Ministério da Cultura Instituto Tomie Ohtake Citroën do Brasil Banco Citroën apresentam

CADERNO DE TEXTOS Núcleo de Pesquisa e Curadoria Paulo Miyada Carolina de Angelis Julia Lima Marcella Nigro Olivia Ardui Priscyla Gomes

MATERIAL EXCLUSIVO DA EXPOSIÇÃO APRENDENDO COM : CIVILIZAÇÃO PRAIEIRA. FAVOR DEVOLVER APÓS A VISITA APRENDENDO COM DORIVAL CAYMMI CIVILIZAÇÃO PRAIEIRA

Quando desembarcou no Rio de Janeiro, em abril de 1938, Dorival Caymmi Artistas de gerações e origens geográficas diferentes foram selecionados trouxe da Bahia a base do repertório que afloraria nas composições para voz para montar um quadro parcial do que poderia ser uma civilização praieira e violão que fizeram história como “Canções Praieiras”, músicas inovadoras, brasileira, com critérios muito distintos daqueles que as iniciativas coloniais arrojadas em sua síntese melódica e despojamento temático, mas que desde 1500 e os projetos desenvolvimentistas desde meados do século XX soavam também como se sempre tivessem existido, límpida condensação de têm privilegiado. alguma atávica cultura baiana. As paisagens do marinheiro-feito-pintor José Pancetti tomam a dianteira na Aos poucos, conforme conseguia espaço na indústria radiofônica de um Rio construção imagética de um espaço de imanência, no qual a noção de de Janeiro que então se modernizava rapidamente e formatava o núcleo do progresso faz pouco sentido. O mobiliário do carioca Sergio Rodrigues, que imaginário carioca “para exportação”, Caymmi difundia o gênero das na década de 1950 quis fazer sua loja Oca com os pés na areia, e as ideias Canções Praieiras, do qual seria o maior expoente, trazendo novos ventos de Flávio de Carvalho sobre uma arquitetura, um design e uma moda para a cultura nacional. Novos, esses ventos praieiros também carregavam ajustados para o homem dos trópicos, completam o núcleo em torno do qual uma arcaica e ancestral brisa da primeira capital do país. Não só a Bahia, até se forma a exposição. Documentos, ideias, imagens e obras de outros artistas os anos 1950, estava parcialmente desconectada das ambições modernizantes completam o percurso marcado pela sinestesia, duração, espera, preguiça, produtivas e sociais do centro-sul do país, como a Bahia cantada por Caymmi extensão e presença. Essas são algumas das forças em jogo na civilização se mostrava em versão idealizada: pré-moderna, pesqueira, integrada com que poderia ter sido e até foi, pelo menos no espaço/tempo poético convocado a natureza, voltada para o mar, sem conflitos sociais explícitos, miscigenada por esses artistas. e sincrética em suas religiões, símbolos, festas, alimentos, vocábulos e ritmos. Uma “utopia de lugar”, como chamou o poeta e antropólogo Antonio Risério. ENCONTROS MAIS OU MENOS FORTUITOS 2 É impossível exagerar a gigantesca contribuição do LP Canções Praieiras 3 (1954) para a história da canção brasileira, inclusive pelo papel que teve na Na parte final de seu depoimento cantado para o antológico programa maturação da bossa nova carioca ao ser digerido por João Gilberto e Tom Ensaio, dirigido por Fernando Faro na TV Cultura, em 1972, Dorival Caymmi Jobim. Não bastasse sua relevância musical, pode-se, partindo da comenta algumas fotografias feitas em vários momentos de sua vida. Entre interpretação arguta de Risério, tomar esse álbum como um marco cultural e os personagens que identifica e nomeia estão figuras ilustres da cultura, especulativo sobre nossa relação com o território, o tempo, o espaço e a como Sérgio Milliet, Assis Chateaubriand, e vários músicos. natureza litorânea, não só na Bahia, mas na orla brasileira de forma geral. Chama a atenção sua referência a José Pancetti, “o grande pintor brasileiro”, Tal é a abordagem que esta exposição explora, tomando as canções praieiras muito amado e muito querido, e ao também “grande” Flávio de Carvalho, como motivo para pensar em um modelo de civilização contrastante com a nas suas palavras. Quem ouve esse trecho, se soltar a imaginação, pode abordagem prioritariamente extrativista, exploradora e intervencionista que especular que o encontro entre Caymmi e Pancetti deve ter sido aguardado caracteriza a relação da maior parte das médias e grandes cidades litorâneas por ambos, como um encontro fraternal de artistas que, pela convergência com o território em que foram implantadas. poética, tiveram tudo para se admirar mutuamente. Menos previsível é a familiaridade com Flávio de Carvalho, quiçá surpreendente para alguns, atravessá-los com hipóteses e comparações de outras ordens. Assim se embora documentada como feito repetido diversas vezes na cidade de São pretende fazer com Caymmi, Pancetti e Carvalho, reunindo melodias, Paulo, em encontros que convergem dois universos normalmente imaginados imagens e ideias de tempos e tons diferentes para enquadrar aspectos pouco como isolados. discutidos acerca das grandes ideias de “praieiro”, “tropical” e “brasileiro”.

Impossível saber a profundidade efetiva dessas filiações agora distantes no É como se, ao aproximar figuras nem sempre vistas em conjunto, aspectos tempo, mas esse breve depoimento foi suficiente para estimular um devaneio: menos salientes de suas produções acabassem interagindo, tornando-se quem sabe as canções de Caymmi e as pinturas de Pancetti combinadas palpáveis. A proposta da exposição é realizar essa experiência no âmbito pudessem criar um ótimo ambiente para relembrar as ideias de Flávio de sensível – pela justaposição de suas obras e poéticas – e no âmbito reflexivo Carvalho sobre a “cidade do homem nu”, desnudo dos preconceitos e ideias – pela discussão de seus discursos e documentos. herdados do passado imediato e levado – por revoluções técnicas, morais, urbanísticas e psicológicas – a uma renovada ancestralidade tropical de Em tempo, Sergio Rodrigues achou seus próprios pontos de contato intensa liberdade e invenção. circunstanciais com os personagens desta exposição-ensaio. À parte sua retórica do mobiliário moderno e tropical, Rodrigues tem um inusitado elo Para transformar essa imaginação em uma hipótese comprovável, seria com Caymmi: o fotógrafo Otto Stupakoff, no tempo reduzido que viveu no preciso tomar a fabulação disparada pelo depoimento de Caymmi como Brasil na década de 1950, realizou a capa do disco de culto Caymmi e o mar convite para aproximar parcelas da história da arte e da cultura brasileira por e, também, foi quem encomendou o primeiro protótipo da Poltrona Mole critérios excêntricos, que escapariam das abordagens consagradas desses para poder relaxar em um canto de seu escritório. Claro que é uma personagens e suas obras. São absolutamente pertinentes as premissas da coincidência, mas não custa citá-la junto às pistas involuntárias deixadas enorme parcela dos estudos sobre Caymmi que, quando querem aproximá- pela história para a reunião agora promovida. 4 lo de outras artes, começam pela Bahia, onde se encontram camaradas e 5 parceiros de longa data, como o escritor Jorge Amado, o artista visual Carybé Fotografias de Pierre Verger, Marcel Gautherot e Alice Brill foram também e o fotógrafo/antropólogo Pierre Verger. Entre estes e o compositor há reunidas e colaboram com algum registro da época; uma aula-show de José inúmeros indícios de conexão afetiva e intelectual, sendo possível discutir, a Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski reflete as ideias musicais de Caymmi e a partir das trajetórias cruzadas desses personagens, o processo de importância de suas composições, letras e melodias para a história da música reconhecimento moderno da cultura baiana (com suas raízes banto- brasileira e para o imaginário da Bahia; os artistas contemporâneos Leda iorubanas) em âmbito nacional e internacional. Catunda, Cadu, Fabio Morais, Rafael RG, Bel Faleiros e Cristiano Lenhardt refletem graficamente sobre as apaixonadas ideias urbanísticas de áFl vio de Não obstante, sempre é possível reconhecer que esse pode não ser o único Carvalho; e, finalmente, Cao Guimarães, Paulo Bruscky, Nelson Felix e campo de reflexão produtivo para as ideias e obras de Caymmi. Afinal, a Patricia Leite emprestam ao conjunto obras recentes que, partindo de suas historiografia não define vizinhanças, movimentos e épocas apenas para próprias especificidades, aprofundam noções de tempo e espaço que são represar os estudos dentro de seus limites imaginários, mas também para caras à dita “civilização praieira”. OU MARACANGALHA Na argumentação de Pedrosa, isso teria relação com os princípios da colonização do país que, em sua exploração extrativista e artificial da orla, Maracangalha foi consagrada pela canção de Caymmi de 1956 como uma realizava o que Worringer chamara de “civilização oásis”, sempre à espera versão ainda mais popular e ensolarada da Pasárgada de Manuel Bandeira. de que a abundância das dádivas naturais pudesse oferecer opulência e Em ritmo de marchinha de carnaval, foi associada à felicidade e à boa- nutrição ilimitadas, sem historicidade e sem relação plena com o território. venturança, sobretudo por advir do cancioneiro de Caymmi. Quase ninguém, Em tudo, portanto, Maracangalha era como o destino sombrio da utopia nem o compositor, conhecia a pequena cidade real que empresta o nome à humanista imaginada por Lucio Costa, se dela fosse retirado o conteúdo música; e, mesmo assim, ela virou metáfora de um Brasil solar, oásis. utópico. Ápice dos ideais modernistas e das vanguardas construtivas no país, Brasília é o triunfo da vontade de construir o espaço ex-nihilo, moldar a A própria sonoridade de Maracangalha, porém, guarda algo de paisagem e definir a cidade como máquina simbólica e funcional do modelo “esculhambada”, precária, e, como o lançamento da canção coincidiu com o civilizatório desenhado pelo homem; isso com intensidade tal que pudesse se concurso para o projeto da nova capital do país, Brasília, essa homofonia tornar um centro irradiador de uma nova civilidade nacional, mais humana virou maneira corrente de caçoar do projeto desenvolvimentista de Juscelino e racional. Kubitschek, até na imprensa popular. Falar nos termos de uma “civilização praieira” implica, portanto, subverter os Em 1957, depois de escolhido o projeto da capital, o crítico de arte e articulista valores que prevaleceram na escrita de nossa história da arte e da arquitetura de esquerda Mário Pedrosa publicou o texto “Reflexões em torno da nova para rever de que maneira a própria civilização oásis poderia ser reinvestida capital”, cujo primeiro tópico, “Brasília ou Maracangalha?”, consagrou essa de conteúdo utópico, afastando-se da simples ocupação que ignora as associação. Pela lógica do texto, “Maracangalha” representa o avesso da particularidades do território, para fundar uma cultura a partir do povo e da utopia progressista, modernista, civilizatória e aberta de Lucio Costa: é o terra que habita. Assim, apesar do triunfalismo que até hoje cerca o que se 6 avesso do país do futuro, a vontade do governo de ignorar as vontades da diz sobre a construção de Brasília como ápice da arquitetura moderna e das 7 população, a vacuidade ideológica e filosófica dos partidos políticos, a vanguardas construtivas, seria possível realçar o que há de original e ocupação extrativista do território, a incapacidade de integrar a urbanização prospectivo na reinvenção da paisagem brasileira por artistas como Dorival à natureza brasileira – é tudo que vemos ainda hoje: a eterna promessa de Caymmi, José Pancetti, Sergio Rodrigues e Flávio de Carvalho. felicidade idílica desprovida de fundamento e compromisso ético, histórico, cultural e urbanístico. NA PRAIA: CAYMMI E PANCETTI As letras e melodias das praieiras também emulam, em Nas areias de Salvador, de Itapuã e do Abaeté – As imagens de Pierre Verger, Marcel Gautherot alguns momentos, sonoridades ancestrais, como canções clássicos cenários caymmianos – Pancetti trabalhou e Alice Brill, expoentes da fotografia moderna no Brasil, Nas canções praieiras de Dorival Caymmi, o ponto populares de ninar, músicas entoadas durante trabalhos durante alguns de seus anos mais produtivos (1950 registram as feições desses dois criadores e também de vista de onde se vivencia a paisagem muitas vezes braçais repetitivos, ou ainda rezas e cantos de matrizes a 1957) e, passando por centenas de pinturas “de frente o encanto da paisagem baiana. Mais ainda, a própria aproxima-se daquele dos pescadores e suas famílias, africanas ou cristãs. Apesar dessas reminiscências, a para o mar”, levou a pintura de paisagem até um ponto presença desses fotógrafos na Bahia na década de 1950 que vão ao mar em busca de sustento e encontram na complexidade das assonâncias e ritmos da palavra de sutilíssimo equilíbrio. Seus vastos campos de cor é indício do reconhecimento que o estado adquiriu na natureza sua maior fonte de aventura, fartura, cantada por Caymmi e da interdependência entre letra e surpreendem por serem ao mesmo tempo tão narração identitária brasileira. Os romances de Jorge pertencimento e, também, perigo, mistério e morte. melodia denotam um nível de invenção poética que só esquemáticos, quase geométricos, e também tão macios Amado, as músicas de Caymmi, as cenas populares de Existe dor, mas prevalece a contiguidade entre homem poderia vir de um compositor moderno, sintonizado com ao olhar em suas texturas e nuances. Suas composições, Carybé, as marinhas de Pancetti, as fotografias de e ambiente, na qual os caprichos do mar jogam com a música popular e erudita de seu tempo. As introduções também, podiam ser simultaneamente dinâmicas Verger e outros fotógrafos viajantes... muitos artefatos a vida sem se abalar com o prazer e o medo de quem das canções, sobretudo, são inesquecíveis exercícios de e estáveis, com perspectivas diagonais ou sinuosas culturais ajudaram a difundir a imagem de um lugar dele vive. Há drama sem revolta e, mais importante, concisão