130

coisa nossa. Só porque ganhamos uma Copa América cheia de cabeças de bagre. Brigamos porque Telê foi teimoso, mas jogamos como o povo queria, como o povo gritava, buscando o gol de todas as formas. Não existe nada melhor no futebol do que o grito de gol. E Lazaroni nos privou desse supremo prazer no futebol. A geração ; de “matar” a jogada com força física, de todo mundo atrás e ninguém na frente, felizmente foi enterrada cedo. Jamais o Brasil viu um futebol tão melancólico como o de agora. Esse nunca foi o nosso futebol. Perdemos porque o treinador foi teimoso. E o que é pior, teimoso jogando sem força ofensiva, mudando sempre na hora errada e expondo os jogadores – casos de e ontem Renato – ao ridículo. Ridículo e muito distante desse futebol que um dia encantou o mundo. Jogando de peito aberto, jogando com audácia. Jogando igual à nossa cara.” (Jornal dos Sports, 25/06/1990:1).

“Um futebol atrofiado. A Seleção Brasileira começou a perder a Copa do Mundo quando o comando técnico decidiu adotar o estilo europeu”. (Jornal dos Sports, 25/06/1990:1).

“Seleção da Era Dunga não supera a arte de Maradona – Em sua melhor atuação na Copa do Mundo, Seleção Brasileira perdeu da Argentina, por 1 a 0, ontem, no estádio Delle Alpi, de Turim, e foi eliminado da competição. O time passou a semana se preparando para evitar lançamentos de Maradona a Caniggia e, num único descuido, foi derrotado exatamente na jogada para a qual tanto se preveniu. Se o resultado foi injusto, pelo que aconteceu em campo – o Brasil mandou três bolas na trave –, a eliminação brasileira é um castigo para a filosofia defensiva adotada pelo técnico Sebastião Lazaroni. Este só abriu mão de sua excessiva cautela, trocando o líbero por um atacante, quando o time já estava em desvantagem no marcador. O talento sepultou a Era Dunga, decretada 35 dias antes pelo treinador. Aos 36 minutos do segundo tempo, Maradona passou por três brasileiros e achou Caniggia livre, já na área. O atacante não desperdiçou sua única oportunidade, driblou Taffarel e marcou. Müller, ao contrário, teve a chance do empate, aos 43 minutos, mas deu uma canelada para fora. Dunga, o símbolo da filosofia pregada por Lazaroni, repetiu a conhecida frase do ex-presidente Figueiredo, dita ao deixar o governo brasileiro. Pediu para ser esquecido. Entre choros e lágrimas, no vestiário, o técnico lamentou a eliminação no dia em que o time teve a sua melhor atuação. E elogiou a conduta argentina e a genialidade de Maradona. (Jornal do Brasil, 25/06/1990: caderno de esportes).

Dunga foi criticado por apresentar um estilo que descaracterizava o futebol brasileiro. Dunga teve sua segunda chance na Copa de 1994 e aí conseguiu se desvencilhar do estigma de ter sido o culpado pela desclassificação do Brasil na Copa de 1990. O ponto 131

é que apesar de todas as críticas, Dunga nunca foi humilhado como ser humano. Pelo contrário, Dunga tem o perfil do jogador com raça, com fibra, valente, corajoso. Mesmo após a derrota de 1990, ele continuou com essa imagem. Em virtude de não termos alcançado a vitória em 1990, a mídia execrou o futebol-força e com ele o jogador Dunga.

Isto ratifica a hipótese de que nas derrotas o imaginário vem à tona com mais intensidade, mostrando os valores encarnados pela sociedade brasileira. 132

A Copa de 1998

O Brasil perde para a França na final por 3 a 0. Ronaldo é o jogador que vai personificar essa derrota. A tal ponto ele é criticado que as metáforas vão extrapolar a figura do atleta para atacar a do homem. Observem a paródia da música Conceição divulgada pela mídia.

“Convulsão. Para ser cantado imitando Cauby Peixoto: Convulsão/ eu não me lembro muito bem./ Eu fui para o campo jogar/ mas acho que não joguei bem./ Foi então que Suzana apareceu/ e olhando para mim a sorrir/ me chamou de babão e que ia sumir./ Se sumiu, ninguém sabe, ninguém viu/ só sei que minha bola murchou/ faz tempo que não meto um gol/ só eu sei como é chato ser amarelão./ E agora eu dou um milhão/ pra não ter outra vez convulsão” (O DIA, 23/07/98, colunistas).

As metáforas vão se deslocando do substantivo e do adjetivo para a ação verbal.

Assim, a cor amarela ganha um sentido pejorativo ao ser utilizada como metáfora para criticar Ronaldo. “Ronaldinho amarela antes do jogo e abala a seleção” (O Dia,

13/07/98:1).

As notícias e comentários da mídia não refletem explicitamente o que ocorre nos bastidores, muita coisa não é dita ou escrita. O repórter Tino Marcos ilustra com metáforas o que ocorre nos bastidores da mídia em relação aos jogadores negros, diz ele: 133

“TINO MARCOS: Uma coisa que me ocorre, assim, que eu lembrei na Copa de 98, algumas pessoas brincavam assim com esse negócio que a defesa era só de negros, né!, a defesa era o , , Júnior Baiano e , todos.

“E: O comentário era tipo o quê? Só tem negros?

“TINO MARCOS: É. Tá vendo, num sei que, tinham que fazer merda, num sei que, umas coisas assim.

“E: Que não vêm à tona.

“TINO MARCOS: É.

“E: Ficam só nos bastidores.

“TINO MARCOS: Isso, isso, só, só, eu acho que a coisa se dá muito mais aí do que, do que, de forma explícita. Eu acho que no Brasil é tudo muito implícito mesmo, nada é feito muito às claras.”

Um ponto a focalizar é o imaginário negativo em relação aos jogadores de pele escura. O repórter Carlos Gil comenta que:

“Eu acho que a princípio, é difícil saber que determinado jogador seja perseguido pela imprensa pela torcida porque é negro, MAS EU ACREDITO SIM QUE SE ESSE JOGADOR FOR MAL ele pode receber um tratamento diferenciado por parte da imprensa e da torcida do que o jogador branco, isso eu acho que acontece, pode acontecer”.

Carlos Gil, nesta passagem, de certa maneira, ratifica a hipótese de que nas derrotas o jogador de pele escura é alvo de críticas com carga pejorativa e desclassificatória.

Sérgio Noronha, comenta que o jogador negro de sucesso no Brasil não sofre preconceito, o que ratifica as nuanças do racismo brasileiro.

“No Brasil, eu acho que quebra quando o negro tem sucesso. Negro de sucesso no Brasil ele entra em qualquer lugar, não era assim há uns 30 anos, mas hoje ele não tem problemas, eu acho que talvez se reflita um pouco eu digo na publicidade. Você vê poucos negros fazendo publicidade. 134

Me lembro bem que na Copa de 70 o Simonal fez publicidade acho que pra SHELL e o fato do Simonal fazer publicidade já era uma quebra do preconceito porque se achava, as agências achavam, que negro não vendia no Brasil. Eu acho que até hoje ainda considerem, mas isso é um preconceito que atinge não apenas o atleta, mas atinge qualquer um, atinge até o artista que, normalmente, seria mais aceito.”

Joel Santana, conhecido treinador, diz que ficou surpreso com o que aconteceu a

Ronaldo, e que falaram tanto e de tal forma apenas porque o Brasil perdeu. Em caso de vitória seria diferente. Em suas palavras:

“ – Fiquei surpreso. A gente nunca sabe como o jogador reagirá. Ele já disputou competições importantes e manteve o equilíbrio. Só estão falando isso porque o Brasil perdeu. Se tivesse vencido, não falariam nada” (O GLOBO, 14/07/1998:34-caderno de esportes)

Romário saiu em defesa de Ronaldo logo que as críticas começaram a ferir a personalidade do companheiro. Na gíria do futebol, o termo amarelar tem um significado pejorativo, direcionado à personalidade do atleta e não apenas ao futebol por ele praticado, tais metáforas humilham o jogador como ser humano. O jornal O Globo noticiou:

“Romário não gosta nem de ouvir comentários de que Ronaldinho teria amarelado, como se diz na gíria do futebol. Para o craque do Fla, Ronaldinho teve personalidade e assumiu a responsabilidade ao pedir para jogar: – Ele pediu para entrar em campo e o técnico concordou. Foi uma atitude nobre dele e acertada do Zagallo. Infelizmente, ele não rendeu o que se esperava” (O GLOBO, 14/07/1998:34-caderno de esportes).

A noção de membro, tomada de empréstimo à etnometodologia, pode ajudar na interpretação realizada por Romário em relação às críticas feitas a Ronaldo. Na etnometodologia, a noção de membro não se refere à pertença social mas ao domínio da linguagem natural. Amarelar, na linguagem natural do futebol, é se acovardar, ou seja, 135

externalizar uma fraqueza psicológica. Romário se indigna pois sabe que a disseminação de tal idéia produz reflexo no cotidiano das pessoas. Essa prática se acha na base de toda forma de interação. Assim, reproduzir uma idéia preconceituosa pode gerar uma discriminação.

O tom jocoso aparece em várias matérias da mídia escrita. No Jornal O Dia, o termo amarelão surge nas machetes e em comentários como adendo.

“(...) O doutor Lídio Toledo, de tantas glórias na seleção e profissional corretíssimo, faria muito melhor se usasse a autoridade médica para afastar um jogador que das duas, uma: ou estava com um problema clínico de certa gravidade ou sofreu no dia do jogo um distúrbio neurovegetativo (para os cruéis, amarelão)” (O Dia, 14/07/1998:15-Ataque).

A etnometodologia refere-se às formas normais cristalizadas como sendo expressões que fazem parte da linguagem natural de um grupo e que não são de imediato percebidas por aqueles que não dominam a linguagem natural daquele grupo. Essas expressões indiciais são como que códigos que não precisam ser explicados pois são elementos constituintes do habitus do grupo, ou seja, são padrões que retiram do contexto o seu significado.

Treinadores e Jogadores

Durante as entrevistas, uma questão emergente frutificou. Trata-se da quantidade de jogadores negros no futebol brasileiro e inversamente a isso o número diminuto de treinadores negros. José Ilan, em relação à pergunta que lhe fiz sobre o racismo no futebol europeu e as manifestações que ocorrem aqui no Brasil, respondeu:

“ILAN: Eu acho que existe sim, e um exemplo, talvez semana passada eu não estivesse respondendo que existe como estou agora. Eu observei uma 136

coisa esta semana, que semana passada ocorreu um fato, e alguém tocou nisso, e eu já havia prestado atenção quando isso estava por ocorrer. O Flamengo contratou um técnico negro, agora, o , que é um técnico que logo que foi colocado a possibilidade sequer do Flamengo contratar eu notei que foi feita uma espécie de...de, eu diria de quase de campanha de vários colegas da imprensa em vários veículos: rádios, em jornal – sobretudo eu ouvi isso -, assim, nitidamente, claramente, desconfiando e até zombando da possível contratação como sendo mais uma, que o Flamengo fosse dar com os burros n’água, que fosse uma coisa furada e tal. Eu passei a ver a coisa da seguinte forma: puxa, bom, por quê? Um cara que foi campeão mineiro pelo América mineiro há pouco tempo, um cara que tem um trabalho, parece muito bem feito, também no Criciúma, acho que chegou à final do campeonato brasileiro ou coisa desse tipo no campeonato catarinense, não sei ao certo, foi indicado pelo Felipão. Enfim, e eu notei o seguinte: será que é porque o cara é negro, pô, enfim, ele é negro e não se veste assim de uma forma muito elegante, assim, um cara simplório na aparência. Aí eu fiquei pensando: será que é ou não é? Eu mesmo tentei avaliar. Será que tem algum outro treinador negro que tenha se destacado, que esteja em atividade, e eu realmente não me lembrei de nenhum, pelo menos no primeiro escalão. E aí, pouco depois, eu refleti sobre, e no dia seguinte eu vi algum registro na imprensa esportiva que seria o primeiro treinador negro, aí o Flamengo, efetivamente, o contratou, e no dia seguinte alguém, em algum lugar, escreveu que seria o primeiro treinador negro aí a integrar esse primeiro escalão, pelo menos nos últimos anos e tal. E eu prestei muita atenção nisso e acho que faz todo o sentido. Enfim, e essa mesma pessoa, em algum lugar fez o seguinte comentário, acho que foi narrado até, foi narrado por algum comentarista de São Paulo que falou: “olha!, eu quero avisar o seguinte, o pessoal tá desconfiado, ele não é muito conhecido no Rio, mas fora do Rio ele é um grande treinador, é um cara disciplinador, tem personalidade, pode até não dar certo, mas, não é um cara qualquer não”. Aí o próprio cronista chamou a atenção dessas pessoas que têm um pouco de resistência por ele ser negro, “por ele ser negro, mas ele é um bom treinador, vocês vão ver isso”, e aí confirmou uma impressão que eu vinha tendo nos últimos 2, 3 dias que antecederam a essa contratação. Então, pra mim, isso foi uma demonstração muito clara de que, não sei no campo, acho que no campo não, mas fora dele, pra dirigir o esporte, dirigir o futebol sobretudo, tanto os caminhos de administração do esporte quanto os caminhos esportivos, aqui no caso da comissão técnica, EU ACHO QUE EXISTE AINDA UM RACISMO NÃO DECLARADO, MAS ESTÁ BEM CLARO, ESTÁ BEM CLARO PORQUE, SE A MAIOR PARTE DOS PROFISSIONAIS DO FUTEBOL, DENTRO DO CAMPO, A MAIOR PARTE DELES É COMPOSTA POR NEGROS, ENFIM, POR QUE QUASE NENHUM DELES ESTÁ EM POSIÇÃO DE COMANDO, nenhum até agora, estave até agora nessa posição de comando, seja uma presidência de clube uma... uma posição de gestão administrativa ou como treinador? Então isso é um prato novo e acho que até coincide com essa questão do teu estudo.” 137

Tino Marcos reforça a idéia de José Ilan e comenta:

TINO MARCOS: Eu acho, por exemplo, essa questão dos treinadores de futebol, por exemplo, você vê que há alguma coisa errada, na medida em que uma grande quantidade de jogadores de futebol, uma grande quantidade é negra. Aí, depois, você tem o segmento dos treinadores que são muitos ex-jogadores de futebol. Aí, entre os treinadores de futebol, você não vê quase negros. Alguma coisa estranha tem aí, né! Outro dia eu estava querendo lembrar quantos negros treinadores tem; são muito poucos, né! Treinadores negros de destaque e tal no primeiro nível. No Brasil, por exemplo, tem esse do Flamengo....(pausa prolongada). Me fugiu agora o nome.

Tino Marcos fala também de um grande jogador negro que teve sucesso também como treinador de futebol fora do país, mas aqui não lhe foi dada uma chance.

“O percentual de negros nos times de futebol é muitas vezes maior que o percentual de técnicos negros no futebol. Eles aprenderam e vivenciaram tudo aquilo tanto quanto os outros, mas poucos chegam a ... eu não sei, eu não tenho instrumentos pra, acho que são dados muito delicados sim, eu não tenho instrumentos pra dizer que isso é uma conseqüência de discriminação e tal; mas que é um fato é. São muitos jogadores e poucos treinadores negros. Você vê que tem muitos ex-jogadores de expressão que não conseguiram ... é ... o Didi, no Brasil, nunca teve um mercado. Foi técnico da melhor campanha da seleção peruana em todos os tempos em 70 e no Brasil nunca teve um mercado favorável a ele. Coutinho, aquele que fazia tabela com Pelé, também, no máximo foi técnico do Bonsucesso e tal.

José Ilan menciona também um detalhe ocorrido após a derrota do Flamengo para o

Volta Redonda no de 2002.

“ILAN: Ontem tem uma série, ontem, anteontem o Flamengo perdeu pro Volta Redonda na estréia dele (o técnico Lula Pereira), e aí ontem no jornal saiu um seqüência de fotos dele no Globo, atuando e tal é, enfim, posso estar enganado, eu achei um pouco jocosa, enfim, não sei se por esse motivo, enfim, mais uma vez, de ele ser negro ou não, mas enfim, acompanhando essa situação de ter chegado sob o signo da desconfiança, 138

de uma certa zombaria, achei, pelo que eu conheço ali da forma de apresentar o veículo, achei um pouco jocosa a forma como foi apresentado e hoje novamente, se você observar O Globo de hoje tem uma fotografia em que ele tá, dava uma instrução lá no grupo e eles identificam na legenda de uma forma, ali eu tenho quase certeza que é debochado, eles falam o seguinte: “na hora que Leonardo está se despedindo do time, ao lado do técnico Lula Pereira, de camisa 7”, ou seja, identificando ele, como se não desse pra saber que é ele ali ao lado do Leonardo só olhando pra cara dele. Enfim, como quem diz: Oh!, o cara é aquele ali da direita, que ninguém confunda...

“E: É aquele negro ali...

“ILAN: Enfim, que seja por ser negro ou não, mas que está sendo tratado de uma forma meio jocosa. Eu acho que se fosse um cara que viesse bem de um outro clube, que fosse um cara bem apresentado, branco, bem vestido, eu acho que o tratamento seria outro.”

O GLOBO, 26/04/2002:41-caderno de esportes

“E: Você não parava de falar então eu tive de ligar o gravador de novo.

“ILAN: Então, me pareceu esse negócio do Lula, claro que todo mundo sabia ali quem era o treinador e quem não era. Tem o Leonardo que todo mundo sabe quem é, falando pro grupo todo sentado, do lado dele tá o Lula 139

Pereira e tem uma porrada de aspone atrás pra, não fazendo nada. Aí, “o Leonardo, ao lado do técnico Lula Pereira, de camisa 7”, pô, não sei, “que é o negão da direita”, entendeu!?, eu não entendi. Eu posso estar enganado, me pareceu, eu não acho possível que aquilo ali fosse uma coisa assim tão, tão, ingênua. Eu nunca vi esse tipo de legenda assim. Primeiro porque não tá com uma camisa...se fosse uma camisa anormal, estranha, “vestindo aquela camisa ali azul, vermelha, amarela e verde”, tá bom. Mas ele estava com uma camisa de treino, de treinador e tal, normal, com um sete aqui e tal. É aquela coisa, “você que nem sabe quem é o Lula Pereira, é aquele ali, que está com a camisa 7, ao lado do Leonardo. Pode ser uma viagem minha, mas...”

Ilan percebe uma diferença de tratamento ao técnico Lula Pereira. Ele diz que conhece o veículo e que nunca viu esse tipo de legenda como a que foi utilizada na foto mencionada. Ilan é contundente, “Eu acho que se fosse um cara que viesse bem de um outro clube, que fosse um cara bem apresentado, branco, bem vestido, eu acho que o tratamento seria outro”. 140

CAPÍTULO V

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas, de fato, não se configuram como uma conclusão, mas como considerações que poderiam ser tomadas como um vocabulário resultante da pesquisa até aqui desenvolvida. O pressuposto é que as imagens metafóricas são expressões do próprio processo de pensamento e não apenas figuras de estilo ou de retórica. Elas se reproduzem numa cultura através de conceitos mais abstratos, estruturados a partir de conceitos mais concretos. Esses conceitos são histórica e culturalmente constituídos, produzindo sentidos e se tornam fatores estruturantes da experiência.

Desta forma, a utilização das metáforas nas representações da mídia sobre os jogadores brasileiros tem um caráter que permite tanto a reprodução como a construção de uma realidade, de um estigma, de uma discriminação.

Os dados analisados permitem-me aduzir que o sentido construído socialmente para determinadas metáforas, como por exemplo - amarelão, sem fibra, sem raça, tremedor, acovardado, tem como foco a desclassificação do indivíduo, sobretudo como ser humano e não apenas como atleta. Permite-me também considerar que, geralmente, esse sentido desclassificatório, dirige-se com mais ênfase a determinados grupos de jogadores. Esses grupos, em geral, são jogadores negros ou mestiços. Desta forma, segundo a hipótese aqui sustentada, existe no Brasil um tipo de discriminação, que é reforçada através de metáforas que desclassificam o indivíduo de pele escura.

Ao dizermos, ou ao repetirmos o que os outros dizem, estamos criando uma verdade contingente, uma realidade, uma discriminação, que não será extinguida a não ser 141

que deixemos de refletir como um espelho e passemos a refletir para dentro, ou seja, a fletir sobre nós mesmos e sobre nossas palavras e ações.

A morte moral é pior do que a morte física. Uma metáfora que desclassifique alguém como ser humano o fere nas profundezas e não apenas na superfície. A humilhação de um indivíduo e de um grupo faz parte do processo de dominação por aqueles que detêm o poder. A humilhação, entre os grupos humanos, se dá, principalmente, através de palavras. As idéias precisam das palavras. As palavras são as imagens dos pensamentos e precisam ser pronunciadas para existirem, mas, depois que são ditas, fica-se preso a elas para sempre ou até que haja um processo de conscientização.

