JORNAL Sexta-feira 4 52 DE NOTÍCIAS CULTURA I JULHO 2008

O Evangelho Reverência excessiva A estreia madura de Fins de tarde e o Roque-Enrole é o maior inimigo uma rapariga tímida preguiçosos Tiago Guillul Murdering Tripping Blues Melody Gardot Patrice IV KNOCKING AT THE BACK DOOR MUSIC WORRISOME HEART FREE PATRI-ATION 8/10 5/10 6/10 5/10

É possível fazer-se punk cristão? Sim, 2Eis como um punhado de boas in- 2“Worrisome heart” é pouco mais 2Ele costuma dizer que a música é - e Tiago Guillul fá-lo melhor do que fluências e uma energia contagiante do que 30 minutos de música. Pare- dele é totalmente diferente de tudo o ninguém. O fundador da editora Flor nem sempre redundam num disco ce um gole apressado no café que que existe. Pecará por exagero. O can- Caveira lança, agora, “IV”, registo de satisfatório: os Murdering Tripping obriga o ouvinte a carregar no ‘repeat’ tor alemão não é novo nestas andan- inspiração cristã mas com ambigui- Blues afirmam-se seguidores dos vezes sem conta. Melody Gardot ofe- ças. E este disco é um bocadinho dade suficiente para baralhar o ou- grandes ‘blues men’ dos anos 30 e rece, com requinte, um cocktail de mais do mesmo, com excepção do- vinte. Há lá gospel, pop e, como ele de vários rockers actuais, de Jon jazz, folk e blues. Dizem que faz lem- seada para os temas “Same ol’ story DISCOS próprio diz, “O Evangelho do Senhor Spencer a Josh Homme, mas rara- brar Peggy Lee ou Tom Waits. E é feat” e “Dove of peace”. As letras dos Jesus Cristo e o Roque-Enrole”. Um mente conseguem içar-se do mime- comparada a Diana Krall e Norah Jo- restantes originais são honestas, sem punhado de canções estupendas so- tismo e de uma reverência excessiva nes. Mas, Melody Gardot - menina surpreender, oscilando entre a soul, bre “o punk que há na minha teolo- aos mestres. Os bons augúrios iniciais que começou a cantar aos 16 anos a folk e o pop/reggae. Sem grande gia”. Sem rodeios: um dos melhores vão-se dissipando na exacta medi- em bares – é, agora, aos 23, mais do envolvimento, propício para ouvir na- [email protected] discos do ano da música portugue- da da repetição de fórmulas do trio que uma mera estreante. Soa a ma- queles doces fins de tarde preguiço- sa. CRISTIANO PEREIRA lisboeta. SÉRGIO ALMEIDA turidade. Vibrante. MARTANEVES sos. DOMINGOS DE ANDRADE Todosossintomas VINTAGE Rock independente de um disco ECM com neurónios

RUI BRANCO 2 Após a primeira declaração de [email protected] óbito feita ao quarteto inglês Bauhaus, em 1983, Ao fim de 12 anos, António Pinho aventurou-se, com , Vargas resolveu sair do seu casu- dos Japan, na condução do pro- lo de música erudita contem- jecto Dalis Car. Foi bom enquan- porânea para soltar o criador e to durou. Durou um LP, “The improvisador de pradarias waking hour”. Depois, seria a ca- jazzísticas que esteve adormeci- minhada a solo do vocalista, que do durante tanto tempo. verteu dois álbuns interessantes Para qualquer pianista gra- – “Should the world fail to fall var um álbum a solo é algo que apart” e “”. está sempre no seu horizonte. Por seu lado, o guitarrista, Da- Mas uma coisa é investir em niel Ash, engendrou o veículo composições de inequívoco Toneson Tail, com oferta de me- estatuto, como os intérpretes dianos discos pop. Mais tarde, de música clássica, outra é viria “Coming down”, notável apostar nos seus originais e, LP em nome próprio. ., ainda por cima, em dose dupla. baixista, também experimentou Em boa hora, António Pinho a solidão. Registou, entre outros, Vargas surge com este “Solo”, “Etiquette of violence” e “Songs gravado durante três dias no from another season”. pequeno auditório do Centro Após os Bauhaus, o irmão de Cultural de Belém, em Dezem- António Pinho Vargas David J., (bateris- bro do ano passado. Aqui revi- “SOLO” ta), dedicou-se apenas aos Love sita temas dos álbuns de jazz and Rockets. É, precisamente, a que deixou no passado, com 8/10 banda do trio Ash, J. e Haskins todos os sintomas de um disco A maturidade com que Pinho que justifica o título deste texto. da ECM: tem o ambiente, o Vargas aborda os temas de jazz Em rigor, o segundo álbum de conteúdo e é tocado por um que compôs no passado não uma discografia que remonta a grande músico. espanta. Em mais de 30 anos de 1985equedesde1999nãoofere- Love and Rockets carreira é um dos músicos nacio- ce notícias originais. EXPRESS Sonoridade diversa nais com maior “background”. “Express” guarda a feliz sim- O pianista e compositor não biose entre a aspereza das gui- 1986 quer catalogar “Solo” como tarras, a doçura da melodia e o proposta de jazz e, se calhar, ções estão carregadas de um in- ne”, “Dinky Toys”, entre outros). carácter onírico das vocaliza- dade dos Love and Rockets em tem razão. Para além dos flui- definível sentimento português. Vargas intitulou os discos ções. Típico rock independente construir um discurso estético dosjazzísticoshámuitasono- E há ainda outro aspecto particu- como “Imperfeições 1” e “Im- de meados da década de 80. imediatamente identificável. ridade dispersa a navegar en- lar: a maioria dos temas estão vi- perfeições 2”. Os próximos ca- No entanto, o que valoriza O problema foi a redundância tre os seus dedos . Há momen- vos no nosso inconscienteeécom pítulos, “Imperfeições 3” e “Im- “Express” – bem como o registo em que acabaram por cair. O tos que nos deixam colados ao prazer redobrado que fruímos as perfeições 4” estão anunciados anterior, “Seventh dream of tee- concerto de hoje, no Porto, sofá lá de casa. Há muita me- novas abordagens (“Tom Waits”, para o próximo ano. Ficamos à nageheaven”,eoposterior, pode esclarecer. Ou talvez lancolia. As suas improvisa- “Fado negro”, “La Corazon”, “Ju- espera. ■ “Earth, sun, moon” – é a capaci- não... EMANUEL CARNEIRO