XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018

IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES NAS BRASILEIRAS – A luta por reconhecimento dos personagens homossexuais e transgênero1

Graciela Ramos Barbosa BECHARA2 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Resumo

Este artigo pretende observar tendências na narrativa e nas imagens das telenovelas “Babilônia”, “Verdades Secretas”, “Liberdade, Liberdade” e “A força do querer” que debatam as questões relativas às pessoas homossexuais e transgênero. A obra televisiva é impulsionada por personagens cujas expressões dramáticas realçam intensas emoções, muitos deles, mergulhados em profundas angústias, exibindo grande sofrimento, dor e inadequação à vida e ao reconhecimento da própria identidade. A autora Glória Perez aborda em “A força do querer” um tema ainda pouco debatido nas telenovelas: a identidade de gênero.

Palavras-chave: ; identidade; representação; homossexualidade

Abstract

This article intends to observe trends in the narrative and images of the soap operas "Babilônia", "Verdades Secretas", "Liberdade, Liberdade" and "A Força do Querer" that debate issues relating to homosexual and transgender people. The television work is driven by characters whose dramatic expressions highlight intense emotions, many of them, plunged into deep anguish, exhibiting great suffering, pain and inadequacy to life and recognition of their own identity. The author Glória Perez approaches in "A Força do Querer" a theme still little debated in soap opera: the identity of gender.

Keywords: soap opera; identity; representation; homosexuality

1- Surgimento da telenovela no Brasil A telenovela brasileira passou a narrar a nação e a construir a identidade nacional imaginada, o gênero teve origens no folhetim e no melodrama, passou pela fase de consolidação, até chegar ao momento da modernização. Mauro Alencar (2002) expõe que A origem da história em capítulos confunde-se com a origem da própria história da humanidade. O homem das cavernas costumava expressar o seu modus vivendi por meio de um suceder de imagens que poderiam muito bem lembrar uma história em pedaços. E os navegantes, por exemplo, sempre foram conhecidos como bons contadores de história. No século VII, em “As mil e uma noites”, Sherazade, para adiar sua morte, contava histórias a um sultão e as interrompia todas as noites com a promessa de continuar no dia seguinte. No século XIV, o livro “Decameron”, que se compõe de cem pequenas novelas, faz de [Giovanni] Boccaccio um dos primeiros novelistas. (ALENCAR, 2002, p. 41)

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 2 (Estudos de Cinema e Audiovisual), do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da FACOM-UFJF, e-mail: [email protected].

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A ficção na televisão surge como o gênero por excelência através do qual a identidade nacional pode ser representada por indicadores culturais como, por exemplo, o tempo, o lugar, o contexto, os protagonistas e os temas. A tematização contém os elementos referenciais e descritivos relativos à extensão do mostrar e do documentar e os elementos mais interpretativos, referentes à dimensão do narrar e do comentar. A ritualização da ficção diz respeito à capacidade da televisão de sincronizar os tempos sociais da nação, construindo um ritmo próprio interno que mimetiza o dos espectadores. Em linhas gerais, a capacidade da telenovela de conectar dimensões temporais de presente, passado e futuro, por meio da comunicação e da construção de uma memória coletiva e por meio da antecipação e da construção de expectativas, provoca no público um sentido de pertencimento. E, finalmente, a telenovela pode contribuir para a identidade nacional, não porque narra conteúdos, nem porque constrói tempos sociais ou cria sentidos de pertencimento, mas porque cria espaços para as representações. Assim, Lopes (2008) estabelece um sentimento de pertencimento da nação. A questão a levantar deverá ser antes a de saber por que é que narrativas que conferem um significado à nação (filmes, romances, canções, lendas de tradição oral, versões oficiais da história da nação etc.) provocam sentimentos de pertencimento à nação no processo de divulgação e reprodução do que se pode entender por “cultura nacional”. Em outras palavras, o problema que se nos coloca é o de perceber porque as narrativas da nação são suscetíveis de esclarecer o apelo irresistível e mundialmente generalizado à identificação com a nação. (LOPES,2008, p.4)

Renato Ortiz (1991) ao relatar a origem da telenovela, assinala que a principal constituição da telenovela é o folhetim. A princípio, a denominação de “folhetim eletrônico”, para designar a telenovela é sugestiva. O folhetim surgiu na França no contexto da crescente censura política de Napoleão III. Nesta época, os jornais franceses começaram a ampliar o espaço de feuilleton (folhetim). O rodapé das páginas, antes utilizados para crônicas leves, charadas, músicas, tornou- se um espaço privilegiado para a publicação de histórias parceladas. Foi Émile de Girardin que iniciou esse gênero, em 1836, como editor do jornal “La Presse”. O romance anônimo espanhol “Lazarillo de Tormes” inaugura o gênero e o jornal “La Presse” passou a vender, diariamente, 950 mil exemplares. Depois disso, no mesmo ano, Girardin convida Honoré de Balzac para escrever “La vieille fille” (“A menina velha”), em capítulos. Em seguida, Alexandre Dumas escreve “O conde de Monte Cristo”. Victor Hugo também chegou a escrever nos jornais franceses. (ALENCAR, 2002).