Este estudo é motivado pelo desejo de compreensão e não pelo de acusação ou de denúncia. Assim, o processo que empreendo para analisar os dados coletados, interpretá- los e compreendê-los, leva em consideração o meu papel como agente/crítico e não apenas como observador distante/alienado. O estudo aponta para uma diferença de apreciação por parte da mídia em relação aos jogadores do futebol brasileiro cada vez que a seleção nacional fracassa, principalmente, em Copas do Mundo. Por que analisar as metáforas das derrotas? A opção por realizar um recorte nas derrotas brasileiras em Copas do Mundo deve-se, fundamentalmente, ao fato de ser este o evento esportivo que a sociedade brasileira mais valoriza. Em época de Copa do Mundo, o Brasil, literalmente, pára, quando a seleção joga.142 Nas derrotas, verifica-se uma reatualização do ritual sacrificial de vítimas inocentes, com a morte física ou com sua punição; a morte simbólica. René Girard afirma que as sociedades têm suas estruturas edificadas sobre a matança de inocentes. Com o objetivo de aplacar a ira da multidão enfurecida pela impossibilidade de conciliar, satisfazer e preencher os desejos dos grupos humanos, elege-se um bode expiatório. A

142 O Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, decretou em 2002 que o expeditente no serviço público começasse às 12h. 142

vítima é geralmente escolhida entre criaturas isoladas e frágeis que não oferecem perigo de retaliações ou de vingança. Assim, com a morte do bode expiatório restabelece-se a unidade social, pelo menos por algum tempo.143

Para Girard, todas as instituições humanas têm origem no ritual, e o ritual resume- se no sacrifício. Este sacrifício tem por objetivo descarregar sobre um bode expiatório as frustrações, ódios e tensões acumuladas. No futebol brasileiro acontece um fenômeno semelhante. Busca-se sempre um responsável, um culpado que personifique a derrota; este

é um processo de objetivação realizado pela comunidade. Há necessidade de concretização e personificação da derrota. Assim, atribui-se a alguém a culpa. E o pior é que em muitas situações, a própria vítima inocente assume e incorpora esse papel. Utilizam-se metáforas para realizar o processo de objetivação. O dado é que os jogadores de pele escura são, efetivamente, escolhidos como bode expiatórios. Esses jogadores não são apenas criticados por terem apresentado um futebol de ‘má’ qualidade, as críticas vão além do seu papel como jogadores; ferem também o ser humano.

Por outro lado, os jogadores brancos podem até ser criticados, mas as críticas não são desclassificatórias. O processo é mimético. Todos querem ser campeões do mundo.

Mídia, governo e população se projetam nos jogadores. O mimetismo gera a insatisfação, pois não é sempre que podemos ser campeões do mundo. À insatisfação se associa o ódio e se ameaça o equilíbrio social. O equilíbrio é restabelecido mediante o sacrifício de um inocente. Esse rito ao mesmo tempo encobre e reproduz uma violência. O linchamento faz aflorar o que existe de pior na natureza humana.

Há que se observar na linguagem da mídia as marcas da discriminação. Isto não poderá ser realizado se nos contentarmos com a dimensão literal do aparente. A análise das metáforas e do sentido construído socialmente para elas é imprescindível para

143 GIRARD, René. Op. cit. 143

compreendermos a discriminação embutida nos discursos. Muitos dos nossos jornalistas esportivos reproduzem consciente ou inconscientemente uma violência originária. É comum nas transmissões ouvirmos frases do tipo: ‘Este é o jogo da vingança!’, ‘O Brasil foi vingado’, ‘O Brasil prepara as armas’. Em outros casos, insiste-se na afirmação de que tal e tal país é ingênuo no futebol, ou que a equipe é boa mas os jogadores são displicentes, atribuições geralmente feitas para as equipes africanas. A mídia não deveria ceder ao clamor das ruas, aos apelos de marketing e à celebração do sacrifício, caso ceda não será um instrumento da civilização.

Não se trata de uma postura do ‘politicamente correto’. Divinizar a auto-vitimação de um grupo e explorar o sofrimento desse grupo para reproduzir o sistema de vingança sacrificial é perpetuar a violência. O objetivo deste estudo é o de tornar mais visível esse processo sacrificial para que o mesmo seja discutido, examinado e, se possível, superado.

Os jogadores negros e mestiços, efetivamente, entraram, ascenderam e se consolidaram no futebol brasileiro apesar de todas as dificuldades que lhes foram impostas. Os relatos, entretanto, mostram que existe ainda um imaginário negativo em relação aos negros quando se trata da posição do goleiro e dos jogadores que atuam na defesa, principalmente na zaga. As entrevistas fizeram emergir também um ponto a ser analisado com mais apuro: a ascensão e consolidação dos negros como treinadores de futebol. Os relatos descrevem as dificuldades que os treinadores negros têm para entrar, ascender e se consolidar nesse mercado de trabalho. Luís Mendes afirmou que “a saga do negro no Brasil não terminou no dia 13 de maio de 1888, ela continuou e ainda continua”. O problema que se adianta para a comunidade negra é: reproduzir a violência a que foram submetidos, e assim perpetuar o ritual sacrificial, ou dar a outra face, não para apanhar de novo, mas para mostrar que não está disposta à vingança, a um novo sacrifício, à escolha de novas vítimas. 144

Afinal, o cordeiro já se sacrificou por todos. Quem sabe, um dia, não haverá mais necessidade de bodes expiatórios. Obrigado, Barbosa!

Moacyr Barbosa 527 de março de 1921 <7 de abril de 2000

“De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”.

Michel Foucault 145

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ANEXOS 154

ENTREVISTAS

LUIS MENDES

Esta entrevista foi realizada na residência de Luís Mendes, comentarista esportivo da rádio Globo. Era dia do seu aniversário e dois antes da final do campeonato carioca de

2000 entre Vasco e Flamengo, por esta razão, várias vezes a entrevista teve de ser interrompida, pois o telefone tocou diversas vezes; ora parabenizando-o pelo 76o aniversário, ou como ele prefere dizer sete-ponto-seis, ora para que ele falasse sobre a grande final.

Luís Mendes nasceu em 1924 em Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul. Ele vivenciou diretamente, como jornalista esportivo, os maiores momentos do futebol brasileiro no século XX.

Nesta entrevista ele vai falar sobre a questão racial no futebol brasileiro e o processo de discriminação sutil que existe em nossa sociedade.

O autor e Luis Mendes, na casa do jornalista, em Copacabana, no dia de seu 76o aniversário 155

E: Temos acompanhado nos últimos anos algumas manifestações de racismo no futebol, principalmente na Europa. O Sr. acredita que algum tipo de discriminação desse tipo possa existir no Brasil?

LUIS MENDES: Então, já vou tocar nesse assunto. Você sabe que aqui no Brasil havia um tremendo preconceito no futebol contra o negro. O negro não, não jogava nos grandes clubes, só ... Era elitizado o futebol brasileiro. O Fluminense, por exemplo, ganhou a fama de pó-de-arroz a partir de um preconceito. Havia um jogador chamado Carlos Alberto que era mulato e o Fluminense não permitia negro no time dele, na hora de um jogo lá, quando a diretoria do Fluminense percebeu, tinha um jogador mulato - de nome Carlos Alberto - iam jogar contra o América, em Campos Sales, onde era o estádio do América, então, nesse jogo, eles resolveram passar pó-de-arroz, pintaram o cara, pintaram o cara com pó-de-arroz. Na medida em que o jogo foi transcorrendo, o suor fazia com que aquele pó-de-arroz se desmanchasse, então, todo mundo percebeu que se tratava de um mulato, e aí o Fluminense ganhou a denominação de pó-de-arroz.

E: Esse episódio é que acabou determinando essa, essa ...

LUIS MENDES: Essa lenda?!, foi. Esse mito de pó-de-arroz, que é o Fluminense. E os outros times, os outros clubes, todos, também não permitiam negros. O Vasco é que estava na 2a divisão, que o Vasco chegou à 2a divisão em 1916 e em 1923 formou um time em que colocou negros. Trouxe um técnico uruguaio, botou negros no time e foi campeão. Saiu da 2a para a 1a e já no primeiro ano que disputou a 1a foi campeão, porque não há dúvida nenhuma que o negro tem mais flexibilidade, mais cintura do que qualquer raça branca. Algumas há, por exemplo, os alemães, os escandinavos, eles são duros, eles sabem jogar futebol, mas eles são duros eles não têm molejo como têm, por exemplo, os latinos têm mais ou menos o molejo, mas os negros têm mais molejo do que todo mundo, têm um molejo, um jogo de cintura; hoje em dia o futebol sem negro seria o mesmo que escola de samba sem negro. Eu queria ver passista ter aquele molejo que tem os negros. Então, o Vasco botou negros no time e foi campeão. Isso deu uma bronca nos outros clubes, que não sabiam como tirar o Vasco da Liga, da Federação de então. Eles, então, resolveram dizer que o Vasco não tinha estádio e o Vasco não tinha estádio mesmo. Tiraram o Vasco porque não tinha estádio. E o Vasco até fundou uma outra Liga, uma Liga inferior com outros clubes pra poder continuar jogando. Então, o Vasco foi campeão em 1923 na principal Liga e em 1924 nessa Liga "Barbante" que havia, que é uma outra coisa engraçada. Liga Barbante, sabe por quê?, porque antigamente se usava liga pra segurar a meia. O homem usava liga como mulher também, então, quando o sujeito não tinha dinheiro pra comprar aquele negócio de elástico - que aquilo era caro - ele fazia com barbantezinho, segurava, amarrava um barbante na canela e segurava a meia. Então se dizia Liga Barbante, fazendo um trocadilho. Então o Vasco fundou uma Liga Barbante pra poder continuar jogando. E construiu o estádio de São Januário, que foi por muito tempo o maior da América do Sul, depois foi quando construíram em Buenos Aires um maior; foi aqui, ainda maior até 1942, quando se inaugurou o Pacaembu. Então, o Vasco da Gama respondeu com um estádio que ele tem até hoje, que é o 2o maior estádio aqui do Rio. Dá uma paradinha pra eu atender o telefone..

INTERRUPÇÃO...... 156

LUIS MENDES: O que nós estávamos falando?

E: O Sr. estava falando da questão racial lá no episódio em 23. O Sr. acha então que a questão racial foi o foco ou foi o profissionalismo que estava se instalando?

LUIS MENDES: Não, não, não... o profissionalismo, depois veio então a luta pelo profissionalismo.

E: Mas nesse episódio...

LUIS MENDES: Nesse episódio foi só o racismo.

E: Só o racismo?

LUIS MENDES: Só porque o futebol era elitizado, os outros clubes foram aos poucos recebendo negros e de repente os negros eram os maiores jogadores brasileiros. Você olhava Fausto dos Santos - a maravilha negra - jogou no Vasco, no Flamengo também. O , da Silva, eram os grandes jogadores da época; o próprio Friedenreich, que tinha esse nome alemão, ele era mulato, mulato de olhos verdes, era um mulato bonito, cheguei a conhecê-lo pessoalmente, ele era filho de um alemão com uma negra.

E: Mas jogava em São Paulo.

LUIS MENDES: Jogou em São Paulo, mas terminou a carreira aqui no Flamengo. Ele foi...Há quem diga, e a FIFA até reconheceu isso, foi o maior goleador de todos os tempos. Ele tem mais de 1300 gols, mais do que o Pelé, digo, 1289. Então, o Friedenreich é tido como o que mais gols marcou na história do futebol - A FIFA reconheceu - todos os pelezistas ficam contestando, que eu não entendo como é que eu diria qual é o charme que o Pelé tem, uns caras que são fanáticos por ele. Nós tivemos aqui no Rio de Janeiro um jogador que se tivesse tido com esses pelezistas a mesma projeção que merecia ter, seria tão grande mundialmente quanto o Pelé: foi o Garrincha, foi o Garrincha, também tem sangue negro, tinha. Então você sabe que o futebol brasileiro a partir do momento em que ele aceitou os negros, que foi projetando os negros, ele foi crescendo. Nós tínhamos uma desvantagem enorme com os argentinos e a partir de um certo momento começamos a recuperar terreno e hoje estamos empatados estatisticamente com os argentinos. E os argentinos não têm negros nos times deles lá na Argentina porque não houve escravidão na Argentina, eles escravizavam índios, não escravizavam negros. Nós aqui no Brasil recebíamos os famosos "Navios Negreiros" que traziam os negros aqui pra Bahia, pro Rio de Janeiro, pra São Paulo então foram entrando os negros e daí eles também partiram pra outros Estados, mas há Estados, por exemplo, os do Sul, que têm um percentual muito pequeno de negros na população. No Sul havia muito preconceito. Eu nasci lá e me lembro muito bem disso, mas o preconceito racial nunca foi combatido com segurança, por exemplo, havia uma música que foi sucesso e que até hoje é sucesso, que não há nada mais preconceituosa que a letra dessa música: "O teu cabelo não nega mulata, porque és 157

mulata na cor. Mas como a cor não pega: mulata eu quero ser o seu tenente interventor". Tenente interventor era porque quando Getúlio Vargas assumiu o poder aqui no Brasil, ele...(O telefone tocou) Um momentinho.

LUIS MENDES: Eu não poderia assim apontar exatamente aquele jogo que eu elegesse como o melhor Vasco e Flamengo da história, mas eu vi muitos jogos maravilhosos entre Vasco e Flamengo, mas vi em 1944, quando eu cheguei ao Rio de Janeiro um que até hoje está na história. Foi aquele em que o Flamengo venceu na Gávea ao Vasco da Gama na decisão do campeonato daquele ano e que dizem que o jogador Valido, ponta-direita argentino que jogava pelo Flamengo, ao fazer o gol da vitória, porque o jogo foi 1 a 0, se apoiou nos ombros do jogador Argemiro, jogador do Vasco da Gama. Esse jogo passou à história. Falam dele até hoje, dizem que o gol marcado por Valido deveria ter sido invalidado pelo árbitro da partida.

E: O Sr. nasceu no sul...

LUIS MENDES: Eu nasci em Palmeira das Missões, um lugarzinho perdido lá, uma cidadezinha que até hoje é igual ao tempo em que eu estava lá. Só fizeram um hotel lá bonito, tem 5 andares, o resto são aquelas casas baixas; é cidade do interior. É uma cidade que tem 15 mil habitantes.

E: O Sr. veio já com essa intenção de trabalhar com...

LUIS MENDES: Eu já fazia rádio lá, na rádio Farroupilha. Eu vim e aproveitei a inauguração da rádio Globo e ingressei na rádio Globo; fui fundador da rádio Globo.

E: Isso em mil...

LUIS MENDES: 1944, quando eu cheguei aqui, perto da realização desse jogo a que eu me referi. Eu assisti a esse jogo sem trabalhar, fui lá no estádio pra assistir, mas tava contando o negócio da...

E: Uma coisa que o Sr. falou que também me incomodou é...O Sr. falou da música "O teu cabelo não nega", que é uma coisa preconceituosa. Me incomodou muito as críticas que foram dirigidas ao Ronaldo, com metáforas do tipo amarelão, babão, e me lembrou muito o que foi falado na Copa de 50 em relação ao e ao Barbosa, que se acovardaram.

LUIS MENDES: Juvenal.

E: E aí eu pesquisei outras Copas, por exemplo, a Era , a Era Dunga, as críticas usam o termo falha. O Sr vê alguma diferença de tratamento na apreciação do jogador negro e do jogador branco? Como o Sr vê essa coisa?

LUIS MENDES: Olha!, se acontecer, deve ser instintivo porque eu tenho a impressão que a saga do negro no Brasil não terminou no dia 13 de maio de 1888, ela continuou e ainda 158

continua. Nós não somos diferentes dos americanos do norte, os americanos do norte têm preconceito racial, aqui nós lutamos contra esse preconceito racial, mas existe o preconceito racial. Existe, fora de qualquer dúvida; existe. Eu aqui no edifício em que eu moro, não deixavam entrar os empregados ou as empregadas pelo elevador da frente, o elevador social, e eu combati isso e hoje pode entrar porque na verdade a maioria dos empregados do edifício, quer sejam homens, quer sejam mulheres, a maioria é formada de negros. Então, por causa disso os elitistas aqui do edifício não queriam deixar os empregados entrar pelo elevador social. E eu combati isso aqui e fui vitorioso. Eu noto também que aí há um complexo de inferioridade, eu noto que todos os empregados vão pelo fundo, espontaneamente, ninguém os obriga a ir, mas eles vão pelo fundo, mas aí eu já não tenho nada com isso, é uma questão de escolha. Eu não posso chegar e chamar um e é: você tem direito de entrar pelo da frente. É sabido que pode entrar pelo da frente. Foi numa reunião de condomínio que se tomou essa decisão. Esses pequenos detalhes sutis mostram que existe o preconceito racial, não é?! Eu digo mesmo que uma vez eu ouvi uma resposta de um sujeito. O que é afinal preconceito racial? Aí o cara quis dar uma explicação. Nesse tempo a Xuxa estava namorando o Pelé, então: preconceito racial, respondeu o cidadão na TV, preconceito racial é o seguinte: a Xuxa não tem preconceito racial o Pelé tem. E o Pelé tem. O Pelé não namora mulata, não namora crioula, não tou falando crioula pejorativamente, como nós chamamos até carinhosamente, o Pelé só namora loira, casou 2 vezes com loira, ele tem preconceito racial, mas a Xuxa não tinha. Então o cara definiu: preconceito racial é o seguinte é o que o Pelé tem e o que a Xuxa não tem.

E: Quando o Brasil perde uma Copa, o imaginário das pessoas vem à tona, então a gente sempre personifica, quer dizer, bota a culpa em alguém...

LUIS MENDES: Em 1950 culparam em 1o lugar o Bigode, em 2o lugar o Barbosa e em 3o lugar Juvenal. O próprio técnico da seleção brasileira culpou o Juvenal, dizendo que ele não fez a cobertura do Bigode nos dois lances que resultaram nos gols do Uruguai. Bom, depois em 1958, quando nós fomos pra Copa do Mundo, houve um problema muito sério, diziam que o Brasil amarelava porque tinha negros no time, que era uma raça que tinha complexo de inferioridade, mas na hora que convocaram, convocaram até 2 jogadores negros pra mesma posição, convocaram o Didi e o Moacir do Flamengo. Então, não dava pra eles usarem da preferência aí, se tirassem o Didi porque era negro, como é que iriam colocar o Moacir que também era negro? Então eu não via aquele preconceito racial a que se referiam, só notei, por exemplo, uma preferência pelo Desorti, que era branco e de nome italiano inclusive. Desorti e com com relação ao que era negro, que jogava 10 vezes mais do que o Desorti, botaram o Desorti de titular.

E: Mas existia na cabeça das pessoas essa coisa assim...

LUIS MENDES: Essa dúvida?

E: Essa dúvida?!

LUIS MENDES: Existia.

E: Que era melhor colocar o branco... 159

LUIS MENDES: Existia, existia. Havia discussões entre cronistas esportivos sobre isso.

E: Isso era veiculado pela mídia?

LUIS MENDES: Mas não chegavam a escrever. Não sei qual é a razão, porque não havia nem a lei Afonso Arinos, mas ninguém escrevia, todo mundo tinha medo de dizer, por exemplo, aqueles ditados preconceituosos que existiam lá no Rio Grande do Sul, por exemplo, como eu dizia lá existia muito preconceito racial, hoje já não existe muito, mas eu me lembro que os caras diziam assim: "Negro quando não morre em pequeno, dá desgosto depois de grande". Isso é uma coisa terrível, uma coisa terrível, no entanto, isso era falado nas melhores famílias lá do sul. Sempre se dizia que algum negro fazia alguma coisa errada, coisas erradas os negros fazem, mas os brancos também fazem, não é !? Então, quando algum negro fazia alguma coisa errada, vinha logo alguém dizendo esse ditado aí. Eu digo uma coisa pra vocês: eu me lembro do Vinícius de Morais dizer uma frase que eu nunca esqueci, ele diz assim: o brasileiro só não tem preconceito racial com a mulata e aí eu pensei como era inteligente o Vinícius. Realmente é uma verdade, o brasileiro pode não dizer que gosta de mulata, mas é indiscutível de que gosta.

E: O Sr. falou que essas idéias eram trocadas, mas não eram escritas.

LUIS MENDES: Não, não eram escritas. O maior cronista esportivo de todos os tempos, não era na parte vocal, mas na parte de escrever, imprensa escrita como dizem agora, não é!, foi o Mário Filho, cujo nome é o próprio nome do estádio do Maracanã, estádio jornalista Mário Filho. Ele escreveu um livro chamado "O Negro No Futebol Brasileiro". Esse livro é maravilhoso de ser lido, eu tenho até esse livro, eu posso até, como vocês estão fazendo essa pesquisa, posso emprestar pra vocês, com aquela garantia de que ele voltará.

E: Houve uma pesquisa, que dizem foi a 1a pesquisa que foi feita numa seleção brasileira, numa viagem que a seleção fez a Europa em 1956, com uma comissão de médicos, preparadores físicos, e fizeram um relatório científico. O Sr. tem conhecimento desse relatório?

