UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

JEFFERSON FELIPE GALVAN MACCARI

O STORYTELLING COMO RECURSO ESTRATÉGICO NA AÇÃO DE LANÇAMENTO DO GRUPO MUSICAL “

Cuiabá 2018/1 JEFFERSON FELIPE GALVAN MACCARI

O STORYTELLING COMO RECURSO ESTRATÉGICO NA AÇÃO DE LANÇAMENTO DO GRUPO MUSICAL “LOONA”

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como exigência parcial para conclusão do curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação da Profª. Drª. Hélia Vannucchi.

Cuiabá 2018

Dedico a Hélia e a Hugo – âncora e farol que me guiaram nestes mares tortuosos.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, Cléa Terezinha, por ser minha eterna apoiadora e exemplo de perseverança. À minha orientadora, Hélia Vannucchi, por sua dedicação e cuidado. Nossa interação foi essencial para que este estudo chegasse à sua forma final. À minha banca, professoras Débora e Pâmela, pelos questionamentos pertinentes e pela admirável capacidade de se debruçar sobre um tema não tão familiar com imparcialidade. Por fim, aos meus amigos, por acreditarem no tema e na minha capacidade enquanto pesquisador.

“O tempo, escondido por um segredo misterioso Quando o segredo escondido está prestes a ser revelado” (LOONA. “Sonatine”.)

RESUMO

A presente pesquisa tem o objetivo de analisar a ação de lançamento do grupo musical coreano “LOONA”, que se desenvolve através de uma narrativa audiovisual previamente arquitetada. A popularização do k-pop ou pop coreano dentro da “Hallyu” ou Onda Coreana foi impulsionada pela Internet (principalmente, pelas mídias sociais) e é dentro deste cenário que surge o projeto “LOONA” (em coreano “Garota do Mês”). Como base para este estudo, busca-se a compreensão dos estudos de Janotti Jr. sobre os gêneros musicais, visando compreender o consumo da música pop numa sociedade digital e global. Além disso, buscou-se delimitar o conceito de storytelling – que vem ganhando espaço junto com a tendência do transmidiatismo – e como este é usado para agregar valor na estratégia de marketing apresentada, bem como analisar a reconfiguração da publicidade no ciberespaço que possibilita a realização do projeto comercial em questão. Esta pesquisa segue uma linha descritiva, visando retratar as características do objeto (grupo musical LOONA) para estabelecer a natureza das relações entre as variáveis delimitadas (sendo estas a prática do storytelling e o marketing digital).

Palavras-chave: Comunicação, Storytelling, Cultura Pop, Marketing, K-pop.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Cena do videoclipe “ViVid” (2017) ...... 19 FIGURA 2 - A Sala de Audição (1952) por René Magritte ...... 22 FIGURA 3 - Cena do videoclipe de "Heart Attack" (2018) ...... 23 FIGURA 4 - Cena do videoclipe de "Egoist" (2018) ...... 23 FIGURA 5 - Cena inicial do videoclipe de "ViViD" (2016) ...... 26 FIGURA 6 – Logotipo do grupo ...... 26 FIGURA 7 - Cena do videoclipe de "ViViD" (2016) ...... 27 FIGURA 8 – Cena do videoclipe “Love Cherry Motion” (2017)...... 29 FIGURA 9 – Cena do videoclipe “Love Cherry Motion” (2018)...... 29 FIGURA 10 – Capa do álbum “+ +” (2018) ...... 31

SUMÁRIO

Introdução ...... 8 1 - O Fenômeno Hallyu e a ascenção do K-pop ...... 10 2 - Desvendando o “Loonaverse”: A ação de lançamento do Grupo LOONA .. 16 3 - O storytelling na construção do universo imagético do projeto ...... 25 Considerações Finais ...... 32 Referências ...... 34

INTRODUÇÃO

Desde pequeno que dou por mim um ávido consumidor e admirador da indústria musical, em especial da música pop. Ao longo da vida acadêmica, comecei a me sentir instigado a utilizar do viés comunicacional para me debruçar sobre o assunto com um olhar que superasse o de um mero espectador. Para tal, foi preciso delimitar um segmento e fenômeno específico e eis que a escolha final foi o segmento do k-pop. K-pop é termo referente ao fenômeno cultural derivativo da expansão do mercado musical coreano, uma subcultura referente à indústria de música popular coreana que engloba diversos gêneros musicais apresentados sob as mais variadas estéticas. Muito me interessava – até mesmo enquanto consumidor e ouvinte – entender como este fenômeno tornou-se tão forte (ao ponto de ganhar uma denominação – “hallyu” ou “onda coreana” – devido ao seu impacto cultural no ocidente) e o que levava os jovens de diferentes países a consumirem o k-pop ao invés de outros estilos musicais. Ao pesquisar academicamente o tema, encontrei diversos estudos a respeito (muitos utilizando o conceito de soft power1 e da folkcomunicação2), até mesmo com abordagens quantitativas; então resolvi aprofundar o olhar sobre este campo, analisando a estratégia de marketing de um novo grupo musical coreano. Foi dentro deste contexto contemporâneo da cena musical coreana que me deparei com o grupo LOONA – um projeto que visa lançar um girlgroup de 12 integrantes através de uma ação de lançamento que ousa em termos de verba e duração. A estratégia apostou em criar um clima de mistério – análoga a de atos ocidentais como o projeto iamamiwhoami da cantora sueca Jonna Lee – e antecipação ao revelar uma garota a cada mês (o que faz referência ao nome do grupo, que em coreano significa “projeto ‘garota do mês’”), tendo cada uma delas uma cor, mês e animal representativo. O objetivo era tanto fazer com que o público se apegasse às