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O folhetim foi publicado em fascículos, em livros e em revistas (a exemplo da “Fon- Fon”), segundo a autora Marlyse Meyer (1996), e, se expandiu no Brasil praticamente ao mesmo tempo em que surgiu na França. Em outubro de 1838, o “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro, publica “Capitão Paulo” de Alexandre Dumas - série que iniciou em Paris meses antes. A grande maioria dos folhetins brasileiros eram traduções que se dirigiam às elites, especialmente no Brasil, cuja taxa de analfabetismo era imensa no início do século XIX.

Cumpre assinalar que a telenovela absorveu elementos do folhetim, por isso, é denominada “folhetim eletrônico”. Jesús Martín-Barbero (2008) é um pioneiro em considerar o melodrama como fundamental para este gênero, com base em pesquisas realizadas no México, no Brasil e na Colômbia. O aspecto esbanjador e a emoção exagerada das telenovelas parecem representar “a necessidade de se quebrar a rigidez da vida cotidiana”. O autor explica que o gênero recebeu igualmente os elementos do melodrama - expressão utilizada como sinônimo de telenovela. Em forma de tango ou telenovela, de cinema mexicano ou reportagem policial, o melodrama explora nestas terras um profundo filão de nosso imaginário coletivo, e não existe acesso à memória histórica, nem projeção possível sobre o futuro que não passe pelo imaginário. De que filão se trata? Daquele em que se faz visível a matriz cultural que alimenta o reconhecimento popular na cultura de massa. (MARTÍN- BARBERO, 2008, p. 305-306).

Registre-se ainda que além dos elementos do folhetim e do melodrama, nos Estados Unidos, surgiram as soap operas (óperas de sabão) radiofônicas, dirigidas na época, às mulheres de todas as classes sociais. As soap opera norte-americanas e as radionovelas cubanas são apresentadas pelo autor Renato Ortiz (1991) como elementos importantes para a evolução histórica da teledramaturgia. É importante ressaltar que as soap operas eram financiadas e produzidas pela indústria de sabão e, diferentemente dos folhetins, tinham toda uma estratégia empresarial para aumentar o público ouvinte. Ortiz também alega que foram os norte-americanos que exploraram toda a potencialidade do rádio como veículo de irradiação de histórias seriadas. Na década de 1930, a radiodramarturgia tinha grande popularidade no Brasil, o radioteatro (que consistia na narração de um texto dramático acoplado com sonoplastia e ruídos) demonstrava ter grande apelo de público. O radioteatro oferecia uma peça unitária, que tinha início, desenvolvimento e desfecho em uma única exibição. Também eram comuns narrativas baseadas em fatos reais. Além do radioteatro, outros gêneros dramáticos - como é o caso das radionovelas e seriados - passaram a se desenvolver no rádio.

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Em 1941, as radionovelas chegam ao Brasil, com os lançamentos de “Em busca da ”, pela Rádio Nacional e “A predestinada”, pela Rádio São Paulo. Os roteiros eram estrangeiros e foram adaptados, conforme descreve Fernandes (2012). O formato foi introduzido pelo dramaturgo Oduvaldo Vianna que escreveu a primeira radionovela genuinamente brasileira, “Fatalidade”, em 1949, transmitida pela Rádio Nacional. A radionovela fez grande sucesso na década de 1940 e 1950, quando o radioteatro já estava em declínio. A década de 1960 representa o declínio das radionovelas brasileiras e a década de 1970 sua (praticamente) extinção. Um das causas apontadas é o direcionamento das verbas publicitárias para as produções teleficcionais. (FERNANDES, 2012, p. 108)