e sinestesia que nos transportam para um combinadas com a forte presença dos planos verticais com a intensidade da mestiçagem, do sincretismo sem a crença de que é possível ou desejável domar o espaço litorâneo em que a passagem do tempo parece e horizontais da pintura. religioso e cultural e da solar natureza tropical. Na ambiente, domesticá-lo ou sobrepujá-lo por tecnologias, ter pouca consequência além de aumentar a saudade. abordagem editorial da época, a dose de exotismo da máquinas e cidades. Tudo o que se passa no mundo Antonio Risério afirma que Caymmi fez uma “leitura interpretação desse quadro era justaposta à imagem cantado de pesca e navegação poderia estar A amplitude espacial da linha do horizonte, o tempo literal do litoral”. Poderíamos dizer o mesmo de Pancetti. da São Paulo industrial, do Rio de Janeiro efervescente, acontecendo agora ou há muitos anos, sem depender sem relógio ou calendário, a contemplação das marés Seu foco não recai sobre as intervenções do homem da Brasília moderna... Tal esquematismo exotizante 8 dos adventos da modernidade do século XX. e um bocadinho mais de saudade ou melancolia, todos sobre a paisagem, nem mesmo nas ações dos corresponde à parcela datada da imagem praieira da 9 ingredientes saboreados por quem escuta Caymmi e personagens específicos eventualmente retratados. Bahia. O que Caymmi e Pancetti continuam ajudando também por quem mira as paisagens de José Pancetti. Há um barco a vapor no horizonte, um edifício distante, a acessar é a parcela atemporal que existe no ideal de À sua maneira, como marinheiro e pintor de algumas pessoas à espera ou lavadeiras, mas o mais uma sociedade que efetivamente assuma a diminuição embarcações, Pancetti sabia, como sabem os pescadores, importante é a arrebatadora extensão e a duração de sua pegada sobre o território como um parâmetro o que é viver do mar e do navegar. Como artista de daquele lugar-feito-pintura. Nessas telas, como de sucesso civilizatório. formação errática, em parte autodidata, em parte naquelas canções, somos transportados para ambientes estimulada pelo ambiente do Núcleo Bernardelli e pela exteriores, em um espaço fora de qualquer tempo disciplina do pintor polonês Bruno Lechowski, manteve- histórico específico. se quase sempre em contato com os ritmos das marés, fossem elas cariocas, paulistas ou baianas. Em 1974 já se podia reconhecer o rosto As canções sugerem a contemplação do passar 1 maduro, sério e sereno do “Algodão”, apelido 2 3 4 do tempo e da simplicidade das coisas, com DORIVAL CAYMMI dado carinhosamente pelo cantor Ciro Monteiro JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI DORIVAL CAYMMI uma sobriedade envolta em melancolia – as Salvador, BA, 1914 / Rio de Janeiro, RJ, 2008 a Caymmi, e que aparece no canto inferior Campinas, SP, 1902 / Rio de Janeiro, RJ, 1958 Autorretrato, 1940 Canções praieiras, 1954 ondas que vêm e vão; a partilha do homem Algodão, 1974 direito desta tela. Apesar de ter dedicado sua Autorretrato, 1948 Óleo sobre tela Vinil com o universo, com os pés na areia; a saudade Óleo sobre tela vida à música, as idas e vindas entre Bahia, Rio Óleo sobre tela 68x58,5 cm e a tragédia do mar; o vento nos coqueiros. 43,5x36 cm de Janeiro e São Paulo lhe deram oportunidade 65x53,5 cm Coleção Gilberto Chateaubriand MAM-RJ Caymmi compôs com aparente simplicidade, Coleção Danilo Caymmi de conviver com artistas modernos da Coleção Instituto São Fernando Canções Praieiras é o primeiro LP de Dorival com letras muito concretas que se resumem, envergadura de Carybé, Genaro de Carvalho, Caymmi, lançado em 1954 pelo selo Odeon, em alguns versos, a substantivos sem verbos, Mario Cravo, , José Pancetti e José Pancetti passou grande parte da vida nas do Rio de Janeiro. O despojamento de usar usando repetições fonéticas, aliterações e jogos Nas palavras de Tom Jobim, “o Dorival é um Di Cavalcanti. Muita gente não imagina, mas Nascido em uma família de imigrantes, aos 11 proximidades do mar, o que se explicita na sua apenas voz e violão nas oito faixas do disco era de palavras sem rimas. Havia poesia e gênio. [...] Se eu pensar em música brasileira, suas conversas nesses encontros não se anos Pancetti foi viver na Itália com seu tio vasta e cativante produção de marinhas e inusitado para a época, mesmo considerando sofisticação nas relações entre letra e melodia eu vou sempre pensar no Dorival Caymmi. Ele limitavam à camaradagem, pois Caymmi Casimiro, negociante de mármore em Massa- paisagens litorâneas. seus arranjos gravados anteriormente. e, em particular, na relação entre voz e violão. é uma pessoa incrivelmente sensível, uma cultivava pelas artes visuais um interesse que Carrara, Toscana. Em 1920 retornou ao Brasil Mesmo predominantemente solares e Francisco Bosco ressaltou a “espantosa O protagonismo desse instrumento é uma das criação incrível. Eu digo isso do ponto de vista extravasava a admiração: pintava e desenhava e ocupou-se de diversos ofícios até que, em sedutoras, suas paisagens podem transparecer originalidade [do conjunto] em relação a toda a características mais marcantes das canções: o musical, sem falar do poeta e do pintor [...] O com notável dedicação e prazer, tendo inclusive 1922, ingressou na Marinha de Guerra, onde uma dimensão melancólica, entre nostálgica e tradição da música brasileira. Com efeito, o violão não aparece como mero Dorival é um grande pintor”1 exposto suas pinturas e publicado desenhos na permaneceu até 1946. O emprego na Marinha solitária. Às vezes, uma silhueta imersa na folclorista Câmara Cascudo lembrava que o acompanhamento, mas esboça um ambiente e Filho de funcionário público de origem italiana revista O Cruzeiro. Sua primeira exposição favoreceu sua aproximação à pintura, pois, contemplação do mar imenso materializa esse compositor baiano inventou um gênero, pois compõe uma paisagem – seja quando mimetiza e de mãe afro-portuguesa, Dorival Caymmi individual foi realizada no mesmo ano deste trabalhando como pintor de convés das sentimento; noutras, é a própria cor que não havia então na canção brasileira nada que a onda e a maré, que leva e traz (Quem Vem nasceu em Salvador no dia 30 de abril de autorretrato na Galeria Intercontinental, em embarcações, aprendeu a lidar com diversos esmaece atenuando o brilho convidativo da se assemelhasse às praieiras – e, deve-se Prá Beira do Mar), seja quando se transforma 1914. Desde criança cantava no coro da igreja Ipanema, no Rio de Janeiro. Se o compositor tipos de tinta. Nunca pôde ter um aprendizado cena. O enquadramento também, em alguns acrescentar, não viria a haver depois”.1 em lamento fúnebre (O Mar), quando bate e, em casa, ouvia o seu pai ao piano ou ao era uma figura pública, reconhecida formal em artes, mas aprofundou seu momentos volta-se para o solo, como se Antes desse disco, Caymmi já havia gravado 13 acelerado como o canoeiro que trabalha na bandolim. Assim familiarizado com música, o nacionalmente – e até condecorado dois anos conhecimento ao ingressar em 1933, no cabisbaixo, e muitas vezes o espaço da álbuns com apenas 2 faixas, e também lançado pesca (Pescaria [Canoeiro]), ou ainda quando jovem aprendeu a tocar violão de maneira antes pelo governo baiano com a Ordem do Núcleo Bernardelli, ateliê livre, formado por paisagem é tão amplo que o homem só pode o livro Cancioneiro da Bahia, feito em parceria alterna tempos e acordes, acelerados e lentos, autodidata enquanto terminava o ginásio; em Mérito –, é provável que antes dessa exposição jovens artistas que lutavam pela reformulação aparecer diminuído. Nada, porém, manifesta com Jorge Amado e Clóvis Graciano, com 62 misteriosos como a Lagoa do Abaeté (A Lenda 1930, com 16 anos, compôs a sua primeira de 24 telas entre marinhas, retratos e do ensino artístico na Escola Nacional de Belas de forma mais clara a melancolia inerente a letras de canções de sua autoria. Na breve do Abaeté). canção, No Sertão, e aos 20 anos estreou como representações de festas da Bahia, o público Artes do Rio de Janeiro. Ali, recebeu orientações Pancetti do que seus autorretratos. introdução do livro Caymmi reiterava seu Nota cantor na Rádio Clube da Bahia, chegando até não conhecesse essa faceta mais íntima de sua do artista polonês Bruno Lechowski – marinhista Conhecido pelo temperamento intransigente, apreço pelos pescadores, suas famílias, seu 1 Francisco Bosco. Folha explica Dorival a realizar, em 1935, um programa próprio produção artística. e paisagista que o ajudou a lidar com campos pela devoção dramática às “musas” que o trabalho e sua relação com o mar. A publicação Caymmi. São Paulo: Publifolha, 2006, p.48. intitulado Caymmi e Suas Canções Praieiras. Nota cromáticos atmosféricos e o incitou a encantavam e oprimiam, pela tendência à também consagrou o termo Canções Praieiras Em busca de novas oportunidades, mudou-se 1 “Depoimento Tom Jobim”, faixa 9 do disco 1 experimentar pontos de vista oblíquos – e solidão e pelo convívio com a doença que o para designar algumas de suas composições. para o Rio de Janeiro em 1938, onde começou do CD duplo intitulado Caymmi da Fundação conviveu com artistas como Milton Dacosta e debilitava, Pancetti nunca se caracterizou como No esmerado conjunto de canções desse a carreira profissional, notadamente Emilio Odebrecht. Edson Motta. Já em 1933 Pancetti foi aprovado uma pessoa de trato fácil. Era árido, consigo e primeiro LP – compostas a partir da segunda apresentando-se em rádios, o meio de no Salão Nacional de Belas Artes, e no ano com os outros, e representou-se mais de metade dos anos 1930, exceto duas inéditas – comunicação de massa mais importante da seguinte recebeu uma Menção Honrosa. Em quarenta vezes em retratos que recusam a Caymmi traduziu a atmosfera peculiar de uma época. A imagem da Bahia, das suas praias e 1941, também no Salão Nacional, ganhou o frontalidade, enfatizando o olhar oblíquo no Bahia pré-moderna, a atmosfera praieira dos seu povo, evocada pela voz grave e aveludada disputado prêmio de viagem ao estrangeiro rosto esquematizado. Retratou-se como fenômenos e do tempo da natureza, das de Caymmi em composições peculiares com com a obra O Chão, mas não pôde viajar por marinheiro, pescador, trabalhador e pintor, às pessoas na praia e, principalmente, dos melodias simples mas pontuadas por acordes motivos de saúde, tendo convertido sua vezes valendo-se de tons frios ou traços secos pescadores. A figura do homem aparece como estranhos e dissonantes, rapidamente chamou premiação em recursos para o tratamento da como ênfase de expressões sombrias. Assim um elemento entre o vento, a água e o céu, a atenção de produtores da indústria tuberculose, doença que carregou até o fim da como as anotações que deixava no verso de dissolvendo-se na paisagem. radiofônica. Apesar de sua trajetória incipiente, vida. suas telas e o diário que chegou a publicar nos 10 no mesmo ano em que chegou ao Rio, sua últimos anos de vida, os autorretratos são 11 canção O que é que a baiana tem? foi escolhida testemunho das angústias que a doença, o para ser interpretada pela estrela Carmen isolamento afetivo e a alta exigência consigo Miranda no musical Banana da terra, produção mesmo produziam no artista, mesmo enquanto do norte-americano Wallace Downey. O criava algumas das paisagens mais plenas do sucesso foi imediato e, a partir de então, o território nacional. baiano se consolidou como figura única no cenário da Música Popular Brasileira, emplacando apresentações em diferentes programas de rádio e televisão, fazendo shows e dividindo o palco com inúmeros artistas. O BEM DO MAR É O MAR É O MAR Parte do segredo de Caymmi reside na habilidade por exemplo, residindo na própria apresentação em fazer que um nome algo mais que um nome, dos elementos fundamentais das paisagens: a linha Antes da narrativa, algumas vezes antes de qualquer acumulando as funções de adjetivo, advérbio ou do horizonte, a extensão dos terrenos, as diagonais verbo, ação ou personagem, Caymmi evoca um lugar pontuação. Dessa forma, a simples enumeração das da perspectiva, a sucessão de campos cromáticos, presente e imanente. Coqueiro, areia, mar, terra, ondas, coisas pode se transformar numa saborosa tarefa, as vibrações luminosas mais ou menos ensolaradas lagoa, jangada – todas as faixas do álbum Canções que dirá descrevê-las. Para o compositor, esse recurso e assim por diante. Ele não encena esses elementos Praieiras anunciam um ou mais desses nomes logo em permite que as canções sejam profundas e repletas para preparar o ambiente em que algo poderá sua primeira estrofe. Mescladas com melodias por vezes de sentido e ainda assim mantenham uma aparente acontecer, ele os apresenta como um acontecimento sinestésicas ou isomórficas em relação aos elementos da simplicidade, próxima à da fala coloquial. Na pintura significativo em si mesmo. natureza, essas evocações aproximam o início de cada de Pancetti, algo próximo a isso é fundamental para canção ao enquadramento de uma paisagem, ou do que o gênero da pintura de observação de paisagem O espaço em Caymmi e em Pancetti é feito de coisas 5 estabelecimento de uma cena imersiva. possa se engrandecer e continuar singelo. que se apresentam, e são essas mesmas coisas que JOSÉ PANCETTI deixam o espaço grávido de sentido, seja ele denotativo Na praia, 1945 Em Saudade de Itapoã, por exemplo, a voz e o violão As telas de Pancetti são de pequeno ou médio ou conotativo, discursivo ou emotivo. Por isso, em seus Heliogravura começam em um murmúrio delicado, mais chamego formato, raramente acumulam muitos elementos ou vocabulários, descrição e contemplação são ações muito 29,5x20,5 cm que composição. Entra então em cena um coqueiro, ações, tampouco se carregam de efeitos paisagísticos mais ativas do que nas acepções a que estamos Museu Nacional de Belas Artes, IBRAM, MINC que constitui uma