NUANCES DAS ESTRATÉGIAS DE DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA NO MUNICÍPIO DE NOVO MACHADO-RS: UM ESTUDO À LUZ DA ANÁLISE-DIAGNÓSTICO DE SISTEMAS AGRÁRIOS

Silvio Calgaro Neto, Cristiane Maria Tonetto Godoy, Pedro Selvino Neumann

RESUMO

Desde a ancoragem da estrutura sojícola na América do Sul, na década de 1940, muitas transformações nas dinâmicas socioambientais deste continente foram observadas. Neste processo, a sojicultura consolidou-se e ocupou, significativamente, territórios em diversos países, em um processo de contínua expansão. Entretanto, o modelo sojícola apresenta particularidades para seu pleno desenvolvimento como, a escala produtiva e a necessária mecanização. Assim, mesmo nos territórios consolidados torna-se inviável para alguns sistemas agrários o desenvolvimento pleno do modelo. Para tais sistemas, emergem inúmeras propostas de estratégias alternativas para possibilitar sua manutenção, entre estas, as estratégias de diversificação produtiva. Novo Machado-RS, encontra-se no núcleo introdutório da sojicultura neste continente, portanto, desde longa data busca a aplicação de alternativas de desenvolvimento para as propriedades que não alcançam a plena adoção da sojicultura, porém, sem grandes sucessos. Neste contexto, buscou-se trabalhar, à luz da análise-diagnóstico dos sistemas agrários, uma hipótese construída com um antigo agricultor local, o qual destaca que as estratégias de diversificação têm sido insuficientes para que ocorram processos de sucessão familiar nestes sistemas agrários. Dando seguimento ao estudo realizado por Basso et al. (2006), que identifica os principais sistemas agrários deste município, o presente trabalho elaborou uma análise sobre duas estratégias de diversificação comumente utilizadas por agricultores familiares, produção de leite e produção suína, diversificando a produção de grãos, colocando em evidência tal hipótese. Através da análise-diagnóstico dos sistemas agrários, o estudo demonstrou que, nas condições apresentadas pela realidade abordada, não poderia-se rejeitar a hipótese que as estratégias de diversificação produtiva têm sido insuficientes para proporcionar a sucessão familiar nestes sistemas agrários, contribuindo, assim, para a manutenção mais prolongada do núcleo familiar. Portanto, apesar da busca por alternativas, caracteriza-se a continuidade das dinâmicas territoriais aportadas pelo modelo sojícola que abrangem questões relacionadas à reconcentração fundiária, a masculinização, o envelhecimento e o êxodo rural.

Palavras-chave: estratégias de desenvolvimento rural, diversificação produtiva, sistemas agrários, agricultura familiar.

NUANCES DAS ESTRATÉGIAS DE DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA NO MUNICÍPIO DE NOVO MACHADO-RS: UM ESTUDO À LUZ DA ANÁLISE-DIAGNÓSTICO DE SISTEMAS AGRÁRIOS

1 INTRODUÇÃO

Desde que foi banalizado o acesso ao Novo Mundo até o presente momento, são incontáveis as experiências migratórias, produtivas, desenvolvimentistas, religiosas, ideológicas, entre outras, que acabaram transformando, significativamente, o conjunto de territórios aqui presentes. Ótimos exemplos destas intervenções e, concomitantemente, transformações podem ser observadas no Brasil, que acabou se tornando um dos espaços geopolíticos mais heterogeneizados. Onde os padrões culturais diferenciaram-se, grandemente, após o processo de ocupação pós-colombo, prevalecendo uma estrutura social culturalmente europeizada, em detrimento, portanto, do modus vivendi tradicionalmente desenvolvido pelos povos nativos aqui habitantes. Neste contexto histórico, seguiram em ocorrência, no conjunto das Américas, os exercícios de “projectação social”1, tradicionalmente, desenvolvidos e vivenciados no modus vivendi ocidental, os quais introduziam-se e seguem introduzindo-se, geralmente, através dos discursos representativos dos ideários de evolução em determinadas dimensões como, por exemplo, o contemporâneo ideário do desenvolvimento.