Em 1968, a “TV Tupi”, de São Paulo, lançou a telenovela “”, escrita por Bráulio Pedroso. A trama revolucionou a narrativa teledramatúrgica, ao colocar como protagonista um anti-herói, interpretado por Luís Gustavo. O autor Bráulio Pedroso buscou nos atores uma interpretação mais natural, para mostrar ao máximo o cotidiano e a realidade dos brasileiros. Cristina Brandão (2007) nomeia esta fase como a radicalização de Beto Rockfeller, época em que os folhetins eletrônicos chegaram a conquistar picos de até 100% de audiência, segundo a autora. Esther Hamburger (2005) faz observações sobre a sociedade da telenovela. Para a pesquisadora, os anos de 1970 e 1980, além de conceberem a modernização do gênero, foram responsáveis por apresentar o Brasil aos brasileiros. Nas últimas décadas, o que se nota é a qualidade nas produções ficcionais brasileiras e a participação transmidiática da audiência. A telenovela assumiu o lugar de narrativa nacional de caráter simbólico e único, abordando em suas tramas, o cotidiano da sociedade. A responsabilidade nas abordagens das tramas é grande, tendo em vista a penetração da telenovela nos lares brasileiros e o caráter formador de opinião, enquanto entretenimento. “Não se pode pensar em características da telenovela brasileira sem considerar que durante sua exibição são introduzidos, ao longo da trama, polêmicas, denúncias e divulgação de ações sociais”. (GUERRA, VARDIERO, 2015, p.3) 2- As representações identitárias na pós-modernidade A comunicação (por meio da televisão e das telenovelas) é central na articulação das relações sociais, na concepção e na projeção das identidades - refletidas na interação e na mediação de mensagens entre pessoas e culturas. Os teóricos contemporâneos que debatem a questão das identidades nos revelam que elas não são naturais, estáticas e nem essenciais. As identidades são sim, mediadas e construídas diariamente, por meio de nossas relações pessoais.

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Cumpre observar, preliminarmente, que o sujeito irá adquirir diferentes identidades em momentos distintos: “Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas [...]. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 2006, p. 13). Nas palavras de Hall, a identidade torna-se uma “celebração móvel”, definida de acordo com a história e não biologicamente. Kathryn Woodward (2005) afirma que a representação estabelece identidades individuais e coletivas. Nas telenovelas, as personagens, se apropriam das identidades de gêneros, em busca da própria identificação. Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. Por exemplo, a narrativa das telenovelas e a semiótica da publicidade ajudam a construir certas identidades de gênero. Em momentos particulares, as promoções de marketing podem construir novas identidades como, por exemplo, o “novo” homem das décadas de 1980 e 1990, identidades das quais podemos nos apropriar e que podemos reconstruir para nosso uso. (WOODWARD, 2005, p. 17)

Woodward concebe a identidade como algo relacional, marcada simbolicamente pela diferença. A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos, por meio dos quais os significados são produzidos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que os sujeitos produzem o sentido da experiência e daquilo que são. Entende- se a telenovela como um desses lugares explicitados por Woodward. Os atores e as atrizes, na telenovela, são porta-vozes de certa parcela da população que não consegue manifestar anseios e angústias, a não ser por meio daqueles personagens ou por temas polêmicos. A marginalidade3 de alguns (por exemplo, dos homossexuais e transgêneros4) pode ser elevada a um ponto de aceitação social graças à emoção e à empatia com o público espectador. Woodward indica que as identidades são diversas e mutáveis. Em cada lugar que o indivíduo está, um aspecto de sua identidade (ou representação dela) emerge, modificando o comportamento, conforme a ocasião. As tensões identitárias surgem quando há um choque, em que a opção por uma identidade vai de encontro à outra, pois, um comportamento parece anular . Tais comportamentos distintos recebem o nome de representação na obra de Erving Goffman (2009), com a argumentação de que na sociedade o indivíduo é um ator que

3 Entende-se o indivíduo marginal como aquele que está à margem de duas culturas: uma hegemônica e outra contra-hegemônica, específica de seu grupo. Assim, as minorias (homossexuais, negros, mulheres, indígenas etc.) são indivíduos marginais 4 Transgênero geralmente se refere àquelas pessoas que recusam ou rompem com as normas culturais de aparência ou comportamento masculino e feminino e sua suposta correspondência com a masculinidade ou feminilidade biológica preexistente. (SPARGO, 2006, p. 69).

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 representa diversos papéis, de acordo com o momento, o público presente e o cenário em que está. Para o autor, a representação se refere “a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência” (GOFFMAN, 2009, p. 29). Assim: Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as consequências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser. Concordando com isso, há o ponto de vista popular de que o indivíduo faz sua representação e dá seu espetáculo “para benefício de outro”. Será conveniente começar o estudo das representações invertendo a questão e examinando a própria crença do indivíduo na impressão de realidade que tenta dar àqueles entre os quais se encontra (GOFFMAN, 2009, p. 25).