1 A expressão “poder brando”, cunhada pelo americano Joseph Nye no final da década de 1980, diz respeito à habilidade de influenciar os outros a fazer o que você deseja pela atração em vez de coerção. Ele se relaciona com o marketing na medida que um país utiliza desse recurso para promover uma imagem mais favorável na comunidade internacional, construindo sua identidade cultural a partir de pontos fortes (assim como uma marca). 2 Termo cunhado por Luiz Beltrão em 1967, referentes aos estudos da difusão da cultura popular através dos meios de comunicação de massa. 8 integrantes antes mesmo do lançamento oficial do grupo, quanto criar uma narrativa com um rico repertório de ritmos, temas e símbolos que se repetem e se interligam para dar base ao “Loonaverse” (termo que a companhia usa para se referir ao universo fictício em que se passa a narrativa). A campanha conta com videoclipes interligados, utilizando o conceito de storytelling. Para embasar este universo de pesquisa, a monografia se apoia numa pesquisa bibliográfica que foi preparada tendo como base publicações que colaboram na conceituação das variáveis estudadas: o consumo cultural e consumo midiático, subculturas juvenis, cibercultura, música pop e o objeto empírico k-pop. O conteúdo a ser analisado será coletado a partir do canal oficial do grupo no YouTube (consistindo de videoclipes), bem como teasers publicados na página oficial do Facebook. O presente trabalho está dividido em três capítulos. O ponto de partida é a contextualização do cenário contemporâneo do k-pop, utilizando como fonte as principais publicações online (sendo a principal delas “Os novos fluxos midiáticos da cultura pop coreana” de Marco André Vinhas de Souzas) sobre o tema, fazendo um sucinto registro histórico da ascensão desta subcultura. Também serão inseridos os conceitos de música popular massiva de Jeder Janotti Jr. e de Simon Frith. O capítulo acaba com a apresentação do grupo musical escolhido: LOONA. O segundo capítulo introduz o objeto de estudo dentro do cenário apresentado no Capítulo I. Nele contextualizo o recurso storytelling dentro do cenário publicitário e como o mesmo é empregado para enriquecer o projeto de lançamento do grupo musical sul-coreano LOONA. Também são apresentadas as análises dos símbolos, arquétipos e referências empregados para compor a narrativa que compõem a atmosfera do universo narrativo em questão. A localização e obtenção do material foi feita através de pesquisa on-line. Por fim, temos o terceiro capítulo, que conta com análises pontuais acerca dos videoclipes do projeto, seu desenrolar e as aspirações do grupo musical. Este capítulo tem por objetivo responder a questão: “como o ato de narrar, ao utilizar de gatilhos emocionais e arquétipos universais, enriquece a ação de lançamento do grupo musical ‘LOONA’ e aumenta o potencial de memorização da marca na mente do consumidor?”.

9

1 - O FENÔMENO HALLYU E A ASCENÇÃO DO K-POP

O termo “Hallyu” foi cunhado por jornalistas chineses para designar o “fluxo coreano” que estava em crescente propulsão no começo dos anos 1990, sendo utilizado para designar a produção audiovisual de cunho popular oriunda da Coreia do Sul. O que até então era um movimento de ordem transnacional, tomou proporções globais devido a políticas públicas que estimularam a produção cultural sul-coreana, bem como sua popularização através da Internet.

A queda do regime militar que controlava a Coreia do Sul e o processo de redemocratização entre as décadas de 1980 e 1990 determinaram a flexibilização das leis que limitavam a entrada de conteúdos estrangeiros de informação. Junto com a entrada de todo tipo de produto cultural estrangeiro, o fato determinou o fortalecimento e a diversificação da produção da cultura coreana. O contato com as culturas estrangeiras abriu a Coreia do Sul para uma série de influências que alargaram e enriqueceram as particularidades da criação cultural coreana. O processo acirrou-se com a crise dos Tigres Asiáticos, no final da década de 1990, quando os coreanos entraram decididamente numa fase capitalista, que demandava avolumar o diminuto mercado interno e passar à exportação. (SOUZA, 2015, p. 297)

Este marco inicial da escalada de sucesso do k-pop é popularmente conhecido como a primeira onda Hallyu. O início dos anos 2000 marcou a investida das grandes companhias coreanas no mercado japonês (segundo maior do mundo), com os idols (termo que designa os “ídolos” coreanos, já que eles não detém autonomia artística o suficiente para serem designados “artistas” e precisam desenvolver habilidades de canto, dança e atuação, sendo assim mais do que meros “cantores”) coreanos cantando em idioma local e fazendo certas modificações na roupagem já estabelecida para agradar este mercado. A investida em terras nipônicas foi um sucesso e a partir de 2010 foi que o k- pop explodiu com força total ao redor do globo, atingindo principalmente adolescentes e jovens adultos na América Latina, o Oriente Médio, Norte da África, África do Sul e Europa Oriental. Pode se dizer que videoclipe de Gee, do girlgroup Girls’ Generation

10 foi o primeiro grande hit global do k-pop, demarcando o clima colorido, frenético e “grudento”3 que viria a se tornar marca registrada do estilo. Desde então, a Hallyu já enfraqueceu e se recuperou diversas vezes, ganhando novamente destaque com o grande sucesso do artista solo PSY com o hit – com ares de viral – Gangnam Style, em 2012. O artista chegou a ir em premiações norte- americanos e até mesmo dividiu o palco com Madonna, mas não teve uma longevidade tão boa quanto as pioneiras do Girls’ Generation. Atualmente a maior força internacional do k-pop é a boyband BTS, que vem ganhando força desde 2016 e criando uma cultura de fandom4 tão intensa a ponto de se tornar um símbolo identitário para adolescentes ao redor do globo5. Apesar de ter uma ampla variedade de ritmos musicais – de reggae até bossa nova – o k-pop pode ser definido como um gênero musical, se pensarmos sob a perspectiva de Frith (apud Janotti, 2016) de que o gênero pode ser pensado a partir de convenções sonoras e de sociabilidade. Sendo assim, vários elementos compõem um gênero: gravadoras, artistas, meios de comunicação, redes sociais, público consumidor. Tendo isso em vista, podemos classificar o gênero da música pop coreana dentro de um contexto cultural e mercadológico em que gravadoras recrutam idols por sua juventude e carisma para desenvolver determinado conceito, visando atingir um público consumidor que em geral é jovem, antenado a redes sociais e familiar a música pop.