Destaca-se, entretanto, entre os mais recentes e marcantes exercícios de “projectação social” vivenciados no Brasil, as ações voltadas ao crescimento econômico promovidas pela “revolução verde”. Esta constituía em elaborar uma série de intervenções e transformações na produção agrícola brasileira de modo a potencializar as dinâmicas circunscritas nos complexos agroindustriais e alavancar os processos de modernização de sua estrutura sócio-cultural.

Neste ideário de desenvolvimento, no entanto, emergiu, a partir da região noroeste do (tendo como cidades mais representativas , Cruz Alta, , Santo Ângelo, Santa Rosa, Três Passos e ) um marcante padrão de organização agroindustrial que tornaria-se referência para a expansão deste projeto agrícola. Consistia, principalmente, na estruturação de cooperativas agrícolas voltadas a produção comercial de trigo e soja. A associação com a segunda constituiu uma conjuntura chave para esta expansão.

Corroborando com esta afirmação, Wizniewsky (1990 apud GODOY, 2010, p. 29) aponta que o Rio Grande do Sul, principalmente a região noroeste do Estado, pode ser considerado como o berço do desenvolvimento da soja em nível brasileiro, já que a região apresentava toda a infraestrutura para o cultivo do trigo, e que poderiam ser aproveitados para a soja.

Segundo Leal (1967 apud GODOY, 2010, p. 29) os primeiros grãos plantados de soja no Estado foram semeados no município de Santa Rosa, no ano de 1921 em uma estação experimental existente na região, e somente em 1924 que foram distribuídas sementes para o plantio nas propriedades rurais.

A soja na região tem um papel relevante, seja na construção e na identificação cultural dos agricultores com a cultura, exemplo disto a ocorrência da Feira Nacional da Soja que ocorre no município de Santa Rosa, ou na composição da renda das propriedades.

1 Ver maiores detalhes em Ideologia e meio ambiente (MALDONADO, 1971).

Neste sentido, na constituição de discursos sobre a sojicultura e a sua relevância para as propriedades, e/ou até mesmo sobre a produção de grãos e do monocultivo, pode-se levantar um dos grandes problemas encontrados nesta breve evolução da sojicultura, a problemática da escala. Mesmo com a constituição das cooperativas, fato que veio como alternativa, esta problemática ainda persiste.

As propostas de diversificação produtiva vêm sendo utilizadas como uma das principais saídas para manutenção e reprodução dos sistemas agrários que não apresentam possibilidade de cultivar em escala mínima de sustentabilidade econômica na sojicultura. Entre as principais alternativas de diversificação estão a produção leiteira; a fumicultura; a suinocultura; a fruticultura; a agroindústria caseira, o turismo rural, os serviços ambientais, etc. Apesar da apresentação e difusão de tais alternativas, ainda é incerta a compreensão de suas potencialidades para a superação desta problemática.

A presente região apresenta uma estrutura de produção de grãos, bastante consolidada, em que as maiores dúvidas ressaltam-se, principalmente, sobre a observação daqueles grupos de produtores que utilizam modelos de rendas agrícolas diversificados, em um contexto, em que suas superfícies agrícolas são insuficientes, inapropriadas e/ou insustentáveis economicamente para suas reprodutibilidades através principalmente da utilização da plataforma sojícola convencional.

Assim, enormes transformações nas dinâmicas agrárias vêm ocorrendo na região noroeste do Estado, que destinou grande parte de sua superfície agrícola para os cultivos de soja, estruturando-se numa típica combinação, que associa este cultivo à agricultura moderna de base familiar, interagindo, assim, com o mercado por meio de cooperativas agrícolas. Entre as grandes transformações derivadas da estruturação deste projeto/modelo de desenvolvimento agrícola, destacam-se, a nível regional: o êxodo rural; a homogeneização dos cultivos comerciais; a concentração fundiária; a quase completa destruição ecossistêmica; a valorização exorbitante das terras agrícolas e o envelhecimento rural.