LUIS MENDES: Se falou muito nisso. Você sabe que não havia comissão técnica. Antigamente, não faziam...Havia um técnico, um médico, mas não se chamava a isso de comissão técnica, até que em 1956 houve um campeonato pan-americano, no México, e a CBD que hoje é CBF, entregou ao Rio Grande do Sul, à Federação Gaúcha de Futebol a tarefa de representar o Brasil nesse campeonato e que estavam presentes as maiores seleções do continente americano. A Argentina foi com um timaço, timaço a Argentina foi, e o Brasil foi representado por uma seleção Gaúcha, fizeram a 1a comissão técnica. Falaram naquela de Paulo de Carvalho em 1958, que foi a 1a, não!, a 1a foi a de 1956, o modelo foi a de 56, que foi comandada por um cidadão chamado Aneron Correa de Oliveira e que tinha também como supervisor Saturnino Vanzelotti, construtor do estádio olímpico do Grêmio Portoalegrense. Então, essa foi a 1a comissão e o Brasil ganhou invicto esse pan-americano, mesmo enfrentando com uma seleção que não era de ponta, com uma seleção regional ou estadual, contra os maiores times dos países que acorreram à competição. Então, fizeram o plano Paulo de Carvalho, que era a repetição daquilo. 160

Fizeram uma comissão só com outras pessoas em 1958. Então tinha o Paulo de Carvalho, que passou a ser o Marechal das Vitórias, não sei o quê lá, pois o Brasil ganhou a Copa. Tinha o Carlos Nascimento, que era o supervisor, chamavam de Pai Branco porque parecia um cacique, aquele jeito sério dele, não dá um sorriso pra ninguém e assim por diante. Fizeram uma comissão que tinha um psicólogo o Carvalhaes, que mandou os jogadores fazerem desenhos e o Garrincha fez lá uns desenhos e ele olhou e disse: "Que é isso aí?, umas árvores?". Aí ele disse: "Não, é o Quarentinha". O Quarentinha era muito cabeçudo e ele fez dois riscos e botou um negócio assim, parecia realmente uma árvore e era a cabeça do Quarentinha. Aí o psicólogo disse: "Esse cara tem a mentalidade de 7 anos de idade, ele não pode jogar, você não pode botar um jogador que tem a mentalidade de 7 anos de idade jogar futebol". Só que o Garrincha entrou em campo, driblou toda a defesa da Rússia mais o psicólogo, que foi driblado por ele com aquele desenho.

E: Existiu algum relatório que sugerisse a não convocação de negros, por causa desse imaginário?

LUIS MENDES: Eu também ouvi falar, mas é aquela história, isso está me parecendo a linha do equador; todo mundo sabe que existe mas ninguém vê.

E: O Sr. então desconhece esse dado?

LUIS MENDES: Desconheço esse dado, mas lembro que se falava muito nisso, "não, tem que tirar esses negros do time", isso sem dúvida; “goleiro negro não serve, goleiro negro tem reflexo retardado”.

E: Tudo por causa do Barbosa?

LUIS MENDES: Não!, já antes, já se dizia. Houve um goleiro brasileiro que foi jogar no exterior chamado Jaguaré.

E: Era do Vasco!

LUIS MENDES: Era do Vasco. Ele foi jogar no Barcelona da Espanha. Ele foi o primeiro goleiro a usar luvas. Quando ele voltou da Europa, ele usava uma luva vermelha de borracha. Foi o primeiro goleiro que se viu aqui no Brasil a usar luvas. E ele morreu paupérrimo, sem dinheiro nenhum, apanhou da polícia, ficou caído numa sarjeta, numa cidade chamada Santa Anastácia, em São Paulo em 1940. Em 1939, ele era goleiro do Olimpyque de Marselha. Você vê!, em 39 era goleiro do Olimpyque aí veio jogar um pouquinho no Corínthias, e em 1940 estava morrendo quase como indigente nessa cidade, sendo espancado pela polícia, segundo as reportagens da época.

E: Ele tinha algum problema de vício?

LUIS MENDES: Ele era farrista e gastava tudo o quanto ganhava. Ele era um goleiro malabarista. Era um goleiro que quando pegava uma bola e o adversário ia de costa para ele, ele jogava a bola na cabeça do adversário e pegava de novo e fazia a bola rodopiar em cima do dedo; ficou famoso por isso. 161

E: Isso teria contribuído para a construção de um imaginário não muito sério para o goleiro negro?

LUIS MENDES: A partir dele. E ele era um goleiro que tinha altos e baixos. Partidas espetaculares, de repente, lá vinha um franguinho daqueles. Isso todo goleiro tem, isso é inevitável. O Castilho tinha uma tese sobre o goleiro que eu acho a mais perfeita de todas. Perguntaram pra ele, num programa em que eu estava presente na televisão. Pra ser um bom goleiro, qual é a receita? Ele era considerado o melhor goleiro brasileiro. Ele disse: "O bom goleiro é aquele que pega todas as possíveis e deixa entrar as impossíveis". Você faz um cálculo e vê quantos goleiros deixam entrar as possíveis e defendem as impossíveis.

E: O Castilho se suicidou, né?

LUIS MENDES: Se jogou de uma janela lá em Olaria.

E: E o Veludo?

LUIS MENDES: Faleceu também. O Veludo jogou no Fluminense aqui, jogou no Nacional de Montevidéu. O Veludo era um grande goleiro e era um goleiro negro.

E: Para o Sr. existe uma certa diferença de crítica da mídia, quando o jogador é branco e quando ele é negro ou mulato? Como o Sr. vê isso? O Zico perdeu aquele pênalti...

LUIS MENDES: Foi perdoado, imediatamente. Tava frio, num sei quê!

E: É uma coisa assim: o Dunga também foi muito criticado...

LUIS MENDES: Pelo futebol rústico. Ali havia um outro detalhe que até hoje eu discuto e como gosto de me aprofundar nos fatos...Os ditadores militares foram na sua maioria gaúchos. Veja bem!, aquele que é o do AI5... O Costa e Silva, o Médici, o Geisel e o próprio Figueiredo, não era gaúcho, mas era até mais gaúcho do que eu porque eu não tomo chimarão e ele tomava. O clube dele era o Grêmio de Porto Alegre e ele se criou no Rio Grande do Sul, era um negócio de cavalo. Cavalo com ele era uma beleza, coisa que gaúcho gosta muito. Dizem que gaúcho tem 2 desgostos: um é não ter nascido cavalo e o outro é não ser avião da Varig. Essas brincadeiras fazem com os gaúchos e eu posso contar porque sou gaúcho. Então, aí eu notei que a nossa crônica esportiva, como de resto o jornalismo em geral, a crônica esportiva e o jornalismo são ocupados por profissionais de esquerda. Quase todo o jornalista é de esquerda, então, todos esses jornalistas abominavam e abominam até hoje os ditadores brasileiros, e os ditadores brasileiros eram gaúchos. Então, olha os jogadores que eles escolheram pra tentar banir da seleção brasileira: o goleiro Taffarel, o lateral Branco e o meio-de-campo Dunga. Esses eram os jogadores que eles queriam tirar. Fizeram uma campanha descomunal pra tirar esses jogadores. Nunca foram perguntar pro Dunga se ele foi a favor da ditadura, nem ao Taffarel, nem ao Branco, como nunca ninguém me perguntou, mas eu, eu me recusei a ler o memorial no dia em que a revolução, entre aspas, foi vitoriosa e o comandante do Forte de Copacabana me entregava um memorial para eu ler diante das câmeras e eu me recusei a ler. Eu quero saber se esses caras que são de esquerda, que são contra os ditadores, tiveram um problema desse. Arriscar a ser presos, eu quero saber. Eles são 162

muito de esquerda, mas é tomando um uisquinho no bar da Vinícius de Moraes, eles são muito de esquerda assim é pra combater as pessoas que não têm nada com isso. O que é que teriam esses 3 gaúchos a ver com o período ditatorial do Brasil? Nada!, não é?! Então, esses 3 jogadores deram a volta por cima e isso é muito do gaúcho e eu me orgulho muito disso. O gaúcho quando é aperriado, aí é que ele se levanta e batalha, então eles deram a volta por cima. O Taffarel salvou o Brasil defendendo um pênalti. O Branco, naquele jogo com a Holanda, fez aquele golaço e o Dunga levantou aquela taça com honra e dignidade, porque ele foi um dos melhores jogadores, soube responder no campo aos detratores baratos que eles tiveram.

E: O contexto antes poderia ser o racismo, mas nessa época seria um contexto...

LUIS MENDES: Político. Até um jogador que não tinha nada com isso, mas fixou residência em Porto Alegre, o Marcio Santos, por causa disso também foi perseguido. Por incrível que pareça, os caras lá no Sul a política sempre foi dividida em Maragatti e os Chimango, 50% pra um, 50% pra outro e os outros 50%, que também são a favor da mesma mentalidade política desse pessoal, não mereciam um pouco de atenção, um pouco de respeito pelo menos?

E: Houve também lá no Rio Grande do Sul esse problema que houve aqui em relação aos jogadores negros?

LUIS MENDES: Houve muito seriamente. O clube que sempre aceitou negro, desde que foi fundado foi o Internacional. E o Grêmio só nos anos 50, no começo dos anos 50 colocou o primeiro negro no time, que foi o , aquele jogador que tinha sido do Internacional e veio jogar no Vasco, depois quis voltar pro Sul e o Grêmio veio e o contratou e ele foi o primeiro negro a vestir a camisa do Grêmio Porto Alegrense. Palmeiras e São Paulo foi uma coisa tremenda. O primeiro, apareceu um mulato jogando no Palmeiras na época em que o Palmeiras não aceitava negro, o Ogui Moreira, um center-half que jogava aqui no Rio. Aquilo era um pandemônio lá. Uma certa parte da torcida do Palmeiras aceitava a outra não aceitava, houve muita confusão em torno disso.

E: Como o Sr. vê a Copa de 1950 para o futebol brasileiro?, pois ela ainda é bem lembrada.

LUIS MENDES: Nem poderia deixar de ser assim porque nós fizemos uma Copa do Mundo numa época em que o mundo havia sofrido uma guerra terrível. Só por isso é que a Copa foi aqui. Na Europa, não havia país nenhum em que se pudesse realizar. Naquele tempo só se faziam Copa na Europa. Fizeram a primeira na América do Sul, que foi a de 30, mas pra comemorar o centenário da independência do Uruguai. E ainda porque o Uruguai tinha o melhor futebol do mundo. Havia sido campeão olímpico em 1924 e em 1928. Então, quando se profissionalizou o futebol e se criou a FIFA e se quis realizar a primeira Copa do Mundo, dois motivos levaram o primeiro campeonato mundial para o Uruguai: o primeiro fato de ser o melhor futebol do mundo, o país bi-campeão mundial olímpico e o centenário do país, da independência do país. Então aí fizeram lá no Uruguai, depois não; 34 na Itália, 38 na França, iam fazer eternamente na Europa, aí arrebentou a guerra em 39. Quando a guerra terminou em 1945, os grandes jogadores de futebol, alguns haviam até morrido nas batalhas e outros já não passavam sem jogar 163

futebol, tiveram que voltar. Então, o futebol europeu não estava com a mesma força técnica que depois veio a ter, que tem hoje e que antes da guerra também tinha, não é!, por quê?, porque houve uma paralisação enorme e nós aqui continuamos jogando e aí o que fez a FIFA, marcou o campeonato mundial para o Brasil. Só fez uma exigência: que se construísse um estádio pra grande final que foi o Maracanã, se construiu em 3 anos o Maracanã foi construído, o maior estádio do mundo. Agora, veja você, só tínhamos esse estádio porque o de São Paulo era o Pacaembu, um estádio mais ou menos, o de Porto Alegre era o dos Eucaliptos, um estádio remendado, horrível. O de Belo Horizonte era o Independência, que ainda existe hoje. O de Recife era o da Ilha do Retiro. O de Salvador nem foi aprovado. Em Curitiba, o Dorival de Brito, dá pra 25 mil pessoas. Então não havia um estádio digno, a não ser o Maracanã, digno de uma Copa do Mundo, só o Maracanã, quer dizer, nós entramos precariamente porque se nós fôssemos disputar um campeonato mundial hoje só tendo o Maracanã, o Brasil tem estádios maravilhosos em todos os lugares mas se fosse como era em 1950, o Brasil jamais seria escolhido para uma Copa do Mundo, ele não teria condição, vamos dizer estrutura pra realizar uma Copa do Mundo e realizou mesmo sem estrutura, naquele tempo era difícil a nossa rede hoteleira, não era boa, não eram boas as comunicações. Eu pra fazer as transmissões da Copa do Mundo eu tive que arrumar rádio amadores para poder conectar os vários lugares onde os jogos eram realizados. Eu acho que na derrota de 1950 o Brasil construiu a vitória de 1958, não deu pra construir em 1954 porque nós mudamos muito a forma como jogávamos em 50, fizemos uma transição muito violenta, através da mudança de técnico e tática, foi Zezé Moreira, o técnico de 1954 e tivemos o azar de pegar pela frente uma seleção que foi uma das maiores que já existiram que foi a Hungria de 1954, uma revolução no futebol, então, ali não deu pra gente fazer, mas já começamos a nos organizar. Ali já mudamos a cor da camisa. Tiramos aquelas camisas que não diziam nada, azul, uma era azul a outra era branca e não tínhamos nada que lembrasse a bandeira na nossa camisa pra dar um tom patriótico, digamos de pátria nas chuteiras, foi aí que começou a mística da camisa.

E: Sobre essa Copa falaram muito sobre o silêncio, que a torcida emudeceu. O Sr estava lá, como foi isso?

LUIS MENDES: Estava. Eu narrei pela rádio Globo este jogo e foi a única vez na minha vida em que eu ouvi o silêncio e foi uma coisa que se voasse uma mosquinha você ouviria. Eram 200 mil pessoas que saíam sem fazer barulho, amordaçadas por uma decepção que até certo ponto eu não tive, porque um mês antes da Copa do Mundo, o Uruguai jogando 3 vezes com o Brasil, pela Copa Rio Branco, ganhou uma, 4 a 3 em São Paulo, perdeu a segunda, aqui no Rio por 1 a 0 e a terceira perdeu por 3 a 2. Ora, quem perde de 1 a 0, 3 a 2 e ganha de 4 a 3, não é inferior; é um time que tem que ser respeitado, e não houve respeito pelo Uruguai. O Uruguai não teve uma campanha na Copa do Mundo. Ele chegou e 2 dos 4 países que faziam parte do grupo dele não vieram, só jogou uma partida pra se classificar, jogou contra a Bolívia, que então era mais insipiente o futebol do que hoje, e ele meteu 8 a 0 na Bolívia, e ficou esperando os outros se digladiarem lá pra conquistar as posições que o Brasil conquistou, que a Suécia conquistou e que a Espanha conquistou. Então aí foram fazer um quadrangular entre os 4. O Uruguai sem nenhum desgaste, jogou uma partida só. Então a gente tinha de pensar nessas coisas, pesar, colocar isso na balança, pra ver que não era assim tão fácil. E aí, como o Brasil ganhou de 6 da Espanha, ganhou de 7 da Suécia, e o Uruguai empatou com a Espanha e ganhou 164

de 3 a 2 da Suécia, então, ah!, bom. Futebol não tem lógica pra você dizer: ah!, se nós ganhamos de 7 a 1 da Suécia, e eles ganharam da Suécia por um gol de diferença, ah!, então, nós vamos meter de 5 neles; não tem isso no futebol. O futebol não tem a menor lógica, não tem essa equiparação de números. E aí o Uruguai jogou um futebol com muita vontade, além de que marcou muito bem os nossos pontos principais e acabou nos ganhando o jogo e foi aquela decepção, porque os jornais já circulavam aí com os títulos em letras grandes: “Brasil, campeão do mundo”; “Somos campeões mundiais”. Eu tinha uma revista aqui em casa que me roubaram aí, não sei quem levou, que tinha, a Noite Ilustrada, circulou.

E: O tapa do Obdúlio foi verdadeiro?

LUIS MENDES: Não, isso tudo aí passou a ser lenda. O Obdúlio levantou o Bigode uma hora assim, pela mão, quando o Bigode caiu, ele caiu junto e ele se levantou primeiro e aí bateu com a mão no rosto do Bigode assim como que confraternizando, como você bate na cabeça de uma criança. Esse gesto carinhoso que se tem foi o que o Obdúlio Varela teve e aí já passou a ser tapa, deu 3 tapas.

Uma voz externa: “Luís atende o telefone aí, por favor”.

INTERRUPÇÃO......

E: Olha!, foi maravilhoso aqui, essas, esses esclarecimentos...

LUIS MENDES: Havia uma pergunta e eu cortei você...

E: Não, eu queria passar por essa questão da discriminação que o Sr falou...

LUIS MENDES: Havia uma coisa assim que eu diria até que ainda há hoje. Mas uma coisa está esclarecida; não há ninguém que possa jogar melhor futebol do que o negro, tanto que já as colônias africanas, nem colônias, dos países africanos, estão chegando vários jogadores pros times europeus. Você vê, sempre tem pelo menos um negro no time.

E: Até da Inglaterra.

LUIS MENDES: Da Inglaterra eu esperava por isso. Em 66 quando eu estive na Inglaterra, na Copa do Mundo, eu via muito negro na rua, mas muito mesmo, e eu pensava assim: porque esses caras não jogam futebol aqui, mas é porque eles estavam chegando, aí foram nascendo, aí foram indo pros clubes, aí eles iam desprezar essa flexibilidade, esse jogo de cintura, não dá pra desprezar. Pro americano esse jogo de cintura serve pro basquetebol, pro futebol americano, aquele da bola oval, serve pro beisebol, pro atletismo, dizem que só na natação e no tênis é que a raça negra não se projeta, e o João Saldanha tinha uma tese porque o poder aquisitivo não leva o negro às piscinas, não leva o negro às canchas de tênis, que é um esporte caro, golfe, não é!, apesar que apareceu um negro lá agora que ele era o que carregava os tacos e ele foi aprendendo com os grandes mestres do golfe e hoje é um campeão. Também tem duas tenistas americanas, duas irmãs que são maravilhosas. Mas na natação não há campeões negros. 165

E: O Sr. acredita que ainda exista esse tipo de racismo no Brasil, até através da mídia, mas de uma forma sutil?

LUIS MENDES: Ainda existe isso.

E: Foi um prazer, espero não ter tomado o seu tempo.

LUIS MENDES: Vocês preencheram o meu tempo. 166

JAIR DA ROSA PINTO

Esta entrevista foi realizada no dia 19/02/1999. Jair da Rosa Pinto participou da

Copa do Mundo de 1950, tendo jogado a final no Maracanã. Foi jogador do Vasco da

Gama no conhecido “Expresso da Vitória”. Jair da Rosa Pinto formava com Isaías e Lelé um trio de meio-campo que até hoje é lembrado. Este trio surgiu no Madureira Esporte

Clube, posteriormente, o Clube de Regatas Vasco da Gama adquiriu o passe dos três.

Nesta entrevista, Jair da Rosa Pinto vai falar sobre as críticas que marcaram o goleiro Barbosa, seu companheiro na seleção e no Vasco. Além disso, ele aborda o episódio de Ronaldinho na Copa de 1998 e a influência da Nike.

E: O senhor acha que a imprensa, efetivamente, contribuiu para que o Barbosa ficasse com esse sentimento de culpa?

Jair: Eu não vou dizer bem assim. Eu vou dizer que o Barbosa se entregou. A primeira reportagem que saiu – eu tava vendo aqui, apareceu a estrada de ferro, o pessoal desembarcando na porta do Maracanã. Eu dizia logo: não vai fazer isso não. Você vai fazer o que eu quero. O que ele quer é sair lá na imprensa. Ele aceitou; coitado – eu fiquei com pena dele, eu falei pqp, porque você sabe como é que é: eles querem é vender, pô. Eles querem vender jornal e dizer uma porção de troço. Não tem por onde escapar.

E: Mas em 1950, as críticas foram pesadas?

Jair: Olha!,...

E: Eles falaram mesmo que o time tremeu?

Jair: Falaram. Eles disseram assim: dois jogadores só que jogaram bem. Jogaram bem “po... nenhuma”. Ningúem jogou bem. Se jogasse bem um pouquinho; ganhava o jogo. Ninguém jogou bem, não teve ninguém que se salvasse. Não teve ninguém que se salvasse no time brasileiro. Ninguém jogou nada. Se meia dúzia que jogasse mais ou menos...o Brasil jogou, jogou aquilo que... você jogou uma partida contra a Suécia, contra a Espanha, contra num sei o quê, num sei o quê...Não foi nem 30%, não foi...

E: A gente vê trechos das partidas e vê que o Brasil estava um pouco diferente, mas o Uruguai estava muito fechado. 167

Jair: Não!, não muito fechado não. O Uruguai tava jogando pra não apanhar de 3 a 1. No fim começou a dar certo, então vamos embora, o Brasil não é aquilo que a gente pensa. Eu joguei contra o Uruguai desde 1940, 39/40. Eu ganhei 40, ganhei 41, 42, 45, 44, 46, 49, 50 e aí perdemos pô!