Os gêneros seriam, portanto, modos de mediação entre as estratégias produtivas e o sistema de recepção, entre os modelos e os usos que os receptores fazem desses modelos por intermédio das estratégias de leitura dos produtos midiáticos. Antes de ser um elemento imanente aos aspectos estritos da música, o gênero estaria presente no texto pelas suas condições de produção e consumo. (JANOTTI JR., 2006a, p. 39)

3 Do inglês “catchy”: refere-se à capacidade que determinada produção cultural – geralmente de cunho popular e massivo – tem de ser lembrada por quem a consome.

4 Aglutinação da expressão em inglês “fan kingdom”; “reino dos fãs” em tradução livre e que se refere a comunidade de fãs/seguidores de um artista ou fenômeno.

5 Fonte: . Acesso em: 1 Out. 2018. 11

Musicalmente,

(...) nós só podemos ouvir música como algo com valor quando nós sabemos o que e de que modo ouvir. Nossa recepção da música, nossas expectativas em relação a ela, não são inerentes à música em si – uma das razões para boa parte das análises musicológicas da música popular não acertar o alvo: seu objeto de estudo, o texto discursivo e sua construção, não é o texto que qualquer um ouve. (FRITH, 1996, p. 26 apud JANOTTI JR., 2007, p.6)

O marketing do mercado musical sul coreano é intenso e voltado tanto para os consumidores coreanos quanto alinhado a estratégias que visam abarcar o multiculturalismo. É comum que grupos sejam criados com um certo número de integrantes chineses e japoneses, para tornar mais fácil o intercâmbio do grupo no leste asiático. Existe também uma forte ligação entre o idol e seu fã num nível que extrapola os limites do pop ocidental. É comum a realização de eventos em locais públicos conhecidos como fanmeetings (em tradução literal: “encontros com fãs”), que funcionam como uma espécie de sessão de autógrafos, porém mais interativa, visando estreitar os laços entre os dois lados. A própria imagem dos idols é um produto a ser vendido para o público. Além de habilidades artísticas, estes profissionais precisam também ser pessoas públicas cativantes, não podendo se envolver em escândalos. Ainda é uma convenção aceitável a de que os idols não devem assumir relacionamentos amorosos publicamente, posto que isso atrapalharia a fantasia dos fãs de imaginarem essas figuras como objeto de afeto e de desejo. A imagem do grupo também é de extrema relevância: quanto maior a – aparente – intimidade entre os integrantes de um grupo for transmitida, maiores são as chances do grupo adquirir novos fãs e prosperar. Um dos maiores exemplos disso é o já citado grupo feminino “modelo” do k-pop, Girls’ Generation, cuja imagem de “família” e “amigas para sempre” foi pilar central do marketing do grupo por anos (até que a expulsão de uma das integrantes acabou mostrando que na realidade nem tudo era tão pacífico quanto a empresa e as integrantes tentavam aparentar). Essa

12 interação também dá margem para os chamados shippers6, fãs que criam casais formados por integrantes (em geral do mesmo grupo, ou seja, de mesmo sexo).

(...) todo gênero pressupõe um consumidor em potencial. (...) Compreender a estética da música popular massiva é entender também a linguagem na qual julgamentos de valor são articulados e expressos e em que situações sociais eles são apropriados. (JANOTTI JR, 2004: p. 37)

Podemos conceituar a música popular massiva como o encontro entre a cultura popular e os artefatos midiáticos, que se configura e se diferencia da música erudita principalmente pela particularidade do ritmo (JANOTTI JR, 2006b). A regularidade rítmica e melódica com grande valorização do refrão (peça chave de qualquer grande canção popular) são os preceitos desse segmento, bem como os temas recorrentes (sendo o amor o mais comum deles).

(…) Meu ponto principal é que para a maioria da audiência de música popular massiva o modo mais fácil de entrar na música é quase sempre através do ritmo, através de movimentos regulares do corpo (nós todos podemos participar da ação percussiva da música, mesmo se nós não tivermos quaisquer habilidades musicais). Seguindo essa perspectiva, a diferença entre as músicas de base africana e europeia descreve somente as convenções requeridas para os diferentes tipos de eventos musicais: músicas mais participativas são ‘ritmicamente’ mais complexas (e harmoniosamente simples); músicas mais contemplativas são ‘ritmicamente’ mais simples (e harmonicamente mais complexas). (FRITH, 1996, p. 142 apud JANOTTI JR, 2006a)

Tendo em vista que os maiores êxitos de uma música coreana no mercado norte-americano (que dentro do universo da música pop seria como o panteão dos artistas desse segmento) foram conquistados por Gee (2009) e Gangnam Style (2012), é notável a potência que tem um refrão marcante aliado a um ritmo de fácil assimilação. Ainda mais se levarmos em conta a tentativa propositada de adentrar no mercado norte-americano do já consagrado Girls’ Generation em 2011 (apenas dois anos após o hit global Gee) com a música The Boys: com uma roupagem mais madura, uma estrutura menos formular e uma versão em inglês, a música não agradou

