A HISTÓRIA AMBIENTAL DOS IMIGRANTES ITALIANOS E SEUS DESCENDENTES NA MICRORREGIÃO OESTE DO VALE DO /RS

Janaíne Trombini1

Resumo: Os imigrantes italianos chegaram a partir das últimas décadas do século XIX no e no Vale do Taquari instalaram-se na porção territorial situada na encosta superior do planalto, entre os vales do rio Caí e do rio das Antas. Este trabalho insere-se em parte da pesquisa de mestrado que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES e tem como objetivo analisar a história ambiental dos imigrantes italianos e seus descendentes na Microrregião Oeste do Vale do Taquari. A metodologia da pesquisa será qualitativa e os procedimentos metodológicos consistem na revisão bibliográfica, realização de entrevistas com base na história oral, elaboração de diários de campo com famílias de produtores rurais descendentes de italianos os quais serão analisados por meio de aportes teóricos da história ambiental e da cultura. As informações levantadas têm demonstrado que os imigrantes italianos e seus descendentes desde a instalação no território estabeleceram relações de maior ou menor impacto com a natureza e tanto mantiveram como atualizaram as práticas culturais dos seus antepassados.

Palavras-chave: História Ambiental. História Oral. Descendentes de Italianos. Vale do Taquari.

Introdução O contexto imigratório italiano está relacionado às transformações sociais, políticas e econômicas recorrentes ao mundo capitalista que fizeram com que muitos italianos se movimentaram em direção à América em busca de uma vida melhor, chegando ao Brasil nas últimas décadas do século XIX. O processo imigratório para o Brasil consiste em duas atividades distintas: uma oficial sendo a colonização, que visava ocupar e povoar zonas até então desocupadas e distantes por estrangeiros, e a outra, particular chamada de imigração, estimulada pelo governo que queria a obtenção de braço livre e interesses para a grande lavoura, como a mão de obra barata (BARROS; LANDO, 1996). Os imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul a partir de meados da década de setenta do século XIX até início do século XX com a proposta de trabalhar na agricultura e a promessa de um bom emprego. Desde o início do processo imigratório os

1 Graduação em História. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento do Centro Universitário Univates, Lajeado/Brasil. Bolsista PROSUP/CAPES. E-mail: [email protected]

italianos mantiveram seu contato com a natureza, produzindo seus cultivos oriundos do reino da Itália tendo seu empreendimento colonizador, marcado pelo regime de trabalho familiar e livre, pela policultura e pela pequena propriedade. Considerando estas informações, é que se insere este trabalho em parte da pesquisa de mestrado que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES - Lajeado/RS. Este trabalho tem como objetivo procurar analisar a história ambiental dos imigrantes italianos e seus descendentes na Microrregião Oeste do Vale do Taquari, residentes nos municípios de Progresso, , e . As famílias descendentes de imigrantes italianos selecionadas para este trabalho podem estar constituídas por pessoas de duas ou até três gerações tais como avós, pais e filhos. Na execução deste trabalho a metodologia consistirá na saída à campo a proprietários descendentes de imigrantes italianos na Microrregião Oeste do Vale do Taquari que atuam com agropecuária, nas quais elabora-se diários de campo e realiza-se entrevistas. Conforme Godoy (1995, p. 58) “as expressões ‘ pesquisa de campo’ e ‘pesquisa naturalística’ podem ser vistas como sinônimos de ‘pesquisa qualitativa’”. Torna-se assim uma ênfase maior cotidiana para compreender como estes descendentes de italianos vivem hoje através de seus relatos, levando em conta também que estas pesquisas de campo serão acompanhadas de aportes documentais e bibliográficos. Tratando-se das entrevistas previamente elabora-se um roteiro de questões semiestruturadas (MARCONI; MAKATOS, 2003). As informações obtidas são registradas com base na metodologia da História Oral para o registro de depoimentos. Além disso, também serão utilizados os diários de campos e entrevistas gravadas para o Projeto de Pesquisa “Desenvolvimento Econômico e Sociocultural da Região do Vale do Taquari/RS: determinantes, dinâmicas e implicações”, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente de Desenvolvimento da Univates, no qual participo como voluntária, para o aprofundamento de questões relacionadas aos descendentes de imigrantes italianos no Vale do Taquari. Os critérios para participação desta pesquisa com entrevistas e diários de campo, conforme referido, será com famílias de produtores rurais descendentes de imigrantes