A questão que será discutida neste trabalho referencia-se nos estudos e aproximações a campo realizados no município de Novo Machado, localizado no âmbito da “Grande Santa Rosa”, ou seja, no núcleo estrutural da emergência da sojicultura no Brasil. Com isso, traçam-se perspectivas entorno de uma atmosfera de consolidação desta estrutura, a qual, aparentemente, continua apresentando os problemas clássicos associados ao período “forte” da modernização agrícola, porém, em menor escala. Incitando, deste modo, a introdução de dinâmicas de diversificação. Subentende-se, assim, que algumas propriedades não apresentam as características adequadas para receber o modelo convencional da sojicultura e ficam a margem da estrutura produtiva privilegiada regionalmente. Trata-se, portanto, da construção de estratégias produtivas que potencializem o uso destas propriedades marginalizadas, de modo a proporcionar a manutenção e reprodução das mesmas através da estruturação de distintas plataformas produtivas.

Neste contexto, o presente trabalho busca contribuir com a discussão entorno destas transformações, entretanto, traçando uma perspectiva a partir da conjuntura e das dinâmicas apresentadas neste território na contemporaneidade. Bem como, acentuar as discussões sobre a difundida estratégia da diversificação produtiva, tratando de compreender e analisar, neste âmbito, as potencialidades desta estratégia para a superação das problemáticas intrínsecas à introdução do monocultivo da soja no território noroeste do Rio Grande do Sul (na conjuntura estabelecida), principalmente, no que tange a capacidade reprodutiva dos sistemas agrários que se diversificaram.

O município de Novo Machado, nos proporciona traçar perspectivas mais avançadas entorno de determinadas problemáticas agrícolas regionais, pois através de uma associação interinstitucional

envolvendo órgãos municipais, estaduais e privados, proporcionou-se uma leitura diferenciada de sua realidade. Utilizando a Análise Diagnóstico dos Sistemas Agrários, o Departamento de Estudos Agrários (UNIJUI), desenvolveu o trabalho denominado “Dinâmica agrária e estratégias de desenvolvimento da agricultura do município de Novo Machado -RS” (BASSO et al., 2010). Este trabalho permitiu a interpretação desta realidade territorial através de lentes mais direcionadas e consistiu em um material comparativo que fertilizava as observações. Ademais, a preexistência do mesmo, contribuiu para a construção hipóteses mais específica, entre estas, a que se trabalhará neste construto.

A hipótese que é colocada a prova neste trabalho, surge do diálogo com um idoso agricultor de Novo Machado, o qual viveu toda sua vida no município e vivenciou, desta forma, todo o processo de consolidação da estrutura sojícola, bem como, de modernização da estrutura sócio-cultural no território. Após longa conversa com este agricultor enfatizando os aspectos relacionados à dinâmica histórica de estruturação agrária, o mesmo observou que o processo histórico tem demonstrado que a maioria das propriedades que utilizaram a estratégia de diversificação, por não atender as características estruturais do modelo sojícola, não consegue reproduzir seus sistemas agrários. Neste contexto, a diversificação proporcionaria a manutenção das famílias nas propriedades, porém, não possibilitaria a sucessão familiar.

Por fim, a hipótese levantada em conjunto com este agricultor alavancou uma série de curiosidades que acabaram permeando a construção deste trabalho e configurou um cenário específico para as análises derivadas da inserção a realidade supracitada, ou seja, ao lócus da pesquisa empírica.

2 METODOLOGIA

O município de Novo Machado encontra-se localizado ao noroeste do estado do Rio Grande do Sul, na região conhecida como Alto Uruguai, pertencendo a Grande Santa Rosa. A criação do município foi realizada pela Lei n.º 9.555 de 20 de março de 1992, tendo como município de origem Tucunduva/RS. De acordo com o IBGE (2010), possui uma área total de aproximadamente 218,67 Km2, apresentando uma população de 3.925 habitantes, destes 2.372 habitantes encontram-se no meio rural e 1.553 residente no meio urbano.

