A Fauna De Peixes Na Bacia Do Rio Barra Seca E Na REBIO De Sooretama, Espírito Santo, Brasil
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BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 35:49-103. JULHO DE 2014 49 A fauna de peixes na bacia do rio Barra Seca e na REBIO de Sooretama, Espírito Santo, Brasil Luisa Maria Sarmento-Soares1,2,3,* & Ronaldo Fernando Martins-Pinheiro1 RESUMO: A Reserva Biológica de Sooretama é a maior floresta nos tabuleiros costeiros ao norte do Espírito Santo, localizada no terço inferior da bacia do rio Barra Seca. Uma grande variedade de pequenos peixes de riacho habita os córregos protegidos pela reserva. Destaca-se a presença de riachos florestados, de águas escuras e ácidas, e ainda grandes lagoas e ambientes temporários na reserva e entorno. Especial atenção se faz necessária aos trechos a montante da unidade, pela degradação das nascentes e terço médio. Foram descritos os ambientes aquáticos e a composição taxonômica de peixes da bacia do rio Barra Seca, incluindo 15 pontos de amostragem nos terços superior e médio, 28 no trecho baixo e 14 no Vale do Suruaca. Foram identificadas 84 espécies, pertencentes a 37 famílias e 13 ordens. Destas 39 são espécies marinhas que frequentam o estuário. Considerando todas as espécies de peixes encontradas na região, a ordem mais numerosa foi Perciformes com 26 espécies, seguida por Siluriformes com 18 espécies e Characiformes com 16 espécies. Algumas espécies foram encontradas unicamente no trecho do Vale do Suruaca, correspondendo a 43 do total de espécies. Espécies raras e ameaçadas de extinção foram historicamente registradas na reserva e seu entorno, mas não encontradas nas amostragens recentes. Para manutenção da ictiofauna na bacia do rio Barra Seca e Vale do Suruaca se faz necessário estabelecer metas para preservar os ambientes de vida da biota aquática. Algumas medidas de proteção são sugeridas no texto visando conservar os córregos e sua biota. Palavras-chave: ictiofauna, riachos, unidade de conservação, tabuleiros costeiros, sudeste do Brasil. 1 Museu de Biologia Prof. Mello Leitão/ Projeto BIOdiversES (www.nossosriachos.net), Av. José Ruschi, 4, Centro, Santa Teresa-ES, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal- PPGBAN- Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Marechal Campos, 1468- Prédio da Biologia- Campus de Maruípe, 29043-900, Vitória- ES, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Bolsista FAPES, Bolsa PA- Pesquisador Associado. *Autor para correspondência: [email protected] Recebido:NO 7 set 2013 – Aceito: 17 mar 2014PRELO 50 SARMENTO-SOARES & MARTINS-PINHEIRO: PEIXES DO RIO BARRA SECA ABSTRACT: The fish fauna in the rio Barra Seca basin and Sooretama biological reserve, Espírito Santo, Brazil. The biological reserve of Sooretama is the largest forest in coastal tablelands at northern Espírito Santo, situated on lower stretch of the rio Barra Seca basin. A great variety of small stream fishes inhabit the rivers protected by the reserve. We point out the presence of forested streams, with dark acid waters and also large lakes and temporary environments in the reserve and surroundings. Special attention is necessary upstream the reserve, by degradation of headwaters and middle stretches of the river. Environments were described and the taxonomic composition of fishes was documented for the rio Barra Seca basin, including 15 collecting localities along upper and middle stretches, 28 on lower section and 14 along Suruaca valley. Eighty-four species were identified, belonging to 37 families and 13 orders. Among these, 39 are marine species that visit the estuaries. Considering all the fish species found in the area, the most numerous order was Perciformes, with 26 species, followed by the Siluriformes, with 18 species and the Characiformes, with 16 species. Some species were found only in the Suruaca valley, corresponding to 43 of the total species. Rare and endangered species were historically reported in the reserve and near around, but not found in recent surveys. For maintenance of the fish fauna at the Rio Barra Seca basin and Suruaca valley it is necessary to establish aims for aquatic biota environmental preservation. Some protection measures are suggested in the text in order to preserve streams and its biota. Key-words: fish fauna, streams, conservation units, coastal tablelands, southeastern Brazil. Introdução “É um planalto, com cerca de 70 metros acima do nível do mar, sulcado por fundas ravinas feitas pela erosão dos córregos e rios. A região há 20 anos atrás era coberta por uma floresta luxuriante e contínua, hoje com numerosas e amplas abertas. A mata tem o mesmo aspecto observado no vale do rio Itaúnas; mata limpa e de árvores altíssimas. A devastação da floresta vai em grande adiantamento; felizmente a criação da Reserva Federal e de uma Estadual, ao lado da primeira, veio salvar um pequeno trecho da devastação. A providência do Governo infelizmente chegou um tanto tarde, pois nas vizinhanças do rio Barra Seca, NOexistem grandes abertas PRELOfeitas por “posseiros” clandestinos que, BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 35. 