italianos dos município da Microrregião Oeste do Vale do Taquari que atuam com agropecuária e que concordaram participar da pesquisa, somando assim sete produtores. Os produtores rurais que participam desta pesquisa devem assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), e serão informados dos objetivos do estudo, bem como que sua participação consiste de um ato voluntário e que não trará qualquer apoio financeiro, dano ou despesa. Também serão utilizados alguns autores sobre a história oral como Pollak (1992), Tedesco (2002) e Félix (2004), que tratam sobre fontes orais, memórias e suas contribuições no campo historiográfico.

2 A Imigração italiana no RS e no Vale do Taquari

Na Europa, dentre os vários fatores responsáveis para imigração italiana ao Brasil, pode-se apontar, por exemplo, o difícil acesso a terra, pois os nobres proprietários raramente se desfaziam do que possuíam. Aconteciam também conflitos internos como depressão econômica, fatores relacionados à Revolução Industrial, o processo da unificação do estado nacional italiano (1850–1860) e os altos impostos cobrados dos camponeses (MANFROI, 2001). As áreas destinadas à colonização italiana no Brasil estavam diretamente ligadas às mudanças da Lei de Terra de 1850, pois se não fossem ocupadas deveriam voltar ao governo Imperial. As terras não legalizadas, denominadas de devolutas, seriam as áreas destinadas à colonização (MANFROI, 2001). No Rio Grande do Sul, portos como o de Rio Grande, bem como outras cidades próximas de rios, tais como o Jacuí e Sinos foram os pontos de desembarque dos imigrantes italianos. Conforme, Giron e Herédia (2007), os italianos chegaram após 1870 em áreas da porção nordeste do território do Rio Grande do Sul, local de mata virgem, recebendo auxílio governamental, como alimentação, sementes e instrumentos agrícolas para após ser pago junto com as terras adquiridas. Em fevereiro do mesmo ano, o governo imperial concede para fundação de colônias que receberiam italianos na província em questão, dois territórios de quatro léguas entre o rio Caí, os Campos de e o município de Triunfo.

Segundo Costa o italiano veio em busca de terras para cultivo, mas ao chegar ao Brasil se depara com outra situação. Neste sentido Costa (1986: 23), destaca:

Este sonho ficou desfeito com as regiões montanhosas confiadas aos imigrantes da península itálica. As grandes plantações sonhadas, tiveram que reduzir-se a pequenos cultivos, nas encostas das montanhas. Com muito esforço e com o correr do tempo o agricultor, desprovido, conseguiu dominar, parcialmente, a inclemência do solo. As dificuldades no cultivo da terra fizeram com que o italiano perseguisse, preferencialmente, as culturas perenes, organizando, por exemplo, parreirais, características de sua cultura.

