das comunidades que desenvolvem os rituais. Os foliões no mês de janeiro quando saem às ruas apropriam dos espaços públicos, festejando durante o dia eles mostram suas tradições para a população, os indivíduos ao escrever suas tradições nos espaços históricos da cidade estão demonstrando o seu lugar social que segundo Larissa Novais Britto (2009):13

12 Parte do sexto trecho do canto de chegada que louva a São Sebastião, entoado pelos foliões na cidade de Itagimirim-Ba 13 A festa de São Benedito é um evento dinâmico que é reinventado e reformulado através de celebrações anuais, descrito no trabalho monográfico de Larissa Novais Britto, a festa se organiza no interior de uma 12

Nos dias da festa, os negros saem do anonimato e assumem lugar de destaque na cena urbana, e promovem uma ruptura com a rotina cotidiana extremamente marcada pela submissão. Ao dançar e cantar para seu santo, os festeiros revivem a lições de seus ancestrais e revertem momentaneamente o lugar secundário que ocupam na hierarquia do poder local. ( BRITTO, 2009, p 9 )

Ao entrevistar as pessoas dessa comunidade que traz em suas memórias um período de muitas recordações do tempo festivo no qual o homem rural criava seus modos de sociabilidade através de práticas e instrumentos simples, que faziam parte do seu cotidiano. Uma maneira de cultuar ao santo de forma direta, através de brincadeiras, rezas, demonstrações de fé que tinha um grande significado diante de toda a expectativa para um novo ano. Mediante a esses costumes e tradições que contribuem para o desenvolvimento da localidade que teve avanços, permitindo que novos elementos fossem inseridos na festividade. Ao analisar a festa a Santos Reis na comunidade de aldeia, com o processo de modernização do lugar com a chegada da luz elétrica, que deu outros rumos ao ritual festivo apropriando de outras características, Brandão (2010, P.7) afirma que “[...] A festa em louvor a Santos Reis esta viva justamente pela sua capacidade de se reinventar e não pelo apego a uma prática ritualística congelada no tempo.” A manifestação de fé é um espaço de troca de saberes através das práticas culturais, seja no movimento das danças ou manuseio dos instrumentos com muita alegria e devoção, sendo também um lugar de afirmação das relações sociais. A festa é repleta de interesses e significados disfarçados, Segundo Guarinello (2001, p.974) “[...] o sentido da festa, é portanto da identidade que propõe e produz, depende sempre dos participantes, eventuais ou desejados, cuja presença e envolvimento determinam o sucesso e o significado último de qualquer festa [...]” Assim se constituiu a relação existente entre os foliões e devotos. Habitantes de um espaço rural e urbano que no período do festejo migram de um local a outro levando a através do cortejo ao santo.

irmandade religiosa e em função de um mito fundador que remete a história de vida de um santo que considerado protetor do povo negro. 13

O RITO

Todo mundo espera, chegou primeiro de Janeiro. O reisado de santos reis é à noite, o de SÃO SEBASTIÃO é de dia. Se nós cantamos em uma rua, canta de um lado até o final, depois passamos para o outro lado, nós não podemos cruzar bandeira. (Sr. Diomário de Jesus. 04-05-14).

No primeiro dia (10 de janeiro) acontece uma reza nos salões de umbanda e também na igreja catolica, essa prática é realizada tanto por um grupo quanto pelo outro. Quando os foliões saem do salão em cortejo vão direto a igreja, neste espaço fazem vários pedidos e rezas. Porém dentro da igreja apenas as violas e gaitas são ultilizadas para acompanhar o louvor trovado à São Sebatião. Pode ser pela amanhã ou à tarde para pedir proteção durante os dias que os foliões percorrem em fazendas, cidades vizinhas para depois que estiver faltando uns quatro dias para vinte de Janeiro que é o dia de comemoração a São Sebastião, eles retornam a Itagimirim. Como folião do primeiro grupo de reisado o Sr. Diomario relata o trajeto do primeiro dia:

Quando nós descemos da casa de Ceicinha no primeiro dia com a bandeira, nós vamos direto a igreja, nós cantamos na igreja, depois nós esparramamos nos gerais, esparramamos no mundo, nós vai para casa do prefeito que é de obrigação ele receber a bandeira. (Sr. Diomário de Jesus. 04-05-14)

O primeiro grupo reisado segue a seguinte rota vão para cidade de Itabepi, onde são recebidos com muita festa pela população e governante local que disponibiliza uma pousada para os foliões descasarem. Depois de quatro dias cantando nesta cidade, retornam a Itagimirim cantam em diversas casas, finalizando com a reza do terço no oratório dentro do salão entre os dias 20 (vinte) para 21 (vinte e um) de janeiro. A preparação do folião para a reza do terço no último dia de Festejo é evidenciado pelo O Sr. Diomario. 14

No dia vinte nós estamos chegando em casa para poder descansar de meio dia para tarde, tomar banho, ajeitar para a noite ter a reza, de sete para oito horas da noite a gente reza ai encerrou aquele reisado, depois da reza acabou, mas se nós querer amanhecer o dia brincado, pulando, fazendo contra dança tomando cachaça, comendo tira gosto, porque ela mata um boi para dar despesa para os foliões dela e alguns visitantes que querem acompanhar. (Sr Diomário de Jesus. 04-05-14)

O segundo grupo de Reisado após as rezas em seu salão de umbanda, também seguem com o cortejo para a igreja católica, a bandeira do santo representando o martírio e está sempre à frente do grupo. Nenhum folião passa a frente da bandeira, ficando atrás e se por acaso necessitar passar na frente da bandeira logo é reverenciada pelos foliões, colocando se de joelho e beijando o manto sagrado. Essa prática também é abordada por Abreu (1999, p 48) na festa do divino Espírito santo a partir dos relatos do Escritor Thomas Ewbank “[...] que sempre estranhava nossos hábitos, beijando-se também a bandeira, ou melhor, “afundava-se o rosto em suas dobras” para realizar a devoção; e tanto fazia se fossem pessoas brancas ou negras. [...]” Beijar a bandeira com a imagem de São Sebastião para um devoto que participa do cortejo é uma forma de respeito que expressa à fidelidade ao santo, onde seus pedidos foram ouvidos e realizados, uma relação de proximidade e confiança na intercessão do santo diante do divino. Os foliões dizem que antes de iniciar o cortejo vão a igreja católica pedir proteção, com a presença ou não do padre, eles pedem licença e entra na igreja entoando seus cânticos, uns ajoelham outros cantam com muita entonação. A Srª. Maria diz que sempre cantou na igreja: “Eu não sei por que não, mas realmente quando a gente chega lá, tem vez que o padre não esta, mais a gente canta é um direito nosso, que ali é a casa de Deus, casa nossa, ali é portas aberta”. Santos (2010) ao analisar o catolicismo na cidade -Ba a partir do culto a São Bartolomeu nos anos de 1851 a 1943. Destaca a seguinte informação:

No Brasil colonial as manifestações religiosas tinham como característica a superficialidade, constituindo-se como uma religião epidérmica, de fundo emocional, comprazendo-se nas exterioridades do culto, mesmo sem

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compreendê-lo, e tomando um gosto de festa, de reunião social, sem aquela convicção profunda, nascida de uma interioridade forte e espiritualizada. Essa superficialidade fez-se notar pela enfática predominância de ritos externos, pelo colorido e pompa das práticas exteriores. Tudo se fazia para cultuar e homenagear os santos protetores. No fundo uma religião imediatista, distante da ortodoxia. (SANTOS, 2010, P 63)

Neste sentido a igreja católica na cidade de Itagimirim, não participa diretamente das homenagens ao santo cultuado por parte da população, mas respeita o louvor a São Sebastião que é manifestado pelos foliões, através de uma devoção desenvolvida por várias famílias, contudo pode se perceber que alguns dos devotos são freqüentadores das missas dominicais e que também participam de muitos eventos promovidos pela igreja. Couto (2004) ao investigar os estudos sobre religião oficial e religiosidade popular, abordou que:

A partir da emergência da espiritualidade laica no século XIII, o clero sentiu a necessidade de falar a mesma língua dos fiéis, utilizar formas orais nas liturgias – cantos e sermões – aceitar procissões e peregrinações a oratórios consagrados pelo povo e as funções pagãs atribuídas aos santos. (P. 45)

Após o rito dentro da igreja os foliões, entram em um carro geralmente alugado pela dona do reisado, passando por fazendas e chegando ao distrito de Gabiarra, município de Eunápolis, retornando por União Bainana (distrito de Itagimirim-Ba) que faz divisa com o estado de Minas Gerais. E concluem o cortejo dentro da cidade de Itagimirim, passando em muitas residências, No dia 19 (dezenove) às 18h:00 (dezoito) realizam um jantar, depois de muita contra dança com as oitavas, um roda de oito pessoas com instrumentos como gaitas, bumba, viola, pandeiro, pratos de esmalte e palmas, girando e passando um pelo o outro. Depois das brincadeiras fazem uma pausa para rezar o terço dentro do oratório, na passagem do dia 19 (dezenove) para 20 (vinte) de Janeiro. Os foliões percorrem a região anunciando a boa nova, um tempo de paz e alegria, cada pessoa que recebe esse cortejo fortalece sua fé e de seus familiares. O festejo representa um ato de fé para as pessoas que se juntam para agradecer pelas bênçãos recebidas, ao longo do ano, com esperanças de dias melhores e sendo entrelaçadas pelos festejos natalinos e todas as expectativas para um novo ano.

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O festejo serve também para pagar uma promessa ou mesmo para seguir a tradição, além da questão religiosa o festejo representa um sentimento de pertencimento e sociabilidade para as pessoas que herdaram a devoção, Segundo relata Edilece Souza:

No entanto, não podemos perder de vista que o cristianismo inaugurou o tempo litúrgico, baseado na historicidade de Jesus Cristo. Dessa forma, o tempo festivo é repetido, mas não é imóvel nem imutável. Apesar de se revelar especial e diferente do calendário profano, também não é um evento isolado, pois quebra o ritmo regular do cotidiano, promove a sociabilidade e o sentimento de pertencimento e identidade em um determinado grupo social. (COUTO, 2008, P. 2)

Nem todos os devoltos dos dois ternos de reisado vão para os cortejos nas fazendas ou para outras cidades, alguns ficam nos salões de orações, preparando as comidas e bebidas, organizando para a chegada e finalização do festejo, segundo o Sr. Diomario folião do primeiro grupo de reisado, são poucas as pessoas que ficam a frente do cortejo:

Mas os dela (foliões) são oito macho e quatro fêmea que são de carregar a bandeira,e os machos para tocar os instrumentos, pois cada um daqueles oito tem os instrumento deles que domina que são: reco-reco, pandeiro, a caixa era de Ceicinha, o bunda é de quem saber bater, que nem esse Neo era bumbeiro nosso, Neo batia bumba muito bem, mas agora ficou o filho de Ceicinha que é bumbeiro dela também é isso. (Sr. Diomário de Jesus. 04-05- 14)

O individuos pertecente a um grupo desde o seu nascimento, e no decorrer da vida vão aquirindo os usos, hábitos alimentares, vestimentas, moradia, objetos de pertecimento, ensiados pelas pessoas idosas que tem experiência, a religiosidade que vai sendo transmitida de geração em geração independe de tamanho e de grupo social ao qual está inserido. Resultando em características peculiares, ou a chamada memória comum do grupo, para Jacqueline Hermann (1997) chega-se ao ponto onde religião e religiosidade se cruzam. Quando o cortejo chega na porta de uma casa cantam um louvor para chamar atenção do morador, “Porque você canta o Reis lá fora e agradece dentro da casa, o dono da casa abre a porta você entra, ai deu bom dia, você louva o dono da casa e agradece o Reis”, isso que nos relata o Sr Jonas Almeida de Castro. Depois do lovour abre a porta, dentro da residência foi observando que em um trecho do canto o devoltos obedecem a letra:

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Ajoelha pecadores Põe seu joelho no chão Para cobrir com a bandeira Viva são Sebastião!