Ainda segundo a FEE (2010), na caracterização socioeconômica apresentada nos Conselhos Regionais de Desenvolvimento/COREDES, o município tem como matriz produtiva a produção de grãos (soja, milho e trigo), encontra-se inserida na maior bacia leiteira do Estado, e a produção e industrialização de suínos.

Assim, para que pudéssemos atingir os objetivos propostos neste trabalho utilizou-se como procedimento metodológico a Análise Diagnóstico do Sistema Agrário, o que possibilitou dialogar de forma mais específica com esta realidade e aprofundar em hipóteses mais específicas sobre as dinâmicas apresentadas por este território.

De modo geral, a “análise-diagnóstico dos sistemas agrários” é uma metodologia de aproximação a realidade rural fundamentada na Teoria dos Sistemas Agrários, a qual foi desenvolvida, principalmente, pela Cátedra de Agricultura Comparada do Instituto Nacional

Agronômico de Paris-Grignon, França (Basso et al., 2010). Esta baseia-se em abordar a realidade agrária através de diferentes níveis de observação, partindo desde níveis mais gerais até mais específicos.

Segundo Fialho (2000), esta analise dos sistemas agrários permite observar e analisar determinada realidade rural, pois permite estudar considerando a realidade como um conjunto, um sistema. Cabe ressaltar que este conjunto apresenta no seu interior inter-relações entre os elementos formadores da realidade. Ao compreender estes elementos que formam o geral de determinada realidade é que se poderão estudar as partes que a formam, pois estas características que constituem esta realidade acabam influenciando direta ou indiretamente a situação atual de determinado sistema ou realidade.

Ainda cabe ressaltar que Mazoyer e Roudart (2001) apontam que os sistemas agrários são dinâmicos e se transformam ao longo do tempo e do espaço, pois cada sistema agrário representa a expressão de um tipo de agricultura que foi historicamente formada pelos atores sociais e que também está impressa em uma determinada localização geográfica.

Assim, o nível mais geral é o do “Sistema Agrário”, que corresponde em compreender e reconhecer os aspectos marcantes de determinado território, entre estes, as principais formas de exploração do ecossistema; processos históricos e sócio-culturais; transformações sócio-produtivas, etc. O segundo nível de análise enfoca, principalmente, os sistemas de produção, ou seja, a relação entre os meios de produção e a força de trabalho disponíveis para explorar os ecossistemas em cada modelo de renda agrícola. Um terceiro nível destacaria os subsistemas de cultura e criação, ou seja, as produções vegetal e animal realizadas na unidade de produção e, um quarto nível de análise, exploraria os itinerários técnicos operacionalizados pelos produtores rurais.

A “análise-diagnóstico dos sistemas agrários” propõe que, de forma geral, adote-se três etapas para a leitura destes quatro níveis de análise. A primeira etapa “consiste na análise da trajetória de evolução e diferenciação geográfica, técnica e socioeconômica da agricultura do município” (Basso et al., 2010, p.9), a qual se realiza, geralmente, através da leitura de dados secundários e a partir de entrevistas não-estruturadas ou semi-estruturadas com informantes qualificados (agricultores mais antigos e exímios conhecedores do território em questão). A segunda etapa desenrola-se através da análise das distintas tipologias produtivas desenvolvidas pelos produtores e das resultantes do processo histórico-cultural vivenciados por este, o qual contribui para aproximar-se das racionalidades subentendidas em cada tipo produtivo. Nesta etapa, entretanto, também avança-se para a elaboração de uma análise econômica das atividades e procedimentos técnicos reproduzidos pelos agricultores, a qual avalia-se, em termos econômicos, a contribuição anual de riqueza para a sociedade e rentabilidade para seus atores, ou seja, os próprios agricultores (vide apêndice 1). Numa terceira etapa, portanto, são observadas as possibilidades de reprodução socioeconômica das unidades de produção em função dos distintos modelos de produção de renda adotados.