Com a chegada dos imigrantes italianos, uma série de alterações começa a ocorrer no meio ambiente. A agricultura, o comércio e a indústria, especialmente as serrarias e a vinicultura, devem ser entendidos, para além de seu viés econômico, como fatores de modelagem da paisagem Provincial. Um exemplo disso é a opção italiana pela triticultura e pela vinicultura, elementos por excelência do Catolicismo. A escolha pelas lavouras de trigo e pelas videiras não se deu por acaso: tratou-se, inclusive, de uma modelagem religiosa da paisagem local. O trigo é o ingrediente básico para o pão, e a uva é a fruta que origina o vinho. Pão e vinho, por sua vez, são essenciais às cerimônias religiosas cristãs (BUBLITZ, 2004). Estabelecidos em suas colônias, tais como Isabel, Caxias e Conde d’Eu, os imigrantes italianos e seus descendentes com muitas das dificuldades que enfrentaram, passaram a ver a terra como seu principal meio de subsistência e sobrevivência. Sendo assim, retiram dela desde o alimento, roupas e remédios para as diferentes enfermidades. Criou-se em solo brasileiro uma experiência nova da alimentação em grande parte com alimentos silvestres, tais como o pinhão, a pitanga e a jabuticaba (BATTISTEL; COSTA, 1982). O sistema de cultivo em suas colônias era o da derrubada e queimada da mata, adotando-se depois o rodízio de cultura de tal modo que uma parte da propriedade sempre descansasse, recobrindo-se de capoeira que, posteriormente, seria cortada e queimada. Essa técnica trazida da Europa correspondia com férteis colheitas e vários produtos característicos da imigração italiana como trigo, vinho e milho (DE BONI; COSTA, 1982).

Mesmo que à época da imigração grandes florestas já não existissem mais na península itálica, muitos imigrantes italianos trouxeram consigo técnicas de exploração de madeireira, as quais foram difundidas e culminaram, posteriormente no desenvolvimento de indústrias do setor moveleiro, tanto no Rio Grande do Sul, como no Vale do Taquari (BUBLITZ, 2004). Para tanto Tratando-se do Vale do Taquari, nas últimas décadas da do século XIX, teve início à colonização italiana, completando o processo de formação étnico-cultural da região, que por sua vez possuía uma formação bastante diversificada do ponto de vista étnico. A região que tradicionalmente tratava-se de território indígena Guarani e Kaingang, passou a ser colonizada por portugueses que trouxeram os negros, seguiram-se os imigrantes açorianos em fins do século XVIII, os imigrantes alemães a partir de meados do século XIX e nas últimas décadas do século XIX, conforme referido, temos a presença dos imigrantes italianos. As terras destinadas para ocupação dos imigrantes italianos estão localizadas na porção mais ao norte do território do Vale do Taquari, principalmente nas encostas e “região alta” (MANFROI, 2001). Portanto, é em parte deste espaço que se localiza a Microrregião Oeste do Vale do Taquari, composta dos atuais municípios de Progresso, Pouso Novo, Travesseiro e Marques de Souza, os quais constituem o recorte espacial de estudo deste trabalho. Salienta-se ainda que entrecortando estes municípios temos os rios Fão e Forqueta, que são afluentes da Bacia Taquari-Antas. Atualmente, do ponto de vista político administrativo, o Vale do Taquari situa-se na região centro leste do Rio Grande do Sul, é formada por 36 municípios, que totalizam uma área de 4.821,1 Km², e encontra-se dividido em seis microrregiões: norte, sul, leste, oeste, centro e centro oeste. Em 2013, a Fundação de Economia e Estatística (FEE), estimou para a Região uma população de 334,438 habitantes (3,08% da população gaúcha), sendo a grande maioria descendentes de origem alemã, italiana ou açoriana (FEE, 2013, texto digital). As seis microrregiões do Vale do Taquari apresentam especificidades econômicas e socioculturais, existindo desde propriedades rurais voltadas ao setor primário até áreas urbanizadas e industrializadas. A maioria das propriedades rurais do Vale do Taquari são

pequenas e voltadas para a produção da agricultura e pecuária. Desde que os imigrantes italianos e seus descendentes chegaram no Rio Grande do Sul e também na região do Vale do Taquari, foram destinados para suas terras, trazendo consigo instrumentos de trabalho, sementes, padrões culturais, crenças e costumes próprios (BARDEN, 2013).