6 Termo que denomina aquele que apoia ou torce por determinado casal (em geral fictício) – do inglês “ship”, uma redução para “relationship” (relacionamento). 13 tanto quanto sua predecessora “fofa” e repetitiva. O grupo chegou até mesmo a se apresentar na TV norte-americana, mas sem grande impacto. Uma das possíveis explicações é que o imaginário comum que se tem do pop asiático para o ouvinte não familiar ao k-pop é o de um universo colorido, maximalista e infantilizado. O marketing digital desempenha forte papel neste mercado, que disponibiliza uma gama de aplicativos para que os consumidores acumulem pontos e votem em seus favoritos em programas musicais (que contam com premiação). A maioria dos programas é transmitida online e, o fato da Coreia do Sul contar com uma alta conectividade de rede e uma velocidade de dados muito rápida, permite a transmissão e disponibilidade de conteúdo em alta qualidade de imagem. As redes sociais das empresas e dos idols também são fortes ferramentas para alimentar a relação de famoso vs. anônimo, através de vídeos periódicos mostrando os bastidores e rotina dos grupos. O processo de um lançamento de um disco passa por uma série de etapas visando aguçar a curiosidade de possíveis consumidores, sendo em geral liberadas fotos, depois trechos do videoclipe principal e posteriormente a prévia de cada música, culminando no lançamento com apresentações em programas musicais, que permitem que os grupos e solistas concorram às premiações baseados em suas vendas e popularidades. As legendas em inglês tem se tornado um recurso cada vez mais comum por parte das empresas que buscam um apelo global e, mesmo antes desse recurso ser empregado oficialmente, os próprios fãs já se dispunham a traduzir as músicas em vídeos que contam com a letra da música com divisão de linhas para cada integrante (definidas por cor) e até a distribuição que cada um tem na letra. Os covers de dança também são outra ferramenta de popularização forte que parte dos fãs (com o tempo as empresas passaram a realizar também concursos em que os idols escolhem seus covers favoritos). No universo do k-pop também há espaço para os solistas, mas a grande aposta das gravadoras são os grupos – que englobam diferentes categorias de integrantes, como vocalistas, dançarinos, rappers e até mesmo visuais (os integrantes que considerados mais belos segundo o padrão estético coreano e que vão carregar a imagem do grupo em comerciais, minisséries e programas de TV). Com o mercado

14 idol se popularizando no país, a tendência é de grupos cada vez maiores e que muitas vezes se dividem em “subunidades”, com diferentes combinações de integrantes. Em conclusão, o cenário que engloba a música popular coreana é amplo e envolve uma indústria cultural, constituindo uma manifestação maquinal produzida de forma calculada e visando o consumo – diferente da cultura de massa que surge espontaneamente e nasce internamente numa comunidade (ADORNO, 1971). Essa indústria se articula através de diversos braços: grandes (e pequenas) empresas, idols que treinam durante anos até conseguir sua chance de “debutar”7 em um grupo, fãs fervorosos que de certa forma também formam uma unidade através de símbolos de reconhecimento (nome de fandom, fanchants8, lightsticks9, interação nas redes sociais – e também fora dela), as emissoras coreanas voltadas para programas musicais e de variedade, os empresários, produtores e demais profissionais que trabalham nos bastidores definindo conceitos, músicas e imagem que serão vendidos por determinado grupo, os videoclipes e a própria internet. Sendo assim, torna-se possível situar o k-pop enquanto gênero dentro da música popular massiva, localizando aspectos como as lógicas de produção e consumo, as estratégias discursivas e as ideologias socialmente construídas. É neste contexto contemporâneo da cena musical coreana que surge o grupo LOONA, apoiado por uma ação de lançamento sem precedentes em termos de verba e duração até mesmo para o inventivo mercado do k-pop. A ideia era lançar uma garota por mês durante 12 meses para então completar uma “lua cheia”, mas o projeto acabou se estendendo por contar com o lançamento das ditas “subunidades” citadas anteriormente. Cada integrante conta com um single (um mini-álbum que geralmente conta com duas músicas, chamadas de a-side – a faixa título – e a b-side – faixa de acompanhamento), um videoclipe e um mês de divulgação – através do canal oficial do grupo em pequenos vídeos denominados “LOONA TV” e os fanmeetings em que interagem com os fãs.

7 Do inglês “debut”: termo que se refere à estreia oficial de um grupo marcada geralmente por um álbum (ou mais comumente um mini álbum) e apresentações em rede televisiva. 8 Os chamados “gritos de guerra” que os fãs entoam durante as apresentações ao vivo de seus grupos favoritos. 9 Os artistas pop coreanos contam com bastões luminosos que os fãs hasteiam durante os shows. Geralmente tem uma cor representativa, bem como um design específico baseado na estética que o artista ou grupo representa. 15

O diferencial que este grupo traz é o fator de antecipação, que deixa os seguidores ansiosos pelo próximo passo do projeto. A companhia recrutou diversas trainees (termo que define os aspirantes a idols), as quais seriam então escolhidas através de testes internos. A especulação de quem seria a próxima garota a ser revelada foi um forte fator de impulsionamento. Outro fator importante foi a criação e discussão de teorias a respeito dos videoclipes, que gerou até mesmo um “grupo de estudos” organizado pela própria companhia (demonstrando uma grande capacidade de aproveitar as oportunidades). Estes dois aspectos serão tratados com mais profundidade no próximo capítulo.

2 - DESVENDANDO O “LOONAVERSE”: A AÇÃO DE LANÇAMENTO DO GRUPO LOONA

O ato de narrar remonta dos primórdios da humanidade e das pinturas rupestres, passando pela revolucionária criação da imprensa e chegando até a era digital. A existência humana foi permeada de narrativas, factuais ou ficcionais. A tradução literal de storytelling é precisamente “contar uma história”. Dentro do marketing esse recurso tem por objetivo emocionar, envolver e conquistar seu interlocutor, agregando assim valor ao produto e/ou marca.

Para entender o que digo é preciso saber a diferença entre as duas palavras da língua inglesa: history e story. A primeira está relacionada a fatos reais, como o homem ter chegado à Lua, ou a algum fato que ocorreu na vida de alguém. A segunda é uma estrutura narrativa, não necessariamente ficção, representa episódios que, alinhados, criam a História. Por exemplo, a história de um povo consiste em várias stories, isto é, anedotas, historietas, episódios da vida cotidiana, mitos, e etc. (CASTRO, 2013, p. 3).

Ou seja: story é o conteúdo, telling é a forma com que esse conteúdo será disposto e apresentado. Em tempos de modernidade líquida, onde o fluxo de informações é frenético e ao mesmo tempo superficial, o recurso do storytelling se prova importante para conquistar a atenção e, mais importante, o engajamento do interlocutor. As narrativas emocionais ampliam a presença do produto na memória do

16 consumidor, criando assim uma relação afetiva que tem chances de se tornar duradoura.