relação de escala e já sugere o especialmente dramáticos ou espetaculares. Na verdade, acostumados. São recursos para vivenciar e compartilhar 12 balançar do vento; em seguida, a areia que, associada o que acontece é o contrário – quanto mais maduro o do maravilhamento com o ambiente ao redor de si, 13 ao coqueiro, implica o mar, o horizonte, a brisa – e, pintor, mais suas obras aproximavam-se da economia uma atitude que não precisa da surpresa ou da 6 possivelmente, o calor; daí acontece a morena, que de recursos e efeitos, por vezes até tendendo ao uso de intervenção para acreditar que algo está acontecendo, JOSÉ PANCETTI (vindo de Caymmi) traz certo molejo, requebrado, formas simples que, para alguns, estão a um passo da bastando que o pensamento e a sensibilidade se Edifício Oceania, Salvador, Bahia, 1950 admiração e desejo. Até esse momento, o dedilhar abstração. Mesmo assim, o sentido das paisagens não transformem para que todo o mundo se reconfigure. Óleo sobre tela quase preguiçoso das notas do violão e a repetição mais diminui e sua espacialidade não se dilui no jogo formal 62x73 cm aguda dos substantivos garantem que cada elemento da abstração geométrica. O que fica claro com a Nota Coleção particular, RJ venha embebido em afeto e empatia, passando concisão cada vez maior de Pancetti é que o sentimento 1. Essa leitura é inspirada pela descrição da introdução da canção gradualmente da aparição de um espaço para a imersão e a narrativa de suas obras independem dos efeitos feita no programa de aulas-show O Fim da Canção (Instituto em uma narrativa que pode ser de contemplação ou atmosféricos da pintura acadêmica de Bruno Lechowski, Moreira Salles, 2010), por José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski. encontro. Aí, sem aviso, surge a palavra “saudade”, e tudo que estava diante do cantor e dos ouvintes se afasta, mergulhando em um ponto passado mediado pela lembrança. Está aí uma amostra da capacidade de evocação de ambientes na canção praieira.1 Fotógrafo e antropólogo por excelência, Pierre De todo esse mar de estímulos, foi o Candomblé 7 8 Verger não teve educação formal nessas duas que se infiltrou de forma mais decisiva na obra PROGRAMA ENSAIO, DORIVAL CAYMMI PIERRE VERGER áreas. Aprendeu o ofício da fotografia aos 30 e na vida do fotógrafo viajante. Religião Criação e direção : Fernando Faro Paris, França, 1902 / Salvador, BA, 1996 anos com o fotógrafo Pierre Boucher, seu relevante para a matriz cultural e étnica da TV Cultura – Fundação Padre Anchieta Dorival Caymmi, Salvador, Brasil, 1946 amigo, e, ao longo da carreira, a dedicação e Bahia, o Candomblé é miscigenado de Ampliação fotográfica minúcia no estudo dos povos e culturas que lhe nascença, constituído pela combinação de 30x30 cm interessavam foi tamanha que se alçou à práticas trazidas ao Brasil por etnias de diversas Criado e dirigido por Fernando Faro no formato Foto Pierre Verger © Fundação Pierre Verger condição de antropólogo e etnógrafo. Iniciou regiões africanas. À época, experimentava um de entrevistas entremeadas por performances sua obra em 1932, após a morte da mãe, sua ciclo de crescimento gradual de visibilidade e musicais, o Programa Ensaio convida músicos única parente viva, decidindo então unir o deferência, escapando da pecha de ritual – compositores, cantores e instrumentistas – 9 conhecimento que havia adquirido na fotografia pagão repleto de significados pejorativos para para falar sobre seus trabalhos e contar PIERRE VERGER com sua vontade de viajar para conhecer e consagrar-se como culto religioso, esfera social histórias de suas carreiras e produções, além de Pancetti, Salvador, Brasil, 1946-1950 registrar outras pessoas e lugares. e símbolo identitário. fatos da vida pessoal. Lançado em 1969 para Ampliação fotográfica Depois de transitar entre Europa, Ásia e Verger envolveu-se profundamente com o ser transmitido pela extinta TV Tupi, desde 1990 30,2x30 cm Oceania, desembarcou em 1946 na América, Candomblé e suas implicações: para cultuar os é exibido semanalmente pela TV Cultura em Foto Pierre Verger © Fundação Pierre Verger mais especificamente em Salvador, cidade que Orixás, é preciso passar por uma iniciação seu formato original. Hoje, seu extenso acervo adotou como lar. Naquele momento, a Bahia como a que ele realizou ao se tornar filho de reúne raros e importantes depoimentos do vivia a iminência de transformações políticas e santo. Rebatizado com o nome de Fatumbi, cenário musical brasileiro, como é o caso da 10 culturais que mudariam sua imagem ganhou o título de adivinho pelo jogo do ifá entrevista feita com Dorival Caymmi em 1972. PIERRE VERGER definitivamente. Assim como Verger, outros (tipo de oráculo iorubano) e iniciou uma Pancetti, Salvador, Brasil, 1946-1950 estrangeiros estavam por lá atentos à jornada em busca das origens dessa religião. Ampliação fotográfica diversidade do lugar, enquanto artistas e Conseguiu uma bolsa do Instituto Francês da 30x30 cm intelectuais locais procuravam meios para atuar África Negra (Ifan) que, além do registro Foto Pierre Verger © Fundação Pierre Verger naquela que havia sido a primeira capital fotográfico, exigia o texto como síntese de suas brasileira e que, desde a transferência do poder vivências e pesquisas. Passou então a se dedicar para o Rio de Janeiro, no século XVIII, quase de maneira exclusiva à sua espiritualidade 11 experimentava relativo ostracismo. e às semelhanças entre os ritos brasileiros e PIERRE VERGER Pierre Verger logo engajou-se no processo de africanos (principalmente os de Benin), até que, Lagoa do Abaeté, Itapuã, Salvador, Brasil, expansão da cultura baiana, no qual foi no final da década de 1970, deixou a fotografia 1946-1948 parceiro de figuras como Dorival Caymmi, para se concentrar na escrita e na edição de Ampliação fotográfica Jorge Amado e Carybé, que tiveram papel livros que registrassem os frutos de suas 30x30 cm fundamental para disseminar, cada um à sua pesquisas sobre o assunto, os quais são Foto Pierre Verger © Fundação Pierre Verger maneira, o que era a Bahia. Ainda que de referência até mesmo para as comunidades modos distintos, todos eles se valeram de que hoje praticam o Candomblé e se interessam elementos enraizados naquelas terras, como a por estudar os princípios de suas tradições. 12 geografia litorânea, a praia como local de PIERRE VERGER descanso e de trabalho, a pesca, a capoeira, a Dorival Caymmi, Salvador, Brasil, 1946 sensualidade mestiça, a religião (do catolicismo Ampliação fotográfica aos ritos de origem africana) e os sabores dos 30x30 cm hábitos populares. Com Verger não foi Foto Pierre Verger © Fundação Pierre Verger diferente. Seu interesse em fotografar pessoas comuns, mostrando o cotidiano, a cultura 14 popular e as relações de trabalho, bem como 15 sua ênfase nos rostos e corpos dos retratados, suas marcas, músculos e ângulos, tornaram-se símbolos de sua produção. Durante a década de 1950, tal qual muitos de O interesse dessa geração pela documentação 13 seus colegas fotógrafos, Brill realizou uma série 15 arquitetônica e por outros aspectos que ALICE BRILL de registros das grandes cidades brasileiras MARCEL GAUTHEROT evidenciavam a pluralidade da cultura brasileira Colônia, Alemanha, 1920 / Itu, SP, 2013 buscando evidenciar o crescimento pelo qual Paris, França, 1910 / Rio de Janeiro, RJ, 1996 caracterizou também a linha editorial de Lavadeiras na Lagoa do Abaeté, c.1958 passavam, destacando aspectos de seus Lagoa do Abaeté, c.1958 revistas como O Cruzeiro, da qual Gautherot foi Ampliação fotográfica edifícios e habitantes. Seus registros de São Ampliação fotográfica colaborador junto a José Medeiros, Jean 30x30 cm Paulo, realizados sob encomenda de Pietro 30x30 cm Manzon e Peter Scheier. Durante a década de Alice Brill/Acervo Instituto Moreira Salles Maria Bardi para uma publicação comemorativa Marcel Gautherot/ 1950, essas revistas promoveram uma série de do quarto centenário da cidade, privilegiaram Acervo Instituto Moreira Salles expedições pelo interior do Brasil, publicando um cotidiano sem disfarces, despido da números especiais que traziam imagens da 14 apologia ao crescimento desenfreado como construção da nova capital e buscavam ALICE BRILL sinônimo de modernização. Brill expôs os 16 ressaltar aspectos do folclore brasileiro ainda Pescador de Xeréu, Salvador, 1953 limites e incongruências dessas modificações MARCEL GAUTHEROT desconhecidos. Nesse sentido, são icônicos os Ampliação fotográfica ressaltando as ruínas de algumas edificações e José Pancetti pintando na lagoa do Abaeté, ensaios de Gautherot sobre feiras, festas e 30x30 cm a aridez dos grandes canteiros, além do década 1950 artesanato populares, sempre experimentando Alice Brill/Acervo Instituto Moreira Salles descolamento dos indivíduos de classes Ampliação fotográfica uma distância calculada do olhar que permite a populares naquele contexto, figuras também 30x30 cm definição de tipos em composições bem presentes em seus registros de feiras livres e Marcel Gautherot/ definidas, talvez um pouco impessoais em Colônia, Alemanha, 1920 / Itu, SP, 2013 camelôs. Acervo Instituto Moreira Salles comparação com abordagens mais narrativas. Filha do pintor Erich e da jornalista Marte Brill, Apesar de sua vasta produção fotográfica, Brill Em suas andanças pela Bahia, o fotógrafo Alice migrou com a família para o Brasil na afirmava ter-se iniciado na profissão por privilegiou rituais de origem africana, as década de 1930. Em São Paulo, participou de questões financeiras. A fotógrafa deixou sempre Com formação em arquitetura, Marcel grandes procissões dos dias de culto e, encontros do Grupo Santa Helena, onde evidente seu interesse pela pintura – e chegou a Gautherot iniciou seus experimentos com a principalmente, a figura do capoeirista, cujas conviveu com artistas como Alfredo Volpi e apresentar alguns trabalhos na 1ª (1951) e 9ª fotografia no laboratório do Musée de leveza e destreza protagonizam diversos de Mario Zanini. Em 1946, mudou-se (1967) edições da Bienal Internacional de São l’Homme, em Paris, onde trabalhava em seus conjuntos fotográficos. Gautherot temporariamente para os Estados Unidos, por Paulo. Seus diferentes suportes encontravam, meados da década de 1930. Em decorrência acompanhou com minúcia festas como a conta de uma bolsa de estudos em pintura e mesmo em atuações distintas, motivos e de seu trabalho no museu e de suas pesquisas Procissão N. S. dos Navegantes (c.1941), fotografia. Retornou ao Brasil 2 anos depois e investigações muitas vezes similares. A relação sobre a relação entre arte e etnologia, o seguindo de perto e de longe cada uma de suas logo iniciou seu trabalho como fotógrafa, ao que estabeleceu com o urbano, evidenciada em fotógrafo realizou suas primeiras viagens. Em etapas rituais, explorando campo e acompanhar e registrar a viagem da Fundação suas fotografias, encontrou na pintura 1938 visitou o México e, no ano seguinte, fez contracampo, ora junto aos devotos, ora em Brasil Central pela região Centro-Oeste do importantes ressonâncias. Ao longo da década sua primeira visita ao Brasil inspirado pelo planos gerais. Assim como diante dos país. A ótima oportunidade impulsionou sua de 1960, buscando aludir ao ritmo desenfreado romance Jubiabá, de Jorge Amado. Essas capoeiristas, é o corpo em movimento que carreira, assim como seus trabalhos para o da construção civil, com fragmentos de incursões iniciaram um aspecto que se tornaria orienta o fotógrafo, que recorre várias vezes às Museu de Arte de São Paulo (MASP) e a revista estruturas à mostra e uma verticalidade marcante na produção e formação de silhuetas de costas, contornos destacados pelo Habitat, voltados para a fotografia de marcante, Brill ressaltou o isolamento dos Gautherot: seu apreço pela viagem e, instante em meio a aglomerações. exposições, obras de arte e arquitetura. indivíduos nas grandes cidades com imagens principalmente, o caráter investigativo de suas No período também surgiram muitos de seus de ambientes vazios, associados a máquinas e, explorações no território brasileiro. experimentos com retratos não posados, às vezes, marcados pela melancolia. Era um Na década de 1940, mudou-se para o Rio de marcados pela espontaneidade. Esta, mote bastante distinto da aproximação de seus Janeiro e passou a colaborar com o Serviço do posteriormente, se consolidaria como seu traço contemporâneos que, principalmente na Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mais marcante, inclusive em seus pioneiros fotografia, explicitavam aglomerações urbanas (Sphan). Aproximou-se de importantes retratos de crianças. com forte predomínio do festivo e vislumbravam intelectuais e arquitetos, como Carlos 16 no desenvolvimentismo uma expressão da Drummond de Andrade, Mário de Andrade, 17 modernidade. Lucio Costa, Burle Marx e . Com esses interlocutores, Gautherot registrou o patrimônio nacional barroco, as construções vernaculares e, paralelamente, a produção arquitetônica moderna, com destaque para seus emblemáticos ensaios sobre a construção de Brasília como feito grandioso. O EXÓTICO, O UTÓPICO, O PRESENTE Parte significativa das Canções Praieiras foi composta Ainda assim, uma das séries mais célebres de Pancetti, no Rio de Janeiro, trazendo a marca confessa da que retrata o labor das lavadeiras da Lagoa do Abaeté Os sambas e as canções de Caymmi que explicitamente saudade, da nostalgia e até da ânsia de saber e contar e seus tecidos coloridos contrastando com as águas se referem ao Rio de Janeiro trazem muitas diferenças que “a Bahia ainda tá viva, ainda lá”, de preferência escuras e a areia branca, foi feita de memória, quando em relação às Canções Praieiras, a começar pela com o aroma do mungunzá, o som do candomblé, o artista já vivia novamente no Rio de Janeiro. Como ambientação e pelos personagens urbanos, pelo ritmo