3 História Ambiental dos Imigrantes Italianos e seus descendentes: uma abordagem pela história oral

Conforme apresentado anteriormente, os imigrantes italianos desde a chegada em seus lotes coloniais mantiveram relação com a natureza. Para tanto, essas relações com a natureza acarretaram uma série de degradações a terra, água, fauna e flora que foram somente pensadas na segunda metade do século XX, visto que estes imigrantes italianos chegaram à segunda metade do século XIX. Sendo assim a memória de um grupo é responsável pela permanência de sua identidade, pois segundo Pollak (1992: 4): A memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado. A memória é, em parte, herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória.

Portanto, é possível contatar que a história oral é de suma importância e trás novas possibilidades ao pesquisador no sentido de articular informações da memória com a dos documentos. Desta forma produziu-se um estudo entre a história ambiental e história oral abordando questões relacionadas aos descendentes imigrantes italianos na Microrregião do Vale do Taquari. A história ambiental é vista como uma ciência dentro do contexto histórico e cultural, durante o século XX e início do século XXI, sendo uma investigação aberta e não reducionista das interações entre sistemas sociais e sistemas naturais ao longo do tempo (PÁDUA, 2010). Relacionando a história ambiental aos imigrantes italianos (como atores sociais) com o meio ambiente (os sistemas naturais) temos desde a chegada em suas terras e os aprimoramentos, uma investigação aberta para analisar a relação destes

imigrantes italianos com a terra, água, animais e plantas, o necessário para sua sobrevivência. Tratando-se da história ambiental da imigração italiana no Rio Grande do Sul, conforme Bublitz (2010), as dificuldades para instalações dos imigrantes em questão nos lotes coloniais foram muitas, pois não haviam estradas abertas para o acesso à suas terras, tendo assim que desmatar a floresta e fazer pequenas entradas com facão e foice. Chegando as terras destinadas a eles, os colonos imigrantes depararam-se com uma porção de mata fechada e o contato com esta natureza, ora foi de espanto, ora do espírito desbravador e de domesticação para com a natureza, sobretudo para garantir por meio do trabalho a sua subsistência. A técnica das queimadas, a prática da agricultura e a rotação dos plantios para um melhor aproveitamento dos produtos foram atividades frequente entre os imigrantes italianos (BUBLITZ, 2010). Salienta-se ainda que a maioria dos imigrantes italianos e seus descendentes chegando a suas terras se depararam com uma grande variedade de vegetais, que serão apresentadas conforme sua percepção da flora sul rio-grandense. Exemplos esses como o angico, guajuvira, louro, cabriúva, cangerana, entre outros. Também a abundância dos animais eram destacados nos relatos destes imigrantes que atacavam suas plantações e casas, como tigre preto, capivara, tamanduá, jaguatirica e muitas aves (BATTISTEL; COSTA, 1982). Instalados em suas terras os colonos imigrantes de italianos introduziram mudas e sementes como uva, milho, trigo e feijão, partindo assim para uma produção de subsistência. Também enfrentavam dificuldades para as plantações, principalmente porque muitos animais, como macacos, papagaios, gafanhoto e algumas aves, atacavam suas plantações. Visando diminuir os estragos desses animais, conforme Bublitz (2010), os imigrantes e seus descendentes utilizavam-se de armas de fogo, como espingardas, e também armadilhas para capturar animais maiores. A autora também enfatiza sobre o impacto dos imigrantes italianos e seus descendentes com a natureza foi a exploração da madeireira, visto que havia uma grande biodiversidade de espécie de floresta que foi destruída para utilização da madeira em construção de casas, móveis e utensílios.