E: Uma outra coisa que se falava muito é o silêncio no Maracanã...

Jair: Não!; a torcida ajudou, a torcida gritou, foi lá. Quando não dá certo rapaz: não adianta.

E: Então essa história do silêncio que a torcid....

Jair: Isso é jornal que diz. O Brasil, a torcida gritou, mas não adiantou...não adiantou. O único que não ganhou a Copa do Mundo foi o Brasil dentro de casa.

E: Os jornais da época falaram que o time ficou com medo?

Jair: O jornal não diz que o time ficou com medo. Teve jornalista que disse que o Brasil se acovardou.

E: Acovardou, né?!

Jair: Mas isso eu não ligo não porque falaram do Francisco Landi que foi campeão mundial de corrida, mas no dia que ele perdeu disseram que ele era um covarde. Então você tem que aproveitar o momento.

E: E essa crítica agora feita ao Ronaldinho que ele amarelou?

Jair: Veja!, aí é que tá, aí é que pega. O único cara que pode dizer a verdade; não disse: o médico, o presidente da CBF, o Zagalo, o Faria, todos eles se omitiram, não tiveram peito pra dizer a verdade.

E: O senhor acredita em que no caso do Ronaldinho?

Jair: Eu acredito que tudo o que o jornal falou, tudo, porque quando aquele menino da Globo recebeu a notícia que ele não ia jogar, alguma coisa tinha que ter no ar, não isso. O que tinha de ser feito é Ronaldinho não está inscrito...vai jogar Edmundo, agora você vê: Zagalo disse alguma coisa; não, o médico disse alguma coisa; não, ninguém disse nada, eles é que medraram. O único que não medrou foi a Nike. Porque não se pegou a Nike e assim: Nike você vai dizer a verdade. Ela pagava todo mundo mesmo. Ela pagava não; ela paga. Tem dinheiro. Aí é que tá o negó...você fica no cara que não tem nada com isso. Em benefício de Zagalo, de Lídio Toledo, de Faria, de, de, e o presidente da federação CBF. Então você sabe disso que nenhum deles falaram a verdade até agora. Inclusive o Ronaldinho não disse a verdade até agora. Quanto mais insistir com o Ronaldinho pra ele dizer a verdade: ele não conta. Quando aquele menino da Rádio Globo – eu tava escutando aqui - o nome do Ronaldinho não tá na escalação, alguma coisa no ar tá havendo. Depois ele apareceu na escalação, você sabe aquelas coisas. 168

E: Em 50 crucificaram o Barbosa, agora crucificaram o Ronaldinho.

Jair: Só que o Ronaldinho com uma vantagem. O Barbosa não tinha ninguém pra defender, Ronaldinho tem a Nike, que vai defender ele até o último caso. O Internacional dá dando todo apoio a ele. Não tem por onde escapar.

E: Você acha que isso é só na imprensa brasileira ou a imprensa mundial também acusou o Ronaldinho?

Jair: Opinião minha, entendeu! Eu acho que o culpado foi Zagalo, foi o Lídio Toledo, foi o Faria que era o coordenador, foi o presidente da CBF. E o preparador, o preparador físico nem, como é que se diz?, não conta nessa história porque ninguém pergunta pro preparador físico o que que há. Esses 4 caras... o Zagalo até hoje não fala a verdade.

E: O senhor vê alguma relação entre as críticas e a cor do jogador, a sua raça?

Jair: Isso a gente só pode ver se estiver lá presente, nós estamos longe. Um jornal fala uma coisa o outro fala outra. Teve jornalista que teve acesso à concentração, teve outro que não teve. Bom, então, você diz então amarelou – o Roberto Carlos começou a falar umas bobagens e cortaram logo ele do ar. Ele nunca mais falou mais nada. Ele não dormia com o Ronaldinho?! Ele não começou a dizer que o Ronaldinho enrolou a língua, aí eu não sei se foi a Nike, se foi o presidente da CBF, deu um chega pra lá e ele ficou quieto, não é isso? Ele podia dar umas coordenadas ó chama o César Sampaio pra testemunha, mas todo mundo ficou quieto rapaz. Você sabe disso! Então, hoje, depois de, quantos meses: julho, agosto, setembro.... 6 meses, ninguém sabe o que aconteceu com o Ronaldinho, não é isso? Eu vou falar o que, eu não sei o que é que houve. Diz o presidente da CBF: a não foi nada, vem o Zagalo, não foi nada; todos eles se omitiram. Por isso eu digo pra você é difícil aqui no Brasil.

E: O Brasil crucifica alguns jogadores na derrota...

Jair: Por isso é que eu tô dizendo: o Barbosa não teve padrinho nenhum.

E: É o Barbosa ficou sozinho....

Jair: Ele ficou sozinho, mas o Ronaldinho teve a Nike. A Nike manda em todo mundo rapaz. Agora eu vou dizer uma coisa pra você: por que na Copa de 54 tinha muita gente aqui que podia ir e não foi. Você não sabe me explicar isso.

E: Por causa da questão psicológica, da...

Jair: Da perda!

E: Ah!, da perda!

Jair: Tinha muita gente que podia ir. O pior jogador que foi em 54, o pior, o pior que eu digo aquele de 54 que não tinha condição, que ele fez uma operação no pé, enxertou, e foi pra seleção brasileira. Agora pergunto a você: por que ele foi? Foi o , agora por 169

que é que ele foi; ele era o único que não tinha condição de ir porque ele fraturou o tornozelo em São Paulo e não podia jogar, ele foi e jogou.

E: O senhor acredita que ele foi por quê?

Jair: Só foi porque o treinador gostava dele. O Zezé Moreira levou ele. Ele jogou com uma perna só. O não foi, o Danilo não foi e nós todos estávamos jogando muito até. O Danilo tava jogando no Botafogo muito bem.

E: A coisa que ficou foi então o impacto daquela derrota.

Jair: O Barbosa era o melhor goleiro que tinha aqui; não foi. Até com os goleiros nossos lá foi um fracasso na Copa de 54 e você sabe disso, foi um fracasso os goleiros que nós levamos.

E: 4 a 2 lá

Jair: Puxa malandro! Mas aqui o futebol brasileiro é isso. Olha aqui, eu já tô falando demais, você pode escrever isso que eu falei p’ra você, não tem problema, eu assumo a responsabilidade, porque, primeiro, eu não tenho papas na língua e eu falo o que eu vi, porque todo mundo viu isso. 170

JORNALISTAS E REPÓRTERES DA TV GLOBO

As quatro entrevistas que se seguem foram realizadas no dia 27/04/2002, na TV

Globo, Rua Von Martius 22, Rio de Janeiro. Os jornalistas e repórteres José Ilan, Tino

Marcos, Sérgio Noronha e Carlos Gil, apresentam várias idéias sobre a questão racial no

Brasil, principalmente, em relação ao futebol e ao esporte de uma maneira geral.

ILAN

“(...)eu acho que existe ainda um racismo não declarado, mas está bem claro, está bem claro porque, se a maior parte dos profissionais do futebol, dentro do campo, a maior parte deles é composta por negros, enfim, por que quase nenhum deles está em posição de comando, (...)”

“(...) eles não são conscientemente mal intencionados ou racistas, mas acho que eles poderiam fazer uma reflexão, senão: o estão sendo inconscientemente”.

“Eu já ouvi muitas vezes esse tipo de coisa que goleiro negro não é bom, eu já ouvi isso muitas vezes. Até que ponto...eu acho que não cabe até que ponto. Só o fato de haver o comentário, já, no mínimo, há no mínimo uma resistência, que já é uma diferença em relação ao goleiro branco(...)”.

“O goleiro negro não vai dar certo, goleiro negro não é bom, esse comentário baseado em nada, baseado no, no factóide, numa historinha folclórica, isso, na minha opinião, é uma forma de racismo, sem que haja uma forma clara de se expressar ou porque há uma razão”.

E: Você poderia falar sobre o racismo no futebol europeu e as manifestações que ocorrem aqui no Brasil?

ILAN: Eu acho que existe sim, e um exemplo, talvez semana passada eu não estivesse respondendo que existe como estou agora. Eu observei uma coisa esta semana, que semana passada ocorreu um fato, e alguém tocou nisso, e eu já havia prestado atenção quando isso estava por ocorrer. O Flamengo contratou um técnico negro, agora, o Lula Pereira, que é um técnico que logo que foi colocado a possibilidade sequer do Flamengo 171

contratar eu notei que foi feita uma espécie de...de, eu diria de quase de campanha de vários colegas da imprensa em vários veículos: rádios, em jornal – sobretudo eu ouvi isso -, assim, nitidamente, claramente, desconfiando e até zombando da possível contratação como sendo mais uma, que o Flamengo fosse dar com os burros n’água, que fosse uma coisa furada e tal. Eu passei a ver a coisa da seguinte forma: puxa, bom, por quê? Um cara que foi campeão mineiro pelo América mineiro há pouco tempo, um cara que tem um trabalho, parece muito bem feito, também no Criciúma, acho que chegou à final do campeonato brasileiro ou coisa desse tipo no campeonato catarinense, não sei ao certo, foi indicado pelo Felipão. Enfim, e eu notei o seguinte: será que é porque o cara é negro, pô, enfim, ele é negro e não se veste assim de uma forma muito elegante, assim, um cara simplório na aparência. Aí eu fiquei pensando: será que é ou não é? Eu mesmo tentei avaliar. Será que tem algum outro treinador negro que tenha se destacado, que esteja em atividade, e eu realmente não me lembrei de nenhum, pelo menos no primeiro escalão. E aí, pouco depois, eu refleti sobre, e no dia seguinte eu vi algum registro na imprensa esportiva que seria o primeiro treinador negro, aí o Flamengo, efetivamente, o contratou, e no dia seguinte alguém, em algum lugar, escreveu que seria o primeiro treinador negro aí a integrar esse primeiro escalão, pelo menos nos últimos anos e tal. E eu prestei muita atenção nisso e acho que faz todo o sentido. Enfim, e essa mesma pessoa, em algum lugar fez o seguinte comentário, acho que foi narrado até, foi narrado por algum comentarista de São Paulo que falou: “olha!, eu quero avisar o seguinte, o pessoal tá desconfiado, ele não é muito conhecido no Rio, mas fora do Rio ele é um grande treinador, é um cara disciplinador, tem personalidade, pode até não dar certo, mas, não é um cara qualquer não”. Aí o próprio cronista chamou a atenção dessas pessoas que têm um pouco de resistência por ele ser negro, “por ele ser negro, mas ele é um bom treinador, vocês vão ver isso”, e aí confirmou uma impressão que eu vinha tendo nos últimos 2, 3 dias que antecederam a essa contratação. Então, pra mim, isso foi uma demonstração muito clara de que, não sei no campo, acho que no campo não, mas fora dele, pra dirigir o esporte, dirigir o futebol sobretudo, tanto os caminhos de administração do esporte quanto os caminhos esportivos, aqui no caso da comissão técnica, eu acho que existe ainda um racismo não declarado, mas está bem claro, está bem claro porque, se a maior parte dos profissionais do futebol, dentro do campo, a maior parte deles é composta por negros, enfim, por que quase nenhum deles está em posição de comando, nenhum até agora, estave até agora nessa posição de comando, seja uma presidência de clube uma... uma posição de gestão administrativa ou como treinador? Então isso é um prato novo e acho que até coincide com essa questão do teu estudo.

E: É até um fato novo pra mim, porque isso aí eu realmente jamais iria pescar, essa coisa do treinador do Flamengo, realmente, pô, é um dado maravilhoso, eu vou até fazer uma revisão nos jornais.

ILAN: Ontem tem uma série, ontem, anteontem o Flamengo perdeu pro Volta Redonda na estréia dele, e aí ontem no jornal saiu um seqüência de fotos dele no Globo, atuando e tal é, enfim, posso estar enganado, eu achei um pouco jocosa, enfim, não sei se por esse motivo, enfim, mais uma vez, de ele ser negro ou não, mas enfim, acompanhando essa situação de ter chegado sob o signo da desconfiança, de uma certa zombaria, achei, pelo que eu conheço ali da forma de apresentar o veículo, achei um pouco jocosa a forma como foi apresentado e hoje novamente, se você observar O Globo de hoje tem uma fotografia em que ele tá, dava uma instrução lá no grupo e eles identificam na legenda de uma 172

forma, ali eu tenho quase certeza que é debochado, eles falam o seguinte: “na hora que Leonardo está se despedindo do time, ao lado do técnico Lula Pereira, de camisa 7”, ou seja, identificando ele, como se não desse pra saber que é ele ali ao lado do Leonardo só olhando pra cara dele. Enfim, como quem diz: Oh!, o cara é aquele ali da direita, que ninguém confunda...

E: É aquele negro ali...

ILAN: Enfim, que seja por ser negro ou não, mas que está sendo tratado de uma forma meio jocosa. Eu acho que se fosse um cara que viesse bem de um outro clube, que fosse um cara bem apresentado, branco, bem vestido, eu acho que o tratamento seria outro.

E: Eu fiz um levantamento nos jornais a respeito das metáforas que foram utilizadas para criticar os jogadores negros e brancos em Copas do Mundo, e na última Copa utilizaram uma metáfora super interessante, foi o amarelão, e ela foi utilizada para criticar o Ronaldinho, esse amarelão ficou na minha cabeça: será que essa metáfora tem algum conteúdo racista? O Ronaldinho aqui no Brasil pode não ser considerado negro, mas lá fora ele é, e o Zico só falhou e o Ronaldinho amarelou?

ILAN: Você agora é que está me trazendo um dado novo que eu nunca tive essa possibilidade de pesquisar e observar. Eu sinceramente nunca teria atentado para isso até agora, eu nunca notei dessa forma, mas eu acho possível, eu acho possível e aí pode não estar nenhum...uma...enfim...uma crítica consciente nesse sentido, mas pode estar no subconsciente, uma forma de respeitar inconscientemente um cara branco e ter menos respeito por um cara negro. Enfim, eu acho que inconscientemente pode acontecer, eu não acredito, me parece na situação do Lula Pereira como eu te falei, que há uma certa quase- consciência, eu acredito que seja, pelo menos no que eu tenha notado, eu acho muito provável que seja uma coisa consciente. Eu acho que o Zico na situação em que ele perdeu o penâlti, o próprio Ronaldinho de quando amarelou em 98, eu acho que houve uma carga bastante grande e suficiente até de carga em cima de crítica desses jogadores e acho até que se não houve talvez a crítica com as metáforas um pouco mais pejorativas e “invasivas” (sic) que houve com outros jogadores negros, que você observou, eu acho que se isso aconteceu foi absolutamente inconsciente, não quer dizer que não tenha acontecido, que não esteja lá essa diferença entre branco e negro, mas aí eu considero realmente uma coisa bastante inconsciente, o que é mais um objeto de estudo, porque se forem conscientes é resultado de um cara que tem aquilo ali no dia-a-dia dele de que o branco é sempre mais respeitado do que o negro pra ele.

E: Pelo que você falou uma coisa tá no imaginário social, que está mais distante e a outra coisa tá mais no cotidiano, que não tá muito...tá meio misturado, ele tá numa dimensão meio...não aparente, mas que é mais consciente do que a outra que está mais distante.

ILAN: Eu acho que sim. Eu acho que esse negócio do Lula é um prato cheio aí pra tua história e ele é o seguinte, você observa e ele é um cara não apenas negro, mas ele é um cara realmente uma figura simplória toda vida, acho até que ele pra sobreviver aqui vai ter que realmente dar uma melhorada porque senão não vai é por quê?, porque... porque não tem o cabelinho cortadinho, certinho, ele não usa uma, uma, sequer uma roupa social, realmente é aquela figura que poderia ser desde o técnico do Flamengo até o porteiro do 173

teu prédio, seria a mesma coisa. Você está acostumado a ver figuras como ele realmente em posições muito mais simples. Eu acho que isso, eu acho não, eu tenho, eu afirmo, eu ouso afirmar que nem por maldade necessariamente das pessoas, mas isso é uma coisa que tá muito clara pra mim, que ele não está sendo visto com o devido respeito, por essa figura simplória dele. Mas, como você disse, eu acho, essa analogia que você fez aí das duas situações que uma está no imaginário distante e outro que está assim mais perto, eu acho que é por aí, é mais ou menos isso, ambos fazem parte de um inconsciente porque esses colegas que de alguma forma criticaram ou até acho que desconfiaram dessa vinda do Lula Pereira, naturalmente, eles não são conscientemente mal intencionados ou racistas, mas acho que eles poderiam fazer uma reflexão, senão: o estão sendo inconscientemente.

E: Depois de 50, nunca mais tivemos um goleiro negro titular em Copas do Mundo, nas olimpíadas tivemos o Dida e o Hélton e aí, assim. No dia-a-dia eu percebo, certa vez eu ouvi um treinador dizendo pra outra pessoa, que estava querendo levar um garoto para fazer um teste, e a pessoa dizia: “tem um garoto de 1,88m que quer fazer um teste, ele é bom”, “É mesmo!, então traz ele aqui”, “É, é um negão, forte”, “Como é que é? Negão!?, mas ele é bom mesmo? Enquanto o cara não falou que ele era negão, tudo bem. Mas depois que ele disse “negão”, pô o treinador começou a perguntar mais, querer saber se o garoto era bom mesmo. Aquilo ficou assim no meu...essa coisa do goleiro negro, será que ainda tem essa coisa...no gol da seleção...

ILAN: Eu já ouvi muitas vezes esse tipo de coisa que goleiro negro não é bom, eu já ouvi isso muitas vezes. Até que ponto...eu acho que não cabe até que ponto. Só o fato de haver o comentário, já, no mínimo, há no mínimo uma resistência, que já é uma diferença em relação ao goleiro branco. Se o cara fala será que é isso, por mais que...bobagem!, mas ele ter aquela coisinha, aquele pé atrás, no mínimo que seja, numa primeira falha o cara fala: ah! tá vendo, eu achava isso e não deu outra. Então eu acho que tem, que tem diferença sim na cabeça das pessoas, aí a origem disso eu realmente eu não sei, eu sei muito pouco pra ter consciência, o conhecimento, a origem de onde vem isso, eu não sei se é da Copa de 50, quando o Brasil perdeu a Copa de 50 e o goleiro era o Barbosa, não sei se é daí a origem.

E: Eu teria um depoimento do Luís Mendes que disse que isso veio de antes com o goleiro Jaguaré, em 1938, era do Vasco e fazia algumas palhaçadas, atirava a bola nas costas do atacante adversário e pegava de volta, morreu na miséria e no álcool, depois aquela história do Castilho e do Veludo que o Luís Fernando Veríssimo escreveu que sempre ouviu dizer que o Veludo era melhor do que o Castilho mas nunca foi o titular porque era negro, será que isso está no imaginário, isso aí é falado?

ILAN: Ah!, eu já ouvi muitas vezes, tanto no meio do futebol quanto na própria mídia, colegas e tal.

E: Isso seria um mecanismo diferente do da Europa onde as coisas são mais explícitas, haveria um outro tipo de discriminação, o modo?

ILAN: Acho que no mínimo é discriminação. Discriminação é você discriminar alguém como sendo, enfim, selecionar alguém como sendo melhor ou pior em determinada 174

situação. É uma discriminação, você está discriminando o negro do branco em relação ao goleiro da seleção, bom ou mau goleiro, como é uma discriminação você dizer... bom, vamos lá, ah!, também não queira dizer que seja racismo, mas o negro pro atletismo é melhor que o branco, o negro não é bom não dá pra jogar tênis, o negro nunca é bom nadador, o branco não é bom no atletismo igual o negro, tudo isso é discriminação, você está discriminando uns e outros. Agora, eu acho que é uma forma de racismo, assim, essa coisa de dizer que o negro não dá certo no gol, eu não vejo, a não ser que me provem o contrário, uma coisa científica que explique essa coisa por que que o negro é pior. Ao contrário, por exemplo, do que me pode parecer acontecer no atletismo, que os negros se forem melhores do que os brancos, há uma explicação científica pelo tipo de constituição de corpo da raça negra, que é diferente, que se desenvolve de uma outra forma, que tem mais facilidade de desenvolver nisso ou naquilo do que o branco, eu não sou médico, não sou cientista, mas me parece uma coisa bastante até sabida que o negro tem uma formação muscular mais desenvolvida em alguns sentidos do que o branco pra algumas coisas. Eu acho que no caso do goleiro, só se ficar provado cientificamente que o branco tem, é aquela possibilidade, mas eu acho que não, que o branco tem mais reflexo, mais rapidez do que o negro. Nesse caso, acho até, mas aí ficaria claro, teria que ser claro isso pararã, pararã, pararã, por causa disso, disso e disso. O goleiro negro não vai dar certo, goleiro negro não é bom, esse comentário baseado em nada, baseado no, no factóide, numa historinha folclórica, isso, na minha opinião, é uma forma de racismo, sem que haja uma forma clara de se expressar ou porque há uma razão.