as “lembranças de donzelas, do tempo do Imperador”. poderia ele saber se o que pintava ainda era hábito por das melodias – ora mais “quebrado” ora mais romântico “Nada mudou, ainda lá”, canta Caymmi – exceto ele lá? Não sabia, nem precisava saber. A Bahia de Pancetti – e pela eventual menção direta ao amor. Mas essas mesmo, que se mudou para o centro da cultura musical também é projeção de uma paisagem protegida de diferenças não significam que as Canções Praieiras não brasileira, para ali re-apresentar um lugar que morava conflitos sociais, mudanças de costumes e intervenções sejam elas também cariocas à sua maneira. O próprio em sua imaginação. É de se notar que, nesse urbanísticas. O que ele enfatiza nas paisagens é o que sucesso de Caymmi nas salas de cinema, nas ondas do processo, são jogadas para escanteio as menções já havia ali há muito tempo, e que sempre continuará a rádio e nas casas de show da cada vez mais cosmopolita às desigualdades sociais, aos ciclos de violência existir em suas pinturas. urbe carioca começou por sua capacidade de narrar e preconceito e à decadência do Estado que marcam de forma ímpar a cultura baiana em sua imagem a experiência baiana tanto quanto sua natureza Em Pancetti, como em Caymmi, opera uma pré-industrial, repleta de reminiscências das matrizes exuberante e seu enraizamento cultural sincrético. “cegueira seletiva” espacial, temporal, étnica e étnicas, culturais e sociais do tempo em que foi capital Basta ler os romances publicados por Jorge Amado sociológica, o que demonstra iguais parcelas de do Brasil colônia. O samba O que é que a baiana tem? e João Ubaldo Ribeiro desde as décadas de 1930 idealização, nostalgia e (vez em quando se percebe) 18 puxa a fila dos seus êxitos em incluir a Bahia, ornada e 1970, respectivamente, para encontrar imagens melancolia. Talvez alguém sinta falta de dialética na 19 com os balangandãs (que quase não se mencionavam mais ambivalentes da Bahia de São Salvador. obra desses dois poetas, pois dialética, conflito e desde o século XIX), na agenda dos mais potentes contradição há e haverá na sociologia baiana de ontem, meios de comunicação da época. Por princípio poético, o pintor José Pancetti traçou hoje e amanhã. Por mais que se aprofunde, entretanto, uma rota com sentido oposto à de Caymmi. Nasceu no tal enfoque estará sempre errando o fundamental na estado de São Paulo, atravessou o Atlântico para viver contribuição estética desses artistas: a demonstração a infância e manteve-se sempre vinculado ao litoral, de que dentro da realidade já poderiam existir os vivendo em muitas cidades do sudeste brasileiro até ingredientes de uma civilização desejável, restando mudar-se para a Bahia, onde viveu intensos e profícuos a nós a tarefa de viver à altura da utopia guardada anos na década de 1950. Sua jornada conduziu ao cerne no interior do território existente, e não alhures. da paisagem e da mitologia baianas. Além disso, era pintor dedicado a estar junto à paisagem e ao clima que retratava, preferência documentada pelas fotografias em que aparece pintando de regata e shorts, com pés e cavalete na areia; isso além do testemunho indelével dos grãos de areia que se misturaram com suas tintas e fazem os tons claros das suas telas serem em parte coloridos pela mesma matéria que representam. A pintura de Pancetti é como um convés de No prefácio, Jorge Amado também trata Além de sintetizar o drama dos pescadores da 17 navio, curtida de sol e sal. Não enferruja. 21 Caymmi como se fosse um pescador e, por 22 Bahia aludido em canções praieiras anteriores, JOSÉ PANCETTI Honesta, limpa, econômica, direta, austera, DORIVAL CAYMMI extensão, o “próprio povo brasileiro em sua voz DORIVAL CAYMMI Caymmi e o Mar apresentou muitas inovações Wellington – O meu pequeno modelo do quase seca, mesmo quando a cor se expande e Cancioneiro da Bahia, 1947 mais pura”,2 “filho da grande mistura de raças Caymmi e o mar, 1957 nas harmonias. O compositor baiano Abaeté, 1957 o gesto abriga a emoção. Não há nele nem o Edição déc. 1980 que nas terras brasileiras se processou e se Vinil introduziu, por exemplo, notas de sexta e sétima Óleo sobre tela supérfluo, nem o desperdício. Livro processa” e que é “a nossa contribuição para a Coleção Pedro Pinhel maiores nos acordes menores, modulações de 38x46 cm Frederico Morais humanidade”.3 É notável a confluência desse meio tom inusuais na época, que logo seriam Coleção particular, Fortaleza, CE discurso com uma compreensão moderna da assimiladas pela bossa nova. Há quem sublinhe Após voltar para o Brasil em 1920, Pancetti Durante uma de suas frequentes viagens a São mestiçagem que se consolidou a partir dos O mar revolto e o tempo nublado que figuram no conjunto semelhanças harmônicas com o passou por Santos, Rio de Janeiro, Campos do Paulo, Dorival Caymmi publicou em 1947 o anos 1930 e que concebia a mistura de raças na capa do disco Caymmi e o mar prenunciam jazz e, ao mesmo tempo, identifique 18 Jordão e São João del Rey, até que viajou à conjunto de suas canções sob o título que conviviam de maneira supostamente o tom do terceiro LP de Dorival Caymmi, sonoridades próximas às da música erudita de JOSÉ PANCETTI Bahia em 1950 e lá fixou residência. Sua obra Cancioneiro da Bahia. Em parte estimulado por harmoniosa como um dos aspectos mais lançado pela Odeon em 1957. O álbum Ravel ou Debussy, cujas composições – mais do Lagoa Abaeté, 1956 então se modificou. A paleta que era escura, Jorge Amado, que assinou o prefácio, e pelo autênticos e ricos da identidade cultural enfatiza desde sua introdução a grandeza do que descrever narrativas ou emular emoções – Óleo sobre tela com combinações de tons ocres e matizes artista Clóvis Graciano, que ilustrou essa brasileira. mar e a efemeridade da vida dos homens que sugerem impressões e atmosferas. 39x55 cm frios, ganhou cores mais luminosas e primeira edição, o cantor reuniu letra e partitura Notas dele dependem. O formato solo de “voz e Em paralelo, músicas como Festa de Rua Coleção particular saturadas. O mar agitado que movimentava o de todas as 62 canções que havia composto até 1 D. Caymmi, “Canções do mar e dos violão”, tão característico do LP Canções também revelam como o compositor, no horizonte de algumas de suas marinhas deu aquela data, quase metade da obra que pescadores”, em Cancioneiro da Bahia, praieiras, conservou-se em faixas como intervalo entre Canções praieiras, de 1954, e lugar às águas límpidas dos campos produziria até o fim da vida. São Paulo: Círculo do Livro, s.d., p.8-9. Promessa de pescador, O Vento ou Noite de este LP, se apropriou de referências do samba, 19 cromáticos sem ondas e sem efeitos. Pintou a O Cancioneiro foi subdividido por tipos de 2 Jorge Amado, “Obá Onikoyi”, Temporal, enquanto outras canções contaram como a batida do pandeiro, presente em JOSÉ PANCETTI cidade de Salvador e suas praias; deteve-se canções – canções do mar, sambas, modinhas, em Cancioneiro da Bahia, p.5. com acompanhamento orquestral do maestro algumas das orquestras do Rio de Janeiro. Abaeté, 1957 diante da Praia de Itapoã, apresentou o Farol serenatas e cantigas, canções sobre motivos do 3 Jorge Amado, “Obá Onikoyi”, Leo Peracchi, além da participação de cantoras Caymmi reforçaria essa vertente em seu quarto Óleo sobre tela da Barra como referência na luminosa folclore e canções do folclore. Como aponta em Cancioneiro da Bahia, p.6. como Lenita Bruno e Silvinha Telles. LP, Eu vou p’ra Maracangalha, lançado alguns 45,5x64,5 cm paisagem de simples traçado. Depois, já de Antonio Risério, essa classificaçãoé imprecisa. É o caso da primeira faixa do disco, meses depois de Caymmi e o mar. Coleção Airton Queiroz, Fortaleza, CE volta ao Rio de Janeiro, relembrou a Lagoa do Além disso, as gravadoras detinham os direitos especialmente longa (15’24” do total de Abaeté em uma célebre série. Na Bahia, teve autorais das pautas musicais, o que limitou a 39’02”), intitulada História de pescadores. Ela contato com outros artistas; foi fotografado por publicação a quatro compassos por começa com efeitos sonoros que mimetizam 20 Marcel Gautherot e Pierre Verger, fez amizade composição, deixando a melodia apenas elementos da natureza: as ondas do mar, o JOSÉ PANCETTI com Dorival Caymmi. sugerida. Por fim, apesar ed os comentários vento, vozes que sugerem o canto das sereias. Lagoa do Abaeté, 1957 Nas marinhas baianas, alguns dos traços que acompanham algumas canções serem Entre essas sonorizações, é possível distinguir Óleo sobre tela característicos da pintura de Pancetti ganharam apresentados como escritos por Caymmi, alusões melódicas da canção O Mar, que 47,5x55,5 cm evidência. O ângulo oblíquo com que observa consistem na realidade em transcrições que encerra esse LP. Após esse introito, a voz grave Coleção particular, Fortaleza, CE a praia cria uma profícua justaposição entre a Jorge Amado fez de depoimentos e devaneios de Caymmi entoa uma narração da rotina dos linha do horizonte, estável em sua retidão, e as do cantor. Esses deslizes editoriais não eliminam pescadores, relato pontuado por seis canções dinâmicas diagonais das linhas da praia em o caráter inovador da publicação, que que formam um conjunto narrativo coerente perspectiva. Diversas vezes, a própria suspensão apresentou de forma convidativa as letras e sobre a vida pesqueira (Canção da Partida — do horizonte na parte superior deixa a areia partituras de um músico popular e antecipou Adeus da Esposa — Temporal — Cantiga de dominar o quadro como um amplo campo de cancioneiros de outros compositores. Noiva — Velório Val — Na Manhã Seguinte). cor que define a imensidão espacial da praia e O conjunto apresenta-se como resultado do Apesar da dimensão trágica da história, a conforma intensas superfícies pictóricas no convívio próximo com os pescadores, com primeira (Canção da Partida) e a sexta (Na quadro. Eventualmente, agrupamentos de profundo conhecimento de suas histórias, Manhã Seguinte) têm semelhanças e rochas, construções isoladas ou algumas crenças e medos cotidianos. Caymmi explica paralelismos que sugerem a dimensão cíclica figuras humanas pontuam a cena, criando que “grande parte [de sua] obra musical reflete da vida regida pelo mar. 20 relações de escala e reforçando o sentido de esse ambiente, essas vidas, esses dramas” e 21 profundidade que se atenua nas obras em que que trata desses motivos porque “nada mais [é] os campos de cor do céu, da água e da areia que um homem do cais da Bahia”.1 Não à toa, aparecem sem outros referentes. Para alguns o compositor inseriu como última parte do livro críticos, a economia de traços de Pancetti, desde uma seleção pessoal de canções anônimas do o início presente em sua obra, alcança nos folclore popular da Bahia. anos finais da vida um delicado flerte com o léxico visual da arte abstrata. ALGUM MOBILIÁRIO PARA OS TRÓPICOS Em todo caso, a relação entre o mobiliário e os trópicos Inusitada, essa imagem faz pensar na abrangência tanto já motivou engenhosas adaptações e invenções e significado da aproximação do mobiliário de Rodrigues Conta a anedota que certa feita Caymmi recebeu no âmbito popular quanto integrou o horizonte de ao clima tropical. É evidente que seus móveis não são, com grande entusiasmo em sua casa interesses dos principais designers brasileiros de móveis. na verdade, “de praia”, no mesmo sentido com que o na Bahia, chamando-o para subir e ver sua mais nova Especificamente, a adequação do mobiliário à paisagem termo se aplica aos guarda-sóis e às cadeiras plásticas e brilhante invenção. Ali chegando, Caetano praieira, amparada por uma arquitetura moderna, foi reclináveis. Tampouco são móveis à prova das forças da surpreendeu-se com o motivo da empolgação: Caymmi motor dos anos de amadurecimento de Sergio Rodrigues maresia, da incidência do sol ou da água salgada, pois tinha virado sua poltrona em direção à janela com vista como designer e empreendedor. Dedicado a instalar no decididamente adaptam-se melhor a ambientes para o mar e instalado diante dela um ventilador, Rio de Janeiro da década de 1950 uma loja de móveis interiores. O mais preciso seria dizer que esses móveis aliando o repouso à contemplação e ao conforto. de alto padrão que se distinguisse da mera reprodução pertencem aos ambientes interiores da arquitetura de clichês estilísticos dos móveis europeus, Rodrigues moderna brasileira, com sua tendência aos pisos Por um lado, a anedota combina com a imagem d quis combinar o desenho moderno com a referência livres com poucas divisórias, em que predominam as e Caymmi como criador preguiçoso, mitologia que ele às raízes brasileiras, reeditando, no campo do design, transparências e aberturas de vistas privilegiadas para mesmo gostava de alimentar no seu jeito moroso uma abordagem modernista. a paisagem ao redor. Ali, nesses espaços permeáveis, de contar histórias. Por outro, o arranjo dos móveis despojados e debruçados sobre a natureza, o mobiliário “inventado” por Caymmi é um singelo ensaio Imaginou a loja Oca com o apelo do nome de habitação de Rodrigues se implanta como um móvel moderno de mobiliário para os trópicos e, especialmente, indígena, e fundou seus projetos autorais na utilização capaz de colocar o corpo de quem o usa em uma 22 para o calor e a paisagem praieira. A combinação de madeiras e materiais nativos. Chegou a imaginar instantânea postura praieira. 