As degradações ambientais voltadas para o progresso e desenvolvimento fez com que surgissem alterações ambientais como o desmatamento, degradação do solo, extinção de animais e assoreamento dos rios. Nesta perspectiva é que se inserem os estudos da história ambiental, que procura analisar, além dos seres humanos, também a história da natureza. Conforme estudo de Relly (2013), os imigrantes teuto-brasileiros ao chegar ao Vale do Taquari se depararam com uma abundância da natureza tanto na flora como fauna, com uma floresta densa, desconhecida, abundante, desprotegida e desregulamentada juridicamente. Isto levou os imigrantes ao se deparar com esta grande biodiversidade e a utilizar/fazer do meio ambiente palco para suas produções de subsistência e economia. Em nosso ponto de vista, esta situação é que os imigrantes italianos também vão enfrentar quando chegam no Vale do Taquari. Percebe-se ainda que a instalação dos imigrantes italianos em áreas de maior altitude e de relevo acidentado ocorreu sob forma de pequenas propriedades, intensificou a produção agrícola e a produção de excedentes, possibilitando assim o acúmulo de capital e o investimento em novos empreendimentos comerciais e industriais. No Vale do Taquari podem-se encontrar algumas construções desse período nos municípios de Nova Bréscia e (DEVITTE; MACHADO; JASPER, 2014). Como exemplos da Microrregião estudada, podemos apontar algumas informações através da história oral com os produtores italianos e seus descendentes dos municípios que estão sendo pesquisados. Conforme Tedesco (2002), as características da memória estão em dupla natureza por um conjunto de lembranças e imagens e também de representações associadas a valores e normas de comportamento. É relevante salientar que no grupo familiar que estas características são transmitidas de gerações em geração, foi possível observar esta situação presente no cotidiano dos descendentes de italianos da Microrregião Oeste do Vale do Taquari. Alguns relatos dos produtores italianos descendentes dos municípios de Progresso e Marques de Souza falam sobre as primeiras relações de impacto com o meio ambiente. Para iniciar as plantações em suas terras, utilizavam a técnica da derrubada do mato, amontoava-se e após queimava-se. Além da derrubada para as plantações, utilizava-se a

madeira para construções de casas, paióis e utensílios. Conforme informações obtidas nos diários de campos com descendentes de imigrantes de italianos no município de Progresso existiam muito mato e as e as queimadas eram muito frequentes. Cortava-se o mato com foice e machado, depois se queimava e se plantava (DIÁRIOS DE CAMPOS, 30/04/15 e 13/06/15). Também podemos relacionar a derrubada e utilização da madeira na narrativa colhida em entrevista (E7 17/10/13, p. 33), com um descendente imigrante italiano no município de Marques de Souza, conforme segue:

D – [...] e aí nós fomos, o pai comprou a madeira de um vizinho pra fazer as linhas e coisa. A mãe não podia ajudar, aí nós subia de carroça e de boi pra derrubar e puxar as madeiras. Mas daí tinha que empurrar as madeiras pra cair de acordo pra poder puxar com os bois no meio do mato, tudo morro. Aí o pai fazia a taipa, até derrubar, e aí ele começava a cortar do outro lado e daí eu terminava de cortar pra ele poder empurrar pra... eu não conseguia nem segurar a motosserra! (risos) Mas era... não tinha outra maneira. Hoje não, hoje tu tem trator, tu iria lá e derruba e puxa [...]

Outro depoimento com um produtor descendente de imigrante italiano no município de Progresso (E14 26/12/13, p. 6) destaca a questão do desmatamento: J- E isso aí, era bastante mato também, daí ele era, como é que eles derrubavam aquele mato? Eles tinham um machado i dipois um serrote, era um serrote, também vocês não conhecem, o serrote. Ele tem dois cabinhos um aqui e outro lá, é, puxava um do lado e outro do outro i derrubava aqueles pedaço de mato com tudo assim, tudo manual, pra fazê a roça.