2014 51 dela agora afastados, deixaram largas cicatrizes na floresta, feitas pela brutalidade do fogo e inconsciência do machado. A direção da Reserva está procurando cicatrizar estas feridas pela abolição absoluta do fogo e do machado, permitindo que a floresta se reconstitua lentamente. É de grande interesse que se acompanhe com estudos ecológicos a evolução destas clareiras para floresta, a fim de que se possa ter uma idéia de como se formaram, e assim se conheçam as possibilidades e o tempo preciso para reflorestar as vastas áreas, que a ignorância associada à ganância descontrolada, procuram transformar nosso país, de belo e ubérrimo, em sapezal estéril e árido. Um fato que pudemos observar agora foi a existência de clareiras naturais em plena floresta e onde a transição da floresta para o campo é brusca, ficando as árvores como que debruçadas sobre um lago, lago de gramíneas e ciperácea. São pontos em que há um lençol impermeável no solo e que durante as chuvas se transforma, realmente, em pequeno lago onde a vegetação arbórea não medra. Estas clareiras merecem um estudo cuidadoso de ecologia vegetal.” Lauro Travassos & F. Teixeira de Freitas (1948: 608) Sistemas hídricos formam um dos maiores centros de diversidade do planeta (Myers et al., 2000) e um dos ambientes mais ameaçados do país pela expansão demográfica, agrícola e industrial (Dean, 1996). Os riachos da Mata Atlântica abrigam uma fauna peculiar de peixes, com vários casos de endemismo, resultantes do isolamento geográfico (Sabino & Castro 1990; Weitzman et al., 1996; Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro, 2007). A ictiofauna de riachos é composta por, pelo menos, metade de indivíduos de médio e pequeno porte, com até 150 mm de comprimento padrão (Castro, 1999). Rios e riachos que atravessam remanescentes de Floresta Atlântica sofrem graus variáveis de perturbação, notadamente pelo movimento de materiais e organismos pela água (Esteves & Lobón-Cervia, 2001; Mazzoni & Iglesias-Rios, 2002; Hilsdorf & Petrere, 2002). Atualmente os trechos melhor preservados encontram-se dentro de algumas reservas biológicas ou em regiões de cabeceiras de difícil acesso (Camargo et al., 1996). As principais formações de florestas nativas do Espírito Santo, na região Sudeste do Brasil, são as matas de tabuleiros e as matas da região serrana.NO Os tabuleiros ocorrem PRELO ao longo da costa brasileira, em áreas 52 SARMENTO-SOARES & MARTINS-PINHEIRO: PEIXES DO RIO BARRA SECA planas ou levemente onduladas, de baixas altitudes. No estado, as matas de tabuleiros ocupam uma faixa estreita ao sul e uma área expressiva ao norte, prolongando-se do rio Doce até o sul da Bahia. Apesar das dezenas de Unidades de Conservação (UCs) criadas no Espírito Santo, muitas áreas são pequenas, de maneira que não sabemos ao certo se podem proteger de maneira efetiva a biodiversidade. A ictiofauna tem sido desconsiderada de tal forma na delimitação de áreas de proteção que nenhuma das Unidades de Conservação do Estado possui em seu Plano de Manejo uma relação dos peixes existentes na Unidade respaldada por material catalogado em coleções zoológicas. A bacia do rio Barra Seca está situada no norte do Estado do Espírito Santo, Brasil (Fig.1a), inserida na Região Hidrográfica do Atlântico Sudeste (CNRH, 2003). O rio Barra Seca, escondido pela densa floresta ombrófila, permaneceu desconhecido até o século XX. Foi encontrado apenas na década de 1920, a 40 Km do litoral, quando foi aberta uma picada, entre Linhares e São Mateus, para passagem da linha telegráfica (Moraes, 1974). Foi então nomeado rio “misterioso” em referência às suas nascentes vindas de Nova Venécia em meio à densa floresta reinante na época. Somente após 1925, quando foi aberta uma outra picada ligando Nova Venécia a Pancas é que o “misterioso” foi identificado como sendo o próprio rio Barra Seca (Moraes, 1974). No baixo rio Barra Seca se encontra a lagoa do Suruaca, que no passado formava um lago que inundava toda a região pantanosa do Nativo e de Barra Seca. As impressões de tal lago ainda podem ser percebidas nas imagens por satélite. O lago ficava em um imenso pantanal que abrangia 174 mil hectares nos municípios de Aracruz, Linhares e São Mateus. O rio que vinha do oeste até esta lagoa e parecia não ter uma barra no mar, ficando por este motivo conhecido como rio Barra Seca. De fato a vazão das suas águas somadas às águas da lagoa e ainda do pantanal da Suruaca acontecia pelo rio Mariricu, que deságua no rio São Mateus. Isto fazia do rio Barra Seca uma sub-bacia do São Mateus. O vale do Suruaca por sua vez sofreu severas intervenções antrópicas em meados do século passado. Os alagadiços entre o baixo rio São Mateus e o baixo rio Doce, que compunham o vale do Suruaca, representavam a única faixa de terra do litoral não ocupada até o século XX (cf. Moraes, 1974). Na década de 1960 o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) dinamitou um cordão de arenito que bloqueava a saída para o mar, criando uma nova foz, nomeada Barra Nova.