23 de volumes arquitetônicos hermeticamente fechados que a sede da loja poderia ocupar um pavilhão leve com sistemas de condicionamento do ar não é – apesar feito sobre as areias da praia do Leblon. Se tivesse Ao invés de enfatizar o caráter produtivo e eficiente da do que se acredita em certos bairros de nossas cidades conseguido, a Oca, na praia, com móveis de madeiras arquitetura moderna, uma Poltrona Mole – da mesma litorâneas – a única maneira de lidar com o clima de lei brasileiras seria um caso único de retórica do família do sofá – cria oportunidade para a preguiçosa tropical. A sombra, o repouso, o vento e o refestelar-se tropical. Não foi possível exibir os móveis de Rodrigues malemolência do sentar quase deitado com o delicado podem ser ótimos ingredientes para encontrar conforto assim, com os pés na areia, mas esse desejo ecoou no balanço das tiras esticadas no respaldar da estrutura, nesses ambientes. primeiro ensaio fotográfico doSofá Mole, cujo protótipo envolto pelo couro acolchoado. A cadeira transforma foi fotografado por Otto Stupakoff sobre as areias a sombra da arquitetura em extensão da vontade de (e as ondas) do Leblon. Desse ensaio, restou a imagem passar o dia a contemplar o mar e a paisagem. do homem de camisa branca dobrada e pés descalços Como metáfora, sugere que a edificação designe caminhando em direção ao sofá alcançado pela nobre assento para a preguiça, seu phármakon, subida da maré. remédio e veneno para a modernidade dos trópicos. Nesse período, Stupakoff ampliou sua atuação Tendo como principais referências Joaquim 23 realizando capas de discos para a gravadora 26 Tenreiro e Zanine Caldas, conhecidos por suas 28 36 OTTO STUPAKOFF Odeon, destacando-se Caymmi e o mar, de SERGIO RODRIGUES maneiras próprias de interpretar a tradição e os SERGIO RODRIGUES SERGIO RODRIGUES São Paulo, SP, 1935 / 2009 1957. Segundo o fotógrafo, ele sugeriu a Rio de Janeiro, RJ, 1927 / 2014 materiais do mobiliário brasileiro, Sergio Poltrona Mole Ilustração de Sergio Rodrigues para a Ensaio fotográfico do sofá Mole realizado na Dorival Caymmi um de seus locais favoritos no Logo da loja Oca, Rodrigues inaugurou em 1955, no Rio de Mobiliário exposição “Falando de Cadeira, retrospectiva praia do Leblon, 1958 Rio de Janeiro: o início da Avenida Niemeyer, Fac-símile Janeiro, sua própria loja, a Oca. 1954/1991” (MAM/RJ), 1992 Fac-símile onde atualmente há um mirante para o bairro Propositadamente curto, o nome de origem tupi Fac-símile Otto Stupakoff / do Leblon. Posicionou o cantor sentado defronte ecoava o desejo de um espaço de trabalho e 29 Acervo Instituto Moreira Salles ao mar e fotografou em longa exposição o 27 convívio coletivo, além de associar a referência SERGIO RODRIGUES movimento das ondas e sua colisão com as SERGIO RODRIGUES à cultura brasileira ao emprego de materiais Primeiros croquis da Poltrona Mole, 1957 Em 1957, o fotógrafo Otto Stupakoff encomendou pedras. A fotografia explicita uma correlação Vitrine criada por Millôr Fernandes da loja nativos e à simplicidade do desenho moderno. Fac-símile a Sergio Rodrigues um sofá. Seu pedido era que o 24 entre os cabelos brancos de Caymmi e a massa Oca, situada na Rua Jangadeiros n° 14 - loja Concebida como representação no Rio de móvel o acolhesse generosamente quando OTTO STUPAKOFF difusa da quebra das ondas. Inusitadamente, c, Ipanema - Rio de Janeiro, 1965 Janeiro da loja paulistana Forma e como quisesse se esparramar para recuperar-se de uma Pierre Verger e Otto Stupakoff, 1978 Stupakoff posicionou o cantor de costas para a Fac-símile espaço para venda de móveis originais 30 jornada de trabalho; além disso, deveria caber Ampliação fotográfica câmera, burlando as convenções das capas desenhados por Rodrigues e outros arquitetos, SERGIO RODRIGUES em um canto de seu acanhado estúdio e também 20x30 cm sempre frontais e com destaque aos rostos de a Oca foi inicialmente proposta como uma Primeiros croquis da Poltrona Mole, 1957 em seu módico orçamento. Otto Stupakoff / seus artistas. Arquiteto de formação, Sergio Rodrigues ocupação da areia da praia do Leblon, Fac-símile Com essas condições, Sergio Rodrigues realizou Acervo Instituto Moreira Salles Entre 1965 e 1976, Stupakoff consolidou-se demonstrou grande interesse pelo desenho de enfatizando a ideia de ambientação criada diversos estudos que avaliavam o melhor custo- como colaborador de revistas internacionais móveis quando ainda estudava na Faculdade para o clima tropical. Uma vez que esse plano benefício entre os materiais disponíveis. Ao como Harper’s Bazaar, Vogue, Elle e Marie Nacional de Arquitetura da Universidade do mostrou-se impossível, o empreendimento foi 31 apostar no exagero das partes estofadas, que 25 Claire. Enquanto vivia em Nova York e Paris, Brasil (atual Universidade Federal do Rio de instalado em um espaço comercial na Praça SERGIO RODRIGUES deveriam transbordar para além da estrutura OTTO STUPAKOFF obteve reconhecimento internacional como Janeiro). Desde a graduação, entre 1947 e General Osório, em Ipanema, combinando Primeiros croquis da Poltrona Mole, 1957 conformadora do móvel, Rodrigues acabou por Jorge Amado e Dorival Caymmi, 1975 fotógrafo de moda, em uma trajetória repleta 1952, iniciou pesquisas relacionadas à história móveis trazidos de São Paulo com as criações Fac-símile criar o item de mobília que seria sua marca Ampliação fotográfica de viagens (Nova Déli, Ilhas Maurício, Líbia, do mobiliário brasileiro, procurando aproximar- próprias de Rodrigues e outros arquitetos registrada, a Poltrona Mole. Com almofadões de 20x30 cm Hong Kong, Macau e Sri Lanka), episódios e se desse campo de atuação como monitor da jovens, além de exposições e eventos de arte. A couro soltos sobre cintas de mesmo material Otto Stupakoff / aproximações com nomes como Coco Chanel disciplina de Planejamento de Interiores. Foi partir de 1956, com o crescimento das 32 presas a uma estrutura feita em jacarandá maciço Acervo Instituto Moreira Salles e Yves Saint Laurent e expoentes do cinema e nesse mesmo período que cursou Decoração encomendas dos móveis originais, a Oca SERGIO RODRIGUES com encaixes manuais, a poltrona foi desenhada da política. Em 1976 retornou ao Rio de do Lar – área nova e, à época, muito voltada ao passou a ter sua própria fábrica – a Taba – e Croqui das cunhas da Poltrona Moleca, 1963 para ser um ícone de conforto, pensada Janeiro, onde produziu a edição especial da público feminino – e conseguiu seu primeiro começou a ganhar mercados diversos. Em Fac-símile justamente para o momento do descanso, A relação do paulistano Otto Stupakoff com a Vogue dedicada a Jorge Amado. Suas viagens emprego já como desenhista de decoração. 1968, Rodrigues desligou-se da empresa que abraçando o corpo de quem se aconchega com fotografia aprofundou-se precocemente ao Brasil se intensificaram e Stupakoff retornou Aproveitando-se dessas experiências e, ao criara, a qual, como negócio, nunca chegou a os macios avolumados de seu assento e encosto. quando ele ingressou no Art Center College of definitivamente ao país em 2005, ano em que mesmo tempo, observando criticamente os ter um volume de produção realmente voltado 33 Sem poder pagar pelo projeto, Stupakoff retribuiu Design em Los Angeles (EUA), já em 1953. realizou sua última exposição – uma grande clichês e fragilidades de seu incipiente campo ao consumo de massas. De todo modo, a Oca SERGIO RODRIGUES com um ensaio fotográfico na praia – frustrado Enquanto se formava como fotógrafo retrospectiva de seu trabalho na São Paulo de atuação, passou a investigar como uma conquistou seu lugar na história do design e da Poltrona Mole, desenho de Sergio Rodrigues pela rápida subida da maré, mas que acabou profissional, mudavam os padrões de consumo Fashion Week / Fundação Bienal de São Paulo. decoração moderna poderia abordar o cultura brasileira por ter combinado o Fac-símile atraindo a curiosidade dos jornais. Ao longo da no Brasil e, consequentemente, abriam-se mobiliário com o mesmo nível de elaboração, pioneirismo do empreendimento com a década seguinte, produzida e distribuída pela loja novos rumos à fotografia publicitária. Ao final originalidade e precisão dedicados à excelência dos projetos de Rodrigues, além da Oca, a peça ganhou visibilidade em outras partes da década de 1950, Stupakoff colaborou com arquitetura. Aquela era a época de consolidação capacidade de catalisar a loja como local de 34 do mundo, ganhando o prêmio de expressão de campanhas publicitárias para a Rhodia e trouxe da arquitetura modernista brasileira, encontro da cena cultural carioca e assunto Propaganda da Oca com foto de Otto regionalidade no Concorso Internazionale del a fotografia de moda para as revistas de grande reconhecida em âmbito nacional e recorrente na imprensa. Stupakoff na Revista Módulo nº 10, 1968 Mobile, na Itália. A estrutura bruta da poltrona, circulação nacional – que à época ainda eram internacional, com vínculos nas esferas Fac-símile combinada com seu perfil corpulento e abundante, ilustradas com desenhos a bico de pena. O midiáticas, governamentais, artísticas e Acervo da Biblioteca da FAUUSP dedicado ao repouso relaxado, contrastava com o 24 fotógrafo foi também correspondente da revista produtivas; faltava ao design de mobiliário design moderno que prezava prioritariamente 25 Manchete, para a qual fotografou estar à altura da intensidade desse processo. leveza, limpeza e praticidade – tanto na facilidade personalidades como , 35 de transporte, quanto na adaptação para diversos Manabu Mabe, Oscar Niemeyer e Tom Jobim, SERGIO RODRIGUES ambientes. entre muitos outros. Desenho de Millôr Fernandes da Poltrona Enquanto a maior parte da indústria da época Mole para o catálogo da Oca, 1965 valorizava a ergonomia (a adequação produtiva Fac-símile ao trabalho) de peças replicadas em série milhares de vezes, a Mole fartava-se em volúpia, sensualidade e preguiça, levando consigo ainda a referência ao móvel colonial brasileiro, sua forte presença e seu trabalho virtuoso com a madeira nativa. SERGIO RODRIGUES, PRINCÍPIOS E FINS. família. Deu no que deu. Me vejo, junto com Juarez Machado, recém- Fiz a apresentação desse Papo de Anjo, arquitetura especializada E de sentar, aprendi sentando em areia (de Ipanema), sentado em banco E ALGUNS MEIOS. chegado de Santa Catarina (atualmente, voila!, é pintor parisiense), impecável. Não juro pela comida, mas transcrevo um pouco do que (de Liceu), e evitando sentar em cadeira de Bauhaus (Gropius mereceu DUAS OU TRÊS COISAS QUE SEI DELE pintando as montras (vitrines) da elegante OCA, aqui na praça Gozório. escrevi então, inspirado no conceito do próprio Brillat-Savarin Rodrigues: terminar a vida com aquela chata da Alma Mahler). Ainda de sentar. Eu Loja de Primeiro Mundo, da qual Sergio Rodrigues era proprietário. Ainda “Sempre lutando pelo mais degustável e mais digerível, no longo e tinha concluído que, como a bunda não vai se modificar no próximo Trabalhei com , tio de Sérgio, mais de 10 anos, lado a não estava em moda falar de transparência mas, através do vidro, víamos saboroso esforço do ser humano por um prato mais belo numa mesa milênio, os arquitetos de móveis tinham que criar a partir dela (ou delas, lado, diariamente, na revista O Cruzeiro. Por isso conheço Sergio talvez o Sergio, em meio aos móveis prafrentex (expressão da época) da loja, mais justa”. Foi 61, creio eu, a consagração internacional da Poltrona se considerarmos a duplicidade dessa singularidade anatômica). Foi aí mais do que ele pense. Através de Nelson tive contato com toda a família, fazendo gestos de aprovação ao nosso trabalho, acompanhado de outros Mole. que o talento estético de Sergio Rodrigues veio ao encontro do meu bom no tempo em que esta morava numa bela casa em Laranjeiras, junto ao não aprováveis pelo gestual surdo-mudo. Sempre o vi assim, gozador, senso e exigência de conforto e, inesperadamente, empurrou embaixo de campo do Fluminense, e o Fluminense era um time da primeira divisão. bem-humorado, rindo e brincando. Não sei a que horas consulta o Conhecendo o longo trabalho de criação e confecção da peça (cotação mim a já citada Poltrona Mole. Onde não me sentei. Deitei e rolei. Que O clã Rodrigues era metade homem, metade mulher, metade de cabelo psicanalista ou cai em prantos num desvão de escada. Nossa pintura in máxima de nossa arquitetura mobiliária), sempre me referia a ela, artefato, meus amigos. Uns dizem que é slouchingly casual, outros que negro, metade de cabelo vermelho – onde foram os cabelos ruivos, os vitro resultou um bom trabalho, que Sergio afirma, até hoje, ter ficado falando ou escrevendo, como A Poltrona Que Não Foi Mole. Nos livros antecipou a Bossa Nova, Sergio Augusto afirma que é um móvel em que ruços, de antigamente? Jornalistas, (Mário, Paulo, Augusto), jornalista, melhor do que os vitrais de Chartres. Quem sou eu pra duvidar? internacionais de crítica especializada é chamada de Sheriff (não parece a pessoa se repoltreia, e Odilon Ribeiro Coutinho que “tem o dengo e a dramaturgo (Nelson), desenhista (Irene), atriz (Dulce), cineasta (Milton), tradução de filme de televisão?). moleza libertina da senzala”. Sei lá. Pra mim, essencialmente couro, foi quase todos intelectuais realizados. Conheci, de ver, o famoso e diatríbico E aí nos separamos. Antes disso, Sergio foi pra Curitiba, difundir o natural curtição. Anatômica, convidativa, insinuante. Atração fatal. Sharon jornal do avô de Sergio, Crítica, em que Roberto, seu pai – já excelente mobiliário moderno na Móveis Artesanal, foi pra São Paulo dirigir a Vou me lembrando de Sergio e suas circunstâncias, e escrevendo ao Stone. É prazer sem igual sentar-deitar numa, e ficar olhando em frente desenhista quando morreu, tragicamente, aos 24 anos - trabalhava. Vi Forma, criou a cadeira Lucio Costa, a poltroninha Oscar Niemeyer, correr da pena (ao pulsar do chip). Mas não lembro tudo nem escrevo uma outra, da Bauhaus. Melhor, uma outra Mole. toda a coleção do jornal. O que mais me ficou foi a paginação audaciosa móveis para a Universidade de Brasília, sempre olhando os móveis como tudo. Que sei eu de arquitetura? e o destaque dado ao esporte – páginas inteiras –, atividade pouco objetos de arte. Sem esquecer o fundamental – também de uso. Nos Millôr Fernandesdos Santos, Maria Cecília Loschiavo. Sergio