Essa bandeira me salva Quando chegar lá no céu Alevanta pecador Todo coberto de véu 14

Sendo assim a bandeira é passada pela cabeça de todos os devotos que ajoelham, algumas pessoas beijam o manto, outras se emocionam e agradecem. Para Brandão (2011. P. 64) “[...] A festa é o momento de reconhecer que foram agraciados com uma benção e que é preciso retribuir [...]”. A contra dança – uma música entoada, cantado coisas do cotidiano, para os foliões saírem da residência, como aborda o Sr. Jonas Almeida de Castro (2014):

Convidei meus companheiros para fazer sociedade. Para roubar dessa cigana, um amor da eternidade. O ciganhinha hora é hora, quem quiser comigo é hora. À Deus ponta da areia, que lá vai a cigana embora!

A festa é uma forma de diversão tão especial para os foliões que toca os instrumentos por prazer em estar festejando que apaga todo o cansaço do corpo, Brandão (2011, P.74) afirma que “Apesar de a festa ser uma celebração do cotidiano das sociedades, ela representa uma quebra nesse cotidiano, quando as pessoas deixam suas atividades do dia- a- dia, para se dedicarem ao seu inverso”. Dois foliões relataram duas situações envolvendo o cortejo de São Sebastião, a primeira foi quando, uma senhora os convidou o terno de reis para entrar em sua residência muito humilde. Porém a dona da casa tinha apenas dois ovos de galinha para oferecer, nesta situação um folião fez a doação por ela e devolveu a oferta da senhora. A outra situação é

14 Nona e décima estrofe do canto de chegada em louvor a São Sebastião, entoado pelos foliões em Itagimirim- Ba 18

quando uma fita da bandeira do santo cai dentro de uma casa, é sinal de milagre concedido ao morador como Aborda dona Srª Alzira P. de Souza:

Olha se cair na casa da pessoa é para pegar e guardar, ali é uma virtude que esta deixando na casa da pessoa, e uma força que esta deixando ali na casa da pessoa, o santo deixou cai aquela fita ali, para agradecer e recomendar o dono da casa (Srª. Alzira Pereira de Souza 08-05-14).

Para muitos moradores essa fita é utilizada como remédio, quando um familiar sente uma dor, amarando no local, essa recordação é guardada como muita alegria. Quando o reisado chega em uma rua, eles cantam de um lado e depois do outro, a bandeira indo por um canto não pode voltar pelo mesmo lugar, tem que seguir o giro, o caminho aberto. A Srª Maria C. Rodrigues relata que: “quando passo numa casa e vejo a porta fechada, eu acho que a pessoa, não quer que eu paro, ai a bandeira passa, se pedir para voltar, a gente não pode mais”. Hobsbawm (1997) dialoga que entende-se por “tradição inventada” um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas “[...] tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento atráves de repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado [...]” Muitas festas foram apontadas por vários pesquisadores do período colonial como forma de fugas e rebeliões ou sendo para assumir uma identidade por determinados grupos, nesse contexto as festas não são vistas simplesmente como passivas, mas como oportunidade de romper com o cotidiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho realizado através do festejo de São Sebastião em Itagimirim-Ba investigou e analisou o surgimento da manifestação religiosa de caráter popular, sendo renovada e

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modificada com as migrações de pessoas vindas de outros povoados e municípios da região, re-significando a tradição e incorporando novas práticas. A devoção dos foliões por um santo representa uma afirmação de identidade, possibilitando novas relações entre os homens e o meio social, ao qual está inserido. Rememorar não significa trazer de volta a festa do mesmo jeito que era outrora, e sim reafirmar e reconstruir novos hábitos. O festejo é um elemento que fez e faz parte da origem e desenvolvimento da cidade, pois seus habitantes fundadores, já traziam em suas memórias essa forma de socialização religiosa. Que também se construiu como um escape para os longos dias de trabalhos, quebrando o ritmo do cotidiano. A manifestação de fé é um espaço de troca de saberes através das práticas de alegria e devoção, sendo um lugar de afirmação de relações sociais ou criar novos laços de amizade, o que fundamental para comunidade itagimiriense.

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