E: É, eu acho que se um estudo só pegar os dados quantitativos, ah!, desde 50 não tivemos mais goleiros negros; isso não diz nada. Por isso eu estou tentando pegar as representações da mídia, dos jogadores, técnicos, e pelo visto você me deu um caminho maravilhoso pra eu ir atrás, e suas declarações foram muito importantes pro trabalho, obrigado, prazer em te conhecer, força toda.

ILAN: Eu é que agradeço. Obrigado.

E: Você não pára de falar então vou ligar o gravador de novo.

ILAN: Então, me pareceu esse negócio do Lula, claro que todo mundo sabia ali quem era o treinador e quem não era. Tem o Leonardo que todo mundo sabe quem é, falando pro grupo todo sentado, do lado dele tá o Lula Pereira e tem uma porrada de aspone atrás pra, não fazendo nada. Aí, “o Leonardo, ao lado do técnico Lula Pereira, de camisa 7”, pô, não sei, “que é o negão da direita”, entendeu!?, eu não entendi. Eu posso estar enganado, me pareceu, eu não acho possível que aquilo ali fosse uma coisa assim tão, tão, ingênua. Eu nunca vi esse tipo de legenda assim. Primeiro porque não tá com uma camisa...se fosse uma camisa anormal, estranha, “vestindo aquela camisa ali azul, vermelha, amarela e verde”, tá bom. Mas ele estava com uma camisa de treino, de treinador e tal, normal, com um sete aqui e tal. É aquela coisa, “você que nem sabe quem é o Lula Pereira, é aquele ali, que está com a camisa 7, ao lado do Leonardo. Pode ser uma viagem minha, mas...

E: Obrigadão, posso viajar também?

ILAN: Deve. 175

TINO MARCOS

“(...) o que me chama a atenção é ouvir as pessoas dizerem que goleiro negro não presta, que goleiro negro não adianta, que não dá, não dá, não dá; é um absurdo. Como dizia o Barbosa que a pena máxima no Brasil é de 35 anos e ele levou 50 anos carregando essa condenação e nunca foi absolvido e tal, e todo mundo e outras gerações pagam por isso, né!?”

“Uma coisa que me ocorre, assim, que eu lembrei na Copa de 90, algumas pessoas brincavam assim com esse negócio que a defesa era só de negros, né!, a defesa era o Cafu, Aldair, Júnior Baiano e Roberto Carlos, todos.”

“Eu acho que no Brasil é tudo muito implícito mesmo, nada é feito muito às claras.”

“Eu acho, por exemplo, essa questão dos treinadores de futebol, por exemplo, você vê que há alguma coisa errada, na medida em que uma grande quantidade de jogadores de futebol, uma grande quantidade é negra. Aí, depois, você tem o segmento dos treinadores que são muitos ex- jogadores de futebol. Aí, entre os treinadores de futebol, você não vê quase negros. Alguma coisa estranha tem aí, né!”

“Você vê que tem muitos ex-jogadores de expressão que não conseguiram ... é ... o Didi, no Brasil, nunca teve um mercado. Foi técnico da melhor campanha da seleção peruana em todos os tempos em 70 e no Brasil nunca teve um mercado favorável a ele.”

E: Você poderia falar alguma coisa sobre a questão racial no Brasil em relação ao futebol, à questão do goleiro negro, não sei se é possível explicar...

TINO MARCOS: Até uma coisa, assim, que explica um pouco é que o perfil médio de um goleiro... é ...médio, é normalmente a figura do goleiro...é o sujeito mais ...é...mais articulado, que teve uma formação um pouco melhor, é um sujeito mais ponderado do que os outros. A figura do goleiro é, assim, um pouco, em geral, diferente da dos outros. Então, muitas vezes, o que é que acontece? No clube chega um garoto negro bom de bola, habilidoso, as pessoas ...é... vêem com naturalidade; chegou um garotinho negro, bom de bola, habilidoso, que dribla, faz gol, aí as pessoas encaram com naturalidade. Se chega e diz que é goleiro, já salta um pouco aos olhos, assim...chama um pouco mais a atenção porque, normalmente, o goleiro é aquele menino, persistente, que não tem um dom, porque o goleiro não nasce, assim, de berço, igual o sujeito que pega a bola começa a fazer embaixada, driblar. O goleiro aperfeiçoa uma técnica, treina muito. Claro que tem de ter um aptidão pr’aquilo, mas ele desenvolve aqui no clube e tal. Eu acho que em geral a questão do goleiro, normalmente, vem...o goleiro normalmente ele vem de camadas sociais um pouco mais favorecidas e aí não se identifica muito o goleiro com o menino pobre e 176

tal. Claro que isso vai mudando com o tempo, e não é uma verdade absoluta, isso aí é um padrão e até hoje o que me chama a atenção é ouvir as pessoas dizerem que goleiro negro não presta, que goleiro negro não adianta, que não dá, não dá, não dá; é um absurdo. Como dizia o Barbosa que a pena máxima no Brasil é de 35 anos e ele levou 50 anos carregando essa condenação e nunca foi absolvido e tal, e todo mundo e outras gerações pagam por isso, né!?

E: Atualmente, então, ainda existe essa representação, essa idéia de que goleiro negro tem problema, quer dizer ...é..., negro joga bem na linha, mas no gol não é um espaço que técnicos esperam; a expectativa é a de um goleiro branco, há uma expectativa social em relação a isso ainda?

TINO MARCOS: Sem dúvida!, existe isso ainda e eu acho que há uma tendência a acabar isso porque com o tempo a lembrança da frustração do Barbosa vai se desfazendo e isso é uma coisa absolutamente inexplicável. Não tem como perpetuar, já perpetuou muito, já durou muito, e alguns goleiros estão aí para desmentir isso e mostrar né, assim... Eu acho até que o futebol ele é um meio de ascensão assim para todas as raças, todos os credos, para todas as classes sociais, assim, ainda muito interessante. Eu acho que ainda existe no futebol é...um segmento da sociedade que o negro tem possibilidades, assim, maiores do que talvez em outras funções, né!, que o do negro engenheiro, que o do negro médico, o negro jogador, ele não é encarado... Uma coisa que me ocorre, assim, que eu lembrei na Copa de 98, algumas pessoas brincavam assim com esse negócio que a defesa era só de negros, né!, a defesa era o Cafu, Aldair, Júnior Baiano e Roberto Carlos, todos.

E: O comentário era tipo o quê? Só tem negros?

TINO MARCOS: É. Tá vendo, num sei que, tinha que fazer merda, num sei que, umas coisas assim.

E: Que não vêm à tona.

TINO MARCOS: É.

E: Ficam só nos bastidores.

TINO MARCOS: Isso, isso, só, só, eu acho que a coisa se dá muito mais aí do que, do que, de forma explícita. Eu acho que no Brasil é tudo muito implícito mesmo, nada é feito muito às claras.

E: Haveria diferença de apreciação entre o que a Europa faz em relação aos negros e aqui no Brasil. A torcida pede que não se contrate negros...

TINO MARCOS: Como na Argentina em relação a nós. Eu acho, por exemplo, essa questão dos treinadores de futebol, por exemplo, você vê que há alguma coisa errada, na medida em que uma grande quantidade de jogadores de futebol, uma grande quantidade é negra. Aí, depois, você tem o segmento dos treinadores que são muitos ex-jogadores de futebol. Aí, entre os treinadores de futebol, você não vê quase negros. Alguma coisa estranha tem aí, né! Outro dia eu estava querendo lembrar quantos negros treinadores 177

tem; são muito poucos, né! Treinadores negros de destaque e tal no primeiro nível. No Brasil, por exemplo, tem esse do Flamengo....(pausa prolongada). Me fugiu agora o nome.

E: O Lula.

TINO MARCOS: O Lula Pereira, mas tem o .... o .... o .....

E: !?

TINO MARCOS: É, tem o Celso Roth, o ..., o ..., o que está no Goiás....bem...

E: É um dado significativo isso.

TINO MARCOS: O percentual de negros nos times de futebol é muitas vezes maior que o percentual de técnicos negros no futebol. Eles aprenderam e vivenciaram tudo aquilo tanto quanto os outros, mas poucos chegam a ... eu não sei, eu não tenho instrumentos pra, acho que são dados muito delicados sim, eu não tenho instrumentos pra dizer que isso é uma conseqüência de discriminação e tal; mas que é um fato é. São muitos jogadores e poucos treinadores negros. Você vê que tem muitos ex-jogadores de expressão que não conseguiram ... é ... o Didi, no Brasil, nunca teve um mercado. Foi técnico da melhor campanha da seleção peruana em todos os tempos em 70 e no Brasil nunca teve um mercado favorável a ele. Coutinho, aquele que fazia tabela com Pelé, também, no máximo foi técnico do Bonsucesso e tal.

E: Muito obrigado, você me deu mais um caminho forte pra concluir o trabalho. Obrigado pela força.

TINO MARCOS: Prazer!, inclusive isso aí é pauta.

E: Valeu! 178

CARLOS GIL

“Ah!, o imaginário popular existe. Existe aquela história: “ah!, goleiro negro não dá certo!”.

”Eu acho que a princípio, é difícil saber que determinado jogador seja perseguido pela imprensa pela torcida porque é negro, mas eu acredito sim que se esse jogador for mal ele pode receber um tratamento diferenciado por parte da imprensa e da torcida do que o jogador branco, isso eu acho que acontece, pode acontecer”.

E: Você poderia falar sobre o racismo no futebol europeu e as manifestações que ocorrem aqui no Brasil?

Carlos Gil: Olha!, eu acho que, em comparação com o que acontece nos países europeus de o jogador ter o carro riscado ou os murros da casa pichados, aqui, movimentos como esse, o que eu digo é em relação ao Rio de Janeiro, isso não existe. Eu lembro que na década de 80, Jair, era um jogador que foi do Internacional de Porto Alegre, ele reclamou, saiu do Internacional brigado com a diretoria e disse que o Rio Grande do Sul era um estado racista, que ele sofria perseguições no Rio Grande do Sul por ser negro... é, assim, eu não tenho como dar um depoimento mais fiel sobre isso tal porque não sou Gaúcho, nunca morei no Rio Grande do Sul, a gente tem até companheiros aqui na Globo que são, podem dizer. No Paraná também já houve alguns casos de jogadores que foram preteridos e associaram isso à questão racial. Aqui no Rio eu não sinto muito isso não. Eu vejo um pouco de preconceito social eu diria um pouco mais, que acaba esbarrando no racial nas categorias de base, mas de uma forma às vezes até inversa do que a gente está acostumado a ver. Você vai numa peneira qualquer do Flamengo, do Fluminense, do Vasco, qualquer time desses, às vezes os diretores desses clubes têm mais interesse em aprovar, em levar um garoto pra uma equipe que venha de uma classe social mais baixa, que aí leva uma porcetagem bem maior de negros, levar esses pra uma equipe a trazer garotos de classe média, por quê?, porque o clube paga uma ajuda de custo né, e esses garotos que vêm de favelas, são pobres, com essa ajuda de custo, com a chance de projeção social que o futebol representa, eles ficam com uma ligação, não apenas afetiva, mas econômica e de dependência mesmo do clube o que não acontece com a classe média. Por exemplo, eu tenho um primo que fez teste no Fluminense, fez teste nas categorias de base do Fluminense, jogou nas divisões de base do Fluminense, e ele conversou muito isso comigo assim numa visão que eu realmente não conhecia desses bastidores, de que ele sofria um pouco com isso. Muitos garotos e até diretores chegavam pra ele: “ah você é playboy, filhindo de papai você não precisa daquilo”, eu não sei se dá pra se chamar preconceito às avessas, mas é uma coisa interessante. Existe uma crença no futebol profissional já em relação à cor do goleiro, né, que o goleiro negro não tem sucesso, goleiro negro não dá certo, eu acho que muito por causa do Barbosa.

E: Desde 50 só tivemos o Veludo como reserva, mas titular mesmo não tivemos mais nenhum goleiro negro. 179

Carlos Gil: Tem o Dida agora.

E: É, que eu também não sei, né, se vai ser titular.

Carlos Gil: É, o Dida já foi titular nas Olimpíadas.

E: Mas em Copa do Mundo mesmo a gente nunca mais teve, vamos dizer, um goleiro negro. E isso que você falou agora é, quer dizer, na mídia, existe assim uma compreensão, um certo preconceito. Eu li um artigo do Luís Fernando Veríssimo que o goleiro negro, que ele ouvia desde criancinha que o Veludo era melhor do que o Castilho e que o Veludo nunca foi titular porque era negro e tal e final do artigo é que realmente o que era supertisão virou preconceito após 50.

Carlos Gil: Eu acho que isso vem mudando. Eu citei o exemplo do Dida, o próprio Helton do Vasco, foi considerado, foi titular na olimpíada, foi considerado aí o melhor goleiro do Rio durante algum tempo, seguidas convocações pra Seleção, e hoje em dia é notório que ele não está atravessando uma boa fase até mesmo por causa da fase técnica do próprio time, né, mas realmente, numericamente assim a gente não vê tantos goleiros negros, mas existem alguns aí em clubes de 1a divisão.

E: Mas em termos de seleção é um dado. Titular em Copa do Mundo.

Carlos Gil: Só tivemos o Dida e o Helton. Em Copa do Mundo não tivemos.

E: E em termos de imaginário?

Carlos Gil: Ah!, o imaginário popular existe. Existe aquela história: “ah!, goleiro negro não dá certo!”.

E: Tem alguma coisa hoje que se comenta em termos de racismo no futebol.

Carlos Gil: Existem alguns esteriótipos assim, ah!, o negão fortão é zagueiro, o negão baixinho é atacante, mas eu, na realidade aqui do Rio de Janeiro, eu não sinto um racismo não, até o contrário, eu acho que depois do Pelé, normalmente, quando aparece algum garoto negro bom de bola a imprensa tende até a dizer que ele joga mais do que realmente ele joga. Por exemplo, o caso do Dener, que morreu, era um grande jogador, certamente um grande futuro, mas acho que depois da morte ele se tornou mais craque do que realmente ele era. Então, eu acredito assim em outros campos da sociedade a gente sente que os negros não ascendem tanto numa empresa e eu acredito que pelo menos no Rio de Janeiro, no futebol, eu trabalhando com o futebol, eu não sinto muito essa diferenciação não.

E: Em relação às metáforas que a população e mídia utilizam para avaliar os jogadores, por exemplo, acovardados, tremedores, amarelão e outras tipo: estava frio, errou, falhou. Você acredita numa diferença de apreciação? 180

Carlos Gil: Talvez isso aconteça. Você vê o exemplo do Dunga e do Zico, o Leonardo que abandonou a carreira ontem, são jogadores que são brancos, são conhecidos como jogadores inteligentes, não apenas como jogadores de futebol, talvez se o jogador negro, normalmente vindo de uma classe social mais baixa, demostrar uma talvez até não ter uma certa cultura quanto um Dunga ou um Zico tenha, na hora de se jogar uma carga em cima de um determinado jogador é aquela história o cara quando é forte pra receber a crítica ele é forte pra rebater e às vezes os jogadores não são tão fortes assim pra rebater uma crítica. Mas eu vejo jogadores negros também com muita personalidade, apesar de de repente ter um histórico de vida que não seja ...tenha vindo de uma classe social mais baixa. Eu cito, por exemplo, o jogador Junior Baiano que durante muito tempo, sem querer discutir a parte técnica dele, ou o envolvimento com drogas, mas eu vejo que foi um jogador muito massacrado durante muito tempo – atabalhoado, meio maluco – e sempre foi um jogador que sempre soube responder com personalidade. O Ronaldão um outro jogador, e esse é um exemplo de um jogador culto, o Ronaldão é conhecido nas concentrações sempre estava lendo enquanto os outros jogadores estavam jogando cartas, bilhar, então eu vejo alguns jogadores, mas acredito talvez por uma classe social, aí vem uma coincidência, claro que é uma sociedade de ser negro, por não terem essa personalidade tão forte, por não terem essa possibilidade de rebatar as críticas é muito mais fácil criticá-los. Eu sinto por parte da imprensa que existe, de certa forma, uma preferência por determinados jogadores, por quê? Porque, o jogador de repente está sempre disponível pra te atender, quando você faz perguntas ele sempre responde de uma forma mais eloqüente. Então normalmente esse jogador vai ser mais poupado das críticas ou se não poupado pelo menos as críticas virão de uma forma mais aliviadora, vamos dizer assim, é aquilo que você disse: “oh!, foi um erro, foi uma bobagem”.

E: No teu ponto de vista então não há ligação com a questão racial não?

Carlos Gil: Acaba ficando ligado de certa forma por essa questão social que eu te falei, mas eu acho que no futebol as coisas passam mais por uma questão social do que racial, não sei, eu sinto isso no Brasil, talvez aí é um palpite meu que a gente tem o Pelé como espelho de um grande jogador, nós temos grandes jogadores negros como exemplos e talvez o negro no futebol, no samba, por exemplo, seriam os poucos campos da vida social brasileira em que ele não receba tanto essa pecha de ser o pior remunerado, eu sinto mais uma diferenciação social do que racial. Eu acho que a princípio, é difícil saber que determinado jogador seja perseguido pela imprensa pela torcida porque é negro, mas eu acredito sim que se esse jogador for mal ele pode receber um tratamento diferenciado por parte da imprensa e da torcida do que o jogador branco, isso eu acho que acontece, pode acontecer. Acho que isso seria até um pouco da carga de preconceito que existe na sociedade, extravasando pra dentro do futebol. Agora que esse preconceito racial impeça determinado jogador de atingir um nível, ou se determinado jogador for realmente excelente ele não vá ser reconhecido por ser negro isso eu não vejo tanto não

E: De alguma maneira, se é que eu te interpretei certo, existe uma forma de...aí teria que analisar o conceito de racismo, de preconceito, de discriminação, que é diferente da Europa.

Carlos Gil: Eu acho que existe, eu acho que sim. Na Europa, por exemplo, vou citar o caso do Roberto Carlos, que é um ídolo do Real Madri, e um dos principais jogadores do 181

time, existem facções de torcidas do Real Madri que não gostam do Roberto Carlos por ele ser negro, e já riscaram o carro dele, já escreveram ‘macaco’. Um outro jogador, o Aron Vincent, que é um jogador holandês, foi da seleção holandesa, jogou duas Copas do Mundo, jogava na Lázio de Roma, que é o time da elite de Roma, e ele tocava na bola e era vaiado, não importa se o cara tá jogando bem ou não está jogando bem, o cara é negro pegava na bola e era aquela vaia, o torcedor não quer jogador negro no time. Isso aconteceu, por exemplo, com o Júlio Cesar, que foi zagueiro do Brasil na Copa de 82, ele também sofreu durante, quando chegou na Juventos de Turim, ele também sofreu perseguição por parte da torcida. Como seguidadmente ele jogou bem, isso amenizou, mas existe um clube da Itália que é o Verona que é considerado o de torcida mais racista, inclusive esse clube foi punido pela Federação Italiana, eles proibiram, eles fizeram uma reunião com a diretoria do clube e pediram à diretoria para não contratar jogadores negros, porque eles seriam vaiados e sempre que uma equipe ia jogar lá que tinha um negro eles vaiavam explicitamente, eu acho que aqui isso não acontece tanto, o que não quer dizer que não haja, se o sujeito erra joga mal, sempre vai ter aquela pecha: “crioulo ruim de bola tal”. 182

SÉRGIO NORONHA

“É evidente que há racismo; há um racismo social hoje, mas acho que isso se quebra quando o negro tem sucesso”.

“O que houve é que depois da Copa de 50, dizem, eu não tenho como provar isso, que havia um documento aconselhando a não convocação de goleiros negros porque eles se acovardariam na hora da decisão. Não sei se esse documento existe, se existe já foi destruído (...)”.

“No momento em que Pelé ascendeu e mostrou que era uma grande estrela, que era o melhor do mundo, essa coisa passou a diminuir muito, porque você não podia aceitar somente o Pelé e não aceitar os outros negros”.

E: Você poderia falar sobre o racismo no futebol europeu e as manifestações que ocorrem aqui no Brasil?

Sérgio Noronha: Acho que aqui não há mais não, no esporte todo, até porque o negro se sobressai muito em vários esportes, no atletismo, você vê, no basquete americano. Num outro dia eu até tava brincando com um amigo meu, ex-jogador, o Cocada, disse que tava vendo um jogo de basquete, o jogo estava tão bom um jogo que vocês inventaram para nós nos divertirmos, tinha 10 negros dentro de quadra, aí botaram um branco e estragaram o jogo. Na NBA é 80 ou 90% de negros, no atletismo, há uma predominância negra, a não ser na natação, o negro no esporte é muito bem aceito. É evidente que há racismo; há um racismo social hoje, mas acho que isso se quebra quando o negro tem sucesso.

E: Você diz isso no Brasil?