(…) A narrativa está presente em todos os lugares, em todas as sociedades; não há, em parte alguma, povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos tem suas narrativas, e freqüentemente estas narrativas são apreciadas por homens de cultura diferente, e mesmo oposta: a narrativa ridiculariza a boa e a má literatura: internacional, transhistórica, transcultural, a narrativa está aí, com a vida. (BARTHES, R. 1971, p. 20 apud FERNANDES, F. 2007, p. 1)

Para a criação de uma narrativa de fácil identificação, é comum se trabalhar com temas “universais” e símbolos/imagens que sejam de fácil identificação para o interlocutor. No caso do LOONA, o uso de símbolos precede até mesmo os videoclipes do grupo, já que as integrantes são representadas por no mínimo uma cor e um animal – e em alguns casos por locações/países, meses e frutas. Essas associações fazem com o que grupo seja facilmente lembrado pelos seus seguidores, trilhando um caminho mais rápido para um laço afetivo com o consumidor do produto. A Tabela 1 traz a relação das integrantes e suas representações (mês, animal e cor). A ordem apresentada é a de revelação de cada integrante.

Tabela 1: Relação das integrantes e suas representações

GRUPO LOONA Nome Representação de Nome de Nascimento Animal Representativo Cor Representativa Artístico Mês

HeeJin Jeon Heui-jin Garota de Outubro Coelho Rosa choque (희진) (전희진)

HyunJin Kim Hyun-jin Garota de Gato Amarelo (현진) (김현진) Novembro

HaSeul Jo Ha-seul Garota de Pássaro Verde escuro (하슬) (조하슬) Dezembro YeoJin Yeo-jin Garota de Janeiro Sapo Laranja (여진) (임여진)

ViVi Wong Viian Garota de Cervo Rosa pastel (비비) (黃珈熙/황가희) Abril

Kim Lip Kim Jung-eun Garota de Coruja Vermelho (김립) (김정은) Maio

JinSoul Jung Jin-sol Garota de Peixe Beta Azul Azul (진솔) (정진솔) Junho

17

Choerry Ye-rim Garota de Morcego-das-Frutas Roxo (최리) (최예림) Julho

Yves Ha Soo-young Garota de Cisne Borgonha (이브) (하수영) Agosto

Chuu Kim Ji-woo Garota de Pinguim Pêssego (츄) (김지우) Setembro

Go Won Park Chae-won Garota de Borboleta Turquesa (고원) (박채원) Fevereiro

Olivia Hye Son Hye-Ju Garota de Lobo Prata (올리비아 혜) (손혜주) Março

Fonte: Wikipedia. Disponível em:

Se a representação de cada “personagem” é bem delimitada, a trama por outro lado funciona como vários estilhaços que podem ser montados de acordo com a interpretação do interlocutor. Não é uma narrativa seriada e convencional, mas sim uma jornada simbólica e complexa. Ao fazer um estudo sobre a produção audiovisual da televisão norte-america, Mittell postulou:

Algumas transformações na indústria midiática, nas tecnologias e no comportamento do público coincidiram com o surgimento da complexidade narrativa sem, contudo, operarem como razão principal de tal evolução formal (MITTELL, 2012, p. 33).

Mittell (2012) deixa claro que a complexidade narrativa não pode caminhar ao lado da valoração, portanto não é superior às narrativas convencionais, mas sim uma nova tendência decorrente de implicações culturais a ser estudadas. Este tipo de narrativa multifacetada oferece uma gama de oportunidades criativas e uma perspectiva de retorno diferenciada por parte do público, mas o autor frisa que sucesso da narrativa depende da execução e da recepção da mesma – e não do tipo de narrativa. Sendo um produto de cultura popular em massa, os videoclipes do LOONA usam de símbolos que tendem a ser lidos como “universais”: desde referências a contos de fadas consagrados à filmes dos anos 1990. O videoclipe que dá início ao projeto, por exemplo, narra a entrada da primeira integrante, Heejin, num mundo de cores, logo depois que ela encontra um coelho branco (em referência à narrativa mundialmente conhecida de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll). O clipe

18 se encerra com um efeito que lembra a estética de pinturas surrealistas, delimitando a temática “artística” que o grupo viria a abraçar. O videoclipe “ViVid” de certa forma dita diversas tendências visuais e simbólicas que viriam a se tornar marca do grupo: o uso de cores vibrantes e que chamam atenção (amarelo e vermelho), a temática da dualidade (já que no videoclipe são retratadas duas personagens contrapostas: a garota comum que trabalha como serviçal e a patroa rica), o uso de símbolos que se multiplicam conforme o decorrer do videoclipe e principalmente a linguagem visual com enquadramentos que remetem à estética do universo dos quadrinhos.

FIGURA 1 - Cena do videoclipe “ViVid” (2017)

Fonte: < https://www.youtube.com/watch?v=-FCYE87P5L0>. Acesso em 10 Jun. 2018.

Outra característica comum ao conteúdo audiovisual do grupo são os chamados easter eggs10: detalhes nos cenários dos videoclipes que tem – ou levam a crer que tenham – um significado dentro da narrativa (muitas vezes usado para desvendar algum mistério previamente apresentado). É comum que integrantes previamente apresentadas façam aparições misteriosas nos videoclipes posteriores, suscitando teorias e ao mesmo estabelecendo um sentimento de familiaridade com o espectador.