Rodrigues, importante, na época, mas já intensamente apreciada pelos Rodrigues. reencontramos em seu trabalho em cima do morro do Cantagalo (hoje se Bem, vai ver, tudo. Sei de morar, sei de dormir, sei de sentar. edição Soraia Cals, Rio de Janeiro: Icatu, 2000 Não é à toa que o nome oficial do Maracanã é Mário (Rodrigues) Filho, chama Brizolão). Fiz apenas o logo do bar On The Rocks (trocadilho irmão de Nelson, tio de Sergio. Quer dizer, Sergio Rodrigues não é um genial do próprio Sergio; o bar era cavado nas rochas), e o restaurante De morar sei que devo estar sempre de frente para o mar, olhando para cístron (corrida ao dicionário!) solitário, surgido a esmo no limbo da no alto do morro, com enorme piscina a céu aberto, batizamos de Berro a montanha, e, no Rio, clima tropical, de cara pro nascente. criatividade. Pegou de um o talento visual, de outro a capacidade de D’água, que tirei do Quincas, do Jorge Amado. E este veio e consagrou o 26 formalizar, de um terceiro a tara da individualização – roubou toda a local. Tempos. E estamos juntos outra vez no restaurante Papo de Anjo, do De dormir. Só durmo com os pés da cama voltados para a porta principal, 27 qual Sergio foi proprietário (arquitetos são chegados a criarem de onde pode penetrar o Mal. Embora em minha vida só tenha penetrado restaurantes; felizmente os restaurateurs não fazem arquitetura). Mas o Bem, depois de premir de leve o tímpano do seio, que leva direto ao Sergio entende mesmo de comida – de comer e de fazer. O restaurante coração. era ali no Horto, colado à Tevê Globo. Não sei quanto tempo durou. Dizem os rivais que Sergio atuava mais como consumidor do que fornecedor. Más línguas. Papos de víboras. para definir o encosto. Apesar de ter sido O “método” adotado por Cao para realizar seus 37 produzida inicialmente como protótipo, um objeto 38 filmes e vídeos pode ser apelidado de “cinema- FLÁVIO DE CARVALHO artesanal, a FDC1 possui materiais e formas que CAO GUIMARÃES -preguiça”, fórmula alternativa ao célebre cine- Barra Mansa, RJ, 1899 / Valinhos, SP, 1973 poderiam facilmente ser reproduzidos em série Belo Horizonte, MG, 1965 ma-verdade. A espera paciente da fatura das FDC1 como um objeto industrializado. Em sua forma, Gambiarra #54, 2005 obras se desdobra na edição cuidadosa, que evita Cadeira enfatiza a leveza de seus materiais e a Fotografia ed 2/3 + 2PA efeitos arbitrários ou distrações à contemplação 81x78x70 cm permeabilidade da estrutura ao olhar, sem 45x60 cm dos planos longos com enquadramento atento a recorrer a ornamentos: seu desenho claro e Cortesia Galeria Nara Roesler pequenos detalhes. Em suas séries fotográficas, o conciso nasce de uma abordagem moderna ao convite à observação desinteressada se dá pela Graduado em engenharia na Inglaterra, Flávio de mobiliário, ecoando por exemplo os projetos reiteração de peculiares situações e imagens que Carvalho também trouxe de seus anos de pioneiros do designer Marcel Breuer quando 39 o artista encontra como uma coleção dispersa juventude na Europa alguma formação em estudante e professor da escola Bauhaus. CAO GUIMARÃES pelo mundo à espera de ser remontada por uma arquitetura e arte. No Brasil, foi defensor constante No contexto da produção de Flávio de Carvalho, Gambiarra #110, 2001/2012 sequência de encontros fortuitos. da modernização radical das bases da cultura, a racionalidade, a economia e a universalidade Fotografia ed 1/3 + 2PA Por meio desse olhar, coisas diversas como um li- orgulhoso de ter submetido ao concurso para o associadas ao design moderno são 66x100 cm mão convertido em cinzeiro, uma tábua de corte Palácio do Governo do Estado de São Paulo, em particularizadas pela oferta de alternativas às Cortesia Galeria Nara Roesler transformada em suporte do batente de uma ja- 1927, o que considerava o primeiro projeto de formas herdadas pela burguesia provinciana do nela e um tijolo transformado em suporte para arquitetura moderna do país. Sempre disposto a país; no caso, pelo projeto de uma poltrona que, vassouras são aproximadas como exemplos de discutir o urbanismo em artigos jornalísticos, assim como o New Look fez com o traje social Artista, fotógrafo e cineasta, Cao Guimarães tem uma vasta família de gambiarras. A série de foto- experimentou também uma abordagem ao masculino, cria aberturas para a circulação do ar, construído, desde o final dos anos 1980, uma grafias, iniciada em 2001, se propõe a coletar um design de móveis na ocasião da construção da adequando um arquétipo herdado às exigências obra que nasce do prosaico e de coisas conside- conjunto de soluções baratas e improvisadas pela casa na Fazenda Capuava (1939), que mobiliou do clima local. radas sem importância ou sutilmente deslocadas sabedoria popular para suprir, mesmo que provi- por completo. de seu tempo. Muitas vezes, o trabalho do artista soriamente, as deficiências ou incompletudes dos Dentre os desenhos originais que realizou, é disparado pelo acaso, surge em pleno estado objetos. Nas fotos em exibição, veem-se duas destaca-se a poltrona FDC1, que foi fotografada de ócio ou de deambulação, prescindindo de ro- gambiarras praieiras, singelas contribuições para na varanda da casa, sob a sombra da grande teiros, ao gosto do desenrolar de situações que o debate sobre o mobiliário tropical. pérgula de concreto que protege quem repousa encontra durante uma de suas inúmeras viagens. Nota ali observando a natureza circundante. A estrutura Cao justificou o seu trabalho solitário, e quase 1 Entrevista no link https://www.youtube.com/wa- da poltrona, feita de barras de ferro de seção passivo, de captação de fragmentos do cotidiano: tch?v=PI3zUypHsos. circular pintadas de preto, é composta por um aro “arte não tem porquê nem pra quê. Arte não de- circular soldado a duas barras verticais e a um pende de mim. Sou quase como um cavalo de conjunto de barras em “H”, as pernas anteriores e santo. A arte é como se fosse uma entidade qual- posteriores, respectivamente. O assento é quer que precisasse passar por mim para atingir o formado por uma tira larga de couro costurada público, ela quer dialogar com o público [...] estou em volta do aro e da barra horizontal do conjunto ali só pra receber...”.1 que define as pernas posteriores, e outras três tiras finas, duas horizontais e uma vertical, se entrelaçam e prendem-se à circunferência do aro

28 29 DO HOSPITAL, 1957 40 44 47 51 Salvador, 16.11, Sábado, Hotel Palácio JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI “Na estrada, desde o farol da Barra até Itapoã eu fiquei a olhar a praia, os Stela na praia, 1951 Ponte em São João del Rey, 1945 “Gamboa de baixo, Bahia”, 1951 Praia Montserrat (Série Bahia), 1951 coqueiros, as canoas dos pescadores e suas rêdes estendidas sôbre as Óleo sobre tela Óleo sobre tela Óleo sobre tela Óleo sobre tela brancas areias que iam ficando. Um turista que vinha na frente do carro, com 46x55 cm 38x46 cm 40x55 cm 46x55 cm cara de norte-americano, batia fotografias do verde mar. Atrás dêle um Coleção Airton Queiroz, Fortaleza, CE Coleção particular, RJ Coleção Particular, São Paulo Coleção Instituto Casa homem chorava por não poder mais interpretar aquelas deslumbrantes côres, aquêle mar tão familiar... Quando passamos por Itapoã na curva da estrada onde principia a pitoresca vila um grupo de pescadores agrupados 41 45 48 52 na parede de um bar viram-me no carro e deram-me adeus com as mãos”. JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI José Roberto Teixeira Leite Pancetti o Pintor Marinheiro, 1979, p.106 Porto com embarcações, 1933 Mangaratiba, RJ, 1946 Marinha, Itanhaém, SP, 1945 Marinha, Bahia, 1951 Óleo sobre madeira Óleo sobre tela colocada em madeira Óleo sobre tela Óleo sobre tela 22x28 cm 37x46 cm 54,3x65,5 cm 46x56 cm Coleção particular, SP Coleção Airton Queiroz, Fortaleza, CE Museu Nacional de Belas Artes, IBRAM, MinC Coleção particular 42 46 49 53 JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI Marinha, 1935 Arraial do Cabo, 1948 Marinha, Itanhaém, SP, 1945 Areal, Bahia, 1952 Óleo sobre tela colada em eucatex Óleo sobre tela Óleo sobre tela Óleo sobre tela 21,5x29,7 cm 46x65 cm 45,6x64,9 cm 47x66 cm Coleção Airton Queiroz, Fortaleza, CE Coleção Gilberto Chateaubriand MAM RJ Museu Nacional de Belas Artes, IBRAM, MinC Coleção Particular, Fortaleza, CE 30 50 31 43 JOSÉ PANCETTI JOSÉ PANCETTI Itanhaém, SP, 1945 Ilha de Mocangue, RJ, c.1940 Óleo sobre tela Óleo sobre tela 38x45 cm 60x46 cm Coleção Harry Adler, Rio de Janeiro, RJ Coleção particular, SP “Sua pintura foi sempre uma imagem de cores fundamentais, de paisagens “Simples, solares, literais, nítidas, concretas, reais - as canções praieiras nos 54 fundamentais, cara de gente, montanha, mar, vista através de uma percepção 56 encantam com seu mundo tão diverso do nosso mundo moderno, complexo, JOSÉ PANCETTI direta, primeira, quase de criança. Daí a frescura sem par de suas melhores JOSÉ PANCETTI mundo da técnica e da racionalidade científica, mundo da liberdade, do Paisagem de Itapuã, 1953 telas. Foi sempre uma máquina de ver, de ver carinhosamente as coisas O mar, 1954 vazio, da história, mundo destituído de deuses, apartados da natureza. Não Óleo sobre tela externas naturais, mesmo quando essas coisas naturais são barcos, pois para Óleo sobre tela, 50x65 cm se trata, de forma alguma, de depreciar a aventura histórica da modernidade, 38x55 cm o marinheiro, barco, qualquer que seja, grande ou pequeno, é sempre obra Coleção particular, RJ cujas conquistas não se pode nunca deixar de afirmar, mas de sentir a beleza Coleção Gilberto Chateaubriand MAM RJ da natureza, faz parte do mar, criador de tudo, das coisas e dos homens” e a força dessas canções praieiras que nos colocam diante de um outro Mário Pedrosa “Pancetti e o seu diário” em Aracy Amaral (org.), São Paulo, mundo, em quase tudo diverso daquele em que vivemos - e cuja característica 1981, p.166. 57 maior é a certeza do ser”. 55 JOSÉ PANCETTI Francisco Bosco Dorival Caymmi, Publifolha, São Paulo, 2006, p.60. JOSÉ PANCETTI Itapoan, BA, 1954 Bahia, c.1953 Óleo sobre tela, 38x55 cm Óleo sobre tela Coleção particular, SP 33 x 55 cm Coleção Particular, Fortaleza, CE 58 JOSÉ PANCETTI Barra do Saquarema, 1955 Óleo sobre tela, 50x61 cm Coleção particular, RJ

32 33 Em outras palavras, a obra de Patricia Leite 59 62 experimenta o que há de memória atávica das 65 JOSÉ PANCETTI PATRICIA LEITE paisagens brasileiras, utilizando-se dos PAULO BRUSCKY Coqueiros de Itapoan, 1956 Belo Horizonte, MG, 1955 aprendizados formais adquiridos pela pintura Recife, PE, 1949 Óleo sobre tela Atalaia, 2013 abstrata para sugerir espacialidades com Abra e cheire: Este Envelope Contém Cheiro da 46x65,5 cm Óleo sobre madeira poucos elementos descritivos. Trata-se de um Praia de São José da Coroa Grande, 1976 Coleção particular 30x40 cm exercício de coesão que traça um caminho na Carimbo, nanquim e hidrocor sobre envelope Coleção particular mesma direção da obra de grandes mestres da e sargaço gravura e pintura brasileira como Oswaldo 11x17 cm 60 Goeldi, Amadeo Lorenzato e José Pancetti, mas Cortesia Galeria Nara Roesler JOSÉ PANCETTI 63 em sentido inverso – enquanto eles partiram da Cabo Frio, 1947 PATRICIA LEITE figuração da paisagem para flertar com a Óleo sobre tela Revoada, 2014 composição abstrata, Patricia Leite faz o Um envelope que contém sargaço e que recebe 46x65 cm Óleo sobre madeira caminho contrário. Um ponto chave dessas as inscrições “Abra e Cheire” e “Este Envelope Coleção Airton Queiroz, Fortaleza, CE 130x160 cm transições é a alusão a um modo popular de Contém Cheiro da Praia de São José da Coroa Coleção Guilherme Teixeira pintura, que se evade das tradições acadêmicas Grande” estimula o olfato, um sentido em sua economia de efeitos e distingue-se das tradicionalmente pouco convocado nas obras de 61 atitudes das vanguardas por sua subjetividade. arte. Onde quer que o envelope tenha sido JOSÉ PANCETTI 64 Vez em quando, associações temáticas afloram aberto, o eflúvio de algas que o destinatário pode Campinas, SP, 1957 PATRICIA LEITE em séries de pinturas da artista. São referências ter sentido parece o gatilho perfeito para Óleo sobre tela Atol III, 2014 à música, como Tom Jobim e sua relação com rememorar a experiência sensorial do mar, talvez 27x31 cm Óleo sobre tela o carnaval carioca, suas canções com fortes associada a memórias pessoais e afetivas. Coleção particular, SP 130x160 cm imagens do meio ambiente, e Caymmi, as Esta obra é exemplar das ações postais de Paulo Cortesia Mendes Wood DM, São Paulo festas populares, paisagens mineiras, marinhas Bruscky, nascido em Recife em 1949. O artista, tropicais e cenas cotidianas. São discretas também arquivista e colecionador de arte sugestões narrativas que podem ou não ser efêmera, optou deliberadamente por manter um Com formação em Desenho e Gravura pela tomadas em conta pelo espectador diante do emprego burocrático para preservar sua Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fato concreto da contemplação da pintura. independência em relação ao mercado de arte. O Patricia Leite, que também foi aluna de Amilcar Funcionam como reforços do sentido de pernambucano aspirava à livre circulação de de Castro em seu Núcleo Experimental de Arte, imersão que se expande a partir de seus planos ideias e da arte em redes alternativas de trocas iniciou sua carreira afinada com as abordagens de cor como convite à espera e ao silêncio. que extrapolassem fronteiras, o que promoveu em pictóricas que marcaram a década de 1980. trocas e diálogos regulares com artistas de todo o Próximo à virada do milênio, emergiu mundo por meio do movimento internacional de gradualmente em seu trabalho a construção de arte postal desde os anos 1970. Seu trabalho paisagens, com massas de cor tendendo a também se desdobrou em outras frentes, desde a linhas do horizonte, cadeias