Sérgio Noronha: No Brasil, eu acho que quebra quando o negro tem sucesso. Negro de sucesso no Brasil ele entra em qualquer lugar, não era assim há uns 30 anos, mas hoje ele não tem problemas, eu acho que talvez se reflita um pouco eu digo na publicidade. Você vê poucos negros fazendo publicidade. Me lembro bem que na Copa de 70 o Simonal fez publicidade acho que pra SHELL e o fato do Simonal fazer publicidade já era uma quebra do preconceito porque se achava, as agências achavam, que negro não vendia no Brasil. Eu acho que até hoje ainda considerem, mas isso é um preconceito que atinge não apenas o atleta, mas atinge qualquer um, atinge até o artista que, normalmente, seria mais aceito.

E: Luís Fernando Veríssimo, num artigo sobre o goleiro, disse que sempre ouviu dizer que o Veludo era melhor do que o Castilho, mas nunca foi titular porque era negro, e que depois de 50 o que era superstição virou preconceito. Você poderia falar alguma coisa sobre isso? 183

Sérgio Noronha: Tanto o Castilho quanto o Veludo nunca renderam muito em seleção brasileira, perderam posição para goleiros, tecnicamente, não tão dotados quanto eles, mas eles não conseguiram se firmar em Copa do Mundo. O que houve é que depois da Copa de 50, dizem, eu não tenho como provar isso, que havia um documento aconselhando a não convocação de goleiros negros porque eles se acovardariam na hora da decisão. Não sei se esse documento existe, se existe já foi destruído, mas nesse exato momento o Dida tá aí jogando na seleção brasileira, brigando pra ser titular, acho que não existe mais não.

E: É esse documento que eu estou caçando...

Sérgio Noronha: Já devem ter destruído.

E: Depois de 50 não tivemos mais nenhum goleiro negro, é uma coincidência?

Sérgio Noronha: Dida é o primeiro goleiro negro indiscutível depois de Barbosa, acho que os outros não foram indiscutíveis. Acho que os outros ficaram sempre...não foram titulares porque havia goleiros brancos melhores. Eu acho que essa coisa se deve muito à ascensão do Pelé. No momento em que Pelé ascendeu e mostrou que era uma grande estrela, que era o melhor do mundo, essa coisa passou a diminuir muito, porque você não podia aceitar somente o Pelé e não aceitar os outros negros. Então, eu acho que o Pelé contribuiu muito pra isso, e hoje é um dos caminhos pro negro no Brasil e em boa parte do mundo é o esporte; a ascensão social do negro se dá muito mais pelo esporte.

E: O Brasil, em relação à Europa, está avançado em relação a essa questão da discriminação no futebol!?

Sérgio Noronha: O que é compreensível, porque nós temos uma miscigenação de raças; o que não acontece na França, não acontece na Alemanha, eles lá só viram brancos, é um negócio impressionante. Como o Brasil tem uma mistura muito grande de raças, a aceitação do negro foi gradativamente sendo realizada, ela foi se realizando porque afinal de contas até brincam; todo brasileiro tem um pé na cozinha, uma piada que fazem, não é de muito bom gosto, mas fazem. E acho que isso foi sendo aceito porque nós estamos mais acostumados. Eu tenho um amigo meu, José Carlos Avelar, crítico de cinema, e ele fala alemão perfeitamente. Ele me contou uma história muito engraçada que uma vez ele viajou pela Alemanha, nos anos 60 e poucos, 70, por aí, ele entrou numa loja e começou a falar alemão e as pessoas da loja pararam e começaram a olhar pra ele, porque não entendiam como é que um negro falava alemão, um alemão bem falado; ele fala bem alemão. Hoje isso tá um pouco acabando, tá um pouco diminuindo, embora haja uma resistência muito grande, um racismo muito grande, até porque também tem um lado nisso tudo: que é a perda do mercado de trabalho. O jogador branco, francês, alemão, italiano, tá perdendo pro jogador negro que sai da América do Sul, seja ele brasileiro, uruguaio e tem os africanos que são muito bons jogadores de futebol. Então, também, tem uma dose de defesa do seu mercado de trabalho. E isso insufla, a torcida vai junto.

E: Então a questão determinante não é a questão racial? 184

Sérgio Noronha: Ela é também, mas não é a única. Ela é também, ela influencia, cria obstáculos, cria resistência, mas...ela tem nuanças incríveis. Eu me lembro que o Alemão, que jogou com o Maradona no Nápoli, me contou que eles saíram uma vez pra jogar de Nápoles em Roma, contra a Lázio, a Lázio é um time fascista é o time de Mussolini, é quando eles chegaram na entrada de Roma, tinha uma faixa na estrada dizendo: Benvenucci africani. Ou seja, bem-vindos africanos. Mas por quê? Porque o italiano do norte diz que o italiano do sul é africano, é moreno, é mais escuro, entende?! Então isso, na Itália tem esse lado e em outros países também, mas tem muita história de a defesa do mercado de trabalho.

E: Em relação às metáforas que são utilizadas para avaliar os jogadores do tipo tremedor, acovardado, sem fibra, amarelão, será que passa por uma relação à origem, cor de pele etc?

Sérgio Noronha: Eu não vejo por aí não. Eu não estou negando; há, há, há racismo, não resta a menor dúvida de que há racismo. Você vê as pessoas às vezes se ofendem na rua fácil, você vê o sujeito chamar de “negro safado”, mas isso também incrementou o racismo do outro lado. Eu sempre me pergunto o seguinte: existe um conjunto de samba chamado Só Preto sem Preconceito, ninguém disse nada, e se houvesse um chamado Só Branco sem Preconceito será que eles tocariam em algum lugar, talvez não conseguiriam. Agora, é, existe, é muito forte em algumas ocasiões, não escolhe classe, não pensem que é só na classe alta que tem preconceito, na baixa também tem, eu já tive problema uma vez com um porteiro que barrou minha cunhada porque ela era negra, achando que ela era empregada, dizendo que ela tinha que entrar pela porta de serviço, quer dizer, o sujeito era negro, de classe C ou D, e tinha preconceito. Eu canso de ver em batida policial, policiais negros primeiro irem em cima dos negros. Agora, o esporte é uma alavanca pra acabar com isso, o preconceito só se faz presente na Europa, na Europa ele é muito presente, mas ali tem a história da reserva de mercado, também. Eu também acho que o reflexo disso é um pouco a eleição na França. A direita venceu por quê? Porque o Le Pen acha que não tem que haver, como é que é, não tem que vir estrangeiro pra trabalhar na França e tal, com isso ele defende o mercado de trabalho, e aí o cara que votou nele é lixeiro, estou exagerando, operário, médico o que for, na realidade ele está elegendo um cara que ele acha que defende os interesses dele, pouco interessa que ele seja de direita, esquerda, é pura defesa de mercado de trabalho. É só você levantar o número de negros que jogam futebol de primeira linha na Europa, todos eles têm. O Futebol melhorou a partir do momento em que vieram os jogadores negros, jogadores africanos.

E: Mas existe uma resistência que aqui não há, se foi isso que eu entendi.

Sérgio Noronha: Eu acho que no esporte ela tá quebrada.

E: Aqui no Brasil?!

Sérgio Noronha: Aqui no Brasil, falando do Brasil, do esporte. Você ainda não tem, por exemplo, na dramaturgia não está, você ainda não tem em peças, novelas, negros estrelando.

E: Em relação aos 20% na universidade!? 185

Sérgio Noronha: Eu acho uma bobagem. Ninguém tem emprego porque é mulher ou porque é negro, tem emprego quem pode. Claro que eu sei que os negros têm muito menos possibilidade, eles fazem parte de uma categoria mais pobre, com menos acesso às universidades, a uma escola e tudo mais. Mas você não pode simplesmente empregar uma pessoa porque ela é mulher, porque ele é negro, porque ele é homem, porque ele é gay, eu acho essa proteção até compreensível no que diz ao deficiente físico, é compreensível. Agora, questão de sexo e raça, pra mim é injustificável. Trabalha quem pode, quem consegue trabalhar.

E: Teria que partir da própria comunidade essa..

Sérgio Noronha: O que há é que o Brasil está custando, pela posição dos poderosos, está custando a compreender que essa história de mão de obra barata; ela vai acabar, ela tá acabando com o país, esse Brasil vai acabar. Quantas empresas têm fábricas em países asiáticos e o que é que acontece. Existe uma oligarquia, o povo de baixo não tem direito a nada, mal sabe ler e escrever e aí fabrica roupa, tênis, fabrica o diabo a quatro, por que, porque não tem acesso a nada. No Brasil é a mesma coisa. Você mantém uma grande parte da população do Brasil ignorante, por quê? Porque na ignorância é mais fácil de manobrar, querem uma mão de obra mais barata. Isso vai ter que acabar no Brasil.

E: De cima pra baixo talvez não acabe, talvez tenha que partir dessas comunidades...

Sérgio Noronha: Não!, isso vai partir de fora pra dentro. Historicamente é assim. No Brasil a abolição da escravatura só se deu com uma pressão de fora pra dentro, porque a Inglaterra fez uma pressão fantástica. Como é que ela podia brigar com o Brasil quando ela se industrializou e o Brasil tinha mão de obra escrava. É óbvio que no Brasil tudo era mais barato. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, ela só se deu por uma pressão externa. Pô, qual é, vocês têm escravos aí e nós não temos, mas nós pagamos pra ter nossas coisas, o nosso produto é mais caro. A mesma coisa agora. A oligarquia dos plantadores de cana, sei lá essas coisas que tem aí e tal, ela se mantém pela ignorância. O povo não reclama seus direitos trabalhistas, a carga horária de trabalho que ele tem, alimentação, assistência médica, colégio, e não reclama por que ele não sabe, ele não lê.

E: Eu lhe agradeço muito. 186

MATERIAL COLETADO NOS JORNAIS 187

18/07/1950

Faltou Fibra Aos Jogadores Nacionais Que Não Corresponderam Á Espectativa de 200 Mil Torcedores Representando 50 Milhões De Brasileiros (Diário do Rio)

Este "Goal" Eliminou O Brasil - Tristeza Na Face De Todos - Tombou De Pé O Brasil - Os Uruguaios Jogaram Melhor E Daí A Derrota da Nossa Seleção No Prélio Efetuado Ontem (Folha Carioca)

Venceram Os Melhores - Merecidamente Os Uruguaios Sagraram-se Campeões Do Mundo - Ante Um Adversario Forte, Evidenciaram-se As Falhas Do Nosso Selecionado - A Culpa Do Tecnico - Novo record Mundial De Renda - Notas (Diário do Povo)

Mario Filho: O Segredo Da Vitória Dos Uruguaios: Só Os Brasileiros Tinham Tudo A Perder (Jornal dos Sports)

Vitória De Raça - Lutando Com Alma E Coração, Reconquistaram Os Uruguaios A Sipremacia Do "Soccer" Mundial - Não Vamos Culpar Ninguem - Otimismo Fatal (A Manhã)

Ainda Nos Resta Um Ingrato Consolo: A "Copa" Ficou Na América, Provando A Inconteste Supremacia Da Nossa Escola (O Jornal)

Vai Para O Olho Mecânico A Romana (Correio da Manhã)

Diário do Povo, 18/07/1950:2, 2º caderno – “Deve-lhes uma derrota punjante, gerada dos flancos sombrios da covardia. Por mêdo a contusões e a sôcos perdemos o campeonato mundial de foot-ball”.

O Diário do Povo de 18/07/1950:8 – “(...) deixaram-se levar pelo nervosismo e jogaram abaixo da crítica, inclusive Jair, acovardado com a marcação severa do velho .”

Geraldo Romualdo da Silva, na edição do Jornal dos Sports de 19/07/1950:5

“Quando o English-Team perdeu, ninguém na Bretanha o taxou de covarde- nem a ‘Azzurra’ padeceu na Itália a infâmia de ser apontada de desfibrada - afinal de contas em football não se vence antes e no meio, mas depois dos jogos”.

Folha Carioca, 17 de julho de 1950. Aqueles que compareceram ao Estádio Mendes de Morais, na tarde de ontem, cheios de fé e alegria no onze brasileiro jamais poderiam imaginar que, numa partida decisiva, onde bastava o empate para nos dar o título máximo, pudessemos deixar o gramado vencidos. E sobretudo vencidos por um quadro que, embora fazendo jus ao triunfo, por ter aproveitado 188

as duas oportunidades que se lhe ofereceram, foi, no atual certame, menos produtivo e menos positivo do que a equipe brasileira.

Por isso mesmo, o espetáculo que se desenrolou aos nossos olhos, após o apito final de Georges Reader, foi desses que, por suas caracteristicas impressionantes, tão cedo não sairão da retina daqueles que tiveram o ensejo, o triste ensejo, digamos assim, de presenciá-lo. Aquela multidão de duzentas mil pessoas não teve coragem de deixar o estádio.

Tinha-se a impressão que estávamos em um Dia de Finados, assistindo ao enterro de um ente querido. As dependencias do "Colosso do Derbi", pareciam lotadas por milhares e milhares de parentes e amigos do suposto defunto, que o pranteavam, num silêncio só interrompido pelos soluços de muita gente que não resistiu à intensidade da dôr. Lá em baixo, no gramado, os jogadores uruguaios, ao comemorar o grande a grande conquista, pareciam ateus profanando um lugar sagrado...

Quando, minutos depois, a massa começou a deixar o estádio, a tristeza estava estampada em sua fisionomia. Por tôdas as ruas, por tôdos os cantos, a mesma decepção, a mesma dôr. A cidade adormeceu de luto... (...)

Tristeza geral causou a vitória do Uruguai sôbre a seleção brasileira, na tarde de ontem, justamente no momento em que o campeonato do mundo estava ao alcance de nossas mãos. Tristeza geral, repetimos, mas não a tristeza mansa dos que sabem perder; era antes uma espécie de revolta contra tudo e contra todos, a condenação inapelável dos nossos jogadores, a severa crítica contra a nossa tática de jogo e, finalmente, um mundo de acusações desabando, implacável, contra o técnico Flávio Costa. Numerosas substituições de jogadores começaram, de repente, a ser apontadas como necessárias a uma vitória que já estava bem distante.

Os mesmos jogadores que abateram com tremendas goleadas os selecionados da Espanha e da Suécia, já não se apresentavam aos olhos do público como os esforçados "cracks" que tantos aplausos mereceram... Tudo estava esquecido, condenado, imprestável. Zizinho, apenas, era o condutor das mais belas jogadas. Mas, Jair não passava de um fantasma dançando na tarde triste do Maracanã; e Ademir, o goleador em primeiro lugar na Copa do Mundo, era tão inútil quanto uma coisa morta. Esse o terrivel julgamento do nosso público após soar o apito final...

Há, porém, muita coisa esquecida. Na pressa das conclusões ditadas pela decepção da grande surpresa, foi esquecido o próprio valor dos jogadores uruguaios; o fator sorte, tão importante em futebol, que favoreceu em todos os sentidos a seleção oriental; e, mais do que tudo, a própria razão de todos os acontecimentos.

Um dia, Napoleão, meio louco e meio soldado, saiu da França e começou a dominar o mundo. Os seus exércitos foram crescendo em entusiasmo e se transformaram numa gigantesca horda invencível. A História narra os seus feitos mais incríveis, as suas conquistas quase impossíveis, os seus lances de heroismo. Ninguém podia vencer Napoleão e êle, em seus sonhos de louco, já se considerava o senhor do mundo. Mas nasceu a derrocada do inesperado: Waterloo. Seria possivel a destruição dos exércitos e 189

dos planos do poderoso conquistador? Em Santa Helena, sozinho e amargurado, êle próprio não encontrou a explicação que o universo inteiro procurava, atônito. Ele apenas perdera a batalha...

A seleção do Uruguai equivale ao nosso Waterloo na "Copa do Mundo". Envolvidos pelo entusiasmo justissimo das vitórias iniciais, com a nítida superioridade sôbre os jogadores europeus, esquecemos a possibilidade de uma surpresa tão desagradável e tão inesperada. Começamos, portanto, a procurar justificativas numa provável e inexistente culpa dos nossos jogadores e do seu técnico. Esquecemos tudo, até mesmo a nossa condição de "donos da casa", de organizadores, em 1950.

Felizmente, não tiveram maiores consequências os comentários das rodas exaltadas. Pouco a pouco, vai nascendo maior ponderação nos julgamentos, menos apressados, e fazemos raciocínios. Vamos recebendo a amarga derrota como ela deve ser aceita e acatada: com a certeza de que, pelo menos, ontem, á tarde, os uruguaios jogaram melhor futebol. E com êles estava a sorte e o destino da Copa do Mundo..."

Diário do Povo, 18 de julho de 1950. "E o que ninguém previa aconteceu. O Brasil perdeu o campeonato do mundo na última partida, ficando o cobiçado trofeu em poder dos uruguaios. Foi mais uma lição, dentre as tantas que já temos tido, deixando fugir o triunfo a hora decisiva. E agora não existe qualquer desculpa. Das outras vezes culpava-se o ambiente estranho, a torcida contrária, o juiz e tantas outras coisas que seriam de consôlo ás derrotas que tantas vezes já nos impuseram argentinos, italianos e os próprios uruguaios, de quem somos velhos fregueses. Domingo tinhamos tudo a nosso favor: o campo, a torcida e, além disso, o "handicap"do empate que nos garantiria o titulo. O juiz Mr. Reader teve uma arbitragem perfeita e a êle não se pode atribuir a menor responsabilidade pelo fracasso do nosso selecionado.

Perdemos porque jogamos menos. Os uruguaios foram superiores na técnica e no coração. A Taça "Jules Rimet" está em boas mãos. Nas mãos daqueles que na hora decisiva souberam disputá-la com classe e com flama. São êles os merecedores do título de campeões do mundo.

Quem assistiu o quadro nacional jogar com a Suécia e com a Espanha, uma verdadeira orquestra sinfônica, nem por sombra reconheceria o mesmo quadro naquele que domingo jogou no Maracanã contra os orientais. A sinfônica desafinou e diluiu as esperanças dos duzentos mil espectadores que madrugaram no estádio e dos milhões de torcedores de todo o país que pelo rádio acompanhavam ansiosos o desenrolar da peleja. Muitos argumentam com o azar para explicar a derrota, mas não reside no imponderável a explicação do fracasso. Ele veio em consequência do bom desempenho dos uruguaios e das falhas do nosso "onze". Falhas que sempre existiram e que nos cansamos de apontar desde os primeiros jogos. O nosso quadro jogou sempre, praticamente com três homens na linha de frente - Zizinho, Ademir e Jair. Os pontas Chico e Friaça jamais tiveram condições técnicas para integrar a seleção. Quando se tratava de enfrentar adversarios mais fracos e principalmente que adotam o sistema europeu de jogo, sem marcação pessoal sôbre os jogadores, as falhas desapareciam e os elementos fracos eram esquecidos ante a virtuosidade e a eficiência do trio central. 190

Mas com os uruguaios a coisa foi diferente. Eles adotam sistema de jôgo semelhante ao nosso, marcando rigidamente os dianteiros, e, além disso, sabiam que o "team do Brasil resumia-se, na linha atacante, a Ademir, Zizinho e Jair. Sôbre êstes três homens, foi feita uma marcação eficiente, um verdadeiro bloqueio e o resultado não se fez esperar.

Na final o "placard" acusava 2 a 1 para os uruguaios. A responsabilidade principal recai, pois, sôbre o técnico, teimando em incluir um Friaça bizonho e sem condições de jôgo e insistindo com um Chico confuso e dispersivo, quando tinha um Rodrigues em plena forma para ser lançado. Adãozinho, outro elemento de valor, ficou todos os jogos na cêrca quando poderia ser lançado no centro, deslocando-se Ademir para a ponta direita, como o próprio Flávio já fez uma vez com excelentes resultados, num sul-americano.

Além disso, faltou aos nossos jogadores, a flama necessária, coisa que sobrou aos nossos adversários. Do naufrágio salvaram-se Zizinho, Bauer, Augusto e Juvenal. Os restantes deixaram-se levar pelo nervosismo e jogaram abaixo da critica, inclusive Jair, acovardado com a marcação severa do velho Obdulio Varela.

E como se não bastasse tudo isso, Bigode, um jogador sempre eficiente, disputou uma partida sem qualificativo, fazendo asneiras a grande e deixando-se bater tôdas as vezes pelo admirável Gighia, o ponta direita do Uruguai. Também Barbosa esteve num dia negro, engolindo um autêntico frango no "goal" que deu a vitória aos orientais. (...)"

Diário do Rio, 18 de julho de 1950. "Perdeu o quadro brasileiro, na tarde de anteontem, uma oportunidade que jamais teve qualquer outro, para o conquista do titulo máximo do fuebol mundial. Não foi correspondido o sacrificio de milhares de torcedores. Para o quadro nacional, não mediram exigencias, aqueles que tudo receberam com abnegação as inúmeras dificuldades. Desde noites ao relento até o perigo constante após, a entrada no Estadio. Sofreu o torcedor contra todos os fatores, com um unico desejo. Vitoria do quadro nacional. E, infelizmente, não foi correspondido todo este sacrificio.

