Diário Da Região São José Do Rio Preto
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São José do Rio Preto ◆ Terça-feira, 3 de novembro de 2020 ◆ 1B REFÚGIO VENEZUELANO Com a crise na Venezuela e a imigração para o Brasil, Rio Preto vira um dos principais locais de asilo de venezuelanos. Cidade aparece atrás apenas da capital, de Guarulhos e de Campinas com mais imigrantes Rone Carvalho Johnny Torres 02/11/2020 [email protected] uando conseguem atravessar a fronteira Os desafios do idioma com Roraima, os vene- zuelanos precisam en- Quando chegam ao Bra- les é quando vão preencher a carar uma nova saga: a sil, uma das principais bar- ficha do curso. Além disso, de conseguir um lugar reiras para conseguir um temos a ideia que o falante para recomeçar a vida emprego é a dificuldade de de espanhol tem maior faci- Q no Brasil. E a região comunicação. Aprender em lidade. Essa facilidade atra- de Rio Preto é um dos destinos pouco tempo uma nova lín- palha um pouco, o aluno se mais procurados pelos imi- gua, como o português, é um sente mais confortável. Ele grantes no Estado de São Paulo dos desafios que os imigran- começa a usar um pouco para esse recomeço. tes venezuelanos precisam do ‘portunhol’. Isso acaba Elsy Sánchez, de 50 anos, é enfrentar para se manter em atrapalhando o avanço do uma entre dezenas de venezuela- território brasileiro. aprendizado. Às vezes tem o nas que fugiram da crise do país “O grande desafio para aprendiz chinês que se torna e desembarcaram no Noroeste esses imigrantes é a plena proficiente mais rápido do Paulista para tentar uma nova integração deles em socie- que o falante do espanhol”. vida. O emprego do marido em dades locais, e um deles é Atuando com os estu- uma usina de açúcar e álcool na o idioma. É algo que limita dantes, Marta conta que se Venezuela teve de ser deixado de muito a capacidade deles depara com muitos venezue- lado, após a crise assolar o país. de conseguir trabalho. O lanos com ensino superior Atualmente, com o marido perfil desses imigrantes é que, ao chegarem no Brasil, trabalhando como pedreiro no muito variado, inclui tan- atuam em ocupações com Brasil, ela tenta encontrar um to migrantes quem têm qualificações menores, como emprego para ajudar nas des- baixa qualificação, como engenheiros atuando como pesas de casa e no sustento dos alguns altamente qualifica- garçons. “A maioria desses dois filhos. “Em novembro de dos”, acrescentou Leandro alunos tem ensino médio ou 2018, vendi minhas coisas para Lima, do Centro de Estu- ensino superior completo, sair da Venezuela. Na época, dos das Negociações Inter- quando chegam acabam ten- já estava tendo muita fome e nacionais da USP. do ocupações em qualifica- dificuldade. Ficamos três dias Um projeto na Unesp ções menores. Dos 10 vene- para chegar na fronteira. Quan- de Rio Preto, liderado pela zuelanos do ano passado, do chegamos em Pacaraima – pesquisadora em estudos três estavam atuando como principal ponto de entrada dos Nancy Rincones linguísticos Marta Lucia faxineira ou domésticas refugiados no Brasil – tinham Gamboa é formada em Cabrera Kfouri, procura e duas como cozinheiras. muitos venezuelanos”, conta. administração, mas ensinar a língua portuguesa Eles acabam fazendo aqui Na chegada ao Brasil, a incer- no Brasil trabalha aos estrangeiros que opta- o que faziam como hobby teza de qual seria o destino da fa- como faxineira ram pela região para morar. lá, por exemplo, cozinhar”, mília. Com ajuda de voluntários, “A primeira dificuldade de- acrescentou. (RC) Elsy morou em Manaus (AM) durante oito meses, até que um projeto filantrópico de uma igreja fez a proposta para virem morar Esse camareiro. “Eles se destacam nos no interior de São Paulo. “Chega- serviços gerais, que exigem pouca dados mos em Rio Preto no ano passado. espalhamento formação escolar e que se pauta É uma cidade muito tranquila, deles por todo na informalidade. Mas uma ou- bem diferente da Venezuela. Gos- tra frente de emprego com vene- Imigrantes interiorizados na Imigrantes venezuelanos Perfil dos venezuelanos região de Rio Preto no Brasil to muito de viver aqui, mas sinto Brasil acontece zuelanos que está crescendo mui- residentes na região São venezuelanos que (mapa da região com cidades) ■ Homens - 52% saudades do meu país”. pelo fato de to é em frigoríficos. Tanto que fugiram do país durante ■ Mulheres - 48% O Atlas Temático das Mi- Roraima não se você ver quais são as cidades a crise socioeconômica e São venezuelanos que vieram, grações Venezuelanas, produ- que mais recebem venezuelanos, política, chegando a fronteira entre 2000 e 2019, para a zido pelo Núcleo de Estudos de ter condições a maioria está em municípios brasileira