de montanhas, publicação de anúncios classificados, passando áreas celestes. Formas e cores participam desse por experimentações com máquinas de escrever processo, que não se confunde com a ou de encefalogramas, xerox e fax, até representação naturalista dos ambientes, mas intervenções urbanas em outdoors e ações define-se por evocações espaciais diversas. performáticas provocadoras nas ruas da cidade. Cada tela descreve uma atmosfera única, A sua intenção de tensionar e burlar sistemas – envolvente, mesmo que o plano da pintura, sejam eles linguísticos, jurídicos, institucionais ou 34 feito de chapas de madeira, se revele com tecnológicos – confere às suas diferentes propostas 35 franqueza, assim como a artificialidade das uma dimensão crítica sustentada por um aguçado cores chapadas. O modo de fazer, a natureza senso de humor. da pincelada, faz-se propositadamente despretensiosa, sem intenção de demonstrar virtude ou vigor, como se resultasse da mais imediata vontade de preencher as formas com suas cores. Há obras de arte que demoram a ser concluídas, Primeiro, o “canto” – arquétipo espacial simples Em seguida, o “centro” e o “verso”. Desenhando 66 passam por muitas etapas ao longo de anos, 72 que se dá no encontro de duas arestas – foi traçados arbitrários sobre um mapa, Nelson Felix JOSÉ PANCETTI ou mesmo ficam inacabadas. Isso nem sempre NELSON FELIX interpretado pelo artista em toda a polivalência identificou São Paulo como centro de uma linha Itapoan, Bahia, 1953 significa que tais trabalhos tenham a própria Método Poético para Descontrole de que a palavra permite. Mapeou o que seriam os que liga duas ilhas pequenas e pouco conhecidas, Óleo sobre tela passagem do tempo como substância, como se Localidade, 2015 cantos de Portugal, país cujo contorno geográfico uma no Oceano Atlântico, a outra no Pacífico: 46x63 cm pode dizer da Série Genesis, de Nelson Felix. O Vídeo, 9’03” lembra um retângulo. Tendo definido sua rota fato irrelevante para o cotidiano da cidade, mas Coleção Fundação Edson Queiroz, primeiro gesto da série, em 1985, consistiu em Coleção do artista desenhando sobre um mapa, Nelson Felix viajou fundamental para o gesto poético de encontrar, a Fortaleza, CE inserir um pequeno diamante no interior de uma até os extremos do território, carregando quatro partir de uma centralidade prefixada, dois vértices ostra, deixando que sua biologia trabalhasse para pesados cubos de pedra na boleia de um (ou versos). Felix, então, identificou as ilhas e a formação de uma pérola ao redor da pedra Muito da produção de Nelson Felix tem como caminhão. Nos três primeiros cantos, pousou as descobriu como acessá-las de modo a torná-las 67 preciosa. Nessa ação aparentemente simples, a princípio a desconfiança na autossuficiência dos rochas sobre o solo, diante da paisagem, e as centros provisórios de sua obra. Foi às ilhas, JOSÉ PANCETTI temporalidade geológica do diamante se mistura métodos de composição compilados pela desenhou insistentemente, apreendendo suas alcançou seus pontos extremos, de onde pudesse Mulheres na praia, 1953 com a insistência orgânica de um ser vivo, em modernidade. É como se os arranjos compositivos formas, sua relação com o entorno e o próprio lançar para o horizonte uma linha de visão que (a Óleo sobre madeira uma colisão disparada pelo artista que faz ação e de elementos no espaço atuassem como uma lugar geográfico que marcavam. No último, um não ser pelos limites da ótica) circundasse o 70x83 cm espera se confundirem em uma só duração. Gestos sintaxe pronta, resolvida, sem abertura para a ambiente preparado para exposições, justapôs as planeta até alcançar São Paulo. Em cada ilha, Coleção Harry Adler, Rio de Janeiro, RJ análogos se sucederam ao longo dos anos, com errância criativa ou para a multiplicação de rochas contra os cantos da sala, escorando-as fincou estacas de bronze baseadas na um minúsculo buda de ouro assimilado pelo osso sentidos poéticos. Buscando evadir-se desse com ponteiras de bronze gravadas com outros decomposição da letra A por Joan Brossa no de um cão, um osso abraçado por uma árvore, fechamento, Nelson Felix experimentou múltiplos “cantos”: os versos de um poema de Sophia de poema “Desmuntatge”. Depois, chegando a São 68 um tronco engolido pela terra. O ouro, raro metal recursos de pensamento e ação. Nas ações Mello Breyner Andresen – “Casa térrea” – sobre Paulo, configurou em peças de mármore e bronze JOSÉ PANCETTI formado nas maiores explosões estelares, termina reunidas sob a alcunha Método Poético para uma morada construída desde sua fundação por uma analogia espacial da circularidade alcançada Sem título, 1944 devolvido à terra dentro da madeira, do osso, do Descontrole de Localidade, procurou enfatizar a alguém que fez da arte a “verdade do teu inteiro por tal procura insistente de centralidades não Óleo sobre tela tempo. Não se trata simplesmente de respeitar porosidade de seus processos, contando com estar terrestre”. Juntos, os cantos todos tocados coincidentes. Desta feita, não há um espaço uno 29,5x40,5 cm o ritmo da natureza, mas de evidenciar que o elementos que não cabem na gramática básica pela ação definem muitos espaços de escala e em configuração, mas sim uma noção espacial Coleção Instituto Casa Roberto Marinho próprio tempo é uma abstração que só se pode da composição visual: o acaso, o erro, as consistência distinta; ou então, pela ótica da obra que pode deslizar pelos grandes anéis dos sentir por meio de processos vivos. analogias com a poesia das palavras, a dilatação de arte, falam de um só espaço tecido entre todas meridianos e paralelos do planeta. Em um universo reduzido a seus componentes das escalas. Na conjunção desses elementos, o as suas manifestações. Assim, nessas ações e nas que seguem em 69 materiais, não haveria como perceber a passagem espaço foi a substância tomada como noção a ser andamento como desdobramentos da série, FLÁVIO DE CARVALHO do tempo: são os movimentos de expansão, alargada até a quase impossibilidade de Nelson Felix exacerba a noção de que a paisagem Sem título, 1957 atração e reconfiguração da energia e da percepção e, então, reinstaurada em sínteses é coisa mental, articulação única entre espaço Nanquim sobre papel matéria que expressam a existência temporal da plásticas. natural e operações visuais, mnemônicas, 93x71 cm realidade. Ao tomar partido de tais movimentos projetuais, funcionais e poéticas. Ensina que para Cortesia coleção Hugo França de transformação, a Série Genesis aproxima- construir um lugar, por vezes, o mais importante se sensivelmente dos fluxos temporais de vida e não é edificar paredes e telhados, mas deslocar- morte, ciclos de transformação que muitas vezes se no espaço até encontrar um justo ponto de vista 70 ignoramos em sua iminência poética. que consubstancie um pensamento. FLÁVIO DE CARVALHO Mulher, 1967 Nanquim sobre papel 500x70 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – FAAP

36 71 37 NELSON FELIX Rio de Janeiro, RJ, 1952 Série Gênesis, 2015 Vídeo, 10’10” Coleção do artista UTOPIA DE CIDADE vez mais artista e agitador cultural simpatizou com livre exercício do prazer (inclusive erótico) e do a concepção corbusiana da cidade como máquina, entusiasmo de produzir e transformar as coisas. Cumpre a nós, povos nascidos fora do peso das tradições setorizada de modo lógico e sintonizada em um seculares, estudar a habitação do homem nu, do homem continuum coerente entre forma urbana, modelo social O texto de Flávio de Carvalho não chega a detalhar um do futuro, sem deus, sem propriedade e sem matrimônio. e relação com o território e o ambiente natural. projeto, mas está entre as mais originais contribuições Flávio de Carvalho, 1930 para um imaginário de cidade orientado à criação de Sua “cidade do homem nu” herda a atitude prospectiva uma “civilização nua”, que não quer simplesmente se Desde que voltou a São Paulo em 1922, Flávio de de Corbusier, que concebe um modelo espacial tornar desenvolvida, mas encontrar seus próprios Carvalho aproximou-se gradualmente do circuito autônomo e funcional, não apenas prevendo as critérios de sucesso. Ao concluir, o arquiteto diz: modernista reunido na cidade. O ponto mais alto dessa soluções técnicas da urbanização futura, mas também afinidade pode ter sido sua participação no IV Congresso prescrevendo os estados de ânimo e as dinâmicas sociais Convido os representantes da América a retirar Panamericano de Arquitetos, realizado no Rio de Janeiro da modernidade – o então chamado Espírito Novo. as suas máscaras de civilizados e pôr à mostra as suas em 1930. Na ocasião, apresentou-se como “delegado tendências antropófagas, que foram reprimidas pela antropófago”, com a leitura do texto de sua autoria A clareza formal da estrutura concêntrica da cidade conquista colonial, mas que hoje seriam o nosso orgulho “A cidade do homem nu”. preconizada pelo artista segue a tradição das utopias de homens sinceros, de caminhar sem deus para uma urbanas. Sua implantação na América é apresentada solução lógica do problema da vida da cidade, do Em sua argumentação, recebida com estranhamento como oportuna, como argumento para a abertura ao problema da eficiência da vida.1 num congresso eminentemente técnico, convergiu o forte novo. É nesse ponto que a premissa antropofágica se imaginário deixado pela visita do arquiteto francês Le afirma: a cidade do homem nu se projeta para os De fato, os esforços de Flávio de Carvalho nos anos 73 Corbusier ao Brasil em 1929 com a retórica característica potenciais técnicos ainda por serem implantados na seguintes parecem ter tentado responder a parte desse NELSON FELIX dos manifestos redigidos pelo poeta Oswald de Andrade sociedade moderna (e vai além, dedicando sua área apelo, procurando desafiar a moral cristã, pesquisar Caderno de Anotações em 1924 e 1928 (Pau-Brasil e Antropófago). mais nobre ao centro de pesquisas) e, ao mesmo tempo, uma arquitetura, um design e uma moda adequados Globo e incorporação do trabalho de Lula Vanderley, espera recuperar uma esquecida herança da terra aos trópicos e resgatar princípios míticos do continente 38 39 “Agora” para Nelson Felix Flávio de Carvalho entrevistou Le Corbusier em São para se desviar dos equívocos acumulados pela americano. Essas iniciativas foram reunidas nesta Paulo com o jornalista Geraldo Ferraz, tendo para isso cultura burguesa e cristã. exposição junto a outros produtos culturais que lido La peinture moderne (1924), Vers une Architecture buscaram, em seus campos, figurar a face solar dessa (1924), L’Art décoratif d’aujourd’hui (1926) e edições da Dessa convergência que almeja o futuro enquanto quer tal civilização nua, que pode ser comparada à civilização revista L’esprit nouveau (1920-1925). A partir desse recuperar algo de primitivo ou selvagem emerge uma praieira por suspender os padrões vigentes de encontro, a convicção que alardeava desde o princípio concepção de cidade para o homem despido de tabus urbanização em prol de uma integração entre o da década – de que o futuro da arquitetura estava na escolásticos: sem propriedade privada, sem matrimônio, homem, seu meio e seus desejos. eficiência construtiva, funcional e simbólica – ganhou sem igreja, sem culpa. Assim, racionalizada e fôlego e expandiu-se para abarcar a urbanização como coletivizada, a cidade seria uma máquina de sublimação Nota um todo. O engenheiro-arquiteto que se tornava cada e reanimação dos desejos do homem, espaço para o 1 Texto publicado no Diário da Noite em 1º de julho de 1930. Arquiteto, engenheiro, empreendedor, Suas ideias sobre antropologia e psicanálise, 74 figurinista, articulista, agitador cultural e artista 79 não cabendo no campo acadêmico, foram NELSON KON com experiências em uma vasta gama de ARTISTA DESCONHECIDO articuladas com experimentos em espaços São Paulo, SP, 1961 linguagens e meios, Flávio de Carvalho foi um Flávio com traje de verão para homens, 1950 públicos, como em 1931, com a polêmica Fazenda Capuava, Valinhos, SP, 2012 singular expoente da vanguarda modernista Reprodução fotográfica P&B Experiência n°2, em que decidiu testar a Impressão jato de tinta sobre papel algodão brasileira. Educado desde a infância na Europa, 40x30 cm tolerância das multidões religiosas indo contra 18x45 cm formou-se em engenharia e voltou para o Brasil Arquivo Museu de Arte Brasileira – FAAP o fluxo de uma procissão no dia de Corpus Cortesia do artista meses depois da Semana de Arte Moderna de Christi, usando uma boina e interpelando os 1922, marco inaugural de um movimento do passantes. qual se aproximou nos anos seguintes por 80 Na década de 1950, interessou-se fortemente 75 defender a redefinição da cultura nacional, Revista Manchete, outubro/1956 pela moda, desenvolvendo diversos estudos NELSON KON então predominantemente burguesa, Flávio de Carvalho estreou o seu new look sobre o vestuário e contribuindo para o Diário Fazenda Capuava, Valinhos, SP, 2012 acadêmica e provinciana. de S. Paulo com a coluna “Casa, homem e Impressão jato de tinta sobre papel algodão Participou de diversos concursos públicos de paisagem”. Como resultado de suas pesquisas, 30x45 cm arquitetura, sem jamais ganhar nenhum prêmio 81 Flávio de Carvalho criou um traje para o Cortesia do artista por suas ideias inovadoras, provocativas ao Revista Casa & Jardim nº40, 1958 homem dos trópicos, tendo como fator principal estilo eclético em voga e também às iniciativas Fac-símile a ventilação dos braços e das pernas. Convocou neocoloniais defendidas por alguns dos a imprensa e realizou no dia 18 de outubro de 76 intelectuais modernos da época. Além de 1956 a Experiência n°3 desfilando oNew Look, NELSON KON pioneira na defesa irrestrita de uma linguagem Flávio de Carvalho defendeu propostas roupa masculina tropical composta de blusão Fazenda Capuava, Valinhos, SP, 2012 modernista, sua atuação como arquiteto provocativas em todos os campos artísticos e sem mangas, saiote, meias de bailarina e Impressão jato de tinta sobre papel algodão mantém-se intrigante pela ambição de intelectuais em que atuou, sempre preferindo a sandálias de couro. 