Neste contexto, buscou-se escapar no presente trabalho, de uma análise mimética entorno da supracitada construção, criando, com isso, análises mais específicas acerca das dinâmicas territoriais circunscritas em alguma problemática, a qual, na presente discussão, gira entorno da análise da estratégia de diversificação como possibilidade de incremento da capacidade reprodutiva daqueles agricultores que encontram-se em microrregiões agrícolas limitadas para a incorporação plena do modelo convencional sojícola.

Em concordância com o trabalho de Basso et al. (2010), o presente estudo também observou que o território do município de Novo Machado divide-se em três microrregiões agrícolas (vide

apêndice 2). Uma localizada na zona leste, a qual pode ser caracterizada pela presença de “agricultura familiar especializada e mecanizada”, portanto, inserida em agroecossistemas potencialmente favoráveis a adoção do modelo sojícola; outra localizada na zona centro-sul, que predomina a presença da “agricultura familiar diversificada e semi-mecanizada”, ou seja, sem a possibilidade de pleno desenvolvimento do modelo convencional do cultivo de soja; e, uma terceira microrregião, que situa-se na parte noroeste do município, a qual dispõe de uma “agricultura familiar em processo de descapitalização”, caracterizada pela presença de difíceis e, por vezes, impossíveis condições para as práticas agrícolas, economicamente, sustentáveis.

Pela específica análise que este estudo propõe-se a realizar, traçando uma hipótese entorno da estratégia de diversificação, buscou-se lançar o foco de investigação para a microrregião localizada na parte centro-sul do município de Novo Machado, que caracteriza-se pela marcante presença da “agricultura familiar diversificada e semi-mecanizada”. Esta microrregião divide relevos com fortes e pequenas ondulações, bem como, solos levemente pedregosos, e apresenta, em sua maioria propriedades inferiores a 40 hectares, para as quais são buscadas estratégias de diversificação, as quais são desenvolvidas, em geral, pela inexistência de condições adequadas ao pleno uso da estrutura convencional e especializada da soja, como no caso da zona leste do município.

Esta microrregião, portanto, é o cenário principal para trabalhar a hipótese construída em diálogo com o informante qualificado supracitado, que entende que a maioria das propriedades que utilizaram a estratégia de diversificação, por não atender as características estruturais do modelo sojícola, não conseguem reproduzir seus sistemas agrários. Neste contexto, a diversificação proporcionaria a manutenção das famílias nas propriedades, porém, não possibilitaria a sucessão familiar.

De acordo com a análise-diagnóstico dos sistemas agrários,

quando os sistemas de produção praticados não geram um nível de remuneração do trabalho familiar no mínimo equivalente ao seu custo de oportunidade, os agricultores tendem a não acumular fundos suficientes para a reposição dos equipamentos, culminando com a sua exclusão do processo produtivo. Em contrapartida, quando os sistemas de produção proporcionam remunerações do trabalho elevadas, os agricultores acumulam o suficiente para aperfeiçoar e ampliar suas condições de produção, geralmente através da compra de terras e equipamentos (BASSO et al., 2010, p. 13)

Neste contexto, foram selecionados dois modelos de renda agrícola para analisar esta hipótese, o “tipo familiar grãos leite intensivo com mecanização incompleta” e o “tipo familiar grãos suíno intensivo com mecanização incompleta”, os quais se circunscrevem dentro do universo de onze modelos de renda agrícolas encontrados no município a partir estudo elaborado por Basso et al. (2010). Estes modelos foram selecionados pela representatividade dos mesmos dentro da microrregião destacada, e por tratarem-se, ao mesmo tempo, de modelos de diversificação amplamente praticados no âmbito da agricultura familiar.