10 Do inglês: “ovo da páscoa” (remetendo à tradição norte-americana de esconder ovos de páscoa no quintal de casa para que as crianças encontrem), diz respeito aos conteúdos ocultos em diferentes mídias 19

O grupo também criou conteúdos extras a partir de uma série de eventos realizados em cinemas, “LOOΠΔ Cinema Theory: Up & Line”, que apresentou os videoclipes em um formato cinematográfico, unindo-os através de novas inserções de conteúdo (muitos sem um apoio musical). Mesmo sendo um conteúdo comercial limitado geograficamente, os vídeos extras logo foram postados em plataformas de compartilhamento de vídeos. Somando-se os conteúdos extras aos hábitos que os consumidores do grupo musical LOONA desenvolveram, como o de compartilharem suas inquietações em fóruns de fãs e também nas redes sociais, nos deparamos com um caráter transmidiático da narrativa. Esse caráter se define, segundo Jenkins (2008 apud Fechine, 2014) em que os consumidores operam como agentes criativos fundamentais para a constituição do universo ficcional ofertado, já que eles definem os usos das mídias e o conteúdo circulado entre elas e estabelecem suas próprias conexões, montando suas próprias cronologias e significações. Essa experiência representa um ato de imersão mais profundo do que a simples prática de releitura de um texto em busca de novas significações. Se em “ViVid” ficava implícito o tema de conto de fadas (tanto referências à Cinderela e principalmente à Alice no País das Maravilhas), em “Heart Attack” a própria companhia trata de deixar claro as influências na descrição do vídeo no YouTube (em tradução livre):

”A faixa título ‘Heart Attack’ não interpreta os sentimentos de se apaixonar de maneira séria, mas da própria maneira adorável e ‘emoticonesca’ de Chuu. O videoclipe contém referências à figuras históricas e ficcionais, como ao artista René Magritte, o conto de Hans Christian Andersen ‘A Pequena Vendedora de Fósforos’ e o romance de John Appleby ‘Aphrodite Means Death’.”11

Além de contar com um conjunto prolífero de referências, o clipe conta com cenas de autorreferência (em que uma integrante assiste o clipe de sua antecessora no próprio YouTube e imita seus passos de danças) e constrói nas entrelinhas a narrativa de um romance homoafetivo (que rendeu ao grupo um artigo online no site

11 Fonte: . Acesso em: 13 Jun. 2018.

20 da renomada revista norte-americana especializada em música, Billboard12), demonstrando interesse e certo alinhamento com as pautas emancipatórias (dentro da medida do possível para um projeto que visa lucro dentro de um cenário capitalista). Tornar canon13 as teorias dos fãs (como a interpretação de que o clipe de “Heart Attack” trata de amor romântico, ideia que foi reforçado no clipe “seguinte” desse arco, “love4eva”) para reafirmar que as obras audiovisuais do grupo são carregadas de referências e detalhes implícitos foi um passo perspicaz em termos de marketing por parte da companhia. Carregar ainda mais os vídeos de referências e detalhes implícitos acabou sendo uma espécie de validação, por parte da empresa, dos debates e teorias que se formam em torno da trama que envolve o “Loonaverse”, da qual fãs tão dedicadamente se ocupam de entender no espaço virtual. Fazendo uso de símbolos (como a maçã sendo a representação de rebeldia e quebra de paradigma, o coelho sendo a porta para o novo mundo, o lobo como símbolo do isolamento, espelhos como portais para diferentes universos) e criando mistérios – que em certo nível remetem ao de séries audiovisuais bem sucedidas como Lost – o projeto conseguiu provocar familiaridade e ao mesmo tempo estranhamento ao misturar pop chiclete e girlgroup (elementos que normalmente são ligados a um imagético mais divertido e glamouroso) com referências artísticas e literárias (até mesmo bíblicas). As referências às obras de arte do pintor surrealista René Magritte, carregadas de ressignificação de objetos cotidianos e que trabalham a ideia do poder no que está oculto, se alinharam muito bem ao conceito do grupo - que tem como símbolo a lua crescente, em analogia ao processo de revelar uma integrante por mês. O recurso de anunciar a próxima garota (com o rosto borrado) foi uma importante ferramenta para aumentar o suspense e dar um ar de importância para o projeto.

12 Fonte: . Acesso em: 13 Jun. 2018. 13 Outro jargão da cultura de fãs, “canône” (do grego “kanón”, utilizado para designar uma vara que servia de referência como unidade de medida). O termo adquiriu o significado geral de regra, preceito ou norma.e dentro desse contexto diz respeito ao conteúdo oficial de uma obra, criado originalmente pelo(s) autore(s) – contrapondo-se ao “fanon”, que diz respeito a criação dos fãs à partir da obra; como teorias, fanfics, ships, etc 21

No caso de Heart Attack (videoclipe, Figura 3), cria-se uma analogia entre a obra abstrata “A Sala de Audição” de Magritte (Figura 2) e os sentimentos da personagem principal, Chuu. No videoclipe, Chuu persegue sua ídola, Yves (uma integrante previamente apresentada), almejando ser como ela (relação comum entre fãs e ídolos). Sua intenção é entregar-lhe uma maçã como símbolo de seus sentimentos, porém ela falha miseravelmente em suas tentativas. A proporção da maçã varia conforme os seus sentimentos pelo objeto de desejo, até chegar ao ponto de tomar todo o espaço do seu quarto, que, no vídeo, representa a consciência da personagem Chuu.

FIGURA 2 - A Sala de Audição (1952) por René Magritte

Fonte: . Acesso em: 13 Jun. 2018.

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FIGURA 3 - Cena do videoclipe de "Heart Attack" (2018)

Fonte: . Acesso em: 13 Jun. 2018.

A construção da narrativa que perpassa os videoclipes do grupo ocorre de forma fragmentada e que se apresenta como uma rica jornada visual (apoiada pelos textos descritivos) como “guias” a serem interpretadas pelos espectadores. Uma outra referência do time criativo foi que o universo fictício que dá base à narrativa seria como uma fita de Möbius, criando dobras em si própria, se revisitando frequentemente e sem uma linearidade temporal clara.

FIGURA 4 - Cena do videoclipe de "Egoist" (2018)

Fonte: . Acesso em: 3 Jul. 2018.

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O fim do projeto teve forte ligação com esse símbolo, ao colocar no fim do último videoclipe uma aparição da primeira integrante revelada. Ao atravessar a fita, passando por seus dois “lados”, voltamos ao ponto de partida. O ciclo se encerra e ao mesmo tempo recomeça, numa espécie de looping em que cada vez que revisitamos um certo ponto da história, esta ganha novas nuances e camadas.