Por tais razões, o indivíduo elege uma de suas identidades e a representa perante o outro. Contudo, existem também representações falsas: o mostrar ao outro aquilo que não é ou que não quer que o outro (o público, assim designado por Goffman) saiba que é. Mesmo na posição de observador, os sujeitos deduzem características e comportamentos que avaliam fazer parte do repertório daquela pessoa, isto é, concluem sua identidade. A maneira exagerada ou reprimida auxiliará nesse enquadramento, ao se pensar, por exemplo, nas identidades sexuais. O homossexual afeminado é identificado pelo conjunto da aparência ou pelas maneiras de agir. O homossexual normativo somente será identificado após alguma interação, visto que ele não está representando sua homossexualidade. “Sabe-se que as pessoas que estão prontas a admitir que têm um estigma (em muitos casos porque ele é conhecido ou imediatamente visível) podem, não obstante, fazer grandes esforços para que ele não apareça muito.” (GOFFMAN, 2004, p. 89). Ao descrever o estigma, Goffman explica que o objetivo do indivíduo é diminuir o conflito e manter um envolvimento natural no conteúdo público da interação. O autor esclarece ainda que uma aparência pode se contradizer pela maneira, e vice-versa: Mas, evidentemente, aparência e maneira podem se contradizer uma à outra, como acontece quando um ator que parece ser de posição mais elevada que sua plateia age de maneira inesperadamente igualitária, íntima ou humilde, ou quando um ator vestido com o traje de uma alta posição se apresenta a um indivíduo de condição ainda mais elevada. (GOFFMAN, 2009, p. 32).

Os sinais emitidos pelo indivíduo fazem com que o outro tente decifrar sua identidade. Assim como nas relações sociais, esse é um fator importante a ser notado em análises teledramatúrgicas. O primeiro capítulo de uma telenovela, por exemplo, ou a primeira cena de uma personagem é de essencial importância para que o espectador perceba a imagem que o

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 autor deseja transmitir. Por vezes, o autor mostra ao público a verdadeira personalidade da personagem somente no decorrer da trama. A expansão comercial da Rede Globo em produções de telenovelas, desde sua fundação, na década de 1960, foi descrita por José Marques de Melo. Marques de Melo, citado por Mazziotti (1996), atribui o sucesso da Rede Globo, na exportação de seus produtos para mais de 100 países, à atenção que dedica aos detalhes de pré e pós-produção, supervisionados cuidadosamente por um departamento de controle de qualidade, que verifica roteiros, efeitos sonoros, música, áudio, figurino, iluminação etc., assim como, aplica teste de mercado através de pesquisas e de painéis. O que é produzido pela Globo é um "reflexo glamourizado", correspondendo mais ao mundo do desejo do que à realidade do cotidiano brasileiro. (MELO, apud MAZZIOTTI, 1996, P. 50) Ao citar Jorge Gonzalez, Mazziotti (1996) descreve que a fascinação da telenovela está na "complexidade do secreto que é revelado àqueles que conhecem além das fronteiras". O espectador é trazido para um "envolvimento emocional em cenas fictícias poderosas, nas quais aspectos da natureza humana estão envolvidos: honra, bondade, amor, maldade, traição, vida, morte, virtudes e pecados que de uma maneira ou outra têm alguma coisa a ver com ele". (GONZALEZ, apud MAZZIOTTI, 1996, p.50) Apesar da dificuldade de permanecer com a repercussão do passado, tendo em vista o desgaste narrativo e o maior nível de escolha e de senso crítico do público, o gênero telenovela tem buscado dialogar com a contemporaneidade, mesmo que isso não simule inovação. As estruturas do folhetim ainda se mantêm firmes em fórmulas já experimentadas. A título de adequação aos limites de abordagem de um artigo, optamos por fazer um recorte nas produções teledramatúrgicas exibidas pela Rede Globo entre os anos de 2015 e 2017, nos horários das 21horas e das 23horas.