Por meio destes depoimentos podemos observar que a derrubada do mato era uma atividade frequente entre os descendentes de imigrantes italianos. Haja visto que muitas das atividades desenvolvidas pelos descendentes de italianos em áreas da Microrregião Oeste do Vale do Taquari, estão diretamente relacionadas com a perspectiva ambiental no que se refere às práticas utilizadas desde a época seus antepassados, tais como os desmatamentos e exploração madeireira. Também encontramos em um depoimento com um descendente de imigrante italiano no município de Pouso Novo (E18, 13/02/13, p. 3) algumas atividades que se destacavam na agricultura e a pecuária: G- I sempre tudo eles trabalhando na roça, i mais na época era plantação, era plantavam feijão, milho i, porco, criavam porco i soja, i na época não era tanto. C- Soja só depois...

G- Na época dos meus avós era pouco soja... C- Só plantava prá tratava os boi....

Vemos assim, que, para efetivar suas plantações e plantar seus produtos os italianos e seus descendentes praticavam a derrubada de mato e a queimada, presentes no seu cotidiano. Também através da análise das narrativas das entrevistas e diários de campo percebe-se que alguns de seus produtos eram o milho e o feijão, que eram cultivados entre os descendentes de imigrantes italianos. Além desta relação com a natureza e a degradação do mesmo, os imigrantes italianos e seus descendentes também continuaram a manter laços culturais e relações interpessoais dentro dos seus lotes coloniais. Desta forma, trouxeram e preservaram elementos culturais sobre este ambiente endereçando valores e ressignificações que configuraram em seu território. Do ponto de vista cultural, desde o início da colonização os imigrantes italianos no Rio Grande do Sul mantiveram reproduzindo e recriando elementos culturais oriundas da Itália, como por exemplo, a religião e a gastronomia. A religião católica foi um fator de integração social e fez com que muitos imigrantes italianos refortalecessem seus laços culturais através da fé. Segundo Manfroi (2001: 122): [...] nas colônias italianas do Rio Grande do Sul, a religião, longe de ser um ‘ópio do povo’, foi um fator de integração e uma força dinâmica que permitiu ao colono italiano fugir da desintegração social, oferecendo-lhe um quadro no qual ele se reconhecia e se expandia.

Nas festividades e manifestações religiosas dos descendentes de italianos é possível observar a continuidade de costumes, tradições e dialetos dos imigrantes italianos. Os italianos que chegaram ao Brasil eram predominantemente católicos e tinham necessidade de manter vivo os ensinamentos e as práticas relacionadas a religiosidade. Sendo assim, podemos relacionar com os estudos de Geertz (1977: 67), uma aproximação da religião como uma simbologia, característica da identidade cultural: Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-se intelectualmente razoável porque demonstra representar um tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual que a visão de mundo descreve, enquanto essa visão de mundo torna-se emocionalmente convincente por ser apresentada como uma imagem de um estado de coisas verdadeiro, especialmente bem-arrumado para acomodar tal tipo de vida.