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3 - O STORYTELLING NA CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO IMAGÉTICO DO PROJETO

ViVid, o primeiro videoclipe do projeto, foi lançado em outubro de 2016 e apresentou-se como uma gênese do projeto. A letra conta a história de um mundo sem cores, que precisa ser colorido pela protagonista para então se tornar “vívido”. Esse artifício delimita bem o caráter que ViViD (ou “ViV:D”, estilizado assim para remeter a um emoji – forma de comunicação que surgiu no espaço virtual e utiliza pictogramas como códigos) tem de ser o ponto de partida do projeto. As cores, que avançando sobre a tela em preto e branco da introdução do videoclipe, funcionam como uma alegoria para o conceito do grupo, em que as integrantes se revelam gradualmente; cada uma representando uma cor e adicionando uma nova camada ao universo narrativo do projeto. Os elementos escolhidos para simbolizar a primeira integrante também são ricos em significações: o coelho, que está presente na cultura de diversos povos ao longo da história como símbolo de nascimento e fertilidade, além de aparecer no clássico “Alice no País das Maravilhas” como mensageiro de um novo mundo. A cor escolhida para representar esse primeiro capítulo é o rosa-choque, tom que, segundo os conceitos de psicodinâmica das cores de Modesto Farina, transmite a ideia de feminilidade, interesse, atenção, ousadia e descontração. A justificativa para tal abordagem é de que o projeto apresenta fins mais comerciais do que artísticos e, portanto, de acordo com Farina (2006 p.14) devemos considerar o contexto para entender a função de uma escolha de cor.

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FIGURA 5 - Cena inicial do videoclipe de "ViViD" (2016)

Fonte: . Acesso em 13 Ago. 2018

O clipe se inicia com uma cena em preto e branco, representando a pré-gênese do loonaverse. Também somos apresentados à introdução, que conta com a logo do grupo (elemento que se repetirá por toda a videografia do grupo). Em coreano o nome do grupo é 이달의 소녀, sua escrita romanizada é "idalui sonyeo”. Sua tradução é, literalmente, Garota do Mês ou Garota da Lua. (a sílaba 달 [dal] signica tanto “mês”, quanto “lua”). Outro “easter egg” pode ser encontrado na própria logo oficial (que se apresenta como uma animação na introdução dos videoclipes), em que os primeiros caracteres das sílabas do nome em coreano formam a escrita estilizada do grupo

(이달의 소녀  ㅇ ㄷ ㅇ ㅅ ㄴ  LOOΠΔ).

FIGURA 6 – Logotipo do grupo

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Fonte:

Logo depois somos apresentados ao animal e cor representativa da primeira integrante:

FIGURA 7 - Cena do videoclipe de "ViViD" (2016)

Fonte: . Acesso em 13 Ago. 2018

O coelho, então, dá lugar a vários coelhos, sendo a multiplicação o principal conceito que define o tom do clipe: Heejin vai preenchendo o quarto com novas cores, novos coelhos (novas garotas) e assim criando um novo mundo. Além disso, o clipe faz uma oposição entre as figuras da patroa autoritária e da inocente faxineira (ambas retratadas por Heejin), estabelecendo familiaridade com o espectador ao remeter ao popular conto da Cinderela. Ao longo do clipe, a personagem da faxineira ganha confiança e passa a ser dona de si mesma - ainda que, ao final do videoclipe, seja revelado que tudo não passava de um sonho (reafirmando o aspecto cíclico e onírico do projeto). Ao final do videoclipe, a campainha soa indicando um novo visitante, fazendo alusão a próxima garota a ser apresentada. ViViD traz também diversos elementos que viriam a se repetir nos clipes do projeto: objetos de cores fortes e chamativas (amarelo, vermelho, roxo) num cenário de cor mais clara, imagens de forte simbologia e emprego de arquétipos (em geral de 27 contos de fadas). Desde o lançamento deste videoclipe, mais 11 clipes solos foram lançados, entremeados por 3 clipes das chamadas units (pequenos grupos de combinações diferentes das integrantes) e 1 clipe de lançamento oficial contando com as 12 integrantes. Apesar dessa linguagem rica em simbolismos se fazer presente desde o lançamento, a princípio não ficava claro que havia uma narrativa unindo estes videoclipes. Essa suspeita se dava através de pistas não tão conclusivas, porém, no 8º clipe do projeto, foram introduzidos elementos que explicaram melhor o tom quadrinesco e multivérsico da narrativa. Em “Love Cherry Motion”, somos introduzidos à uma integrante com certas “peculiaridades”: Choerry (trocadilho com a “cherry” – do inglês, cereja – e seu nome real – Choi Yerin). No clipe, a protagonista se apresenta como uma colegial comum, que está aproveitando o verão com suas amigas (integrantes previamente apresentadas). Eis que então ela morde uma cereja (simbolizando, no clipe, o fruto proibido) e é levada a um “outro mundo”. Com este videoclipe fica delimitado, então, o caráter multidimensional do “Loonaverse”, com a apresentação de uma viajante dimensional – tema que se torna essencial para a construção do universo narrativo apresentado. Na imagem abaixo, podemos ver Choerry, em sua dimensão particular – indicada pela grama roxa, cor que simboliza a integrante – com espelhos (símbolo que comumente representa um portal para outros mundos, na linguagem ficcional) formando asas de morcego (seu animal representativo).

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FIGURA 8 – Cena do videoclipe “Love Cherry Motion” (2017)

Fonte: . Acesso em: 1 Out. 2018

A personagem Choerry passa então a ter a missão de viajar entre os mundos e reunir as demais integrantes. Esse viria a ser o tema para o último videoclipe do grupo, “Hi High”, em que as integrantes literalmente correm para saltar entre dimensões.

FIGURA 9 – Cena do videoclipe “Hi High” (2018)

Fonte: . Acesso em: 1 Out, 2018.