3- A identidade homossexual e transgênero representada nas telenovelas da Rede Globo Babilônia e a repercussão do beijo homossexual feminino A primeira telenovela analisada neste artigo é “Babilônia”5 (2015), dos autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, exibida no horário das 21 horas, com um total de 143 capítulos. As personagens homossexuais mais importantes dessa trama

5 Disponível em: Acesso em 30 set. 2018.

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 são Teresa Petrucceli (Fernanda Montenegro) e Estela Marcondes (Nathalia Timberg), apresentadas ao público no primeiro capítulo. Teresa Petrucceli (Fernanda Montenegro) é companheira de Estela (Nathalia Timberg). É dona de um escritório de advocacia prestigiado. Ficou famosa ao lutar pela libertação de presos políticos durante a ditadura. Também atuou em casos de discriminação sexual, que reforça a sua posição de ativista. Estela Marcondes (Nathalia Timberg) é mãe de Beatriz (Gloria Pires) e companheira de Teresa (Fernanda Montenegro). Junto com a advogada, cria desde pequeno o neto Rafael (Chay Suede), filho de uma irmã de Beatriz que morreu no parto. Ele chama ambas de mãe. É confidente e conselheira de Beatriz, mas não imagina que a filha se envolve em negócios escusos e é uma assassina. Fica chocada ao descobrir a verdade sobre Beatriz. Ainda que discreta, a cena do beijo do casal de idosas homossexuais Teresa e Estela exibida logo na estreia de “Babilônia”, durou alguns segundos e provocou uma repercussão negativa. Uma parcela de telespectadores da Rede Globo rejeitou a cena. A emissora já havia exibido em suas tramas outros beijos gays entre mulheres (todas mais jovens) e não se viu reação parecida. Dois exemplos de aceitação de casais homossexuais femininas ocorreram em outras telenovelas. A trama “Amor e Revolução” (2011) do SBT exibiu o beijo das amigas Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre). Três anos depois, Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller) se beijaram na novela “Em Família” (2014), do autor Manoel Carlos, da Rede Globo. Verdades Secretas e a luta por reconhecimento de Visky “Verdades Secretas”6 (2015) estreou no dia 8 de junho e chegou ao fim no dia 25 de setembro, exibiu um primoroso e impactante último capítulo. A trama de foi um sucesso de público e crítica, para o horário das 23 horas, conseguindo uma excelente média geral de audiência. Visky (Rainer Cadete), braço direito da empresária Fanny, e Lourdeca (Dida Camero), responsável pela contabilidade da agência de modelos, transformam a inimizade em uma amizade colorida e os dois seguem se apoiando na solidão que vivem. Visky é o booker da agência de Fanny (). Ajuda a descobrir modelos, como acontece com Arlete/Angel (Camila Queiroz). Magro, com roupas e cabelos sempre na moda, é cúmplice de Fanny no “book rosa” e nos momentos difíceis. Vive provocando a inimizade de Lourdeca,

6 Disponível em: Acesso em 30 set. 2018

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 com quem acaba se envolvendo depois de levar um fora de Leo (Raphael Sander), com o qual fez a tentativa de um relacionamento homossexual. Lourdeca e Visky (gay assumido) vivem implicando um com o outro e disputam o modelo Leo. Lourdeca acaba saindo com o rapaz, mas se decepciona com ele e chora as mágoas com o colega. Os dois acabam indo para a cama, para desespero de Visky. “Eu sou bi-cha! Na minha biografia vão ter que dizer: sucumbiu três vezes a uma mulher. Uma safada, aproveitadora gulosa, que chegou na minha casa chorando lágrima de crocodila gorda só para me pegar”, diz ele, nervoso. Lourdeca fala que nunca teve intenção alguma e pergunta se ela é lésbica, já que foi para a cama com ele. Visky nega dizendo que ela é tarada. Furioso, ele pergunta se ela pertence a um grupo extremista que luta pela cura gay e afirma que é um gay convicto. Visky abre o armário, tira uma bandeira do arco-íris e grita: “Desfilo todo ano na Parada Gay. Eu sou gay! Adoro ser gay! E vou ser gay por toda a minha vida! Viva a bandeira do arco-íris!”. Os personagens da novela, no entanto, não vão saber do envolvimento entre os dois. Dentro da agência, Visky e Lourdeca vão manter o mesmo comportamento, com direito a muitas implicâncias para manter a aparência. Para atuar em Verdades Secretas, o ator Rainer Cadete passou por uma grande transformação. Aprendeu a andar no salto, colocou aplique no cabelo, pintou as unhas e fez até depilação para atuar na pele do booker Visky. Rainer chegava aos estúdios com duas horas de antecedência para se maquiar. Liberdade, Liberdade e o amor proibido de André e Tolentino “Liberdade, Liberdade”7 (2016) é uma novela de Mário Teixeira, exibida no horário das 23 horas, com um total de 67 capítulos. Temas como a corrupção da Coroa Portuguesa, o abuso de poder, o feminismo e o ideal de liberdade sexual são retratados no folhetim. Na época em que é ambientada, início do século XIX, a relação (o ideal de liberdade sexual) entre dois homens era considerada crime e os acusados eram condenados à morte e, além disso, tinham seus bens confiscados. André (Caio Blat) é filho de Raposo (Dalton Vigh) e confidente da irmã Joaquina (Andreia Horta). O jovem advogado não consegue se relacionar com mulheres. No cabaré de Virgínia em Vila Rica, conhece Mimi (Yanna Lavigne) e pede para ela não revelar que os dois são amigos. Apaixona-se por Coronel Tolentino (Ricardo Pereira) e os dois mantém uma relação íntima. Da amizade entre duas pessoas completamente diferentes surge uma paixão