É nesse viés que a religião católica representa laços da cultura italiana. A fé dos imigrantes e seus descendentes fizeram surgir capitéis, igrejas, cemitérios, monumentos, grutas e desencadeou a participação comunitária. Como elo de união e de unidade a fé cristã foi desencadeadora de uma organização social (BATTISTEL, 1981). A capela e a igreja foram os locais em que os imigrantes italianos se inseriram na sociedade e promoveram a fé. Toda comunidade italiana possuía uma capela, onde realizam-se as celebrações, rezavam o terço, participavam de festas, cantavam e reuniam- se para tratar dos assuntos da sociedade. Os moradores instalaram-se e constituíram as comunidades em torno da igreja. Segundo Manfroi (2001), a igreja representa um símbolo da cultura italiana e de seus descendentes, situação que continua a ocorrer no que tange aos produtores pesquisados da Microrregião Oeste do Vale do Taquari. Além de festas religiosas, tem-se no município de Travesseiro, no mês de julho, a realização da Festa do Colono. Trata-se de uma festa típica da tradição italiana, a qual tem o objetivo de potencializar sua produção agropecuária, e que também é acompanhada de missa sendo a igreja toda decorada com produtos coloniais, é servido almoço e durante a tarde temos as danças de integração (DIÁRIO DE CAMPO de 26/06/15). Esta festa do Colono é comemorada anualmente por toda a comunidade como forma de preservar a cultura italiana e a fé. Essa festa também comemorada no município de Marques de Souza, mencionada na entrevista com E7, (17/10/13, p. 3-4): M – Anos atrás, foi na festa do colono, em Picada Serra, acho que foi também que o padre rezou uma missa em italiano. É, talvez uns 10, 12 anos atrás. J – Não, mas a cultura assim é mantida ainda. Aqui tem... tem em Picada Serra, que é uma localidade do lado aqui, que eles tem uma festa, ela é tratada da festa do colono italiano, todo ano. No último domingo do mês de julho, e aí assim, ele mantém ainda alguma coisa. Agora, ultimamente, já, tinha um senhor, mas eles tinham assim o jogo da mora, que era um jogo dos italianos, né, e nessa festa sempre era feita uma demonstração, ali tinha uns três ou quatro senhores, os mais idosos. Agora a turma já diminuiu, esses já não... ele faleceram, né. M – Esses senhores faleceram. J – Mas deu pra ver assim, eles mantém alguma coisa assim, que nem o corte da lenha como era antigamente, com o serrote, né, eles ainda demonstram, né, nessa festa... M – (fala algo em italiano, referindo-se ao corte da lenha). D – Tem um concurso, na verdade. Na verdade é uma competição de quem serra mais rápido.

Não só em relação as festividades mas também na própria alimentação os imigrantes italianos e seus descendentes continuam preservando suas práticas culturais. Segundo Da Matta (1987), a comida não se resume somente ao ato de cozinhar o alimento, é também a manifestação de uma identidade e de uma cultura através do modo de preparação desse alimento. Nas visitas realizadas a produtores rurais descendentes de italianos na Microrregião Oeste do Vale do Taquari, situações como estas também podemos identificar, tanto no que se refere às formas de produção e alimentação dos antepassados, quanto como isso continua ocorrendo atualmente. A alimentação para os italianos e seus descendentes é de suma importância, eles gostam de comer bem. Seus alimentos prediletos são: pão, massas e polenta. O costume da alimentação italiana é de realizar três refeições por dia acompanhados de suas orações. Segundo Costa (1986: 40): O italiano levantava cedo, encaminhava os serviços caseiros, tratava os animais ou encaminhava-se logo para a roça. Pelas 8hs, fazia a primeira refeição, que lhe era servida na roça. Para a refeição do meio-dia, guiava-se pelo sol ou pelo toque do sino de uma capela vizinha. Após o almoço, costumava fazer pequena sesta. A terceira refeição é à noite. Após a janta, havia a limpeza da louça e seguia-se a reza do terço.

O trigo foi inicialmente o principal produto dos imigrantes italianos. Nas plantações, muitas pragas, como o gafanhoto, tomavam conta das lavouras e como não tinham a quem socorrer, buscou-se alento na fé e a santos protetores. Outro cultivo importante é a videira, uma das grandes produções dos italianos instalada no Rio Grande do Sul, sendo mais tarde voltada para a economia. Os italianos e seus descendentes têm uma ampla experiência com a terra e seu preparo, pois de onde são oriundos as características climáticas são semelhantes de onde vivem hoje, facilitando sua produção (BUBLITZ, 2004). Constituem os alimentos e comidas mais produzidos e consumidos antigamente, com base nas informações obtidas com um produtor rural descendente de italiano do município de Travesseiro, podemos destacar: milho, polenta, batata, feijão, arroz, trigo, pão, pipoca, aipim, ovos, carne de galinha e suíno, derivados de suínos (banha, salame, copa, morcela, scudiguim), ovos, queijo, leite, verduras e legumes (raddicci, repolho, cebola), além de diversas frutas (DIÁRIO DE CAMPO, 26/06/15).