e, por meio de um região por conta própria não Principais ocupações População da Unicamp, mostra agroindustriais, como no Sul do programa governo federal, fugindo da crise na Venezuela. ■ Estudantes, do lar, de receber foram interiorizados nas que Rio Preto foi a quarta cida- Brasil”, explicou Natália. ■ Cidades com venezuelanos: vendedor ou funcionário do todas as cinco regiões do Brasil. Américo de Campos, Barretos, comércio, pedreiro ou outro de do Estado que mais recebeu Nancy Rincones Gamboa ■ Barretos 39 trabalhador da construção imigrantes fugindo da crise na é formada em administração Bebedouro, Catanduva, pessoas ■ Bebedouro 3 Fernandópolis, Gastão Vidigal, civil, mecânico, bombeiro Venezuela nos últimos dois anos de empresas e professora de hidráulico, encanador, soldador ■ Mendonça, Mirassol, Monções, e meio. Ao menos 232 refugiados Leandro Lima, do educação comercial, mas ainda Catanduva 2 Monte Azul Paulista, Olímpia, e afins, professor, cozinheiro, camareiro, garçom desembarcaram na cidade, desde Centro de Estudos das não conseguiu encontrar um ■ Nhandeara 7 Ouroeste São José do Rio abril de 2018. Em toda a região, fo- Negociações Interna- trabalho na área de formação. Preto, Sebastianópolis do Sul, ■ Rio Preto 232 ram 292 - que estão instalados em cionais da USP “Estou trabalhando como faxi- Valentim Gentil, Vitória Brasil e Barretos, Bebedouro, Catanduva, neira no Brasil. No meu currí- ■ Votuporanga Fonte: Atlas Temático das Migrações Tanabi 3 Venezuelanas - NEPO/Unicamp. Nhandeara, Tanabi e Votuporan- culo coloco minha formação, ■ Votuporanga 6 ga, além de Rio Preto. mas até agora nada”, conta. Para se ter uma ideia, em dois municípios brasileiros, ou seja, Com o dinheiro que ganha ■ Total 292 anos e meio, com o programa fe- em uma a cada cinco cidades como faxineira, Nancy ajuda os deral de interiorização dos imi- do país mora pelo menos um familiares que ficaram na Vene- grantes, Rio Preto recebeu mais venezuelano. Um dos motivos zuela e ainda não conseguiram Arquivo Pessoal do que o dobro de venezuelanos desse espalhamento é que, desde sair do país. “Consigo mandar di- do que nos últimos 19 anos. Fo- de 2018, o Ministério da Defesa nheiro para a minha família, mas ram 232 entre 2018 e 2020 contra faz a Operação Acolhida com o não é sempre que tem faxina”. 95 entre 2000 e 2019, que dei- objetivo de oferecer assistência O estudo mostra que pelos xaram o país por outro motivo, emergencial aos imigrantes e menos três ondas migratórias de como oportunidade de emprego refugiados que entram no Brasil venezuelanos chegaram ao Brasil ou para estudar no Brasil. pela fronteira com Roraima. na última década. A primeira, Contudo, esse número de imi- “Existem diferentes moda- de 2012 a 2014, formada por imi- grantes pode ser ainda maior, já lidades de interiorização, tem grantes altamente qualificados que não inclui os solicitantes de uma que é feita com finalidade de que, em sua maioria, optaram refúgio, ou seja, venezuelanos que emprego, com empresários que por viver no Sudeste. A segunda, ainda aguardam resposta do seu demonstram interesse em contra- de 2015 a 2017, foi de venezuela- pedido. “Esse espalhamento deles tar esses imigrantes, e outra que nos de classe média. E a última por todo Brasil acontece pelo fato é feita por entidades sociais, que onda começou a chegar em 2018 de Roraima não ter condições de dizem estarem dispostas a recebe- - com a crise no país, imigrantes receber todas as pessoas. Além rem essas pessoas, normalmente, mais pobres enfrentaram dias disso, existe um plano do gover- essas são feitas por igrejas”, diz de caminhada a pé para chegar no federal para lidar com essa Natália Belmonte Demétrio, pes- ao Brasil e fugir da fome. questão migratória. Para que não quisadora da Unicamp e coorde- “Eu tive que sair de lá porque haja uma sobrecarga dos serviços nadora-adjunta do Observatório não tinha comida, tudo muito de saúde e educação”, explicou o das Migrações de São Paulo. caro. Lá não tem gás, todo mundo cientista político Leandro Lima, Entre as ocupações mais fre- cozinhando com lenha. Muitas do Centro de Estudos das Nego- quentes dos venezuelanos no Bra- pessoas morrendo porque não ciações Internacionais da USP. sil estão: vendedor ou funcionário tem hospital. Tenho meu filho A pesquisa da Unicamp tam- do comércio, pedreiro ou traba- mais velho, que ainda está lá e não bém aponta que os imigrantes lhador da construção civil, me- conseguiu vir para o Brasil. Fico venezuelanos estão em 23% dos cânico, encanador, cozinheiro e com o coração na mão”, diz Elsy. Elsy Sánchez com o esposo, Edwin Villanueva, e os filhos Edwin Villanueva, Ismael Villanueva e Elías Villanueva.