7 Disponível em:< http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/liberdade-liberdade.htm> Acesso em 28 set. 2018

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 incontrolável. "Se algum crime cometi, foi ter amado". Esta foi a última frase proferida por André antes de sua execução. O irmão de criação de Joaquina foi condenado ao enforcamento, sob acusação de sodomia. Tolentino (Ricardo Pereira) é o capitão que captura Tiradentes (Thiago Lacerda) e torna-se parceiro de Rubião (Mateus Solano) na defesa dos interesses da Coroa portuguesa. Tem um caso de amor com André e, por ciúmes, o acusa de sodomia. É morto por Joaquina durante uma rebelião. No entanto, o militar não teve coragem de lutar por seu amor e assiste à morte de André. Abraçado ao corpo do amado, Tolentino lamentou a sua própria covardia.

A força do querer e a busca pela identidade de Ivan Escrita por Glória Perez, autora de sucessos como (2001-2002), América (2005) e Caminho das Índias (2009), A Força do Querer8 atingiu números que se aproximaram do fenômeno Avenida Brasil (2012)9. Glória elevou a média do horário em mais de oito pontos em relação à trama anterior (), alcançando 35,7 pontos. Exibida em sequência, O Outro Lado do Paraíso, com autoria de Walcyr Carrasco e direção artística de Mauro Mendonça Filho, manteve o alto número de espectadores, alcançando repercussão ainda maior e atingindo a média de 38,6 pontos (apenas dois décimos abaixo de Avenida Brasil). A Globo apresentou índices consideráveis, nos primeiros meses de 2017, não apenas por conta do seu potencial artístico e comercial, mas devido a um desacordo com as programadoras de TV por assinatura com o SBT e com a Record. Em períodos de crise e de reajustes constantes na área da dramaturgia das principais concorrentes (SBT e Record), a Globo obtém significativa vantagem, ao criar novelas que geram envolvimento dos interatores. Demonstra-se, deste modo, que apesar de certa convergência, ainda é na capacidade das grandes histórias que habita a conexão que une quem produz e quem consome conteúdos (telespectadores).

8 Avenida Brasil alcançou média final de 38,8 pontos. O último capítulo, em outubro de 2012, fechou com 52 pontos. A Força do Querer, no último capítulo, em outubro de 2017, atingiu 49 pontos.

9STYCER, Mauricio. Blog do Mauricio Stycer [Blog internet]. Salto no Ibope de A Força do Querer não acontecia no horário desde 2003. São Paulo: UOL, 20 out. 2017. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2018.

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“A força do querer”10 (2017), telenovela exibida às 21 horas, na Rede Globo, entre os dias 3 de abril e 20 de outubro de 2017, foi escrita por Glória Perez, como já citamos acima. A trama exibiu um total de 172 capítulos. Abordou temas como o sereismo, a transexualidade (identidade de gênero), o jogo patológico e o tráfico de drogas.