Vimos um quadro sem a mínima noção do que significava aquela massa humana comprimida desde as primeiras horas da manhã. Jogaram os nossos, com um completo desinteresse pelo resultado final da luta contra os uruguaios. Não faltou ao quadro nacional, nada absolutamente nada para jogarem com mais estimulo. Assim, o resultado foi um "scratch" psicologicamente derrotado, se agigantar contra o pseudo campeão mundial confiante em goals que naturalmente viriam do céu. Sofreu o selecionado nacional, uma derrota, a perda de um titulo, contra um quadro que teve a seu favor, apenas noção de responsabilidade e desejo de vencer.

Teve o selecionado uruguaio o prêmio de uma vitoria que não pode sofrer contestação. Vencendo o Brasil, conquistaram o titulo pela segunda vez de campeões mundiais. A êles o nosso reconhecimento pela fibra e bravura demonstrada na peleja final do IV Campeonato Mundial de Futebol. Aos nossos, que a lição sirva de exemplo e em competições futuras recuperem o prestigio tão tristemente perdido, numa batalha, que ao povo brasileiro sòmente trouxe a desilusão." 191

Jornal dos Sports, 18 de julho de 1950. "A derrota foi um golpe. Ninguem deixou de sentí-lo. Quando o Uruguai marcou o segundo goal o silencio que se fez no Estadio - o silencio de duzentas mil pessoas - chegava a assustar. Era a desolação da derrota. A multidão ficou parada sem querer acreditar no que via. O Estadio não se enchera para aquilo. Não fôra para aquilo que se travara a batalha das cadeiras, das arquibancadas e das gerais. Não fôra para aquilo que milhares de brasileiros tinham vindo ver o último match do campeonato do mundo.

Todas aquelas duzentas mil pessoas haviam marcado encontro no Estadio para saudar os brasileiros como campeões do mundo. Por isso o Estadio se tornou pequeno: era o maior do mundo mas nele não podia caber todo o Brasil. As outras cincoenta milhões de pessoas que ficaram de fora, perto e longe, no centro, no norte e no sul do Brasil.

Tudo parecia anunciar a vitoria final, embora desta vez os adversarios dos brasileiros fossem os uruguaios. Fosse, sobretudo, o coração dos uruguaios. Irresistivelmente se formou o pior dos ambientes para os brasileiros, o melhor dos ambientes para os uruguaios. O pior dos ambientes para os brasileiros porque parecia o melhor; o melhor dos ambientes para os uruguaios porque parecia o pior. Foi o que não se quis ver antes do match.

Os uruguaios e não os brasileiros se tinham colocado numa posição única. Podiam perder de cinco e estava bem. Voltariam para Montevidéu de cabeça erguida. Todos os uruguaios, os que tinham vindo animar a "celeste", os que não tinham podido vir, e que ficaram de longe a torcer por eles, seriam unânimes em reconhecer que eles haviam feito o máximo. Qualquer resultado era bom para os uruguaios que quase tinham perdido da Espanha e da Suecia, goleadas pelo Brasil. Para o Brasil só havia um resultado bom: a vitoria. O Brasil tinha tudo a perder, o Uruguai nada tinha a perder.

Tudo explicava e justificava de antemão, uma derrota uruguaia. Nada parecia sequer explicar ou justificar a simples hipótese de uma derrota do Brasil. Tudo isso aumentava tremendamente a responsabilidade do scratch brasileiro.

É preciso levar em conta essa responsabilidade tremenda para que se compreenda a especie de inibição de alguns jogadores brasileiros. A inibição de Bigode que em certos momentos quase não podia caminhar em campo, a inibição de Barbosa que nos dois lances decisivos se movimentou sempre com atraso fatal. Quando os jogadores brasileiros foram surpreendidos pela possibilidade da derrotas não resistiram. Pouco se mostraram à altura das circunstancias. A ameaça de derrota veio no pior dos momentos: quando a vitoria que se esperava parecia consagrada. Depois do goal de Friaça que valia por dois. O goal de Friaça, porém, não deu ao scratch brasileiro a tranquilidade necessaria para assegurar a vitoria. Os brasileiros, em vez de se guardarem, de repousarem mais na defesa, entregaram todas as esperanças no ataque.

Não se contentaram em vencer: queriam vencer por dois, por três, queriam golear. Golear um adversario que lutava sobretudo para não ser goleado. E que, por isso, no um a zero, se concentrou mais na defesa. Aquele um a zero que surgira no inicio do segundo tempo servia aos uruguaios como um grande resultado. Assim os uruguaios não se perturbaram, lutaram para manter aquele um a zero que embora contra era sempre uma porta aberta para 192

o empate. Se o um a zero era um grande resultado para o Uruguai um empate seria como uma vitoria.

Os brasileiros, pelo contrario, viram no um a zero um placard pequeno demais para a festa da vitoria. E chegado o empate receberam-no como um desastre. Sem se lembrarem que o empate lher daria o campeonato do mundo. Aceitaram melhor o zero a zero. O zero não os perturbou. Mesmo durante todo um tempo. A medida que o tempo passava os brasileiros se sentiam melhor. Daí o volume cada vez maior de ataques que realizaram.

Houve um momento em que os uruguaios quase perderam a cabeça. Mas no primeiro tempo. Voltaram mais tranquilos no segundo tempo. E voltaram mais tranquilos porque o resultado do primeiro tempo fôra excepcional para eles. Depois do um a zero até o um a um se contentaram em conter a ofensiva brasileira que se tornava cada vez mais desesperada. E digo desesperada porque os brasileiros se deixaram empolgar pelo dominio e martelgram sempre no lugar errado. Na especie de ferrolho formado pela defesa uruguaia. Sem aprovitar a lição de um único goal. A maneira de invadir a defesa uruguaia não era pelo centro aferrolhado, era pelas pontas. Tanto que Friaça não teve dificuldade em abrir o escore. Alem disso no centro só havia Ademir para invadir a area, e Zizinho para ajudar a invadi-la, para forçar uma invasão. Jair ficou de fora da area, a ponto de forçar Chico a deslocar-se para forçar a defesa uruguaia com arrancadas corajosas. Enqando o placard esteve de um a zero os jogadores brasileiros se deixaram enganar pelo dominio parecido ao daquele com a Suiça. Só que desta vez os adversarios dos brasileiros não eram os suiços, eram os uruguaios. (...)

O que não estava nos calculos de ninguem era uma derrota contra o Uruguai. Por isso eu digo que se formou o pior ambiente para o scratch brasileiro. O ambiente da vitoria certa. Não foi a certeza de vitoria que derrotou os brasileiros. Foi a imperiosidade da vitoria. A exigencia de vitoria. E de grande vitoria. Ninguem discute a superioridade do football brasileiro sobre o uruguaio. Nem mesmo os uruguaios, até depois da vitoria. Uma das maiores glorias da celeste há de ser esta: a de ter derrotado os melhores jogadores de football do mundo, o quadro que realizara as suas maiores exibições de que há memoria no football mundial. (...)"

A Manhã, 18 de julho de 1950. "Não vamos culpar ninguém pelo que aconteceu. Não é justo, e, além do mais, é um menospreso ao adversári, que foi valente e fez jús à vitória.

Depois, em nada adiantará. Não nos devolverá o título. É claro, que houve falhas. Falhas porém, que, para quem acompanha futebol sabe ser comum em pelejas como a disputada na tarde fatídica de domingo, no estádio Municipal.

Perdemos um título que parecia ajustado para nós. Perdemos, todavia resta-nos o consôlo de termos perdido com dignidade, e para quem, na verdade, são autênticos campeões, - os uruguaios.

Mas deixamos de lado tudo isso. Passemos aos fatos. A peleja começouem um ambiente demasiadamente otimista para os nossos rapazes. Imprensa, rádio, paredros, emfim, toda aquela imensa massa que se comprimia no estádio 193

Municipal, inclusive os proprios delegados uruguaios, não pensavam em insucesso do Brasil. Os recentes feitos contra a Iugoslávia, Suécia e Espanha não podiam deixar dúvida. O Brasil jogando em casa, com a assistência a favor e com o mesmo quadro, não podia perder para o Uruguai, que vinha de um empate cavado contra os ibéricos e uma vitória difícil sôbre os nórdicos. Afirmar-se coisa diversa, é querer ser profeta.

O que se sabia, - e disso nunca discordamos de quem assim pensava, - era que os "celestes" nos obrigariam a lutar muito pela vitória. Jamais, porém, podia se supor em derrota, mesmo levando em conta que em três outras vezes anteriores (24, 28 e 30), foram os nossos rivais os herois da jornada.

Este otimismo, pois, justo sob todos os títulos, foi a causa da derrota. Embora Flavio o combatesse energicamente, conversando com cada "crack" a quem explicava tudo; embora chegasse até a ser grosseiro com visitantes da concentração que falavam aos atletas como se já fossem campeões; nada disso valeu. O otimismo que tomara conta de todos, e passara-se também aos "cracks". E isso foi fatal para as nossas cores. Em partidas de futebol ninguém ganha na véspera. O jogo é jogado em campo, para onde vão onze atletas de cada bando lutar pelo mesmo objetivo: a vitória.

Enquanto isso ocorria em relação aos brasileiros, no lado dos orientais tudo era diferente. Pensavam em vitória. Todavia, encaravam o prélio dentro do prisma certo. Tinham os uruguaios sobre os ombros a responsabilidade de o prestígio dos campeões de 24, 28 e 30. Sabiam que um empate seria fatal. Medindo todas essas coisas foram para campo dispostos a vencer. (...)"

O Jornal, 18 de julho de 1950. "As lagrimas que humedeceram quase 50 milhões de olhos bem exprime a dôr, a desolação do publico brasileiro pelo resultado imprevisto de domingo no Estadio Municipal. E sem desprestigio da verdade, pode-se dizer que, o publico não merecia tão dolorosa recompensa pelo sacrificio, por tudo que fez no sentido de prestigiar o nosso selecionado e render-lhe as homenagens que fariam jus, no caso da conquista do titulo.

As noites de vigilia por que passou na ansia de adquirir um ingresso para penetrar no estadio, as horas interminaveis que permaneceu na fila com tal proposito, amanhecendo ainda na porta do estadio, sem satisfazer as naturais obrigações de uma alimentação regular, provou que o povo se mostrou indiferente a propria razão da normalidade, para presenciar o choque que consagraria onze jogadores e 50 milhões de brasileiros! Todos os sacrificios eram infimos de mais, para atender a tão grandes anseios do coração.

As duas jornadas anteriores não deixavam transparecer quaisquer duvidas, quanto a possibilidade de conquistarmos o titulo, porque a convicção do torcedor não se baseava nas considerações honestas da imprensa e outros veículos de informações. Ele havia presenciado com os seus proprios olhos, as duas vitorias gigantescas que não davam margem a receios, quanto a batalha final, a que seria memoravel e gloriosa para as nossas cores. E quando chegou o domingo, nesso domingo de sol e de vida, que seria marcado na historia, como um dia de gloria para a nossa patria, notou-se uma agitação sem precedentes, porque o publico já as primeiras horas da manhã, colocava-se em fila, na 194

ansia de penetrar no estadio para assistir a um prelio que só seria iniciado 9 horas depois (!)

Esse povo que esquecendo todas as agruras da vida, havia aprendido a sorrir em todos os instantes, trazendo nos labios aquela esperança convicta, emudeceu ao cabo dos noventa minutos de batalha, porque a decepção o deixou estremecido. Aquela imensa multidão ficou imovel, paralizada, sem saber o que fazer, como quem ainda estivesse aguardando alguma coisa, a jornada gloriosa, o sonho dourado que durante varios dias, enriqueceu os seus corações. Só mais tarde, quando o sol se escondeu, foi que o povo compreendeu que a sua presença na Maracanã de nada mais valia e assim começou a retirar-se numa lenta e trsistonha procisão, acompanhando o féretro da ilusão mais linda que viveu. (...)"

Correio da Manhã, 18 de julho de 1950. "Não houve nem as correrias costumazes à saída do estadio. Era uma autentica retirada que empreendia aquela torcida exausta, coberta, de pó e tristeza. Esconderam as serpentinas. Jogaram fora os confetis, entregaram-se ao cansaço. Parecia até a madrugada de quarta- feira de cinzas. Ninguem falava. Só no bonde, passados os primeiros instantes, começaram os argumentos. Procurava-se justificar, ninguém conseguia. Chegou por fim o desabafo: foi o azar. Azar de que? De muitas coisas. Não viram que começamos, hoje, pelo lado contrário? Não viram que pela primeira vez atacamos contra a avenida Maracanã, de inicio? argumentou um. E logo outro: e tambem pela primeira vez o Ademir não abriu o escore? tudo isto deu azar. Só isto, não.

Vocês nào viram o principal, argumentou um terceiro. O maior azar foi o Mendes de Morais. Êle é que foi o culpado. Como dá azar o nosso amigo... Surgiram os apartes. É mesmo. começou por chamar os uruguaios de campeões do mundo... E o locutor: O Prefeito vos falou uma vez e o time venceu. O Prefeito dá sorte. Puxa, vai para o olho mecânico a Ramona.

Descemos, pensando na maneira original daquela gente humilde encarar uma adversidade. Mas tinhamos de continuar caminho. E lá fomos de lotação para a zona sul. A conversa interrompida com a nossa chegada, retomou logo o fio: - Foi mesmo uma atitude infeliz do Mendes de Morais.

Olhamos surpresos. Também ali a superstição vigorava? Mas não. Desta vez eram outras as razões.

O Prefeito nunca deve ter ouvido em psicologia. Aquela historia das duzentas mil pessoas esperando pela vitoria e dos cinquenta milhões querendo o triunfo deveria ser dita numa situação justamente inversa a da nossa. Se nos sentissemos inferiorizados, se entrassemos em campo com o moral abatido, convencidos da impossibilidade de vencer. Aí sim um estimulo daquela natureza. Porém nunca na situação de hoje. O Prefeito aumentou-lhes a responsabilidade, trouxe mais encargos sôbre seus ombros, aumentou o nervosismo, enfim enfraqueceu-os. O fato é que não podia perder a oportunidade da demagogia... eram duzentas mil os presentes, sem falar nos radio-ouvintes..." 195

Jornal dos Sports, 22 de junho de 1986

“Acabou a festa – A França pega a Alemanha – Foram 120 minutos de sofrimento e, apesar das chances criadas, o Brasil não conseguiu fugir do empate. No segundo jogo de ontem a Alemanha venceu o México, também nos pênaltis, e é o adversário dos franceses” (primeira página).

“Zico acha que errou ao cobrar penalidade” (idem).

“Desolada a galera brasileira. Quem é o culpado?” (idem)

“FIM DA LINHA. Fala-se que Deus é brasileiro. Está bem, mas a sorte é fundamental no esporte. A sorte que tivemos contra a Polônia, com aquele pênalti mal marcado, depois de levarmos duas bolas na trave, não tivemos ontem. Outra falha: Zico não poderia ter batido aquele pênalti. É um superatleta, devemos reverenciá-lo. Mas estava frio no jogo e houve erro de comando aí também, em deixá-lo bater. (...) Nossos jogadores não têm culpa de nada” Washington Rodrigues (página 10).

“Zico admite: cobrança foi um erro. Depois da derrota do Brasil, nos pênaltis, para a França, um dos jogadores mais abatidos era Zico. Na saída do vestiário, com uma fisionomia completamente transtornada, ele falou do lance que poderia ter dado ao Brasil a classificação para a semifinal: o pênalti que perdeu no segundo tempo. Ele chegou a confessar que pode ter até errado em bater o pênalti; sem estar ainda quente no jogo: - Acho que foi a contingência. Não há o que explicar. Bati como sempre bati e marquei. Mas estava escrito. O que eu posso fazer? Na hora, o pediu para que eu batesse, mas talvez, por estar frio, tenha sido um erro para a cobrança. Mas quando está escrito, não adianta. O próprio Sócrates, batedor oficial do time, perdeu na decisão. Depois o Galinho falou sobre o jogo e a decepção por ter perdido, pela terceira vez a chance de ganhar uma Copa do Mundo, o único título que faltava em sua carreira: - O Brasil jogou sempre em função de ganhar o jogo. Foi o melhor e perdeu as melhores oportunidades. A França é uma das melhores equipes do mundo e soube jogar em função dos erros do Brasil. Mesmo assim conseguimos ser melhores em campo. Acho que depois das dificuldades que tivemos durante todo o período de preparação, fizemos tudo que pudemos. Infelizmente perdemos nos pênaltis.”(página 10).

Jornal dos Sports, 23 de junho de 1986

“LASMAR: Zico é um exemplo. Zico foi muito criticado pelo pênalti perdido contra a França e mostrava-se triste e desgostoso ontem. Um pessoa, porém, resolveu, por livre iniciativa, elogiá-lo como homem e atleta. Foi o médico da Seleção Brasileira, Neylor Lasmar, que enfatizou a luta do atacante para superar o problema no joelho e participar de sua terceira e última Copa do Mundo. Para Lasmar, Zico representa um exemplo a ser seguido pelos jogadores brasileiros, pelo seu apurado senso profissional: - Foi uma vitória pessoal de Zico a sua participação neste mundial. Ele soube se dedicar aos exercícios e ao tratamento médico sem esmorecer nunca.”(página 13).

“Pênalti é para ser treinado? As dolorosas experiências do Brasil e do México ao caírem eliminados da Copa do Mundo em decisão por pênaltis, colocou em plena atualidade a 196

questão de se os treinadores do futebol profissional têm dado realmente importância ao treinamento para a penalidade máxima. Zico, o astro brasileiro, aos 28 minutos perdeu um pênalti que poderia ter dado a vitória a sua equipe. Talvez se possa considerar a seu favor que ele havia entrado no campo apenas dois minutos antes. Sócrates, com mais de 50 partidas internacionais e considerado como um dos jogadores mais qualificados e inteligentes da seleção brasileira, teve aos seus pés a primeira vantagem para sua equipe, na definição por pênaltis contra a França. Mas seu chute fraco foi neutralizado pelo goleiro francês. O grande astro do futebol europeu e mundial, Michel Platini, também em um instante decisivo para a sua equipe lançou a bola com uma pontaria horrível, muito longe por cima da meta brasileira, e em seguida botou as mãos na cabeça envergonhado consigo próprio. Em seguida, o sólido defensor Júlio César, uma das revelações do Brasil no Mundial do México, desperdiçou sua oportunidade de gol, com um tiro forte, mas que bateu num poste da meta francesa, e aí acabou o jogo e o mundial para os brasileiros. Não foi a primeira vez que em um campeonato mundial de futebol se registrou esse tipo de fracasso, para infelicidade de alguma equipe. A essência do torneio é assim, e está reservada a criar situações cheias de tensão e colorido. Mas os aficionados se perguntam o que leva um astro de categoria mundial, muitas vezes acostumado a fazer em um jogo gols de incrível técnica, a desperdiçar um oportunidade de um pênalti, chutando a bola para fora, enviando-a às mãos do goleiro ou lançando-a contra as traves. Um antigo ditado do futebol britânico afirma que pênalti errado é simplesmente um chute mal dado. Para o caso de não se considerar que o goleiro foi acertadamente ao encontro do tiro, ou que um poste surgiu no caminho da bola, desviando sua trajetória. Neste mundial houve treinadores que não fizeram seus jogadores praticar pênaltis, e que afirmaram que não era necessário, porque qualquer membro da equipe estava capacitado a fazê-lo.”(p.14).

Jornal dos Sports, 24 de junho de 1986

“Capitão do tri acha que faltou sorte ao Brasil” (primeira página)

“Faltou sorte no final. E um melhor regulamento” (p.10)

Jornal dos Sports “ZICO É UM EXEMPLO Zico foi muito criticado pelo pênalti perdido contra a França e mostrava-se triste e desgostoso ontem. Uma pessoa, porém, resolveu, por iniciativa, elogiá-lo como homem e atleta. Foi o médico da seleção brasileira, Neylor Lasmar” (Jornal dos Sports, 23/6/1986:13).

“Um pênalti desperdiçado por Zico, no segundo tempo, quando o jogo estava empatado em 1 a 1, obrigando a prorrogação e depois a cobrança de pênaltis, acabou com o sonho do tetracampeonato mundial” (Jornal dos Sports, 22/06/1986:10).

“Galera bota culpa em Zico e Sócrates. Dentre os comentários, no entanto, um teve unanimidade: Zico e Sócrates foram os culpados diretos pela desclassificação. O primeiro por desperdiçar uma cobrança de pênalti quando o Brasil poderia passar a frente do marcador e garantir a vitória até por um placar tranqüilo. O outro, porque perdeu a primeira penalidade máxima que decidia a sorte das duas seleções na Copa” (Jornal dos Sports, 23/06/1986:12). 197

Jornal do Brasil, 22 de junho de 1986

“Belo futebol e muita emoção no adeus do Brasil à Copa. Brasil e França confirmaram, no Estádio Jalisco, as previsões dos profetas de todo o mundo: foi o mais belo jogo da Copa. Mas os deuses do futebol resolveram desmentir as esperanças brasileiras, tão claramente sintetizadas pelo técnico Telê Santana na véspera: ‘Para vencer, é preciso ter sorte’. O Brasil perdeu para o azar. No jogo, foram duas bolas na trave e um pênalti desperdiçado por Zico, o supracraque de uma geração que se despede dos Mundiais frustada pelas derrotas na Argentina, na Espanha e agora no México – logo Zico, que nunca perde pênalti e encarou meses de torturante tratamento para jogar sua última Copa. Mas não foram de todo injustos os deuses, que dessa vez ungiram com a sorte o futebol que mais se assemelha e imita o estilo brasileiro. Se ontem jogaram com o cuidado e a reverência que os discípulos devem aos mestres, Platini, Tigana e companhia têm tudo para mostrar, nos dois jogos que lhes faltam, que continua vencedor o futebol-arte.” (Caderno de Esportes: p.1).