Muitas das práticas dos antigos imigrantes, em relação de gastronomia, atualizaram-se e continuaram como, por exemplo, é o caso de produtores rurais dos municípios de Progresso e Pouso Novo. A maioria dos descendentes de italianos da Microrregião Oeste do Vale do Taquari possuem pequenas propriedades e nestes espaços cultivam os produtos oriundos de sua cultura, como milho, feijão, pipoca, batata, aipim, etc. O mesmo ocorre com os animais e seus derivados, tais como porcos, galinhas e uma horta para a produção de horticultura (DIÁRIO DE CAMPO, 15/06/15). Através da história oral podem ser registradas as vivências de pessoas que tenham interesse de compartilhar sua memória com a coletividade e dessa forma permitir um conhecimento do vivido. Segundo Félix (2004), ao perguntar no presente pelo passado, a história tenta responder à inquietude da busca do sentido de nossa vida individual e da coletividade. Sendo assim ao conversar com os produtores rurais descendentes de italianos, pode-se destacar sua coletividade e pertencimento ao seu grupo étnico e seus aspectos culturais, principalmente relacionados à família, trabalho, lazer, religiosidade, ancoradas no vivido, na experiência histórica.

Conclusão Considerando os resultados parciais da pesquisa que estamos desenvolvendo percebe-se a partir dos métodos e procedimentos metodológicos selecionados para pesquisa, que os italianos e seus descendentes manteram uma relação com o ambiente desde que chegaram a suas terras, seja ela em relação aos impactos ou na continuidade de algumas práticas culturais. Sendo assim, a cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo (LARAIA, 2004). Sendo assim, os produtores rurais pesquisados descendentes de italianos e ocupantes dos municípios, Progresso, Marques de Souza, Pouso Novo e Travesseiro da Microrregião Oeste do Vale do Taquari, continuam a manter desde a instalação no território relações de maior ou menor impacto com a natureza. Resultados estes encontrados como desmatamento e as técnicas de queimadas, proporcionando o cultivo de seus produtos como o milho e o feijão.

Neste viés, através do sistemas de cultivo e práticas alimentares foi possível observar elementos simbólicos entre as famílias de descendentes italianos na Microrregião Oeste do Vale do Taquari, que são mantidos nas práticas das refeições e dos seus principais pratos tais como, a polenta, pães, massas, feijão, aipim, carnes, verduras e bebidas, como o chimarrão e o vinho. Nas festividades dos descendentes de imigrantes italianos analisada, principalmente em relação as suas colheitas, percebem-se traços significativos da identidade italiana, onde o ritual da comensalidade é algo característico e repleto de significados entre os descendentes de italianos da Microrregião Oeste do Vale do Taquari. Portanto, é possível contatar que a história oral é de suma importância e trás novas possibilidades ao pesquisador no sentido de articular informações da memória com a dos documentos. Tratando desta pesquisa, a história oral complementa ainda mais os estudos sobre história ambiental, trazendo para o campo da pesquisa novas contribuições destes descendentes de imigrantes italianos na Microrregião estudada.

Referência BARDEN, Júlia Elisabete (coord.). Acervo do Projeto de Pesquisa Desenvolvimento Econômico e Sociocultural na Região Vale do Taquari. Lajeado. Univates. 2013. BARROS, Eliane C.; LANDO, Aldair M. Capitalismo e colonização – os alemães no Rio Grande do Sul. In: DACANAL, José H.; GONZAGA, Sergius. RS: imigração & colonização. : Mercado Aberto, 1996. p. 9-33. BATTISTEL, Arlindo Itacir. Colônia Italiana: religião e costumes. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1981. BATTISTEL, Arlindo I.; COSTA, Rovílio. Assim vivem os italianos: vida, história, cantos, comidas e estórias. Porto Alegre: EST; : EDUCS, 1982. BUBLITZ, Juliana. A Eco-História da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Revista Métis, EDUCS, Caxias do Sul, v.3, n.6, p.179 – 200. 2004.

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