Glória Perez desempenha em “A Força do Querer” um importante trabalho de merchandising social (como recurso comunicativo) na abordagem dos transgêneros, através da personagem Ivana (Carol Duarte), ao informar o público, levar o assunto para o debate da sociedade e dar visibilidade ao tema. A autora parte de um sentimento, de uma sensação mais universal para começar a criar uma empatia com o espectador - algo que tenha relação com a identidade, para depois mostrar qual é o problema particular da personagem. Ivana/Ivan (Carol Duarte) é uma personagem que exige muitos cuidados, que transmita com verdade todo o sofrimento em busca da própria identidade. A atriz Carol Duarte, que estreou na TV, em “A força do querer”, deu vida à Ivana/Ivan, filha de Eugênio (Dan Stulbach) e Joyce (Maria Fernanda Cândido). Criada para ser uma extensão da mãe (uma mulher ligada a tudo que diz respeito à beleza e à vaidade), Ivana se revela trans homem, causando um grande conflito familiar. A jovem quer resgatar sua identidade: é um homem que nasceu em um corpo de mulher. Na infância, Ivana sempre sofreu pressão da mãe Joyce (Maria Fernanda Cândido), para que fosse quase um clone seu. Na primeira fase da novela, ficou explícita a intenção de Joyce com a filha, transformando a criança em uma cópia mirim de si mesma. A menina já demonstrava desconforto na época. O tempo passou, mas nada mudou, a não ser a vontade da garota, que cresceu e deixou de seguir as ordens da mãe. A personagem tem mais compreensão do pai, Eugênio. Ivana, a cada dia tem sua auto-estima piorada em virtude da não identificação com seu corpo, não imagina que é transgênero. Ivana busca a terapia para desabafar e se questionar. Nos momentos em que a menina conversa com a prima e melhor amiga Simone (Juliana Paiva), já declara que não sente atração por mulher e demonstra interesse em Cláudio (Gabriel Stauffer), um rapaz com quem tenta namorar sem sucesso, em virtude do incômodo que sente em mostrar seu corpo. A questão da pessoa transgênero retratada em uma novela é um avanço para a teledramaturgia. A dualidade focalizada no enredo funcionou para destacar os dois perfis - um homem muito bem resolvido com seu corpo e uma mulher que não se identifica com o seu

10 Disponível em: https:. Acesso em: 27 set. 2018.

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 reflexo no espelho. A Força do Querer destaca, ainda, a trajetória de Nonato (Silvero Pereira), travesti que se reconhece como Elis Miranda, mas para se sustentar, trabalha como motorista para um empresário conservador. E, também, a atriz transexual Maria Clara Spinelli, que só havia representado personagens transgênero nas ficções televisivas das quais participou, interpreta a cisgênero Mira. Tanto nesse núcleo como na história de Ivana, os diálogos são construídos de forma a informar o telespectador não apenas sobre os personagens, mas a esclarecê-lo acerca de questões referentes à identidade de gênero e à luta da comunidade transgênera por seus direitos. O momento de esclarecimento de Ivana (e do público), no qual, por meio de uma série de sequências pedagógicas acerca do que é ser transgênero, ela se reconheceu como homem, aconteceu após ter conhecido Tê (Tarso Brant). Tarso é o transexual que inspirou Glória Perez a criar a história de um transgênero na novela, que pretendia com a transformação de Ivana, ampliar o debate sobre o preconceito que cerca as pessoas trans. Esse potencial da telenovela em capturar o momento social e arriscar retratá-lo na ficção é uma característica que, quando funciona, se reflete na aceitação do público e da crítica. Esse foi o caso de A Força do Querer, em 2017.

Da ficção para a realidade – os transgêneros da vida real

Foto: Extra on line Em entrevista ao site do jornal “Extra”, Mário Rangel relatou um pouco da sua trajetória. Optamos por transcrever aqui algumas partes da entrevista11. A "Ivana da vida real" chamou atenção numa rede social ao publicar numa página dedicada à novela fotos da festa