Deste modo, recai-se sobre o presente trabalho a necessidade de explicitar e explorar os resultados da análise socioeconômica derivadas das entrevistas estruturadas realizadas com os agricultores, que encaixam-se nos modelos de renda agrícola escolhidos para dialogar com a hipótese destacada. Pretende-se, com isso, aproximar-se da compreensão das dinâmicas agrícolas resultantes de uma das particularidades do projeto desenvolvimentista da “revolução verde”.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como acima destacado, a análise-diagnóstico dos sistemas agrários subentende que para suportar os processos de reprodução social, em nível familiar, estes sistemas devem atender escalas mínimas de reprodutibilidade. Na dimensão econômica, portanto, o Nível de Reprodução Simples (NRS) é o indicador principal a ser utilizado para dimensionar as capacidades reprodutivas dos sistemas estudados. O NRS, de forma geral, busca representar uma remuneração mínima para a sustentabilidade econômica familiar para um período anual, a qual tem-se convencionalmente adotado para os trabalhos elaborados no Brasil, a quantia de treze salários mínimos por integrante familiar (13 x salário mínimo). Para o presente trabalho adotou-se, portanto, o salário mínimo em vigência em fevereiro de 2012, o qual fixa-se sobre a quantia de R$ 622,00. Assim, para cada integrante familiar exige-se a produção de uma renda agrícola, na contemporaneidade, superior a R$ 8086,00.

Na tabela 1 (abaixo), explicitam-se os resultados gerais da análise socioeconômica elaborada a partir do levantamento dos dados realizados em cinco propriedades que utilizaram a estratégia da diversificação. Nestas, três propriedades seguiam a estratégia de diversificação entorno da produção leiteira e duas buscavam diversificar-se a partir da incorporação da suinocultura. Nesta tabela, com isso, busca-se explicitar a composição geral dos movimentos financeiros desenvolvidos a partir da utilização destas estratégias produtivas pelos produtores rurais.

Sistemas Produto Bruto (R$/ano) Consumo interm. (R$/ano) VAB (R$/ano) VAL (R$/ano) Renda Agrícola (R$/ano) Renda/PB (%) Grãos Leite 1 102.524,40 51.122,93 51.401,47 48.467,23 46.006,65 44,87 Grãos Leite 2 37.248,80 16.442,97 20.805,63 18.897,60 18.003,63 48,33 Grãos Leite 3 33.797,40 12.024,16 21.773,74 20.637,19 18.472,19 54,66 Grãos Suínos 1 37.753,00 8.754,25 28.998,95 23.585,30 16.902,58 44,77 Grãos Suínos 2 32.132,00 8.969,15 23.162,85 15.443,57 13.454,30 41,87

Tabela 1 – Resultados gerais da análise socioeconômica nos distintos sistemas de produção2.

2 Devido a ausência de algumas informações relativas ao manejo em suinocultura mecanizada e integrada, fez-se uso dos trabalhos elaborados por Rohenkohl (2003) e Rohenkohl et al. (2006).

Como destaque, propõe-se a observação específica da coluna denominada Renda/PB (%), a qual evidencia uma quantificação percentual entorno da apropriação de renda possibilitado pelos distintos modelos de produção de renda adotados. Neste caso, é interessante observar que há uma maior variação da mesma nos modelos de produção baseados no gado leiteiro, a qual deriva das diferentes estratégias utilizadas, principalmente, no âmbito da produção e compra de insumos para alimentação do rebanho. Nota-se, ao contrário, que os dois casos que desenvolvem a suinocultura não apresentam uma variação tão significativa na apropriação da renda, simultaneamente, percebe- se que ao participar de um sistema de integração agroindustrial, são pequenas as possibilidades de alterar os procedimentos produtivos que são predeterminados pelo sistema de integração.

Além disso, na análise dos dados, foi possível observar que a variação destacada também está bastante relacionada ao consumo intermediário de cada sistema rural, o qual expressa o valor dos bens e serviços consumidos no decorrer do ciclo de produção. Entretanto, algumas das operações financeiras são predeterminadas institucionalmente como, por exemplo, o custeio da soja. Neste, exige-se que o produtor realize tais operações para comprovar a procedência dos insumos utilizados na produção, os quais encontram-se condicionados a patentes de propriedade intelectual e tecnológica e, portanto, não podem ser utilizados, na presente conjuntura, sem sistemas de controle institucionais que protegem tais patentes.