Os mistérios do Loonaverse são, então, finalmente revelados através da descrição do videoclipe de lançamento, em tradução minha, a seguir:

LOOΠΔ nasceu no seu universo próprio com três times estruturados de formas únicas. Em outras palavras, não foi concebido como um grupo se dividindo em três unidades, mas três times foram construídos para criar um universo. LOOΠΔ 1/3 é a combinação das garotas presentes no planeta Terra. Essas garotas representam os cenários mais realistas e práticos que podem ser facilmente encontrados nas

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ruas ou colégios. HeeJin, HyunJin, Haseul e Vivi começam suas histórias na França, Japão, Islândia e Hong Kong para se unirem-se como uma só. LOOΠΔ / ODD EYE CIRCLE se localiza entre a Terra e o Cosmos. O começo do ODD EYE CIRCLE se deu ao vislumbrar três luas (ODD). De modo mutativo ou varietal, essas garotas se reúnem para formar o ODD EYE CIRCLE e demonstram ter controle de seus relacionamentos ao invés de esperar passivamente como a unidade anterior. LOOΠΔ / é também conhecido por “Edenismo”, já que se passa para além da terra do 1/3 e da terra média do ODD EYE CIRCLE, num lugar que chamamos de “utopia”. Mas as garotas do Eden decidem negar as regras do local para se aventurar numa jornada proibida em que buscam suas próprias identidades. As emoções de cada garota: fé, esperança, amor e raiva se juntam para formar uma entidade nomeada yyxy. (...) O vídeo oficial de “Hi High”, dirigido pelo diretor visual Digipedi, narra como o LOOΠΔ 1/3 se encontra com o ODD EYE CIRCLE, e como essas garotas se unem com o yyxy para subir ao céu, com inúmeros simbolismos visuais ocultos entre as cenas.14

Através das units (grupos formados por porções de integrantes, que ganham conceitos e subtítulos identitários), foi delimitado o conceito das diferentes dimensões. É interessante notar como as garotas do grupo que se localiza no universo que seria o mais próximo do “mundo cotidiano” apresentam nomes coreanos comuns (HeeJin, HyunJin, HaSeul, Yeojin, ViVi), enquanto que as que ficam na dimensão intermediária apresentam nomes com trocadilhos (Kim Lip, Choerry, JinSoul). Por fim, as garotas que vivem na “utopia” têm nomes completamente fantasiosos (Yves, Chuu, , Olivia Hye). Estes detalhes denotam um certo grau de planejamento prévio por parte da equipe criativa ao criar os subgrupos. Esta ideia é apresentada também visualmente na capa do álbum de lançamento, intitulado “++”. Para tal, foi utilizado um trampolim com quatro patamares em que as integrantes foram organizadas de acordo com o subgrupo e dimensão designada (existe um patamar exclusivo para a integrante mais nova do grupo que, devido à sua pouca idade na época do lançamento do primeiro subgrupo e, portanto, sua impossibilidade legal de promover em programas musicais, acabou ganhando uma trama especial em que ela teria se perdido ao viajar entre as dimensões).

14 Fonte: . Acesso em: 1 Out. 2018. 30

FIGURA 10 – Capa do álbum “+ +” (2018)

. Acesso em: 1 Out. 2018.

Desta forma, o grupo fechou, após um período de quase dois anos de um projeto de pré-lançamento, o primeiro capítulo introdutório de sua narrativa audiovisual, mesclando referências artísticas, símbolos de alto teor semiótico e um conceito de multiverso típico das histórias de quadrinhos de super-heróis para compor um produto comercial com um forte apelo no cenário musical contemporâneo. Quanto aos rumos futuros do grupo, estes ainda são incertos, porém algumas pistas já foram dadas: novos subgrupos poderão ser criados15, dando origem à novas narrativas – uma perspectiva instigante que faz jus às condições peculiares de lançamento do grupo musical analisado.

15 Fonte: . Acesso em: 1 Out. 2018. 31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que o projeto “Garota do Mês”, idealizado para lançar no mercado o grupo musical LOONA, utiliza de uma linguagem quadrinesca, ao mesclar múltiplos universos que se entrecruzam, para criar uma narrativa complexa (não linear) rica em símbolos e mistérios, a fim de envolver e fidelizar o espectador. Ao invés de eventos facilmente decifráveis e encaixáveis em uma linha do tempo, temos uma sucessão de símbolos, indícios e episódios abertos à interpretação, que culmina na revelação do mistério maior através do videoclipe oficial de lançamento. A marca LOONA trabalha fortemente seus valores identitários ao criar uma coerência temática: em cada mês, uma nova integrante (designada por um animal e cor representativos) se revela, para formar subgrupos que por fim formarão o grupo completo ao final do projeto, processo comparável a um ritual para os seguidores do grupo. Através de termos cunhados, como “Loonaverse” (que designa o universo narrativo criado para cimentar o grupo), possibilita-se um caráter imersivo, em que elementos do mundo real ganham um caráter ficcional (um exemplo é o nome do último subgrupo: uma entidade formada por 4 integrantes de nome “yyxy”, que indica um caráter sobre-humano ao subverter o conceito biológico de cromossomos sexuais do sistema XY). Outro elemento pseudocientífico (por sua vez oriundo da geometria) é o da Fita de Möbius (símbolo escolhido pelo produtor do projeto, Jaden , para representar o grupo), um espaço topográfico que, apesar de aparentar ter dois lados, tem na verdade apenas um lado e uma borda – formato em que estariam dispostos os subgrupos que compõem o “Loonaverse”. Utilizando dessas diversas camadas de significação, podemos concluir que o projeto teve êxito ao utilizar da ferramenta de storytelling para criar uma narrativa com ares de sci-fi16 e suspense, na qual a informação raramente se revela por completo ao espectador, tendo um caráter imaginário e críptico (como a própria fita de Möbius citada acima). Ao aliar uma narrativa complexa e alinhada ao caráter líquido da pós- modernidade com um vasto universo semiótico repleto de símbolos que podem ser

16 Ficção científica é uma forma de ficção desenvolvida no século XIX, que lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos. 32 lidos por grande parte dos consumidores devido à construção histórica e cultural de seus significados, o projeto delimitou seus diferenciais e conseguiu um espaço significativo no cenário da música popular coreana, alcançando assim êxito comercial e considerável impacto na cultura popular de nicho na qual se insere.

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