11 Disponível em: Acesso em 28 set. 2018

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 do seu aniversário, em que fez uma homenagem à autora Glória Perez. "Sou muito fã e grato por ela ajudar a minoria e abordar um tema tão complexo e importante", diz. Ele nasceu Maria e sonha em mudar de nome para Mário. A história do estudante carioca de 19 anos se confunde com a da personagem fictícia Ivana (Carol Duarte) de “A força do querer”. Rangel (seu sobrenome, como é chamado pelos amigos) assistiu às cenas de Ivana se revendo naquela situação. Já que sentiu na pele como é descobrir que pertence a um corpo que, na verdade, não é o seu. Rangel tem 19 anos e sonha em mudar de nome e retirar os seios. Rangel viveu momentos difíceis, como o de entrar em depressão, após abandonar o colégio por se sentir ofendido com comentários preconceituosos. “Me sentia invisível e tinha vergonha da minha aparência. A gente não é um E.T. O momento mais difícil foi o de ser obrigado a conviver num corpo que não é o meu e ter medo de não conseguir me libertar disso”. Ao contrário da Ivana da novela, Rangel tem o apoio de quase toda a família. Aos 14 anos, ele resolveu cortar os longos fios de cabelo e se assumir homem. “No início foi difícil para a minha família entender, mas eles sempre me respeitaram. Só o meu pai (o jovem vive com a mãe, bancária, e o avô materno) é que ainda não entende muito bem. Tomo hormônio desde os 18 anos e estou num processo para retirar os seios e mudar de nome. É difícil, demorado, mas espero conseguir logo. Esse é o meu maior sonho”. Entramos em contato com Rangel, por meio de uma rede social, na data da realização desse estudo. Ele já completou 20 anos e conseguiu realizar a cirurgia de retirada dos seios. Atualmente, Mário Rangel aguarda a alteração do nome em seus documentos. Considerações finais A telenovela brasileira, ao longo de sua história, se distinguiu por incorporar temas em pauta na sociedade, sob as regras do melodrama - o gênero melodramático se configurou como articulador do imaginário da nação. A função pedagógica trazida pelas telenovelas estimulou o desenvolvimento do que se convencionou chamar de merchandising social (ação social) - expediente que opera como verdadeiro recurso comunicativo. Casos paradigmáticos ocorreram com as telenovelas “” (Rede Globo, 2003) e “”12 (Rede Globo, 2012), cujas discussões em torno dos direitos dos idosos e das domésticas, respectivamente, promoveram o debate público e resultaram na aceleração da aprovação de leis que favoreceram essas camadas sociais.

12Disponível em: Acesso em: 27 set. 2018.

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“Cheias de Charme” valorizou o trabalho das “empreguetes” (denominação utilizada pelos autores Filipe Miguez e Izabel de Oliveira para as empregadas domésticas), que mostraram os direitos e os deveres da categoria. Em períodos de crise e de reajustes constantes na área da dramaturgia das principais concorrentes (SBT e Record), a Globo obtém significativa vantagem, ao criar novelas que geram envolvimento dos interatores. Demonstra-se, deste modo, que apesar de certa convergência, ainda é na capacidade das grandes histórias que habita a conexão que une quem produz e quem consome conteúdos (telespectadores). As personagens Penha (Taís Araújo) e Lygia (Malu Galli) estrelaram uma campanha, através de uma parceria entre a Rede Globo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres, para incentivar que empregados conhecessem seus direitos e que patrões contratassem dentro da lei, assinando a carteira de trabalho de seus funcionários. Na contemporaneidade, a defesa das chamadas minorias culturais tem auxiliado grande parte da discussão em torno da impossibilidade da afirmação de uma cultura nacional homogênea e as políticas de identidade se esforçam pela promoção das diferenças. O país que mais mata transgêneros no mundo, de acordo com a Transgender Europe13 (TGEU), acompanhou diariamente o drama de Ivana, em “A Força do querer”. Em última análise, observou, pela tela da TV, os preconceitos que os homossexuais sofreram nas tramas: como as personagens Estela e Teresa, em Babilônia; Tolentino e André, em “Liberdade, liberdade” e a busca de Visky por reconhecimento e respeito, em “Verdades Secretas”. Além da abordagem de outros aspectos, tão fundamentais, este artigo procurou evidenciar a representatividade das personagens homossexuais e transgênero, da telenovela no Brasil, após períodos de oscilações e de tentativas de se mostrar socialmente relevante. Em um aprendizado de invulnerabilidade, as telenovelas batalham pela continuação efetiva na rotina dos brasileiros. Em virtude dessas considerações, a telenovela terá colaborado para as políticas de gênero destinadas às mudanças no campo social, envolvendo, em suas estratégias de interpretação, público, produtores, autores, diretores, atores e outros agentes da ficção televisiva brasileira. Em relação aos recursos tecnológicos que caracterizam a categoria espectador, o potencial criativo das narrativas teledramatúrgicas brasileiras, se sobrepõe, demonstrando que o público corresponde bem quando as histórias dialogam com o momento social e cumprem a função de entreter, sem perder de vista o conteúdo educativo e informativo. A força da telenovela se revela tanto na aceitação de certos enredos, quanto na

13 Disponível em:< http://www.nlucon.com/2016/11/novo-relatorio-da-tgeu-reafirma-que.html>Acesso realizado em 28 set.2018

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 adequação estrutural das tramas - que passaram a adotar ritmos mais ágeis, inclusive com a redução no número de capítulos, por exemplo. Esse movimento comprova, ao mesmo tempo, que o público resiste quando o roteiro não satisfaz às expectativas ou não mobiliza. Referências ALENCAR, Mauro. A Hollywood brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro: SENAC, 2002.

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