“O ANTI-HERÓI ZICO. Soltou-se num futebol de passes rápidos, uma razoável ocupação do campo, inclusive pelas faixas laterais. Mas, para olhos mais atentos, era evidente que muita coisa não estava funcionando. Não era o dia de , o dolo forjado em duas partidas e dois gols primorosos. E não era dia de Müller, errando dhutes, desperdiçando a oportunidade de liquidar a fatura com na trave, com o goleiro francês no outro canto, naquela fração de segundo que decide o destino de uma Copa e que assinala a diferença entre um bom jogador jovem em ascensão e o craque consumado. Também foi só. O restante jogou na média de sempre. É que na hora em que a Seleção precisou exibir o seu jogo, não tinha mesmo muito mais a oferecer. Igualou-se a uma França que tremeu diante da camisa até descobrir que o passado não joga e que a tradição precisa ser cultuada no rodízio. Perdemos como podíamos ter ganho. Nem a vitória seria uma injustiça de bradar aos céus e nem a derrota deve ser lamentada como uma desgraça debitada ao imprescutável. Ontem, no Estádio de Jalisco, a Seleção deu razão aos seus críticos mas sua eliminação por pênaltis não justifica a lapidação de Telê. Não tínhamos banco, Telê ousou pouco. A geração de 82 base ideal da Seleção, fracassou nos seus sobreviventes, na atuação lastimável de Júnior, que fez uma última Copa caricata, ou na falta de fôlego e de pernas do dr. (sic) Sócrates, sem força para bater um pênalti. Silas não confirmou as expectativas criadas pelos seus treinos. Edinho foi a solitária exceção. E Zico acabou transformado no símbolo da Seleção mediana e que andou enganando os ingênuos e patriotas com uma estatística que não refletiu nunca o seu futebol. Esteve a um passo de se transformar em herói no único lance com a chispa do seu gênio renegado pelo impondevável. Na primeira intervenção, lançou Branco livre no vazio. O lateral disparou e foi barrado por Bats em pênalti indiscutível. Um pouco mais de calma e categoria e teria tentado o drible largo, entrando com a bola no gol. Pênalti fabricado por Zico. Batido por Zico praticamente nas mãos do goleiro, num peteleco de Juvenil. Devemos respeitar o seu drama de uma pungência de tragédia grega. Ninguém fez mais, lutou mais para se tetracampeão e o craque da Copa. Mas o destino foi inexorável na punição inexplicável. Zico despediu-se da Copa como o anti-herói na melancolia de uma classificação para a semifinal atirada pela janela por um erro que não costuma cometer. A Seleção saiu de 198

campo, de cabeça baixa, vergada pelo peso da crise que a decepção abre ou aprofunda no futebol brasileiro”. (p.3).

“É de se lamentar, sobretudo por Zico. O Galinho vai terminar sua carreira sem ter sido campeão do mundo. Uma crueldade dos deuses dos estádios, que já ungiram inumeráveis cabeças de bagre e pernas de pau” (p. 3).

“Em tarde de muito calor e jogo quente, Zico estava frio quando chutou o pênalti para a defesa de Bats” (Jornal do Brasil, 22/6/1986:3).

“O ANTI-HERÓI ZICO Devemos respeitar o seu drama de uma pungência de tragédia grega. Ninguém fez mais, lutou mais para ser tetracampeão e o craque da Copa. Mas o destino foi inexorável na punição inexplicável. Zico despediu-se da Copa como o anti-herói na melancolia de uma classificação para a semifinal atirada pela janela por um erro que não costuma cometer” (Jornal do Brasil, 22/6/1986:3).

“A sorte fugiu” (ibidem).

O Dia “Não deu certo. A tentativa de esquematizar o futebol brasileiro, abrindo mão do talento natural e do improviso, em benefício de um padrão mais rígido de marcação, ao estilo europeu, acabou na desclassificação (...) A Era Dunga não chegou (...) O proveito da derrota passa pela necessidade do reexame desses conceitos de futebol-força” ( O Dia, 25/06/1990:3)

“O Brasil sempre foi uma das grandes forças do futebol. Não somos nós que temos de mudar, copiar esquemas de jogo dos europeus. Pô, Dunga e Alemão no mesmo time é demais. Esse Lazaroni é o culpado” ( O Dia, 25/06/1990:8).

“Mas fazer gol é uma arte que a nossa seleção não domina. Basta dizer que estivemos mais próximos do gol, através de uma cabeçada de Dunga. De Dunga! – vejam vocês” (O Dia, 25/06/1990:10).

Jornal dos Sports “Seleção sem identidade. Nunca o futebol brasileiro esteve tão longe das suas raízes como esse agora da era Dunga e do lazaronês. Perdemos as Copas de 82 e 86 jogando com a mais pura alegria e caímos com a honra de sermos rotulados como os melhores do mundo. Fomos atrevidos, aceitamos o alto risco, pagamos por isso, mas ainda hoje, na imagem do torcedor, fica o prazer de ver um futebol de altíssimo nível. Jogar com firulas, jogar a bola debaixo da perna do adversário é uma faceta nossa, corre no nosso sangue e jamais vamos perder isso. Somos o País que fabricou Garrincha, Pelé e ainda uma brilhante geração de jogadores que perderam a Copa de 82 jogando um futebol refinado. Mas com coragem, ousadia e sobretudo com talento. Nunca procuramos fugir da nossa genuinidade. Jamais copiamos alguém. Europeizar, por quê? Líbero não é coisa nossa. Só porque ganhamos uma Copa América cheia de cabeças de bagre. Brigamos porque Telê foi teimoso, mas jogamos como o povo queria, como o povo gritava, buscando o gol de todas as formas. 199

Não existe nada melhor no futebol do que o grito de gol. E Lazaroni nos privou desse supremo prazer no futebol. A geração Dunga; de “matar” a jogada com força física, de todo mundo atrás e ninguém na frente, felizmente foi enterrada cedo. Jamais o Brasil viu um futebol tão melancólico como o de agora. Esse nunca foi o nosso futebol. Perdemos porque o treinador foi teimoso. E o que é pior, teimoso jogando sem força ofensiva, mudando sempre na hora errada e expondo os jogadores – casos de Bebeto e ontem Renato – ao ridículo. Ridículo e muito distante desse futebol que um dia encantou o mundo. Jogando de peito aberto, jogando com audácia. Jogando igual à nossa cara.” (Jornal dos Sports, 25/06/1990: primeira página).

“Um futebol atrofiado. A Seleção Brasileira começou a perder a Copa do Mundo quando o comando técnico decidiu adotar o estilo europeu”. ( Jornal dos Sports, 25/06/1990: primeira página).

“A vitória foi do talento. Genialidade de Maradona classifica a Argentina e derruba a ‘era Dunga’”. ( Jornal dos Sports, 25/06/1990: 3).

Jornal do Brasil, 25 de junho de 1990

“Seleção da Era Dunga não supera a arte de Maradona – Em sua melhor atuação na Copa do Mundo, Seleção Brasileira perdeu da Argentina, por 1 a 0, ontem, no estádio Delle Alpi, de Turim, e foi eliminado da competição. O time passou a semana se preparando para evitar lançamentos de Maradona a Caniggia e, num único descuido, foi derrotado exatamente na jogada para a qual tanto se preveniu. Se o resultado foi injusto, pelo que aconteceu em campo – o Brasil mandou três bolas na trave –, a eliminação brasileira é um castigo para a filosofia defensiva adotada pelo técnico Sebastião Lazaroni. Este só abriu mão de sua excessiva cautela, trocando o líbero por um atacante, quando o time já estava em desvantagem no marcador. O talento sepultou a Era Dunga, decretada 35 dias antes pelo treinador. Aos 36 minutos do segundo tempo, Maradona passou por três brasileiros e achou Caniggia livre, já na área. O atacante não desperdiçou sua única oportunidade, driblou Taffarel e marcou. Müller, ao contrário, teve a chance do empate, aos 43 minutos, mas deu uma canelada para fora. Dunga, o símbolo da filosofia pregada por Lazaroni, repetiu a conhecida frase do ex-presidente Figueiredo, dita ao deixar o governo brasileiro. Pediu para ser esquecido. Entre choros e lágrimas, no vestiário, o técnico lamentou a eliminação no dia em que o time teve a sua melhor atuação. E elogiou a conduta argentina e a genialidade de Maradona.

Jornal do Brasil, 25 de junho de 1990. Caderno de Esportes, primeira página. “E a bola chegou até ele. O Brasil cercou o quanto pode mas bastou um minuto para Maradona acabar com tudo”.

“Talento sepulta Era Dunga com 35 dias de vida. (Claudio Arreguy) Trinta e cinco dias foi o tempo de duração da mais curta época do futebol brasileiro: A Era Dunga, que traduz – mais que a elegia a um jogador esforçado – uma filosofia medrosa e covarde de jogo, morreu e soi sepultada ontem, no campo do Estádio Delle Alpi, de Turim. Até que Dunga, o ícone dessa nova fase preconizada, no dia 20 de maio (data da chegada 200

da Seleção Brasileira a Itália), pelo delírio de Sebastião Lazaroni, futuro treinador da Fiorentina, fez sua parte. Lutou, correu, deu seus incontáveis carrinhos, suou e até premiou seu esforço com uma bola na trave. Ele não tem culpa em ter se transformado em símbolo de algo que sequer existiu direito, que não passou de um embrião, de um equívoco que trai a tradição do futebol brasileiro. Cinco semanas. Foi o alcance dessa Era Dunga. Nascido sob a alegação de que mais vale jogar feio e ganhar, que atuar bonito e perder, esse monstrengo decretado por Lazaroni acabou castigado ao sair mais cedo de uma Copa que a Seleção de 1982, cujo exemplo o treinador sempre enfocou, em virtude de sua tese defensivista. Para Lazaroni, o futebol arte cedia seu espaço à competitividade, à ocupação de espaços, à velocidade do contra-ataque. Em nome disso o técnico, com o respaldo de ter vencido a Copa América, ano passado, escalou seus rapazes. Pensava com estes conseguir o que o sonhador Telê Santana não conseguiu, com sua filosofia de futebol belo e ofensivo. Mas, exagerou na dose. Nunca se viu uma Seleção com tantos zagueiros. Nada menos que cinco. Lançou seu líbero, é verdade. Porém, o que os europeus usam, há muito tempo, como um homem que provoque o fator surpresa, surgindo à frente com sua habilidade e visão de jogo, era outra coisa, na versão brasileira. À frente desse homem, personificado no futebol técnico de Mauro Galvão (que como Dunga, também não tem culpa), dois zagueiros, dois laterais – pomposamente definidos de alas – e dois cabeças de área. O mais lutador Valdo, que não chega a ser exemplo de ofensivismo. Isolados desse batalhão de defensores, nossos dois solitários atacantes ficaram perdidos, sem apoio de quem vinha atrás ou de quem deveria vir detrás. Não poderia ir mesmo muito longe um time que depende da criatividade de Branco, Dunga e Alemão. Todos os três são bons jogadores, principalmente o primeiro, talvez o melhor entre os brasileiros nessa curtíssima Copa, embora nenhum deles tenha aquele algo mais, aquele lampejo que de repente pode decidir um jogo. , que poderia ser esse homem, fracassou em seu segundo Mundial. Perdeu- se em toques de efeito, em jogadas de calcanhar e em gols desperdiçados. Outra dúvida que deve estar atormentado o torcedor brasileiro, obrigado a engolir a tal Era Dunga, é quanto a Romário. Para que tanto tratamento? Por que um fisioterapeuta na delegação? Qual o motivo para o centroavante do PSV não ter ficado no banco de reservas, ontem? Se foi feito um longo trabalho para deixar o atacante em condições de jogar a Copa do Mundo, por que, de repente, Lazaroni praticamente o esqueceu, escalando-o apenas num jogo que pouco valia, contra a Escócia, quando o Brasil já estava classificado? Finalmente, a covardia. O técnico só abriu mão de sua filosofia quando a Argentina, comandada pelo talento de Maradona, já vencia o jogo de ontem. Só então, tirou o líbero e escalou mais um atacante. Tarde demais para quem teve medo de ousar. A Era Dunga foi um pesadelo que adiou por mais quatro anos o sonho do tetra. E que vai embora sem deixar saudades. Ao contrário da Seleção de 82, que jogava bonito, para frente. Só futebol feio também não ganha a Copa. O talento, sim. Ontem, no Delle Alpi, ele estava em campo, com a camisa 10. Mas do outro lado.

“Jogador pede: esqueçam-me”. Jogador-exemplo da Seleção Brasileira de Sebastião Lazaroni foi bem claro “Esqueçam-me. Perdi a Copa do Mundo, não tenho nada para dizer”, pediu, repetindo o General Figueiredo, ao deixar a Presidência da República, em 1985. A Era Dunga teve uma página negra ontem à tarde no belo Estádio Delle Alpi. O símbolo da filosofia de jogo traçada pelo treinador não teve diante da derrota para a Argentina a mesma valentia que costuma mostrar em campo. Parecia um homem frágil, envergonhado e sem explicações para o fracasso. E repetia sempre para que o deixassem ir embora. “Pensem o que quiserem, falem o que acharem melhor. Eu juro que fiz a minha 201

parte”. Pior para Dunga foi ter que ouvir indiretas de alguns torcedores e jornalistas no estacionamento, onde estava o ônibus da Seleção Brasileira. “Lá vem o superhomem que perdeu para um nanico inteligente”, debochou um homem barbudo, com ar de embriaguez e sem credencial para estar na área de entrevistas. Dunga não escutou ou preferiu não ouvir. Não queria falar. Por alguns momentos até que chegou a lembrar o jogador peitudo, acostumado quem aparece à sua frente dentro de campo. “Nós estamos fora, nos deixem sossegados. Por que não falam com Maradona?”. Dunga acha que de agora em diante seus críticos e os de Lazaroni serão mais atuantes. “É hora de falar bobagens, dizer que fizemos tudo errado. Já estou preparado”. Ele acha que o esquema tático elaborado pelo treinador não foi o culpado pela nossa eliminação numa Copa do Mundo. Lembrou que a própria Argentina joga desta maneira, com 3 zagueiros, 2 laterais, 2 volantes e apenas 2 atacantes. Mas, esqueceu-se de dizer que do outro lado estava Diego Armando Maradona. “Os times são iguais. Demos foi azar”. Era impossível disfarçar o ar de desconsolo na fisionomia de Dunga. Essa pressão de ter sentido mais do que qualquer outro jogador da seleção brasileira a eliminação inesperada da Copa do Mundo. Tinha os olhos inchados, os punhos cerrados e a disposição para não falar nada. Era difícil arrancar dele alguma declaração. Até que o apoiador desabafou: “o sonho acabou. Mais cedo do que imaginávamos. Acabou tudo”.

Jornal O Dia, caderno da Copa, dia 25 de junho de 1990, p. 3

Brasil perde por falta de talento O Brasil mais uma vez está fora de uma Copa do Mundo. Mais uma vez desfez-se o sonho do tetra. Perdeu ontem por 1 a 0 para a Argentina no estádio Delle Alpi, em Turim. E perdeu porque do outro lado havia o maior jogador do mundo, Diego Armando Maradona. Marcado o tempo todo, às vezes até com violência, bastou-lhe uma chance para definir o jogo. Do lado do Brasil, ao contrário, faltou exatamente esse tipo de craque, alguém capaz de vislumbrar um espaço, de criar uma jogada fatal. Por isso dançamos ao tango de Gardel. Ou melhor, ao tango de Maradona.

Já era Dunga Não deu certo. A tentativa de esquematizar o futebol brasileiro, abrindo mão do talento natural e do improviso, em benefício de um padrão mais rígido, de marcação, ao estilo europeu, acabou na desclassificação. A opção do técnico Lazaroni acabou por inibir os jogadores, contidos por uma doutrinação cerrada. (...) A era Dunga não chegou. O Brasil mais uma vez rende-se à Europa, que lastimava o estilo europeu do Brasil e clamava pelo talento e pela magia que nos consagraram. Paixão nacional, o número 1 do ranking mundial, o Brasil fracassou na insensibilidade de seu treinador, que desprezou toda uma história e tradição para impor a sua idéia, a sua tese, expressa por jogadores de marcação e combate, treinados em temporadas européias. As contusões de dois atletas hábeis (Bebeto e Romário) agravaram o quadro. O proveito da derrota passa pela necessidade do reexame desses conceitos de futebol força, de concentração de homens de marcação, e, com isso, de contenção da força natural, do drible, da ânsia do gol – exatamente a escola brasileira de futebol que encantou o mundo. A jogada ensaiada, o líbero, o jogo aéreo são soluções européias desenvolvidas ao longo do tempo capazes de suprir a dificuldade do trato hábil e com a bola, da mágica do drible. O Brasil, costuma desprezar os seus valores para aplaudir e copiar valores externos (“macaquitos”, dizem os argentinos), embarcou nessa. Abdicou da pressão do ataque, do sufoco do talento, para pretensamente garantir-se na defesa. 202

Jornal do Sports, dia 26 de junho de 1990, p.5

O que queríamos era ter jogado tão mal quanto a Argentina, mas vencido o jogo no lugar deles. Os comentários da imprensa italiana sobre a nossa despedida, confirmaram a minha tese de que perdemos por pura fatalidade. De uma forma geral, eles consideram que a vitória da Argentina foi a maior surpresa da Copa. O Torino Stampa, abre manchete dizendo: “Brasil força no ataque, mas, sem sorte”. O técnico Billardo declarou: “ O nosso time conseguiu um milagre”. Isso tudo não serve de consolo para os brasileiros. O que queríamos era ter jogado mal, e vencido o jogo no lugar deles. (Whashington Rodrigues).

Dunga foi o melhor contra a Argentina. Esta é a questão: Dunga é o melhor da era Dunga? Em função de não termos vencido em 1982 e 1986 quando apresentamos um futebol bonito, eficiente, de grande técnica, muitos acharam que vencer a Costa Rica por 1 a 0 era uma coisa boa. “Qualquer vitória é santa”. Se fechava os olhos para uma competição em que teríamos que pegar adversários com certeza mais fortes. Os ufanistas não viam que dávamos aos adversários a condição de disputar uma partida quase em igualdade de condições, pois a grande diferença das duas equipe é o seu poder ofensivo. Fortalecida defensivamente, à custa de um jogador do meio de campo ou do ataque, seríamos obrigados a reverter os valores e atacar com os defensores, quando nossos atacantes são os melhores do mundo. A indefinição do treinador quanto ao time titular, ou pelo menos sua pouca determinação para escalar os jogadores e afirmar quem é quem, custou a contusão de Bebeto e poderia ter custado a de outros porque muita gente treinava para conquistar a vaga, quando o momento não pedia isso. Muitos erros foram cometidos. De todos, essa história de “europeizar” o futebol foi o mais grave. Contra a Argentina o Dunga, o mais “europeu” dos jogadores, foi o melhor do time. Esse é que é o problema: quando Dunga é o melhor, o time está mal. A convocação partiu de um acordo feito um ano antes quando a seleção esteve em Salvador começando suas partidas na Copa América. Esse acordo, que muitos achavam bom porque fortalecia a união do grupo, foi um absurdo que fez com que os jogadores que estavam mal um ano após, na hora de nos prepararmos para a Itália, fossem no grupo em detrimento de outros em melhores condições. Ninguém pode fazer um acordo desses. A seleção brasileira não é uma firma de propriedade de ninguém para que tal acordo possa existir acima de qualquer avaliação.

“VALDIR NÃO ACEITA ACUSAÇÕES E FALA EM FALTA DE SORTE Acusado por alguns jornalistas espanhóis de ter falhado nos gols marcados pela Itália, Valdir Peres riu dos comentários, sentado na porta do “El Corte Ingles”, esperando a hora de voltar a Mas Badó, ao lado uma mala nova, comprada por 1.900 pesetas” (Folha de São Paulo, 7/7/1982:27).

“VALDIR, UM DIA DE INFELICIDADE. O goleiro começou culpado e, saiu sem culpa, pois na falha de Valdir Peres, nesta copa, havia tempo, ânimo e futebol para a recuperação” (Folha de São Paulo, 6/7/1982:22).

“O técnico disse que o Brasil perdeu por suas próprias falhas, mas o único jogador citado foi Serginho. Não que o tenha acusado ou responsabilizado pela derrota, mas foi o único a merecer uma análise individual” (Jornal do Brasil, 06/07/1982:6)