A tabela 2, finalmente, nos apresenta dados sobre a capacidade reprodutiva dos modelos produtivos estudados, em que a abordagem central desta análise destaca o saldo familiar elaborado em relação ao Nível de Reprodução Simples (NRS) exigido entorno de cada núcleo familiar.

Sistemas Renda Agrícola Total (R$) Núcleo Familiar (Nº) NRS (R$) Saldo (R$) Grãos Leite 1 46.006,65 4 32.344,00 13.662,65 Grãos Leite 2 18.003,63 3 24.258,00 -6.254,37 Grãos Leite 3 18.472,19 2 16.172,00 2.300,19 Grãos Suínos 1 16.902,58 3 24.258,00 -7.355,42 Grãos Suínos 2 13.454,30 2 16.172,00 -2.717,70

Tabela 2 – Saldo relativo a comparação entre a Renda Agrícola Total e o NRS de cada núcleo familiar.

Como pode-se observar, a partir da metodologia de análise-diagnóstico dos sistemas agrários, que apenas dois dentre os cinco modelos produtivos estudados alcança o NRS correspondente a presente núcleo familiar. Os sistemas em questão diferenciam-se dos demais por duas particularidades marcantes, no sistema “Grãos Leite 3” a produção agrícola que compreende a sojicultura e a triticultura são desenvolvidas em áreas arrendadas e, por este fato, o produtor disponibiliza toda sua área própria para a elaboração dos insumos para o gado leiteiro, realizando um

consumo intermediário em proporções menores aos demais produtores de leite. Já no sistema “Grãos Leite 1”, observa-se que, pela presença maior de mão-de-obra (filho jovem ainda em casa), há melhores possibilidades utilizar a estrutura construída para o desenvolvimento da estratégia escolhida.

Ademais, percebe-se que o modelo de diversificação baseado na suinocultura apresenta alto índice de depreciação, o qual deriva do estabelecimento das pocilgas mecanizadas que utilizam tecnologias insubstituíveis e preestabelecidas dentro do sistema de integração. Já a análise do modelo produtivo baseado na produção leiteira, indica que a baixa apropriação do produto bruto gerado pelo modelo deriva, basicamente, de uma particularidade central, a grande necessidade de compra de insumos para a alimentação e sanidade do rebanho.

Portanto, em linhas gerais, a metodologia de análise-diagnóstico dos sistemas agrários entorno da estratégia de diversificação utilizadas pelos produtores rurais no âmbito de interação constante com a estrutura convencional sojícola, indica a não rejeição da hipótese elaborada em conjunto com o informante qualificado supracitado. Deste modo, observa-se que “a maioria das propriedades que utilizaram a estratégia de diversificação, por não atender as características estruturais do modelo sojícola, não conseguem reproduzir seus sistemas de produção. Neste contexto e a partir da metodologia utilizada, a diversificação proporcionaria a manutenção das famílias nas propriedades, porém, não possibilitaria a sucessão familiar.”

4 CONCLUSÃO

O processo desencadeado pela revolução verde demonstrou desde seu início que suas novas formas de produção agrícola alterariam substancialmente a interação com os territórios. Assim, percebeu-se que alguns padrões de superfícies agrícolas seriam priorizados e outros, seriam colocados a margem do processo produtivo que se desenrolava.

O projeto sojícola, alavancado no território estudado, por sua vez, não foi diferente. Observa- se, claramente, que as superfícies agrícolas que dispõem da possibilidade de incorporação completa do modelo convencional sojícola seguem esta tendência, enquanto àquelas que não apresentam tendem a buscar outras estratégias produtivas ou abandoná-las.