30x45 cm convergir despojamento de ornamentação, polêmica e o debate público ao compromisso As experiências de Flávio incluem ainda a Cortesia do artista eficácia construtiva, síntese formal e atualidade com o status quo. Valia-se da formação Experiência n°4 (1958), em que o artista técnica com as especificidades do clima tropical moderna como engenheiro e arquiteto, do organizou uma expedição à selva amazônica e com o imaginário de um novo homem vanguardismo em sua filiação artística acompanhado por uma equipe de registro e 77 moderno. experimental, e de interpretações explosivas de duas ‘Deusas’ caucasianas, com a proposta de FLÁVIO DE CARVALHO Concretizou apenas dois projetos, por iniciativa seus estudos pessoais sobre psicologia e criar um filme sobre a fundação de uma Fazenda de Capuava, Valinhos, SP, 1938 própria e em terrenos da família: o conjunto de antropologia. Na convergência de seus linhagem de índios brancos. O filme não foi Prata sobre papel gelatinado residências para aluguel na Alameda Lorena interesses, elaborou, por exemplo, O Bailado concluído, mas a expedição foi muito divulgada 45x70 cm (São Paulo), em 1938, e sua casa na Fazenda do Deus Morto (1933), espetáculo experimental e chegou a ter contato com tribos indígenas até Acervo Museu de Arte Brasileira, FAAP Capuava, em 1939, projeto de grande de teatro e dança para o qual criou texto, então isoladas. inventividade formal e programática. O volume cenografia, figurino e iluminação, para um com o salão principal é trapezoidal, com pé- elenco com maioria de negros. Iconoclasta 78 direito de 6,50 m e panos coloridos esvoaçantes desde seu título, a peça encenada no andar ARTISTA DESCONHECIDO no lugar da porta. O interior dessa estrutura de térreo do Clube dos Artistas Modernos foi Flávio pintando a modelo Izabel na Fazenda concreto, desprovido de divisórias, tem cores censurada e proibida pela ditadura de Getúlio Capuava fortes em suas paredes laterais e revestimento Vargas após apenas três apresentações. Reprodução fotográfica P&B de chapas de alumínio em parte do teto, 30x40 cm material moderno que favorece o rebatimento Arquivo Museu de Arte Brasileira, FAAP da luz natural. Todos os demais cômodos, com pé-direito mais baixo, têm esquadrias de metal 40 e vidro abertas para o jardim da fazenda, no 41 qual destaca-se um vigoroso pergolado de altas vigas de concreto que protegem a varanda, uma piscina semiolímpica com inusitado sistema de iluminação subaquático e o paisagismo com bromélias, cactos e outras espécies adaptadas ao clima tropical. percepções de tempo e lugar narradas por entorno com um gesto humano. Assim, entre o talvez instigantes para quem se lançar à 82 87 Caymmi e Pancetti: um tempo longo, esticado, desenho de paisagem, a ilustração científica e o deambulação. “Talvez, na Cidade do Homem 88 BEL FALLEIROS RAFAEL RG contemplativo e, nesse sentido, poeticamente plano urbanístico, o artista gravou um mapa- Nu, as informações pudessem ser assim, ARTHUR NESTROVSKI/JOSÉ MIGUEL WISNIK São Paulo, SP, 1983 São Paulo, SP, 1986 produtivo. “Anotações para uma cidade nua” é desenho-testemunho em uma pata de abertas à experiência”, afirma Fabio Morais. Porto Alegre, RS, 1959 Centro de reanimação dos desejos exaustos, Outras formas de escuta dos espaços, 2016 um convite do Núcleo de Cultura e Participação caranguejo que parece nos situar num tempo Cidade do amor é uma recolha de momentos São Vicente, SP, 1948 2016 Intervenção em plantas dos espaços do aos artistas Bel Falleiros, Cadu, Cristiano outro, quase da grandeza das transformações eróticos: poses estereotipadas, closes de Aula-show sobre Dorival Caymmi gravada Gesso, transfer e grafite sobre cartão Tomie Othake e projetos arquitetônicos de Lenhardt, Fabio Morais, Leda Catunda e Rafael geológicas e que escapa mesmo à medição. expressões aparentemente perfeitas de quem em 1 de março de 2016 84,1x59,4 cm Flavio de Carvalho, textos, imagens de RG para traduzirem a Cidade do homem nu Sambaqui é uma fábula topográfica de cidade, ama e encara o objeto de sua atração, em Projeção Coleção da artista arquivo e cortiça como uma inserção na mostra, uma dobra cuja feitura lhe tomou muito tempo para ambientes românticos – pôr do sol na praia; na 84,1x59,4 cm poética no espaço expositivo. Eles reafirmam, descobrir a técnica e o gesto: “um tempo lento, cama, o ninho do amor do casal; a célebre Coleção do artista, com colaborações de num esforço inventivo do presente, resinoso, da natureza. Um tempo que só surge saída da igreja após as bodas –, com histórias José Miguel Wisnik é professor de Literatura 83 Belisa Murta possibilidades poéticas tão materiais quanto no recolhimento da solidão. Um tempo que para se enamorar e contrair o matrimônio, Brasileira na Universidade de São Paulo (USP), CADU intangíveis e, ao mesmo tempo, potentes para confunde bordo com porto”, diz o artista. Um passos corretos para o relacionamento especialmente reconhecido por seus estudos da São Paulo, SP, 1977 nos fazer questionar como nos lançamos na tempo de desenho que, embora não seja normativo. Por trás de tudo, uma ironia: uma cultura por meio de aproximações entre a Sambaqui, 2016 ANOTAÇÕES PARA UMA CIDADE NUA paisagem urbana e dela usufruímos. E assim, constituído dos círculos concêntricos da cidade cidade-rio, tal como um sistema circulatório, música e a literatura. Além da atuação Fotografia impressa em papel algodão Abolir as máscaras de civilizados. Viver sem conectando fios e palavras de Flávio, tomaram de Flávio, é esteira de pensamento para uma cujas vias não levam a lugar nenhum. A acadêmica, dedica-se à música desde sua 84,1x59,4 cm deus, sem propriedade, sem matrimônio. para si um tanto da ousadia de pensar uma possível cidade do homem-natureza. colagem de Leda Catunda ressalta um tanto formação erudita na juventude e colabora Coleção do artista, Cortesia Galeria Vermelho Experimentar com curiosidade “as maravilhas outra forma de cidade: “sentir em si a renovação As aquarelas da série Entredécada, de Cristiano das práticas que legitimam os relacionamentos frequentemente com músicos brasileiros. Arthur do universo, o prazer pela vida, o entusiasmo constante do espírito”, Falleiros parafraseia Lenhardt, são registros fictícios dos exercícios de ditos corretos, fundamentais para perpetuação Nestrovski é o diretor artístico da Orquestra em produzir coisas”. As premissas de Flávio de Flávio; “vivência com o absurdo”, segundo o personagens que estiveram, contraditoriamente, da espécie e aceitos socialmente. Assim, Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e 84 Carvalho, reafirmadas por uma tendência relato de Cadu; “pensar no Flávio e responder à frente de seu tempo, e por isso mesmo deparamos com um contrassenso: se o mundo doutor em música e literatura pela Universidade CRISTIANO LENHARDT antropofágica, constituíam a metrópole do a ele, nesse mundo tão desesperançoso, é um incompreendidos, mas tão engajados nas progride, como acreditava Flávio de Carvalho, de Iowa (EUA). Exerce também as atividades de Itaara, RS, 1975 homem do futuro: o homem nu, livre e compromisso que instiga uma vontade de dinâmicas do contemporâneo que ousaram e, portanto, deveria se transformar em um crítico, editor, escritor e tradutor. Eventualmente, Esquema Entredécada de 2009, 2016 selvagem. Ainda que não tenha realizado o resolver algo”, aponta Lenhardt; “evocar a pós- sonhar com outros mundos. Esses personagens lugar livre de tabus, sem restrições, onde o os interesses de Wisnik e Nestrovski convergem: Aquarela sobre papel de algodão plano diretor da Cidade do homem nu, Flávio utopia no plano particular, o da voz que só tem poderiam viver em qualquer tempo, em homem realiza e descobre novos desejos, por ambos são músicos e compositores com 84,1x59,4 cm lançou um desafio, para não dizer uma afronta, a gritar Socorro!”, para Morais; “é uma cidade qualquer lugar, ainda que tenham proposto que ainda precisamos afirmar a necessidade de instrução teórica e prática erudita, ambos são Coleção do artista quando apresentou o seu texto, em 1930, aos do homem nu, e nós, em pleno século XXI, algo que exigisse uma atuação contextual. uma “zona erótica”? professores e acadêmicos que combinam o que pensavam e viviam funcionalmente as estamos mais vestidos que nunca”, afirma Segundo o artista, essas ações performativas e A cidade do homem nu é toda ela um território estudo de literatura com a música. cidades modernas. E que ainda ecoa, Catunda; pensar uma cidade, como Flávio os gestos utópicos desses autores, artistas, amplo e coletivo, é toda ela a casa do homem. As aulas-show realizadas por Wisnik e 85 vivamente, por entre nossos enfrentamentos formulou, é admitir que a cidade parte também inventores não são localizáveis na história. E a Baseando-se nesse pensamento, Rafael RG Nestrovski são propostas ensaísticas que se FABIO MORAIS urbanos e nos nossos modos de nos das urgências do indivíduo para o campo força de suas propostas declararia um choque propõe uma operação tradutória, a pensar que articulam em torno de um tema, um movimento São Paulo, SP, 1975 percebermos em comunidade coletivo, explica Rafael RG. de perspectivas ao ponto de fazer desorganizar a casa é o núcleo do indivíduo, enquanto a ou um compositor específico. Elas partem da Socorro, 2016 contemporaneamente. É essa utopia de lugar Bel Falleiros imanta registros do que poderia ter a linha do tempo da evolução humana. É de cidade é um constructo no tempo e no tempo escuta de canções selecionadas seguida de Impressão fotográfica digital laminada sobre que também nos desafia e nos perturba: será sido o “marco zero” da cidade de São Paulo, transgressão e um tanto de anacronia que se de todos os indivíduos que por ela circulam. análises finas de suas composições e letras. O chapa de poliestireno que somos capazes de projetar, sem restrições, como se nessa reconstrução fictícia/ constitui a ponte entre os personagens de Assim, o artista coloca-se em processo de tom coloquial em que essas histórias são 84,1x59,4 cm um plano para uma metrópole tropical apta a arqueológica/arquitetônica pudesse forjar uma Lenhardt e o homem nu de Carvalho. escuta aos espaços, forjando lugares, contadas e cantadas convoca diretamente o Coleção do artista, Cortesia Galeria acolher os desejos do homem? Que termos nova lógica, ética e estética de cidade. Seu Fabio Morais conecta-se a um tempo pós- inventando suas funções, inaugurando verbetes público e permite abordar diversos aspectos da Vermelho inventaríamos, que funcionalidades desenho desenvolve-se sobre um princípio em utópico, o fim de tudo. Enquanto as grandes imprevistos para cada um destes com o intuito música popular brasileira. Para a presente destacaríamos, de que estratégias poderíamos que prática e reflexão, gesto e pensamento, cidades preocupam-se prioritariamente em de elaborar “convivódromos” – pausas, praças, mostra, a dupla foi convidada a discutir as nos valer para estimular nossos impulsos e performatividade e investigação histórica se sanar problemas de trânsito e o transporte esferas públicas para livre discussão e prazer. Canções Praieiras. 86 libido e fazer circular toda a nossa energia sobrepõem em camadas não hierárquicas para pode ser um índice que atesta desenvolvimento, RG apropria-se das plantas do espaço LEDA CATUNDA criativa represada? E mais, será que somos fazer convergir Inhambussú (a colina sagrada o artista atenta ao fato de que a mobilidade expositivo do Instituto Tomie Ohtake e as mescla 42 São Paulo, SP, 1961 capazes, na mais elementar instância, de nos assim denominada pelos índios, considerada o urbana não é pensada como aspecto inerente à com projetos arquitetônicos de Flávio de 43 Cidade do Amor, 2016 colocar diante do desafio de ao menos pensar núcleo primitivo da cidade de São Paulo) e o circulação do indivíduo nas tramas subjetivas Carvalho, textos e imagens de arquivo. Colagem (acrílica sobre voile, papel e em um desejo de cidade que derrube as Centro de reanimação dos desejos exaustos que traça pela cidade. No plano urbanístico de aquarela) estruturas prévias às quais somos habituados? (proposto por Flávio de Carvalho); o marco Flávio de Carvalho, o deslocamento do homem 70,5x100 cm Essas questões e outras tantas motivaram zero e a noção de umbigo orgânico da cidade, nu não é subterrâneo. Ele planeja uma cidade Cortesia da artista práticas projetuais de cidades, esboços e criada pela artista. com círculos concêntricos, o que, para Morais, notações para uma conversa com Flávio de Cadu residiu por uns meses solitariamente em evoca a necessidade de movimento e circulação Carvalho, ressaltados em desenhos e ficções de Hornitos, praia deserta entre o Atacama e o do sujeito. Em Socorro, o artista se apropria do espaço em que o homem teria tempo, sem Pacífico. Pretendia interagir com o ambiente, mapa de metrô da cidade de São Paulo e retira fadiga, para o prazer e o conhecimento, para evitando qualquer esboço de controle ou feroz toda a informação verbal. Sobram a Estação usufruir e constituir afetiva e intelectualmente exploração da natureza, mas propondo uma Socorro e as demais linhas (cortes no espaço de uma cidade. Talvez se insira nesse ponto o inserção de sua passagem por ali que uma cidade que cresceu desordenadamente), diálogo entre estas seis propostas e as impregnasse, ainda que minimamente, o esquemas visuais aparentemente sem função e PATROCÍNIO

APOIO

IDEALIZAÇÃO E COORDENAÇÃO GERAL

APOIO DE MÍDIA

REALIZAÇÃO

MATERIAL EXCLUSIVO DA EXPOSIÇÃO APRENDENDO COM DORIVAL CAYMMI: CIVILIZAÇÃO PRAIEIRA. FAVOR DEVOLVER APÓS A VISITA