O presente estudo, elaborado em propriedades rurais que apresentam parte de suas superfícies agrícolas mecanizáveis e parte, não-mecanizáveis. Utilizam, como de costume, estratégias de diversificação que permitem a produção de renda nas áreas marginalizadas pelo modelo convencional sojícola, buscando assim, promover dinâmicas para sua produção e reprodução social. Este processo, no entanto, levanta diversas dúvidas e questionamentos sobre a capacidade de concretização destes propósitos. No âmbito do presente estudo, ressaltou-se a tendência, em quatro dos cinco modelos produtivos de diversificação, de insustentabilidade econômica para reprodução dos mesmos.

Neste contexto, entende-se que as dinâmicas e processos, amplamente conhecidos e denunciados, resultantes da introdução do modelo convencional sojícola em distintos territórios seguem desenvolvendo-se.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE 1 – Descrição metodológica da análise socioeconômica utilizada na análise-diagnóstico dos sistemas agrários para o estudo dos modelos de produção de renda (Neumann & Silveira, 2000).

A análise socioeconômica dos modelos de produção de renda, baseia-se no modelo de determinação do Valor Agregado (VA). O Valor Agregado caracteriza-se por ser uma medida de valor econômico que, por sua vez, avalia a atividade produtiva da unidade de produção durante um ano de trabalho, independente do agricultor ser ou não proprietário da totalidade dos meios de produção. Os elementos que fazem parte da matriz do cálculo do VA são: O Produto Bruto (PB), O Consumo Intermediário (CI) e a Depreciação (D). A determinação do PB representa o valor bruto dos produtos e serviços finais gerados exclusivamente pela unidade de produção durante um ciclo anual. O CI refere- se aos bens e serviços comprados e consumidos no decorrer deste ciclo de produção no estabelecimento agrícola. A Depreciação corresponde à fração dos meios de produção adquiridos pela unidade de outros agentes (máquinas, instalações, equipamentos, etc) que não são integralmente consumidos no decorrer de um ciclo produtivo.

O Valor Agregado mede especificamente o valor novo gerado pela unidade de produção e sua determinação permite comparar as atividades produtivas de unidades que não se encontram na mesma situação sob ponto de vista do domínio dos meios de produção. O VA pode ser obtido pela equação VA = PB – CI – D, pode ser ainda ser diferenciado em Valor Agregado Bruto (VAB = PB – CI) ou Valor Agregado Líquido(VAL = PB – CI – D), pelo fato da Depreciação ter sido deduzida ou não do PB. O VAL pode ser expresso também pela equação linear VAL = VAB/ha X SAU – D.

Para a determinação da Renda Agrícola (RA) da unidade de produção no decorrer de um ciclo produtivo, subtrai-se a parte do Valor Agregado gerado que é repartido com os outros agentes que participaram do processo produtivo, seja porque possuem uma parte do capital investido, seja porque assumem uma parte dos riscos ou por que trabalham diretamente na produção (RA = VAL – (impostos, taxas, financiamentos, mão de obra, arrendamento, etc)). A Renda Agrícola é a parte da riqueza gerada pela unidade de produção que corresponde ao agricultor, após a Distribuição do Valor Agregado.

O Nível de Reprodução Simples (NRS) é a renda mínima necessária para reproduzir os meios de produção da unidade e remunerar o trabalho familiar ao longo do tempo. O indicador utilizado para o NRS é custo de oportunidade do trabalho, medido através do salário mínimo por Unidade de Trabalho Homem (UTH). O procedimento básico consiste em relacionar o desempenho econômico global da unidade de produção, com o nível de reprodução esperado. A medida do resultado econômico que avalia o desempenho do sistema é a Renda Agrícola, e o indicador do NRS é o equivalente ao valor de um salário mínimo mensal por trabalhador (Salário Mínimo/UTH), durante o ano. O Salário Mínimo utilizado foi R$ 622,00, sendo de R$ 8086,00 o NRS/UTH anual (622,00 X 13).

APÊNDICE 2 – Mapa ilustrativo que destaca as três microrregiões agrícolas do município de Novo Machado.

APÊNDICE 1: Microrregiões agrícolas do município de Novo Machado – RS. Fonte: Google Earth (com inserção de alterações próprias).